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Cultura Cultura Jornal Angolano de Artes e Letras ARTES DAVID MVULUBA, ARTISTA PLÁSTICO Pág. 9 A segunda edição do Festival Zwá - Pura Música Mangop abriu a 24 de Agosto, no Palácio de Ferro, com 40 apresentações de músicos nacionais, tendo homenageado os artistas André Mingas, Wyza Kendy, Zé Keno e Mário Silva, pelo contributo prestado à Música Popular Angolana, numa festa da música que durou cinco dias. ZWÁ, PURA MÚSICA MANGOP NA III TRIENAL DE LUANDA Pág. 10 ARTES ECO DE ANGOLA Pág. 3 Nghéri-hi?, fala da génese de um dos lugares mais angolanos que integra também o projecto com- plexo da constituição da Nação Angolana em constante processo de formação e afirmação. A nossa sociedade é multiétnica e plurilingue como é consabido. Deste modo, temos uma multipli- cidade de culturas que conformam «[...] toda a cultura deste variado povo de muitas nações e uma só: Angola». (JACINTO, 1980, p. 6). A contrastar com esta realidade, o Estado angola- no é monolingue, pois conta com uma única língua oficial, o Português. Como é que encaramos as línguas africanas de Angola e, por via disso, as culturas angolanas? Não corremos o risco de estabelecer um isomorfismo? Um estado monolingue estará interes- sado em promover o pluralismo linguístico e cultural? Qual é o nosso conceito de cultura? “JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS COMBATEU O BOM COMBATE” “Não podia deixar os acon- tecimentos que ocorrem neste momento em Angola sem reagir. Então, dediquei dois meses a realizar esta pintura, com o objectivo de agradecer ao presidente. Em 15 anos, José Eduardo dos Santos reuniu o país que estava dividido por causa da guerra prolongada, uniu-nos a todos de Cabinda ao Cunene. Eis o valor do seu percurso, ele combateu o bom combate, até rasgar as suas vestes.”, explica David Mvuluba, artista plástico angolano radicado em Paris, que acaba de pintar uma tela gigantesca, onde aparece a figura do presi- dente cessante a entregar o testemunho da governação de Angola ao candidato do MPLA, João Lourenço, após uma longa travessia repleta de grandes obstáculos. Pág. 7 LETRAS JACQUES ARLINDO DOS SANTOS NGUERI-HI? – MAKA DA GRANDE FAMÍLIA PODE UMA POLÍTICA DE MULTICULTURALIDADE EXISTIR SEM UMA GRANDE NARRATIVA? ARTES 9 Pág. ARTES DAVID MVUL DAVID MVUL UBA, ARTISTA PLÁSTICO DAVID MVUL UBA, ARTISTA PLÁSTICO UBA, ARTISTA PLÁSTICO dois meses a r sem r e momen nest ecimen t “Não podia deixar os ac UBA, ARTISTA PLÁSTICO ealizar esta dois meses a r , dediquei tão . 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TICULTURALIDADE JACQUES ARLINDO DOS SANTOS LETRAS JACQUES ARLINDO DOS SANTOS 7 Pág. ou cinc música que dur ngolana, numa f A úsica P estado à M pr on a, pelo c io Silv ár M é Keno e , Z yza Kendy W , ingas M JACQUES ARLINDO DOS SANTOS línguas afr . o dias ou cinc esta da ngolana, numa f opular úsica P o ibut tr on é Keno e omo é que encar C língua oficial om uma única ta c on c no é monolingue , o Estado angola ealidade r tr on 6). A c JA ngola». 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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras

Chó do Guri conquista, em 2003, o prémio do Institu-to Marquês de Valle Flor para a literatura africana pelo seu primeiro romance, "Chiquito de Camuxiba". Chó do Guri (negação da criança) carrega no pseudónimo o peso de ter nascido �lha de mãe negra e pai branco e, portanto,

ARTES

DAVID MVULUBA, ARTISTA PLÁSTICO

Pág.9

A segunda edição do Festival Zwá - Pura Música Mangop

abriu a 24 de Agosto, no Palácio de Ferro, com 40 apresentações

de músicos nacionais, tendo homenageado os artistas André Mingas, Wyza Kendy, Zé Keno e

Mário Silva, pelo contributo prestado à Música Popular

Angolana, numa festa da música que durou cinco dias.

ZWÁ, PURA MÚSICA MANGOPNA III TRIENAL DE LUANDA

Pág.10ARTES ECO DE ANGOLA

Pág.3

Nghéri-hi?, fala da génese de um dos lugares mais angolanos que integra também o projecto com-plexo da constituição da Nação Angolana em constante processo de formação e a�rmação.

A nossa sociedade é multiétnica e plurilingue como é consabido. Deste modo, temos uma multipli-cidade de culturas que conformam «[...] toda a cultura deste variado povo de muitas nações e uma só: Angola». (JACINTO, 1980, p. 6). A contrastar com esta realidade, o Estado angola-no é monolingue, pois conta com uma única língua o�cial, o Português. Como é que encaramos as línguas africanas de Angola e, por via disso, as culturas angolanas? Não corremos o risco de estabelecer um isomor�smo? Um estado monolingue estará interes-sado em promover o pluralismo linguístico e cultural? Qual é o nosso conceito de cultura?

“JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS

COMBATEU O BOM COMBATE”

“Não podia deixar os acon-tecimentos que ocorrem

neste momento em Angola sem reagir. Então, dediquei

dois meses a realizar esta pintura, com o objectivo de

agradecer ao presidente. Em 15 anos, José Eduardo dos

Santos reuniu o país que estava dividido por causa da guerra prolongada, uniu-nos

a todos de Cabinda ao Cunene. Eis o valor do seu percurso, ele combateu o

bom combate, até rasgar as suas vestes.”, explica David

Mvuluba, artista plástico angolano radicado em Paris,

que acaba de pintar uma tela gigantesca, onde

aparece a �gura do presi-dente cessante a entregar o testemunho da governação de Angola ao candidato do MPLA, João Lourenço, após uma longa travessia repleta

de grandes obstáculos.

Pág.7

LETRAS

JACQUES ARLINDO DOS SANTOSNGUERI-HI? – MAKA DA GRANDE FAMÍLIA

PODE UMA POLÍTICA DE MULTICULTURALIDADE

EXISTIR SEM UMA GRANDE NARRATIVA?

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29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 |Nº 142 |Ano VI • Director: José Luís Mendonça • Kz 50,00

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2 | ARTE POÉTICA 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Cultura

Propriedade

Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - Luanda Redacção 222 02 01 74 |Telefone geral (PBX): 222 333 344Fax: 222 336 073 | Telegramas: ProangolaE-mail: [email protected]

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Nº 142/Ano VI/ 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017E-mail: [email protected]: www.jornalcultura.sapo.aoTelefone e Fax: 222 01 82 84

CONSELHO EDITORIAL

Director e Editor-chefe:José Luís MendonçaEditor:Adriano de MeloSecretária:Ilda RosaAssistente Editorial:Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Fotografia:Paulino Damião (Cinquenta)Arte e Paginação: Jorge de Sousa, Alberto Bumba, Só-crates SimónsEdição online: Adão de Sousa

Colaboram neste número:

Angola: Caetano Cambambe, Carlos Mesquita, J.A.S.Lopito Feijóo K., Lito Silva, Hélder Simbad, Hugo Fer-nandes, Mário Pereira, Victor ChongololaMoçambique: Amosse MucaveleBrasil: Carolina CarminiPortugal: António Justo

Normas editoriais

O jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e re-censões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais.Todos os autores que apresentarem os seus artigos para publicação aojornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmosartigos a outros órgãos. Após análise do Conselho Editorial, as contribui-ções serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serãocomunicados aos autores.

Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos jápublicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12,e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem,ainda, ser enviados no formato em que foram elaborados e também numficheiro separado.

Conselho de Administração

António José Ribeiro

(presidente)

Administradores Executivos

Victor Manuel Branco Silva Carvalho

Eduardo João Francisco Minvu

Mateus Francisco João dos Santos Júnior

Catarina Vieira Dias da Cunha

António Ferreira Gonçalves

Carlos Alberto da Costa Faro Molares D’Abril

Administradores Não Executivos

Olímpio de Sousa e Silva

Engrácia Manuela Francisco Bernardo

a lágrima a uma mulheresta lágrima cristalina que chove dos nossos sentimentos e se cristaliza em nos-sos corações, uma lágrima que verte no olhar das maldades humanas, uma lágrimaque escorre em nossos rostos quando as pessoas não se compreendem, quando elasimaginam algo que nos é dado pela sapiência divina, pela transcendência moral teo-lógica, uma lágrima que inunda e consome, perfura a nossa intimidade, uma lágrimafria, ou aquecida pelos nossos pulsares humanos que se esvaziam gota a gota naemoção da tristeza, da alegria, da nostalgia, da frustração do amor, uma lágrima quenem é do homem, nem da mulher, nem do animal, todos deitam afinal a mesma lágri-ma, por dores, por satisfação, por atingirem o magma da realidade, por terem alcan-çado êxitos ou por serem desfeitos, humilhados, recalcados e extenuados.uma lágrima do escravo, do poeta, do político, do esposa e do esposo, do liberta-dor, do herói, do advogado, do juiz, da criança, do velho, do adolescente, da jovem,enfim, uma lágrima dormida e dorida e espremida, uma lágrima que pertence a to-dos sem distinção da cor, da raça, da etnia, do local onde habita, onde nasceu e de on-de se vai, até no senhor a lágrima habita no coração do centro peitoral de jesus, umalágrima a preto e branco, uma lágrima que se despe das ambições e das humildades,o pobre chora como o rico chora, o presidente chora como chora o operário, o guar-da, deles sai a lágrima. ardente, calamitosa, injuriosa, aficionada, amorosa, vazia oucheia, a lágrima é sempre a água branca, salgada nas vertentes de cada olho e da inte-rioridade humana.

POEMA DE CARLOS MESQUITA

FONTES DE INFORMAÇÃO INTERNACIONAL:

AFREAKAAFRICULTURES, Portal e revista de referênciaAGULHACorreio da UNESCO.MODO DE USAR & CO. OBVIOUS MAGAZINE

Desde a edição passada, AFREAKA  constitui a mais recente fonte da informação dojornal Cultura. Naquela edição (nº 141) publicamos a reportagem da sua coordenadoraFlora Pereira, intitulada BURKINA FASO. ESCULTURAS DE LAONGO. UM MUSEU A CÉUABERTO (páginas 13 e 14).Afreaka é um projecto de mídia alternativa, educação e produção cultural que trazum lado pouco conhecido do continente africano no Brasil, fugindo dos estereótipos co-mo fome, pobreza e passividade, e cobrindo as expressões colectivas e individuais dasculturas locais – tendências, música, literatura, arte, culinária, arquitectura etc.Fundado pela jornalista Flora Pereira e pelo designer Natan Aquino, o projecto teveinício em 2012. Hoje o Afreaka tem mais de um milhão de acessos e 50 mil seguidoresnas redes sociais.Afreaka (www.afreaka.com.br)

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VICTOR CHONGOLOLA Este trabalho pretende efectuar uma reflexão so-bre os conceitos de multiculturalismo e multicultu-ralidade bem como o de isomorfismo, estabelecen-do uma relação com o espaço e a realidade culturalde Angola. O multiculturalismo prende-se com polí-ticas do poder e é positivo, quando consegue pro-mover a diversidade cultural, afigurando-se as dife-rentes culturas como fonte de enriquecimento mú-tuo. Desafortunadamente, pode tomar uma direc-ção oposta, privilegiando uma cultura e desvalori-zando as demais, sendo neste caso fonte de confli-tos. Baseando-nos nas leituras de obras relaciona-das com o tema, bem como noutros trabalhos que sedebruçam sobre cultura, a fim de tornar os concei-tos mais claros, passamos a contextualizá-los para ocaso de Angola, fazendo igualmente ligação com aLei constitucional do país no que diz respeito às lín-guas e à cultura. Esta reflexão leva-nos a admitir quehá muito trabalho pela frente, pois embora a lei es-teja virada para a valorização e promoção das lín-guas e culturas angolanas, na prática, pouco ou qua-se nada se faz para dar visibilidade a tais línguas e,por conseguinte, às culturas que as mesmas veicu-lam, assim como às nossas tradições. Só um conhe-cimento adequado das nossas línguas e das nossasculturas é capaz de promover um maior nível decompreensão entre nós mesmos, pelo que, temosgrande necessidade de estender o prescrito na leipara a prática.IntroduçãoAs relações entre os homens e entre os povosconstituem uma realidade complexa e repleta de si-nuosidades. As sociedades encontram-se organiza-das em classes e estas mantêm entre si relações ca-racterizadas, em regra, por desigualdades, desde asmais manifestas às mais subtis. As elites, a superes-trutura, esmeram-se em emitir declarações que fa-

çam transparecer um clima de harmonia, pois le-vam as classes subalternizadas a crerem que as difi-culdades vividas são ditadas pela própria natureza,fazendo-as, assim, conformar-se com o estado decoisas, quando, a verdade é bem diferente. Se, a da-do passo da história da humanidade, o preconceito eas injustiças se encontravam patentes nas própriasleis, hoje, verifica-se a existência de leis aparente-mente justas, porém, dificilmente se transpõe taljusteza para a prática, ainda dominada por manifes-tações preconceituosas, especialmente, em socie-dades multiétnicas. Este trabalho tem como objecti-vo discutir os conceitos de multiculturalismo, mul-ticulturalidade e isomorfismo, estabelecendo a de-vida contextualização para a realidade angolana.1. A multiculturalidadeSegundo CAHEN (2014), Lorenzo Macagno refe-re-se aos conceitos de multiculturalidade e de mul-ticulturalismo, considerando o primeiro como umasituação e o segundo, uma teoria ou uma política.Nesta ordem de ideias, entendemos por multicultu-ralidade não só a partilha de um território comumpor diferentes culturas, ou “heranças culturais”, nodizer de Cahen, mas também o conjunto de relaçõesque as mesmas mantêm entre si. O multiculturalis-mo reflectiria, então, o olhar do poder para as cultu-ras existentes no território sob sua jurisdição.O autor traz também à luz o conceito de isomor-fismo definido como a identificação exacta entreuma língua, uma soberania e um território. Pode-mos pois, entender o isomorfismo, igualmente, co-mo uma orientação política. Da declaração universal dos direitos linguísticos,depreende-se que cada comunidade linguística temo direito a desenvolver a sua língua, a ser instruídona própria língua, a ser assistido administrativa ejuridicamente na própria língua.Tendo em conta estes considerandos, olhandopara a nossa situação em Angola, sobejamente co-

nhecida como multilingue e sabendo que cada lín-gua veicula uma cultura, surgem, naturalmente, al-gumas preocupações:Quantas comunidades linguísticas existem emAngola? Ao estabelecer o Português como a únicalíngua oficial foi tido em consideração o conceito decomunidades linguísticas? Ou, em nome da unidadenacional, se ignorou a diversidade? Parece-nos que nos encontramos num autênticoisomorfismo que procura identificar o território an-golano e a sua soberania com uma única língua, oPortuguês, votando as línguas africanas de Angola aum verdadeiro abandono. Ora, isso resulta não só nodesprezo da cultura mas também no descaso dogrande número de angolanos que comunicam me-lhor numa ou noutra dessas línguas do que em Por-tuguês, dificultando-lhes, à partida, o direito à infor-mação e ao conhecimento porque expressos emPortuguês. Além disso, reduz-se-lhes significativa-mente a possibilidade de uma participação activa ecrítica na vida da sociedade.Lembra CAHEN (2014, p. 33) que «(n)unca se de-ve esquecer que o famoso “direito à diferença”,quando transcrito na prática, significa a “diferençado direito”». Quer isto dizer que se cada pessoa oucada indivíduo tem o direito de ser assistido na suaprópria língua, é dever e obrigação do Estado criartodas as condições necessárias para que essa línguacumpra realmente essas funções. Uma maneira defazer isso é promover o estudo e o ensino dessas lín-guas, é conhecer e promover as diferentes culturasexistentes no território sob sua jurisdição. É difícil ecomplexo, sem dúvida, mas é o caminho mais segu-ro e promissor para alcançar tal desiderato.2. Os universalismosAs reivindicações que se façam têm, na maior par-te dos casos, senão sempre, como finalidade a buscade uma sociedade mais inclusiva. Os homens e osgrupos sociais lutam por uma afirmação ou seja por

ECO DE ANGOLA | 3Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017

Reflexão sobre o texto prefacial “PODE UMA POLÍTICA DE MULTICULTURALIDADE

EXISTIR SEM UMA GRANDE NARRATIVA?”

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4| ECO DE ANGOLA| 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Cultura

uma presença concreta na sociedade, aspiram porum protagonismo na condução do próprio destino. Émuito difícil, no entanto, encontrar uma disponibili-dade por parte das elites dirigentes que favoreça amaterialização desses intentos, pois buscam subtilou ostensivamente a instrumentalização das massas.CAHEN (2014) indica dois tipos de universalis-mos: os abstractos e os concretos: os primeiros es-tão relacionados com igualdades teóricas, ideais,consubstanciadas em discursos, às quais falta acomponente prática; os segundos estão relaciona-dos com medidas específicas adequadas à resoluçãode problemas concretos com características parti-culares. Estes conceitos remetem-nos aos de igual-dade e de equidade, e bem assim, às diferenças iden-tificadas entre os mesmos. Enquanto a igualdadeequivaleria a pôr um bem à disposição de todos, aequidade preocupar-se-ia em proporcionar condi-ções a cada um para que realmente usufrua daquelebem. Enquanto essas condições não existirem nãose pode falar de justiça.Com efeito, o acesso a um determinado bem não édado pela sua existência, mas pelas condições deque cada um dispõe para poder usufruir do mesmo.É, pois necessário dotar as pessoas de meios que asajudem a alcançar aquilo de que têm direito, sob pe-na de se cair em abstracções que nada mais promo-vem senão desigualdades sociais, uma vez que aqui-lo que é visto como de todos, na verdade é para o cír-culo restrito de indivíduos. 3. A cultura e a identidadeSegundo MORIN (2000, p. 56), «A cultura é cons-tituída pelo conjunto de saberes, fazeres, regras,normas, proibições, estratégias, crenças, ideias, va-lores, mitos que se transmite de geração em gera-ção, se reproduz em cada indivíduo, controla a exis-tência da sociedade e mantém a complexidade ideo-lógica e social».Sem cultura o homem não é digno desse nome. É acultura que lhe abre o mundo de significações. É acultura que estabelece a diversidade humana na suaunidade biológica. Dado que cada cultura represen-ta uma maneira própria de conceber o mundo, a im-posição de determinadas culturas sobre as outraspode gerar conflitos.ABBAGNANO et al. (1992) falam de culturas está-ticas ou primárias e culturas dinâmicas ou secundá-rias, entendendo as primeiras como as conservado-ras ou aquelas que atribuem um carácter sagrado àsnormas que permitem a sobrevivência do grupo,sendo a violação das mesmas passível de sanções.As culturas dinâmicas são aquelas abertas às inova-ções e possuem instrumentos que lhes permitemenfrentá-las, compreendê-las e utilizá-las. Quer di-zer que estas sociedades, através de um olhar críticosobre as novidades, são capazes de fazer uma filtra-gem àquilo que lhes chega de outras culturas e in-corporar o que nelas encontram de positivo.Ora o contexto actual parece desfavorável à ma-nutenção das culturas estáticas, que serão, hoje emdia, muito reduzidas, pois, se por um lado, temos deadmitir o contacto entre povos antes da expansãoeuropeia, que foi feita de modo extremamente vio-lento para as culturas locais, visando a sua neutrali-zação, estas embora tendo resistido, foram, aindaassim, incorporando elementos das culturas euro-peias, representados especialmente pela língua. A cultura é igualmente a base da construção daidentidade. KALUF (2005) identifica três funções dacultura, entre as quais:1-Prisma através do qual o homem interpreta omundo, dá sentido à vida em sociedade, organiza assuas relações com outrem;2-Vector da identidade;3-Reúne os seres humanos numa humanidadecomum.

Como se pode ver, sem cultura não há identidade,pois esta implica sempre a presença do outro, a qual,por sua vez, só é possível se for vista como uma rela-ção. A identidade apresenta-se a dois níveis: a indi-vidual e a social ou cultural. A primeira é a que fazcom que um indivíduo seja aquilo que realmente é enão se confunda com o outro e a segunda é a que de-termina que um grupo seja o que verdadeiramente ée não outro (PAPILA, et al., 2001). A identidade indi-vidual forma-se dentro de um contexto grupal, a fa-mília, os amigos, a comunidade, a igreja e outros. Ogrupo fornece o substrato cultural para o indivíduo,e, como ele não é passivo, trabalha-o, renova-o, inte-rioriza-o, torna-o seu, uma vez que lhe transmite al-go da sua personalidade e, com isso, influencia tam-bém a cultura do grupo a que pertence.A identidade social ou cultural consiste na especifi-cidade de cada grupo humano, naquilo que asseme-lha os seus constituintes e os diferencia dos outros.Uma vez que, a cultura não é estática, a identidadeque em grande medida depende dela também não oé. Assim, uma pessoa pode ter tantas identidadesquantos os grupos, cujos valores for incorporando eque marcam presença na sua maneira de viver e deactuar. Deste modo, uma pessoa que exerça a profis-são de professor e tenha a sua consciência étnica,identificar-se-á com os valores da sua profissão e aomesmo tempo com os do seu grupo étnico.Por outro lado, o próprio facto de cada indivíduo etodos os grupos humanos possuírem uma culturaestá na base da terceira função da cultura, pois surgecomo um atributo comum a todos os homens e a to-dos os agrupamentos humanos, o que leva, logica-mente, a olhar para os outros homens e para os ou-tros grupos. No dizer de KALUF (2005, p. 17) «[...]cultura es [...] tambén una manera de ver a otros, depensar-se com ellos, de tomar conciencia de que apertenencia a un grupo comanda al mismo tiempociertas reglas de relación com los otros.» Em última

instância, pode dizer-se que esta função da culturaconsiste em permitir a convivência humana na suadiversidade e a todos os níveis. Infelizmente, nemsempre isso tem sido possível, ao longo da históriada humanidade, marcada por desentendimentos eguerras, resultantes das tentativas de impor umacultura às outras, procurando ofuscá-las ou eliminá-las. Com isso, procura-se igualmente anular a identi-dade dos grupos subjugados bem como de seusmembros. Tais posicionamentos são decorrentes dopreconceito social nas suas diversas manifestaçõesque levam os seus protagonistas a pensar que o seugrupo ou a sua classe tem mais valor que os outros,coarctando a estes as possibilidades de realização.Assim, o reconhecimento da diversidade culturalafigura-se hoje como uma das condições para a paz.Isto implica a criação e a implementação de políticasinclusivas e participativas que, além de contribuí-rem para a compreensão do estado de coisas, pro-porcionem a todos os grupos e a cada indivíduo umaoportunidade de participar conjuntamente com osdemais na resolução dos problemas que os afligem. As políticas têm um papel determinante no quediz respeito ao clima que se vive numa determinadasociedade. Já ABBAGNANO et al. (1992) diziam queo progresso intelectual que a Grécia conheceu nãose deveu à excepcionalidade do seu povo, mas sim àspolíticas empregues, que favoreciam o desenvolvi-mento do pensamento. Para não variar, diz a decla-ração da UNESCO sobre os direitos culturais, artigo2 que «[...] o pluralismo cultural é propício aos inter-câmbios culturais e ao desenvolvimento das capaci-dades criadoras que alimentam a vida pública.».Quer dizer que a diversidade cultural, longe de criarproblemas para a sociedade, enriquece-a, pois podeoferecer diversos ângulos para encarar um determi-nado problema e alargar o leque de soluções para omesmo, o que se pode traduzir numa oportunidadede crescimento e progresso das culturas.

Imagem de um dos quadros do pintor moçambicano Malangatana

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ECO DE ANGOLA | 5Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 20174. Situação em AngolaA nossa sociedade é multiétnica e plurilingue co-mo é consabido. Deste modo, temos uma multiplici-dade de culturas que conformam «[...] toda a culturadeste variado povo de muitas nações e uma só: An-gola». (JACINTO, 1980, p. 6). A contrastar com estarealidade, o Estado angolano é monolingue, poisconta com uma única língua oficial, o Português. Co-mo é que encaramos as línguas africanas de Angolae, por via disso, as culturas angolanas? Não corre-mos o risco de estabelecer um isomorfismo? Um es-tado monolingue estará interessado em promover opluralismo linguístico e cultural? Qual é o nossoconceito de cultura? Reduziremos cultura a mani-festações como canções e danças tradicionais ou elaé, para nós, o fundamento da própria existência so-cial do ser humano? Estas são algumas das pergun-tas que se impõem e que nos lançam para uma refle-xão séria. Se a cultura é o fundamento do ser huma-no como pessoa, subalternizá-la ou submetê-la aodescaso equivale a maltratar o homem, a compro-meter a sua realização. Da mesma forma, obrigarqualquer indivíduo ou povo a adoptar uma outracultura, forçando-o a abandonar a sua, é praticarviolência, pois equivale a despojá-lo da sua baseidentitária, a desenraizá-lo e torná-lo vulnerável aquaisquer influências externas. A influência entreculturas só é positiva quando baseada na interac-ção, ganhando cada uma algo de novo, com a pre-sença das outras. Direccionando a nossa reflexão sobre a língua,vejamos o que nos dizem algumas passagens da de-claração dos direitos linguísticos da UNESCO:Artigo 15º 1. Todas as comunidades linguísticas têm di-reito a que a sua língua seja utilizada como línguaoficial dentro do seu território2. Todas as comunidades linguísticas têm di-reito a que as acções judiciais e administrativas, osdocumentos públicos e privados e as inscrições emregistos públicos realizados na língua própria doterritório sejam válidos e eficazes e ninguém possaalegar o desconhecimento da língua.Uma reflexão sobre a nossa realidade linguística,tendo em conta os artigos citados, deixa claro quehá ainda muito por se fazer, pois o Português é a úni-ca língua oficial de Angola, embora não seja faladopor todos. Além disso, os estudos sobre as línguasafricanas de Angola são escassos e quase inexisten-tes, o que representa uma dificuldade acrescida pa-ra transformar em realidade o disposto na declara-ção referida.Tendo em conta que há uma parte considerávelde angolanos que não falam a língua portuguesa,depreende-se que a sua relação com a vida públi-ca do país, a sua participação activa na sociedade,como agentes da mudança, está comprometida.Isto também é uma forma de exclusão e, como tal,gera conflitos.Como ficam o nosso multiculturalismo e a nossamulticulturalidade? Relativamente à multiculturali-dade, sabe-se que Angola é um país de diversas cultu-ras e de diversas línguas, correspondendo cada umadas línguas africanas locais a uma cultura própria e oPortuguês ao que se deveria chamar de língua gera-dora do espaço da referida multiculturalidade. Quanto ao multiculturalismo, ou seja, às políticasviradas para a cultura, encontramos referências inte-ressantes na Constituição da República de Angola: nopreâmbulo, a tradição africana é referida como sendoo substrato fundamental da cultura e identidade an-golanas. Quer dizer que, se nos desligarmos das nos-sas tradições perdemos a nossa identidade, já não se-remos nós. Então, por mais que incorporemos ele-mentos positivos de outras culturas, o pano de fundodeve ser sempre o conhecimento transmitido pela

tradição africana, pois é este que nos vai permitir dis-cernir aquilo que de outras culturas podemos incor-porar ou não. Os aspectos positivos vindos de fora de-vem servir para o enriquecimento do que é nosso enunca para extingui-lo. Ainda na Constituição, veja-mos o que nos dizem algumas passagens:Artigo 12º(Relações internacionais)3-A República de Angola empenha-se no reforçoda identidade africana e no fortalecimento da acçãodos Estados africanos em favor da potenciação do pa-trimónio cultural dos povos africanos.Artigo 21º(Tarefas Fundamentais do Estado)c) Criar progressivamente as condições necessá-rias para tornar efectivos os direitos económicos, so-ciais e culturais dos cidadãos;m) Promover o desenvolvimento harmonioso esustentado em todo o território nacional, protegendoo ambiente, os recursos naturais e o património his-tórico, cultural e artístico nacional;n) Proteger, valorizar e dignificar as línguas ango-lanas de origem africana, como património cultural, epromover o seu desenvolvimento, como línguas deidentidade nacional;Estes artigos demonstram bem a preocupação, pe-lo menos ao nível teórico, do Estado angolano com acultura como a chave da identidade de um povo, mascomo o valor duma legislação só se completa com aprática é necessário que se lance um olhar ao que aesse nível tem sido feito. Para tal, tenha-se semprepresente a língua como um bem e instrumento cultu-ral. Segundo o artigo 19º da constituição no seu nº 2,“O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e autilização das demais línguas de Angola, bem comodas principais línguas de comunicação internacio-nal”. Observamos, entretanto, que, em relação às lín-guas africanas de Angola, os esforços neste sentidosão quase inexistentes, pois a distância entre tais lín-guas e as gerações mais novas do país é cada vezmaior. Como já se tem frisado, uma língua, sendo um

produto e um instrumento da cultura, reflecte umamaneira de ver o mundo, por outras palavras, temuma maneira particular de transmitir uma culturatambém particular. Diminuindo progressivamente onúmero de seus falantes, aumentam as dificuldadesde transmissão dessa cultura e como é lógico criam-se problemas de identidade, pois as gerações maisnovas deixam de rever-se nas mais velhas e o inversoé igualmente válido. Além disso a própria língua ten-de a extinguir-se.Precisamos, pois de dinamizar o estudo e o ensinodas línguas africanas de Angola sob pena de cairmosnum isomorfismo. As nossas políticas culturais só se-rão vistas como positivas se se tornarem efectivas, ouseja, quando se tornarem universalismos concretos,quando começarem a reflectir-se na vida dos cida-dãos. Isto implica a promoção das nossas línguas aum nível que permita a participação de todos na vidada sociedade e na resolução dos seus problemasusando as línguas que realmente falam e entendem,aquelas que reflectem a sua cultura.5. ConclusãoFalar de multiculturalidade e multiculturalismoremete-nos a um espaço geográfico e social onde coe-xistem várias culturas. A multiculturalidade pode serentendida como sendo a qualidade dessa coexistên-cia. O multiculturalismo pode ser visto como o esfor-ço empregue pela superestrutura para promover es-sa coexistência ou, se se quiser, a diversidade culturalque impulsiona o progresso, pois gera uma influênciaintercultural positiva e, por isso, desejável; pode, pe-lo contrário, tomar o sentido oposto, submetendo asdiferentes culturas a uma única subliminarmente ti-da como a melhor. Em Angola, as nossas culturas só serão preserva-das e desenvolvidas se os itens pertinentes, constan-tes da lei magna do país e da declaração universal dosdireitos linguísticos tiverem um segmento prático. Sóconheceremos profundamente as nossas culturas seestudarmos e ensinarmos as nossas línguas e viver-mos as nossas tradições naquilo que as mesmas têm

Prova da criatividade da obra do artista plástico Malangatana

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6 | eco de angola 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Culturade positivo. Por outro lado, só quando formos verda-deiramente conhecedores das nossas culturas, esta-remos em condições de filtrar elementos de outrasculturas e agregá-los às nossas, enriquecendo-as. Fri-se-se ainda que, conhecendo as nossas culturas, esta-remos em melhores condições de nos compreender-mos entre nós mesmos na nossa diversidade.__________________________

Referências bibliográficasABBAGNANO, Nicola y VISALBERGHI, A. Históriade la Pedagogía. Madrid: Fondo de Cultura Econó-mica, 1992. ISBN 84-375-0005-2.CAHEN, Michel. Pode uma política de multicultu-ralidade existir sem uma grande narrativa? (17-35)in MACAGNO Lourenço. O Dilema multicultural. Cu-ritiba Ed. UFPR; Rio de Janeiro: Graphia, 2014.JACINTO, António. Prefácio à Primeira Edição. InRosário Marcelino [autor do livro]. Jisabu. 2ª Edição.Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1991. KALUF, F. Cecília. Diversidad cultural – Materialespara la Formación Docente y el Trabajo de Aula. San-

tiago do Chile: Oficina Regional de Educação daUNESCO para America Latina y el Caribe, 2005.ISBN 956-8302-60-3.MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários àEducação do Futuro. São Paulo: Cortez; DF: Unesco,2000. ISBN 85-249-0741-X.PAPILA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos, FELD-MAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento Humano. 8ªed. São Paulo: Artmed, 2001. ISBN 0-07-232139-3.Assembleia Nacional. Constituição da Repúblicade Angola. Luanda: s. n.: 2010. Disponível em<www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/pt/ac/ao.001pt.pdf>. Acesso a 10 de Julho de 2017.UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversida-de Cultural. S.l.: s.n., 2002. Disponível em <unes-doc.unesco.org/imagens/0012/001271/127160por.pdf>. Acesso a 7 de Julho de 2017. Declaração Universal dos Direitos Linguísticos.Linguasagem. Barcelona. 1996. Disponível em<www.letras.ufscar.br/lingusagem>. Acesso a 7 deJulho de 2017.

____________________Victor Chongolola é natural de Chianga/Catchiungo.Licenciado em Língua Portuguesa e Línguas Nacionais.Trabalhou no Hospital Militar da Frente Sul, na DW num

projecto de micro finanças. Presentemente é auxiliar de investi-gação no Gabinete de Línguas do Centro de Investigação e Ino-vação da Universidade Jean Piaget de Angola. Licenciado emEnsino do Português pela UniPiaget de Angola

PETRÓPOLIS SERÁ A CAPITAL MUNDIAL DO CINEMA LUSÓFONO

Na sua primeira edição "O Festival dos Festivais",o PETRÓPOLIS FILM FEST, Congresso Lusófono deCinema idealizado pelo Cineasta Calebe Pimentel epela actriz Surama de Castro, reunirá representa-ções dos principais festivais da CPLP - Comunidadedos Países da Língua Portuguesa. No passado dia 22 decorreu uma audiência públi-ca presidida pelo presidente da Câmara, VereadorPaulo Igor, na Casa Legislativa de Petrópolis, para adiscussão do Projecto de Lei nº 5955 proposto pelopresidente, que cria a semana do Festival de Cinema

Lusófono, a ser realizado na segunda quinzena deMarço, dando continuidade às actividades de come-moração do mês de aniversário da cidade.O evento tem como objectivo chamar a atenção dapopulação e do sector audiovisual lusófono, para oevento que se concretizará em Março. Já foi confir-mada a presença de algumas figuras ilustres, como:o Cônsul -Geral de Portugal no Rio de Janeiro, o Côn-sul Jaime Leitão, do Deputado Estadual Geraldo Pu-dim, do Secretário de Cultura de Estado André Laza-roni e a Coordenadora da Rio Film Commission Tâ-

nia Pinta. Vamos contar com a presença também deoutros ilustres, como o Cineasta Walter Lima Jr. quepresidirá o júri oficial do Festival e do actor ThiagoLacerda. Representações de instituições importan-tes de cinema como a ABRACI - Associação Brasilei-ra de Cineastas, a ABRA - Associação Brasileira deAutores Roteiristas e da BRAVI - Brasil AudiovisualIndependente também já confirmaram presença.O grande diferencial do PETRÓPOLIS FILM FEST(PFF) é a mostra competitiva de trabalhos premia-dos nos principais festivais parceiros de cinema bra-sileiros e lusófonos, criando uma vitrina de projec-ção para o mundo do mais alto nível. Entre as activi-dades propostas pelo evento, haverá mostras de fil-mes de curta e longa metragem dos países de línguaportuguesa, recebendo, também, como convidados,representações de outros países (não lusófonos). O evento visa o fomento e a difusão cinematográ-fica entre os países já citados, agregando países deoutros idiomas, tratando o mundo como o mesmo é,um espaço globalizado com maior interacção atra-vés das artes. Serão realizadas durante o evento dedurante o ano todo, oficinas de cinema e exibiçõesitinerantes nos bairros, buscando uma aproxima-ção maior com o público local.Petrópolis, cidade imperial do Estado do Rio de Ja-neiro, idealizada e fundada pelo português imperadordo Brasil D. Pedro II, que ainda conserva traços euro-peus nas características do seu povo e nos moldes desuas vivências, foi á escolhida para sediar o evento porsuas origens históricas, turísticas e culturais. Petrópolis possui grande potencial para se tornarum pólo de produção audiovisual, com várias TVslocais que apresentam cerca de oitenta programasindependentes, gerando emprego, oferecendo in-formação e entretenimento para o público local. Re-cebe devido aos seus atractivos arquitectónicos enaturais, grandes produções de cinema e TV domundo todo há muitas décadas.Iniciativas como o PETRÓPOLIS FILM FEST con-tribuem para o desenvolvimento económico e ge-ração de empregos em diversos sectores, e para aexpansão do segmento de Turismo e Produção Ci-nematográfica em Petrópolis fortalecendo estepotencial nato.

De 19 a 25 de Março de 2018, Petrópolis será a capital mundial do Cinema Lusófono

Congresso conta com a participação dos principais membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

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LETRAS | 7Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

NGUERI-HI? – MAKA DA GRANDE FAMÍLIA

A Caxinde-Editores e Livreiros apresentou ao pú-blico luandense, no passado dia 17 de Agosto, asduas últimas obras de Jacques Arlindo dos Santos,Nghéri-hi? - Maka da Grande Família e 101 CrónicasDeste e de Outro Tempo".Júlio de Almeida (Jujú) leu e apresentou Nghéri-hi?, “sobre a génese de um dos lugares mais angola-nos que integra também o projecto complexo daconstituição da Nação Angolana em constante pro-cesso de formação e afirmação. (...)Nesta saga gigantesca fala-se do Libollo. Quemnunca lá esteve, quase não precisa de lá ir. Ao ler es-tas densas páginas está-se lá. Paisagens deslum-brantes de florestas, de pedras de formatos origi-nais, de rios e riachos abundantes, de frutas, de chei-ros e de sons são magistralmente apresentadas,descritas ao pormenor, e surgem como que autop-siadas e dissecadas em inúmeros detalhes para de-leite de quem lê. E não esqueço as gentes, os que aliviveram e vivem, (...)personagens como a do patriarca Manuel Jorge,com quem tudo começa, como a do sempre presenteXiku dyá Xiku e a sua arte de sobreviver que o vaitransformando de luandense em libolense, vaiacompanhar a liderança de Francisca Catarina, aprimeira mulata nascida no Libolo. E (...) a beleza dequase todas as personagens femininas que agra-ciam inúmeros parágrafos que nos incitam a conhe-cer este fenómeno estético, micro localizado naque-las áreas libolenses. (...) O que tem NGUERI-HI? O que falta a outros luga-res? Falta-lhes um Jacques Arlindo dos Santos! A tí-tulo de constatação e provocação também, só tenhoconhecimento de outro lugarejo (palavra de vingan-ça) com semelhante potencial: o Golungo Alto. Masfalta-lhes ainda um documento escrito como o que hoje nos é dado a conhecer pelo amigo Jacques.Suspeito que no Planalto Central existem tambémlocalidades que, se houver alma para tanto e dissoresultar relato circunstanciado, poderiam servir devalioso contributo à compreensão do edifício nacio-nal que se vai construindo. Embora impressionado com os acontecimentosnarrados e que se desenvolveram naquelas áreas doCuanza Sul, com centro em NGUERI-HI e que remon-tam a tempos mais antigos, não deixa o autor deapresentar fenómenos e situações que ocorreramem tempos que muitos de nós, os mais antigos, ain-da os vivenciaram: os tempos do neo-nacionalismo,da resistência armada ou clandestina e finalmenteos tempos da Dipanda e dos problemas e outras MA-KA que estamos e, ao que parece, estaremos comelas. Os relatos que este livro contem estendem-seaté aos dias do capitalismo selvagem e de pilhagemque enxovalham o tecido e a memória nacional, pas-

sando pelo saudoso e quimérico projecto de socia-lismo, para o qual faltaram as fundações e diligentesoperários que o pudessem erguer. Também neste relato o autor não escamoteia o fe-nómeno da mestiçagem. Inevitável! Segundo cons-ta, só o patriarca Manuel Jorge terá (exa)gerado cer-ca de cinquenta mestiços! Fruto de relações origi-nais injustas? Quase sempre! Mas presentes! Nãovou cair na imbecilidade que levou a que em temposrecentes se tivesse considerado a mestiçagem comouma raça e se tivesse legislado a sua introdução nobilhete de identidade nacional. Corrigiram o que es-tava mal, mas neste caso, bem se pode dizer "maisvale o nunca que o tarde". Embora como agrupa-mento humano os mulatos sejam tão heterogéneoscomo qualquer outro grupo, com elementos positi-vos e outros também de conduta negativa, não dei-xam de ser um elemento importante da vida, dos su-cessos e insucessos desta mesma vida, actores devalor na gestação nacional. São racistas? Conheci al-guns. Outros que também conheci e conheço eramou são negros, brancos ou matizados dos mais di-versos tons. No geral, oportunistas, mas sempre re-presentando o que de pior se pode encontrar no serhumano. Diria que um ser racista ainda nem sequerdescobriu que também é gente I (...)Por opção do autor, o livro está polvilhado de mui-tos termos, expressões e provérbios que aparecem nalíngua original, o Kimbundu. Alguns destes termostornaram-se já habituais na linguagem de comunica-ção do dia a dia, mas outros aparecem agora, por di-reito próprio, e constituem-se, de per si, no sal, na pi-menta e no jindungo que conferem um prazer e umgosto especial a toda a narrativa que nos é oferecida. JACQUES TOU AQUIAo jornalista Reginaldo Silva coube a tarefa deapresentar o outro livro de Jacques dos Santos, “re-cheado com as suas melhores crónicas, num totalde101, que ele teve a pesada e solitária responsabi-lidade de seleccionar entre todas aquelas que já pu-blicou nos nossos jornais e revistas ao longo das úl-

timas mais de três décadas.” São “crónicas de um li-vro que (...) acaba por nos oferecer, na sua sequênciacronológica, que tem início em Setembro de 92(uma data a todos os títulos simbólica) e se prolongaaté Maio de 2012, parte deste levantamento em ca-pítulos dinâmicos que correspondem aos títulos decada uma das 101 crónicas que aqui renascem paramuitos de nós que tomamos contacto com elas noseu berço original, mas que de certeza hoje só tere-mos já uma vaga ideia do seu conteúdo e muito par-ticularmente do nome de uma das colunas, por sinala mais emblemática, que o autor manteve no Jornalde Angola durante alguns anos. Estamos a falar do"Jacques tou aqui", que acaba por integrar o extensonome da presente obra e que acabou por ser uma es-pécie de simpática alcunha com que o autor era tra-tado pelos seus mais próximos, onde me incluo. (...)As 101Crónicas Deste e do Outro Tempo, de Jac-ques Arlindo dos Santos, é um livro que se recomen-da por várias razões, todas elas convergentes paraum mesmo ponto geográfico, chamado país real. (...)Nas crónicas do Jacques temos pois a possibilidadede revisitar sem outras barreiras bem conhecidas aonível particularmente da auto-censura, este país realnas suas partes mais gagas, mais íntimas, mais com-plicadas, mais sensíveis, onde o destaque vai, no-meadamente, para a questão da coabitação racial, seé mesmo disso que se trata, numa sociedade que, pe-los vistos, ainda nem sequer terminou o processo dedescolonização, tantos são os fantasmas do passadoque nos continuam a atormentar e a condicionar.” Acrescentou ainda Reginaldo Silva que estas cró-nicas falam-nos “de um tempo que nos é bastante fa-miliar, mas também levando-nos com recurso aoflash-back para tempos mais distantes que têm a vercom a infância e a juventude do autor na sua Calulonatal, "onde as rãs ensinaram os sapos a chorar",que é um enigmático provérbio africano que o autorcoloca a rematar uma das suas crónicas, a seme-lhança do que faz com todas as outras, com recursoquer a provérbios, quer a comentários de gente im-portante e clarividente que ao longo dos séculosmarcou a história pela via da sua sabedoria e com-petência.”

Livros foram apresentados ao público em Luanda com a chancela da Caxinde-Editores e Livreiros

Escritor e presidente da Associação Chá de Caxinde

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O livro ora apresentado representa-me, enquantoproposta de reflexão acusatória, procurando al-guém cuja carapuça lhe poderá servir.Não é um livro político. É um livro poético e, ape-sar dos pesares, proponho-me cada vez mais deli-tuoso. Não estranharei se , em razão de uma qual-quer e descabida acusação , vir a ser indiciado porcrimes de excessivo hermetismo. De uma tentativafrustrada de um tal experimentalismo de artísticoou mesmo de um outro superficial mas provocadore supostamente ultrapassado concretismo poético. Na esteira de do meu grande amigo -o poeta- JoséAlberto Marques, sou devoto de uma linguagem pa-ra–excessiva (com alguma interpenetração idiomá-tica) sem controlo académico e com nenhumapreocupação erudita. Escrevendo, sonhamos ser cada vez mais HO-MEM PLURAL. Espelho de reflexão e estudo. De ris-co sem rede no futuro. Estamos sempre predispostos a reescrever, ris-cando, correndo o risco de arriscar mas, jamais des-corando o legado do poeta Rui Duarte de Carvalho,em razão dos acentos nos tempos e da urgência desinais que comandam a emoção, abandonado queestá, o timbre do momento e da paixão pois, antes detudo: HUMILDADE é a regra primeira.Pensamos ser, sobretudo, um aprendiz de poetaou um escritor que se emenda quotidianamente.Um leitor ou consumidor de poesia e de poéticas.Daqueles que anda consigo mesmo ao colo, sempresem medo de famosos e fantasmas… em razão do li-terário colesterol que ainda graça entre nós. Toda escrita é uma longa, duradoira e misteriosa

doença transmissível. Sofremos com ela. Médicos de um lado e pacien-tes de outro. Sofremos todos. Escritores e leitores.Sofremos. Sofrem as estantes e os instantes. Sofrematé os nossos ancestrais. As pessoas que nos ro-deiam. Os nossos entes queridos e mesmo aquelesque detestamos. Sofrem também. Sofrem muito, atéos que nos apartam. O que mais importa é o aumento da dose medica-mentosa ou, se quisermos também, o aumento dotamanho dos pacotes , caixas ou frascos dos medica-mentos que suportam, melhoram e elevam a nossaconsciência artístico-literária. O segredo reside, na esteira de Eugénio de Andra-de, em deixar que a palavra amadureça… se des-prenda e caia, como um fruto maduro, assim quepassa o vento que ela merece. Finalmente… Ser cada vez mais original porque ,como dizia o poeta José Régio, ser original é sim-plesmente ser verdadeiro consigo mesmo. É justamente isso vimos tentando ser. Cada diamais verdadeiro, fazendo de cada livro um outro li-vro. Com uma outra e nova proposta. Com uma novae outra mensagem – querendo ser – na medida dopossível, cada vez mais original debulhando e rein-ventando a língua! Texto lido pelo autor, no acto de lançamento da obra de poesiaIMPRESCINDÍVEL DOUTRINA CONTRA, no passado dia 16 de Agosto de 2017, no CAMÕES/Centro Cultural Português.

8 | LETRAS 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | CulturaJ.A.S. LOPITO FEIJÓO K.

IMPRESCINDÍVEIS PARÁGRAFOS DOUTRINÁRIOS

(I)Twana twetu twala ni nzalaNzala mu mala yavulu kujizaIlembwesa tumbonga kutuzaKala mu ukambelu wa nzala!(II)Tumbonga twiyadi tweza kyaTweza mu ukyelu wa mbumbiNi inama ya yaxidi kala alambiTwabingi kima kala tumenya!(III)Menya makamba, nzala ivula –Ni ukudilu wa ufwilu usungaWoso wandala we kudivungaNi kivungu kya kudizediwila!(IV)Sembele ngakexile kitumbaMuthu wakambe kuxinganekaUna ukala kukingidila o ubekaSumbala ndumba kudisamba(V)Mala mala ni nzala mu malaAtala mu ngongo mu twalaNi mesu ma kudila, kuvwalaO kizwa kyengi mu sanzala!

(VI)Sembele ngendele mwazangaKudisanga ni makamba mamiMangijidisa o kitundilu kyamiMukuya mu kilunga kyakalunga!(VII)Twana twami tweza kungimonaKusanjuka kwami kwangikambeNgitenami dingi kwaamona mbeKudya kwakambe; kwasonona

OTWANA TWETU AS NOSSAS CRIANÇAS

Livro traz uma linguagem excessiva e sem preocupação erudita

(I) Os nossos filhos estão com fome/A fome nabarriga teima em demasia/Que faz impedir ascrianças de mexericar/Tal como na ausência defome!

(II) Já chegaram duas crianças/Vieram do jogo dabola/Com os pés sujos como enterradores/Pediramalgo como água!

(III) A água falta, e a fome cresce/Com o cresci-mento da morte que puxa/Quem também se quer en-cobrir/Com a manta da felicidade!

(IV) Seria razoável se eu fosse um parvo/Alguémsem raciocínio/Aquele que fica à espera dasolidão/Apesar de muitos festejarem!

(V)Os homens que têm fome na barriga/Olham, nomundo em que estamos/Com olhos de chorar, de nas-cer/Um outro dia na sanzala!

(VI) Seria razoável que eu fosse à ilha/Encontrar-me com os meus amigos/Que me fazem entender aminha saída/Quando for rumo ao mar!

(VII)Os meus putos vieram ver-me/Falta-me a ex-trema alegria/Não posso mais vê-los se/Falta a co-mida que caiu

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ARTES | 9Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017

“As eleições em África têm sido motivo de temor, sobretudose o presidente em exercício volta a apresentar-se como candi-dato.Desde que o presidente José Eduardo dos Santos anunciouque não seria candidato às eleições de 2017, foi quando disseparta mim mesmo que este estadista merece um agradeci-mento. Nesse instante, surgiu em mim a inspiração para pintaresta obra”, explica Daviod Mvuluba, artista plástico angolanoradicado em Paris, que acaba de dedicar várias horas do seutempo a exercer a nobre arte de pintar para elaborar sobreuma tela gigantesca, de 2 metros de largura, por 7 de compri-mento, onde aparece a figura do presidente cessante a entre-gar o testemunho da governação de Angola ao candidato doMPLA, João Lourenço, após uma longa travessia repleta degrandes obstáculos.David Mvuluba, explicou ao jornal Cultura o significadoda sua obra: “Eis o valor do seu percurso, ele combateu o bom comba-te, até rasgar as suas vestes.Em 15 anos, José Eduardo dos Santos reuniu o país que esta-va dividido por causa da guerra prolongada, uniu-nos a todosde Cabinda ao Cunene.Hoje, ele passa a bandeira que representa o país, através daseleições livres, entregando o poder ao povo, por isso, uma vezmais obrigado.Não podia deixar os acontecimentos que ocorrem neste mo-mento em Angola sem reagir. Então, dediquei dois meses a rea-lizar esta pintura, com o objectivo de agradecer ao presidente.Tema da obra: OBRIGADO”.

DAVID MVULUBA, ARTISTA PLÁSTICOJOSÉ EDUARDO DOS SANTOS COMBATEU O BOM COMBATE

QUEM É DAVID MVULUBA?Nascido a 27 de Setembro de 1971 na Damba, Uíge,filho de Bacu André e Londa Madalena, David Mvulubaconsidera-se um artista plástico autodidacta. A sua primeira exposição individual decorreu em1996, no Hotel Méridien e no Hotel Panorama. Tam-bém expôs: 1997 – Windoeck (Namíbia)1998 – Joanesburgo (África do Sul)1999 – Hotel Méridien (Luanda) 2000 – Hotel Méridien (Luanda) 2004 – Restaurant Shana Melun (França)2005 – 15, avenue Général de Gaulle Melun(França )2006 – 126, rue Gabriel Péri Gentilly(France )2011 – Setembro, Consulado de An-gola em Paris (França)2011 – Novembro, Embaixada deAngola em Paris (França)2016 – UNESCO (França).Email: DAVID MVULUBA<[email protected]>Telefone: 0033618978136YOUTUBE : Artiste peintre David MVULUBA

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ADRIANO DE MELO |

Diversidade e tradição. Duas palavras que podem defi-nir o que foi esta edição do Festival Zwá, um dos váriosprojectos da III Trienal de Luanda. A estas duas palavraspodemos acrescentar inovação e oportunidade, justifi-cadas por cada um dos jovens e promissores artistasconvidados, que em 5 dias ajudaram a mostrar o melhorda música angolana.Num total de 40 bandas, o Festival Zwá | PuraMúsica Mangop apostou na diversidade de sons eritmos, para chamar a atenção para a importân-cia da inovação, assim como da recuperação dasraízes da música angolana. Entre rostos conheci-dos, das edições anteriores, a novos, convidadospela primeira vez, o projecto procurou apostar nadiferença. O convite não se resumiu apenas à ban-das, mas incluiu também cantores, como FilipeMukenga, Maya Cool, Amosi Just a Label, ou SanSalvador, que deram “vida” ao primeiro dia do fes-tival, aberto ao público a 24 deste, no Palácio deFerro, em Luanda.Durante uma hora e durante 5 dias, cada um dosconvidados, ajudou a fazer do Palácio de Ferro ocentro da música angolana. Conjuntos como o Kam-ba dya Muenho e a Banda Maravilha também mos-traram o seu melhor, mesmo no primeiro dia do fes-tival, levando à apreciação do público o melhor dassuas criações.Com abertura marcada para as 16h00 e o encer-ramento previsto para a meia-noite, o primeiro dianão teve nas primeiras horas o público tão espera-do pela organização. Talvez fosse a expectativa demuitos por não saberem o que poderiam esperar.Mas, já no final do dia, o som contagiante começoua “puxar” muitos, curiosos e aficionados, para ve-rem quem estava no Palácio de Ferro. Até as últi-mas horas do dia 24, a afluência já era positiva. Osdias seguintes foram bem diferentes. O interesse

do público era uma realidade e assim permaneceuaté o último dia, ontem.A selecção dos artistas, com nomes da primeiraedição do projecto, foi feita a pensar no público devárias idades e os resultados não se fizeram espe-rar. Kotas e jovens marcaram presença nos 4 diasdo festival e mostraram a importância de existi-rem projectos como o Zwá, a criar uma ponte entrevárias gerações.Desde o primeiro até ao último dia, este elo entregerações ficou bem visível com artistas mais novos arecordarem a geração dos kotas. A performancedestes teve recepção positiva do público, o que de-monstra que a passagem de testemunho tem estadoa ser assegurada e o futuro da música angolana con-tinuará a estar, constantemente, ligada à preserva-ção e divulgação do seu passado.Quem esperou ver uma “repetição” da edição an-terior ficou bastante surpreendido com o que viu aolongo desta edição do festival, que já tem novos pro-jectos, um dos quais inclui a realização de uma edi-ção especial na província do Uíge, para homenagearo malogrado músico Wyza. A diferença foi notória também na estrutura dofestival. Para esta edição, a equipa organizativa, li-derada por Fernando Alvim, coadjuvado por MaritaSilva, decidiu criar quatro palcos, Kwanza, Axiluan-da, Bengo e Ngola, montados de forma a permitir aopúblico deslocar-se rapidamente de um para o ou-tro e ver os artistas a actuarem. Todos eles foram fei-tos a pensar também na questão da interactividadeentre os artistas e o público.OS ESPECTÁCULOSA abertura desta edição do projecto Zwá esteve acargo de nomes consagrados da música nacional,como o agrupamento Kamba dya Muenhu, que apartir do palco Kwanza, deu as boas vindas, à pla-teia. Embora não tenha começado na hora certa,devido em parte ao número reduzido de pessoas

na plateia, o espectáculo justificou a espera dequem chegou cedo.Depois foi a vez do Duo Canhoto (também no pal-co Kwanza) provar que já conseguiu conquistar umespaço entre os apreciadores da música angolana.Uma hora depois subiram ao palco Jam Session, SanSalvador e Amossi Nkanga. O primeiro e o último ac-tuaram no palco Axiluanda, enquanto o segundo ac-tuou no palco Bengo.A abertura do palco Ngola ficou sob a responsabi-lidade de Filipe Mukenga queprendeu o público, apartir das 21h00. A Banda Movimento e Maya Coolgarantiram o encerramento com o melhor das suascomposições. Um dos destaques do final do dia foi otema “País Novo”, interpretado por Maya Cool.O dia seguinte ficou reservado para novos no-mes da música nacional. Com o horário já a ser res-peitado, o festival abriu com o grupo Semba Muxi-ma. O Duo Canhoto foi convidado a fazer a sua se-gunda apresentação. O espectáculo seguiu até às18h00. Depois foi a vez do conjunto Os Kiezos as-segurar o espectáculo. Uma hora depois, o grupo Kituxi, com o pianistaJoão Oliveira e o baixista Kappa D, materializaramum projecto especial de valorização dos ritmos an-cestrais com sonoridades de jazz, criado pela orga-nização, de forma a apresentar propostas inovado-ras entre o tradicional e o moderno. O casamento foiexcelente e mostrou que é possível reaproveitar edar um novo rosto aos temas antigos.Eram já 21h00, quando o músico Derito subiuao palco e deu continuidade ao espectáculo, comtemas que marcaram os seus mais de 30 anos decarreira. O jovem cantor Adão Minjy e Lito Graça,com a sua “Roda do Semba”, encerraram o segundodia do festival. O terceiro dia foi aberto pelo grupo Yetu, que ex-plorou vários ritmos nacionais, com maior enfoquepara os provenientes das Lundas. Porém, o dia ficoumarcado pela voz de Katiliana & Quarteto.

III TRIENAL DE LUANDA - DA UTOPIA À REALIDADE ZWÁ, PURA MÚSICA MANGOP

SONS DA TERRA SOB O RITMO DA DIVERSIDADE

10| ARTES| 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Cultura

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ARTES | 11Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017O seu ritmo “jazzístico” e da “world music” trouxealgo diferente aos habituais sons da III Trienal deLuanda. O elenco do dia incluiu ainda nomes como ogrupo MM Yetu, Jay Lourenço, Os Jovens do Prenda,Ângelo Boss, Totó St, as Estrelas do Inter-Palanca eJorge Rosa. Nesta sequência e em uma hora, cada umdeles mostrou a razão de terem conquistado um no-me no mercado artístico nacional. O público assim oprovou, pela receptividade positiva que cada um ob-teve no final das suas actuações.Neste dia, o público teve algo completamentediferente do comum, em termos de ritmos. O soule o r&b marcaram presença sob a responsabilida-de de Jay Lourenço. O cantor, assim como Katilia-na, têm mostrado, ao longo da Trienal, a beleza denovas sonoridades e a sua aceitação, em especial,entre os jovens.No mesmo dia, os veteranos Jovens do Prendajustificaram o convite feito a eles e aproveitaram aocasião para fazer uma homenagem a um dos seusmaiores artistas e membro fundador, Zé Keno, quemorreu este mês. Outro nome que se tem reveladoum sucesso na Trienal é Ângelo Boss que, depois deanos de ausência entre os seus fãs, regressou com osseus êxitos. Totó St também está entre os artistas dedestaque do terceiro dia, em parte, e de acordo comdados da organização, por ser um dos artistas com amelhor média de assistência da Trienal.As Estrelas do Inter-Palanca, com Teddy Nsin-gui, Mogue e Timex, deram o impulso necessário,sob a liderança do músico Matadidi Mário, paraJorge Rosa fechar a noite com os temas do seu dis-co, “Axiluanda”.Domingo, o penúltimo dia do festival, teve comodestaque os artistas que deixaram marcas no meiomusical nacional. O espectáculo foi aberto peloagrupamento Nguami Maka, no palco Kwanza. De-pois, para surpresa de muitos, subiu ao palco o res-surgido grupo Facho, que em anos idos ajudou a no-tabilizar o cantor Bell do Samba. Para este reapare-cimento o grupo surgiu com alguns dos seus antigosmembros, dentre os quais Lito Graça, Zé Manico,Luís Lau, Lanterna, Beto Perdeneira, Jacaré, Babelo,Rioltino Fançony, Chico Santos e Segura Show. Oconjunto pertenceu às extintas Fapla.Outro dos nomes de destaque do festival, no do-mingo, foi Lípsia, que fez a sua segunda actuação indi-vidual, na Trienal. Euclides da Lomba, outra das refe-rências do projecto, voltou a estar em grande, ao dar oseu melhor para o público, a partir das 21h00. Legali-

ze foi o penúltimo cantor a subir ao palco, antes doProjecto Memórias encerrar o dia, com Toni do FumoJr a interpretar temas do seu falecido pai e de outrosgrandes nomes da música popular nacional.Ontem, último dia do festival, várias foram asatracções. Kituxi foi o primeiro a subir ao palco.Uma hora depois foi a vez da Banda Inoji, do Nami-be, justificar o seu convite para esta edição. Comomuitas das surpresas do festival, os irmãos Etiene eEdson Costa, associados a Gato Bedseyele e N’she-riff, dos Afra Sound Stars, não decepcionaram.Katiliana fez a sua segunda edição no projecto,mas desta vez apenas com o pianista João Oliveira,para mostrar o resultado da residência artística dosdois. Das 19h00 até às 21h00, o festival ficou sob aresponsabilidade das bandas Welwitschia e Next,com temas nacionais e fusões de pop a serem os gé-neros predominantes.Como um dos rostos habituais, Mito Gaspartambém marcou a sua presença nesta edição doZwá, para propor uma viagem ao melhor da suacriação. O encerramento do festival ficou a cargodo músico e pesquisador Ndaka Yo Wini, acompa-nhado da sua banda, formada por Nsangu-Zanza(guitarra solo), Kris Kasinjombela (baixo), Jack-son Nsaka (bateria), Dalú Rogér (percurssão) eMoisés Lumbanzadio (teclado).HOMENAGEADOS E BALANÇOSQuatro nomes, que durante anos fizeram histó-

ria na música angolana, foram homenageadosnesta edição. André Mingas, Wyza, Zé Keno e Má-rio Silva. O objectivo da distinção foi simples: lem-brar os seus feitos e o contributo dado à valoriza-ção e maior divulgação da música angolana. Da sua maneira, acredita a organização, cadaum dos homenageados ajudou a mudar e a levar amúsica angolana a outros patamares. No país, oualém fronteiras, a sua preocupação com a preser-vação e projecção das raízes da música angolanafoi uma presença nos seus trabalhos.O vice-presidente da Fundação Sindika Dokolo,Fernando Alvim, considerou as homenagens umadas melhores formas de engrandecer o trabalhofeito por estes artistas. Aproveitou a ocasião paraanunciar a realização de um festival, com o nomedo malogrado músico Wyza Kendy, em breve, noUíge, como forma de mostrar mais do seu traba-lho. As receitas obtidas ao longo da actividade, ex-plicou, vão ser revertidas para a família do artista.Quanto à edição anterior, Fernando Alvim fez umbalanço positivo do projecto, porque, justificou,contou com a participação de 272 artistas. Em relação ao balanço da III Trienal de Luanda,Marita Silva, directora-geral da fundação, disseque em 562 dias, aproximadamente 83 semanas,foram realizados 2.568 eventos, ligados à projec-ção e valorização da cultura nacional, nos quaisparticiparam 3.359 artistas e contou com254.664 visitantes.

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CAETANO CAMBAMBEDe acordo com o Dicionário A-Z, preferir é umverbo oriundo da língua latina, ‘’praeferre’’ que, se-manticamente, nos remete para a ideia de ‘’ante-por’’, ’’dar primazia a’’, ‘’escolher’’, ‘’querer antes’’,‘’ter predilecção por’’, etc. Quanto à sua regência, atradição gramatical portuguesa diz que as pessoasdevem preferir uma coisa «A» outra, sob preceito deque ‘’do que’’ só deve ser usado quando o assuntoé/for atinente à «comparação». Não se sabe se em«prefiro arroz do que massa» o sentido é/seja total-mente oponente ou distorcido quanto ao sentidotransmitido pelo «prefiro arroz a massa». Simples-mente não se sabe! Talvez somente ela, a tradiçãogramatical portuguesa, sabe. Só pode!Prefiro arroz à massa: o que é isso? Você preferearroz a massa? Que arroz a massa é esse? Será que éum novo prato, ou se esse arroz é feito à base de mas-sa? São essas indagações que surgem. Não há, doponto de vista linguístico e comunicacional, proble-ma algum em dizer «prefiro arroz do que massa»,pois o falante, por intermédio daquela construção,dá a entender o que na realidade ele tem como prefe-rência. E não há, dentre nós, alguém que possa perce-ber o contrário daquilo que dissemos. Ninguém! Es-ta segunda, com a regência verbal em «A», causa, aoque nos parece, um pouquinho de estranheza às pes-soas, chegando até mesmo a deixar claro um proble-ma de comunicação, a ver-se pelo seu emprego arti-

ficial e meio estranho num dado contexto sociocultu-ral angolano, pois até a segunda, «prefiro arroz amassa», é que parece estar com problemas, carecen-do, de igual modo, de alguns arranjos sintácticos. Pa-ra esse caso, o que a gramática e os seus seguidoresfariam é, no mínimo, tendo em conta os níveis ou re-gistos da língua, aconselhar aos falantes, num tomnão preconceituoso, a fim de terem uma competên-cia comunicativa rígida, isto é, que saibam adequar eusar a língua de acordo com certos contextos situa-cionais, e não simplesmente olhar para o «prefiro doque» como um verdadeiro crime gramatical - o quena realidade não é -, pois é totalmente difícil cumprir,na generalidade, com as ordens emitidas pelas gra-máticas interna e externa. À qual delas o falante vaiobedecer? Àquela que adquiriu inatamente ou àque-la imposta pelo poder político ou por um grupo mi-noritário de pessoas que se acha(m) os «donos» dalíngua? Pois se calhar até o «prefiro A», dentro do seusistema ‘’psicossociolinguístico’’, é como se fosseágua potável em Angola: não existe. Pode-se, sim, adequando-as às situações comuni-cativas, usar as duas construções, embora a segundaseja meio artificial e a mais prestigiada. Quando es-tiver, por exemplo, num meio em que a formalidadelinguística seja indispensável, não há razão por quese deva esquecer da forma instituída pela tradiçãogramatical. Quanto à primeira, se o contexto não exi-gir tanta formalidade linguística, só para não causarproblemas comunicativos, o caro(a) leitor(a), pode,

deveras, usar o ‘’prefiro do que’’. Não há mal algum.O que se deve fazer, na verdade, é adequar a nossafala ao contexto.Trata-se, a nosso ver, de um esforço totalmenteinútil tentar descredibilizar e retirar o «prefiro DOQUE» dos falantes, dizendo que não se diz, até por-que milhares de pessoas já falam assim e, usando talconstrução, não é notório nenhum problema de co-municação no que diz respeito à transmissão demensagem.O «prefiro DO QUE», em Angola, é muito usual; e es-se uso, como se pode notar, não se verifica simples-mente em pessoas de um nível escolar ou económicobaixíssimo, pois até os mais escolarizados usam, ecom bastante frequência, o «prefiro DO QUE». Ora,não sabemos, até certo grau, se se trata de algum acer-to comum entre os falantes deste lindo idioma, portu-guês, pois é notório, até mesmo fora de Angola e donosso continente, África, o seu bom uso pelos falantesda terra do «funk», Brasil. Não seria um dos motivospor que os tradicionalistas deviam parar para repen-sar um pouco, ao contrário de dizerem simplesmenteque «prefiro DO QUE» é erro? Por que não dizer que háduas formas totalmente lógicas em uso? Uma, eleitapelo poder político e por um grupo minoritário; a se-gunda, pelo povo, mas que, no final, transmitem amesma ideia? Dizia alguém:«É muito complicado considerar erradas certasformas linguísticas consagradas por um bom núme-ro de falantes, sobretudo quando já se regista na ver-tente escrita, pois o diferente nem sempre é errado.» Entretanto, não há claramente algum problemacomunicacional em ‘’prefiro arroz DO QUE massa’’.Aliás, o problema, tendo em conta o nosso contextosociolinguístico angolano, nota-se em ‘’prefiro ar-roz a massa’’.

“PREFIRO DO QUE” OU “PREFIRO A”?

“PÁRTENON DOS LIVROS“ DA DOCUMENTA 14 EM KASSEL – UMA CENSURA DA CENSURA

ANTÓNIO JUSTO O Pártenon dos livros proibidos, no âmbito da Do-cumenta 14, é uma obra de arte de protesto contra acensura praticada ontem e hoje em todo o mundo.Nele encontram-se, como que em mosaico, 50.000livros proibidos, envolvidos por plástico a fazer defachada do Pártenon, entre outros: “A Bíblia”, “Ulis-ses”, “Os Versos Satânicos”, O Principezinho, ” Os So-frimentos do Jovem Werther “,” Alice no País das Ma-ravilhas “, etc… O Pártenon dos livros proibidos, encontra-se por100 dias – o tempo da Documenta 14 – na praçaFriedrichsplatz ao lado do Fridrericianum (antigabiblioteca), onde foram destruídos 350.000 livrosnum incêndio provocado pelo bombardeamentodos Aliados em 1941. No mesmo largo tinham sidoqueimados 2.000 livros a 19.05.1933 no âmbito da

“Acção contra o Espírito não-alemão “. O Fridericianum foi concluído pelo Conde de Hes-se-Kassel, Frederico II, em 1779; o edifício foi umdos primeiros museus públicos da Europa e tam-bém usado como biblioteca pública. Muito do dinheiro, que Frederico recebia do alu-guer dos seus soldados ao rei da Grã-Bretanha, paracombater do lado britânico, na Guerra da Indepen-dência Americana, foi aplicado na criação de par-ques públicos e investido nas artes. Ainda hoje im-pressionam os parques e os muitos carvalhos commais de 200 anos nos parques da cidade de Kassel. O Pártenon dos livros proibidos, é uma réplica doformato do Pártenon de Atenas, o berço da democracia. O objectivo da artista Marta Minujín, com o Párte-non dos livros proibidos, era conseguir 100.000 li-vros proibidos oferecidos por pessoas privadas epor livrarias para o Pártenon .

Esta é certamente a melhor peça da Documenta14. In “Pegadas do Tempo” (http://antonio-justo.eu/?p=4460)

_________________António Justo, de nacionalidade poprtuguesa, é filó-

sofo, teólogo e professor de Língua e Cultura Portu-guesa. Professor de Ética em escolas alemãs. Docentede Português na Universidade de Kassel e na Volks-hochschule Kassel.

12 | GRAFITOS NA ALMA 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Cultura

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O Aeroporto é um bairro único na cidade de Ma-puto. Diferente. Graças à sua extraordinária e en-cantatória localização, para ele confluem várias vo-zescom outros cânticos, para ele confluem todas aspedras fundamentais entre o Aeroporto Internacio-nal, a linha férrea, a vala de drenagem e no meio dasavenidas de Angola e Moçambique, por “sinal e sina”projecta-se e edificam-se espaços múltiplos paraalargamento das distâncias.Neste bairro as paixões são representadas à altu-ra dos acontecimentos, Malangatana pintou os luga-res cativose a ternura da nossa sociedade, LindoLhongo, o dramaturgo, acendeu a luz da intimidadenas suas celebres peças As Trinta Mulheres de Mu-zelenie e Os Noivos ou Conferência Dramática sobreo Lobolo, Oblino, o escultor, ergueu o alfabeto damelancolia, Vasco Manhiça, o artista plástico, comuma aritmética global e globalizante, expõe a doen-ça do capitalismo, com todos os seus sintomas. Se olharmos o bairro como um palco, Montapar-

nasse negra, como um articulista já o descreveu nosanos 80, estende-se, o bairro, como uma privilegia-da montra de sofridos êxitos.Mais do que uma con-sistência dos sonhosé a renovação e a multiplicaçãodos lugares. Há um olhar longínquo que se infiltracomo o ar nas janelas do bairro, este olhar redese-nha o Aeroporto como a metrópole da nação criati-va, sonhadora, futurista e utópica.SHIKHANI redefi-niu a preto e branco os equívocos da nossa história,NaftalLangaesculpiua memória colectiva, instau-rando desde sempre o mesmo sonho de retratar to-das as épocas, Elói Vasco, com a sua música de gran-de lirismo, sintetiza múltiplas referências, traduz ador exposta no “Mural do Povo” , desdeas hostilida-des sociais àexplosão do grito suburbano no seuRythm& Blues rouco Bantu e Laurentino.Aqui chegados, devemos nos lembrar dos quin-tais de latas de parafina (phalafêni) bantustanizan-do as casas civilizadas de madeira &zinco, onde a ve-la no dorso do carvão refundiu o discurso da felici-

dade de muitas famílias, que têm no batique a grati-dão e a bondade do percurso frenético do seu quoti-diano.Azmir, Simbine, Ukheyo, AmósMawai, Beto Sitói,Bachito, Hambro, Thafu, de geração em geração comseus “Olhos de Deus” vão pondo em cena a difusãodas figuras de cores múltiplas que reinventam otempo para melhor diluir as fronteiras.Hobjwana, Neto, Makazaku e João Timane entre oóleo e a tela traçam caminhos fragmentados, ima-gens fantásticas, questionastes a encherem-se depássaros, gritos, flores, ferramentas indecifráveis,arquitectam um bairro “sempre” em ascensão. UmaTorre de Babel?O poeta SangareOkapi, (re)coloca o espólio dobairro numa dimensão satírica e contraditória:Nu e vazio regresso pelo túnel da memória (algu-ma rede ou algum anzol do chão cavado)! Que recor-dações para o futuro!... (...) (inMesmos barcos oupoemas de revisitação do corpo, 2007, p.15).

AEROPORTO, SÍMBOLO DA TRANSVERSALIDADE

Elói Vasco é um dos artistas moçambicanos dono de uma música de grande lirismo

Quadro do artista Malangatana Poeta Sangare Okapi tem explorado mais a dimensão satírica e contraditória

AMOSSE MUCAVELE

os remos dispensa,temos as mãos

para a navegação

Sangare Okapi

DIÁLOGO INTERCULTURAL | 13Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017

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O BEIJO DE KLIMTCAROLINA CARMINI(Obvious magazine)O Beijo poder ser considera a obra ocidental demaior sucesso: em todo o tipo de produtos que sepossa imaginar já estamparam afigura do casal sebeijando. No entanto, o sucesso pode ser o maiorproblema da obra, que tem sua imagem desgastadapela média. Contudo, O Beijo ainda é uma obra re-pleta de mistérios para todos.Gustav Klimt (1862-1918) e seus amigos haviamrompido com a Secessão de Arte de Viena, e organi-zaram a Kunstschau em Maio de 1908, onde O Beijofoi exposto pela primeira vez ao público. Apesar dascríticas a exposição, a obra foi imediatamente ad-quirida pela colecção nacional austríaca. Klimt jáera o mais celebre pintor vienense e a cidade nesseperíodo era prospera e cosmopolita e capital do Im-pério Austro-Húngaro.Na cena, casal se encontra a beira de uma camaformada por flores e atrás dos amantes apenas umvazio salpicado em ouro. O mundo deles não é o nos-so, é o mundo de fantasia e da intimidade. O Beijo éuma pintura intensamente erótica e apaixonante. Aobra é o maior exemplo da fixação pelo sexo queKlimt possuía, pois a imagem do casal unido é geraum elemento fálico. Contudo, o momento eterniza-do pelo pintor é o mais terno e o romântico de umarelação amorosa, o beijo.Os corpos do casal estão separados por estampasdistintas, mas funde-se em uma única massa: é ummomento de plenitude. E a conjunção sexual entreos amantes. Viena no período era um centro de estu-dos da sexualidade e sociedade – Sigmund Freud eoutros profissionais iriam elaborar teoria que revo-lucionariam a sociedade. A roupa do homem é co-berta de formas rectangulares, escolhidas comosímbolo da masculinidade. Enquanto, as imagensarredondadas, curvas e floridas, do vestido sãocompreendias como elementos da feminilidade.O homem vestido com uma luxuosa capa cobertade elementos em ouro, com suas duas mãos ele se-gura o rosto da mulher para beija-la. A jovem de ca-belos ruivos é um dos seus exemplos da fixação pormulheres de madeixas vermelhas.A figura masculina está em uma posição que im-põe o movimento ao corpo feminino, ao segurar seurosto para beija-la, enquanto a mulher se encontraajoelhada, como demonstra seus pés. No entanto,um detalhe muda a interpretação e reforça a atrac-ção e fascinação de Klimt para o feminino. É o fatoque em quase todas as suas obras, o rosto do homemestá visível. Mesmo com sua presença imponentenas obras, seu rosto está escondido, mergulhado nocorpo feminino.As flores e arbustos que formam uma cama napintura são os únicos elementos que parecem ligaros amantes ao mundo real. O próprio artista cultiva-va flores e outras plantas, usando-as constantemen-te como elemento em suas obras. E demonstrava oconhecimento do significado simbólico de cada umadelas. Como as plantas douradas do quadro que con-tornam os pés da mulher são conhecidas como ervade Parnasso, um antigo símbolo da fertilidade.Sobre o casal, muitos especialistas afirmam queseria praticamente um retrato de Klimt com EmilieFlöge,(Viena, 1874 – Viena 1952) - eterna compa-nheira e musa do artista – como amantes. Mas, Klimtnão deseja representar uma mulher em especial esim todas livres sexualmente.O Beijo não foi à única tela com esse tema. A ideia

do beijo e do enlace de um casal também fascinava opintor vienense. Em Amor de 1895, o casal quasechega ao enlace, mas impedido pela inveja e a cólera,lembrando como o amor pode ser efémero e passí-vel de intervenções externas. Em 1902 realizou-seuma grande exposição dedicada a Beethoven e opintor realizou um magnifico friso interpretando aNona Sinfonia com elementos eróticos. O importan-te lembrar que o clímax da obra é exactamente umbeijo – como elemento de felicidade e liberdade ple-na. E em 1904, foi a vez dos frisos do Palácio Stoclet,na cidade de Bruxelas, receber uma versão do enla-ce de Klimt.Essa foi a última obra do Período Dourado deKlimt e o maior representante da técnica e capacida-de criativa do artista. A paixão pelo dourado vemdesde infância com seu pai ouvires, com quemaprendeu a trabalhar com o ouro, mas foi após umaviagem a cidade de Ravenna na Itália que seu inte-resse intensificou-se. Lá ele conheceu os mosaicosbizantinos da Igreja de San Vitale repletos de traba-lhos em dourado, que iriam inspira-lo por muitosanos.A tela passou por diversas mudanças. A cama deflores foi terminada posteriormente e as flores naalça do vestido foram acrescentadas mais tarde e ospés foram alongados. O vestido ficou mais justo, dei-xando seu corpo mais delineado e conferindo umasilhueta mais sensual.Alguns críticos de arte, não vêem a pintura comouma representação romântica. Afinal, apenas o ho-mem está beijando. As mãos da mulher parecemtentar afasta-lo, enquanto ele a segura com as duasmãos sem ela entregar-se. Outros estudiosos, vãoalém e conjecturam que a mulher esteja morta e suacabeça decapitada, devido ao posicionamento noquadro. Porém, a idealização da imagem é livre paratodos que se apaixonam por esta obra-prima deKlimt.________________________CAROLINA CARMINI gosta de pensar que se nãotivesse nascido, alguém a teria inventado.

14 | DIÁLOGO INTERCULTURAL 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017 | Cultura

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A vida é uma morte contínua. Uma proposta surrealista. Não é estranho,é surreal ou magia a nascer dos mágicos dedos de um sonhador. Acreditoem encarnação. Por exemplo: Ngola sempre existiu, existe e existirá, sem-pre. Era hebo na arrendada barriga de Lusitana. Por séculos, entranhadoviveu amarfanhado dentro duma barriga. Antes de conhecer as cólicas douniverso telúrico, disse bramindo:– Chega! Sei que sou filho do acaso. Fruto ocasional. Primeiro fui esperma,em seguida, feto. Não posso morrer embrião, preciso nascer! Quero ser inde-pendente e livrar-me desse cordão umbilical que me faz dependente. Eu pos-so renascer qual fénix das cinzas e andar sozinho como o irmão Samora e o ir-mão Cabral. – Reclamou por muitos anos como qualquer filho. Era legítimoque reclamasse. Vejamos: era uma estranha criança. Diferente. Outro casosurreal: tinha dentes de diamante, urinava petróleo bruto, defecava ouro e ti-nha densas florestas na cabeça. Só por isso, era o preferido. Era daquele tipode filho que faz os pais crescer. Mas o pai era demasiado preguiçoso.Ngola esquecera-se que o ser humano, ao nascer, precisa de quem o oriente.Seu nascimento foi explosivo. Outro evento surreal: Ngola nascera e trazia fi-lhos por dentro. Filhos da ganância que o fizeram refém. Mas era Ngola homemou mulher? Ngola era assexuado. Podia fecundar-se como a sua mãe Lusitana.A ganância dos filhos cresceu de forma surreal e os mesmos tinham maisidade que o progenitor-progenitora. Ngola continuava uma estranha criança.Demorava crescer. Uma criança de gestos, porque pela superfície desavergo-nhada da face, caminhava a velhice precoce do subdesenvolvimento. Umacriança abandonada, cujo pai seguia qual um mendigo esfarrapado pela Euro-pa fora. Uma criança com fezes a ferver dentro da descartável há décadas.Uma criança adulta ou um adulto que teimava em crescer. Fedia a merda quecomera: corrupção, nepotismo, desvio de fundos, falta de solidariedade, ga-nância e outras merdas que saem pelo cu, porque organismo que é organis-mo, seja fisiológico ou político, apenas devia aproveitar aquilo que nutre o ser.No meio de tantos conflitos, quando só restava já um dos manos mais ve-lhos, os filhos decidiram entender-se. Todos conseguiam alcançar o horizontee construir utopias: mares, rios, diamantes, petróleos, madeira e outras coi-sas que só a eles diz respeito; seria igual a peixes, água para todos, energia, es-cola e pão para todos. Mas viu-se nascer outras fomes num tempo em que naterra de Ngola caía neve. E de que cor seria essa neve? Admiro os artistas plás-ticos. Tudo surreal! Onde é que já se viu neve de cor vermelha ou de cor preta? – Agora vámu sê lívri de verdádí! – Exclamou o Porco com mais idade que aRepública. O homem que assistira a todas as mudanças sócio-políticas sem-pre com rosto quase beijando o chão, um homem com saudade do colonialis-mo. Tivesse uma cabeça tão enorme quanto a tua, certamente, cairia, com fre-quência, o homem que acompanhava o país com cara baixa. – Não! Não há espaços para enganos, pá! A queda do preço do barril de petróleo

transformou deuses em ricos mendigos. –Retorquiu o Corvo, o mesmo homem queparecia ver o país a partir do céu! Verdade seja dita, o coelho estava comtoda a razão. A República afogava-se nomar da crise. Deuses-cobras, mordendoas próprias caudas. Ricos mendigos…como dizia, o Corvo, o coelho. Pedia-sedinheiro em tudo quanto é canto. Pes-soas e cães morriam de doenças. Umaestranha epidemia que não media o ex-tracto social alastrava-se com o vento; aspessoas, com toda a inflação do mercado,conseguiam comprar comida, mas os cães morriam de fome. Os cães eram amaioria e sabíamos que deus já escolhera um conjunto de pessoas que herda-riam o seu reino. Bastava-lhes um papel com fotografia e estrelas celestiaiscom manchas solares. Deus não se importava com os cães. Mas seguiu mendi-gando pelo universo fora. Mas o que todos temiam foi o que acontecera. Avisava-se-lhes para quecontrolassem melhor os homens habituados a ambientes hostis. Homens domato com armas no ombro. Homens habituados a beber sangue. Não se podedizer que eram totalmente culpados. Eles não sabiam outra coisa, senão guer-rear. Precisavam de novos inimigos. Todo aquele que vivesse na zona frontei-riça entre o rural e o urbano era o inimigo. Pessoas viveram toda uma vidanesses lugares de sangue. Desterravam-se camponeses. Todos olhavam im-pávidos. Os políticos afiavam as línguas nos debates e resmungavam nos can-tos. Os militares criavam organizações clandestinas. Acendiam fogueiras, e ospolíticos chamavam-nos para apagar. Certo dia, a chama alastrou-se até aopalácio real. Os militares criaram raízes em suas bases. Os telefones emudece-ram. Não se via nenhuma ave de ferro a voar sobre o rugoso e putrificado chãoda pátria que pariu. Vergonhoso. Ajoelharam-se deuses diante de homens de-cididos, pequenos davids partindo estátuas Golias. Rasgavam-se meio séculode ideologias, em panfletos. Nada pior que um bando de idólatras a negar ex.deuses com violência. Ouviam-se cânticos de guerrilheiros. Pareciam eram ossalvadores da República, mas empurraram a República para um precipíciosem fim. Bancos faliram, mas ainda assim todos trabalhavam. Quem teria tes-tículos para fazer greve? Quem? Afinal os outros, ainda que utópica, nos da-vam alguma liberdade. O medo instala o maior dos silêncios. As ruas faziam lembrar filmes de ter-ror com ruas desabitadas e monstros surgindo de todos os lugares e de lugarnenhum. O rosto da República nas mãos da junta militar ficou negro, roxo e fe-dorento. Todas as formas de caos se instalaram. Diante da impotência huma-na, como um vulto, como um raio do cacimbo, como a voz de Deus, de súbito,eis que das águas do rio Cunene, ergueu-se uma Kianda Macho. Enquanto esse evento ocorria, Namibe fervia num dilúvio. O general gover-nador mandou foder categoricamente as «Festas do Mar». Calemas ergue-ram-se à altura do desrespeito à tradição e inundaram toda a cidade. Surreal ésaber que nem todos morreram. Todos os poucos honestos vivem com peque-nas Kiandas na cidade dilúvio sem as arcas de Noé. O general-governador-de-Cunene foi às europas da vida e trouxe uma cartana manga. Arrogantou-se:– Se políticos caíram, um monstrinho de água é que me vai derrotar?O general provocava. Mandou desviar o rio para outro lugar e o rio voltou.Derramou petróleo bruto sobre o rio para intoxicar Kianda. Morreram peixesem centenas de milhares. O povo passava fome e Kianda gerou outros peixespara alimentar o povo. Não entendera que o povo de Cunene foi o último a resistir contra o colono.Que as europas e américas das áfricas não haviam corrompido aquele povo.Kianda não castiga inocentes. Foi então que Kianda se fez monstro de água, le-vantou do rio e dirigiu-se ao palácio real. Eis que da janela o aguardava umabela mulher. Uma deusa grega a proteger um grego. Era mesmo uma deusa.Com uma beleza de deixar cair um reino ou provocar outras lutas entre gre-gos e troianos. A deusa enfeitiçava o monstro de água com toda a sua beleza.Saiu da janela voandando. Com os pés beijou o chão e, a cada passo, Kianda re-cuava. Recuava e o povo perdia a esperança. Quando chegaram à foz do rio, eisque o poder da bruxa desfez-se e Kianda a levou nas profundezas do rio. Na-quele lugar oculto onde repousam seres de água. Quando todos acreditavamque Kianda não mais regressaria, eis que de rompante, saiu dágua e num se-gundo passou pelo palácio arrastando toda aquela fortaleza. O povo começou a acreditar e os militares eram familiares do povo. Os mili-tares depuseram os generais e entregaram o poder aos civis.

BARRA DO KWANZA | 15Cultura | 29 de Agosto a 11 de Setembro de 2017

A   

S  

HÉLDER SIMBAD

KIANDA, O MONSTRO DÁGUA, E A DEUSA GREGA

DESENHO DE MALANGATANA

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