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PUBLICAÇÃO OFICIAL Revista SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RSTJ 245 Tomo1(VersãoFinal) · RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 21 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior

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Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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VOLUME 245, TOMO 1

ANO 29

JANEIRO/FEVEREIRO/MARÇO 2017

Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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Revista do Superior Tribunal de Justiça - n. 1 (set. 1989) -. Brasília : STJ, 1989 -.Periodicidade varia:

Mensal, do n. 1 (set. 1989) ao n. 202 (jun. 2006), Trimestral a partir do n. 203 (jul/ago/set. 2006).

Repositório Ofi cial da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nome do editor varia:

Superior Tribunal de Justiça/Editora Brasília Jurídica, set. 1989 a dez. 1998; Superior Tribunal

de Justiça/Editora Consulex Ltda, jan. 1999 a dez. 2003; Superior Tribunal de Justiça/ Editora

Brasília Jurídica, jan. 2004 a jun. 2006; Superior Tribunal de Justiça, jul/ago/set 2006-.

Disponível também em versão eletrônica a partir de 2009:

https://ww2.stj.jus.br/web/revista/eletronica/publicacao/?aplicacao=revista.eletronica.

ISSN 0103-4286.

1. Direito, Brasil. 2. Jurisprudência, periódico, Brasil. I. Brasil. Superior Tribunal de Justiça (STJ).

II. Título.

CDU 340.142 (81) (05)

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Gabinete do Ministro Diretor da Revista

Diretor

Ministro Luis Felipe Salomão

Chefe de Gabinete

Marluce Sampaio Duarte

Servidores

Gerson Prado da Silva

Maria Angélica Neves Sant’Ana

Marilisa Gomes do Amaral

Técnica em Secretariado

Maria Luíza Pimentel Melo

Mensageiro

Cristiano Augusto Rodrigues Santos

Superior Tribunal de Justiça

www.stj.jus.br, [email protected]

Gabinete do Ministro Diretor da Revista

Setor de Administração Federal Sul, Quadra 6, Lote 1,

Bloco C, 2º Andar, Sala C-240, Brasília-DF, 70095-900

Telefone (61) 3319-8055/3319-8003, Fax (61) 3319-8992

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MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃODiretor

Revista SUPERIOR

TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

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Resolução n. 19/1995-STJ, art. 3º.

RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, § 1º, e 23.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAPlenário

Ministra Laurita Hilário Vaz (Presidente)

Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins (Vice-Presidente)

Ministro Felix Fischer

Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto

Ministra Fátima Nancy Andrighi

Ministro João Otávio de Noronha (Corregedor Nacional de Justiça)

Ministra Maria Th ereza Rocha de Assis Moura (Diretora-Geral da ENFAM)

Ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Ministro Jorge Mussi

Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes

Ministro Luis Felipe Salomão (Diretor da Revista)

Ministro Mauro Luiz Campbell Marques (Corregedor-Geral da Justiça Federal)

Ministro Benedito Gonçalves

Ministro Raul Araújo Filho

Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino

Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues

Ministro Antonio Carlos Ferreira

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior (Ouvidor)

Ministro Marco Aurélio Gastaldi Buzzi

Ministro Marco Aurélio Bellizze Oliveira

Ministra Assusete Dumont Reis Magalhães

Ministro Sérgio Luíz Kukina

Ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro

Ministra Regina Helena Costa

Ministro Rogerio Schietti Machado Cruz

Ministro Nefi Cordeiro

Ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

Ministro Antonio Saldanha Palheiro

Ministro Joel Ilan Paciornik

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CORTE ESPECIAL (Sessões às 1ª e 3ª quartas-feiras do mês)

Ministra Laurita Vaz (Presidente)

Ministro Humberto Martins (Vice-Presidente)

Ministro Felix Fischer

Ministro Francisco Falcão

Ministra Nancy Andrighi

Ministro João Otávio de Noronha

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Ministro Herman Benjamin

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Ministro Jorge Mussi

Ministro Og Fernandes

Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Mauro Campbell Marques

Ministro Benedito Gonçalves

Ministro Raul Araújo

PRIMEIRA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministro Herman Benjamin (Presidente)

PRIMEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Sérgio Kukina (Presidente)

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Ministro Benedito Gonçalves

Ministra Regina Helena Costa

Ministro Gurgel de Faria

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SEGUNDA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministra Assusete Magalhães (Presidente)

Ministro Francisco Falcão

Ministro Herman Benjamin

Ministro Og Fernandes

Ministro Mauro Campbell Marques

SEGUNDA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministro Raul Araújo (Presidente)

TERCEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Marco Aurélio Bellizze (Presidente)

Ministra Nancy Andrighi

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Ministro Villas Bôas Cueva

Ministro Moura Ribeiro

QUARTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministra Isabel Gallotti (Presidente)

Ministro Luis Felipe Salomão

Ministro Raul Araújo

Ministro Antonio Carlos Ferreira

Ministro Marco Buzzi

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TERCEIRA SEÇÃO (Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

Ministro Sebastião Reis Júnior (Presidente)

QUINTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Felix Fischer (Presidente)

Ministro Jorge Mussi

Ministro Reynaldo Soares da Fonseca

Ministro Ribeiro Dantas

Ministro Joel Ilan Paciornik

SEXTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

Ministro Rogerio Schietti Cruz (Presidente)

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Ministro Sebastião Reis Júnior

Ministro Nefi Cordeiro

Ministro Antonio Saldanha Palheiro

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COMISSÕES PERMANENTES

COMISSÃO DE COORDENAÇÃO

Ministro Marco Buzzi (Presidente)

Ministra Regina Helena Costa

Ministro Gurgel de Faria

Ministro Nefi Cordeiro (Suplente)

COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

Ministro Jorge Mussi (Presidente)

Ministro Raul Araújo

Ministro Villas Bôas Cueva

Ministro Moura Ribeiro (Suplente)

COMISSÃO DE REGIMENTO INTERNO

Ministro Luis Felipe Salomão (Presidente)

Ministro Benedito Gonçalves

Ministro Marco Aurélio Bellizze

Ministro Jorge Mussi (Suplente)

COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Ministro Mauro Campbell Marques (Presidente)

Ministra Isabel Gallotti

Ministro Antonio Carlos Ferreira

Ministro Sebastião Reis Júnior

Ministro Sérgio Kukina

Ministro Rogerio Schietti Cruz

GESTORA DE PRECEDENTES

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente)

Ministra Assusete Magalhães

Ministro Rogerio Schietti Cruz

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CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (Sessão à 1ª sexta-feira do mês)

Ministra Laurita Vaz (Presidente)

Ministro Humberto Martins (Vice-Presidente)

Ministro Mauro Campbell Marques (Corregedor-Geral da Justiça Federal)

Membros Efetivos

Ministro Benedito Gonçalves

Ministro Raul Araújo

Membros Suplentes

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Ministra Isabel Gallotti

Ministro Antonio Carlos Ferreira

ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS -

ENFAM

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Diretora-Geral)

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Vice-Diretor)

Ministro Mauro Campbell Marques (Diretor do CEJ/CJF)

Ministro Jorge Mussi

Ministro Og Fernandes

MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Ministro Herman Benjamin (Corregedor-Geral)

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Efetivo)

Ministro Jorge Mussi (1º Substituto)

Ministro Og Fernandes (2º Substituto)

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SUMÁRIO

TOMO 1

JURISPRUDÊNCIA

Corte Especial .............................................................................................................17

Primeira Seção .............................................................................................................85

Primeira Turma .........................................................................................................121

Segunda Turma .........................................................................................................235

Segunda Seção ...........................................................................................................331

Terceira Turma ..........................................................................................................395

TOMO 2

JURISPRUDÊNCIA

Quarta Turma ............................................................................................................541

Terceira Seção ...........................................................................................................649

Quinta Turma ............................................................................................................713

Sexta Turma ...............................................................................................................845

SÚMULAS .............................................................................................................................................................953

ÍNDICE ANALÍTICO ...........................................................................................................................................959

ÍNDICE SISTEMÁTICO ......................................................................................................................................979

SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................................................................985

REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ............................................................................................................991

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Jurisprudência

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Corte Especial

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AGRAVO INTERNO NA CARTA ROGATÓRIA N. 11.000-EX

(2016/0186350-6)

Relatora: Ministra Presidente do STJ

Agravante: Gerson de Mello Almada

Advogados: Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo e outro(s) -

SP124516

Guilherme Alfredo de Moraes Nostre e outro(s) - SP130665

João Fabio Azevedo e Azeredo e outro(s) - SP182454

Cláudio M Henrique Daólio e outro(s) - SP172723

Renato Duarte Franco de Moraes e outro(s) - SP227714

Flavia Mortari Lofti e outro(s) - SP246694

Leonardo Magalhães Avelar e outro(s) - SP221410

Th iago Fernandes Conrado e outro(s) - SP282002

Paula Regina Breim e outro(s) - SP306649

Cintia Barreto Miranda e outro(s) - SP291802

Izabel de Araújo Cortez e outro(s) - SP235560

Bruna Fernanda Reis e Silva e outro(s) - SP338368

Bruna Maria Anchieta Rodrigues Ribeiro e outro(s) - SP332120

Beatriz de Oliveira Ferraro e outro(s) - SP285552

Julia Th omaz Sandroni e outro(s) - RJ144384

Mariel Linda Safdie e outro(s) - SP343554

Samia Zattar e outro(s) - SP337177

Lara Mayara da Cruz e outro(s) - SP305340

Fabiana Sadek de Olyveira e outro(s) - SP306249

Mariana Stuart Nogueira e outro(s) - SP257052

Carolina da Silva Leme e outro(s) - SP312033

Ana Carolina Sanchez Saad e outro(s) - SP345929

Ana Carolina Coelho Miranda e outro(s) - SP310813

Barbara Salgueiro de Abreu e outro(s) - SP314292

Rafael Silveira Garcia e outro(s) - DF048029

Maria Clara Mendes de Almeida de Souza Martins e outro(s)

- SP371454

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

20

Juliana de Castro Sabadell e outro(s) - SP357634

André Felipe Pellegrino e outro(s) - SP315186

Vivian Paschoal Machado e outro(s) - SP321331

Larissa Mardegan Ribeiro e outro(s) - SP337813

Mariana Siqueira Freire e outro(s) - SP349064

Marilia Donnini e outro(s) - SP357663

Felipe Toscano Barbosa da Silva e outro(s) - SP374769

Barbara Claudia Ribeiro e outro(s) - SP375444

Patricia Gamarano Barbosa e outro(s) - SP383651

Agravado: Corte Distrital dos Estados Unidos - Distrito Sul de Nova York

Paciente: Class Representatives Universities Superannuation Scheme

Limited

Parte: Petrobrás Brasileiro S/A - Petrobrás e outros

A. Central: Ministerio da Justiça

EMENTA

Agravo interno na carta rogatória. Tese de deficiência na

instrução. Documentação sufi ciente para compreensão da controvérsia.

A concessão de exequatur à carta rogatória não importa em violação

da garantia contra a autoincriminação. Direito de o agravante não

produzir prova contra si preservado. Agravo interno desprovido.

1. A carta rogatória para a concessão do exequatur não precisa

estar acompanhada de todos os documentos existentes na petição

inicial e de detalhes do processo em curso, mas de peças sufi cientes

para a compreensão da controvérsia.

2. A intimação de qualquer pessoa para prestar depoimento como

testemunha, por si, não traduz violação da garantia de autoincriminação.

A simples tramitação da presente carta rogatória não acarreta prejuízo

aos direitos do Agravante. Ao contrário, ao prestar seu depoimento e

responder em audiência aos quesitos elencados, por óbvio, o agravante

não será obrigado a produzir prova contra si mesmo, nos termos do

princípio do nemo tenetur se deterege.

3. Agravo interno desprovido.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte

Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo, termos

do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Maria

Th ereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis

Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Raul Araújo

votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Francisco

Falcão, João Otávio de Noronha e Napoleão Nunes Maia Filho.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Humberto Martins.

Brasília (DF), 16 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Presidente

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 6.12.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de agravo interno interposto por

Gerson de Mello Almada contra decisão de fl s. 280-282 da lavra do Ministro

Francisco Falcão, que concedeu o exequatur e encaminhou a carta rogatória à

Justiça Federal - Seção Judiciária de São Paulo para as providências cabíveis.

Os autos dão conta de que a carta rogatória foi enviada pela Justiça dos

Estados Unidos da América, solicitando o testemunho de Gerson de Mello

Almada, “executivo da fi rma Engevix, que participou como representante para

a Engevix Engenharia S.A. (“Engevix”) em reuniões do Cartel e depôs sobre

a estrutura interna e as regras que regulavam o Cartel. Os Réus da Petrobras

alegam que, à luz destes fatos, as informações solicitadas de Almada serão,

provavelmente, relevantes às defesas dos Réus da Petrobras e à contestação das

alegações dos Autores de que os Réus da Petrobras participaram das atividades

do Cartel e benefi ciaram-se das mesmas” (fl s. 8-9), conforme texto rogatório.

A intimação prévia, via postal, foi recebida (fl s. 250-251), e o Interessado

apresentou impugnação às fl s. 253-262.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

22

O Ministério Público Federal, em parecer às fl s. 276-277, opinou pela

concessão da ordem.

Em decisão de fl s. 280-282, foi concedido o exequatur e encaminhando os

autos à Justiça Federal de São Paulo para o cumprimento da diligência.

Daí o presente agravo interno, questionando a impossibilidade do

exequatur.

Alega o Agravante que “a Carta Rogatória encaminhada pelas autoridades

norte-americanas não pode ser cumprida, na medida em que a documentação

que a instrui não possibilita o entendimento adequado acerca do conteúdo da

ação instaurada nos Estados Unidos da América” (fl . 294). Afi rma que a “carta

rogatória traz descrição bastante restrita quanto ao teor da lide originária,

limitando-se a apresentar sumário da demanda instaurada perante o Juízo

rogante, no qual constam apenas (i) a identidade de parte dos autores e dos réus

da ação; e (ii) descrição excessivamente esparsa dos fundamentos deduzidos na

lide (fl s. 7/10)” (fl . 295).

Sustenta violação da ordem pública e da garantia ao silêncio, na medida

em que “os questionamentos formulados na ação ajuizada na Corte do Distrito

Sul de Nova York envolvem matéria discutida em ação criminal ajuizada pelo

Ministério Público Federal contra o Agravante [...] Enquanto, nos autos da ação

norte-americana, o Peticionário é testemunha, submetendo-se ao dever de pronunciar

a verdade, na Ação Penal n. 5083351-89.2014.4.04.7000/PR, o peticionário é

réu, possuindo inúmeras garantias inerentes ã sua condição. Neste ponto, merece

especial destaque a extensa disciplina legal que impõe à testemunha o dever de

dizer a verdade. Mais especifi camente, o artigo 458 do Código de Processo Civil

estabelece que “Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de

dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado”, e prossegue, no parágrafo

único, prevendo que o “juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal

quem faz afi rmação falsa, cala ou oculta a verdade” [...] Diante desse cenário,

eventual concessão do exequatur colocaria o Agravante em difícil situação. Se,

por um lado, ele pode se sujeitar às severas penalidades decorrentes da violação

do compromisso com a verdade, de outro, seu testemunho pode ser interpretado

de forma equivocada, prejudicando sua defesa na Ação Penal n. 5083351-

89.2014.4.04.7000/PR” (fl s. 297-298).

Requer, desse modo, “o provimento ao presente agravo regimental,

reformando-se a r. decisão agravada, com a consequente rejeição do exequatur à

Carta Rogatória” (fl . 299).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 23

Diante da ausência de efeito suspensivo no agravo regimental, os autos

foram encaminhados à Justiça Federal para o cumprimento da comissão.

Às fl s. 306-308, constam documentos que comprovam que a audiência de

instrução foi marcada para o dia 8.11.2016, às 14h30.

Em petição à fl . 312, o Agravante requer a suspensão da audiência em face

do princípio da colegialidade, consoante o art. 216-U do Regimento Interno do

Superior Tribunal de Justiça, que foi indeferida.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): O recurso não merece prosperar.

Ao contrário do que alega a parte Agravante, a carta rogatória está

acompanhada com os documentos sufi cientes à compreensão da controvérsia.

Esta Corte entende que a comissão não precisa estar com todos os documentos

mencionados na petição inicial ou com todos os detalhes do processo em curso,

bastando os necessários para que a parte Interessada tenha ciência da ação e

compreenda a controvérsia.

Na hipótese, existe o pedido de diligência formulado pela Justiça rogante

em que delineia a ação civil pública ajuizada contra a empresa Petróleo Brasileiro

S. A. - PETROBRÁS pelo Class Representatives Universities Superannuation

Scheme Limited, North Carolina Departament of Satte Treasurer e Employees

Retirment System of the State of Hawaii, estando, portanto, preenchidos os

requisitos necessários.

Nesse sentido, veja-se julgado:

Carta rogatória. Agravo regimental. Deficiência na instrução. Inexistência.

Documentação sufi ciente à compreensão da controvérsia. Alegada necessidade

de tradução juramentada dos documentos. Comissão que tramitou pela

autoridade central.

I - Para a concessão do exequatur, não é preciso que a comissão seja

acompanhada de todos os documentos mencionados na petição inicial, bastando

aqueles necessários à compreensão da controvérsia, como se verifi ca in casu.

II - O ofício de encaminhamento de documentos pela autoridade central

brasileira ou pela via diplomática garante a autenticidade dos documentos, bem

como da tradução enviada pela Justiça rogante, dispensando, assim, legalização,

autenticação e outras formalidades.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

24

Agravo regimental desprovido. (AgRg na CR 8.553/EX, Rel. Ministro Francisco

Falcão, Corte Especial, julgado em 18.3.2015, DJe 29.4.2015)

De outro lado, o Agravante entende que a concessão do exequatur à carta

rogatória viola a ordem pública, pois seria compelido a tratar – na condição de

testemunha em class action ajuizada pelas classes compostas por todas as pessoas

e entidades que compraram títulos mobiliários da Petróleo Brasileiro S. A. –

acerca de fatos envolvidos em demandas criminais ajuizadas contra si perante a

13ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba - PR.

No polo passivo da referida ação objeto da carta rogatória, figura

a companhia petroleira, bem como outras pessoas, identificadas apenas

parcialmente pelos documentos encaminhados pelas autoridades norte-

americanas. Não é possível fazer nenhum tipo de ilação sobre a qualidade

do Agravante (parte ou testemunha) naquela demanda, sobretudo porque o

juízo de delibação do egrégio STJ é limitado, estando impedido de adentrar

ao mérito da causa, somente podendo versar sobre a inteligência da decisão.

Na condição de parte, o depoimento que se pretende impedir, com a rejeição

do exequatur à carta rogatória, ocorre em processo de natureza não penal, class

action, cuja efetivação no Brasil observa a nova redação do Código de Processo

Civil, que assim dispõe no art. 379, caput: “Preservado o direito de não produzir

prova contra si própria, incumbe à parte: [...]”. Por sua vez, o Supremo Tribunal

Federal já fi rmou entendimento de que a garantia contra a autoincriminação

abrange as testemunhas, em relação aos questionamentos que possam lhe causar

prejuízo, em respeito ao art. 5º, inciso LXIII, da Constituição da República.

É essa a norma que garante status constitucional ao princípio “nemo tenetur se

detegere” (STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ de

14.12.2001), segundo o qual ninguém é obrigado a produzir provas contra si.

Assim se observa do recente precedente do Excelso Pretório:

Inquérito. Imputação dos crimes previstos nos arts. 317 do Código Penal e 1°,

V, VI, VII, da Lei n. 9.613/1998. Foro por prerrogativa de função: hipótese em que

não é recomendável cisão do processo. Presidente da Câmara dos Deputados: não

cabimento de aplicação analógica do art. 86, § 4º da Constituição. Cerceamento

de defesa e ilicitude de prova: inexistência. Preliminares rejeitadas. Colaboração

premiada: regime de sigilo e efi cácia perante terceiros. Requisitos do art. 41 do CPP:

indícios de autoria e materialidade demonstrados em relação à segunda parte

da denúncia. Denúncia parcialmente recebida. 1. [...] 2. À luz dos precedentes do

Supremo Tribunal, a garantia contra a autoincriminação se estende às testemunhas,

no tocante às indagações cujas respostas possam, de alguma forma, causar-lhes

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 25

prejuízo (cf. HC 79.812, Tribunal Pleno, DJ de 16.2.2001). 3. A previsão constitucional

do art. 86, § 4º, da Constituição da República se destina expressamente ao

Chefe do Poder Executivo da União, não autorizando, por sua natureza restritiva,

qualquer interpretação que amplie sua incidência a outras autoridades,

nomeadamente do Poder Legislativo. Precedentes. 4. Tratando-se de colaboração

premiada contendo diversos depoimentos, envolvendo diferentes pessoas e,

possivelmente, diferentes organizações criminosas, tendo sido prestados em

ocasiões diferentes, em termos de declaração separados, dando origem a

diferentes procedimentos investigatórios, em diferentes estágios de diligências,

não assiste a um determinado denunciado o acesso universal a todos os

depoimentos prestados. O que a lei lhe assegura é o acesso aos elementos da

colaboração premiada que lhe digam respeito. 5. [...] 11. Denúncia parcialmente

recebida, prejudicados os agravos regimentais. (Inq 3.983, Relator(a): Min. Teori

Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 3.3.2016, Acórdão Eletrônico DJe-095 divulg

11.5.2016 public 12.5.2016; grifei)

Está evidente, pois, que a intimação de qualquer pessoa para prestar

depoimento como testemunha, por si, não traduz violação do direito à

intimidade e à preservação do sigilo de dados e informações. A tramitação da

presente carta rogatória não acarreta prejuízo aos direitos do Agravante. Ao

contrário, ao prestar seu depoimento e responder em audiência aos quesitos

elencados na fl s. 8-15, por óbvio, ele não será obrigado a produzir prova contra

si mesmo, nos termos do princípio do nemo tenetur se deterege.

Dessa forma, mostra-se descabido o argumento de violação do direito de

silêncio, pois o fato de ser Réu na Ação Penal n. 5083351-89.2014.4.04.7000/

PR, conhecida como Operação Lava Jato, não impede seu testemunho, ou sua

inquirição, para instrução de ação coletiva relativa a direitos decorrentes de

títulos mobiliários da Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A. e outros, na medida

em que não é obrigado a produzir provas contra si próprio.

Destaca-se o seguinte julgado da Corte Especial do Superior Tribunal de

Justiça:

Carta rogatória. Agravo regimental. Deficiência na instrução. Inexistência.

Documentação sufi ciente à compreensão da controvérsia. Inquirição do interessado,

como testemunha, em processo em curso no juízo rogante. Violação da soberania

nacional, da ordem pública e dos bons costumes. Inocorrência. I - para concessão

do exequatur, não é necessário que a comissão venha instruída com todos

os documentos citados na inicial, bastando aqueles suficientes para que o

interessado tenha ciência do processo em trâmite no Juízo rogante e compreenda

a controvérsia. II - Ao prestar depoimento como testemunha, o interessado não será

obrigado a produzir prova contra si mesmo, nos termos do brocado nemo tenetur

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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se deterege. Agravo regimental improvido. (AgRg na CR n. 10.078/EX, Relator o

Ministro Francisco Falcão, DJe de 28.6.2016)

Saliente-se que a situação de fato está consolidada no tempo, pois o

exequatur foi devidamente cumprido pela Justiça Federal, em audiência de

inquirição realizada no dia 8 de novembro de 2016, às 14h30, no Juízo da 10ª

Vara Federal da Subseção Judiciária de São Paulo. Conforme Termo de Audiência

anexado, o depoimento do Agravante foi colhido pelo Juiz Federal Substituto,

Tiago Bologna Dias, na presença de advogado regularmente constituído,

gravado em mídia digital, nos termos do art. 406 do Código de Processo Civil

e sem nenhum protesto digno de nota sobre eventual violação do direito de não

produzir prova contra si mesmo (fl . 336).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO

EM RECURSO ESPECIAL N. 641.762-RS (2014/0337942-7)

Relator: Ministro Og Fernandes

Agravante: Pedro Frederich

Advogados: Fábio Davi Bortoli - RS066539

Alexandre Luis Judacheski e outro(s) - RS066424

Agravado: OI S.A

Advogados: Teresa Cristina Fernandes Moesch - RS008227

Kátia Goretti Dias Vazzoller e outro(s) - RS084557

EMENTA

Agravo interno nos embargos de divergência em agravo em

recurso especial. Recurso não admitido. Óbice da Súmula 7 do Superior

Tribunal de Justiça. Não cabimento dos embargos de divergência.

1. Não é certo entender pelo cancelamento tácito das Súmulas

315 e 316 desta Colenda Corte, em razão da previsão do art. 1.043,

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 27

III, do novo CPC. Não há incompatibilidade entre a prescrição legal

e o entendimento sumular. Isso porque somente se deve conhecer

da divergência entre acórdão que apreciou o mérito e outro que não

conheceu do recurso, quando ambos, ao menos, tenham apreciado a

questão objeto da divergência.

2. No presente caso, aplicou-se o óbice da Súmula 7 do STJ para

toda a matéria objeto do recurso, não tendo sido apreciado, como

afi rma o embargante, o mérito da questão objeto da divergência.

Como se pode observar, repita-se, o acórdão embargado entendeu pela

impossibilidade de revisitar o quadro fático-probatório, ante os limites

da orientação fi xada pela Súmula 7/STJ.

3. Nesse sentido, não são cabíveis embargos de divergência.

Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, A

Corte Especial, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Mauro

Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Francisco

Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria

Th ereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e

Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 5 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Presidente

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 21.10.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de agravo interno nos embargos de

divergência interpostos em oposição a acórdão proferido pela Quarta Turma do

Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (e-STJ, fl . 809):

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Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Ação declaratória de inexigibilidade

de cobrança. Reexame fático-probatório. Súmula 7/STJ. Harmonia entre o acórdão

recorrido e a jurisprudência do STJ. Súmula 83/STJ.

1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Sustenta o embargante que o acórdão diverge dos entendimentos

sufragados no âmbito da Primeira e Segunda Turmas, pois não há que se falar

em prova da má-fé no sistema consumerista; a requerida não comprovou engano

justifi cável; foram diversas as tentativas de cancelar via call center as cobranças;

basta a existência de culpa; deveria a requerida, como empresa de porte mundial,

ter o controle de tudo o que cobra e não simplesmente efetuar arbitrariamente

cobranças abusivas, como faz há vários anos.

No presente recurso, argumenta que as Súmulas 315 e 316 do STJ foram

revogadas tacitamente com o advento do novo Código de Processo Civil, o qual

admite o processamento dos embargos de divergência, tendo como paradigma

recurso que não fora conhecido mas que teve seu mérito analisado, conforme

previsão do art. 1.043, III, do normativo citado. Sustenta, ainda, que não é o

caso de aplicação da Súmula 7 do STJ, pois a discussão do agravo em recurso

especial é diversa da discutida nos presentes embargos; apreciou-se o mérito no

acórdão embargado (repetição em dobro deve vir acompanhada da prova da má-

fé); e o óbice da Súmula 7 não foi suscitado no contexto da repetição em dobro,

mas sim em relação à extensão do que deveria ser restituído.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): A irresignação não merece

prosperar.

Inicialmente, não é certo entender pelo cancelamento tácito das Súmulas

315 e 316 desta Colenda Corte, em razão da previsão do art. 1.043, III, do

novo CPC. Não há incompatibilidade entre a prescrição legal e o entendimento

sumular. Isso porque somente se deve conhecer da divergência entre acórdão

que apreciou o mérito e outro que não conheceu do recurso quando ambos, ao

menos, tenham apreciado a questão objeto da divergência.

No presente caso, aplicou-se o óbice da Súmula 7 do STJ para toda a

matéria objeto do recurso, não havendo, como afirma o embargante, sido

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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apreciado o mérito da questão objeto da divergência. Como se pode observar, o

acórdão embargado entendeu pela impossibilidade de revisitar o quadro fático-

probatório. Houve aplicação da consagrada Súmula 7/STJ. Transcrevo excerto

do voto condutor do acórdão recorrido:

Assim se manifestou o Tribunal de origem sobre a ausência de repetição em

dobro das quantias cobradas pela agravada:

o que concerne à alegada inaplicabilidade do artigo 42, da Lei n. 8.078/1990

(impossibilidade de devolução dobrada dos valores), com razão a empresa

apelante, haja vista que, a teor do supra referido dispositivo legal, necessária a

demonstração da má-fé no que toca à cobrança indevida, o que não ocorreu no

caso em comento.

Ademais, o TJ/RS não vislumbrou qualquer prova de efetivo pagamento de

valores cobrados indevidamente, assim se manifestando:

In casu, inexistindo nos autos prova do efetivo pagamento de valores cobrados

indevidamente em outras faturas que não as juntadas aos autos, mostra-se

descabida a pretensão à repetição de indébito de todo o período alegado em

inicial.

Nesse contexto, alterar os pressupostos fáticos do processo demandaria,

necessariamente, repisá-los, sendo vedado nos termos da Súmula 7/STJ.

Nesse sentido, não são cabíveis embargos de divergência, conforme se

extrai da jurisprudência pacifi cada nesta Corte Superior, verbis:

Embargos de declaração nos embargos de divergência. Caráter infringente.

Recebimento como agravo regimental. Acórdão recorrido. Ausência de exame

de mérito. Discussão acerca do acerto ou desacerto da aplicação de regra técnica

de conhecimento. Embargos de divergência não conhecidos. Agravo regimental

desprovido.

1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, em face

do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da

fungibilidade e da economia processual.

2. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, não cabem

embargos de divergência quando o recurso especial tem seu seguimento

negado em face da aplicação de regra técnica de conhecimento, como ocorre

no caso em tela, em que o acórdão embargado, para rechaçar a pretensão

deduzida pela ora embargante, verificou a falta de prequestionamento

da questão federal, a ausência de demonstração analítica da divergência

jurisprudencial e a necessidade de reexame fático-probatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(EDcl nos EREsp 1.382.738/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção,

julgado em 8.4.2015, DJe 29.4.2015)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO

MANDADO DE SEGURANÇA N. 21.883-DF (2015/0154755-0)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Embargante: Marilene Vieira Goncalves

Advogado: Carlos Eduardo Pereira Costa e outro(s) - GO022817

Impetrado: Ministro Relator da Reclamação NR 21170 do Superior

Tribunal de Justiça

EMENTA

Processual Civil. Embargos de declaração no agravo regimental

no mandado de segurança. Direito intertemporal. Agravo interposto

sob a égide do CPC/1973 e julgado na vigência no CPC/2015.

Técnica de julgamento. Observância da novel legislação. Sustentação

oral. Cabimento no caso. Nulidade do acórdão embargado.

Reconhecimento.

1. A lei vigente ao tempo em que publicada a decisão recorrida

disciplinará as regras de cabimento do recurso.

2. Todavia, no que diz respeito ao procedimento recursal, deve

ser observada a lei que vigorar no momento da interposição do

recurso ou de seu efetivo julgamento, por envolver a prática de atos

processuais independentes, passíveis de ser compatibilizados com o

direito assegurado pela lei anterior.

3. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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ACÓRDÃO

Por unanimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos

infringentes, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin,

Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques,

Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Francisco

Falcão e Napoleão Nunes Maia Filho.

Brasília (DF), 16 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Presidente

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 6.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de embargos de

declaração com pedido de efeitos modifi cativos opostos por Marilene Vieira

Gonçalves a acórdão assim ementado:

Agravo regimental em mandado de segurança. Ato judicial. Indeferimento

liminar. Inexistência de teratologia e ilegalidade. Fundamentos não infi rmados.

1. É inadmissível o procedimento mandamental se o impetrante não comprova

que o ato judicial reveste-se de teratologia ou de flagrante ilegalidade nem

demonstra a ocorrência de abuso de poder pelo órgão prolator da decisão

impugnada.

2. Se a parte agravante não apresenta argumentos hábeis a infirmar os

fundamentos da decisão regimentalmente agravada, deve ela ser mantida por

seus próprios fundamentos.

3. Agravo regimental desprovido.

A embargante sustenta, com amparo nos arts. 937, VI e § 3º, do novo CPC

e 5º, LV, da Constituição Federal, que houve cerceamento de defesa por não lhe

ter sido dada a oportunidade de sustentação oral na sessão de julgamento do

agravo regimental, ocorrida em 4.5.2016, já sob a égide da nova lei processual,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

32

devendo, por conseguinte, ser declarada a nulidade do acórdão embargado e

realizado outro julgamento com observância do rito previsto no CPC de 2015.

Conforme a certidão de fl . 149 (e-STJ), transcorreu in albis o prazo para

impugnação.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): O presente mandado

de segurança foi liminarmente indeferido por decisão publicada em 3.8.2015

(fl . 89, e-STJ), desafi ando a interposição de agravo regimental, protocolado em

10.8.2015.

A embargante defende, sob a alegação de cerceamento de defesa, a nulidade

do acórdão que negou provimento ao regimental, visto ter sido indeferido seu

pedido de sustentação oral na sessão de julgamento ocorrida em 4.5.2016,

já na vigência do novo Código de Processo Civil. Aduz que o § 3º do art.

937 do CPC de 2015 passou a prever o cabimento de sustentação oral no

julgamento de agravo interno contra decisão de relator que extinga os processos

de competência originária do Tribunal.

Inicialmente, registre-se que o agravo interposto pela ora embargante,

conquanto nominado de agravo regimental e amparado nos arts. 258 e 259

do RISTJ, encontrava previsão legal no art. 557, § 1º, do CPC/1973, já tendo

esta Corte proclamado que a praxe de nominar o recurso interposto contra

decisão monocrática de agravo regimental não altera seu processamento nem sua

natureza, uma vez observados os requisitos previstos na lei, como aqui. Nesse

sentido:

Agravo. Agravo regimental. Art. 557, § 1º, do CPC.

Denominar de “agravo regimental” o agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC

não impede o conhecimento do recurso.

Especial conhecido e provido. (REsp n. 419.230/MT, Quarta Turma, relator

Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 7.10.2002.)

Agravo no recurso especial. Processual Civil. Decisão de relator que nega

seguimento a recurso. Recurso cabível. Agravo. Fungibilidade recursal. Admite-se

a fungibilidade dos recursos desde que haja dúvida objetiva quanto ao recurso

a ser interposto e inexistência de erro grosseiro, e que a interposição do mesmo

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 33

ocorra dentro do prazo legal previsto para o recurso adequado. A invocação

da denominação “agravo regimental”, a despeito de expressa previsão legal do

recurso (art. 557, § 1º, do CPC), é praxe que se verifi ca nos Tribunais pátrios, não

confi gurando, assim, a prática de erro grosseiro, sendo que denominar o recurso

de “agravo regimental”, e não de “agravo” ou “agravo inominado”, não enseja por

si só o não-conhecimento do recurso, sob pena de prestigiar-se formalidade que

não se justifi ca no caso em exame. (AgRg no REsp n. 295.695/SC, Terceira Turma,

relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 28.5.2001.)

Portanto, o agravo regimental objeto do acórdão ora embargado coincide

com o agravo previsto no art. 557, § 1º, do CPC/1973.

Há muito o STJ sedimentou o entendimento de que é ao tempo em que

publicada a decisão recorrida que se afere o cabimento de recurso para impugná-

la. Confi ram-se os seguintes precedentes:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Decisão impugnada.

Vigência do CPC/2015. Publicação anterior. CPC/1973. Aplicabilidade. Súmulas n.

283/STF e 7/STJ. Ausência de impugnação. Súmula n. 182/STJ.

1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a lei a reger o

recurso cabível e a forma de sua interposição é aquela vigente na data da publicação

da decisão impugnada, momento em que o sucumbente tem a ciência da exata

compreensão dos fundamentos do provimento jurisdicional que pretende combater.

2. Na hipótese, o agravo ataca decisão publicada na vigência do CPC/1973,

sendo exigidos os requisitos de admissibilidade na forma prevista naquele código

de processo, com as interpretações dada até então pela jurisprudência desta

Corte Superior.

[...]

4. Agravo regimental não conhecido. (AgRg no AREsp n. 102.760/MT, Terceira

Turma, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 25.8.2016.)

Processual Civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Vigência do

novo CPC. 18.3.2016. LC n. 95/1998 e Lei n. 810/1949. Aplicabilidade na espécie do

CPC de 1973. Princípio tempus regit actum. Falta de prequestionamento. Súmulas

282 e 356 do STF. Reexame de matéria probatória. Impossibilidade. Súmula 7 do

STJ. Agravo não provido.

1. Observando o disposto na Lei n. 810/1949 c/c Lei Complementar n. 95/1998,

a vigência do novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13.105, de 16 de

março de 2015, iniciou-se em 18 de março de 2016 (Enunciado Administrativo n.

1, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 2.3.2016).

2. À luz do princípio tempus regit actum, esta Corte Superior há muito pacifi cou

o entendimento de que as normas de caráter processual têm aplicação imediata

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

34

aos processos em curso, regra essa que veio a ser positivada no ordenamento

jurídico no art. 14 do novo CPC.

3. Em homenagem ao referido princípio, o Superior Tribunal de Justiça consolidou

o entendimento de que a lei a reger o recurso cabível e a forma de sua interposição

é aquela vigente à data da publicação da decisão impugnada, ocasião em que o

sucumbente tem a ciência da exata compreensão dos fundamentos do provimento

jurisdicional que pretende combater. Precedentes.

4. Esse entendimento foi cristalizado pelo Plenário do Superior Tribunal de

Justiça, na sessão realizada em 9.3.2016 (ata publicada em 11.3.2016), em que,

por unanimidade, aprovou a edição de enunciado administrativo com a seguinte

redação: “Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a

decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de

admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então,

pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n.

2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 9.3.2016).

[...]

7. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 810.080/SP, Quarta Turma,

relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 23.8.2016.)

Processual Civil. Agravo regimental. Decisão agravada publicada sob a égide do

CPC/1973. Contagem do prazo. Regras de direito intertemporal. Inaplicabilidade

do Código de Processo Civil de 2015. Recurso intempestivo.

1. A nova lei processual se aplica imediatamente aos processos em curso (ex vi

do art. 1.046 do CPC/2015), respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito,

a coisa julgada, enfi m, os efeitos já produzidos ou a se produzir sob a égide da

nova lei.

2. Considerando que o processo é constituído por inúmeros atos, o Direito

Processual Civil orienta-se pela Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a

qual, cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fi m de

determinar qual a lei que o regerá (princípio do tempus regit actum). Esse sistema

está inclusive expressamente previsto no art. 14 do CPC/2015.

3. Com base nesse princípio e em homenagem à segurança jurídica, o Pleno

do Superior Tribunal de Justiça interpretou o art. 1.045 do Código de Processo

Civil de 2015 e concluiu que o novo CPC entrou em vigor no dia 18.3.2016, além

de elaborar uma série de enunciados administrativos sobre regras de direito

intertemporal (vide Enunciados Administrativos n. 2 e 3 do STJ).

4. Esta Corte de Justiça estabeleceu que a lei que rege o recurso é aquela vigente

ao tempo da publicação do decisum. Assim, se a decisão recorrida for publicada

sob a égide do CPC/1973, este Código continuará a defi nir o recurso cabível para sua

impugnação, bem como a regular os requisitos de sua admissibilidade. A contrário

sensu, se a intimação se deu na vigência da lei nova, será ela que vai regular

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 35

integralmente a prática do novo ato do processo, o que inclui o cabimento, a

forma e o modo de contagem do prazo.

5. No caso, a decisão ora agravada foi publicada em 17.3.2016, portanto sob

a égide do CPC/1973. Assim, é inviável a incidência das regras previstas nos arts.

219 e 1.021, § 2º, do CPC/2015, razão pela qual mostra-se intempestivo o agravo

regimental interposto após o prazo legal de cinco dias previsto nos arts. 545 do

Código de Processo Civil de 1973 e 258 do Regimento Interno do STJ.

6. Agravo regimental não conhecido. (AgInt no AREsp n. 785.269/SP, Primeira

Turma, relator Ministro Gurgel de Faria, DJe de 28.4.2016.)

A questão cinge-se a defi nir se a lei vigente ao tempo em que publicada

a decisão recorrida regulará toda a fase recursal ou apenas os requisitos de

admissibilidade do recurso.

Cabe lembrar que a legislação brasileira adotou a teoria do isolamento dos

atos processuais, tomando-os separadamente dos demais para identifi car a lei

aplicável a cada um. Adotou o princípio tempus regit actum, segundo o qual a lei

processual aplica-se aos processos pendentes, incidindo sobre os atos processuais

a serem praticados. Todavia, o legislador preservou aqueles atos já praticados e

as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada (arts. 1.211

do CPC/1973 e 14 e 1.046 do CPC/2015), cuidado que decorre do comando

constitucional insculpido no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.

Assim, a lei vigente ao tempo em que publicada a decisão recorrida

disciplinará as regras de cabimento do recurso, pois ali estará consolidado o

direito da parte à interposição do recurso então previsto, consoante já assentado

pela jurisprudência do STJ.

Já no que diz respeito ao procedimento recursal, deverá ser observada

a lei que vigorar no momento da interposição do recurso ou de seu efetivo

julgamento, por envolver a prática de atos processuais independentes, passíveis

de ser compatibilizados com o direito assegurado pela lei anterior.

Assim, por exemplo, se a nova lei processual passar a prever o pagamento

de preparo, ainda que a decisão recorrida tenha sido publicada na vigência da

lei anterior, mas ocorrendo a interposição do recurso cabível sob a égide da

novel legislação, o preparo deverá ser recolhido, sob pena de deserção. O mesmo

se diga em relação às mudanças na técnica de julgamento do recurso. Basta

pensar na nova técnica de ampliação de quórum prevista no art. 942, caput,

do CPC/2015 à hipótese de falta de unanimidade no julgamento de apelação.

Todas as apelações interpostas sob a égide do CPC/1973 e que venham a ser

julgadas na vigência do CPC/2015 deverão observar a nova regra.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

36

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração com efeitos modifi cativos,

para anular o julgamento do agravo regimental e determinar que outro seja realizado,

concedendo-se ao patrono da parte a oportunidade de sustentação oral.

É o voto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 1.185.323-

RS (2010/0048082-0)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Embargante: Ministério Público Federal

Embargado: Cervejarias Kaiser Brasil S/A

Advogados: Marcelo Avancini Neto e outro(s) - SP089039

Leonardo Peres da Rocha e Silva - DF012002

Cristina A. de Oliveira Moura

Interes.: Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor Saudecon

Advogado: Francisco Antônio de Oliveira Stockinger e outro(s) -

RS032236

EMENTA

Embargos de divergência no recurso especial. Consumidor,

Civil e Processo Civil. Ação civil pública. Cerveja com a expressão

“sem álcool” no rótulo. Presença de teor alcoólico de até 0,5%.

Impossibilidade. Ofensa ao direito à informação clara e adequada.

Existência de decreto regulamentar que permite a classificação.

Irrelevância. Embargos de divergência acolhidos.

1. O mero erro no endereçamento dos embargos de divergência

não gera o não conhecimento do recurso, pois não se verifi cou má-

fé da parte Embargante, tampouco prejuízo ao direito de defesa da

Embargada. Precedentes.

2. Questão referente à possibilidade de exposição à venda de

cerveja que, embora classifi cada em seu rótulo com a expressão “sem

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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álcool”, possua teor alcoólico de até 0,5%. Similitude entre os acórdãos

embargado e paradigma, que trataram da matéria à luz das normas

legais vigentes, notadamente do Código de Defesa do Consumidor.

3. A informação “sem álcool”, constante do rótulo do produto,

é falsa e, por isso, está em clara desconformidade com o que dispõe

o Código de Defesa do Consumidor, notadamente em prejuízo do

direito à informação clara e adequada.

4. O fato de existir decreto regulamentar que classifi ca como

“sem álcool” a cerveja com teor alcoólico de até 0,5% não autoriza

que a Empresa, Embargada, desrespeite os direitos mais básicos do

consumidor, garantidos em lei especial, naturalmente prevalecente na

espécie.

5. Embargos de divergência acolhidos. Acórdão embargado

reformado para restabelecer a sentença que julgou procedente a ação

civil pública.

ACÓRDÃO

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro

Herman Benjamin, acompanhando a Sra. Ministra Relatora, e os votos dos

Senhores Ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura,

Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão,

Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Nancy Andrighi, no mesmo

sentido, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer

dos embargos de divergência e dar-lhes provimento, nos termos do voto da

Sra. Ministra Relatora. Vencido o Sr. Ministro Raul Araújo. Os Srs. Ministros

Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin,

Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão,

Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Nancy Andrighi votaram

com a Sra. Ministra Relatora.

Declararam-se aptos a votar o Senhor Ministro Luis Felipe Salomão e a

Senhora Ministra Nancy Andrighi.

Não participaram do julgamento o Sr. Ministro Francisco Falcão e o Sr.

Ministro João Otávio de Noronha.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.

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Brasília (DF), 24 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Felix Fischer, Presidente

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 29.11.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de embargos de divergência opostos

pelo Ministério Público Federal contra acórdão da Quarta Turma, relator para o

acórdão Ministro Raul Araújo, ementado nestes termos:

Recurso especial. Civil. Consumidor. Processual Civil. Ofensa aos arts. 47, 267, VI,

e 535, I, do CPC. Inexistência. Ação civil pública. Cerveja sem álcool. Classifi cação

oficial. Legislação específica. Observância. Retirada do produto do mercado.

Inviabilidade. Improcedência da ação. Recurso parcialmente provido.

1. Rejeitadas, por unanimidade, as violações aos arts. 267, VI, e 535, I, do CPC e,

por maioria, a ofensa ao art. 47 da Lei Adjetiva Civil.

2. A Lei n. 8.918/1994 dispõe “sobre a padronização, a classifi cação, o registro,

a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, autoriza a criação da

Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências”. Foi regulamentada

pelo Decreto n. 2.314/1997, que, em seus arts. 10 e 66, III, dispunha quanto à

classifi cação das cervejas, “estabelecida, em todo o território nacional”, em caráter

de “obrigatoriedade”, de acordo com a referida Lei. Atualmente vige o Decreto n.

6.871/2009, que, em seus arts. 12 e 38, este com praticamente a mesma redação

daquele mencionado art. 66, estabelece a classifi cação das cervejas prevendo,

no que respeita ao teor alcoólico, que a cerveja sem álcool é aquela em que

o conteúdo de álcool for menor que 0,5% (meio por cento) em volume, sem

obrigatoriedade de declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.

3. Na hipótese, a recorrente segue a normatização editada para regular sua

atividade empresarial, elaborada por órgão governamental especializado, tendo

obtido a aprovação do rótulo de seu produto pelo Ministério da Agricultura.

Nesse contexto, não pode ser condenada a deixar de comercializar a cerveja de

classifi cação “sem álcool” que fabrica, com base apenas em impressões subjetivas

da associação promovente, a pretexto de que estaria a violar normas gerais do

CDC ao fazer constar no rótulo da bebida a classifi cação ofi cial determinada em

lei especial e no decreto regulamentar.

4. Não se mostra adequado intervir no mercado pontualmente, substituindo-

se a lei especial e suas normas técnicas regulamentadoras por decisão judicial

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 39

leiga e subjetiva, de modo a obstar a venda de produto por sociedade empresária

fabricante, que segue corretamente a legislação existente acerca da fabricação e

comercialização da bebida.

5. Recurso especial parcialmente provido. (Fls. 1.114/1.115)

Alega o Embargante que o acórdão embargado vulnera os arts. 6º e 9º do

Código de Defesa do Consumidor e diverge da jurisprudência fi rmada pela

Segunda e Terceira Turmas do Superior Tribunal de Justiça, apontando os

seguintes arestos paradigmas:

Processual Civil e Consumidor. Direito à informação. Arts. 6º, 31 e 37 do CDC.

Cerveja que utiliza a expressão “sem álcool” no rótulo do produto. Impossibilidade.

Bebida que apresenta teor alcoólico inferior a 0,5% por volume. Multa. Procon.

Revisão. Súmula 7/STJ. Violação do art. 6º da LICC. Natureza constitucional.

1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que a Ambev “foi autuada

em 29 de junho de 2001 porque, como constatado, estava expondo a venda a

cerveja Kronenbier, classifi cando-a como sem álcool, sem assegurara informações

corretas sobre o teor alcoólico na composição do produto, infringindo o disposto

no artigo 31 da Lei n. 8.078/1990”. Afi rma ainda que “é manifesta a confusão do

consumidor ao se deparar com a expressão ‘sem álcool’ em destaque no rótulo da

cerveja e a advertência do teor alcoólico menor que 0,5% em letras minúsculas”

(fl s. 478-479).

2. Cumpre ressaltar que um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais

elementar de todos, e daí a sua expressa previsão no art. 5º, XIV, da Constituição

de 1988, é “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,

com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade

e preço” (art. 6º, III, do CDC).

3. Por expressa disposição legal, só respeitam os princípios da transparência e

da boa-fé objetiva as informações que sejam corretas, claras, precisas e ostensivas

sobre as características de produtos ou serviços, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, bem como sobre os

riscos que apresentam à saúde e à segurança dos consumidores, sendo proibida

a publicidade enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor (arts. 31 e 37 do

CDC). Precedentes do STJ.

4. No que tange à pretensão da empresa de ver anulada a sanção imposta

pelo Procon ou reduzido o seu valor, esta Segunda Turma entendeu ser inviável

analisar as teses defendidas no Recurso Especial, porquanto isso demanda

reexame de fatos e provas constantes dos autos, a fi m de afastar as premissas

fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido, o que esbarra no óbice disposto na

Súmula 7/STJ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

40

5. Por fim, ressalto que a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido

de que os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil - direito

adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada -, apesar de previstos em norma

infraconstitucional, não podem ser analisados em Recurso Especial, se o enfoque

que a eles se der no acórdão recorrido for de natureza estritamente constitucional

(art. 5º, XXXVI, da CF/1988).

6. A Ambev reitera, em seus memoriais, as razões do Agravo Regimental, não

apresentando argumento novo.

7. Agravos Regimentais não providos. (AgRg nos EDcl no AREsp 259.903/

SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26.8.2014, DJe

25.9.2014.)

Direito do Consumidor. Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública.

Direito básico do consumidor à informação adequada. Proteção à saúde.

Legitimidade ad causam de associação civil. Direitos difusos. Desnecessidade

de autorização específica dos associados. Ausência de interesse da União.

Competência da Justiça Estadual. Arts. 2º e 47 do CPC. Não prequestionamento.

Acórdão recorrido sufi cientemente fundamentado. Cerveja Kronenbier. Utilização

da expressão “sem álcool” no rótulo do produto. Impossibilidade. Bebida que

apresenta teor alcoólico inferior a 0,5% por volume. Irrelevância, in casu, da

existência de norma regulamentar que dispense a menção do teor alcóolico na

embalagem do produto. Arts. 6º e 9º do Código de Defesa do Consumidor.

1. A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a

pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em insufi ciência de

fundamentação do julgado, sendo descabido, na hipótese, falar em ofensa aos

arts. 165, 458, II e III, e 515, do CPC.

2. São legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, detentor

da função institucional de fazê-lo no resguardo de interesses difusos e coletivos

(CF/1988, art. 129, III), a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as

empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.

3. Não se exige das associações civis que atuam em defesa aos interesses do

consumidor, como sói ser a ora recorrida, autorização expressa de seus associados

para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos

dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direitos metaindividuais, de

natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas

não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato,

impossível seria a individualização de cada potencial interessado.

4. À luz dos Enunciados Sumulares n. 282/STF e 356/STF, é inadmissível o

recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se

pronunciado a Corte de origem.

5. Inexistindo nos autos elementos que conduzam à necessidade de formação

de litisconsórcio passivo necessário da União com a recorrente, já que a demanda

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 41

diz respeito exclusivamente às informações contidas no rótulo de uma das marcas

de cerveja desta, não há falar, in casu, em competência da Justiça Federal.

6. A comercialização de cerveja com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5%

em cada volume, com informação ao consumidor, no rótulo do produto, de que

se trata de bebida sem álcool, a par de inverídica, vulnera o disposto nos arts. 6º e

9º do CDC, ante o risco à saúde de pessoas impedidas ao consumo.

7. O fato de ser atribuição do Ministério da Agricultura a padronização, a

classifi cação, o registro, a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas, não

autoriza a empresa fabricante de, na eventual omissão deste, acerca de todas as

exigências que se revelem protetivas dos interesses do consumidor, malferir o

direito básico deste à informação adequada e clara acerca de seus produtos.

8. A dispensa da indicação no rótulo do produto do conteúdo alcóolico,

prevista no já revogado art. 66, III, ‘a’, do Decreto n. 2.314/1997, não autorizava a

empresa fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a não veraz informação

de que o consumidor estaria diante de cerveja “sem álcool”, mesmo porque

referida norma, por seu caráter regulamentar, não poderia infi rmar os preceitos

insculpidos no Código de Defesa do Consumidor.

9. O reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos é atividade

vedada a esta Corte Superior, na via especial, nos expressos termos do Enunciado

Sumular n. 7 do STJ.

10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.181.066/RS, Rel.

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira

Turma, julgado em 15.3.2011, DJe 31.3.2011.)

Requer o acolhimento dos embargos, “reformando-se a decisão aqui

combatida, prevalecendo o entendimento manifestado nos acórdãos paradigmas,

qual seja, o de que a legislação de caráter regulamentar não tem o condão de

‘infi rmar os preceitos insculpidos no Código de Defesa do Consumidor’” (fl .

1.142).

A Cervejaria Kaiser Brasil S.A., ora Embargada, ofereceu impugnação às

fl s. 1.215-1.233, sustentando, preliminarmente: (a) existência de erro inescusável

de endereçamento do recurso; e (b) ausência de similitude fática entre o acórdão

embargado e os acórdãos paradigmas. No mérito, alega que a utilização da

expressão “sem álcool” no rótulo da cerveja “Bavaria” não decorre de opção

comercial, não se referindo a uma informação do produto, mas à sua classifi cação,

pois “A Bavaria é obrigada pela legislação em vigor a adotar tal denominação em

seu rótulo, sob pena de não ter o registro do rótulo aprovado pelo Ministério da

Agricultura, conforme determina o art. 19 do Decreto n. 2.314/1997. Mais do

que isso, o art. 129 do Decreto n. 2.314/1997 considera infração rotular produto

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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de maneira diversa daquela determinada em lei” (fl . 1.225). Requer, assim, o não

conhecimento do recurso ou, caso admitido, seja desprovido.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): No caso dos autos, a Associação

Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor ajuizou ação civil pública por danos

causados aos consumidores contra a Cervejaria Kaiser Brasil S.A., que produz

e comercializa a cerveja “Bavária”, na qual consta em seu rótulo a expressão

“sem álcool”, embora esteja escrito na lateral do recipiente, em letras minúsculas,

que a bebida possui teor alcoólico de menos de 0,5%. Sustentou que a referida

informação fere normas previstas no Código de Defesa do Consumidor,

notadamente o direito à informação adequada e clara.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente a ação, para suspender a

comercialização da cerveja, no prazo de 90 dias, a contar do trânsito em julgado

da sentença, sob pena de multa diária de 1.000 salários mínimos.

Contra a decisão foi interposto recurso de apelação, que foi desprovido

pelo Tribunal de origem.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento

ao recurso especial interposto pela ora Embargada, nos termos do voto do

Ministro Raul Araújo, relator para o acórdão, consignando o entendimento de

que “não pode a recorrente, que segue rigorosamente a normatização jurídica e

técnica específi ca aplicável, ser condenada a deixar de comercializar a cerveja de

classifi cação ‘sem álcool’ que fabrica, com base apenas em impressões subjetivas

da associação promovente, a pretexto de que estaria a violar normas gerais do

CDC ao fazer constar no rótulo da bebida a classifi cação ofi cial determinada

em lei especial e no decreto regulamentar” (fl . 1.111).

Em conclusão, entendeu o acórdão embargado que “não se mostra adequado

intervir no mercado pontualmente, substituindo-se a lei especial e suas normas

técnicas regulamentadoras por decisão judicial leiga e subjetiva, de modo a obstar

a venda de produto por sociedade empresária fabricante, que segue corretamente

a legislação existente acerca da fabricação e comercialização da bebida, máxime

quando nem sequer se questiona a continuidade da comercialização por outros

produtores” (fl s. 1.111-1.112).

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 43

Inconformado, o Ministério Público Federal opõe embargos de divergência,

sustentando divergência do aresto embargado com julgados proferidos pela

Segunda e Terceira Turmas desta Corte, quanto à existência de afronta à

legislação consumerista.

Pondera a parte Embargante que deve “prevalecer, diante da divergência

demonstrada, a tese consagrada pelos acórdãos paradigmas, em detrimento

daquela prestigiada pelo acórdão paragonado, em razão do respeito à faculdade

de escolha do consumidor, que só é alcançado em sua plenitude se observado o

seu direito à adequada e clara informação sobre todos os aspectos dos produtos e

serviços à sua disposição” (fl . 1.142).

Pois bem. Passo à análise da suposta divergência entre o acórdão embargado

e o julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que atraiu a

competência da Corte Especial para o julgamento da causa.

Cabe, desde logo, afastar a preliminar de não conhecimento suscitada pela

Embargada, em razão de “inescusável erro de endereçamento”, por ter sido o

recurso direcionado ao Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça,

pois não se verifi ca, na espécie, má-fé da parte Embargante, tampouco prejuízo

ao direito de defesa da Embargada.

Segundo orientação jurisprudencial desta Corte, “o mero equívoco no

endereçamento de peça processual, quando apresentada tempestivamente e

ausente a má-fé da parte, não impede o seu conhecimento, devendo ser aplicado

o princípio da instrumentalidade das formas” (HC 297.363/RJ, Rel. Ministro

Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 2.9.2014, DJe de 10.9.2014).

A propósito:

Agravo regimental. Recurso especial. Endereçamento. Desembargador Relator.

Irregularidade formal. Prequestionamento. Acórdão recorrido. Tema central.

Execução. Prescrição intercorrente. Intimação. Ausência. Não provimento.

1. O equívoco no endereçamento do recurso especial, dirigido ao relator do

acórdão recorrido, constitui mera irregularidade formal que, se não prejudicar o

direito de defesa da parte contrária, não impede o seu conhecimento, haja vista o

princípio segundo o qual não se declara a nulidade se dela não advier prejuízo.

2. O prequestionamento é evidente quando a controvérsia trazida no recurso

especial foi o tema central do acórdão recorrido.

3. A prescrição intercorrente pressupõe desídia do credor que, intimado a

diligenciar, se mantém inerte.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

44

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1.253.510/

MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 5.6.2012, DJe de

14.6.2012.)

Quanto à alegação de que não há similitude entre o acórdão embargado e o

paradigma, também não assiste razão à parte Embargada.

Com efeito, tanto o acórdão embargado quanto o paradigma analisaram a

questão referente à possibilidade de exposição à venda de cerveja que, embora

classifi cada em seu rótulo com a expressão “sem álcool”, possua teor alcoólico de

até 0,5%. Ambos trataram da matéria à luz das normas legais vigentes, e, ainda

que o acórdão paradigma tenha ressaltado as normas previstas no Código de

Defesa do Consumidor para dirimir a controvérsia, ele afastou as alegações da

cervejaria recorrente, que se fundavam na existência de legislação específi ca, esta

amplamente debatida no acórdão embargado (Lei n. 8.919/1994 e Decreto n.

2.314/1997, posteriormente revogado pelo Decreto n. 6.871/2009).

Com efeito, no AREsp n. 259.903/SP, paradigma, observa-se que o

recurso especial apresentado pela Companhia de Bebidas das Américas -

AMBEV alegava, especifi camente, a conformidade da conduta da cervejaria à

legislação específi ca, ressaltando que “coube à Lei n. 8.918/1994 e ao Decreto

n. 2.314/1997 regulamentar a forma pela qual a cerveja deve ser oferecida ao

mercado consumidor”.

O Ministro Herman Benjamin, Relator, fez prevalecer, na espécie, os

dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, o que, por consequência,

afastou, por óbvio, a aplicação do decreto regulamentar, deixando ressaltado,

em seu voto, que “os argumentos ventilados nos memoriais apresentados pela

AMBEV, aos quais dediquei especial atenção, com intento de analisar o decisum

e, assim, evitar injustiça no caso em tela nada mais são que a reiteração da

matéria já apresentada no presente recurso”.

As soluções dadas aos casos, de fato, mostraram-se díspares, a ensejar a

admissibilidade dos embargos de divergência.

Rejeitadas as questões preliminares, examino o mérito dos embargos e,

com a devida vênia daqueles que adotam entendimento contrário, creio que a

melhor solução foi mesmo a do paradigma.

É certo que a Lei n. 8.918/1994, ao dispor sobre a padronização, a

classifi cação, o registro, a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas,

remeteu a sua regulamentação a ato do Poder Executivo. Essa regulamentação

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 45

foi realizada pelo Decreto n. 2.314/1997, posteriormente revogado pelo Decreto

n. 6.871/2009, que trata hoje da matéria.

O art. 12, inciso I, do Decreto n. 6.871/2009 determina que as bebidas

com graduação alcoólica até meio por cento em volume de álcool etílico sejam

classifi cadas como “bebida não-alcoólica”. O art. 38, inciso III, de referido

decreto, por sua vez, classifi ca a cerveja como “sem álcool, quando seu conteúdo

em álcool for menor ou igual a meio por cento em volume, não sendo obrigatória

a declaração no rótulo do conteúdo alcoólico”.

Ocorre, porém, que a informação “sem álcool”, constante do rótulo do

produto, é falsa e, por isso, está em clara desconformidade com o que dispõe o

Código de Defesa do Consumidor.

Com efeito, extrai-se do Código de Defesa do Consumidor diversos

preceitos que evidenciam a proibição de oferta de produto com informação

inverídica, capaz de levar o consumidor a erro, ou mesmo de oferecer-lhe riscos

à saúde e segurança. Confi ra-se:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com

especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos

incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

[...]

Art. 9º O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos

ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e

adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da

adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

[...]

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar

informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas

características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de

validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à

saúde e segurança dos consumidores.

[...]

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de

caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo,

mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza,

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características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer

outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer

natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite

da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores

ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma

prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão

quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

O direito à informação clara e adequada nas relações de consumo tem sido

assegurado pela jurisprudência desta Corte:

Direito do Consumidor. Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública.

Direito básico do consumidor à informação adequada. Proteção à saúde.

Legitimidade ad causam de associação civil. Direitos difusos. Desnecessidade

de autorização específica dos associados. Ausência de interesse da União.

Competência da Justiça Estadual. Arts. 2º e 47 do CPC. Não prequestionamento.

Acórdão recorrido sufi cientemente fundamentado. Cerveja Kronenbier. Utilização

da expressão “sem álcool” no rótulo do produto. Impossibilidade. Bebida que

apresenta teor alcoólico inferior a 0,5% por volume. Irrelevância, in casu, da

existência de norma regulamentar que dispense a menção do teor alcóolico na

embalagem do produto. Arts. 6º e 9º do Código de Defesa do Consumidor.

1. A motivação contrária ao interesse da parte ou mesmo omissa em relação a

pontos considerados irrelevantes pelo decisum não se traduz em insufi ciência de

fundamentação do julgado, sendo descabido, na hipótese, falar em ofensa aos

arts. 165, 458, II e III, e 515, do CPC.

2. São legitimados para sua propositura, além do Ministério Público, detentor

da função institucional de fazê-lo no resguardo de interesses difusos e coletivos

(CF/1988, art. 129, III), a União, os Estados, os Municípios, as Autarquias, as

empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.

3. Não se exige das associações civis que atuam em defesa aos interesses do

consumidor, como sói ser a ora recorrida, autorização expressa de seus associados

para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos

dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direitos metaindividuais, de

natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas

não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato,

impossível seria a individualização de cada potencial interessado.

4. À luz dos Enunciados Sumulares n. 282/STF e 356/STF, é inadmissível o

recurso especial que demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se

pronunciado a Corte de origem.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 47

5. Inexistindo nos autos elementos que conduzam à necessidade de formação

de litisconsórcio passivo necessário da União com a recorrente, já que a demanda

diz respeito exclusivamente às informações contidas no rótulo de uma das marcas

de cerveja desta, não há falar, in casu, em competência da Justiça Federal.

6. A comercialização de cerveja com teor alcoólico, ainda que inferior a 0,5%

em cada volume, com informação ao consumidor, no rótulo do produto, de que

se trata de bebida sem álcool, a par de inverídica, vulnera o disposto nos arts. 6º e

9º do CDC, ante o risco à saúde de pessoas impedidas ao consumo.

7. O fato de ser atribuição do Ministério da Agricultura a padronização, a

classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, não

autoriza a empresa fabricante de, na eventual omissão deste, acerca de todas as

exigências que se revelem protetivas dos interesses do consumidor, malferir o direito

básico deste à informação adequada e clara acerca de seus produtos.

8. A dispensa da indicação no rótulo do produto do conteúdo alcóolico, prevista

no já revogado art. 66, III, “a”, do Decreto n. 2.314/1997, não autorizava a empresa

fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo a não veraz informação de que o

consumidor estaria diante de cerveja “sem álcool”, mesmo porque referida norma, por

seu caráter regulamentar, não poderia infi rmar os preceitos insculpidos no Código de

Defesa do Consumidor.

9. O reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos é atividade

vedada a esta Corte superior, na via especial, nos expressos termos do Enunciado

Sumular n. 7 do STJ.

10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.181.066/RS, Rel.

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira

Turma, julgado em 15.3.2011, DJe de 31.3.2011, sem grifos no original.)

Consumidor. Ação coletiva. Publicidade de produtos em canal da TV fechada.

Omissão de informação essencial. Preço e forma de pagamento obtidos

somente por meio de ligação tarifada. Publicidade enganosa por omissão.

Não observância do dever positivo de informar. Multa diária fi xada na origem.

Ausência de exorbitância. Redução. Impossibilidade. Divergência jurisprudencial

incognoscível.

1. Na origem, a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa

do Estado do Rio de Janeiro propôs ação coletiva contra Polimport Comércio

e Exportação Ltda. (Polishop), sob a alegação de que a ré expõe e comercializa

seus produtos em um canal da TV fechada, valendo-se de publicidade enganosa

por omitir o preço e a forma de pagamento, os quais somente podem ser

obtidos mediante ligação telefônica tarifada e onerosa ao consumidor,

independentemente de este adquirir ou não o produto.

2. O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para condenar a ré à

obrigação de informar elementos básicos para que o consumidor, antes de fazer o

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contato telefônico, pudesse avaliar a possível compra do produto, com destaque

para as características, a qualidade, a quantidade, as propriedades, a origem, o

preço e as formas de pagamento, sob pena de multa diária por descumprimento.

O Tribunal de origem, em sede de agravo interno, manteve a sentença.

3. O direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa

no art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, é gênero que tem como espécie o

direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.

4. O Código de Defesa do Consumidor traz, entre os direitos básicos do

consumidor, a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,

com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade e

preço, bem como sobre os riscos que apresentam” (art. 6º, inciso III).

5. O Código de Defesa do Consumidor atenta-se para a publicidade, importante

técnica pré-contratual de persuasão ao consumo, trazendo, como um dos direitos

básicos do consumidor, a “proteção contra a publicidade enganosa e abusiva” (art.

6º, IV).

6. A publicidade é enganosa por comissão quando o fornecedor faz uma

afi rmação, parcial ou total, não verdadeira sobre o produto ou serviço, capaz de

induzir o consumidor em erro (art. 37, § 1º). É enganosa por omissão a publicidade que

deixa de informar dado essencial sobre o produto ou o serviço, também induzindo o

consumidor em erro exatamente por não esclarecer elementos fundamentais (art. 37,

§ 3º).

7. O caso concreto é exemplo de publicidade enganosa por omissão, pois

suprime algumas informações essenciais sobre o produto (preço e forma de

pagamento), as quais somente serão conhecidas pelo consumidor mediante o

ônus de uma ligação tarifada, mesmo que a compra não venha a ser concretizada.

8. Quando as astreintes são fixadas conforme a capacidade econômica, a

redução da multa diária encontra óbice no reexame do conjunto fático-probatório

dos autos (Súmula 7/STJ). Ressalvam-se os casos de fi xação de valor exorbitante, o

que não ocorre no caso concreto.

9. A inexistência de similitude fática e jurídica entre os acórdãos confrontados

impede o conhecimento do recurso especial com fundamento na divergência

jurisprudencial.

Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1.428.801/RJ,

Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 27.10.2015, DJe

13.11.2015, sem grifos no original.)

Administrativo. Consumidor. Procedimento administrativo. Vício de

quantidade. Venda de refrigerante em volume menor que o habitual. Redução

de conteúdo informada na parte inferior do rótulo e em letras reduzidas.

Inobservância do dever de informação. Dever positivo do fornecedor de informar.

Violação do princípio da confi ança. Produto antigo no mercado. Frustração das

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 49

expectativas legítimas do consumidor. Multa aplicada pelo Procon. Possibilidade.

Órgão detentor de atividade administrativa de ordenação. Proporcionalidade

da multa administrativa. Súmula 7/STJ. Análise de lei local, portaria e instrução

normativa. Ausência de natureza de lei federal. Súmula 280/STF. Divergência não

demonstrada. Redução do quantum fi xado a título de honorários advocatícios.

Súmula 7/STJ.

1. No caso, o Procon estadual instaurou processo administrativo contra a

recorrente pela prática da infração às relações de consumo conhecida como

“maquiagem de produto” e “aumento disfarçado de preços”, por alterar

quantitativamente o conteúdo dos refrigerantes “Coca Cola”, “Fanta”, “Sprite”

e “Kuat” de 600 ml para 500 ml, sem informar clara e precisamente aos

consumidores, porquanto a informação foi aposta na parte inferior do rótulo e

em letras reduzidas. Na ação anulatória ajuizada pela recorrente, o Tribunal de

origem, em apelação, confi rmou a improcedência do pedido de afastamento da

multa administrativa, atualizada para R$ 459.434,97, e majorou os honorários

advocatícios para R$ 25.000,00.

2. Hipótese, no cível, de responsabilidade objetiva em que o fornecedor (lato

sensu) responde solidariamente pelo vício de quantidade do produto.

3. O direito à informação, garantia fundamental da pessoa humana expressa

no art. 5º, inciso XIV, da Constituição Federal, é gênero do qual é espécie também

previsto no Código de Defesa do Consumidor.

4. A Lei n. 8.078/1990 traz, entre os direitos básicos do consumidor, a “informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especifi cação correta

de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os

riscos que apresentam” (art. 6º, inciso III).

5. Consoante o Código de Defesa do Consumidor, “a oferta e a apresentação

de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,

ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem

como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art.

31), sendo vedada a publicidade enganosa, “inteira ou parcialmente falsa, ou, por

qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a

respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem,

preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços” (art. 37).

6. O dever de informação positiva do fornecedor tem importância direta no

surgimento e na manutenção da confi ança por parte do consumidor. A informação

defi ciente frustra as legítimas expectativas do consumidor, maculando sua confi ança.

7. A sanção administrativa aplicada pelo Procon reveste-se de legitimidade,

em virtude de seu poder de polícia (atividade administrativa de ordenação) para

cominar multas relacionadas à transgressão da Lei n. 8.078/1990, esbarrando o

reexame da proporcionalidade da pena fi xada no enunciado da Súmula 7/STJ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

50

8. Leis locais, portarias e instruções normativas refogem ao conceito de lei

federal, não podendo ser analisadas por esta Corte, ante o óbice, por analogia, da

Súmula 280/STF.

9. Os honorários advocatícios fi xados pela instância ordinária somente podem

ser revistos em recurso especial se o quantum se revelar exorbitante, em respeito

ao disposto na Súmula 7/STJ.

Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.364.915/MG, Rel. Ministro

Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14.5.2013, DJe 24.5.2013, sem

grifos no original.)

Também nessa linha, cabe destacar o ilustrado voto do Ministro Herman

Benjamin proferido no julgado paradigma:

[...]

Cumpre ressaltar que um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais

elementar de todos, e daí a sua expressa previsão no art. 5o, XIV, da Constituição

de 1988, é “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,

com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade

e preço” (art. 6º, III, do CDC).

Por expressa disposição legal, só respeitam os princípios da transparência e da

boa-fé objetiva, as informações que sejam corretas, claras, precisas e ostensivas

sobre as características de produtos ou serviços, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, bem como sobre os

riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores, sendo proibida a

publicidade enganosa, capaz de induzir em erro o consumidor (arts. 31 e 37 do

CDC).

Assim, o fato de existir decreto regulamentar que classifi ca como “sem

álcool” a cerveja com teor alcoólico de até 0,5% não autoriza que a Embargada

desrespeite os direitos mais básicos do consumidor, garantidos em lei especial,

naturalmente prevalecente na espécie.

Ante o exposto, acolho os embargos de divergência para, reformando o

acórdão embargado, restabelecer a sentença que julgou procedente a ação civil

pública.

É o voto.

VOTO VENCIDO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de embargos de divergência, opostos

pelo Ministério Público Federal em face de acórdão da eg. Quarta Turma que deu

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 51

parcial provimento a Recurso Especial interposto por Cervejaria Kaiser Brasil

S/A, em acórdão que guarda a seguinte ementa:

Recurso especial. Civil. Consumidor. Processual Civil. Ofensa aos arts. 47, 267, VI,

e 535, I, do CPC. Inexistência. Ação civil pública. Cerveja sem álcool. Classifi cação

oficial. Legislação específica. Observância. Retirada do produto do mercado.

Inviabilidade. Improcedência da ação. Recurso parcialmente provido.

1. Rejeitadas, por unanimidade, as violações aos arts. 267, VI, e 535, I, do CPC e,

por maioria, a ofensa ao art. 47 da Lei Adjetiva Civil.

2. A Lei n. 8.918/1994 dispõe “sobre a padronização, a classifi cação, o registro,

a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, autoriza a criação da

Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências”. Foi regulamentada

pelo Decreto n. 2.314/1997, que, em seus arts. 10 e 66, III, dispunha quanto à

classifi cação das cervejas, “estabelecida, em todo o território nacional”, em caráter

de “obrigatoriedade”, de acordo com a referida Lei. Atualmente vige o Decreto n.

6.871/2009, que, em seus arts. 12 e 38, este com praticamente a mesma redação

daquele mencionado art. 66, estabelece a classifi cação das cervejas prevendo,

no que respeita ao teor alcoólico, que a cerveja sem álcool é aquela em que

o conteúdo de álcool for menor que 0,5% (meio por cento) em volume, sem

obrigatoriedade de declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.

3. Na hipótese, a recorrente segue a normatização editada para regular sua

atividade empresarial, elaborada por órgão governamental especializado, tendo

obtido a aprovação do rótulo de seu produto pelo Ministério da Agricultura.

Nesse contexto, não pode ser condenada a deixar de comercializar a cerveja de

classifi cação “sem álcool” que fabrica, com base apenas em impressões subjetivas

da associação promovente, a pretexto de que estaria a violar normas gerais do

CDC ao fazer constar no rótulo da bebida a classifi cação ofi cial determinada em

lei especial e no decreto regulamentar.

4. Não se mostra adequado intervir no mercado pontualmente, substituindo-

se a lei especial e suas normas técnicas regulamentadoras por decisão judicial

leiga e subjetiva, de modo a obstar a venda de produto por sociedade empresária

fabricante, que segue corretamente a legislação existente acerca da fabricação e

comercialização da bebida.

5. Recurso especial parcialmente provido.

Por meio dos presentes Embargos de Divergência, pretende a parte

embargante a reforma da decisão proferida pela Quarta Turma, para que

prevaleça o entendimento manifestado nos acórdãos paradigmas.

A eminente Relatora, Ministra Laurita Vaz, na sessão do dia 17.fev.2016,

conheceu dos embargos de divergência e deu-lhes provimento, ocasião em que

pedi vista.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

52

O caso tem seu nascedouro em ação civil pública promovida pela

Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor – SAUDECON

– em face de Cervejaria Kaiser Brasil Ltda, a qual tem como causa de pedir

o suposto prejuízo causado aos consumidores em geral em decorrência de

desconformidade entre a informação “sem álcool”, constante do rótulo do produto

“cerveja Bavária sem álcool”, e sua efetiva composição, na qual há presença de

álcool, ainda que em percentual reduzido, o que contrariaria disposições do

Código de Defesa do Consumidor - CDC.

Fundada nesses argumentos, a associação autora pleiteia a retirada do

produto do mercado, sob pena de multa diária.

Ocorre que a classifi cação desse tipo de cerveja, como “sem álcool”, não

se traduz em prática isolada da sociedade ré, pois tem como base a Lei n.

8.918/1994, regulamentada antes pelo Decreto n. 2.314/1997 e atualmente pelo

Decreto n. 6.871/2009.

A referida Lei n. 8.918/1994 dispõe “sobre a padronização, a classifi cação,

o registro, a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas, autoriza a criação

da Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências”. Em seus arts.

1º, caput, 4º e 11, dispõe:

Art. 1º É estabelecida, em todo o território nacional, a obrigatoriedade do registro,

da padronização, da classifi cação, da inspeção e da fi scalização da produção e do

comércio de bebidas.

................................................................................................................................................”

Art. 4º Os estabelecimentos que industrializem ou importem bebidas ou que as

comercializem a granel só poderão fazê-lo se obedecerem, em seus equipamentos

e instalações, bem como em seus produtos, aos padrões de identidade e qualidade

fi xados para cada caso.

Parágrafo único. As bebidas de procedência estrangeira somente poderão

ser objeto de comércio ou entregues ao consumo quando suas especifi cações

atenderem aos padrões de identidade e qualidade previstos para os produtos

nacionais, excetuados os produtos que tenham características peculiares e cuja

comercialização seja autorizada no país de origem.

Art. 11. O Poder Executivo fi xará em regulamento, além de outras providências,

as disposições específicas referentes à classificação, padronização, rotulagem,

análise de produtos, matérias-primas, inspeção e fi scalização de equipamentos,

instalações e condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos industriais,

artesanais e caseiros, assim como a inspeção da produção e a fi scalização do

comércio de que trata esta lei.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 53

Por ocasião da propositura da presente ação civil pública, a Lei ainda hoje

vigente encontrava-se regulamentada pelo Decreto n. 2.314/1997, que, em seus

arts. 10 e 66, III, quanto à classifi cação das cervejas, por Lei “estabelecida, em

todo o território nacional”, em caráter de “obrigatoriedade”, assim dispunha, in

verbis:

Art. 10. As bebidas serão classifi cadas em bebida não alcoólica e bebida alcoólica.

(Redação dada pelo Decreto n. 3.510, de 2000)

§ 1º Bebida não alcoólica é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento

em volume, a vinte graus Celsius. (Incluído pelo Decreto n. 3.510, de 2000)

§ 2º Bebida alcoólica é a bebida com graduação alcoólica acima de meio e até

cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius. (Incluído pelo

Decreto n. 3.510, de 2000)

§ 3º P ara efeito deste Regulamento a graduação alcoólica de uma bebida será

expressa em porcentagem de volume de álcool etílico, à temperatura de vinte

graus Celsius. (Incluído pelo Decreto n. 3.510, de 2000)

Art. 66. As cervejas são classifi cadas:

(...)

III - quanto ao teor alcóolico em:

a) cerveja sem álcool, quando seu conteúdo em álcool for menor que meio

por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo

alcóolico;

b) cerveja com álcool, quando seu conteúdo em álcool for igual ou superior

a meio por cento em volume, devendo obrigatoriamente constar no rótulo o

percentual de álcool em volume;

(...)

Atualmente, vige o Decreto n. 6.871/2009, que, em seus arts. 12 e 38, este

com praticamente a mesma redação do art. 66 acima transcrito, dispõe in verbis:

Art. 12. As bebidas serão classifi cadas em:

I - bebida não-alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica até meio por cento

em volume, a vinte graus Celsius, de álcool etílico potável, a saber:

a) bebida não fermentada não-alcoólica; ou

b) bebida fermentada não-alcoólica;

II - bebida alcoólica: é a bebida com graduação alcoólica acima de meio por

cento em volume até cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus

Celsius, a saber:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

54

a) bebida alcoólica fermentada: é a bebida alcoólica obtida por processo de

fermentação alcoólica;

b) bebida alcoólica destilada: é a bebida alcoólica obtida por processo de

fermento-destilação, pelo rebaixamento do teor alcoólico de destilado alcoólico

simples, pelo rebaixamento do teor alcoólico do álcool etílico potável de origem

agrícola ou pela padronização da própria bebida alcoólica destilada;

c) bebida alcoólica retifi cada: é a bebida alcoólica obtida por processo de

retifi cação do destilado alcoólico, pelo rebaixamento do teor alcoólico do álcool

etílico potável de origem agrícola ou pela padronização da própria bebida

alcoólica retifi cada; ou

d) bebida alcoólica por mistura: é a bebida alcoólica obtida pela mistura de

destilado alcoólico simples de origem agrícola, álcool etílico potável de origem

agrícola e bebida alcoólica, separadas ou em conjunto, com outra bebida não-

alcoólica, ingrediente não-alcoólico ou sua mistura.

Art. 38. As cervejas são classifi cadas:

(...)

III - quanto ao teor alcoólico, em:

a) cerveja sem álcool, quando seu conteúdo em álcool for menor ou igual a meio

por cento em volume, não sendo obrigatória a declaração no rótulo do conteúdo

alcoólico; ou

b) cerveja com álcool, quando seu conteúdo em álcool for superior a meio por

cento em volume, devendo obrigatoriamente constar no rótulo o percentual de

álcool em volume;

(...)

Assim, a ré seguia corretamente a Lei n. 8.918/1994 e as normas que a

regulamentavam (e regulamentam até hoje), quando fazia constar do rótulo

de sua “bebida não-alcoólica” a expressão cerveja “sem álcool” correspondente à

classifi cação ofi cial brasileira adotada nas normas regentes.

Sob essa perspectiva, havendo legislação específica disciplinando e

regulamentando a matéria, a qual era observada pela recorrente, a pretensão

da entidade promovente passa necessariamente pela demonstração de que a

referida Lei n. 8.918/1994 é inconstitucional ou, pelo menos, que o anterior

Decreto n. 2.314/1994, vigente à época da propositura da ação, seria ilegal,

assim como o atual Decreto n. 6.871/2009. No caso, a promovente confronta o

decreto apenas com o CDC.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 55

Vale mencionar, no ponto, as clássicas lições invocadas pelo eminente

Ministro Carlos Velloso:

... os regulamentos, na precisa defi nição de Oswaldo Aranha Bandeira de

Mello, “são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em desenvolvimento da lei,

referentes à organização e ação do Estado, enquanto Poder Público”. Editados pelo

Poder Executivo, visam tornar efetivo o cumprimento da lei, propiciando facilidades

para que a lei seja fi elmente executada. É que as leis devem, segundo a melhor

técnica, ser redigidas em termos gerais, não só para abranger a totalidade das

relações que nela incidem, senão também, para poderem ser aplicadas, com

flexibilidade correspondente, às mutações de fato das quais estas mesmas

relações resultam. Por isso, as leis não devem descer a detalhes, mas, conforme

fi cou acima expresso, conter, apenas, regras gerais. Os regulamentos, estes sim, é

que serão detalhistas. Bem por isso, leciona Eismen, ´são eles prescrições práticas

que têm por fi m preparar a execução das leis, completando-as em seus detalhes,

sem lhes alterar, todavia, nem o texto, nem o espírito.

(apud, Constituição do Brasil Interpretada. Alexandre de Moraes. São Paulo: Ed.

Atlas, 2013, p. 1.242)

A referida Lei especial é ignorada pela promovente. Já as normas

regulamentadoras da Lei especial ignorada estariam, segundo afirma a

SAUDECON, violando as regras gerais do Código de Defesa do Consumidor.

É o que se extrai do seguinte trecho da exordial, in verbis:

Sem razão a demandada, quando busca escudar-se nas disposições do Decreto

n. 2.314/1997, pois as mesmas são contrárias às garantias instituídas pelos artigos

6º, 9º, 12, 18, 31 do Código de Defesa do Consumidor, adotados como razão de pedir,

pela Autora.

Não se trata de confl ito de leis, pois disciplinando a matéria só existe uma: Lei n.

8.078/1990, através de seus artigos 6º, 9º, 12, 18, 31 e 37.

O Decreto n. 2.314/1994 não é lei, mas sim um regulamento de lavra do Poder

Executivo, e que por respeito à própria tripartição dos poderes, haveria de respeitar a

legislação vigente.

(...)

Deste decreto se extraem três situações, contrárias à pretensão da demandada:

1) Por ser um ato exclusivo do poder executivo, não prevalece frente à legislação

ordinária;

2) O regulamento de uma lei não pode ser contrário às normas legais vigentes;

3) O regulamento não prevê que possa ser omitida do consumidor a presença de

álcool neste tipo de cerveja. (fl s. 8/9)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

56

Em vista disso, a promovente, na realidade, investe contra a legislação

regente da matéria e vem ao Judiciário solicitar provimento jurisdicional contra

legem, sem invocar inconstitucionalidade, mas sim mera divergência entre

decreto e lei geral (o CDC), quando em verdade o embate seria entre lei especial

e lei geral.

Cumpre assinalar, de outro lado, que, como a legislação impugnada vigora

em caráter geral, obrigando a todos, é possível que diversos outros fabricantes

de bebidas tenham lançado no mercado cervejas com a classifi cação ofi cial “sem

álcool”, desde que contenham esses produtos teor de álcool menor ou igual a

0,5% (meio por cento) em volume.

Entretanto, a procedência do pedido formulado na presente ação, não

se sabe por quê, visa obstar a comercialização, apenas pela ré, de cerveja com

a classifi cação “sem álcool”. Ainda que haja notícia na sentença de que ação

semelhante foi proposta em face da AMBEV, não se sabe seu resultado, ou se

estará em contradição com o que fi cará nesta demanda decidido. Na realidade,

fi cou ao arbítrio da associação autora decidir contra quais sociedades empresárias

irá propor a ação em suposta defesa da comunidade de consumidores.

Nessa toada, os consumidores fi cariam “defendidos” de terem a saúde

afetada pelos produtos da ré. Porém outros cervejeiros, não atingidos pelas

eventuais sentenças de procedência, poderiam prosseguir normalmente com a

comercialização da bebida de igual classifi cação, o que criaria privilégio para

esses empresários, incompatível com o princípio da livre concorrência, de matriz

constitucional (art. 170, IV).

Sobre o tema, a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in verbis:

(...) é esta a primeira vez que o direito constitucional positivo brasileiro

consagra expressamente a livre concorrência. No direito anterior, era ela

considerada como compreendida pela liberdade de iniciativa. A menção expressa

à livre concorrência signifi ca, em primeiro lugar, a adesão à economia de mercado,

da qual é típica a competição. Em segundo lugar, ela importa na igualdade

na concorrência, com a exclusão, em conseqüência, de quaisquer práticas que

privilegiem uns em detrimento de outros.

(apud: Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. Alexandre

de Moraes. 9ª ed. São Paulo: Editora Atlas, p. 1.878).

Desse modo, com a eventual procedência da presente demanda, o suposto

dano à saúde do consumidor não cessará, pois continuará perpetrado por outros

produtores. Em outras palavras, a efetividade que deve orientar a prestação

jurisdicional não será alcançada com o provimento dos pedidos.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 57

No caso, esclarece a embargada que a designação “sem álcool” não se refere

propriamente a uma informação do produto, mas a classifi cação contida no art.

66 do Decreto n. 2.314/1997, que regulamenta a Lei n. 8.918/1994.

Assinala, ainda, que o art. 19 do referido decreto determina que o rótulo da

bebida deve ser previamente aprovado pelo Ministério da Agricultura, devendo

dele constar a denominação do produto. O dispositivo citado tem a seguinte

redação, verbis:

Art. 19. O rótulo da bebida deve ser previamente aprovado pelo Ministério

da Agricultura e do Abastecimento, e constar em cada unidade, sem prejuízo de

outras disposições de lei, em caracteres visíveis e legíveis, os seguintes dizeres:

I - o nome do produtor ou fabricante, do estandardizador ou padronizador, do

envasador ou engarrafador do importador;

II - o endereço do estabelecimento de industrialização ou de importação;

III - o número do registro do produto no Ministério da Agricultura e do

Abastecimento ou o número do registro do estabelecimento importador, quando

bebida importada;

IV - a denominação do produto;

.............................................................................................................

Refere que o Ministério da Agricultura expediu a Instrução Normativa

n. 55, em 18.10.2002, a qual aprova o regulamento técnico para fi xação de

critérios para indicação da denominação do produto na rotulagem de bebidas,

estabelecendo o art. 2.5 que “defi nição do produto é o nome da bebida, vinho

ou derivados da uva e do vinho e vinagres, conforme a legislação específi ca,

respeitada a classif icação” (fl. 773). Já no art. 2.7 da Instrução Normativa,

consta o conceito da classifi cação como “o ato de identifi car a bebida com

base em padrões ofi ciais”. Conclui, nessa linha, que “o rótulo deverá conter a

denominação do produto, que deverá respeitar a classifi cação que lhe foi dada

pelos padrões ofi ciais” (fl . 773).

Conclui, nessa ordem de ideias, que a utilização da classifi cação “sem

álcool” não é uma opção comercial, mas uma obrigação imposta pela legislação

em vigor. Assevera que o rótulo por ela utilizado foi aprovado pelo Ministério

da Agricultura. Sustenta, assim, estar no exercício regular de um direito

reconhecido, desrespeitando o acórdão local o disposto no art. 2º da Lei n.

8.918/1994 e no art. 66 do Decreto n. 2.314/1997.

Razão lhe assiste no ponto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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De fato, conforme se verifi ca na legislação específi ca que cuida da matéria,

a recorrente segue a normatização editada para regular sua atividade empresarial,

elaborada por órgão especializado que, certamente, realizou estudos acerca da

segurança do produto para a saúde do consumidor e aprovou a classifi cação e o

rótulo ora discutidos.

Consta que diversas outras bebidas e até medicamentos contêm teores

alcoólicos semelhantes aos das cervejas classifi cadas como “sem álcool”, o que

não causa nenhum inconveniente.

Nesse contexto, não pode a embargada, que segue rigorosamente a

normatização jurídica e técnica específi ca aplicável, ser condenada a deixar de

comercializar a cerveja de classifi cação “sem álcool” que fabrica, com base apenas

em impressões subjetivas da associação promovente, a pretexto de que estaria a

violar normas gerais do CDC ao fazer constar no rótulo da bebida a classifi cação

ofi cial determinada em lei especial e no decreto regulamentar.

A esse propósito, o nobre Ministro Napoleão Nunes Maia Filho lembra que

Aristóteles chegou a afi rmar que “a medida da justiça é a lei”, ou a ação humana

conforme a lei, ou contida nos limites da lei; para o fi lósofo grego, “uma vez que

o injusto é um transgressor da lei, e o justo se mantém dentro dos seus limites, é

evidente que toda legalidade é de algum modo justa”.

O eminente Ministro Eros Roberto Grau, por sua vez, ao defender a

aplicação da doutrina real do Direito, explica que: “praticamos o pensar - a

busca dos signifi cados - e, não meramente o conhecer - a busca da verdade”;

e conclui: “no âmbito do Direito, inexiste o verdadeiro, mas tão somente o

aceitável (justifi cável).”

A conduta da embargada, agindo dentro das normas específicas que

regulam sua atuação, é plenamente aceitável.

O que não é aceitável é que a pessoa – física ou jurídica – tenha sua

atividade empresarial embaraçada por ter cumprido as normas jurídicas que

lhe são afetas. Ou ainda, que o sistema jurídico crie uma situação na qual o

particular, ao cumprir uma norma afronte outra, e vice-versa, negando-se-lhe a

possibilidade da conduta lícita.

Nessas hipóteses, ou se harmonizam as normas, ou uma deverá ser excluída

do sistema, por revogação ou inconstitucionalidade.

No caso dos autos, é bem verdade que, como observou a nobre relatora, em

seu culto voto, o Código de Defesa do Consumidor determina que a informação

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 59

ao consumidor seja adequada, clara e correta quanto às especifi cações do produto

(art. 6º, III, e art. 31 do CDC).

No entanto, o mesmo legislador que engendrou o CDC editou a Lei

n. 8.918/1994, que dispõe sobre “a padronização, a classifi cação, o registro,

a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas” e “autoriza a criação da

Comissão Intersetorial de Bebidas”.

Não há hierarquia entre o CDC (Lei n. 8.078/1990) e a Lei n. 8.918/1994.

Se o caso fosse de antinomia propriamente dita, a lei posterior revogaria a

anterior. Mas este também não é o caso, de modo que a segunda é, sem dúvida

alguma, especial em relação à primeira, no que diz respeito à regulação da

fabricação e comercialização de bebidas.

Ademais, a Lei n. 8.918/1994 não contém nenhum dispositivo que entre

em confronto direto com o CDC. Ela apenas delegou ao Poder Executivo a

regulamentação, no que se refere à classifi cação, padronização e rotulagem dos

produtos, entre outros aspectos, como destacado no seu artigo 11:

Art. 11. O Poder Executivo fi xará em regulamento, além de outras providências,

as disposições específicas referentes à classificação, padronização, rotulagem,

análise de produtos, matérias-primas, inspeção e fi scalização de equipamentos,

instalações e condições higiênico-sanitárias dos estabelecimentos industriais,

artesanais e caseiros, assim como a inspeção da produção e a fi scalização do

comércio de que trata esta lei.

O Poder Executivo, por sua vez, exercendo essa delegação, editou os

Decretos n. 2.314/1997 e 6.871/2009, os quais classifi caram como “cerveja sem

álcool” aquela cujo conteúdo em álcool seja menor que 0,5% em volume.

Tais decretos acaso afrontaram a Lei n. 8.918/1994, que lhes delegou a

regulamentação da matéria? Certamente que não.

Se há alguma incompatibilidade entre as normas citadas, esta se

apresentaria no cotejamento entre os decretos em questão e o Código de Defesa

do Consumidor, notadamente os seus artigos 6º, 31 e 37, como se vê no voto da

em. Relatora.

Observa-se, porém, que o v. acórdão da Terceira Turma que trata do

assunto, citado no voto da Exma. Relatora, não aponta ilegalidade dos decretos,

mas apenas afirma que “a dispensa da indicação no rótulo do produto do

conteúdo alcoólico, prevista no já revogado art. 66, III, “a”, do Decreto n.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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2.314/1997, não autorizava a empresa fabricante a fazer constar neste mesmo rótulo

a não veraz informação de que o consumidor estaria diante de cerveja ‘sem álcool ’,

mesmo porque referida norma não poderia infi rmar os preceitos insculpidos no

Código de Defesa do Consumidor”.

Ou seja, nesse raciocínio, embora o decreto afi rme não ser “obrigatória a

declaração no rótulo do conteúdo alcoólico” da cerveja de conteúdo inferior a

0,5% de álcool, a empresa fabricante continuaria obrigada a tal conduta.

O decreto, portanto, nessa linha de raciocínio, se não chega a ser apontado

como ilegal, é tido como inútil.

A par disso, a questão a ser resolvida nestes autos não é saber se há decretos

ilegais ou inúteis. Como visto, não se ingressou na discussão da legalidade ou

ilegalidade dos Decretos n. 2.314/1997 e 6.871/2009.

Ainda, porém, que esta Corte se permitisse fazê-lo, não há notícia nos autos

de que referidos decretos sejam acometidos de vícios formais, tampouco haveria

espaço para se verifi car os requisitos de razoabilidade e proporcionalidade desses

atos normativos sem ingressar em exame de matéria de fato.

Bem se sabe que o Poder Judiciário deve ser cauteloso ao ingressar no

mérito dos atos administrativos em geral, e dos atos normativos infralegais em

particular. O Poder Executivo, no exercício da função regulamentar, costuma se

apoiar em dados técnicos, que precisam ser considerados nesses episódios.

Exemplifi cativamente, veja-se caso no qual se discutiam os benefícios

coletivos resultantes da realização de obra pública, e este Tribunal se manifestou

no sentido de que, se os parâmetros legais atenderam aos requisitos da

razoabilidade e proporcionalidade, não seria possível contrastar as conclusões

nele contidas sem que haja dilação probatória:

Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Realização de

obra pública. Duplicação de rodovia. Suposto prejuízo para estabelecimento

comercial. Modificação do projeto. Impossibilidade. Atuação administrativa

dentro dos parâmetros legais. Razoabilidade e proporcionalidade existentes.

Dilação probatória. Impossibilidade. Recurso não provido.

1. De acordo com o princípio da supremacia do interesse público sobre o

particular, observados os limites contidos na legislação, os benefícios coletivos

resultantes da realização de obra pública - como a duplicação de uma rodovia -

prevalecem em detrimento de interesses meramente comerciais da sociedade

empresária em facilitar o acesso de clientes ao estabelecimento.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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2. No caso, o projeto da obra foi realizado pelo DER/PR, autoridade competente,

nos termos do art. 2º, II e VIII, do Decreto n. 2.458/2000.

3. O não atendimento do pleito do particular foi justifi cado por questões de

segurança de tráfego, pois com as novas obras, haverá o aumento da velocidade

dos veículos, sendo desaconselhável o acesso direto ao estabelecimento

comercial por meio da rodovia, ante o risco de acidentes. A atividade empresária,

por seu turno, não foi inviabilizada, pois o acesso à sede da empresa foi garantido

por meio de rotas alternativas.

4. O ato administrativo, dessa feita, seguiu os parâmetros legais e atendeu aos

requisitos da razoabilidade e proporcionalidade, não sendo possível contrastar as

conclusões nele contidas sem que haja dilação probatória, providência incompatível

com rito do writ.

5. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

(STJ - RMS: 32.151 PR 2010/0089738-6, Relator: Ministro Og Fernandes, data

de julgamento: 7.11.2013, T2 - Segunda Turma, data de publicação: DJe de

25.11.2013)

Nesse ponto, quem se debruça sobre o assunto pode ser tentado a

questionar se o Poder Executivo, diante do aparente confronto entre o CDC

e os multicitados decretos, poderia, exercendo seu poder regulamentar, dispor

que uma bebida contendo menos de 0,5% de álcool seria classifi cada como “sem

álcool”.

Havendo espaço para essa linha de debate, poder-se-ia perquirir se os

decretos em questão apoiaram-se em critérios técnicos confi áveis, como o

conceito de “teor alcoólico residual”, assim explicado no site do Ministério da

Agricultura:

Devido aos processos produtivos empregados, toda cerveja sem álcool possui

uma quantidade de álcool residual em sua composição. Para processos mais

avançados, utilizados por grandes cervejarias, este teor está em torno de 0,02%

em volume.

Em processos tradicionais, utilizados por cervejarias de pequeno e médio porte, o

teor residual gira em torno de 0,3% em volume. Essa porcentagem também é comum

em frutas maduras e em bebidas não alcoólicas, como sucos de frutas. Nestes casos,

a legislação permite um residual máximo de 0,5% em volume. “Em relação aos

possíveis efeitos à saúde, apesar da ampla discussão em torno do tema, até o

momento não foram apresentados dados ou fatos comprovando efeitos nocivos

do consumo deste álcool residual”, explica Vicenzi.

(http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2014/10/proposta-

brasileira-para-revisao-do-piq-de-cerveja-e-encaminhada-ao-mercosul)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Poder-se-ia ainda buscar algum esclarecimento a esse respeito em análise

realizada pelo INMETRO, em julho de 2015, que chegou à seguinte conclusão:

Diante do fato de que a cerveja sem álcool pode conter até meio por cento de

teor alcoólico em volume e do risco de beber e em seguida dirigir, foi realizado

também um teste com consumidores, utilizando o etilômetro, popularmente,

chamado de “bafômetro”, a fi m de simular uma operação da Lei Seca.

O resultado encontrado foi de que todos os consumidores, que após beberem 700

ml de cerveja sem álcool (teor alcoólico entre 0,0% e 0,4%), passaram no teste do

etilômetro sem acusar nenhuma quantidade de álcool.

O teste foi realizado com homens e mulheres com perfi s variados em relação ao

consumo de álcool e o resultado após 15 e 30 minutos de ingestão de cerveja sem

álcool não variou, permanecendo 0,0 mg/l em todos os sopros.

(http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/cerveja_sem_alcool.pdf )

Especificamente quanto ao caso ora estudado, o Ministério Público

Federal, entre o pedido de vistas e a elaboração deste voto, solicitou à sua

Assessoria de Acompanhamento de Atividade Judicial manifestação sobre o

assunto, o que resultou no Parecer n. 001/2016/SE/3CCR, do qual se extraem

os seguintes trechos:

(...)

5. Em abril de 2014 foi realizada reunião na 3ªCCR para que o MAPA apresentasse

a proposta brasileira, iniciada em 2012, para a revisão da regulamentação técnica

da cerveja sem álcool no âmbito do Mercosul.

6. O MAPA explicou o processo de construção da proposta de texto para

alteração da legislação ocorreu com realização de assembleias públicas e reuniões

com ampla participação de representantes da sociedade civil organizada,

empresas do setor público em geral e acadêmicos.

7. Em janeiro de 2014 foi realizada consulta pública que colheu propostas

para alteração da legislação em dois aspectos: 1) Classificação da cerveja; 2)

Rotulagem das cervejas sem álcool. Após análise das sugestões, o MAPA quanto a

classifi cação foi mantido o texto original da proposta da consulta, qual seja: Entende-

se por cerveja sem álcool ou cerveja desalcolizada a cerveja cujo conteúdo alcoólico é

inferior ou igual a 0,5% em volume (0,5% vol).

8. A explicação dada para a manutenção do texto foi de que o conceito de

cerveja sem álcool atualmente empregado no Brasil corresponde aos conceitos de

cerveja sem álcool internacionalmente aceitos e de que a expressão “zero álcool”

sugerida pela maioria das cervejarias traz melhoria na qualidade da informação

ao consumidor.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

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(...)

35. Na atual discussão em trâmite no Ministério somente será permitido a

omissão da informação do teor alcoólico para as cervejas classifi cadas como “zero

álcool”, ou seja, tecnicamente aquelas como menos de 0,05% de álcool.

36. Nota-se que para o consumidor comum, presumidamente vulnerável, é

muito tênue a diferença entre o teor alcoólico de 0,05% (zero álcool) e até 0,5%

(sem álcool).

37. O que precisa ser reforçado é que apesar da expressão “sem álcool”

conforme já tratado nesse parecer, ser uma nomenclatura padronizada no

mercado, é preciso que prevaleça a informação de que ela possui teor alcoólico.

Em suas conclusões, aduz o Parecer que, no âmbito de Ação Civil Pública,

em curso perante a 5ª Vara Federal de Porto Alegre, foi editada Recomendação

para mudança de texto na regulamentação da matéria, no sentido de que conste

no rótulo das cervejas em questão “não a frase de advertência com dizeres sobre a

‘possibilidade’ de conteúdo alcoólico mas com a afi rmação de que ‘contém’ até 0,5% v/v,

e, ainda, a obrigatoriedade de fi scalização pelo MAPA no tocante a tolerância de 0,1%

v/v em relação ao teor alcoólico declarado no rótulo pelo fornecedor”. E completa:

(...)

47. O MAPA respondeu à Procuradora da República do Rio Grande do Sul e

à 3CCR/MPF que acatará a Recomendação sem necessidade de nova consulta

pública quanto ao texto alterado, todavia que ainda não possui estrutura nos

laboratórios do MAPA para realização adequada da fi scalização do teor alcoólico

de 0,1% v/v.

48. O Ministério informou, ainda, que cogita em editar o Decreto n. 6.871/2009

com a revogação dos arts. 36 a 44, questão atualmente sob análise da Consultoria

Jurídica do órgão.

(...)

Tal parecer, como peça informativa que é, demonstra claramente que se

está a tratar de matéria cuja regulamentação envolve padronização internacional,

com normatização no âmbito do Mercosul, não cabendo ao Poder Judiciário

descer a minúcias técnicas, ou, tampouco, substituir o Poder Executivo em sua

função de regulamentar a matéria.

Certamente, esta não é a missão desta Corte.

Aqui, o que importa examinar é outra questão: se deve o Poder Judiciário

interferir, ou mesmo impedir parcialmente, a atividade empresarial regular do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

64

particular, embora tenha este seguido normas fi xadas pelo Poder Executivo, em

sua competência regulamentar, apoiado em conclusões e estudos de seus órgãos

técnicos.

Vista a questão por esse prisma, é de se concluir que esta Corte não deve

chegar a tanto.

Não se mostra adequado intervir no mercado pontualmente, substituindo-

se a lei especial e suas normas técnicas regulamentadoras por decisão judicial

leiga e subjetiva, de modo a obstar a venda de produto por sociedade empresária

fabricante, que segue corretamente a legislação existente acerca da fabricação

e comercialização da bebida, máxime quando nem sequer se questiona a

continuidade da comercialização por outros produtores.

Com essas considerações, peço vênia para divergir do voto da ilustre

Relatora, para negar provimento aos embargos de divergência, mantendo

integralmente o v. acórdão proferido pela Quarta Turma no recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Consumidor. Embargos de divergência. Direito à

informação. Arts. 6º, 31 e 37 do CDC. Cerveja que utiliza a expressão

“sem álcool” no rótulo do produto. Bebida que apresenta teor alcoólico

inferior a 0,5% por volume. Impossibilidade.

Histórico da Demanda

1. Na origem, a Associação Brasileira de Defesa da Saúde do

Consumidor ajuizou Ação Civil Pública contra Cervejarias Kaiser

Brasil Ltda., com a fi nalidade de impedir a comercialização da cerveja

da marca “Bavaria” cujo rótulo contempla a expressão “sem álcool”,

apesar de sua composição possuir teor alcoólico. Alega, em síntese,

que tal informação induz em erro o consumidor, o que pode provocar

danos à sua saúde.

A Controvérsia

2. A controvérsia consiste em defi nir se a ordem jurídica em vigor

permite a comercialização de cerveja classifi cada em seu rótulo como

do tipo “sem álcool”, muito embora possua teor alcoólico de até 0,5%.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 65

Confl ito Aparente de Normas

3. O confl ito aparente de normas aqui presente entre a lei – o

CDC – e o decreto que regulamenta a Lei n. 8.918/1994 resolve-

se pelo critério da hierarquia, pois esse último diploma legal, o qual

dispõe sobre a padronização, a classifi cação, o registro, a inspeção,

a produção e a fi scalização de bebidas, em seu art. 2º, limita-se a

remeter ao regulamento a defi nição dos aspectos técnicos da referida

classifi cação.

Informação Correta, Plena e Veraz como Direito Básico do Consumidor

4. O produto em discussão é uma bebida com até meio grau

percentual de teor alcoólico, que, adotada a classifi cação prevista em

regulamento do Poder Executivo, é vendida sob o rótulo de cerveja

“sem álcool”, o que representa, em verdade, uma contrainformação.

5. Um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais elementar

de todos, e daí a sua expressa previsão no art. 5º, XIV, da Constituição

de 1988, é “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos

e serviços, com especifi cação correta de quantidade, características,

composição, qualidade e preço” (art. 6º, III, do CDC). Nele se encontra,

sem exagero, um dos baluartes do microssistema e da própria sociedade

pós-moderna, ambiente no qual também se insere a proteção contra a

publicidade enganosa e abusiva (CDC, arts. 6º, IV, e 37).

6. Por expressa disposição legal, só respeitam os princípios da

transparência e da boa-fé objetiva, em sua plenitude, as informações

que sejam “corretas, claras, precisas, ostensivas” e que indiquem,

nessas mesmas condições, as “características, qualidades, quantidade,

composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros

dados” do produto ou serviço, objeto da relação jurídica de consumo

(art. 31 do CDC, grifo acrescentado).

Publicidade de Cerveja “Sem Álcool” mas que, em Verdade,

é “Com Álcool”

7. In casu, a publicidade veiculada é de que o produto ofertado é

uma cerveja “sem álcool”, quando isso não corresponde, em absoluto, à

verdade sobre a composição do que está sendo vendido no mercado, em

verdadeira afronta ao art. 31, caput, do CDC.

8. Desse modo, a informação-conteúdo, que diz respeito às

características intrínsecas do produto, encontra-se viciada, e nenhum

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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regulamento administrativo, valendo-se de ficção jurídica, tem a

efi cácia de derrogar direito fundamental do consumidor.

9. A expressão “sem álcool” utilizada para representar produto

que contém reduzido teor alcoólico confi gura publicidade enganosa

quanto a dado essencial que tem o condão de infl uenciar diretamente

a decisão do consumidor.

Indução em Erro do Consumidor que traz Sérias Consequências

Concretas

10. Sem dúvida, a ingestão de cerveja “sem álcool”, por erro de

consentimento, por aqueles que se impõem a proibição de ingerir a

aludida substância química, seja por convicção religiosa ou moral, seja por

restrições médicas, constitui fato causador de grave ofensa à dignidade

da pessoa humana. E o que dizer dos pais que permitem que seus

fi lhos menores consumam cerveja “sem álcool”, por não saberem que

ela, em verdade, contém álcool? Como dosar a quantidade que pode

ser ingerida “com moderação”?

11. Não se pode deixar de decidir da forma mais justa e correta

este caso concreto sob o fundamento de que outras empresas poderiam

continuar com essa prática, enquanto a ora embargada estaria vedada

de fazê-lo. Seria como se deixássemos de reconhecer a exigibilidade

de um tributo contra um determinado contribuinte porque os demais

continuariam a sonegar.

Adaptação do Processo Produtivo das Empresas para Cumprir o que

Anunciam e Inexistência de Litisconsórcio Passivo Necessário

12. Deve-se realçar que, segundo consta, todas as empresas do

setor adaptaram sua produção para cumprir rigorosamente o que

anunciam: cerveja sem álcool.

13. Mas mesmo que tal adaptação não tivesse ocorrido, não se

trata de litisconsórcio passivo necessário, de modo que não existe

norma que obrigue a Associação autora a incluir no polo passivo

todas as empresas do setor. Cabe aos órgãos, entidades e associações

de proteção do consumidor adotar as medidas cabíveis para também

coibir que outros fornecedores atuem da mesma forma – o que pode

ser, inclusive, provocado pela ora embargada –, e ao Poder Judiciário,

sempre que provocado, fazer prevalecer a ordem jurídica vigente.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 67

VOTO

14. Voto-Vista no sentido de acompanhar a eminente Relatora,

Ministra Laurita Vaz, para dar provimento ao recurso, com a devida

vênia da douta divergência do eminente Ministro Raul Araújo.

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Embargos de Divergência

interpostos contra acórdão da Quarta Turma assim ementado:

Recurso especial. Consumidor. Processual Civil. Ofensa aos arts. 47, 267, VI, e

535, I, do CPC. Inexistência. Ação civil pública. Cerveja sem álcool. Classifi cação

oficial. Legislação específica. Observância. Retirada do produto do mercado.

Inviabilidade. Improcedência da ação. Recurso parcialmente provido.

1. Rejeitadas, por unanimidade, as violações aos arts. 267, VI, e 535, I, do CPC e,

por maioria, a ofensa ao art. 47 da Lei Adjetiva Civil.

2. A Lei n. 8.918/1994 dispõe “sobre a padronização, a classifi cação, o registro,

a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas, autoriza a criação da

Comissão Intersetorial de Bebidas e dá outras providências”. Foi regulamentada

pelo Decreto n. 2.314/1997, que, em seus arts. 10 e 66, III, dispunha quanto à

classifi cação das cervejas, “estabelecida, em todo o território nacional”, em caráter

de “obrigatoriedade”, de acordo com a referida Lei. Atualmente vige o Decreto n.

6.871/2009, que, em seus arts. 12 e 38, este com praticamente a mesma redação

daquele mencionado art. 66, estabelece a classifi cação das cervejas prevendo,

no que respeita ao teor alcoólico, que a cerveja sem álcool é aquela em que

o conteúdo de álcool for menor que 0,5% (meio por cento) em volume, sem

obrigatoriedade de declaração no rótulo do conteúdo alcoólico.

3. Na hipótese, a recorrente segue a normatização editada para regular sua

atividade empresarial, elaborada por órgão governamental especializado, tendo

obtido a aprovação do rótulo de seu produto pelo Ministério da Agricultura.

Nesse contexto, não pode ser condenada a deixar de comercializar a cerveja de

classifi cação “sem álcool” que fabrica, com base apenas em impressões subjetivas

da associação promovente, a pretexto de que estaria a violar normas gerais do

CDC ao fazer constar no rótulo da bebida a classifi cação ofi cial determinada em

lei especial e no decreto regulamentar.

4. Não se mostra adequado intervir no mercado pontualmente, substituindo-

se a lei especial e suas normas técnicas regulamentadoras por decisão judicial

leiga e subjetiva, de modo a obstar a venda de produto por sociedade empresária

fabricante, que segue corretamente a legislação existente acerca da fabricação e

comercialização da bebida.

5. Recurso especial parcialmente provido.

O embargante afi rma que o julgado acima diverge do AgRg nos EDcl no

AREsp 259.903/SP, Segunda Turma, de minha relatoria, e do REsp 1.181.066/

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RS, Terceira Turma, Relator Ministro Vasco Della Giustina, no que concerne à

interpretação e à aplicação da Lei n. 8.918/1994 e do Decreto n. 2.137/1997 em

prejuízo das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor.

Sustenta o Parquet que “Há de prevalecer, diante da divergência

demonstrada, a tese consagrada pelos acórdãos paradigmas, em detrimento

daquela prestigiada pelo acórdão paragonado, em razão do respeito à faculdade

de escolha do consumidor, que só é alcançado em sua plenitude se observado o

seu direito à adequada e clara informação sobre todos os aspectos dos produtos e

serviços à sua disposição” (fl . 1.142).

A eminente Relatora, Ministra Laurita Vaz, acolheu os Embargos de

Divergência e, em seguida, o e. Ministro Raul Araújo inaugurou divergência.

Pedi vista dos autos.

Passo ao meu voto.

Na origem, a Associação Brasileira de Defesa da Saúde do Consumidor

ajuizou Ação Civil Pública contra Cervejarias Kaiser Brasil Ltda., com a

fi nalidade de impedir a comercialização da cerveja da marca “Bavaria” cujo

rótulo contempla a expressão “sem álcool”, apesar de sua composição possuir teor

alcoólico. Alega, em síntese, que tal informação induz em erro o consumidor, o

que pode provocar danos à sua saúde.

A sentença de procedência fora confi rmada pelo Tribunal de Justiça do

Estado do Rio Grande do Sul, que teve o acórdão reformado no julgamento do

Recurso Especial.

A controvérsia consiste em defi nir se a ordem jurídica em vigor permite a

comercialização de cerveja classifi cada em seu rótulo como do tipo “sem álcool”,

muito embora possua teor alcoólico de até 0,5%.

A situação em tela é absolutamente paradigmática. Agentes econômicos

que, no mais das vezes, questionam excessos no exercício da competência

regulamentar da Administração, buscam legitimar a prática em questão,

amparados em decreto que nega vigência ao CDC.

Com efeito, o confl ito de normas aqui presente entre a lei – o CDC – e

o decreto que regulamenta a Lei n. 8.918/1994 resolve-se pelo critério da

hierarquia, pois esse último diploma legal, o qual dispõe sobre a padronização,

a classifi cação, o registro, a inspeção, a produção e a fi scalização de bebidas, em

seu art. 2º, limita-se a remeter ao regulamento a defi nição dos aspectos técnicos

da referida classifi cação.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 69

O produto em discussão é uma bebida com até meio grau percentual de

teor alcoólico, que, adotada a classifi cação prevista em regulamento do Poder

Executivo, é vendida sob o rótulo de cerveja “sem álcool”, o que representa, em

verdade, uma contra-informação.

Ora, um dos direitos básicos do consumidor, talvez o mais elementar de

todos, e daí a sua expressa previsão no art. 5º, XIV, da Constituição de 1988,

é “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com

especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade e

preço” (art. 6º, III, do CDC). Nele se encontra, sem exagero, um dos baluartes

do microssistema e da própria sociedade pós-moderna, ambiente no qual

também se insere a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva (CDC,

arts. 6º, IV, e 37).

Não é à toa que Alexandre David Malfatti, estudioso da matéria,

destaca que, se entre as nações mais ricas, que ostentam elevadíssimo grau de

escolaridade e conscientização dos consumidores, a informação molda a coluna

vertebral do microssistema legal que ampara os vulneráveis, “com maior razão

deve ser feito o mesmo para os consumidores brasileiros” (Direito-Informação

no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo, Alfabeto Jurídico, 2003, p. 247).

Não seria exagero, portanto, pretender que, em País complexo, megadiverso e

desigual como o Brasil, a informação oferecida aos consumidores seja a mais

completa e clara possível. Exatamente pela sua centralidade no Estado de

Direito Social e Democrático, acha-se, de maneira expressa, prevista no art. 5º,

XIV, da Constituição de 1988, como garantia fundamental da pessoa humana

(grifei):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos

termos seguintes:

(...)

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da

fonte, quando necessário ao exercício profi ssional;

(...)

Derivação próxima ou direta dos princípios da transparência e da boa-

fé objetiva e remota dos princípios da solidariedade e da vulnerabilidade do

consumidor, bem como do princípio da concorrência leal, o dever de informação

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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adequada incide, como muito bem lembra a notável civilista Cláudia Lima

Marques, nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual (Comentários ao

Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, RT, 2006, p.

178, grifei) e vincula tanto o fornecedor privado como o público.

Por expressa disposição legal, só respeitam o princípio da transparência

e da boa-fé objetiva, em sua plenitude, as informações que sejam “corretas,

claras, precisas, ostensivas” e que indiquem, nessas mesmas condições, as

“características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de

validade e origem, entre outros dados” do produto ou serviço, objeto da relação

jurídica de consumo (art. 31 do CDC, grifo acrescentado).

In casu, a publicidade veiculada é de que o produto ofertado é uma cerveja

“sem álcool”, quando isso não corresponde, em absoluto, à verdade sobre a

composição do que está sendo vendido no mercado, em verdadeira afronta ao art.

31, caput, do CDC.

Desse modo, a informação-conteúdo, que diz respeito às características

intrínsecas do produto, encontra-se viciada, e nenhum regulamento

administrativo, valendo-se de fi cção jurídica, tem a efi cácia de derrogar direito

fundamental do consumidor.

A expressão “sem álcool” utilizada para representar produto que contém

reduzido teor alcoólico confi gura publicidade enganosa quanto a dado essencial

que tem o condão de infl uenciar diretamente a decisão do consumidor.

Sem dúvida, a ingestão de cerveja “sem álcool”, por erro de consentimento,

por aqueles que se impõem a proibição de ingerir a aludida substância química,

seja convicção religiosa ou moral, seja por diagnóstico médico de alcoolismo,

constitui fato causador de grave ofensa à dignidade da pessoa humana. E o que

dizer dos pais que permitem que seus fi lhos menores consumam cerveja “sem

álcool”, por não saber que ela contém álcool? Como dosar a quantidade que

pode ser ingerida “com moderação”?

São situações que demonstram claramente a violação à boa-fé, princípio

máximo orientador do CDC.

Não se pode deixar de decidir da forma mais justa e correta este caso

concreto sob o fundamento de que outras empresas poderiam continuar com

essa prática, enquanto a ora embargada estaria vedada de fazê-lo. Seria como se

deixássemos de reconhecer a exigibilidade de um tributo contra um determinado

contribuinte porque os demais continuariam a sonegar.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 71

Não se trata de litisconsórcio passivo necessário, de modo que não existe

norma que obrigue a Associação autora a incluir no polo passivo todas as

empresas do setor. Cabe aos órgãos, entidades e associações de proteção

do consumidor adotar as medidas cabíveis para também coibir que outros

fornecedores atuem da mesma forma – o que pode ser, inclusive, provocado pela

ora embargada –, e ao Poder Judiciário, sempre que provocado, fazer prevalecer

a ordem jurídica vigente.

Ante o exposto, peço vênia à douta divergência para acompanhar a eminente

Relatora e dar provimento aos Embargos de Divergência.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: Estou apto, sim, porque fui inclusive

voto-vencido na Turma e acompanho o voto da eminente Ministra Relatora.

RECURSO ESPECIAL N. 1.522.347-ES (2014/0108452-4)

Relator: Ministro Raul Araújo

Recorrente: Império Comércio de Café Ltda

Advogados: Marcela Sathler Meleipe

Luiz Mônico Comércio

Izabella Dayanna Bueno Cavalcanti

Recorrido: Zurich Brasil Seguros S/A

Advogado: Rodrigo Zacché Scabello e outro(s)

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Recebimento de embargos

de declaração com pedido de efeito modifi cativo como mero pedido

de reconsideração. Impossibilidade. Violação ao art. 538 do CPC.

Recurso provido.

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1. Confi gura violação ao art. 538 do CPC o recebimento de

embargos de declaração como mero “pedido de reconsideração”, ainda

que contenham nítido pedido de efeitos infringentes.

2. Tal descabida mutação: a) não atende a nenhuma previsão legal,

tampouco aos requisitos de aplicação do princípio da fungibilidade

recursal; b) traz surpresa e insegurança jurídica ao jurisdicionado,

pois, apesar de interposto tempestivamente o recurso cabível, fi cará

à mercê da subjetividade do magistrado; c) acarreta ao embargante

grave sanção sem respaldo legal, qual seja a não interrupção de prazo

para posteriores recursos, aniquilando o direito da parte embargante,

o que supera a penalidade objetiva positivada no art. 538, parágrafo

único, do CPC.

3. A única hipótese de os embargos de declaração, mesmo

contendo pedido de efeitos modifi cativos, não interromperem o prazo

para posteriores recursos é a de intempestividade, que conduz ao não

conhecimento do recurso.

4. Assim como inexiste respaldo legal para se acolher pedido de

reconsideração como embargos de declaração, tampouco há arrimo

legal para se receber os aclaratórios como pedido de reconsideração.

Não se pode transformar um recurso taxativamente previsto no art.

535 do CPC em uma fi gura atípica, “pedido de reconsideração”, que

não possui previsão legal ou regimental.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Corte Especial, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso

especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita

Vaz, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Th ereza de Assis

Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes, Luis

Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram

com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Felix

Fischer, Nancy Andrighi e Jorge Mussi.

Brasília (DF), 16 de setembro de 2015 (data do julgamento).

Ministro Francisco Falcão, Presidente

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 73

Ministro Raul Araújo, Relator

DJe 16.12.2015

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Raul Araújo: Trata-se de recurso especial interposto por

Império Comércio de Café Ltda em face de v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal

de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJ-ES).

Historiam os autos que Império Comércio de Café Ltda ajuizou ação de

cobrança em desfavor de Zurich Brasil Seguros S/A na qual pleiteava pagamento

de indenização estipulada em contrato de seguro fi rmado entre os litigantes.

O il. Juízo da 1ª Vara Cível e Comercial da Comarca de Colatina/ES

julgou o pedido improcedente, conforme sentença às fl s. 394-303.

Apontando vícios, Império Comércio de Café Ltda opôs embargos de

declaração (fl s. 308-319), com pedido de efeitos infringentes, os quais foram

rejeitados, nos termos da decisão de fl . 321.

Insistindo, Império Comércio de Café Ltda apresentou segundos embargos

de declaração (fl s. 325-336), que não foram conhecidos, conforme despacho à

fl . 339.

Irresignado, Império Comércio de Café Ltda interpôs apelação (fl s. 345-

356), a qual não foi conhecida, nos termos do v. acórdão ora recorrido, assim

ementado:

Apelação cível. Pedido de reforma de sentença. Impossibilidade.

Intempestividade do recurso. Anterior oposição de embargos cuja natureza

indicava nítido pedido de reconsideração. Recurso inábil a interromper o prazo

recursal. Apelação não conhecida.

1. Opostos embargos de declaração cuja natureza indica nítido pedido de

reconsideração de decisão, não há interrupção do prazo recursal. Precedentes do

STJ.

2. Recurso não conhecido. (fl . 377)

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fl s. 405-411).

Inconformado, Império Comércio de Café Ltda interpôs o presente recurso

especial, com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no qual

alega, além de dissídio pretoriano, violação aos arts. 536 e 538 do CPC.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

74

Afi rma que, “(...) mesmo que protelatórios os embargos, a sanção processual

prevista é a multa de valor não excedente a um por cento do valor da causa. Nos

caos de reiteração de embargos protelatórios, a multa é majorada e o faltoso

não poderá interpor outro recurso antes de depositar seu valor; no entanto, uma

vez depositado o valor da multa, estará afastado o óbice à interposição de outro

recurso” (fl . 429).

Foram apresentadas contrarrazões às fl s. 457-462.

Inicialmente inadmitido (fl s. 471-477), Império Comércio de Café Ltda

interpôs agravo em recurso especial (fl s. 500-509), ao qual foi dado provimento

para reautuação como recurso especial, nos termos da decisão de fl s. 536-537.

O tema discutido neste apelo nobre foi objeto de pesquisa jurisprudencial

no âmbito desta eg. Corte, onde foi constatada a existência de muitos

precedentes, nas seis Turmas deste eg. Tribunal, todos contemporâneos,

mas em sentidos opostos. Há precedentes em que este Tribunal admite o

recebimento de embargos de declaração, com pedido de efeitos infringentes,

como mero pedido de reconsideração, com consequente e provável perda de

prazo para novos recursos; noutro giro, também foram encontrados julgados,

em sentido diametralmente oposto, que não admitiam esse procedimento,

recebendo normalmente os embargos de declaração, mesmo veiculando pedido

de efeitos modifi cativos, salientando-se que a única hipótese dos aclaratórios

não interromperem prazo para outros recursos seria quando os embargos não

fossem conhecidos por intempestividade.

Diante desses entendimentos contraditórios, a eg. Quarta Turma, por

unanimidade, na sessão de 25.8.2015, em sede de questão de ordem suscitada

por esta Relatoria, entendeu pela afetação do julgamento deste apelo nobre a

esta eg. Corte Especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator):

I - Da questão de ordem:

Conforme relatado, a discussão posta no presente apelo nobre refere-se

à possibilidade ou não de recebimento de embargos de declaração, quando

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 75

possuírem nítida pretensão infringente, como mero pedido de reconsideração e,

por consequência, sem interrupção de prazo para futuros recursos.

Após a realização de pesquisa jurisprudencial no âmbito desta eg. Corte

uniformizadora, evidenciou-se que o STJ não possui entendimento uníssono

quanto ao tema, como se infere dos precedentes a seguir destacados.

Admitindo o recebimento de embargos de declaração, com pedido de

efeitos infringentes, como mero pedido de reconsideração, com consequente

perda de prazo para novos recursos, tem-se os seguintes exemplos:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Não impugnação dos

fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial. Confirmação da

incidência da Súmula 182/STJ. Embargos de declaração recebidos como pedido

de reconsideração. Prazo recursal. Interrupção. Não ocorrência. Recurso não

provido.

(...)

3. O entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a

jurisprudência desta Corte, no sentido de que os embargos de declaração opostos pelo

recorrente, por se tratar de verdadeiro pedido de reconsideração, não interrompem o

prazo para interposição de outros recursos. Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 468.743/RJ, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado

em 8.4.2014, DJe de 13.5.2014 - grifou-se)

Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Embargos

declaratórios. Nítido pedido de reconsideração. Não interrupção de prazo

recursal. Agravo improvido.

1. A jurisprudência do STJ fi rmou-se no sentido de que, opostos os embargos

declaratórios com a fi nalidade de se obter a reconsideração da decisão recorrida,

esses não interrompem o prazo para interposição de outros recursos.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.505.346/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira

Turma, julgado em 2.6.2015, DJe de 16.6.2015 - grifou-se)

Administrativo. Processual Civil. Agravo regimental no agravo em recurso

especial. Pedido de reconsideração rotulado como embargos de declaração não

interrompem o prazo recursal. Agravo não provido.

1. “Os embargos de declaração, ainda que rejeitados, interrompem o prazo

recursal. Todavia, se, na verdade, tratar-se de verdadeiro pedido de reconsideração,

mascarado sob o rótulo dos aclaratórios, não há que se cogitar da referida

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

76

interrupção. Precedentes” (REsp 1.214.060/GO, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda

Turma, DJe de 28.9.2010).

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 187.507/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira

Turma, julgado em 13.11.2012, DJe de 23.11.2012 - grifou-se)

Agravo regimental no recurso especial. Processual Civil. Previdenciário.

Embargos de declaração recebidos como pedido de reconsideração pelo Tribunal

de origem. Prazo. Interrupção. Inocorrência.

1. A teor da jurisprudência desta Corte, os embargos de declaração recebidos

como pedido de reconsideração não têm o condão de suspender o prazo recursal

para a interposição do agravo interno.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1.108.166/SC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado

em 20.10.2009, DJe de 9.11.2009 - grifou-se)

Processual Civil. Recurso especial. Embargos de declaração. Pedido de

reconsideração. Interrupção do prazo recursal. Não-ocorrência.

É pacífi co o entendimento do STJ no sentido de que os embargos de declaração

com fi nalidade de pedido de reconsideração não interrompem o prazo recursal.

Recurso especial não-conhecido.

(REsp 1.073.647/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado

em 7.10.2008, DJe de 4.11.2008; grifou-se)

Em sentido inverso, há julgados, contemporâneos aos precedentes acima

destacados, assentando que os embargos de declaração não podem ser recebidos

como mero pedido de reconsideração, pois a única hipótese de os embargos

de declaração, em razão de conterem pedido de efeitos modifi cativos, não

serem conhecidos e não interromperem o prazo para outros recursos é a de

intempestividade. Nesse sentido, confi ram-se:

Processual Civil. Embargos de declaração. Art. 538 do CPC. Interrupção de

prazo para interposição de outros recursos.

1. Hipótese em que o Tribunal de origem considerou que os Embargos de

Declaração opostos, por terem efeito infringente, “equivaliam” a pedido de

reconsideração, concluindo pela inexistência de interrupção do prazo recursal.

2. É fi rme no STJ o entendimento de que os Embargos de Declaração podem ser

opostos contra qualquer decisão judicial, interrompendo o prazo para interposição

de outros recursos, salvo se não conhecidos em virtude de intempestividade.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 77

3. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no Ag 1.433.214/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,

julgado em 28.4.2015, DJe de 1º.7.2015 - grifou-se)

Agravo regimental nos embargos de declaração no agravo em recurso especial.

Oposição de embargos de declaração. Recebimento como pedido de reconsideração.

Impossibilidade. Princípio da tipicidade recursal. Recurso cabível e tempestivo.

Efi cácia interruptiva do prazo recursal impositiva. Inaplicabilidade da fungibilidade

recursal. Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EDcl no AREsp 101.940/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,

Terceira Turma, julgado em 12.11.2013, DJe de 20.11.2013 - grifou-se)

Processual Civil e Administrativo. FGTS. Embargos de declaração. Interrupção

do prazo recursal, ainda que não conhecidos ou não acolhidos. Apenas não

interrompem o prazo se considerados intempestivos. Interpretação do art. 538 do

CPC. Precedentes. Doutrina. Recurso especial provido.

(...)

2. É verdade - e não se nega - que a jurisprudência do STJ entende que o pedido

de reconsideração não suspende nem interrompe o prazo para a interposição de

recurso, que deve ser contado a partir do ato decisório que provocou o gravame.

Em consequência, inexistindo a interposição do recurso cabível no prazo prescrito

em lei, torna-se preclusa a matéria, extinguindo-se o direito da parte de impugnar

o ato decisório.

3. Entretanto, no caso, tratou-se de oposição de embargos de declaração, e não de

mero pedido de reconsideração. A jurisprudência desta Superior Corte é remansosa,

no sentido de que os embargos de declaração são oponíveis em face de qualquer

decisão judicial e, uma vez opostos, ainda que não conhecidos ou não acolhidos,

interrompem o prazo de eventuais e futuros recursos, com exceção do caso em que

são considerados intempestivos.

(...)

5. Recurso especial provido. Retorno dos autos à origem para que, afastando-

se a intempestividade do agravo de instrumento ali interposto, julgue-se o mérito

do recurso.

(REsp 1.281.844/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,

julgado em 1º.12.2011, DJe de 9.12.2011 - grifou-se)

Recurso especial. Alíneas a e c do art. 105, III da CF. Tributário e Processo Civil.

Acórdão que, aplicando o princípio da fungibilidade, conheceu dos embargos

declaratórios opostos pela Fazenda como pedido de reconsideração e, com

isso, afastou a efi cácia interruptiva dos embargos. Ausência de similitude fática

e jurídica. Parcial conhecimento. Alegada violação aos arts. 535, I e II, e 538,

ambos do CPC. Inexistência de obscuridade, contradição ou omissão no acórdão

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

78

recorrido. Disciplina legal e jurisprudencial dos embargos de declaração.

Impossibilidade de seu recebimento como pedido de reconsideração. Princípios

da fungibilidade e tipicidade recursal. Excepcionalidade dos efeitos infringentes.

Efi cácia interruptiva do prazo recursal impositiva, desde que o recurso seja cabível

e tempestivo. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente

provido para cassar o acórdão recorrido.

(...)

2. Esta Corte tem jurisprudência pacífica a respeito da interrupção do prazo

recursal nos Embargos de Declaração, ainda que considerados protelatórios, desde

que este recurso seja cabível e interposto tempestivamente; perene, ademais, o

entendimento segundo o qual se admite a produção de efeitos infringentes, os

quais, entretanto, assumem caráter excepcional.

3. Não é possível o recebimento dos Embargos de Declaração com pedido de

efeitos infringentes como pedido de reconsideração e, nesse caso, afastar a efi cácia

interruptiva do prazo recursal.

4. Não se trata de aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Os Embargos de

Declaração estão previstos no CPC e, conforme se sabe, os recursos ali contemplados

se submetem ao princípio da taxatividade; ou seja, não há outros recursos além

daqueles previstos no codex e na legislação processual vigente. Logo, pedido de

reconsideração não é recurso e, assim, não há fungibilidade para com os Embargos

de Declaração.

5. Condicionar o recebimento dos Embargos de Declaração ao convencimento

do Magistrado acerca da possibilidade ou não de produção dos efeitos infringentes

cria insegurança jurídica para o recorrente, que poderá ser surpreendido com a não

interrupção do prazo para os demais recursos, como aconteceu no presente caso.

Incide aqui a proteção da confi ança como corolário da segurança jurídica.

6. A modifi cação do julgado por meio dos Embargos de Declaração somente

acontecerá caso ele seja omisso, obscuro ou contraditório, de sorte que, a partir

de sua integração, o fundamento desta acarrete, necessariamente, a alteração da

decisão. Se não houver vício a ser sanado, mas, apenas, a pretensão do recorrente

em rediscutir a decisão, a única penalidade cabível será, conforme o caso, a multa

prevista no art. 538, parág. único, e, mesmo nessa hipótese, a interrupção do prazo

para os demais recursos é impositiva.

7. Assim, a razoabilidade impõe ao Magistrado que, caso necessário, aplique

referida penalidade, ao invés de transmudar um recurso expressamente previsto

em lei para um sucedâneo recursal e, como consequência, prejudicar o recorrente.

Precedente: REsp 1.240.599/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10.5.2011.

8. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, parcialmente

provido para cassar o acórdão recorrido.

(REsp 1.213.153/SC, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma,

julgado em 15.9.2011, DJe de 10.10.2011 - grifou-se)

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 79

Levado a julgamento na eg. Quarta Turma, o colegiado, em Questão de

Ordem suscitada por este Relator, entendeu, por unanimidade, pela afetação do

julgamento deste apelo nobre à eg. Corte Especial.

Exposta a questão de ordem, passa-se ao exame do mérito do recurso

especial.

II - Do julgamento do recurso especial:

No apelo nobre discute-se matéria eminentemente processual, qual seja

a violação ao art. 538 do CPC, uma vez que o v. acórdão estadual reconheceu

a intempestividade da apelação, porque os segundos embargos de declaração,

opostos em face da sentença, representariam mero pedido de reconsideração e,

por consequência, tais aclaratórios não teriam o condão de interromper o prazo

para posteriores recursos.

A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do v. acórdão estadual:

Compulsando detidamente os autos, vislumbro a inexistência de um dos

requisitos de admissibilidade recursal, qual seja, a tempestividade, devido aos

motivos que a seguir passo a expor.

Contra a sentença prolatada às fls. 232/236, a parte opôs, inicialmente,

embargos de declaração, os quais foram julgados pelo MM. Juiz de primeiro grau,

tendo sido esta decisão disponibilizada do Diário de Justiça de 21 de janeiro de

2013.

Ainda irresignada, a parte novamente opôs embargos de declaração (fl s. 252/260),

o qual não foi conhecido pelo magistrado, conforme se verifi ca às fl s. 262.

Porém, analisando o conteúdo da petição dos segundos embargos apresentados,

observa-se que este possui nítido cunho de pedido de reconsideração da decisão que

julgou improcedentes os primeiros aclaratórios, situação que não possui o condão de

interromper o prazo recursal. (fl . 379)

Da leitura do excerto ora transcrito, infere-se que o eg. Tribunal de Justiça

do Estado do Espírito Santo (TJ-ES) entendeu que seria possível ao magistrado

de primeiro grau receber os segundos embargos de declaração como mero

pedido de reconsideração, pois os aclaratórios tinham por objetivo modifi car

a decisão embargada. Assim, como consequência do não conhecimento dos

tempestivos declaratórios e recebimento do recurso como mero pedido de

reconsideração, aqueles embargos não teriam o condão de interromper o prazo

para futuros recursos, não se aplicando a regra do art. 538 do CPC, in verbis:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

80

Art. 538. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de

outros recursos, por qualquer das partes.

Pará grafo único. Quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou

o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado

multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa. Na reiteração

de embargos protelatórios, a multa é elevada a até 10% (dez por cento), fi cando

condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do valor

respectivo. (grifou-se)

Registre-se, ainda, que o v. acórdão estadual invoca diversos precedentes do

eg. Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido.

No entanto, conforme também ilustrado na Questão de Ordem, o STJ

também possui precedentes no sentido de que a única hipótese de os embargos

de declaração, em razão de conterem pedido de efeitos modifi cativos, não

interromperem o prazo para posteriores recursos seria no caso de os aclaratórios

não serem conhecidos por intempestividade. Nessa linha de intelecção, foram

destacados diversos precedentes.

Com a devida vênia dos de entendimento contrário, a melhor interpretação

é a que segue o comando na regra processual do art. 538 do CPC, por afastar

a insegurança jurídica causada pela aplicação de interpretação, de construção

meramente jurisprudencial, sem efetivo apoio legal.

Os embargos de declaração são um recurso taxativamente previsto na

Lei Processual Civil e, ainda que contenham indevido pedido de efeitos

infringentes, não se confundem com mero pedido de reconsideração, este sim,

fi gura processual atípica, de duvidosa existência.

Não se trata, frise-se, de aplicação do princípio da fungibilidade recursal,

que levaria a que os aclaratórios fossem recebidos como outro recurso mas não

como mero “pedido de reconsideração”, que não é recurso.

Vale destacar, na doutrina, as lições de Araken de Assis, acerca do princípio

da fungibilidade recursal:

Conforme se realçou anteriormente, o princípio da fungibilidade se aplicará

nos casos em que haja dúvida objetiva acerca da admissibilidade de certo

recurso. Essa espécie de dúvida há de ser atual, pois o direito evolui e problemas

que já se mostraram agudos acabam resolvidos pela jurisprudência dominante,

e fundada em argumentos respeitáveis. O erro inexplicável revela-se insufi ciente

para subtrair do recorrido o legítimo direito a um juízo de inadmissibilidade do

recurso impróprio.

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 81

Na incidência do princípio da fungibilidade, todavia, a reminiscência algo

longínqua do art. 810 do CPC de 1939 exerce, paradoxalmente, fl agrante atração. A

regra subordinava o conhecimento do recurso impróprio à inexistência de má-fé ou

de erro grosseiro. Transparece nos julgados, principalmente, a infl uência decisiva

do erro grosseiro. É irrelevante, ao invés, a má-fé. A parte pode interpor o recurso

próprio e, nada obstante, recorrer de má-fé - praticando o ato com intuito protelatório

(art. 17, VII). A sanção para tais recursos se encontra no art. 18. Na linha preconizada

no direito derrogado, proclamou a 1ª Turma do STJ: “A adoção do princípio da

fungibilidade exige sejam presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser

interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá quando se interpõe recurso

errado quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei e sobre o

qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto

tenha sido agitado no prazo do que se pretende transformá -lo.”

(in Manual dos Recursos, 6ª ed. revista, atualizada e ampliada, Ed. Revista dos

Tribunais: São Paulo, 2014, p. 106).

Assim, com arrimo na doutrina transcrita, deve-se reconhecer que os

embargos de declaração, com pedido de efeitos infringentes, tempestivamente

apresentados não devem ser recebidos como “pedido de reconsideração”, porque tal

mutação não atende a nenhuma previsão legal, tampouco a requisito de aplicação

de princípio da fungibilidade, pois este último (pedido de reconsideração) não é

recurso, não havendo dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível, sendo inviável

falar-se em “erro grosseiro” ou em apresentação no mesmo prazo recursal.

Ademais, no sentido oposto, a jurisprudência desta eg. Corte é fi rme

pela impossibilidade de recebimento de mero pedido de reconsideração como

embargos de declaração, por ausência de previsão legal e porque tal constitui um

erro grosseiro. Nesse sentido, confi ra-se:

Petição em agravo regimental no agravo em recurso especial. Pedido de

reconsideração interposto contra acórdão. Descabimento. Erro grosseiro.

Impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal.

1. Nos termos da consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

revela-se manifestamente incabível a interposição de pedido de reconsideração

contra decisão colegiada, ante a ausência de previsão legal e regimental.

2. O recebimento do pedido como embargos de declaração também revela-se

inviável, uma vez que, tratando-se de erro grosseiro, fi ca afastada a aplicação do

princípio da fungibilidade recursal.

3. Pedidos de reconsideração não conhecidos.

(Pet no AREsp 6.655/RN, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,

julgado em 1º.10.2013, DJe de 15.10.2013 - grifou-se)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Ora, se inexiste respaldo legal para receber-se o pedido de reconsideração

como embargos de declaração, é evidente que não há arrimo legal para receber-

se os embargos de declaração como pedido de reconsideração. Não se pode

transformar um recurso taxativamente previsto em lei (CPC, art. 535) numa

fi gura atípica, “pedido de reconsideração”, que não possui previsão legal ou

regimental.

Ademais, a possibilidade de o julgador receber os embargos de declaração,

com pedido de efeito modificativo, como pedido de reconsideração traz

enorme insegurança jurídica ao jurisdicionado, pois, apesar de interposto

tempestivamente o recurso cabível, fi cará à mercê da subjetividade do magistrado.

Nesse sentido, destaca-se o seguinte excerto do judicioso voto condutor do já

invocado REsp 1.213.153/SC, de relatoria do eminente Ministro Napoleão Nunes

Maia Filho, julgado pela Primeira Turma, em 15.9.2011, DJ de 10.10.2011:

12. Outrossim, condicionar o recebimento dos Embargos de Declaração ao

convencimento do Magistrado acerca da possibilidade ou não de produção dos

efeitos infringentes cria insegurança jurídica para o recorrente, que poderá ser

surpreendido com a não interrupção do prazo para os demais recursos, como

aconteceu no presente caso. Incide aqui a proteção da confi ança como corolário

da segurança jurídica.

13. Por fi m, a modifi cação do julgado por meio dos Embargos de Declaração

somente acontecerá caso ele seja omisso, obscuro ou contraditório, de sorte

que, a partir de sua integração, o fundamento desta acarrete, necessariamente, a

alteração da decisão. Se não houver vício a ser sanado, mas, apenas, a pretensão

do recorrente em rediscutir a decisão, a única penalidade cabível será, conforme

o caso, a multa prevista no art. 538, parág. único, e, mesmo nessa hipótese, a

interrupção do prazo para os demais recursos é impositiva.

14. Assim, a razoabilidade impõe ao Magistrado que, caso necessário, aplique

referida penalidade, ao invés de transmudar um recurso expressamente previsto

em lei para um sucedâneo recursal e, como conseqüência, prejudicar o recorrente

com a não interrupção do prazo para os demais recursos.

Realmente, o surpreendente recebimento dos aclaratórios como pedido

de reconsideração acarreta para o embargante uma gravíssima sanção sem

previsão legal, qual seja a não interrupção de prazo para posteriores recursos,

fazendo emergir preclusão, o que supera, em muito, a penalidade prevista no

parágrafo único do art. 538 do CPC. A inesperada perda do prazo recursal é

uma penalidade por demais severa, contra a qual nada se poderá fazer, porque

encerra o processo. Nessa linha de intelecção, o recebimento dos aclaratórios

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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL

RSTJ, a. 29, (245): 17-83, janeiro/março 2017 83

como pedido de reconsideração aniquila o direito constitucional da parte ao

devido processo legal e viola, ainda, o princípio da proibição da reformatio

in pejus. Inexiste maior prejuízo para a parte do que a perda da possibilidade

de recorrer, assegurada na lei processual, apresentando seus argumentos às

instâncias superiores, no fi to legítimo de buscar a reforma de julgado que

entende equivocado.

Por sua vez, o Código de Processo Civil já estabelece no parágrafo único

do art. 538 a penalidade cabível quando o jurisdicionado desvirtua a função dos

embargos de declaração, qual seja, as multas.

Assim, o recebimento dos aclaratórios como pedido de reconsideração

padece de, ao menos, duas manifestas ilegalidades, sendo a primeira a ausência

de previsão legal para tal sanção subjetiva, e a segunda, a “não interrupção

do prazo recursal”, aniquilando o direito da parte embargante e ignorando a

penalidade objetiva, estabelecida pelo legislador no parágrafo único do art. 538

do CPC.

Com esses considerações, conclui-se pela ocorrência de violação ao

art. 538 do CPC no caso em liça, motivo pelo qual o apelo nobre deve ser

provido para determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-ES, para, afastando-se

a intempestividade, prosseguir no julgamento da apelação, como entender de

direito.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso especial.

É como voto.

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Primeira Seção

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 143.006-SC (2015/0217934-5)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Suscitante: Juízo Federal da 1ª Vara de Concórdia - SJ/SC

Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Concórdia - SC

Interes.: Ronei Osnir Fuhr

Advogado: Jackson Luiz Spellmeier - SC013012

Interes.: Instituto Nacional do Seguro Social

EMENTA

Processual Civil e Previdenciário. Conflito negativo de

competência. Acidente do trabalho. Auxílio-acidente. Trabalhador

adolescente. Atividade laboral de mecânica automobilística.

Convenção 182 da OIT. Lista TIP. Itens 77 e 78. Atividade de risco.

Responsabilidade objetiva do empregador. Competência da Justiça

Estadual.

1. O presente confl ito de competência, que se instaurou entre

a Justiça Federal e a Justiça Estadual, surgiu em autos de ação

previdenciária ajuizada por autor que, na idade de 16 anos, perdeu

a visão de um olho, trabalhando como mecânico assistente junto à

Mecânica Tamanduá.

2. A relação de trabalho identificada nos autos legitima a

conclusão de que a atividade laboral de mecânico se enquadra na Lista

das Piores Formas de Trabalho Infantil - Lista TIP - como atividade

de risco, proibida para menores de 18 anos, assumindo o empregador

o risco integral da atividade. A condição de trabalhador segurado

contribuinte individual deve ser afastada.

3. Confl ito negativo de competência conhecido para declarar

competente a Justiça Estadual.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

88

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte

resultado de julgamento: “A Seção, por unanimidade, conheceu do confl ito e

declarou competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Concórdia - SC, o

suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio

Kukina, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Francisco Falcão, Napoleão

Nunes Maia Filho e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Herman Benjamin.

Brasília (DF), 26 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 8.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de confl ito negativo

de competência instaurado entre o Juízo Federal da 1ª Vara de Concórdia/

SC e o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Concórdia/SC, em autos de ação

previdenciária ajuizada por Ronei Osnir Fuhr em face do Instituto Nacional do

Seguro Social, objetivando benefício por incapacidade.

A ação foi ajuizada perante à Justiça Estadual, distribuída à 2ª Vara Cível

da Comarca de Concórdia/SC, tendo o douto Juízo declinado da competência

sob o fundamento de que o autor detém a condição de segurado contribuinte

individual, não sofrendo acidente do trabalho, nos termos do artigo 19 da Lei n.

8.213/1991.

Os autos foram encaminhados à Justiça Federal, redistribuídos à 1ª Vara

Federal de Concórdia, tendo o respeitoso Juízo suscitado o presente confl ito,

pois a petição inicial identifi ca a causa de pedir a acidente do trabalho sofrido na

Mecânica Tamanduá, na função de ajudante mecânico empregado.

O Ministério Público Federal em seu parecer, opina pela competência da

Justiça Estadual.

É o relatório.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 89

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): O presente confl ito

de competência, que se instaurou entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual,

surgiu em autos de ação previdenciária ajuizada por autor que perdeu a visão de

um olho, trabalhando como mecânico assistente junto à Mecânica Tamanduá,

objetivando auxílio-acidente.

O autor narra na petição inicial que sofreu acidente de trabalho em

ambiente de mecânica automobilística quando tinha 16 anos; qualifi ca-se como

ajudante de mecânico, mas não identifi ca qual a real condição de segurado

que ostentava à época do acidente, se segurado empregado ou se segurado

contribuinte individual.

O artigo 109, I, da Constituição Federal de 1988, ao excetuar da

competência federal as causas de acidente de trabalho, abarcou tão somente as

lides estritamente acidentárias, movidas pelo segurado contra o INSS.

Os documentos juntados aos autos evidenciam que o autor da ação,

quando adolescente, com a idade de 16 anos, atuou na Mecânica Tamanduá, na

condição de ajudante de mecânico. Quando do desempenho de sua atividade,

sofreu acidente do qual resultou a perda de uma visão.

Para determinação da jurisdição no presente caso, é preciso enfatizar que a

Constituição de 1988 protege integralmente a criança e o adolescente. Positiva

o princípio da proteção integral no artigo 227, o qual exige concreção. O

Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 60 a 69, prevê o direito

à profi ssionalização e à proteção no trabalho. Também conferem substância

ao princípio da proteção integral as convenções internacionais ratifi cadas pelo

Brasil, evidenciando proteção de realce na esfera do direito do trabalho.

No plano internacional, as duas principais normas existentes a respeito do

trabalho do adolescente são as Convenções da Organização Internacional do

Trabalho de n. 138, de 6.6.1973, sobre a idade mínima de admissão ao emprego

e n. 182, de 17.6.1999, sobre as piores formas de trabalho infantil. Esta última

aprovada pelo Decreto Legislativo n. 178, de 14.12.1999 e promulgada pelo

Decreto n. 3.597, de 12.9.2000.

A proteção à criança e ao adolescente é integral e absolutamente prioritária.

Criança não pode trabalhar, adolescente pode, a partir de determinada idade e,

ainda assim, com restrições.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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No Brasil, o trabalho do adolescente é permitido excepcionalmente a partir

de 14 (catorze) anos, na condição de aprendiz, e, em regra, somente a partir dos

16 (dezesseis) anos de idade.

A proteção integral do adolescente se insere nos contratos de trabalho.

O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil ao asseverar que haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, tanto nos casos

especifi cados em lei, tanto quando a atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem,

também se inclui no rol normativo protetivo do menor.

A responsabilidade fundada no risco da atividade é objetiva e tem

aplicabilidade nas relações de emprego, em hipóteses de acidente de trabalho.

Para tanto, deve ser levado em conta o grau específi co de risco da atividade

permitida pelo empregador, uma vez que a responsabilidade civil do empregador

decorre em certos casos do risco da atividade.

Quanto aos casos de risco da atividade, cumpre pontuar o Decreto n. 6.481,

de 12 de junho de 2008, que regulamenta a Convenção 182 da OIT e aprova a

Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, denominada Lista TIP, a qual, em

seu Item 77, descreve como piores as atividades laborais de manutenção, limpeza,

lavagem ou lubrifi cação de veículos, tratores, motores, componentes, máquinas

ou equipamentos, em que se utilizem solventes orgânicos ou inorgânicos, óleo,

diesel, desengraxantes ácidos ou básicos ou outros produtos derivados de óleos

minerais. O Item 78 elenca como piores as atividades de trabalho com utilização

de instrumentos ou ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz

de controlar o risco.

Vale ainda acentuar que a Convenção 182 estipula que o trabalho, nas

atividades consideradas como piores formas de trabalho, é proibido antes

dos dezoito anos de idade. Referidas atividades geram riscos de ferimentos e

mutilações, como ocorreu no presente caso, em que o adolescente trabalhador

perdeu a visão de um olho.

Nesse contexto, a condição de segurado contribuinte individual,

fundamento adotado pelo Juízo suscitado estadual, deve ser afastada. No caso,

o trabalhador detém condição de empregado, dela decorrendo sua condição de

segurado empregado, a atrair a jurisdição da justiça estadual.

Ante o exposto, conheço do conflito de competência para declarar

competente a Justiça Estadual, o juízo suscitado.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 91

RECURSO ESPECIAL N. 1.386.229-PE (2013/0170295-0)

Relator: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Recorrido: Jambo Produção de Alimentos Ltda - Microempresa

Advogado: Sem representação nos autos

EMENTA

Tributário e Processual Civil. Execução fiscal. Certidão de

Dívida Ativa – CDA. Base legal. Art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998.

Declaração de inconstitucionalidade pelo STF. Presunção de certeza,

de liquidez e de exigibilidade inalterada. Apuração de possível excesso

por meros cálculos aritméticos. Jurisprudência pacífi ca do STJ. Julgado

submetido ao rito do art. 543-C do CPC.

1. Cuida-se de Recurso Especial submetido ao regime do art.

543-C do CPC/1973 para defi nição do seguinte tema: “se a declaração

de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998, pelo

STF, afasta automaticamente a presunção de certeza e de liquidez da

CDA, de modo a autorizar a extinção de ofício da Execução Fiscal”.

2. O leading case do STJ sobre a matéria é o REsp 1.002.502/

RS, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, ocasião em que Segunda

Turma reconheceu que, a despeito da inconstitucionalidade do § 1º

do art. 3º da Lei n. 9.718/1998, a CDA conserva seus atributos, uma

vez que: a) existem casos em que a base de cálculo apurada do PIS e

da Cofi ns é composta integralmente por receitas que se enquadram

no conceito clássico de faturamento; b) ainda que haja outras receitas

estranhas à atividade operacional da empresa, é possível expurgá-las do

título mediante simples cálculos aritméticos; c) eventual excesso deve

ser alegado como matéria de defesa, não cabendo ao juízo da Execução

inverter a presunção de certeza, de liquidez e de exigibilidade do

título executivo (REsp 1.002.502/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon,

Segunda Turma, DJe 10.12.2009).

3. Essa orientação acabou prevalecendo e se tornou pacífi ca

no âmbito do STJ: AgRg nos EREsp 1.192.764/RS, Rel. Ministro

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Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 15.2.2012; AgRg no REsp

1.307.548/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe

12.3.2014; AgRg no REsp 1.254.773/PE, Rel. Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, DJe 17.8.2011; REsp 1.196.342/PE, Rel.

Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.12.2010; REsp

1.206.158/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda

Turma, DJe 14.12.2010; AgRg no REsp 1.204.855/PE, Rel. Ministro

Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 16.10.2012; AgRg no

REsp 1.182.086/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

Primeira Turma, DJe 10.10.2011; AgRg no REsp 1.203.217/RS,

Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.2.2011;

AgRg no REsp 1.204.871/PE, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,

Primeira Turma, DJe 2.2.2011; AgRg no REsp 1.107.680/PE, Rel.

Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 6.4.2010.

4. Embora alguns precedentes acima citados façam referência

ao REsp 1.115.501/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux, como

representativo da tese ora em debate, cumpre destacar que o tema

afetado naquela oportunidade se referia genericamente à possibilidade

de prosseguir a Execução Fiscal quando apurado excesso no

conhecimento da defesa do devedor. É o que se verifi ca na decisão

de afetação proferida por Sua Excelência: “O presente recurso

especial versa a questão referente à possibilidade de alteração do valor

constante na Certidão da Dívida Ativa, quando confi gurado o excesso

de execução, desde que a operação importe meros cálculos aritméticos,

sendo certa a inexistência de mácula à liquidez do título executivo”.

5. De todo modo, os fundamentos nele assentados reforçam a

posição ora confi rmada, mormente a afi rmação de que, “tendo em vista

a desnecessidade de revisão do lançamento, subsiste a constituição do

crédito tributário que teve por base a legislação ulteriormente declarada

inconstitucional, exegese que, entretanto, não ilide a inexigibilidade

do débito fi scal, encartado no título executivo extrajudicial, na parte

referente ao quantum a maior cobrado com espeque na lei expurgada

do ordenamento jurídico” (REsp 1.115.501/SP, Rel. Ministro Luiz

Fux, Primeira Seção, DJe 30.11.2010).

6. Firma-se a seguinte tese para efeito do art. 1.039 do CPC/2015:

“A declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 93

9.718/1998, pelo STF, não afasta automaticamente a presunção de

certeza e de liquidez da CDA, motivo pelo qual é vedado extinguir de

ofício, por esse motivo, a Execução Fiscal”.

7. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do

art. 1.039 do CPC/2015 e da Resolução 8/2008 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça: “A

Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho,

Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena

Costa, Gurgel de Faria, Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da

3ª Região) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Compareceu à sessão o Dr. Clóvis Monteiro Ferreira da Silva Neto, pela

Fazenda Nacional

Brasília (DF), 10 de agosto de 2016 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 5.10.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial (art. 105,

III, “a”, da CF) interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional

Federal da 5ª Região assim ementado:

Ementa: Processo Civil. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Extinção.

Certidão da Dívida Ativa cujo fundamento legal foi declarado inconstitucional. PIS

e COFINS. Lei n. 9.718/1998. Art. 195, I, da CF, na redação original.

1. Certidão da Dívida Ativa que tem fundamento legal declarado

inconstitucional pela Suprema Corte prescinde dos requisitos de liquidez, certeza

e exigibilidade, sobre os quais repousam presunção de validade a dar ensejo ao

executivo fi scal.

2. Incabível, em sede de execução, análise dos contratos sociais das fi rmas

executadas com o fi to de saber se a cobrança da COFINS e do PIS sob a égide

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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da Lei n. 9.718/1998, e do artigo 195, I, da Constituição Federal, na sua redação

original, teria incidido sobre o faturamento ou sobre a receita bruta das empresas,

pois tal exame importaria dilação probatória.

3. Agravo de Instrumento não provido (fl . 102).

A recorrente aponta violação dos arts. 2º e 535 do CPC; 2º, § 8º, 3º,

e 16, § 2º, da Lei n. 6.830/1980; e 204 do CTN. Preliminarmente, afi rma

que houve omissão quanto ao reconhecimento da presunção de certeza e de

liquidez da CDA. No tocante à questão principal, assevera que a declaração

de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/1998 pelo STF

não elide a presunção de liquidez e de certeza do título executivo constituído

com essa base legal. Aduz ainda que possível excesso de execução deve ser

comprovado pela parte executada na via dos Embargos do Devedor.

Os Embargos de Declaração foram rejeitados.

Sem contrarrazões.

O presente caso fora afetado como representativo da controvérsia, nos

termos do art. 543-C do CPC (fl s. 163-164).

O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso (fl s. 171-

175).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Cinge-se a controvérsia

a defi nir se a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n.

9.718/1998, pelo STF, afasta automaticamente a presunção de certeza e de

liquidez da CDA constituída sobre essa base legal, de modo a autorizar a

extinção de ofício da Execução Fiscal.

De acordo com o Tribunal a quo, a certidão de dívida ativa que apresenta

como fundamento legal dispositivo declarado inconstitucional pelo STF carece

dos requisitos de liquidez, de certeza e de exigibilidade.

De início, afasto a preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC, uma vez que o

Tribunal de origem, com fundamentação sufi ciente, julgou integralmente a lide

e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada.

No tocante ao tema principal, a irresignação merece acolhida.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 95

O leading case do STJ sobre a questão jurídica controvertida é o REsp

1.002.502/RS, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, ocasião em que Segunda

Turma reconheceu que, a despeito da inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da

Lei n. 9.718/1998, a CDA conserva seus atributos, uma vez que: a) existem casos

em que a base de cálculo apurada do PIS e da Cofi ns é composta integralmente

por receitas que se enquadram no conceito clássico de faturamento; b) ainda

que haja outras receitas estranhas à atividade operacional da empresa, é possível

expurgá-las do título mediante simples cálculos aritméticos; c) eventual excesso

deve ser alegado como matéria de defesa, não cabendo ao juízo da Execução

inverter a presunção de certeza, de liquidez e de exigibilidade do título executivo.

Naquele julgado, a Ministra Eliana Calmon realinhou posição após

judicioso voto-vista proferido pelo Ministro Castro Meira, o qual assentou os

seguintes fundamentos:

A declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998,

por si só, não atinge a liquidez e certeza da CDA. Prova disso está no fato de que,

se o faturamento e a receita bruta do contribuinte forem equivalentes - o que

ocorre quando o sujeito passivo tributário possui apenas receitas operacionais -, a

declaração de inconstitucionalidade não produzirá qualquer efeito prático, nada

havendo a retifi car na certidão de dívida ativa, devendo a execução prosseguir

normalmente.

Assim, a simples declaração de inconstitucionalidade não afeta, de modo

apriorístico, a certeza e liquidez da CDA, podendo atingir, se muito, o quantum a

ser executado em face da redução proporcional do valor do título.

Portanto, não poderia o juiz extinguir a execução de ofício, porque, ainda

que inexigível parte da dívida, esse fato não configura condição da ação ou

pressuposto de desenvolvimento válido do processo.

Inexigibilidade parcial do título e excesso de execução são típicas matérias de

defesa, e não de ordem pública, que devem ser alegadas pelo executado ou pelo

terceiro a quem aproveita.

Diferentemente do que entendeu o acórdão impugnado neste recurso

especial, o ônus de provar que os valores sobre os quais incidiram o PIS e a

COFINS é composto também, ou exclusivamente, por receitas não operacionais é

do executado e não da Fazenda exequente por dois motivos muito simples:

(a) primeiramente, porque a CDA embasa-se em autolançamento, vale dizer,

em declaração do próprio contribuinte, que pessoalmente preencheu os campos

da DCTF. Assim, somente ele tem condições de esclarecer a composição da receita

ali indicada, para se aferir o que é receita bruta e o que é faturamento;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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(b) em segundo lugar, porque a CDA, nos termos do art. 3º da LEF e do art. 204

do CTN, goza de presunção de liquidez e certeza, que “pode ser ilidida por prova

inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite”.

(...)

Esses dispositivos estabeleceram uma presunção relativa que milita em favor

da Fazenda Pública e que pode ser ilidida por prova inequívoca a cargo do sujeito

passivo tributário.

O acórdão recorrido, ao manter a decisão extintiva da execução fiscal,

acabou por atribuir à Fazenda Nacional o ônus de provar que as CDA’S eram

compostas exclusivamente por receitas operacionais, em absoluta afronta a esses

dispositivos.

Ora, é exatamente o contrário do que decidiu a Corte Regional: se o título

executivo goza de presunção relativa de liquidez e certeza, e a simples declaração

de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998 não a afeta por si só,

cabe ao executado, sempre por meio de embargos, demonstrar a inexigibilidade,

ainda que parcial, da CDA.

Transcrevo a respectiva ementa:

Processual Civil e Tributário. Execução fi scal. COFINS. CDA. Fundamento legal

declarado inconstitucional pelo STF. Refazimento da base de cálculo. Possibilidade

segundo nota técnica. Prosseguimento da execução.

1. A declaração de inconstitucionalidade emanada do STF em controle difuso,

considerando inconstitucional o art. 3º da Lei n. 9.718/1998, não foi capaz de

inutilizar a exigibilidade do título extrajudicial.

2 A Nota Técnica 124, de 10 de junho de 23008 da Receita Federal demonstra

ser possível o refazimento do título, expurgando-se a parcela declarada

inconstitucional da base de cálculo, mediante simples operação aritmética.

3. Hipótese dos autos que em revisão da Receita, não apresentou expurgo

algum em desfavor do fi sco.

4. Situação fática que mantém a efi cácia da Certidão de Dívida Ativa - CDA

como título executivo extrajudicial, sem comprometer a sua liquidez e certeza.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1.002.502/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe

10.12.2009).

Essa orientação acabou prevalecendo e se tornou pacífi ca no âmbito deste

Tribunal. Cito precedentes:

Processo Civil e Tributário. Execução fi scal. Embargos de divergência. Reexame

de regra técnica de conhecimento do recurso especial. Não cabimento.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 97

1. É firme nesta Corte Superior de Justiça o entendimento no sentido de

que não existe divergência entre julgados que apreciam o mérito do recurso,

e outros que não o fazem, por falta de preenchimento dos pressupostos de

admissibilidade.

2. Precedentes: AgRg nos EREsp 957.118/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,

Corte Especial, DJe 24.5.2011; AgRg nos EAg 1.152.551/RJ, Rel. Ministra Nancy

Andrighi, Corte Especial, DJe 10.2.2011; EREsp 260.691/RS, Rel. Min. João Otávio

DE Noronha, Corte Especial, DJ 18.2.2008.

3. Ademais, o acórdão embargado aplicou corretamente o tema consolidado

no julgamento do REsp 1.115.501/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 10.11.2010

pela sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ 8/2008, segundo o qual a

declaração de inconstitucionalidade, em controle difuso, não é sufi ciente, por

si só, para ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA fundamentada em

preceito declarado inconstitucional, razão por que é incabível a extinção ex offi cio

da execução fi scal.

Agravo regimental improvido.

(AgRg nos EREsp 1.192.764/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção,

DJe 15.2.2012).

Processo Civil e Tributário. Agravo regimental em recurso especial. CDA.

Nulidade. PIS e COFINS. Art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998. Declaração de

inconstitucionalidade pelo Supremo. Execução fi scal. Extinção de ofício. Art. 741,

parágrafo único, do CPC. Inaplicabilidade. Faturamento ou receita bruta. Ônus da

prova.

1. O art. 741, parágrafo único, do CPC, ainda que se entenda aplicável

também à execução fi scal, não autoriza o juiz a extinguir de ofício a execução,

mas apenas faculta ao executado a possibilidade de defender-se, por meio

de embargos, alegando a inexigibilidade do título em face de declaração de

inconstitucionalidade emanada do Supremo.

2. A declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998,

por si só, não atinge a liquidez e certeza da CDA. Prova disso está no fato de que,

se o faturamento e a receita bruta do contribuinte forem equivalentes - o que

ocorre quando o sujeito passivo tributário possui apenas receitas operacionais -, a

declaração de inconstitucionalidade não produzirá qualquer efeito prático, nada

havendo a retifi car na certidão de dívida ativa, devendo a execução prosseguir

normalmente.

3. Se o título executivo goza de presunção relativa de liquidez e certeza, e a

simples declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998

não a contamina por si só, constitui ônus do executado, sempre por meio de

embargos, demonstrar a inexigibilidade, ainda que parcial, da CDA.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1.307.548/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe

12.3.2014).

Tributário. Execução fiscal. PIS/COFINS. CDA. Fundamento legal declarado

inconstitucional pelo STF. Prosseguimento da execução fi scal. Conformação ao

entendimento proferido pelo STJ no âmbito de recurso repetitivo.

1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.115.501/SP, Rel. Min.

Luiz Fux, julgado em 10.11.2010 pela sistemática do art. 543-C do CPC e da

Res. STJ 8/2008 consolidou entendimento segundo o qual a declaração de

inconstitucionalidade, em controle difuso, não é sufi ciente, por si só, para ilidir

a presunção de liquidez e certeza da CDA fundamentada em preceito declarado

inconstitucional, razão por que é incabível a extinção ex offi cio da execução fi scal.

2. Hipótese em que subsiste a presunção de liquidez e certeza do título

executivo extrajudicial, cabendo ao contribuinte a demonstração de excesso de

execução.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.254.773/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,

DJe 17.8.2011).

Processual Civil e Tributário. PIS e COFINS. Art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998.

Declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo. Execução fi scal. Extinção

de ofício antes da citação. Art. 741, parágrafo único, do CPC. Inaplicabilidade.

Faturamento ou receita bruta. Ônus da prova. Recurso provido.

1. O art. 741, parágrafo único, do CPC, ainda que se entenda aplicável

também à execução fi scal, não autoriza o juiz a extinguir de ofício a execução,

mas apenas faculta ao executado a possibilidade de defender-se, por meio

de embargos, alegando a inexigibilidade do título em face de declaração de

inconstitucionalidade emanada do Supremo.

2. A declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998,

por si só, não atinge a liquidez e certeza da CDA. Prova disso está no fato de que,

se o faturamento e a receita bruta do contribuinte forem equivalentes – o que

ocorre quando o sujeito passivo tributário possui apenas receitas operacionais –,

a declaração de inconstitucionalidade não produzirá qualquer efeito prático, nada

havendo a retifi car na certidão de dívida ativa, devendo a execução prosseguir

normalmente.

3. A simples declaração de inconstitucionalidade não afeta, de modo

apriorístico, a certeza e liquidez da CDA, podendo atingir, se muito, o quantum

a ser executado em face da redução proporcional do valor do título. Portanto,

não pode o juiz, nesse caso, extinguir a execução de ofício, porque, ainda

que inexigível parte da dívida, esse fato não configura condição da ação ou

pressuposto de desenvolvimento válido do processo.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 99

4. A inexigibilidade parcial do título e excesso de execução são típicas matérias

de defesa, e não de ordem pública, que devem ser alegadas pelo executado ou

pelo terceiro a quem aproveita.

5. Se o título executivo goza de presunção relativa de liquidez e certeza, e a

simples declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998

não a contamina por si só, constitui ônus do executado, sempre por meio de

embargos, demonstrar a inexigibilidade, ainda que parcial, da CDA.

6. Recurso especial provido.

(REsp 1.196.342/PE, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 10.12.2010).

Tributário. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. PIS/COFINS. Lei n.

9.718/1998. Declaração de inconstitucionalidade do fundamento legal indicado

na CDA. Extinção ex offi cio da execução fi scal. Impossibilidade. Precedente em

recurso especial representativo de controvérsia.

1. Não há violação ao art. 535 do CPC, se o acórdão recorrido, ao solucionar

a controvérsia, analisa as questões a ele submetidas, dando aos dispositivos de

regência a interpretação que, sob sua ótica, se coaduna com a espécie. O fato

de a interpretação não ser a que mais satisfaça a recorrente não tem a virtude

de macular a decisão atacada, a ponto de determinar provimento jurisdicional

desta Corte, no sentido de volver os autos à instância de origem, mesmo porque o

órgão a quo, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre

todos os argumentos levantados pelas partes.

2. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei n. 9.718/1998,

emanada do STF em sede de controle difuso, não é sufi ciente, de per si, para ilidir

a presunção de liquidez e certeza de CDA fundamentada no referido preceito

infraconstitucional, razão por que é incabível a extinção ex offi cio da execução

fi scal.

3. Precedente: REsp 1.115.501/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em

10.11.2010 pela sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n. 8/2008.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1.206.158/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,

DJe 14.12.2010).

Tributário. Processo Civil. Agravo regimental no recurso especial. PIS e

COFINS. Nulidade da CDA. Art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998. Declaração de

inconstitucionalidade. Agravo não provido.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fi rmou-se no sentido da

possibilidade de aproveitamento da CDA na hipótese de readequação da base

de cálculo da Cofi ns e do PIS em face da declaração de inconstitucionalidade do

art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998 pelo STF. Nesse contexto, a CDA não perderia

os requisitos de liquidez e certeza, devendo apenas ser expurgado o eventual

excesso.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

100

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1.204.855/PE, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira

Turma, DJe 16.10.2012).

Agravo regimental no recurso especial. Tributário. Execução fiscal. PIS.

Declaração de inconstitucionalidade pelo STF do art. 3º, § 1º da Lei n. 9.718/1998.

Presunção de certeza e liquidez da CDA. Desconstituição. Ônus do executado.

Agravo regimental desprovido.

1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento segundo

o qual compete ao executado, via Embargos, ilidir a presunção de certeza e

liquidez da CDA, a qual permanece incólume mesmo diante da declaração de

inconstitucionalidade das normas que ampliavam o conceito de receita bruta

considerado na base de cálculo do PIS, prosseguindo a execução, todavia, pelo

quantum apurado em face da redução eventualmente necessária em razão

dessa inconstitucionalidade. Precedentes: 2ª Turma, REsp 1.196.342/PE, Rel. Min.

Castro Meira, DJe 10.12.2010; 2ª Turma, AgRg no REsp 1.201.627/PE, Rel. Min.

Humberto Martins, DJe 26.4.2011; 1ª Turma, AgRg no REsp 1.203.217/RS, Rel. Min.

Benedito Gonçalves, DJe 11.2.2011; 1ª Turma, AgRg no REsp 1.204.871/PE, Rel. Min.

Hamilton Carvalhido, DJe 2.2.2011.

2. Sendo assim, é ônus do executado provar que a execução fi scal incorre em

excesso, do qual deverá desincumbir-se no momento oportuno, ou seja, com a

oposição de Embargos à Execução, sob pena de preclusão.

3. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1.182.086/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira

Turma, DJe 10.10.2011).

Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Execução fi scal. PIS/COFINS.

CDA. Fundamento legal declarado inconstitucional pelo STF. Refazimento da base

de cálculo. Possibilidade. Precedente. REsp 1.115.501/SP, na sistemática do art.

543-C do CPC.

1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que, ao prover

o recurso especial fazendário, aplicou jurisprudência no sentido de que a

declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998, por si

só, não atinge a liquidez e certeza da CDA, consignando que a simples declaração

de inconstitucionalidade não afeta a certeza e liquidez da CDA, podendo atingir,

quando muito, o quantum a ser executado em face da redução proporcional do

valor do título executivo.

2. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento

do REsp 1.115.501/SP, na sistemática do art. 543-C do CPC, reafirmou

jurisprudência no sentido de que “remanesce a exigibilidade parcial do valor

inscrito na dívida ativa, sem necessidade de emenda ou substituição da CDA (cuja

liquidez permanece incólume), máxime tendo em vista que a sentença proferida

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 101

no âmbito dos embargos à execução, que reconhece o excesso, é título executivo

passível, por si só, de ser liquidado para fi ns de prosseguimento da execução

fi scal” (REsp 1.115.501/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 30.11.2010).

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1.203.217/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,

DJe 11.2.2011).

Agravo regimental em recurso especial. Execução fi scal. Artigos 2º, parágrafo

8º, e 16 da Lei n. 6.830/1980. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 282/

STF. PIS e COFINS. Inconstitucionalidade do artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei

n. 9.718/1998. CDA. Decote. Necessidade de exame pericial. Meros cálculos

aritméticos. Reexame de prova. Súmula n. 7/STJ. Presunção de certeza e liquidez

da CDA. Desconstituição. Ônus. Agravo improvido.

1. “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão

recorrida, a questão federal suscitada.” (Súmula do STF, Enunciado n. 282).

2. A declaração de inconstitucionalidade do tributo não invalida a Certidão

de Dívida Ativa - CDA, salvo quando indeterminável o quantum a decotar por

simples cálculo aritmético.

3. Analisar se a adequação da base de cálculo da CDA que embasa a execução

fi scal demanda exame pericial ou meros cálculos aritméticos se insula no universo

fáctico-probatório, consequencializando a necessária reapreciação da prova, o

que é vedado pelo Enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

4. É fi rme a jurisprudência desta Corte Superior em que o ônus de desconstituir

a presunção de certeza e liquidez da CDA é do executado, salvo quando

inobservados os seus requisitos legais, de modo a não permitir ao contribuinte

o pleno exercício do direito à ampla defesa, cabendo à Fazenda exequente, em

casos tais, a emenda ou substituição do título executivo.

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.204.871/PE, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira

Turma, DJe 2.2.2011).

Processual Civil e Tributário. PIS/COFINS. Lei n. 9.718/1998. Declaração de

inconstitucionalidade do fundamento legal indicado na CDA. Refazimento da

base de cálculo. Simples operação aritmética. Possibilidade segundo nota técnica.

Extinção ex offi cio da execução fi scal. Impossibilidade.

1. O STF, em controle difuso, considerou inconstitucional o art. 3º da Lei n.

9.718/1998.

2. Trata-se de decisão que produz efeitos somente entre as partes, não

atingindo, de forma automática, as Execuções Fiscais cuja CDA esteja lastreada na

referida norma.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

102

3. Subsiste, portanto, a presunção de liquidez e certeza do título executivo

extrajudicial, razão pela qual cabe ao contribuinte a demonstração de excesso de

execução.

4. Ademais, é possível o decote da CDA para exclusão de eventual quantia

cobrada a maior, quando se tratar de operação que demanda apenas a realização

de cálculos aritméticos. Precedentes do STJ.

5. Incorreta, nesse contexto, a extinção, ex offi cio, da Execução Fiscal.

6. Agravo Regimental provido.

(AgRg no REsp 1.107.680/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,

DJe 6.4.2010).

Embora alguns precedentes acima citados façam referência ao REsp

1.115.501/SP, de relatoria do Ministro Luiz Fux, como representativo da

tese ora em debate, cumpre destacar que o tema afetado na ocasião se referia

genericamente à possibilidade de prosseguir a Execução Fiscal quando apurado

excesso, no julgado da defesa do devedor. É o que se verifi ca na decisão de afetação

proferida por Sua Excelência: “O presente recurso especial versa a questão

referente à possibilidade de alteração do valor constante na Certidão da Dívida

Ativa, quando confi gurado o excesso de execução, desde que a operação importe

meros cálculos aritméticos, sendo certa a inexistência de mácula à liquidez do

título executivo”.

De todo modo, os fundamentos nele assentados reforçam a posição ora

confi rmada. Confi ra-se:

Processual Civil. Recurso especial representativo de controvérsia. Artigo 543-

C, do CPC. Embargos à execução fi scal. Certidão de Dívida Ativa (CDA) originada

de lançamento fundado em lei posteriormente declarada inconstitucional em

sede de controle difuso (Decretos-Leis n. 2.445/1988 e 2.449/1988). Validade

do ato administrativo que não pode ser revisto. Inexigibilidade parcial do título

executivo. Iliquidez afastada ante a necessidade de simples cálculo aritmético

para expurgo da parcela indevida da CDA. Prosseguimento da execução fi scal por

força da decisão, proferida nos embargos à execução, que declarou o excesso e

que ostenta força executiva. Desnecessidade de substituição da CDA.

1. O prosseguimento da execução fiscal (pelo valor remanescente daquele

constante do lançamento tributário ou do ato de formalização do contribuinte

fundado em legislação posteriormente declarada inconstitucional em sede de

controle difuso) revela-se forçoso em face da suficiência da liquidação do título

executivo, consubstanciado na sentença proferida nos embargos à execução,

que reconheceu o excesso cobrado pelo Fisco, sobressaindo a higidez do ato de

constituição do crédito tributário, o que, a fortiori, dispensa a emenda ou substituição

da certidão de dívida ativa (CDA).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 103

2. Deveras, é certo que a Fazenda Pública pode substituir ou emendar a

Certidão de Dívida Ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos (artigo 2º,

§ 8º, da Lei n. 6.830/1980), quando se tratar de correção de erro material ou formal,

vedada, entre outras, a modifi cação do sujeito passivo da execução (Súmula 392/

STJ) ou da norma legal que, por equívoco, tenha servido de fundamento ao

lançamento tributário (Precedente do STJ submetido ao rito do artigo 543-C,

do CPC: REsp 1.045.472/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em

25.11.2009, DJe 18.12.2009).

3. In casu, contudo, não se cuida de correção de equívoco, uma vez que o ato

de formalização do crédito tributário sujeito a lançamento por homologação

(DCTF), encampado por desnecessário ato administrativo de lançamento (Súmula

436/STJ), precedeu à declaração incidental de inconstitucionalidade formal

das normas que alteraram o critério quantitativo da regra matriz de incidência

tributária, quais sejam, os Decretos-Leis n. 2.445/1988 e 2.449/1988.

4. O princípio da imutabilidade do lançamento tributário, insculpido no artigo

145, do CTN, prenuncia que o poder-dever de autotutela da Administração

Tributária, consubstanciado na possibilidade de revisão do ato administrativo

constitutivo do crédito tributário, somente pode ser exercido nas hipóteses

elencadas no artigo 149, do Codex Tributário, e desde que não ultimada a extinção

do crédito pelo decurso do prazo decadencial qüinqüenal, em homenagem ao

princípio da proteção à confi ança do contribuinte (encartado no artigo 146) e no

respeito ao ato jurídico perfeito.

5. O caso sub judice amolda-se no disposto no caput do artigo 144, do CTN (“O

lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-

se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modifi cada ou revogada.”),

uma vez que a autoridade administrativa procedeu ao lançamento do crédito

tributário formalizado pelo contribuinte (providência desnecessária por força da

Súmula 436/STJ), utilizando-se da base de cálculo estipulada pelos Decretos-Leis n.

2.445/1988 e 2.449/1988, posteriormente declarados inconstitucionais pelo Supremo

Tribunal Federal, em sede de controle difuso, tendo sido expedida a Resolução 49, pelo

Senado Federal, em 19.10.1995.

6. Conseqüentemente, tendo em vista a desnecessidade de revisão do

lançamento, subsiste a constituição do crédito tributário que teve por base a

legislação ulteriormente declarada inconstitucional, exegese que, entretanto, não

ilide a inexigibilidade do débito fi scal, encartado no título executivo extrajudicial,

na parte referente ao quantum a maior cobrado com espeque na lei expurgada

do ordenamento jurídico, o que, inclusive, encontra-se, atualmente, preceituado

nos artigos 18 e 19, da Lei n. 10.522/2002, verbis: “Art. 18. Ficam dispensados a

constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida Ativa da

União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o

lançamento e a inscrição, relativamente: (...) VIII - à parcela da contribuição ao

Programa de Integração Social exigida na forma do Decreto-Lei n. 2.445, de 29

de junho de 1988, e do Decreto-Lei n. 2.449, de 21 de julho de 1988, na parte que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

104

exceda o valor devido com fulcro na Lei Complementar n. 7, de 7 de setembro de

1970, e alterações posteriores; (...) § 2º Os autos das execuções fi scais dos débitos

de que trata este artigo serão arquivados mediante despacho do juiz, ciente

o Procurador da Fazenda Nacional, salvo a existência de valor remanescente

relativo a débitos legalmente exigíveis. (...)” Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da

Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir

do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante,

na hipótese de a decisão versar sobre: (Redação dada pela Lei n. 11.033, de 2004)

I - matérias de que trata o art. 18; (...). § 5º Na hipótese de créditos tributários já

constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para

efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso.

(Redação dada pela Lei n. 11.033, de 2004)”.

7. Assim, ultrapassada a questão da nulidade do ato constitutivo do crédito

tributário, remanesce a exigibilidade parcial do valor inscrito na dívida ativa,

sem necessidade de emenda ou substituição da CDA (cuja liquidez permanece

incólume), máxime tendo em vista que a sentença proferida no âmbito dos embargos

à execução, que reconhece o excesso, é título executivo passível, por si só, de ser

liquidado para fi ns de prosseguimento da execução fi scal (artigos 475-B, 475-H, 475-

N e 475-I, do CPC).

8. Consectariamente, dispensa-se novo lançamento tributário e, a fortiori,

emenda ou substituição da certidão de dívida ativa (CDA).

9. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do

CPC e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp 1.115.501/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 30.11.2010).

Firma-se a seguinte tese para efeito do art. 1.039 do CPC/2015: “A

declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998, pelo

STF, não afasta automaticamente a presunção de certeza e de liquidez da CDA

constituída sobre essa base legal, motivo pelo qual é vedado extinguir de ofício,

por esse motivo, a Execução Fiscal”.

Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.426.210-RS (2013/0416797-6)

Relator: Ministro Gurgel de Faria

Recorrente: Estado do Rio Grande do Sul

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 105

Procurador: Evilazio Carvalho da Silva e outro(s) - RS046332

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul

EMENTA

Processual Civil e Administrativo. Piso salarial nacional para os

professores da educação básica. Violação ao art. 535 do CPC/1973.

Inocorrência. Vencimento básico. Reflexo sobre gratificações e

demais vantagens. Incidência sobre toda a carreira. Temas a serem

disciplinados na legislação local. Matérias constitucionais. Análise em

sede de recurso especial. Impossibilidade.

1. Não viola o art. 535 do CPC/1973 o acórdão que contém

fundamentação sufi ciente para responder às teses defendidas pelas

partes, pois não há como confundir o resultado desfavorável ao

litigante com a falta de fundamentação.

2. A Lei n. 11.738/2008, regulamentando um dos princípios de

ensino no País, estabelecido no art. 206, VIII, da Constituição Federal

e no art. 60, III, “e”, do ADCT, estabeleceu o piso salarial profi ssional

nacional para o magistério público da educação básica, sendo esse o

valor mínimo a ser observado pela União, pelos Estados, o Distrito

Federal e os Municípios quando da fi xação do vencimento inicial das

carreiras.

3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.167/

DF, declarou que os dispositivos da Lei n. 11.738/2008 questionados

estavam em conformidade com a Constituição Federal, registrando

que a expressão “piso” não poderia ser interpretada como “remuneração

global”, mas como “vencimento básico inicial”, não compreendendo

vantagens pecuniárias pagas a qualquer outro título. Consignou, ainda,

a Suprema Corte que o pagamento do referido piso como vencimento

básico inicial da carreira passaria a ser aplicável a partir de 27.4.2011,

data do julgamento do mérito da ação.

4. Não há que se falar em refl exo imediato sobre as vantagens

temporais, adicionais e gratifi cações ou em reajuste geral para toda

a carreira do magistério, visto que não há nenhuma determinação

na Lei Federal de incidência escalonada com aplicação dos mesmos

índices utilizados para a classe inicial da carreira.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

106

5. Nos termos da Súmula 280 do STF, é defesa a análise de lei local

em sede de recurso especial, de modo que, uma vez determinado pela

Lei n. 11.738/2008 que os entes federados devem fi xar o vencimento

básico das carreiras no mesmo valor do piso salarial profi ssional,

compete exclusivamente aos Tribunais de origem, mediante a análise

das legislações locais, verifi car a ocorrência de eventuais refl exos nas

gratifi cações e demais vantagens, bem como na carreira do magistério.

6. Hipótese em que o Tribunal de Justiça estadual limitou-se

a consignar que a determinação constante na Lei n. 11.738/2008

repercute nas vantagens, gratificações e no plano de carreira,

olvidando-se de analisar especifi camente a situação dos profi ssionais

do magistério do Estado do Rio Grande do Sul.

7. Considerações acerca dos limites impostos pela Constituição

Federal – autonomia legislativa dos entes federados, iniciativa de

cada chefe do poder executivo para propor leis sobre organização das

carreiras e aumento de remuneração de servidores, e necessidade de

prévia previsão orçamentária –, bem como sobre a necessidade de

edição de lei específi ca, nos moldes do art. 37, X, da Constituição

Federal, além de já terem sido analisadas pelo STF no julgamento da

ADI, refogem dos limites do recurso especial.

8. Para o fi m preconizado no art. 1.039 do CPC/2015, fi rma-se a

seguinte tese: “A Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que

o vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação

básica deve corresponder ao piso salarial profi ssional nacional, sendo

vedada a fi xação do vencimento básico em valor inferior, não havendo

determinação de incidência automática em toda a carreira e refl exo

imediato sobre as demais vantagens e gratifi cações, o que somente

ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações

locais.”

9. Recurso especial parcialmente provido para cassar o acórdão a

quo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fi m de

que reaprecie as questões referentes à incidência automática da adoção

do piso salarial profi ssional nacional em toda a carreira do magistério

e ao refl exo imediato sobre as demais vantagens e gratifi cações, de

acordo com o determinado pela lei local. Julgamento proferido pelo

rito dos recursos repetitivos (art. 1.039 do CPC/2015).

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 107

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça por

unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial para cassar o acórdão

a quo e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho,

Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio

Kukina e Regina Helena Costa votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes,

ocasionalmente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Og Fernandes.

Brasília (DF), 23 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Gurgel de Faria, Relator

DJe 9.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gurgel de Faria: Trata-se de recurso especial interposto

pelo Estado do Rio Grande do Sul, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo

constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado.

Originariamente, foi ajuizada ação civil pública pelo Ministério Público

do Estado do Rio Grande do Sul contra aquela unidade da Federação, em

que buscava a implementação do piso salarial profi ssional nacional para os

profi ssionais do magistério público da educação básica, nos termos da Lei n.

11.738/2008 e do decidido na ADI 4.167 pelo Supremo Tribunal Federal.

A sentença, de parcial procedência, foi, à unanimidade, reformada em parte

pelo Tribunal de origem. O aresto foi assim ementado (e-STJ fl s. 894/897):

Apelação cível. Ação civil pública. Piso salarial profi ssional nacional para os

profi ssionais do magistério público da educação básica. Demanda proposta pelo

Ministério Público Estadual Direitos individuais homogêneos.

“(...) 2. É constitucional a norma geral federal que fi xou o piso salarial dos

professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração

global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso

de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como

mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profi ssional, e

não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador.” (ADI 4.167,

Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe de 24.8.2011).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

108

Suspensão do processo. Indeferimento. Prejudicial externa. CPC, inc. IV, alínea “a”.

Inocorrência.

Inexiste motivo jurídico plausível para se suspender indefinidamente o

julgamento do apelo no aguardo do pronunciamento do STF sobre o mérito da

ADI 4.848. Direito dos substituídos processuais à obtenção da tutela jurisdicional

em tempo razoável, sem que haja comprometimento do direito subjetivo

individual já reconhecido pela Suprema Corte no julgamento, com cunho de

defi nitividade, da ADI 4.167. Princípio da presunção da constitucionalidade das

leis.

Inclusão do IPERGS no pólo passivo da demanda. Requerimento de citação da

autarquia previdenciária estadual formulado somente na instância recursal, depois

de sentenciado o feito. Preclusão. Inovação processual. Indeferimento.

Rejeita-se o requerimento de citação do IPERGS formulado somente na fase

recursal, visto que totalmente extemporâneo. Matéria preclusa.

Acordo parcial e temporário celebrado pelas partes litigantes no curso do processo.

Tópico não devolvido ao Tribunal no apelo do Estado.

Descabe pronunciamento do Tribunal “ad quem” a respeito do acordo parcial

e temporário celebrado pelas partes litigantes após a prolação da sentença, visto

que o tema não foi suscitado na apelação.

Suscitação do incidente de inconstitucionalidade. Art. 5º da Lei n. 11.738/2008.

Desnecessidade.

É desnecessário suscitar incidente de controle de constitucionalidade ao

Órgão Especial deste TJRS, visto que o art. 5º da Lei n. 11.738/2008, diploma legal

de âmbito nacional, tem sua constitucionalidade impugnada no STF através da

ADI 4.848-DF.

Medida cautelar liminar indeferida pelo STF, em decisão monocrática do

Presidente dessa Corte datada de 13.11.2012.

O piso nacional do magistério corresponde ao valor pago como vencimento

básico inicial da carreira, não compreendendo as vantagens pessoais e por tempo

de serviço. Portanto, ele não se confunde com o vencimento global do professor

integrante da rede pública da educação básica.

No ponto, não merece reparo a sentença apelada, ao concluir que o piso

nacional do magistério cuja implementação e pagamento se persegue através

desta ação civil pública, corresponde ao vencimento básico inicial da carreira, não

compreendendo as vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título.

É o que decorre, induvidosamente, da exata intelecção do Acórdão do STF

proferido no julgamento do mérito da ADI 4.167-DF.

Embargos declaratórios opostos do acórdão proferido pelo Excelso Pretório no

julgamento do mérito da ADI 4.167/DF. Modulação temporal da efi cácia da decisão.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 109

O Plenário do STF, julgando os Embargos de Declaração opostos pelos

Governadores dos Estados do RS, SC, MS e CE, modulou temporalmente os efeitos

da decisão proferida na ADI n. 4.167/DF, assentando que a Lei n. 11.738/2008 tem

efi cácia a partir da data do julgamento do mérito dessa ação direta, ou seja, a

contar de 27 de abril de 2011.

Decisão cuja tira de julgamento já está publicada e disponibilizada no sítio

eletrônico da Corte Suprema na internet. Desnecessidade de aguardar o trânsito

em julgado e a publicação do respectivo Acórdão.

Efi cácia “erga omnes” do provimento judicial exarado pela Suprema Corte em

sede de controle concentrado de constitucionalidade de lei.

Necessidade de observância pelo Tribuna Estadual do que ficou decidido

nesse julgamento.

Critério de atualização anual do valor do piso salarial profi ssional nacional para

os profissionais do magistério público da educação básica. Adoção do índice do

FUNDEB. Art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 11.738/2008. Opção legítima adotada pelo

Congresso Nacional. Somente a ele incumbe revê-la, se e quando entender adequado

e conveniente.

O índice do reajuste do FUNDEB está expressamente previsto no parágrafo

único do art. 5º da Lei n. 11.738/2008. A atualização do valor do piso nacional

do magistério da educação básica realiza-se anualmente, no mês de janeiro,

conforme previsão do “caput” do dispositivo legal supracitado. A sistemática

adotada pela chamada Lei do Piso do Magistério para estabelecer critérios de

reajuste não retira controle sobre os orçamentos dos entes federados, cabendo

a estes se organizarem para gestão adequada dos orçamentos e aplicação da lei

vigente.

Restrição da efi cácia da sentença exarada nesta ação civil pública. Pensionistas.

Não inclusão do IPERGS no pólo passivo da lide.

Conquanto a Lei n. 11.738/2008 preveja, expressamente, no seu art. 3º, que as

disposições relativas ao piso salarial de que trata esse diploma normativo serão

aplicadas a todas as aposentadorias e pensões dos profi ssionais do magistério

público da educação básica alcançadas pelo art. 7º da EC n. 41/03, e pela EC n.

47/05, em relação às pensões previdenciárias, qualquer revisão do benefi cio e

eventuais pagamentos de diferenças devem ser reclamadas em face do ente

público responsável por elas, no caso o IPERGS, autarquia previdenciária estadual

criada por lei específi ca, com personalidade jurídica, patrimônio e fi nalidade

próprios.

No caso concreto, não incluído o IPERGS no pólo passivo desta ação civil

pública, a sentença não produz efeitos em relação a ele.

Correção monetária e juros moratórios sobre o principal da condenação.

Realizada a citação do réu nesta ação civil pública após a vigência da Lei n.

11.960/2009, a compensação por mora ocorre exclusivamente pelos índices

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

110

ofi ciais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Nova

redação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 conferida por aquele diploma legal.

Intelecção dos arts. 405 do CC e 219 do CPC.

Reexame necessário. Sentença ilíquida. Súmula 490 do STJ.

Sentença sujeita a reexame necessário, à vista do disposto no inciso I do artigo

475 do CPC, por não se ajustar à exceção prevista no § 2º desse dispositivo legal.

Orientação assentada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que

afi rma a necessidade do reexame obrigatório das sentenças ilíquidas proferidas

contra a União, os Estados, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações

de direito público, independentemente do valor atribuído à causa.

Preliminares rejeitadas. Apelação provida em parte. Sentença confirmada, no

mais, em reexame necessário.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.

O recorrente alega violação ao art. 535, I e II, do CPC/1973, ante a

omissão do acórdão recorrido sobre a interpretação do art. 2º, § 1º, da Lei n.

11.738/2008, já que deixou de explicitar se haveria ou não refl exos automáticos

da implantação do piso mesmo para aqueles professores que já auferem

vencimentos básicos superiores ao estabelecido na lei em comento.

Sustenta contrariedade aos arts. 2º, § 1º, e 6º da Lei n. 11.738/2008, em

virtude da interpretação ampliativa conferida pelo acórdão ora recorrido, que

teria permitido a automática repercussão do piso nacional sobre as classes e

níveis mais elevados da carreira do magistério, inclusive para os professores

que já auferem vencimentos básicos superiores, bem como sobre as vantagens

temporais, adicionais e gratifi cações, sem a necessária edição de lei estadual a

propósito.

Afirma que, em relação aos reflexos sobre as vantagens temporais,

adicionais e gratifi cações, o aresto recorrido contraria o entendimento fi rmado

pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.167, já que a própria

Lei n. 11.738/2008 deixou para os entes federados a edição de leis sobre

a organização da carreira do magistério, em face dos limites impostos pela

Constituição Federal – autonomia legislativa dos entes federados, iniciativa de

cada chefe do poder executivo para propor leis sobre organização das carreiras

e aumento de remuneração de servidores, e necessidade de prévia previsão

orçamentária.

Nesse contexto, assevera que, para que haja alteração da base de cálculo

das gratifi cações e vantagens percebidas pelos professores, seria imprescindível

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 111

a edição de lei específi ca, nos moldes do art. 37, X, da Constituição Federal,

pugnando, ainda, pela a aplicação da Súmula Vinculante 15 do STF, in verbis:

“O cálculo das gratifi cações e outras vantagens do servidor público não incide

sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo.”

Aduz dissídio jurisprudencial quanto aos arts. 2º, § 1º, e 6º da Lei n.

11.738/2008, em relação aos comandos do acórdão recorrido acima

mencionados, em cotejo com o decidido sobre igual tema pelos Tribunais de

Justiça de Santa Catarina e de Minas Gerais.

Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público do Estado do

Rio Grande do Sul (e-STJ fl s. 1.173/1.193).

Decisão de admissão às e-STJ fl s. 1.219/1.243.

O Tribunal de Justiça estadual encaminhou ofício a esta Corte solicitando

o julgamento do recurso como representativo de controvérsia (e-STJ fls.

1.256/1.257).

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso

especial, em parecer assim resumido (e-STJ fl . 1.265):

Constitucional. Administrativo. Processo Civil. Ação civil pública. Servidor

público. Educação: direito social (art. 6º, caput, CR/1988). Qualidade da educação

(art. 205, CF/1988). Valorização profi ssional (art. 206, inc. V, CF/1988). Piso salarial

nacional do magistério em educação básica (art. 7º inc. V, CF/1988). Vencimento

básico inicial. Remuneração global. Reescalonamento da carreira. Repercussão

financeira e limitação orçamentária. Atualização de recursos do FUNDEB

superior à atualização do piso. Existência de recursos suficientes. Princípio

federativo (necessidade de lei estadual para readequar a carreira do magistério

público). Competência concorrente (art. 24, inc. IX e §§, CF/1988). Parecer pelo

desprovimento do recurso especial.

Às e-STJ fl s. 1.291/1.295, a minha antecessora – a em. Ministra Marga

Tessler (Desembargadora Convocada do TRF da 4ª Região) – proferiu decisão

em que afetou o presente recurso à Primeira Seção deste Tribunal (art. 2º da

Resolução/STJ n. 8/2008), a fi m de submeter ao seu exame o tema consistente na

defi nição se os arts. 2º, § 1º, e 6º da Lei n. 11.738/2008 autorizam a automática

repercussão do piso salarial profi ssional nacional quanto aos profi ssionais do

magistério público da educação básica sobre as classes e níveis mais elevados da

carreira, bem assim sobre as vantagens temporais, adicionais e gratifi cações, sem

a edição de lei estadual a respeito, inclusive para os professores que já auferem

vencimentos básicos superiores ao piso.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

112

O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – CPERS

manifestou-se às e-STJ fl s. 1.302/1.322.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator): Primeiramente, cumpre destacar

que, conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, “aos recursos interpostos com

fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março

de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele

prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2).

Na hipótese, o especial foi interposto ainda sob a égide do CPC/1973.

Consoante relatado, além da alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/1973,

o recorrente insurge-se contra a automática repercussão do piso nacional sobre:

a) as classes e níveis mais elevados da carreira do magistério, inclusive para os

professores que já auferem vencimentos básicos superiores; e b) as vantagens

temporais, adicionais e gratifi cações, sem a necessária edição de lei estadual a

propósito.

Aduz, em síntese, que a própria Lei n. 11.738/2008 deixou para os entes

federados a edição de leis sobre a organização da carreira do magistério, em

face dos limites impostos pela Constituição Federal – autonomia legislativa

dos entes federados, iniciativa de cada chefe do poder executivo para propor

leis sobre organização das carreiras e aumento de remuneração de servidores, e

necessidade de prévia previsão orçamentária.

Assevera, ainda, que, para que haja alteração da base de cálculo das

gratifi cações e vantagens percebidas pelos professores, seria imprescindível a

edição de lei específi ca, nos moldes do art. 37, X, da Constituição Federal e

pugna pela aplicação da Súmula Vinculante 15 do STF.

Em relação ao art. 535 do CPC/1973, cumpre destacar que, ainda que

o recorrente considere insubsistente ou incorreta a fundamentação utilizada

pelo Tribunal nos julgamentos realizados, não há necessariamente ausência de

manifestação. Não há como confundir o resultado desfavorável ao litigante com

a falta de fundamentação.

Consoante entendimento desta Corte, o magistrado não está obrigado a

responder a todas as alegações das partes nem tampouco a rebater um a um

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 113

todos seus argumentos, desde que os fundamentos utilizados tenham sido

sufi cientes para embasar a decisão, como ocorre na espécie. Nesse sentido:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual Civil. Acórdão

livre de omissão. Tributário. Execução fi scal. O simples pedido de parcelamento

de crédito tributário que esteja em fase de cobrança judicial e garantido por

penhora, se não for informado ao juiz da execução antes da arrematação, não

tem o condão de suspender a exigibilidade da dívida executada, para o que se

exige, ainda, a homologação do parcelamento. Precedentes do STJ. Acórdão, que,

ademais, é expresso ao afi rmar a má-fé da recorrente em deixar de comunicar,

tão logo fosse possível, a realização do parcelamento, ainda que tal comunicação

tenha ocorrido antes da arrematação. Súmula 7/STJ. Negado provimento ao

agravo regimental.

1. Trata-se, na origem, de embargos à arrematação em execução fi scal do INSS

em que a executada alega a suspensão do crédito tributário pelo parcelamento

e sua comunicação ao Juízo antes da arrematação, pleiteando, assim, sua

desconstituição.

2. A alegada violação ao art. 535, II do CPC não ocorreu, pois a lide foi

fundamentadamente resolvida nos limites propostos. As questões postas a

debate foram decididas com clareza, não se justifi cando o manejo dos Embargos

de Declaração. Ademais, o julgamento diverso do pretendido não implica

ofensa à norma ora invocada. Tendo encontrado motivação sufi ciente, não fi ca

o órgão julgador obrigado a responder, um a um, todos os questionamentos

suscitados pelas partes, mormente se notório seu caráter de infringência do

julgado. Precedente: AgRg no AREsp 12.346/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,

DJe 26.8.2011.

(...)

5. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp 163.417/AL, Relator Ministro

Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 29.9.2014)

Na hipótese, verifi ca-se que o Tribunal de origem não foi omisso quanto

aos temas arguidos, não havendo que se falar em ofensa ao artigo em comento.

Quanto às demais alegações, registre-se que, a fi m de garantir um dos

princípios de ensino no País, estabelecido no art. 206, VIII, da Constituição

Federal (“piso salarial profi ssional nacional para os profi ssionais da educação

escolar pública, nos termos de lei federal”) e no art. 60, III, “e”, do ADCT, foi

editada a Lei n. 11.738/2008, merecendo destaque os seguintes artigos:

(...)

Art. 2º O piso salarial profi ssional nacional para os profi ssionais do magistério

público da educação básica será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

114

mensais, para a formação em nível médio, na modalidade Normal, prevista no

art. 62 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e

bases da educação nacional.

§ 1º O piso salarial profi ssional nacional é o valor abaixo do qual a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fi xar o vencimento inicial

das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no

máximo, 40 (quarenta) horas semanais.

(...)

Art. 3º O valor de que trata o art. 2º desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de

janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos

profi ssionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e

Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte:

I – (Vetado);

II – a partir de 1º de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença

entre o valor referido no art. 2º desta Lei, atualizado na forma do art. 5º desta Lei, e

o vencimento inicial da Carreira vigente;

III – a integralização do valor de que trata o art. 2º desta Lei, atualizado na

forma do art. 5º desta Lei, dar-se-á a partir de 1º de janeiro de 2010, com o

acréscimo da diferença remanescente.

§ 1º A integralização de que trata o caput deste artigo poderá ser antecipada a

qualquer tempo pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

§ 2º Até 31 de dezembro de 2009, admitir-se-á que o piso salarial profi ssional

nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título, nos casos

em que a aplicação do disposto neste artigo resulte em valor inferior ao de que

trata o art. 2º desta Lei, sendo resguardadas as vantagens daqueles que percebam

valores acima do referido nesta Lei.

(...)

Art. 6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar

ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de

dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profi ssional

nacional para os profissionais do magistério público da educação básica,

conforme disposto no parágrafo único do art. 206 da Constituição Federal.

Art. 7º (Vetado)

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Irresignados, os Governadores de alguns Estados (Ceará, Mato Grosso do

Sul, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina) propuseram Ação Direta de

Inconstitucionalidade no STF, questionando os arts. 2º, §§ 1º e 4º, 3º, caput, II e

III, e 8º da Lei em comento.

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 115

O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação, declarando que

os dispositivos questionados estavam em conformidade com a Constituição

Federal. Registrou que, no que aqui interessa, a fi m de não se esvaziar o espírito

da lei, a expressão “piso” não poderia ser interpretada como “remuneração global”,

devendo ser entendida como “vencimento básico inicial”, não compreendendo

vantagens pecuniárias outras, pagas a qualquer título.

Consignou, ainda, que não haveria que se falar em ofensa ao pacto

federativo e à autonomia dos entes federados e tampouco em invasão de

competência das entidades locais. A ementa sintetizou o julgado com o seguinte

teor:

Constitucional. Financeiro. Pacto federativo e repartição de competência. Piso

nacional para os professores da educação básica. Conceito de piso: vencimento

ou remuneração global. Riscos fi nanceiro e orçamentário. Jornada de trabalho:

fi xação do tempo mínimo para dedicação a atividades extraclasse em 1/3 da

jornada. Arts. 2º, §§ 1º e 4º, 3º, caput, II e III e 8º, todos da Lei n. 11.738/2008.

Constitucionalidade. Perda parcial de objeto.

1. Perda parcial do objeto desta ação direta de inconstitucionalidade, na

medida em que o cronograma de aplicação escalonada do piso de vencimento

dos professores da educação básica se exauriu (arts. 3º e 8º da Lei n. 11.738/2008).

2. É constitucional a norma geral federal que fixou o piso salarial dos

professores do ensino médio com base no vencimento, e não na remuneração

global. Competência da União para dispor sobre normas gerais relativas ao piso

de vencimento dos professores da educação básica, de modo a utilizá-lo como

mecanismo de fomento ao sistema educacional e de valorização profi ssional, e

não apenas como instrumento de proteção mínima ao trabalhador.

3. É constitucional a norma geral federal que reserva o percentual mínimo

de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às

atividades extraclasse.

Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Perda de objeto

declarada em relação aos arts. 3º e 8º da Lei n. 11.738/2008. (ADI 4.167/DF, Relator

Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 24.8.2011).

Em sede de embargos de declaração, o Supremo Tribunal Federal realizou

a modulação temporal dos efeitos da declaração de constitucionalidade,

destacando que o pagamento do piso do magistério como vencimento básico

inicial da carreira, nos moldes como estabelecido na Lei n. 11.738/2008, passaria

a ser aplicável a partir de 27.4.2011, data do julgamento do mérito da ação, em

julgado assim resumido:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

116

Embargos de declaração. Propósito modifi cativo. Modulação temporal dos

efeitos de declaração de constitucionalidade. Acolhimento parcial. Agravo

regimental. Eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de

constitucionalidade que forem objeto de recurso de embargos de declaração.

Perda de objeto. Piso Nacional do Magistério da Educação Básica.

1. A Lei n. 11.738/2008 passou a ser aplicável a partir de 27.4.2011, data do

julgamento de mérito desta ação direta de inconstitucionalidade e em que

declarada a constitucionalidade do piso dos professores da educação básica.

Aplicação do art. 27 da Lei n. 9.868/2001.

2. Não cabe estender o prazo de adaptação fi xado pela lei, nem fi xar regras

específicas de reforço do custeio devido pela União. Matéria que deve ser

apresentada a tempo e modo próprios aos órgãos competentes.

3. Correções de erros materiais.

4. O amicus curie não tem legitimidade para interpor recurso de embargos de

declaração. Embargos de declaração opostos pelo Sindifort não conhecidos.

5. Com o julgamento dos recursos de embargos de declaração, o agravo

regimental interposto da parte declaratória do despacho que abriu vista dos

autos à União e ao Congresso Nacional perdeu seu objeto.

Recursos de embargos de declaração interpostos pelos Estados do Rio Grande

do Sul, Ceará, Santa Catarina e Mato Grosso parcialmente acolhidos para (1)

correção do erro material constante na ementa, para que a expressão “ensino

médio” seja substituída por “educação básica”, e que a ata de julgamento seja

modifi cada, para registrar que a “ação direta de inconstitucionalidade não foi

conhecida quanto aos arts. 3º e 8º da Lei n. 11.738/2008, por perda superveniente

de seu objeto, e, na parte conhecida, ela foi julgada improcedente”, (2) bem

como para estabelecer que a Lei n. 11.738/2008 passou a ser aplicável a partir de

27.4.2011.

Agravo regimental interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul que se julga

prejudicado, por perda superveniente de seu objeto. (ADI 4.167 ED/DF, Relator

Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 9.10.2013).

Feitas essas considerações, assiste razão ao recorrente ao sustentar que

a Lei em comento – como regra geral – não teria permitido a automática

repercussão do piso nacional sobre as classes e níveis mais elevados da carreira

do magistério e tampouco o refl exo imediato sobre as vantagens temporais,

adicionais e gratifi cações.

Com efeito, partindo-se do entendimento (intangível para o STJ) já estabelecido

pelo STF – de que o piso corresponde ao vencimento básico inicial –, pode-se afi rmar

que a Lei n. 11.738/2008 limitou-se a estabelecer o piso salarial: valor mínimo

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 117

a ser pago pela prestação do serviço de magistério, abaixo do qual a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fi xar o vencimento

inicial das carreiras do magistério público da educação básica.

Assim, não há que se falar em reajuste geral para toda a carreira do

magistério, não havendo nenhuma determinação de incidência escalonada com

aplicação dos mesmos índices utilizados para a classe inicial da carreira.

Nesse contexto, apenas aqueles profi ssionais que, a partir de 27.4.2011

(consoante o entendimento do STF), percebessem valores inferiores ao piso

legalmente fi xado seriam benefi ciados com as disposições legais, não havendo

qualquer repercussão para os demais professores que, naquela data, já auferiam

vencimentos básicos superiores ao estabelecido na lei em comento.

Da mesma forma, não há que se falar em reflexo imediato sobre as

vantagens temporais, adicionais e gratifi cações.

Essa, portanto, é a premissa geral a ser utilizada na interpretação em

questão: a Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, apenas determinou que o

vencimento inicial das carreiras do magistério público da educação básica deve

corresponder ao piso salarial profi ssional nacional, sendo vedada a fi xação do

vencimento básico (entendimento do STF) em valor inferior, não havendo

qualquer determinação de reescalonamento de toda a carreira e refl exo imediato

sobre as demais vantagens e gratifi cações.

Faz-se mister destacar, entretanto, que os temas não se exaurem com o

estabelecimento dessa premissa geral. Explico. Uma vez determinado pela Lei

n. 11.738/2008 que os entes federados devem fi xar o vencimento básico das

carreiras no mesmo valor do piso salarial profi ssional, as questões trazidas pelo

recorrente somente podem ser defi nitivamente respondidas pelos Tribunais a

quo, a partir da análise das legislações locais.

Com efeito, se em determinada lei estadual, que institui o plano de carreira

do magistério naquele estado, houver a previsão de que as classes da carreira

serão remuneradas com base no vencimento básico, consequentemente a adoção

do piso nacional refl etirá em toda a carreira.

O mesmo ocorre com as demais vantagens e gratifi cações. Se na lei local

existir a previsão de que a vantagem possui como base de cálculo o vencimento

inicial, não haverá como se chegar a outro entendimento, senão o de que a

referida vantagem sofrerá necessariamente alteração com a adoção do piso

salarial nacional.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

118

Esta verifi cação, repita-se, compete exclusivamente aos Tribunais locais,

já que é defesa a análise de lei local em sede de recurso especial, nos termos

da Súmula 280 do STF, in verbis: “Por ofensa a direito local não cabe recurso

extraordinário.”

Na hipótese dos autos, verifica-se que o Tribunal de Justiça estadual

limitou-se a consignar que a determinação constante na Lei em questão

repercute nas vantagens, gratifi cações e no plano de carreira, olvidando-se

de analisar especifi camente o caso concreto, a situação dos profi ssionais do

magistério do Estado do Rio Grande do Sul.

Consoante sustenta o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande

do Sul – CPERS, na manifestação de e-STJ fl s. 1.302/1.322, a Lei Estadual

n. 6.672/1974, que disciplinou o Estatuto e Plano de Carreira do Magistério

Público daquele Estado, previu que os vencimentos dos professores se daria em

percentual incidente sobre o vencimento básico. Essa questão, entretanto, como

já assinalado anteriormente, não pode ser dirimida pelo STJ em sede de recurso

especial.

Assim, afastou-se o Tribunal de origem do entendimento acima explicitado,

utilizando fundamento inválido para o julgamento da apelação quanto aos

temas ora analisados.

Apenas para evitar maiores questionamentos, mostra-se oportuno destacar

que a Lei n. 11.738/2008 determinou expressamente que os entes federados

deveriam elaborar ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do

Magistério, a fi m de dar cumprimento ao previsto na Lei. Esse é o teor do art.

6º:

Art. 6º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar

ou adequar seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério até 31 de

dezembro de 2009, tendo em vista o cumprimento do piso salarial profi ssional

nacional para os profissionais do magistério público da educação básica,

conforme disposto no parágrafo único do art. 206 da Constituição Federal.

Nesse diapasão, verifi ca-se que os entes federados tiveram tempo sufi ciente

para vislumbrar o impacto fi nanceiro e readequar suas legislações, não cabendo

buscar pela via judicial protelar o cumprimento da lei ou alcançar providência

que não cuidaram de adotar oportunamente.

Por fi m, registre-se que as considerações do recorrente acerca dos limites

impostos pela Constituição Federal – autonomia legislativa dos entes federados,

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Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 85-119, janeiro/março 2017 119

iniciativa de cada chefe do poder executivo para propor leis sobre organização

das carreiras e aumento de remuneração de servidores, e necessidade de prévia

previsão orçamentária –, bem como sobre a necessidade de edição de lei

específi ca, nos moldes do art. 37, X, da Constituição Federal, além de já terem

sido analisadas pelo STF no julgamento da ADI, refogem dos limites do

recurso especial.

Com essas considerações, para o fim preconizado no art. 1.039 do

CPC/2015, e na esteira do que já foi decidido pelo STF, assento a seguinte tese:

“a Lei n. 11.738/2008, em seu art. 2º, § 1º, ordena que o vencimento inicial das

carreiras do magistério público da educação básica deve corresponder ao piso

salarial profi ssional nacional, sendo vedada a fi xação do vencimento básico em

valor inferior, não havendo determinação de incidência automática em toda

a carreira e refl exo imediato sobre as demais vantagens e gratifi cações, o que

somente ocorrerá se estas determinações estiverem previstas nas legislações

locais.”

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, para cassar o

acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo a fi m

de que reaprecie as questões referentes à incidência automática da adoção

do piso salarial profi ssional nacional em toda a carreira do magistério e ao

refl exo imediato sobre as demais vantagens e gratifi cações, de acordo com o

determinado pela lei local.

É como voto.

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Primeira Turma

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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL N. 1.149.493-BA

(2009/0136194-7)

Relator: Ministro Sérgio Kukina

Agravante: Adrieli Lima de Oliveira

Procurador: Defensoria Pública da União

Agravado: Ministério Público Federal

Interes.: Adriana Lacerda Santos

Advogado: Sem representação nos autos - SE000000M

EMENTA

Administrativo. Processual Civil. Agravo interno no recurso

especial. Improbidade administrativa. Inteligência do art. 2º da Lei n.

8.429/1992. Estagiária da Caixa Econômica Federal. Enquadramento

no conceito de agente público. Legitimidade para fi gurar no polo

passivo da subjacente ação civil pública. Agravo desprovido.

1. O art. 2º da Lei n. 8.429/1992 dispõe: “Reputa-se agente

público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda

que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,

designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou

vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas

no artigo anterior” (entidades essas integrantes da “administração

direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da união,

dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de

empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja

criação ou custeio o erário haja contribuído ou concorra com mais de

cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual” - art. 1º do

mencionado diploma).

2. Como já teve o ensejo de consignar esta Corte, “o alcance

conferido pelo legislador quanto à expressão ‘agente público’ possui

expressivo elastério, o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de

improbidade administrativa não sejam apenas os servidores públicos,

mas, também, quaisquer outras pessoas que estejam de algum modo

vinculadas ao Poder Público” (REsp 1.081.098/DF, Rel. Ministro Luiz

Fux, Primeira Turma, DJe 3.9.2009).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

124

3. No caso dos autos, a agravante, estagiária da Caixa Econômica

Federal, possuía, sim, vínculo - ainda que transitório e de caráter

educativo - com essa empresa pública federal, tendo, segundo as

alegações do Parquet (as quais poderão ser comprovadas ou não, com

o regular curso da subjacente ação civil pública), utilizado-se de tal

condição para auferir vantagem econômica, por meio da realização

de saques irregulares de contas de clientes da instituição fi nanceira.

Portanto, não há como deixar de reconhecer a sua legitimidade para

fi gurar no polo passivo da demanda. Precedente específi co: REsp

1.352.035/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe

8.9.2015.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, Prosseguindo o julgamento, após o

voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencido o Sr.

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, negar provimento ao agravo interno, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa,

Gurgel de Faria (RISTJ, art. 162, § 4º, segunda parte) e Benedito Gonçalves

(voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Sérgio Kukina, Relator

DJe 6.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de agravo interno desafi ando

decisão monocrática pela qual dei provimento ao recurso especial interposto

pelo Ministério Público Federal para determinar que a instância de origem,

afastada a ilegitimidade da estagiária da Caixa Econômica Federal para fi gurar

no polo passivo de ação civil pública por ato de improbidade administrativa,

desse regular curso ao feito.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 125

A parte recorrente, representada pela Defensoria Pública da União,

sustenta que: (I) o entendimento adotado transborda da análise dos requisitos

de admissibilidade do recurso, não se enquadrando na permissão do art. 932,

inciso V do NCPC, pois não há, a respeito da matéria, jurisprudência pacifi cada;

e (II) a atividade desenvolvida por estagiários não está abrangida pela Lei de

Improbidade Administrativa, pois que não se trata de mandato, cargo, emprego

ou função.

Devidamente intimado para apresentar impugnação, o Parquet federal

pugnou pelo desprovimento do agravo interno (fl s. 285/291).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): A irresignação não merece

acolhida.

Inicialmente, ressalto que, nos temos da Súmula 568 desta Corte, editada

sob a égide do novo CPC, “O relator, monocraticamente e no Superior

Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver

entendimento dominante acerca do tema”.

Por outro lado, o fi rme entendimento deste Superior Tribunal, no sentido

de que eventual nulidade da decisão monocrática, por ofensa ao art. 557 do

CPC/1973, fi ca superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado (a

título de exemplo, AgInt no AREsp 892.265/RS, Relator Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, DJe 23.8.2016), é plenamente aplicável às decisões

proferidas na vigência do novo diploma processual civil.

Não há falar, por esses motivos, em nulidade da decisão singular ora

impugnada.

Quanto ao mérito, relembro que o art. 2º da Lei n. 8.429/1992 dispõe,

verbis: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,

designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,

mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo

anterior” (entidades essas integrantes da “administração direta, indireta ou

fundacional de qualquer dos poderes da união, dos Estados, do Distrito Federal,

dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

126

de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja contribuído ou concorra

com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual” - art. 1º do

mencionado diploma).

Pois bem, como já teve o ensejo de consignar esta Corte, “o alcance

conferido pelo legislador quanto à expressão ‘agente público’ possui expressivo

elastério, o que faz com que os sujeitos ativos dos atos de improbidade

administrativa não sejam apenas os servidores públicos, mas, também, quaisquer

outras pessoas que estejam de algum modo vinculadas ao Poder Público” (REsp

1.081.098/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.9.2009)

Ora, a agravante, estagiária da Caixa Econômica Federal, possuía, sim,

vínculo - ainda que transitório e de caráter educativo - com essa empresa

pública federal, tendo, segundo as alegações do Parquet (as quais poderão ser

comprovadas ou não, com o regular curso da subjacente ação civil pública),

utilizado-se de tal condição para auferir vantagem econômica, por meio da

realização de saques irregulares de contas de clientes da instituição fi nanceira.

Portanto, não há como deixar de reconhecer a sua legitimidade para fi gurar no

polo passivo da demanda. Nessa linha de percepção, trago à colação a ementa do

precedente utilizado como razão de decidir pelo decisum ora impugnado:

Improbidade administrativa. Estagiária. Enquadramento no conceito de

agente público preconizado pela Lei n. 8.429/1992. Precedentes. Recurso especial

provido.

1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta

pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, contra Michele Pires Xavier,

ora recorrida, objetivando a condenação por ato ímprobo, praticado quando

a recorrida era estagiária da CEF, consistente na apropriação de valores que

transferiu da conta de um cliente, utilizando, para tanto, senha pessoal de uma

funcionária da CEF, auferindo um total de R$ 11.121,27 (onze mil, cento e vinte e

um reais e vinte e sete centavos).

2. O Juiz de 1º Grau julgou o pedido procedente.

3. O Tribunal a quo negou provimento aos Embargos Infringentes do ora

recorrente, e assim consignou na decisão: “Por isso mesmo, não se pode considerar

probo o contexto em que um estagiário possui poder semelhante ao de um

agente público, reclamando cautela a imposição das reprimendas cominadas à

improbidade administrativas a eventual excesso do estagiário.” (fl . 476).

4. Contudo, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei

n. 8.429/1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,

designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,

mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 127

5. Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente,

remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado

pela Lei n. 8.429/1992. Nesse sentido: REsp 495.933-RS, Ministro Luiz Fux, Primeira

Turma, DJe 19.4.2004, MC 21.122/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.3.2014.

6. Ademais, as disposições da Lei n. 8.429/1992 são aplicáveis também àquele

que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato

de improbidade ou dele se benefi cie sob qualquer forma, direta ou indireta, pois

o objetivo da Lei de Improbidade é não apenas punir, mas também afastar do

serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função

pública.

7. Recurso Especial provido.

(REsp 1.352.035/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe

8.9.2015)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Administrativo. Agravo interno no recurso especial.

Improbidade administrativa. Conduta praticada por estagiária.

Enquadramento no conceito de agente público previsto no art. 2º

da Lei n. 8.429/1992. Possibilidade. Agravo interno não provido,

acompanhando o relator Ministro Sérgio Kukina.

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Como bem delimitado no voto

proferido pelo Ministro Sérgio Kukina, trata-se de agravo interno interposto

por Adrieli Lima de Oliveira contra decisão monocrática que deu provimento

ao recurso especial, interposto pelo ora agravado, para afastar a ilegitimidade

passiva da requerida e determinar o prosseguimento da ação civil pública de

improbidade.

O Ministro Relator nega provimento ao apelo ao fundamento de que a

agravante possuía vínculo com a Caixa Econômica Federal e que realizou saques

indevidos em contas de clientes, utilizando-se de sua posição na instituição.

A Ministra Regina Helena Costa acompanhou o voto do Ministro Sérgio

Kukina e o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho divergiu do relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

128

Na sequência, pedi vista.

Com efeito, conforme já decidi no REsp 1.419.592/CE, “a novel

jurisprudência desta Corte entende que o estagiário que atua no serviço público,

ainda que transitoriamente, remunerado ou não, está sujeito a responsabilização

por ato de improbidade administrativa.”

A propósito:

Improbidade administrativa. Estagiária. Enquadramento no conceito de

agente público preconizado pela Lei n. 8.429/1992. Precedentes. Recurso especial

provido.

1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta

pelo Ministério Público Federal, ora recorrente, contra Michele Pires Xavier,

ora recorrida, objetivando a condenação por ato ímprobo, praticado quando

a recorrida era estagiária da CEF, consistente na apropriação de valores que

transferiu da conta de um cliente, utilizando, para tanto, senha pessoal de uma

funcionária da CEF, auferindo um total de R$ 11.121,27 (onze mil, cento e vinte e

um reais e vinte e sete centavos).

2. O Juiz de 1º Grau julgou o pedido procedente.

3. O Tribunal a quo negou provimento aos Embargos Infringentes do ora

recorrente, e assim consignou na decisão: “Por isso mesmo, não se pode considerar

probo o contexto em que um estagiário possui poder semelhante ao de um

agente público, reclamando cautela a imposição das reprimendas cominadas à

improbidade administrativas a eventual excesso do estagiário.” (fl . 476).

4. Contudo, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei

n. 8.429/1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que

exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,

designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,

mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública.

5. Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente,

remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado

pela Lei n. 8.429/1992. Nesse sentido: REsp 495.933-RS, Ministro Luiz Fux, Primeira

Turma, DJe 19.4.2004, MC 21.122/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.3.2014.

6. Ademais, as disposições da Lei n. 8.429/1992 são aplicáveis também àquele

que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato

de improbidade ou dele se benefi cie sob qualquer forma, direta ou indireta, pois

o objetivo da Lei de Improbidade é não apenas punir, mas também afastar do

serviço público os que praticam atos incompatíveis com o exercício da função

pública.

7. Recurso Especial provido (REsp 1.352.035/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin,

Segunda Turma, DJe 8.9.2015).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 129

Também nesse sentido, a decisão monocrática da lavra da Ministra Regina

Helena Costa no REsp 1.407.741/RS, publicada no DJe em 14.10.2016.

Com essas breves considerações, acompanho o Relator, Ministro Sérgio

Kukina, para negar provimento ao agravo interno.

É o voto.

VOTO VENCIDO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente, no

meu entender, não há demonstração de situação que justifi que colocar as duas

estagiárias como agentes públicos. Não há justa causa nessa inicial.

2. Voto pelo provimento do Agravo Interno.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE

SEGURANÇA N. 31.221-AL (2009/0247134-0)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Agravante: Cícero Amélio da Silva e outro

Advogados: Adelmo Sérgio Pereira Cabral

Carlos Barros Mero e outro(s)

Agravante: Assembléia Legislativa do Estado de Alagoas

Advogado: Adelmo Sérgio Pereira Cabral e outro(s)

Agravado: Ordem dos Advogados do Brasil Seção Alagoas

Advogado: Mariana Oliveira de Melo Cavalcanti

Interes.: Estado de Alagoas

Procurador: Sérgio Ricardo Freire de Sousa Pepeu e outro(s)

EMENTA

Administrativo e Processual Civil. Agravo regimental no recurso

ordinário em mandado de segurança coletivo impetrado pela Ordem

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

130

dos Advogados do Brasil-Seção Alagoas contra ato de autoridade

da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas que deflagrou

processo para preenchimento de vaga que, aos olhos da impetrante,

não pertenceria ao Legislativo. Pertinência subjetiva da OAB para

propor MS em defesa da ordem jurídica do Estado Democrático

de Direito, assim como em favor dos advogados componentes do

seu quadro. Precedentes: RMS 36.483/RJ, rel. Min. Alderita Ramos

de Oliveira, DJe 29.8.2012; RMS 1.906/MT, rel. Min. Francisco

Peçanha Martins, DJ 25.10.1993. Agravo regimental desprovido.

1. A questão de fundo se circunscreve em saber se a Ordem dos

Advogados do Brasil, Seccional de Alagoas, tem legitimidade ativa

para o Mandado de Segurança Coletivo que objetiva assegurar o

correto procedimento de escolha de candidato para ocupar vaga de

Conselheiro de Tribunal de Contas do Estado.

2. O estatuto regulamentador da profi ssão, Lei n. 8.906/1994,

prevê, em seu art. 44, a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil

como serviço público destinado a defender a Constituição, a ordem

jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça

social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração

da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

Ampliou-se a compreensão da Lei n. 4.215/1963, que preteritamente

regulava a profi ssão, e que previa caber à OAB apenas representar,

em juízo e fora dele, os interesses gerais da classe dos Advogados e os

individuais, relacionados com o exercício da Advocacia.

3. Assinale-se o caráter ambivalente da Entidade: luta pelos

interesses corporativos, como também pelos Direitos Humanos e

pela supremacia da Ordem Democrática, possuindo mandato

constitucional para tomar parte de todas essas questões.

4. Assim, é inegável que, caso futuramente se entenda, no

mérito do mandamus, que ocorreu violação às regras procedimentais

levadas a efeito pela Assembleia Legislativa Alagoana na escolha

de Conselheiro, a assunção do Membro do TCE teria ocorrido em

afronta à legalidade, exsurgindo, portanto, a legitimidade da Entidade

Advocatícia, ainda que não tivesse pretensão alguma a que a vaga fosse

preenchida por algum Advogado.

5. Contrariamente aos esforços argumentativos dos Agravantes,

esta Corte Superior não pode, no presente Recurso Ordinário em MS,

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 131

suprimir a competência originária do TRF da 5ª Região para dizer se

há ou não previsão legal de reserva de vaga nos Tribunais de Contas

para Advogados, até porque o que pretende a parte Agravada, OAB/

AL, é justamente que o feito seja apreciado no mérito, a fi m de que

sejam sindicados todos os elementos concernentes ao preenchimento

da vaga na Corte Alagoana de Contas.

6. Agravo Regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo

Regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina (Presidente), Regina

Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 5 de maio de 2016 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 18.5.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Agravo

Regimental interposto por Cícero Amélio da Silva e por Assembleia Legislativa

do Estado de Alagoas às fl s. 297/304, a partir do qual objetiva a reforma ou a

reconsideração da decisão de minha lavra proferida às fl s. 284/292, que deu

provimento ao Recurso Ordinário da OAB/AL para determinar a apreciação

meritória do mandamus, dado o reconhecimento da legitimidade da OAB/

AL para o tema de fundo questionado. Confi ra-se a ementa do decisum ora

impugnado:

Administrativo e Processual Civil. Mandado de segurança coletivo impetrado

pela Ordem dos Advogados do Brasil-Seção Alagoas contra ato de autoridade

da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas que defl agrou processo para

preenchimento da vaga que, aos olhos da entidade impetrante, não pertenceria

ao Legislativo. Pertinência subjetiva da OAB para propor writ em defesa da

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ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, assim como em favor de seus

associados. Precedente: RMS 36.483/RJ, rel. p/ acórdão Min. Alderita Ramos de

Oliveira, DJe 29.8.2012. Recurso ordinário conhecido e provido para declarar

a legitimidade ativa da Ordem dos Advogados do Brasil quanto à impetração

em espeque, cassando, por consequência, o acórdão recorrido, determinando

a devolução dos autos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a fi m de que

aprecie a impetração em seus aspectos meritórios. Urgência (fl s. 284/292).

2. O Agravante sustenta, em síntese, inexistir vaga para integrante da

OAB/AL a ser ocupada no Tribunal de Contas Alagoano, motivo pelo qual a

Entidade não ostenta legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança

que cuide do preenchimento da cadeira. Pede seja exercido o juízo de retratação

ou seja o feito submetido a julgamento pelo Órgão Colegiado desta Corte

Superior.

3. Intimada, a Seccional Alagoana da Entidade apresentou impugnação às

fl s. 309/354, aduzindo que, apesar de a Ordem dos Advogados do Brasil possuir,

em tese, legitimidade ad causam para tratar de temas que superam questões

de interesse meramente corporativo, afi rmou a inadequação da via eleita do

Mandado de Segurança, bem como estatuiu não haver legitimidade para que

a Vice-Presidente do Conselho Seccional Alagoano assinasse a postulação da

segurança, tendo agido para além dos limites de sua competência (fl s. 326).

4. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Não obstantes

os argumentos esposados pelos Agravantes, a decisão agravada não merece ser

modifi cada.

2. A questão de fundo se circunscreve em saber se a Ordem dos Advogados

do Brasil, Seção Alagoas, tem legitimidade ativa para Mandado de Segurança

Coletivo que objetiva assegurar o correto procedimento de escolha de candidato

que ocupará vaga de Conselheiro de Tribunal de Contas do Estado.

3. Conforme se dessume da exordial, pretende a Entidade garantir

que os Advogados possam concorrer à vaga, sob o argumento de que, com

a ocorrência da aposentadoria de um dos Conselheiros em setembro/2007,

não poderia a Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas iniciar processo

para preenchimento da vacância surgida como se de sua indicação fosse, em

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 133

detrimento dos Advogados. Conforme se dessume dos autos, o TRF da 5ª

Região extinguiu o mandamus sem resolução de mérito, ao fundamento de

ilegitimidade ativa da OAB/AL para o feito (preenchimento de vaga no TCE/

AL).

4. Sobre o tema, é cediço que a legitimação ordinária para a propositura de

ações em geral está prevista no art. 6o. do CPC, segundo o qual ninguém poderá

pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. Resulta

desse dispositivo que as hipóteses de legitimação extraordinária, na qual se

pleiteia em nome próprio direito alheio, devem ser expressamente previstas em

lei.

5. Por sua vez, estabelece o art. 5º, LXX, b da Carta Magna de 1988 que

o Mandado de Segurança Coletivo pode ser impetrado por organização sindical,

Entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo

menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

6. Por oportuno, a Carta Cidadã dispõe especialmente sobre o Advogado

como profi ssional indispensável à administração da Justiça (art. 133), sendo

certo que o estatuto regulamentador da profi ssão, Lei n. 8.906/1994, prevê, em

seu art. 44, a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil como serviço público

destinado a defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de

direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela

rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições

jurídicas. Ampliou-se a compreensão da Lei n. 4.215/1963, que preteritamente

regulava a profi ssão, e que previa caber à OAB apenas representar, em juízo e fora

dele, os interesses gerais da classe dos Advogados e os individuais, relacionados com o

exercício da profi ssão.

7. Não se trata, como se vê, de fi nalidade meramente classista, provinciana,

limitada a simples interesses da classe profi ssional advocatícia. Contrariamente,

dirige-se à elevada preservação da ordem jurídica do Estado Democrático de

Direito.

8. Pois bem. Feita essa colheita legislativa sobre o Mandado de Segurança e

sobre a Advocacia, extrai-se da situação em exame que a Ordem dos Advogados

do Brasil, por sua Seccional Alagoana, ostenta legitimidade ativa para

impetrar mandamus contra ato de autoridade pública que alegadamente estaria

inobservando as normas constitucionais e legais quanto ao preenchimento da

vaga em Tribunal de Contas, especialmente pela possibilidade de um Advogado

ser escolhido Conselheiro daquela Corte.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

134

9. Nessa específi ca situação, dúvida não há que a Entidade defende não

apenas direitos dos Advogados componentes do seu quadro, mas também a

própria ordem jurídica e o perfeito funcionamento do Estado Democrático

de Direito, como dito. É inegável que, caso futuramente se entenda, no mérito

do mandamus, que ocorreu violação às regras procedimentais levadas a efeito

pela Assembleia Legislativa Alagoana na escolha de Conselheiro, a assunção

do Membro do TCE teria ocorrido em afronta à legalidade, exsurgindo,

irreprochavelmente, a legitimidade da Entidade advocatícia, ainda que não

tivesse pretensão alguma a que a vaga fosse concorrida e preenchida por

Advogados.

10. Mas, no caso específi co, há interesse dos Advogados globalmente

considerados, de modo que, muito embora se saiba, pelo Princípio Filosófi co da

Contingência, que a existência não se pressupõe de sua essência, ou seja, não se sabe

se, necessariamente, um Advogado seria alçado à vaga de Conselheiro do TCE,

o fato é que não se pode exonerar a possibilidade de que isso ocorra, desde que

se permita ao Advogado concorrer à vaga que julga ser elegível. Essa é a tese

esposada na presente Impetração, tendo a OAB efetiva pertinência subjetiva

para defender os interesses de seus associados, para além da própria ordem

jurídica do Estado de Direito.

11. Não pode ser aceito o fundamento do Tribunal de origem segundo

o qual se a Ordem detivesse a legitimidade ativa ampla para propor ações em

defesa de interesses individuais, coletivos e difusos, sempre que a ordem jurídica

resultasse maculada, poderia propor todas as demandas possíveis e imagináveis (fl s.

165), pois, a prevalecer o fundamento do Acórdão a quo, se estaria retirando a

legitimidade ativa da Entidade pela simples circunstância de lhe ser franqueada

constitucionalmente o ajuizamento de inúmeras ações em defesa da ordem

jurídica, o que resultaria numa espécie de argumentum ad hominem frente à

Entidade de Advogados.

12. Nessa ordem de ideias, exsurge em reforço aos argumentos da ora

Recorrente a inteligência da Súmula 630 da Corte Suprema, segundo a qual

a Entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a

pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

13. A legitimidade da OAB/AL, ao que se dessume da análise da demanda,

pode se circunscrever a interesse de parte dos integrantes da entidade, ex

vi Súmula 630/STF, como também pode transcender os limites da matéria

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 135

relativa à classe, conforme a inteligência da Constituição Federal e da Lei

regulamentadora da profi ssão advocatícia, para açambarcar amplíssimos temas

dos Direitos Humanos e do Regime Democrático de Direito – talvez não haja

ninguém melhor que os Advogados para debatê-los.

14. As intervenções no movimento Diretas Já e na Constituinte de 87/88,

no aprimoramento da Lei da Ficha Limpa, em petições nos procedimentos

de Impeachment, em campanhas nacionais de Combate à Violência contra a

Mulher, em iniciativas contra a cobrança abusiva de tributos, apenas para citar

casos mais recentes, são provas de que a OAB não se esconde nas fortalezas

das vontades interna corporis. Por isso, assinale-se o caráter ambivalente da

Entidade: luta pelos interesses corporativos, por um lado, como também pelos

Direitos Humanos, pela supremacia da Ordem Democrática, por outro. A OAB

possui mandato constitucional para tomar parte de todas essas questões.

15. Posto isto, esta Corte Superior alberga a tese brandida pelo Recorrente,

conforme se verifi ca do seguinte julgado:

Recurso em mandado de segurança. Legitimidade ativa da Ordem dos

Advogados do Brasil. Substituta processual. Mandado de segurança individual.

Interpretação conjunta e sem restrição do art. 5º, inciso XXI da CRFB com o art.

44, inciso II, da Lei n. 8.096/1994. Inteligência da Súmula 630 do STF. Art. 515,

§ 3º do CPC. Inaplicabilidade ao recurso ordinário em mandado de segurança.

Transformação da competência recursal do STJ em originária. Obediência ao texto

constitucional. Precedentes desta Corte. Recurso ordinário provido por maioria.

1. Pode a entidade de classe impetrar mandado de segurança em favor do seu

associado, desde que previamente autorizada, sendo certo que não há distinção,

no inciso XXI do art. 5º da CRFB, se em ação individual ou coletiva. Ademais, tal

dispositivo constitucional deve ser interpretado sem qualquer restrição e em

conjunto com o art. 44, inciso II, da Lei n. 8.096/1994.

2. O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema encontra-se

consagrado na Súmula 630, segundo a qual A entidade de classe tem legitimação

para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse

apenas a uma parte da respectiva categoria.

3. A Constituição Federal previu expressamente as hipóteses de competência

originária e recursal deste Superior Tribunal de Justiça (art. 105, incisos I e II).

Desse modo, a aplicação do art. 515, § 3º do CPC ao recurso ordinário, com a

consequente transformação da competência recursal desta Corte em originária,

incorreria em flagrante contrariedade ao texto constitucional e configuraria

evidente usurpação da competência do Tribunal local para apreciação do mérito

da demanda. Precedentes do STJ e do STF.

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4. Recurso em Mandado de Segurança provido, por maioria, para reconhecer

a legitimidade ativa da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado

do Rio de Janeiro e determinar a devolução dos autos à Corte a quo para o

julgamento do mérito do mandado de segurança (RMS 36.483/RJ, Rel. p/ Acórdão

Min. Alderita Ramos de Oliveira, DJe 29.8.2012).

Recurso ordinario. Mandado de segurança coletivo. Concurso publico. Cargo

de Promotor de Justiça. Legitimidade da OAB/MT.

1. A Seccional de Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil tem

legitimidade para impetrar Mandado de Segurança Coletivo em favor de seus

associados impugnando a limitação de idade no concurso para o cargo de

Promotor de Justiça.

2. Recurso provido para afastar a decretação de carencia de ação (RMS 1.906/

MT, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 25.10.1993, p. 22.468).

16. Muito embora aleguem os Agravantes que nenhuma das vagas [do

Tribunal de Contas de Alagoas] destina-se à Ordem, nem esta interfere na formação

de listas ou indicação dos eleitos (fl s. 298), trata-se de tema de fundo sobre o qual

deve se manifestar o TRF da 5ª Região, tão logo os autos sejam devolvidos a

esta Corte para julgamento do mandamus.

17. O fato é que, contrariamente aos esforços argumentativos dos

Agravantes, esta Corte Superior não pode, neste Recurso Ordinário, suprimir a

competência originária do TRF da 5ª Região para dizer se há ou não previsão

legal de reserva de vaga nos Tribunais de Contas para Advogados, até porque o

que pretende a parte Agravada, OAB/AL, é justamente que o feito seja apreciado

no mérito, a fi m de que sejam sindicados todos os elementos concernentes ao

preenchimento da vaga na Corte Alagoana de Contas. Nada mais.

18. Noutras palavras, os argumentos expendidos pelos Agravantes –

conducentes a quem pode ou não concorrer a vaga no TCE/AL – terminam

por auxiliar a compreensão de que o feito deve ser com urgência remetido ao

Tribunal a quo, para que melhor diga a respeito do tema.

19. Desse modo, deve ser mantida a decisão agravada que, reformado o

Acórdão a quo, declarou a legitimidade ativa da Ordem dos Advogados do

Brasil quanto à impetração em espeque e determinou a devolução dos autos ao

Tribunal Regional Federal da 5ª Região, para julgamento de mérito.

20. Diante dessas considerações, nega-se provimento ao Agravo

Regimental de Cícero Amélio da Silva e Assembleia Legislativa do Estado de

Alagoas. É como voto.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 137

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.372.917-SC

(2013/0065776-5)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Agravante: Ministério Público Federal - MPF

Agravado: Maurício da Silva

Advogados: Cláudio Scarpeta Borges e outro(s) - SC008461

Patrícia Muller - SC018295

Interes.: Ministério Público do Estado de Santa Catarina

EMENTA

Administrativo. Processual Civil e sancionador. Agravo

regimental. Ação civil pública. Imputação da prática de ato de

improbidade administrativa, com base nos arts. 10 e 11 da Lei n.

8.429/1992. Cumulação do mandato de vereador com outro cargo

público. Necessidade de manifestação, pelo órgão julgador, acerca

da existência ou não do elemento subjetivo na conduta do agente,

o que não ocorreu na espécie, razão pela qual impõe-se a pronúncia

de nulidade do aresto de rescisória. Agravo regimental do MPF

parcialmente provido e, em desdobramento, recurso especial do

autor da ação rescisória parcialmente provido para reconhecer a

indispensabilidade da afi rmação sobre a presença do dolo, ainda que

genérico, para a confi guração da conduta prevista no art. 11 da LIA,

determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que a

rescisória seja reexaminada também sob tal premissa.

1. A Lei 8.429/1992 é instrumento salutar na defesa da

moralidade administrativa; porém, sua aplicação deve ser feita com

cautela, evitando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis

e meras irregularidades. Precedente: REsp 996.791/PR, Rel. Min.

Herman Benjamin, DJe 27.4.2011.

2. Mostra-se imperioso que se separem os atos apenasmente

ilegais ou irregulares e os eivados de intuito malsão, propósito maléfi co

ou ânimo de afrontar os dispositivos escritos no sistema jurídico, sob

pena de se universalizar a imputação meramente formal de quaisquer

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

138

condutas lesivas, retirando-se da improbidade a sua conotação

específi ca e distintiva de sua natureza.

3. É bem verdade que, na hipótese de acumulação de cargos, se

consignadas a efetiva prestação de serviço público, a irrisoriedade da

contraprestação paga ao profi ssional e a boa-fé do contratado, afasta-

se a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, sobretudo quando as

premissas fáticas do Acórdão recorrido evidenciam a ocorrência de

simples irregularidade e inexistência de desvio ético ou inabilitação

moral para o exercício do munus público. Precedente: AgRg no REsp

1.245.622/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.6.2011.

4. In casu, porém, previamente à referida averiguação, caberia ao

Órgão Acusador e o Tribunal de origem evidenciar nos autos que o

imputado agiu com o animus de macular princípios administrativos; a

condenação por ato ímprobo exige inequívoca presença do elemento

subjetivo malicioso do Agente Público – inocorrente na espécie –,

pois o Réu se escudou na patente inconstitucionalidade do art. 14 da

Lei Orgânica do Município de Tubarão/SC que, em alegada afronta

à CF/1988 e à Constituição Catarinense, dispôs sobre a proibição de

cumulação da Vereança com outro cargo.

5. É que, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça, a hipótese do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 reclama a

demonstração do dolo, ainda que na sua forma genérica; mas o dolo

tem que estar presente. Na vertente situação, como o Tribunal de

origem não fez esse exame na rescisória – era um dos temas postos na

iniciativa –, o autor desta ação de rescisão advogou a tese de que ele

não agiu com dolo. O Tribunal, na rescisória, em vez de se deter no

enfrentamento desse elemento, afi rmou que a questão era secundária,

porque não se exige o dolo no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Entretanto,

compreendo-se que a imputação exige o descortino do agir doloso,

não se pode, para logo, sob pena de supressão de instância, dizer-se,

em Apelo Extremo em sede de rescisória, que houve ou não o dolo. O

Tribunal local deve efetivamente enfrentar esse aspecto.

6. Agravo regimental do MPF parcialmente provido e, em

desdobramento, Recurso Especial do Autor da Ação Rescisória

parcialmente provido para reconhecer a indispensabilidade da

afirmação sobre a presença do dolo, ainda que genérico, para a

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 139

confi guração da conduta prevista no art. 11 da LIA, determinando

o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que a rescisória seja

reexaminada também sob tal premissa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr.

Ministro Sérgio Kukina, por unanimidade, dar parcial provimento ao Agravo

Regimental e, em desdobramento, prover parcialmente o recurso especial do réu

Maurício da Silva, para reconhecer a indispensabilidade da afi rmação sobre a

presença do dolo, ainda que genérico, para a confi guração da conduta prevista

no art. 11 da LIA, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem

para que a rescisória seja reexaminada também sob tal premissa, nos termos da

reformulação de voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina (Presidente) (voto-

vista), Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Brasília (DF), 15 de setembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator

DJe 16.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Agravo

Regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão

monocrática de minha lavra, que apresentou a seguinte ementa:

Administrativo. Recurso especial. Ação rescisória. Ação civil pública por ato

de improbidade administrativa. Imputação e condenação pelo art. 11 da Lei n.

8.429/1992. Alegação de cumulação indevida de cargos públicos. Vereador do

Município de Tubarão/SC e ocupante do cargo em comissão de Coordenador

Regional de Educação de Tubarão, no período de 24 a 31.1.2003 e do cargo

comissionado de Gerente Regional de Educação, da Secretaria de Estado de

Desenvolvimento Regional de Tubarão, tendo tomado posse e assumido o

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

140

exercício em 11.4.2003, mas não se afastou da vereança, recebendo os subsídios

daquele e a remuneração deste. Pretensão rescisória. Não se evidenciou o

necessário elemento subjetivo malicioso caracterizador de ato ímprobo pelo

agente público. Recurso especial de Maurício da Silva conhecido e provido para

julgar procedente a ação rescisória e, por consequência, improcedente a ação civil

pública por ato de improbidade administrativa, em virtude de rescisão do julgado

proferido pelo TJ/SC na Apelação Cível n. 2007.012753-4, sem condenação do

autor em honorários advocatícios, no entanto. (fl s. 1.293/1.300).

2. Argumenta o Parquet, às fl s. 1.309/1.315, que não poderia ter sido

proferida decisão monocrática na espécie, porquanto era matéria controvertida

nos Tribunais a necessidade de identifi cação do dolo nas condutas do agente

que se amoldam ao art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Aponta que a pretensão

rescindenda encontra obstáculo na Súmula 343/STF. Sustenta, ao fi m, que

o Tribunal a quo apontou que a conduta do agente na acumulação do mandato

parlamentar (vereador) com cargo em comissão no Poder Executivo municipal

decorreu de sua vontade livre e consciente de ocupar os dois cargos, desconsiderando a

vedação contida na Lei Orgânica do Município de Tubarão/SC (fl s. 1.314).

3. Pugna pela reconsideração da decisão agravada ou a submissão do

feito ao órgão Colegiado competente, a fi m de que seja negado provimento ao

Recurso Especial (fl s. 1.315).

4. É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Prefacialmente,

quanto à alegação do Parquet Federal de violação ao art. 557, § 1º do CPC/1973,

ao argumento de que não há jurisprudência dominante do Tribunal a justifi car

a adoção de decisão monocrática para o provimento do Apelo Raro, deve-se

assinalar, em primeiro lugar, que é da atribuição do Ministro Relator, nos termos

do art. 34, I do Regimento Interno do STJ, ordenar e dirigir o processo, o que

compreende as mais amplas possibilidades de instrução e de decisão no feito.

2. Sobre o tema, convém trazer à balha a renomada lição dos Professores

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, em

comentário ao art. 557 do CPC/1973. Confi ra-se:

Na verdade, a norma dixit minus quam voluit. O sistema permite ao relator,

como juiz preparador do recurso de competência do colegiado, que decida

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 141

como entender necessário, de acordo com o seu livre convencimento motivado

(CPC 131). O que a norma reformada quer é a economia processual, com a

facilitação do trâmite do recurso no tribunal. O relator pode decidir tudo, desde

a admissibilidade do recurso até o seu próprio mérito, sempre sob controle do

colegiado a que pertence, órgão competente para decidir, de modo defi nitivo,

sobre a admissibilidade e mérito do recurso (Código de Processo Civil Comentado

e Legislação Extravagante, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, p. 1.001).

3. Verifi ca-se, nesse particular, não haver afronta alguma ao dispositivo

apontado, contrariamente ao que postula o Parquet, porquanto o Relator,

assentado na moldura fático-probatória delineada pelo Tribunal a quo, exerceu

legitimamente o poder que lhe confere a norma processual de regência, é dizer,

o art. 557, § 1º do CPC, ao entender que a causa estava apta a receber um

julgamento monocrático de mérito.

4. É crucial notar que a decisão ora agravada afastou a condenação ao

fundamento de ausência de dolo ou culpa ensejadora de ato ímprobo. Esse

entendimento está em plena convergência com o entendimento jurisprudencial

desta Corte Superior, segundo o qual a confi guração de qualquer ato de improbidade

administrativa exige a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público,

pois não é admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico

brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de

Improbidade Administrativa (...) é importante ressaltar que a forma culposa somente

é admitida no ato de improbidade administrativa relacionado à lesão ao erário (art.

10 da LIA), não sendo aplicável aos demais tipos (arts. 9º e 11 da LIA) (REsp

875.163/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 1º.7.2009). Referida constatação

permite ao magistrado adotar, em casos similares, a inteligência da decisão

monocrática do Ministro Relator a que alude o art. 557 do CPC.

5. Por fi m, lembre-se que eventual alegação de nulidade da decisão singular

fi ca superada com a apreciação do tema pelo Órgão Colegiado em sede de

Agravo Interno.

6. Quanto ao mérito, é crucial pontuar, inicialmente, que o fato de ocorrer

cumulação de cargos públicos pode constituir irregularidade ou mera ilegalidade,

não resultando em prática de ato ímprobo, que exige a desonestidade do Agente

Público, conforme precedentes desta Corte Superior:

Administrativo. Processual Civil Ação civil pública. Improbidade administrativa.

Cumulação indevida de cargos públicos. Análise dos elementos caracterizadores

do ato de improbidade. Incidência da Súmula 7/STJ.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

142

1. A confi guração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10

da Lei de Improbidade Administrativa (atos de improbidade administrativa que

causam prejuízo ao erário), à luz da atual jurisprudência do STJ, exige a presença

do efetivo dano ao erário (critério objetivo) e, ao menos, culpa, o mesmo não

ocorrendo com os tipos previstos nos arts. 9º e 11 da mesma Lei (enriquecimento

ilícito e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios

da administração pública), os quais se prendem ao elemento volitivo do agente

(critério subjetivo), exigindo-se o dolo.

(...).

3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp 666.459/SP,

Rel. Min. Og Fernandes, DJe 30.6.2015).

Administrativo. Ação civil pública. Improbidade. Acumulação de cargos.

Médico. Unicidade nos vínculos mantidos com o Estado. Mera irregularidade. Art.

11 da Lei n. 8.429/1992. Violação não confi gurada.

1. Hipótese em que foi ajuizada Ação Civil Pública por prática de improbidade

administrativa consubstanciada na suposta acumulação de três cargos públicos

remunerados de médico: dois vínculos empregatícios com o Instituto de Saúde

do Paraná, autarquia estadual, e um com o Município de Santa Terezinha de

Itaipu. O Juízo de 1º grau julgou procedente o pedido, porém o Tribunal de

origem reformou a sentença, por entender que houve mera irregularidade.

2. Da leitura do acórdão recorrido não se pode inferir ter havido acumulação

ilegal de três cargos, pois, segundo consta no voto-condutor, o recorrido exerceu

uma função municipal e outra estadual, sendo meramente formal a duplicidade

do vínculo empregatício com o Estado. Além disso, fi caram consignadas a efetiva

prestação do serviço médico e o valor irrisório da contraprestação auferida,

enfatizando-se que o recorrido agiu de boa-fé e foi exonerado a pedido do cargo

municipal antes da propositura da ação.

3. A Lei n. 8.429/1992 é instrumento salutar na defesa da moralidade

administrativa, porém sua aplicação deve ser feita com cautela, evitando-se a

imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades.

4. Afasta-se a alegada violação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 na hipótese,

pois a premissa fática do acórdão recorrido evidencia simples irregularidade,

sendo razoáveis as ponderações feitas pelo Tribunal a quo, sobretudo a de que,

abstraída a questão formal, houve acumulação de dois cargos distintos de médico

- situação admitida no art. 37, XVI, c, da Constituição.

5. Além de não estar patente a ilegalidade da conduta, inexiste substrato

fático no acórdão recorrido que denote desvio ético e inabilitação moral para o

exercício do múnus público.

6. Recurso Especial não provido (REsp 996.791/PR, Rel. Min. Herman Benjamin,

DJe 27.4.2011).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 143

Administrativo. Improbidade administrativa. Acumulação de cargos públicos.

Ausência de dolo ou má-fé. Prestação efetiva de serviço público. Modicidade da

contraprestação paga ao profi ssional contratado. Inexistência de desvio ético ou

de inabilitação moral para o exercício do munus público. Confi guração de mera

irregularidade administrativa.

1. A Lei n. 8.429/1992 visa a resguardar os princípios da administração

pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualifi cada e da

grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras

irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem

foro disciplinar adequado para processo e julgamento. (Nesse sentido: REsp

1.089.911/PE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 17.11.2009,

DJe 25.11.2009.) 2. Na hipótese de acumulação de cargos, se consignada a

efetiva prestação de serviço público, o valor irrisório da contraprestação paga

ao profi ssional e a boa-fé do contratado, há de se afastar a violação do art. 11 da

Lei n. 8.429/1992, sobretudo quando as premissas fáticas do acórdão recorrido

evidenciam a ocorrência de simples irregularidade e inexistência de desvio ético

ou inabilitação moral para o exercício do múnus público. (Precedente: REsp

996.791/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8.6.2010, DJe

27.4.2011.) Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.245.622/RS, Rel. Min.

Humberto Martins, DJe 24.6.2011).

8. De fato, é imperioso que se separem, conceitualmente, os atos

apenasmente ilegais ou irregulares e os eivados de intuito malsão, propósito

maléfi co ou ânimo de afrontar os dispositivos escritos no sistema jurídico, sob

pena de se universalizar a imputação meramente formal de quaisquer condutas

lesivas, retirando-se da improbidade a sua conotação específi ca e distintiva de

sua natureza.

9. No caso dos autos, conforme se dessume dos fatos descritos no Aresto

do Tribunal de origem, o ora Agravado, Maurício da Silva, foi eleito Vereador

do Município de Tubarão/SC no pleito eleitoral do ano 2000, tendo sido

diplomado e empossado no cargo.

10. Posteriormente, em 2003, ocupou o cargo em comissão de Coordenador

Regional de Educação do Município Catarinense, no período de 24 a 31.1.2003

e, com base no Ato 1.761, publicado no Diário Ofi cial do Estado de 11.4.2003, foi

nomeado para exercer o cargo comissionado de Gerente Regional de Educação, da

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional de Tubarão/SC, tendo tomado

posse e assumido o exercício na mesma data (11.4.2003 - fl s. 133 e 199), mas não se

afastou da vereança, ou seja, passou a acumular o mandato de Vereador com o exercício

de cargo comissionado, recebendo os subsídios daquele e a remuneração deste (fl s. 1.040).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

144

11. Observe-se que, sem dúvida alguma, caberia ao Órgão Acusador

comprovar nos autos que o Imputado agiu com o animus de macular os mais

caros princípios administrativos (art. 11 da LIA), pois a condenação por ato de

improbidade exige inequívoca presença do elemento subjetivo malicioso do Agente

Público, até porque o imputado se escusou na inconstitucionalidade do art.

14 da Lei Orgânica do Município de Tubarão/SC que, em alegada afronta à

CF/1988, dispôs sobre a proibição de cumulação da Vereança com outro cargo,

circunstância que, por si só, afasta a nota de malefi cência na conduta do Réu.

12. É que, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a

hipótese do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 reclama a demonstração do dolo, ainda

que na sua forma genérica; mas o dolo deve necessariamente estar presente.

13. Na vertente situação, como o Tribunal de origem não fez esse exame

na rescisória – era um dos temas postos na iniciativa –, o autor desta ação de

rescisão advogou a tese de que ele não agiu com dolo. O Tribunal, na rescisória,

em vez de se deter no enfrentamento desse elemento, afi rmou que a questão

era secundária, porque não se exige o dolo no art. 11 da Lei n. 8.429/1992.

Entretanto, compreende-se que a imputação exige o descortino do agir doloso,

não se pode, para logo, sob pena de supressão de instância, dizer-se, em Apelo

Extremo em sede de rescisória, que houve ou não o dolo. O Tribunal local deve

efetivamente enfrentar esse aspecto, razão pela qual impõe-se a cassação do

julgado a quo.

14. Diante dessas considerações, conhece-se do Agravo regimental do

Ministério Público Federal e a ele se dá parcial provimento e, em desdobramento,

dá-se parcial provimento ao Recurso Especial do Autor da Ação Rescisória

para reconhecer a indispensabilidade da afi rmação sobre a presença do dolo,

ainda que genérico, para a confi guração da conduta prevista no art. 11 da LIA,

determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fi m de que a

rescisória seja reexaminada também sob tal premissa. É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: A hipótese é de agravo regimental

interposto pelo Ministério Público Federal (fl s. 1.309/1.315), desafi ando decisão

monocrática de lavra da Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que ostenta o

seguinte teor (fl s. 1.293/1.300):

Administrativo. Recurso especial. Ação rescisória. Ação civil pública por ato

de improbidade administrativa. Imputação e condenação pelo art. 11 da Lei n.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 145

8.429/1992. Alegação de cumulação indevida de cargos públicos. Vereador do

Município de Tubarão/SC e ocupante do cargo em comissão de Coordenador

Regional de Educação de Tubarão, no período de 24 a 31.1.2003 e do cargo

comissionado de Gerente Regional de Educação, da Secretaria de Estado de

Desenvolvimento Regional de Tubarão, tendo tomado posse e assumido o

exercício em 11.4.2003, mas não se afastou da vereança, recebendo os subsídios

daquele e a remuneração deste. Pretensão rescisória. Não se evidenciou o

necessário elemento subjetivo malicioso caracterizador de ato ímprobo pelo

agente público. Recurso especial de Maurício da Silva conhecido e provido para

julgar procedente a ação rescisória e, por consequência, improcedente a ação civil

pública por ato de improbidade administrativa, em virtude de rescisão do julgado

proferido pelo TJ/SC na Apelação Cível 2007.012753-4, sem condenação do autor

em honorários advocatícios, no entanto.

1. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina julgou improcedente Ação

Rescisória movida por Maurício da Silva, ex-Vereador no Município de Tubarão/

SC, que ora interpõe Recurso Especial, ao fundamento de que não merece ser

acolhida a pretensão de rescisão do julgado que condenou o Imputado às

sanções por ato de Improbidade Administrativa, por entender que a cumulação

indevida de cargos públicos enseja ofensa a princípios administrativos, já que

o exercício de cargo em comissão e de função de confi ança exige dedicação

integral do servidor nomeado, de sorte que não é possível conciliar, em razão da

incompatibilidade, o horário de trabalho do cargo em comissão com o mandato

de Vereador (fl s. 1.049).

2. Parecer do MPF pelo desprovimento do Agravo (fl s. 1.282/1.291).

3. Registre-se haver sido concedida liminar nos autos da Medida Cautelar

21.604/SC, para conferir efeito suspensivo ao Recurso Especial 1.372.917/SC

dirigido a esta Corte, mas sem qualquer antecipação quanto ao seu mérito, e,

por conseguinte, suspender o cumprimento do acórdão rescindendo, até o

julgamento desta MC pela Turma Julgadora, que melhor dirá, salvo se, antes disso,

sobrevier o julgamento do próprio Apelo Raro.

4. É o relatório. Decido.

5. Cinge-se a controvérsia em saber se a conduta do Imputado, qual seja,

cumulação de cargos públicos, deve ser rotulada como ato de Improbidade

Administrativa.

6. Sobre o tema, esta egrégia Corte Superior, no julgamento do Agravo

Regimental no REsp 1.245.622/RS, de Relatoria do ilustre Ministro Humberto

Martins, destacou que a mera cumulação ilegal de cargos públicos, por si só, não

confi gura, em tese, conduta ímproba. Eis a ementa desse julgado:

Administrativo. Improbidade administrativa. Acumulação de cargos

públicos. Ausência de dolo ou má-fé. Prestação efetiva de serviço

público. Modicidade da contraprestação paga ao profi ssional contratado.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

146

Inexistência de desvio ético ou de inabilitação moral para o exercício do

munus público. Confi guração de mera irregularidade administrativa.

1. A Lei n. 8.429/1992 visa a resguardar os princípios da administração

pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualifi cada

e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição

de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares,

as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento.

(Nesse sentido: REsp 1.089.911/PE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma,

julgado em 17.11.2009, DJe 25.11.2009.)

2. Na hipótese de acumulação de cargos, se consignada a efetiva

prestação de serviço público, o valor irrisório da contraprestação paga ao

profi ssional e a boa-fé do contratado, há de se afastar a violação do art. 11

da Lei n. 8.429/1992, sobretudo quando as premissas fáticas do acórdão

recorrido evidenciam a ocorrência de simples irregularidade e inexistência

de desvio ético ou inabilitação moral para o exercício do múnus público.

(Precedente: REsp 996.791/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma,

julgado em 8.6.2010, DJe 27.4.2011.)

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp. 1.245.622/RS, Rel. Min.

Humberto Martins, DJe 24.6.2011).

7. Efetivamente, a improbidade é uma ilegalidade qualifi cada pelo intuito

malsão do agente, atuando sob impulsos eivados de desonestidade, malícia, dolo

ou culpa grave (AgRg no AREsp 83.233/RS, de minha Relatoria, DJe 3.6.2014).

Certo é que, da conduta do Agente Público, imbuída de má-fé e dolo, deve resultar

(i) o enriquecimento ilícito próprio ou alheio (art. 9º da Lei n. 8.429/1992), (ii) a

ocorrência de prejuízo ao Erário (art. 10 da Lei n. 8.429/1992) ou (iii) a infringência

aos princípios nucleares da Administração Pública (arts. 37 da Constituição e 11

da Lei n. 8.429/1992).

8. Note-se, também, o seguinte precedente deste Tribunal da Cidadania, que

distingue atos tão somente ilegais daqueles revestidos de maliciosos, de má-fé ou

mesmo eivados de culpa grave:

Processual Civil. Administrativo. Ação civil pública. Improbidade

administrativa. Lei n. 8.429/1992. Ressarcimento de dano erário.

Imprescritibilidade. Contratação de servidores sem concurso público.

Ausência de dano ao erário e de má-fé (dolo). Aplicação das penalidades.

Princípio da proporcionalidade. Divergência indemonstrada.

1. O caráter sancionador da Lei n. 8.429/1992 é aplicável aos agentes

públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade,

imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a)

importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário

público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública

(art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 147

2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992,

considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente

público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma

interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente

irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé

do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a

fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.

3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e

a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta

antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública

coadjuvados pela má-intenção do administrador.

4. À luz de abalizada doutrina: “A probidade administrativa é uma forma

de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da

Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos

(art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o funcionário

servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas

funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em

proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. O desrespeito a

esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de

uma imoralidade administrativa qualifi cada. A improbidade administrativa

é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente

vantagem ao ímprobo ou a outrem(...). in José Afonso da Silva, Curso de

Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005,

p-669.

5. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade

administrativa, in casu, inexistente, por isso que a ausência de dano ao

patrimônio público e de enriquecimento ilícito dos demandados, tendo

em vista a efetiva prestação dos serviços, consoante assentado pelo

Tribunal local à luz do contexto fático encartado nos autos, revelam a

desproporcionalidade da sanção imposta à parte, ora recorrente, máxime

porque não restou assentada a má-fé do agente público, ora Recorrente,

consoante se conclui do voto condutor do acórdão recorrido: Baliza-se

o presente recurso no exame da condenação do Apelante em primeiro

grau por ato de improbidade, em razão da contração de servidores sem a

realização de concurso público. Com efeito, a tese do Apelante está adstrita

ao fato de que os atos praticados não o foram com dolo ou culpa grave, mas

apenas decorreram da inabilidade do mesmo, além de não terem causado

prejuízo ao erário (...).

6. Consectariamente, o Tribunal local incidiu em error in judicando ao

analisar o ilícito somente sob o ângulo objetivo.

(...).

13. Recurso Especial provido. (REsp 909.446/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe

22.4.2010).

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148

9. Observe-se que a simples alegação de ofensa aos princípios da Administração

Pública, desatrelada de qualquer resultado naturalístico, não confi gura a conduta

típica prevista no art. 11 da Lei de Improbidade, que demanda a comprovação de

uma efetiva e concreta lesão ao Erário ou, ao menos, aos administrados.

10. Na esfera do Direito Sancionador, a caracterização do ato de improbidade

exige a imperiosa produção de resultado empiricamente verificável e

apreensível pelos sentidos, demandando-se, sem dúvida alguma, a evidência de

enriquecimento ilícito pelo agente ou de dano ao patrimônio público.

11. No caso dos autos, não fi cou evidenciada a prática de ato doloso ou em

culpa grave que tenha verdadeiramente causado prejuízo ao Erário ou maculado

os princípios administrativos, pois o fato de ter ocorrido cumulação de cargos

públicos pode constituir irregularidade ou mera ilegalidade, não resultando em

prática de ato ímprobo, que exige a desonestidade do Agente Público.

12. Caberia ao Órgão Acusador comprovar nos autos que o Imputado agiu com

o animus de macular os mais caros princípios administrativos, pois a condenação

por ato de improbidade exige inequívoca presença do elemento subjetivo

malicioso do Agente Público – inocorrente na espécie, até porque os Imputados

se escusam na inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica Municipal

que, alegadamente em afronta ao Texto Maior Federal, dispõe sobre o tema da

proibição de cumulação de cargos, o qual ensejou o ajuizamento da Ação Civil

Pública pelo Parquet, circunstância que, por si só, afasta a nota de malefi cência na

conduta dos Imputados.

13. Não pode ser aceito como fundamento de condenação por ato ímprobo

a assertiva adotada pelo Tribunal a quo segundo a qual restaram analisadas

todas as questões de fato e de direito, esclarecendo-se expressamente quais os

motivos e fundamentos que deram ensejo à condenação do autor e de Léo Rosa

de Andrade como incursos no art. 11, caput da Lei Federal n. 8.429/1992, uma vez

que houve o reconhecimento da incompatibilidade do exercício concomitante

do cargo de Vereador no Município de Tubarão e do cargo público demissível

ad nutum do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina (fl s. 1.059), pois a

conduta dolosa do agente deve ser solidamente comprovada, por mais complexa

que seja a demonstração desse elemento subjetivo; e a constatação do intuito

desonesto é conditio sine qua non para a manutenção de decreto sancionador

por improbidade, conclusões não alcançadas na hipótese vertente. Por isso,

merece reproche o Aresto a quo, por ter dado tratamento hostil ao art. 11 da Lei

n. 8.429/1992.

14. Ante o exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A do CPC, conhece-se do

Recurso Especial de Maurício da Silva e a ele se dá provimento, para julgar

procedente a Ação Rescisória e, por consequência, improcedente a Ação Civil

Pública por ato de Improbidade Administrativa, em virtude da ora pronunciada

rescisão do julgado proferido pelo TJ/SC na Apelação Cível 2007.012753-4,

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sem condenação do autor em honorários advocatícios, no entanto. Julga-se

prejudicada, por consequência, a MC 21.604/SC.

15. Publique-se.

16. Intimações necessárias.

Em seu regimental, sustenta o Parquet federal a ocorrência de violação

ao princípio da colegialidade, bem assim ser incontroversa a conduta ímproba

descrita no art. 11, caput, da Lei n. 8.429/1992, vez que o Tribunal a quo

deu por caracterizados tanto o dolo genérico na condutado agente quanto a

materialização de dano ao erário.

O culto relator, sob o fundamento de que as alegações trazidas pela parte

agravante seriam insufi cientes para abalar a decisão impugnada, está a negar

provimento ao regimental.

Em tal cenário, para examinar mais de perto a questão, pedi vista dos autos.

Passo ao voto.

Trata-se, na origem, de ação rescisória fundada no art. 485, V, do

CPC/1973, que busca desconstituir acórdão que reconheceu a prática, pelo

agente público Maurício da Silva, do ato ímprobo previsto no art. 11, caput,

da Lei n. 8.429/1992, consistente no exercício concomitante de mandato de

Vereador do Município de Tubarão/SC e de cargo em comissão do Poder

Executivo, cumulação essa considerada ilegal.

Ressalto, desde já, que meu voto converge com o entendimento do ilustrado

Ministro Napoleão Nunes Maia Filho sobre não ter havido afronta ao princípio

da colegialidade, porquanto a decisão agravada veio ancorada em precedentes

desta Corte, o que permitia, nos termos do art. 557 do CPC/1973, a solução

monocrática da controvérsia.

Prosseguindo no debate, a discussão em andamento está em defi nir, quanto

à questão de fundo, se o acórdão de origem, ao examinar a decisão rescindenda,

bem aquilatou o aperfeiçoamento do ato de improbidade versado no art. 11 da

Lei n. 8.429/1992, decorrente da questionada cumulação de cargos públicos

pelo então vereador Maurício da Silva.

No ponto, o Tribunal local teve por ilegal o exercício simultâneo do

mandato de Vereador e do cargo de Gerente Regional de Educação, afi rmando,

mais, a desnecessidade de apuração de dolo na conduta prevista no art. 11 da

LIA, concluindo, por fi m, pela existência de dano ao erário, conforme se observa

do seguinte trecho do acórdão recorrido (fl . 1.068):

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

150

Em primeiro lugar porque o Superior Tribunal de Justiça tem orientado no

sentido de que “a lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei

n. 8.429/1992, em principio, não exige dolo ou culpa na conduta do agente

nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade

administrativa para restar confi gurado o ato de improbidade [...] (STJ - REsp n.

737.279/PR, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 21.5.2008).

Segundo porque, além da impossibilidade constitucional de acumulação do

exercício da vereança com a ocupação de cargo de provimento em comissão, o

acórdão rescindendo deixou bastante clara a existência de incompatibilidade de

horários, e, no entanto, o autor percebeu, durante o período de acumulação, dupla

remuneração, circunstância que caracteriza o ato de improbidade administrativa

do art. 11, da Lei Federal n. 8.429/1992, passível das sanções previstas no art. 12,

a teor do que dispõe o § 40, do art. 37, da Carta Magna, independentemente

da “efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público” (art. 21, da Lei Federal n.

8.429/1992).

O recurso especial contra esse acórdão, como visto, foi monocraticamente

provido, ao fundamento de que o conjunto fático delineado no acórdão local

permitiria concluir que não fi cou evidenciada a prática de ato doloso ou marcado

por culpa grave, que tivesse causado prejuízo ao erário ou maculado os princípios

administrativos (1.298).

Já o Ministério Público Federal, em seu regimental, sustenta que o

conjunto probatório dos autos deixa ver que o exercício simultâneo do mandato

parlamentar e de cargo em comissão decorreu da consciente vontade do agente,

ao desconsiderar as normas de regência sobre o tema.

Assim esquadrinhada a controvérsia, ouso discordar em parte do eminente

Relator, por entender que, de fato, o recurso especial comportava provimento,

mas em menor extensão.

De fato, nos termos da jurisprudência consolidada de nossa Primeira

Seção, os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei n.

8.429/1992 dependem da demonstração da presença de dolo, ao menos genérico,

prescindindo-se, nessa modalidade de transgressão (violação a princípios), da

simultânea ocorrência de dano ao erário e/ou de enriquecimento ilícito do

agente.

Nesse sentido, quanto à exigência da conduta dolosa:

Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental nos embargos de

divergência no recurso especial. Ação civil pública por ato de improbidade

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 151

administrativa. Art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Necessidade do dolo no elemento

subjetivo do tipo. Tema pacifi cado no âmbito da Primeira Seção. Incidência da

Súmula n. 168/STJ.

1. “A caracterização do ato de improbidade por ofensa a princípios da

administração pública exige a demonstração do dolo lato sensu ou genérico”

(EREsp 772.241/MG, Relator Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 6.9.2011).

Outros precedentes: AgRg nos EREsp 1.260.963/PR, Relator Ministro Humberto

Martins, Primeira Seção, DJe 3.10.2012; e AgRg nos EAREsp 62.000/RS, Relator

Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18.9.2012.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EREsp 1.312.945/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira

Seção, julgado em 12.12.2012, DJe 1º.2.2013)

Em tal cenário, tenho que o agravo do Parquet merece parcial acolhida

e, em sequência, também parcial provimento o especial apelo de Maurício da

Silva, todavia em perspectiva diversa daquela expressada no voto do Relator

(que de logo afasta o dolo).

Como visto, o acórdão da rescisória considerou desnecessária a apuração

do dolo para a concretização do ato ímprobo imputado ao agente (art. 11 da Lei

n. 8.429/1992), em desarmonia com a jurisprudência do STJ.

Dessa forma, considero não ser possível, no restrito âmbito de cognição

do recurso especial - e sob pena de supressão de instância -, reformar o acórdão

recorrido e, desde logo, prosseguir no julgamento da lide para aferir, no caso

concreto, se existe dúvida razoável acerca da legalidade da cumulação de cargos

ocorrida, capaz de afastar a má-fé do agente, tal como concluiu a decisão ora

agravada. O feito, pois, deve retornar à Corte estadual, para que se desincumba

desse mister.

Ante o exposto, divirjo apenas em parte do ilustre Relator, e o faço para

dar parcial provimento ao agravo regimental do Ministério Público Federal

e, em desdobramento, também parcial provimento ao recurso especial do réu

Maurício da Silva, para reconhecer a indispensabilidade da afi rmação sobre a

presença do dolo, ainda que genérico, para a confi guração da conduta prevista

no art. 11 da LIA, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem

para que a rescisória seja reexaminada também sob tal premissa.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

152

RECURSO ESPECIAL N. 1.239.153-MG (2011/0033173-0)

Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Relator para o acórdão: Ministro Sérgio Kukina

Recorrente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Recorrido: Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira e outro

Advogado: Felipe Fagundes Cândido e outro(s) - MG098606

EMENTA

Administrativo. Contratação de advogado particular para defesa

dos interesses do Município. Utilização do causídico para atuar em

ação de improbidade ajuizada contra o prefeito. Defesa de interesse

pessoal do alcaide. Impossibilidade.

1. Conforme a jurisprudência desta Corte, confi gura uso ilícito da

máquina pública a utilização de procurador público, ou a contratação

de advogado particular, para a defesa de interesse pessoal do agente

político, exceto nos casos em que houver convergência com o próprio

interesse da Administração. Nesse sentido: REsp 703.953/GO, Rel.

Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 3.12.2007, p. 262; AgRg no REsp

681.571/GO, Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 29.6.2006,

p. 176.

2. No caso em exame, apesar de a contratação do causídico

ter ocorrido às expensas do Município, sua atuação profi ssional se

deu exclusivamente na defesa jurídica e pessoal do chefe do Poder

Executivo local, em duas ações de improbidade contra ele propostas.

3. Em se tratando de ação civil por improbidade administrativa,

a vontade do legislador foi a de proteger a Administração Pública

contra condutas inadequadas de seus agentes públicos, cujo contexto

conduz à compreensão de que se colocam em disputa interesses

nitidamente inconciliáveis. Em contexto desse jaez, não se pode

conceber a possibilidade de que uma mesma defesa técnica em juízo

possa, a um só tempo, atender simultaneamente ao interesse público

da entidade alegadamente lesada e ao interesse pessoal do agente a

quem se atribui a ofensa descrita na Lei de Improbidade.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 153

4. Dessa forma, impõe-se o reconhecimento de que os dois réus

implicados na presente ação de improbidade (o então Prefeito e o

advogado particular contratado pelo Município) incorreram, de forma

dolosa, nos atos de improbidade defi nidos na sentença de primeiro

grau, que enquadrou suas condutas, respectivamente, nas hipóteses

previstas nos arts. 9º, IV (Prefeito) e 11, I (Advogado), da Lei n.

8.429/1992.

5. Recurso especial provido, com a determinação do oportuno

retorno dos autos ao Tribunal de origem para que conclua, no seu

resíduo, o julgamento das três apelações interpostas pelos litigantes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o

voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencido o Sr.

Ministro Relator, dar parcial provimento ao recurso especial com o posterior e

oportuno retorno dos autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais, para que prossiga na apreciação residual das três sobreditas apelações,

nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Sérgio Kukina, que lavrará o acórdão.

Votaram com o Sr. Ministro Sérgio Kukina (Presidente) (voto-vista) os Srs.

Ministros Benedito Gonçalves (voto-vista) e Regina Helena Costa.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Gurgel de Faria (RISTJ, art.

162, § 4º, primeira parte).

Brasília (DF), 11 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Sérgio Kukina, Relator

DJe 29.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de Recurso

Especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com

fundamento na alínea a do art. 105, III da Constituição Federal, que objetiva a

reforma do acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

154

Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Agente político.

Preliminar de incompetência absoluta afastada. Inaplicabilidade da Lei n.

1.079/1950 aos prefeitos municipais. Particular. Aplicação do artigo 23, I da

LIA. Equiparação a agente público. Interpretação extensiva do artigo 3º da LIA.

Sujeição às mesmas normas de agente público. Contratação de advogado. Atos

praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. Espécie em que

não houve condenação do agente político na causa para a qual o advogado fora

contratado. Inexistência de desvio de fi nalidade. Sustentação de atos praticados

no exercício do mandato. Recursos dos réus providos. Prejudicado recurso

ministerial (fl s. 892/911).

2. Nas razões do seu Apelo Nobre, o recorrente aduz que o acórdão

recorrido violou aos arts. 9º, 11 e 12 da Lei n. 8.429/1992, sob o fundamento de

que o ex-Prefeito do Município de Sete Lagoas/MG, Marcelo Cecé Vasconcelos de

Oliveira, contratou diretamente, sem licitação, o Advogado Raimundo Cândido

Júnior, no afã de que promovesse a sua defesa nas Ações Civis Públicas contra ele

ajuizadas pela alegada prática de atos de Improbidade Administrativa, conduta

que se subsume, segundo o MP/MG, no art. 9º, IV da Lei de Improbidade

Administrativa.

3. Sustenta o Parquet que a defesa deveria ter sido patrocinada pelos

Advogados do corpo jurídico do Município e que não há falar em defesa de

interesses legítimos da própria Municipalidade, como reconhecido no Acórdão

recorrido. Defende, por fi m, que não se pretende a rediscussão da matéria fática,

mas apenas a revaloração da prova delineada na espécie.

4. Em contrarrazões (fls. 970/994), o Recorrido alega preliminar de

ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos por violados e a

impossibilidade de reexame de provas em sede especial. No mérito, pugna pelo

desprovimento do recurso.

5. O Apelo Especial não foi admitido pelo Tribunal de origem, tendo o

douto Ministro Luiz Fux, ao tempo relator do feito, dado provimento ao Agravo

de Instrumento interposto pelo Parquet, determinando a subida de seu Recurso

Especial (fl s. 1.012).

6. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre

Subprocurador-Geral da República Aurélio Virgílio Veiga Rios, manifestou-se

pelo provimento do recurso.

7. É o relatório.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

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VOTO VENCIDO

Ementa: Administrativo. Recurso especial. Improbidade

administrativa. Ato de improbidade administrativa. Imputação

pelo art. 10, VIII da Lei n. 8.429/1992. Contratação de advogado

particular pelo ex-prefeito do Município de Sete Lagoas/MG, para

suposta defesa de interesses pessoais do ex-alcaide. Ausência de

procedimento prévio para a aprovação do termo de dispensa de

licitação. Indispensabilidade de comprovação do efetivo prejuízo ao

erário e do dolo do agente. Responsabilização do agente público por

conduta culposa. Irrazoabilidade. Parecer do MPF pelo provimento

do recurso especial. Recurso especial do MP/MG não provido.

1. Inexistência de ato ímprobo, haja vista o evidente interesse

público na contratação de Advogado Raimundo Cândido Júnior, com

notória especialização reconhecida expressamente pelo Tribunal a quo,

a fi m de patrocinar a defesa do ex-Prefeito Marcelo Cecé Vasconcelos de

Oliveira em Ação Civil Pública que tinha como objeto a suspensão

de obras e de pagamentos a fornecedores, de modo a inviabilizar

o normal funcionamento do serviço público do Município, assim

caracterizando o interesse da Edilidade.

2. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços prestados

por Advogados, fi ncados, principalmente, na relação de confi ança,

é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público,

utilizar-se da discricionariedade, que lhe é conferida pela lei, para

a escolha do melhor profi ssional, de modo a atender com efi ciência

aquele escopo público.

3. Resta evidente in casu a transcendência de interesses

meramente particulares na contratação do Advogado de confi ança

do Chefe do Poder Executivo Municipal, por meio de sua avaliação

discricionária, na medida em que, sendo o recorrido Prefeito em

exercício, quando dos atos praticados, a perda do cargo, para o qual

foi eleito pela maioria dos eleitores daquele Município, pleiteada pela

aludida Ação Civil Pública, repercutiria diretamente na representação

de seus eleitores; ademais, vulneraria a regularidade da prestação dos

serviços públicos da Edilidade.

4. Recurso Especial do MP/MG conhecido e desprovido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

156

O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Dessume-se dos autos

que, em junho de 2004, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais

ajuizou Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa contra Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira, ex-Prefeito do Município de Sete Lagoas/MG, e contra

Raimundo Cândido Júnior.

2. Na petição inicial, imputou-lhes a conduta descrita nos arts. 9, caput

e IV, e 10, XIII da Lei n. 8.429/1992, por ter havido contratação, pelo então

Alcaide, de Advogado particular, às custas do Erário, para defesa de interesses

claramente pessoais em Ações de Improbidade Administrativa, o que teria

causado prejuízo, em dois contratos, nos importes históricos de R$ 30.000,00

e R$ 65.000,00 aos cofres públicos. Aduziu que o causídico contratado estaria

impedido de defender o ex-Prefeito, pois receberia remuneração do Município

de Sete Lagoas/MG, para atuar em defesa do Ente Público, não de particulares.

3. Houve condenação do ex-Prefeito Marcelo Cecé como incurso no art.

9º, IV da LIA, sendo-lhe aplicadas as sanções de ressarcimento integral do

dano, no valor histórico de R$ 30.000,00, suspensão dos direitos políticos por

10 anos, multa civil em 50% do valor do dano, proibição de contratar com o

Poder Público/receber incentivos fi scais por 10 anos. O causídico Raimundo

Cândido foi condenado como incurso no art. 11 da LIA, sendo aplicada a sanção

de multa civil correspondente a 30% da remuneração percebida pelos trabalhos

executados de forma irregular. A sentença foi confi rmada pelo Tribunal de

Justiça de Minas Gerais.

4. Cinge-se a controvérsia em saber se importa em ato ímprobo a conduta

do Recorrido que, na qualidade de então Prefeito do Município de Sete Lagoas-

MG, contratou Advogado remunerado pelos cofres públicos para promover sua

defesa judicial em ações de improbidade administrativa.

5. É cediço que, diante da natureza intelectual e singular dos serviços

prestados por Advogados, fi ncados, principalmente, na relação de confi ança,

é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar-se

da discricionariedade, que lhe é conferida pela lei, para a escolha do melhor

profi ssional.

6. Em questões como a ora examinada, é dizer, a contratação de Advogado

particular por Prefeito Municipal, às custas dos cofres públicos, para defesa de

determinadas causas, é certo que a natureza competitiva das contratações públicas

cede espaço para o elemento confi ança, sendo certo que notória especialização e

singularidade dos serviços se tornam aspectos emergentes.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 157

7. O eminente Professor MARÇAL JUSTEN FILHO apresenta o

magistério segundo o qual a natureza singular se caracteriza como a situação

anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por

qualquer profi ssional especializado. Envolve os casos em que demandam mais

do que a especialização, pois apresentam complexidades que impedem obtenção de

solução a partir da contratação de qualquer profi ssional (ainda que especializado)

(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, São Paulo, RT,

2014, p. 498).

8. Na situação vertida nos autos, tanto o ex-Alcaide quanto o Advogado

contratado para a defesa judicial foram isentados pela Corte Mineira de

qualquer responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Os dois

contratos fi rmados entre o Prefeito e o Advogado foram consideradas legais.

9. Efetivamente, para a confi guração de ato de improbidade administrativa,

exige-se a ilegalidade qualifi cada pelo intuito malsão do agente, ao atuar sob

impulsos eivados de desonestidade, malícia, dolo ou culpa grave, consoante a

inteligência da Lei n. 8.429/1992.

10. Se assim não se interpretasse a lei, terminaria a atividade sancionadora

aplicando o mesmo tratamento repressivo aos atos tão somente ilegais e aos que

revestissem a qualidade de maliciosos, de má-fé ou mesmo eivados de culpa

grave; essa uniformidade já foi rejeitada por este STJ:

Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Improbidade

administrativa. Ilegalidade em procedimento de inexigibilidade de licitação.

Ausência de comprovação do elemento subjetivo. Ato de improbidade

administrativa não confi gurado. Agravo regimental improvido.

I. Recurso Especial manifestado contra acórdão que, por não vislumbrar a

presença de dolo ou culpa na conduta dos réus, manteve sentença que

julgou improcedente o pedido, em Ação Civil Pública, na qual o Ministério

Público Federal postula a condenação dos agravados pela prática de ato de

improbidade administrativa, consubstanciado na ilegalidade de procedimento de

inexigibilidade de licitação para a contratação de serviço de avaliação de imóveis

de propriedade do ora agravante.

II. No caso, o agravante alega, em síntese, que “desde a origem, vem

sustentando a desnecessidade de se perquirir acerca do elemento volitivo para

a caracterização do ato improbidade, a atrair a aplicação da Lei n. 8.249/1992,

vez que, no seu entendimento, a lei respectiva, ao caracterizar como ato de

improbidade a dispensa indevida da licitação, gera uma presunção absoluta de

ilicitude da conduta” (fl . 3.167e).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

158

III. Em se tratando de improbidade administrativa, é fi rme a jurisprudência

do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a improbidade é ilegalidade

tipifi cada e qualifi cada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso

mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização

de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipifi cação das

condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992, ou pelo menos

eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (STJ, AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino

Zavascki, Corte Especial, DJe de 28.9.2011). Em igual sentido: STJ, REsp 1.420.979/

CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 10.10.2014; STJ, REsp

1.273.583/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.9.2014;

STJ, AgRg no AREsp 456.655/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,

DJe de 31.3.2014.

IV. Agravo Regimental improvido (AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Min.

Assusete Magalhães, DJe 5.3.2015).

Processual Civil. Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa.

Lei n. 8.429/1992. Ressarcimento de dano erário. Imprescritibilidade. Contratação

de servidores sem concurso público. Ausência de dano ao erário e de má-fé

(dolo). Aplicação das penalidades. Princípio da proporcionalidade. Divergência

indemonstrada.

1. O caráter sancionador da Lei n. 8.429/1992 é aplicável aos agentes públicos

que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade,

legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em

enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c)

atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida

nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.

2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, considerada

a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se

realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá

acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção

administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a

moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.

3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a

ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica

fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-

intenção do administrador.

4. À luz de abalizada doutrina: “A probidade administrativa é uma forma

de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da

Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art.

37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o funcionário servir a

Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem

aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 159

de outrem a quem queira favorecer. O desrespeito a esse dever é que caracteriza

a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa

qualifi cada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualifi cada pelo

dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(...). in José

Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo,

Malheiros Editores, 2005, p-669.

5. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade

administrativa, in casu, inexistente, por isso que a ausência de dano ao patrimônio

público e de enriquecimento ilícito dos demandados, tendo em vista a efetiva

prestação dos serviços, consoante assentado pelo Tribunal local à luz do contexto

fático encartado nos autos, revelam a desproporcionalidade da sanção imposta

à parte, ora recorrente, máxime porque não restou assentada a má-fé do agente

público, ora Recorrente, consoante se conclui do voto condutor do acórdão

recorrido: Baliza-se o presente recurso no exame da condenação do Apelante em

primeiro grau por ato de improbidade, em razão da contração de servidores sem

a realização de concurso público. Com efeito, a tese do Apelante está adstrita ao

fato de que os atos praticados não o foram com dolo ou culpa grave, mas apenas

decorreram da inabilidade do mesmo, além de não terem causado prejuízo ao

erário (...).

6. Consectariamente, o Tribunal local incidiu em error in judicando ao analisar o

ilícito somente sob o ângulo objetivo.

(...).

13. Recurso Especial provido. (REsp 909.446/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe

22.4.2010).

11. Ademais, da atuação malsã do Agente deve resultar (i) o enriquecimento

ilícito próprio ou alheio (art. 9º da Lei n. 8.429/1992), (ii) a ocorrência de

prejuízo ao erário (art. 10 da Lei n. 8.429/1992) ou (iii) a infringência aos

princípios nucleares da Administração Pública (art. 37 da Constituição e 11 da

Lei n. 8.429/1992).

12. In casu, a despeito das louváveis alegações do Parquet Recorrente,

inexiste violação aos dispositivos de LIA apontados no Apelo Raro, pois não

houve conduta ímproba na espécie que tenha causado enriquecimento ilícito

ao ex-Prefeito ou violado princípios basilares da Administração Pública pelo

causídico contratado.

13. A partir da moldura fática delineada pelo Tribunal a quo, mostrou-

se evidente o interesse público na contratação de Advogado para atuação na

defesa de Prefeito, em Ação de Improbidade Administrativa na qual imputou-se

ao Agente Público supostos atos ilícitos cometidos no exercício da função. A

propósito, vale destacar trechos bastantes esclarecedores do Acórdão recorrido:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

160

1o. Contrato de Prestação de Serviços

Ao contrário do que se afirma na r. sentença recorrida, a contratação do

advogado Raimundo Candido Júnior não objetivou fi m particular do Prefeito. Ao

contrário, buscou resguardar o andamento normal da máquina administrativa e

de seu representante político. Ora, foram requeridas e até deferidas, liminarmente,

de permeio com algumas medidas de caráter pessoal, relativas ao agente réu,

outras de repercussão na administração do Município, a suspensão de todas as

obras e a suspensão de qualquer pagamento a ser efetuado pela Municipalidade.

Inegável a necessidade de resguardar o regular exercício do Poder Executivo

Municipal. As medidas requeridas contra a pessoa do agente eram de natureza

subsidiária, para servir de prova a indigitados atos argüidos de improbidade, que

teriam sido praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. A

inicial não separa a prática de atos pessoais de atos administrativos.

De fato, razão assiste ao requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira

quando afi rma que era evidente o interesse público da contratação do advogado

Raimundo Cândido Júnior, tanto que o próprio juízo indeferira a petição inicial e

extinguira o processo sem exame do mérito (fl s. 919/920).

2o. Contrato de Prestação de Serviços

(...) ao contrário do entendimento da i. Magistrada, a interposição do agravo

de instrumento pelo advogado contratado não buscou resguardar interesses

particulares do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (fl s. 633). Ao

contrário, a interposição do agravo de instrumento referido (182.881-3) buscou

a suspensão dos efeitos da antecipação da tutela deferida pelo Juízo da 3ª Vara

Cível da Comarca de Sete Lagoas que afastou o Prefeito e outros agravantes das

funções públicas exercidas naquela municipalidade.

O Prefeito Municipal não contratou advogado para defesa pessoal como,

v.g: em direito de família ou para defender-se de processo criminal comum

(homicídio). Estes sim, ao meu sentir, representariam interesses nitidamente

particulares do ex-Prefeito. Ao revés, o ex-Prefeito contratou advogado de notória

especialização para defender seu mandato político. Havia interesse público

manifestado na função que exercia - de agente político. Enfi m, os atos inquinados

de ímprobos foram atribuídos a quem exercera a função de Prefeito, em atividade

pública e não, privada.

(...)

Se a imputação fora endereçada a agente político sobre questões envolvendo

a sua gestão, não há como imputar-lhe como ato de improbidade administrativa,

a contratação de advogado para a defesa dos atos praticados no exercício de

suas funções públicas. Pela gravidade de suas sanções, a defesa em ações civis

públicas, bem como de improbidade administrativa, requerem a habilitação de

advogado ou de escritório de advocacia com notória especialização e da inteira

confi ança do Prefeito Municipal (fl s. 922/925).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 161

14. Incontroversa, portanto, a ausência de ato ímprobo, haja vista o

inafastável interesse público nos dois contratos fi rmados com o Advogado

Raimundo Cândido Júnior, que, conforme constatou o Tribunal Mineiro,

ostentava notória especialização (fl s. 922/925), a fi m de patrocinar a defesa do

Prefeito em Ação Civil Pública que tinha como objeto a suspensão de obras e

de pagamentos a fornecedores, de modo a inviabilizar o funcionamento dos serviços

públicos do Município e que foram, inclusive, julgadas improcedentes.

15. Certamente a improcedência se materializou em razão da atuação do

nobre Advogado, o que evidencia que careciam de substancialidade as iniciativas

judiciais tendentes a suspender os serviços de utilidade pública do Município.

16. É válido ressaltar, também, a transcendência de interesses meramente

particulares na contratação do Advogado de confi ança do Chefe do Poder

Executivo Municipal, por meio de sua avaliação discricionária, na medida

em que, sendo o recorrido Prefeito em exercício, quando dos atos praticados,

a perda do cargo, para o qual foi eleito pela maioria dos eleitores daquele

Município, pleiteada pela aludida Ação Civil Pública, repercutiria diretamente

na representação de seus eleitores.

17. Dessa forma, não havendo falar em ato passível de caracterização como

ímprobo, dada a possibilidade de contratação de Advogado particular para as

causas consideradas de interesse público, conforme assentado pela Instância a

quo, não merece guarida o presente Apelo Raro.

18. Diante do exposto, conhece-se do Recurso Especial do MP/MG e a ele

se nega provimento. É como voto.

VOTO-VENCEDOR

O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de recurso especial manejado pelo

Ministério Público do Estado de Minas Gerais com fundamento no art. 105,

III, a, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local, assim

ementado (fl . 900):

Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Agente político.

Preliminar de incompetência absoluta afastada. Inaplicabilidade da Lei n.

1.079/1950 aos prefeitos municipais. Particular. Aplicação do artigo 23, I, da

LIA. Equiparação à agente público. Interpretação extensiva do artigo 3º da LIA.

Sujeição às mesmas normas de agente público. Contratação de advogado. Atos

praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. Espécie em que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

162

não houve condenação do agente político na causa para a qual o advogado fora

contratado. Inexistência de desvio de fi nalidade. Sustentação de atos praticados

no exercício do mandato. Recursos dos réus providos. Prejudicado recurso

ministerial.

A parte recorrente aponta violação aos arts. 9º, 11 e 12 da Lei n. 8.429/1992,

ao argumento de que a contratação de advogado com verba pública, para a

defesa dos interesses particulares do prefeito do Município de Sete Lagoas/

MG, constitui ato de improbidade administrativa.

Sustenta ainda que, apesar da atuação do causídico supostamente preservar

os interesses do poder público, o objeto do contrato radicou na realização da

defesa pessoal do prefeito em duas ações civis públicas pela suposta prática de

ato de improbidade, inclusive sem a participação do Município no polo passivo

de uma delas.

O Ministério Público Federal, no parecer às fl s. 1.029/1.037, opinou pelo

conhecimento e provimento do apelo nobre.

O eminente relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, ao apreciar

as razões do inconformismo, concluiu por evidente o interesse público na

contratação de advogado na defesa de Prefeito, em ações civis públicas nas quais

é imputado ao agente público supostos atos ilícitos cometidos no exercício da

função, negando, por isso, provimento ao recurso especial do Ministério Público.

Para examinar a questão mais de perto, pedi vista dos autos.

A discussão em andamento está em defi nir se resta aperfeiçoado ato de

improbidade, ou não, no fato de advogado particular, regularmente contratado

para a exclusiva defesa de interesses do Município em juízo, exercitar a defesa

do respectivo Prefeito em ação de improbidade contra este último proposta.

Nas razões de seu recurso especial, o Ministério Público do Estado de

Minas Gerais sustenta que “O então prefeito estava sendo judicialmente

responsabilidade [sic] pelas práticas de atos de improbidade administrativas,

caracterizadores de ofensas ao próprio patrimônio público do Município de

Sete Lagoas. Diante desse quadro, independentemente do resultado fi nal dos

respectivos processos, os interesses pessoais do alcaide eram - e são - colidentes

com o interesse público municipal.” (fl . 962)

De logo, cumpre aqui distinguir, a questão ora posta em julgamento não

se confunde com o debate que será travado na vindoura apreciação do RE

656.558/SP, relator Ministro Dias Toff oli, com repercussão geral, em torno

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 163

da caracterização de improbidade administrativa, ou não, na contratação de

serviços de advocacia privada pelo ente público, com dispensa de licitação.

Voltando ao tema veiculado no especial apelo, a jurisprudência do STJ já

teve ensejo de afi rmar que confi gura uso ilícito da máquina pública a utilização

de procurador público, ou a contratação de advogado particular, para a defesa de

interesse pessoal do agente político, exceto nos casos em que houver interesse

convergência com o próprio interesse da Administração.

Nesse sentido, reproduz-se o seguinte e emblemático precedente:

Processual Civil. Administrativo. Dissídio jurisprudencial configurado.

Conhecimento parcial do recurso especial. Contratação de advogado privado

para defesa de prefeito em ação civil pública. Ato de improbidade.

1. Merece ser conhecido o recurso especial, se devidamente confi gurado o

dissídio jurisprudencial alegado pelo recorrente.

2. Se há para o Estado interesse em defender seus agentes políticos, quando

agem como tal, cabe a defesa ao corpo de advogados do Estado, ou contratado

às suas custas.

3. Entretanto, quando se tratar da defesa de um ato pessoal do agente político,

voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta do órgão

público, corram as despesas com a contratação de advogado. Seria mais que uma

demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário.

4. Agravo regimental parcialmente provido, para conhecer em parte do recurso

especial.

5. Recurso especial improvido.

(AgRg no REsp 681.571/GO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,

julgado em 6.6.2006, DJ 29.6.2006, p. 176)

Dessa forma, a solução da controvérsia em análise exige que se examine

se a atuação do causídico contratado se deu diante da existência de interesse do

Município contratante, ou se a defesa realizada atendeu primordialmente aos

interesses particulares do agente público implicado, em pretensa colisão com os

interesses da Municipalidade.

No caso, o Tribunal a quo, ao examinar os contornos fáticos da lide, assim

se pronunciou (fl s. 916/926):

Cinge a questão em saber se as contratações do advogado Raimundo Cândido

Júnior às expensas do Município de Sete Lagoas, pelo ex-Prefeito Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira, se deram em virtude de interesse pessoal (particular) ou

se, ao contrário, fora para defesa de interesses da Municipalidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

164

Os dois contratos de prestação de serviços realizados entre o Município de

Sete Lagoas e o advogado Raimundo Candido Júnior constam dos autos às fl s.

51/52 e 103/104, oriundos, respectivamente, dos processos administrativos de

inexigibilidade de licitação n. 03/99 e 09/99, nos moldes do art. 25, inciso II,

combinado com art. 13, inciso V, ambos da Lei n. 8.666/1993 (fl s. 35/36).

1º Contrato de Prestação de Serviços

O primeiro contrato de prestação de serviço teve como objeto a interposição

e acompanhamento até trânsito em julgado de agravo de instrumento junto ao

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em defesa do Município, visando

dar efeito suspensivo e revogar decisão de 1ª instancia concedida na ação civil

pública, Processo n. 2.360-4 tramitando na Secretaria da 3ª Vara Cível da Comarca

de Sete Lagoas que acolhera, liminarmente, vários pedidos do d. RMP.

[...]

Ao contrário do que se afirma na r. sentença recorrida, a contratação do

advogado Raimundo Candido Júnior não objetivou fi m particular do Prefeito. Ao

contrário, buscou resguardar o andamento normal da máquina administrativa e

de seu representante político. Ora, foram requeridas e até deferidas, liminarmente,

de permeio com algumas medidas de caráter pessoal, relativas ao agente réu,

outras de repercussão na administração do Município, a suspensão de todas as

obras e a suspensão de qualquer pagamento a ser efetuado pela Municipalidade.

Inegável a necessidade de resguardar o regular exercício do Poder Executivo

Municipal. As medidas requeridas contra a pessoa do agente eram de natureza

subsidiária, para servir de prova a indigitados atos argüidos de improbidade, que

teriam sido praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. A

inicial não separa a prática de atos pessoais de atos administrativos.

De fato, razão assiste ao requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira

quando afi rma que era evidente o interesse público da contratação do advogado

Raimundo Cândido Júnior, tanto que o próprio juízo indeferira a petição inicial e

extinguira o processo sem exame do mérito (fl s. 701).

2º Contrato de Prestação de Serviços

O segundo contrato de prestação de serviço teve como objeto a prestação

de serviços de assessoria jurídica e serviços profi ssionais no município perante

os Tribunais Superiores, abrangendo as áreas de Direito Administrativo,

Constitucional e outras de atuação do Município. A duração do contrato fora

de 13 meses e pelos serviços contratados a contratante pagou ao advogado

contratado a importância de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), em 13

(treze) parcelas mensais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (fl s. 103).

[...]

Data vênia, ao contrário do entendimento da i. Magistrada, a interposição

do agravo de instrumento pelo advogado contratado não buscou resguardar

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 165

interesses particulares do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (fl s.

633). Ao contrário, a interposição do agravo de instrumento referido (182.881-

3) buscou a suspensão dos efeitos da antecipação da tutela deferida pelo Juízo

da 3ª Vara Cível da Comarca de Sete Lagoas que afastou o Prefeito e outros

agravantes das funções públicas exercidas naquela municipalidade. Ao

agravo de instrumento fora dado efeito suspensivo em decisão do eminente

Desembargador Carreira Machado (vide fl s. 245/256).

[...]

Portanto, não há elementos nos autos que corrobore a alegação do Ministério

Público de que as duas contratações para prestação de serviços de advocacia

tenha se dado para defesa de interesses particulares. O que se extrai dos autos é

que tanto na ação civil pública de natureza cautelar de n. 67299002360-4, como

na Ação Civil Pública de n. 67299011711-7 imputadas ao requerido Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira não houve condenação e as contratações efetivadas

se deram com advogado de notória especialização para a defesa de Prefeito

na condição de réu em ações civis públicas que lhe imputavam fraudes em

processos licitatórios e atos de improbidade.

Logo, no sentir do acórdão estadual, a questionada atuação do defensor

contratado teria se materializado não apenas em benefício do Prefeito

demandado, mas do próprio Município de Sete Lagoas, sem qualquer sentido

de colisão entre seus interesses.

Ouso, no entanto, dissentir dessa respeitável perspectiva.

Com efeito, é incontroverso que nas duas reportadas ações, nas quais

houve a efetiva atuação jurídica do recorrente Raimundo Cândido Júnior, em

nenhuma delas fi gurava o Município de Sete Lagoas como parte ré, sendo certo

que a atuação daquele causídico visou, de forma direta, à defesa dos interesses do

então Prefeito Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (também recorrido), ainda

que, por via refl exa, possam, ao fi nal das ações, ter sido alegadamente atendidos

os interesses da Municipalidade.

Nesse contexto, chama atenção a inusitada circunstância de que o advogado

Raimundo Cândido Júnior, com base no segundo contrato fi rmado com o

Município de Sete Lagoas, para a específi ca defesa de seus interesses junto aos

“Tribunais Superiores” (fl s. 106/107, cláusula 2ª), tenha, inclusive, patrocinado

a defesa do então Prefeito Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira nas instâncias

ordinárias da Justiça estadual mineira, a saber, no âmbito da Ação Civil por

Improbidade n. 672.99.011711-7, em claro desvio da fi nalidade para a qual

foi contratado, ou seja, atuar nas Cortes Superiores e na exclusiva defesa do

Município.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

166

Impressiona, por igual, a incontestada afi rmação feita pela ilustre juíza

sentenciante, doutora Simone Lemos Botoni, no sentido de que, na ação recém-

mencionada, “verifi ca-se que o causídico Raimundo Cândido Júnior, apesar de

contratado e remunerado pelo Município de Sete Lagoas, atuou diretamente na

defesa do requerido Marcelo Cecé Vasconselos de Oliveira, fato este demonstrado

através da cópia do agravo de instrumento por ele interposto contra decisão

daquele feito (fl s. 257/271). Constata-se da cópia do referido reclamo que o

Município de Sete Lagoas já estava representado na referida demanda pelos

advogados Fernando Geraldo Faria Roque e Newton Geraldo Machado (fl . 259),

indicando, então o endereço da sede da Prefeitura neste Município. O conteúdo

da peça de agravo (fl s. 258/271) interposto pelo requerido Raimundo Cândido

Júnior demonstra também que a defesa por ele subscrita estava endereçada ao

requerido Marcelo Cecé e não ao Município.” (fl . 695)

Noutro passo, não prospera o argumento de que as ações intentadas

pelo Parquet contra o então Chefe do Executivo Municipal, por atos ligados

ao exercício da função e com fulcro na Lei de Improbidade Administrativa,

porque colocariam em risco o exercício de seu mandato outorgado pelo Povo,

legitimariam, só por si, a defesa dos interesses daquele Prefeito por advogado

contratado apenas para a defesa do respectivo Município. O acórdão local,

aliás, parece ter recepcionado essa tese, ao asseverar que “o serviço prestado pelo

advogado contratado não se deu para fi ns particulares mas, diversamente, para a

defesa de atos praticados no exercício de mandato popular” (fl . 928). Não colhe,

contudo, tal argumento, pois, no caso ora examinado, havia, ao menos em tese,

colisão entre os interesses do Município de Sete Lagoas e de seu então Prefeito

Marcelo Cecé.

Certo é que, não há negar, em se tratando de ação civil por improbidade

administrativa, a vontade do legislador foi a de proteger a Administração

Pública contra condutas inadequadas de seus agentes públicos, cujo contexto

conduz à compreensão de que se colocam em disputa interesses nitidamente

inconciliáveis. Como explica MATEUS BERTONCINI, “No plano normativo,

os atos de improbidade administrativa são cometidos contra as pessoas jurídicas

de direito público interno” (Ato de improbidade administrativa: 15 anos da Lei

n. 8.429/92. São Paulo: RT, 2007, p. 256). Realmente, não se pode conceber a

possibilidade de que uma mesma defesa técnica em juízo possa, a um só tempo,

atender simultaneamente ao interesse público da entidade alegadamente lesada

e ao interesse pessoal do agente a quem se atribui a ofensa descrita na lei de

regência (8.429/1992).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 167

De outra parte, o ponto também trazido pelos réus, no sentido de que a

defesa técnica exercitada pelo advogado Raimundo Cândido Júnior resultou

vitoriosa nas ações em que atuou, com a rejeição de ambas (cautelar e principal),

por isso que o interesse público teria sido preservado, tal aspecto, data venia,

mostra-se desinfl uente para se desqualifi car a ocorrência de improbidade no caso

em exame, mesmo porque, em tese, os interesses do Prefeito e da Municipalidade,

nos termos das imputações ministeriais, revelavam-se visivelmente confl itantes.

O que, então, está em discussão é a possibilidade legal de que o advogado

contratado exercesse a defesa de Gestor a quem se imputava práticas ímprobas

contrárias aos interesses da Pessoa Pública por ele gerida. Nessa perspectiva,

pois, é certo que a confi guração da prática ímproba, no caso dos presentes

autos, não deve ser regida segundo o êxito alcançado nas pretéritas lides, em

que o recorrente Raimundo (advogado contratado) defendeu os interesses

do recorrente Marcelo Cecé (então Alcaide), devendo-se, por isso, afastar a

incidência da diretriz consubstanciada na álea secundum eventum litis.

O professor FÁBIO MEDINA OSÓRIO, em percuciente estudo

(Improbidade administrativa decorrente de despesas públicas ilegais e imorais:

aspectos práticos da Lei n. 8.429/92. Revista Jurídica, Porto Alegre, 235,

mai/1997, p. 144-5), ao examinar a existência de interesse público nesse

específi co tipo de contratação, faz o seguinte alerta:

Nos processos criminais e nas ações cíveis em que se questionam os atos

dos administradores públicos, dos agentes políticos, o que se busca, pela Lei

n. 8.429/1992, é uma responsabilização pessoal, figurando o Ente Público,

inclusive, como litisconsorte ativo da demanda (art. 17, § 3º, da Lei n. 8.429/1992),

mostrando-se inviável aceitar a idéia de que o próprio Ente Público pudesse arcar

com os custos da defesa pessoal daqueles que são acusados de crimes contra

seus interesses!

Assim conclui o ilustre autor:

Em tal hipótese, fi cam sujeitos às sanções da Lei n. 8.429/1992 o agente político

(ou qualquer outro agente público) - que é responsável direto pela contratação

ou utilização indevida de um profi ssional vinculado ao Município - e o próprio

advogado que se prestar a essa espécie de atividade ilícita de atendimento

simultâneo a interesses confl itantes, bem como aquele que se benefi ciar desses

serviços ilegais e inconstitucionais.

Em suma, a conduta ímproba irrogada aos dois réus, ora recorrentes,

emerge francamente delineada, não restando dúvida sobre terem ambos agido

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

168

de forma dolosa. A tal propósito, a mesma julgadora de primeiro grau, com

precisão, fez assinalar, verbis: “Forçoso reconhecer, deste modo, que a contratação

livre e consciente feita pelo primeiro requerido, Marcelo Cecé Vasconcelos

de Oliveira, às expensas do Município de Sete Lagoas, do segundo requerido,

Raimundo Cândido Júnior, para que este efetuasse sua defesa particular em

ações envolvendo supostos atos ímprobos contra interesses do Ente Municipal

pagador, caracteriza ato de improbidade. Da mesma forma, a concordância

do requerido Raimundo Cândido Júnior em efetivar a defesa de agente

público envolvido em supostos atos de improbidade contra a própria Fazenda

Pública responsável pelo pagamento de seus honorários, demonstra claramente

conduta que afronta os princípios da moralidade, caracterizando, pois, ato de

improbidade” (fl . 702).

Oportuno, também, trazer à colação precedente deste Colegiado, que

ao apreciar questão semelhante, reconheceu como ímproba a contratação de

advogado, pelo Poder Público, para a realização da defesa pessoal de agente

público seu, em processo a que este responde por ação de improbidade:

Processual Civil. Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa.

Contratação de advogado para defesa pessoal de prefeito por ato de improbidade.

Recurso especial. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ.

1. As despesas com a contratação de advogado para a defesa de ato pessoal

perpetrado por agente político em face da Administração Pública não denota

interesse do Estado e, a fortiori, deve correr às expensas do agente público, sob

pena de confi gurar ato imoral e arbitrário, exegese que não nega vigência aos

artigos 22 e 23 da Lei n. 8.906/1994.

2. A 2ª Turma desta Corte, no julgamento de leading case versando hipótese

análoga, decidiu:

Processual Civil. Administrativo. Dissídio jurisprudencial confi gurado.

Conhecimento parcial do recurso especial. Contratação de advogado

privado para defesa de prefeito em ação civil pública. Ato de improbidade.

1. Merece ser conhecido o recurso especial, se devidamente confi gurado

o dissídio jurisprudencial alegado pelo recorrente.

2. Se há para o Estado interesse em defender seus agentes políticos,

quando agem como tal, cabe a defesa ao corpo de advogados do Estado,

ou contratado às suas custas.

3. Entretanto, quando se tratar da defesa de um ato pessoal do agente

político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir que, por conta

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 169

do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado.

Seria mais que uma demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário.

4. Agravo regimental parcialmente provido, para conhecer em parte do

recurso especial.

5. Recurso especial improvido. (AgRg no REsp 681.571/GO, Relatora

Ministra Eliana Calmon, DJ de 29.6.2006)

3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual, objetivando o

ressarcimento ao erário municipal dos prejuízos advindos do pagamento, pela

municipalidade, de honorários a advogado contratado para a defesa pessoal de

Prefeito Municipal, processado por crime de responsabilidade (art. 1º, inciso VI, do

Decreto-Lei n. 201/1967).

4. A simples indicação do dispositivo tido por violado (art. 47 do CPC), sem

referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do

recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ: “Inadimissível recurso especial

quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi

apreciada pelo Tribunal a quo.”

5. Ad argumentandum tantum, ainda que transposto o óbice da Súmula 211/

STJ, melhor sorte não socorre o recorrente no que pertine à aventada necessidade

de citação do Município, na qualidade de litisconsorte passivo necessário,

notadamente porque o acórdão local afastou o interesse da Municipalidade,

sob a alegação de inexistência de qualquer “fagulha de interesse do Município

em suportar a defesa de seus representantes em ação que visa a imposição de

pena por menoscabo à prática de atos que lhe são inerentes pela condição de

Prefeito (prestação de contas), e que visam a preservação da transparência na

Administração”, o que evidentemente denota incursão em matéria de índole

fática, interditada em sede de recurso especial pela Súmula 7/STJ.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

(REsp 703.953/GO, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em

16.10.2007, DJ 3.12.2007, p. 262)

Em síntese, deve o recurso especial do Ministério Público mineiro

ser acolhido para, unicamente, reconhecer-se terem os réus Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira e Raimundo Cândido Júnior incorrido, de forma dolosa,

nos atos de improbidade defi nidos na sentença de primeiro grau (fl s. 686/707),

que enquadrou suas condutas, respectivamente, nas hipóteses previstas nos arts.

9º, IV (Marcelo) e 11, I (Raimundo), da Lei n. 8.429/1992. No mais, não poderá

este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância, avançar

na resolução dos demais pedidos formulados, em caráter de eventualidade, nas

apelações de ambos os réus (fl s. 730/751 e 757/788), bem assim no que atine

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

170

ao pedido de agravamento da solução sentencial relativa ao réu Raimundo

Cândido Júnior, tal como pleiteado na apelação do Ministério Público de

primeira instância (fl s. 796/808).

Ante o exposto, ousando dissentir da conclusão a que chegou o eminente

Relator, dou parcial provimento ao recurso especial na extensão explicitada no

parágrafo antecedente, ou seja, com o posterior e oportuno retorno dos autos ao e.

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para que prossiga na apreciação

residual das três sobreditas apelações.

É o voto.

VOTO-VISTA

Ementa: Administrativo. Recurso especial. Ação civil pública

por atos de improbidade administrativa. Contratação de advogado

privado às expensas do Município para defesa de interesses de gestor

acusado da prática de atos ímprobos. Colisão de interesses. Infrações

de enriquecimento ilícito e violação dos princípios da administração

confi guradas. Recurso especial provido em parte, acompanhando a

divergência inaugurada pelo Ministro Sérgio Kukina.

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto

com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal

contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

assim ementado (fl . 900):

Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Agente político.

Preliminar de incompetência absoluta afastada. Inaplicabilidade da Lei n.

1.079/1950 aos prefeitos municipais. Particular. Aplicação do artigo 23, I, da

LIA. Equiparação à agente público. Interpretação extensiva do artigo 3º da LIA.

Sujeição às mesmas normas de agente público. Contratação de advogado. Atos

praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. Espécie em que

não houve condenação do agente político na causa para a qual o advogado fora

contratado. Inexistência de desvio de fi nalidade. Sustentação de atos praticados

no exercício do mandato. Recursos dos réus providos. Prejudicado recurso

ministerial.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais alega violação dos arts.

9º, 11 e 12 da Lei n. 8.429/1992, sustentando que o ex-prefeito do Município

de Sete Lagoas/MG, ao contratar causídico para a defesa de interesses

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 171

particulares utilizando-se de verba do erário municipal, praticou o ato de

improbidade administrativa de enriquecimento ilícito (art. 9º, IV) e que o

advogado contratado às expensas da Municipalidade incorreu na prática do ato

de violação dos princípios da administração pública (art. 11, I) (fl s. 963-964).

Ao fi nal, requer “o conhecimento e provimento deste recurso especial, a

fi m de reformar o v. acórdão de fl s., dando provimento ao recurso de apelação do

Ministério Público do Estado de Minas Gerais” (fl . 966).

Contrarrazões às fl s. 970-944.

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo provimento do apelo

(fl s. 1.029-1.037).

O Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho negou provimento

ao recurso especial do Parquet Mineiro, ao fundamento de ser inafastável o

interesse público na contratação de causídico, com notória especialização, para a

defesa de prefeito em ação civil pública por atos de improbidade administrativa

perpetrados no exercício do mandato.

O Ministro Sérgio Kukina inaugurou a divergência para dar provimento

em parte ao apelo do Ministério Público estadual, por entender estarem

confi gurados os atos de improbidade administrativa imputados ao ex-prefeito

e ao advogado contratado para sua defesa em ação civil pública por ato de

improbidade administrativa, tendo em vista existir colisão entre os interesses do

Município e do ex-gestor.

Pedi vista dos autos.

Cinge-se a controvérsia em saber se a contratação de advogado, às expensas

do ente público, para defesa de interesses pessoais de ex-alcaide, confi gura ato

de improbidade administrativa.

O Tribunal a quo afastou os atos de improbidade imputados aos recorridos,

ao fundamento de que a defesa realizada pelo advogado contratado pelo ex-

prefeito ocorreu nos interesses da Municipalidade. Para melhor elucidação,

reproduzo excertos do acórdão recorrido, in verbis (fl s. 916-928):

Mérito

1ª Apelação - Raimundo Cândido Júnior

2ª Apelação - Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira

O mérito das apelações acima versam as mesmas questões ou questões cuja

afi nidade autoriza o tratamento conjunto de ambas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

172

Cinge a questão em saber se as contratações do advogado Raimundo Cândido

Júnior às expensas do Município de Sete Lagoas, pelo ex-Prefeito Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira, se deram em virtude de interesse pessoal (particular) ou se,

ao contrário, fora para defesa de interesses da Municipalidade.

Os dois contratos de prestação de serviços realizados entre o Município de

Sete Lagoas e o advogado Raimundo Cândido Júnior constam dos autos às fl s.

51/52 e 103/1.104, oriundos, respectivamente, dos processos administrativos

de inexigibilidade de licitação n. 03/99 e 09/99, nos moldes do art. 25, inciso II,

combinado com art. 13, inciso V, ambos da Lei n. 8.666/1993 (fl s. 35/36).

1º Contrato de Prestação de Serviços

O primeiro contrato de prestação de serviço teve como objeto a interposição

e acompanhamento até transito em julgado de agravo de instrumento junto ao

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em defesa do Município, visando

dar efeito suspensivo e revogar decisão de 1ª instância concedida na ação civil

pública, Processo n. 2.360-4 tramitando na Secretaria da 3ª Vara Cível da Comarca

de Sete Lagoas que acolhera, liminarmente, vários pedidos do d. RMP.

Pelos serviços contratado a contratante pagou ao advogado contratado a

importância global de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em 3 (três) parcelas mensais

e consecutivas de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo a primeira paga em 8.5.1999

(fl s. 51).

[...]

Ao contrário do que se afi rma na r. sentença recorrida, a contratação do advogado

Raimundo Cândido Júnior não objetivou fi m particular do Prefeito. Ao contrário,

buscou resguardar o andamento normal da máquina administrativa e de seu

representante político. Ora, foram requeridas e até deferidas, liminarmente, de

permeio com algumas medidas de caráter pessoal, relativas ao agente réu, outras

de repercussão na administração do Município, a suspensão de todas as obras e a

suspensão de qualquer pagamento a ser efetuado pela Municipalidade. Inegável

a necessidade de resguardar o regular exercício do Poder Executivo Municipal.

As medidas requeridas contra a pessoa do agente eram de natureza subsidiária,

para servir de prova a indigitados atos argüidos de improbidade, que teriam sido

praticados no exercício da chefi a do Poder Executivo Municipal. A inicial não

separa a prática de atos pessoais de atos administrativos.

De fato, razão assiste ao requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira quando

afi rma que era evidente o interesse público da contratação do advogado Raimundo

Cândido Júnior, tanto que o próprio juízo indeferira a petição inicial e extinguira o

processo sem exame do mérito (fl . 701).

2º Contrato de Prestação de Serviços

O segundo contrato de prestação de serviço teve como objeto a prestação

de serviços de assessoria jurídica e serviços profi ssionais no município perante

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RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 173

os Tribunais Superiores, abrangendo as áreas de Direito Administrativo,

Constitucional e outras de atuação do Município. A duração do contrato fora

de 13 meses e pelos serviços contratados a contratante pagou ao advogado

contratado a importância de R$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil reais), em 13

(treze) parcelas mensais de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) (fl s.103).

A i. Magistrada asseverou:

Nesta nova contratação, restou comprovada nos autos sua atuação na

Ação Civil Pública ajuizada pelo Órgão Ministerial para apuração de atos

de improbidade consistentes em supostas irregularidades em licitações

(Ação n. 672.99.011711-7 - cópia fl s. 211/230), envolvendo, dentre outros, o

requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira, o qual outorgou poderes

ao advogado Raimundo Cândido Júnior para realizar a defesa de seus

direitos (cópia de fl s. 236). Também nesta demanda não foi imputado ao

Município, como pessoa Jurídica de Direito Público, qualquer ilegalidade,

resumindo o pedido a condenação do noticiado agente político e demais

requeridos nas sanções previstas na Lei n. 8.429/1992.

Em relação à referida demanda, verifi ca-se que o causídico Raimundo

Cândido Júnior, apesar de contratado e remunerado pelo Município de

Sete Lagoas, atuou diretamente na defesa do requerido Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira, fato este demonstrado através da cópia do

agravo de instrumento por ele interposto contra decisão daquele feito (fl s.

257/271). Constata-se da cópia do referido reclamo que o Município de

Sete Lagoas já estava representado na referida demanda pelos advogados

Fernando Geraldo Faria Roque e Newton Geraldo Machado (fls. 259),

indicando, então o endereço da sede da Prefeitura neste Município.

O conteúdo da peça de agravo (fl s. 258/271) interposto pelo requerido

Raimundo Cândido Júnior demonstra também que a defesa por ele

subscrita estava endereçada ao requerido Marcelo Cecé e não ao Município

(fl s. 632, g.n).

O requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira, em sua apelação, sustenta que

seu afastamento temporário confi gurou interesse público já que fora eleito pelo voto

popular e a vontade das massas deveria ser preservada (fl s. 701). Sustentou, ainda,

que fora inocentado pela sentença prolatada pelo juízo primevo e o recurso, dela

interposto, fora desprovido.

De fato, o v. acórdão não condenou o requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de

Oliveira. O v. acórdão recebeu a seguinte ementa:

Ação civil pública. Ministério Público. Obras públicas de calçamento.

Licitação. Realização. Provas. Área. Excesso. Diante da comprovação de que as

obras públicas de calçamento, no Município de Sete Lagoas, se realizaram,

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mantém-se a sentença que acolheu, em parte, a pretensão inicial, apenas

quanto ao excesso de sua medição. Rejeita-se a preliminar e nega-se

provimento às apelações. (Apelação Cível n. 1.0672.99.011711-7/003 -

Comarca de Sete Lagoas - Apelante(s): Maurício Reis Campolina Primeiro(a)

(s), Ministério Público Estado Minas Gerais Segundo(a)(s) - Apelado(a)(s):

Maurício Reis Campolina, Ministério Público Estado Minas Gerais, José

Carlos da Silva e outro(a)(s), Vicente de Andrade e outro(a)(s), Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira - Relator: Exmo. Sr. Des. Almeida Melo).

Data vênia, ao contrário do entendimento da i. Magistrada, a interposição

do agravo de instrumento pelo advogado contratado não buscou resguardar

interesses particulares do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (fl s. 633).

Ao contrário, a interposição do agravo de instrumento referido (182.881-3) buscou

a suspensão dos efeitos da antecipação da tutela deferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível

da Comarca de Sete Lagoas que afastou o Prefeito e outros agravantes das funções

públicas exercidas naquela municipalidade. Ao agravo de instrumento fora dado

efeito suspensivo em decisão do eminente Desembargador Carreira Machado

(vide fl s. 245/256).

Por outro lado, se no julgamento da Apelação Cível n. 1.0672.99.011711-7/003,

da relatoria do eminente Desembargador Almeida Melo, acima citado, não houve

condenação do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira, a r. sentença, ora

impugnada, não poderia ter afi rmado que seus atos caracterizariam, “em tese” (sic,

fl s. 638), lesão aos cofres públicos. A existência de lesão já havia sido repelida.

Não se pode aceitar que uma condenação de magnitude da que foi imposta

aos apelantes resulte da afi rmação de que os contribuinte não podem arcar com

a contratação de advogado para defender agentes públicos da acusação de atos

que “em tese”, constituiriam crimes contra a cidadania.

Porque não se deve impor a ninguém a responsabilidade prévia e não

demonstrada de sofrer conseqüências de malfeitos de que não há provas de o

réu os obrou. Data vênia, a tese da sentença seria o equivalente a punir primeiro

para, se for o caso, inocentar depois. O réu Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira

já havia até sido inocentado das acusações que lhe foram encetadas na ação cível

pública onde ocorrera a contratação aqui versada (16.1.2007), quando a sentença,

ora impugnada, fora prolatada (29.1.2008). Tal circunstancia devia ser levada em

consideração, na forma do art. 462, do CPC.

O que restou demonstrado nos autos da Ação Civil Pública n. 672.99.011711-

7 é que o Ministério Público não conseguiu provar que o requerido Marcelo

Cecé Vasconcelos de Oliveira tivesse cometido algum ato de improbidade

administrativa.

Também sem sustentação o argumento lançado na r. sentença de que não

fora imputada ao Município, como pessoa Jurídica de Direito Público, qualquer

ilegalidade, resumindo o pedido a condenação do noticiado agente político e demais

requeridos nas sanções previstas na Lei n. 8.429/1992.

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RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 175

Ora, o Município, enquanto pessoa jurídica de direito público é incapaz de exprimir

vontade por conta própria. Qualquer imputação de conduta ilícita em relação ao

Estado é permeada por imputação a seus agentes. Nesse sentido, inclina-se a teoria

da imputação, já consagrada em Direito Administrativo. Logo, os fatos foram

imputados ao ex-Prefeito na condição de representante do Município por atos

praticados em sua gestão e referentes a ela. As imputações não trataram de atos

pessoais típicos e de interesses particulares isolados da fi gura do agente público,

mas de preservação de efeitos de atos praticados como e enquanto agente

público.

Portanto, nas duas ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério público contra

o Sr. Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira seu objeto foi as conseqüências de atos

praticados na qualidade de agente político e em relação à sua gestão.

O Prefeito Municipal não contratou advogado para defesa pessoal como,

v.g: em direito de família ou para defender-se de processo criminal comum

(homicídio). Estes sim, ao meu sentir, representariam interesses nitidamente

particulares do ex-Prefeito. Ao revés, o ex-Prefeito contratou advogado de notória

especialização para defender seu mandato político. Havia interesse público

manifestado na função que exercia - de agente político. Enfi m, os atos inquinados

de ímprobos foram atribuídos a quem exercera a função de Prefeito, em atividade

pública e não, privada.

Como governante do Município, adverte HELY LOPES MEIRELLES, o prefeito

é o seu representante legal e condutor dos negócios públicos locais; como

chefe do Executivo, é a autoridade suprema da Administração municipal,

tendo preeminência sobre todas as demais. A preeminência do prefeito na

Administração local decorre naturalmente da sua situação de chefe do Poder

Executivo, detentor de todos os instrumentos de ação de que dispõe o Município

para a realização de seus fi ns (in. Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros,

1996. p. 510/511).

Se a imputação fora endereçada a agente político sobre questões envolvendo

a sua gestão, não há como imputar-lhe como ato de improbidade administrativa,

a contratação de advogado para a defesa dos atos praticados no exercício de

suas funções públicas. Pela gravidade de suas sanções, a defesa em ações civis

públicas, bem como de improbidade administrativa, requerem a habilitação de

advogado ou de escritório de advocacia com notória especialização e da inteira

confi ança do Prefeito Municipal.

No julgamento da Apelação Cível n. 1.0518.02.032160-1/001, asseverei que: [...]

Portanto, não há elementos nos autos que corrobore a alegação do Ministério

Público de que as duas contratações para prestação de serviços de advocacia tenha

se dado para defesa de interesses particulares. O que se extrai dos autos é que tanto

na ação civil pública de natureza cautelar de n. 67299002360-4, como na Ação Civil

Pública de n. 67299011711-7 imputadas ao requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de

Oliveira não houve condenação e as contratações efetivadas se deram com advogado

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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de notória especialização para a defesa de Prefeito na condição de réu em ações civis

públicas que lhe imputavam fraudes em processos licitatórios e atos de improbidade.

À luz de tais considerações, verifica-se dos autos que o Sr. Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira não praticou ato de improbidade administrativa ao

contratar os serviços do advogado Raimundo Cândido Júnior, por inexigibilidade

de licitação, para a sua defesa pelos atos relacionados à sua Administração.

Dispõe o art. 9º, da LIA que constitui ato de improbidade administrativa

importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial

indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade

nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente: IV - utilizar, em

obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de

qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades

mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos,

empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

O artigo acima referido não se aplica ao presente caso, como visto acima.

A defesa do advogado contratado adveio de atos praticados pelo ex-Prefeito

Municipal no exercício de seu mandato e relativo à sua gestão, ou seja, de

interesse do próprio ente público. O serviço prestado pelo advogado contratado

não era particular mas, diversamente, de defesa de atos praticados no exercício

de mandato eletivo.

Da mesma forma, não se aplica ao caso o disposto no art. 10, caput, combinado

com inciso XIII, da LIA. Referido artigo dispõe que constitui ato de improbidade

administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou

culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou

dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e

notadamente: XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,

máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou

à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, bem

como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por

essas entidades.

Por fi m, dispõe o art. 11, da LIA que constitui ato de improbidade administrativa

que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou

omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e

lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fi m proibido em

lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

Ora, não restou demonstrado fi m proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência. Como dito, o serviço prestado pelo

advogado contratado não se deu para fi ns particulares mas, diversamente, para a

defesa de atos praticados no exercício de mandato popular.

Por oportuno, assinale-se que o aresto trazido à colação na sentença, de nossa

relatoria, versava agravo contra decisão que não recebera inicial da presente ação.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 177

Para esse fi m, bastaria apenas a possibilidade de se haver praticado ato ímprobo,

ainda que a improbidade pudesse ser vislumbrada apenas em tese.

3ª Apelação - Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Embora conhecido, o recurso do ora apelante, pelos motivos e fundamentos

acima, restou prejudicado. A tese central do voto é de que não houve ato de

improbidade, uma vez que os atos inquinados de ímprobos foram atribuídos a

agente político que exercera a função de Prefeito, em atividade pública e não,

privada. O serviço prestado pelo advogado contratado não se deu para fins

particulares mas, diversamente, para a defesa de atos praticados no exercício de

mandato popular. Logo, se não há ato de improbidade administrativa praticado

pelo primeiro e segundo apelantes, não há que se perquirir sobre as sanções do

artigo 10, XIII, e 11, ambos da LIA. Se a conduta não está qualifi cada de ímproba,

não há que se falar em sanção por ato de improbidade administrativa.

Por isso, considera-se prejudicado o recurso do Ministério Público.

Conclusão

Por todo o exposto, conheço dos recursos e, no mérito, dou provimento ao

primeiro e segundo recurso e julgo prejudicado o terceiro recurso (grifo nosso).

Salvo melhor juízo, entendo que essa não seja a melhor valoração conferida

aos fatos e provas coligidos aos autos.

A jurisprudência desta Corte, a meu ver de maneira escorreita, há muito

sinalizou no sentido de que “[s]e há para o Estado interesse em defender seus

agentes políticos, quando agem como tal, cabe a defesa ao corpo de advogados

do Estado, ou contratado às suas custas. Entretanto, quando se tratar da defesa de

um ato pessoal do agente político, voltado contra o órgão público, não se pode admitir

que, por conta do órgão público, corram as despesas com a contratação de advogado.

Seria mais que uma demasia, constituindo-se em ato imoral e arbitrário” (AgRg no

REsp n. 681.571/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 29.6.2006 – grifo

nosso).

Em caso análogo, a Primeira Turma, em acórdão da relatoria do Ministro

Luiz Fux, reconheceu que “as despesas com a contratação de advogado por

agente político em face da Administração Pública não denota interesse do Estado

e, a fortiori, deve correr às expensas do agente público, sob pena de confi gurar

ato imoral e arbitrário” (REsp 703.953/GO, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira

Turma, DJe de 3.12.2007 – grifo nosso). Também nesse toar, é o seguinte

julgado: AgRg no REsp 798.100/RO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda

Turma, DJe de 9.11.2009.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

178

Portanto, a contratação de advogado às custas do erário somente será

possível se o gestor público, no exercício do mandato, for processado por atos

que não atentem contra o Poder Público.

No caso, revela-se extreme de dúvidas a existência de lesão aos interesses

do Município de Sete Lagoas/MG, que arcou com os honorários do causídico

contratado para defender o ex-prefeito em ações civis públicas por atos de

improbidade administrativa – n. 672.99.002.360-4 (natureza cautelar) e n.

672.99.011711-7 – cujos objetos residem na apuração de enriquecimento ilícito

e de violação de princípios da administração pública.

Digo isso por uma razão muito óbvia, não parece crível que o povo tenha

conferido ao prefeito um mandato para fins de prática de atos ímprobos,

especifi camente de enriquecimento ilícito (art. 9º da LIA), ou seja, explicitamente

contrários aos interesses da Municipalidade. Tal conclusão é corroborada pelo

fato de o Município não constar do polo passivo de nenhuma das referidas

demandas, pelo contrário, fora citado para fi gurar como benefi ciário em caso

de eventual procedência das ações (art. 17, § 3º, da LIA), tendo em vista que

o Parquet estadual ajuizou a ação com fi m de zelar pela defesa do patrimônio

público (fl . 289).

Ademais, consoante bem anotou o Ministro Sérgio Kukina, é certo que

o advogado Raimundo Cândido Júnior, apesar de ter sido contratado para a

defesa exclusiva dos interesses municipais perante os “Tribunais Superiores”,

atuou na instância ordinária na defesa pessoal do ex-alcaide nos autos da Ação

Civil Pública por Improbidade Administrativa n. 672.99.011711-7, revelando

manifesta violação dos princípios da legalidade e fi nalidade tanto pelo gestor

como pelo causídico.

Nesse passo, de acordo com o referido princípio, “o alvo a ser alcançado

pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse

público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso

sempre uma atuação discriminatória” (CARVALHO FILHO, José dos Santos.

Manual de direito administrativo. 16ª ed. Rio de Janeiro: 2006, p. 17).

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao lecionar sobre os princípios da

legalidade e fi nalidade, afi rma que “em rigor, o princípio da fi nalidade não é uma

decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele;

está nele contido” e, por essa razão, haverá “desvio de poder e, em consequência,

nulidade do ato, por violação da fi nalidade legal, tanto nos casos em que a atuação

administrativa é estranha a qualquer fi nalidade pública quanto naqueles em que ‘o

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 179

fi m perseguido, se bem que de interesse público, não é o fi m preciso que a lei assinalava

para tal ato’” (BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, 26ª

ed. São Paulo: Malheiros, pág. 106-107 – grifo nosso).

Nessa linha, o juízo singular identifi cou claramente o dolo dos recorridos na

contratação dos serviços de advocacia realizado às expensas da Municipalidade

e para o fi m precípuo de defesa de atos particulares do ex-gestor. A propósito,

confi ram-se trechos da sentença (fl s. 693-702):

Na espécie, observa-se de início que, conforme requisição n. 43/99 (fl . 42),

consulta de licitações e compras (fl s. 45/47) e contrato de prestação de serviços

acostados às fl s. 51/52, o requerido Raimundo Cândido Júnior foi contratado pelo

Município de Sete Lagoas para “interposição e acompanhamento até trânsito em

julgado do Agravo de Instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas

Gerais, em defesa do Município, visando dar efeito suspensivo e revogar decisão de 1ª

Instância concedida na Ação Civil Pública, Processo n. 2.360-4 tramitando na 3ª Vara

Cível desta Comarca” (fl . 51).

Os pagamentos relativos à esta prestação de serviços foram devidamente

realizados, conforme demonstrado através da nota de empenho acostada à fl . 58

e ordens de pagamento de fl s. 54, 68 e 80, totalizando o montante histórico bruto

de R$ 30.000,00.

Verifi ca-se dos documentos acostados às fl s. 128/151, que referida ação civil

pública, de caráter cautelar (672.99.002360-4), buscava a suspensão de qualquer

pagamento pelo Município a fornecedores envolvidos em supostos atos de

improbidade, atualmente em apuração, quebras de sigilos bancários e fi scais

dos réus, depósito judicial dos pagamentos pertencentes aos agentes políticos

envolvidos, etc., (fl s. 149/151). Não se verifi cou nesta ação cautelar, contudo,

qualquer obrigação de fazer ou imposição que prejudicasse diretamente o

Município, havendo apenas determinação para que este Ente Público suspendesse

pagamentos a fornecedores e agentes públicos, suspensão esta devidamente

respaldada por ordem judicial.

Tal medida cautelar, portanto, buscou resguardar os interesses do Município,

suspendendo pagamentos à empresas e agentes políticos que, em tese, estariam

lesando o erário municipal.

Nota-se dos autos, também, que o requerido Raimundo Cândido Júnior foi

novamente contratado pelo Município, visando “a prestação de serviços de assessoria

jurídica e serviços profissionais no município perante os Tribunais Superiores,

abrangendo as áreas de Direito Administrativo, constitucional e outras áreas de

atuação”, restando demonstrados os referidos pagamentos que alcançaram, sem os

descontos legais, o montante histórico de R$ 65.000,00 (fl s. 91/120).

Nesta nova contratação, restou comprovada nos autos sua atuação na Ação Civil

Pública ajuizada pelo Órgão Ministerial para apuração de atos de improbidade

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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consistentes em supostas irregularidades em licitações (Ação n. 672.99.011711-7 -

cópia fl s. 211/230), envolvendo, dentre outros, o requerido Marcelo Cecé Vasconcelos

de Oliveira, o qual outorgou poderes ao advogado Raimundo Cândido Júnior para

realizar a defesa de seus direitos (cópia de fl s. 236). Também nesta demanda

não foi imputado ao Município, como pessoa Jurídica de Direito Público, qualquer

ilegalidade, resumindo o pedido a condenação do noticiado agente político e

demais requeridos nas sanções previstas na Lei n. 8.429/1992.

Em relação à referida demanda, verifi ca-se que o causídico Raimundo Cândido

Júnior, apesar de contratado e remunerado pelo Município de Sete Lagoas,

atuou diretamente na defesa do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de

Oliveira, fato este demonstrado através da cópia do agravo de instrumento por

ele interposto contra decisão daquele feito (fls. 257/271). Constata-se da cópia

do referido reclamo que o Município de Sete Lagoas já estava representado na

referida demanda pelos advogados Fernando Geraldo Faria Roque e Newton

Geraldo Machado (fl . 259), indicando, então o endereço da sede da Prefeitura

neste Município.

O conteúdo da peça de agravo (fls. 258/271) interposto pelo requerido

Raimundo Cândido Júnior demonstra também que a defesa por ele subscrita

estava endereçada ao requerido Marcelo Cecé e não ao Município.

[...]

Mostra-se caracterizado, assim, que a defesa apresentada pelo requerido

Raimundo Cândido Júnior no agravo de instrumento acima citado, ao buscar reverter

decisão de 1o grau, em nenhum momento protegeu o Ente Público, gerando, ao

contrário, efeitos danosos ao Município, porquanto visou resguardar justamente os

interesses do acusado Marcelo Cecé por supostos atos de improbidade cometidos em

detrimento do erário municipal.

Demais disso, não restando constatada qualquer imposição prejudicial ao Ente

Público, no caso o Município de Sete Lagoas, caberia a este, como Pessoa Jurídica de

Direito Público supostamente lesada, atuar, tão somente, em conjunto com o Órgão

Ministerial no pólo ativo ou então se abster de manifestar no feito.

[...]

No presente caso, os supostos atos praticados pelo requerido Marcelo Cecé

Vasconcelos de Oliveira nas ações civis públicas em que fi gura como réu caracterizam,

em tese, lesão aos cofres públicos, o que evidencia que não poderia este contratar,

às expensas do Município, advogado para garantir sua defesa naqueles feitos. Da

mesma forma, não poderia o causídico Raimundo Cândido Júnior, contratado e pago

pelo Município, exercer a defesa daquele que, repita-se, em tese, teria lesado o próprio

Ente Público que o contratou.

Por outro lado, a alegação do requerido Raimundo Cândido Júnior de que

“no momento da contratação foi-lhe afi rmado pelo representante do Município

(Marcelo Cecé) que deveria ele, advogado, defender os atos atacados pelo

Ministério Público” (fl. 360), não possui o condão de isentar-se da conduta

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 181

ímproba, porquanto, possui este independência profissional para análise de

eventual defesa prejudicial ao Ente que lhe contratou.

De mais a mais, conforme retro exposto, a defesa no procedimento 672.99.011711-

7 foi feita diretamente em nome do requerido Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira e

não em nome do Município, evidenciando claramente o desvio de fi nalidade do ato

de contratação do requerido Raimundo Cândido Júnior, que deveria defender os

interesses do Município e não do agente político que não se confunde com aquele.

[...]

Forçoso reconhecer, deste modo, que a contratação livre e consciente feita

pelo primeiro requerido, Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira, às expensas do

Município de Sete Lagoas, do segundo requerido, Raimundo Cândido Júnior,

para que este efetuasse sua defesa particular em ações envolvendo supostos

atos ímprobos contra interesses do Ente Municipal pagador, caracteriza ato de

improbidade.

Da mesma forma, a concordância do requerido Raimundo Cândido Júnior em

efetivar a defesa de agente político envolvido em supostos atos de improbidade

contra a própria fazenda pública responsável pelo pagamento de seus honorários,

demonstra claramente conduta que afronta os princípios da moralidade,

caracterizando, pois, ato de improbidade (grifo nosso).

Como se vê, o quadro fático delineado induz à conclusão de que inexiste

interesse público que justifi que o uso dos cofres públicos para o patrocínio

de defesa judicial de gestor acusado da prática de atos de improbidade

administrativa lesivos ao patrimônio público.

Por fi m, e não menos importante, não logra êxito a tese defensiva acolhida

no acórdão recorrido de que não houve condenação pela prática dos atos de

improbidade imputados aos recorridos, porque tal circunstância não tem o

condão de tornar inexistente o confl ito entre os interesses do ente político e do

ex-alcaide.

Ante o exposto, acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Sérgio

Kukina para dar provimento em parte ao recurso especial do Ministério Público do

Estado de Minas Gerais apenas para reconhecer a prática dos atos de improbidade

imputados aos recorridos Marcelo Cecé Vasconcelos de Oliveira (art. 9º, IV) e

Raimundo Cândido Júnior (art. 11, I), como reconhecido na sentença às fl s. 686-

707, devendo os autos retornar à origem para o exame dos pedidos subsidiários

contidos nas apelações dos recorridos, bem como quanto ao pleito de agravamento

das penas formulado pelo recorrente, sob pena de supressão de instância.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL N. 1.422.509-RS (2013/0396761-8)

Relatora: Ministra Regina Helena Costa

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social

Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF

Recorrido: Maria Lourda Fischer Bock

Advogados: Vilmar Lourenço e outro(s)

Imilia de Souza

EMENTA

Previdenciário. Art. 74 da Lei n. 8.213/1991. Pensão por morte.

Termo a quo. Violação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Situação fática

diferenciada reconhecida pelo Tribunal de origem. Aposentadoria por

idade indeferida administrativamente. Ação judicial proposta pelo

segurado. Óbito. Trânsito em julgado. Qualidade de segurado e direito

à aposentadoria reconhecidos judicialmente. Condição necessária para

a obtenção da pensão por morte.

I - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao

deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não

adotando a tese vertida pela Autarquia Previdenciária. Inexistência de

omissão.

II - Somente com o trânsito em julgado da decisão proferida na

Ação n. 2002.71.00.042914-5, foi possível à Autora requerer junto à

Autarquia Previdenciária a concessão de pensão por morte, momento

em que o INSS reconheceu a qualidade de segurado do falecido

cônjuge, condição indispensável à concessão do benefício.

III - A situação fática diferenciada, reconhecimento judicial

da qualidade de segurado somente após o falecimento do segurado,

autoriza a concessão da pensão por morte a contar da data do óbito do

instituidor do benefício.

IV - Recurso especial improvido.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Gurgel de

Faria, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina

(Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 5 de abril de 2016 (data do julgamento).

Ministra Regina Helena Costa, Relatora

DJe 12.4.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Regina Helena Costa: Trata-se de recurso especial

interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS contra acórdão

prolatado, por unanimidade, pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, assim ementado (fl . 192e):

Previdenciário. Pensão por morte do marido. Parcelas compreendidas entre a

data do óbito e a implantação administrativa do benefício.

1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência

do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da

condição de dependente de quem objetiva a pensão.

2. Evidenciou-se nos autos que ao falecer o marido da autora já havia

implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria urbana por idade.

3. Uma vez que a autora não poderia requerer a pensão por morte dentro

do prazo fi xado no artigo 74, inciso I, da Lei n. 8.213/1991, por ainda pender de

decisão judicial a demanda proposta por seu falecido marido para a obtenção de

sua aposentadoria por idade, faz jus às prestações do benefício compreendidas

entre a data do óbito e a implantação administrativa da pensão, reconhecendo-se

prescritas as parcelas anteriores a cinco anos contados do ajuizamento do feito.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (fl . 210e).

Com amparo no art. 105, III, a, da Constituição da República, aponta-se

ofensa aos dispositivos a seguir relacionados, alegando-se, em síntese, que:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

184

I. Art. 74 da Lei n. 8.213/1991 – impossibilidade de deferimento do

benefício pensão por morte com termo a quo na data do óbito quanto o

requerimento administrativo ocorreu mais de trinta dias depois do eventum

mortis; e

II. Art. 535, II, do Código de Processo Civil – negativa de prestação

jurisdicional.

Destaca, ainda, que “considerando que o óbito do instituidor ocorreu em

17.8.2003 e o benefício somente foi requerido em 30.9.2008, a data de início deve

ser fi xada na DER nos exatos termos do art. 74 da Lei n. 8.213/1991.” (fl . 219e).

Com contrarrazões (fl s. 227/232e), nas quais se aponta, preliminarmente, a

incidência do óbice da Súmula n. 7/STJ, e, no mérito, defende-se a manutenção

do julgado, o recurso foi admitido (fl . 238e).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Regina Helena Costa (Relatora): Por primeiro, haverá

contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil quando a omissão disser

respeito à fundamentação exposta, e não quando os argumentos invocados não

restarem estampados no julgado.

Ademais, constatada apenas a discordância do INSS com o deslinde da

controvérsia, não restou demonstrada efetiva omissão a ensejar a integração do

acórdão impugnado, porquanto a fundamentação adotada pela Corte de origem

é clara e sufi ciente para respaldar a conclusão alcançada.

Outrossim, a Lei n. 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios

da Previdência Social, estabelece no art. 74 a data de início da concessão do

benefício pensão por morte aos dependentes do de cujus, de acordo com o

momento do requerimento administrativo junto ao INSS ou, no caso de morte

presumida, da decisão judicial:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do

segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I - do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;

II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso

anterior;

III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 185

Desse modo, somente quando o benefício for requerido no prazo máximo

de trinta dias após o falecimento do segurado, será concedido a partir da data

do óbito. Caso o requerimento administrativo seja posterior ao prazo legal

estabelecido no inciso I, do art. 74 da Lei n. 8.213/1991, a data de início do

benefício será a data de entrada do requerimento.

Com efeito, o traço distintivo deste caso é justamente o reconhecimento,

pelo Tribunal de origem, que a situação fática ensejava a concessão da pensão

por morte desde o momento do óbito do instituidor do benefício, apesar de o

requerimento administrativo somente ter sido apresentado quase cinco anos

após o falecimento do segurado, conforme extrai-se da fundamentação (fl s.

188/191e):

Decorrentemente, em homenagem ao princípio do tempus regit actum, tendo

o segurado falecido no ano de 2003, em princípio o marco inicial da pensão

deveria se dar a partir da data do requerimento administrativo, em 30.9.2008

(marco referido no próprio recurso da autarquia no evento 3/23).

No caso dos autos, entretanto, há situação peculiar envolvendo a qualidade

de segurado do de cujus, que só pode ser verifi cada após o trânsito em julgado do

processo que em vida ele propôs contra a autarquia previdenciária, objetivando a

concessão de aposentadoria urbana por idade.

O juízo singular apreciou com profundidade a questão, merecendo transcrição

trecho da sentença:

(...) segundo alega a autora, o deferimento da pensão por morte

dependia do prévio reconhecimento da qualidade de segurado do de cujus,

o que seria objeto de análise no pedido de concessão da aposentadoria por

idade postulada pelo ex-segurado na via administrativa em 23.1.2002 e cujo

deferimento só foi possível após o trânsito em julgado da ação autuada sob

o n. 2002.71.00.042914-5, que tramitou perante a 3ª Vara do Juizado Especial

Previdenciário desta Subseção Judiciária, o que ocorreu somente no ano de

2008.

Assiste-lhe razão.

Com efeito, em tese a concessão da pensão por morte não depende da

obtenção pelo segurado falecido de aposentadoria mantida pelo RGPS,

mas, isto sim, reclama apenas a manutenção da qualidade de segurado até

a data do óbito, uma vez que sequer é exigido o cumprimento de prazo de

carência, conforme dicção do artigo 26, inciso I, da Lei n. 8.213/1991. Assim,

para que a autora obtivesse a pensão previdenciária decorrente do óbito de

seu marido, bastaria comprovar na via administrativa que este mantinha a

qualidade de segurado quando faleceu, sendo-lhe concedido de imediato

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

186

o benefício, independentemente da concessão, ou não, de aposentadoria

ao segurado falecido.

Ocorre que, no caso concreto, o ex-segurado Norbaldo Bock não exercia

atividade vinculada à Previdência Social desde 31.7.1999, termo final do

último contrato de emprego admitido na via administrativa por ocasião do

requerimento de aposentadoria por idade ao órgão previdenciário. Dessa

forma, a não ser em caso de procedência do pedido deduzido na Ação

Ordinária n. 2002.71.00.042914-5, que tramitou perante a 3ª Vara do Juizado

Especial Previdenciário desta Subseção Judiciária, e cujo fundamento era a

desnecessidade de concomitância dos requisitos legais para a concessão da

aposentadoria por idade, a autora não poderia requer ao órgão administrativo

a concessão da pensão, visto que tal benefício seria fatalmente indeferido sob o

fundamento de perda da qualidade de segurado.

Segue daí que, apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida

naqueles autos, com a conseqüente concessão da aposentadoria pleiteada

pelo de cujus, é que houve a possibilidade de obtenção do benefício de pensão

por morte pela autora, ainda que o gozo de benefício previdenciário não

constitua requisito ao deferimento da pensão por morte, conforme antes

referido. Por conseguinte, havendo a impossibilidade de atendimento do

prazo fi xado no artigo 74 da Lei n. 8.213/1991 por ainda pender de decisão

judicial a demanda proposta por seu falecido marido para a obtenção de sua

aposentadoria por idade, resta evidente que a exigência legal não poderá

ser imposta à segurada até a data em que houve o trânsito em julgado da

sentença (destaques meus).

O marido da Autora, em 23.1.2002, requereu o benefício de aposentadoria

por idade que restou indeferido pelo INSS ao argumento de perda da

qualidade de segurado antes do preenchimento de todos os requisitos para a

concessão do benefício, ocasionando a propositura da ação autuada sob o n.

2002.71.00.042914-5, que tramitou perante a 3ª Vara do Juizado Especial

Previdenciário da Subseção Judiciária do Rio Grande do Sul.

Em 17.8.2003 ocorreu o falecimento do cônjuge da Autora e em

2008 transitou em julgado a decisão que reconheceu o direito do de cujus à

aposentadoria por idade.

Com efeito, somente com o trânsito em julgado da decisão proferida na

Ação n. 2002.71.00.042914-5 foi possível à Autora requerer junto à Autarquia

Previdenciária, a concessão de pensão por morte, porquanto somente nesse

momento o INSS reconheceu a qualidade de segurado do falecido cônjuge,

condição indispensável à concessão do benefício.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 187

Assim sendo, não obstante não ter sido requerida a pensão por morte na

data do óbito do marido, correta a decisão do Tribunal de origem que fi xou tal

data como termo a quo da concessão do benefício, porquanto, como asseverado,

a Autora somente poderia obter êxito no pedido de pensão por morte de posse

de provimento judicial defi nitivo que reconheceu a qualidade de segurado do de

cujus.

Isto posto, nego provimento ao recurso especial do Instituto Nacional do

Seguro Social – INSS.

RECURSO ESPECIAL N. 1.540.354-PR (2015/0151964-4)

Relatora: Ministra Regina Helena Costa

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Alberto Elisio Vilaca Gomes

Recorrido: Angelo Alves Mendes

Recorrido: Jose Humberto Cruvinel Resende

Recorrido: Mendes Júnior Participações S/A - MENDESPAR

Recorrido: Mendes Junior Trading e Engenharia S/A

Recorrido: Paulo Roberto Costa

Recorrido: Rogerio Cunha de Oliveira

Recorrido: Sergio Cunha Mendes

Advogado: Sem representação nos autos

EMENTA

Recurso especial. Processual. Ações civis públicas de improbidade

administrativa. “Operação Lava Jato”. Distribuição por prevenção.

Critério. Art. 17, § 5º da Lei n. 8.429/1992 (mesma causa de pedir

ou mesmo objeto). Princípio da especialidade. Regras gerais previstas

nos arts. 103 do Código de Processo Civil/1973 e 76 do Código de

Processo Penal. Não aplicação. Observância do juiz natural.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

188

I - Na apreciação da temática envolvendo conexão de ações e

prevenção de Juízo, deve-se ter em conta o princípio do juiz natural

(art. 5º, XXXVII e LIII, da CR/1988), que assegura a todos processo

e julgamento perante juiz independente e imparcial, com competência

prévia e objetivamente estabelecida no texto constitucional e na

legislação pertinente, vedados os juízos ou tribunais de exceção.

II - A Lei n. 8.429/1992 (Lei de improbidade Administrativa

- LIA), bem como a Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública -

LACP), em suas redações originais, não continham norma específi ca

acerca de prevenção e de conexão, sendo aplicado, nas ações de

improbidade administrativa, supletiva e subsidiariamente, por força

do art. 19 da LACP, o disposto nos arts. 105 e 103 do Código de

Processo Civil/1973.

III - Com a Medida Provisória n. 2.180-35/2001, vigente por

força da Emenda Constitucional n. 32/2001, as Leis n. 8.429/1992

e 7.347/1985 passaram a contar com previsão expressa a respeito,

respectivamente nos arts. 17, § 5º e 2º, parágrafo único, cuja aplicação,

pelo princípio da especialidade, afasta a incidência das normas gerais,

previstas nos arts. 103 do Códigos de Processo Civil/1973 e 76 do

Código de Processo Penal.

IV - Embora a redação seja semelhante, impende reconhecer, sob

pena de concluir-se pela inutilidade da alteração legislativa efetuada,

que os critérios confi guradores da conexão entre ações de improbidade

administrativa, aptos a determinar prevenção de Juízo, nos termos do

art. 17, § 5º da LIA (mesma causa de pedir ou mesmo objeto), são

mais rígidos que os previstos na regra geral do art. 103 do Código de

Processo Civil/1973.

V - Não se confi gurando a mesma causa de pedir nem o mesmo

objeto entre as ações de improbidade administrativa, não incide a

regra de prevenção prevista no art. 17, § 5º, da LIA, impondo-se a

livre distribuição por sorteio entre os Juízos competentes.

VI - Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Turma

do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 189

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial,

mas negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os

Srs. Ministros Gurgel de Faria, Napoleão Nunes Maia Filho e Sérgio Kukina

(Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.

Brasília (DF), 19 de maio de 2016 (data do julgamento).

Ministra Regina Helena Costa, Relatora

DJe 27.5.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Regina Helena Costa: Trata-se de Recurso Especial

interposto pelo Ministério Público Federal, contra acórdão prolatado pela

2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em sede de confl ito

negativo de competência instaurado entre os Juízos das 2ª e 3ª Varas Federais de

Curitiba/PR, nos autos da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa

n. 5006695-57.2015.4.04.7000, proposta no contexto das investigações

decorrentes da chamada “Operação Lava Jato”.

O Ministério Público Federal, com base em documentos colhidos na

esfera penal, propôs a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa n.

5006628-92.2015.4.04.7000, distribuída livremente perante o Juízo da 2ª Vara

Federal de Curitiba/PR, seguida das Ações Civis Públicas de Improbidade

Administrativa n. 5006675-66.2015.4.04.7000, 5006694-72.2015.4.04.7000,

5006695-57.2015.4.04.7000 e 5006717-18.2015.4.04.7000, nas quais foi

pleiteada a distribuição por dependência com a ação primeva, por envolverem,

todas elas, separadas por grupos de empresas, fatos ilícitos atribuídos a Paulo

Roberto Costa, ex-Diretor de Abastecimento da sociedade de economia mista

Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRÁS e outros, apurados no bojo da “Operação

Lava-Jato” (fl s. 2/91e)

O Juízo da 2ª Vara Federal de Curitiba reconheceu a competência da

Justiça Federal e da Subseção Judiciária de Curitiba para processar e julgar

as demandas, determinando, entretanto, a livre distribuição dos feitos, por

entender não haver dependência nem prevenção ou conexão, nos termos do art.

17, § 5º, da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA), que

implicasse a reunião dos processos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

190

Nesse contexto, a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa n.

5006695-57.2015.4.04.7000 foi redistribuída, por sorteio, ao Juízo da 3ª Vara

Federal de Curitiba, o qual, vislumbrando a existência de conexão e dependência

com a primeira ação ajuizada, Processo n. 5006628-92.2015.4.04.7000, declinou

da competência, determinando o retorno dos autos ao Juízo da 2ª Vara Federal

da referida Subseção Judiciária, que suscitou confl ito negativo de competência

perante a Corte Regional.

A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com base nos arts.

17, § 5º, da LIA e 2º, parágrafo único da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil

Pública - LACP), decidiu, por unanimidade, declarar a competência do Juízo

da 3ª Vara Federal de Curitiba (suscitado), em acórdão assim ementado (fl s.

3.876/3.877e):

Conflito de competência. “Operação Lava-Jato”. Ações civis públicas por

improbidade administrativa com objetos e causas de pedir afins, mas não

idênticos. Competência. Prevenção não confi gurada.

1. No caso de ações civis públicas por improbidade administrativa, a

modifi cação da competência pela prevenção é regida por regra especial, prevista

nos artigos 17-§ 5º da Lei n. 8.429/1992 e 2º-§ único da Lei n. 7.347/1985 (com a

redação que lhes deu a Medida Provisória n. 2.180-35/2001), que estabelecem

como critério, para a confi guração da prevenção do juízo para quem foi distribuída

a ação mais antiga, que as ações posteriores tenham a mesma causa de pedir ou o

mesmo objeto da primeira ação.

2. A regra especial, assim posta, é mais exigente do que aquela regra geral de

prevenção para ações conexas disciplinada nos artigos 103 e 105 do CPC, que

exige apenas objeto ou causa de pedir comuns (afi ns), mas não necessariamente

idênticos. Ter objeto ou causa de pedir comuns ou ter os mesmos objetos ou

causas de pedir são critérios distintos.

3. Essa maior rigidez no caso das ações de improbidade decorre da

necessidade de que, sempre que for possível, se observe a regra do juiz natural,

que é aquele a quem o processo foi livremente distribuído (artigos 251 a 253 do

CPC), considerando a relevância constitucional desse tipo de ação de proteção

da integridade da coisa pública (artigo 37-§§ 4º e 5º da CF). Essa previsão

constitucional específi ca basta para justifi car um tratamento legal diferenciado

em termos de regras de prevenção.

4. No caso concreto, nem os objetos nem as causas de pedir das ações em

debate são idênticos, pois os fatos tratados em cada ação são diversos, assim

como são diversos os contratos examinados e as respectivas partes contratantes.

A afi nidade meramente acidental, casual, entre as ações não justifi ca a reunião

dos processos, seja porque não há risco de decisões lógica ou juridicamente

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RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 191

contraditórias, seja porque a comunhão da prova é apenas parcial, sem que

se tenham ganhos relevantes que justifi quem a reunião dos processos, com a

quebra dos respectivos juízos naturais determinados pela livre distribuição.

5. Competência fi rmada do juízo suscitado, para quem a ação fora distribuída

livremente, por sorteio.

Inconformado, O Ministério Público Federal interpôs o presente Recurso

Especial (fl s. 3.884/3.909e), com amparo no art. 105, III, a e c, da Constituição da

República, alegando, além de divergência jurisprudencial, contrariedade ao § 5º

do art. 17 da LIA e ao parágrafo único do art. 2º da LACP, aduzindo, em síntese:

a) que tais dispositivos legais reproduzem o disposto no art. 103 do Código de

Processo Civil/1973; b) a existência de identidade de causa de pedir e de objeto

entre a ação objeto do confl ito negativo de competência e a Ação Civil Pública

de Improbidade Administrativa n. 5006628-92.2015.4.04.7000, previamente

proposta e distribuída à 2ª Vara Federal de Curitiba; c) que a identidade de

causa de pedir ou de pedido não precisa ser absoluta para determinar a conexão

de ações civis públicas por improbidade administrativa; d) a sufi ciência de

simples afi nidade entre causa de pedir ou pedido, para confi gurar a conexão das

ações de improbidade administrativa derivadas de um mesmo contexto fático-

jurídico; e) que pela afi nidade entre as ações de improbidade administrativa

propostas, o autor poderia ter optado por ajuizar uma única demanda, nos

termos do art. 46, IV, do Código de Processo Civil/1973, não o tendo feito

porquanto o litisconsórcio passivo multitudinário acabaria por dificultar a

tramitação e o julgamento do processo, em desrespeito ao direito constitucional

da sociedade e dos acusados à razoável duração do processo; f ) que a livre

distribuição das ações de improbidade administrativa ensejará o risco de decisões

judiciais confl itantes, a partir de premissas fáticas comuns de cada ação, além da

repetição desnecessária de provas e atos processuais a ensejar a possibilidade de

verdadeiro tumulto processual; g) que o Novo Código de Processo Civil - Lei

n. 13.105/2015, já prevê a necessidade de julgamento conjunto dos processos

que possam gerar risco de prolação de decisões confl itantes ou contraditórias

(art. 55, § 3º); e h) a aproximação entre o processo penal e o de improbidade,

decorrente do cunho repressivo de ambos, autoriza que o disposto no art. 76

do Código de Processo Penal norteie a análise da relevância jurídica do liame

existente entre atos de improbidade administrativa, para o fi m de observar-se a

unidade de processo e julgamento.

No tocante à divergência jurisprudencial quanto à interpretação dada ao §

5º do art. 17 da LIA, o Recorrente assevera que (fl s. 3.891/3.898e):

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O acórdão recorrido sustenta que os critérios estabelecidos pelo artigo 17, § 5º

da Lei n. 8.429/1992 são mais rígidos do que os estabelecidos pelo artigo 103 do

Código de Processo Civil, exigindo a identidade total entre o objeto ou a causa

de pedir para que se determine a conexão entre duas ações de improbidade

administrativa.

Ocorre que tal entendimento diverge frontalmente do que decidiu a Colenda

Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg na MC

22.833/DF, cuja ementa ora se transcreve e inteiro teor segue anexo para fi m de

demonstrar o dissídio:

(...)

Do cotejo entre o acórdão recorrido e o precedente colacionado, claramente

se observa a divergência de posicionamento com relação à interpretação dada ao

§ 5º do artigo 17 da Lei n. 8.429/1992.

A fi m de comprovar o apontado dissenso de entendimentos entre os julgados,

traça-se o seguinte quadro comparativo dos acórdãos sob exame, que contém os

principais trechos relacionados à matéria em debate:

(...)

Por um lado, o acórdão paradigma entende que o vínculo que firma a

prevenção entre duas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa

é o mesmo estabelecido pelo art. 103 do Código de Processo Civil, ou seja,

existindo relação entre o objeto ou a causa de pedir das duas ações há conexão e o

juízo da primeira ação proposta fi ca prevento para conhecer as ações posteriores.

Ao contrário, o acórdão recorrido entende que o vínculo que fi rma a prevenção

entre duas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa é diferente

ao estabelecido pelo artigo 103 do Código de Processo Civil, sendo necessária a

identidade total entre o objeto ou a causa de pedir das duas ações para que se

confi gure a conexão.

Ocorre que restou sobejamente demonstrado acima que a identidade da causa

de pedir ou a do pedido não precisa ser absoluta para determinar a conexão de

ações civis públicas por improbidade administrativa, razão pela qual a solução

adotada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no julgamento do AGRG na MC

22.833 é o que deve prevalecer.

Insta salientar que existem diversas decisões proferidas por tribunais regionais

federais no mesmo sentido que a suprarreferida, proferida pela Egrégia Corte

Superior, como se demonstra abaixo:

(...)

Percebe-se que todos os julgamentos referem-se à ações de improbidade

administrativa, nas quais o critério para o estabelecimento de prevenção foi o

mesmo estabelecido pelo artigo 103 do Código de Processo Civil (destaque do

original).

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De outra parte, a identidade de causa de pedir e de objeto entre as ações

propostas é sustentada nos seguintes termos (fl s. 3.899/3.900 e 3.902e):

Ocorre que, no caso em tela, a IDENTIDADE DE CAUSA DE PEDIR encontra-

se configurada na medida em que as vantagens indevidas objeto de cada

demanda decorrem da mesma relação fático-jurídica que deu ensejo ao

enriquecimento ilícito (ato de improbidade). qual seja o esquema previamente

estabelecido entre as empresas cartelizadas e PAULO ROBERTO COSTA, além

de outros empregados da Petrobras. por meio do qual as primeiras assumiam

o compromisso prévio de pagar vantagens indevidas no valor de 1 a 3% dos

contratos que viessem a ser assinados, em troca da conivência dos segundos

quanto à existência e ao efetivo funcionamento do cartel no seio da estatal.

Verifi ca-se que, ao menos em sede de cognição sumária, as empresas que ora

constam como rés nas presentes ações civis públicas uniram-se formando um

“clube” (como se autodenominaram) que dominou a prática de corrupção no

âmbito da diretoria de Paulo Roberto Costa na estatal petrolífera.

Dentro deste clube, havia uma divisão que atribuía a cada empreiteira

uma parcela de tarefas necessária à burla dos controles, a fi m de engolfar e se

autobenefi ciar de todas as licitações realizadas e contratos fi rmados no âmbito da

Diretoria de Serviços da Petrobrás.

Veja-se que os atos praticados por uma só empreiteira, individualmente

considerada, não são aptos a caracterizar a formação do cartel que se deu na

hipótese dos autos. Uma empreiteira agindo sozinha, sem existir a outra que

concordava em simular os preços nas licitações para dividir os contratos, por

exemplo, não teria possibilitado a formação do cartel que é a base dos atos de

improbidade praticados por Paulo Roberto Costa.

(...)

Da mesma forma, a IDENTIDADE DE OBJETO encontra-se caracterizada,

visto que os pedidos são os mesmos em todas as demandas: a declaração

da prática de ato de improbidade por PAULO ROBERTO COSTA, a aplicação

aos demais réus das sanções do artigo 12. inciso II da Lei n. 8.429/1992 e a

condenação por danos morais coletivos (destaques do original).

Por fi m, requer o provimento do recurso, a fi m de reformar o acórdão

impugnado, para que seja declarada a competência da 2ª Vara Federal de

Curitiba/PR, para o processo e julgamento da Ação Civil Pública de

Improbidade Administrativa n. 5006695-57.2015.4.04.7000.

As partes interessadas não foram intimadas para apresentar contrarrazões,

por não possuírem procuradores constituídos (certidão - fl . 3.944e).

O recurso especial foi admitido (fl . 3.947e).

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Nesta Corte Superior, o Ministério Público Federal manifestou-se às fl s.

4.186/4.192e, opinando pelo provimento do recurso especial, nos termos assim

resumidos (fl . 4.186e):

Ementa: Processual Civil. Recurso especial. Ações de improbidade

administrativa. Operação “Lava Jato”. Conexão caracterizada.

1. A conexão se estabelece em razão da mesma causa de pedir ou do mesmo

objeto (art. 103 do CPC, art. 17, § 5º, da LIA e art. 2º, parágrafo único, da LACP),

mas não é necessário haver perfeita identidade entre tais elementos. Basta haver

confl uência entre as causas de pedir ou os objetos (o que acontece no caso em

apreço), somada ao risco de julgamentos confl itantes.

2. In casu, há inequívoca coincidência entre as causas de pedir, afetas ao

apontado esquema de pagamento de propina montado no âmbito da Diretoria

de Abastecimento da Petrobrás, entre 2004 e 2012, e também entre os objetos,

consistentes na imposição de sanções pela possível prática de improbidade

administrativa.

3. A interseção entre as causas de pedir deve ser apreciada também à luz da

instrução processual, que passa pela apreciação uniforme das provas produzidas.

4. O art. 103 do CPC, o art. 17, § 5º, da LIA e o art. 2º, parágrafo único, da LACP

devem ser interpretados em conjunto com a norma contida no art. 76, III, do CPP,

que determina a conexão “quando a prova de uma infração ou de qualquer de

suas circunstâncias elementares infl uir na prova de outra infração”.

4. Parecer pelo provimento do recurso especial, para que seja declarada a

competência do Juízo da 2ª Vara Federal de Curitiba (destaques do original).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Regina Helena Costa (Relatora): Por primeiro, cumpre

destacar que a matéria em debate encontra-se devidamente prequestionada e,

embora o tema envolva o reconhecimento da existência de conexão ou não entre

ações para efeito de determinação do Juízo competente para a ação originária,

o quadro fático-probatório encontra-se bem delineado no acórdão recorrido, de

modo a não incidir, na espécie, o disposto na Súmula 7/STJ.

De outra parte, verifi co que o Recorrente procedeu ao cotejo analítico entre

os arestos confrontados, comprovando o dissídio jurisprudencial entre o acórdão

recorrido e o proferido pela 1ª Turma desta Corte, no AgRg na MC 22.833,

Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (DJe de 3.10.2014), julgamento

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do qual participei, com observância do disposto nos arts. 541, parágrafo único,

do Código de Processo Civil/1973, e 255, § 1º, “a” e § 2º, do Regimento Interno

desta Corte.

Com efeito, enquanto o acórdão paradigma indica que os requisitos que

fi rmam a prevenção entre duas ações civis públicas por ato de improbidade

administrativa previsto no art. 17, § 5º, da LIA são os mesmos estabelecidos pelo

art. 103 do Código de Processo Civil/1973; o acórdão recorrido, diversamente,

consignou que tais requisitos são distintos, sendo a regra especial mais rígida

que a regra geral do estatuto processual civil.

Assim, presentes os requisitos de admissibilidade, passo à apreciação do

mérito do recurso, a dizer com a alegada ofensa aos arts. 17, § 5º, da LIA e 2º,

parágrafo único, da LACP.

As iniciais das ações de improbidade administrativa em questão descrevem

fatos complexos, decorrentes do apurado nas investigações da “Operação Lava

Jato”, envolvendo esquema de superfaturamento e pagamento de propina

a agentes públicos por um grupo de empresas, no âmbito da Diretoria de

Abastecimento da PETROBRÁS.

O cerne da questão diz com os requisitos confi guradores da conexão entre

ações de improbidade administrativa, aptos a determinar a prevenção de Juízo.

Na apreciação da temática envolvendo conexão de ações e prevenção

de Juízo, deve-se ter em conta o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e

LIII, da CR/1988), que assegura a todos processo e julgamento perante juiz

independente e imparcial, com competência prévia e objetivamente estabelecida

no texto constitucional e na legislação pertinente, vedados os juízos ou tribunais

de exceção.

A Lei n. 8.429/1992 (Lei de improbidade Administrativa - LIA), bem

como a Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública - LACP), em suas

redações originais, não continham norma específi ca acerca de prevenção e de

conexão, sendo aplicado, supletiva e subsidiariamente, por força do art. 19, da

Lei da Ação Civil Pública, o disposto nos arts. 106 e 103 do Código de Processo

Civil/1973, in verbis:

Art. 106. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento

de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado,

a fi m de que sejam decididas simultaneamente.

Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o

objeto ou a causa de pedir (destaquei).

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Entretanto, com a Medida Provisória n. 2.180-35/2001, vigente por força

da Emenda Constitucional n. 32/2001, as Leis n. 8.429/1992 e 7.347/1985

passaram a contar com previsão expressa a respeito, respectivamente nos arts. 17,

§ 5º e 2º, parágrafo único, do seguinte teor:

A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações

posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo

objeto (destaques meus).

Como cediço, consoante o princípio da especialidade, havendo norma

específi ca disciplinando a matéria, não incidem, nas ações de improbidade

administrativa, as normas gerais previstas nos arts. 103 do Códigos de Processo

Civil/1973 e 76 do Código de Processo Penal, aventadas nas razões recursais.

Cabe anotar que, enquanto o art. 103 do Código de Processo Civil/1973 indica

a conexão quando “comum” o objeto ou a causa de pedir, os arts. 17, § 5º da LIA e 2º,

parágrafo único, da LACP, apontam para a conexão quando houver a “mesma” causa

de pedir ou o “mesmo” objeto.

Embora a redação seja semelhante, impende reconhecer, sob pena de concluir-se

pela inutilidade da alteração legislativa efetuada, que os arts. 17, § 5º da LIA e 2º,

parágrafo único, da LACP, exigem, para efeito de prevenção do juízo, elementos de

conexão mais fortes entre as ações de improbidade administrativa do que os previstos

no art. 103 do Código de Processo Civil/1973 para as ações cíveis em geral.

Na linha do exposto, trago à colação a seguinte passagem do bem

fundamentado acórdão recorrido (fl s. 3.865/3.867e):

Ainda que se pudesse invocar subsidiariamente as regras do Código de

Processo Civil (artigos 103, 105, 106 e 253-I do CPC) para resolver alguma outra

questão que tivesse fi cado sem solução explícita pela lei de improbidade, isso não

pode contrariar o que está previsto na lei de improbidade. Por exemplo, na lei de

improbidade está dito que não é o fato do juiz despachar em primeiro lugar que

faz prevalecer sua competência territorial (como por exemplo faz o artigo 106

do CPC), mas sim que a competência é fi rmada pela propositura da ação (artigo

17-§ 5º da Lei n. 8.429/1992 e artigo 2º-§ único da Lei n. 7.347/1985). Logo, não

se poderia adotar uma solução diferente daquela preconizada pela legislação

específi ca (improbidade e ACP), ainda que esta outra solução tivesse fundamento

na lei processual geral (CPC). A lei especial prevalece sobre a lei geral.

O mesmo parece valer para a definição de quais os critérios justificam a

reunião dos processos e a alteração da regra de distribuição por livre sorteio:

“todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir

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ou o mesmo objeto” devem ser atribuídas, processadas e decididas pelo juízo que

recebeu a primeira das ações.

Aparentemente, poderia parecer que é a mesma regra do artigo 103 do CPC

que está sendo adotada: “Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes

for comum o objeto ou a causa de pedir”.

Entretanto, ter objeto ou causa de pedir “comuns” ou ter “os mesmos” objetos

e causas de pedir são critérios distintos. A ideia de “comum” envolve a noção de

afi nidade: algo é comum quando ambos partilham, sem necessidade de que

sejam idênticos. Já a ideia de “mesmo” envolve a noção de identidade: algo é o

mesmo quando ambos partilham em toda a extensão, quando há identidade

entre as duas situações.

Basta comparar a delimitação dos dois verbetes em um dicionário de língua

portuguesa para confi rmarmos a diferença substancial que existe entre “comum”

e “mesmo”. Por exemplo, assim consta dos verbetes no Dicionário “Aulete Digital”:

Comum. 1- Diz-se do que segue o padrão geral e habitual, sem se distinguir

em sua espécie. 2- Que é muito frequente. 3- Que pertence ou se estende a

mais de um, a muitos ou a todos. 4- Que é feito conjuntamente por mais de

uma pessoa, instituição etc, ou com a fi nalidade de atender a mais de um

desses fatores. 5- Diz-se do substantivo que nomeia classes de seres com

propriedades relativamente constantes e essenciais. 6- Vulgar, simples ou

sem importância. 7- Que ocorre (tipo, espécie, fato etc) com abundância

entre os demais, sendo por isso representativo. 8- Diz-se de língua que

desconsidera diferenças regionais, dialetos etc, para servir de meio de

comunicação entre os habitantes dessas regiões e usuários desses dialetos.

9- A maioria, a generalidade. 10- Aquilo que é normal, corriqueiro.

Mesmo. 1- Aquele. 2- Exatamente igual, idêntico. 3- Semelhante, análogo,

parecido. 4- Próprio, característico. 5- Não diverso, não outro. 6- Usado

depois de nome, de pronome pessoais e demonstrativos para reforçar que

se trata exatamente do ser ou da coisa em questão. 7- Coisa semelhante ou

igual; a mesma coisa. 8- Não alterado, invariável. 9- Até, ainda, inclusive. 10-

Exatamente, precisamente. 11- Realmente, de fato. 12- Embora.

Se está certa ou não essa distribuição de competências, não é questão que

caiba agora invocar para alterar o que a lei prevê. A lei estabelece a distinção, a

distinção entre o afi m e o idêntico é inequívoca, e a lei tem motivos para assim

proceder em se tratando de ações comuns da lei processual civil (artigos 103 e

105 e 253-I do CPC) e em se tratando de ação civil pública por improbidade (Leis

n. 7.347/1985 e 8.429/1992).

Provavelmente essa maior rigidez no caso das ações de improbidade envolva

a necessidade de que, sempre que for possível, se observe a regra do juiz

natural, que é aquele a quem o processo foi livremente distribuído (artigos 251

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a 253 do CPC), considerando a relevância constitucional desse tipo de ação

de proteção da integridade da coisa pública (artigo 37-§§ 4º e 5º da CF). Essa

previsão constitucional específi ca parece bastar para justifi car um tratamento

legal diferenciado em termos de regras de prevenção.

E a regra diferenciada parece ser esta: se o objeto ou a causa de pedir das duas

ações guardarem relação de identidade (forem os mesmos), há prevenção e o

juízo da primeira ação proposta fi ca prevento para conhecer as ações posteriores

sobre o mesmo objeto ou sobre as mesmas causas de pedir. Mas se as relações

entre as duas ações forem fracas (“comuns”, “afi ns”), tendo apenas afi nidade, então

não se justifi ca a quebra da regra da livre distribuição das ações posteriores para

vincular o processo ao primeiro juízo.

Quanto a isso, parece não existir difi culdade, parecendo elucidativo o critério

adotado por Marcelo Borges de Mattos Medina, em artigo doutrinário tratando

da conexão entre atos de improbidade administrativa e respectivas ações: “a

reunião de processos somente deve ser admitida nos casos em que os pontos

de contato entre os fatos de improbidade sejam relevantes, mantendo-se a

separação naqueles em que a afi nidade for meramente casual” (MEDINA, Marcelo

Borges de Mattos. Conexão entre atos de improbidade administrativa. Revista de

Processo 209/229-241. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho de 2012. A

citação é da página 240).

Realmente, como dito por ele, “para o fi m da reunião de processos, o essencial

é que o liame entre os atos de improbidade administrativa seja realmente

relevante, à luz das regras sobre conexão. A modificação da competência não

deve ser realizada se a afi nidade entre as condutas for meramente casual. Assim,

não há conexão entre atos de improbidade distintos, se não houver risco de

decisões contraditórias ou se do conhecimento dessa circunstância não resultar

economia processual signifi cativa ou proveito para o exercício do jus puniendi. A

reunião, para julgamento conjunto, de atos ímprobos entre os quais haja afi nidade

meramente acidental, importaria indevida derrogação de competência” (MEDINA,

Marcelo Borges de Mattos. Conexão entre atos de improbidade administrativa.

Revista de Processo 209/229-241. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, julho

de 2012. A citação é da página 239).

E ainda complementa, em nota de rodapé que pode nos orientar para decidir

os presentes confl itos de competência: “Não há conexão relevante, por exemplo,

entre atos ímprobos que simplesmente tenham sido praticados com o concurso

ou em benefício dos mesmos particulares. Na área criminal, a atuação de quadrilha

de empresários especializada em fraudar licitações normalmente importaria

unidade de processo e julgamento para os delitos cometidos. Mas, no campo da

improbidade, não há fi gura análoga ao crime de quadrilha. Ademais, os atos de

improbidade são examinados do ponto de vista das condutas praticadas pelos

agentes públicos, de modo que esmaece o signifi cado de mera coincidência entre

os seus partícipes ou benefi ciários, a ponto de eventual reunião de processos,

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fundada nessa circunstância ocasional, afi gurar-se inconveniente para o exercício

do jus puniendi” (RP 209/239, nota 13).

Portanto, parece que o critério para prevenção na ação civil pública por

improbidade (necessidade de identidade) é mais exigente do que aquele adotado

nas ações cíveis em geral (suficiência de afinidade), o que se justifica pelos

interesses constitucionais envolvidos numa ação de improbidade (integridade da

coisa pública - artigo 37-§§ 4º e 5º da CF) e o que está explicitado no texto legal

em pelo menos dois dispositivos distintos e posteriores ao Código de Processo

Civil vigente (Leis n. 7.347/1985 e 8.429/1992) (destaques do original).

Por sua vez, analisando o quadro delineado no acórdão recorrido, a partir

da comparação das iniciais das ações de improbidade administrativa em questão,

verifi ca-se que elas não apresentam a mesma causa de pedir (fundamentos de fato e de

direito) ou o mesmo objeto, a ensejar a pretendida distribuição por prevenção.

Com efeito, o acórdão recorrido reproduz trechos da inicial da primeira ação

de improbidade administrativa decorrente da Operação Lava Jato, distribuída na

Subseção Judiciária de Curitiba/PR, Processo n. 5006628-92.2015.4.04.7000

(“Grupo Engevix”), indicando, além das partes, a síntese e delimitação do objeto

da ação efetivada pelo Parquet (fl s. 3.868/3.869e):

Vamos examinar como isso se dá no caso concreto, comparando a primeira

ação com as demais. O padrão de comparação é o que está sendo discutido na

primeira ação de improbidade distribuída (Processo n. 5006628-92.2015.4.04.7000),

ajuizada pelo MPF contra Paulo Roberto Costa, Carlos Eduardo Strauch Albero,

Engevix Engenharia S/A, Gerson de Mello Almada, Jackson Empreendimentos S/A,

Luiz Roberto Pereira e Newton Prado Junior.

Como estão definidos o objeto e as causas de pedir dessa primeira ação?

Num primeiro item, o MPF apresenta “I - Síntese e delimitação do objeto da

ação”, restringindo o objeto desta ação civil pública (Processo n. 5006628-

92.2015.4.04.7000):

I - Síntese e Delimitação do Objeto da Ação:

A presente ação decorre dos desdobramentos cíveis das apurações

realizadas no âmbito da Operação Lava Jato, relacionadas a crimes

contra o sistema fi nanceiro nacional, contra a ordem econômica e contra

a administração pública, além de lavagem de dinheiro e organização

criminosa.

Dentre os diversos delitos identifi cados, foi comprovada a existência

de um esquema controlado por diretores da sociedade de economia

mista Petroleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS, por meio do qual empreiteiras

cartelizadas contratadas para a execução de obras da empresa acordavam

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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o pagamento de um percentual dos valores dos contratos como propina,

em troca do beneplácito desses diretores a consecução de interesses das

empreiteiras junto a PETROBRAS.

Esses recursos eram recebidos por operadores fi nanceiros - profi ssionais

dedicados a lavagem do dinheiro - a mando dos diretores da PETROBRAS,

que em seguida promoviam a repartição do dinheiro entre os próprios

empregados da empresa, partidos políticos e agentes políticos.

Nesse contexto, a presente ação tem por objeto especificamente o

recebimento de propina sob o comando do Diretor Paulo Roberto Costa, para

si e para terceiros, no âmbito da Diretoria de Abastecimento da PETROBRAS,

pagas pela empresa Construtora OAS [rectius Engevix Engenharia S/A],

por intermédio de transações fi ctícias via empresas de fachada operadas pelo

doleiro Alberto Youssef (arts. 9º, caput, I, VII e X, 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992).

Almeja-se nesta ação, portanto, provimento declaratório da prática de

atos de improbidade administrativa pelo ex-Diretor de Abastecimento da

PETROBRAS, Paulo Roberto Costa, e a condenação dos particulares que

concorreram para a prática dos atos ímprobos e deles se benefi ciaram nas

penas cominadas no art. 12, I, da Lei n. 8.429/1992.

Registra-se que o ato de receber qualquer tipo de vantagem patrimonial

indevida em razão do exercício de função pública já constitui, por si só, ato

de improbidade (art. 9º, caput e VII, da Lei n. 8.429/1992)2, e notadamente

se o pagamento adveio de quem tinha interesse com potencialidade de

ser amparado por ação ou omissão do agente público (art. 9º, I, da Lei n.

8.429/1992). Ou seja, não é necessário demonstrar que o pagamento tinha

por objetivo a prática de um ato específi co pelo agente, ou que esse ato

tenha sido efetivamente praticado, sendo sufi ciente a demonstração do

enriquecimento sem causa do agente público e o interesse do corruptor em

ações ou omissões daquele agente, consoante expressamente dispõe o art.

9º da Lei n. 8.429/1992.

Nos fatos narrados nos autos, entretanto, é possível ir além e demonstrar

concretamente a prática de atos comissivos e omissivos do ex-Diretor Paulo

Roberto Costa em favor de interesses do Grupo OAS [rectius Gupo Engevix]

na PETROBRAS.

Em relação à omissão, Paulo Roberto Costa tinha ciência do

funcionamento de um cartel de empreiteiras em detrimento da PETROBRAS

e, cooptado pelos pagamentos de propina, manteve-se conivente e

omitiu-se nos deveres que decorriam de seu ofi cio, sobretudo o dever de

imediatamente informar irregularidades e adotar as providências cabíveis

em seu âmbito de atuação. Assim, sua conduta também se amolda ao

inciso X do art. 9º da Lei 8.429/924.

Tais atos, a par de confi gurarem enriquecimento ilícito, também causaram

evidente prejuízo ao erário e violaram os princípios da Administração Pública.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 201

Dessa forma, também constituem atos de improbidade administrativa

previstos os arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992 (destaques meus).

O acórdão impugnado apresenta, ainda, a delimitação das pretensões

constantes da inicial da ação de improbidade administrativa primeva,

referentes à Engevix Engenharia S/A e demais réus do Processo n. 5006628-

92.2015.4.04.7000, também reproduzidas nas iniciais das quatro outras ações

propostas no contexto da Operação Lava Jato (fl s. 3.870/3.871e):

Mas não é apenas pela síntese das pretensões do MPF que fi ca evidente a

inexistência da identidade que justifi casse a prevenção. Também pela própria

delimitação que a petição inicial faz quanto às pretensões fica claro que o MPF

está tratando cada situação com a distinção que merece por não se tratar de fatos

idênticos. Refi ro-me à exclusão explícita feita pela própria petição do MPF do objeto

da ação quanto a desdobramentos dos fatos apurados, mostrando que outras

ações autônomas serão propostas em relação a cada uma das ações civis públicas

para darem conta de questões que fi caram propositalmente de fora das presentes

ações civis públicas:

Registra-se que não é objeto desta ação o sobrepreço ocorrido em

cada licitação e nos respectivos contratos celebrados pelas empreiteiras

cartelizadas, derivados da frustração da licitude de diversos procedimentos

licitatórios da empresa em razão da atuação do cartel em conluio com

Paulo Roberto Costa e outros empregados da PETROBRAS.

Ou seja, o sobrepreço decorrente da formação do cartel e de benefícios

concedidos às empresas cartelizadas nos procedimentos licitatórios será

objeto de ações de improbidade especifi cas para cada licitação ou contrato

(art. 10, V e VIII, da Lei n. 8.429/1992), limitando-se esta ação ao recebimento

de vantagens indevidas por Paulo Roberto Costa, pagas pelas empresas rés.

Assim, serão objeto de ações autônomas:

a) os atos concretos de frustração da licitude de cada processo licitatório e

de contratação por preços superiores aos de mercado (art. 10, caput, V e VIII,

da Lei n. 8.429/1992), e o ressarcimento dos prejuízos causados por tais

atos;

b) a participação de agentes políticos e partidos políticos como indutores

e benefi ciários dos atos de improbidade imputados a Paulo Roberto Costa e

o enriquecimento ilícito desses agentes (art. 9º, caput, I, VII e X, c/c art. 3º,

ambos da Lei n. 8.429/1992);

c) as vantagens indevidas pagas por outras empreiteiras a Paulo Roberto

Costa, aquelas pagas pelas empreiteiras a diretores e empregados do alto

escalão de outras áreas da PETROBRAS e, ainda, as vantagens indevidas

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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pagas pelas empreiteiras por intermédio de outros operadores fi nanceiros que

não Alberto Youssef (art. 9º, caput, I, VII e X, da Lei n. 8.429/1992) - destaquei.

Por sua vez, o acórdão recorrido destaca, para fi ns de comparação com

a ação de improbidade administrativa proposta em desfavor de Engevix

Engenharia S/A e outros, Processo n. 5006628-92.2015.4.04.7000, a nota

distintiva, constante das respectivas iniciais, quanto à síntese e delimitação

do objeto das quatro ações de improbidade administrativa subsequentes,

decorrentes da “Operação Lava Jato”, dentre as quais, a ação, ora em questão,

ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Paulo Roberto Costa, Mendes

Júnior Participações S/A, Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A, Sérgio Cunha

Mendes, Rogério Cunha de Oliveira, Ângelo Alves Mendes, Alberto Elísio Vilaça

Gomes e José Humberto Cruvinel Resende (“Grupo Mendes Júnior”) - Processo n.

5006695-57.2015.4.04.7000/PR (fl . 3.870e):

No Processo n. 5006695-57.2015.4.04.7000, envolvendo o Grupo Mendes

Júnior, o objeto está assim resumido:

Nesse contexto, a presente ação tem por objeto especificamente o

recebimento de propina sob o comando do Diretor Paulo Roberto Costa,

para si e para terceiros, no âmbito da Diretoria de Abastecimento da

Petrobrás, pagas pela empresa Mendes Júnior Trading e Engenharia, por

intermédio de transações fi ctícias via empresas de fachada operadas pelo

doleiro Alberto Youssef (arts. 9º, caput, I, VII e X, 10 e 11 a Lei n. 8.429/1992)

- (destaques do original).

Constata-se, pois, que as ações de improbidade apontadas apresentam, em

comum, apenas a presença de Paulo Roberto Costa como réu e o modus operandi

em relação às empresas para a perpetração do ilícito descrito na inicial, elementos

que, juntamente com a aventada formação de cartel, revelam-se insufi cientes para

justifi car a distribuição por dependência, a um mesmo juízo.

Nessa esteira a decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Curitiba, suscitante

do confl ito de competência objeto deste recurso (fl s. 3.354/3.355e):

A verdade é que a presente ação civil pública apresenta, em relação à anterior

Ação Civil Pública n. 500.6628-92.2015.404.7000, dois pontos de identidade, quais

sejam: a presença, como réu, do agente público Paulo Roberto Costa e a descrição

de improbidades praticadas por várias empresas, em verdadeira formação de

cartel, cujo ajuste de condutas era adredemente preparadas no que também se

convencionou chamar “clube”.

Nada mais.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 203

No que respeita à formação de cartel, toda a descrição da inicial, que supostamente

importaria na conexão das ações, na verdade se confunde com “verdadeiros atos

preparatórios” das condutas de improbidade, sequer puníveis criminalmente, ao

menos em primeira vista, daí porque não se vê qualquer conduta, ainda que em

tese, enquadrável nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992, não se prestando esse

elemento à conexão.

Quanto ao agente público, também não se vê aqui o elemento de conexão.

Conforme a descrição da inicial, apenas o modus procedendi do agente era o

mesmo em relação a todas as empresas (...).

A improbidade imputada aos réus não está, então, nos atos preparatórios, mas

sim nas propinas e demais desvios praticados por ocasião dos contratos licitados

ou fraudados, e, induvidosamente, cada grupo de empresas celebrou contratos

próprios que geraram desvios de recursos também próprios.

Se não há a conexão na ação civil pública a partir da unidade da prova, também

não há pela identidade do modus procedendi (...) - destaques meus.

Impende sublinhar que as ações de improbidade indicadas apresentam

pedido no sentido da declaração da prática de ato de improbidade por Paulo

Roberto Costa, a condenação dos demais réus às sanções do art. 12 da LIA e ao

pagamento solidário de danos morais coletivos, todos, porém, atinentes a cada

empresa ou grupo de empresas e a fatos e peculiaridades específi cos envolvendo

cada contrato, licitação e outros elementos.

Embora as ações em questão derivem de um mesmo contexto e apresentem pontos

comuns e petições iniciais de mesma confi guração estrutural, depreende-se do acórdão

recorrido que elas não possuem as mesmas causas de pedir ou os mesmos objetos,

mas mera afi nidade. Na verdade, guardam elas autonomia, uma vez que tratam de

empresas, contratos, condutas e imputação de atos de improbidade distintos, no âmbito

da PETROBRÁS, não se verifi cando o liame exigido pelo art. 17, § 5º, da LIA, a

justifi car a prevenção e reunião dos processos.

Nesse sentido, elucidativa a seguinte passagem do acórdão recorrido (fl s.

3.868 e 3.871/3.873e):

(...) Embora as petições iniciais das cinco ações de improbidade sejam muito

parecidas, elaboradas a partir de uma estrutura comum e genérica, na qual se

inserem em determinados momentos os fatos concretos e específi cos daquele

processo atribuídos a cada um dos réus (os contratos são distintos em cada

uma das ações), não se pode dizer que os fatos sejam idênticos, que sejam os

“mesmos” objetos ou que sejam as “mesmas” causas de pedir, justamente porque

cada uma das ações é distinta das demais, não guarda necessária relação com as

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demais (embora exista, não se pode negar, afi nidade, mas não identidade), e

envolve contratos distintos.

Isto é fundamental: não é feito o mesmo pedido em todos os processos. Não

são deduzidas mesmas causas de pedir em todos os processos. Cada processo

tem um núcleo fático distinto, baseia-se em contratos e atos administrativos

distintos, que estão sendo especifi camente trazidos à apreciação do juízo. Não se

está pretendendo punir ou responsabilizar os réus pelo “conjunto de sua obra”

nem por condutas genéricas que tivessem praticado, ou por comportamentos

habituais que praticassem. Longe disso, as petições iniciais dão conta de especifi car

e distinguir detida e especifi camente o que está sendo trazido à apreciação do juízo

naquele processo específi co. Repito: são fatos distintos, são contratos distintos, são

licitações distintas. Não se trata do mesmo objeto nem da mesma causa de pedir, e

muito menos são os mesmos pedidos (até porque isso implicaria litispendência...)

(...) ainda que em todas elas fi gure como réu Paulo Roberto Costa e ainda que

em todas elas seja parece ter sido deduzido o “mesmo” pedido contra ele (declarar

que praticou ato de improbidade, sem lhe aplicar as sanções condenatórias

pertinentes), uma refl exão mais detalhada sobre esses pedidos deduzidos contra

ele já é sufi ciente para mostrar que não há identidade entre os pedidos (mas

apenas afi nidade em decorrência de um mesmo modus operandi).

Vejamos: se os pedidos deduzidos em cada uma das cinco ações civis públicas

contra esse réu Paulo Roberto Costa fossem os mesmos (fossem idênticos), então

teríamos litispendência. Afinal, então o MPF estaria deduzindo cinco pedidos

idênticos em cinco ações distintas contra o mesmo réu, não sendo possível que

ele fosse condenado pelos mesmos fatos em cinco ações diferentes.

Mas não há litispendência porque os pedidos contra o réu Paulo Roberto Costa

não podem ser interpretados apenas quanto à literalidade disposta na petição inicial

de cada uma das ações. Embora em cada uma das petições iniciais fosse pedido

contra o réu Paulo Roberto Costa apenas isso: “seja o pedido julgado procedente

para declarar a existência de relação jurídica decorrente da subsunção das

condutas dolosas de Paulo Roberto Costa descritas nesta ação às hipóteses

normativas dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992, ressaltando-se não estar

incluído no pedido a condenação deste réu nas sanções do artigo 12 da referida

lei”, o que se deve perceber é que as condutas descritas em cada uma das ações

não são idênticas entre si: é que cada uma das ações descreve condutas (distintas)

praticadas pelo réu Paulo Roberto Costa com base em contratos específi cos que estão

sendo discutidos, o que afasta exista identidade que justifi que litispendência.

Pois bem, se não há litispendência porque os pedidos deduzidos contra Paulo

Roberto Costa em cada um dos processos são distintos, também não há prevenção

porque os pedidos são distintos. Porque não há identidade. Porque nas ações não

temos o “mesmo” objeto nem a “mesma” causa de pedir.

Isso fica bem claro quando comparamos os quadros de contratos e negócios

intermediados por Paulo Roberto Costa e discutidos em cada uma das ações (vale

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 205

examinar cada uma das petições iniciais quanto a isso, percebendo a quantidade

de distintos contratos e distintas licitações que estão em discussão em cada caso).

Não há identidade nos valores, não há identidade nos contratos, não há identidade

nas licitações. Ainda que todas as empreiteiras-rés pudessem, nos dizeres da

petição inicial, integrar o “Clube”, os fatos que estão deduzidos e são discutidos em

cada uma das ações civis públicas são distintos e não guardam relação de identidade

entre si. Podem ser afi ns, podem ter pontos em comum, mas não se confundem

nem se identifi cam plenamente, o que afasta então a necessidade de reunião de

processos para instrução ou julgamento pelo mesmo juízo.

Insisto com essa distinção quanto às causas de pedir e fatos deduzidos em cada

uma das ações, sugerindo por exemplo que aqueles que ainda possam ter dúvida

sobre isso examinem o tópico V em cada uma das petições iniciais, onde são

individualizadas as condutas praticados pelos demais réus:

Por exemplo, no Processo n. 5006628-92.2015.4.04.7000, a primeira das ações

civis públicas propostas, está descrito “V - Do pagamento de propina pela Engevix

Engenharia”, descrevendo “V-1 - Os contratos da Engevix Engenharia em que

houve pagamento de propina”, “V-2 - Os pagamentos realizados pela Engevix

Engenharia por intermédio das empresas operadas por Youssef e Costa Global”,

contendo tabelas e especificações de contratos relacionados apenas à Engevix,

concluindo que:

Nestes termos, nos contratos e aditivos celebrados com a Petrobrás S/A

no período em que Paulo Roberto Costa exerceu o cargo de Diretor de

Abastecimento de Petrobras, a Engevix Engenharia efetuou o pagamento

de vantagens indevidas no valor de ao menos R$ 38.489.299,90. Esse

montante se refere apenas à propina que dizia respeito à Diretoria de

Abastecimento, isto é, a 1% do valor dos contratos. Se fossem considerados

os 2% de propina vinculados à Diretoria de Serviços, os quais serão objeto

de ação própria, o valor total da propina chegaria a aproximadamente a R$

116 milhões. (página 40)

(...)

Em síntese, no período de 13.11.2009 a 23.1.2014 a Engevix Engenharia

realizou 31 repasses de numerários para a M.O. Consultoria, Empreiteira

Rigidez, GFD Investimentos e Costa Global os quais totalizaram R$

8.973.418,09 e foram dissimulados por meio da celebração de contratos

fraudulentos e da emissão de notas fi scais “frias”. Nesse mesmo período,

a Engevix Engenharia estava executando com a Petrobras os contratos

e aditivos identifi cados no item V.1 acima, tendo pago ao menos 1% dos

respectivos valores a Paulo Roberto Costa, que auferiu indevidamente essa

vantagem. (página 47)

O mesmo se repete nas outras quatro ações civis públicas (item V), mas ali os

fatos descritos são distintos, os valores são distintos e os contratos são distintos,

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envolvendo outras empreiteiras-rés, bastando comparar as tabelas e os contratos

para se verifi car que não há “identidade” entre os fatos, mas uma tênue afi nidade

acidental, decorrente de circunstâncias coincidentes, que não são essenciais para

justifi car a reunião dos processos (destaques meus).

Cumpre ressaltar que, diversamente do alegado pelo Recorrente, em razão

das ações apresentarem apenas pontos em comum ou afi nidade, não se faz

necessário a reunião para julgamento uniforme, com vista a evitar decisões

confl itantes ou contraditórias, eventualmente existentes, conforme consignado

no acórdão recorrido (fl s. 3.873/3.874e):

(...) pode ser que num caso tenha havido cartel ou improbidade, e no outro

não tenha havido. Pode ser que um dos réus tenha agido com improbidade, e

no outro caso não. Pode ser que o réu Paulo Roberto Costa tenha benefi ciado os

interessados no contrato específi co discutido num dos processos, mas tenha tido

conduta distinta noutro contrato discutido noutro processo. As decisões então

não seriam necessariamente idênticas, as responsabilidades poderiam ser distintas,

as circunstâncias poderiam ser diversas. Afi nal, o que se teria aqui seria apenas

“afi nidade casual”, e não identidade substancial.

(...)

(b) não haveria utilidade nem instrumentalidade em serem reunidas todas as cinco

ações de improbidade num mesmo juízo, porque não temos aqui risco de decisões

confl itantes nem contraditórias (os fatos não são idênticos e as soluções podem

ser distintas para cada um dos casos, absolvendo-se alguns réus e eventualmente

condenando-se outros, sem que isso importe em contradição lógica, fática ou

jurídica) e porque não temos também presente conveniência da instrução probatória

(os contratos e os fatos são distintos; a instrução comum poderia até prejudicar as

partes porque transformaria em comum uma prova que não é necessariamente

comum; é mera comodidade das partes a produção uma única vez da prova, mas

não se pode dizer que fosse mais cômodo realizar uma única instrução probatória

envolvendo todos os réus quanto a todos os fatos, parecendo mais prudente,

econômico e célere que em cada processo ocorra a colheita das provas para

atender as necessidades daquele processo, evitando uma comunhão de provas

que não benefi ciaria nenhum dos interessados);

(c) pelo que foi narrado nas petições iniciais, essas são apenas as primeiras cinco

ações que foram propostas, havendo ainda muitas outras para serem propostas,

como foi inclusive ressalvado pelo Ministério Público, o que recomenda que se

pensasse em questões de organização judiciária e em racionalização dos recursos

disponíveis, evitando concentrar todas as ações num único juízo (não se trata sequer

de concentrar numa única vara, mas a pretensão do MPF é concentrar num

único juízo!), sendo preferível então que se observe a legislação específi ca e sejam

reunidos apenas aqueles processos em que houver identidade de objeto ou de

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causa de pedir, não se alargando indevidamente o conceito legal para reunir o que

tem apenas afi nidade casual ou acidental, evitando assim que ao invés de se ter

celeridade na tramitação dessas ações de improbidade, se acabe inviabilizando a

tramitação num único juízo prevento; (destaques meus).

Nesse mesmo sentido, o opinamento doutrinário de Marcelo Borges

de Mattos Medina, Mestre em Direito Público pela UERJ e Procurador da

República, que assim se expressa:

Para o fi m da reunião de processos, o essencial é que o liame entre os atos

de improbidade administrativa seja realmente relevante, à luz das regras sobre

conexão. A modificação de competência não deve ser realizada se a afinidade

entre as condutas for meramente casual. Assim, não há conexão entre atos de

improbidade distintos, se não houver risco de decisões contraditórias ou se do

conhecimento dessa circunstância não resultar economia processual signifi cativa

ou proveito para o exercício do jus puniendi. A reunião, para julgamento conjunto,

de atos ímprobos entre os quais haja afi nidade meramente acidental, importaria

indevida derrogação de competência (Conexão entre Atos de Improbidade

Administrativa, Revista de Processo, v. 37, n. 209, jul. 2012, p. 239, destaques meus).

Anote-se, por derradeiro, que a alegação de que o Parquet poderia

ter ajuizado uma única demanda, em litisconsórcio passivo facultativo

multitudinário (art. 46, IV, do CPC/1973), não tem o condão de justifi car, após

ter intentado ações autônomas e independentes, a reunião dos feitos pela via da

prevenção, sem o atendimento dos requisitos do art. 17, § 5º, da LIA.

Nesse contexto, prevalecendo o critério defi nido pela regra especial, a

solução adotada pelo acórdão recorrido é a que se revela consonante com os

princípios constitucionais do juiz natural e do devido processo legal, merecendo

destaque a seguinte passagem do julgado da Corte Regional (fl s. 3.874/3.875e):

(e) permitir a distribuição por dependência das quatro ações posteriores e

de todas as demais que vierem a ser ajuizadas quanto à “Operação Lava-Jato”

acabaria por estabelecer verdadeiro juízo universal, semelhante ao que ocorre

no concurso de credores ou no processo penal, sem a necessária e suficiente

previsão legal. Estaríamos quebrando o princípio do juiz natural da causa, que é

aquele a legislação prevê e ao qual o processo é distribuído mediante regras

prévias e conhecidas de todos (no caso, o sorteio para a livre distribuição dos

feitos), com sério comprometimento ao devido processo legal e, principalmente,

risco de que depois todas as ações envolvendo “Operação Lava-Jato” tivessem

que tramitar num único juízo competente, o que também poderia ser ampliado

para transformá-lo em juízo universal para ações envolvendo desvios ocorridos na

Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, ou mais amplamente em desvios ocorridos

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na Petrobrás, ou até mesmo em desvios ocorridos em empresas estatais brasileiras,

já que sempre se poderia dizer que a reunião dos processos estaria autorizado já

que se trata de ações em que ocorre “afi nidade de questões por um ponto comum

de fato ou de direito” (artigo 46-IV do CPC), o que é solução que não traria benefício

a nenhuma das partes, não teria ganho quanto à celeridade e ainda nos afastaria da

republicana e salutar regra da livre distribuição dos feitos (artigos 251 e 252 do CPC),

que somente quando houver situação expressamente prevista na lei processual

pode ser afastada (artigos 103, 104, 105, 106 e 253 do CPC; artigo 17-§ 5º da Lei n.

8.429/1992; artigo 2º-§ único da Lei n. 7.347/1985) - destaquei.

Isto posto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.568.816-PR (2015/0180118-3)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: Jonathas Lamarca Cardoso

Advogados: João Batista Cardoso - PR010896

Rosilaine Vargas e outro(s) - PR048096

Recorrido: Estado do Paraná

Procurador: Sérgio Botto de Lacerda e outro(s) - PR011476

EMENTA

Administrativo. Recurso especial. Concurso público. Policial

militar. Teste físico. Acidente ocorrido dias antes da data prevista em

edital. Necessidade de cirurgia. Remarcação, por sentença de mérito.

Avaliação, na qual o candidato logrou êxito com notas máximas.

Consolidação da posse no cargo público ocupado. Peculiaridades do

caso. Precedentes.

1. A pretensão recursal objetiva a manutenção de sentença de

primeiro grau que concedeu direito à remarcação de teste físico em

certame para ingresso nos quadros da Polícia Militar do Estado do

Paraná como Soldado, em razão de impedimento médico, ocasionado

por acidente ocorrido dias antes da data prevista em edital.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 209

2. Na espécie, o recorrente tomou posse, tendo em vista sua

aprovação em todas as fases do certame com notas máximas - inclusive

no curso de formação realizado pelo período de 1 (um) ano, entre 20

de setembro de 2014 a 18 de setembro de 2015 - encontrando-se

atualmente em pleno exercício no cargo em que foi investido.

3. Assim, independentemente das arguições levantadas quanto à

confi guração do caso fortuito e, consequentemente, da legalidade da

remarcação da prova no caso dos autos, certo é que a capacidade física

do recorrente fi cou plenamente demonstrada, com sua aprovação nos

testes físicos a que veio a ser submetido com notas máximas.

4. É de interesse do aspirante ao cargo público “e da Administração

que o candidato seja testado em suas condições normais, tendo em

vista que a relação de emprego que se pretende manter é de natureza

permanente e duradoura, não devendo a avaliação ser infl uenciada por

condições desfavoráveis passageiras” (Franciso Lobello de Oliveira

Rocha, Regime Jurídico dos Concurso Públicos, Ed. Dialética, SP,

2006, p. 147).

5. Portanto, considerando que o recorrente foi devidamente

aprovado em todas as fases do concurso (provas, teste físico e curso

de formação), tomou posse e encontra-se em exercício, a consolidação

da sua posse no cargo público afi gura-se recomendável, diante das

peculiaridades do caso, uma vez que a confi rmação no cargo não

acarretará nenhum prejuízo para administração, nem tão pouco a

qualquer outro candidato. Precedentes: MS 13.237/DF, Rel. Ministro

Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, DJe 24.4.2013; REsp

1.444.690/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma,

DJe 7.5.2014; RMS 31.152/PR, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta

Turma, DJe 25.2.2014; AgRg no REsp 1.205.434/RS, Rel. Ministro

Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 27.8.2012; RMS

38.699/DF, Rel. Mininistro Ari Pargendler, rel. p/ acórdão Min.

Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 5.9.2013.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

210

Justiça prosseguindo o julgamento, por unanimidade, dar provimento ao recurso

especial, para assegurar o direito do recorrente à efetivação da posse no cargo

ocupado, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Sérgio Kukina (Presidente), Regina Helena Costa, Gurgel de Faria e Napoleão

Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator (voto-vista).

Brasília (DF), 15 de setembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 29.9.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial de

Jonathas Lamarca Cardoso interposto, com fundamento no artigo 105, III, “a”

e “c”, do permissivo constitucional contra acórdão de fl s. 351-365 da Quarta

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, que reformou a sentença para

denegar a segurança, concluindo pela impossibilidade de remarcação do teste de

aptidão física por motivo de força maior, visto que o edital do concurso, no item

20.2, expressamente não possibilitava uma segunda chamada para qualquer fase

do certame.

O recorrente relata que já tomou posse e que, na data remarcada para

novos exames, logrou tirar “nota máxima nos testes físicos” (fl . 527). Nesse

contexto, consigna que sua inserção como policial militar já se tornou defi nitiva

desde a sua posse, por ter ultrapassado “todas as etapas do concurso em vista da

liminar concedida em primeiro grau” (fl . 528).

Nesse contexto, em síntese, o recorrente nas razões recursais pugna pela

reforma do acórdão recorrido argumentando que “a designação de nova data,

mormente quando se trata de motivo de força maior, tendo como causa determinante

da impossibilidade de comparecimento aos exames e testes físicos um acidente

automobilístico (...), não fere o princípio da isonomia” (fl s. 421/422). Colaciona

precedentes nesse sentido.

Ao fi nal, pleiteia o recorrente o provimento do recurso concedendo-se em

defi nitivo a segurança pleiteada, “mesmo porque já ultrapassou todas as etapas do

concurso, tomou posse, constituindo-se fato constitucional consumado de direito” (fl . 542).

O Estado do Paraná abriu mão de apresentar contrarrazões “a teor da

Resolução n. 80/2013” (fl . 548).

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 211

Nos autos do Agravo em Recurso Especial n. 749.814/PR proferi decisão

determinando a sua conversão em Recurso Especial.

Às fl s. 676-683, a Subprocuradoria-Geral da República opina pelo não

provimento do recurso.

É o sucinto relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Na sessão de julgamento

do dia 4 de agosto, após a sustentação oral, pedi vista para melhor exame da

matéria.

Preliminarmente, nos termos da jurisprudência do STJ, para que a matéria

esteja devidamente prequestionada, é necessária a emissão de juízo de valor

pelo Tribunal local, mesmo que não haja expressa menção aos artigos de lei

invocados, o que se deu na espécie. Nesse sentido: AgRg no AREsp 652.732/

SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12.8.2015.

Passo ao exame da controvérsia, por entender preenchidos os requisitos

legais de admissibilidade já que o tema aqui trazido foi alvo de debate nas

instâncias ordinárias.

Cinge-se a questão sobre a possibilidade ou não de manter designada nova

data para a realização de exame de capacidade física de candidato a Polícia Militar

do Paraná por motivo de força maior (acidente de moto com fratura na clavícula)

nos casos em que o edital proíbe uma “segunda chamada” para os ausentes.

Na espécie, ocorreu que o recorrente dias antes de ser convocado a prestar

exame de capacidade física sofreu acidente de moto vindo a sofrer escoriações e

fratura na clavícula. Em razão disso, não se submeteu ao teste de aptidão física

na data designada pelo edital do concurso, pois encontrava-se temporariamente

incapacitado.

O Juiz de primeiro grau em sentença de mérito concedeu a segurança,

determinando aos impetrados que se abstivessem de eliminar o impetrante do

concurso e reconhecendo-lhe direito à designação de nova data para os exames

no prazo de 160 dias a contar da cirurgia prevista para 13.5.2013, à época. (fl s.

253-261)

O Tribunal de origem reformou a sentença para denegar a segurança,

concluindo pela impossibilidade de remarcação do teste de aptidão física por

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

212

motivo de força maior, visto que o edital do concurso expressamente não

possibilitava uma segunda chamada para qualquer fase do certame.

No caso concreto, importa registrar que houve efetivamente a designação de

nova data para a realização do exame de capacidade física, concedida pelo Judiciário,

quando então o candidato, ora recorrente, logrou êxito, sendo aprovado em 476º lugar

das 800 vagas abertas no certame, vindo a ser nomeado, por força de sentença de

mérito, e não em decisão liminar.

É bem verdade que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso

Extraordinário n. 630.733/DF, assentou orientação de que os candidatos não

têm direito à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, em razão

de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fi siológico ou de força maior,

salvo contrária disposição editalícia, verbis:

Recurso extraordinário. 2. Remarcação de teste de aptidão física em concurso

público em razão de problema temporário de saúde. 3. Vedação expressa em

edital. Constitucionalidade. 4. Violação ao princípio da isonomia. Não ocorrência.

Postulado do qual não decorre, de plano, a possibilidade de realização de

segunda chamada em etapa de concurso público em virtude de situações

pessoais do candidato. Cláusula editalícia que confere efi cácia ao princípio da

isonomia à luz dos postulados da impessoalidade e da supremacia do interesse

público. 5. Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão

de circunstâncias pessoais dos candidatos. 6. Segurança jurídica. Validade das

provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento.

7. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 630.733, Relator Min.

Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 15.5.2013, DJe: 20.11.2013).

Não obstante a isso, assinale-se que no caso concreto a antecipação de

tutela que possibilitou a nova realização do teste físico deu-se em 9.5.2013 (fl .

155), portanto dentro da data de modulação dos efeitos do RE.

Além disso, registre-se a existência de outras peculiaridades que devem ser

levadas em consideração no julgamento do presente feito. Vejamos.

O recorrente tomou posse, tendo em vista sua aprovação em todas as fases

do certame com notas máximas - inclusive no curso de formação realizado pelo

período de 1 (um) ano, entre 20 de setembro de 2014 a 18 de setembro de 2015

- encontrando-se atualmente em pleno exercício no cargo em que foi investido.

Assim, independentemente das arguições levantadas quanto à confi guração

do caso fortuito e, consequentemente, da legalidade da remarcação da prova no

caso dos autos, certo é que a capacidade física do recorrente fi cou plenamente

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 213

demonstrada, com sua aprovação nos testes físicos a que veio a ser submetido

com notas máximas.

Em abono ao que foi aduzido, Franciso Lobello de Oliveira Rocha anota

que é de interesse do aspirante ao cargo público “e da Administração que o

candidato seja testado em suas condições normais, tendo em vista que a relação

de emprego que se pretende manter é de natureza permanente e duradoura, não

devendo a avaliação ser infl uenciada por condições desfavoráveis passageiras”.

(Regime Jurídico dos Concurso Públicos, Ed. Dialética, SP, 2006, p. 147).

Impende consignar que esta Corte tem precedentes no sentido de que, em

situações excepcionalíssimas, na análise do caso concreto, a efetivação da posse

no cargo público mostra-se recomendável, como forma de realizar justiça no

caso concreto, à luz da segurança jurídica e desde que preenchidos os requisitos

para o cargo, visto que a confi rmação do autor no cargo não acarretará prejuízo

algum para administração, nem para qualquer outro candidato.

Nesse sentido, cito trecho do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio

Bellizze no julgamento do Mandado de Segurança n. 13.237/DF, verbis:

[...] penso que a situação em que atualmente se encontra a impetrante, dada

a peculiaridade do caso, deve ser mantida, levando-se em conta o princípio da

segurança jurídica.

Conquanto se possa questionar a decisão do Ministro Napoleão Nunes Maia

Filho de, em caráter liminar, mandar nomear e dar posse à impetrante – quando o

melhor talvez tivesse sido assegurar a reserva de vaga até fi nal pronunciamento

judicial –, o certo é que a impetrante, por força dessa decisão, vem desempenhando

as atribuições do cargo desde novembro de 2009, ao que se tem notícia, com

desenvoltura, zelo e dedicação.

Conforme destacado pelo próprio Ministro Napoleão no julgamento de caso

análogo, “apesar de respeitáveis pronunciamentos em contrário, deve-se prestigiar

a conservação de situações jurídicas que o fl uir irreparável do tempo produz, inclusive

pelos seus efeitos favoráveis à pacifi cação das relações sociais; se essas situações

permanecessem sempre modifi cáveis, se implantaria o reino de insegurança e da

intranquilidade, com prejuízos visíveis à própria ordem pública” (AgRg no REsp n.

1.223.220/RJ, DJe 9.5.2012).

Ressalto, uma vez mais, que a confirmação da impetrante no cargo não

acarretará nenhum prejuízo para a administração, nem a qualquer outro candidato.

(MS 13.237/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, DJe 24.4.2013,

grifei)

Referido precedente está assim ementado:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

214

Administrativo. Concurso público. Procurador da Fazenda Nacional. [...].

Impetração que tem por objetivo não apenas a obtenção dos pontos da questão

impugnada, mas, principalmente, o reconhecimento do direito à investidura no

cargo. [...]. Preservação da peculiar situação da impetrante, que exerce o cargo

há mais de três anos. Princípio da segurança jurídica. Investidura que, tornada

definitiva, não acarretará nenhum prejuízo à Administração, nem aos outros

candidatos aprovados, todos já nomeados.

6. Caso em que a situação da impetrante, que exerce, por força de liminar, o

cargo de Procurador da Fazenda Nacional há mais de três anos, deve ser preservada,

em caráter excepcional, seja em respeito ao princípio da segurança jurídica, seja

porque nenhum prejuízo advirá dessa confi rmação para a administração.

8. Segurança concedida para tornar defi nitiva a investidura da impetrante no

cargo de Procurador da Fazenda Nacional, prejudicados os agravos regimentais.

(MS 13.237/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, DJe 24.4.2013,

grifei)

No mesmo sentido, confiram-se os seguintes julgados deste Tribunal

Superior:

Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público.

Compatibilidade entre a questão formulada e o conteúdo programático.

Reconhecimento. Interdisciplinaridade. Inocorrência. Prevalência da média fi nal

para aprovação. Impossibilidade. Previsão editalícia de nota mínima em cada

módulo. Prosseguimento no certame mediante concessão de liminar. Posse no

cargo público a 5 anos. Teoria do fato consumado. Aplicação excepcional. Recurso

parcialmente provido.

5. A jurisprudência deste Sodalício, em situações excepcionalíssimas, admite a

incidência da Teoria do Fato Consumado, à luz do princípio da segurança jurídica

e desde que preenchidos dos requisitos para o cargo. Na hipótese, candidata-

impetrante, mediante liminar em mandado de segurança prosseguiu no concurso e

tomou posse; foi aprovada no estágio probatório e exerce a função pública a 5 (cinco)

anos.

6. Recurso ordinário a que se dá parcial provimento. (RMS 31.152/PR, Rel.

Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 25.2.2014)

Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Concurso público.

Auditores Fiscais do Tesouro Nacional no exercício do cargo há mais de 10 anos.

Agravo regimental desprovido.

1. A orientação desta Corte Superior quanto à não consolidação de situação

funcional de Servidor empossado em cargo público, ao abrigo de decisão judicial,

não se aplica ao caso em exame, pelas suas peculiaridades fáticas (os benefi ciários

estão no exercício dos cargos há mais de 10 anos), pois, conforme consta do acórdão

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 215

recorrido, a situação funcional restou defi nitivamente consolidada pelo decurso do

tempo.

2. Há de ser respeitado, em caso assim, o direito dos Servidores, a fim de

atingir o equilíbrio entre os princípios da legalidade e da igualdade, o da

segurança jurídica e da estabilidade nas relações sociais de Direito Público,

de modo a confirmar-se juridicamente uma solução socialmente aceitável;

é inegável que Administração Pública pode muito, mas não pode tudo, não

podendo, por exemplo, sobrepor-se aos efeitos do tempo ou impedir que o seu

decurso inevitável produza resultados que não podem ser ignorados, como se

o desfazimento de atos administrativos pudesse devolver às pessoas o tempo

pretérito e todas as suas passadas esperanças. Ademais, não se pode imputar aos

Servidores a consolidação de tal situação, porquanto a demora é atribuível ao

Judiciário ou à própria Administração.

3. O decurso de tempo consolida fatos jurídicos que devem ser respeitados,

sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art.

462 do CPC. Precedentes: REsp 900.263/RO, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 12.12.2007;

REsp 1.130.985/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 19.2.2010; REsp 960.816/ES,

Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 12.11.2008; e AgRg no REsp 1.181.042/RS, Rel.

Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 9.8.2010.

4. Agravo Regimental da União Federal desprovido.

(AgRg no REsp 1.205.434/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira

Turma, DJe 27.8.2012)

Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Concurso público para

provimento de cargo de Agente Penitenciário da Polícia Civil do Distrito Federal.

Candidato reprovado em exame psicotécnico que permaneceu no certame por

força de decisão judicial. Exercício do cargo há mais de 12 anos. Consumação da

situação jurídica colmatada ex ope temporis. Direito líquido e certo à permanência

no serviço público. Recurso ordinário provido.

2. Contudo, considerando as peculiaridades do caso concreto e diante da

primazia da segurança jurídica nas relações de Direito Público, em contraste com

a aplicação pura e simples do princípio da legalidade, é salutar que se assegure

a manutenção de situações jurídicas colmatadas ex ope temporis, ainda que o

ingresso no serviço público tenha ocorrido ao abrigo de uma tutela judicial.

3. No presente caso, o recorrente encontra-se no exercício do cargo de Agente

Penitenciário da Polícia Civil do Distrito Federal há mais de 13 anos, o que, por

si só, revela a extensão das consequências da reversão, a esta altura, do autor à

situação anterior à sua investidura, impondo não apenas um recuo de 13 anos

em seu status profi ssional, mas também um retrocesso na sua vida, com os mais

variados desdobramentos.

4. Ademais, neste caso, não é nada recomendável, do ponto de vista do interesse

público, que uma pessoa que já se encontra trabalhando desde 1999, sem que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

216

haja qualquer indício de que exerça seu trabalho de maneira insatisfatória, seja

abruptamente dali desalojada e sofra uma drástica modifi cação na sua situação

profi ssional, econômica e moral, com consequências irreversíveis.

5. Recurso Ordinário provido para assegurar o direito líquido e certo do

recorrente de efetivação da posse no cargo ocupado. (RMS 38.699/DF, Rel.

Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

Primeira Turma, DJe 5.9.2013)

Assim, ante as peculiaridades do caso concreto assinaladas, afi gura-se

recomendável a efetivação da posse do recorrente no cargo público, diante da

consolidação da situação fática no tempo.

Anote-se ainda que, em situação análoga ao dos autos, no julgamento do

Recurso Especial n. 1.444.690/MS, de minha relatoria, esta colenda Primeira

Turma fi rmou compreensão no sentido de que, diante das peculiaridades do

caso, a efetivação da posse no cargo público mostra-se recomendável seja porque

o autor preencheu os requisitos exigidos, ao ser aprovado no cargo ao qual era

candidato, seja porque, tendo tomado posse e estando em exercício, a situação

fática se consolidou no tempo.

O julgado está assim ementado:

Administrativo. Recurso especial. Concurso público. Delegado da Polícia

Federal. Candidato reprovado no teste físico em face de contusão no ombro,

devidamente comprovada. Remarcação, por sentença de mérito, de nova

avaliação, na qual logrou êxito. Consolidação da posse em cargo público ocupado,

diante as peculiaridades do caso.

2. No caso dos autos, o candidato, embora reprovado nos testes de aptidão física

na data marcada no edital do certame, por haver lesionado o ombro, logrou êxito

em tais exames na nova data concedida pelo judiciário, a qual, vale registrar,

se deu por força de tutela antecipada na própria sentença de mérito e não em

decisão liminar precária.

3. Assim, independentemente das arguições levantadas acerca do momento

da contusão, da sua confi guração em caso fortuito, e, consequentemente, da

legalidade da remarcação da prova no caso dos autos, certo é que a capacidade

física do recorrente restou plenamente demonstrada, seja pela renovação dos

testes ou pelo longo período em que o recorrente se encontra investido no cargo.

4. Portanto, considerando que o recorrente foi devidamente aprovado em todas

as fases do concurso, inclusive no curso de formação, tomou posse e encontra-se

em exercício desde 2009, a consolidação da sua posse no cargo público afigura-

se recomendável, diante das peculiaridades do caso, seja porque o recorrente

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 217

preencheu os requisitos exigidos para a aprovação no cargo ao qual era candidato

ou porque a situação fática está consolidada no tempo.

5. Recurso especial provido, para assegurar o direito do recorrente de

efetivação da posse no cargo ocupado. (REsp 1.444.690/MS, Rel. Ministro Benedito

Gonçalves, Primeira Turma, DJe 7.5.2014)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para assegurar o

direito do recorrente à efetivação da posse no cargo ocupado.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.591.419-DF (2016/0079383-4)

Relator: Ministro Gurgel de Faria

Recorrente: Distrito Federal

Procurador: Dina Oliveira de Castro Alves e outro(s) - DF017343

Recorrido: H & N Comércio de Produtos Ópticos Ltda ME

Advogado: Sem representação nos autos - SE000000M

EMENTA

Tributário. Recurso especial. Execução fi scal. Microempresa.

Extinção regular. Inclusão do sócio-gerente no polo passivo da

execução fi scal. Art. 9º da LC n. 123/2006. Artigos 134, VII, e 135,

III, do CTN. Necessidade de observância.

1. O art. 9º, § 4º, da LC n. 123/2006 não estabelece hipótese

nova para o reconhecimento da responsabilidade tributária do sócio-

gerente de micro e pequenas empresas, tratando tão somente da

possibilidade de baixa do ato constitutivo da sociedade empresária e

esclarecendo que a consumação desse fato não implica em extinção de

eventuais obrigações tributárias nem da responsabilidade tributária.

2. Esse dispositivo remete às hipóteses de responsabilidade

tributária previstas nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código

Tributário Nacional.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

218

3. Enquanto a responsabilidade subsidiária de que trata o inciso

VII do art. 134 do CTN está limitada ao patrimônio social que

subsistir após a liquidação, a responsabilidade pessoal decorrente da

aplicação do art. 135, III, do CTN não encontra esse limite, podendo

o sócio responder integralmente pelo débito com base em seu próprio

patrimônio, independente do que lhe coube por ocasião da extinção

da pessoa jurídica.

4. Na prática, em execução fi scal proposta em desfavor de micro

ou pequena empresa regularmente extinta, é possível o imediato

redirecionamento do feito contra o sócio, com base na responsabilidade

prevista no art. 134, VII, do CTN, cabendo-lhe demonstrar a eventual

insuficiência do patrimônio recebido por ocasião da liquidação

para, em tese, poder se exonerar da responsabilidade pelos débitos

exequendos. Feita essa demonstração, se o nome do sócio não estiver

na CDA na condição de corresponsável, caberá ao fi sco comprovar

as situações que ensejam a aplicação do art. 135 do CTN, a fi m de

prosseguir executando os débitos que superarem o crédito recebido em

face da liquidação da empresa.

5. Hipótese em que, considerada a situação fática descrita no

acórdão a quo, a qual revela ter havido liquidação regular da pessoa

jurídica, deve-se reconhecer a possibilidade de redirecionamento da

execução fi scal, com base no art. 134, VII, do CTN.

6. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito

Gonçalves, Sérgio Kukina (Presidente) e Regina Helena Costa votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Gurgel de Faria, Relator

DJe 26.10.2016

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 219

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gurgel de Faria: Trata-se de recurso especial interposto pelo

Distrito Federal contra acórdão proferido pelo Distrito Federal, que indeferiu

o pedido de redirecionamento de execução fi scal contra o sócio-gerente da

sociedade empresária executada. Eis a ementa desse julgado:

Agravo de instrumento. Execução fiscal. Dissolução regular de sociedade.

Redirecionamento da execução contra sócio. Não preenchimento dos requisitos.

1. Ante a falta da comprovação da prática de atos ilícitos por parte dos

sócios para cujos nomes o redirecionamento da execução fi scal fora requerido

(art. 135, inciso III, CTN), não existe nenhuma mácula na decisão que indeferiu

tal requerimento. Vale destacar que, nos termos da Súmula n. 430 do STJ, “o

inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a

responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

2. Agravo não provido.

O recorrente alega violação do art. 135, III, do CTN e do art. 9º, §§ 4º e

5º, da LC n. 123/2006, por entender que o simples inadimplemento de créditos

de ICMS por parte da sociedade empresária qualifi cada como microempresa,

antes de sua regular dissolução, carateriza hipótese para a responsabilização

solidária do sócio, de tal sorte que adequada sua inclusão no polo passivo da

execução fi scal.

Sustenta que, “ao exigir a comprovação da prática de atos fraudulentos ou

com violação à lei ou ao contrato social, como requisito ao redirecionamento

da execução aos sócios da Recorrida, o v. acórdão recorrido negou vigência ao

art. 9º, §§ 4º e 5º, da Lei Complementar n. 123/2006, que prevê expressamente

a responsabilidade dos sócios da microempresa encerrada regularmente pelos

débitos tributários em aberto no momento do encerramento” (e-STJ fl . 67).

Sem contrarrazões, o recurso especial foi admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Gurgel de Faria (Relator): O recurso especial se origina

em agravo de instrumento que o Distrito Federal interpôs contra decisão que

indeferiu a inclusão de sócio-gerente no polo passivo de execução fi scal movida

contra microempresa extinta de forma regular.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

220

A inclusão do sócio fora assim pedida pelo exequente (e-STJ fl . 21):

Diante desse quadro normativo, em virtude da baixa da empresa executada

em data posterior à inscrição do crédito tributário em dívida ativa, imperiosa é

a inclusão dos responsáveis tributários de todos os sócios, em se tratando de

sociedade empresária; ou dos titulares, nos casos de EIRELI ou pessoas jurídicas

individuais (empresário-individual ou fi rma individual).

O indeferimento do pedido está fundamentado nos seguintes termos

(e-STJ fl s. 27/28):

Em compasso com o entendimento pacificado no C. STJ, não se admite a

emenda ou substituição da Certidão da Dívida Ativa para alteração do sujeito

passivo da obrigação tributária, mas tão somente para correção de erro material

ou formal, pois isso representaria a modifi cação do próprio lançamento, conforme

entendimento fi rmado por meio da Súmula 392/STJ.

Ao julgar o agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça manteve a decisão,

consignando, que interessa (e-STJ fl s. 45/50):

O presente recurso de agravo se volta contra a decisão de fl s. 24/24-v, por meio

da qual, conforme relatado, o juízo da Vara de Execução Fiscal do Distrito Federal

indeferiu o pedido de redirecionamento da execução formulado pelo exequente/

agravante ante o entendimento de que tal pleito encontraria óbice no Enunciado

Sumular n. 392 do Superior Tribunal de Justiça. Eis os fundamentos da decisão

recorrida, litteris:

“Em compasso com o entendimento pacifi cado no C. STJ, não se admite a

emenda ou substituição da Certidão da Dívida Ativa para alteração do sujeito

passivo da obrigação tributária, mas tão somente para correção de erro material

ou formal, pois isso representaria a modifi cação do próprio lançamento, conforme

entendimento fi rmado por meio da Súmula 392/STJ.”

[...]

Como se vê, cinge-se a controvérsia à possibilidade de redirecionamento da

execução fi scal para os sócios, na hipótese de dissolução regular de microempresa,

levando em consideração que os nomes de tais sócios não fi guram na certidão de

dívida ativa que embasa a execução.

De início, cumpre asseverar que concordo com a tese do Fisco de que a Súmula

n. 392 do STJ não se aplica às hipóteses de responsabilidade superveniente, isto

é, àquelas situações em que a legitimidade passiva do responsável legal pelo

pagamento do tributo apenas surge após a formação da certidão de dívida ativa.

De fato, em tais casos, não seria razoável que a execução fi scal fosse extinta, com a

necessidade de se abrir um novo e longo procedimento administrativo, por fato que a

Administração não possuía conhecimento ou controle.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 221

É de se gizar que tal redirecionamento não afronta o princípio do devido

processo legal, posto que sujeito ao prévio controle judicial. Demais disso, tal

orientação possui guarida no artigo 568, inciso V, do Código de Processo Civil,

bem como no artigo 4º, inciso V, da Lei n. 6.830/1980 (LEF).

Logo, na hipótese dos autos, perfilho do entendimento de que, diante da

circunstância de a baixa da microempresa agravada ter sido processada em momento

posterior à constituição da certidão de dívida ativa (CDA), seria plenamente possível

que o juiz da execução, desde que preenchidos os requisitos legais, autorizasse a

correção da petição inicial e, igualmente, da CDA.

Ocorre que, in casu, o agravante não demonstrou o preenchimento dos

requisitos indispensáveis ao deferimento do pedido de redirecionamento por ele

deduzido.

Com efeito, para a viabilidade do redirecionamento da execução contra os sócios

da empresa devedora deveriam ser comprovados os pressupostos previstos no art.

135, inciso III, do CTN, consubstanciados no exercício abusivo da gerência, infração à

lei ou ao contrato social.

Sendo certo, ademais, que, nos termos da Súmula n. 430 do STJ, “o

inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a

responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Logo, ante a falta da comprovação de atuação irregular e da prática de atos

gerenciais dos sócios para cujos nomes o redirecionamento fora requerido, não

existe nenhuma mácula na decisão agravada.

Como se nota, o Tribunal de origem entendeu que a dissolução regular

de micro-empresa, após a constituição do crédito tributário inadimplido,

não permite, por si só, o redirecionamento da execução fi scal ao sócio, sendo

necessária a comprovação dos requisitos previstos no art. 135, III, do CTN.

Observa-se que a matéria está prequestionada e a situação fática

devidamente delineada, não havendo qualquer óbice ao conhecimento do

recurso.

Pois bem.

A LC n. 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e

da Empresa de Pequeno Porte, no seu art. 9º, estabeleceu:

Art. 9º. O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções (baixas),

referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão envolvido no

registro empresarial e na abertura da empresa, dos 3 (três) âmbitos de governo,

ocorrerá independentemente da regularidade de obrigações tributárias,

previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias, do empresário, da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

222

sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de que participem,

sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos sócios ou dos

administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o ato de extinção.

[...]

§ 3º No caso de existência de obrigações tributárias, previdenciárias

ou trabalhistas referidas no caput, o titular, o sócio ou o administrador da

microempresa e da empresa de pequeno porte que se encontre sem movimento

há mais de 12 (doze) meses poderá solicitar a baixa nos registros dos órgãos

públicos federais, estaduais e municipais independentemente do pagamento de

débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas

declarações nesses períodos, observado o disposto nos §§ 4º e 5º.

§ 4º A baixa referida no § 3º não impede que, posteriormente, sejam lançados

ou cobrados impostos, contribuições e respectivas penalidades, decorrentes da

simples falta de recolhimento ou da prática comprovada e apurada em processo

administrativo ou judicial de outras irregularidades praticadas pelos empresários,

pelas microempresas, pelas empresas de pequeno porte ou por seus titulares, sócios

ou administradores.

Com a superveniência da LC n. 147, de 7 de agosto de 2014, as redações

do caput do art. 9º e do § 4º foram modifi cadas e o § 3º revogado. Vejamos a

nova redação legal:

Art. 9º. O registro dos atos constitutivos, de suas alterações e extinções

(baixas), referentes a empresários e pessoas jurídicas em qualquer órgão dos

3 (três) âmbitos de governo ocorrerá independentemente da regularidade de

obrigações tributárias, previdenciárias ou trabalhistas, principais ou acessórias,

do empresário, da sociedade, dos sócios, dos administradores ou de empresas de

que participem, sem prejuízo das responsabilidades do empresário, dos titulares,

dos sócios ou dos administradores por tais obrigações, apuradas antes ou após o

ato de extinção.

[...]

§ 4º A baixa do empresário ou da pessoa jurídica não impede que, posteriormente,

sejam lançados ou cobrados tributos, contribuições e respectivas penalidades,

decorrentes da falta do cumprimento de obrigações ou da prática comprovada

e apurada em processo administrativo ou judicial de outras irregularidades

praticadas pelos empresários, pelas pessoas jurídicas ou por seus titulares, sócios ou

administradores.

Por oportuno, deixa-se consignado que a execução fiscal e a decisão

impugnada pelo agravo de instrumento da recorrente são anteriores à alteração

legislativa acima indicada.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 223

Verifi ca-se que em ambas as redações é possível a interpretação de que

os sócios das micro e pequenas empresas possam ser responsabilizados pelo

simples inadimplemento do tributo. Na primeira redação, o legislador foi

incisivo quanto à hipótese da “simples falta de recolhimento”, enquanto que, na

segunda, ampliou o espaço para a cobrança posterior de tributos e penalidades

decorrentes da “falta do cumprimento de obrigações”.

Todavia, como adiante se explicita, a LC n. 123/2006 não cria regra para a

responsabilização dos sócios.

Sobre o tema, ressalta-se que a Segunda Turma desta Corte Superior tem

decidido, de forma unânime, que a responsabilidade prevista no art. 9º da LC n.

123/2006 deve ser aferida à luz do art. 135, III, do CTN, sob pena de admitir

situação jurídica mais gravosa do que a geral a segmento empresarial que a

Constituição Federal pretendeu favorecer.

A respeito, confi ra-se:

Tributário. Execução fi scal. Redirecionamento. Sócio-gerente. Necessidade de

demonstração da prática de ato com excesso de poderes, contrário à lei ou ao

contrato social. Inadimplemento tributário. Hipótese que não caracteriza infração

à lei, nos termos do art. 135 do CTN. Entendimento que se aplica, igualmente, às

micro e pequenas empresas. Exegese do art. 9º da Lei Complementar n. 123/2006.

Precedentes do STJ. Agravo regimental improvido.

I. Nos termos da jurisprudência, “a Primeira Seção do Superior Tribunal de

Justiça, ao julgar o REsp 1.101.728/SP, Min. Teori Albino Zavascki, na sessão do

dia 11.3.2009, sob o regime do art. 543-C do CPC, fi rmou entendimento de que a

simples falta do pagamento de tributo não confi gura, por si só, circunstância que

acarrete a responsabilidade subsidiária dos sócios. (...) Somente as irregularidades

constantes do art. 135 do CTN, quais sejam, prática de atos com excesso de

poder ou infração de lei, contrato social ou estatuto, são aptas a permitir o

redirecionamento do processo executivo aos sócios” (STJ, AgRg no AREsp 504.349/

RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 13.6.2014).

II. Mencionado entendimento aplica-se, igualmente, às micro e pequenas

empresas. Dessarte, “esta Turma, por ocasião do julgamento do AgRg no REsp

1.122.807/PR (Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 23.4.2010), deixou consignado,

preliminarmente, que, com o advento da Lei Complementar n. 128/2008, o artigo 78

da Lei Complementar n. 123/2006 foi revogado e seu conteúdo normativo passou

a inserir-se no art. 9º. No retromencionado precedente, fi cou decidido que o art. 9º

da Lei Complementar n. 123/2006 requer a prática comprovada de irregularidades,

apurada em processo administrativo ou judicial, para permitir o redirecionamento.

Somente as irregularidades constantes do art. 135 do CTN, quais sejam, prática

de atos com excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatuto, são

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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aptas a permitir o redirecionamento do processo executivo aos sócios. Permitir o

redirecionamento do executivo fiscal no caso de microempresas e empresas de

pequeno porte sem a aplicação do normativo tributário é deturpar a intenção

insculpida na Lei Complementar n. 123/2006: fomentar e favorecer as empresas

inseridas neste contexto. Nesse sentido é que a Primeira Seção, no julgamento do REsp

1.101.728/SP, submetido ao regime dos recursos repetitivos, reiterou o entendimento

já sedimentado nesta Corte, no sentido que ‘a simples falta de pagamento do tributo

não confi gura, por si só, nem em tese, circunstância que acarreta a responsabilidade

subsidiária dos sócios, prevista no art. 135 do CTN’” (STJ, REsp 1.216.098/SC, Rel.

Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 31.5.2011).

III. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp 396.258/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma,

julgado em 25.8.2015, DJe 4.9.2015).

No mesmo sentido: AgRg no AREsp 504.349/RS, Rel. Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, DJe 13.6.2014; EDcl no AgRg no REsp 1.435.960/

SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 3.6.2014; REsp

1.216.098/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe

31.5.2011; AgRg no REsp 1.122.807/PR, Rel. Ministro Humberto Martins,

Segunda Turma, DJe 23.4.2010.

Em todos esses julgados, a colenda Segunda Turma faz menção aos

fundamentos adotados por ocasião do julgamento do REsp 1.122.807/PR, cujo

voto condutor, de lavra do Ministro Humberto Martins, tem o seguinte teor, no

que pertine transcrever:

Deixar de aplicar os requisitos inseridos no art. 135 do Código Tributário

Nacional às microempresas e empresas de pequeno porte é deturpar a intensão

máxima do normativo complementar 123/2006. Afastar sua aplicação é malferir,

de forma indireta, o objetivo insculpido nos arts. 146, III, “d”, e 179 da Constituição

Federal de 1988, qual seja, fomentar e favorecer as empresas inseridas neste

contexto. Verbis:

[...]

Portanto, a aplicação subsidiária dos elementos normativos insculpidos

no art. 135 do Codex Tributário é medida inafastável para que se conjeture o

redirecionamento da execução fi scal.

Embora entenda pela necessidade de observância das normas do Código

Tributário Nacional para o fi m de reconhecer a possibilidade de cobrança

dos sócios dos débitos tributários não pagos pela sociedade empresária, o

fundamento em que me apóio é diverso, pois o art. 9º da LC n. 123/2006 não

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 225

estabelece hipótese nova para o reconhecimento da responsabilidade tributária do sócio

de micro e pequenas empresas.

Com efeito, o art. 9º, caput e § 4º, da LC n. 123/2006 trata tão somente da

possibilidade de baixa do ato constitutivo da sociedade empresária, esclarecendo

que a consumação desse fato não implica em extinção de eventuais obrigações

tributárias nem da responsabilidade tributária dos sócios.

Verifi ca-se, nitidamente, que o referido parágrafo se remete às hipóteses de

responsabilidade tributária previstas nos artigos 134, VII, e 135, III, do Código

Tributário Nacional.

Se a extinção é regular, presume-se superavitária, razão por que o sócio

responde subsidiariamente pelos débitos que deveriam ser computados por

ocasião da liquidação da empresa, nos termos do art. 134, VII, do CTN, sob

pena de locupletamento em desfavor do erário. Entretanto, nos casos em que

comprovada a existência de infração à lei, ao estatuto ou ao contrato social, o

sócio responderá pessoalmente, nos termos do art. 135, III, do CTN.

Importa mencionar que, no caso previsto no inciso VII do art. 134 do

CTN, embora o sócio seja responsabilizado subsidiariamente pelo débito, a

execução encontrará limite no patrimônio social que subsistir após a liquidação,

enquanto que na hipótese do art. 135, III, do CTN, o sócio responderá pessoal

e integralmente pelo débito com base em seu próprio patrimônio, independente

do que lhe coube por ocasião da extinção da pessoa jurídica.

Na prática, em execução fi scal proposta em desfavor de micro ou pequena

empresa regularmente extinta, é possível o imediato redirecionamento do feito

contra o sócio, com base na responsabilidade prevista no art. 134, VII, do CTN,

cabendo-lhe demonstrar a eventual insufi ciência do patrimônio recebido por

ocasião da liquidação para, em tese, poder-se exonerar da responsabilidade pelos

débitos exequendos.

Feita essa demonstração, se o nome do sócio não estiver na CDA na

condição de corresponsável, caberá ao fi sco comprovar as situações que ensejam

a aplicação do art. 135 do CTN, a fi m de prosseguir executando os débitos que

superarem o crédito recebido em face da liquidação da empresa.

Considerada a situação fática descrita no acórdão a quo, a qual revela ter

havido liquidação regular da pessoa jurídica e, por isso, nos remete à hipótese do

art. 134, VII, do CTN; e, à luz do art. 257 do RI-STJ e da Súmula 456 do STF,

aplicando-se o direito à espécie, o recurso especial do Distrito Federal deve ser

provido para autorizar a inclusão do sócio no polo passivo da execução fi scal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

226

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para autorizar a inclusão

do sócio-gerente no polo passivo da execução fi scal.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.597.093-RN (2016/0100965-0)

Relator: Ministro Benedito Gonçalves

Recorrente: Charles Virgilio Antas de Oliveira

Advogado: Adriana Cavalcanti Magalhaes e outro(s)

Recorrido: União

EMENTA

Administrativo. Recurso especial. Servidor público. Remoção

para acompanhamento do cônjuge. Empregada pública da Empresa

Brasileira de Correios e Telégrafos. Transferência ex off icio.

Possibilidade. Interpretação ampliativa do conceito de servidor

público. Precedentes do STJ e do STF.

1. Na espécie, cuida-se de Auditor Fiscal da Receita Federal que

busca acompanhar sua esposa, empregada pública federal, transferida

por necessidade do serviço para a Gerência de Vendas/DR/RN da

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em Natal/RN, limitando-

se a demanda unicamente acerca da interpretação conferida ao artigo

36, III, “a”, da Lei n. 8.112/1990.

2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacifi cou o tema

no sentido de que a alínea “a” do parágrafo único do art. 36 da

Lei n. 8.112/1990 não exige que o cônjuge do servidor público

seja também regido pelo Estatuto dos Servidores Públicos Federais,

visto que “[a] expressão legal ‘servidor público civil ou militar, de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios’ não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37

da Constituição Federal para alcançar, justamente, todo e qualquer

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 227

servidor da Administração Pública, tanto a Administração Direta

quanto a Indireta.” (MS n. 23.058, Relator Ministro Carlos Britto,

Tribunal Pleno, DJe 14.11.2008).

3. A jurisprudência desta Corte Superior tem atribuído uma

interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar

não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também

os que exercem suas atividades nas entidades da Administração

Indireta. Nesse sentido: AgRg no REsp n. 1.408.930/PE, Rel.

Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 28.3.2016;

REsp n. 1.511.736/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, DJe de 30.3.2015.

4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina (Presidente), Regina Helena

Costa, Gurgel de Faria e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 4 de agosto de 2016 (data do julgamento).

Ministro Benedito Gonçalves, Relator

DJe 17.8.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto

por Charles Vigilio Antas de Oliveira, com fundamento no art. 105, III, alíneas “a”

e “c”, da CF, contra acórdão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da

5ª Região que está assim ementado (fl s. 190-201):

Administrativo. Processual Civil. Remoção para acompanhar cônjuge não-

servidor e empregado de Empresa Pública Federal (ECT) transferido para outra

cidade para ocupar função comissionada. Ausência de interesse da Administração.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

228

Princípio de proteção à família e interesse público. Adequação. Remessa ofi cial e

apelação da União providas.

1. Muito embora o texto constitucional seja pródigo em amparo e proteção à

unidade familiar, tal garantia não pode ser interpretada de maneira absoluta, de

forma a justifi car remoções extralegais. Afi nal, cabe aos familiares, em primeiro

lugar, zelar pela unidade desse núcleo, pois o Estado nada poderá fazer se os

próprios integrantes dessa unidade agem contrariamente à sua proteção e

coesão, o que ocorre quando uma pessoa casada aceita ocupar uma função de

chefi a em cidade diversa da que reside seu cônjuge, servidor público lotado

originariamente (e por concurso público) em local de grande demanda.

2. Hipótese em que um servidor público (Auditor da Receita Federal em

Mossoró/RN) teve assegurado, através da sentença ora impugnada pela União

Federal, o direito de acompanhar seu esposa, empregada da ECT - Empresa de

Correios e Telégrafos (Agente de Correios), que foi transferida para Natal/RN para

ocupar função comissionada (Chefe de Seção).

3. Ora, remoção de servidor é ato que deve atender ao interesse público,

somente podendo ser excepcionalmente fundada no interesse particular nas

hipóteses previstas em lei, até porque, conforme entendimento deste próprio

Tribunal: Não ocorrendo nenhuma das hipóteses descritas no inciso III, do

parágrafo único do art. 36 do Estatuto dos Servidores e não havendo motivo

plausível para aplicação da analogia à espécie, há de se manter a decisão que

indefere transferência de servidor para acompanhar (TRF5, AGTR 34.420-CE, j.

12.6.2001, 4ª T., DJ 13.7.2001 404, Relator Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria).

4. A interpretação sistemática da Lei n. 8.112/1990 proíbe a prevalência do

interesse particular sobre o interesse público, devendo ser respeitado o poder

discricionário da Administração, notadamente nos casos de remoção de

servidores, onde o primeiro interesse a ser protegido é o público, de sorte que a

invocada proteção constitucional à família deve ser vista com temperança, e não

de maneira absoluta, cedendo, no caso concreto, ao interesse da Administração

Pública, notadamente no caso dos autos, em que a ruptura da unidade familiar

ocorre de forma voluntária e por conveniência do próprio empregado da ECT,

não cabendo a seu cônjuge, Auditor Fiscal lotado num local de muita demanda

(Mossoró/RN), invocar o direito derivado da proteção que a Constituição Federal

garante à família.

6. O dever do Estado em proteger a família não pode ser invocado para sujeitar

o serviço público a todas as circunstâncias particulares dos servidores, não se

devendo aplicar o princípio da unidade familiar a qualquer custo, mormente

quando foi um membro da própria família que deu causa à separação (TRF5 - AC

77411120134058100, 1ª T., j. 27.2.2014, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti).

7. Agravo retido não conhecido e apelação e remessa providas.

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 229

O recorrente alega violação do art. 36, III, “a”, da Lei n. 8.112/1990, além

de divergência jurisprudencial. Aduz que a jurisprudência desta Corte Superior

e do STF sinaliza na interpretação ampliativa ao conceito de servidor público

para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração Direta como

também os que exercem suas atividades da Administração Indireta (ECT), a

fi m de viabilizar a remoção do respectivo cônjuge.

Ao fi nal, o recorrente pleiteia o provimento do recurso, a fi m de que lhe

seja reconhecido o direito de ser removido para a cidade de Natal/RN, no

escopo de acompanhar sua consorte.

Às fl s. 282-292, a União contrapõe-se, argumentando que, ao negar o

pleito na via administrativa “adequou” a hipótese fática aos ditames legais de

regência da matéria, tendo em vista que o cônjuge do autor, de fato, não é

servidora pública federal, mas sim ocupante de emprego público (ECT).

Nos autos da PET n. 11.429/RN, deferi tutela provisória para atribuir

efeito suspensivo ao Recurso Especial, mantendo os fundamentos da sentença.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Na espécie, cuida-se de

Auditor Fiscal da Receita Federal que busca acompanhar sua esposa, empregada

pública federal, transferida por necessidade do serviço para a Gerência de

Vendas/DR/RN da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos em Natal/RN.

No Juízo a quo, julgou-se procedente a demanda, para anular a decisão

proferida no Processo Administrativo e determinar ao réu a remoção do autor

para a Delegacia da Receita Fedral em Natal/RN, à luz da proteção conferida

pelo Estado à unidade familiar, pela possibilidade de interpretação ampliativa

do conceito de servidor público, de modo a alcançar não apenas os que se

vinculam à Administração Direta como também aqueles que exercem atividades

nas entidades da Administração Indireta.

O Tribunal de origem reformou a sentença, ao fundamento de que, “com a

máxima vênia aos entendimentos jurisprudenciais em sentido contrário, entendo que

o empregado público, regido pela CLT, não pode ser equiparado ao servidor público de

que trata o parágrafo único do art. 36 da Lei n. 8.112/1990” (fl . 210), entre outros

fundamentos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

230

Assim, cinge-se a controvérsia acerca de concessão de licença com lotação

provisória a servidor público federal para acompanhar cônjuge, empregada de

empresa pública federal (Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos - ECT),

que foi transferida ex offi cio para outra localidade a bem do serviço público,

limitando-se a demanda unicamente acerca da interpretação conferida ao artigo

36, III, “a”, da Lei n. 8.112/1990.

Confi ra-se a literalidade da norma pertinente:

emoção e da Redistribuição

Seção I

Da Remoção

Ar t. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito

do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.

Pa rágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por

modalidades de remoção:

I - de ofício, no interesse da Administração;

II - a pedido, a critério da Administração;

II I - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da

Administração:

a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil

ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;

Vê -se que o artigo 36 estabelece a possibilidade de se conceder a remoção

de servidor público para outra localidade, a pedido, independentemente do

interesse da Administração, para acompanhar cônjuge ou companheiro, também

servidor público civil ou militar de qualquer dos Poderes da União dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração.

Mauro Roberto Gomes de Mattos, ao interpretar a Lei n. 8.112/1990,

consigna que:

Não resta dúvida, que os fi ns sociais previstos no inciso III do art. 36 da Lei

n. 8.112/1990 são o de estabelecer a unidade familiar como o epicentro da

preocupação do Poder Público, materializada através do instituto da remoção.

(MAURO Roberto Gomes de Mattos, Lei n. 8.112/1990, Interpretada e

Comentada, Ed. Impetus, 2012, pág. 204).

Com efeito, o Pleno do Supremo Tribunal Federal já pacifi cou o tema no

sentido de que a alínea “a” do parágrafo único do art. 36 da Lei n. 8.112/1990 não

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 231

exige que o cônjuge do servidor público seja também regido pelo Estatuto dos

Servidores Públicos Federais, visto que “[a] expressão legal ‘servidor público civil

ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios” não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal

para alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a

Administração Direta quanto a Indireta” (MS 23.058, Relator Min. Carlos Britto,

Tribunal Pleno, DJE: 14.11.2008).

O citado precedente está assim ementado:

Mandado de segurança. Remoção de ofício para acompanhar o cônjuge,

independentemente da existência de vagas. Art. 36 da Lei n. 8.112/1990.

Desnecessidade de o cônjuge do servidor ser também regido pela Lei n.

8.112/1990. Especial proteção do Estado à família (art. 226 da Constituição

Federal).

2. Havendo a transferência, de ofício, do cônjuge da impetrante, empregado

da Caixa Econômica Federal, para a cidade de Fortaleza/CE, tem ela, servidora

ocupante de cargo no Tribunal de Contas da União, direito líquido e certo de

também ser removida, independentemente da existência de vagas. Precedente:

MS 21.893/DF.

3. A alínea “a” do inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei n. 8.112/1990

não exige que o cônjuge do servidor seja também regido pelo Estatuto dos

servidores públicos federais. A expressão legal “servidor público civil ou militar, de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”

não é outra senão a que se lê na cabeça do art. 37 da Constituição Federal para

alcançar, justamente, todo e qualquer servidor da Administração Pública, tanto a

Administração Direta quanto a Indireta.

4. O entendimento ora perfilhado descansa no regaço do art. 226 da

Constituição Federal, que, sobre fazer da família a base de toda a sociedade,

a ela garante “especial proteção do Estado”. Outra especial proteção à família

não se poderia esperar senão aquela que garantisse à impetrante o direito de

acompanhar seu cônjuge, e, assim, manter a integridade dos laços familiares que

os prendem.

5. Segurança concedida. (MS 23.058, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno,

DJE: 14.11.2008).

Nos autos do AgRg no ARE n. 644.938, a Ministra Rosa Weber também

concluiu que “o servidor público possui direito à remoção para acompanhar o cônjuge,

empregado público, transferido de ofício” (ARE n. 644.938 AgR, Relatora Min.

Rosa Weber, Primeira Turma, DJE: 24.9.2014).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

232

Ressalte-se que esta Corte Superior, no mesmo entendimento do STF, tem

atribuído interpretação ampliativa ao conceito de servidor público para alcançar

não apenas os que se vinculam à Administração Direta como também os que

exercem suas atividades nas entidades da Administração Indireta, em respeito

aos princípios constitucionais da isonomia e da proteção à unidade familiar.

Nesse sentido:

Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Licença para

acompanhar cônjuge. Empregado de Empresa Pública Federal. Possibilidade.

Interpretação ampliativa do conceito de servidor público.

2. Deve ser atribuída uma interpretação ampliativa ao conceito de servidor

público para alcançar não apenas os que se vinculam à Administração direta, como

também os que exercem suas atividades nas entidades da Administração indireta.

Precedentes: REsp 1.438.841/CE, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe de 9.12.2015;

REsp 1.511.736/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de

30.3.2015; EREsp 779.369/PB, Relator Teori Albino Zavascki, Relator p/ acórdão

Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJ de 4.12.2006; MS 14.195/DF, Rel. Ministro

Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, DJe de 19.3.2013. Precedente STF: MS

23.058/DF, Tribunal Pleno, Min. Rel. Carlos Britto, DJU 14.11.2008.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.408.930/PE, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28.3.2016);

Administrativo. Remoção de cônjuge servidor público federal para acompanhar

cônjuge empregado público federal. Possibilidade. Interpretação do conceito

de servidor público ampliada. Alínea “c”. Ausência de similitude fática. Recurso

especial conhecido em parte e improvido.

1. A jurisprudência desta Corte vem ampliando o conceito de servidor público a

fi m de alcançar, não apenas os vinculados à Administração direta, como também os

que exercem suas atividades em entidades da Administração Pública indireta.

2. A ampliação do conceito de servidor público deve abranger tanto a proteção do

interesse público quanto a da família, ambos princípios consagrados na Constituição

Federal.

3. O disposto no art. 36, III, “a”, da Lei n. 8.112/1990 deve ser interpretado em

consonância com o art. 226 da Carta Magna, ponderando-se os valores que visam

proteger. O Poder Público deve velar pela proteção à unidade familiar, mormente

quando é o próprio empregador (MS 14.195/DF, Rel. Ministro Sebastião Reis

Júnior, Terceira Seção, julgado em 13.3.2013, DJe 19.3.2013)

Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1.511.736/CE, Rel.

Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 30.3.2015)

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Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 121-233, janeiro/março 2017 233

No caso concreto, às fl s. 49-50, juntou-se cópia do Memorando, atestando

que a esposa do autor foi transferida: “Por Necessidade do Serviço”.

Por sua vez, a autoridade administrativa indeferiu o pedido do recorrente

unicamente pelo fato de sua esposa ser empregada pública e não servidora,

não obstante reconhecesse que a remoção tenha ocorrido no interesse da

Administração (fl . 60).

Assim, preenchidos os requisitos legais da alínea “a” do inciso III do art.

36 da Lei n. 8.112/1990, a Administração tem o dever jurídico de promover o

deslocamento horizontal do Servidor dentro do mesmo quadro de pessoal.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para reformar acórdão

recorrido no sentido de manter a sentença de fl s. 169-171, confi rmando a decisão

liminar.

É o voto.

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Segunda Turma

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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 826.869-

PR (2015/0304127-1)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Agravante: Pillade Ducci Junior

Advogado: José Carlos Vieira e outro(s) - PR009404

Agravado: Ministério Público do Estado do Paraná

Interes.: Associacao Brasileira de Defesa Ambiental

EMENTA

Administrativo. Obrigação de recomposição de APP e

ARL. Responsabilidade objetiva. Processos em curso. Incidência

da legislação florestal vigente à época dos fatos. Retroação.

Impossibilidade. Inexistente a violação do art. 535 do CPC/1973.

Decisão fundamentada. Ausência de prequestionamento. Súmulas

282 e 356 do STF. Compensação de área de reserva legal. Pretensão

de reexame de provas. Súmula n. 7/STJ.

I. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a

controvérsia, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão,

contradição ou obscuridade, razão pela qual não há que se falar em

violação ao art. 535 do CPC/1973.

II. Verifi ca-se que a Corte a quo não analisou a matéria recursal à

luz do dispositivo legal apontado como violado, qual seja, o art. 131 do

CPC/1973, a despeito da oposição dos embargos declaratórios, visto

que considerou ausentes todas as omissões sustentadas pela recorrente.

Óbice das Súmulas 282 e 356 do STF.

III. Não se emprega norma ambiental superveniente de cunho

material aos processos em curso, seja para proteger o ato jurídico

perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, seja

para evitar a redução do patamar de proteção de ecossistemas frágeis

sem as necessárias compensações ambientais. Precedentes (REsp

1.381.191/SP, Rel. Ministra Diva Malerbi, Segunda Turma, julgado

em 16.6.2016, DJe 30.6.2016; e AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel.

Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 12.3.2014).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

238

IV. Rever o entendimento do Tribunal de origem acerca da

responsabilidade objetiva da agravante, demandaria necessário

revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso

especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ.

V. Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,

por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto

do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og

Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente)

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 6 de dezembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 15.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Na origem, trata-se de ação civil pública

proposta pela Associacao Brasileira de Defesa Ambiental, depois substituída

pelo Ministério Público do Estado do Paraná, contra Pillade Ducci Júnior, sendo

litisconsorte passivos Torquato Ducci e Suely Prioli Jaime Ducci.

O pedido foi julgado procedente em primeiro grau de jurisdição, para

condenar os réus, solidariamente, a proceder ao refl orestamento de determinados

imóveis, para a recomposição da vegetação nativa, conforme laudo pericial

acostado aos autos, bem como em honorários advocatícios e custas processuais.

Pillade Ducci Júnior apelou da sentença. alegando cerceamento de defesa e

requerendo produção de prova testemunhal, bem como a aplicação de legislação

superveniente, qual seja, o novo Código Florestal. Pugnou pela compensação das

medidas punitivas impostas e retifi cação da área a ser refl orestada. Conhecido o

recurso, o Tribunal a quo manteve incólume a decisão recorrida.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 239

Aberta a via do recurso especial, ele foi inadmitido na origem, sendo

interposto agravo em recurso especial, restando a decisão que o inadmitiu assim

ementada pelo relator (fl . 982):

Administrativo. Processual Civil. Ambiental. Reserva legal. Inexistente a violação

do art. 535 do CPC. Decisão fundamentada. Ausência de prequestionamento.

Súmulas 282 e 356 do STF. Superveniência da Lei n. 12.651/2012. Irretroatividade.

Proteção aos ecossistemas frágeis. Incidência da Súmula 356/STJ. Compensação

de área de reserva legal. Pretensão de reexame de provas. Súmula 7/STJ. Agravo

conhecido para negar provimento ao recurso especial.

Interposto agravo interno, em suas razões recursais, o agravante sustenta

que houve violação ao art. 535 do CPC/1973, pois não foi explicitado o motivo

pelo qual foi desconsiderada conclusão pericial da origem, o que, por sua vez,

feriu o princípio da persuasão racional (art. 131 do CPC/1973).

Argumenta que o regramento do novo Código Florestal deve ser aplicado

ao caso concreto, e, se assim não entender, aduz deve-se admitir a viabilidade da

compensação da reserva legal, nos termos do art. 44, III, da Lei n. 4.771/1965.

Pugna, então, pelo provimento do agravo interno.

Contraminuta às fl s. 1.039/1.044.

Atribuiu-se o valor da causa em R$ 90.284,00 (noventa mil, duzentos e

oitenta e quatro reais).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Em que pese o esforço contido

nas razões recursais, a pretensão de reforma da decisão prolatada não prospera.

Como consignado na análise monocrática, inexiste violação do art. 535 do

Código de Processo Civil de 1973. Com efeito, a prestação jurisdicional foi dada

na medida da pretensão deduzida, como se depreende da leitura do acórdão

recorrido, que enfrentou e decidiu, motivadamente, a controvérsia posta em

debate.

A Corte de origem, inclusive, refutou a existência da alegada omissão/

contradição, conforme se extrai do trecho do voto do acórdão que apreciou os

embargos (fl s. 833/836):

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

240

Pois bem. Da leitura da decisão embargada denota-se que não resta

confi gurado nenhum dos vícios apontados pela parte embargante, posto que

todos os pontos necessários ao deslinde da causa foram profi cuamente analisados

e fundamentados, sendo inviável desse modo a rediscussão da matéria, tal como

pretende o embargante.

Verifi ca-se que esta relatoria expôs de maneira clara e satisfatória no acórdão os

motivos pelos quais entendeu, no caso em tela, pela necessidade de salvaguardar

a área de preservação permanente e a reserva legal, sob o fundamento de que o

adquirente do imóvel danifi cado responde objetivamente pelos danos, mesmo se

o imóvel já estivesse desmatado à época de sua aquisição, mantendo-se incólume

a r. decisão do juízo a quo.

Alega o embargante que o voto é omisso e contraditório, pois não observou o

laudo pericial juntado aos autos.

Tal alegação não merece prosperar, pois a matéria foi devidamente tratada no

acórdão, {...)

Mas não é só. A Corte a quo decidiu o caso expondo fundamentadamente

as razões de seu convencimento de forma clara e objetiva, não havendo falar em

omissão. Confi ra-se (fl . 777):

(...) o apelante não tem razão ao afi rmar que inexistem nos laudos periciais

fundamentos para sua condenação. Com efeitos, as conclusões do perito foram

devidamente observadas pela sentença recorrida, inclusive quanto à área a ser

refl orestada pelo apelante.

Por isso, afasta-se também a alegação do recorrente de que a área a ser

refl orestada na Fazenda Jangadinha limita-se a apenas 6,518 hectare, pois não

condiz com as constatações obtidas nos laudos técnicos.

O entendimento consignado na sentença contempla, aliás, a relevância

ambiental das fl orestas, já que sua destruição ou perecimento pode confi gurar até

mesmo um atentado à função social da propriedade, devido ao seu uso nocivo.

Vê-se, pois, na verdade, que, no presente caso, a questão foi decidida de

maneira fundamentada e completa, mas não conforme objetivava a recorrente,

uma vez que foi aplicado entendimento diverso.

Aliás, verifi ca-se que a Corte a quo não analisou a matéria recursal à luz do

dispositivo legal apontado como violado, ou seja, o art. 131 do CPC/1973, mas

pautou suas razões de decidir na aplicação do artigo 535 daquele diploma legal,

visto que considerou ausentes todas as omissões sustentadas pelo recorrente.

Incide, assim, no caso, o enunciado das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal

Federal.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 241

Quanto à aplicação do novo Código Florestal, os atos degradadores do

ambiente foram praticados antes da entrada em vigor dele.

Consoante jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça, o novo

diploma legal não pode ser aplicado à hipótese dos autos, pois não se emprega

norma ambiental superveniente de cunho material aos processos em curso,

seja para proteger o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a

coisa julgada, seja para evitar a redução do patamar de proteção de ecossistemas

frágeis sem as necessárias compensações ambientais.

Nesse sentido, confi ra-se o precedente seguinte, literis:

Processo Civil. Ambiental. CPC/1973. Reserva legal. Julgamento antecipado

da lide. Reexame. Súmula 7/STJ. Violação do art. 535 do CPC. Ausência. Alegativa

de ofensa ao art. 6º da LINDB. Ausência. Função ecológica da propriedade.

Demarcação. Refl orestamento. Obrigação proter rem e ex lege. Art. 68 do novo

Código Florestal. Inaplicabilidade.

1. O aresto recorrido reconheceu ser desnecessária a realização de perícia

técnica, uma vez que as provas já produzidas nos autos seriam sufi cientes para o

julgamento da lide. Para revisar essas conclusões e reconhecer a ofensa ao art. 331,

I, do CPC/1973, por seu turno, faz-se necessário o revolvimento dos elementos

fático-probatórios da lide, o que não é permitido na instância extraordinária, nos

termos da Súmula 7/STJ.

2. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte de origem

soluciona integralmente a lide, com base em fundamentação sufi ciente, sendo

desnecessária a menção expressa de todos os normativos invocados pela parte.

3. A garantia do direito adquirido não pode ser invocada para mitigar o dever

de salvaguarda ambiental, não servindo para justificar o desmatamento da

fl ora nativa, a ocupação de espaços especialmente protegidos pela legislação,

tampouco para autorizar a continuidade de conduta potencialmente lesiva ao

meio ambiente. O dever de assegurá-lo, por seu turno, não se limita à proibição

da atividade degradatória, abrangendo a obrigatoriedade de se conservar e

regenerar os processos ecológicos.

4. A existência da área de reserva legal no âmbito das propriedades rurais

caracteriza-se como uma limitação administrativa necessária à tutela do meio

ambiente para as presentes e futuras gerações e se encontra em harmonia com

a função ecológica da propriedade, legitimando a existência de restrições aos

direitos individuais em benefício dos interesses de toda a coletividade.

5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consignou que a obrigação

de demarcar, averbar e restaurar a área de reserva legal constitui dever jurídico

que se transfere automaticamente ao adquirente ou possuidor do imóvel,

consubstanciando-se obrigação propter rem e ex lege. Trata-se de dever que

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

242

independe da existência de fl oresta ou outras formas de vegetação nativa na

gleba, cumprindo ao proprietário ou adquirente do bem imóvel a adoção das

providências necessárias à restauração ou à recuperação das mesmas, a fi m de

readequar-se aos limites percentuais previstos em lei.

6. Não é possível aplicar-se o disposto no art. 68 do Novo Código Florestal.

Primeiramente, porque a dispensa da recomposição fl orestal, consoante esse

normativo, estaria limitada aos casos em que a supressão da vegetação nativa

tenha observado os percentuais de reserva legal previstos na legislação vigente

à época dos fatos, o que não ocorre in casu, pois a determinação constante

do acórdão refere-se à implantação da reserva legal, mediante projeto a ser

aprovado pelas autoridades competentes, de acordo com as disposições do

Decreto n. 6.514/2008 e do Decreto n. 7.029/2009. Revisar esse entendimento

esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. Em segundo lugar, porque não se emprega

norma ambiental superveniente de cunho material aos processos em curso, seja

para proteger o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa

julgada, seja para evitar a redução do patamar de proteção de ecossistemas

frágeis sem as necessárias compensações ambientais. Precedente em caso

análogo: AgRg no REsp 1.367.968/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, DJe 12.3.2014.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.

(REsp 1.381.191/SP, Rel. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora Convocada

TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 16.6.2016, DJe 30.6.2016)

Assim, não há se falar em aplicação da novel legislação.

Quanto à tese de compensação, nos termos do art. 44, III, da Lei n.

4.771/1965, a Corte de origem atestou a impossibilidade em razão do não

cumprimento dos requisitos legais. Confi ra-se excerto do voto condutor do

acórdão recorrido (fl . 778):

(...) A lei fl orestal aplicável ao caso exige, para a compensação, o atendimento

de uma série de requisitos, cuja observância não foi demonstrada pela parte

apelante.

Quanto a este tópico, são -pertinentes as colocações do Parquet no sentido de

que “consoante o entendimento do Instituto Ambiental do Paraná não há se falar

de compensação no caso em tela, pois as áreas de preservação permanente tanto

do imóvel cedente como o recebedor de reserva legal não estão preservadas ou

em processo de recomposição, conforme consta nos laudos periciais realizados”

(fl . 554).

Desse modo, não há como aferir eventual violação do dispositivo

infraconstitucional invocado sem que se proceda a reexame do conjunto

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 243

probatório dos presentes autos, uma vez que a fundamentação da Corte regional

está nele calcada.

A pretensão de simples reexame de provas, além de escapar da função

constitucional deste tribunal, encontra óbice na Súmula n. 7/STJ, cuja incidência

é induvidosa no caso sob exame.

Diante do exposto, conheço e nego provimento ao recurso de agravo

interno.

É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N.

606.352-SP (2014/0270619-1)

Relatora: Ministra Assusete Magalhães

Agravante: Ministério Público Federal

Agravado: Milton da Silva Araujo

Advogado: Paulo Roberto Brandão e outro(s)

Interes.: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

EMENTA

Administrativo e Processual Civil. Agravo regimental no agravo

em recurso especial. Ato de improbidade administrativa. Condenação

do agente ímprobo apenas no ressarcimento dos danos causados

ao Erário. Impossibilidade. Multa anteriormente imposta, por

infringência às disposições da legislação eleitoral. Bis in idem. Não

ocorrência. Art. 12 da Lei n. 8.429/1992. Independência das instâncias

penal, civil e administrativa. Agravo regimental provido.

I. Recurso Especial interposto contra acórdão que, reconhecendo

a prática de ato de improbidade administrativa, pelo ora agravado,

consubstanciado no uso de material e de recursos humanos do

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, para

efetuar campanha de candidata a deputada federal, condenou-o

exclusivamente a ressarcir os danos causados ao Erário.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

244

II. No caso, a solução da controvérsia não demanda a análise de

matéria fática, mas a correta interpretação a ser dada ao art. 12 da Lei

n. 8.429/1992, a fi m de defi nir se (a) a imposição de multa ao agravado,

pela Justiça Eleitoral, por afronta à Lei n. 9.504/1997, impediria a sua

condenação, nos presentes autos, no pagamento de multa civil, por

força da proibição de bis in idem; e (b) reconhecida a prática de ato

de improbidade administrativa, seria possível a condenação do agente

apenas em ressarcir o dano causado ao Erário.

III. O art. 12 da Lei n. 8.429/1992 é expresso ao determinar

que as penalidades impostas pela prática de ato de improbidade

administrativa independem das demais sanções penais, civis e

administrativas, previstas na legislação específi ca. Desta forma, o

fato de o agravado ter sido condenado, pela Justiça Eleitoral, ao

pagamento de multa, por infringência às disposições contidas na Lei

n. 9.504/1997, não impede sua condenação em qualquer das sanções

previstas na Lei n. 8.429/1992, não havendo falar em bis in idem.

IV. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça, “o ressarcimento não constitui sanção propriamente dita,

mas sim conseqüência necessária do prejuízo causado. Caracterizada

a improbidade administrativa por dano ao Erário, a devolução dos

valores é imperiosa e deve vir acompanhada de pelo menos uma das

sanções legais que, efetivamente, visam a reprimir a conduta ímproba e

a evitar o cometimento de novas infrações” (STJ, REsp 1.184.897/PE,

Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 27.4.2011).

V. Nesse contexto, afastada a existência de bis in idem com

eventuais sanções impostas pela infringência às disposições da

legislação eleitoral, e por ser o ressarcimento dos danos causados ao

Erário mera consequência do reconhecimento do ato de improbidade

administrativa, deve ser imposta, ao agravado, ao menos uma das

demais sanções previstas no art. 12, III, da Lei n. 8.429/1992. Ocorre

que, por ser tarefa que demanda o exame das circunstâncias fáticas do

caso, mostra-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem,

para que, levando em conta as premissas estabelecidas acima e com

base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fi xe as

sanções que entender cabíveis.

VI. Agravo Regimental provido, para conhecer do Recurso

Especial e dar-lhe provimento.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 245

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao agravo regimental para conhecer do recurso

especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da

3ª Região), os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro

Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 15 de dezembro de 2015 (data do julgamento).

Ministra Assusete Magalhães, Relatora

DJe 10.2.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Trata-se de Agravo Regimental,

interposto pelo Ministério Público Federal, contra decisão de minha lavra, assim

fundamentada, in verbis:

Trata-se de Agravo, interposto pelo Ministério Público Federal, em face de

decisão que inadmitiu Recurso Especial, manejado contra acórdão do Tribunal

Regional Federal da 3ª Região.

Aduz o agravante, nas razões do seu Recurso Especial, ofensa aos arts. 11 e 12,

III, da Lei n. 8.429/1992, sustentando a desproporção e a insufi ciência da sanção

aplicada em razão da prática de ato de improbidade administrativa.

Requer, ao fi nal, que, “além do ressarcimento do dano, deve ser aplicada a

multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente à

época, como medida apta a proteger sufi cientemente o bem jurídico tutelado

pela Lei de Improbidade Administrativa” (fl . 1.456e).

O recurso foi inadmitido na origem, o que ensejou a interposição do presente

Agravo.

O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 1.487/1.488e, opina pelo

provimento do recurso.

Conheço do Agravo, todavia, o Recurso Especial não ultrapassa a

admissibilidade.

O Tribunal de origem decidiu a questão relativa às penalidades decorrentes

da prática do ato de improbidade administrativa, com base nos seguintes

fundamentos:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

246

No caso dos autos, o que restou comprovado, indene de dúvidas, foi

a extração indevida de 2.500 cópias (mala direta) para a campanha da

candidata a Deputada Estadual Guiomar Kalil, bem assim a utilização de

funcionários do CREMESP para a colocação daquelas no envelope.

É o que se depreende dos testemunhos de Rosângela Aparecida de

Souza França (f. 856/7 v. e 864/5), Eliana D’Alma Paternostre (f. 860/v. e

866/7), Paulo Cambraia Cardoso (f. 861/v.) e, em sede policial, Carla de Lima

Rocha (f. 868/70).

Em se tratando de ato que gerou dano ao erário, in casu, afigura-se

bastante a reparação do dano causado ao Poder Público (valor referente à

extração de 2.500 cópias, além do valor relativo à utilização de pessoal em

horário de expediente para a viabilização de mala direta com propaganda

de campanha, a ser apurado em liquidação de sentença), máxime porque

o réu foi demitido por justa causa (f. 885/6), condenado ao pagamento de

1.000 UFIRS, a título de multa, pelo TRE (f. 379/90) e em razão dos motivos

que levaram o Ministério Público do Estado de São Paulo a promover o

arquivamento do Inquérito Policial n. 050.07.074309-6 (f. 904/8). Nada

obstante a independência das instâncias, é o que se mostra razoável no

caso concreto.

No tocante à necessidade de condenação pelas demais sanções previstas

pela Lei de Improbidade Administrativa “pagamento de multa civil de até cem

vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; suspensão dos direitos

políticos de três a cinco anos e proibição de contratar com o Poder Público ou

receber benefi cios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente,

ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário,

pelo prazo de três anos”, a alegação do recorrente não merece prosperar,

uma vez que, muito embora o ressarcimento seja mera consequência da

comprovação do dano, o STJ já adotou o posicionamento de que é possível

a condenação apenas quanto ao pedido de ressarcimento:

(...) (fl s. 1.432/1.433e)

Assim, a pretensão de infi rmar os fundamentos do acórdão recorrido com o fi to

de se caracterizar ser irrazoável ou desproporcional a sanção imposta, demandaria

o revolvimento de matéria fática, incidindo, assim, como óbice ao Recurso Especial, a

Súmula 7 desta Corte, in verbis: “a pretensão de simples reexame de prova não enseja

recurso especial”.

A propósito:

Processual Civil. Agravo regimental no recurso especial. Violação do art.

535 do CPC. Inexistência de omissão. Alegações genéricas. Fundamentação

defi ciente. Súmula 284/STF. Arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992. Lesão ao

Erário e violação a princípios administrativos. Circunstâncias expressamente

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 247

reconhecidas pelo Tribunal de origem. Revisão das sanções impostas.

Princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Reexame de matéria fático

probatória. Impossibilidade. Súmula 7/STJ.

1. O acórdão recorrido abordou, de forma fundamentada, todos os

pontos essenciais para o deslinde da controvérsia, razão pela qual não há

que se falar na suscitada ocorrência de violação do art. 535 do Código de

Processo Civil.

2. É pacífi co o entendimento desta Corte Superior no sentido de que a

simples alegação de violação genérica de preceitos infraconstitucionais,

desprovida de fundamentação que demonstre de que maneira houve a

negativa de vigência dos dispositivos legais pelo Tribunal de origem, não

é sufi ciente para fundar recurso especial, atraindo a incidência da Súmula

284/STF.

3. Para rever o entendimento adotado pelo Tribunal de origem no

sentido de que o recorrente deixou de tomar as medidas indicadas na Lei

de Responsabilidade, a caracterizar os atos de improbidade administrativa

tipifi cados nos arts. 10 e 11 da LIA, é necessário o reexame de matéria de

fato, o que é inviável em sede de recurso especial, tendo em vista o disposto

na Súmula 7/STJ.

4. A análise da pretensão recursal no sentido de que sanções aplicadas

não observaram os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com a

consequente reversão do entendimento manifestado pelo Tribunal de origem,

exige o reexame de matéria fático-probatória dos autos, o que é vedado em

sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

5. Agravo regimental não provido (STJ, AgRg no REsp 1.344.725/RJ, Rel.

Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 12.2.2015)

Pelo exposto, nego provimento ao Agravo, com fundamento no art. 544, § 4º, II, a,

do CPC (fl s. 1.490/1.492e).

Inconformado, sustenta o agravante que:

(...)

A decisão agravada apresenta a seguinte fundamentação (fl s. 1.491):

Assim, a pretensão de infi rmar os fundamentos do acórdão recorrido

com o fi to de se caracterizar ser irrazoável ou desproporcional a sanção

imposta, demandaria o revolvimento de matéria fática, incidindo, assim,

como óbice ao Recurso Especial, a Súmula 7 desta Corte, in verbis: “a

pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

O entendimento contido na decisão agravada merece ser revisto, pois o que

se buscou, com o especial, não foi reexame do contexto fático-probatório, mas

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

248

apenas a fi xação de respostas estatais de caráter punitivo, em face da improbidade

indubitavelmente reconhecida na instância ordinária, e com base nas mesmas

premissas e provas em que baseada a motivação do acórdão recorrido. Ou seja, a

intenção do recorrente é tão somente a correta aplicação de penalidades previstas

pela Lei de Improbidade Administrativa, de forma suficiente a repreender atos

ímprobos por parte do agente público, que deve agir em conformidade com os

princípios da Administração Pública.

Isso porque, o aresto impugnado, não obstante tenha reconhecido a

responsabilidade do recorrido pela prática de ato de improbidade, não lhe aplicou

sanção alguma, o que, data venia, fere a lógica do razoável! Insista-se no ponto

relevante: o acórdão da instância a quo reconhece a ocorrência de improbidade

administrativa. Confi ra-se, com efeito, o seguinte trecho do aresto (fl s. 1.432):

No caso dos autos, o que restou comprovado, indene de dúvidas, foi a extração

indevida de 2.500 cópias (mala direta) para a campanha da candidata a Deputada

Estadual Guiomar Kalil, bem assim a utilização de funcionários do CREMESP para a

colocação daquelas no envelope.

Reafi rme-se, portanto, que o recurso especial não busca reexame do conjunto

fático-probatório, mas tão somente assegurar a efetiva aplicação de sanção(ções),

ante o reconhecimento, na instância ordinária, da ocorrência da improbidade

administrativa. Isso porque, como será mais adiante assinalado, a cominação

aplicada – ressarcimento – não possui timbre sancionatório.

Esse Superior Tribunal, em outras matérias, afasta a incidência da Súmula 7/STJ

quando há demonstração evidente que o Tribunal de origem agiu em desrespeito

aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Como exemplo, citem-se

os casos em que o valor arbitrado a título de danos morais, quando irrisórios ou

exorbitantes, são excepcionalmente revisados por meio de recurso especial (AgRg

no AgRg no AREsp 243.090/CE, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado

em 2.6.2015, DJe 11.6.2015). Da mesma forma ocorre com a fi xação de honorários

advocatícios, em que, mostrando-se ínfi mos ou excessivos, são rearbitrados por

essa Corte Superior, sem que isso implique violação à Súmula 7/STJ.

O caso em análise é similar, senão mais evidente! Verifi cada a prática da conduta

ímproba – cujo quadro fático está devidamente assentado no acórdão – o que aqui se

pede é tão somente a efetiva punição do recorrido, de forma proporcional e sufi ciente,

pois simplesmente não restou aplicada qualquer sanção!

É sabido, com efeito, que o princípio da proporcionalidade possui duas facetas,

a serem devidamente consideradas pelo julgador, à luz de cada caso concreto:

a proibição de excesso e a proteção insuficiente. É em relação a essa segunda

angulação do postulado que se lastreia a presente irresignação, uma vez que o Estado

deve responder, com a intensidade necessária, aos ilícitos perpetrados aos bens

jurídicos tutelados, de maneira a evitar-se proteção insufi ciente aos valores sociais

amparados pelo ordenamento jurídico. Nisso não há, como acima mencionado,

qualquer reexame de matéria de fato. Nessa linha, também autoriza a jurisprudência

dessa Corte:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 249

(...)

E nem se diga que houve aplicação da sanção em decorrência da condenação

ao ressarcimento do dano causado ao erário. Tal medida não possui natureza

sancionatória, pois volta-se à recomposição do erário.

Não obstante o Tribunal a quo tenha deliberado no sentido de que as penas

não são obrigatoriamente aplicadas de forma cumulativa, o ressarcimento não

equivale à sanção ao ato de improbidade administrativa que foi atribuído ao

recorrido - e que se encarta no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. A improbidade

administrativa enquadrada nesse dispositivo legal enseja, dentre outras

consequências, o ressarcimento integral dos danos causados aos cofres públicos,

nos termos do art. 12, I, do mesmo diploma legal.

Como já dito, o ressarcimento dos danos causados ao erário pelos agentes públicos

que praticam ato de improbidade administrativa não confi gura propriamente uma

sanção – medida punitiva –, porquanto, como plasmado na jurisprudência do

Superior Tribunal de Justiça, aquele é medida de recomposição do dano:

(...)

De igual modo, pouco importa se houve condenação na Justiça Eleitoral, pois

é sabido que a punição aplicada em instância diversa não tem infl uência em outra

esfera, ante a independência das instâncias.

Portanto, tendo restado incontroversa a prática de ato de improbidade, a

ausência de sanção implica efetiva violação aos arts. 11 e 12 da LIA, pois a imposição

de ressarcimento não se cuida de sanção e a total ausência dessa mostra-se

desproporcional e irrazoável, tornando inócua a condenação imposta na instância

ordinária, em face do ato de improbidade.

(...) (fl s. 1.496/1.502e).

Por fi m, requer “a reconsideração da decisão agravada, ou, se assim não

entender Vossa Excelência, a submissão do presente agravo à apreciação do

Colegiado, para que dele se conheça e, ao fi nal, dê-se provimento ao agravo

e ao recurso especial, com a consequente reforma da decisão, para que

retornem os autos ao Tribunal de origem para dosimetria da(s) sanção(ções)

correspondente(s) ao ato de improbidade praticado, independentemente da

medida de ressarcimento do erário” (fl . 1.502e).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães (Relatora): O Agravo Regimental

merece ser provido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

250

Com efeito, melhor examinando a questão, verifico que a solução da

controvérsia não demanda a análise de matéria fática, mas a correta interpretação

a ser dada ao art. 12 da Lei n. 8.429/1992.

De acordo com os autos, o agravante ajuizou Ação Civil Pública,

postulando a condenação de Milton da Silva Araújo, ora agravado, pela prática

de atos de improbidade administrativa, consubstanciado no uso da máquina

pública para efetuar campanha de candidata a deputada federal.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, com base na seguinte

fundamentação:

Assim, dos fatos imputados ao Réu na inicial, restaram comprovadas através

das provas anexadas e produzidas, a extração indevida de 2.500 cópias Xerox

para a campanha da candidata Guiomar Kalil e a utilização de pessoal para o

envelopamento de cartas para mala direta para a campanha da mesma.

Há que se considerar que já houve punição, pelo E. TRE, por prática de conduta

vedada, qual seja, a realização de campanha política dentro de órgão da

administração indireta. Desta forma, já tendo sido aplicada a multa correspondente,

a fi m de não incidir bis in idem, reconheço a prática de tais atos e os tenho como

julgados.

Em relação aos fatos comprovados temos que se aplica a legislação apontada

pelo Ministério Público Federal, qual seja, a Lei de Improbidade Administrativa:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra

os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que

viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidlade, e lealdade às

instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fi m proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência;

Deve, assim, ser acatado o pedido veiculado na inicial, conseqüente das

atitudes do réu. Assim, tendo em vista a comprovação, nos autos, da extração

indevida, para fi ns de benefi ciar candidata apoiada pelo Réu, de 2.500 cópias

utilizando-se de maquinário e material do CREMESP, deve ser apurado o valor que

corresponde a tal gasto e ser ressarcido pelo Réu.

Também deve ser apurado o valor da utilização de pessoal em horário de

expediente para- a viabilização de mala direta com propaganda de campanha,

valor esse que também deverá ser ressarcido pelo Réu.

Portanto, julgo parcialmente procedente o pedido, nos termos do artigo 269,

inciso I, do Código de Processo Civil e condeno o Réu a ressarcir ao CREMESP os

valores relativos à extração de 2.500 cópias utilizando-se de maquinário e material do

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 251

CREMESP e também o valor relativo à utilização de pessoal em horário de expediente

para a viabilização de mala direta com propaganda de campanha, a ser apurado em

liquidação de sentença (fl s. 1.353/1.354e).

Apenas o ora agravante apelou da sentença, requerendo, em síntese, a

condenação do agravado nas demais sanções previstas na Lei n. 8.429/1992. No

acórdão ora recorrido, o Tribunal de origem negou provimento ao apelo, com

base nos seguintes fundamentos:

No caso dos autos, o que restou comprovado, indene de dúvidas, foi a extração

indevida de 2.500 cópias (mala direta) para a campanha da candidata a Deputada

Estadual Guiomar Kalil, bem assim a utilização de funcionários do CREMESP para a

colocação daquelas no envelope.

É o que se depreende dos testemunhos de Rosângela Aparecida de Souza

França (f. 856/7 v. e 864/5), Eliana D’Alma Paternostre (f. 860/v. e 866/7), Paulo

Cambraia Cardoso (f. 861/v.) e, em sede policial, Carla de Lima Rocha (f. 868/70).

Em se tratando de ato que gerou dano ao erário, in casu, afi gura-se bastante a

reparação do dano causado ao Poder Público (valor referente à extração de 2.500

cópias, além do valor relativo à utilização de pessoal em horário de expediente

para a viabilização de mala direta com propaganda de campanha, a ser apurado

em liquidação de sentença), máxime porque o réu foi demitido por justa causa (f.

885/6), condenado ao pagamento de 1.000 UFIRS, a título de multa, pelo TRE (f.

379/90) e em razão dos motivos que levaram o Ministério Público do Estado de São

Paulo a promover o arquivamento do Inquérito Policial n. 050.07.074309-6 (f. 904/8).

Nada obstante a independência das instâncias, é o que se mostra razoável no caso

concreto.

No tocante à necessidade de condenação pelas demais sanções previstas pela

Lei de Improbidade Administrativa “pagamento de multa civil de até cem vezes o

valor da remuneração percebida pelo agente; suspensão dos direitos políticos de três

a cinco anos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefi cios ou

incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de

pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos”, a alegação do

recorrente não merece prosperar, uma vez que, muito embora o ressarcimento seja

mera consequência da comprovação do dano, o STJ já adotou o posicionamento de

que é possível a condenação apenas quanto ao pedido de ressarcimento:

(...) (fl s. 1.432/1.433e).

Assim, o que está em discussão nos autos é se (a) a imposição de multa

ao agravado, pela Justiça Eleitoral, por afronta à Lei n. 9.504/1997, impediria

a condenação, nos presentes autos, no pagamento de multa civil, por força da

proibição de bis in idem; e (b) reconhecida a prática de ato de improbidade

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252

administrativa, seria possível a condenação do agente apenas em ressarcir o dano

causado ao Erário.

Nesse contexto, não incide, no caso, o óbice previsto na Súmula 7/STJ, pois

a solução da controvérsia demanda apenas a interpretação do art. 12 da Lei n.

8.429/1992, segundo o qual:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas

na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às

seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de

acordo com a gravidade do fato:

I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente

ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função

pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa

civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar

com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios,

direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja

sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou

valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,

perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,

pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de

contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou

creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da

função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento

de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e

proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais

ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica

da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fi xação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a

extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Assim, por expressa disposição legal, as penalidades impostas pela prática

de ato de improbidade administrativa independem das demais sanções penais,

civis e administrativas, previstas na legislação específi ca. Sobre o tema, Waldo

Fazzio Júnior (Improbidade Administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência, 2.

ed., São Paulo: Atlas, 2014, pp. 496/497) ensina que:

Conforme Nery e Nery (2005, p. 540),

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 253

pelo princípio da independência das responsabilidades, adotado pelo

sistema brasileiro, o mesmo fato pode dar origem a sanções civis, penais e

administrativas, aplicáveis cumulativamente.

Os atos de improbidade administrativa podem acarretar para o seu autor,

agente público, além das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992, sanções

penais decorrentes de processo por delitos correlatos e, inclusive, sanções de

natureza administrativa, em consequência de processo administrativo disciplinar.

É que há a possibilidade de incidência concomitante do estatuto funcional, da lei

penal e da lei de improbidade administrativa. Cada processo, em cada instância, tem

curso relativamente independente.

Assim, exemplifi cando, o agente público que comete o ato de improbidade

do art. 9º, XI (incorporação ao seu patrimônio de bem móvel público), pode ser

processado, simultaneamente, pelo delito de peculato (CP, art. 312). É suscetível

de receber as sanções civis e político-administrativas pelo ato de improbidade

praticado e, cumulativamente, as penas relativas ao delito.

Nesse sentido, o art. 37, § 4º, in fi ne, da Constituição Federal, exibe a expressão

“sem prejuízo da ação penal cabível”. Também, o art. 12, caput, da Lei n.

8.429/1992, começa com a ressalva “independentemente das sanções penais,

civis e administrativas previstas na legislação específi ca”.

Não é de hoje que o ordenamento jurídico brasileiro consagra a independência

entre as esferas administrativa, cível e penal. No que toca especifi camente às

ações de improbidade administrativa, tal independência está lastreada em texto

constitucional (art. 37, § 4º). Segue-se que, mesmo que a ação de improbidade

tenha por fundamento fatos idênticos aos já analisados em outras instâncias, não

há que se falar em bis in idem, nem tampouco na indevida intromissão do Judiciário

na esfera de atribuições privativas do administrador, tendo em vista o princípio da

independência das instâncias.

Desta forma, o fato de o agravado ter sido condenado, pela Justiça Eleitoral,

ao pagamento de multa, por infringência às disposições contidas na Lei n.

9.504/1997, não impede sua condenação em qualquer das sanções previstas na

Lei n. 8.429/1992, não havendo falar em bis in idem.

Quanto à possibilidade de o agravado, após reconhecida a prática de ato de

improbidade administrativa, ser condenado apenas no ressarcimento dos danos

causados ao Erário, vale lembrar a lição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco

Alves (Improbidade Administrativa, 6. ed., rev. e ampl. e atualizada. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 644/731), segundo a qual:

Aquele que causar dano a outrem tem o dever de repará-lo, dever que reside

na necessidade de recompor o patrimônio do lesado, fazendo com que este,

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tanto quanto possível, retorne ao estado em que se encontrava por ocasião da

prática do ato lesivo.

Essa concepção, hodiernamente, encontra-se amplamente difundida e erigida

à categoria de princípio geral de direito, sendo integralmente aplicada em se

tratando de danos causados ao patrimônio público. Note-se, no entanto, que o

texto legal não tem o poder de alterar a essência ou a natureza dos institutos; in casu,

observa-se que a reparação dos danos, em seus aspectos intrínsecos, não representa

uma punição para o ímprobo, pois tão somente visa a repor o status quo.

(...)

O ressarcimento integral do dano, na medida em que busca, apenas, recompor

o status quo, não afasta, em linha de princípio, a aplicação das demais sanções

cominadas ou, mesmo, a própria incidência da Lei n. 8.429/1992. Em outras

palavras, ainda que o ressarcimento seja realizado em momento anterior ao

ajuizamento da ação judicial, isso não terá qualquer influência na configuração

do interesse de agir, já que o agente ainda é passível de ser sancionado pelo ilícito

praticado. Por outro lado, tratando-se de ressarcimento espontâneo, promovido

sem qualquer infl uência exógena, tal pode ser indicativo da ausência de dolo

ou da boa-fé do agente público, devendo ser valorado sob a ótica do critério

de proporcionalidade, tanto em relação à incidência da Lei n. 8.429/1992 no

caso concreto como no que diz respeito à individualização das sanções a serem

aplicadas.

(...)

No mais, é relevante observar ser inadmissível que ao ímprobo sejam aplicadas

unicamente as sanções de ressarcimento do dano e de perda de bens, pois estas, em

verdade, não são reprimendas, visando unicamente à recomposição do status quo.

Com base em tais fundamentos, o Superior Tribunal de Justiça possui

jurisprudência no sentido de que, por não ser propriamente uma sanção, a

condenação ao ressarcimento dos danos causados ao Erário não pode ser a única

penalidade imposta ao agente que cometer ato de improbidade administrativa.

Nesse sentido, cito os seguintes precedentes:

Processual Civil e Administrativo. Ação civil de improbidade administrativa. Ato

ímprobo confi gurado. Imposição de devolução em dobro dos valores desviados.

Inadequação. Necessidade de imposição das espécies de sanções previstas na Lei

n. 8.429/1992. Recurso especial provido.

1. No caso dos autos, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte

ajuizou ação civil de improbidade administrativa em razão de supostos desvios

de alimentos e combustíveis praticados no âmbito do do 3º Subgrupamento de

Bombeiros Militar. Por ocasião da sentença, o pedido foi julgado parcialmente

procedente e condenou alguns dos réus às seguintes sanções previstas na Lei n.

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 255

8.429/1992: a) suspensão dos direitos políticos; b) proibição de contratação com o

Poder Público e recebimento de incentivo fi scais; c) a perda das funções públicas

(fl s. 1.256/1.270).

2. O Tribunal de origem, ao analisar a controvérsia, reformou parcialmente a

sentença, tão somente no tocante à dosimetria das sanções impostas, com base

no princípio da proporcionalidade, ao afastar as sanções impostas e determinar “a

devolução em dobro das aludidas importâncias (representativa em pecúnia dos

insumos ‘desviados’), aqui já excluindo o cálculo dos bens já retornados” (fl . 1.404).

3. Efetivamente, a imposição da pena consistente na “devolução em dobro” dos

valores desviados não corresponde à nenhuma das espécies de sanções previstas

na Lei de Improbidade Administrativa (art. 12 e incisos), especifi camente: multa

civil, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público

e receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, perda da função pública,

ressarcimento integral do dano e perda de bens acrescidos ilicitamente ao

patrimônio.

4. A aplicação das penalidades previstas na norma exige que o magistrado

considere, no caso concreto, “a extensão do dano causado, assim como o

proveito patrimonial obtido pelo agente” (conforme previsão expressa contida no

parágrafo único do art. 12 da Lei n. 8.429/1992). Assim, é necessária a análise da

razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade

e à cominação das penalidades, as quais podem ocorrer de maneira cumulativa,

embora não necessariamente. Nesse sentido: REsp 1.091.420/SP, 1ª Turma, Rel.

Min. Sérgio Kukina, DJe de 5.11.2014; AgRg no AREsp 149.487/MS, 2ª Turma, Rel.

Min. Humberto Martins, DJe de 29.6.2012.

5. Todavia, apesar da cumulação das referidas sanções não ser obrigatória, é

pacífi co no âmbito desta Corte Superior o entendimento de que, caracterizado o

prejuízo ao erário, o ressarcimento não pode ser considerado propriamente uma

sanção, mas apenas conseqüência imediata e necessária de reparação do ato

ímprobo, razão pela qual não pode fi gurar isoladamente como penalidade. Sobre

o tema: REsp 1.315.528/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de

9.5.2013; REsp 1.184.897/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 27.4.2011;

(REsp 977.093/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 25.8.2009; REsp

1.019.555/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 29.6.2009.

6. Portanto, a sanção imposta pela Corte de origem - devolução em dobro dos

valores desviados - não corresponde as sanções previstas na Lei de Improbidade,

o que viola o art. 12 da norma sancionadora. Tal consideração impõe o retorno

dos autos ao Tribunal de origem para que aplique, em razão do reconhecimento

da confi guração de ato de improbidade administrativa, com base nos princípios

da razoabilidade e proporcionalidade, as sanções cabíveis previstas na Lei n.

8.429/1992.

7. Recurso especial provido (STJ, REsp 1.376.481/RN, Rel. Ministro Mauro

Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 22.10.2015).

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256

Administrativo. Recurso especial. Ausência de violação ao art. 535 do CPC. Ação

civil pública. Dano ao Erário. Art. 12, inciso II, da Lei n. 8.429/1992. Ressarcimento.

Única medida imposta como consequência da improbidade administrativa.

Impossibilidade. Condenação em multa civil.

1. Na origem trata-se de ação civil pública interposta pelo Ministério Público

do Estado de Santa Catarina contra o ora recorrido que, no exercício do cargo

de Prefeito do Município de Braço do Norte, deixou de comparecer a audiência

preliminar na Justiça do Trabalho, acarretando a aplicação dos efeitos da revelia e

a condenação do Município ao pagamento das verbas pleiteadas, que já haviam

sido pagas anteriormente.

2. Não há a apontada violação ao art. 535 do CPC. É que os órgãos julgadores

não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado

durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam

devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art.

93, inc. IX, da Constituição da República vigente.

3. As Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça já se

posicionaram no sentido de que, caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento

não pode ser considerado propriamente uma sanção, senão uma conseqüência

imediata e necessária do ato combatido, razão pela qual não se pode excluí-lo, a

pretexto de cumprimento do paradigma da proporcionalidade das penas estampado

no art. 12 da Lei n. 8.429/1992. Precedentes.

4. Tendo em vista a natureza patrimonial da lesão provocada, entendo por

bem manter a imposição do ressarcimento e acrescentar a condenação em multa

civil na razão da metade do valor do dano, atualizado monetariamente.

5. Recurso especial parcialmente provido (STJ, REsp 1.315.528/SC, Rel. Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 9.5.2013).

Administrativo. Improbidade. Dano ao Erário. Culpa. Improbidade confi gurada.

Ressarcimento. Insuficiência. Aplicação das sanções propriamente ditas.

Necessidade. Dosimetria a cargo do julgador ordinário.

1. Cuidam os autos de Ação de Improbidade Administrativa movida contra

ex-prefeita do Município de Rio Formoso/PE, com base em apuração feita pelo

Tribunal de Contas das seguintes irregularidades: não-aplicação de material

adquirido para saneamento básico e recuperação das vias públicas; dispêndios

representados pelo excedente embutido nos custos globais de obras; aquisição

de insumos por preços maiores que os praticados no mercado na recuperação

de casas populares e escolas; e gastos com material de construção e serviços sem

destinação defi nida.

2. A instância ordinária julgou o pedido procedente em parte para condenar a

ré ao ressarcimento do Erário no valor de R$ 25.000,00, deixando, porém, de lhe

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 257

impor sanções pela prática de improbidade administrativa, ao fundamento de

não ter havido comprovação de dolo, mas apenas negligência.

3. O art. 10 da Lei n. 8.429/1992, que censura as condutas ímprobas por dano

ao Erário, admite a modalidade culposa. Precedentes do STJ.

4. O ressarcimento não constitui sanção propriamente dita, mas sim conseqüência

necessária do prejuízo causado. Caracterizada a improbidade administrativa por

dano ao Erário, a devolução dos valores é imperiosa e deve vir acompanhada de

pelo menos uma das sanções legais que, efetivamente, visam a reprimir a conduta

ímproba e a evitar o cometimento de novas infrações. Precedentes do STJ.

5. A repercussão do dano, o elemento subjetivo do agente e outras

particularidades do caso concreto devem ser avaliados e ponderados pelo

julgador ordinário na dosimetria das sanções, aplicáveis cumulativamente ou não,

à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

6. Recurso Especial provido, com o retorno do processo ao Tribunal de origem

(STJ, REsp 1.184.897/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de

27.4.2011).

Administrativo e Processual Civil. Ministério Público. Competência funcional.

Procurador de Justiça. Art. 31 da Lei n. 8.625/1993. Ação civil pública. Improbidade

administrativa. Contratação de “funcionário-fantasma”. Ato ilícito. Sanções.

Ressarcimento ao erário. Insufi ciência. Art. 12 da Lei n. 8.429/1997.

1. O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública

reputando como ato de improbidade administrativa a contratação irregular pelo

então Prefeito da Municipalidade do fi lho do então Vice-Prefeito, o qual percebeu

vencimentos do cargo para o qual foi designado por 18 meses sem prestar

efetivos serviços, como verdadeiro “funcionário-fantasma”.

2. Preliminarmente, o recorrido pugna pela inadmissibilidade do apelo nobre

por falta de capacidade postulatória dos membros do Parquet que subscrevem a

petição do especial.

3. Ao estabelecer a competência funcional dos Procuradores de Justiça, a

Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n. 8.625/1993) dispôs em seu art. 31 que

“cabe aos Procuradores de Justiça exercer as atribuições junto aos Tribunais,

desde que não cometidas ao Procurador-Geral de Justiça, e inclusive por

delegação deste”.

4. Uma das subscritoras do recurso especial reveste-se da qualificação de

Procuradora de Justiça, tornando-a competente para atuar perante Tribunais

de 2ª instância, o que, a toda evidência, abarca a interposição de recursos

especiais. A investidura no posto de “Secretária Executiva da Procuradoria de

Justiça de Interesses Difusos e Coletivos” constitui situação que não desnatura

sua competência para agir como Procuradora de Justiça no âmbito do Tribunal

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

258

a quo, tratando-se de mera circunstância afeita à organização interna do Parquet

Estadual.

5. Não há necessidade de aplicação cumulada das sanções previstas no

art. 12 da Lei n. 8.429/1997, cabendo ao julgador, diante das peculiaridades

do caso concreto, avaliar, sob a luz dos princípios da proporcionalidade e da

razoabilidade, a adequação das penas, decidindo quais as sanções apropriadas e

suas dimensões, de acordo com a conduta do agente e o gravame impingido ao

erário, dentre outras circunstâncias. Precedentes desta Corte.

6. Todavia, afastadas pelo Tribunal a quo as sanções de suspensão de direitos

políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou

incentivos fi scais ou creditícios, remanesceu apenas a condenação solidária dos

recorridos ao ressarcimento dos valores indevidamente percebidos, subtraída a

parcela já devolvida.

7. Caracterizado o ato de improbidade administrativa, o ressarcimento ao erário

constitui o mais elementar consectário jurídico, não se equiparando a uma sanção

em sentido estrito e, portanto, não sendo sufi ciente por si só a atender ao espírito da

Lei n. 8.429/1997, devendo ser cumulada com ao menos alguma outra das medidas

previstas em seu art. 12.

8. Pensamento diverso, tal qual o esposado pela Corte de origem, representaria

a ausência de punição substancial a indivíduos que adotaram conduta de

manifesto descaso para com o patrimônio público. Permitir-se que a devolução dos

valores recebidos por “funcionário-fantasma” seja a única punição a agentes que

concorreram diretamente para a prática deste ilícito signifi ca conferir à questão um

enfoque de simples responsabilidade civil, o que, à toda evidência, não é o escopo da

Lei n. 8.429/1997.

9. “A ação de improbidade se destina fundamentalmente a aplicar as sanções

de caráter punitivo acima referidas, que têm a força pedagógica e intimidadora

de inibir a reiteração da conduta ilícita. Assim, embora seja certo que as sanções

previstas na Lei n. 8.429/1992 não são necessariamente aplicáveis cumuladamente

(podendo o juiz, sopesando as circunstâncias do caso e atento ao princípio

da proporcionalidade, eleger a punição mais adequada), também é certo que,

verifi cado o ato de improbidade, a sanção não pode se limitar ao ressarcimento

de danos” (Ministro Teori Albino Zavascki, Voto-Vista no REsp n. 664.440/MG, DJU

6.4.2006).

10. Como bem posto por Emerson Garcia “é relevante observar ser inadmissível

que ao ímprobo sejam aplicadas unicamente as sanções de ressarcimento do

dano e de perda de bens, pois estas, em verdade, não são reprimendas, visando

unicamente à recomposição do status quo” (Improbidade Administrativa. Editora

Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2ª ed., 2004, p. 538).

11. O Ministério Público Estadual pediu de maneira explícita o restabelecimento

das demais sanções cominadas na sentença reformada pela Corte de origem,

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 259

quais sejam, (i) suspensão dos direitos políticos e (ii) proibição de contratar com o

poder público ou receber benefícios ou incentivos fi scais.

12. Em obséquio aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,

assiste razão ao Parquet.

13. Dada a gravidade da conduta de um dos litisconsortes passivos, que

demonstrou absoluto desprezo pelos princípios que regem a Administração

Pública ao abrigar como “funcionário-fantasma” – fi gura repugnante que acomete

de maneira sistemática os órgãos públicos – o filho de um de seus aliados

políticos, tem-se como indispensável a restauração das medidas previstas na

sentença, inclusive no que respeita à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco)

anos.

14. Outrossim, a malícia demonstrada por outro litisconsorte ao passar 18

(dezoito) meses recebendo vencimentos de cargo em comissão sem prestar

serviços à Municipalidade autoriza, a toda evidência, a volta da sanção prevista na

sentença: proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou

incentivos fi scais por 10 (dez) anos.

15. Recurso especial provido (STJ, REsp 1.019.555/SP, Rel. Ministro Castro Meira,

Segunda Turma, DJe de 29.6.2009).

Nesse contexto, afastada a existência de bis in idem com eventuais

sanções impostas pela infringência às disposições da legislação eleitoral, e

por ser o ressarcimento dos danos causados ao Erário mera consequência do

reconhecimento do ato de improbidade administrativa, deve ser imposta, ao

agravado, ao menos uma das demais sanções previstas no art. 12, III, da Lei n.

8.429/1992.

Ocorre que, por ser tarefa que demanda o exame das circunstâncias fáticas

do caso, mostra-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem,

para que, levando em conta as premissas estabelecidas acima e com base nos

princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fi xe as sanções que entender

cabíveis.

Ante o exposto, dou provimento ao Agravo Regimental. Em consequência,

conheço do Recurso Especial, interposto pelo Ministério Público Federal, e dou-

lhe provimento, para, reformando o acórdão recorrido, determinar o retorno dos

autos ao Tribunal de origem, para que aplique, em razão do reconhecimento da

confi guração de ato de improbidade administrativa, com base nos princípios

da razoabilidade e proporcionalidade, as sanções cabíveis, previstas na Lei n.

8.429/1992.

É o voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

260

RECURSO ESPECIAL N. 860.001-SP (2006/0124051-8)

Relator: Ministro Og Fernandes

Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social

Procurador: Lilian Castro de Souza e outro(s) - SP070311

Recorrente: Concre-Test Controle Tecnológico de Concreto e Aço S/C

Ltda

Advogado: Gabriel Torres de Oliveira Neto e outro(s) - SP198446

Recorrido: Os Mesmos

EMENTA

Tributário e Processual Civil. INSS. Prescrição para tributos

sujeitos a lançamento por homologação. Desconformidade com

orientação firmada em recurso representativo de controvérsia.

Incidência. RE 566.621/RS. Limitação à compensação previdenciária

prevista no § 3º do art. 89 da Lei n. 8.212/1991, com a redação dada

pelas Leis n. 9.032/1995 e n. 9.129/1995. Acórdão recorrido em

conformidade com a jurisprudência dominante do STJ.

1. Trata-se de recursos especiais interpostos pela Fazenda

Nacional e sociedade empresária Concre-Test Controle Tecnológico

de Concreto e Aço S/C Ltda.

2. O STJ adotava a orientação de que o prazo prescricional na

repetição de indébito de cinco anos defi nido na Lei Complementar n.

118/2005 somente incidiria sobre os pagamentos indevidos realizados

a partir da entrada em vigor da referida lei, ou seja, 9.6.2005 (vide

o REsp 1.002.032/SP, julgado pelo regime dos recursos repetitivos

– art. 543-C do CPC). Esse entendimento foi superado quando,

sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, em

sessão plenária realizada em 4.8.2011, no julgamento do Recurso

Extraordinário n. 566.621/RS (DJe 18.8.2011), pacifi cou a tese de

que o prazo prescricional de cinco anos defi nido na LC 118/2005

deve incidir sobre as ações de repetição de indébito ajuizadas a partir

da entrada em vigor da nova lei (9.6.2005), ainda que essas ações

digam respeito a recolhimentos indevidos realizados antes da sua

vigência.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 261

3. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 796.064/RJ (Rel.

Ministro Luiz Fux, DJe 10.11.2008), posicionou-se no sentido de

que, enquanto não declaradas inconstitucionais as Leis n. 9.032/1995

e n. 9.129/1995, em sede de controle difuso ou concentrado, sua

observância é inafastável, pelo Poder Judiciário, uma vez que a norma

jurídica, quando não regularmente expurgada do ordenamento,

nele permanece válida, razão pela qual a compensação do indébito

previdenciário, ainda que decorrente da declaração de inconstitucionalidade

da exação, se submete às limitações erigidas pelos diplomas legais que regem

dita compensação.

4. De outra parte, a “Primeira Seção desta Corte, ao julgar, sob o

rito do art. 543-C do CPC, o REsp 1.137.738/SP (Rel. Ministro Luiz

Fux, DJe de 1º.2.2010), reafi rmou a sua orientação jurisprudencial,

firmada no julgamento dos EREsp 488.992/MG (Rel. Ministro

Teori Zavascki, DJU de 7.6.2004), no sentido de que, em se tratando

de compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico

vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa

julgada à luz do direito superveniente, tendo em vista o inarredável

requisito do prequestionamento, viabilizador do conhecimento do

Recurso Especial, ressalvando-se o direito do contribuinte de proceder à

compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com

as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios”

(AgRg no REsp 1.477.085/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães,

Segunda Turma, DJe 24.4.2015).

5. Recurso especial do INSS provido em parte, para declarar

a incidência da prescrição para todas as parcelas recolhidas

indevidamente em período anterior a 1º de março/2000, e recurso

especial da sociedade contribuinte improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do Instituto Nacional do Seguro

Social; negar provimento ao recurso de Contre-Test Controle Tecnológico de

Concreto e Aço S/C Ltda., nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente),

Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

262

Brasília (DF), 8 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministra Assusete Magalhães, Presidente

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 14.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recursos especiais interpostos

contra acórdão que autorizou a compensação de valores recolhidos a título de

pró-labore.

Concre-Test Controle Tecnológico de Concreto e Aço Ltda. interpõe

recurso especial com base na alínea “c” do permissivo constitucional, em que

aduz dissídio pretoriano. Requer, em suma, o afastamento das limitações

impostas ao procedimento compensatório.

Não foram apresentadas contrarrazões.

O INSS, por sua vez, interpôs recurso especial com suporte no art. 105, III,

alíneas “a” e “c”, da CF/1988, em que aponta, além de dissenso interpretativo,

violação dos arts. 165, I, e 168, I. Defende, em suma, a aplicação do prazo

prescricional de cinco anos.

Apresentadas contrarrazões às e-STJ, fl s. 422/426, em que foi requerido o

improvimento do apelo.

Admitidos ambos os recursos na origem, subiram os autos a esta Corte.

Este Tribunal, por sua vez, deu (i) provimento em parte ao recurso especial

do INSS e (ii) integral provimento ao recurso especial da sociedade contribuinte,

nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl . 479):

Processual Civil e Tributário. Contribuição social sobre o pró-labore. Autônomos

e administradores. Prescrição. Compensação. Limites.

1. Ação ajuizada antes da vigência da LC n. 118/2005. Observância do

entendimento esposado no EREsp 327.043/DF.

2. A Primeira Seção, em 24.3.2004, no julgamento dos Embargos de

Divergência 435.835/SC (cf. Informativo de Jurisprudência do STJ n. 203), decidiu

que a “sistemática dos cinco mais cinco” também se aplica em caso de tributo

declarado inconstitucional pelo STF, mesmo que tenha havido resolução do

Senado nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 263

3. Afastamento das limitações impostas pelas Leis n. 9.032/1995 e 9.129/1995 à

compensação tributária, ante à inefi cácia plena da lei que instituiu o tributo.

4. Recurso especial do INSS provido em parte. Recurso especial da contribuinte

provido.

Os embargos declaratórios do INSS foram rejeitados nestes termos (e-STJ,

fl . 537):

Processual Civil. Embargos de declaração. Reexame de mérito. Impossibilidade.

1. Os aclaratórios são cabíveis somente para sanar omissão, obscuridade ou

contradição existentes no julgamento. Não se confi gurando quaisquer destas

situações, devem ser rejeitados, sob pena de rediscutir-se matéria de mérito já

decidida.

2. É impossível a análise de matéria constitucional na via especial, ainda que

para fi ns de prequestionamento.

3. Embargos de declaração rejeitados.

Interposto recurso extraordinário, o STF proferiu decisão de que esta

Corte Superior contrariou o art. 97 da CF/1988 (e-STJ, fl s. 602/603):

1. A hipótese dos autos versa sobre a impossibilidade de o órgão fracionário

do Superior Tribunal de Justiça afastar a incidência de dispositivo legal, no caso, o

artigo 4º da Lei Complementar n. 118/2005, sem que haja manifestação do Órgão

Especial daquela Corte, por ofensa ao princípio da reserva de plenário contido no

art. 97 da Constituição Federal.

2. Sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 482.090/

SP, Plenário, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 13.3.2009, aprovou, de acordo com

o art. 103-A da Constituição Federal, a Súmula Vinculante 10, com a seguinte

redação:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de

órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua

incidência, no todo ou em parte (DJe 27.6.2008).

3. Ademais, sobre o tema em questão, indico os seguintes julgados: RE

498.893-AgR-ED/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, unânime, DJe 5.6.2009; RE

511.305-AgR/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, unânime, DJe 19.12.2008;

RE 585.702/ES, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 3.3.2009; AI 599.003-AgR/MG, rel.

Min. Cezar Peluso, DJe 1º.9.2009; e RE 545.109/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe

28.9.2009.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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4. Isso posto, frente ao § 1º-A do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso

extraordinário para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos

ao Superior Tribunal de Justiça a fi m de que se proceda a novo julgamento, nos

termos do art. 97 da Constituição Federal.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): De início, registre-se que, embora

o STF tenha determinado a observância da reserva de plenário para eventual

afastamento do art. 4º da LC n. 118/2005, se nota que tal medida não se torna

mais necessária, tendo em vista que aquela Corte Suprema apreciou, logo em

seguida, a questão em defi nitivo, nos termos da seguinte ementa:

Direito Tributário. Lei interpretativa. Aplicação retroativa da Lei Complementar n.

118/2005. Descabimento. Violação à segurança jurídica. Necessidade de observância

da vacacio legis. Aplicação do prazo reduzido para repetição ou compensação

de indébitos aos processos ajuizados a partir de 9 de junho de 2005. Quando do

advento da LC n. 118/2005, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do

STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação,

o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados

do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º,

156, VII, e 168, I, do CTN. A LC n. 118/2005, embora tenha se auto-proclamado

interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10

anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido.

Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico

deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia

e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa

também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua

natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo

para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova,

fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo

então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de

ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de

transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos

de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as

aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a efi cácia da norma,

permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após

a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado

445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos

contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 265

que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do

art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu

a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação

por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa

legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda

parte, da LC n. 118/2005, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5

anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias,

ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos

recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido.

(RE 566.621, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 4.8.2011,

Repercussão Geral - Mérito DJe-195 divulg 10.10.2011, public 11.10.2011 Ement

vol-02605-02 pp-00273 RTJ vol-00223-01 pp-00540)

Dito isso, observa-se que esta Corte Superior, na linha de referido

precedente do STF, passou a se manifestar no seguinte sentido: para as ações

ajuizadas anteriormente à vigência da LC n. 118/2005, o prazo prescricional é de

10 (dez) anos (tese dos cinco + cinco). Para as ações ajuizadas posteriormente à

entrada em vigor da LC n. 118/2005, a partir de 9.6.2005, o prazo prescricional

é de 5 (cinco) anos (REsp 1.269.570/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell

Marques, Primeira Seção, julgado em 23.5.2012, DJe 4.6.2012).

A propósito:

Tributário. Agravo regimental no agravo de instrumento. Prazo prescricional.

Tributo sujeito a lançamento por homologação. LC n. 118/2005. Matéria decidida

pela 1ª Seção, no REsp 1.002.932/SP, sob o regime do art. 543-C do CPC e pelo STF

no RE 566.621/RS. Agravo regimental desprovido.

1. O STF (RE 566.621/RS, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 11.10.2011) e o STJ

(REsp 1.269.570/MG, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 4.6.2012)

entenderam que para as ações de repetição de indébito relativas a tributos

sujeitos a lançamento por homologação ajuizadas após 9.6.2005, deve ser

aplicado o prazo prescricional quinquenal previsto no art. 3º da LC n. 118/2005,

ou seja, prazo de cinco anos com termo inicial na data do pagamento. E para as

mesmas ações ajuizadas antes de 9.6.2005, deve ser aplicado o entendimento

anterior que permitia a cumulação do prazo do art. 150, § 4º com o do art. 168, I,

do CTN (tese do 5+5).

2. No caso, observa-se que a ação foi proposta em 23.5.2008, portanto, em data

posterior à vigência da Lei Complementar n. 118/2005.

Sendo assim, cabe a aplicação do prazo quinquenal.

3. Agravo Regimental do contribuinte desprovido.

(AgRg no Ag 1.404.478/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira

Turma, julgado em 23.8.2016, DJe 31.8.2016)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

266

Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Ação de repetição de

indébito referente ao imposto de renda. Hipótese em que houve a retenção

do imposto, pela fonte pagadora, a título de antecipação. Termo inicial do

prazo prescricional quinquenal. Data do pagamento realizado após a entrega

da declaração anual de ajuste do imposto de renda. Decisão agravada em

consonância com a atual jurisprudência do STJ. Agravo regimental improvido.

I. Agravo Regimental interposto em 29.9.2015, contra decisão publicada em

24.9.2015.

II. Consoante a jurisprudência do STF e do STJ, para as ações de repetição de

indébito, relativas a tributos sujeitos a lançamento por homologação, ajuizadas a

partir de 9.6.2005, deve ser aplicado o prazo prescricional quinquenal previsto no

art. 3º da Lei Complementar n. 118/2005, ou seja, prazo de cinco anos, com termo

inicial na data do pagamento. Já para as ações ajuizadas antes de 9.6.2005, deve

ser aplicado o entendimento anterior, que permitia a cumulação do prazo do art.

150, § 4º, com o do art. 168, I, do CTN (denominada tese dos 5+5).

III. Numa linha de entendimento compatível com o art. 9º do Decreto-Lei n.

94/1996, reproduzido pelo art. 837 do Decreto n. 3.000/1999, a Segunda Turma

do STJ, ao julgar o Recurso Especial 136.553/RS (Rel. p/ acórdão Ministro Aldir

Passarinho Junior, DJU de 5.2.2001), deixou consignado que “o contribuinte,

onerado com o desconto ilegal do imposto de renda na fonte, não tem, ipso

facto, direito à respectiva devolução, se já decorrido o ano-base; precisa, para

esse efeito, apresentar a declaração anual do ajuste, a qual esclarecerá se tudo

quanto lhe foi descontado na fonte constitui indébito tributário, ou se parte disso

representou antecipação do imposto de renda devido”.

IV. A Segunda Turma do STJ, a partir do julgamento do REsp 1.472.182/PR

(Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 1º.7.2015), endossou a orientação

fi rmada, pela Primeira Turma desta Corte, nos EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp

1.233.176/PR (Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe de 27.11.2013),

no sentido de que a retenção do imposto de renda, pela fonte pagadora, não se

assimila ao pagamento antecipado, aludido no § 1º do art. 150 do CTN. A quantia

retida, pela fonte pagadora, não tem o efeito de pagamento, até porque toda ou

parte dela poderá ser objeto de restituição, dependendo da declaração de ajuste

anual. Assim, a prescrição da ação de repetição do indébito tributário fl ui a partir

do pagamento realizado após a declaração anual de ajuste do imposto de renda,

dito pagamento antecipado, porque se dá sem prévio exame da autoridade

administrativa acerca da respectiva correção (CTN, art. 150, caput).

V. Com efeito, no aludido REsp 1.472.182/PR, a Segunda Turma do STJ

decidiu que, “ressalvados os casos em que o recolhimento do tributo é feito

exclusivamente pela retenção na fonte (rendimentos sujeitos a tributação

exclusiva/definitiva), que não admite compensação ou abatimento com os

valores apurados ao final do período, a prescrição da ação de repetição do

indébito tributário fl ui a partir do pagamento realizado após a declaração anual

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 267

de ajuste do imposto de renda e não a partir da retenção na fonte (antecipação).

Precedente: EDcl nos EDcl nos EDcl no REsp 1.233.176/PR, Primeira Turma, Rel.

Min. Ari Pargendler, julgado em 21.11.2013, DJe 27.11.2013” (STJ, REsp 1.472.182/

PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 1º.7.2015).

VI. Na presente Ação de Repetição de Indébito, em que a petição inicial foi

ajuizada em 8.10.2009, o contribuinte pleiteia a restituição do imposto de renda

retido na fonte, a título de antecipação, e recolhido aos cofres públicos, pela fonte

pagadora, em 15.9.2004. Logo, o direito de pleitear a restituição do mencionado

imposto, por meio desta Ação, não se encontra atingido pela prescrição.

VII. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.276.535/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda

Turma, julgado em 5.5.2016, DJe 13.5.2016)

No caso dos autos, como a ação foi ajuizada em março de 2000 (e-STJ,

fl. 4), estão prescritas as parcelas anteriores aos 10 anos que antecedem a

propositura da demanda.

No caso concreto, os valores foram recolhidos entre janeiro/1990 e

dezembro/1995; portanto, estão prescritas somente as parcelas pleiteadas pela

parte autora recolhidas em período anterior a março/1990.

De outra parte, quanto ao recurso da sociedade empresária contribuinte, o

acórdão de origem não merece reparo, na medida em que: (i) como se trata de

compensação tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época

do ajuizamento da demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito

superveniente; e (ii) os limites à “compensação tributária, introduzidos pelas

Leis n. 9.032 e 9.129, ambas de 1995, que alteraram o disposto no art. 89, § 3º,

da Lei n. 8.212, de 1991, são de observância obrigatória pelo Poder Judiciário,

enquanto não declarados inconstitucionais, razão pela qual a compensação do

indébito tributário, ainda que decorrente da declaração de inconstitucionalidade

da exação, submete-se às limitações erigidas pelos diplomas legais que regem a referida

modalidade extintiva do crédito tributário (DJe de 10.11.2008)” (REsp 1.588.636/

SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5.5.2016,

DJe 31.5.2016).

Ainda, nesse sentido:

Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Controvérsia sobre a

limitação à compensação previdenciária, prevista no § 3º do art. 89 da Lei n.

8.212/1991, com a redação dada pelas Leis n. 9.032/1995 e 9.129/1995. Decisão

agravada em conformidade com a jurisprudência dominante do STJ. Agravo

regimental improvido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

268

I. A Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 796.064/RJ (Rel. Ministro Luiz Fux, DJe

de 10.11.2008), fi rmou o entendimento no sentido de que, enquanto não declaradas

inconstitucionais as Leis n. 9.032/1995 e 9.129/1995, em sede de controle difuso

ou concentrado, sua observância é inafastável, pelo Poder Judiciário, uma vez que

a norma jurídica, enquanto não regularmente expurgada do ordenamento, nele

permanece válida, razão pela qual a compensação do indébito previdenciário, ainda

que decorrente da declaração de inconstitucionalidade da exação, submete-se às

limitações erigidas pelos diplomas legais que regem dita compensação.

II. A Primeira Seção desta Corte, ao julgar, sob o rito do art. 543-C do CPC, o REsp

1.137.738/SP (Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 1º.2.2010), reafi rmou a sua orientação

jurisprudencial, fi rmada no julgamento dos EREsp 488.992/MG (Rel. Ministro Teori

Zavascki, DJU de 7.6.2004), no sentido de que, em se tratando de compensação

tributária, deve ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da

demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente, tendo em

vista o inarredável requisito do prequestionamento, viabilizador do conhecimento do

Recurso Especial, ressalvando-se o direito do contribuinte de proceder à compensação

dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas posteriores,

desde que atendidos os requisitos próprios.

III. Nos presentes autos, embora a ação tenha sido ajuizada em 10.8.1999,

quando já se encontrava em vigor o disposto no § 3º do art. 89 da Lei n.

8.212/1991, com a redação dada pela Lei n. 9.032/1995, a parte autora não

defendeu, na petição inicial, a inaplicabilidade do limite percentual à

compensação previdenciária, previsto naquele dispositivo legal. A discussão da

matéria, portanto, foi alcançada pela preclusão, na medida em que a questão

deveria ter sido arguida na petição inicial da ação. Ademais, o acórdão recorrido

foi prolatado antes da edição da Medida Provisória n. 449/2008, de modo que

deve ser mantido o reconhecimento judicial da aplicabilidade, na espécie, da

limitação percentual à compensação previdenciária, prevista no § 3º do art.

89 da Lei n. 8.212/1991. Entretanto, independentemente do resultado do

julgamento do Recurso Especial, fi ca ressalvado que a parte autora, ora agravante,

poderá proceder à compensação dos seus créditos, pela via administrativa,

em conformidade com as normas posteriores ao início da vigência da Medida

Provisória n. 449/2008, posteriormente convertida na Lei n. 11.941/2009, desde

que atendidos os requisitos próprios. Precedentes.

IV. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.477.085/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda

Turma, julgado em 14.4.2015, DJe 24.4.2015)

Ressalte-se, no entanto, que nada impede que a compensação tributária

se dê, na via administrativa, de acordo com legislação posterior, desde que

atendidos os requisitos próprios. A propósito:

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 269

Processual Civil. Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Código

de Processo Civil de 1973. Aplicabilidade. Argumentos insuficientes para

desconstituir a decisão atacada. Contribuição previdenciária. Horas extras.

Adicionais de insalubridade. Periculosidade. Compensação tributária. Incidência

da Súmula n. 83/STJ.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada

em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do

provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de

Processo Civil de 1973.

II - É pacífi co o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual:

i) as verbas relativas a adicionais noturno, de periculosidade, de insalubridade

e de transferência, bem como os valores recebidos a título de horas extras,

possuem natureza remuneratória, sendo, portanto, passíveis de contribuição

previdenciária; ii) há vedação expressa, prevista no art. 26 da Lei n. 11.457/2007,

de compensação de débitos de contribuições previdenciárias quando efetuados

na forma do art. 74 da Lei n. 9.430/1996; iii) o regime de compensação tributária

deduzida em juízo deve ser examinado à luz da legislação vigente no momento

da propositura da ação, ressalvando-se o direito de o contribuinte proceder à

compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade com as

normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios; e iv) é pacífi co

o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual o art. 170-A do

Código Tributário Nacional exige o trânsito em julgado para fi ns de compensação

de crédito tributário, aplicando-se às demandas ajuizadas após a vigência da LC

n. 104/2001, ou seja, a partir de 11.1.2001, bem como às hipóteses de reconhecida

inconstitucionalidade do tributo indevidamente recolhido.

III - O recurso especial, interposto pelas alíneas a e/ou c do inciso III do art. 105

da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido

encontra-se em sintonia com a jurisprudência desta Corte, a teor da Súmula n. 83/

STJ.

IV - As Agravantes não apresentam, no regimental, argumentos sufi cientes

para desconstituir a decisão agravada.

V - Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1.573.297/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira

Turma, julgado em 3.5.2016, DJe 13.5.2016)

Desse modo, (i) dou provimento em parte ao recurso especial do INSS,

para declarar a incidência da prescrição para todas as parcelas recolhidas

indevidamente em período anterior a 1º de março/2000, e (ii) nego provimento

ao recurso especial da sociedade contribuinte.

Custas ex lege. Sem honorários (Súmula 512/STF).

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

270

RECURSO ESPECIAL N. 1.385.366-ES (2013/0163681-0)

Relator: Ministro Herman Benjamin

Recorrente: Commar Comércio Internacional Ltda

Advogado: Alessander da Mota Mendes - ES010405

Recorrido: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PR000000O

EMENTA

Processual Civil e Tributário. Razões dissociadas do fundamento

do acórdão. Súmula 284/STF. Mercadoria importada. Adulteração de

dados essenciais (origem do produto). Perdimento. Pagamento dos

tributos devidos. Irrelevância.

1. Trata-se de Recurso Especial que visa à reforma do acórdão

que manteve a penalidade de perdimento de bens, aplicada

administrativamente pelo Fisco. A recorrente afi rma que o fato de a

etiqueta do produto importado possuir dimensão reduzida – mas não

adulterada ou falsifi cada – não se amolda à hipótese prevista no art.

105, VIII, do DL n. 37/1966, principalmente quando se considera

que, com o regular pagamento dos tributos devidos, não houve dano

ao Erário.

2. O Tribunal de origem, ao se reportar à prova dos autos,

concluiu que as etiquetas dos produtos são destruídas após a abertura

das caixas em que estes se encontram armazenados, e, mais importante,

impedem a correta identifi cação da origem do produto, com indução do

consumidor, varejista ou atacadista, a erro. Nesse sentido o seguinte

excerto do acórdão (fl s. 300-301, e-STJ): “(...) a fi scalização apontou

que: ‘(...) a etiqueta é facilmente removível, e mais, obrigatoriamente

rompida quando da abertura das caixas de papelaão para a retirada

das embalagens, que provavelmente são vendidas a varejo. Não se trata

de simples erro de etiquetagem, pois toda a embalagem externa (caixas

grandes) contém informação acima produzida com texto em português.

O produto que chegaria as mãos do consumidor fi nal (caixinhas com 50

máscaras) não possui qualquer indicação da origem correta do produto

(China), induzindo a erro quando da aquisição da mercadoria’.”

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 271

3. A pena de perdimento não constitui sanção cujo fato gerador

tenha por base a inadimplência de tributo. Portanto, a circunstância

de a recorrente haver adimplido a obrigação de conteúdo pecuniário

não a exime de observar a legislação alfandegária e respeitar os valores

por ela protegidos. A quitação do tributo devido não implica direito ao

descumprimento das normas que disciplinam o direito alfandegário.

4. Não bastasse isso, a argumentação da recorrente peca por

se encontrar dissociada dos fundamentos do acórdão. A infração

comprovada nos autos não está relacionada à diferença da medida que

a etiqueta deveria adotar – registro, aliás, que a discussão quanto ao

correto tamanho das etiquetas nem mesmo foi valorada no acórdão

recorrido.

5. Na realidade, a sanção administrativa foi imposta a partir da

constatação de que os dados essenciais relativos à origem do produto

(China) – que vêm corretamente indicados em meio que é subtraído

do conhecimento do consumidor – são adulterados, porque a etiqueta

de dimensões reduzidas é destacada “quando da abertura das caixas

de papelão para a retirada das embalagens”, fazendo com que o

produto chegue às mãos do consumidor varejista ou atacadista com a

informação de que se trata de produto nacional.

6. Com efeito, assim dispõe o auto de infração: “A situação

apresentou-se da seguinte maneira (fotos da mercadoria em anexo): as

embalagens externas (caixas de papelão), provavelmente destinadas ao

mercado atacadista, contêm a informação ‘fabricado por Descarpack

Descartáveis do Brasil Ltda.’. As embalagens internas (caixinhas

contendo 50 máscaras cada), provavelmente destinadas ao mercado

varejista, apresentam-se totalmente impressas com dizeres referentes à

empresa Descarpack do Brasil Ltda. (...) Não se trata de um simples erro

de etiquetagem, pois toda a embalagem externa (caixas grandes) contém

a informação acima reproduzida com texto em português. O produto

que chegaria às mãos do consumidor fi nal (caixinhas com 50 máscaras)

não possui qualquer indicação da origem correta do produto (China),

induzindo o mesmo a erro quando da aquisição da mercadoria”.

7. Nesse contexto, a hipótese se amolda perfeitamente ao previsto

no art. 105, VIII, do Decreto-Lei n. 37/1966: “Art.105 - Aplica-se a

pena de perda da mercadoria: (...) VIII - estrangeira que apresente

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

272

característica essencial falsifi cada ou adulterada, que impeça ou difi culte

sua identifi cação, ainda que a falsifi cação ou a adulteração não infl ua no

seu tratamento tributário ou cambial”.

8. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão,

não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-

lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os

Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães

(Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de setembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Herman Benjamin, Relator

DJe 11.10.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto,

com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição da República/1988,

contra acórdão assim ementado:

Administrativo. Identifi cação da origem e do fabricante da mercadoria. Pena

de perdimento.

A recorrente alega violação do art. 105, VIII, do Decreto-Lei n. 37/1966,

do art. 23, IV, e § 1º, do Decreto-Lei n. 1.455/1976, e do art. 618, VIII, do

Decreto n. 4.543/2002. Afi rma que o fato de a etiqueta do produto importado

possuir dimensão reduzida – mas não adulterada ou falsifi cada – não se amolda à

hipótese prevista no art. 105, VIII, do DL n. 37/1966, principalmente quando se

considera que não houve dano ao Erário. Por esses motivo, requer o provimento

da pretensão recursal para ver afastada a decretação da pena de perdimento.

Foram apresentadas as contrarrazões.

É o relatório.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 273

VOTO

O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Controverte-se a respeito

do acórdão que manteve a decretação administrativa da pena de perdimento de

bens importados.

A hipótese não comporta a aplicação da Súmula 7/STJ, pois a empresa não

se insurge contra as premissas fáticas ou o conteúdo das provas mencionadas

nos autos, mas sim visa à revaloração da qualifi cação jurídica a elas atribuída no

acórdão recorrido.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, passo ao exame do mérito.

A recorrente afi rma que não houve dano ao Erário, pois os tributos devidos

pela operação de importação foram recolhidos, e que somente a falsifi cação

ou adulteração na etiqueta (e não o simples desatendimento das medidas

padronizadas em centímetros) justifi caria a penalidade imposta. No caso, insiste

que o Fisco não indicou a existência de fraude, razão pela qual deve ser anulado

o perdimento.

O Tribunal de origem, ao se reportar à prova dos autos, concluiu que as

etiquetas dos produtos são destruídas após a abertura das caixas em que estes

se encontram armazenados, e, mais importante, impedem a correta identifi cação

da origem do produto, com indução do consumidor, varejista ou atacadista, a erro.

Nesse sentido o seguinte excerto do acórdão (fl s. 300-301, e-STJ):

(...) a fi scalização apontou que: “(...) Além de ser de tamanho ínfi mo, a etiqueta

é facilmente removível, e mais, obrigatoriamente rompida quando da abertura

das caixas de papelaão para a retirada das embalagens, que provavelmente

são vendidas a varejo. Não se trata de simples erro de etiquetagem, pois toda

a embalagem externa (caixas grandes) contém informação acima produzida

com texto em português. O produto que chegaria as mãos do consumidor fi nal

(caixinhas com 50 máscaras) não possui qualquer indicação da origem correta do

produto (China), induzindo a erro quando da aquisição da mercadoria.” (fl s. 85)

(...)

Ou seja, as irregularidades encontradas na identificação da mercadoria,

no que tange à indicação da origem e do fabricante, sujeitam-nas à pena de

perdimento. E as irregularidades apontadas não são suaves. Pouco importa o

regular recolhimento de tributos, a autora não comprovou que a mercadoria

importada foi devidamente identifi cada.

Assim, nada há de ilegal ou abusivo na apreensão das mercadorias

irregularmente importadas pela autora.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

274

A pena de perdimento não constitui sanção cujo fato gerador tenha por

base a inadimplência de tributo. Portanto, a circunstância de a recorrente haver

adimplido a obrigação de conteúdo pecuniário não a exime de observar a

legislação alfandegária e respeitar os valores por ela protegidos.

Em outras palavras, a quitação do tributo devido não implica direito ao

descumprimento das normas que disciplinam o direito alfandegário.

Não bastasse isso, a argumentação da recorrente peca por se encontrar

dissociada dos fundamentos do acórdão. A infração comprovada nos autos não

está relacionada à diferença da medida que a etiqueta deveria adotar – registro,

aliás, que a discussão quanto ao correto tamanho das etiquetas nem mesmo foi

valorada no acórdão recorrido.

Na realidade, a sanção administrativa foi imposta a partir da constatação

de que os dados essenciais relativos à origem do produto (China) – que

vêm corretamente indicados em meio que é subtraído do conhecimento do

consumidor – , são adulterados, porque a etiqueta de dimensões reduzidas

é destacada “quando da abertura das caixas de papelão para a retirada das

embalagens”, fazendo com que o produto chegue às mãos do consumidor

varejista ou atacadista com a informação de que se trata de produto nacional.

Transcrevo novamente o seguinte excerto do voto condutor (fl s. 300-301,

e-STJ):

(...) a fi scalização apontou que: “(...) Além de ser de tamanho ínfi mo, a etiqueta

é facilmente removível, e mais, obrigatoriamente rompida quando da abertuda

das caixas de papelaão para a retirada das embalagens, que provavelmente

são vendidas a varejo. Não se trata de simples erro de etiquetagem, pois toda

a embalagem externa (caixas grandes) contém informação acima produzida

com texto em português. O produto que chegaria as mãos do consumidor fi nal

(caixinhas com 50 máscaras) não possui qualquer indicação da origem correta do

produto (China), induzindo a erro quando da aquisição da mercadoria.” (fl s. 85)

Nesse passo, a hipótese se amolda perfeitamente ao comando do art. 105,

VIII, do Decreto-Lei n. 37/1966:

Art.105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:

(...)

VIII - estrangeira que apresente característica essencial falsifi cada ou adulterada,

que impeça ou difi culte sua identifi cação, ainda que a falsifi cação ou a adulteração

não infl ua no seu tratamento tributário ou cambial.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 275

Efetivamente, o auto de infração a que alude o Tribunal de origem assim

descreve a infração (fl . 58, e-STJ):

A DI supra citada ampara a imortação de uma mercadoria descrita como

“máscara em não tecido com tiras brancas marca Descarpack impressa”, que se

apresenta embalada em 6167 caixas de papelão (fotos anexas ao processo), as

quais contêm em seu interior 6 caixas menores com 50 unidades da mercadoria

(cópia xeror do rótulo dessa embalagem em anexo).

A embalagem externa da mercadoria apresenta impressa a informação

“fabricado por Descarpack Descartáveis do Brasil Ltda.”, além do endereço completo

dessa empresa, na cidade de São Paulo (SP). Na realidade, a empresa acima

reerida consta na Declaração de Importação (DI) como sendo o adquirente da

mercadoria.

(...)

A situação apresentou-se da seguinte maneira (fotos da mercadoria em anexo):

as embalagens externas (caixas de papelão), provavelmente destinadas ao

mercado atacadista, contêm a informação “fabricado por Descarpack Descartáveis

do Brasil Ltda.”. As embalagens internas (caixinhas contendo 50 máscaras cada),

provavelmente destinadas ao mercado varejista, apresentam-se totalmente

impressas com dizeres referentes à empresa Descarpack do Brasil Ltda.

(...)

Não se trata de um simples erro de etiquetagem, pois toda a embalagem

externa (caixas grandes) contém a informação acima reproduzida com texto em

português. O produto que chegaria às mãos do consumidor fi nal (caixinhas com

50 máscaras) não possui qualquer indicação da origem correta do produto (China),

induzindo o mesmo a erro quando da aquisição da mercadoria.

De acordo com o acima exposto, conclui-se que a tese recursal

(inaplicabilidade do art. 105, VIII, do DL n. 37/1966 em caso de simples

inobservância do tamanho correto das etiquetas) encontra-se dissociada dos

fundamentos do acórdão (possibilidade de decretação do perdimento quando

há adulteração quanto à origem do produto, que é da China, mas chega ao

consumidor com a informação de que a mercadoria é de procedência nacional),

o que atrai a incidência da Súmula 284/STF.

Em relação ao dissídio jurisprudencial, destaco que a divergência deve

ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que

identifi cam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude

fática e jurídica entre eles. É indispensável a transcrição de trechos do relatório

e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico

entre ambos, com o intuito de caracterizar a interpretação legal divergente.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

276

O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo

único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso

Especial com base na alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição

Federal. Confi ra-se o precedente:

(...)

3. Não se conhece do dissídio jurisprudencial quando não atendidos os

requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

(...)

(REsp 649.084/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ

15.08.2005 p. 260).

Com essas considerações, conheço parcialmente do Recurso Especial para,

nessa extensão, negar-lhe provimento.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.469.087-AC (2014/0175527-1)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: Gol Linhas Aéreas Inteligentes S/A

Advogados: Márcio Vinícius Costa Pereira e outro(s)

Virgínia Medim Abreu

Recorrido: Ministério Público do Estado do Acre

EMENTA

Consumidor. Concessão de serviços aéreos. Relação havida entre

concessionária e consumidores. Aplicação do CDC. Ilegitimidade

da ANAC. Transporte aéreo. Serviço essencial. Exigência de

continuidade. Cancelamento de voos pela concessionária sem razões

técnicas ou de segurança. Prática abusiva. Descumprimento da oferta.

1. A controvérsia diz respeito à pratica, no mercado de consumo,

de cancelamento de voos por concessionária sem comprovação pela

empresa de razões técnicas ou de segurança.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 277

2. Nas ações coletivas ou individuais, a agência reguladora não

integra o feito em litisconsórcio passivo quando se discute a relação de

consumo entre concessionária e consumidores, e não a regulamentação

emanada do ente regulador.

3. O transporte aéreo é serviço essencial e, como tal, pressupõe

continuidade. Difícil imaginar, atualmente, serviço mais “essencial” do

que o transporte aéreo, sobretudo em regiões remotas do Brasil.

4. Consoante o art. 22, caput e parágrafo único, do CDC, a

prestação de serviços públicos, ainda que por pessoa jurídica de direito

privado, envolve dever de fornecimento de serviços com adequação,

efi ciência, segurança e, se essenciais, continuidade, sob pena de ser o

prestador compelido a bem cumpri-lo e a reparar os danos advindos

do descumprimento total ou parcial.

5. A partir da interpretação do art. 39 do CDC, considera-se

prática abusiva tanto o cancelamento de voos sem razões técnicas

ou de segurança inequívocas como o descumprimento do dever de

informar o consumidor, por escrito e justifi cadamente, quando tais

cancelamentos vierem a ocorrer.

6. A malha aérea concedida pela ANAC é oferta que vincula

a concessionária a prestar o serviço nos termos dos arts. 30 e 31 do

CDC. Independentemente da maior ou menor demanda, a oferta

obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência

e a informar adequadamente o consumidor. Descumprida a oferta,

a concessionária viola os direitos não apenas dos consumidores

concretamente lesados, mas de toda a coletividade a quem se ofertou

o serviço, dando ensejo à reparação de danos materiais e morais

(inclusive, coletivos).

7. Compete ao Poder Judiciário fiscalizar e determinar

o cumprimento do contrato de concessão celebrado entre poder

concedente e concessionária, bem como dos contratos fi rmados entre

concessionária e consumidores (individuais e plurais), aos quais é

assegurada proteção contra a prática abusiva em caso de cancelamento

ou interrupção dos voos.

Recurso especial da GOL parcialmente conhecido e, nesta parte,

improvido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

278

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-

lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs.

Ministros Herman Benjamin, Assusete Magalhães (Presidente) e Diva Malerbi

(Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região) votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.

Brasília (DF), 18 de agosto de 2016 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 17.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto

pela Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A., fundamentado na alínea “a” do permissivo

constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre.

O acórdão recorrido está assim ementado (fl . 328, e-STJ):

Constitucional, Consumidor, Administrativo e Processual Civil. Apelação.

Preliminares de retifi cação do polo passivo, desaparecimento superveniente do

interesse processual e incompetência absoluta da Justiça Estadual. Descabimento.

Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Transporte aéreo. Aplicação

do CDC e da Lei de Concessões de Serviços Públicos. Descontinuidade na

prestação do serviço. Proibição de cancelamento de serviço público de natureza

essencial.

1. Preliminar de retifi cação do polo passivo. Rejeitada porque, além de ser

parte legitima para fi gurar no polo passivo da lide, a manutenção da Apelante

não resulta em prejuízo ao desenvolvimento válido do processo, considerando a

relação de consumo existente entre aquela concessionária de serviço público e os

usuários de transporte aéreo.

2. Preliminar de desaparecimento superveniente do objeto. Em razão dos

constantes cancelamentos de voos suportados pelos habitantes da Comarca de

Cruzeiro do Sul, os substituídos processuais têm a necessidade de uma tutela

inibitória, eficaz para que a concessionária seja definitivamente proibida de

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 279

realizar tal prática indiscriminadamente, razão pela qual é forçoso a rejeição desta

preliminar.

3. Preliminar de incompetência absoluta da Justiça Estadual. De acordo com

a jurisprudência predominante do Colendo STJ, não há interesse (jurídico ou

econômico) da ANAC nesta Ação Civil Pública, de tal sorte que não subsiste causa

modifi cativa de competência para a Justiça Federal, razão pela qual se rejeita a

questão prefacial.

4. Os serviços públicos também estão sujeitos às regras do CDC, mormente no

caso concreto em que o Ministério Público, assumindo a posição de verdadeiro

substituto processual de uma categoria inteira de consumidores, pediu do Estado-

juiz a tutela de direitos individuais e homogêneos, fl agrantemente violados por

descontinuidade na prestação de serviços de transporte aéreo na Comarca de

Cruzeiro do Sul. Sucede que o transporte aéreo cuida-se, inequivocamente, de um

serviço público prestado pela Apelante na modalidade de concessão, de modo

que, do ponto de vista dos usuários, a concessionária mantém relação jurídica de

natureza consumerista, tutelada pelas disposições protetivas do CDC.

5. Não obstante a concessionária de serviço público se encontrar diretamente

subordinada aos regulamentos expedidos pela ANAC, ela também está vinculada

às normas do CDC. Significa isso que, embora a ANAC venha a autorizar os

comentados cancelamentos, a referida concessionária pode ser responsabilizada

pela descontinuidade na prestação de serviço público essencial, resultante de

violação frontal aos preceitos contidos no CDC.

6. Apelação não provida.

Os embargos de declaração opostos pela GOL foram rejeitados (fls.

499/504, e-STJ).

Nas razões do recurso especial, a GOL aponta, preliminarmente, ofensa

ao art. 535, incs. I e II, do CPC/1973, porquanto, a despeito da oposição de

embargos declaratórios, o Tribunal estadual foi omisso e contraditório no

tocante à existência de matéria de ordem pública.

No mérito, aduz violação dos arts. 47 e 113, caput e § 2º, do CPC/1973 e

8º da Lei n. 11.182/2005, pois há incompetência absoluta da Justiça Estadual

para o julgamento da matéria objeto da ação civil pública ajuizada na origem,

visto que a espécie versa sobre litisconsórcio passivo com a ANAC.

Alega ofensa aos arts. 9º, § 2º e incs. I e II, e 29 da Lei n. 8.987/1995, bem

como aos arts. 2º, inc. VII, do parágrafo único, e 7º da Lei n. 8.078/1990, dada a

especifi cidade e tecnicidade da matéria, além da existência de norma específi ca

editada pela agência reguladora do setor, quais sejam, o Código Brasileiro de

Aeronáutica e a Portaria n. 676/2000 da ANAC, normas estas que não podem

ser afastadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

280

Acresce haver contrariedade aos arts. 286 e 460 do CPC/1973, uma vez

que o acórdão estadual adotou posicionamento proibido pelo ordenamento

jurídico pátrio, a saber, a vedação da condenação em obrigação de fazer de

natureza perpétua.

Sustenta, ainda, que (fl s. 433/441, e-STJ):

na hipótese vertente, como se pode constatar dos autos, o i. Parquet do Estado

do Acre calca sua pretensão alegando, em síntese, que a recorrente estaria (a)

descumprindo os preceitos administrativos da continuidade e regularidade dos

serviços públicos; e (b) cancelando voos para a cidade de Cruzeiro do Sul/AC sem

que haja motivos relevantes para tanto.

Como se vê, a presente Ação Civil Pública tem como escopo a análise de

questões concernentes à Agência Nacional de Aviação Civil, sendo tal autarquia

litisconsorte necessária para atuar no polo passivo da demanda em questão,

eis que somente houve o cancelamento do voo mencionado na inicial por

conta de decisão tomada pela própria agência reguladora em conjunto com a

concessionária recorrente, situação que foi totalmente contrariada no v. acórdão.

(...).

Diante desses fundamentos, não resta dúvida da necessidade de presença

da ANAC no polo passivo da presente demanda, declinando-se da competência

para a Justiça Federal, com a decretação da nulidade de todos os atos decisórios

havidos no processo, conforme dispõe o art. 113, caput e § 2º do CPC/1973.

(...).

Caso seja superada a manifesta nulidade acima, o que não se espera e se

admite para regulamentar, denota-se que o v. Acórdão recorrido afastou a

norma específi ca editada pela ANAC (Resolução n. 141/2010), dando prevalência

unicamente aos dispositivos contidos no CDC, ignorando, por completo, o que o

próprio CDC diz a respeito de situações como a dos autos, de acordo com seu art.

7º (...).

Com a devida venia desta e. Corte, o princípio constitucional de proteção ao

consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico em diálogo das fontes,

e não somente por meio de uma ou outra norma.

(...).

A pretensão do recorrido, da forma como formulada, é impossível de ser

acolhida, porquanto a empresa recorrente não pode ser compelida a manter

um voo para a cidade de Cruzeiro do Sul sem que haja um prazo defi nido. Como

se sabe, é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio a condenação em punição

ad eternum, não havendo como se cogitar pela correção do entendimento

manifestado pelo v. acórdão recorrido.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 281

Apresentadas as contrarrazões, nas quais o Ministério Público Federal

pede o não conhecimento ou o não provimento do recurso especial, por não

haver vícios ou contrariedade à legislação no acórdão recorrido, além de a

pretensão recursal esbarrar na Súmula 7 do STJ (fl s. 535/537, e-STJ).

Sobreveio o juízo de admissibilidade positivo na instância de origem (fl .

539, e-STJ).

Os autos foram inicialmente distribuídos ao Min. Luis Felipe Salomão,

que determinou a redistribuição à Primeira Seção por versar o feito sobre

inadequação de serviço público prestado por concessionária, conforme julgado

no REsp 1.396.925/MG, Corte Especial, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe

26.2.2015.).

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento ou não

provimento do recurso especial (fl s. 581/587 e 599/600, e-STJ).

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

Da Controvérsia

O Ministério Público do Estado do Acre ajuizou, na Justiça Estadual, ação civil

pública contra a GOL Linhas Aéreas Inteligentes S.A., pleiteando a condenação da

companhia aérea em obrigação de não fazer para que esta, sem que haja razões

técnicas relevantes e intransponíveis, abstenha-se de cancelar voos para a cidade

de Cruzeiro do Sul, bem como divulgue informações precisas, claras e verídicas

aos consumidores.

Neste Recurso Especial, a GOL pede, em suma, o afastamento da

condenação em obrigação de não fazer, além de suscitar a incompetência

absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar o feito, pois a ANAC,

agência reguladora do setor, deveria integrar o polo passivo com a companhia

aérea, o que deslocaria a competência para a Justiça Federal, com a consequente

nulidade dos atos processuais já praticados no Juízo estadual.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido para que a empresa

aérea se abstenha de cancelar novos voos para a cidade de Cruzeiro do Sul,

exceto se houver motivos técnicos relevantes e intransponíveis. A GOL interpôs

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

282

recurso de apelação, tendo o Tribunal estadual negado provimento ao apelo para

manter a proibição de cancelamento dos voos sem que haja uma justifi cativa

técnica plausível. Contra tal acórdão, a empresa aérea opôs embargos de

declaração, os quais foram rejeitados.

Da Inexistência de Vícios no Acórdão de Origem

Preliminarmente, não se observa a alegada ofensa ao art. 535, incs. I e II, do

CPC/1973, porquanto a Corte estadual examinou todas as questões levantadas

pela ora recorrente, concluindo pela ilegitimidade da agência reguladora para

fi gurar no polo passivo e por manter a obrigação de não cancelar os voos na

localidade. Ademais, o provimento jurisdicional contrário ao pretendido pelas

partes não necessariamente se confunde com falha ou negativa de prestação

jurisdicional.

Da Ilegitimidade Passiva da ANAC

Na origem, a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual

volta-se contra a irregularidade dos voos realizados pela concessionária em

prejuízo do consumidor e, não, contra as normas da agência reguladora do setor

(ANAC).

Nas ações coletivas ou individuais, a agência reguladora não integra o

feito em litisconsórcio passivo quando se discute a relação de consumo entre

a concessionária e os consumidores e, não, a regulamentação emanada do ente

regulador.

Nesse sentido:

Administrativo. Processual Civil. Inexistência de violação do art. 557 do CPC.

Ação civil pública. Telefonia. Tutela dos interesses dos consumidores. Legitimidade

ativa do Ministério Público. Afastada a competência da Justiça Federal. Ausência

de interesse direto da ANATEL. Perda de objeto da ação. Cumprimento das

condições expostas no Termo de Ajustamento de Conduta. Necessidade de

revolvimento do conjunto fático e probatório constante dos autos. Súmula 7/STJ.

(...)

3. Não há falar na existência de litisconsórcio passivo necessário com a ANATEL,

tendo em vista que, no caso dos presentes autos, o ponto discutido é a relação

de consumo entre a concessionária de telefonia e os consumidores (e não a

regulamentação da referida agência reguladora). Assim, não há falar na existência

de interesse jurídico do ente regulador.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 283

4. Verifi car se houve ou não o cumprimento das condições expostas no Termo

de Ajustamento de Conduta fi rmado com a ANATEL é matéria que demanda

o revolvimento do conjunto fático e probatório constante dos autos, o que é

inviável na via recursal eleita a teor da Súmula 7/STJ.

5. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp 1.381.661/PA, Rel. Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6.10.2015, DJe

16.10.2015.);

Processo Civil. Agravo regimental no confl ito negativo de competência. Ação

civil pública. Ausência de interesse jurídico da ANATEL na lide. Súmula 150/STJ.

1. Não há falar em litisconsórcio passivo necessário da Anatel, pois esta

pleiteia a intervenção no feito apenas como amicus curiae; além disso, a ação

proposta pelo Parquet estadual cinge-se à irregularidade imputada somente à

concessionária do serviço de telefonia (defi ciência no serviço), sem alcançar a

esfera do poder regulador daquela Entidade reguladora.

2. A competência cível da Justiça Federal encontra-se defi nida, como regra

geral, com base na natureza das partes envolvidas no processo (ratione personae),

independentemente da índole da controvérsia exposta em juízo, por força das

disposições do art. 109, I, da Constituição Federal.

3. Desse modo, nos termos do que dispõe a Súmula 150/STJ, “compete à

Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifi que a

presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.

4. Competência para o julgamento da demanda do Juízo Direito da 1ª Vara de

Ouricuri - PE.

Agravo regimental improvido (AgRg no CC 120.783/PE, Rel. Ministro Humberto

Martins, Primeira Seção, julgado em 23.5.2012, DJe 30.5.2012.).

Do Transporte Aéreo como Serviço Essencial

O Tribunal de origem manteve sentença que julgou procedente a ação civil

pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Acre, a fi m de que a

GOL Linhas Aéreas Inteligentes S.A. cumpra a obrigação de não cancelar voos

com destino à cidade de Cruzeiro do Sul, sem que haja justifi cativa técnica ou

de segurança instransponível.

De fato, infere-se dos autos que, sem informação de razões técnicas ou

prévia aos consumidores, a GOL cancelou uma sequência de voos para a cidade

de Cruzeiro do Sul, local de difícil acesso por via terrestre ou fl uvial:

[C]onvém dizer que a interrupção sistemática de tais serviços é ilegal, porque

está atingindo a população da Comarca de Cruzeiro do Sul, assim como todos os

habitantes do Vale do Juruá, que utilizem o Aeroporto situado naquela Comarca.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

284

(...).

No caso concreto, a GOL comprovou ter apresentado pedido de cancelamento

de voos no período compreendido entre 10, 11 e 12 de outubro de 2009,

aduzindo, para tanto, a suposta baixa demanda por causa do feriado nacional de

Nossa Senhora de Aparecida (Padroeira do Brasil).

Contudo, essa assertiva não encontra respaldo no restante do acervo

probatório dos autos, haja vista que a solicitação encaminhada à ANAC não está

acompanhada, por exemplo, de nenhum relatório, estudo técnico, que pudesse

avalizar tal circunstância.

Destarte, contrariamente ao que arrazoou a Apelante, as regras de experiência

comum, subministradas pela observância do que ordinariamente acontece

(art. 335 do CPC), descortinam o fato de que a demanda por passagens aéreas

aumenta exponencialmente nos grandes feriados nacionais - ainda mais no

atual contexto econômico, em que o setor de transporte aéreo se encontra em

franca expansão, exatamente pela ascensão de uma nova classe média, ávida por

consumir produtos e serviços dantes inalcançáveis.

E isso é sobremaneira agravado pelas peculiaridades da região amazônica,

pois, como bem acentuou o ilustre Representante do MPE, o transporte aéreo é

meio de locomoção indispensável, tendo em vista a inexistência (ou precariedade)

de estradas, assim como a grande demora no deslocamento pelas vias fl uviais (fl s.

337/338, e-STJ).

O acórdão estadual conferiu interpretação pertinente ao caso concreto.

O transporte aéreo é considerado serviço essencial para fi ns de aplicação do

art. 22, caput e parágrafo único, do CDC e, como tal, deve ser prestado de modo

contínuo:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados

a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,

contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das

obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-

las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Assim, ao tratar da responsabilidade por vício do produto ou do serviço,

o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 22, caput e parágrafo único,

estabelece que a prestação de serviços públicos, ainda que por pessoa jurídica

de direito privado, envolve a responsabilidade pelo fornecimento de serviços

com adequação, efi ciência, segurança e, se essenciais, continuidade, sob pena de

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 285

ser o prestador compelido a bem cumpri-lo e a reparar os danos advindos do

descumprimento total ou parcial.

Difícil imaginar, atualmente, serviço mais “essencial” do que o transporte

aéreo, sobretudo em regiões remotas do Brasil. O descumprimento do art.

22, caput, comporta, nos termos de seu parágrafo único, até mesmo a tutela

jurisdicional de prevenção e reparação por meio de danos patrimoniais e morais

(inclusive, coletivos), a teor do art. 6, incs. VI e VII, do CDC.

Vale lembrar que o mencionado art. 22 reforça a ideia de fornecedor

constante do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional

ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços.

As concessionárias de serviço público de transporte aéreo são fornecedoras

no mercado de consumo, sendo responsáveis, operacional e legalmente, pela

adequada manutenção do serviço público que lhe foi concedido, não devendo

se furtar à obrigação contratual que assumiu quando celebrou o contrato

de concessão com o Poder Público nem à obrigação contratual que assume

rotineiramente com os consumidores, individuais e/ou plurais.

Portanto, a alegação da GOL no sentido de que o Judiciário estaria

normatizando na seara de competência da agência reguladora (ANAC) não

procede, uma vez que a legislação na qual se pautaram as decisões das instâncias

ordinárias tão somente visam à adequação da prestação do serviço concedido, o

que se coaduna com a função do próprio ente regulador.

Das Práticas Abusivas

O art. 6º do Diploma Consumerista assegura ao consumidor, entre outros,

proteção contra “práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de

produtos e serviços” (inc. IV).

Herman Benjamin descreve a prática abusiva (lato sensu) como aquela que

contraria as regras mercadológicas de boa conduta com o consumidor, afetando

o bem-estar deste:

Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta

dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

286

dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através

de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente

contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se

sente habilitado ou incentivado a exercê-las (BENJAMIN, Antonio Herman V. et al.

Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,

p. 296.).

O art. 39 do CDC elenca práticas abusivas de forma meramente

exemplifi cativa, visto que admite interpretação fl exível. As práticas abusivas

também são apontadas e vedadas em outros dispositivos da Lei n. 8.078/1990,

assim como podem ser inferidas, conforme autoriza o art. 7º, caput, do CDC,

a partir de outros diplomas, de direito público ou privado, nacionais ou

estrangeiros.

O cancelamento e a interrupção de voos por concessionária, sem razões

de ordem técnica e de segurança intransponíveis, é prática abusiva contra

o consumidor e, portanto, deve ser prevenida e punida. Também é prática

abusiva não informar o consumidor, por escrito e justifi cadamente, quando tais

cancelamentos vierem a ocorrer.

Da Oferta de Bens e Serviços

Os arts. 30 e 31, caput, do CDC dispõem sobre a oferta:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, sufi cientemente precisa, veiculada

por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços

oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fi zer veicular ou dela se

utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar

informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre

suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia,

prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que

apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (...) (Grifo nosso).

O Código de Defesa do Consumidor confere tratamento criterioso à oferta,

momento inicial do contrato que, de modo irrevogável, vincula o fornecedor,

obrigando-o a agir de modo transparente, a informar e a cumprir o que ofereceu

ao atrair a aquiescência do consumidor com as condições propostas.

Diz a doutrina:

A oferta, no mundo da proteção do consumidor, é fenômeno altamente

regrado, até constitucionalmente. Além de estabelecer, como princípio, a força

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 287

obrigatória da policitação, daí advindo a sua irrevogabilidade durante o prazo

fi xado pelo anunciante ou outro razoável, a lei ainda impõe um dever genérico de

informação, acompanhado de outros mais específi cos.

(...).

A vinculação atua de duas maneiras: primeiro, obrigando o fornecedor, mesmo

que se negue a contratar; segundo, introduzindo-o (e prevalecendo) em contrato

eventualmente celebrado, inclusive quando seu texto o diga de modo diverso,

pretendendo afastar o caráter vinculante. (...) Daí que não impede a vinculação

eventual informação do fornecedor, sempre a latere do anúncio, de que as

alegações têm mero valor indicativo. Ainda assim, opera, integralmente, a força

vinculante do alegado.

Dois pressupostos básicos devem estar presentes para que o princípio da

vinculação atue: veiculação e precisão da informação (...).

A regra do Código é “prometeu, cumpriu”. Mas se o fornecedor recusar o

cumprimento da sua oferta ou publicidade? Ou se, ainda com o mesmo resultado,

não tiver condições de cumprir o que prometeu?

Em síntese, além de uma série de outras providências, entre as quais a via

persecutória penal e a das sanções administrativas (...), o consumidor, em caso

de oferta desconforme com aquilo que o fornecedor efetivamente se propõe

a entregar, tem a sua escolha três opções: a) exigir o cumprimento forçado

da obrigação; b) aceitar um outro bem de consumo equivalente; c) rescindir

o contrato já firmado, cabendo-lhe, ainda, a restituição do que já pagou,

monetariamente atualizado, e perdas e danos (inclusive danos morais).

(...).

O art. 31 tem, na sua origem, o princípio da transparência, previsto

expressamente pelo CDC (art. 4º, caput). Por outro lado, é decorrência também

do princípio da boa-fé objetiva, que perece em ambiente onde falte a informação

plena do consumidor.

(...).

O art. 31 aplica-se, precipuamente, à oferta não publicitária. Cuida do dever

de informar a cargo do fornecedor. O Código, como se sabe, dá grande ênfase

ao aspecto preventivo da proteção do consumidor. E um dos mecanismos mais

efi cientes de prevenção é exatamente a informação preambular, a comunicação

pré-contratual.

Não é qualquer modalidade informativa que se presta para atender aos

ditames do Código. A informação deve ser correta (verdadeira), clara (de fácil

entendimento), precisa (sem prolixidade), ostensiva (de fácil percepção) e em

língua portuguesa.

(...).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

288

O art. 31 impõe o dever de informar sobre certos dados do produto ou

serviço. Lista-os, “entre outros”. Por conseguinte, o rol apresentado é meramente

enumerativo. Caberá ao fornecedor, conhecedor de seu produto ou serviço,

informar sobre “outros” dados que, no caso concreto, repute importantes. Se não o

fi zer voluntariamente, assim o determinará o juiz ou a autoridade administrativa,

independentemente da reparação e da repressão (administrativa e penal).

Todo e qualquer produto ou serviço tem de respeitar o dever de informar

do art. 31. Não se trata de listagem facultativa. É completamente obrigatória.

Impossível, por outro lado, qualquer limitação administrativa a esse dever do

fornecedor, imposto que é por lei (BENJAMIN, Antonio Herman V. et al. Manual de

direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 256/267.).

A malha aérea concedida pela ANAC é uma oferta que vincula a

concessionária a prestar o serviço concedido nos termos do art. 30 e 31 do CDC.

Independentemente da maior ou da menor demanda, a oferta obriga o

fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e a informar o

consumidor, inclusive por escrito e justifi cadamente.

Descumprida a oferta, a concessionária frustra os interesses e os direitos não

apenas dos consumidores concretamente lesados, mas de toda uma coletividade,

dando ensejo à reparação de danos materiais e morais (individuais e coletivos).

Do Dever de Informar e do Direito à Informação

A liberdade de escolha do consumidor, direito básico previsto no inciso

II do art. 6º do CDC, depende da correta, fi dedigna e satisfatória informação

sobre os produtos e os serviços colocados no mercado de consumo.

A autodeterminação do consumidor é indissociável da informação que lhe

é transmitida, pois é um dos meios de formar a opinião e produzir a tomada de

decisão daquele que consome. Assim, se a informação é adequada, o consumidor

age com mais consciência; se é falsa, inexistente ou omissa, retira-se-lhe a

liberdade de escolha consciente.

O direito à informação confere ao consumidor “uma escolha consciente,

permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de

fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento

informado ou vontade qualifi cada. Diante disso, o comando do art. 6º, III, do

CDC, somente estará sendo efetivamente cumprido quando a informação for

prestada ao consumidor de forma adequada, assim entendida como aquela que

se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 289

caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações

soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia” (REsp 1.144.840/

SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20.3.2012, DJe

11.4.2012.).

O dever de informar também decorre do respeito aos direitos básicos do

consumidor, expressamente disposto no inciso III do art. 6º do Código de

Defesa do Consumidor, o qual prevê, como essencial, a “informação adequada

e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especifi cação correta de

quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os

riscos que apresentem”.

Mais do que obrigação decorrente de lei, o dever de informar é uma forma

de cooperação, uma necessidade social. Na atividade de fomento ao consumo e

na cadeia fornecedora, o dever de informar tornou-se autêntico ônus pró-ativo

incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor),

pondo fi m à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar

(caveat emptor).

Extrai-se, ainda, do voto condutor do acórdão recorrido este excerto,

segundo o qual a concessionária, sem informar os consumidores, realmente

cancelou voos consecutivos para a cidade (fl s. 336/338, e-STJ):

Estabelecidas essas premissas acerca do regime jurídico do serviço público (de

transporte aéreo) no sistema jurídico brasileiro, convém dizer que a interrupção

sistemática de tais serviços é ilegal, porque está atingindo a população da

Comarca de Cruzeiro do Sul, assim como todos os habitantes do Vale do Juruá

que utilizam o Aeroporto situado naquela Comarca.

(...).

Nesse contexto, é importante salientar que, no caso em tela, a Apelante não

impugnou a alegação de que alguns voos para a Comarca de Cruzeiro do Sul

são cancelados. Ocorre que a sobredita concessionária, além de reconhecer

expressamente esse fato, asseverou que os cancelamentos foram autorizados

pela ANAC, conforme os documentos carreados às fl s. 183/191.

(...).

No caso concreto, a GOL comprovou ter apresentado pedido de cancelamento

de voos, no período compreendido entre 10, 11 e 12 de outubro de 2009,

aduzindo, para tanto, a suposta baixa demanda por causa do feriado nacional de

Nossa Senhora de Aparecida (Padroeira do Brasil).

Contudo, essa assertiva não encontra respaldo no restante do acervo

probatório dos autos, haja vista que a solicitação encaminhada à ANAC não está

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

290

acompanhada, por exemplo, de nenhum relatório, estudo técnico, que pudesse

avalizar tal circunstância.

Destarte, contrariamente ao que arrazoou a Apelante, as regras de experiência

comum, subministradas pela observância do que ordinariamente acontece

(art. 335 do CPC), descortinam o fato de que a demanda por passagens aéreas

aumenta exponencialmente nos grandes feriados nacionais - ainda mais no

atual contexto econômico, em que o setor de transporte aéreo se encontra em

franca expansão, exatamente pela ascensão de uma nova classe média, ávida por

consumir produtos e serviços dantes inalcançáveis.

E isso é sobremaneira agravado pelas peculiaridades da região amazônica,

pois, como bem acentuou o ilustre Representante do MPE, o transporte aéreo é

meio de locomoção indispensável, tendo em vista a inexistência (ou precariedade)

de estradas, assim como a grande demora no deslocamento pelas vias fl uviais.

Diante de tais circunstâncias, chega-se à inabalável conclusão de que os

usuários não podem suportar os prejuízos decorrentes da sistemática interrupção

de voos, uma vez que a Apelante tem a obrigação legal de prestar o serviço de

maneira adequada, efi ciente e contínua.

Tais cancelamentos não foram previamente comunicados aos consumidores

que adquiriram seus bilhetes aéreos, os quais tiveram suas viagens subitamente

frustradas, mormente por residirem em área geográfi ca de difícil acesso terrestre

e fl uvial.

Acresça-se que é de todos conhecida a peleja que o consumidor enfrenta

para remarcar a data de um bilhete aéreo ou reaver o valor pago, muitas vezes

tendo de enfrentar fi las em balcões de aeroportos e pagar taxas de remarcação.

No Código de Defesa do Consumidor, todavia, o dever de informar não é

tratado como mero dever anexo, e sim como dever básico, essencial e intrínseco

às relações de consumo. De mais a mais, não é sufi ciente oferecer a informação.

É preciso saber transmiti-la, porque mesmo a informação completa e verdadeira

pode vir a apresentar defi ciência na forma como é exteriorizada ou recebida pelo

consumidor.

Do Diálogo das Fontes

Tampouco há que falar que a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor à relação havida entre companhias aéreas e consumidores gera um

confl ito que desrespeita o diálogo das fontes.

O pensamento de Erik Jayme, professor emérito da Universidade de

Heidelberg, conhecido como Teoria do Diálogo das Fontes, representa

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a importantíssima ideia de que a aplicação de uma lei isolada pode não

condizer com a pluralidade e a complexidade pós-modernas, pois é necessária

a fl exibilidade de uma comunicação entre os vários diplomas e a aplicação

conjunta de várias fontes, tais como os Direitos Humanos, a Constituição, a

legislação infraconstitucional e a legislação supranacional.

O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro refl ete exatamente este

espírito: o de proteger o diferente, o mais fraco, o vulnerável ou o hipervulnerável,

aquele que desconhece os meandros da oferta de produtos e serviços (o

consumidor) em face daquele que entende o funcionamento do mercado de

consumo (o fornecedor).

O Código de Defesa do Consumidor ampara não somente direitos

individuais como também direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos,

permitindo que as fontes dialoguem para a harmonia das relações de consumo e

para a existência de provimentos jurisdicionais úteis e efetivos.

É a doutrina de Claudia Lima Marques:

O domínio do método do diálogo das fontes ajuda na escolha das leis a

aplicar, na sua ordem e na interpretação destas “conforme a Constituição”. Evita,

assim, a necessidade de um exame concreto da inconstitucionalidade de alguma

das normas, pois a aplicação conjunta e coordenada das fontes tem como

consequência a inexistência de lacunas, onde o Direito do Consumidor pode ser

complementado por outras leis e princípios, sempre a favor do sujeito tutelado no

art. 5º, XXXII, da CF/1988, o consumidor (Comentários ao Código de Defesa do

Consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 62.).

O Código de Defesa do Consumidor não prejudica as normas do setor

aéreo brasileiro, uma vez que é um diploma que permite exemplarmente a

aplicação conjunta de fontes para o equilíbrio das relações de consumo.

Da Condenação em Obrigação de Não Fazer

Alega a GOL contrariedade aos arts. 286 e 460 do CPC/1973, uma vez

que o acórdão estadual adotou posicionamento proibido pelo ordenamento

jurídico pátrio, a saber, a vedação da condenação em obrigação de fazer de

natureza perpétua.

É verdade que não cabe ao Poder Judiciário determinar a realização de voos

perenes para essa ou aquela localidade, uma vez que o estabelecimento de rotas

de transporte aéreo compete ao Poder Executivo, por atuação direta da agência

reguladora do setor, ou seja, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

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Entretanto, cabe, sim, ao Judiciário determinar o cumprimento do contrato

de concessão celebrado entre o poder concedente e a concessionária. E foi isso

que as instâncias ordinárias estabeleceram: o cumprimento da obrigação de não

cancelar voos para a localidade, exceto por razões intransponíveis e relevantes,

sob pena de ofensa à regularidade da prestação do serviço público concedido.

Para além do contrato de concessão celebrado com a Administração

Pública, também cabe ao Judiciário zelar pelo cumprimento dos contratos de

consumo celebrados entre a companhia aérea (à qual a Administração delegou

a prestação do serviço público) e os consumidores individuais e/ou plurais, aos

quais são assegurados a proteção contra a preterição e o direito à informação em

caso de cancelamento ou interrupção dos serviços aéreos.

Não é demais lembrar que o Código de Defesa do Consumidor contempla

um microssistema próprio e fl exível que autoriza uma abrangente intervenção

judicial nos contratos, justifi cada por fundamentos como “a natureza protetiva

do direito especial e sua decorrência lógica, o princípio da vulnerabilidade” e

“a existência em todos os contratos de consumo de um sinalagma amplo, que

se não acomoda aos padrões tradicionais da comutatividade” (RODRIGUES

JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos: autonomia da vontade

e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 207.).

Por fi m, a condenação proferida na origem não é ad eternum, já que incapaz

de extrapolar, obviamente, o prazo de vigência do contrato de concessão ou a

superveniência de causa de extinção contratual.

A condenação também não invade a esfera de competência da ANAC, à

qual compete regular e fi scalizar as atividades de aviação civil e da infraestrutura

aeronáutica e aeroportuária, respeitadas as orientações, políticas e diretrizes do

Governo federal. Entre os objetivos dessa agência reguladora criada pela Lei

n. 11.182/2005, está o equilíbrio com o Código de Defesa do Consumidor

manifesto, por exemplo, na disciplina de condições gerais de transporte

que tutelam os consumidores em inúmeros casos, tais como: nos atrasos e

cancelamentos de voos e hipóteses de preterição de passageiros; na estipulação

de percentuais de atrasos e cancelamentos de voos e sua respetiva divulgação aos

passageiros; e, sobretudo, na transparência.

Não cabe, pois, dizer que o Judiciário proferiu condenação incerta,

indeterminada, de natureza perpétua, diversa e além da requerida no pedido

inicial ou que invadiu a competência do ente regulador ou destoou do teor das

normas aeronáuticas e aeroportuárias.

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 293

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial da GOL Linhas

Aéreas Inteligentes S.A., mas nego-lhe provimento.

É como penso. É como voto.

VOTO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Senhores Ministros, penso que quase

nada há a se falar ou a se acrescer, não só ao substancioso e brilhante voto do

eminente Relator, como também às considerações feitas pelo nosso Professor de

Direito do Consumidor, Ministro Herman Benjamin.

Quero apenas fazer algumas observações, em face de situações que vivenciei,

quando trabalhava no TRF da 1ª Região, que tem jurisdição sobre todo o norte

do Brasil, inclusive sobre o Estado do Acre. Quando era Corregedora daquele

Tribunal e também como sua Presidente, vi-me compelida, por dever de ofício,

a viajar por todo o norte do Brasil e pude constatar a realidade mencionada pelo

Ministro Herman Benjamin, quanto à precariedade da comunicação, naqueles

Estados, por via terrestre e fl uvial.

Essa essencialidade do serviço de transporte aéreo, na Região Norte do

País – que o art. 22 da Lei n. 8.078/1990 exige seja contínuo –, ali se destaca,

mais do que nunca, exatamente em função desta precariedade de outros meios

de comunicação. Sabe-se que na Região Amazônica, às vezes, em decorrência de

enchente, nem o transporte fl uvial é possível. Daí a relevância da contínua e boa

prestação, no que respeita ao serviço de transporte aéreo.

A primeira tese sobre a qual o Ministro Herman Benjamin discorreu

é aquela que diz respeito à existência de litisconsórcio passivo necessário,

em feitos dessa natureza, quando se discute uma relação de consumo apenas

entre a concessionária e o consumidor, não estando em causa qualquer norma

regulamentadora da Agência reguladora. Há, nesta Turma, dois precedentes

sobre o assunto, que são citados no voto do Ministro Humberto Martins. Um,

é de relatoria do Ministro Humberto Martins, e outro, bem esclarecedor, do

Ministro Mauro Campbell Marques, exatamente no sentido que está registrado

no voto do eminente Relator, cuja ementa destaca: “A Agência Reguladora não

integra o feito em litisconsórcio passivo com a concessionária quando, diante

da inadequação do serviço prestado, discute-se a relação de consumo entre a

concessionária e os consumidores, e não a regulamentação emanada do ente

regulador”.

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Alega-se a incompetência da Justiça Estadual, pela ausência, no feito, da

ANAC. Se não é ela litisconsorte passiva necessária, não há necessidade de

que tivesse vindo aos autos. Sabe-se que a competência da Justiça Federal é

absoluta e é fi xada ratione personae, na Constituição Federal, no seu art. 109,

inciso I. É preciso que exista, no feito, um dos entes federais ali mencionados,

para que se justifi que a competência da Justiça Federal. Não é o que existe no

caso. Não há qualquer ente federal integrando essa lide, de tal sorte que a Justiça

Estadual era e é competente para processar e julgar o feito. Como relatei, o

Ministro Herman Benjamin fez menção ao art. 22 do Código de Defesa do

Consumidor, para mencionar que, em serviços essenciais, deve haver, por força

desse mesmo Código, continuidade na sua prestação. Esse é um caso, penso eu,

paradigmático, que envolve uma região do norte do País onde há defi ciência

notória no transporte, por via fl uvial e terrestre, de tal sorte que ali, esse serviço

é essencial ao consumidor, devendo ser ele contínuo e prestado de forma

adequada, efi ciente e segura.

No que respeita à necessidade de a empresa aérea informar, aos

consumidores, sobre eventuais cancelamentos ou atrasos de voo, quero relatar

o que ocorreu comigo, no norte do País. No período de 2004 a 2008, estava em

um Estado do norte do país. Sabe-se que há muita precariedade, inclusive, no

oferecimento de voos, naquelas localidades. Em muitas localidades do Norte

só se oferecem voos no meio da madrugada. Retornaria eu a Brasília – depois

de fazer uma correição, em uma Seção Judiciária – num voo de determinada

companhia aérea, que sairia às 3h30 dessa capital de Estado do Norte. A Polícia

Federal informou-me que eu não deveria ir para o aeroporto, porque o voo

estava cancelado. A Juíza Federal que ali trabalhava e que entrara em férias,

retornaria ao seu estado natal e tinha uma passagem, neste mesmo voo. Avisei-a

de que esse voo estava cancelado. Mas, quando ela ligava para a companhia

aérea, obtinha a informação de que o voo estava mantido. E, a fi nal, o voo foi

cancelado e ninguém viajou. Isso mostra a necessidade de que, para a prestação

de serviços adequados, efi cientes, seguros e contínuos – como exige a Lei n.

8.078/1990 –, sejam prestadas informações objetivas aos usuários, inclusive, em

hipóteses de cancelamento ou atraso de voo.

Diante do que aqui se discutiu, cumprimento o eminente Relator, pelo

seu voto brilhante sobre o assunto. Cumprimento também o Ministro Herman

Benjamin, pelos acréscimos e aditamentos feitos sobre o assunto. Quero também

cumprimentar o Tribunal de Justiça do Estado do Acre, na pessoa da Relatora

do processo, em 2º Grau, a Desembargadora Maria Cezarinete de Souza

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 295

Augusto Angelim. Acompanhei a carreira de Sua Excelência quando passou

ela a integrar o Tribunal de Justiça do Acre, pelo quinto constitucional, e, desde

então, pude perceber a sensibilidade com que Sua Excelência norteia todos os

seus julgados. Este é um caso que, para mim, é paradigmático, como o Ministro

Herman Benjamin destacou. Havia, inclusive, votos divergentes, mas Sua

Excelência manteve uma posição coerente e que demonstra muita sensibilidade

social, na entrega da prestação jurisdicional.

Assim, não tenho dúvida em acompanhar o eminente Relator, na conclusão

de seu voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.539.165-MG (2015/0146685-3)

Relator: Ministro Humberto Martins

Recorrente: CETELEM Brasil S.A.- Credito Financiamento e

Investimento

Advogados: Diana Val de Albuquerque e outro(s)

Pedro Rezende Marinho Nunes

Recorrido: Estado de Minas Gerais

Agravante: Estado de Minas Gerais

Procurador: Vanessa Lopes Borba e outro(s)

Agravado: CETELEM Brasil S.A.- Credito Financiamento e

Investimento

Advogados: Gabriel Jose de Orleans e Bragança e outro(s)

Pedro Rezende Marinho Nunes

EMENTA

Consumidor. Prática abusiva. Cláusulas abusivas em contrato

de adesão a cartão de crédito. Multa administrativa aplicada pelo

Procon ao fornecedor. Interpretação de cláusulas para fins de

redução da sanção. Inviabilidade. Súmula 5/STJ. Reexame de provas.

Descabimento. Súmula 7/STJ. Contrato de duração. Incidência do

CDC e de suas alterações.

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1. O Procon-MG instaurou processo administrativo contra

fornecedora de serviços de cartão de crédito, resultando na aplicação

de multa por: cobrança de tarifa de administração; cobrança de

taxa de emissão de boleto bancário para emissão mensal de fatura,

independentemente de o pagamento ser realizado por meio de débito

em conta, dinheiro ou cheque pós-datado; cobrança de tarifa de débito

em conta corrente; contratação adesiva de cláusula de débito em conta

corrente do cliente; cobrança de seguro por perda ou roubo do cartão;

e envio de produtos e/ou serviços sem solicitação do consumidor.

2. Prática abusiva (lato sensu) é aquela que contraria as regras

mercadológicas de boa e leal conduta com os consumidores, sendo, de

rigor, sua prevenção, reparação e repressão. O Código de Defesa do

Consumidor traz rol meramente exemplifi cativo de práticas abusivas

(art. 39), cabendo ao juiz identifi car, no caso concreto, hipóteses de

violação dos princípios que orientam o microssistema.

3. Independentemente do número de consumidores lesados

ou do abuso de poder econômico pelo fornecedor, a presença da

cláusula abusiva no contrato é, por si só, reprovável, pois contrária

à ordem econômica e às relações de consumo. O Código de Defesa

do Consumidor elenca as cláusulas abusivas de modo não taxativo

(art. 51), o que admite o enquadramento de outras abusividades que

atentem contra o equilíbrio entre as partes.

4. O Código de Defesa do Consumidor (e suas alterações) pode

ser aplicado “ao contrato que se renovou sob sua égide e que, por isso,

não pode ser qualifi cado como ato jurídico perfeito” (REsp 735.168/

RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.3.2008.).

5. O Tribunal de origem, ao examinar as provas dos autos e

interpretar o contrato, concluiu pela existência de cláusulas abusivas.

Modifi car o entendimento da instância ordinária, na via do recurso

especial, encontra óbice nas Súmulas 5 e 7 do STJ.

6. A multa administrativa fi xada pelo Procon é “graduada de

acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição

econômica do fornecedor” (art. 57 do CDC). O reexame de sua

proporcionalidade é vedado, em recurso especial, pela Súmula 7 do

STJ.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 297

Recurso especial da CETELEM Brasil S.A. – Crédito,

Financiamento e Investimento parcialmente conhecido e, nessa parte,

improvido.

Processo Civil e Consumidor. Majoração de multa administrativa

aplicada pelo Procon. Inviabilidade na via especial. Majoração da

verba fi xada a título de honorários advocatícios. Súmula 7/STJ.

1. A multa administrativa fixada pelo Procon baseia-se em

critérios como “a gravidade da infração, a vantagem auferida e a

condição econômica do fornecedor” (art. 57 do CDC). O reexame

de sua proporcionalidade para majorá-la ou reduzi-la é vedado em

recurso especial por exigir revolvimento do conjunto fático-probatório

dos autos (Súmula 7 do STJ).

2. A fixação da verba honorária sucumbencial compete às

instâncias ordinárias, já que envolve a apreciação equitativa e a

avaliação subjetiva do julgador no quadro fático dos autos (Súmula 7

do STJ).

3. Eventual desproporção entre o valor da causa e o valor fi xado a

título de honorários advocatícios nem sempre indica irrisoriedade ou

exorbitância da verba honorária, pois a fi xação desta envolve a análise

da efetiva complexidade da causa e do trabalho desenvolvido pelo

advogado no patrocínio dos interesses da parte que representa.

Agravo do Estado de Minas Gerais conhecido para negar

seguimento ao recurso especial.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial de Cetelem

Brasil S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento e, nessa parte, negou-

lhe provimento; conheceu do agravo do Estado de Minas Gerais para negar

seguimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Assusete Magalhães (Presidente) e Diva

Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região) votaram com o Sr.

Ministro Relator.

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Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.

Brasília (DF), 23 de agosto de 2016 (data do julgamento).

Ministro Humberto Martins, Relator

DJe 16.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial

interposto, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição da República

pela CETELEM Brasil S.A. – Crédito, Financiamento e Investimento, bem

como de agravo apresentado pelo Estado de Minas Gerais contra decisão que

não admitiu recurso especial também embasado no dispositivo constitucional

retro.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais proferiu acórdão com

esta ementa:

Apelação cível. Procon estadual. Processo administrativo. Contrato de emissão

e administração de cartão de crédito. Cláusulas abusivas. Aplicação de multa.

Legalidade e razoabilidade. Verba honorária. Equidade. Art. 20, § 4º, do CPC.

Redução.

- Demonstrada a abusividade de diversas cláusulas contratuais insertas

em contrato de emissão e administração de cartão de crédito, no bojo de

processo administrativo instaurado pelo Procon estadual, em que assegurada

a oportunidade defensiva, legal a multa aplicada, bem como o valor arbitrado,

visto que observados os parâmetros estabelecidos no Código de Defesa do

Consumidor e do Decreto Federal n. 2.181/1997.

- Nas causas em que não houver condenação, os honorários advocatícios serão

arbitrados segundo a apreciação equitativa do juiz, nos termos do art. 20, § 4º, do

CPC (fl . 798, e-STJ).

Os embargos de declaração opostos pela CETELEM foram, por maioria,

providos em parte apenas para reduzir a multa administrativa (fl s. 842/854,

e-STJ).

Foram rejeitados os embargos infringentes opostos pelo estado de Minas

Gerais, com o fi to de fazer prevalecer a tese do voto minoritário no sentido da

inexistência de vícios no acórdão da apelação (fl s. 909/920, e-STJ).

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 299

Interpostos recursos especiais por ambas as partes, o Tribunal de origem

admitiu o recurso especial da CETELEM e negou seguimento ao recurso

especial do Estado de Minas Gerais (fl s. 977/981, e-STJ).

Nas razões do recurso especial, a CETELEM alega, preliminarmente,

ofensa ao art. 535 do CPC/1973, pois, a despeito da oposição de embargos

declaratórios, remanesceram vícios deletérios à solução da controvérsia.

No mérito, aduz violação destes dispositivos: art. 57 do CDC; art. 28 do

Decreto Federal n. 2.187/1997; art. 4º, IX, da Lei n. 4.595/1964; e art. 2º, § 2º,

da LINDB.

Sustenta que as ilegalidades combatidas por este recurso especial resultaram

em aplicação de multa pelo Procon/MG à CETELEM em valor milionário,

além de encargos moratórios.

Pontua que, não obstante a redução da multa administrativa pelo Tribunal

mineiro para R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), a sanção continua

excessiva e deve ser adequada aos parâmetros legais, sob pena de ofensa aos

princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao art.

57 do CDC, que encontra disposição análoga no art. 28 do Decreto Federal n.

2.187/1997.

Ressalta que, ao fi xar a multa administrativa em R$ 3.000.000,00 (três

milhões de reais), a Corte estadual levou em consideração apenas a capacidade

econômica da CETELEM, desconsiderando, entretanto, os demais requisitos

legais (gravidade da infração, extensão do dano causado e vantagem auferida).

Assevera que as dez reclamações dos consumidores no Procon/MG

indicam que a vantagem auferida pela CETELEM, se existiu, foi irrisória. As

supostas cobranças indevidas revelam valores como R$ 0,15, R$ 0,74, R$ 1,99

e R$ 2,00 e, mesmo assim, resultaram na aplicação de multa administrativa

milionária. Aliás, o próprio TAC proposto pelo Ministério Público estabelecia o

pagamento de apenas 60.000,00 (sessenta mil reais), mas a recorrente optou por

defender-se administrativamente.

Invoca a impossibilidade de incidência do Código de Defesa do

Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência, como no caso

dos autos. Logo, não se aplica a atual norma do § 3º do art. 54 do CDC para

fi ns de punição da recorrente, visto que tal dispositivo foi alterado pela Lei n.

11.785/2008, ao passo que todos os contratos são datados de 2006.

Explica que uma das razões pelas quais a CETELEM foi multada se deve

à suposta cobrança de “tarifa de administração”, rubrica atualmente extinta

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e incapaz de servir de critério para aplicação de multa. Aliás, diversamente

do que consta do acórdão recorrido, a tarifa de administração equivale tão

somente aos custos que o banco tinha para manter o produto fi nanceiro do

consumidor, custos estes que não eram remunerados por nenhuma outra receita,

havendo, nesse caso, entendimento do STJ que considera legítima a cobrança

(REsp 1.246.622/RS). Dessarte, o acórdão estadual contrariou o princípio da

legalidade e o art. 4º, IX, da Lei n. 4.595/1964, o qual estabelece que a limitação

ou a vedação da cobrança de tarifa bancária é tarefa delegada ao Conselho

Monetário Nacional.

Acresce que a “tarifa de débito em conta corrente” também foi levada em

consideração na fi xação da multa, entendendo o acórdão recorrido que, ausente

previsão legal que amparasse tal tarifa prevista nos contratos, sua cobrança seria

indevida. Entretanto, não é crível supor que previsões contratuais devam estar

previstas em lei, sob pena de restrição à autonomia da vontade, à livre iniciativa

(art. 1º, inc. IV, da CRFB) e ao princípio da legalidade (art. 5º, inc. II, da

CRFB).

Discorre que, quanto à imputação à recorrente do “seguro perda e roubo”,

o acórdão de origem esqueceu-se do disposto no art. 265 do CC/2002, segundo

o qual a solidariedade não se presume e, sim, decorre apenas da vontade das

partes ou de força de lei, conforme já decidiu o STJ (REsp 1.173.287/SP).

Consequentemente, não poderia a multa administrativa se fundar ou ser

aumentada com base na referida imputação.

Arremata que a controvérsia não demanda reexame fático-probatório dos

autos, sendo inaplicável a Súmula 7 do STJ à espécie.

Pede o provimento do recurso especial para, reconhecendo a violação dos

dispositivos supracitados, seja declarada nula a multa administrativa aplicada

pelo Procon/MG ou, subsidiariamente, reduzida a sanção de R$ 3.000.000,00

(três milhões de reais) para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) de acordo com os

parâmetros traçados inicialmente no termo de ajustamento de conduta.

Contrarrazões nas quais o ente estatal pede o não conhecimento ou o

não provimento do recurso especial, pois a pretensão da recorrente demanda

reexame fático-probatório. A multa fi xada pelo Procon/MG está amparada em

critérios legais, e a ingerência do Judiciário no mérito administrativo para alterar

a multa culminaria por violar o CDC (fl s. 938/941, e-STJ).

Nas razões do agravo em recurso especial, o Estado de Minas Gerais

impugna os fundamentos da decisão agravada e pede o conhecimento do agravo

para que seja dado provimento ao recurso especial.

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RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 301

No recurso especial, o ente estatal alega que o acórdão recorrido violou o

art. 57 do CDC e o art. 20, § 4º, do CPC/1973, pois o Tribunal mineiro, em

sede de apelação, reduziu a verba honorária a ser paga pela empresa e, em sede

embargos declaratórios, procedeu à redução da multa administrativa fi xada pelo

Procon/MG.

Discorre que a multa fi xada pelo Procon/MG não deve ser reduzida,

pois seguiu critérios rigorosos, inclusive com observância dos princípios da

legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, afastando, assim, a necessidade de

intervenção do Poder Judiciário no mérito administrativo.

Defende que seria descabida a redução dos honorários devidos ao ente

estatal. A verba honorária inicialmente estabelecida em 10% sobre o valor da

causa está dentro dos parâmetros mínimo de 10% e máximo de 20% adotados

pela jurisprudência do STJ. Assim, não se mostraria pertinente modifi car a

condenação da empresa para reduzir a verba honorária para insufi cientes R$

10.000,00 (dez mil reais), sob pena de prejuízo ao dinheiro público.

Acresce, outrossim, que:

é que a regra inscrita no referido § 4º não signifi ca, necessariamente, que os

honorários devam ser arbitrados em montante inferior a 10% do valor econômico

da causa. É bem verdade que, nos casos do § 4º, art. 20 do CPC, o julgador ao fi xar

os honorários advocatícios consoante apreciação equitativa, muito embora não

esteja adstrito aos percentuais do § 3º, deve atender aos critérios estabelecidos

nas letras a, b e c, quais sejam, grau de zelo do profi ssional, o lugar de prestação do

serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado

e o tempo exigido para o seu serviço.

Ora, a ação judicial em tela revela-se com certa complexidade. Os autos já

possuem 7 (sete) volumes, exigindo do Procurador do estado zelo, cuidado e

análise minuciosa da farta documentação que a ele foi colacionada.

De outro lado, a matéria nela tratada é de importância considerável, posto

que se refere à lesão nas relações de consumo. O valor da causa é de mais de

R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), o que, inevitavelmente, aumenta a

responsabilidade do Procurador do Estado quanto ao êxito em sua atuação na

demanda. (...).

Em sendo assim, o valor dos honorários sucumbenciais fi xados em sentença

não se mostrava excessivo, sendo o mínimo que se espera para remunerar

os Procuradores do Estado de Minas Gerais de forma justa pelo seu trabalho

indispensável à Administração da Justiça (fl s. 933/934, e-STJ).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

302

Contrarrazões ao recurso especial do ente estatal nas quais a CETELEM

requer o não conhecimento ou o não provimento do recurso especial, visto

que, mesmo com a redução da multa pelo Tribunal mineiro, a sanção continua

exorbitante (fl s. 943/952, e-STJ).

Com o juízo de admissibilidade negativo do recurso especial do ente estatal

e a interposição de agravo por este, a CETELEM apresentou contraminuta

para pleitear a manutenção da decisão agravada (fl s. 993/1.000, e-STJ).

Parecer do Ministério Público Federal no sentido do parcial conhecimento

do recurso especial da CETELEM para negar-lhe provimento e do

conhecimento do agravo do Estado de Minas Gerais para negar provimento ao

recurso especial (fl s. 1.027/1.035, e-STJ).

É, no essencial, o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

Da Controvérsia

O Procon/MG instaurou processo administrativo contra a CETELEM

Brasil S.A. – Crédito, Financiamento e Investimento por prática de infração às

relações de consumo consistente na inserção de cláusulas abusivas em contratos

de adesão a cartão de crédito.

Entre as citadas cláusulas abusivas, destacam-se: cobrança de tarifa de

administração; taxa de emissão de boleto bancário para emissão mensal de

fatura, independentemente de o pagamento ser realizado por meio de débito em

conta, dinheiro ou cheque pós-datado; cobrança de tarifa de débito em conta

corrente; contratação adesiva de cláusula de débito em conta conta corrente do

cliente; cobrança de seguro por perda ou roubo do cartão; e envio de produto e/

ou serviço sem solicitação do consumidor.

Diante da constatação das infrações e da recusa da fornecedora ao TAC

proposto pelo Ministério Público estadual, o Procon aplicou multa em desfavor

da CETELEM no valor de R$ 5.906.138,89 (cinco milhões, novecentos e seis

mil, cento e trinta e oito reais e oitenta e nove centavos).

Na ação anulatória ajuizada pela CETELEM, a sentença de primeiro

grau julgou improcedente o pedido, condenando a autora na verba honorária

correspondente a 10% do valor do débito que se pretendia anular.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 303

O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo da CETELEM

para reduzir os honorários ao montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), além

de acolher os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para diminuir a

multa administrativa para R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

Do Recurso Especial da CETELEM

Preliminarmente, não se observam os vícios elencados no art. 535 do

CPC/1973, uma vez que o acórdão recorrido decidiu a lide de modo claro,

sufi ciente e fundamentado. Ademais, o julgado contrário à pretensão da parte

não se confunde com negativa de prestação jurisdicional.

No mérito, o recurso especial não merece provimento.

Da Prática Abusiva

O art. 6º do Diploma Consumerista assegura ao consumidor, entre outros,

proteção contra “práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de

produtos e serviços” (inc. IV).

Herman Benjamin descreve a prática abusiva (lato sensu) como aquela que

contraria as regras mercadológicas de boa conduta com o consumidor, afetando

o bem-estar deste:

Muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito da veracidade, carreiam alta

dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente

dão causa a danos substanciais contra o consumidor. Manifestam-se através

de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente

contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se

sente habilitado ou incentivado a exercê-las (BENJAMIN, Antonio Herman V. et al.

Manual de direito do consumidor. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014,

p. 296.).

O art. 39 do CDC traz um elenco meramente exemplifi cativo de “práticas

abusivas”, admitindo interpretação fl exível. As práticas abusivas também são

apontadas e vedadas em outros dispositivos da Lei n. 8.078/1990.

As práticas abusivas contra o consumidor podem ser inferidas, ainda,

a partir de outros diplomas, de direito público ou privado, nacionais ou

estrangeiros, conforme autoriza o art. 7º, caput, do CDC:

Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes

de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

304

legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades

administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais

do direito, analogia, costumes e eqüidade.

Das Cláusulas Abusivas

No tocante à cláusula abusiva, Claudia Lima Marques destaca que sua

simples presença no contrato é reprovável, ainda que não haja abuso do poderio

econômico por parte do fornecedor, pois a mera existência da abusividade é

danosa à ordem econômica e contrária ao Código de Defesa do Consumidor.

Leia-se:

Assim, institui o CDC normas imperativas, as quais proíbem a utilização de

quaisquer cláusulas abusivas, definidas como as que assegurem vantagens

unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam

incompatíveis com a boa-fé e a equidade (v. art. 51, IV, do CDC).

O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido

do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo,

incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no

contrato não é mais o fator decisivo para o direito, pois as normas do Código

instituem novos valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de

consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos

opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos

interesses e expectativas dos consumidores. O princípio da equidade, do equilíbrio

contratual é cogente. A lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula

abusiva tenha sido incluída no contrato por “abuso do poderio econômico” do

fornecedor, como exigia a lei francesa, ao contrário, o CDC sanciona e afasta

apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor.

A cláusula pode ter sido aceita conscientemente pelo consumidor, mas se traz

vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à

ordem pública, contrário às novas normas de ordem pública de proteção do CDC

e, portanto, a autonomia de vontade não prevalecerá (MARQUES, Claudia Lima.

Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2013,

p. 233/234.).

O art. 51 do CDC estabelece rol não exaustivo de cláusulas abusivas, em

um conceito aberto que permite o enquadramento de outras abusividades que

atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a

preservar a proteção e a boa-fé do consumidor.

A existência de cláusula abusiva no contrato de consumo é, por si só,

punível, a despeito de a lesão ter sido a um ou a milhões de consumidores.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 305

A sanção administrativa não se mede pelo número de consumidores

lesados. Aliás, mesmo que nenhum consumidor chegasse a ser lesado, a descrição

do fato ilícito (o tipo) dirige-se à mera utilização de cláusulas contratuais

abusivas.

Os danos também não se calculam pela vantagem auferida em face

dos consumidores que registraram suas reclamações. Os consumidores que

recorreram ao Procon são apenas uma pequena amostra que não corresponde

à totalidade, em concreto e potencial, dos consumidores do produto ou serviço.

É de lembrar que, nos contratos de adesão, as cláusulas são “aprovadas

pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor

de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modifi car

substancialmente seu conteúdo” (art. 54, caput, do CDC). Aqui, não é considerada

a vontade do consumidor por se tratar de um contrato de massa, elaborado, em

regra, somente pelo fornecedor, lembrando que a inserção de cláusula não lhe

retira a natureza de contrato de adesão (§ 1º do art. 54 do CDC).

Exemplo de contrato de adesão são os contratos de prestação de serviço

de emissão e administração de cartão de crédito, nos quais o consumidor,

caso queira contratar o serviço, tem de aderir a todos os termos e condições

contratuais redigidos previamente (às vezes, nem mesmo submetidos à sua

leitura, pois o serviço pode ser contratado à distância).

Postas tais considerações, passa-se a analisar a solução que o acórdão

recorrido deu à controvérsia.

Da Interpretação de Cláusulas Contratuais

O Tribunal de origem, ao examinar a prova dos autos e interpretar as

cláusulas do contrato de prestação de serviços de cartão de crédito, concluiu que

(fl s. 801/806, e-STJ):

Destaca-se, de início, a regularidade do processo administrativo instaurado

pelo Procon Estadual, visto que devidamente identifi cadas as supostas práticas

infrativas, e oportunizado à recorrente prazo de defesa, como se vê da portaria

inaugural de fl s. 108/109.

Dito isto, passa-se à análise de cada infração isoladamente:

I. Tarifa de administração

Verifi ca-se pelas cláusulas 13.1 e 16.2 do contrato de fi nanciamento artão aura,

colacionado às fl s. 204, que a “tarifa de administração”, de fato, refere-se à emissão

de boleto bancário.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

306

A propósito, confi ra-se:

Cláusula 13 – pagamento das despesas

13.1. Havendo saldo em aberto será emitida mensalmente uma fatura

indicando as despesas, o valor total devido e o valor do pagamento mínimo. Pela

emissão da fatura para pagamento (repasse de custos bancários) será cobrada a

TA Tarifa Administrativa/Repasse Bancário.

(...)

Cláusula 16 – condições do crediário clássico

(...)

16.2. O Crediário Clássico contratado pelo Financiado junto à CETELEM poderá

ser pago mediante boleto bancário, cheques pós-datados ou débito em conta

corrente. Pela emissão de cada fatura (repasse de custos bancários) será devida a

TA – Tarifa Administrativa/Repasse Bancário, conforme tabela em vigor.

Pratica, essa, vedada pela jurisprudência do colendo STJ, visto que remunerado

o serviço por meio da tarifa interbancária (...).

II. Tarifa de débito em conta corrente

Em que pese a alegação da recorrente de falta de interesse de agir em relação à

tarifa de débito em conta corrente por ausência de previsão contratual, constata-

se que prevista nos termos da cláusula 16.4 do contrato de fi nanciamento cartão

aura, colacionado às fl s. 204, verbis:

16.4. Em caso de pagamento por débito em conta corrente, a cada tentativa

frustrada da CETELEM de efetuar o(s) débito(s) em conta corrente será devida a

TDCC – Tarifa de Débito em Conta Corrente.

Desse modo, e porque ausente previsão legal a albergar a previsão contratual,

indevida a cobrança respectiva.

III. Autorização para desconto em conta corrente

No que se refere à possibilidade de desconto em conta corrente no caso de

atraso, como se vê das subcláusulas 13.8 e 16.5 do contrato de fi nanciamento do

cartão ouro, a jurisprudência deste eg. Tribunal de Justiça tende a não admitir

descontos em contas bancárias destinadas ao recebimento de salários ou

proventos que atinjam mais que 30% (trinta por cento) de seu valor, mesmo

quando expressamente autorizados (...).

(...).

IV. Envio de produtos e/ou serviços sem respectiva solicitação

Quanto à entrega de produtos e/ou serviços sem prévia solicitação, vedada

expressamente a prática nos termos do art. 39, inciso III do Código de Defesa do

Consumidor. (...).

V. “Seguro perda e roubo”

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 307

No que concerne à disponibilização de “seguro perda e roubo” sob a

responsabilidade da seguradora, é certo que a defi nição de fornecedor, nos termos

do art. 3º do CDC, engloba a instituição fi nanceira, de modo a responsabilizá-la

solidariamente, falecendo, outrossim, razão à apelante.

Dessa forma, e porque demonstrada a abusividade das diversas cláusulas

contratuais, é inegável, ainda, a inobservância do disposto no art. 54, § 3º, do

Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual “os contratos de adesão

escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis,

cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar a sua

compreensão pelo consumidor”, visto que redigidas, quase sempre, em letras

minúsculas, como se vê do termo contratual de fl s. 204.

Nota-se que a maior parte dos fundamentos utilizados pela Corte de

origem estão lastreados nos autos do processo administrativo e, sobretudo,

na interpretação das cláusulas dos contratos de adesão a cartão de crédito,

consideradas abusivas tanto pelo Procon quanto pelas instâncias ordinárias.

A via do recurso especial não se presta, contudo, a interpretar cláusulas

contratuais nem a revolver o conjunto fático-probatório dos autos, a teor dos

enunciados das Súmulas 5 e 7 do STJ.

A outra parte da fundamentação do acórdão estadual não lastreada apenas

em cláusulas e fatos, mas também no Código de Defesa do Consumidor,

destina-se: a enquadrar a instituição financeira recorrente no conceito de

fornecedor (art. 3º) para fi ns de solidariedade com seguradora que cubra perda

ou roubo de cartão; a considerar abusivo o envio de produtos e/ou serviços sem

a solicitação do consumidor (art. 39, III); e a reprovar a existência de cláusulas

contratuais com letras minúsculas (art. 54, § 3º).

Em suma, visou o acórdão a reprovar situações fáticas que a lei e

a jurisprudência consideram contrárias às relações de consumo, tais como

abusividades e transferência dos riscos da atividade ao consumidor. Não existe,

nesse ponto, razão para reforma. Há, no máximo, a constatação de que, soberano

na análise dos elementos de convicção dos autos, o Tribunal de origem fez uma

valoração legítima das provas a seu alcance.

Da Aplicação do CDC e de suas Alterações aos Contratos de Duração

A recorrente alega impossibilidade de incidência da atual norma do § 3º

do art. 54 do CDC às relações contratuais em debate, sob o argumento de que

tal parágrafo foi alterado pela Lei n. 11.785, de 22 de setembro de 2008, ao

passo que os contratos foram celebrados em 2006 e, portanto, antes da alteração.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

308

Por oportuno, cite-se o art. 54, § 3º, do CDC:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas

pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor

de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar

substancialmente seu conteúdo.

(...).

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com

caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo

doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor (Redação dada pela

Lei n. 11.785, de 2008.)

Da análise dos autos, observa-se que o processo administrativo foi

instaurado pelo Procon/MG em 1º.4.2009 (fl. 107, e-STJ), com base em

investigação preliminar do Ministério Público do Estado de Minas Gerais

datada de 3.7.2008 (fl . 112, e-STJ).

O argumento jurídico levantado pela recorrente não vinga. Ainda que

os contratos de cartão de crédito tenham sido celebrados em data anterior

à vigência da Lei n. 11.785/2008, que alterou o § 3º do art. 54 do CDC, a

abusividade identifi cada na origem pode ser analisada à luz da referida alteração,

já que, quanto à execução, tais contratos são de duração.

Por ser norma de ordem pública, o Código de Defesa do Consumidor

(incluindo suas alterações) tem aplicação imediata. Ressalve-se entendimento

jurisprudencial do STF no sentido de que não é possível a aplicação retroativa

do Código de Direito do Consumidor quando envolver ato jurídico perfeito

(AI 650.404-AgR/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.

20.11.2007.).

O caso dos autos, porém, não implica aplicação retroativa do Código de

Defesa do Consumidor. Explica-se: não se está diante de contratos de execução

instantânea cujos efeitos se perfi zeram em 2006, ou seja, antes da alteração do §

3º do art. 54 do CDC havida em 2008 por meio da Lei n. 11.785. Trata-se, na

espécie, de contratos de adesão a cartão de crédito, cuja execução é de duração,

com prestações sucessivas que se protraem no tempo.

Tornar tais contratos de duração incólumes ao Código de Defesa do

Consumidor e a suas alterações tão somente pelo critério da data da adesão

contratual abriria, obviamente, frestas a novas infrações às relações de consumo

que tanto o Código deseja prevenir e reprimir.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 309

Ao analisar questão análoga, a Terceira Turma desta Corte entendeu que:

“Não se trata, portanto, de retroagir as normas do CDC para regular contrato

anterior a sua vigência, mas aplicá-lo, de imediato, (...) ao contrato que se

renovou sob sua égide e que, por isso, não pode ser qualifi cado como ato jurídico

perfeito” (REsp 735.168/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,

julgado em 11.3.2008, DJe 26.3.2008.).

Da Multa Administrativa Aplicada pelo Procon

Por último, a recorrente teve a oportunidade de aceitar o Termo de

Ajustamento de Conduta que lhe foi proposto pelo Ministério Público Estadual,

mas, não o aceitando, submeteu-se à via administrativa conduzida pelo Procon

para apuração das indigitadas infrações.

O acórdão recorrido aponta a regularidade do processo administrativo

conduzido no âmbito do Procon, inclusive com observância da ampla defesa da

fornecedora (fl . 800, e-STJ). Portanto, não é cabível que a recorrente pretenda, a

destempo, a restauração dos termos constantes do acordo proposto pelo TAC, o

qual, repita-se, foi por ela repelido.

A pena de multa prevista no art. 57 do CDC é legitimada pela atividade

administrativa de ordenação que o Procon detém para cominar multas

relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei n. 8.078/1990.

No caso concreto, a proporcionalidade do valor da referida sanção (que

chegou a ser reduzida pelo Tribunal de origem em relação ao valor fi xado

na sentença) foi graduada com base no contingenciamento substancial, na

gravidade da infração, na vantagem auferida, na condição econômica do

fornecedor e, até, na atenuante da primariedade, à luz dos elementos dos autos.

Por conseguinte, sua revisão implicaria reexame do conjunto fático-probatório,

atraindo a incidência da Súmula 7/STJ. Nesse sentido:

Processual Civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Multa

administrativa. Procon. Publicidade enganosa. Valor da penalidade. Revisão.

Súmula 7/STJ.

1. O Tribunal local, após estabelecer que o anúncio veiculado em rede de

televisão pela recorrente configura publicidade enganosa, entendeu que na

fi xação do valor da penalidade pelo PROCON foram observados os requisitos

previstos no art. 57 do CDC quanto à gravidade da infração, à vantagem auferida

pela empresa e à condição econômica do infrator, bem como terem sido

atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

310

2. Para afi rmar-se o excesso do valor da penalidade, seria imprescindível a

incursão na seara fática-probatória da lide, o que é vedado em sede de recurso

especial. Incidência da Súmula 7/STJ.

3. Agravo interno a que se nega provimento (AgInt no AREsp 869.485/SP,

Rel. Ministra Diva Malerbi, Desembargadora Convocada TRF 3ª Região, Segunda

Turma, julgado em 24.5.2016, DJe 31.5.2016.);

Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso

especial. Código do Consumidor. Infração administrativa. Procon. Fiscalização e

sanção. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Súmula 284/STF. Razões de recurso

que não impugnam, especifi camente, as razões da decisão agravada. Súmula

182/STJ. Multa. Proporcionalidade. Reexame. Súmula 7/STJ. Agravo regimental

conhecido, em parte, e, nessa parte, improvido.

(...).

II. O Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, decidiu que, “no tocante

a multa, em que pese a irresignação da empresa apelante, há que se levar

em consideração o fato de que sua aplicação não visa ao ressarcimento dos

consumidores, mas ao Fundo Municipal de Protecão e Defesa do Consumidor,

possuindo, assim, um caráter pedagógico e não ressarcitório. Em razão disso,

levando-se em consideração a capacidade econômica da empresa Vivo S/A, os

valores (...), apesar de expressivos, são justifi cáves e não desproporcionais como

afi rmado pela parte”. Assim, concluir de forma contrária demandaria o reexame

do conteúdo fático-probatório dos autos, o que é vedado, em Recurso Especial,

nos termos da Súmula 7/STJ.

III. Agravo Regimental conhecido, em parte, e, nessa parte, improvido (AgRg no

AREsp 750.494/ES, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em

1º.3.2016, DJe 14.3.2016.);

Administrativo. Poder de polícia. Mandado de segurança. Multa lavrada pelo

Procon. Manutenção. Ausência de indicação do preço dos produtos expostos em

vitrine. Conclusão do Tribunal de origem. Revisão. Súmula 7/STJ.

1. O Tribunal de origem entendeu pela validade do auto de infração lavrado

pela recorrida, visto que a autuada não comprovou que os produtos expostos na

vitrine seriam decorativos, sendo correta a conduta fi scalizatória, considerando

a ausência de indicação do preço dos produtos expostos. Assim, para alterar

tal conclusão, necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é

vedado em recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

2. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 776.554/SP, Rel. Ministro

Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27.10.2015, DJe

6.11.2015.).

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 311

A sanção administrativa, aplicada com fundamento no art. 57 do CDC,

tem o caráter pedagógico necessário para prevenir e reprimir eventual reiteração

das infrações às relações de consumo.

Do Agravo em Recurso Especial do Estado de Minas Gerais

Agravo submetido ao Colegiado, a teor do § 5º do art. 1.042 do CPC/2015:

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente

do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial,

salvo quando fundada na aplicação de entendimento fi rmado em regime de

repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

(...).

§ 5º O agravo poderá ser julgado, conforme o caso, conjuntamente com o

recurso especial ou extraordinário, assegurada, neste caso, sustentação oral,

observando-se, ainda, o disposto no regimento interno do tribunal respectivo.

Ultrapassada a barreira do conhecimento do agravo, passa-se à análise do

recurso especial.

No recurso especial, o Estado de Minas Gerais sustenta que o acórdão

recorrido violou o art. 20, § 4º, do CPC/1973 e o art. 57 do CDC.

Alega que o Tribunal mineiro reduziu, em apelação, os honorários

advocatícios a que foi condenada a CETELEM de 10% sobre o valor do

débito que se pretendia anular para o valor fi xo de R$ 10.000,00 (dez mil

reais), tendo aquela Corte, ainda, reduzido, em sede embargos declaratórios, a

multa administrativa aplicada pelo Procon/MG à empresa de R$ 5.906.138,89

(cinco milhões, novecentos e seis mil, cento e trinta e oito reais e oitenta e nove

centavos) para R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

Defende que os honorários seriam ínfi mos perante o valor da causa e o

esforço despendido por seus procuradores. Ademais, seria incabível a redução do

valor da sanção administrativa, o qual seguiu critérios rigorosos, inclusive com

relação aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade,

o que afastaria a necessidade de ingerência do Poder Judiciário no mérito

administrativo.

Pois bem. Ao reduzir a multa administrativa imposta à agravada para R$

3.000.000,00 (três milhões de reais), o Tribunal de origem procedeu ao cotejo

do caso concreto com parâmetros legais, tais como a gravidade da infração, a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

312

vantagem auferida, a condição econômica do fornecedor e, até, a atenuante da

primariedade.

A revisão de tais critérios no intuito de majorar a multa, como pede o

Estado de Minas Gerais, somente seria possível mediante revolvimento do

conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso

especial, a teor do disposto no enunciado da Súmula 7/STJ. Confi ra-se:

Processual Civil e Administrativo. Multa aplicada pelo Procon. Tempo de espera

na fi la. Requisitos para aplicação da multa. Majoração. Súmula 7/STJ. Aplicação de

multa UFIR. Fixação em reais. Possibilidade.

(...).

2. A dicção das razões do recurso especial revela que a pretensão do recorrente

visa à reforma do valor da multa aplicada, sustentando, para tanto, a não

observância dos critérios fi xados no Código de Defesa do Consumidor, sendo

imprescindível à aplicação da penalidade a observância de critérios traçados

no Codex Consumerista: a) a gravidade do fato; b) a vantagem auferida com a

prática infrativa; c) as circunstâncias atenuantes e agravantes; d) a extensão do

dano causado ao consumidor; e) os antecedentes; e f ) a condição econômica do

infrator.

3. A pretensão do recorrente, fundada na modificação da multa com

observância dos critérios elencados, demandaria reexame do acervo fático-

probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, sob pena de violação

da Súmula 7 do STJ.

4. Esta Corte recentemente teve a oportunidade de analisar essa questão, em

processo análogo, e decidiu que o “parágrafo único do art. 57 do CDC (“A multa

será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes

o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufi r), ou índice equivalente que venha a

substituí-lo”) não ampara a tese do agravante de que a penalidade administrativa

deve ser fi xada em UFIR, pois o referido dispositivo legal apenas estabelece os

limites para a fi xação da referida multa” (AgRg no REsp 1.385.625/PE, Rel. Min.

Sérgio Kukina, Primeira Turma).

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.466.104/PE, Rel. Ministro

Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 6.8.2015, DJe 17.8.2015.).

Ademais, a fi xação da verba honorária sucumbencial compete às instâncias

ordinárias, pois envolve a apreciação equitativa e a avaliação subjetiva do julgador

perante o quadro fático constante dos autos.

Eventual desproporção entre o valor da causa e o valor fi xado a título

de honorários advocatícios nem sempre indica irrisoriedade ou exorbitância

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 313

da verba honorária, uma vez que a fi xação desta envolve a análise da efetiva

complexidade da causa e do trabalho desenvolvido pelo advogado no patrocínio

dos interesses da parte que representa.

No caso, tendo o Tribunal a quo fi xado os honorários advocatícios em R$

10.000,00 (dez mil reais), a majoração da verba em recurso especial é inviável

perante o óbice da Súmula 7/STJ. Nesse entendimento:

Processual Civil e Administrativo. Honorários advocatícios. Majoração. Matéria

fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ.

(...).

2. O Superior Tribunal de Justiça pacifi cou a orientação de que o quantum da

verba honorária, em razão da sucumbência processual, está sujeito a critérios

de valoração previstos na lei processual, e sua fi xação é ato próprio dos juízos

das instâncias ordinárias, às quais competem a cognição e a consideração das

situações de natureza fática.

3. O STJ atua na revisão da verba honorária somente quando esta tratar de

valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso, em que os

honorários foram fi xados no valor de R$ 5.000,00 (um mil reais). Assim, o reexame

das razões de fato que conduziram a Corte de origem a tais conclusões signifi caria

usurpação da competência das instâncias ordinárias. Incidência da Súmula 7/STJ.

4. Vencida ou vencedora a Fazenda Pública, o arbitramento dos honorários

advocatícios não está adstrito aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo ser

adotado como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, nos termos

do art. 20, § 4º, do CPC, ou mesmo um valor fi xo, segundo o critério de equidade.

5. Recurso Especial não conhecido (REsp 1.571.659/SP, Rel. Ministro Herman

Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.2.2016, DJe 19.5.2016.);

Processual Civil. Honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública. Valor da

causa, da condenação ou do valor fi xo. Modifi cação. Súmula 7/STJ.

(...).

2. A fi xação da verba honorária de sucumbência cabe às instâncias ordinárias,

uma vez que resulta da apreciação equitativa e avaliação subjetiva do julgador

ante as circunstâncias fáticas presentes nos autos, razão pela qual insuscetível de

revisão em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.

3. O afastamento do óbice apontado somente é possível quando a verba

honorária é fi xada em patamar exorbitante ou irrisório, o que não ocorreu na

espécie, ante a justifi cação do tribunal para fi xá-la em patamar condizente com

o caráter menos complexo da exceção de pré-executividade (1% sobre o valor da

execução).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

314

4. A desproporção entre o valor da causa e o valor arbitrado a título de

honorários advocatícios não denota, necessariamente, irrisoriedade ou

exorbitância da verba honorária, que deve se pautar na análise da efetiva

complexidade da causa e do trabalho desenvolvido pelo causídico no patrocínio

dos interesses de seu cliente.

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.572.665/SP, Rel. Ministro

Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12.4.2016, DJe 19.4.2016.).

Dispositivo

Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial da Cetelem

Brasil S.A. – Crédito, Financiamento e Investimento e, nessa parte, nego-lhe

provimento, bem como conheço do agravo do Estado de Minas Gerais para

negar seguimento ao recurso especial.

É como penso. É como voto.

VOTO-VOGAL

O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de um leading case, porque

é a primeira vez, salvo engano, em que o Superior Tribunal de Justiça decide

que a utilização de cláusulas contratuais abusivas viola não apenas as regras

próprias do CDC de controle dessas cláusulas no plano civil, mas também os

tipos administrativos lá previstos. Em outras palavras, tal utilização caracteriza

infração administrativa.

É um precedente extremamente importante, porque vem, precisamente,

agregar um componente necessário, no sentido de convencer os fornecedores de

uma maneira geral.

Portanto, temos, a um só tempo, um precedente inovador nessa perspectiva,

e, no plano pragmático, extremamente benéfi co para desafogar o Poder Judiciário

acerca desse tema das cláusulas contratuais abusivas.

Tive o cuidado de examinar o acórdão recorrido, a sentença, as petições

inicial e as dos Recursos Especiais, e verifi quei que as cláusulas aqui impugnadas

são consideradas abusivas pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, o que

demonstra um comportamento de rebeldia reiterada contra o Poder Judiciário

dos fornecedores de todos os segmentos que usam contratos por adesão e

têm cláusulas contratuais abusivas: instituições financeiras, empresas de

construção civil, companhias aéreas, telefônicas, concessionárias de serviços de

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 315

eletricidade, etc. Essa rebeldia, além de desconsiderar a lei em vigor, contribui

diretamente para afogar o Poder Judiciário. Isso porque não há risco nenhum

para o fornecedor, que tem bancas de advogados e pode deixar esses processos

simplesmente prosseguirem.

Um dos principais argumentos utilizados pela recorrente nessa ação

anulatória é o de que só houve dez consumidores que reclamaram, até porque

é difícil perceber cobranças da ordem reclamada, como a própria petição do

Recurso Especial indica, de R$ 0,30 (trinta centavos).

Só o tempo que se gasta para se dirigir a um órgão de defesa do consumidor,

pois nem todos podem fazer reclamações pela internet, já serve de desestímulo

para os consumidores. São muito poucos os que percebem pequenas diferenças

de centavos em seus extratos e têm o cuidado de examinar os contratos.

Por isso é que o sistema do próprio Código de Defesa do Consumidor

determina que a sanção administrativa não se mede pelo número de

consumidores reclamantes.

É prescindível a reclamação, pois o que é considerado infração, o tipo, é a

utilização de cláusulas contratuais abusivas, e não a consumação dessas cláusulas

contratuais. Basta um controle abstrato, sendo sufi ciente que o órgão de defesa

do consumidor colete os contratos e lá identifi que tais cláusulas.

O outro argumento importante que igualmente merece ser realçado diz

respeito aos critérios que devem ser adotados na imposição de sanções, pois R$

3.000.000,00 (três milhões de reais), abstratamente considerados, é muito.

Todavia, R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), pelos critérios que estão

indicados, inclusive na petição do Recurso Especial, no item 27 da petição, à

fl . 872, que trata da gravidade da prática infrativa, não é valor que se mostra

excessivo.

De fato, um dos parâmetros da citada gravidade é, precisamente, o

número de consumidores, mas não os consumidores que reclamaram. No caso,

certamente, não se trata de empresa cujos contratos foram utilizados por dez,

mil, ou dez mil. Certamente são milhares de consumidores. Então, por esse

ponto, a gravidade já seria notável. Também o é pelo desrespeito reiterado à

jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, como já destacado

igualmente pelo eminente Ministro Relator.

O segundo critério, que está listado na petição do Recurso Especial, refere-

se à extensão do dano. Ora, aqui, competiria à empresa dizer: o dano é mínimo.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

316

Mas o que a empresa disse foi que o dano é mínimo, considerando os dez

consumidores que reclamaram. Realmente, somando aqueles centavos, o dano

é pequeno, mas em nenhum momento foram indicados os números relativos à

totalidade dos consumidores.

Quanto ao terceiro critério relativo à vantagem auferida, citado na

petição do Recurso Especial, caberia à empresa indicar qual seria o valor

correspondente; contudo, não há esse dado. Se forem somadas as quantias de

todos os consumidores da recorrente, a vantagem auferida será enorme.

Portanto, os critérios apontados pela CETELEM estão todos preenchidos.

No acórdão e na sentença não há referência a elementos probatórios que

justifi quem a redução da multa, razão pela qual acompanho o voto do Ministro

Relator, ao não reconhecer a excessividade da sanção aplicada.

Por fim, quanto ao o argumento intertemporal, ressalto que não há

irretroatividade da Lei n. 11.785, que é de 22.9.2008, em razão de que os

contratos terem sido alegadamente celebrados antes da aludida data.

A Lei n. 11.785/2009 não alterou nada, porque os requisitos dos contratos

e das cláusulas contratuais já estavam previstos em outros dispositivos do

Código.

Além disso, mesmo que não houvesse essa exigência de não abusividade

dos contratos, antes desta Lei de 22.9.2008, o fato é que os acordos estavam em

vigência, e essas contra prestações ilícitas foram exigidas na vigência desta nova

Lei.

Citou-se um precedente desta Corte, Superior Tribunal de Justiça, do

Senhor Ministro Raul Araújo, que não trata exatamente da mesma situação,

porque são exigências feitas na vigência do próprio Código de Defesa do

Consumidor, e depois desta Lei. Porque se fosse assim, se o Código não se

aplicasse aos contratos “não instantâneos”, todos os contratos anteriores ao

Código de Defesa do Consumidor estariam garantidos, como falam os Norte

Americanos: GreenFather, quer dizer, com a proteção do avô.

O Código, e é a jurisprudência desta Casa, não se aplica aos contratos

exauridos, diferente dos contratos permanentes, como são os de plano de saúde

e de cartão de crédito.

Ante o exposto, felicito o eminente Ministro Relator e o acompanho

integralmente.

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 317

VOTO

A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Cumprimento o ilustre advogado,

pela sustentação, e cumprimento, ainda, o Senhor Ministro Relator, pelo brilho

do seu voto.

Diante do que nele se colocou, e bem assim do seu aditamento, que ora foi

feito, pelo Senhor Ministro Herman Benjamin, penso eu que nada tenho mais

a acrescentar, de tal sorte que acompanho, integralmente, o voto do eminente

Ministro Relator.

RECURSO ESPECIAL N. 1.560.916-AL (2015/0258907-0)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis - IBAMA

Recorrido: Alexandre Gondim da Rosa Oiticica

Advogados: Denisson Germano Pimentel de Lyra - AL010982

Diego Antônio de Barros Acioli e outro(s) - AL009632

EMENTA

Ambiental e Administrativo. Desmatamento. Mata Atlântica.

Área privada. Procedimento administrativo apuratório. Imposição

de multa. Legitimidade do IBAMA. Legislação federal violada.

Precedentes. Recurso especial provido.

I. Ação originária visando a anulação de procedimento

administrativo apuratório que culminou na aplicação de multa em

decorrência de desmatamento de mata atlântica em área privada,

próxima à reserva biológica de Murici. O Tribunal a quo afastou a

legitimidade do IBAMA para aplicar a referida penalidade.

II. “A atividade fi scalizatória das atividades nocivas ao meio

ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico sufi ciente para exercer

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

318

seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado em

área cuja competência para o licenciamento seja do município ou

do estado” (AgRg no AREsp 739.253/SC, Rel. Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, julgado em 3.9.2015, DJe 14.9.2015).

Precedentes: REsp 1.479.316/SE, Rel. Ministro Humberto Martins,

Segunda Turma, julgado em 20.8.2015, DJe 1º.9.2015, AgRg no

REsp 1.417.023/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda

Turma, julgado em 18.8.2015, DJe 25.8.2015.

III. Nos termos da legislação federal de regência, a competência

concorrente não inibe a atuação do IBAMA, ainda mais não tendo

havido a interferência de órgão ambiental local.

IV. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).

Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes,

Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 6 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Francisco Falcão, Relator

DJe 9.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de recurso especial interposto

pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

– IBAMA, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal,

visando a reforma do acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim

ementado (fl s. 466-467):

Constitucional. Administrativo. Declaração de utilidade pública de terreno.

Decreto Federal s/n de 28.5.2001 para criação de estação ecológica. Caducidade

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 319

para possível expropriação. Art. 10 do Decreto n. 3.365/1941. Desmatamento.

Mata Atlântica. Propriedade privada. Ilegitimidade do IBAMA.

I. Trata-se de apelação de sentença que extinguiu a ação, sem julgamento

do mérito, considerando o IBAMA parte ilegítima para autuar o demandado por

dano ambiental em Mata Atlântica de área privada.

II. Foi lavrado Auto de Infração n. 553026/D, contra o réu, sob o fundamento

de desmatamento de área de Mata Atlântica junto à reserva biológica de Murici,

que fi ca dentro dos limites de sua propriedade particular, denominada Fazenda

Munguba, sem autorização do órgão ambiental responsável, com a aplicação

de multa no importe de R$ 66.420,00 (sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte

reais) em virtude de danifi cação de área de Mata Atlântica em estágio inicial de

regeneração, localizada em Zona de Amortecimento da ESEC de Murici/AL.

III. A desapropriação fundada no Decreto s/n de 28.5.2001 que criou a Estação

Ecológica de Murici, área de preservação, somente poderia ser efetuada até

28.5.2006 ou até o dia seguinte, se a contagem foi feita a partir da publicação no

Diário Ofi cial da União. Contudo, não houve qualquer movimento no sentido de

apossamento, desapropriação ou demarcação da área. Assim, há de ser aplicado

o prazo de caducidade da declaração de utilidade pública previsto no art. 10 do

Decreto-Lei n. 3.365/1941.

IV. Não prevalece o argumento do Instituto recorrente de que os decretos

expropriatórios de áreas inseridas em unidades de conservação não se

submeteriam ao prazo de caducidade de 5 (cinco) anos, porquanto é evidente

a obediência devida por qualquer decreto à previsão normativa do Decreto-Lei

n. 3.365/1941, em seu art. 10: “A desapropriação deverá efetivar-se mediante

acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da

expedição do respectivo decreto e fi ndos os quais este caducará”. Precedente:

TRF 5ª Região, PJe 08005229520124050000, rel. Desembargador Federal Paulo

Machado Cordeiro, julg. 24.9.2013.

V. O Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no INQ 2.343/AL

(relator Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho, julgado em 21.8.2011), envolvendo

suposto crime ambiental cometido na ESEC de Murici, não acatou a denúncia,

fundamentando que “...levando em conta a inexistência de qualquer iniciativa

administrativa por parte do IBAMA com relação à implantação da Estação

Ecológica de Murici, depois de ter votado pelo recebimento da denúncia,

baseado no fato de que o simples decreto, que cria a Estação referida, sem o

acompanhamento de qualquer medida administrativa, não transforma a área em

verdadeira estação ecológica”.

VI. O fato de a Estação Ecológica de Murici pertencer à Mata Atlântica não

garante a competência direta do IBAMA para atuar em casos dessa natureza,

tendo em vista que, apesar da Constituição Federal atribuir o caráter de

patrimônio nacional à Mata Atlântica (art. 225, § 4º), não a considerou como

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

320

bem de propriedade da União, já que não contemplado no art. 20, não sendo,

portanto, legítima a autuação promovida pela autarquia federal.

VII. O IBAMA teria que demonstrar que o órgão ambiental estadual foi acionado

e não se manifestou ou que sua manifestação não obteve êxito em reprimir o

dano, para só então, ser legitimado a fi gurar no polo ativo da ação judicial.

VIII. Apelação improvida.

Os embargos declaratórios opostos pelo Instituto foram rejeitados (fl s.

520-523).

O recorrente alega, em síntese, que o aresto recorrido teria violado o art.

6º, IV, da Lei n. 6.938/1981; art. 70, § 1º, da Lei n. 9.605/1998; art. 17, § 3º,

da Lei Complementar n. 140/2011, sustentando sua competência para atuar

repressivamente, não importando se o dano ambiental é de natureza regional,

nacional ou local, como in casu.

Afi rma que, ainda que a competência para licenciar um empreendimento

não seja do IBAMA, detém ele o poder fi scalizador, na qualidade de órgão

integrante do SISNAMA, conforme precedentes do STJ e do STF que cita.

Contrarrazões ofertadas (fl s. 545-558).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): O acórdão recorrido manteve a

decisão monocrática que acolheu o pedido do autor, decretando a anulação do

procedimento administrativo por meio do qual lhe foi atribuída multa relativa

a danifi cação de hectares de Mata Atlântica em propriedade rural por ele

arrendada.

O entendimento prestigiado pela instância a quo foi o de que a área em

questão permaneceria no domínio privado, confi gurando dano ambiental de

natureza local, “com refl exos insufi cientes à legitimação do IBAMA”, devendo o

ente público estadual ou municipal, propor o respectivo procedimento repressor.

Os dispositivos invocados pelo recorrente como violados pelo decisum são

do seguinte teor:

Lei n. 6.938/1981:

Art. 6º - Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal,

dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 321

Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental,

constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim

estruturado:

[...]

IV - órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis - IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, com a fi nalidade de executar e fazer

executar a política e as diretrizes governamentais fi xadas para o meio ambiente,

de acordo com as respectivas competências;

Lei n. 9.605/1998:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão

que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do

meio ambiente.

§ 1º São autorid ades competentes para lavrar auto de infração ambiental

e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais

integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para

as atividades de fi scalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do

Ministério da Marinha;

Lei Complementar n. 140/2011:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização,

conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração

ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à

legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou

autorizada.

[...]

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos

entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de

empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou

utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor,

prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a

atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Da leitura dos referidos dispositivos, vê-se que a pretensão merece

acolhida, pois eles conferem legitimidade ao IBAMA para atuar na fi scalização

de atividades nocivas ao meio ambiente, independentemente de tratar-se de área

privada, ou do exercício de órgão de competência local.

A propósito, a competência concorrente não inibe a atuação do IBAMA, a

não ser que o órgão local tivesse atuado e aplicado alguma penalidade, sob pena

de bis in idem.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

322

Tal não ocorreu na hipótese.

Essa Segunda Turma já teve oportunidade de analisar casos análogos ao

presente, nos quais foi consignado que “A atividade fi scalizatória das atividades

nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico sufi ciente para

exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado em

área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado”

(AgRg no AREsp 739.253/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, segunda

turma, julgado em 3.9.2015, DJe 14.9.2015).

No mesmo sentido:

Processual Civil. Administrativo. Ambiental. Área privada. Mata Atlântica.

Desmatamento. IBAMA. Poder fiscalizatório. Possibilidade. Ministério Público

Federal. Ação civil pública. Legitimidade ativa ad causam. Existência. Precedentes.

1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para

promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser

exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde

a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o

licenciamento.

2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é

apenas um dos critérios defi nidores da legitimidade para agir do Parquet Federal.

3. A atividade fi scalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede

ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia

administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência

para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a

legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, defi ne a competência da

Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.

Recurso especial provido (REsp 1.479.316/SE, Rel. Ministro Humberto Martins,

segunda turma, julgado em 20.8.2015, DJe 1º.9.2015).

Administrativo. Ambiental. Ação civil pública. Dano ambiental. Legitimidade

passiva. Responsabilidade civil do Estado. IBAMA. Dever de fi scalização. Omissão

caracterizada.

1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência

exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-

se amplo aparato de fi scalização a ser exercido pelos quatro entes federados,

independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo.

2. O Poder de Polícia Ambiental pode - e deve - ser exercido por todos os entes

da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucionalmente.

Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 323

a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fi scalização

ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir imediatamente,

obstando a perpetuação da infração.

3. Nos termos da jurisprudência pacífi ca do STJ, a responsabilidade por dano

ambiental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele

que tenha contribuído apenas que indiretamente para a ocorrência da lesão.

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.417.023/PR, Rel. Ministro

Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18.8.2015, DJe 25.8.2015).

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso especial, determinando

o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que, reconhecida a legitimidade do

IBAMA para aplicação da referida multa, analise os demais pedidos no que diz

respeito à dosimetria da penalidade e análise de possíveis atenuantes.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.574.859-SP (2015/0318735-3)

Relator: Ministro Mauro Campbell Marques

Recorrente: Marta Rosania Ferreira Santana

Recorrente: Cosme Dias de Santana

Advogado: Defensoria Pública da União

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social

EMENTA

Previdenciário. Recurso especial. Enunciado Administrativo n. 2/

STJ. Pensão por morte. Regime Geral de Previdência Social. Óbito do

neto. Avós na condição de pais. Rol do artigo 16 da Lei n. 8.213/1991

taxativo. Adequação legal da relação jurídica familiar. Artigo 74 da

Lei n. 8.213/1991. Direito à pensão reconhecido. Recurso especial

conhecido e provido.

1. A questão recursal gira em torno do reconhecimento do

direito dos avós do segurado falecido receberem pensão por morte, nos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

324

termos dos artigos 16 e 74 da Lei n. 8.213/1991, em razão de terem

sido os responsáveis pela criação do neto, falecido em 11.11.2012,

ocupando verdadeiro papel de genitores.

2. O benefício pensão por morte está disciplinado nos artigos 74

a 79 da Lei de Benefícios, regulamentados pelos artigos 105 a 115 do

Decreto n. 3.048/1999. É devido exclusivamente aos dependentes do

segurado falecido, com o intuito de amenizar as necessidades sociais e

econômicas decorrentes do evento morte, no núcleo familiar.

3. O benefício pensão por morte é direcionado aos dependentes

do segurado, divididos em classes, elencados no artigo 16 da Lei n.

8.213/1991, rol considerado taxativo. A qualidade de dependente

é determinada pela previsão legal e também pela dependência

econômica, ora real, ora presumida. A segunda classe de dependentes

inclui apenas os pais.

4. No caso concreto, são incontroversos os fatos relativos ao

óbito, a qualidade de segurado, a condição dos avós do falecido similar

ao papel de genitores, pois o criaram desde seus dois anos de vida, em

decorrência do óbito dos pais naturais, e, a dependência econômica

dos avós em relação ao segurado falecido.

5. O fundamento adotado pelo Tribunal a quo de que a falta

de previsão legal de pensão aos avós não legitima o reconhecimento

do direito ao benefício previdenciário não deve prevalecer. Embora

os avós não estejam elencados no rol de dependentes, a criação do

segurado falecido foi dada por seus avós, ora recorrentes. Não se trata

de elastecer o rol legal, mas identifi car quem verdadeiramente ocupou

a condição de pais do segurado.

6. Direito à pensão por morte reconhecido.

7. Recurso especial conhecido e provido. Sentença restabelecida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas, o seguinte

resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao

recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 325

A Sra. Ministra Assusete Magalhães (Presidente), os Srs. Ministros

Francisco Falcão, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 8 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

DJe 14.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial

interposto por Marta Rosania Ferreira Santana e Cosme Dias de Santana

contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que lhes

negou o reconhecimento do direito à pensão por morte, nos termos da seguinte

ementa:

Processual Civil. Agravo legal (art. 557, § 1º, do CPC). Poderes do relator.

Ilegalidade ou abuso de poder não caracterizados.

1 - É dado ao relator, na busca pelo processo célere e racional, decidir

monocraticamente o recurso interposto, quer negando-lhe seguimento,

desde que em descompasso com “súmula ou com jurisprudência dominante

do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”,

quer lhe dando provimento, na hipótese de decisão contrária “à súmula ou com

jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal,

ou de Tribunal Superior” (art. 557, caput e § 1º-A, do CPC).

2 - O denominado agravo legal (art. 557, § 1º, do CPC) tem o propósito de

submeter ao órgão colegiado o controle da extensão dos poderes do relator e,

bem assim, a legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando,

afora essas circunstâncias, à rediscussão, em si, de matéria já decidida.

3 - Decisão que não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder,

estando seus fundamentos em consonância com a jurisprudência pertinente à

matéria devolvida a este E. Tribunal.

4 - Agravo improvido.

Em suas razões de recurso especial, sustentam os recorrentes que o Tribunal

a quo violou os artigos 16 e 74 da Lei n. 8.213/1991, ao negar-lhe pensão por

morte, porquanto, embora sejam avós do falecido segurado, efetivamente, foram

os responsáveis por sua criação, ocupando a qualidade de pais do de cujus.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

326

Sustentam, também, que o Tribunal a quo violou os artigos 2º e 3º do Estatuto

do Idoso, Lei n. 10.741/2003, pois não lhe conferiu a digna proteção social

com prioridade. Sustentam, ainda, divergência jurisprudencial entre o acórdão

recorrido e precedente do STJ, REsp 528.987/SP, em que reconhecido o direito

de os avós receberem pensão por morte, pois equiparados aos pais do segurado

falecido.

O prazo para apresentação de contrarrazões ao recurso especial decorreu

in albis.

Noticiam os autos que os ora recorrentes ajuizaram ação em face do

Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando pensão por morte.

A sentença julgou o pedido procedente.

O INSS interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo, por intermédio

do Desembargador Federal Relator, dado provimento ao apelo para julgar

improcedente o pedido, cassando a tutela antecipada concedida.

Contra essa decisão, os autores, ora recorrentes, interpuseram agravo

interno, ao qual foi negado provimento, nos termos da ementa supratranscrita.

Contra o acórdão foram opostos embargos de declaração, rejeitados pelo

Tribunal a quo.

Colheu-se o parecer do Ministério Público Federal, que foi no sentido do

provimento do recurso especial.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Inicialmente é

necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado

Administrativo 2/STJ: “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973

(relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os

requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações

dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”.

O recurso especial preenche os requisitos de admissibilidade, por isso deve

ser conhecido.

A questão recursal gira em torno do reconhecimento do direito de os avós

do segurado falecido, receberem pensão por morte, nos termos dos artigos 16 e

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 327

74 da Lei n. 8.213/1991, em razão de terem sido os responsáveis pela criação do

neto, falecido em 11.11.2012, ocupando verdadeiro papel de genitores.

O risco social morte está contido no artigo 201, I, da Constituição da

República, implica na necessidade social advinda da ausência de rendimentos do

segurado para manutenção da família previdenciária, composta pelo conjunto

de dependentes do segurado falecido. O inciso V do mesmo artigo estabelece o

direito à pensão por morte do segurado.

No caso de pensão por morte, é a lei em vigor na data do óbito que regula

o direito, consoante Súmula 340/STJ in verbis: a lei aplicável à concessão de

pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.

O benefício pensão por morte está disciplinado nos artigos 74 a 79 da

Lei de Benefícios, regulamentados pelos artigos 105 a 115 do Decreto n.

3.048/1999. É devido exclusivamente aos dependentes do segurado falecido,

com o intuito de amenizar as necessidades sociais e econômicas decorrentes do

evento morte, no núcleo familiar.

Os requisitos objetivos e subjetivos para concessão do benefício são, em

suma: 1º) a qualidade de segurado do falecido; 2º) o óbito ou a morte presumida

deste; 3º) a existência de dependentes que possam se habilitar como benefíciários

perante o INSS.

O benefício pensão por morte é direcionado aos dependentes do segurado,

elencados no artigo 16 da Lei n. 8.213/1991, que assim dispunha, na data do

óbito, in verbis:

Art. 16. São benefíciários do Regime Geral de Previdência Social, na condição

de dependente do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o fi lho não emancipado, de

qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha

defi ciência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz,

assim declarado judicialmente;

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e

um) anos ou inválido ou que tenha defi ciência intelectual ou mental que o torne

absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do

direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a fi lho mediante declaração

do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma

estabelecida no Regulamento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

328

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada,

mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º

do artigo 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e

a das demais deve ser comprovada.

O artigo 16 arrola os dependentes previdenciários, divididos em classes, rol

considerado taxativo. A qualidade de dependente é determinada pela previsão

legal e também pela dependência econômica, ora real, ora presumida. A segunda

classe de dependentes inclui apenas os genitores.

No caso concreto, há evidente particularidade, a despeito de não existir

dependente da primeira classe, fato que excluiria do direito às prestações àqueles

da segunda, os avós, ora recorrentes, efetivamente desempenharam o papel

substitutivo dos pais, compondo verdadeira unidade familiar, desde os dois anos

do segurado falecido.

Portanto, o reconhecimento dos avós como dependentes não implica, no

presente caso, em elastecer o rol de dependentes contido na lei, mas identifi car

quem são, ou melhor, quem foram as pessoas do núcleo familiar do segurado

que efetivamente desempenharam o papel de pais.

A Constituição da República de 1988 inseriu acentuadas transformações

no conceito de família, infl uenciadoras sobre o Código Civil de 2002 que

redimensiona as relações familiares no contexto do Estado Democrático de

Direito.

Dentre os princípios constitucionais do direito civil no âmbito familiar,

merece relevância e destaque o principio da afetividade, pelo qual o escopo

precípuo da família passa a ser a solidariedade social para a realização das

condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo

familiar pelo afeto.

Na lição de Gustavo Tepedino, qualquer norma jurídica em direito

de família exige a presença de fundamento de validade constitucional, com

base na combinação dos princípios constitucionais da isonomia dos fi lhos e

do pluralismo dos modelos familiares com o fundamento da República do

Brasil consistente na dignidade da pessoa humana. E, assinala o jurista que

na busca da unidade do ordenamento jurídico, é preciso se deslocar do ponto

de referência antes localizado no Código Civil, para a tábua axiológica da

Constituição da República. (Gustavo Tepedino in Premissas metodológicas

para a constitucionalização do direito civil, página 13)

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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 235-330, janeiro/março 2017 329

Tradicionalmente, no âmbito do direito de família, as relações jurídicas se

classifi cam em: 1) relações conjugais, as quais alcançam a relação de convivência/

companheirismo; 2) relações de parentesco, relativas à fi liação; 3) relações de

afi nidade. Tal classifi cação distingue as diversas relações familiares, seus efeitos

jurídicos e o grau de intensidade da solidariedade familiar, para fi ns de prestação

de alimentos.

Em relação ao grau de parentesco, merece destaque sua contagem em linha

reta, considerando a relação de ascendência e descendência entre os parentes,

não existindo limite na relação de ascendentes e descendentes, computando-se

apenas o número de gerações. Logo, pai e fi lho são parentes na linha reta em

primeiro grau; avô e neto são parentes na linha reta em segundo grau.

O parentesco vincula as pessoas entre si, quando descendem umas das

outras, por vínculos de sangue ou por adoção, ou aproxima cada um dos cônjuges

ou conviventes dos parentes do outro pelos vínculos de afi nidade.

Seja qual for a relação jurídica estabelecida, é na família que se encontra o

solo adequado para fi rmar raízes, estabelecer o desenvolvimento pessoal, permitir

vínculos de afeto, solidariedade, união, respeito, confi ança, amor, integridade

física, psíquica, emocional e espiritual, preparando cidadãos conscientes de seu

verdadeiro papel na sociedade.

No caso concreto, são incontroversos os fatos relativos ao óbito, a qualidade

de segurado, a condição dos avós do falecido similar ao papel de genitores,

pois o criaram desde seus dois anos de vida, em decorrência do óbito dos pais

naturais, e, a dependência econômica dos avós em relação ao segurado falecido.

O fundamento adotado pelo Tribunal a quo de que a falta de previsão

legal de pensão aos avós não legitima o reconhecimento do direito ao benefício

previdenciário não pode prevalecer, no meu modo de sentir.

Embora a relação de parentesco de avós e neto não esteja inclusa no

rol de dependentes, no caso, os requerentes ocuparam no núcleo familiar

previdenciário a qualidade de pais, em decorrência da ausência deles.

Prescreve o artigo 1.696 do Código Civil ser recíproco o direito a alimentos

entre pais e fi lhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos

mais próximos em grau, uns em falta de outros. Assim, os avós devem alimentos

aos netos no jus sanguinis, devendo os parentes alimentos entre si, sendo que os

parentes mais próximos afastam os mais distantes, para esse fi m.

Acredito que o Poder Judiciário, em observância à garantia contida no

artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, não pode deixar de apreciar os

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

330

valores de família, para serem aplicados ao caso concreto. Seria negar a realidade

e constranger pessoas integrantes da relação jurídica parental, negando-lhes

direitos sociais em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana.

O STJ registra precedente acerca do tema. Refi ro-me ao REsp 528.987/

SP, de Relatoria da Ministra Laurita Vaz, em que a Quinta Turma garantiu a

pensão aos avós, reconhecendo a impossibilidade de exigência da adequação

legal da relação em detrimento à real situação fática que existia em que a criação

do segurado pelo avô, desde o nascimento, acrescida da morte precoce de seus

pais, demonstrava que o segurado tinha para com o avô, na verdade, uma relação

fi lial, embora sanguínea e legalmente fosse neto.

Confi ra-se:

Previdenciário. Pensão por morte. Avô. Óbito do neto. Situação especialíssima

dos autos. Neto que fora criado como se fi lho fosse em decorrência da morte de

seus pais. Possibilidade.

1. A teor do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, o avô não é elencado no rol dos

dependentes do segurado, razão pela qual, a princípio não faria jus à pensão

gerada pelo óbito do neto em cuja companhia vivia.

2. Presença, nos autos, de hipótese singular, em que a criação do segurado pelo

avô, desde o nascimento, acrescida da morte precoce de seus pais, demonstram

que o segurado tinha para com o Autor, na verdade, uma relação fi lial, embora

sangüínea e legalmente fosse neto.

3. Impossibilidade de exigência da adequação legal da relação que existia à

real situação fática, uma vez que é vedada a adoção do neto pelo avô, a teor do

disposto no art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

4. Direito à pensão por morte reconhecido.

5. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 528.987/SP, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe 9.12.2003)

A busca da realização efetiva da Justiça legitima o reconhecimento do

direito dos ora recorrentes à pensão por morte em razão de terem exercido o

papel cuidadoso de pais do segurado falecido. A pensão por morte suprirá por

intermédio das prestações previdenciárias a necessidade de alimentos vivenciada

na família, considerando, ainda, que os recorrentes são idosos.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, para

restabelecer a sentença.

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Segunda Seção

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AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO

EM RECURSO ESPECIAL N. 731.774-RS (2015/0150035-2)

Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira

Agravante: Industria de Couros Condor Ltda - ME

Advogados: Arno Arnoldo Keller - RS006004

Lair Pereira Martins - RS031269

João Paulo de Andrade Dias e outro(s) - RS060577

Agravado: Elemar Zictor Fenske

Agravado: Leomar Fenske

Advogados: Luiz Paulo Jorge Gomes - SP188761

Th iago Boscoli Ferreira - SP230421

Camila de Freitas Nasser e outro(s) - PR060753

Jeberson Leandro Ferreira - PR071406

Fernando Assef Sapia e outro(s) - SP304160

Marcia Christina Menegassi Galli e outro(s) - SP296626

EMENTA

Processual Civil. Agravo interno nos embargos de divergência

em agravo em recurso especial. Acórdão embargado publicado na

vigência do CPC/2015. Não cabimento. Ausência de enfrentamento

do mérito do recurso especial. Óbice da Súmula 315/STJ. Decisão

mantida.

1. Segundo a jurisprudência da Corte Especial, “inadmitido o

recurso especial na origem e desprovidos o agravo de instrumento

(atual agravo em REsp) e o respectivo agravo regimental nesta Corte,

mesmo que adotada fundamentação que passe pelo exame do mérito

do apelo extremo, descabe a interposição de embargos de divergência,

incidindo a vedação contida no Enunciado n. 315 da Súmula/STJ”

(EAg n. 1.186.352/DF, Rel. originário Ministro Teori Albino Zavaschi,

Rel. para acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe de 10.5.2012).

2. O atual Código de Processo Civil e o RISTJ, com a redação da

Emenda Regimental n. 22/2016 (arts. 1.043 e 266, respectivamente),

também impõem que o aresto embargado tenha sido proferido “em

recurso especial”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

334

3. No caso concreto, o recurso especial não foi admitido na origem

com fundamento nas Súmula n. 7, 83 e 211 do STJ e 283 do STF, e

este Tribunal Superior não conheceu do agravo em recurso especial e

desproveu o correspondente agravo regimental, invocando, também,

os referidos enunciados. Logo, a matéria de mérito sobre a qual

recairia o suposto dissenso jurisprudencial não foi sequer apreciada,

circunstância que afasta o cabimento dos presentes embargos de

divergência, destinados a impugnar acórdãos proferidos “em recurso

especial”.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas

Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luis Felipe

Salomão e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Raul

Araújo.

Brasília (DF), 9 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator

DJe 16.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de agravo interno (e-STJ

fl s. 1.258/1.271) interposto contra a decisão que indeferiu liminarmente os

embargos de divergência.

A agravante sustenta a inaplicabilidade da Súmula n. 315/STJ diante do

novo regramento dos embargos de divergência trazido pelo CPC/2015.

Destaca que (e-STJ fl . 1.261):

(...) os presentes Embargos de Divergência merecem o devido trânsito por

autorização expressa do art. 1.043, III, do Código de Processo Civil, uma vez que

o acórdão paradigma é de mérito, e a decisão recorrida (ou embargada), embora

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 335

não tenha conhecido o recurso, analisou a controvérsia, como demonstrado nas

razões daquele recurso (Embargos de Divergência), adiante demonstrado.

Inobstante isso, o precedente insculpido na Súmula 315, encontra

incompatibilidade, senão até contraria as novas disposições da legislação

processual, regulamentadoras da matéria (...)

Afi rma, portanto, ser despiciendo o exame do mérito do recurso especial

para fi ns de admissibilidade dos embargos de divergência.

Requer, assim, a reconsideração da decisão singular, ou sua apreciação pelo

Colegiado.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): O recurso não merece

ser acolhido.

A agravante não trouxe nenhum argumento capaz de afastar os termos

da decisão agravada, razão pela qual deve ser mantida por seus próprios

fundamentos (e-STJ fl s. 1.252/1.254):

Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão da 3ª Turma

deste Tribunal Superior, assim ementado (e-STJ fl . 1.148):

Processual Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial.

Matéria constitucional. Apreciação. Inviabilidade. Ausência de impugnação

específi ca aos fundamentos da decisão denegatória de admissibilidade de

recurso especial. Descumprimento dos requisitos preconizados pelo art.

544, § 4º, I, do CPC. Agravo regimental não provido.

1. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça apreciar, na via especial,

suposta violação de matéria constitucional, sob pena de usurpação da

competência do Supremo Tribunal Federal.

2. O agravo em recurso especial não se mostrou viável por ter sido

apresentado em desacordo com os requisitos preconizados pelo art. 544, §

4º, I, do CPC, já que não foram impugnados os fundamentos da respectiva

inadmissibilidade (os óbices de incidência das Súmulas n. 7, 83 e 211, todas

do STJ e 283 do STF, ausência de obscuridade/contradição/omissão).

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 731.774/RS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma,

julgado em 22.9.2015, DJe 6.10.2015.)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

336

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ fl s. 1.169/1.175,

1.185/1.193 e 1.210/1.220), tendo sido aplicada multa nos terceiros aclaratórios.

Sustenta a embargante, em resumo (e-STJ fl . 1.230):

Neste sentido, a Embargante destaca que, ao contrário do que foi

decidido no caso concreto, outros julgados desse E. STJ reconhecem o

principio da actio nata, consagrado no art. 189 do Código Civil, que fi xa

como dies a quo para a contagem do prazo prescricional a data em que

nasce o direito subjetivo de ação por violação de direito, independente da

efetiva ciência da vitima, o que é reconhecido no Acórdão paradigma AgRg

no Recurso Especial n. 1.324.764-PB (2012/0105666-0) da Quarta Turma,

que segue acostado na integra, extraído da mídia eletrônica do Superior

Tribunal de Justiça, com Certidão de Julgamento anexo, em que foi Relator

o Ministro Luis Felipe Salomão.

Requer, desse modo, o provimento dos embargos para que seja reconhecido

como termo a quo da contagem do prazo prescricional a data do laudo técnico

contábil.

É o relatório.

Decido.

De plano, constata-se que o mérito do recurso especial não foi enfrentado em

nenhum momento pela egrégia 3ª Turma, o que impede o prosseguimento dos

embargos.

Com efeito, o acórdão embargado limitou-se a manter o decisum monocrático

que, com fundamento no art. 544, § 4º, I do CPC/1973, não conheceu do agravo

em recurso especial, sem examinar as questões meritórias suscitadas naquele

inconformismo.

No ponto, é relevante esclarecer que os embargos de divergência se prestam

à uniformização de teses jurídicas divergentes no âmbito dos órgãos colegiados

desta Corte Superior, o que não se verifi cou no caso.

Incide, assim, por analogia, a Súmula n. 315 do STJ, que dispõe:

Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de

instrumento que não admite recurso especial.

Nesse mesmo sentido, veja-se:

Processual Civil. Agravo regimental. Embargos de divergência em

agravo. Pretensão de rediscussão de regra de admissibilidade do recurso

especial. Não cabimento. Súmula 315 do STJ.

1. Súmula 315 do STJ: “Não cabem embargos de divergência no âmbito

do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 337

2. No caso, o agravo em recurso especial não foi conhecido em razão

da ausência de impugnação específi ca dos fundamentos da decisão que

inadmitiu, na origem, o recurso especial, conforme disposto no art. 544, §

4º, I, do CPC, razão pela qual, não tendo sido apreciado o mérito do recurso

especial, é certa a incidência da Súmula 315 do STJ.

3. Ademais, não se desincumbiu a recorrente de demonstrar a alegada

divergência nos moldes exigidos pelo art. 266 do RISTJ, limitando-se

a, no bojo das razões do recurso especial, elencar precedentes acerca

das alegações ali contidas, não fazendo alusão, contudo, ao acórdão ora

embargado.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EAREsp 646.827/SC, Relator Ministro Luis Felipe Salomão,

Corte Especial, julgado em 4.5.2016, DJe 20.5.2016.)

Agravo regimental no embargos de divergência. Ação de indenização.

Seguro DPVAT. Aplicação da Súmula 246/STJ. Acórdão embargado não

conhecido. Tese jurídica não debatida.

1. Inviáveis os embargos que defendem tese não analisada no acórdão

embargado, porquanto não há divergência sobre a interpretação do direito

federal a ser confrontada e unifi cada.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg nos EREsp n. 1.392.511/DF, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti,

Segunda Seção, julgado em 10.6.2015, DJe 15.6.2015.)

Assim, com fundamento no art. 266-C do RISTJ, indefiro liminarmente os

embargos, por não estar confi gurada a divergência.

No presente caso, o recurso especial da ora embargante não foi admitido na

origem com base nas Súmulas n. 7, 83 e 211 do STJ e 283 do STF (e-STJ fl s.

1.021/1.033).

Interposto agravo em recurso especial (e-STJ fl s. 1.036/1.060), não foi

conhecido por aplicação do art. 544, § 4º, I, do CPC, pois a recorrente deixou de

atacar os fundamentos da decisão que não admitiu o recurso especial (e-STJ fl s.

1.108/1.109).

O agravo regimental que se seguiu foi desprovido pela Quarta Turma

(e-STJ fl s. 1.148/1.153). Consequentemente, foi mantida a inadmissibilidade

do recurso especial.

Em tais circunstâncias, revelam-se incabíveis os presentes embargos de

divergência, incidindo a vedação da Súmula n. 315 do STJ, com o seguinte teor:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

338

Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento

que não admite recurso especial.

Muitos são os precedentes dessa Corte Superior, inclusive da Corte Especial,

adotando o mesmo entendimento:

Processual Civil. Agravo interno. Embargos de divergência em agravo.

Pretensão de rediscussão de regra de admissibilidade do recurso especial. Não

cabimento. Súmula 315 do STJ.

1. Súmula 315 do STJ: “Não cabem embargos de divergência no âmbito do

agravo de instrumento que não admite recurso especial”.

2. No caso, o agravo em recurso especial não foi conhecido em razão da

ausência de impugnação específi ca dos fundamentos da decisão que inadmitiu,

na origem, o recurso especial, conforme disposto no art. 544, § 4º, I, do CPC,

razão pela qual, não tendo sido apreciado o mérito do recurso especial, é certa a

incidência da Súmula 315 do STJ.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt nos EAREsp n. 784.979/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte

Especial, julgado em 5.10.2016, DJe 21.10.2016.)

Agravo interno nos embargos de divergência. Agravo em recurso especial.

Ausência de enfrentamento do mérito do recurso especial. Manifesta

inadmissibilidade dos embargos de divergência. Incidência da Súmula n. 315 do

STJ. Embargos liminarmente indeferidos. Agravo interno desprovido.

1. O acórdão embargado foi no sentido de desprover o agravo regimental,

mantendo a decisão do Relator que negou provimento ao agravo em recurso

especial, em razão da ausência de prequestionamento e da aplicação das Súmulas

n. 284 do STF e 7 do STJ.

2. Incidência da Súmula n. 315/STJ: “Não cabem embargos de divergência no

âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial”.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt nos EAREsp n. 635.823/TO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial,

julgado em 17.8.2016, DJe 19.9.2016.)

Processual Civil. Agravo regimental nos embargos de divergência em agravo

em recurso especial. Ausência de enfrentamento do mérito do recurso especial.

Óbice da Súmula 315/STJ.

1. Sedimentaram-se entendimentos, no âmbito desta Colenda Corte Superior,

no sentido de obstar o conhecimento dos embargos de divergência quando se

nega provimento a agravo, pois a decisão está apenas confi rmando a já prolatada

pela instância de origem, isto é, a decisão que inadmitiu o recurso especial.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 339

2. “A teor da Súmula n. 315 do Superior Tribunal de Justiça, ‘não cabem

embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite

recurso especial’. Esse entendimento, na linha do que decidiu a Corte Especial no

EAg n. 1.186.352, DF, só pode ser mitigado na hipótese em que se conhece do

agravo para dar provimento ao próprio recurso especial, o que não ocorreu na

espécie” (AgRg nos EAREsp 275.432/PE, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler,

DJe de 14.8.2013).

3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg nos EAREsp n. 193.071/

SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, DJe de 14.4.2016).

Agravo regimental. Embargos de divergência em agravo em recurso especial.

Recurso não admitido por incidência da Súmula 315 do Superior Tribunal de

Justiça. Não cabimento dos embargos de divergência.

1. Nos termos da jurisprudência reiterada desta Corte Superior, não se conhece

dos embargos de divergência quando se nega provimento a agravo, pois a

decisão está apenas confi rmando a já prolatada pela instância de origem, isto é, a

decisão que inadmitiu o recurso especial.

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg nos EAREsp n. 585.779/

MS, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, DJe de 21.3.2016).

Com efeito, os embargos de divergência se destinam, tão somente, a

uniformizar a orientação jurisprudencial interna deste Tribunal Superior,

não para corrigir eventuais erros de julgamento, podendo ser interpostos

exclusivamente contra acórdãos que enfrentam o mérito do próprio recurso

especial. Restritas, portanto, as hipóteses de seu cabimento, conforme preconiza

a lei processual, o RISTJ e a orientação da Corte Especial.

A respeito da aplicação do mencionado verbete sumular mesmo aos

embargos de divergência opostos na vigência do CPC/2015, como é o caso

deste recurso, assim me manifestei no julgamento do EAREsp n. 750.657/RJ:

Tal orientação decorre da aplicação dos arts. 546 do CPC/1973 e 266 do RISTJ,

segundo os quais os embargos de divergência são cabíveis contra acórdãos

proferidos “em recurso especial”. Destaco que, mesmo no atual Código de Processo

Civil, de 2015, e no RISTJ com a redação da Emenda Regimental n. 22/2016, os arts.

1.043 e 266, respectivamente, também impõem que o aresto embargado tenha sido

proferido “em recurso especial”.

Destaque-se, que, conforme o texto do art. 1.043, III, do CPC/2015, é

embargável o aresto de órgão fracionário que, em recurso especial, divergir do

posicionamento de qualquer outro órgão do STJ, sendo um acórdão de mérito e

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

340

outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia,

requisitos que não se verifi caram no caso.

Nesse mesmo sentido:

Agravo interno nos embargos de divergência em agravo em recurso especial.

Recurso não admitido. Óbice da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. Não

cabimento dos embargos de divergência.

1. Não é certo entender pelo cancelamento tácito das Súmulas 315 e 316

desta Colenda Corte, em razão da previsão do art. 1.043, III, do novo CPC. Não há

incompatibilidade entre a prescrição legal e o entendimento sumular. Isso porque

somente se deve conhecer da divergência entre acórdão que apreciou o mérito e

outro que não conheceu do recurso, quando ambos, ao menos, tenham apreciado a

questão objeto da divergência.

2. No presente caso, aplicou-se o óbice da Súmula 7 do STJ para toda a matéria

objeto do recurso, não tendo sido apreciado, como afirma o embargante, o

mérito da questão objeto da divergência. Como se pode observar, repita-se, o

acórdão embargado entendeu pela impossibilidade de revisitar o quadro fático-

probatório, ante os limites da orientação fi xada pela Súmula 7/STJ.

3. Nesse sentido, não são cabíveis embargos de divergência.

Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt nos EAREsp 641.762/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial,

julgado em 5.10.2016, DJe 21.10.2016.)

Portanto, não procedem as alegações deste agravo, incapazes de alterar a

conclusão da decisão impugnada.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.551.956-SP (2015/0216171-0)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Gafi sa S/A

Advogados: Renato Napolitano Neto e outro(s)

Humberto Gordilho dos Santos Neto e outro(s)

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 341

Daniel Russo Checchinato e outro(s)

Recorrido: Imara Assaf Andere

Advogado: Fernando Cesar Hannel e outro(s)

Interes.: Associacao Brasileira de Incorporadoras Imobiliarias -

ABRAINC - “Amicus Curiae”

Advogados: Flávio Luiz Yarshell e outro(s)

Elizandra Mendes de Camargo da Ana

Interes.: Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae”

Interes.: União - “Amicus Curiae”

Interes.: Conselho Federal de Corretores de Imóveis - COFECI - “Amicus

Curiae”

Advogado: Marli Aparecida Sampaio

Interes.: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - “Amicus Curiae”

Advogado: Andrea Lazzarini Salazar e outro(s)

Advogados: Mariana Ferreira Alves

Cláudia de Moraes Pontes Almeida e outro(s)

Interes.: Instituto Potiguar de Defesa dos Consumidores - IPDCON -

“Amicus Curiae”

Advogados: Islaynne Grayce de Oliveira Barreto

Everton Medeiros Dantas

Interes.: Sindicato da Industria da Construcao Civil do Estado do Rio

Grande do Norte - “Amicus Curiae”

Advogados: Frederico Araújo Seabra de Moura e outro(s)

Gabrielle Trindade Moreira de Azevedo

Interes.: Sindicato das Empresas de Compra Venda Locação e

Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São

Paulo - “Amicus Curiae”

Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s)

Interes.: Associação Cidade Verde - ACV - “Amicus Curiae”

Advogado: Gabriel de Moraes Correia Tomasete

Interes.: Camara Brasileira da Industria da Construcao - “Amicus Curiae”

Advogado: Maria Luisa Barbosa Pestana Guimarães e outro(s)

Interes.: Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande

Florianópolis - SINDUSCON - FPOLIS - “Amicus Curiae”

Advogado: Diogo Bonelli Paulo e outro(s)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

342

EMENTA

Recurso especial repetitivo. Direito Civil e do Consumidor.

Incorporação imobiliária. Venda de unidades autônomas em estande

de vendas. Corretagem. Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária

(SATI). Cláusula de transferência da obrigação ao consumidor.

Prescrição trienal da pretensão. Enriquecimento sem causa.

1. Tese para os fi ns do Art. 1.040 do CPC/2015:

1.1. Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição

dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de

assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206,

§ 3º, IV, CC).

1.2. Aplicação do precedente da Segunda Seção no julgamento do

Recurso Especial n. 1.360.969/RS, concluído na sessão de 10.8.2016,

versando acerca de situação análoga.

2. Caso Concreto:

2.1. Reconhecimento do implemento da prescrição trienal, tendo

sido a demanda proposta mais de três anos depois da celebração do

contrato.

2.2. Prejudicadas as demais alegações constantes do recurso

especial.

3. Recurso Especial Provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide

a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, no

caso concreto, dar provimento ao recurso especial para decretar a extinção do

processo, com resolução do mérito, em face do reconhecimento do implemento

da prescrição trienal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Para os efeitos do artigo 1.040 do NCPC foi fixada a seguinte tese:

“Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores

pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-

imobiliária (SATI), ou atividade congênere (artigo 206, § 3º, IV, CC)”. Os Srs.

Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 343

Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de

Noronha e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentaram oralmente o Dr. Carlos Mário da Silva Velloso Filho, pela

Recorrente Gafi sa S/A, e o Dr. Fernando Cesar Hannel, pela Recorrida Imara

Assaf Andere.

Brasília (DF), 24 de agosto de 2016 (data de julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 6.9.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial

interposto por GAFISA S/A em face de acórdão do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, assim ementado:

Compromisso de venda e compra de bem imóvel. Ação de indenização por

danos materiais.

1.- Corretagem e taxa de “serviços de assessoria técnico-imobiliária” (SATI).

Prescrição, quanto ao pedido de devolução dos valores, inocorrente. Decurso do

prazo de 05 (cinco) anos não operado entre o pagamento e a restituição das taxas.

Incidência do disposto no art. 206, par. 5º, inc. I, do Código Civil.

2.- Cobrança da verba de corretagem e Taxa Sati. Inadmissibilidade.

Profi ssionais, na espécie, que se ocuparam da intermediação do negócio em

benefício exclusivo da empreendedora. Não identifi cação, ainda, da natureza

pessoal exigível para a cobrança intentada. Autora, na hipótese, que desconhecia

as condições técnicas dos profissionais responsáveis pelos esclarecimentos

prestados. Pagamento das verbas, portanto, de atribuição da compromissária-

vendedora. Precedentes.

3.- Taxa de cartório. Cobrança dos valores. Possibilidade. Matéria reservada

à liberdade contratual. Montante, ademais, de pequena expressão econômica

quando comparado ao valor da transação. Sentença em parte reformada. Apelo

parcialmente provido. (fl . 158)

Em suas razões, a recorrente alega violação dos arts. 206, § 3º, inciso IV, 427

e 724 do Código Civil, além de divergência jurisprudencial, sob os argumentos

de: (a) prescrição trienal; (b) existência de cláusula expressa atribuindo ao

comprador o encargo da comissão de corretagem; (c) “praxe comercial na venda

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

344

de imóveis novos”; (d) livre pactuação das cobranças de comissão de corretagem e

de assessoria imobiliária (SATI).

Contrarrazões às fl s. 237/239.

O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem como

representativo da controvérsia.

Tendo em vista a multiplicidade de recursos identifi cados pelo Tribunal

de origem com fundamento em idêntica controvérsia, determinei a afetação

do presente recurso à Segunda Seção, para, nos termos do art. 543-C do Código

de Processo Civil, uniformizar do entendimento sobre as seguintes questões

jurídicas:

(i) prescrição da pretensão de restituição das parcelas pagas a título de comissão

de corretagem e de assessoria imobiliária, sob o fundamento da abusividade da

transferência desses encargos ao consumidor;

(ii) validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de

pagar comissão de corretagem e taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI).

Habilitaram-se como amici curiae nos presentes autos, em favor das

incorporadoras: a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC,

o Sindicato da Industria da Construção Civil do Estado do Rio Grande do Norte

- SINDUSCON/RN, a Câmara Brasileira da Industria da Construção - CBIC,

e o Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis -

SINDUSCON - FPOLIS.

Em favor dos corretores e imobiliárias: o Sindicato das Empresas de Compra

Venda Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo -

SECOVI/SP e o Conselho Federal de Corretores de Imóveis - COFECI.

Em favor dos consumidores: a Defensoria Pública da União - DPU, a União

- Ministério das Cidades, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC,

o Instituto Potiguar de Defesa dos Consumidores - IPDCON e a Associação Cidade

Verde - ACV.

O Ministério Público Federal ofereceu parecer sintetizado nos termos da

seguinte ementa:

- Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos, nos termos

do art. 543-C, do CPC (correspondente ao art. 1.036, do NCPC), e da Resolução STJ

n. 8/2008, que aponta violação aos arts. 206, inciso IV, § 3º, 427 e 724, todos do

CC/2002, além de dissídio jurisprudencial.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 345

- Teses sugeridas para os efeitos do art. 543-C, do CPC (correspondente ao art.

1.036, do NCPC):

(i) ausente disposição específi ca do prazo prescricional da ação em que se

discute o pagamento indevido da comissão de corretagem e da taxa SATI tanto

no CDC quanto no CC/2002, deve-se aplicar o prazo geral decenal, previsto no art.

205, do CC/2002;

(ii) é nula, porque manifestamente abusiva, a cláusula prevista em contrato

de compromisso de compra e venda de imóvel que transfere ao promitente

comprador a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem e da

taxa SATI, e, bem assim, é nulo eventual contrato de adesão, acessório àquele, que

atribua ao consumidor a obrigação de arcar com tais pagamentos.

- Acerca do caso concreto, verifi ca-se que o recurso especial, no tocante à

divergência jurisprudencial, não cumpriu as exigências previstas no art. 541,

parágrafo único, do CPC (correspondente ao art. 1.029, § 1º, do NCPC), e no art.

255, § 2º, do RISTJ.

- No mérito, tem-se que a ação em que se busca a restituição de valor cobrado

indevidamente do consumidor a título de comissão de corretagem e taxa SATI

sujeita-se ao prazo prescricional comum do art. 205, do CC/2002, a contar da

data do desembolso, razão pela qual a pretensão da Recorrida não se encontra

prescrita.

- Ademais, ainda que estipulado no instrumento de compra e venda

do imóvel que o pagamento da comissão de corretagem e da taxa SATI é de

responsabilidade da promitente compradora, a cláusula que assim dispõe revela-

se manifestamente abusiva, portanto, nula de pleno direito, nos termos do art. 51,

incisos I e IV, do CDC.

- Parecer pelo conhecimento parcial do presente recurso especial, e, na parte

suscetível de conhecimento, no mérito, pelo seu não provimento. (fl s. 2.303 s.)

O Ministério Público do Estado de São Paulo requereu (fl s. 2.137/2.207)

intervenção no procedimento recursal, na qualidade de amicus curiae.

O requerimento foi indeferido (fl. 2.600), com base no princípio da

unidade do Ministério Público, suscitado pelo parquet federal à fl . 2.596.

Houve embargos de declaração (fls. 3.079/3.091), que se encontram

pendentes de julgamento.

No dia 9.5.2016, foi realizada audiência pública sobre o tema da presente

afetação, tendo comparecido quatorze (14) oradores, além do Ministério Público

Federal, que expuseram seus posicionamentos, conforme registrado no apenso n.

2 destes autos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

346

O Ministério Público Federal, em alegações fi nais, reiterou as conclusões do

parecer de fl s. 2.303 ss.

Paralelamente a este recurso, foram afetados conjuntamente ao rito dos

recursos especiais repetitivos os seguinte recursos especiais representativos da

controvérsia: 1.599.510/SP, 1.599.511/SP, 1.599.618/SC e 1.602.800/DF.

Relativamente ao tema da presente afetação, foram juntados aos autos

pareceres de diversos doutrinadores.

Em favor da tese sustentada pelas incorporadoras: Araken de Assis (fl s.

2.561/2.594), Ada Pellegrini Grinover (fl s. 2.967/3.011), Humberto Th eodoro

Jr. (fl s. 3.012/3.059), Gustavo H. B. Franco (fl s. 3.060/3.067), Cláudia Lima

Marques e Bruno N. B. Miragem (fl s. 1.796/1.836, do REsp 1.551.951/SP).

Em favor da tese sustentada pelos consumidores: Judith Martins-Costa e

Gustavo Haical (fl s. 1.447/1.516, do REsp 1.551.951/SP).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes colegas,

trago a julgamento pelo rito dos recursos especiais repetitivos questão de

extrema relevância jurídica, social e econômica, que tem sido objeto de milhares

de demandas no Poder Judiciário brasileiro.

Inicio analisando uma questão preliminar que é a insurgência do Ministério

Público do Estado de São Paulo contra o indeferimento da intervenção como

amicus curiae.

A questão da recorribilidade da decisão que indefere pedido de intervenção

na qualidade de amicus curiae encontra-se pendente de julgamento pelo plenário

do Supremo Tribunal Federal no curso da ADI 3.396/DF, Rel. Min. Celso de

Melo.

Porém, não é o caso de se aguardar o julgamento daquele recurso, pois

a questão do recurso do amicus curiae será decidida incidenter tantum, não se

tratando do mérito da ADI.

Desse modo, impõe-se fi rmar um posicionamento nesta sessão.

Por ora, proponho não se admitir recurso da decisão que indefere

requerimento de intervenção como amicus curiae, na linha de julgado anterior da

Corte Suprema, abaixo transcrito:

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 347

Constitucional e Processual Civil. Amicus curiae. Pedido de habilitação não

apreciado antes do julgamento. Ausência de nulidade no acórdão recorrido.

Natureza instrutória da participação de amicus curiae, cuja eventual dispensa não

acarreta prejuízo ao postulante, nem lhe dá direito a recurso.

1. O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum

interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado

do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifi ca, não

como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar

subsídios que possam contribuir para a qualifi cação da decisão a ser tomada pelo

Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício

da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo

processual do interessado. 2. A participação do amicus curiae em ações diretas de

inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal possui, nos termos da disciplina

legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser

deferida segundo juízo do Relator. A decisão que recusa pedido de habilitação

de amicus curiae não compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta

qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente, circunstância por

si só sufi ciente para justifi car a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimidade

recursal ao preterido. 3. Embargos de declaração não conhecidos. (ADI 3.460 ED,

Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 12.3.2015)

Acrescente-se que, no caso dos autos, houve ampla participação

da sociedade, mediante a realização de audiência pública e a admissão de

manifestações escritas, inclusive do Ministério Público do Estado de São Paulo, de

modo que o indeferimento da intervenção não compromete a legitimidade do

julgado a ser proferido por esta Corte Superior.

Destarte, voto no sentido de não conhecer dos embargos de declaração

opostos pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.

Na sequência, passo à análise das teses afetadas.

1 - Teses:

As duas questões afetadas ao rito do art. 543-C do Código de Processo

Civil (atuais arts. 1.036 ss. do CPC/2015) são abaixo transcritas:

(i) prescrição da pretensão de restituição das parcelas pagas a título de comissão

de corretagem e de assessoria imobiliária, sob o fundamento da abusividade da

transferência desses encargos ao consumidor;

(ii) validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação

de pagar comissão de corretagem e taxa de serviço de assessoria técnico-imobiliária

(SATI).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

348

Por se tratar de questão prejudicial, inicio a análise do presente recurso

especial pela defi nição do prazo prescricional aplicável à espécie.

1.1. Prazo de prescrição:

O acórdão recorrido entendeu que o prazo prescricional aplicável seria

o quinquenal (5 anos), previsto no art. 206, § 5º, I, do CC, não se tendo

implementado entre a data do pagamento e o momento da propositura da

presente demanda.

A afi rmação da incidência da prescrição quinquenal funda-se no fato

de a comissão de corretagem possuir valor líquido, previsto em instrumento

particular, conforme previsto no art. 206, § 5º, inciso I, abaixo transcrito:

Art. 206. Prescreve.

.........................................................

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento

público ou particular;

..........................................................

Essa hipótese de prescrição deve ser descartada de plano por não se

tratar de uma pretensão de cobrança de comissão de corretagem ou do serviço

de assessoria técnico-imobiliário (SATI), mas de uma pretensão restitutória

relativa a um pagamento alegadamente indevido.

A parte demandante, ora recorrida, entende que o prazo prescricional

aplicável é o decenal (10 anos), estabelecido pelo art. 205 do CC como prazo

geral para as ações pessoais por inexistir norma específi ca a regular a presente

situação.

As empresas recorrentes sustentam a incidência da prescrição trienal

(3 anos), prevista no art. 206, § 3º, inciso IV, do CC, pois a pretensão dos

consumidores estaria fundada, em última análise, na alegação da ocorrência

de enriquecimento sem causa ou de pagamento indevido, sendo o seguinte o

enunciado normativo:

Art. 206. Prescreve.

.........................................................

§ 3º. Em três anos:

.........................................................

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RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 349

IV - a pretensão de ressarcimento do enriquecimento sem causa;

.........................................................

Deve-se, assim, estabelecer qual o prazo aplicável, constituindo questão

bastante controvertida na doutrina e na jurisprudência desta Corte.

Esta Segunda Seção debateu profundamente essa questão no julgamento

do Recurso Especial n. 1.360.969/RS (sessão de 10.8.2016, acórdão pendente

de publicação) discutindo o prazo prescricional incidente sobre a pretensão de

repetição do indébito formulada por consumidor contra empresas de planos de

saúde, alegando-se a abusividade de cláusulas contratuais relativas ao reajuste de

mensalidades.

Após longo e profícuo debate, concluído na sessão de 10 de agosto de

2016, prevaleceu o entendimento da maioria deste colegiado no sentido de ser

hipótese de prescrição trienal (3 anos), aplicando-se a regra especial do art. 206,

§ 3º, inciso IV, do CC, relativa a pretensão de ressarcimento do enriquecimento

sem causa.

Embora tenha restado vencido, posicionando-me no sentido da aplicação

do prazo geral de prescrição para as ações pessoais (10 anos), peço vênia para

aderir a posição da maioria de molde a pacifi car a questão no âmbito da Seção

de Direito Privado.

Com efeito, apesar de as duas posições (prescrição trienal ou decenal)

serem bastante razoáveis, o voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze conseguiu

explicitar os motivos pelos quais a melhor solução é efetivamente a aplicação da

prescrição trienal relativa a pretensão de ressarcimento do enriquecimento sem

causa.

Tomo a liberdade de transcrever parte do seu voto proferido na sessão

de julgamento, ressaltando que o acórdão ainda está pendente de publicação,

verbis:

2. Qual o sentido do termo causa contido no instituto do enriquecimento sem

causa?

Outro ponto que chama a atenção, o qual volta e meia exsurge para a nossa

apreciação, e, por esse motivo, está a merecer uma melhor refl exão, é a discussão

a respeito do enriquecimento sem causa, ora apresentado como princípio

(norteador inclusive do exame da efi cácia nos casos de anulação do negócio

jurídico e da resolução dos contratos) ora como instituto jurídico (art. 884 e ss. do

Código Civil de 2002).

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350

A doutrina moderna aponta pelo menos três teorias para explicar o

enriquecimento sem causa: a) a teoria unitária da deslocação patrimonial; b) a

teoria da ilicitude; e, c) a teoria da divisão do instituto.

Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, eminente civilista, professor da

Universidade de Lisboa, explica os principais fundamentos de cada uma delas, em

artigo publicado pela Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da

Justiça Federal, do qual reproduzo os seguintes excertos:

3. Confi guração Dogmática do Instituto

A configuração dogmática do enriquecimento sem causa tem suscitado,

porém, certa controvérsia na doutrina, apontando-se as seguintes posições: a)

teoria unitária da deslocação patrimonial; b) teoria da ilicitude; c) doutrina da

divisão do instituto.

3.1. A Teoria Unitária da Deslocação Patrimonial

De acordo com a tradicional doutrina unitária da deslocação patrimonial,

surgida quando da elaboração do Código Civil alemão, a cláusula geral de

enriquecimento sem causa institui uma pretensão de aplicação direta, bastando

para tal, única e simplesmente, a verifi cação de detenção injustifi cada de um

enriquecimento à custa de outrem.

Essa concepção funda-se essencialmente na doutrina de Savigny, segundo

a qual a pretensão de enriquecimento se constitui sempre ao se verificar

uma deslocação patrimonial sem causa, diretamente entre o enriquecido e o

empobrecido, independentemente da forma que se revista essa deslocação.

Exigir-se-ia consequentemente que aquilo que produz o enriquecimento de

uma pessoa tivesse pertencido anteriormente ao patrimônio de outra, só assim

podendo esta recorrer à ação de enriquecimento. Tal regra valeria para todas as

categorias de enriquecimento sem causa, uma vez que o fundamento comum

a todas elas seria a restituição de tudo o que saiu de determinado patrimônio.

Para os partidários dessa concepção, não haveria consequentemente base para a

criação de uma tipologia de pretensões de enriquecimento.

Assim, de acordo com essa teoria, o fundamento comum a todas as pretensões

de enriquecimento residiria na oposição entre a aquisição de uma vantagem e a

legitimidade de sua manutenção.

Segundo tal concepção, os casos típicos de enriquecimento sem causa,

especialmente previstos na lei, nada mais representariam do que uma mera

enumeração de exemplos característicos. Fundamental em matéria de

enriquecimento sem causa é antes o conceito unitário de deslocação patrimonial,

entendida como uma transmissão de bem de uma pessoa para outra, efetuada

diretamente mediante uma deslocação de valor entre dois patrimônios. (...)

3.2. A Teoria da Ilicitude

A tradicional doutrina unitária da deslocação patrimonial entra, porém, em

crise após o surgimento da obra de Fritz Schulz, na qual o autor apresenta a

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 351

questão jurídica da aplicação do instituto ao problema da intervenção em bens

ou direitos alheios.

No entender de Schulz, a base do instituto do enriquecimento não reside na

deslocação patrimonial sem causa jurídica, mas antes numa ação contrária ao

direito, que o autor considera ser o conceito central na dogmática do instituto. A

seu ver, existiria um princípio de aplicação geral de que ninguém deveria obter

um ganho por intervenção ilícita num direito alheio, expressos em diversos

preceitos do Código. Desse princípio resultaria que quem efetuasse uma

intervenção objetivamente ilícita no direito alheio deveria restituir o resultado

dessa intervenção. (...)

Assim, pela referência a um conceito de ilicitude delitual, dirigida à ação, Schulz

aproxima o enriquecimento sem causa da responsabilidade civil, qualifi cando

a obrigação de restituir o enriquecimento como uma sanção para todo o tipo

de comportamentos ilícitos. Entre eles incluir-se-iam o enriquecimento por

prestação e o derivado de fato da natureza, existindo, no primeiro caso, uma ilícita

aceitação ou detenção da coisa por parte do enriquecido e, no segundo caso,

uma intromissão equiparada a um comportamento ilícito.

Na doutrina de Schulz, o enriquecimento sem causa deixa assim de ser visto

como fundado nas deslocações patrimoniais sem causa e passa a ser considerado

com base na violação de um direito alheio.

(...)

3.3. A Doutrina da Divisão do Instituto

Outra concepção corresponde à doutrina da divisão do instituto do

enriquecimento em categorias autônomas e distintas entre si. Essa doutrina

tem essencialmente a sua origem nos trabalho de Walter Wilburg e Ernst Von

Caemmerer.

A tese principal desses autores reside na divisão do instituto do

enriquecimento sem causa em duas categorias principais: uma relativa a situações

de enriquecimento gerada com base em uma prestação do empobrecido e

outra abrangendo as situações de enriquecimento não-fundadas na prestação,

atribuindo-se, nesta última, papel preponderante ao enriquecimento por

intervenção.

A doutrina da divisão do instituto rompe completamente com o tratamento

dogmático unitário do enriquecimento sem causa, que deixa inclusive de ser

considerado como sujeito a princípios comuns ou a uma mesma ordenação

sistemática. Efetivamente, de acordo com essa nova concepção, o enriquecimento

por prestação passa a ser visto como um anexo do Direito dos contratos, inserido

no regime da transmissão dos bens, enquanto o enriquecimento por intervenção

é visto antes como anexo a um prolongamento da eficácia do direito de

propriedade, inserindo-se no âmbito da proteção jurídica dos bens.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

352

Na opinião de Wilburg, nunca fora demonstrado que as restituições fundadas

na realização de uma prestação sem causa e as baseadas num enriquecimento sem

prestação tivessem o mesmo fundamento, existindo antes entre elas uma perfeita

diferenciação de pressupostos, pelo que não haveria qualquer possibilidade de

as reconduzir a um princípio genérico comum. O enriquecimento por prestação

seria baseado num ato voluntário do seu autor, constituindo uma forma de

impugnação jurídica desse ato, sendo a base de tal impugnação sobretudo o erro

sobre a causa jurídica da sua prestação. Já o enriquecimento não-fundado numa

prestação teria como fi m a recuperação de um direito afetado pela aquisição

do enriquecido (normalmente a propriedade), sendo, por isso, pretensão a um

prolongamento da efi cácia desse direito. (...)

A teoria de Wilburg veio a ser desenvolvida por Ernst Von Caemmerer, que parte

do conceito central de “conteúdo de destinação” na sua construção da teoria do

enriquecimento sem causa. O autor entende que a proibição do enriquecimento

injustificado consiste apenas numa máxima de justiça comutativa que se

encontra a um nível de abstração tal, que carece de preenchimento pelo julgador,

efetuado pela integração ao caso numa categoria específi ca de enriquecimento

sem causa. Assim, apresenta uma tipologia de hipóteses de enriquecimento sem

causa distinguindo entre o enriquecimento por prestação (Leistungskondiktion),

enriquecimento por intervenção (Eingriffskondiktion), enriquecimento por

liberação de uma dívida paga por terceiro (Rückgriff skondiktion) e enriquecimento

resultante de despesas efetuadas em coisa alheia (Verwendungskondiktion). Essa

tipologia não é, porém, fechada, na medida em que posteriores concretizações

permitiriam o surgimento de novas categorias. Tal tipologia constituiria o ponto

de partida para a construção de diversas pretensões de enriquecimento, que não

apenas se distinguiriam pelo seu objeto, mas também pelo no seu conteúdo e

extensão. (Revista CEJ. n. 25. O enriquecimento sem causa no novo Código Civil

Brasileiro. Brasília. Abr/Jun 2004. p. 25-27).

Pela leitura do artigo acima, percebe-se que a teorização do instituto, na

moderna doutrina alemã, foi desenvolvida gradativamente, evoluindo à medida

em que se aprofundava o conceito de causa.

Em primeiro plano, partindo-se da teoria de Savigny (1849), não se fazia

distinção alguma (por isso chamada unitária), tendo causa uma conotação de

fato natural (causa no sentido de causa de atribuição patrimonial), simples

deslocamento de patrimônio.

Sucedeu-lhe a teoria da ilicitude de Schulz (1909), onde o instituto do

enriquecimento sem causa pareceu ganhar uma feição de princípio jurídico geral,

por meio do qual se sancionava a atuação contrária ao direito (causa no sentido

de causa lícita, legal ou conforme o direito).

Seguiu-se a teoria da divisão, na qual, basicamente, reconhecidas as origens

distintas das anteriores, a estruturação do instituto é apresentada de maneira mais

bem elaborada, abarcando o termo causa de forma ampla, subdividido, porém,

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 353

em categorias mais comuns (não exaustivas), a partir dos variados signifi cados

que o vocábulo poderia fornecer.

Inicialmente, na proposta de Wilburg (1934), numa subdivisão mais abrangente,

onde o enriquecimento sem causa poderia ter origem em uma prestação (como

dever anexo dos contratos) ou numa não-prestação do empobrecido (como

anexo do direito de propriedade).

Posteriormente, desenvolvida por Caemmerer (1954), em quatro categorias

ainda mais específicas (enriquecimento por prestação, enriquecimento por

intervenção, enriquecimento resultante de despesas efetuadas por outrem,

enriquecimento por desconsideração de patrimônio), num sistema aberto em

que pretensões outras poderiam surgir a partir das diversas abordagens (de

objeto, conteúdo e extensão) realizadas no universo do enriquecimento sem

causa.

No Brasil, o instituto foi introduzido no projeto do Código Civil por obra

do Prof. Agostinho Alvim, sistematizador do Livro das Obrigações e, por isso,

responsável pela alteração substancial do título pertinente aos atos unilaterais,

nele fazendo incluir o enriquecimento sem causa, o pagamento indevido e

a gestão de negócios como fontes originárias de obrigações decorrentes da

declaração unilateral da vontade (cf. Exposição de Motivos do Projeto de Código

Civil, itens 21 e 22, r).

Em artigo doutrinário de referência sobre o instituto, publicado em maio de

1957, ele destaca as diferenças centrais entre o sistema clássico, adotado pelo

Código de 1916, e o moderno, defendido no seu Anteprojeto de Código de

Obrigações (arts. 143 e ss.), que viria a ser o precursor dos atos unilaterais assim

como dispostos no Código Civil de 2002.

Infl uenciado não só pelo direito alemão, como também pela doutrina suíça,

francesa e italiana, para ele o conceito de causa, na teoria do enriquecimento,

estaria vinculado à noção de contrapartida, contraprestação, ou seja, aquilo que

pode explicar o enriquecimento (Revista dos Tribunais. V. 259. Ano 46. São Paulo.

Maio de 1957. Do enriquecimento sem causa. p. 25).

Pela relevância dos seus fundamentos, inclusive históricos (para delimitar

a compreensão do instituto que se delineava), é interessante a transcrição de

alguns dos seus excertos principais:

Do enriquecimento sem causa.

1) A ação de enriquecimento, ou actio de in rem verso, não é de largo uso entre

nós.

Isto deve-se, em parte, ao sistema do nosso Direito vigente, que permite até

mesmo se negue a existência da ação de enriquecimento; e os que a admitem

hão de concordar em que somente podem fundamentá-la em fonte subsidiária

do direito objetivo, e na mais remota de todas: princípios gerais de direito.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

354

Em muitos outros países, ainda quando não regulada por dispositivos especiais

a condenação do enriquecimento injustifi cado, a literatura e a jurisprudência

são mais abundantes, e a respectiva ação tem maior desenvolvimento. Todavia,

pondera um civilista, esta teoria, apparemment si prometteuse, não é panacéia

para todos os casos.

2) Além do obstáculo, relativo ao nosso sistema, outro ainda existe a difi cultar

o desenvolvimento da ação de in rem verso, o qual reside na própria natureza da

condenação do enriquecimento, pois os casos típicos, os casos legítimos, que

autorizam a respectiva ação, não são freqüentes, suposta a imprescindibilidade

de vários requisitos, exigidos pela disciplina da instituição.

E muitas das hipóteses, havidas como de enriquecimento, na realidade não o

são e resolvem-se por outras regras.

3) A instituição, porém, considerada em si mesma, revela-se profundamente

justa e cristã, porque visa a impedir o enriquecimento de alguém à custa de

outrem, sem justa causa, enriquecimento este que constituirá uma fonte de

opressão na ordem privada, se a lei não remediar os casos. Acrescente-se que esta

instituição não apresenta a contrapartida existente no instituto da lesão, o que é

debilitador do contrato.

4) O assunto relativo ao enriquecimento vem despertando interesse entre os

juristas modernos. Não porque a condenação do locupletamento injustifi cado

seja só dos nossos dias, certo, como é, que ela consta de muitos textos do Direito

Romano largamente discutidos pelos monografi sta, não sendo menos exato que

o assunto preocupou fi lósofos e legisladores ainda mais antigos.

Todavia, a caracterização perfeita do enriquecimento sem causa, e, bem assim,

a sua ampliação, o aproveitamento de toda a sua energia, cujo resultado prático é

a ação, isto está sendo obra dos juristas modernos, assim no campo da elaboração

da teoria, como no de suas aplicações.

Demogue, ao prefaciar a obra de ilustre monografi sta sobre o assunto, refere-

se aos estudos dos juristas, neste setor, de vinte e cinco anos para cá, o que vale

dizer, a partir do começo deste século, levando em consideração que a obra é de

1925.

O mesmo observa outro insigne civilista.

A fase moderna, porém, que se caracteriza pela condenação do enriquecimento

sem causa, mediante um preceito legal de ordem genérica, começou um pouco

antes, a saber com o Código Federal das Obrigações, 1881.

O Código Civil Alemão, promulgado em 1896, deu ao assunto grande

importância e desenvolvimento. Daí o ser muito citado a respeito. Mas é

posterior, de quinze anos, àquele Código suíço, de 1881, que, no art. 70, rompera

com a tradição, estatuindo, em fórmula genérica, a condenação formal do

enriquecimento sem causa, com a consequente obrigação de restituir. (...)

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 355

O Sistema Clássico e as Idéias Renovadoras.

5) O sistema clássico, ainda vigente na maioria dos países, inclusive no nosso,

também condena o enriquecimento injustifi cado, porém o faz casuisticamente,

ou seja, procurando impedi-lo, onde quer que possa manifestar-se.

Ao sistema moderno fi lia-se o Código das Obrigações (suíço) promulgado em

1911, como complemento do Código Civil (livro quinto). O art. 62 mantém, com

as mesmas palavras, o art. 70 do Código Federal das Obrigações, de 1881.

E ainda outros Códigos, como o alemão, arts. 812 e segs., o soviético,

consagrando a regra no art. 399, o japonês, o mexicano (único, queremos crer, na

América do Sul e Central).

Ao sistema moderno pertencem, também, o nosso Anteprojeto de Código

das Obrigações, arts. 143 e segs., o Projeto de reforma do Código Civil Argentino,

e o Projeto Franco-Italiano, de Código das Obrigações, anterior à guerra, e hoje

abandonado.

6) Os Códigos que seguem o sistema tradicional procuram coibir o

enriquecimento sem causa, onde quer que se apresente. Donde se pode dizer

que tal proibição informa todo o sistema.\

Exemplifi cam os civilistas, em geral, com os textos referentes a esses casos, dos

quais podemos apontar alguns, tendo em vista o nosso Código.

O possuidor, ainda que de má-fé, tem direito às despesas de produção e

custeio, o que impede o enriquecimento do proprietário reivindicante (Código

Civil, art. 513). A solução contrária só se justificaria como pena imposta ao

possuidor de má-fé, o que escaparia às atribuições normais do Direito Civil, entre

as quais não se conta a de punir.

O possuidor, ainda que de má-fé, não responde pela perda da coisa, quando

prove que ela do mesmo modo se perderia se estivesse em mãos do reivindicante

(Código Civil, art. 515). A solução contrária produziria enriquecimento injustifi cado

para este. Caso semelhante nos depara o art. 1.332, relativo à responsabilidade do

gestor.

Idêntico é o ponto de vista do legislador ao estatuir sobre o pagamento

indevido (Código Civil, arts. 964 e segs.), sobre a indenização por avulsão (Código

Civil, art. 541), sobre a atribuição da propriedade do especifi cador, em certos

casos de especifi cação irredutível, a fi m de evitar que, com a espécie nova, se

enriqueça o dono da matéria prima (Código Civil, art. 613). A lei aqui justifi ca a

deslocação do direito, que passa do proprietário para o especifi cador, mas não

justifi ca a deslocação patrimonial, uma vez que obriga este último a indenizar.

Ainda: o reembolso das despesas feitas pelo gestor (Código Civil, art. 1.329), as

medidas contra o enriquecimento do incapaz, (Código Civil, art. 157, parte fi nal), e

inúmeros outros casos esparsos no Código Civil. (...)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

356

7) Afora as hipóteses que a lei preveniu, onde o enriquecimento é vedado,

os sistemas tradicionais regulam também a repetição do que foi pago, sem

que o devesse ser, sendo esta a mais ampla defesa contra o enriquecimento

injustifi cado, conquanto incompleta, aos olhos dos juristas modernos. (...)

8) O Código Civil Alemão chegou à fórmula do art. 812, após uma evolução

através das condictiones, que constavam do Projeto.

Tratava este das várias condictiones, do Direito Romano, terminando por uma

regra geral. Eram elas a condictio ob rem da qual a condictio indebiti era uma

aplicação; a condictio ob causam fi nitam; a condictio ob turpem causa e, fi nalmente,

a condictio sine causa.

O Código [alemão] contentou-se com esta, porque, sine causa, querendo dizer

sem causa que justifi que, tal condictio dispensava as demais.

Aliás, à condictio sine causa já se assinalava esta mesma função no Direito

Romano.

O Código Civil alemão aceito a condictio sine causa no seu sentido mais

desenvolvido de modo a que correspondesse a fórmula desejável para a

condenação do enriquecimento sem causa.

A expressão “de qualquer outro modo” é muito compreensiva e ampla, pois

abrange qualquer enriquecimento, abstração feita de um fato do empobrecido.

Quando fala na restituição, o Código evita a palavra coisa, cujo sentido é mais

restrito.

Finalmente, emprega a locução “à custa de”, para o fim de alargar a

compreensão do texto, porque, uma coisa é alguém enriquecer-se por fato de

outrem (idéia restrita); outra, é enriquecer-se à custa de outrem, o que pode

prescindir de um fato do empobrecido.

Esta é precisamente a razão por que a locução “à custa de” que não constava

do Projeto, teve ingresso no Código.

Tal expressão está hoje consagrada: Código das Obrigações (suíço), art. 62,

nosso Anteprojeto de Código de Obrigações, art. 143 e outros diplomas.

Em França, sempre que se cogita de enriquecimento, é essa a expressão

corrente: au dépens de, a começar pela tradução do texto de Pomponio (“Digest”,

50, 17.206), que nos oferece o antigo autor.

9) É interessante notar que tem havido sempre aplicação no que concerne à

condenação do enriquecimento sem causa.

A condictio sine causa já tinha, no Direito Romano, sentido muito amplo.

Os civilistas, porém, nas fórmulas de que usam, ligam muitas vezes o

enriquecimento à aquisição de uma coisa.

M. I. Carvalho de Mendonça, que aliás pouco se ocupou do enriquecimento

sem causa, alvitrou uma fórmula, que lhe pareceu muito larga.

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RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 357

Todavia, ela reporta-se a qualquer fato do homem, que traga enriquecimento

a outrem.

Atualmente, porém, a fórmula desejável já não é essa, uma vez que o

enriquecimento de alguém pode prescindir de um fato de outrem, razão por que

os Códigos evitam de falar em fato de outrem, em suas fórmulas. (Revista dos

Tribunais. V. 259. Ano 46. São Paulo. Maio de 1957. Do enriquecimento sem causa.

p. 3-9).

Oportuno, também, o registro do pensamento do ilustre professor quando ele

passa a comentar a ação in rem verso em face do Direito Positivo daquela época

em contraste com o sistema moderno (ob. cit. p. 12-14):

Da “Actio de In Rem Verso”.

O Fundamento da Ação.

13) Começaremos a examinar o fundamento da ação de enriquecimento, já

agora em face do Direito Positivo.

Diante dos sistemas que, através de uma regra geral, condenam, de modo

explícito, o enriquecimento injustifi cado, como o suíço e outros, não há problema,

neste particular.

Supostos os fatos que autorizam o pedido, o seu fundamento está no texto de

lei, expresso a respeito.

Mas, qual o fundamento, quando não há texto, como sói acontecer, aliás, na

grande maioria dos sistemas vigentes?

Essa questão separa os juristas em dois campos: uns, levados justamente por

esta ausência de texto, negam a possibilidade de obter alguém aquilo com que

outrem se tenha enriquecido à sua custa. Negam a ação de enriquecimento, de

caráter subsidiário.

E defendem o seu ponto de vista dizendo que o legislador, por meio de

dispositivos expressos, fechou a porta ao enriquecimento, sempre que o quis

impedir, tendo, assim, esgotado os casos que entendeu de repudiar.

Certamente, o enriquecimento se manifestará, aqui ou ali, além dos casos

previstos; mas, se não estiver condenado de modo explícito, estará, só por isso,

justifi cado.

Poderá haver obrigação moral de devolver; outros falam em obrigação natural;

não obrigação jurídica, e, por isso mesmo, não haverá ação.

Aludindo a este ponto de vista, usa Ripert de uma imagem, figurando a

condenação do enriquecimento como um rio subterrâneo, que ninguém vê,

e cuja função é alimentar aqueles casos de enriquecimento, previstos pelo

legislador.

E passa a examinar a tese.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

358

São escassas as hipóteses previstas? Criam-se novas regras. Fora daí, a

devolução será cumprimento de obrigação natural.

14) Os que negam que possa alguém reclamar com fundamento no

enriquecimento alheio, o fazem por entender que os casos de locupletamento

encontram sempre remédio na lei, através destes ou daqueles institutos, destas

ou daquelas normas explícitas. Se o caso não está previsto em lugar nenhum, é

que o legislador o quis tolerar.

15) Em França, a doutrina dos antigos escritores sobre o enriquecimento

injustifi cado era escassa e, segundo Planiol, foram Aubry et Rau os primeiros que

procuraram sistematizar o assunto.

Quanto à jurisprudência, a ação era negada, até o célebre acórdão de 15 de

junho de 1892 (Cassação), ao qual todos os civilistas se reportam, decisão essa

que foi o ponto de partida da mudança de orientação.

16) Na Itália, a questão não era pacífi ca, sob o Código de 1865.

Por ocasião dos trabalhos preparatórios do Código de 1942, Piola Caselli, da

Comissão da Assembléia Legislativa, falou de uma larguíssima corrente orientada

no sentido da possibilidade da ação, o que deixa supor opiniões em contrário, às

quais, aliás, se refere Ugolino Anichini, em trabalho posterior ao Código (ob. cit.,

pág. 204).

Igualmente, um notável professor da Universidade Católica de Milão,

escrevendo depois que o Projeto, no art. 73, havia recomendado a ação de

enriquecimento, ainda se manifestava contrário a considerar o enriquecimento

injustifi cado como fonte autônoma de obrigação: “O noi andiamo erratti o la

contraria opinione sovverte tutto il sistema delle fonte delle obbligazioni”.

17) Entre nós, não obstante os precedentes dos Códigos suíço e alemão,

seguidos tão de perto pelo Projeto Clovis, não quis o seu autor os imitar, neste

ponto.

E nessa idéia ele se manteve, pois continuou sempre contrário a uma fórmula

geral acerca do enriquecimento, por julgar isso desnecessário, como se vê da sua

explanação sobre o assunto, em época bem posterior.

Em sua dissertação para concurso, à mesma conclusão chegou o Prof. Jorge

Americano.

18) Todavia, o ponto de vista da existência da ação de in rem verso, com caráter

subsidiário, é hoje, inquestionavelmente, o vencedor, ainda na ausência de texto

expresso.

Assim é na França, na Espanha, na Argentina, e em outros países, entre os quais

se inclui o nosso. (...)

Objeções contra a Ação de Enriquecimento.

19) Nenhuma objeção plausível existe contra a existência da ação de in rem

verso em nosso sistema.

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Dizer que o número de casos, que exigiria a ação, é exíguo, porque, em regra,

há outras soluções, é fazer afi rmação verdadeira, mas que redundará em negar

o remédio para esses casos, embora raros. Será o inverso do lex dat semper

remedium.

Por outro lado, o sentimento elementar de justiça reclama a condictio sine

causa em termos amplos.

Não admiti-la seria emperrar o progresso do Direito no remediar as injustiças,

e daí o reconhecê-la a doutrina e a jurisprudência, nos países onde não há texto

expresso a respeito.

20) Também não deveria argumentar com a falta de fundamento para a ação,

visto como a inexistência de fonte principal (a lei) é suprida, normalmente, pelas

fontes subsidiárias, integrantes: a analogia, o costume e os princípios gerais.

21) Para pedir é indispensável mostrar que o direito subjetivo, de quem pede,

tem assento no direito objetivo, seja a lei, seja uma fonte subsidiária.

Nos sistemas em que há dispositivo expresso, o fundamento é a própria

disposição de lei.

Onde não há, como entre nós, é força recorrer às fontes supletivas, de acordo

com a Lei de Introdução ao Código Civil.

Como se vê, desde aquela época, ainda que inexistente regra que a

contemplasse especificamente, já se defendia o cabimento da ação de

enriquecimento sem causa no nosso ordenamento jurídico.

A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, desde cedo,

também, foi no sentido de admitir o enriquecimento sem causa como fonte

de obrigação, diante da vedação ao locupletamento ilícito, assegurada, por

conseguinte, a ação correspondente.

Confi ra-se, exemplifi cativamente, o seguinte aresto:

Civil. Enriquecimento ilícito (ou sem causa). Prescrição. Correção monetária.

I - Não se há negar que o enriquecimento sem causa é fonte de obrigações,

embora não venha expresso no Código Civil, o fato é que o simples deslocamento de

parcela patrimonial de um acervo que se empobrece para outro que se enriquece e o

bastante para criar efeitos obrigacionais.

II - Norma que estabelece o elenco de causas interruptivas da prescrição incluiu

também como tal qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em

reconhecimento do direito pelo devedor. Inteligência do art. 172 do Código Civil.

III - Recurso não conhecido.

(REsp n. 11.025/SP, Terceira Turma, Relator o Ministro Waldemar Zveiter, DJ de

24.2.1992).

Foi nesse contexto, seguindo os parâmetros traçados para o sistema moderno,

que o Projeto de Código das Obrigações de Agostinho Alvim veio dar origem

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ao enriquecimento sem causa como fonte primária de obrigações no nosso

atual Código Civil, especialmente pelo fato de ter sido expresso como preceito

de ordem genérica, não exaustivo, em franca substituição ao modelo clássico

anteriormente adotado pelo Código Civil de 1916.

A propósito, inegável a infl uência do art. 812 do Código Civil alemão no nosso

Código Civil de 2002, especialmente na redação dos arts. 884 e 885, cujos textos

podem ser adiante cotejados:

BGB:

Art. 812. Quem quer que, em virtude de prestação feita por outra pessoa ou

de qualquer outro modo, faz uma aquisição sem causa jurídica à custa desta

outra pessoa, fi ca obrigado a restituir. Esta obrigação existe, igualmente, quando

a causa jurídica desaparece ulteriormente, ou quando o resultado visado no

momento da prestação, tal como ele resulta do conteúdo do ato jurídico, não

se realiza. Considera-se, igualmente, prestação o reconhecimento contratual da

existência, ou não, de uma relação obrigacional.

CC/2002:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será

obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores

monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada,

quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a

restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que

justifi que o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Veja-se que a locução “indevidamente auferido”, constante no art. 884,

admite interpretação ampla, no sentido de albergar não só o termo causa como

atribuição patrimonial (simples deslocamento patrimonial), mas também no

sentido de causa negocial (de origem contratual, por exemplo), cuja ausência, na

modalidade de enriquecimento por prestação, demandaria um exame subjetivo,

a partir da não obtenção da fi nalidade almejada com a prestação, hipótese que

me parece mais adequada à prestação decorrente de cláusula indigitada nula

(ausência de causa jurídica lícita).

Percebe-se que a polissemia do termo causa, para a doutrina da divisão do

instituto, permite uma acomodação maior dos casos concretos dentro das quatro

categorias que exemplifi cativamente enuncia, a partir da vagueza e amplitude

com que o enriquecimento sem causa veio a ser disposto no texto do novo

Código Civil.

Segundo Menezes Leitão, naquele mesmo artigo aqui já mencionado, essa foi

a teoria albergada pela novel codifi cação brasileira, consoante se observa a seguir

(p. 28):

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RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 361

4 Posição Adotada

Entendemos, portanto, que a cláusula do enriquecimento sem causa, constante

do art. 884 do Código Civil brasileiro, ao referir que aquele que, sem justa causa, se

enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido,

feita a atualização dos valores monetários, apresenta-se como demasiado

genérica, não permitindo o tratamento dogmático unitário do enriquecimento

sem causa uma adequada subsunção aos casos concretos. Haverá de estabelecer

uma tipologia de categorias que efetue, pela integração do caso em uma delas,

a referida subsunção. Defendemos, por isso, a doutrina da divisão do instituto.

Por esse motivo, distinguimos no âmbito do enriquecimento sem causa as

seguintes situações: o enriquecimento por prestação; o enriquecimento por

intervenção; o enriquecimento por despesas realizadas em benefício doutrem; e

o enriquecimento por desconsideração de um patrimônio intermédio.

Quanto ao enriquecimento por prestação, que aqui nos interessa em particular,

esclarece (p. 28):

4.1 Enriquecimento por Prestação

O enriquecimento por prestação respeita as situações em que alguém

efetua uma prestação a outrem, mas se verifi ca uma ausência de causa jurídica

para que possa ocorrer, por parte desse, a recepção dessa prestação. Nessa

categoria, o requisito fundamental do enriquecimento sem causa é a realização

de uma prestação, que se deve entender como uma atribuição fi nalisticamente

orientada, sendo, por isso, referida a uma determinada causa jurídica, ou na

defi nição corrente na doutrina alemã dominante como o incremento consciente

e fi nalisticamente orientado de um patrimônio alheio.

Verifi ca-se, nesta sede, uma situação de enriquecimento sem causa se ocorre

a ausência de causa jurídica para a recepção da prestação que foi realizada. A

ausência de causa jurídica deve ser defi nida em sentido subjetivo, como a não-

obtenção do fi m visado com a prestação. Haverá, assim, lugar à restituição da

prestação, quando for realizada com vista à obtenção de determinado fi m, e tal

fi m não vier a ser obtido.

Apesar da reconhecida difi culdade para uma defi nição unívoca do termo, a

versão do enriquecimento sem causa, pelo menos para o introdutor do instituto

no Código Civil de 2002, referendada pela doutrina do Prof. Menezes Leitão,

teve preponderante infl uência do conceito mais amplo, ligado à corrente mais

moderna, baseada na doutrina da divisão do instituto em categorias autônomas

e distintas entre si, especialmente mediante a adoção de preceito genérico apto a

contemplar as hipóteses não previstas especifi camente no ordenamento jurídico,

mas que nem por isso deixam de ostentar a natureza de locupletamento.

Por fi m, quanto a esse tópico, uma última palavra a respeito da subsidiariedade

decorrente do art. 886.

Para tanto, recorro novamente aos ensinamentos do Prof. Agostinho Alvim,

vertidos no retrocitado artigo, como dito, datado dos idos da década de 50:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Nós entendemos que a ação tem caráter subsidiário, pois que o tem o próprio

enriquecimento, como fonte de obrigação.

Basta atentar que, se a lei justifi ca certo enriquecimento, não haverá ação

nenhuma.

E se, pelo contrário, repudia, a ação terá que ser aquela que no caso couber,

como, verbi gratia, se o possuidor, ainda que de má-fé, tendo entregue o imóvel,

quiser haver o que dispendeu com benfeitorias necessárias.

Em qualquer das duas hipóteses, não há um caso típico de enriquecimento,

que interessa à teoria.

Quanto a lei não cogita do caso, nem de um modo nem de outro, e a fi gura do

enriquecimento, por isso mesmo com caráter subsidiário.

Isto não que dizer que se alguém, dispondo de outra ação propuser a de

enriquecimento, deva ser repelido.

No exemplo do possuidor, que acabamos de fi gurar, ele encontra na lei a

condenação do enriquecimento, por isso injusto.

Mas se ele, abandonando a ação do Direito comum, propusesse a subsidiária,

tomando sobre si o ônus de provar os seus requisitos, inclusive o injustifi cado do

enriquecimento, não deveria ser repelido, só por isso.

Desse modo, ainda que considerado o caráter subsidiário da ação de

enriquecimento sem causa, deve ser respeitada a opção do demandante

por esse caminho processual, para o qual deverá arcar com o ônus da prova

dos seus requisitos (i - existência de um enriquecimento; ii - obtenção desse

enriquecimento à custa de outrem; iii - ausência de causa justifi cadora para o

enriquecimento).

Sob esse prisma, nota-se que o exame de pretensões fundadas no

enriquecimento sem causa não é novidade no âmbito desta Segunda Seção,

consoante se constata dos seguintes precedentes que adiante colaciono,

proferidos em âmbito de recurso especial repetitivo, nos quais a relação jurídica

base estabelecida entre as partes também possuía natureza contratual e

a demanda visava exatamente a declaração de nulidade de cláusula tida por

abusiva, casos em que também foi aplicado o prazo prescricional trienal previsto

no art. 206, § 3º, IV, do CC/2002:

Recurso especial representativo de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Direito

Civil. Financiamento de Plantas Comunitárias de Telefonia (PCTS). Ação de

ressarcimento dos valores pagos. Prescrição.

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: A pretensão de ressarcimento do valor

pago pelo custeio de Plantas Comunitárias de Telefonia (PCTs), não existindo

previsão contratual de reembolso pecuniário ou por ações da companhia,

submete-se ao prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil

de 1916 (art. 177), e de 3 (três) anos, na vigência do Código Civil de 2002, por se

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tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, inc. IV),

observada a fórmula de transição prevista no art. 2.028 do mesmo diploma legal.

2. No caso concreto, o pagamento que se alega indevido ocorreu em

novembro de 1996, data a partir da qual se iniciou o prazo prescricional, que se

encerrou em janeiro de 2006 (três anos, a contar da vigência do novo Código). O

autor ajuizou a ação em fevereiro de 2009, portanto sua pretensão está alcançada

pela prescrição.

3. Recurso especial não provido.

(REsp n. 1.220.934/RS, Segunda Seção, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão,

DJe de 12.6.2013).

Financiamento de rede de eletrifi cação rural. Recurso especial representativo

de controvérsia. Art. 543-C do CPC. Custeio de obra de extensão de rede elétrica

pelo consumidor. Ação de restituição dos valores aportados. Prescrição.

Para efeitos do art. 543-C do CPC: 1. Nas ações em que se pleiteia o

ressarcimento dos valores pagos a título de participação financeira do

consumidor no custeio de construção de rede elétrica, a prescrição deve ser

analisada, separadamente, a partir de duas situações: (i) pedido relativo a valores

cujo ressarcimento estava previsto em instrumento contratual e que ocorreria

após o transcurso de certo prazo a contar do término da obra (pacto geralmente

denominado de “Convênio de Devolução”); (ii) pedido relativo a valores para cujo

ressarcimento não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento,

em regra, nominado de “Termo de Contribuição”).

1.2.) No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código

Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão

de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrifi cação

rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de

2002” (REsp 1.063.661/RS, Segunda Seção, julgado em 24.2.2010);

1.3.) No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência

do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código Civil de 2002,

por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º,

inciso IV), observada, igualmente, a regra de transição prevista no art. 2.028 do

Código Civil de 2002.

2. No caso concreto, para o pedido de ressarcimento dos valores previstos

no Convênio de Devolução, o prazo prescricional fi ndaria em 11 de janeiro de

2008 (cinco anos, a contar da vigência do novo Código). Por outro lado, para o

pedido de ressarcimento dos valores previstos no Termo de Contribuição, o prazo

prescricional fi ndaria em 11 de janeiro de 2006 (três anos, a contar da vigência

do novo Código). Tendo o autor ajuizado a ação em 15 de janeiro de 2009, a

totalidade de sua pretensão está alcançada pela prescrição.

3. Recurso especial a que se dá provimento.

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(REsp n. 1.249.321/RS, Segunda Seção, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão,

DJe de 16.4.2013).

Com essas considerações, mais aprofundadas, pelo menos do ponto de vista

teórico, aproveito para reiterar a minha opção pela doutrina mais ampla do

conceito de causa (teoria da divisão do instituto), e reconhecer, com isso, o

interesse para o ajuizamento de demanda fundada no enriquecimento sem causa

(lícita; enriquecimento por prestação), ainda que entre as partes tenha havido

acordo de vontades anterior (causa negocial).

Por conseguinte, pretensões dessa natureza (assim como todas aquelas

decorrentes de atos unilaterais: promessa de recompensa, arts. 854 e ss.; gestão

de negócios, arts. 861 e ss.; pagamento indevido, arts. 876 e ss.; e o próprio

enriquecimento sem causa, art. 884 e ss.) devem se sujeitar ao prazo prescricional

trienal, conforme art. 206, § 3º, IV, do CC/2002.

Acrescento apenas, na jurisprudência desta Corte, precedente da

Terceira Turma, relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no âmbito do Direito

do Consumidor, acerca de pedido de repetição do indébito formulado por

consumido alegando a cobrança indevida de valores por fornecedor,

posicionando-se nessa mesma linha:

Consumidor e Processual. Ação de repetição de indébito. Cobrança indevida de

valores. Incidência das normas relativas à prescrição insculpidas no Código Civil.

Prazo especial. Prescrição trienal. Pretensão de ressarcimento de enriquecimento

sem causa.

1. O diploma civil brasileiro divide os prazos prescricionais em duas espécies. O

prazo geral decenal, previsto no art. 205, destina-se às ações de caráter ordinário,

quando a lei não houver fi xado prazo menor. Os prazos especiais, por sua vez,

dirigem-se a direitos expressamente mencionados, podendo ser anuais, bienais,

trienais, quadrienais e quinquenais, conforme as disposições contidas nos

parágrafos do art. 206.

2. A discussão acerca da cobrança de valores indevidos por parte do fornecedor

se insere no âmbito de aplicação do art. 206, § 3º, IV, que prevê a prescrição trienal

para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Havendo regra

específi ca, não há que se falar na aplicação do prazo geral decenal previsto do art.

205 do CDC. Precedente.

3. A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como

requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por

fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie.

4. O pedido de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob a

égide do CC/1916 exige um exame de direito intertemporal, a fi m de aferir a

incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002.

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RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 365

5. De acordo com esse dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar

presentes para viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC/1916: i) o prazo

da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC/2002; e ii) mais da metade do prazo

estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o

CC/2002 entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.

6. Considerando que não houve impugnação do dies a quo do prazo

prescricional definido pelo Tribunal de Origem - data da colação de grau do

recorrente, momento no qual ocorreu o término da prestação de serviço

educacional -, e que, na espécie, quando o CC/2002 entrou em vigor não havia

transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, incide o

prazo prescricional trienal do CC/2002, motivo pelo qual o acórdão recorrido não

merece reforma.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1.238.737/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

8.11.2011, DJe 17.11.2011)

O presente caso é semelhante aos precedentes aludidos, pois a pretensão

central da parte demandante é o ressarcimento das parcelas relativas à comissão

de corretagem e ao serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), que teriam

sido pagas indevidamente por serem abusivas as cláusulas que atribuíram esse

encargo aos consumidores. Ou seja, a alegação é a ocorrência de enriquecimento

sem causa como premissa fundamental da pretensão central de repetição do

indébito.

Especifi camente em relação ao prazo trienal, relembro a orientação fi rmada

pela Turma de Uniformização do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios, que se fi rmou no seguinte sentido (AC 879.851):

Uniformiza-se o entendimento de que o prazo prescricional, nas ações que

tenham por fundamento o enriquecimento sem causa, com pedido de devolução

de taxa de corretagem é de 3 (três) anos.

Enfi m, mostra-se bastante razoável a alegação de incidência da prescrição

trienal aos pedidos de repetição do indébito referentes aos valores pagos a título

de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária

(SATI), com fundamento no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil.

Sugere-se, por isso, que seja fi xada a seguinte tese:

Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores

pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-

imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

366

1.2. Caso Concreto

Estabelecida a primeira tese, passa-se ao exame do caso.

Conforme o relato feito na petição inicial, o contrato foi celebrado em 20

de setembro de 2009, enquanto a presente demanda apenas foi proposta em 16

de outubro de 2012.

Portanto, a pretensão da parte demandante já estava encoberta pelo manto

da prescrição trienal, quando da propositura da demanda.

Destarte, merece provimento o recurso especial para se decretar a

extinção do processo, com resolução de mérito, em face do reconhecimento do

implemento da prescrição trienal (art. 485, II, do CPC/2015).

Com isso, fi ca prejudicado o exame da segunda questão afetada, que será

objeto de análise em outro recurso especial afetado a esta Segunda Seção.

Ante o exposto, voto no seguinte sentido:

(i) fi xar a seguinte tese para os fi ns do art. 1.040 do CPC/2015:

Incidência da prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores

pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-

imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).

(ii) dar provimento ao recurso especial, decretando a extinção do processo

com o reconhecimento do implemento da prescrição trienal.

Custas e honorários advocatícios pela parte demandante, arbitrando-se os

honorários em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

É o voto.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Senhor Presidente, quanto à

prescrição trienal, eu gostaria de acompanhar o voto do Ministro Relator com a

ressalva do meu ponto de vista já enfatizado em longo voto que fi cou vencido no

precedente citado.

Portanto, acolho a prescrição trienal em face do recentíssimo precedente

da Seção.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 367

RECURSO ESPECIAL N. 1.570.655-GO (2014/0186478-3)

Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira

Recorrente: André Luiz de Freitas

Advogados: Diego Barbosa Campos - DF027185

Guiomar Mendes - DF002937

Recorrido: Suzi Maria de Araujo Melo

Recorrido: Marinho Araujo de Melo

Recorrido: Paulo Henrique Araujo de Melo

Advogados: Chiang de Gomes - GO002866

Frederico Augusto Auad de Gomes e outro(s) - GO014680

Recorrido: Associação Pai Eterno e Perpétuo Socorro

Advogados: Israel Nonato da Silva Júnior e outro(s) - DF016771

Edson de Assis Gonçalves e outro(s) - GO023445

Interes.: Cartório de Registro de Imóveis de Trindade

EMENTA

Recurso especial. Direito Administrativo. Civil. Processual

Civil. Procedimento de dúvida registral. Natureza administrativa.

Impugnação por terceiro interessado. Irrelevância. Causa. Ausência.

Não cabimento de recurso especial.

1. O procedimento de dúvida registral, previsto no art. 198 e

seguintes da Lei de Registros Públicos, tem, por força de expressa

previsão legal (LRP, art. 204), natureza administrativa, não qualifi cando

prestação jurisdicional.

2. Não cabe recurso especial contra decisão proferida em

procedimento administrativo, afi gurando-se irrelevantes a existência

de litigiosidade ou o fato de o julgamento emanar de órgão do Poder

Judiciário, em função atípica.

3. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista antecipado da Sra. Ministra

Nancy Andrighi não conhecendo do recurso especial, embora por fundamentos

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368

diversos do Sr. Ministro Relator, a Seção, por unanimidade não conheceu do

recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros

Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Nancy

Andrighi (voto-vista) e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro

Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e

Moura Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília (DF), 23 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator

DJe 9.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se de recurso especial,

interposto contra decisão colegiada proferida pelo TJGO em procedimento de

dúvida registral, processado na forma prevista pelo art. 198 e seguintes da Lei

Federal n. 6.015/1973. A decisão está assim ementada (e-STJ fl s. 401/402):

Agravo interno em apelação cível. Promessa de compra e venda de imóvel sem

registro. Inefi cácia erga omnes. Má-fé do segundo adquirente não caracterizada.

Manutenção da sentença objurgada. Ausência de elementos novos. 1. A promessa

de compra e venda não registrada e desacompanhada de qualquer outro

elemento que possa evidenciar a alienação do imóvel, não afasta a legalidade da

escritura de compra e venda do mesmo bem, devidamente lavrada em cartório,

mormente quando não é exitosa a parte em demonstrar a má-fé que sugere

permear a atuação dos novos adquirentes. 2. Ao interpor agravo da decisão que

nega seguimento à apelação cível, o agravante deve demonstrar o desacerto dos

fundamentos do decisum recorrido, fundamentando a insurgência em elementos

novos que justifi quem o pedido de reconsideração, e não apenas repetindo as

razões do recurso originário, porque estas já foram apreciadas.

Em suas razões recursais (e-STJ, fl s. 503/536), o recorrente alega violação

dos arts. 535 e 557 do CPC/1973, 113, 187, 422 e 1.246 do CC/2002 e 172 e

186 da LRP (Lei Federal n. 6.015/1977). Conquanto indique a interposição

do recurso também pela alínea “c” do permissivo constitucional, não cuidou de

demonstrar o aventado dissenso pretoriano.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 369

Na origem, o Ofi cial e Tabelião do Cartório de Registro de Imóveis e

Primeiro Tabelionato de Notas da Comarca de Trindade, Estado de Goiás,

suscitou dúvida registral, pelo fato de que um mesmo imóvel teria sido objeto de

dois atos jurídicos destinados à transmissão de sua propriedade, quais sejam, um

instrumento particular de compromisso de venda e compra fi rmado entre o aqui

recorrente e os correcorridos Marinho e Paulo, datado de 9.9.2011 e apresentado

para registro em 6.1.2012, e uma escritura pública de venda e compra lavrada

em 4.1.2012, na qual fi guram, como outorgantes vendedores, os correcorridos

Paulo, Marinho e Suzi e, como outorgada compradora, a correcorrida Associação

Pai Eterno e Perpétuo Socorro.

Por meio da representação reproduzida às fls. 3/6 (e-STJ), o Oficial

consultou, na forma prevista pelo art. 198 da LRP, “se é devido ou não o registro do

contrato apresentado em 06 de janeiro de 2012 ou da Escritura Pública iniciada em

04 de janeiro de 2012 e concluída em 16 de janeiro de 2012”.

Instruído o procedimento, defendendo o recorrente e os recorridos

interesses antagônicos, sobreveio sentença que concluiu pela prevalência da

escritura pública para o registro imobiliário, em prejuízo da anterior prenotação

de registro requerida para o instrumento particular (e-STJ fl s. 237/245).

Contra a decisão, o aqui recorrente interpôs recurso de apelação, na forma

prevista pelo art. 202 da LRP, aduzindo as razões encartadas às fl s. 252/273

(e-STJ).

Em decisão monocrática, o em. Desembargador Zacarias Neves Coêlho,

do TJGO, negou seguimento ao apelo, por entendê-lo manifestamente

improcedente (e-STJ fl s. 342/353). A decisão foi desafi ada por agravo regimental

(e-STJ fl s. 357/381), desprovido por meio do julgado de fl s. 388/403 (e-STJ).

Opostos embargos de declaração (e-STJ fl s. 407/428), foram eles rejeitados

(e-STJ fl s. 491/496).

Inadmitido o recurso especial na origem (e-STJ fl s. 591/594), o recorrente

interpôs agravo nos próprios autos (e-STJ fl s. 603/640).

Por meio da decisão juntada às fl s. 835 (e-STJ), determinei a conversão

do agravo em recurso especial. Contra essa decisão, o aqui recorrido interpôs

agravo regimental, desprovido pela Quarta Turma, conforme acórdão de fl s.

886/896 (e-STJ). Constou do voto a reprodução da decisão monocrática de fl s.

870/872 (e-STJ), na qual consignei que “a tese relativa ao cabimento de recurso

especial contra acórdão proferido em sede de dúvida registral será examinada quando

do julgamento do apelo”.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

370

Em sessão de 9/8 passado, a Quarta Turma deste tribunal remeteu, na

forma autorizada pelo art. 14, II, do RISTJ, o presente recurso para julgamento

desta Segunda Seção.

Contra a remessa dos autos a recorrida opôs embargos de declaração

(e-STJ, fl s. 923/933), por mim não conhecidos por meio de decisão monocrática

juntada às fl s. 940/941 (e-STJ). A decisão foi desafi ada por agravo interno

(e-STJ, fl s. 944/956), desprovido à unanimidade pela Quarta Turma. Ainda

irresignada, a recorrida opôs embargos de declaração (e-STJ, fl s. 1.014/1.021),

afi rmando nulidade do acórdão e omissão no exame de questões suscitadas no

recurso interno. Outrossim formulou pedido de retirada de pauta deste recurso,

porque pendentes de julgamento os embargos declaratórios (e-STJ, fl s. 1.013).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): A questão que submeto

à elevada e criteriosa apreciação dos eminentes Ministros desta Segunda Seção

é preliminar a eventual julgamento do mérito do apelo excepcional, na medida

em que o recurso volta-se contra decisão proferida em procedimento de dúvida

registral, cuja natureza administrativa é expressamente defi nida no art. 204 da

Lei de Registros Públicos, que ressalva aos interessados o direito de se socorrer

da via jurisdicional para a solução de eventual controvérsia.

Trata-se, pois, de atividade atípica desempenhada pelo Poder Judiciário,

em caráter correcional, no controle de legalidade dos atos praticados pelo

delegatário da atividade estatal. Não qualifi ca prestação jurisdicional stricto

sensu, o que desautoriza a interposição de recurso especial, para julgamento

nesta Corte Superior.

De fato, a fi scalização dos serviços notariais e de registro é atribuição

conferida ao Poder Judiciário diretamente pela Constituição Federal (art. 236,

§ 1º, parte fi nal), e outrossim na correspondente regulamentação legal (art. 37

da Lei n. 8.935/1994). No exercício desse mister, o julgador não desempenha

sua função típica, a jurisdição, senão atividade meramente correcional, na

defesa precípua do interesse público. Na espécie, não atua o magistrado com a

fi nalidade de solucionar litígios, tampouco de garantir a pacifi cação social, mas

para efetivar o cumprimento de normas cogentes que disciplinam o sistema de

registros públicos, visando a assegurar a “autenticidade, segurança e efi cácia dos

atos jurídicos” (LRP, art. 1º).

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 371

Reforça essa conclusão a regra do antes mencionado art. 204 da LRP, que

dispõe sobre a natureza da decisão que julga dúvida suscitada por ofi cial de

registro de imóveis, na forma de seu art. 198:

Art. 204 - A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso

do processo contencioso competente.

Deveras, enquanto representar mera consulta sobre questão formal

relativa ao pedido de registro ou averbação, não impugnada por terceiro ou

pelo Ministério Público, revela-se inequívoca a natureza administrativa do

procedimento de dúvida registral. E, vale dizer, mesmo nesse caso deve ser

julgada por “sentença” do juiz competente (LRP, art. 199). Em suma, se não

houver impugnação ou resistência de terceiros ao pedido, parece-me não pairar

controvérsia alguma sobre tal conclusão. Em tais condições, a jurisprudência

deste Tribunal Superior assenta o descabimento do apelo excepcional:

Processual Civil e Administrativo. Recurso especial. Mandado de segurança.

Violação do art. 535, II, do CPC. Ausência. Impugnação de exigência imposta

por ofi ciala de registros. Impetração que não se caracteriza como sucedânea de

suscitação de dúvida.

(...)

3. O incidente de suscitação de dúvida relativa à exigência feita por Ofi cial

de Cartório, prevista pela Lei de Registros Públicos, é procedimento de natureza

administrativa e a decisão que o julga não possui natureza jurisdicional, embora

seja prolatada por órgão do Poder Judiciário. Precedentes: AgRg no Ag 985.782/

SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 26.11.2008;

REsp 612.540/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJe

5.3.2008.

4. Ademais, a decisão do Juízo de Primeiro Grau - de cunho administrativo,

repita-se - não desafia recurso, nem atrai a aplicação do art. 5º, II, da Lei n.

12.016/2009 ou da Súmula 267 do STF, que dispõem não caber impetração

do mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial passível de

recorribilidade com efeito suspensivo.

(...)

7. Recurso especial a que se dá provimento para afastar a preliminar de

inadequação da via eleita e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça

de Minas Gerais, a fi m de que prossiga no julgamento do feito.

(REsp 1.348.228/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em

12.2.2015, DJe 12.5.2015.)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

372

Recurso especial. Falência da recorrente. Suspensão do julgamento.

Indeferimento. Representação processual. Mandado de segurança. Ministério

Público. Legitimidade. Registro de imóvel. Dúvida. Intervenção de terceiros.

Amicus curiae. Indeferimento. Matrícula de imóvel. Formal de partilha não

registrado. Continuidade registral. Recurso especial improvido.

(...)

4.- O processo de Dúvida Registral em causa possui natureza administrativa,

instrumentalizado por jurisdição voluntária, não sendo, pois, de jurisdição

contenciosa, de modo que a decisão, conquanto denominada sentença, não

produz coisa julgada, quer material, quer formal, donde não se admitir Recurso

Especial contra Acórdão proferido pelo Conselho Superior da Magistratura, que

julga Apelação de dúvida levantada pelo Registro de Imóveis.

(...)

8.- Preliminares afastadas, intervenções indeferidas e Recurso Especial

improvido.

(REsp 1.418.189/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em

10.6.2014, DJe 1º.7.2014.)

Agravo regimental. Recurso especial. Processual Civil. Dúvida registral inversa.

Procedimento de natureza administrativa. Não cabimento de recurso especial.

Precedentes.

1 - Inviabilidade da interposição de recurso especial em procedimento

de dúvida registral, em razão do caráter administrativo desse procedimento.

Precedentes específi cos do STJ.

2 - Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1.371.419/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira

Turma, julgado em 5.11.2013, DJe 8.11.2013.)

Agravo regimental em agravo em recurso especial. Procedimento de dúvida

registral. Natureza administrativa. Recurso especial. Incabível. Precedentes.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de

que o procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial do Registro reveste-se de

caráter administrativo, de modo que é inviável a impugnação por meio de recurso

especial. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 124.673/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,

julgado em 17.9.2013, DJe 20.9.2013.)

Agravo regimental em agravo em recurso especial. Procedimento de dúvida.

Lei de Registros Públicos. Procedimento administrativo. Recurso especial. Não

cabimento. Precedentes.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 373

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de

que o procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial do Registro reveste-se de

caráter administrativo, de modo que é inviável a impugnação por meio de recurso

especial.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 247.565/AM, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira

Turma, julgado em 23.4.2013, DJe 29.4.2013.)

Processo Civil. Agravo de instrumento. Agravo regimental. Dúvida registral.

Procedimento administrativo. Impossibilidade de ser impugnada por via de

recurso especial. Falta de argumentos novos, mantida a decisão anterior.

Entendimento desta Corte. Súmula 83. Improvimento.

I - O procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial do Registro tramitado

perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional,

agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da

Administração Pública. Entendimento pacifi cado nesta Corte.

II - Não tendo a parte apresentado argumentos novos capazes de alterar o

julgamento anterior, deve-se manter a decisão recorrida. Incidência, no caso em

tela, da Súmula 83/STJ. Agravo improvido.

(AgRg no Ag 885.882/SP, Relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado

em 16.12.2008, DJe 11.2.2009.)

Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Natureza do

procedimento de dúvida. Procedimento administrativo que não se enquadra no

conceito de causa. Interposição de recurso especial. Impossibilidade.

1. Discute-se no presente feito acerca da natureza do procedimento de dúvida,

a fi m de viabilizar o trânsito do recurso especial.

2. Entendimento desta Corte no sentido que “O incidente de dúvida, no

procedimento de registro público, é de natureza administrativa. Ao decidi-lo,

o Tribunal exerce jurisdição voluntária, emitindo acórdão que – por não ser de

última instância, nem fazer coisa julgada material – é imune a recurso especial”

(REsp 612.540/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 5.3.2008).

3. Agravo regimental não-provido.

(AgRg no Ag 985.782/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda

Turma, julgado em 28.10.2008, DJe 26.11.2008.)

Agravo regimental em agravo de instrumento. Processual Civil. Dúvida

registral. Interposição de recursos de natureza extraordinária. Impossibilidade.

Procedimento administrativo que não se enquadra no conceito de causa. Recurso

improvido.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

374

I - A interposição de recurso especial tem como requisito intrínseco a existência

de causa decidida em última ou única instância por Tribunal.

II - O procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial do Registro tramitado

perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional,

agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da

Administração Pública.

III - Recurso a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 656.216/SP, Relator Ministro Massami Uyeda, Quarta Turma,

julgado em 21.8.2007, DJ 17.9.2007.)

Processual Civil. Recurso especial oriundo de processo administrativo de

dúvida suscitada por ofício de registro de imóveis. Acórdão emanado do

Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Descabimento do recurso especial.

Decisão prolatada em processo administrativo de dúvida suscitada por

Ofi cial de Registro de Imóveis, colidente com ordem judicial, não está sujeita à

competência do STJ, pela via especial.

(REsp 119.600/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado

em 14.12.2000, DJ 5.11.2001, p. 114.)

Recurso especial. Processo Civil. Registro público. Dúvida do ofi cial do registro.

Jurisdição voluntária. Apelação. Tantum devolutum quantum apellatum. Não

incidência. Acórdão em incidente de dúvida. Recurso especial incabível. Remessa

de ofício. Inexistência.

- O incidente de dúvida, no procedimento de registro público, é de natureza

administrativa. Ao decidi-lo, o Tribunal exerce jurisdição voluntária, emitindo

acórdão que – por não ser de última instância, nem fazer coisa julgada material –

é imune a recurso especial.

- No incidente de dúvida, embora não haja remessa de ofício, a apelação não

se submete à regra tantum devolutum quantum apellatum.

(REsp 612.540/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma,

julgado em 12.2.2008, DJe 5.3.2008.)

Suscitação de dúvida. Pagamento de preparo.

1. Há precedentes da Corte no sentido de que a suscitação de dúvida não é

processo que esteja submetido ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça,

ausente a confi guração de causa, assim devendo ser caracterizado o confl ito

entre o interessado e o ofi cial do registro competente. Mas, ainda que esse óbice

seja vencido, a dispensa de custas para o ajuizamento da dúvida não signifi ca

que a apelação esteja isenta de preparo, à míngua de qualquer dispositivo de lei

federal que dessa forma disponha.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 375

2. Recurso especial não conhecido.

(REsp 689.444/RS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira

Turma, julgado em 3.4.2007, DJ 30.4.2007.)

Processual Civil. Reclamação constitucional. Agravo regimental. Interesse de

agir. Ausência. Recurso não provido.

1. Não há como reconhecer a existência de interesse de agir quando a matéria

do recurso especial que se pretende ver processado com a procedência do

pedido formulado na reclamação - procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial

de Registro revestido de caráter administrativo -, não é passível de impugnação

por meio de recurso especial, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal

de Justiça.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg na Rcl 22.344/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Segunda Seção, julgado

em 10.12.2014, DJe 16.12.2014.)

Contudo, na eventual hipótese em que, suscitada a dúvida pelo ofi cial – ou

dúvida inversa, pelo próprio interessado –, sobrevier impugnação por terceiro,

colhem-se manifestações no sentido da existência de um litígio e, portanto, uma

“causa”, viabilizando o acesso à instância excepcional.

Essa discussão, vale dizer, não é inédita no âmbito desta Corte Superior.

Com efeito, na oportunidade em que julgado o Agravo Regimental no Recurso

Especial n. 1.380.742, debateu-se acerca da natureza do procedimento em

que se decide impugnação ao pedido de registro de loteamento – por demais

semelhante à dúvida registral –, inclusive para efeito de se aferir o cabimento

do apelo excepcional. Conquanto assentada, na oportunidade, sua natureza

administrativa, decidiu-se que a existência de pretensão resistida, por um dos

interessados, caracterizaria a “causa” de que trata o art. 105, III, da CF/1988.

Merecem destaque os fundamentos gravados no voto-vista proferido

pela em. Ministra Eliana Calmon, cujas conclusões vieram amparadas em

precedentes desta Casa e do col. STF:

A priori, tive dúvidas quanto ao cabimento do presente recurso especial, tendo

em vista se tratar na origem de impugnação a registro de loteamento urbano,

prevista no art. 19 da Lei n. 6.766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que

assim preceitua:

Lei n. 6.766/1979

Art. 19. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o Ofi cial

do Registro de Imóveis encaminhará comunicação à Prefeitura e fará

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

376

publicar, em resumo e com pequeno desenho de localização da área,

edital do pedido de registro em 3 (três) dias consecutivos, podendo este

ser impugnado no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da última

publicação.

§ 1º - Findo o prazo sem impugnação, será feito imediatamente

o registro. Se houver impugnação de terceiros, o Ofi cial do Registro de

Imóveis intimará o requerente e a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal

quando for o caso, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5 cinco)

dias, sob pena de arquivamento do processo. Com tais manifestações o

processo será enviado ao juiz competente para decisão.

§ 2º - Ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o juiz

decidirá de plano ou após instrução sumária, devendo remeter ao

interessado as vias ordinárias caso a matéria exija maior indagação.

§ 3º - Nas capitais, a publicação do edital se fará no Diário Ofi cial do

Estado e num dos jornais de circulação diária. Nos demais municípios,

a publicação se fará apenas num dos jornais locais, se houver, ou, não

havendo, em jornal da região.

§ 4º - O Oficial do Registro de Imóveis que efetuar o registro em

desacordo com as exigências desta Lei fi cará sujeito a multa equivalente

a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fi xados para o registro, na

época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartório,

sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.

§ 5º - Registrado o loteamento, o Ofi cial de Registro comunicará, por

certidão, o seu registro à Prefeitura.

Conforme se observa, cuida-se de procedimento de natureza administrativa,

bem semelhante ao procedimento de dúvida suscitado pelo Ofi cial do Registro,

em que o Poder Judiciário age em atividade de controle da Administração

Pública.

Contudo, atenta aos precedentes jurisprudenciais, adoto a tese favorável

ao cabimento da via recursal extraordinária nos casos em que há pretensão

resistida entre os interessados, a confi gurar causa, na acepção do art. 105, III, da

Constituição Federal.

Cito precedentes:

Recurso especial. Direito Processual Civil. Processo de dúvida em

registro imobiliário. Litígio entre interessados. Causa. Cabimento do

recurso especial. Bem pertencente a ex-administrador de instituição sob

intervenção ou em regime de liquidação extrajudicial. Indisponibilidade

não impeditiva da penhora em execução. Precedentes.

- Se a dúvida se estabelece unicamente entre o interessado e o ofi cial

do registro, não há causa, na acepção constitucional (art. 105, III, CF/1988),

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 377

descabendo o recurso especial; todavia, quando surge contenciosidade

entre os interessados, no processo administrativo regulado pela Lei n.

6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos), há causa e cabe o especial.

- A indisponibilidade patrimonial prevista no art. 36 da Lei n. 6.024/1974

se refere exclusivamente a atos de alienação de iniciativa do próprio ex-

administrador, não obstando a penhora de bens do seu patrimônio, em

execução contra ele movida por credor.

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 783.039/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado

em 25.9.2007, DJ 22.10.2007, p. 247, grifei)

Recurso especial. Admissibilidade. Dúvida em matéria de registro

imobiliário.

(...)

O processo de dúvida, quando de natureza puramente administrativa,

não havendo contraditório entre as partes interessadas mas apenas

dissenso entre o requerente e o serventuário, não confi gura uma “causa”, no

sentido constitucional, a ensejar recurso especial. Lei n. 6.015/1973, artigos

202 a 204.

Recurso especial não conhecido. (REsp 13.637/MG, 4ª Turma, Rel. Min.

Athos Carneiro, DJ de 23.11.1992, grifei).

Dúvida. Causa. Recurso Especial.

(...)

1. Havendo contraditório entre os proprietários e o Ministério Público,

acerca de dúvida suscitada pelo Oficial do Registro de Imóveis, está

confi gurada a causa, no sentido constitucional, e do acórdão proferido pela

Câmara do Tribunal de Justiça cabe recurso especial.

(...)

(REsp 4.810/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de

7.10.1996, grifei)

Processo Civil. Processo de dúvida. Litígio entre interessados. Causa.

Cabimento do recurso especial (...).

I - Em processo de dúvida, havendo litígio entre os interessados, e não

apenas dissídio entre o requerente e o Ofi cial do Registro Imobiliário, resta

confi gurada a existência de uma “causa”, conforme exigido no art. 105 da

Constituição para o cabimento do recurso especial.

(...) (REsp 185.618/ES, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ

de 24.5.1999).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

378

No mesmo sentido e já de há muito tempo, o posicionamento do STF,

consoante julgados assim ementados:

Processual Civil. Jurisdição graciosa. Dúvida suscitada pelo Ofi cial do

Registro de Imóveis. Trata-se de procedimento de jurisdição graciosa,

embora não regulado no Cód. Proc. Civ., mas na Lei n. 6.015, de 1973,

sobre os Registros Públicos, arts. 202 a 204. Se não houver contraditório

entre partes interessadas, mas apenas entre o requerente e o serventuário,

a espécie não confi gura uma causa, na acepção constitucional, a ensejar

recurso extraordinário (RE 85.606/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Décio Miranda, DJ

de 3.7.1979, grifei).

- Agravo regimental. Processo de duvida em registro imobiliário.

Superação do óbice preliminar:

Havendo contraditório entre as partes interessadas no processo de

duvida, este perde a índole administrativa e assume a natureza de causa,

resultando cabível, em tese, o recurso extraordinário.

Ausência, todavia, de requisitos formais necessários ao processamento

do recurso extremo, entre eles o do prequestionamento da matéria

constitucional. Preclusão do tema infraconstitucional em face da não

interposição da ARv, indispensável, na hipótese, a época, segundo

as disposições do art. 325 do RISTF. AGRG improvido. (AI 131.235 AgR,

Relator(a): Min. Celio Borja, Segunda Turma, julgado em 20.3.1990, DJ

20.4.1990 pp-03054 Ement vol-01577-03 pp-00677, grifei).

No caso concreto, entendo estar devidamente confi gurada uma causa, na

acepção constitucional, uma vez que a impugnação foi proposta pelo Ministério

Público, em contrariedade aos interesses dos particulares e ao entendimento

do Ofi cial Cartorário, tendo a demanda sido apreciada por órgão colegiado de

Tribunal local.

(AgRg no REsp 1.380.742/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,

julgado em 7.11.2013, DJe 20.11.2013.)

No mesmo sentido, cito outros precedentes do STJ:

Recurso especial. Direito Processual Civil. Processo de dúvida em registro

imobiliário. Litígio entre interessados. Causa. Cabimento do recurso especial. Bem

pertencente a ex-administrador de instituição sob intervenção ou em regime

de liquidação extrajudicial. Indisponibilidade não impeditiva da penhora em

execução. Precedentes.

- Se a dúvida se estabelece unicamente entre o interessado e o ofi cial do

registro, não há causa, na acepção constitucional (art. 105, III, CF/1988),

descabendo o recurso especial; todavia, quando surge contenciosidade entre os

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 379

interessados, no processo administrativo regulado pela Lei n. 6.015/1973 (Lei dos

Registros Públicos), há causa e cabe o especial.

(...)

Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 783.039/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

25.9.2007, DJ 22.10.2007, p. 247.)

Processo Civil. Processo de dúvida. Litígio entre interessados. Causa. Cabimento

do recurso especial. Embargos declaratórios. Efeito infringente. Possibilidade de

julgamento na mesma sessão. Cerceamento de defesa inocorrente. Circunstâncias

excepcionais não presentes. Precedentes. Recurso desacolhido.

I - Em processo de dúvida, havendo litígio entre os interessados, e não apenas

dissídio entre o requerente e o Ofi cial do Registro Imobiliário, resta confi gurada

a existência de uma “causa”, conforme exigido no art. 105 da Constituição para o

cabimento do recurso especial.

II - Na linha de precedente da Turma, como regra nada impede que o Tribunal

acolha os embargos declaratórios para ter por tempestiva a apelação e na mesma

sessão profi ra o julgamento desse recurso.

(REsp 185.618/ES, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,

julgado em 13.4.1999, DJ 24.5.1999, p. 175.)

Duvida. Causa. Recurso especial. Condominio. Divisão. Permuta.

1. Havendo contraditorio entre os proprietarios e o Ministerio Publico, acerca de

duvida suscitada pelo ofi cial do registro de imoveis, esta confi gurada a causa, no

sentido constitucional, e do acordão proferido pela Camara do Tribunal de Justiça

cabe recurso especial.

(...)

(REsp 4.810/PR, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em

20.8.1996, DJ 7.10.1996, p. 37.642.)

Recurso especial. Admissibilidade. Duvida em materia de registro imobiliario.

Duvida “inversa”, suscitada pelo apresentante de carta de arrematação, face a

negativa do ofi cial publico em lançar o titulo no respectivo registro imobiliario.

O processo de duvida, quando de natureza puramente administrativa, não

havendo contraditorio entre partes interessadas mas apenas dissenso entre o

requerente e o serventuario, não confi gura uma “causa”, no sentido constitucional,

a ensejar recurso especial. Lei n. 6.015/1973, artigos 202 a 204.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 13.637/MG, Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, julgado em

27.10.1992, DJ 23.11.1992, p. 21.894.)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

380

Com a devida vênia, não compartilho desse entendimento. Penso que,

ainda que no procedimento exista quantidade plural de partes, em polos opostos,

afi gura-se descabida a interposição de recurso especial contra acórdão proferido

em julgamento de apelação, tirada contra sentença que resolve dúvida suscitada

por ofi cial de registro de imóveis.

Efetivamente, tratando-se de procedimento de inequívoca natureza

administrativa, circunscrito à análise de questões formais do pedido de registro

ou averbação, no escopo de garantir a higidez do sistema e dos princípios

do direito registral, não se está diante de “causa decidida em única ou última

instância”, segundo o permissivo constitucional. Cabe ressaltar que nem mesmo

há espaço para a produção de provas, eventualmente necessárias para o exame

de questões mais complexas, que devem ser resolvidas pela via jurisdicional

adequada. Foi o que asseverou o TJGO (e-STJ, fl . 396/397):

Por oportuno, convém salientar o descabimento da discussão, nesta via, da

aventada má-fé dos 1ºs apelados e da 2ª apelada, a uma porque não há a devida

comprovação nestes autos; a duas porque, tratando-se de mera suscitação

de dúvida, não há espaço para a necessária dilação probatória para tal fim,

competindo ao interessado / apelante, se assim o quiser, valer-se de ação própria

para demonstrar que do resultado aqui apurado lhe resultou algum prejuízo

ilegal ou injusto.

Lado outro, também não é o caso de se dirimir a questão da má-fé do

apelante, pois tal matéria está pendente de julgamento na via própria,

a ação de conhecimento que os aqui 1ºs apelados propuseram contra o ora

apelante objetivando anular o negócio primário (contrato de compromisso de

compra e venda) e obter indenização (processo n. 50040-84.2012.8.09.0051 -

201200500401).

Não me parece ortodoxo, por outro lado, admitir a transmutação da

natureza de um procedimento que se origina administrativo, tomando a forma

de um processo judicial tão só pelo fato de que nele comparecem interessados em

posições antagônicas. É de se indagar, nesse particular, sobre o preenchimento

dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do

processo, como petição inicial apta (com causa de pedir, pedido e demais

requisitos do art. 319 do CPC/2015), subscrita por profi ssional habilitado,

a citação do réu ou do interessado, na forma prevista pela lei processual

(CPC/2015, art. 238 e ss.), etc.

Conquanto homônima do ato processual previsto no art. 203, § 1º, do

CPC/2015, a “sentença” proferida em solução à dúvida suscitada pelo ofi cial

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 381

de registro de imóveis com ele não se confunde. Trata-se de ato decisório

administrativo que não se reveste das mesmas características, não resultando de

quaisquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487 do CPC/2015 (arts. 267 e

269 do CPC/1973).

Até mesmo o recurso previsto no art. 202 da LRP, a despeito do nomem

juris que lhe deu o legislador – idêntico ao recurso judicial previsto nos arts.

1.009 do CPC/2015 e 513 do CPC/1973 –, tem natureza administrativa. Dessa

conclusão não diverge a doutrina especializada:

A referência do art. 203, LRP, ao trânsito em julgado da decisão da dúvida

diz respeito à preclusão administrativa correspondente ou, se se quiser, à coisa

julgada formal, certo de que o art. 204 da LRP dispõe, expressamente, que “a

decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo

contencioso competente”.

A previsão legal de recurso de apelação contra a sentença da dúvida

não implica a processualização desse meio, que persiste em sua natureza

administrativa, distinguível do processo de jurisdição voluntária, porque esta

última interdita o dúplice exercício das atribuições tutelares do Judiciário, ao passo

que, como se verifi ca no paradigma da dúvida, a normativa de regência ressalva a

duplicação desse exercício judicial.

Ao exigir a Lei de Registros Públicos o trânsito em julgado da sentença de

dúvida – seja da de procedência, seja de sua improcedência –, impõe o resguardo

da tramitação de pleitos dos recursos extraordinário e especial, incluso quanto

aos agravos de sua eventual negativa de seguimento. A previsão em pauta

concerta-se com a segurança jurídica reclamada do sistema registral, que não

se harmonizaria com inscrições assinadas por cintilante provisoriedade, como as

que demandassem ainda pronunciamento recursal.

(CLÁPIS, Alexandre Laizo. Lei de Registros Públicos Comentada; Coordenação José

Manuel de Arruda Alvim Neto, Alexandre Laizo Clápis, Everaldo Augusto Clamber. Rio

de Janeiro: Forense, 2014, pág. 1.081).

Nesse aspecto, qualquer que seja a decisão proferida no procedimento

de dúvida, sobre ela não pesarão os efeitos da coisa julgada, sendo certo

que a discussão pode ser reaberta no campo jurisdicional, por meio de um

processo adequadamente instaurado, com ampla cognição e regular trâmite

pelas instâncias judiciais. Até porque, como antes ponderado, conferir o status

de coisa julgada judicial à decisão administrativa – que, reitere-se, analisou

exclusivamente os aspectos formais do pedido de registro – teria como consequência a

impossibilidade de se discutir outros assuntos relativos à pretensão de quaisquer

dos interessados, na esteira do que impõe o art. 508 do CPC/2015 (art. 474 do

CPC/1973). No ponto:

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533. Decisão não tem qualidade de coisa julgada – Cuidou o legislador de

eliminar controvérsia quanto à natureza administrativa da dúvida. A decisão

nela proferida é de órgão judiciário, mas não corresponde a típico exercício da

função judicial, pois o juiz competente atua como corregedor do cartório, com

característicos próximos aos de superior hierárquico do delegado.

Não adquire qualidade de coisa julgada. Não vincula terceiro, mesmo que a

ela tenha comparecido. Enseja reapresentação do mesmo título pelo interessado,

podendo o ofi cial limitar-se à reiteração da dúvida anterior. A recusa do ofi cial em

prenotar o título sob alegação de que teria de repetir os termos da mesma dúvida

julgada, por serem perfeitamente iguais aos anteriores, implicaria o exercício

da atribuição do julgador, salvo se caracterizado espírito de emulação, pelo

interessado, assim reconhecido pelo corregedor do cartório.

O interessado pode, se afi rmada na sentença a procedência da dúvida, servir-

se da via contenciosa para deduzir pretensão ao registro, como está no preceito

constitucional, de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão

ou ameaça a direito”.

(CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. 19ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, págs. 203/204.)

A expressa indicação legal da natureza administrativa da dúvida – que não

somente aparta da nota contenciosa, mas também do predicado da jurisdição

voluntária (nisto que se veda com a jurisdição voluntária o concurso do processo

contencioso, que exatamente se admite com o processo administrativo) –

espanca a tese de que a disciplina da apelação, como recurso legalmente previsto

das sentenças na dúvida registrária, implicar-lhe-ia a processualização (vel potius:

sua jurisdicionalização).

(DIP, Ricardo Henry Marques. Comentário ao art. 204 da LRP. In: ARRUDA

ALVIM NETO, José Manuel; CLÁPIS, Alexandre Laizo; CAMBLER, Everaldo Augusto

(Coord.). Lei de registros públicos comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág.

1.083.)

Em tais circunstâncias, admitir-se a via recursal excepcional para o

julgamento desse tipo de controvérsia poderia resultar na abertura de acesso ao

STJ para o exame de toda e qualquer irresignação contra decisões proferidas por

órgãos colegiados de tribunais em procedimentos puramente administrativos,

como, p. ex., aqueles nos quais se delibera sobre a aplicação de penalidade

administrativa ou se decide o desdobramento de pensão de servidor falecido.

No mais, considerando que a lei de regência expressamente assenta a

natureza administrativa do procedimento (LRP, art. 204), até o “trânsito em

julgado” (LRP, art. 203), não é desarrazoado concluir que também uma eventual

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RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 383

decisão do STJ em julgamento de recurso especial estaria revestida dessa

mesma qualidade, podendo até ser revista em primeiro grau, no julgamento de

ação judicial promovida pelo prejudicado, como expressamente lhe faculta o

dispositivo antes referido.

Neste caso concreto, por sinal, noticia-se o ajuizamento de ação judicial

com discussão sobre a mesma controvérsia que é objeto deste recurso especial, a

par de outras questões jurídicas. Trata-se do processo autuado sob o n. 57168-

24.2013.8.09.0051 (201300571688), distribuído para a Primeira Vara Cível

da comarca de Trindade/GO. Naquele feito, o magistrado de primeiro grau

indeferiu o pedido de imissão liminar na posse pelo aqui recorrente. A decisão

foi impugnada por agravo de instrumento que, desprovido pelo TJGO, agora é

objeto do AREsp n. 742.687/GO, inicialmente distribuído para o em. Ministro

Villas Bôas Cueva, que me consultou sobre eventual prevenção, por conta da

possível conexão com este recurso.

Afora isso, entendo que a hipótese versada no presente caso tampouco se

caracteriza como procedimento de jurisdição voluntária, na forma regrada pelos

arts. 719 e ss. do CPC/2015 (arts. 1.103 e ss. do CPC/1973). No particular, a

par dos fundamentos jurídicos invocados nos textos doutrinários reproduzidos

acima, valho-me das ponderações lançadas pelo em. Ministro Marco Buzzi, no

voto que proferiu no Recurso Especial n. 1.370.524/DF (em que pese tratar-se,

ali, de feito assemelhado, relativo a procedimento de impugnação a pedido de

registro de loteamento):

Sobressai evidenciado, assim, que a atuação do Judiciário, ao solver

a impugnação ao registro de loteamento urbano apresentada por terceiros,

não exara provimento destinado a pôr fi m a um suposto confl ito de interesses

(hipótese em que se estaria diante do exercício da jurisdição propriamente dita),

ou mesmo, a possibilitar a consecução de determinado ato ou à produção válida

dos efeitos jurídicos perseguidos (caso em que se estaria no âmbito da jurisdição

voluntária). Como enfatizado, o Estado-juiz restringe-se a verifi car a presença de

requisitos exigidos em lei, para a realização do registro, tão-somente.

De fato, como afi rmado anteriormente, no julgamento da dúvida registral,

o magistrado limita-se a aferir a regularidade do pedido, no campo da legalidade

formal, aplicando a solução que reputa mais adequada, sob o exame exclusivo

dos aspectos relativos às normas que regem os registros públicos. Não há espaço

para nenhuma espécie de discussão que desborde desses lindes. A decisão não

soluciona propriamente um confl ito entre as partes, tampouco chancela ato

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

384

jurídico que necessariamente depende da participação estatal para sua validade.

Cinge-se a cotejar o requerimento, o questionamento do ofi cial e a possível

irregularidade apontada pelo impugnante, que, se reconhecida, pode inviabilizar

o registro ou a averbação. Ante o interesse público envolvido, penso que essa

irregularidade poderia até ser apontada por terceiro que nem ao menos revele

interesse jurídico direto no destino da impugnação, elemento adicional para se

afastar o caráter jurisdicional do procedimento, à luz do que veiculam os arts. 17

e 18 da lei processual vigente (arts. 3º e 6º do CPC/1973).

Não se sustenta, a meu ver, a conclusão de que a existência de litígio é

sufi ciente para qualifi car a “causa” exigida pelo art. 105, III, da Lei Fundamental.

Penso, em verdade, que o constituinte originário estabeleceu estreita relação

entre o conceito de “causa” e a atividade jurisdicional stricto sensu (processo

judicial), não admitindo, absolutamente, a abertura da via recursal excepcional

para impugnar julgamento de confl ito administrativo, ainda que tenha sido

realizado por órgão colegiado formado por membros do Poder Judiciário, no

exercício de atividade atípica.

Em abono dessa assertiva, valho-me das percucientes ponderações do em.

Ministro Celso de Mello, do col. STF, que não conheceu de recurso extraordinário

interposto contra acórdão que julgou apelação tirada contra sentença proferida

em procedimento de dúvida registral:

Bem por isso, cumpre levar em consideração a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal, que, versando o tema da interponibilidade do apelo extremo e

analisando-o na estrita perspectiva dos atos de natureza jurisdicional proferidos

no âmbito de uma causa, adverte:

São impugnáveis na via recursal extraordinária apenas as decisões fi nais

proferidas no âmbito de procedimento judicial que se ajuste ao conceito de

causa (CF, art. 102, III). A existência de uma causa - que atua como inafastável

pressuposto de índole constitucional inerente ao recurso extraordinário -

constitui requisito formal de admissibilidade do próprio apelo extremo.

A locução constitucional “causa” designa, na abrangência de seu sentido

conceitual, todo e qualquer procedimento em cujo âmbito o Poder Judiciário,

desempenhando sua função institucional típica, pratica atos de conteúdo

estritamente jurisdicional. Doutrina e jurisprudência.

(RTJ 161/1031, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno)

Foi com o propósito de assegurar o primado do ordenamento constitucional

que se delineou o perfil do recurso extraordinário, vocacionado a atuar, nos

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 385

procedimentos de índole estritamente jurisdicional, como instrumento de

impugnação excepcional de atos decisórios fi nais, sempre que estes, proferidos

em única ou em última instância, incidirem em qualquer das hipóteses taxativas

defi nidas no art. 102, inciso III, da Lei Básica.

A ativação da competência recursal extraordinária do Supremo Tribunal

Federal está sujeita, portanto, à rígida observância, pela parte recorrente, dos

diversos pressupostos que condicionam a utilização da via excepcional do apelo

extremo.

Dentre os pressupostos de recorribilidade, um há que, por específico,

impõe que a decisão impugnada tenha emergido de uma causa, vale dizer, de um

procedimento de índole jurisdicional.

Isso signifi ca que não basta, para efeito da adequada utilização da via recursal

extraordinária, que exista controvérsia constitucional. É também preciso que esse

tema de direito constitucional positivo tenha sido decidido no âmbito de uma

causa. Essa locução constitucional - “causa” - encerra um conteúdo específi co e

possui um sentido conceitual próprio.

Não é, pois, qualquer ato decisório do Poder Judiciário que se expõe, na

via do recurso extraordinário, ao controle jurisdicional do Supremo Tribunal

Federal. Acham-se excluídos da esfera de abrangência do apelo extremo todos os

pronunciamentos, que, embora formalmente oriundos do Poder Judiciário (critério

subjetivo-orgânico), não se ajustam à noção de ato jurisdicional (critério material).

A expressão causa, na realidade, designa qualquer procedimento em que o Poder

Judiciário, desempenhando a sua função institucional típica, resolve ou previne

controvérsias mediante atos estatais providos de final enforcing power. É-lhe

ínsita - enquanto estrutura formal em cujo âmbito se dirimem, com carga de

defi nitividade, os confl itos suscitados - a presença de um ato decisório proferido

em sede jurisdicional.

Daí o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘Do Recurso Extraordinário no

Direito Processual Brasileiro’, p. 292/293, 1963, RT, nota de rodapé n. 572), que,

apoiado nas lições de MATOS PEIXOTO (‘Recurso Extraordinário’, pág. 212, item n.

25, 1935, Freitas Bastos) e de CASTRO NUNES (‘Teoria e Prática do Poder Judiciário’,

p. 334, item n. 6, 1943, Forense), adverte que o objeto de impugnação na via do

apelo extremo será, sempre e exclusivamente, a decisão que resolver, de modo

defi nitivo, a situação de litigiosidade constitucional suscitada.

Os atos decisórios do Poder Judiciário, que venham a ser proferidos em

sede meramente administrativa (como ocorre em relação ao procedimento da

dúvida em matéria de registros públicos), não encerram conteúdo jurisdicional,

deixando de veicular, em conseqüência, a nota da definitividade que se

reclama aos pronunciamentos suscetíveis de impugnação na via recursal

extraordinária.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

386

Em suma: não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de

Justiça, que, em sede de procedimento de dúvida, julga recurso de apelação

interposto com fundamento no art. 202 da Lei dos Registros Públicos (Lei n.

6.015/1973). E que, em tal situação, a atividade desenvolvida pela Corte judiciária

local não se reveste de caráter jurisdicional, afastando, por isso mesmo, a

possibilidade de reconhecimento, na espécie, da existência de uma causa, para

os fi ns a que se refere o art. 102, III, da Constituição da República, consoante

tem advertido, em sucessivos pronunciamentos sobre essa específi ca matéria, a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

(...)

(RE 254.497, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 9.2.2000, publicado em DJ

18.2.2000, p. 125.)

Colhem-se, nessa mesma linha, outros pronunciamentos da Corte

Suprema:

O recurso extraordinário é cabível contra decisão judicial em sentido material,

isto é, contra decisão proferida por órgão do Poder Judiciário no exercício de

sua função propriamente jurisdicional. Daí o pressuposto constitucional de

cabimento do apelo extremo, expresso na palavra “causa” (inciso III do art. 102

da Lei Maior). Não se conhece, pois, de apelo extremo manejado nos autos de

procedimento de natureza administrativa (...). Os sistemas recursais próprios do

processo judicial e do processo administrativo não se mesclam e é exatamente

esta separação que resguarda os princípios do due process of law, entre os quais

os do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural e do amplo acesso à Justiça.

(RE 454.421-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23.5.2006, Primeira

Turma, DJ de 8.9.2006.).

No mesmo sentido, ainda: RE 804.329/SC, Rel. Min. Celso de Mello; ARE

948.214/DF, Rel. Min. Dias Toff oli; Rcl 19.119/SP, Rel. Min. Luiz Fux, dentre

outros.

Ressalto, como reforço de argumentação, que o texto da Constituição

Federal, em seu Capítulo III (Poder Judiciário), vale-se sempre da expressão

“causa” como sinônimo de processo judicial:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,

competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de

menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante

os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei,

a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 387

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da

Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

f ) as causas e os confl itos entre a União e os Estados, a União e o Distrito

Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração

indireta;

(...)

m) a execução de sentença nas causas de sua competência originária,

facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;

(...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou

última instância, quando a decisão recorrida:

(...)

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(...)

II - julgar, em recurso ordinário:

(...)

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo

internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou

domiciliada no País;

(...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última

instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do

Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

(...)

II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos

juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal

forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto

as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à

Justiça do Trabalho;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

388

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município

ou pessoa domiciliada ou residente no País;

III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado

estrangeiro ou organismo internacional;

(...)

V - A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;

(...)

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução

de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a

homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção,

e à naturalização;

(...)

§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária

onde tiver domicílio a outra parte.

§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção

judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato

ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no

Distrito Federal.

§ 3º Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio

dos segurados ou benefi ciários, as causas em que forem parte instituição de

previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara

do juízo federal, e, se verifi cada essa condição, a lei poderá permitir que outras

causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

Reconheço, todavia, que as manifestações da doutrina não são tão

peremptórias, sem embargo da quase invariável afi rmação de que os recursos

excepcionais não servem à impugnação de decisões proferidas em procedimentos

administrativos. Vejamos:

Resta ver o que se entende por “causa”, para fi ns de recurso extraordinário

e especial, cabendo observar desde logo que as considerações que seguem

aplicam-se a ambos os recursos, já que tanto o art. 102, III, como o art. 105, III,

da CF, a eles alusivos, usam a expressão “causas decididas”. No particular, cremos

que a palavra “causa” merece uma interpretação, em regra, genérica, fi cando

excepcionados apenas certos procedimentos de cunho administrativo, ou, se se

quiser, “parajudicial”. Assim, por entender que não confi guram, propriamente,

uma causa, o STF emitiu estas Súmulas: 733: “Não cabe recurso extraordinário

contra decisão proferida no processamento de precatórios”; 735: “Não cabe

recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar”.

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 389

Em procedimento de dúvida, de competência da Vara de Registros Públicos,

o STF entendeu que se tratava de procedimento de jurisdição voluntária, a

não configurar, propriamente, uma “causa”, para efeito de ensejar recurso

extraordinário (RTJ 107/628), pois não gera contraditório entre as partes

interessadas, mas apenas entre o requerente e o serventuário (RTJ 90/676, 90/713)

ou entre a parte e o juiz (RTJ 90/676). O mesmo se passa com os procedimentos

ditos justifi cações, perante a Justiça Militar (RTJ 127/669, 102/440). E em certo

caso onde se discutia acerca de intervenção estadual em município, ao argumento

de descumprimento de decisão judicial, o Min. Gilmar Mendes, do STF, negou

seguimento ao agravo tirado da denegação do RE: “Esta Corte tem assentado, em

diversos julgados, que a natureza da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça,

em sede de intervenção estadual, é político-administrativa. Portanto, insuscetível

de apreciação por este Tribunal, em recurso extraordinário, por não confi gurar

causa, nos termos do art. 102, III, da Carta Maior. Nesse sentido, o AgRAI 368.000/

MG, 2ª T., rel. Min. Maurício Corrêa, v.u., DJU 2.8.2002; e o AgRAI 230.228/SP, 1ª T.,

rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.u., DJU 3.9.1999”.

Em sede de recurso especial, pode ser tomada como parâmetro essa concepção

de que o STF tem a respeito do que seja uma “causa”, o que bem se compreende,

já que se cuida de recursos excepcionais, de direito estrito, dirigidos aos Tribunais

da Federação. Daí afirmar o Min. Almeida Santos, escrevendo para o recurso

especial: “A expressão ‘causa’, segundo os doutos, deve ser entendida em sentido

amplo, por signifi car qualquer procedimento judicial, inclusive os procedimentos

de jurisdição voluntária. Devo observar, entretanto, que nesse conceito não se

incluem os processos meramente administrativos, como o processamento do

precatório ou a dúvida prevista na legislação de registro público”.

A jurisprudência sobre a matéria sugere que a “causa”, cuja decisão pode

ensejar recurso extraordinário ou especial, haverá de ser aquela onde haja uma

lide, isto é, onde haja mérito, partes, jurisdição propriamente dita, em suma, onde

haja uma ação veiculada num processo. Não assim onde o exercício jurisdicional

se traduza numa “administração pública de interesses privados”, onde não há

partes, mas interessados, e não há processo, e sim procedimento. Em resumo, não

caberia o recuso nas “causas” relativas à jurisdição voluntária (= inter volentes).

(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial.

11ª ed. rev., atual. e ampl. De acordo com as leis 11.417/2006, 11.418/2006,

11.672/2008 e emendas regimentais do STF e do STJ. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2010, págs. 129/131.)

Contido no caput do art. 105, III, da Carta Maior, o termo causa traduz a

intenção do constituinte de incluir toda e qualquer manifestação jurisdicional dos

tribunais que adiz, desde que seja de única ou última instância.

Por isso, no conceito de causa estão incluídas as manifestações em jurisdição

contenciosa e voluntária. Arruda Alvim entende, contudo, que causa é sinônimo

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

390

de lide, litígio e, mesmo assim, não exclui da sua abrangência as hipóteses de

jurisdição voluntária.

O entendimento restritivo a respeito do conceito de causa, que exclui do

âmbito do recurso especial as manifestações em sede de jurisdição voluntária,

é bem especifi cado pelo citado doutrinador ao “a razão apontada é a de que,

na forma do disposto no art. 1.111, CPC/1973 – disposição esta consoante com

a doutrina nacional e estrangeira –, os procedimentos de jurisdição voluntária

não produzem coisa julgada. Assim, mesmo definitivamente extinto um

procedimento de jurisdição voluntária, existe a possibilidade de intentar-se outro.

Este outro processo poderá possibilitar a correção do erro cometido no anterior.

Outrossim, se isto não ocorrer, poderá a parte que se entender efetivamente

prejudicada, ainda à vista da não produção de coisa julgada, em procedimento

de jurisdição voluntária, mover ação ordinária contra a outra parte e, então, deste

autêntico litígio ou causa, caberá o respectivo recurso extraordinário.

Segundo Pádua Ribeiro, ‘o texto constitucional emprega, portanto, a palavra

‘causa’ em sentido amplo. O seu conceito é mais abrangente que o de ‘ação’.

Lembra Castro Nunes que ‘qualquer processo, seja de que natureza for, se nele

for proferida decisão de que resulte comprometida uma lei federal, é uma causa

para os efeitos do recurso extraordinário’, ensinamento que vale para o recurso

especial. Alerta, porém, o grande jurista, que certos procedimentos, relativos a

atribuições administrativas dos órgãos judiciários, não são propriamente causas.

Nesse sentido, exemplifi ca: ‘É o que ocorre nos casos em que o Tribunal pratica um

ato de natureza administrativa, alheio à sua função específi ca de órgão judiciário.

Exemplos: quando elabora o seu Regimento Interno, impõe punição disciplinar,

organiza uma lista de candidatos para nomeação e promoção, etc. Se o ato lesa

um direito individual, cabe ao prejudicado usar do mandado de segurança ou

propor a ação que couber, e será esse o feito judicial de cuja decisão fi nal caberá

então o recurso extraordinário’ (leia-se: recurso especial).

(...)

Além da manifestação em sede de correição, “dúvidas subsistem em alguns

casos. Assim, por exemplo, no que toca a arestos proferidos em apelação de

sentenças em processos de dúvida suscitada por oficial de registro público.

No Supremo Tribunal Federal, existem decisões em ambos os sentidos: pela

admissão do recurso extremo” (RTJ, 84/151) e pelo descabimento, quando não

há contraditório entre partes interessadas, mas apenas entre o requerente e o

serventuário (RTJ, 90/913 e 97/1.250).

(...)

Não cabe especial apelo das decisões dos tribunais que se refiram a

procedimentos administrativos, mesmo que punitivos, por refl etirem a autonomia

e o autogoverno do Poder Judiciário.

(SARAIVA, José. Recurso especial e o Superior Tribunal de Justiça. São Paulo:

Saraiva, 2002, págs. 144/149.)

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 391

Lembro, fi nalmente, que a Quarta Turma examinou discussão estabelecida

em sede de pedido de registro de loteamento, consignando a natureza

administrativa do procedimento, a despeito de existir, naquele caso antes

mencionado, impugnação por terceiros interessados:

Recurso especial. Impugnações ao pedido de registro de loteamento. Decisão

que as rejeita. Manejo de recurso de apelação pelos impugnantes. Apelo

conhecido, pelas instâncias ordinárias, como recurso administrativo, remetendo-

se o feito à Corregedoria do Tribunal de Justiça. O julgamento da impugnação

apresentada por terceiros, restrito à análise da presença de requisitos exigidos

em lei para a consecução do registro (a ser proferido no âmbito do Judiciário),

não tem o condão de modificar a essência administrativa do correlato

procedimento, notadamente porque se insere nas atribuições destinadas ao

controle da regularidade e continuidade dos serviços delegados, a cargo dos

Juízes Corregedores e pelas Corregedorias dos Tribunais, lastradas no § 1º do

artigo 236 da Constituição Federal. Recurso especial desprovido. Insurgência do

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Hipótese em que as instâncias precedentes, por reconhecer a natureza

administrativa da impugnação ao registro de loteamento, receberam o recurso

de apelação como recurso administrativo, a ser julgado pela Corregedoria do

Tribunal de Justiça.

1. De acordo com o parágrafo primeiro do artigo 236 da Constituição Federal,

incumbe ao Poder Judiciário, de modo atípico, exercer função correcional e

regulatória sobre a atividade registral e notarial, a ser exercida, nos termos da

Lei de Organização Judiciária e Regimento Interno de cada Estado, pelo Juiz

Corregedor, Corregedorias dos Tribunais e Conselho Superior da Magistratura.

1.1. É justamente no desempenho desta função correcional que o Estado-

juiz exerce, dentre outras atividades (como a de direção e a de disciplina), o

controle de legalidade dos atos registrais e notariais, de modo a sanear eventuais

irregularidades constatadas ou suscitadas, o que se dará por meio de processo

administrativo.

2. No âmbito do procedimento administrativo de registro de loteamento

urbano, o Estado-juiz cinge-se, justamente, a analisar a regularidade e a

consonância do pretendido registro com a lei, tão-somente. Nessa extensão,

e, como decorrência da função correcional/fiscalizatória, o Poder Judiciário

desempenha atividade puramente administrativa, consistente, portanto, no

controle de legalidade do ato registral.

3. A atuação do Judiciário, ao solver a impugnação ao registro de loteamento

urbano apresentada por terceiros, não exara provimento destinado a pôr fi m a

um suposto confl ito de interesses (hipótese em que se estaria diante do exercício

da jurisdição propriamente dita), ou mesmo, a possibilitar a consecução de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

392

determinado ato ou à produção válida dos efeitos jurídicos perseguidos (caso em

que se estaria no âmbito da jurisdição voluntária). Como enfatizado, o Estado-juiz

restringe-se a verifi car a presença de requisitos exigidos em lei, para a realização

do registro, tão-somente.

4. A própria lei de regência preconiza que, em havendo controvérsia de alta

indagação, deve-se remeter o caso à via jurisdicional, depreendendo-se, por

consectário lógico, que o “juiz competente” referido na lei, ao solver a impugnação

ao registro de loteamento, de modo algum exerce jurisdição, mas sim, atividade

puramente administrativa de controle de legalidade do ato registral.

5. O julgamento da impugnação apresentada por terceiros, restrito à análise

da presença de requisitos exigidos em lei para a realização do registro (a ser

proferido no âmbito do Judiciário), não tem o condão de modifi car a essência

administrativa do procedimento, notadamente porque se insere nas atribuições

destinadas ao controle da regularidade e continuidade dos serviços delegados, a

cargo dos juízes corregedores e pelas corregedorias dos Tribunais, lastradas no §

1º do artigo 236 da Constituição Federal.

6. Devidamente delimitada a natureza da atividade estatal desempenhada

pelo Poder Judiciário ao julgar o incidente sob comento, a via recursal deve,

igualmente, observar os comandos legais pertinentes ao correlato procedimento

administrativo.

6.1. Em se tratando de questão essencialmente administrativa, o

conhecimento e julgamento do recurso administrativo acima referenciado

integra, inarredavelmente, a competência das Corregedorias dos Tribunais ou

do Conselho Superior da Magistratura (a depender do que dispõe o Regimento

Interno e a Lei de Organização Judiciária do Estado), quando do desempenho,

igualmente, da função fi scalizadora e correicional sobre as serventias e órgãos

prestadores de serviços notariais e de registro.

7. Recurso Especial desprovido.

(REsp 1.370.524/DF, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em

28.4.2015, DJe 27.10.2015.)

Ante o exposto, por entender não ocorrente a hipótese prevista no art. 105,

III, da Constituição Federal, não conheço do recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cinge-se a controvérsia em decidir sobre

a admissibilidade do recurso especial, interposto por André Luiz de Freitas com

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Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO

RSTJ, a. 29, (245): 331-394, janeiro/março 2017 393

fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, decorrente de

procedimento de dúvida registral impugnado.

Consta dos autos que a dúvida foi suscitada pelo Cartório do 1º Tabelionato

e Registro de Imóveis de Trindade/GO uma vez que recebeu, em relação a um

mesmo imóvel e com compradores distintos, um Contrato de Compromisso de

Compra e Venda e uma Escritura Pública para registro (e-STJ fl s. 03/06).

Após discorrer sob re a natureza administrativa do procedimento de

dúvida registral, o Exmo. Min. Relator, não conheceu do recurso especial, por

entender incabível a interposição de recurso especial contra acórdão proferido

em julgamento que resolve processos administrativos.

Por outro lado, o Min. Raul Araújo apresentou voto-vista no sentido de

que, no caso específi co dos autos, a impugnação apresentada deu contornos de

causa à dúvida registral.

De fato, o procedimento da dúvida registral é um processo sui generis

em nosso Direito. Contudo, não há controvérsia quanto ao seu objeto: exame

da registrabilidade de título apresentado em cartório extrajudicial pelo juízo

competente para dirimi-la.

Com efeito, a causa de pedir da dúvida, segundo Maria Helena Diniz, é

restrita “ao requerimento do apresentante do título, para que o magistrado se

pronuncie sobre a legalidade da exigência feita, relativamente a um instrumento

ou a vários documentos, decidindo se é ou não indispensável ao registro

pretendido” (In Sistemas de Registros de Imóveis. 10ª ed.. São Paulo: Saraiva,

2012, Pg. 346).

Na hipótese, como bem observado pelo Min. Raul Araújo em seu voto-

vista, o recorrente interpôs “ação ordinária declaratória de validade de negócio

jurídico c/c anulatória de negócio jurídico c/c imissão de posse c/c adjudicação

c/c indenização” (e-STJ fl . 702), tendo como causa de pedir a anulação de

“negócio jurídico pactuado posteriormente fi rmado” com a terceira recorrida,

conforme consta de certidão narrativa do processo de fl s. e-STJ 827/828.

O desfecho da referida ação irá, inevitavelmente, espraiar seus efeitos para

a dúvida registral iniciada pelo tabelião tratada neste apelo especial.

Assim, o ajuizamento de ação litigiosa com objeto bem mais amplo, que

abarca a querela aqui trazida, torna prejudicada a análise da dúvida quanto ao

registro ou não dos contratos apresentados para registro no Cartório do 1º

Ofício – Tabelionato e Registro de Imóveis – de Trindade/GO.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

394

Forte nessas razões, pedindo vênias ao Ilustre Relator, não conheço do

recurso especial, mas por outro fundamento.

É como voto.

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Terceira Turma

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 478.423-RJ (2014/0036948-4)

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Embargante: Digidata Consultoria e Serviços de Processamento de Dados

Ltda

Advogados: Augusto Pastuch de Almeida e outro(s)

Bruna de Oliveira Mendes

Advogados: Gabriela Guimaraes Peixoto

Fernanda Delbons Soares Cataldi e outro(s)

Embargado: Unisys Brasil Ltda

Advogados: Fernando Crespo Queiroz Neves e outro(s)

Guilherme Pimenta da Veiga Neves e outro(s)

José Manoel de Arruda Alvim Netto

Eduardo Arruda Alvim

EMENTA

Embargos de declaração. Erro material. Não ocorrência. Normas

constitucionais. Análise descabida na instância especial. Omissões

alegadas. Reconhecimento. Novo exame do recurso especial.

Cumprimento de sentença. Correção monetária. Mera preservação do

valor da condenação. Interpretação da coisa julgada.

1. Considera-se como data de julgamento da apelação aquela em

que concluído o julgamento dos segundos embargos de declaração,

dado seu caráter integrativo.

2. É inviável ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria

da competência do Supremo Tribunal Federal, ainda que para

prequestionar normas constitucionais, sob pena de contrariedade às

rígidas atribuições jurisdicionais fi xadas na Carta Magna.

3. Na interpretação do título executivo judicial, deve-se adotar a

que guarde conformidade com o objeto do processo e com as questões

a seu respeito suscitadas pelas partes na fase de postulação.

4. “A decisão que, na fase de cumprimento de sentença, deixa de

assegurar ao credor a indispensável atualização monetária dos valores

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

398

devidos não cumpre seu papel preponderante de restabelecer o status

quo ante, impondo-lhe, não obstante o reconhecimento judicial do

seu direito, uma tutela jurisdicional imperfeita, que não contempla

a efetiva recomposição do poder aquisitivo da moeda” (REsp n.

1.446.712/RJ).

5. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes,

para, provendo-se o agravo, conhecer do recurso especial e dar-lhe

parcial provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal

de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráfi cas a seguir, por

unanimidade, acolher os embargos de declaração, com efeitos infrigentes, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas

Cueva e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e

Marco Aurélio Bellizze.

Brasília (DF), 23 de agosto de 2016 (data do julgamento).

Ministro João Otávio de Noronha, Relator

DJe 29.8.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se de embargos

declaratórios opostos por Digidata Consultoria e Serviços de Processamento de

Dados Ltda. a acórdão assim ementado:

Agravo regimental. Agravo no recurso especial. Cumprimento de sentença.

Elaboração de cálculos. Índice de correção utilizado. Incidência das Súmulas n.

282 e 284/STF.

1. Não há como conhecer de questão alegada exclusivamente em embargos

declaratórios, em razão da falta do necessário prequestionamento, requisito

viabilizador do acesso à instância especial. Incide a Súmula n. 282 do STF.

2. A recorrente não conseguiu demonstrar, com clareza e objetividade, de que

forma o decisório impugnado incorrera em ofensa aos dispositivos indicados.

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Assim, em face da defi ciente fundamentação, aplica-se à espécie a Súmula n. 284/

STF.

3. Agravo regimental desprovido.

A parte embargante, inicialmente, narra todos os fatos ocorridos no

processo. Após, com fundamento no art. 535 do Código de Processo Civil de

1973, aduz haver omissões que precisam ser sanadas.

Alega que o acórdão ora embargado, ao afastar a preliminar de negativa de

prestação jurisdicional, deixou de se manifestar sobre os seguintes aspectos: (a)

o apontado erro material em que incorreu o acórdão do Tribunal de origem ao

se referir à data de julgamento da apelação (22.11.2011 ao invés de 28.6.2011);

e (b) a omissão do acórdão estadual sobre a fundamentação do aresto proferido

na ação de conhecimento, no sentido de que lhe fora assegurada a correção

monetária a contar da data dos pagamentos a menor.

Também aponta omissão quanto à circunstância de que, em sua

contraminuta ao agravo de instrumento, já havia invocado os arts. 389, 395 e 404

do Código Civil, o que contradiz a assertiva de que se trataria de matéria nova,

somente suscitada nos embargos declaratórios opostos na Corte de origem.

Sustenta ainda haver omissão por não se especifi car de que forma suas

razões recursais seriam defi cientes para atrair a aplicação da Súmula n. 284 do

STF. Argumenta que buscou demonstrar, de maneira absolutamente clara, como

ocorreu a ofensa à lei federal, transcrevendo trecho de suas razões recursais.

Tece considerações acerca do seu direito à correção monetária, dos

requisitos de admissibilidade do recurso especial e da ofensa aos arts. 389, 395 e

404 do Código Civil.

Pleiteia o acolhimento dos embargos para que, sendo-lhes concedidos

efeitos modifi cativos, inverta-se a conclusão do acórdão embargado.

Requer também pronunciamento a respeito do art. 93, IX, da Constituição

Federal, de forma a lhe propiciar a abertura de via excepcional.

A parte adversa apresenta impugnação (fl s. 1.190/1.196).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro João Otávio de Noronha (Relator): De início, cumpre

salientar que os presentes embargos de declaração foram opostos sob a égide

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do Código de Processo Civil de 1973, razão pela qual devem ser exigidos os

requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas,

até então, pela jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça (Enunciado

Administrativo n. 2/STJ).

Anote-se, preliminarmente, que o apontado erro material quanto à

data de julgamento da apelação não foi invocado nos embargos declaratórios

oferecidos na origem, somente tendo sido suscitado nas razões do recurso

especial. De qualquer forma, não procede a alegação de que tal questão tenha

sido desconsiderada pelo aresto ora embargado. Isso porque, embora a apelação

tenha sido julgada em 28.6.2011, foram opostos dois embargos de declaração

e o julgamento do segundo ocorreu em 22.11.2011. Dado o caráter integrativo

dos embargos declaratórios, correta a assertiva do Tribunal de origem de que

o julgamento da apelação se operou nessa segunda data, em que foi concluído

efetivamente.

Quanto aos dispositivos constitucionais invocados, registre-se que é

incabível manifestação com vistas ao requisito do prequestionamento de matéria

constitucional para possibilitar a abertura da via recursal no Supremo Tribunal

Federal, uma vez que tal desiderato não se coaduna com a natureza da função

jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, que, na instância especial, deve

restringir-se à apreciação de questões federais infraconstitucionais, sob pena de

contrariedade às rígidas atribuições jurisdicionais fi xadas na Carta Magna.

Ao se afastar a violação do art. 535, II, do CPC/1973, não se deixou

de examinar a alegada omissão no julgado da Corte de origem sobre a

fundamentação do aresto proferido na ação de conhecimento, no sentido de

que fora assegurada a correção monetária a contar da data dos pagamentos a

menor. Afastou-se a negativa de prestação jurisdicional porque o Tribunal a

quo foi categórico em afi rmar que, “de fato, não existe na decisão exequenda

(fl s. 55 e fl s. 61) qualquer comando determinando a aplicação do índice do

IGP-M no período entre 1º.7.1994 e 30.9.2012”. Houve expressa manifestação

a respeito do quanto alegado, ainda que em sentido diverso do pretendido pela

embargante.

Ademais, não há falar em omissão pelo fato de o órgão julgador não ter

adotado as teses da parte na forma como expendidas em sede recursal, pois

basta que se atenha aos pontos relevantes e necessários ao deslinde do litígio

e adote fundamentos que se mostrem cabíveis à prolação do julgado, o que foi

plenamente atendido no aresto embargado.

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A embargante alega que houve omissão no acórdão embargado ao concluir

pela aplicação das Súmulas n. 282 e 284 do STF no que se refere à apontada

ofensa aos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil.

Melhor examinando a questão, reconheço, inicialmente, que a embargante

já havia invocado tais dispositivos em contrarrazões ao agravo de instrumento,

não sendo correta a assertiva de que a matéria só foi alegada em embargos

de declaração, como se afi rmou. A rigor, a manifestação expressa do Tribunal

de origem sobre os dispositivos invocados pela parte é que ocorreu somente

no momento de responder aos aclaratórios, oportunidade em que afi rmou o

seguinte:

Registre-se por fi m que não há qualquer ofensa aos arts. 389, 395 e 404 do

Código Civil de 2002, tendo em vista que a forma de cálculo do valor devido já se

encontra fi xada no título judicial (fl . 910).

Assim, conquanto o Tribunal a quo tenha-se limitado a rejeitar a ocorrência

de violação dos dispositivos invocados com a simples assertiva de que a forma

de cálculo do valor devido já estaria fi xada no título judicial, é certo que se

pronunciou a respeito, afastando a existência de qualquer afronta aos artigos

indicados, cujo prequestionamento deve ser reconhecido.

Nesse contexto, procedi a novo exame das razões recursais e, após bem

refl etir a respeito, convenci-me de que o recurso merece ser provido.

A recorrente moveu ação para cobrança de juros e correção monetária

decorrentes do atraso no pagamento de faturas no período de janeiro/1993

a junho/1994, devendo o respectivo valor ser atualizado até a data do efetivo

pagamento. Os pedidos foram julgados improcedentes em primeira instância.

Em grau de apelação, houve reforma da sentença para “dar parcial

provimento ao recurso para condenar a ré ao pagamento da correção monetária, pelo

IGP-M/FGV, incidente sobre os valores pagos a menor a partir de 27 de janeiro de

1993 até 01 de julho de 1994, reconhecendo-se a sucumbência recíproca”.

Na fundamentação do julgado, a Corte de origem registrou:

No que tange à correção monetária, ainda que não prevista sua incidência

no contrato celebrado entre a apelante e a DATAMEC, cabe aplicá-la em

todos os débitos por constituir mera e justa atualização da moeda, segundo a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria.

[...]

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402

Assim sendo, infere-se que a autora tem direito ao recebimento da correção

monetária a partir da data em ocorreu a lesão ao seu direito (27.1.1993 - fl s. 04)

pelo IGP-M/FGV, índice que a jurisprudência do STJ indica ser o que melhor refl ete

a real perda infl acionária.

Ao ser provocado, nos primeiros embargos de declaração oferecidos pela

recorrente, acerca da incidência de juros e correção sobre os valores devidos

e a forma de liquidação da sentença, o Tribunal a quo afi rmou que o valor da

condenação seria acrescido de correção monetária a partir do julgado, o que

gerou obscuridade e o oferecimento dos segundos declaratórios, que foram

rejeitados, afi rmando o colegiado “que a ré já fi cou condenada na atualização

monetária do valor devido, como pleiteado na inicial, não se afi gurando no julgado

violação aos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil”.

Esse último esclarecimento, contudo, não foi considerado pelo acórdão

recorrido quando afi rmou inexistir no título executivo comando de aplicação

do IGP-M no período de 1º.7.1994 a 30.9.2012. Ora, ao afi rmar que a ré já

fi cara condenada na atualização monetária do valor devido, como pleiteado na

inicial, reconheceu o Tribunal que lhe assegurou a atualização do valor devido

desde o momento da lesão até o efetivo pagamento, pois foi esse o expresso

pedido exordial. Entender diversamente cria uma contradição na medida em

que a fundamentação do título executivo – que deferiu a correção monetária

por reconhecer não ser nada mais é do que mera atualização do valor da moeda,

sendo devida desde a data em que ocorrera a lesão ao direito da autora – não

autoriza a conclusão de se excluir, no período de 1º.7.1994 a 30.9.2012, essa

mesma correção monetária sobre o valor que se reconheceu devido.

Além da apontada contradição, a interpretação do título judicial feita pelo

Tribunal a quo – “congelando” o valor da condenação ao longo de vários anos

– resulta em lhe impingir a característica de um provimento jurisdicional citra

petita, pois é assente que a correção monetária não é um plus que se adiciona,

mas um minus que se evita.

Segundo a abalizada doutrina de Arruda Alvim, o intérprete de uma decisão

judicial deve valer-se não apenas do critério hermenêutico da literalidade, mas

também perquirir a intenção inequívoca do julgador à luz do contexto decisório

e fático:

[...]

Uma sentença deve ser entendida e interpretada à luz de determinados

elementos, os quais hajam sido assumidos pelo julgador, e, principalmente, no

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

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plano dos fatos dela constantes ou nela descritos, tendo em vista a referibilidade

aos fatos que aí se pretende descrever. Estes elementos são úteis para o

entendimento de uma sentença e particularmente úteis quando se tratar da

identifi cação e conseqüente correção de erro material ou erro de cálculo.

Se considerarmos o critério da interpretação literal, é ele, certamente,

inservível para detectação de um erro material que possa ter sido cometido. O que

se há de fazer para identifi car a ocorrência de erro material é, precisamente, verifi car

o que teria querido, inequivocamente, signifi car a decisão de que se cogite. (Manual

de direito processual civil. V. 2. 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2003, p. 685, grifou-se.)

No caso, inexiste, no título executivo judicial, fundamento que permita

concluir tenha havido a intenção da Corte julgadora de excluir a correção

monetária sobre os valores pleiteados e que se reconheceu como devidos, desde

o momento da lesão até seu efetivo pagamento. Essa é a única conclusão que

se coaduna com as regras insculpidas nos arts. 128 e 460 do CPC/1973, que

concretizam o princípio da adstrição ou congruência. O provimento jurisdicional

há de guardar correspondência com o objeto do processo e com as questões a

seu respeito suscitadas pelas partes na fase de postulação.

É assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, quando

a sentença comportar mais de uma interpretação, deve-se escolher aquela que

guarde maior coerência com a causa e se mostre mais razoável, hipótese que não

ofende a coisa julgada. Nesse sentido, confi ram-se os seguintes precedentes:

Agravo regimental no recurso especial. Cumprimento de sentença.

Determinação do título judicial de que a verba honorária incidirá sobre “o

valor a ser apurado”. Alegação de ofensa à coisa julgada. Reexame de provas.

Descabimento. Súmula 7/STJ. Agravo regimental a que se nega provimento.

1. Impossível a revisão do julgado quanto ao entendimento proferido pela

Corte estadual acerca da análise do dispositivo da sentença que estabeleceu a

base de cálculo dos honorários advocatícios, se tal procedimento demanda o

reexame do conjunto fático-probatório da causa. Incidência da Súmula n. 7 do

STJ.

2. “O dispositivo da sentença transitada em julgado é imutável, mas não dispensa

uma interpretação conforme ao espírito do que foi decidido” (REsp n. 835.040/SP,

Relator o Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ de 7.8.2006).

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.353.076/

SE, Terceira Turma, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 5.4.2016.)

Recurso especial. Processual Civil. Cumprimento de sentença. Violação da coisa

julgada não confi gurada. Interpretação da sentença exequenda. Possibilidade.

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1. Discute-se, em cumprimento de sentença, a possibilidade de se interpretar

título judicial de maneira mais abrangente, sem ofensa à coisa julgada.

2. A orientação desta Corte é no sentido de se buscar a interpretação mais

adequada ao título judicial, de acordo com os critérios nele próprio estabelecidos.

Precedentes do STJ.

[...]

4. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.512.227/SE, Terceira Turma, relator

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 25.6.2015.)

Processual Civil. Administrativo. Empréstimo compulsório de energia elétrica.

Correção monetária plena. Coisa julgada. Interpretação. Conformidade com os

limites da lide. Restituição a menor. Violação da coisa julgada. Multa. Afastamento.

[...]

2. A melhor interpretação do título executivo judicial se extrai da fundamentação

que dá sentido e alcance ao dispositivo do julgado, observados os limites da lide, em

harmonia com o pedido formulado no processo, ressaltando que, “havendo mais de

uma interpretação possível de ser extraída do título judicial, deve ser escolhida aquela

que se mostre mais razoável, não conduzindo a uma solução iníquia ou exagerada”

(AgRg no REsp 1.319.705/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira

Turma, julgado em 16.4.2015, DJe 23.4.2015).

3. “Havendo dúvidas na interpretação do dispositivo da sentença, deve-se preferir

a que seja mais conforme à fundamentação e aos limites da lide, em conformidade

com o pedido formulado no processo. Não há sentido em se interpretar que foi

proferida sentença ultra ou extra petita, se é possível, sem desvirtuar seu conteúdo,

interpretá-la em conformidade com os limites do pedido inicial” (REsp 818.614/MA,

Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 20.11.2006)

[...]

Recurso especial provido. (REsp n. 1.413.991/RJ, Segunda Turma, relator

Ministro Humberto Martins, DJe de 19.6.2015.)

Agravo regimental no recurso especial. Civil e Processual Civil. Impugnação

ao cumprimento de sentença. Honorários advocatícios. Fixação em sede de

embargos do devedor.

1. Recurso especial interposto contra decisão proferida em sede de impugnação

ao cumprimento de sentença referente à execução dos honorários de advogado

arbitrados em embargos do devedor em percentual sobre o proveito econômico

do devedor/embargante obtido com a redução da dívida executada.

2. Controvérsia em torno do termo fi nal a ser considerado para a incidência

dos encargos fi nanceiros incidentes sobre a dívida executada.

3. Correta a interpretação da sentença, confi rmada pelo acórdão recorrido, de

considerar como termo fi nal a data do ajuizamento do processo de execução.

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4. Inocorrência de ofensa à coisa julgada, pois a interpretação do título executivo

judicial constitui dever do juízo da execução.

5. Havendo mais de uma interpretação possível de ser extraída do título judicial,

deve ser escolhida aquela que se mostre mais razoável, não conduzindo a uma

solução iníqua ou exagerada.

6. Precedente da Corte Especial do STJ.

7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.319.705/RS, Terceira Turma,

relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 23.4.2015.)

Agravo regimental no recurso especial. Civil e Processual Civil. Impugnação

ao cumprimento de sentença. Honorários advocatícios. Fixação em sede de

embargos do devedor.

[...]

5. Havendo mais de uma interpretação possível de ser extraída do título judicial,

deve ser escolhida aquela que se mostre mais razoável, não conduzindo a uma

solução iníqua ou exagerada.

[...]

7. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.319.705/RS, Terceira Turma,

relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 23.4.2015.)

Agravo regimental. Civil e Processual Civil. Impugnação ao cumprimento

de sentença. Direito de acrescer. Ofensa à coisa julgada. Não ocorrência. Título

executivo. Critério interpretativo. Conformidade com os limites da lide. Precedente

específi co desta Corte. Excesso de execução. Não ocorrência.

1. Cabimento do direito de acrescer, independentemente de previsão no título

executivo, no caso de pensão intuitu familiae, como na espécie. Precedentes.

2. Não é adequada a exegese do título executivo que conduza a um provimento

citra petita se, analisando o contexto da lide, for possível extrair um sentido que torne

hígido o provimento jurisdicional. Precedente específi co desta Corte.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no Ag n. 1.209.255/MG,

Terceira Turma, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 13.8.2012.)

Civil e Processo Civil. Recurso especial. Ação declaratória c/c compensação por

danos morais. Cumprimento de sentença. Impugnação. Alegação de suposto erro

de interpretação quanto à metodologia de cálculo adotada pelo credor. Análise

de possível ofensa à coisa julgada.

[...]

5. A imprecisão terminológica com que foi redigido o julgado, faz com que

ele admita mais de uma interpretação possível, sem, com isso, agredir a sua

imutabilidade.

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6. Havendo, portanto, mais de uma interpretação possível, cabe ao Poder

Judiciário escolher, entre elas, a que guarde maior pertinência com o sistema

jurídico, afastando a que leve a resultados visivelmente indesejados de acordo

com os valores consagrados no ordenamento.

[...]

10. Recurso especial da Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB não

conhecido. Recurso especial de Flávio Gaspary Dornelles conhecido em parte e,

nessa parte, não provido. (REsp n. 1.274.515/RS, Terceira Turma, relatora Ministra

Nancy Andrighi, DJe de 23.2.2012.)

No caso, ao interpretar o título executivo judicial de forma a manter

“congelado” o valor devido à ora embargante ao longo de vários anos, o acórdão

recorrido adotou entendimento que esvazia a fundamentação daquele julgado,

além de implicar violação do comando dos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil,

que preveem expressamente o seu cabimento.

Saliente-se, uma vez mais, que, por ser a correção monetária mera

reavaliação nominal do valor da condenação, a jurisprudência do STJ é uníssona

em proclamar que independe até mesmo de pedido expresso da parte, além

de poder ser incluída na fase de liquidação do julgado, sem que isso confi gure

ofensa à coisa julgada. Nesse sentido:

Recurso especial. Processual Civil. Liquidação de sentença. Laudo pericial.

Homologação. Impugnação por ambas as partes. Art. 475-J do CPC. Multa. Não

cabimento. Valores históricos. Correção monetária. Incidência. Termo inicial.

[...]

2. O Superior Tribunal de Justiça fi rmou a compreensão de que a correção

monetária não constitui um acréscimo indevido à dívida, porquanto apenas

recompõe o valor real da moeda, corroído pela infl ação ao longo do tempo. Sua

observância prescinde, inclusive, de prévio ajuste entre as partes contratantes ou

de pedido expresso nesse sentido.

3. A decisão que, na fase de cumprimento de sentença, deixa de assegurar ao

credor a indispensável atualização monetária dos valores devidos não cumpre seu

papel preponderante de restabelecer o status quo ante, impondo-lhe, não obstante

o reconhecimento judicial do seu direito, uma tutela jurisdicional imperfeita, que não

contempla a efetiva recomposição do poder aquisitivo da moeda.

4. A liquidação de sentença tem a fi nalidade de encontrar o valor de uma dívida

preexistente e reconhecida por decisão judicial transitada em julgado. A decisão a

ser proferida nessa fase deve expressar a importância atualizada a ser paga. Caso

o laudo pericial aponte valores históricos, impõe-se que seja determinada a

correção monetária correspondente.

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5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 1.446.712/RJ, Terceira Turma,

relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 3.11.2015.)

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Impugnação ao

cumprimento de sentença. Indeferimento de prova pericial. Livre convencimento.

Correção monetária devida. Capitalização de juros. Ausência de comprovação nos

cálculos. Agravo regimental a que se nega provimento.

[...]

2. A decisão da Corte estadual está de acordo com o entendimento deste

Tribunal Superior, porquanto “a correção monetária plena é mecanismo mediante

o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o

escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de

pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao

crédito, mas um minus que se evita”. (EDcl no AgRg nos EREsp 517.209/PB, 1ª Seção,

Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 15.12.2008).

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp n. 430.975/

PR, Quarta Turma, relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 18.12.2013.)

Ante o exposto, acolho em parte os embargos declaratórios, atribuindo-lhes

efeitos infringentes para dar provimento ao agravo a fi m de conhecer do recurso

especial e dar-lhe parcial provimento para assegurar o cômputo da correção monetária

sobre os valores devidos desde o momento da lesão até o efetivo pagamento, invertendo-

se os ônus da sucumbência.

É como voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.281.594-SP (2011/0211890-7)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Recorrente: Buchalla Veículos Ltda

Advogados: Candido Rangel Dinamarco e outro(s) - SP091537

Cássio Hildebrand Pires da Cunha - DF025831

Oswaldo Daguano Júnior - SP296878

João Antônio Cánovas Bottazzo Ganacin e outro(s) -

SP343129

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Gabriela Silva Melo - DF049385

Recorrido: Ford Motor Company Brasil Ltda

Advogados: Isabela Braga Pompilio e outro(s) - DF014234

Christiano Pereira Carlos e outro(s) - DF014223

Julio Gonzaga Andrade Neves - SP298104A

Natália Alves Barbosa - DF042930

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Civil. Ausência de violação

do art. 535 do CPC/1973. Prescrição. Pretensão fundada em

responsabilidade civil contratual. Prazo trienal. Unifi cação do prazo

prescricional para a reparação civil advinda de responsabilidade

contratual e extracontratual. Termo inicial. Pretensões indenizatórias

decorrentes do mesmo fato gerador: rescisão unilateral do contrato.

Data considerada para fi ns de contagem do lapso prescricional trienal.

Recurso improvido.

1. Decidida integralmente a lide posta em juízo, com expressa e

coerente indicação dos fundamentos em que se fi rmou a formação do

livre convencimento motivado, não se cogita violação do art. 535 do

CPC/1973, ainda que rejeitados os embargos de declaração opostos.

2. O termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, V, do

CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto

a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual

(arts. 927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente

moral (art. 186, parte fi nal), e o abuso de direito (art. 187). Assim,

a prescrição das pretensões dessa natureza originadas sob a égide

do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o prazo

comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos

prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais.

3. Na V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça

Federal e do Superior Tribunal de Justiça, realizada em novembro

de 2011, foi editado o Enunciado n. 419, segundo o qual “o prazo

prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-

se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade

extracontratual”.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 409

4. Decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na

petição inicial da rescisão unilateral do contrato celebrado entre as

partes, é da data desta rescisão que deve ser iniciada a contagem do

prazo prescricional trienal.

5. Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo

Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

Brasília (DF), 22 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 28.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Na origem, Buchalla Veículos

Ltda. e Ford Motor Company Brasil Ltda. fi rmaram contrato de vendas e

serviços, sucedido por outros contratos, os quais, contudo, foram rescindidos

unilateralmente pela segunda, invocando descumprimento contratual pela

primeira, nos termos do art. 22, III, § 1º, da Lei n. 6.729/1979.

A seu turno, Buchalla Veículos Ltda., também alegando inadimplemento

por parte da Ford Motor Company Brasil Ltda. – por ter deixado de observar

o direito de exclusividade e preferência que aquela detinha para comercializar a

marca Ford na região de Presidente Prudente e por ter descumprido o “Plano

de Ação do Distribuidor” –, ajuizou ação de reparação de danos, visando à

condenação da ré: “(i) ao pagamento dos lucros cessantes do período de vigência

do contrato celebrado entre as partes, nos anos de 1988 até 1998, acrescidos

de juros de mora e correção monetária desde a data de ocorrência; (ii) ao

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

410

pagamento dos danos emergentes causados pelas exigências da ré para voltar

a cumprir o contrato, acrescidos de juros de mora e correção monetária desde

o efetivo desembolso; e (iii) ao pagamento das perdas e danos decorrentes da

rescisão unilateral do contrato a que deu causa, na forma estabelecida pelo art.

24 da Lei Ferrari e com base no faturamento potencial que a autora teria se não

fosse o boicote levado a efeito pela ré”.

O Juízo a quo, reconhecendo a prescrição, extinguiu o feito com resolução

do mérito, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil de 1973.

Na apelação interposta pela autora, o Tribunal de Justiça de São Paulo

confi rmou a incidência, na hipótese em apreço, do prazo prescricional previsto

no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002, em acórdão assim ementado

(e-STJ, fl . 744):

Ação de reparação de danos. Lucros cessantes e danos emergentes. Resilição

unilateral de contrato. Prescrição reconhecida pela sentença. Artigo 206, par. 3º,

V, do CC/2002.

Hipóteses taxativas no Código Civil de 2002 que só admitem exceção em

situações específi cas previstas em normas especiais.

Dispositivo que tem incidência tanto na responsabilidade civil contratual

como extracontratual.

Pedido que é único, não se podendo considerar como subsidiária a pretensão

relativa a anos atingidos pela prescrição.

Correção da sentença.

Apelo improvido.

Os embargos de declaração opostos (e-STJ, fl s. 752-756) foram rejeitados

(e-STJ, fl s. 758-763).

Daí a interposição do presente recurso especial por Buchalla Veículos

Ltda., com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, no qual

alega, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 189, 205 e 206, § 3º, V,

do Código Civil de 2002, e 292 e 535, II, do Código de Processo Civil de 1973.

Sustenta, inicialmente, omissão do julgado no tocante à interpretação

do disposto nos arts. 189 do CC/2002 e 292 do CPC/1973 e, no mérito, ser

aplicável o prazo de prescrição decenal, previsto no art. 205 do CC/2002,

por se tratar de responsabilidade civil contratual, tendo em vista que “o prazo

trienal disposto em tal dispositivo aplica-se unicamente às hipóteses de

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 411

responsabilidade ex delicto” (e-STJ, fl . 778). Com isso, requer o afastamento do

decreto de prescrição.

Subsidiariamente, afi rma que “os pedidos indenizatórios formulados são

absolutamente autônomos, pois decorrem de ilícitos contratuais distintos. Há

um pedido indenizatório em razão dos vários descumprimentos ao PAD e

outro totalmente diverso referente à rescisão unilateral do contrato de vendas e

serviços. Por conseqüência, cada pretensão indenizatória deve ter como termo

inicial do prazo prescricional um marco específi co, que deverá coincidir com

o ilícito respectivo, pois é exatamente sua ocorrência que faz nascer para o

titular a pretensão ao ressarcimento (CC, art. 189). É inequívoco que ao (a)

entender que os pedidos não são independentes e ao (b) defi nir um só marco

temporal para ambas as pretensões indenizatórias, o v. acórdão recorrido

ventilou as matérias jurídicas insertas no art. 292 do Código de Processo

Civil e 189 do Código Civil” (e-STJ, fl s. 774-775). Postula, assim, em caso

de manutenção do lapso prescricional trienal, seja considerado que a exordial

contém pedidos indenizatórios autônomos, de maneira que cada um deles

possui um termo inicial diverso para contagem da prescrição. Por essa razão,

requer, subsidiariamente, o afastamento da prescrição em relação aos lucros

cessantes, porquanto estes “provêm de cada descumprimento do PAD durante

a vigência contratual e a indenização em razão da rescisão decorre da ruptura

unilateral do contrato de vendas e serviços. E é de cada um desses ilícitos que

se deve contar o prazo prescricional para o respectivo pedido indenizatório, pois

é exatamente sua ocorrência que viola o direito, fazendo nascer para o titular a

pretensão ao ressarcimento (actio nata)” (e-STJ, fl . 783).

A parte recorrida apresentou contrarrazões às fl s. 792-801 (e-STJ).

Admitido o recurso na origem, subiram os autos ao Superior Tribunal de

Justiça, onde foram distribuídos a este Relator.

Em decisão monocrática, dei provimento ao recurso especial, afastando

o prazo de prescrição previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002

e determinando a observância do prazo geral decenal do art. 205 do mesmo

diploma legal (e-STJ, fl s. 860-863).

Contra tal decisum Ford Motor Company Brasil Ltda. interpôs agravo

interno (e-STJ, fl s. 868-884).

Na sessão de 19.9.2016, a Terceira Turma, dando provimento ao referido

agravo, determinou a oportuna inclusão do feito em pauta (e-STJ, fl . 934).

É o relatório.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

412

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

1. Alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC:

De início, verifi co não estar confi gurada a alegada violação do art. 535,

II, do CPC/1973, pois o Tribunal de origem manifestou-se acerca de todas as

questões devolvidas pela apelação e consideradas necessárias à verifi cação do

termo inicial do prazo prescricional aplicável à pretensão de ressarcimento de

danos advindos de inadimplemento contratual.

De fato, houve, no acórdão de fl s. 742-749 (e-STJ), afastamento explícito

do pedido subsidiário de decote do termo a quo de contagem do lapso da

prescrição, segundo cada pedido indenizatório. Eis os fundamentos adotados

pela Corte estadual no ponto:

Ajuizada a ação de indenização em 04 de janeiro de 200, resta evidenciado

que ocorreu a prescrição pretensão da autora, inexistindo qualquer viabilidade

de se acatar o pleito subsidiário, pelo simples fato de que, em se tratando de

relação jurídica de índole continuativa, não há como se defender tenham ocorrido

danos patrimoniais independentes da causa determinante (manifestação da resilição

unilateral).

(...)

Se a rescisão ocorreu em 7 janeiro de 1998, aplica-se à hipótese, para regular a

prescrição, o novo Código Civil, utilizando-se a regra do artigo 2.028.

A pretensão de não incidência da prescrição sobre os anos de 1988 a 1994 é

desarrazoada, pois não há como se computar os prazos em separados para o mesmo

ilícito contratual alegado. Não há independência dos pedidos de indenização, mas

um só, para todo o período a atingir toda a avença. Ainda que se compute o último

prazo não se pode considerar o pedido como subsidiário, mas um só, de indenização

por ilícito contratual que perdurou no tempo.

Da transcrição supra, pode-se inferir que a Corte a quo, guardando

observância ao princípio da motivação obrigatória das decisões judiciais,

examinou, de forma clara e fundamentada, todos os pontos relevantes à solução

da controvérsia e suscitados pela ora recorrente. Não há, assim, falar em negativa

de prestação jurisdicional, mas em inconformidade da parte com a decisão

contrária aos seus interesses.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 413

2. Prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação de dano derivado de

responsabilidade contratual:

No mérito, a questão controvertida cinge-se a saber qual o prazo

prescricional aplicável, na égide do Código Civil de 2002, às pretensões

reparatórias veiculadas com base em responsabilidade civil contratual.

Por ocasião do julgamento, no âmbito da Segunda Seção, dos Recursos

Especiais Repetitivos 1.360.969/RS e 1.361.182/RS, tive a oportunidade de

me debruçar sobre o tema da prescrição, iniciando, naquele ensejo, refl exões

importantes acerca das novas tônicas trazidas pelo Código Civil de 2002

relativamente ao tema.

Ficou salientado, na oportunidade, que o novo Código Civil primou pela

redução dos lapsos prescricionais, antes tão alargados no Diploma de 1916,

e pela abolição da distinção, para fi ns da prescrição, entre direitos pessoais e

direitos reais. Outrossim, foi abordada a relevância da unifi cação dos prazos

prescricionais, sobretudo em torno da responsabilidade civil e do enriquecimento

sem causa, visando a garantir, nas relações jurídicas contemporâneas, maior

segurança, previsibilidade e uniformidade de tratamento, se levadas em

consideração pretensões que trazem em si similaridade de conteúdo e objeto,

mas que dão causa a ações com as mais variadas nomenclaturas.

Reporto-me, por entender oportuno, a algumas ponderações feitas no voto

que proferi naquela ocasião:

4. O Código Civil de 2002 não mais distingue, para fi ns de aplicação dos prazos

prescricionais, direitos pessoais e direitos reais

No regime anterior (CC/1916), à míngua de prazo prescricional específi co, a

pretensão deveria ser exercida no prazo do art. 177, isto é, de vinte anos para as

ações pessoais e de dez ou quinze anos para as ações reais.

Como não havia um rol mais específico para o exercício das pretensões

relativas a direitos pessoais, a regra geral era a aplicação indistinta do prazo

prescricional vintenário, situação que não apresentava maiores problemas (art.

177 do CC/1916).

Por sua vez, o Código Civil atual, além de arrolar novas pretensões com prazo de

exercício específi co (anteriormente não contempladas), não mais adota a distinção

entre ações pessoais e reais, para o fi m de fi xação de lapsos prescricionais (art. 205).

Deveras, sobrecarregados pela urgente aplicação da regra de transição

disposta no art. 2.028 do Código Reale aos processos que aqui aportavam,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

414

passamos a replicar caudalosa jurisprudência que se formara sob a égide da

legislação anterior (ações pessoais, prazo de prescrição vintenário), sem que

talvez tivéssemos tido condição de fazer uma refl exão mais aprofundada acerca

dos novos prazos e institutos jurídicos trazidos pelo novo paradigma legal.

Prova disso é que o único fundamento que se encontra na jurisprudência para

que o prazo prescricional decenal do art. 205 seja aplicado às relações contratuais é

simplesmente porque se trata de uma ação de direito pessoal, critério distintivo, como

já afi rmado, que não mais subsiste na sistemática atual. Dentre inúmeros, apenas

para exemplifi car, cito os seguintes julgados: AgRg no AREsp n. 477.387/DF, Quarta

Turma, Relator o Ministro Raul Araújo, DJe de 13.11.2014; REsp n. 1.326.445/PR,

Terceira Turma, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 17.2.2014; AgRg no

AREsp n. 426.951/PR, Quarta Turma, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe

de 10.12.2013; AgRg no Ag n. 1.401.863/PR, Quarta Turma, Relator o Ministro

Antonio Carlos Ferreira, DJe de 19.11.2013; AgRg no AREsp n. 14.637/RS, Quarta

Turma, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 5.10.2011; AgRg no REsp

n. 1.057.248/PR, Terceira Turma, Relator o Ministro Sidnei Beneti, DJe de 4.5.2011;

REsp n. 1.033.241/RS, Segunda Seção, Relator o Ministro Aldir Passarinho Junior,

DJe de 5.11.2008.

Entretanto, não há mais suporte jurídico legal que autorize a aplicação do prazo

geral, como se fazia no regime anterior, simplesmente porque a demanda versa sobre

direito pessoal. No atual sistema, primeiro deve-se averiguar se a pretensão está

especifi cada no rol do art. 206 ou, ainda, nas demais leis especiais, para só então, em

caráter subsidiário, ter incidência o prazo do art. 205.

Por via de regra, versando a demanda sobre reparação civil, seja ela por

responsabilidade contratual (inadimplemento) ou extracontratual (risco ou dano),

deve fi car a pretensão adstrita ao marco prescricional trienal disposto no art. 206,

§ 3º, V, do CC/2002, não se tratando mais de caso de aplicação do prazo decenal

previsto no art. 205, eis que nele não estão mais contempladas as ações pessoais

como critério defi nidor da aplicação dos prazos prescricionais.

Por essas mesmas razões, não me parece adequado recorrer à analogia da

jurisprudência que se firmou relativamente a contratos bancários, visto que

também para esses casos manda-se aplicar o prazo prescricional decenal

simplesmente porque fundada a pretensão em direito pessoal, critério distintivo,

repita-se, abandonado pelo novo Código Civil.

5. O despropósito da variação dos prazos prescricionais verificada a partir do

nome que se atribui à ação

Outro tópico que merece ser destacado para a apreciação do Colegiado

e que acredito tem causado certo desconforto para todos nós, diz respeito à

variabilidade dos prazos prescricionais a partir da nomenclatura atribuída à ação

no momento do seu ajuizamento.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 415

Diante da falta de orientação uniformizadora, o prazo prescricional das

pretensões deduzidas em Juízo estaria sujeito a variações de 1 a 10 anos

simplesmente pelo fato de o autor denominar a ação ora de enriquecimento sem

causa (ou locupletamento ilícito), ora de responsabilidade ou reparação civil, ora

de repetição do indébito, ora de revisional de contrato, ora de cobrança.

Esse tipo de fl anco deve ser repelido pelo sistema, porquanto catalisador de

profunda insegurança jurídica e por vezes de sérias injustiças, na medida em

que, para situações de mesmo substrato fático, o prazo prescricional, em tese

garantidor da isonomia de tratamento jurídico, poderia sofrer signifi cativas e

indesejáveis variações ao talante do nomen juris porventura atribuído à ação na

petição inicial, apesar da sua irrelevância jurídica.

Essa mesma preocupação de coerência sistêmica foi abordada por Tepedino:

A perda do prazo prescricional, embora dolorosa, é menos danosa do

que a quebra do sistema, propiciada pela pífi a ideologia de ampliação da

reparação de danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de

mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão

legal ou selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam

ao autor da ação) em detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a

igualdade constitucional e prejudica, em última análise, a própria vítima de

danos, sem saber, ao certo, de qual prazo afi nal dispõe para o ajuizamento

da ação indenizatória.

(Tepedino, Gustavo. A prescrição trienal pra a reparação civil. Crônica

de uma ilegalidade anunciada. Disponível em: <http://www.cartaforense.

com.br/conteudo/artigos/a-prescricao-trienal-para-a-reparacao-

civil/4354>. Acesso em 25.5.2015).

Acredito que seria possível estancar essa abertura se fosse adotada a tese de

unifi cação do prazo prescricional trienal, sugerida no tópico anterior do meu voto,

tanto das pretensões fundadas na alegação de enriquecimento sem causa quanto

naquelas em que se postula a reparação civil, qualquer que seja a natureza.

Como se observa do raciocínio que procurei desenvolver linhas atrás,

ressalvada a aplicação de prazos específi cos, a nossa orientação jurisprudencial

tem caminhado no sentido da uniformidade do prazo prescricional trienal, seja nos

casos de enriquecimento sem causa, seja nos de reparação civil extracontratual,

sendo excepcionada até então somente a hipótese de reparação contratual,

para a qual tem sido aplicado o prazo decenal do art. 205, com base na sua

ultrapassada diferenciação como direitos pessoais.

Porém, essa uniformidade tem sido reiterada de maneira esparsa, inclusive

por meio de julgamentos repetitivos (a exemplo dos precedentes nos casos

de contratação de eletrifi cação rural ou de plantas comunitárias de telefonia,

retromencionados), razão pela qual ora se propõe a unifi cação do entendimento

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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também para os casos de reparação civil derivada do inadimplemento contratual,

com vistas à coerência e racionalidade do sistema de aplicação dos prazos

prescricionais, tendo em conta as inovações trazidas pelo novo Código Civil.

6. Prazos prescricionais menores: tônica do novo Código Civil.

É inegável que a redução drástica dos prazos prescricionais foi uma das tônicas

implementadas pelo novo Código Civil. A revolução tecnológica operada nos

meios de comunicação e de informação desde a edição do Código Civil de 1916

reduziu as distâncias também dos marcos prescricionais.

É importante destacar que, ao contrário do que a primeira vista possa parecer,

prazos processuais mais elásticos não signifi cam maior exercício de cidadania ou

da defesa de direitos.

Ao revés, impedem a desejada estabilização das relações jurídicas consolidadas

pelo tempo; dificultam a produção da prova, tornando-a dispersa ou ainda

mais perecível; postergam o exercício dos direitos e, com isso, diminuem a sua

efetividade; agravam o passivo das condenações; obstruem o sistema judiciário

mediante a propositura tardia de milhares de demandas de massa (e.g. expurgos

infl acionários de cadernetas de poupança ou de FGTS; subscrição de ações de

telefonia), prejudicando, assim, a consolidação do exercício desses direitos por

meio da tutela coletiva.

Além dessas deliberações, ponderei que, com o advento do Código Civil

de 2002, houve uma ampliação do rol de prazos específi cos de prescrição, não

contemplados no diploma anterior, trazendo, com isso, uma redução dos casos

de aplicação do prazo geral, antes previsto no art. 177 do Código Civil de 1916

e hoje no art. 205 do Códex de 2002.

Nesse contexto, ressaltei que, no diploma civil atualmente vigente, foi

incluído um prazo específico trienal para as pretensões de reparação civil

(art. 206, § 3º, V), as quais, na vigência do Código Civil de 1916, estavam

alcançadas pela regra geral de prescrição destinada às ações pessoais, de

vinte anos, estabelecida no art. 177 do diploma revogado. E, interpretando

o aludido art. 206, § 3º, V, do CC/2002, afi rmei que, “a par das disposições

legais especiais (v.g. o acidente de consumo, cuja pretensão estará sujeita ao

prazo quinquenal do art. 27 do CDC), qualquer outra hipótese de reparação

civil inespecifi camente considerada, seja ela decorrente de responsabilidade

contratual (inadimplemento) ou extracontratual (risco ou dano, inclusive moral),

deverá observar como regra o prazo prescricional trienal da pretensão a ela

relativa”.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 417

Este é o ponto que mais nos interessa para exame da questão controvertida

inserta no presente recurso especial, merecendo, assim, maior aprofundamento

nesta oportunidade, o que faço por meio de novas ponderações acrescidas

àquelas já delineadas no voto que proferi nos mencionados Recursos Especiais

Repetitivos 1.360.969/RS e 1.361.182/RS.

Com efeito, entendo que o termo “reparação civil”, constante do art. 206,

§ 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando tanto

a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts.

927 a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte

fi nal), e o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa

natureza originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002

deve observar o prazo comum de três anos.

É importante perceber que a sistemática adotada pelo Código Civil

de 2002, como dito linhas atrás, foi a de redução dos prazos prescricionais,

visando sobretudo a garantir a segurança e a estabilização das relações jurídicas

em lapso temporal mais condizente com a dinâmica natural das situações

contemporâneas.

Seguindo essa linha de raciocínio, não parece coerente com a lógica

estabelecida pelo Código Civil de 2002 deixar prevalecer, como se regra fosse, o

prazo prescricional decenal (art. 205), de caráter tão alongado, para as reparações

civis decorrentes de contrato, e somente entender aplicável o lapso temporal

trienal para a parte veicular judicialmente as pretensões de reparação civil no

âmbito extracontratual ou de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV e V).

É de se notar, ademais, que nem mesmo o Código de Defesa do

Consumidor, editado no idos de 1990 – o qual tem como objetivo maior a tutela

dos direitos de vulneráveis postos no mercado de consumo, primando, assim,

pela assimetria inerente às relações jurídicas estabelecidas entre o consumidor

e o fornecedor –, concede tanta elasticidade ao prazo prescricional para que o

interessado busque sua pretensão de reparação de danos causados por fato do

produto ou do serviço, que, ao fi nal, também é derivada de relação contratual. O

art. 27 estabelece o lapso de cinco anos para o ajuizamento de demanda fundada

em acidente de consumo, o qual é exatamente a metade do prazo previsto no art.

205 do Código Civil de 2002.

Então, por que razão o Código Civil de 2002 – editado mais de uma

década após o CDC – que trouxe a tônica de prazos prescricionais reduzidos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

418

e que, em regra, regula relações jurídicas em que há paridade entre os sujeitos,

admitiria interpretação no sentido de fazer preponderar o prazo prescricional

de dez anos para reparação de danos atinentes a contratos que nem sequer

envolvem parte vulnerável?

Quanto à reparação civil, considero que a melhor interpretação é, pois,

aquela que, observando a lógica e a coerência do sistema estabelecido pelo

Código de 2002 para as relações civis, dá tratamento unitário ao prazo

prescricional, quer se trate de responsabilidade civil contratual, quer se trate de

responsabilidade extracontratual, reconhecendo, assim, em caráter uniforme,

o prazo prescricional trienal para todas essas espécies de pretensões. Ficam

ressalvadas, é claro, as pretensões cujos prazos prescricionais estão estabelecidos

em disposições legais especiais.

É salutar observar que o tema ora em apreço foi objeto de debate na

V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal e do Superior

Tribunal de Justiça, realizada em novembro de 2011, ocasião em que foi editado

o Enunciado n. 419, segundo o qual “o prazo prescricional de três anos para a

pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto

à responsabilidade extracontratual”.

Esta orientação encontra respaldo em parte da doutrina.

A propósito, o Prof. Gustavo Tepedino, em artigo no qual analisa

com percuciência o prazo prescricional aplicável às pretensões de reparação

civil, leciona que não se justifi cam os argumentos trazidos pela doutrina e

jurisprudência para aplicação diferenciada do prazo geral decenal às hipóteses

de reparação civil derivada de inadimplemento contratual em detrimento do

lapso trienal previsto no inciso V do § 3º do art. 206 do Código Civil de 2002,

que se destina, em respeito ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º,

II, da CF/1988), a todas as pretensões de reparação civil, sejam decorrentes de

responsabilidade extracontratual, seja de responsabilidade contratual, sempre

que não houver previsão legal específi ca. Pondera:

Segundo dispõe o art. 206, § 3º, V, do Código Civil, prescreve em três anos “a

pretensão de reparação civil”. A linguagem utilizada pelo legislador não poderia ser

mais clara na fi xação de prazo geral de prescrição trienal para a reparação por perdas

e danos no direito brasileiro.

Trata-se de relevante inovação, que reduz o prazo vintenário do regime

anterior em nome da segurança jurídica, na era da tecnologia das comunicações,

em que perdem justifi cativa, para o exercício do direito de ação, os prazos longos

do passado.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 419

A despeito da clareza do dispositivo, logo surgiram vozes para, no afã de ampliar

o direito de ação, circunscrever o prazo trienal à responsabilidade extracontratual,

adotando-se, em contrapartida, o prazo geral de dez anos, previsto no art. 205,

para as hipóteses de responsabilidade contratual. Dois argumentos sustentam tal

conclusão. O primeiro seria o modelo (supostamente) semelhante do direito italiano,

em que o prazo qüinqüenal se destina apenas à responsabilidade extracontratual,

enquanto a responsabilidade contratual se sujeita ao prazo geral de dez anos. Em

seguida, afi rma-se que não faria sentido o Código Civil estabelecer o prazo de cinco

anos para a execução de obrigações contratuais (art. 206, § 5º, inciso I) e admitir

o prazo trienal para o inadimplemento destas mesmas obrigações oriundas de

contrato.

Os argumentos, contudo, embora tenham seduzido parte da jurisprudência,

não colhem. Em primeiro lugar, o Código Civil italiano, ao contrário do brasileiro,

distingue textualmente as duas espécies de ressarcimento de dano para fins de

prescrição, ao dispor, no art. 2.947, que “o direito ao ressarcimento de dano

derivado do fato ilícito (art. 2.043 e ss.) prescreve em cinco anos do dia em

que o fato se verifi cou” (Il diritto al risarcimento del danno derivante da fatto

illecito (2043 e seguenti) si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il il fatto

si è verifi cato. Ou seja, o Código Civil italiano, coerente com seu tempo, já que

promulgado em 1942, refere-se, no que tange ao prazo prescricional acima

transcrito, a fato ilícito — expressão que designa, notadamente na doutrina

italiana, o ilícito extracontratual — e remete, de modo textual, aos art. 2.043 e ss.,

dedicados pelo codifi cador italiano à responsabilidade extracontratual.

Além disso, como se sabe, o Código Civil de 2002 dá especial ênfase à execução

específi ca das obrigações, sendo inteiramente coerente com o sistema atribuir-se

o prazo qüinqüenal para o seu cumprimento, quando ainda há interesse útil do

credor; e reservando- se o prazo trienal para o credor que, uma vez frustrada a

possibilidade de cumprimento específico (por perda da utilidade da prestação

em decorrência do comportamento moroso do devedor), se encontra apto a

promover, imediatamente, a ação de ressarcimento de danos.

Enquanto há interesse útil na prestação, há ainda, de ordinário, diálogo

entre os interessados e o prazo trienal nem sempre é sufi ciente para ajustar a

complexa gama de interesses colidentes no âmbito da qual, com freqüência,

purga-se a mora, acomodam-se as desavenças, cumpre-se afi nal a prestação. O

legislador prestigia e incentiva, por diversos expedientes, o adimplemento ainda

plausível. Daí o prazo qüinqüenal nessa hipótese. Uma vez, contudo, caracterizado

o inadimplemento, não interessa ao sistema e à segurança jurídica postergar

a desavença. Nada justifica a delonga. Impõe-se ao credor, como dispõe o art.

206, ajuizar, em três anos, a ação de danos. O prazo decenal, nesse caso, seria

nocivo porque permitiria que o ajuizamento da ação, como se dava inúmeras vezes

sob a égide do regime vintenário do código de 1916, ocorresse quando as provas

já não mais estivessem preservadas. Nesse aspecto, o prazo trienal associado à

contemporânea técnica processual da repartição dinâmica do ônus probatório

mostram-se convergentes e harmônicos para a promoção do direito de ação.

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420

O sistema se completa com a previsão de cinco anos, insculpida no CDC, para a

ação de reparação de danos nos acidentes de consumo. É natural que o consumidor

disponha de prazo prescricional mais amplo do que a vítima de danos do Código

Civil. A codifi cação, nesse particular, corrigiu a anomalia surgida após a promulgação

do Código de Defesa do Consumidor, em que o prazo qüinqüenal ali previsto, em

homenagem à vulnerabilidade da vítima do acidente de consumo, destoava do

prazo prescricional vintenário do Código Civil, a desafi ar o princípio constitucional

da igualdade. Tal descompasso, atribuível à significativa diferença de idade

entre as duas leis, seria corrigido em 2002, não fosse o verdadeiro malabarismo

interpretativo em voga, sempre incentivado pela natural criatividade (ou

desespero) entremeada à perda de prazos prescricionais.

O que mais preocupa, na discussão em pauta, não é a divergência em si

considerada, mas o motor que a alimenta: o suposto matiz progressista que tem sido

associado à extensão de prazos prescricionais. Como se prazos longos traduzissem a

ampliação de direito de ação e, em conseqüência, a extensão do ressarcimento e, em

última análise, a maior proteção das vítimas dos danos, o que estaria em sintonia

com a contemporânea visão evolutiva da responsabilidade civil. Maior prazo

prescricional levaria a mais justiça, enquanto a ocorrência de prazo prescricional,

imposta pelo princípio da segurança, consagraria uma certa dose de injustiça.

Tal perspectiva é equivocada e já levou à admissão de prazo vintenário (do

CC 1916) para a ação promovida por vítima de acidente de consumo, em

detrimento do prazo qüinqüenal indiscutível do CDC. A rigor, a perda de prazo

prescricional, embora angustiante para o titular de certo direito, decorre da omissão

do interessado ao longo do tempo, e sua ocorrência, indispensável à pacifi cação

dos conflitos, associa-se a uma série de outros institutos estabelecidos pelo

legislador para a garantia do direito de defesa, bem como ao arrefecimento

progressivo da possibilidade de coleta de provas por parte do réu. Assim sendo,

a opção do codifi cador civil pelo prazo trienal não se mostra aleatória, mas tem em

conta, além da aludida coerência com o CDC (que estipula prazo de cinco anos), a

objetivação de inúmeras hipóteses de responsabilidade civil e a velocidade dos meios

de comunicação — que atua tanto na produção quanto na dissipação das provas.

No contrato, assim como na responsabilidade civil objetiva, a prova (que exclui a

responsabilidade pelo inadimplemento) há de ser feita pelo réu. Basta imaginar,

por exemplo, a responsabilidade objetiva do patrão por ato danoso do preposto;

ou do dono de animal por dano por este praticado; tais hipóteses não diferem,

em termos práticos, da responsabilidade contratual pelo dano decorrente do

cumprimento defeituoso da prestação. Seria razoável imaginar que o réu pudesse

colher a prova indispensável para excluir sua responsabilidade nove anos após

o evento danoso? A resposta negativa se impõe, justifi cando-se, assim, a opção

do prazo trienal do codifi cador civil, cuja aplicação indistinta às responsabilidades

contratual e extracontratual mostra-se consentânea com o princípio da isonomia.

A perda de prazo prescricional, embora dolorosa, é menos danosa do que

a quebra do sistema, propiciada por inconsistente ideologia de ampliação da

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reparação dos danos. Os prazos prescricionais associam-se ao conjunto de

mecanismos oferecidos à ação de reparação de danos. Contornar a previsão

legal, ou selecionar do sistema alguns dispositivos (que melhor atendam ao

autor da ação) em detrimento de outros, ameaça a segurança jurídica, a igualdade

constitucional e prejudica, em última análise, a própria vítima de danos, sem saber,

ao certo, de qual prazo afi nal dispõe para o ajuizamento da ação indenizatória.

Há quem diga que os grandes eventos danosos decorrem, invariavelmente,

de muitas pequenas concausas. Na teoria da interpretação dá-se o mesmo com

a maturação de equívocos hermenêuticos. É preciso resistir a este conjunto de

interesses que convergem para a consagração deste equívoco anunciado, que

viola preceito expresso do Código Civil e o princípio constitucional da igualdade;

e que, se mantido, poderá quebrar o sistema e sua lógica, tornando mais

penosa, custosa e incerta a ação de responsabilidade civil. (Prescrição aplicável

à responsabilidade contratual: crônica de uma ilegalidade anunciada. In:

Editorial. RTDC, vol. 27, 2009, sem grifo no original)

Cito, na mesma linha, a lição de Rui Stoco:

No regime do CC/1916 a ação de reparação do dano era considerada de direito

pessoal e, como tal subordinada ao prazo comum previsto no revogado art. 177

do CC/1916 (20 anos).

Agora, contudo, com a entrada em vigor do CC/2002, abandonou-se a distinção

entre ações reais e pessoais, de modo a conter prazo mais ou menos dilargado para o

exercício da ação em juízo.

Para as ações de reparação de danos, a lei civil preferiu unificar o prazo de

prescrição em três anos, como se verifi ca no art. 206, § 3º, salvo com relação ao

prazo para o segurado promover a ação de reparação contra a seguradora, ou

denunciá-la à lide, ou desta contra o segurado, no prazo de um ano, a partir de

quando efetivada a citação para responder à ação.

Portanto, a regra com prazo máximo de 10 anos, estabelecida no art. 205, não

se aplica às ações de reparação civil.

Advertiu Aguiar Dias ser generalizada entre nossos juristas, a crença

de que a ação de exigir reparação de dano tem fundo alimentar. Essa noção

repercute prejudicialmente contra a exata apreciação de problemas ligados à

responsabilidade civil, entre eles salientando-se o da prescrição e do deferimento

da reparação a pessoas não necessitadas de alimentos ou sem direito a eles (Da

Responsabilidade Civil... cit., 6. ed., p 374-380).

A origem do equívoco estava no art. 1.537, II, do CC/1916, dispondo que a “na

prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto as devia”, expressão essa

repetida e renova, em parte, no art. 948, II, do CC em vigor.

Mas, como já enfatiza esse notável jurista, “a indenização do dano, em qualquer

caso, tem caráter de reparação, isto é, o título a que são pagas as quantias ao

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prejudicado é o de ressarcimento objeto da ação de responsabilidade civil”, que

prescreve em três anos. Só se justifi caria, pois, a aplicação de prazo prescricional

diverso, se o título em que se funda o pedido e a natureza da obrigação do

responsável fossem, respectivamente, o que corresponde ao direito de alimentos,

e a apresentada pelo dever do alimentante.

Como é inadmissível sustentar que o responsável civil seja alimentante e que

a ação de reparação de dano tenha base no direito de pedir alimentos, dada a

ausência de relação de parentesco que o autoriza, de nenhuma consistência é

esse ponto de vista (Aguiar Dias. O. Cit., p. 374-380).

[...]

Como fi cou assentado e exaustivamente comentado nos itens precedentes, o

Código Civil estabeleceu prazo único para as ações com pretensão de reparação civil,

seja para o dano material ou moral, decorrente de ato ilício ou de relação contratual.

Em qualquer caso, salvo a pretensão do segurado contra o segurador ou vice-

versa (CC/2002, art. 206, § 1º, II), o prazo será de três anos, nos termos do art. 206,

§ 3º, V, desse Códex.

(Tratado de Responsabilidade Civil.: doutrina e jurisprudência, 10ª ed.,

rev., atual. e reform. com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2014, pp. 316-317 e 321, sem grifo no original)

Sem a pretensão de exaurir as manifestações doutrinárias a respeito da

temática, cito, por fi m, as lições de Yussef Said Cahali, para quem:

A regra do art. 206, § 3º, V, não encontra correspondência no Código Civil

anterior, porque a matéria estava sujeita à prescrição vintenária das ações pessoais

(art. 177).59 O dispositivo tem em vista as ações pessoais para as quais, no antigo

Código Civil, a prescrição era vintenária. Ou também a ação de indenização por

danos materiais, conseqüente de acidente de trânsito, quando se entendia que

“a ofensa ao direito de propriedade, nos termos do art. 178, § 10, IX, prescreve em

cinco anos, contados da data em que se deu a ofensa ou dano, quer se trate de

lesão oriunda de delito ou de ofensa à propriedade material. Não se cuida aqui de

reparação de dano pessoal, mas sim material, contra a coisa”.

O Código não faz qualquer distinção quanto à origem ou natureza da pretensão

reparatória, compreendendo, portanto, qualquer dano a ser indenizado, por ofensa à

pessoa ou aos seus bens. Não se reproduziu o art. 178, § 10, IX, do Código revogado,

que discriminava a prescrição qüinqüenal para a ação por ofensa ou dano causado

ao direito de propriedade, quando já então se ressaltava que a citada prescrição

especial “não abrangia a generalidade dos casos de responsabilidade civil”.

O triênio aqui previsto não prevalece se houver estipulação diversa em lei

especial: “A norma do art. 206, § 3º, V, do CC, que fi xa em três anos o prazo de

prescrição para o exercício da pretensão de reparação civil, é geral e, destarte,

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 423

subsidiária, não podendo ser aplicada quando há regra especial defi nindo outro

lapso para que se opere o fenômeno extintivo [...]. (Prescrição e Decadência, 1ª

ed., 3ª Tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais: 2008, pp. 164-165, sem grifo no

original)

Não se desconhece a existência de entendimento doutrinário e

jurisprudencial, inclusive desta Corte, em sentido contrário ao defendido

no presente voto. Menciono, a título exemplificativo: THEODORO Jr.,

Humberto. Comentários ao novo Código Civil: dos atos jurídicos lícitos. Dos atos

ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova: arts. 185 a 232. In: TEIXEIRA,

Sálvio de Figueiredo (Coord.). 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 3. t. II. p.

333; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral do direito civil: parte geral. São

Paulo: Atlas, 2012. p. 427; CRUZ, Gisela Sampaio da. Prescrição extintiva:

questões controversas. Revista do Instituto do Direito Brasileiro (RIBD), n. 3, ano

3, Lisboa, 2014, p. 1.833-1.857; MARTINS-COSTA, Judith. In: TEIXEIRA,

Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao novo Código Civil. 2. ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2009. v. 5. t. II. p. 160-162; MONTEIRO, Washington de

Barros. Curso de direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 1. p. 363.

Menciono, ainda, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

AgRg no REsp 1.516.891/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma,

julgado em 28.4.2015, DJe de 6.5.2015; AgRg no REsp 1.317.745/SP, Rel.

Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 6.5.2014, DJe

de 14.5.2014; AgRg no Ag 1.401.863/PR, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira,

Quarta Turma, julgado em 12.11.2013, DJe de 19.11.2013; AgRg no Ag

1.327.784/ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em

27.8.2013, DJe de 6.9.2013.

Todavia, entendo que é chegada a hora de dar à questão uma nova

roupagem interpretativa, primando pela uniformização dos prazos prescricionais

relacionados à reparação civil, independentemente de sua natureza, e evitando-

se, com isso, incongruências no sistema estabelecido pelo Código Civil de 2002

para as relações civis.

Até mesmo porque não parece adequado extrair da norma inserta no inciso

V do § 3º do art. 206 do CC/2002 restrição que nela não se encontra redigida.

Ao contrário, o preceito contido no texto da lei tem ampla dicção, porquanto

fala em “reparação civil” sem fazer distinção das espécies de responsabilidade

civil a que se relaciona, se subjetiva ou objetiva, contratual ou extracontratual,

por ação ou omissão, ou se o dano é patrimonial ou extrapatrimonial, ou

praticado por pessoa natural ou jurídica, por exemplo.

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A expressão “reparação civil” relaciona-se à ideia de ressarcimento, de

reparação do dano, que se pode dar por meio da restituição do lesado pelo

ofensor, tanto quanto possível, ao status quo ante, e, em não sendo viável, pela

indenização em pecúnia dos danos perpetrados. A reparação civil está atrelada,

assim, ao dever jurídico sucessivo de indenizar o lesado – seja pela restauração

em natura, seja pela indenização em dinheiro – derivado da violação de um

outro dever jurídico, mas originário, que pode tanto estar situado na esfera

negocial como na extranegocial.

Nesse sentido leciona Pontes de Miranda:

2. Conceito de Indenização - Quem indeniza torna indene o que foi danifi cado,

o que algum fato atingiu, diminuindo o valor, ou extinguindo-o. Quem danifi cou

há de indenizar. Dano é a perda, dano é o prejuízo sofrido. A expressão “perdas e

danos” torna explícito que há o dano total e os danos que não excluem o bem.

Não só as coisas podem sofrer danos. Há danos ao corpo e à psique. Nas relações

da vida, o ser humano há de indenizar o dano que causa. O ser humano que

sofreu o dano há de ser protegido pelo direito material no sentido de ter direito,

pretensão e ação contra o ofensor.

[...].

As ofensas podem ser a direitos, pretensões e ações que nasceram de negócios

jurídicos, ou a direitos, pretensões e ações que não dependem de existir entre o

ofendido e o ofensor relação jurídica negocial. Aquelas ofensas, em atos positivos

ou negativos, são ilícito relativo; essas, em atos positivos ou negativos, são ilícito

absoluto.

[...]

As restaurações, o impulso para o estado anterior, que as pretensões à indenização

colimam, são ou para que se restabeleça, em natura, o status quo ante, ou para se

indenize em dinheiro.

A indenização em natura tende à eliminação dos danos concretos ou reais. Por

ela, procura-se restabelecer o estado de fato que existia ao tempo da infração.

A indenização em pecúnia presta o valor do que se perdeu ou do dano causado.

Ambas têm por fi nalidade recompor, ainda que somente pelo valor, o que era.

Deve-se entender que a pretensão à indenização fi ca satisfeita, sempre, se

possível a restauração em natura, mas a restauração que, concretamente, seria

completa, porém não atenderia a interesse do titular que também foi atingido,

não seria satisfatória.

(Tratado de Direito Privado, Tomo XXVI: Direito das Obrigações, atualizado

por Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Nelson Nery Jr., São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012, pp. 93-94, sem grifo no original).

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 425

Seguindo esse raciocínio, entendo que a reparação civil, como dever

jurídico sucessivo de indenizar o lesado pelo prejuízo advindo do dano, pode

decorrer tanto de ilícito relativo, ou seja, de violação de um dever contratual

(responsabilidade contratual), como de ilícito absoluto, com a infração

a correspondente dever jurídico imposto pela lei ou pela ordem jurídica

(responsabilidade extracontratual).

É imperioso salientar, no ponto, a lição de Sérgio Cavalieri Filho que, a

despeito de trazer em seus ensinamentos a distinção entre responsabilidade

contratual e extracontratual, não deixa de fazer alusão às críticas feitas pela

doutrina a esta divisão conceitual. Nas palavras do doutrinador:

Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há

a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse

dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado

(inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma

convencional já defi ne o comportamento dos contratantes e o dever específi co

a cuja observância fi cam adstritos. E como o contrato estabelece um vínculo

jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade

contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica,

e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em

qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade

extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas

na lei ou na ordem jurídica.

Em nosso sistema a divisão entre a responsabilidade contratual e

extracontratual não é estanque. Pelo contrário, há uma verdadeira simbiose entre

esses dois tipos de responsabilidade, uma vez que as regras previstas no Código

para a responsabilidade contratual (arts. 393, 402 e 403) são também aplicadas à

responsabilidade extracontratual.

Os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem

que pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade no

cenário jurídico, já que seus efeitos são uniformes. Contudo, nos códigos dos países

em geral, inclusive no Brasil, tem sido acolhida a tese dualista ou clássica.

O Código do Consumidor, como se verá, superou essa clássica distinção entre

responsabilidade contratual e extracontratual no que respeita à responsabilidade

do fornecedor de produtos e serviços. Ao equiparar ao consumidor todas as vítimas

do acidente de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 17), submeteu

a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista

que o fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança

– o defeito do produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de

consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo. (Programa de

Responsabilidade Civil, 9ª ed.,m São Paulo: Atlas, 2010, pp. 15-16, sem grifo no

original)

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Nessa linha de raciocínio, concluo que tanto as pretensões voltadas à

reparação de dano derivado de responsabilidade contratual como o derivado de

responsabilidade extracontratual sujeitam-se ao prazo prescricional de 3 (três)

anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002.

Digno de nota que pretensões de reparação civil especificamente

disciplinadas devem seguir observando o prazo prescricional especial que

lhes foi designado. Por exemplo, aquelas decorrentes da cobrança de dívidas

líquidas constantes de instrumento público ou particular (também fruto de

inadimplemento contratual, porém com prazo prescricional específi co de 5

(cinco) anos, consoante art. 206, § 5º, I; v.g. REsp Repetitivo n. 1.249.321/

RS, subitem 1.2 da ementa). Nos comentários ao aludido art. 206, § 3º, V,

do CC/2002, o Prof. Tepedino (Código Civil Interpretado conforme a

Constituição da República. V. I. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar.

2014, p. 412) apresenta mais dois exemplos: 5 (cinco) anos para a pretensão

reparatória decorrente de danos causados ao direito de propriedade industrial

(art. 225 da Lei n. 9.279/1996) e 10 (dez) anos para a pretensão de indenização

por responsabilidade civil em virtude de danos nucleares (art. 12 da Lei n.

6.453/1977).

Por fi m, um último registro com relação às obrigações de fazer inadimplidas,

nas quais o credor pode optar por exigir o cumprimento da obrigação ou a

resolução do contrato, cabendo, em ambos os casos, indenização por perdas e

danos, conforme dicção do art. 475 do CC/2002. Nessas hipóteses, optando

o credor pela resolução do contrato, com pleito de indenização por perdas e

danos, a pretensão estará sujeita à regra prescricional trienal da reparação civil

(art. 206, § 3º, V). Entretanto, ainda que escoado esse prazo, poderá exigir o

credor o cumprimento da obrigação de fazer pelo devedor no prazo decenal do

art. 205, o qual, mesmo assim, poderá ser convertido em reparação por perdas

e danos, desde que verifi cada a impossibilidade de cumprimento da obrigação

(nesse caso não estará prescrita a pretensão indenizatória porque ela só tem

lugar em função da impossibilidade de cumprimento da obrigação, não mais se

constituindo em faculdade do credor).

Com base em todas essas ponderações, deve ser mantido o acórdão

recorrido que, na mesma linha de entendimento deste Relator, concluiu que

às ações fundadas em responsabilidade civil contratual não é aplicável o prazo

prescricional geral decenal previsto no art. 205, mas o trienal do art. 206, § 3º, V,

ambos do Código Civil de 2002.

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3. Pedido subsidiário de decote do termo inicial do lapso prescricional:

Por fim, tendo-se concluído pela incidência, na hipótese, do prazo

trienal, cabe analisar o pedido subsidiário de decote do termo inicial do lapso

prescricional.

Conforme relatado, afi rma a recorrente que “os pedidos indenizatórios

formulados são absolutamente autônomos, pois decorrem de ilícitos contratuais

distintos. Há um pedido indenizatório em razão dos vários descumprimentos ao

PAD e outro totalmente diverso referente à rescisão unilateral do contrato de

vendas e serviços. Por conseqüência, cada pretensão indenizatória deve ter como

termo inicial do prazo prescricional um marco específi co, que deverá coincidir

com o ilícito respectivo, pois é exatamente sua ocorrência que faz nascer para o

titular a pretensão ao ressarcimento (CC. art. 189)”.

Da narração feita pela autora, ora recorrente, na exordial da ação

indenizatória, pode-se inferir os seguintes pedidos e causa de pedir:

A autora Buchala Veículos Ltda. celebrou com a Ford do Brasil S.A. contrato de

vendas e serviços em 18 de novembro de 1957. Esse contrato foi sucedido por

outros contratos assinados em 1972 e 1977 (doe. 2), por prazo indeterminado.

Tais contratos permaneceram vigentes até 7 de janeiro de 1998, ocasião na qual

a ré houve por bem rescindi-los unilateralmente (Lei Ferrari, art. 21), ao aforar

notifi cação premonitória afi rmando um suposto (e inexistente) descumprimento

contratual por parte da autora, invocando, na oportunidade, o art. 22, inc. III, § 1º

da Lei n. 6.729, de 28 de novembro de 1979.

[...]

Importa para esta demanda os anos de 1988 a 1998, em que a ré,

deliberadamente, prejudicou a autora ao não cumprir com suas obrigações

contratuais. Em razão do processo então pendente entre as partes, a ré claramente

boicotou o contrato celebrado, mas em nenhum momento o rescindiu (o que veio

a ocorrer somente em 1998). Ao invés de rescindir unilateralmente os contratos

existentes, optou a ré em não cumpri-lo, visando a asfi xiar a autora, impedindo-a

de exercer sua atividade de distribuidor FORD.

[...]

A autora sempre registrou sua insatisfação com os incompreensíveis

descumprimentos do contrato através de inúmeras missivas enviadas à ré (doc.

4). Mas a Ford Brasil S.A. reiteradamente privilegiava a concorrente MERCOVEL em

detrimento dos direitos da autora.

No entanto, com a falência, em 1997, da concorrente ilicitamente nomeada

(MERCOVEL), a ré houve por bem tentar uma reconciliação com a autora,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

428

propondo a retomada do cumprimento do contrato até então abandonado pela

ré. Essa reaproximação foi iniciada por uma carta enviada pela ré à autora (doc. 4)

em 3 de fevereiro de 1997.

Em razão dessa carta-proposta, a autora prontamente encaminhou

resposta afi rmando que tinha total interesse em retomar o contrato - frise-se

ininterruptamente vigente e jamais descumprido pela autora - para que pudesse

desenvolver sua atividade de distribuidor FORD. Ressaltou-se, na referida

correspondência, que sempre foi o desejo da autora que a ré cumprisse suas

obrigações para que pudessem ser restabelecidas as relações comerciais,

conforme previsão contratual.

[...]

Contudo, o que se verifi cou foi uma estratégia maliciosamente preconcebida

pela ré para novamente deixar de cumprir o contrato. Isto é, mesmo após todas as

exigências da autora terem sido integralmente atendidas, a ré permaneceu sem

cumprir com sua contraprestação. E pior, nas cartas enviadas à autora afi rmava

que ela não havia cumprido suas, exigências. A cada missiva endereçada à autora

esta respondia que todas as providências requeridas já haviam sido realizadas.

A inércia da ré em reconhecer que nada havia a ser cumprido pela autora

motivou o aforamento de notifi cação judicial (doc. 3) para formalizar a ciência

inequívoca de que todas as exigências foram cumpridas que se aguardava o

cumprimento das obrigações assumidas pela ré.

Em resposta a essa notifi cação, a autora recebeu uma carta datada de 7 de

janeiro de 1998 na qual a ré houve por bem rescindir unilateralmente o contrato,

vigente desde 1957 (doc. 3).

[...]

O descumprimento do contrato de vendas e serviços pela ré causou inúmeros

prejuízos a autora. Assim, por meio desta demanda, objetiva-se a condenação da ré

ao pagamento dos lucros cessantes por ela causados durante a vigência do contrato

em razão do descumprimento por parte da FORD BRASIL S.A. do Plano de Ação do

Distribuidor e de favorecimento indevido da concorrente MERCOVEL nos anos de

1988 a 1998, indenização essa que deverá ser quantifi cada e apurada através de

perícia técnica.

A autora também postula a condenação da ré ao pagamento dos danos

emergentes causados à autora, visto que foi obrigada a realizar diversos

investimentos e cumprir diversas exigências determinadas pela ré, sem que tenham

sido aproveitadas, pois após todos os gastos realizados, a ré decidiu rescindir

unilateralmente o contrato.

Por fi m, pede-se também a condenação da ré ao pagamento de indenização em

razão da rescisão unilateral do contrato, nos termos estabelecidos pela Lei Ferrari.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 429

[...]

Pede a autora Buchalla Veículos Ltda. a procedência da demanda para condenar

a ré (i) ao pagamento dos lucros cessantes do período de vigência do contrato

celebrado entre as partes, nos anos de 1988 até 1998, acrescidos de juros de mora

e correção monetária desde a data de ocorrência; (ii) ao pagamento dos danos

emergentes causados pelas exigências da ré para voltar a cumprir o contrato,

acrescidos de juros de mora e com monetária desde o efetivo desembolso; e (iii)

ao pagamento das perdas e danos decorrentes da rescisão unilateral do contrato

a que deu causa, na forma estabelecida pelo art. 24 da Lei Ferrari e com base no

faturamento potencial que a autora teria se não fosse o boicote levado a efeito

pela ré.

É em relação à pretensão de indenização dos lucros cessantes do período

de 1988 até 1998, que pleiteia a ora recorrente, subsidiariamente, seja afastada

a prescrição. Isso porque em relação a uma parcela deste período, na data em

que entrou em vigor o Código Civil de 2002, havia transcorrido mais de dez

anos, de maneira que, aplicando a regra de transição prevista em seu art. 2.028,

prevaleceria ainda o lapso prescricional do Código Civil de 1916 (vinte anos) e,

assim, não se teria implementado, no ponto, a prescrição.

Entretanto, verifi co que a pretensão de percepção dos lucros cessantes

está diretamente relacionada com a rescisão unilateral do contrato celebrado

entre as partes. Na verdade, da narrativa dos fatos constantes da inicial, é

claramente perceptível que, se não fosse tal fato, ou seja, se o contrato houvesse

sido mantido, a ora recorrente não buscaria o ressarcimento de alegados danos

materiais advindos de “descumprimento por parte da Ford Brasil S.A. do Plano

de Ação do Distribuidor e de favorecimento indevido da concorrente Mercovel

nos anos de 1988 a 1998”.

Considero, pois, que o fato gerador da pretensão de ressarcimento dos

alegados lucros cessantes está consubstanciado na rescisão contratual.

Desse modo, decorrendo todos os pedidos indenizatórios formulados na

petição inicial da causa de pedir principal, rescisão do contrato, é da data desta

rescisão que deve ser aferido o prazo prescricional (7 janeiro de 1998). Assim,

aplicada a regra do art. 2.028 do CC/2002 e ajuizada a ação em 4 de janeiro de

2008, tem-se por prescritas as pretensões formuladas na ação indenizatória.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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RECURSO ESPECIAL N. 1.321.263-PR (2012/0062485-4)

Relator: Ministro Moura Ribeiro

Recorrente: Bio Fill Produtos Biotecnologicos S/A e outros

Advogado: Octávio Ferreira do Amaral Neto e outro(s) - PR002173

Advogada: Silvane Boschini Lopes e outro(s) - PR061704

Recorrido: Athos de Santa Th eresa Abilhoa - Espólio

Recorrido: Marco Antônio de Abreu Abilhoa - por si e representando

Advogado: Leonardo Sperb de Paola e outro(s) - PR016015

Interes.: BNDES Participacoes SA BNDESPAR

Advogados: Mara Rocha Aguillar - RJ052897

Th aís da Silva Freire e outro(s) - RJ136356

Interes.: MGK Empreendimentos e Participações S/C Ltda

Advogado: Benoit Scandelari Bussmann e outro(s) - PR024489

Interes.: SEM SHO Investment Fund Corporation

Interes.: Ciro Percival de Macedo e outros

EMENTA

Civil. Recurso especial. Ação condenatória. Dissolução parcial de

sociedade anônima com apuração de haveres. (1) Recurso manejado

sob a égide do CPC/1973. (2) Dissolução parcial de sociedade

anônima. Possibilidade. Inexistência de lucros e não distribuição de

dividendos há vários anos. (3) Princípio da preservação da empresa.

Aplicabilidade. (4) Cerceamento de defesa. Falta de instrução

probatória. Súmula n. 83 do STJ. (5) Ausência de manifestação

sobre documento novo. Súmula n. 83 do STJ. (6) Ocorrência de

coisa julgada quanto ao percentual de juros de mora. Súmula n. 83

do STJ. (7) Nulidade de citação por edital de empresa estrangeira

não confi gurada. Dever de manter representante com poderes para

receber citação no país. Inteligência do art. 119 da Lei n. 6.406/1976.

(8) Juros de mora. Termo a quo. Prazo nonagesimal para pagamento.

Procedência na extensão do pedido para evitar julgamento “ultra

petita”. (9) Recurso especial parcialmente provido.

1. Inaplicabilidade do NCPC ao caso ante os termos do

Enunciado n. 2 aprovado pelo Plenário do STJ na Sessão de 9.3.2016:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 431

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões

publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de

admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até

então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

2. A impossibilidade de preenchimento do fi m da sociedade

anônima caracteriza-se nos casos em que a companhia apresenta

prejuízos constantes e não distribui dividendos, possibilitando aos

acionistas detentores de 5% ou mais do capital social o pedido de

dissolução, com fundamento no art. 206, II, b da Lei n. 6.404/1976.

Hipótese em que no período de 12 (doze) anos a companhia somente

gerou lucros em três exercícios e só distribuiu os dividendos em um

deles.

3. Caso em que confi gurada a possibilidade de dissolução parcial

diante da viabilidade da continuação dos negócios da companhia,

em contrapartida ao direito dos sócios de se retirarem dela sob o

fundamento que eles não podem ser penalizados com a imobilização

de seu capital por longo período sem obter nenhum retorno

fi nanceiro. Aplicação do princípio da preservação da empresa, previsto

implicitamente na Lei n. 6.404/1976 ao adotar em seus arts. 116 e 117

a ideia da prevalência da função social e comunitária da companhia,

caracterizando como abuso de poder do controlador a liquidação de

companhia próspera.

4. Afasta-se a tese de cerceamento de defesa porque cabe

ao magistrado verificar a existência de provas suficientes para o

julgamento da causa, conforme o princípio do livre convencimento

motivado ou da livre persuasão racional.

5. Não há falar em prejuízo em virtude da ausência de

manifestação da parte contrária acerca de documento novo, uma vez

que o magistrado o considerou irrelevante para o deslinde da causa.

Aplicação da Súmula n. 83 do STJ.

6. A Corte estadual decidiu de acordo com entendimento do

STJ, no sentido de inexistir ofensa à coisa julgada a alteração do

percentual dos juros de mora, de 0,5% para 1% ao mês, a partir da

vigência do Código Civil de 2002.

7. O acionista que deveria ser citado no país e que aqui não tem

representante ou não constituiu mandatário não pode ser benefi ciado

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

432

por sua omissão, validando-se sua citação por edital. Inteligência do

art. 119 da Lei n. 6.404/1976.

8. Nos casos de dissolução parcial de sociedade anônima os juros

moratórios são devidos a partir do vencimento do prazo nonagesimal,

após a sentença de liquidação de haveres, conforme regra prevista

no art. 1.031, § 2º, do CC/2002, aplicável por analogia. Caso de se

dar parcial provimento ao recurso especial para fi xar o termo a quo

dos juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão que

determinar o pagamento dos haveres, conforme requerido pelos

recorrentes, a fi m de evitar julgamento “ultra petita”.

9. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo

Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Brasília (DF), 6 de dezembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Moura Ribeiro, Relator

DJe 15.12.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Marco Antônio de Abreu Abilhoa e Espólio de

Athos de Santa Th eresa Abilhoa (Marco Antônio e Espólio), detentores de 11,74%

do capital social da empresa BIO FILL Produtos Biotecnológicos S.A., ajuizaram

ação condenatória com pedido sucessivo de dissolução parcial de sociedade

anônima contra BIO FILL Produtos Biotecnológicos S.A., Proycron Biopharma Inc.,

Carrilho Participações S.A., José Rubens Cafareli, Luiz Carlos Meinert, Eros Santos

Carrilho, Londrina Co. Ltda., BNDES Participações S.A. (BDNESPAR), MGK

Empreendimentos e Participações S/C Ltda., Ciro Percival de Macedo, Leny Xavier

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 433

Farah, Monteiro Aranha S.A. e SEM SHO Investment Fund Corporation (BIO

FILL e outros), buscando o direito de retirada da sociedade, com a apuração

de seus haveres, o pagamento de pro labore, a devolução de empréstimo e o

reembolso de despesas efetuadas em nome da sociedade anônima.

O juízo singular julgou procedente o pedido de liquidação parcial da

sociedade, com apuração de haveres dos autores, determinando a devolução

do valor emprestado, mediante compensação, do dia do desembolso até a data

do efetivo pagamento, incidindo os juros de mora de 0,5% ao mês a contar da

citação (e-STJ, fl s. 608/626).

O Tribunal de origem, julgando as quatro apelações interpostas pelas

partes, decidiu nos seguintes termos:

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de Marco Antônio de Abreu

Abilhoa e Outro, apenas para determinar a alteração dos juros moratórios para

1% ao mês, a partir da entrada em vigor do novo Código Civil, sobre o valor a ser

restituído a título de empréstimo; dou parcial provimento ao recurso de apelação

de MKG Empreendimentos e Participações SC Ltda., para afastar os acionistas

do pagamento das despesas processuais; dou parcial provimento ao recurso

de Bio Fill Produtos Biotecnológicos S/A, de Procyon Biopharma In e Outros,

e de BNDES Participações S/A - BNDESPAR, para determinar que a dissolução

parcial tenha por base para liquidação a data do ajuizamento da ação, calculada

a partir do valor patrimonial das ações, determinando-se a data dos juros de

mora e correção monetária conforme fundamentação, e, ainda, atribuindo a

sucumbência recíproca (e-STJ, fl . 1.021 – sem destaques no original).

Os embargos de declaração opostos por BIO FILL e outros, MKG

Empreendimentos e Participações SC Ltda. (MKG) e Marco Antônio e Espólio

foram assim decididos:

Diante do exposto, acolho os embargos de declaração de MGK

Empreendimentos e Participações Ltda., para corrigir o erro material na parte

dispositiva do acórdão, dando-se provimento integral a seu recurso de apelação,

sem alteração da matéria decidida; acolho parcialmente os embargos de Marco

Antônio Abilhoa e Outro, sanando a obscuridade apontada, sem alteração do

julgado; e REJEITO os embargos de Bio Fill Produtos Biotecnológicos e Outros

(e-STJ, fl . 1.055).

Nas razões do especial, BIO FILL e outros apontaram violação dos

seguintes dispositivos legais (1) arts. 206, II, b e 136 da Lei n. 6.404/1976,

alegando que a lei não contempla a dissolução parcial de sociedade anônima,

apenas a total, fi cando restrito o direito de retirada às hipótese do art. 136;

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

434

(2) arts. 130 e 165 do CPC/1973, pugnando pela instrução probatória ampla,

visto que o balanço patrimonial, que demonstrou a não geração de lucros e

distribuição de dividendos é insufi ciente para justifi car a pretendida dissolução,

estando caracterizado o cerceamento de defesa; (3) art. 398 do CPC/1973,

sustentando a nulidade da sentença por inobservância do contraditório,

porque a parte contrária não teve vista do documento novo que poderia ter

infl uência no julgamento da lide; (4) arts. 512 e 460 do CPC/1973, afi rmando

a impossibilidade de elevação da taxa de juros de 0,5% para 1% ao mês, a partir

do novo Código Civil, sem pedido expresso da parte; (5) art. 203 e 231 do

CPC/1973, asseverando que o acórdão recorrido considerou válida a citação por

edital de empresa domiciliada no estrangeiro, que somente pode ser feita através

de carta rogatória; (6) art. 405 do CC/2002, insurgindo-se contra a incidência

de juros de mora a partir da citação; e, sucessivamente, (7) para a hipótese desta

Corte Superior entender que não teriam sido satisfatoriamente prequestionados

os temas de lei federal, apontaram ofensa ao art. 535 do CPC/1973.

O Presidente do Tribunal a quo negou seguimento ao recurso especial

(e-STJ, 1.208/1.218), tendo sido interposto agravo em recurso especial que foi

conhecido para determinar a subida do apelo raro (e-STJ, fl . 1.251).

Decisão monocrática de minha relatoria deu parcial provimento ao recurso

da BIO FILL e outros apenas para fi xar o termo inicial dos juros de mora

a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme ementa

abaixo:

Civil. Processual Civil. Recurso especial. Ação de dissolução parcial de

sociedade anônima c.c. condenatória, apuração de haveres, pagamento de pro

labore e devolução de empréstimo. Ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrência.

Cerceamento de defesa. Documento novo. Súmula n. 7 do STJ. Acionista

domiciliado no exterior. Citação por carta rogatória. Julgamento extra petita.

Súmulas n. 211 do STJ e 283 do STF. Termo inicial dos juros moratórios. Prazo

nonagesimal do art. 1.031, § 2º, do CC/2002. Procedência na extensão do pedido

para evitar julgamento ultra petita. Recurso especial parcialmente provido (e-stj,

fl . 1.266).

No regimental interposto (e-STJ, fl s. 1.277/1.289), BIO FILL e outros

insistem nos mesmos argumentos aventados no apelo nobre, insurgindo-se

contra as violações dos dispositivos legais que tratam da (1) impossibilidade

de dissolução parcial de sociedade anônima; (2) existência de cerceamento de

defesa; (3) ausência de manifestação sobre documento novo; (4) ocorrência de

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 435

coisa julgada quanto ao percentual de juros de mora; e, (5) nulidade de citação

por edital de empresa estrangeira.

Pleiteiaram que a decisão monocrática fosse reconsiderada por esta

Terceira Turma.

A contraminuta foi apresentada por Marco Antônio e Espólio (e-STJ, fl s.

1.298/1.309).

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental

de BIO FILL e outros para que o recurso especial fosse incluído em pauta de

julgamento, independentemente de publicação de acórdão (e-STJ, fl . 1.317).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): De plano, vale pontuar que

as disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade

dos recursos, são inaplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado

Administrativo n. 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9.3.2016:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões

publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de

admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dada até então

pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Marco Antônio e Espólio, detentores de 11,74% do capital social da empresa

BIO FILL, ajuizaram ação condenatória com pedido sucessivo de dissolução

parcial de sociedade contra a empresa e os demais sócios pleiteando o direito

de retirada da sociedade, com a apuração de seus haveres, o pagamento de pro

labore, a devolução de empréstimo realizado a favor da companhia e o reembolso

de despesas.

O juízo singular julgou procedente o pedido de liquidação parcial da

sociedade, com apuração de haveres dos autores, determinando a devolução

do valor emprestado, mediante compensação, do dia do desembolso até a data

do efetivo pagamento, incidindo os juros de mora de 0,5% ao mês a contar da

citação.

O Tribunal paranaense deu parcial provimento aos recursos de Marco

Antônio e Espólio e BIO FILL e outros para determinar, respectivamente, a

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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alteração dos juros moratórios de 0,5% para 1% ao mês, a partir do CC/2002,

e alterar a data-base para liquidação das ações e apuração dos haveres na

dissolução parcial a partir do ajuizamento da ação.

Daí o inconformismo aqui manejado por BIO FILL e outros, alegando

violação aos arts. 206, II, b e 136, da Lei n. 6.404/1976; 130, 165, 203, 231, 405,

460, 512 e 535, I e II, do CPC/1973, que não merece acolhimento.

(1) Da alegada impossibilidade de dissolução parcial de sociedade anônima

(arts. 206, II, b e 136 da Lei n. 6.404/1976)

A questão controvertida em debate visa defi nir se é possível a dissolução

parcial de sociedade anônima de capital fechado por não atingir seu fi m (art.

206, II, b, da Lei n. 6.404/1976), consubstanciado no não auferimento de lucros

e não distribuição de dividendos aos acionistas.

As sociedades são classificadas, quanto ao seu ato constitutivo, como

contratuais e institucionais. Nas contratuais, as relações entre os sócios são

regidas por um acordo de vontades. Nas institucionais, como é o caso das

sociedades anônimas, seus atos constitutivos, consubstanciados na deliberação

dos fundadores ou em escritura pública, determinam as regras a serem seguidas

por aqueles que aderirem aos seus termos.

As sociedades também são classifi cadas como de pessoas e de capitais, a

depender da relevância dos sócios para a sua formação. Daí resulta o caráter

intuito personae das sociedades limitadas, em que prevalece o relacionamento

pessoal dos sócios e a confi ança entre eles, em contraposição ao caráter intuito

pecunae das sociedades anônimas, preponderando a contribuição pecuniária dos

seus integrantes.

FÁBIO ULHÔA COELHO bem diferencia os tipos societários adotados

na legislação pátria:

O direito brasileiro adotou o princípio da tipicidade em matéria societária, de

modo que cabe aos interessados escolher qual o formato legal que desejam para

constituir sua sociedade, daí decorrendo a incidência das normas que são próprias

do tipo escolhido. Na essência, pode-se dizer que há duas opções bem distintas:

se se trata de um grupo de pessoas que têm relacionamento pessoal entre

si, a escolha recai em um tipo societário que permite que elas se mantenham

unidas, seguras de que não haverá substituição de qualquer delas, senão quando

consentidas por todas ou pela maioria; já quando um empreendedor não possui

recursos sufi cientes para explorar uma atividade econômica que exige maiores

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 437

aportes do que os seus, a opção será por um modelo que lhe permita angariar

esses recursos com terceiros, indiferentemente da qualifi cação de quem possa

prestá-los. A primeira via recomenda os tipos societários contratuais, também

classificadas como sociedades de pessoas (sociedade em nome coletivo,

sociedade em comandita simples ou sociedade limitada); a outra, a sociedade

anônima ou, eventualmente, a sociedade em comandita por ações, ambas

consideradas sociedades de capitais (Tratado de Direito Comercial. São Paulo:

Saraiva. 2015, vol. 2, p. 323/324).

A jurisprudência desta Corte é fi rme no sentido de ser possível a dissolução

parcial de sociedades que concentram na pessoa de seus sócios um de seus

elementos preponderantes, partindo-se do pressuposto de que as sociedades

anônimas de capital fechado são, em sua maioria, formadas por grupos familiares,

constituídas intuito personae. Nesses casos, o rompimento da aff ectio societatis

representa verdadeiro impedimento a que a companhia continue a realizar o seu

fi m social, motivo que levou a Segunda Seção a adotar o entendimento de que é

possível a dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado:

Embargos de divergência. Dissolução parcial de sociedade anônima de caráter

familiar e fechado. Requisito da quebra da aff ectio societatis afi rmado sufi ciente

pelos acórdãos expostos como paradigmas. Acórdão embargado que julgou no

mesmo sentido. Incidência da Súmula 168/STJ.

1.- O Acórdão ora embargado, fi rmando, como único requisito à dissolução

parcial da sociedade anônima familiar fechada a quebra da aff ectio societatis,

julgou exatamente no mesmo sentido dos Acórdãos invocados como paradigmas

pretensamente divergentes, de modo que não cabem Embargos de Divergência,

nos termos da Súmula 168/STJ.

2.- Subsistência da orientação constante do Acórdão embargado: “A 2ª Seção,

quando do julgamento do EREsp n. 111.294/PR (Rel. Min. Castro Filho, por maioria,

DJU de 10.9.2007), adotou o entendimento de que é possível a dissolução de

sociedade anônima familiar quando houver quebra da aff ectio societatis (EREsp

419.174/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ 4.8.2008)”.

3.- Embargos de divergência não conhecidos.

(EREsp 1.079.763/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, julgado em

25.4.2012, DJe 6.9.2012)

Embargos de divergência. Questões preliminares. Substabelecimento.

Renúncia do advogado substabelecente. Capacidade postulatória do

substabelecido. Litisconsórcio passivo. Morte de um dos réus. Ausência

de habilitação dos sucessores. Nulidade dos atos praticados após o óbito.

Descabimento. Observância do princípio da segurança jurídica. Mérito.

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Direito Comercial. Sociedade anônima. Grupo familiar. Inexistência de lucros e

distribuição de dividendos há vários anos. Quebra da aff ectio societatis. Dissolução

parcial. Possibilidade.

[...]

III - É inquestionável que as sociedades anônimas são sociedades de capital

(intuito pecuniae), próprio às grandes empresas, em que a pessoa dos sócios não

têm papel preponderante. Contudo, a realidade da economia brasileira revela a

existência, em sua grande maioria, de sociedades anônimas de médio e pequeno

porte, em regra, de capital fechado, que concentram na pessoa de seus sócios

um de seus elementos preponderantes, como sói acontecer com as sociedades

ditas familiares, cujas ações circulam entre os seus membros, e que são, por isso,

constituídas intuito personae. Nelas, o fator dominante em sua formação é a

afi nidade e identifi cação pessoal entre os acionistas, marcadas pela confi ança

mútua. Em tais circunstâncias, muitas vezes, o que se tem, na prática, é uma

sociedade limitada travestida de sociedade anônima, sendo, por conseguinte,

equivocado querer generalizar as sociedades anônimas em um único grupo, com

características rígidas e bem defi nidas.

Em casos que tais, porquanto reconhecida a existência da aff ectio societatis

como fator preponderante na constituição da empresa, não pode tal circunstância

ser desconsiderada por ocasião de sua dissolução. Do contrário, e de que é

exemplo a hipótese em tela, a ruptura da aff ectio societatis representa verdadeiro

impedimento a que a companhia continue a realizar o seu fi m, com a obtenção

de lucros e distribuição de dividendos, em consonância com o artigo 206, II, “b”,

da Lei n. 6.404/1976, já que difi cilmente pode prosperar uma sociedade em que

a confi ança, a harmonia, a fi delidade e o respeito mútuo entre os seus sócios

tenham sido rompidos.

A regra da dissolução total, nessas hipóteses, em nada aproveitaria aos

valores sociais envolvidos, no que diz respeito à preservação de empregos,

arrecadação de tributos e desenvolvimento econômico do país. À luz de tais

razões, o rigorismo legislativo deve ceder lugar ao princípio da preservação da

empresa, preocupação, inclusive, da nova Lei de Falências - Lei n. 11.101/2005,

que substituiu o Decreto-Lei n. 7.661/1945, então vigente, devendo-se permitir,

pois, a dissolução parcial, com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração

de seus haveres em função do valor real do ativo e passivo.

A solução é a que melhor concilia o interesse individual dos acionistas

retirantes com o princípio da preservação da sociedade e sua utilidade social,

para evitar a descontinuidade da empresa, que poderá prosseguir com os sócios

remanescentes.

Embargos de divergência improvidos, após rejeitadas as preliminares.

(EREsp 111.294/PR, Rel. Ministro Castro Filho, Segunda Seção, julgado em

28.6.2006, DJ 10.9.2007, p. 183)

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 439

No entanto, os precedentes desbordam da hipótese dos autos porque a

sociedade anônima BIO FILL não é um grupo familiar, sendo formada tanto

por pessoas físicas como jurídicas, a maioria destas últimas com sede no exterior,

a saber: Luiz Fernando Xavier Farah, Athos de Santa Th ereza Abilhoa, Luiz

Carlos Meinert, Joaão Farah, Eros Santos Carrilho, Carrilho Participações

S.A., José Rubens Cafareli, Marco Antonio Abilhoa, Monteiro Aranha S.A.,

BNDES Participações S.A., Sen Sho Inv. Fud Corporation, Kadima Empreend.

Partic. Ltda., Procyon Biopharma Inc., Foodside Company Limited e Ciro

Percival de Macedo (e-STJ, fl . 26).

Trata-se, pois, de sociedade de capital, com nítido intuito pecunae, composta

por investidores institucionais.

A fi nalidade lucrativa é da essência da sociedade por ações, consoante

se extrai do art. 2º da Lei n. 6.404/1976: pode ser objeto da companhia qualquer

empresa de fi m lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

Ausente o lucro, fi ca autorizada a dissolução da sociedade anônima por

decisão judicial quando provado que ela não consegue preencher o seu fi m, em

ação ajuizada por acionistas que representem 5% ou mais do capital social, nos

termos do art. 206, II, b da Lei n. 6.404/1976:

Art. 206. Dissolve-se a companhia:

II - por decisão judicial:

b) quando provado que não pode preencher o seu fi m, em ação proposta por

acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;

MODESTO CARVALHOSA defi ne o conceito de fi m social como a

capacidade de realização de lucros a serem distribuídos aos acionistas. E continua:

[...] a lucratividade compatível com a atividade empresarial exercida e a

capacidade de compensar proporcionalmente os acionistas nesses resultados

constituem requisitos fundamentais para a continuidade da existência da

companhia. Se esta não puder produzir lucros, cabe dissolvê-la.

O termo “fi m” tem duplo alcance, querendo, de um lado, signifi car a atividade

empresarial estabelecida no estatuto (objeto social), e, no sentido teleológico,

a meta de toda companhia, qual seja, a produção de lucros compatíveis e

distribuíveis aos acionistas. Tanto na primeira hipótese como na segunda, não

alcançando a companhia o seu fi m, cabe o pedido judicial de sua dissolução.

Temos, assim, dois elementos fundamentais para a permanência da companhia:

o primeiro, de natureza objetiva, de ser ela lucrativa. O segundo, de ser a companhia

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capaz de atender ao direito subjetivo do acionista de receber parcela compatível

e proporcional ao lucro apurado, sob a forma de dividendos. A insatisfação desse

direito subjetivo de receber dividendos compensatórios e compatíveis com o

lucro apurado, na forma estabelecida nos estatutos sociais e na lei (art. 17, na

redação dada pela Lei n. 9.457/1997, e arts. 201 a 205), outorga ao acionista,

dentre outros direitos, o de requerer a dissolução da companhia (Tratado

de Direito Empresarial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2016, vol. III -

Sociedades Anônimas, p. 1.158/1.159 - sem destaque no original).

No mesmo sentido é a lição de NELSON EIZIRIK ao comentar o art.

206, II, b da Lei n. 6.404/1976:

A legislação nunca defi niu com precisão o que se deve entender por “fi m”

da sociedade. Tendo em vista as características fundamentais da companhia, o

seu fi m deve ser referido aos seguintes elementos essenciais: (i) o preenchimento

de seu objeto social; e (ii) a geração de lucros. Com efeito, a companhia existe

para desempenhar determinadas atividades empresariais, definidas em seu

objeto social, com intuito lucrativo. Se fi car demonstrado que ela não tem como

preencher seu objeto social ou não atua de forma lucrativa, cabe a sua dissolução.

Como se trata de medida extrema, que fere o princípio da preservação da

empresa, a decretação judicial da dissolução deve ser sempre tomada com muita

cautela, após minuciosa análise da situação econômica e fi nanceira da companhia

(A Lei das S/A Comentada. São Paulo: Ed. Quartier Latin. 2011, vol. III, p. 154 - sem

destaque no original).

A doutrina de JOSÉ WALDECY LUCENA não discrepa:

A busca de lucro é objetivo de toda sociedade comercial, como o é da

anônima, que deverá distribuí-lo aos acionistas (dividendos). O CCv/2002 é

peremptório a respeito: as pessoas que se organizam para fi ns não-econômicos

constituem associação (art. 53), jamais sociedade (art. 981). Assim, as sociedades

civis, religiosas, pias, morais, científi cas ou literárias, a que se referia o CCv/1916

(art. 16-I), são conceituadas pelo novo Código como associações. Em suma, não

há sociedades de fi ns não-econômicos, como não há associações de fi ns econômicos.

Tanto que a sociedade empresária que não obtiver lucro, para distribuir a seus sócios,

será dissolvida e extinta, por não preenchido o seu fi m (CCv/2002, art. 1.034-II; Lei

n. 6.404/1976, art. 206, II, ‘b’) (Das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Ed.

Renovar. 2009, vol. I, p. 54 - sem destaque no original).

Portanto, o fi m social almejado pela sociedade é o lucro, inexistindo este,

facultado é a qualquer dos sócios requerer em juízo a dissolução da sociedade, podendo

considerar-se esta faculdade um instrumento de proteção dos interesses da minoria

quando o controlador adota política de retenção de lucros (BRITO, Cristiano

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 441

Gomes de. Dissolução Parcial de Sociedade Anônima. In Revista de Direito

Privado: RDPRiv., v. 2, n. 7, jul./set. 2001, p. 31 - sem destaque no original).

Por outro lado, é certo que nem toda e qualquer ausência de lucros é capaz

de caracterizar a impossibilidade da companhia preencher o seu fi m, devendo

o estudo de viabilidade se pautar por um histórico de resultados colecionados pela

sociedade, principalmente por ser este um dado concreto de que se dispõe (ZANINI,

Carlos Klein. A Dissolução Judicial da Sociedade Anônima. Rio de Janeiro:

Ed. Forense. 2005, p. 153).

No caso dos autos, a sentença entendeu que a falta de distribuição de

lucros, tendo decorrido prazo sufi ciente para sua consecução, representa o não

alcance da fi nalidade da empresa. Além disso, considerou que o pedido foi

formulado por acionistas que representam mais de 5% do capital social e, como

podem pedir o mais, que é a dissolução total, podem pedir o menos, ou seja,

a dissolução parcial com apuração de haveres, alicerçando-se no princípio da

preservação da empresa.

O acórdão, por sua vez, manteve a procedência do pedido de dissolução

parcial com base nos mesmos fundamentos adotados na sentença, enfatizando

que em 12 (doze) anos a companhia somente gerou lucros em três exercícios e só

distribuiu os dividendos em um deles:

Na hipótese destes autos quer o autor a dissolução da sociedade por não

atingir seu fi m (artigo 206, inciso II, ‘b’, da Lei n. 6.404/1976), consubstanciado no

não auferimento de lucros e distribuição de dividendos por mais de três exercícios

fi nanceiros seguidos (artigo 111, § 1º, da Lei n. 6.404/1976), uma vez que está com

seu capital imobilizado sem obter contrapartida fi nanceira.

[...]

De se ver que há possibilidade jurídica do pedido, pois instrução pretoriana

albergada no STJ admite a dissolução parcial da sociedade anônima.

E, o caso em comento recomenda a admissão do pedido de dissolução parcial.

Veja-se que os apelados são detentores de mais de 5% de ações (fl s. 23 - detêm

11,741%), e, em tese, podem pedir a dissolução total da sociedade, com base no

artigo 206, II, ‘b’ da Lei 6404176, uma vez que comprovadamente a sociedade não

consegue preencher seus fi ns.

[...]

Todavia, no presente caso, não há distribuição de lucros e dividendos aos

acionistas. A sociedade foi formada em 1988 e até o oferecimento da presente ação

(ano 2000) só obtivera lucro em 1991, 1993 e 1994, tendo distribuído dividendos aos

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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acionistas somente em 1991. Tal situação, aliada à ausência de valor nominal das

ações (fl s. 23) torna impraticável a venda das ações e recomenda, ainda que não

haja vínculo contratual entre acionistas, a liquidação das ações dos apelados/

autores, retirando-se-os da sociedade (e-STJ, fl s. 1.012/1.013 – sem destaques no

original).

O Supremo Tribunal Federal, na vigência do Decreto-Lei n. 2.627 de

25.9.1940, em decisão histórica de relatoria do saudoso Ministro Nelson

Hungria, admitiu a dissolução de companhia que durante vinte e cinco anos de

existência somente havia gerado lucro em cinco exercícios:

Ementa - O fim lucrativo é essencial à sociedade anônima. Ausência de

lucros durante 25 anos; causa de dissolução. Aplicação do art. 138, b, da lei das

sociedades por ações (RE 20.023/DF, Rel. Ministro Nelson Hungria, julgado em

28.4.1952).

Anote-se que o precedente desta Terceira Turma, de relatoria da Ministra

Nancy Andrighi, entendendo que o fato da sociedade anônima ser de capital

fechado e não ser unida por vínculos de natureza pessoal impossibilita sua

dissolução parcial tão somente por não distribuir dividendos por razoável lapso

temporal não se assemelha à hipótese sob análise, uma vez que no precedente foi

comprovado por prova pericial a impossibilidade de percepção de lucros a curto

prazo, conforme a ementa abaixo transcrita:

Comercial. Dissolução de sociedade anônima de capital fechado. Art. 206 da

Lei n. 6.404/1976. Não distribuição de dividendos por razoável lapso de tempo.

Sociedade constituída para desenvolvimento de projetos fl orestais. Plantio de

árvores de longo prazo de maturação. Empresa cuja atividade não produz lucros

a curto prazo. Inexistência de impossibilidade jurídica. Necessidade, contudo,

de exame do caso em concreto. Insubsistência do argumento de reduzida

composição do quadro social, se ausente vínculo de natureza pessoal e nem se

tratar de grupo familiar.

- Não há impossibilidade jurídica no pedido de dissolução parcial de sociedade

anônima de capital fechado, que pode ser analisado sob a ótica do art. 335, item

5, do Código Comercial, desde que diante de peculiaridades do caso concreto.

- A aff ectio societatis decorre do sentimento de empreendimento comum que

reúne os sócios em torno do objeto social, e não como consequência lógica do

restrito quadro social, característica peculiar da maioria das sociedades anônimas

de capital fechado.

- Não é plausível a dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado

sem antes aferir cada uma e todas as razões que militam em prol da preservação

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da empresa e da cessação de sua função social, tendo em vista que os interesses

sociais hão que prevalecer sobre os de natureza pessoal de alguns dos acionistas.

(REsp 247.002/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

4.12.2001, DJ 25.3.2002, p. 272)

No que se refere à possibilidade de dissolução parcial, embora a Lei

de Sociedades Anônimas somente tenha disciplinado a dissolução total,

a jurisprudência não veda a utilização do instituto no caso das sociedades

anônimas em atenção ao princípio da preservação da empresa.

Na concepção de MODESTO CARVALHOSA a Lei n. 6.404/1976

acolheu o princípio da preservação da empresa em seus arts. 116 e 117, por adotar

a prevalência da função social e comunitária da companhia e por caracterizar

como abuso de poder do controlador a liquidação de companhia próspera:

A nossa Lei Societária, semelhantemente ao que ocorre com a Lei argentina,

contempla norma de interpretação acolhendo o princípio da preservação da

companhia em face do pedido de dissolução, ex vi dos arts. 116 e 117.

Nesse específico aspecto a Lei Societária filia-se à escola institucionalista,

tratando dos interesses socioeconômicos e comunitários da companhia. No

Direito argentino essa regra interpretativa institucional permite indagar da causa

objetiva do pedido.

Em nossos Tribunais, embora não mencionando as normas de interpretação

contidas nos arts. 116 e 117 tem-se acolhido esse princípio paradigmático no

que respeita aos pedidos dissolutórios de iniciativa minoritária. Assim é que

relutam nossos tribunais em decretar a dissolução das companhias nesses casos.

O fundamento de tal resistência à dissolução voluntária de origem minoritária é

o interesse público, seja do Estado, seja da coletividade em que a companhia atua

(CARVALHOSA, Modesto. Op. cit., p. 1.163 - sem destaques no original).

A dissolução parcial, além de resguardar o interesse público na manutenção

das empresas e geração de empregos, visa proteger o interesse dos demais

acionistas, contrários à sua dissolução. Com efeito, não seria plausível a extinção

da sociedade por sócios que representam pouco mais de 10% das ações da

companhia, como é o caso dos autos.

A possibilidade de dissolução parcial foi acatada no acórdão da origem

diante da viabilidade de continuação dos negócios da companhia, em

contrapartida ao direito de retirada dos sócios sob o fundamento que eles não

podem ser penalizados com a imobilização de seu capital por longo período sem

obtenção de nenhum retorno fi nanceiro. Veja-se:

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Dessa forma, ainda há certo potencial lucrativo na empresa, defendido pela

apelante e pelos acionistas nos outros recursos, recomendando-se sua preservação,

porém, não se pode imobilizar o capital do acionista, num negócio que em raros

momentos foi lucrativo e que já não apresenta liquidez para venda das ações no

mercado, impondo-se a dissolução parcial.

Ademais, há de se ver que a dissolução parcial não está sendo usada no caso

como mecanismo de pressão por parte dos acionistas minoritários. Veja-se que

os autores exerceram cargos de direção na companhia até 1996 (fls. 03). Logo,

trabalharam em prol da companhia e até mesmo chegaram a realizar empréstimo

pessoal para pagamento de dívidas da sociedade (fl s. 87), não havendo razões no

pleito da apelante de que se trata de má-fé e tentativa de enriquecimento ilícito dos

autores às custas dos demais investidores.

Assim, há de se ponderar que o interesse individual dos autores encontra-se

albergado na legislação (artigo 206, II, ‘b’ da Lei n. 6.404/1976), pois a sociedade

não gera lucro e não distribui dividendos entre seus acionistas, logo, não preenche

seu fi m lucrativo, e poderia ser totalmente dissolvida. Porém, a ré defende que o

investimento no ramo biotecnológico é de longa maturação e que seu mercado

encontra-se quase todo no estrangeiro.

Dessa forma, ainda há certo potencial lucrativo na empresa, defendido

pela apelante e pelos acionistas nos outros recursos, recomendando-se sua

preservação, porém, não se pode imobilizar o capital do acionista, num negócio

que em raros momentos foi lucrativo e que já não apresenta liquidez para venda

das ações no mercado, impondo-se a dissolução parcial, pois vedada a liquidação

de companhia próspera (artigos 116 e 117 da Lei n. 6.404/1976) (e-STJ, fl . 1.016 -

sem destaque no original)

Crave-se que a dissolução parcial constitui solução menos gravosa,

assegurando aos acionistas que entendem ser possível uma reviravolta na sorte

da companhia a continuação de suas atividades.

Por fi m, não vinga o argumento da BIO FILL de que o art. 206 não pode

ser utilizado como substituto dos arts. 136 e 137 da Lei das S.A., que prevê o

direito de retirada se houver alteração nas vantagens das ações preferenciais,

uma vez que o pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias

porque a instituição do fundo de resgate não se referia às ações preferenciais,

mas sim às ações ordinárias. Não se trata de substituir uma previsão legal por

outra, conforme invocado pelos recorrentes. Trata-se, isto sim, de aplicação

exclusiva do art. 206, II, b da Lei das S.A., sufi ciente por si só para ensejar o

pedido de dissolução da sociedade quando houver ausência de distribuição de

lucros aos acionistas apto a confi gurar o não atingimento do fi m da companhia.

Ademais, o direito de retirada não se confunde com a dissolução parcial

porque enquanto este último instituto é mecanismo fundado em interpretação

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 445

jurisprudencial que visa a preservação da empresa nas hipóteses elencadas no

art. 206 da Lei das S.A., o primeiro foi criado para permitir a saída do acionista

quando discordar da legítima deliberação da maioria.

Em suma, a impossibilidade de preenchimento do fim da sociedade

anônima caracteriza-se nos casos em que a companhia apresenta prejuízos

constantes e não distribui dividendos, possibilitando aos acionistas detentores

de 5% ou mais do capital social o pedido de dissolução, com fundamento no art.

206, II, b da Lei n. 6.404/1976.

(2) Do alegado cerceamento de defesa por falta de instrução probatória

No tocante às apontadas violações dos arts. 130 e 165 do CPC/1973,

sem razão a BIO FILL e outros, visto que este Tribunal Superior entende que

cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, a

interpretação da produção probatória, necessária à formação do seu convencimento

(AgRg no AREsp 788.143/PE, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta

Turma, DJe 1º.2.2016). Incide nesta hipótese a Súmula n. 83 do STJ.

No caso dos autos, a tese de que o ramo de negócios da companhia exige

período de maturação para produzir lucros foi afastada pelo Juízo de primeiro

grau:

Inaceitável assim a tese da companhia de que seu ramo de negócio exige certo

período de maturação para frutifi car, que caso permitida a dissolução parcial

com apuração de haveres os “acionistas insatisfeitos não teriam outro remédio,

senão presenciarem, ano após ano, ao contínuo esvaimento do valor patrimonial

das ações que detêm, até a derrocada final” (fls. 207). Ora, já houve tempo

considerável para tanto, já transcorreu período sufi ciente para que a sociedade

gerasse lucros. Seguindo-se o mesmo raciocínio, também inviável exigir que os

autores aguardem que futuramente uma joint venture da ré com outra empresa

possa melhorar sua condição fi nanceira para gerar, então, lucro (e-STJ, fl . 619).

Do mesmo modo, a Corte a quo afastou a preliminar de ausência de

instrução probatória para acolhimento do pedido de dissolução parcial da

sociedade anônima, entendendo ser incontroverso o balanço patrimonial da

sociedade apresentado ao longo das assembleias gerais, e que demonstram a não geração

de lucros e distribuição de dividendos (e-STJ, fl s. 1.017/1.018).

Portanto, para modifi car o entendimento das instâncias ordinárias quanto

à inexistência de cerceamento de defesa, seria necessário o reexame de prova, o

que é vedado no STJ em virtude da aplicação de sua Súmula n. 7.

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446

Nesse sentido, confi ra-se o julgado abaixo.

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação reivindicatória.

Discussão sobre a mesma área objeto da ação possessória. Cerceamento de

defesa não confi gurado. Livre convencimento do magistrado. Conclusão do acórdão.

Impossibilidade de revisão. Matéria que demanda o reexame fático-probatório dos

autos. Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo improvido.

1. Deve ser ratificado o afastamento de cerceamento de defesa, pois como

ressaltado na decisão monocrática, cabe ao magistrado verificar a existência de

provas suficientes nos autos para ensejar o julgamento antecipado da lide ou

indeferir a produção de provas consideradas desnecessárias, conforme o princípio do

livre convencimento motivado ou da persuasão racional.

2. Para elidir as premissas alcançadas no acórdão recorrido no tocante à

conclusão da perícia sobre a delimitação da área objeto da ação reivindicatória

ser a mesma da ação possessória anteriormente ajuizada, seria imprescindível o

revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no

âmbito do recurso especial nos termos da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 784.868/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira

Turma, DJe 5.2.2016 – sem destaques no original).

Para além de tudo isso, ressalte-se que no momento processual adequado,

instados a indicar as provas que pretendiam produzir, BIO FILL e outros se

limitaram a postular a comprovação de questões relativas ao pro labore pleiteado

por Marco Antonio e outro e aos valores por eles emprestados à sociedade,

reputando as demais matérias como sendo exclusivamente de direito:

[...]

a) a ouvida de testemunhas a serem arroladas no momento oportuno;

b) a produção de prova pericial;

c) a tomada do depoimento pessoal dos autores.

A finalidade é confirmar as provas documentais já anexadas aos autos,

sobretudo para comprovar que os autores não exerceram a função de diretores

no período de 1994 a 1996 (e, portanto, não tem direito a pro labore); que os

autores são devedores da BIOFILL (e, portanto, será devida a compensação de

eventuais valores devidos aos autores); que não houve deliberação de Assembleia

Geral Ordinária sobre a fi xação de pro labore (sendo, portanto, indevido).

No mais, a matéria que remanesce é de direito (e-STJ, fl . 584).

Desse modo, para afastar a alegação de cerceamento de defesa seria

necessário o revolvimento do conjunto fático probatório dos autos, procedimento

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 447

que encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ. Por outro lado, o pedido de produção

de provas quanto à especifi cidade do ramo de negócios da companhia não foi

formulado no momento oportuno, estando coberto pelo manto da preclusão.

(3) Da juntada de documento novo sem abertura de vista à parte contrária

Com relação à negativa de vigência do art. 398 do CPC/1973, o recurso

também não merece acolhimento, uma vez que o Tribunal paranaense deixou de

dar vista à parte contrária de documento novo por considerá-lo irrelevante para

o deslinde da causa.

Com efeito, dito documento, que era um capítulo de dissertação de

mestrado, nenhuma infl uência teve na solução da controvérsia.

Veja-se trecho do acórdão impugnado que tratou da questão:

Alega, em terceiro lugar, nulidade da sentença por inobservância do

contraditório, uma vez que não foi aberta vista ao apelante de documento

juntado pelo autor (fl s. 476/504). O argumento não repercute.

O documento juntado é um capítulo de dissertação de mestrado, cujo título

é “Inovação e Capitalismo Monopolista. O caso da Biofill”. Verifica-se tratar-

se de documento sem qualquer influência no julgamento da lide, pois relata o

desenvolvimento econômico no ramo biotecnológico a partir de um caso

concreto, não trazendo elementos para a questão posta em juízo, resumindo-se,

no tocante a empresa, a trazer análise fática de sua constituição (e-STJ, fl . 1.008 -

sem destaques no original).

Dessa forma, inexiste nulidade a ser pronunciada. Além do mais, o

aresto recorrido julgou de acordo com posicionamento desta Corte de Justiça,

incidindo à espécie a Súmula n. 83.

A propósito, colacionam-se precedentes:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Gratuidade de justiça.

Ausência de prova de hipossufi ciência. Reexame. Súmula n. 7/STJ. Juntada de

documento novo. Sem abertura de vista à parte contrária. Irrelevância. Ausência de

prejuízo.

1. Esta Corte Superior é fi rme no sentido de que a declaração de pobreza que

tenha por fi m o benefício da assistência judiciária gratuita tem presunção relativa

de veracidade, podendo ser afastada fundamentadamente.

2. É inviável, em recurso especial, rever o entendimento do tribunal de

origem que afastou a presunção de veracidade da declaração de pobreza e

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448

fundamentadamente indeferiu o pedido de justiça gratuita em virtude da

incidência da Súmula n. 7/STJ.

3. Não se declara a nulidade do processo se o documento juntado aos autos, sobre

o qual não foi dada vista à parte contrária, não infl uiu na solução da controvérsia.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 655.928/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira

Turma, DJe 11.9.2015 – sem destaques no original).

Processual Civil. Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Violação

de artigo de lei federal. Reexame de provas. Impossibilidade. Súmula n. 7/STJ.

Documento novo. Ausência de vista. Irrelevância para o deslinde da causa.

Nulidade não reconhecida.

1. Não se conhece de recurso especial fundado em ofensa a dispositivo de

lei federal se, para aferir a ocorrência de violação, é necessário reexaminar o

conjunto fático-probatório dos autos.

Incidência da Súmula n. 7/STJ.

2. Não há nulidade ou cerceamento de defesa se o documento juntado com a

réplica foi considerado irrelevante para o deslinde da causa e se, ademais, a parte

contrária limitou-se a alegar ofensa ao art. 398 do CPC, sem demonstrar a ocorrência

de prejuízo concreto.

3. Agravo regimental provido para se conhecer em parte do recurso especial e

negar-lhe provimento.

(AgRg no AREsp 144.733/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira

Turma, julgado em 15.8.2013, DJe 23.8.2013 - sem destaques no original)

(4) Da alegada ocorrência de coisa julgada quanto ao percentual de juros de

mora

No que se refere à suposta ofensa aos arts. 512 e 460 do CPC/1973, melhor

sorte não assiste à BIO FILL e outros, porquanto o acórdão a quo decidiu nos

exatos termos da jurisprudência do STJ, no sentido de inexistir violação à coisa

julgada a alteração do percentual dos juros de mora, de 0,5% para 1% ao mês, a

partir da vigência do Código Civil de 2002.

A propósito, confi ra-se precedente:

Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação condenatória. Fase de

cumprimento de sentença. Decisão monocrática conhecendo do reclamo para,

de plano, negar seguimento ao recurso especial. Insurgência recursal do réu.

1. A divergência suscitada cinge-se à aplicabilidade das normas do Código Civil de

1916 e daquelas instituídas pela codifi cação de 2002, considerando-se que a sentença

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 449

prolatada na vigência da lei anterior determinou a aplicação de juros moratórios no

percentual de 6% ao ano e o Tribunal de origem, em sede de agravo de instrumento,

determinou a aplicação dos juros de mora de 1% ao mês após a entrada em vigor do

CC/2002.

1.1. A jurisprudência desta Corte fi rmou entendimento no sentido de que não há

violação à coisa julgada quando o título exequendo fora exarado antes da vigência

do CC/2002 e, na execução do julgado, determina-se a incidência dos juros de mora

previstos na lei nova. Precedentes. Súmula 83 do STJ.

[...]

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 116.231/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe

5.11.2015 – sem destaques no original).

Nesse sentido, por estar em estrita obediência ao posicionamento deste

Tribunal Superior, o acórdão deve ser mantido, aplicando-se, portanto, a sua

Súmula n. 83.

(5) Da suposta nulidade de citação por edital de empresa estrangeira

BIO FILL e outros sustentam que os arts. 203 e 231 do CPC/1973

foram violados porque uma de suas acionistas, a empresa estrangeira, SEN

SHO Investment Fund Corporation, deveria ter sido citada por carta rogatória

e não por edital. Além disso, afi rmam que o art. 119 da Lei n. 6.404/1976 não

autoriza a citação por edital.

Sem razão o inconformismo.

O art. 119 da Lei n. 6.404/1976 determina que o acionista residente ou

domiciliado no exterior mantenha representante no país para receber citação em

ações relativas à sociedade.

O Tribunal paranaense constatou que a acionista Sen Sho Investment Fund

Corporation, com sede em Saint James, Antigua, Bermudas, não possui representante

no país. E, não há notícias de que qualquer pessoa tenha exercido seus direitos de

acionista para que pudesse ser considerado como pessoa qualifi cada a receber citações em

seu nome (e-STJ, fl . 1.007).

Conforme a situação fática delimitada na origem, a acionista descumpriu

a obrigação de manter representante no país com poderes para receber citação,

o que autoriza a citação por edital, conforme doutrina de NELSON EIZIRIK:

O dispositivo preencheu uma lacuna no regime legal anterior, no qual o autor

de ação contra o acionista residente ou domiciliado no exterior tinha que utilizar-

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se de carta rogatória para citar o demandado, com todas as difi culdades inerentes

a tal procedimento. [...]

Caso a sociedade não mantenha representante no País com tais poderes,

descumprindo o preceito, cabe a sua citação mediante edital. (Op. cit., p. 730/731 -

sem destaque no original).

Infere-se que o objetivo da lei foi evitar o procedimento custoso e demorado

da expedição de uma carta rogatória, visando dar maior celeridade às ações

fundadas na Lei n. 6.404/1976, em prol da efetivação da tutela jurisdicional

contra o aqui acionista descumpridor de sua obrigação legal.

Portanto, o acionista que deveria ser citado no país e que não tem

representante ou não constituiu mandatário não pode ser benefi ciado por sua

omissão, validando-se sua citação por edital.

(6) Da alegada ofensa ao art. 405 do CC/2002 na fi xação dos juros de mora

Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem decidiu que os juros de mora

seriam devidos a partir da citação, aplicando de forma equivocada a regra geral

do art. 405 do CC/2002.

Nos casos de dissolução parcial de sociedade anônima os juros moratórios

são devidos a partir do vencimento do prazo nonagesimal, após a sentença de

liquidação de haveres, conforme regra prevista no art. 1.031, § 2º, do Estatuto

Civil, aplicável por analogia.

Isto porque ausente previsão de dissolução parcial de sociedade anônima,

sendo objeto de construção doutrinária e jurisprudencial, na apuração de haveres

aplicam-se as regras do CC/2002 que disciplinam os casos em que a sociedade se

resolve em relação a um sócio (art. 1.031 do CC/2002).

MODESTO CARVALHOSA, ao pontuar as diferenças entre o recesso e

a dissolução parcial, nos ensina que:

[...] são diversas as formas de apuração de haveres dos sócios, conforme exerça

o direito de retirada ou obtenha a dissolução parcial de sociedade. No primeiro

caso os haveres serão apurados de acordo com o estabelecido no contrato

social ou na Lei Societária, quando se tratar de companhia (arts. 45, 136 e 137).

Isto porque a retirada não enseja a partilha, ainda que parcial, do patrimônio da

sociedade, que permanece. Já no caso da dissolução parcial decretada, os haveres

do sócio são apurados tendo em conta o patrimônio real e atual da sociedade,

mediante o respectivo laudo judicial. Isto porque a dissolução parcial corresponde

à extinção parcial da sociedade, cabendo no caso a patilha equânime e equitativa

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 451

entre os sócios que permanecem e aquele que sai. Daí o valor real e atual dos bens

imporem-se como forma de apuração de haveres. Tem, portanto, o sócio que sai

direito ao acervo líquido real e atual da sociedade, como direito individual seu, do

qual decorre outro direito, o de requerer, individualmente, a dissolução dentro das

hipóteses previstas em lei, o que, como consequência, leva à apuração de haveres

como se cuidasse de dissolução total. Tem, assim, o sócio o direito material de

participar do acervo da sociedade como se estivesse ela em liquidação (Op. cit., p.

1.168/1.169).

Nos aclaratórios, o Tribunal de origem ressaltou que não basta balanço do

patrimônio líquido da empresa, necessária a apuração de haveres, com cálculo real

do patrimônio (e-STJ, fl . 1.053).

O art. 1.031, § 2º, do CC/2002 estabelece o prazo de 90 (noventa) dias

para pagamento da data em que houver a liquidação de haveres devidos, não

havendo que se falar em juros de mora se o legislador fi xou expressamente o

prazo para pagamento.

A propósito, vejam-se precedentes:

Direito Societário. Agravo regimental no recurso especial. Ação de dissolução

parcial de sociedades. Exclusão de sócio. Apuração de haveres. Juros de mora. Termo

inicial. Prazo nonagesimal para pagamento. Agravo não provido.

1. Decorrido o prazo legal nonagesimal (art. 1.031, § 2º, do CC/2002) para

pagamento de quota social, contado de sua efetiva liquidação, são devidos juros de

mora. Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, após transação parcial, a lide teve seguimento

quanto à apuração de haveres, devendo considerar-se concluída e liquidados os

haveres com a decisão recorrida em especial, momento a partir do qual passam a

ser devidos os juros moratórios.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1.474.873/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira

Turma, DJe 19.2.2016 – sem destaque no original).

Direito Societário. Recurso especial. Ação de dissolução parcial de sociedades.

Exclusão de sócio. Justa causa. Apuração de haveres. Data-base. Efetivo

desligamento. Forma de pagamento. Juros de mora. Termo inicial. Prazo nongesimal

para pagamento. Arts. analisados: 1.030, 1.031, 1.044 e 1.085 do CC/2002.

1. Ações de ajuizadas em 1997. Recurso especial concluso ao Gabinete em

2011/2012.

2. Demandas em que se discute a caracterização de justa causa para exclusão

de sócio; as datas-base para apuração de haveres, bem como a forma de

pagamento e o termo inicial dos juros de mora eventualmente incidentes.

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452

3. A prática de atos reiterados como padrão de normalidade por ambos

os sócios e nas três sociedades que mantêm há mais de 40 anos, ainda que

irregulares e espúrios, não servem como causa necessária da quebra da aff ectio

societatis a fi m de confi gurar justa causa para exclusão de sócio em relação à

Concorde Administração de Bens Ltda.

4. A apuração dos haveres tem por objetivo liquidar o valor real e atual do

patrimônio empresarial, a fi m de se identifi car o valor relativo à quota dos sócios

retirante.

5. Para que não haja enriquecimento indevido de qualquer das partes, a

apuração deve ter por base para avaliação a situação patrimonial da data da

retirada (art. 1.031, CC/2002), a qual, na hipótese dos autos, foi objeto de transação

entre as partes ao longo da demanda.

6. A retirada do sócio por dissolução parcial da empresa não se confunde com o

direito de recesso, que possui hipóteses de incidência restrita e forma de apuração de

haveres distinta.

7. A existência de cláusula contratual específi ca para pagamento de haveres

na hipótese de exercício do direito de recesso não pode ser aplicada por analogia,

para os fi ns de afastar a incidência do art. 1.031, § 2º, do CC/2002 na situação

concreta de retirada do sócio.

8. Os juros de mora eventualmente devidos em razão do pagamento dos haveres

devidos em decorrência da retirada do sócio, no novo contexto legal do art. 1.031,

§ 2º, do CC/2002, terão por termo inicial o vencimento do prazo legal nonagesimal,

contado desde a liquidação dos haveres.

9. Em face da alteração da proporcionalidade da sucumbência, devem ser

redistribuídos o respectivo ônus.

10. Recursos especiais parcialmente providos.

(REsp 1.286.708/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em

27.5.2014, DJe 5.6.2014 - sem destaque no original)

Considerando que BIO FILL e outros pleitearam a fi xação dos juros de mora

a partir do trânsito em julgado da decisão que determinar o pagamento dos haveres,

defere-se o pedido na sua extensão, a fi m de evitar julgamento ultra petita.

Em suma, (1) a impossibilidade de preenchimento do fi m da sociedade

anônima caracteriza-se nos casos em que a companhia apresenta prejuízos

constantes e não distribui dividendos, possibilitando aos acionistas detentores

de 5% ou mais do capital social o pedido de dissolução, com fundamento no

art. 206, II, b da Lei n. 6.404/1976. Na hipótese dos autos, em um período

de 12 (doze) anos a companhia somente gerou lucros em três exercícios e só

distribuiu os dividendos em um deles; (2) afasta-se a tese de cerceamento de

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 453

defesa porque cabe ao magistrado verifi car a existência de provas sufi cientes

para o julgamento da causa, conforme o princípio do livre convencimento

motivado ou da livre persuasão racional; (3) não há falar em prejuízo em virtude

da ausência de manifestação da parte contrária acerca de documento novo,

uma vez que o magistrado considerou-o irrelevante para o deslinde da causa;

(4) a Corte estadual decidiu de acordo com entendimento do STJ, no sentido

de inexistir ofensa à coisa julgada a alteração do percentual dos juros de mora,

de 0,5% para 1% ao mês, a partir da vigência do Código Civil de 2002; (5) o

art. 119 da Lei n. 6.404/1976 impõe o dever da acionista com sede no exterior

manter representante no país para receber citação em ações relativas à sociedade.

A acionista faltosa não pode obter benefício de sua omissão, tornando-se válida

e efi caz a citação por edital; e, (6) é o caso de dar parcial provimento ao recurso

especial para fi xar o termo a quo dos juros de mora a partir do trânsito em julgado da

decisão que determinar o pagamento dos haveres, conforme requerido pelos recorrentes,

a fi m de evitar julgamento ultra petita.

Por fi m, fi ca prejudicado o agravo regimental interposto por Marco Antônio

e Espólio contra a decisão monocrática proferida às fl s. 1.226/1.274, diante

do julgamento do recurso especial interposto por BIO FILL e outros pelo

Colegiado.

Nessas condições, pelo meu voto, dou parcial provimento ao recurso especial

para fi xar o termo a quo dos juros de mora a partir do trânsito em julgado da

decisão que determinar o pagamento dos haveres, conforme requerido pelos

recorrentes, a fi m de evitar julgamento ultra petita.

Por derradeiro, advirta-se que eventual recurso interposto contra este

acórdão estará sujeito às normas do NCPC, inclusive no que tange ao cabimento

de multa (arts. 77, §§ 1º e 2º, 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º, do NCPC) e honorários

recursais (art. 85, § 11, do NCPC).

RECURSO ESPECIAL N. 1.392.314-SC (2013/0205890-7)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Recorrente: J M S e outro

Advogado: Valdir Righetto Filho e outro(s) - SC010193

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

454

Recorrido: D G D

Advogados: Luis Carlos Beraldi Loyola - PR005954

Leonardo Th omazoni Loyola e outro(s) - PR034586

EMENTA

Recurso especial. Ação de investigação de paternidade c/c

nulidade da partilha. 1. Alegações de ocorrência de coisa julgada

e necessidade de observância das formalidades legais para que o

testamento seja válido e efi caz. Falta de prequestionamento. Súmulas

282 e 356/STF. 2. Prescrição. Não ocorrência. 3. Sucessão processual

do autor pelo herdeiro testamentário. Possibilidade. 4. Recurso

desprovido.

1. As alegações de ocorrência de coisa julgada e necessidade

de observância das formalidades legais para que o testamento seja

válido e efi caz não foram objeto de deliberação no acórdão recorrido,

tampouco foi suscitada tal discussão nos embargos de declaração

opostos, ressentindo-se o recurso especial, no ponto, do indispensável

prequestionamento (Súmulas 282 e 356/STF).

2. A ação de investigação de paternidade é imprescritível,

porquanto o interesse nela perseguido está intimamente ligado com o

princípio da dignidade da pessoa humana, o que não ocorre, todavia,

com a ação de petição de herança (Súmula 149/STF) ou, no caso, de

nulidade da partilha, que para o autor terá o mesmo efeito.

Tratando-se de fi lho ainda não reconhecido, o início da contagem

do prazo prescricional só terá início a partir do momento em que for

declarada a paternidade, momento em que surge para ele a pretensão

de reivindicar seus direitos sucessórios. Considerando que, na espécie,

não houve o julgamento da ação de investigação de paternidade, não

há que se falar na consumação do prazo prescricional para postular

a repercussão patrimonial deste reconhecimento, o qual sequer teve

início.

3. Tendo ocorrido o falecimento do autor da ação de investigação

de paternidade cumulada com nulidade da partilha antes da prolação

da sentença, sem deixar herdeiros necessários, detém o herdeiro

testamentário, que o sucedeu a título universal, legitimidade e interesse

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 455

para prosseguir com o feito, notadamente, pela repercussão patrimonial

advinda do potencial reconhecimento do vínculo biológico do testador.

Interpretação dos arts. 1.606 e 1.784 do CC e 43 do CPC/1973.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi (voto-vista) e

Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,

justifi cadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Brasília (DF), 6 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 20.10.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de recurso especial

interposto por J M S ( Juçara) e I M S S (Iza), com fundamento no art. 105, III,

a e c, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa

Catarina, assim ementado (e-STJ, fl . 511):

Apelação cível. Investigação de paternidade cumulada com nulidade de

partilha. Busca de participação da partilha de suposto avô. Morte do autor no

curso do processo. Pedido de substituição por herdeiro testamentário. Extinção

do processo por intransmissibilidade da ação. Possibilidade da substituição

processual. Inteligência do art. 1.606, do CPC. Interesse processual caracterizado.

Recurso provido. Anulação de sentença e determinação de retorno dos autos à

origem para regular processamento.

No caso em exame, M R (Mário), nascido em 3.5.1948, ingressou com

ação de investigação de paternidade c/c nulidade de partilha em desfavor

das ora recorrentes, J M S ( Juçara) e sua irmã, I M S S (Iza), na data de

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456

24.6.2004, alegando ser fruto de relacionamento amoroso mantido entre a sua

mãe biológica (Beatriz) e o pai das rés, V D S S (Valmir), este último falecido

em 18.2.1976.

Que em decorrência da impossibilidade fi nanceira da mãe do autor e

da diferença de idade entre esta e o suposto pai, foi ele entregue ao casal L R

(Leonidia) e A R R (Aníbal), ambos também pré-mortos, os quais o registraram

como fi lho legítimo, provendo-lhe todas as necessidades básicas, além de lhe

dedicarem atenção e afeto.

Aduziu que, não obstante ter passado a residir com a mencionada

família, seus pais biológicos obtinham informações a seu respeito por

meio de correspondências e, até que ele atingisse a maioridade, o visitavam

aproximadamente 3 (três) vezes por ano.

Expôs, outrossim, ter ingressado, anteriormente, com outra ação

investigatória, na qual foi reconhecido o vínculo biológico existente entre ele e

sua mãe biológica, Beatriz.

Com o falecimento dos supostos avós biológicos do autor, W M

S (Waldomiro) e A D S S (Arsinoé), houve a realização do inventário e,

consequentemente, da partilha dos bens, no qual as rés, suas possíveis irmãs,

receberam, por representação, o quinhão hereditário que seria devido a V D S S

(Valmir), pai das demandadas e réu na ação de investigação de paternidade. A

partilha dos aludidos bens foi homologada por sentença em 6.2.2004 (e-STJ, fl .

116).

Diante disso, requereu o autor a procedência do pedido para que fosse

reconhecida a paternidade vindicada, com a consequente decretação de nulidade

da partilha realizada nos autos da ação de inventário.

Em contestação, as demandadas suscitaram, preliminarmente, a prescrição

da pretensão quanto ao pedido de nulidade da partilha, bem como do direito

do autor de impugnar a paternidade constante do seu registro de nascimento.

Sustentaram, ainda, a ausência de interesse de agir, a impossibilidade jurídica do

pedido e a falta de documentos indispensáveis à propositura da ação, pugnando,

quanto ao mérito, pela improcedência do pedido.

Apresentados documentos pelas partes e formulado pedido de provas,

opinou o Ministério Público Estadual pelo afastamento das preliminares e pela

necessidade da designação de audiência de conciliação, com a recomendação de

que, sendo esta inexitosa, que fosse designada data para a realização do exame

de DNA.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 457

Ocorre que, com a designação da audiência de conciliação, foi noticiada

a morte do autor, Mário, em 7.1.2009, e determinada a suspensão do processo

até sua regularização, o que veio a ocorrer com a manifestação de seu herdeiro

testamentário, D G D (Daniel), requerendo a sucessão processual no polo ativo

da ação, com o que não concordaram as rés, ao argumento que o direito de

reconhecimento de paternidade é personalíssimo e intransmissível, razão pela

qual a ação deveria ser julgada extinta.

Em primeiro grau, o processo foi extinto sem julgamento do mérito, com

base no art. 269, VI, do CPC/1973, ao entendimento de que “a pretensão do

herdeiro testamentário do autor, consistente em ingressar no polo ativo da

demanda em substituição ao demandante, é inaceitável, pois busca benefícios

de ordem patrimonial apenas, o que, frise-se, não é a fi nalidade da ação de

investigação de paternidade, cujo objetivo precípuo é buscar a identidade

biológica do postulante” (e-STJ, fl . 360).

Dessa forma, concluiu o magistrado, “não se vislumbra interesse do herdeiro

testamentário, que não mantém vínculo de parentesco com o autor da ação, em

prosseguir na demanda investigatória, pois daí não obteria nenhum benefício,

pois ainda que se comprovasse a paternidade biológica almejada, a demanda

teria efi cácia tão somente declaratória, sem sequelas de ordem patrimonial ou

registral” (e-STJ, fl . 361).

Todavia, no julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de Santa

Catarina rejeitou as questões preliminares e anulou a sentença, determinando

o retorno dos autos à Primeira instância, a partir da interpretação do art. 1.606

do CC, por considerar, em suma, que “a legislação pátria autoriza os herdeiros a

sucederem o autor da ação caso ele venha a óbito (...). E assim prevê o legislador

de forma genérica, sem especifi car que espécies de herdeiros poderá se habilitar

como sucessor do de cujus, o que permite concluir que tanto os necessários

quanto os testamentários poderão fazê-lo” (e-STJ, fl . 516).

Houve a oposição de embargos de declaração pelas demandadas, que

foram rejeitados (e-STJ, fl s. 546-550).

Nas razões do recurso especial, as recorrentes alegam violação dos arts. 177,

315 e 316 do CC/1916; 205, 1.626, 1.784, 1.798, 1.804 e 1.857 do CC/2002; 3º,

43, 265, 267, VI, 467 e 1.125 do CPC/1973; e 227, § 6º, da Carta Magna, além

de dissídio jurisprudencial, sustentando, preliminarmente: a) ocorrência de coisa

julgada pela existência de sentença que decidiu idêntico pedido de investigação

de paternidade, cujo processo foi extinto por falta de provas; b) a prescrição da

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pretensão à nulidade da partilha ante o decurso do prazo vintenário incidente à

hipótese, o qual deve ser contado da data do falecimento do pai das recorrentes;

c) a ilegitimidade ad causam do herdeiro testamentário para o prosseguimento

da demanda ajuizada pelo investigante/testador, o qual, na condição de autor,

não teria nenhum direito à herança do investigando, já que foi adotado; e d) o

testamento para ter validade e efi cácia deve observar determinadas formalidades

legais, entre elas, ser aberto nos exatos termos da lei processual, inclusive, com a

intimação dos demais herdeiros, o que não ocorreu no presente caso.

Contra-arrazoado (e-STJ, fl s. 593-657), o recurso foi admitido (e-STJ, fl s.

663-664), vindo os autos a este Tribunal.

Instado, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do

recurso (e-STJ, fl s. 676-67).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Versam os autos sobre

ação de investigação de paternidade c/c nulidade de partilha, na qual, com o

falecimento do autor, houve o prosseguimento do feito mediante a sucessão

processual do demandante por seu herdeiro testamentário.

1. Alegação de ocorrência de coisa julgada.

Afasto, de início, a alegação da ocorrência de coisa julgada pela existência

de sentença que teria decidido idêntico pedido de investigação de paternidade,

cujo processo foi extinto por falta de provas, por se tratar de questão que não

foi objeto de deliberação no acórdão recorrido, e tampouco foi suscitada tal

discussão nos embargos de declaração opostos, ressentindo-se o recurso especial,

no ponto, do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356/STF).

Vale lembrar que, consoante a pacífi ca jurisprudência desta Corte, mesmo

as questões de ordem pública, embora passíveis de conhecimento de ofício nas

instâncias ordinárias, não prescindem, no estreito âmbito do recurso especial, do

devido prequestionamento.

A propósito:

Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental

no recurso extraordinário. Ausência de prequestionamento. Óbice aplicável à

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 459

matéria de ordem pública. Concessão de habeas corpus de ofício. Impossibilidade.

Rediscussão em sede de aclaratórios de matéria suficientemente decidida.

Descabimento. Embargos de declaração rejeitados.

1. (...).

2. A ausência de debate pelo acórdão recorrido das questões suscitadas -

nulidade do laudo pericial e desproporcionalidade da fi xação da pena - obsta

o conhecimento dessas questões no recurso especial. Mesmo que se trate de

questão de ordem pública, é imprescindível que a matéria tenha sido decidida no

acórdão impugnado, para que se confi gure o prequestionamento.

3. (...).

4. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl nos EDcl no AgRg no RE nos EDcl no AgRg no REsp n. 1.417.392/MG,

Relatora a Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 17.8.2015);

Processo Civil. Coisa julgada. Matéria de ordem pública. Ausência de

prequestionamento.

A teor da iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo as

questões de ordem pública não prescindem do indispensável prequestionamento.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 136.607/PB, Relator o Ministro Ari Pargendler, Primeira

Turma, DJe de 20.8.2013).

2. Prescrição da pretensão à nulidade da partilha ante o decurso do prazo

vintenário incidente à hipótese, o qual deve ser contado da data do falecimento do pai

das recorrentes.

Como é cediço, a ação de investigação de paternidade é imprescritível,

porquanto o interesse nela perseguido está intimamente ligado com o princípio

da dignidade da pessoa humana. Por sua vez, a prescrição da ação de petição

de herança ou, no caso, de nulidade da partilha - que para o autor terá o

mesmo efeito -, em se tratando de fi lho ainda não reconhecido, somente tem

início a partir do reconhecimento da paternidade, por sentença transitada em

julgado, momento em que surge para ele a pretensão de reivindicar seus direitos

sucessórios.

Vale dizer, aquele que ainda não detém a condição de herdeiro, não pode

postular direito hereditário, por lhe faltar legitimidade para tal. Logo, em relação

ao fi lho que teve a sua paternidade reconhecida após a partilha, o prazo para

postular a sua anulação somente pode começar a correr a partir do momento em

que ele passou a deter a condição de herdeiro.

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460

Nesse sentido, o herdeiro que não participou do processo de inventário não

pode sofrer os efeitos da coisa julgada referente à sentença que homologou a

partilha amigável.

Sobre o tema, esclarece Orlando Gomes que a ação de estado torna-se

“premissa da petição de herança que o título de herdeiro depende da prova

do parentesco, como acontece em relação ao fi lho legítimo não reconhecido”

(Sucessões, 1ª ed., n. 213, p. 287).

Nessa linha é também a ratio decidendi da Súmula 149/STF, a qual preconiza

que, diferentemente da investigação de paternidade que é imprescritível, a

ação de petição de herança é prescritível, sujeita ao prazo de 20 (vinte) anos

no CC/1916 (art. 177) (REsp n. 693.230/MG, Relatora a Ministra Nancy

Andrighi, Terceira Turma, DJ de 2.5.2006; REsp n. 260.079/SP, Relator o

Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJ de 20.6.2005; REsp n.

114.310/SP, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 17.2.2003; e REsp

45.693/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, DJ de

13.2.1995) e de 10 (dez) anos no CC/2002 (art. 205).

Na hipótese em análise, como não houve o julgamento da ação de

investigação de paternidade, não há que se falar na consumação do prazo

prescricional para postular a repercussão sucessória deste reconhecimento, o

qual sequer teve início.

Sobre o tema:

Processo Civil. Recurso especial. Interposição sob a égide do CPC/1973.

Direito Sucessório. Ação de petição de herança. Anterior ajuizamento de

ação de investigação de paternidade. Prescrição. Termo inicial. Falta de

prequestionamento. Defi ciência de fundamentação.

1. A petição de herança objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do Código Civil é ação

a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou a

restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não

participou.

2. A teor do art. 189 do Código Civil, o termo inicial para o ajuizamento da ação

de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de

paternidade, quando, em síntese, confi rma-se a condição de herdeiro.

3. (...).

4. (...).

5. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.

(REsp n. 1.475.759/DF, Relator o Ministro João Otávio de Noronha, Terceira

Turma, DJe de 20.5.2016).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 461

3. A ilegitimidade ad causam do herdeiro testamentário para o prosseguimento

da demanda ajuizada pelo investigante/testador, o qual, na condição de autor, não

teria nenhum direito à herança do investigando, já que foi adotado.

Em regra, a ação declaratória do estado de fi lho, conhecida como de

investigação de paternidade, é apenas uma espécie do gênero, declaratória de

estado familiar, podendo ser exercida por quem tenha interesse jurídico em

ver reconhecida sua condição de descendente de uma determinada estirpe,

apontando a outrem uma ascendência parental, caracterizadora de parentesco

em linha reta, que o coloca na condição de herdeiro necessário.

A esse fi m, cumpre assinalar que a relação socioafetiva estabelecida com

o pai registral - a qual, inclusive, não se confunde com adoção - não impede

a ação de investigação de paternidade proposta pelo fi lho, que tem o direito

personalíssimo, indisponível e imprescritível de esclarecer sua paternidade

biológica, com todos os consectários legais.

O tema já foi enfrentado neste Tribunal em várias oportunidades, sendo

que, no julgamento do REsp n. 1.167.993/RS, Quarta Turma, DJe de 15.3.2013,

o seu relator, Ministro Luis Felipe Salomão, observou com propriedade que “a

tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica

deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do

caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da

paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de

ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros),

situação bem diversa da que ocorre quando o fi lho registral é quem busca sua

paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada “adoção à brasileira”.

Segundo o relator, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre

a biológica deve ocorrer a fi m de garantir direitos aos fi lhos, na esteira do

princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja

verdadeira quando é o fi lho que busca a paternidade biológica em detrimento da

socioafetiva.

No caso de ser o fi lho quem vindica estado contrário ao que consta do

seu registro de nascimento - e sendo ele o maior interessado na manutenção

do vínculo civil resultante do liame socioafetivo - socorre-lhe a existência de

“erro ou falsidade” (art. 1.604 do CC/2002) para os quais não contribuiu. Desse

modo, concluiu o Ministro Salomão, “afastar a possibilidade de o fi lho pleitear

o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de ‘adoção à brasileira’,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

462

signifi ca impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à

margem da lei.”

Confi ram-se, ainda, no mesmo sentido, os seguintes precedentes (sem

grifo no original):

Família. Filiação. Civil e Processo Civil. Recurso especial. Ação de investigação

de paternidade. Vínculo biológico. Paternidade socioafetiva. Identidade genética.

Ancestralidade. Artigos analisados: arts. 326 do CPC e art. 1.593 do Código Civil.

1. (...).

2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai

registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica.

3. (...).

4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico

decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem

nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria,

destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-fi lho.

5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica

tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa

garantir direitos aos fi lhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando

é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o

declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto,

cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos.

6. Se é o próprio fi lho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico

com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma

verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que

se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fi m de impedir sua

pretensão.

7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo,

indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer

restrição, em face dos pais ou seus herdeiros.

8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do

vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para

negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento

relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no

valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua

identidade genética.

9. Recurso especial desprovido.

(REsp n. 1.401.719/MG, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe

de 15.10.2013);

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 463

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Investigação de paternidade.

Violação ao art. 535 do CPC. Inexistência. Julgamento monocrático. Art. 557

do CPC. Eventual ofensa. Posterior decisão do órgão colegiado. Superação.

Paternidade socioafetiva. Impedimento para o reconhecimento da paternidade

biológica. Não ocorrência. Ação proposta pela fi lha. Agravo não provido.

1. (...).

2. (...).

3. A existência de relação socioafetiva com o pai registral não impede o

reconhecimento dos vínculos biológicos quando a investigação de paternidade

é demandada por iniciativa da própria filha, uma vez que a pretensão deduzida

fundamenta-se no direito personalíssimo, indisponível e imprescritível de

conhecimento do estado biológico de filiação, consubstanciado no princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp n. 347.160/GO, Relator o Ministro Raul Araújo, Quarta Turma,

DJe de 3.8.2015).

No caso, embora chame a atenção que na data do ajuizamento do feito

o autor já se encontrava com 56 (cinquenta e seis) anos de idade, diante da

natureza imprescritível da ação de investigação de paternidade, tal fato não pode

ser erigido como óbice para a obtenção dos efeitos sucessórios provenientes

desse reconhecimento, sob pena de a discussão ganhar indesejáveis contornos de

subjetividade.

Sendo o direito do investigante imprescritível, não me parece razoável que

se possa estabelecer algum critério cronológico que impeça o seu exercício pelo

titular enquanto viver.

A esse respeito, é oportuna a lição de Arnaldo Rizzardo no sentido de que

“o estado da pessoa constitui emanação da personalidade, sendo indisponível,

sequer podendo a lei subtrair o direito inato no ser humano em fazê-lo valer

a qualquer tempo. A ninguém é facultado abdicar de seu próprio estado, e

nem é sustentável a fi xação de prazo para o exercício do direito a determinada

paternidade” (Direito de Família, 7ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2009, ps. 473-

474).

Por outro lado, sustentam as recorrentes a ilegitimidade do herdeiro

testamentário para prosseguir com a demanda, tendo em vista a inexistência

de vínculo deste com o autor da ação de investigação de paternidade, que é, por

sua própria natureza, personalíssima, argumento que foi acolhido pela sentença,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

464

que extinguiu o feito sem resolução do mérito, nos termos seguintes (e-STJ, fl s.

360-361):

o caso sub judice merece especial atenção, posto que focaliza o pedido de

suposto fi lho que, há época do ajuizamento da ação, já contava com 56 anos de

idade e que pretendia o reconhecimento da paternidade biológica, não obstante

tenha tido pai e mãe adotivos, cujo vínculo social e afetivo se consolidou ao longo

dos anos.

Logo, facilmente se percebe que o intuito da presente demanda é apenas

a obtenção de vantagem patrimonial, pois pelos fatos narrados na inicial, o

autor sabia desde criança quem eram seus pais biológicos e, caso pretendesse

o reconhecimento legal de sua paternidade, por que não ingressou com a ação

logo após completar a maioridade e enquanto seus pais adotivos e biológicos

ainda eram vivos, o que facilitaria, inclusive, a realização das provas necessárias ao

reconhecimento da paternidade?

O autor, certamente, ao tomar conhecimento do patrimônio amealhado pelas

suas “irmãs” sentiu-se inclinado a buscar as vantagens patrimoniais que pudessem

lhe advir com a morte de seu pai biológico, ajuizando a presente ação. Ou seja, o

autor não queria ter um pai biológico e menos ainda reconhecê-lo formalmente,

almejava apenas os proveitos que pudesse obter do seu espólio.

Portanto, a pretensão do herdeiro testamentário do autor, consistente

em ingressar no polo ativo da demanda em substituição ao demandante, é

inaceitável, pois busca benefícios de ordem patrimonial apenas, o que, frise-se,

não é a fi nalidade da ação de investigação de paternidade, cujo objetivo precípuo

é buscar a identidade biológica do postulante.

Assim, a extinção da demanda é de rigor.

Ademais, mesmo que houvesse o reconhecimento da paternidade, tal ato, no

caso, não ensejaria outras consequências além da satisfação do direito do autor

de ver reconhecida sua verdadeira origem.

Isso porque a fi liação socioafetiva que o autor manteve com seus pais adotivos

ao longo de sua vida é extreme de dúvidas, tornando-se obstáculo intransponível

para a alteração de seu assento de nascimento, bem como para produzir efeitos

de cunho patrimonial.

Dessa forma, não se vislumbra interesse do herdeiro testamentário, que

não mantém vínculo de parentesco com o autor da ação, em prosseguir na

demanda investigatória, pois daí não obteria nenhum benefício, pois ainda que

se comprovasse a paternidade biológica almejada, a demanda teria efi cácia tão

somente declaratória, sem sequelas de ordem patrimonial ou registral.

Esse entendimento, todavia, foi reformado no âmbito da apelação pelo

Tribunal estadual, aos seguintes fundamentos (e-STJ, fl s. 515-516):

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 465

Suscitam as apeladas a ilegitimidade do apelante pela inexistência de

qualquer vínculo deste com o autor da inicial, não podendo substituí-lo em ação

personalíssima de investigação da paternidade.

Com a notícia do falecimento do autor, suspendeu-se corretamente o processo,

vindo aos autos o ora apelante para apresentar a cópia autenticada da certidão

de óbito e a escritura pública de testamento, na qual consta a disposição de

todo o patrimônio disponível de M. R. para este. Requereu, assim, a substituição

processual do polo ativo, a qual foi negada pela sentença, que extingui o feito

sem resolução do mérito.

Pois bem. Prescreve o art. 1.606 do Código Civil que “A ação de prova de

fi liação compete ao fi lho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer

menor ou incapaz. Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo fi lho, os herdeiros

poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo”.

Do artigo supra apreende-se que, de fato, a ação de investigação de

paternidade é personalíssima, porém, falecendo o autor no curso do processo,

por expressa disposição legal, a substituição processual é permitida aos herdeiros.

(...).

Como afi rmou o Procurador-Geral de Justiça, Dr. Mário Gemim, em fl . 133,

“a legislação pátria autoriza os herdeiros a sucederem o autor da ação caso ele

venha a óbito [...] E assim prevê o legislador de forma genérica, sem especifi car

que espécies de herdeiros poderá se habilitar como sucessor do de cujus, o que

permite concluir que tanto os necessários quanto os testamentários poderão

fazê-lo”.

Não há, pois, até o momento, qualquer vedação para dar-se sequência à ação.

E, especificamente em relação à existência de interesse do herdeiro

testamentário para prosseguir com a ação, assim consignou o órgão colegiado

local (e-STJ, fl s. 516-518):

As apeladas alegaram ainda a falta de interesse processual pela ausência de

fi liação das partes, no caso do reconhecimento da paternidade, e impossibilidade

de recebimento dos direitos do de cujus na partilha por não ter sido o inventário

devidamente aberto e cumprido e pela possibilidade de existência de outros

herdeiros.

O fi m pretendido pelo apelante é a participação na herança dos supostos

avós do autor falecido como seu herdeiro testamentário, de forma que a falta de

vinculo parental com o investigado não lhe retira o interesse agir.

Inegável, pois, a legitimidade e o interesse do apelante para suceder o autor da

inicial. Assim, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade

conheço do recurso.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

466

Preenchidos tais quesitos, passar-se-ia à análise do mérito da apelação, porém,

no caso dos autos, tendo a sentença extinguido o feito sem análise do mérito, é

de ser analisada a possibilidade do retorno dos autos à primeira instância.

O juízo de primeiro grau extinguiu o feito pela intransmissibilidade da ação,

sendo que seus fundamentos em muito se confundem com as preliminares já

afastadas.

Também baseou a decisão o fato de ser considerada a existência de adoção

por parte dos pais que criaram o autor, e, sendo esta irrevogável, a investigação

de paternidade não acarretaria efeitos patrimoniais.

Contudo, de modo diverso já se manifestou este Tribunal.

(...).

Ao que se depreende, no caso, com a notícia do falecimento do autor,

houve a suspensão do processo, ocasião em que o ora recorrido veio aos autos,

apresentando cópia autenticada da certidão de óbito acompanhada da escritura

pública de testamento, na qual consta, em seu favor, a disposição de todo o

patrimônio disponível do investigando. Requereu, assim, a sucessão processual

no polo ativo da demanda, a qual, embora inicialmente negada, foi concedida

pelo Tribunal a quo com o julgamento da apelação e consequente reforma da

sentença, nos termos dos fundamentos acima transcritos.

Como se vê, o fi m colimado pelo herdeiro testamentário é o prosseguimento

na ação de investigação de paternidade e, por consequência, a participação na

herança dos supostos avós do testador, de forma que a falta de vínculo parental

com o investigado não lhe retira o interesse de agir.

Em consonância com o art. 1.606 do CC, “a ação de prova de fi liação

compete ao fi lho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou

incapaz”, sendo inegável, portanto, que a lei confere legitimidade diretamente ao

fi lho para vindicar o reconhecimento do vínculo de parentesco, seja ele natural

ou socioafetivo, podendo ser transferida aos herdeiros, de forma sucessiva,

independentemente de serem eles fi lhos, netos ou, como no caso, herdeiro

testamentário, uma vez que a lei não faz qualquer distinção a respeito.

Há que se observar, apenas, a exceção feita no parágrafo único do referido

dispositivo, que condiciona o prosseguimento da ação pelos sucessores à hipótese

de não ter havido a extinção do processo.

A propósito do tema, em seu artigo intitulado Aspectos Processuais da

Ação de Petição de Herança, Humberto Th eodoro Júnior assinala que “qualquer

sucessor a título universal cujo direito hereditário, após a abertura da sucessão,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 467

esteja sendo lesado, pode intentar a ação de petição de herança. Em regra, tanto

os herdeiros legítimos como os testamentários têm legitimidade para propor dita

ação. Pouco importa que a posse se tenha legalmente como transferida a todos

os herdeiros no momento da morte do de cujus. O que determina o cabimento

da petição de herança é o litígio em torno do direito de um herdeiro. A ação

emerge desse direito contestado e não da questão possessória propriamente dita”

(Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, vol. 30, p. 120).

Nessa mesma linha, defendem Cristiano Chaves de Faria e Nelson

Rosenvald que “a legitimidade ativa para a petitio hereditatis é daquele que se

afi rma herdeiro ou coerdeiro, legítimo ou testamentário. É aquele que pretende

ter reconhecida a qualidade sucessória, bem como reclamar a sua cota-parte da

universalidade hereditária, inclusive para fi ns de posse e de propriedade” (Curso

de Direito Civil, Sucessões, 2016, 2ª ed., Editora Jus Podivm, ps. 239-240).

Ainda com ênfase no aspecto condenatório, de restituição de bens,

observam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que “todo

potencial herdeiro, que se considerar excluído do seu direito sucessório tem

legitimidade ativa para ajuizar a ação de petição de herança. Assim, incluem-

se, por exemplo, fi lhos não reconhecidos, herdeiros testamentários excluídos da

sucessão ou parentes do de cujus excluídos por outros titulares” (Novo Curso de

Direito Civil - Direito das Sucessões, Saraiva, 2014, São Paulo, p. 186).

No caso em exame, o testador era solteiro, não convivia em união estável

e não tinha fi lhos, razão pela qual, por meio de escritura pública de testamento,

deixou a totalidade do seu patrimônio para o ora recorrido, cuja cláusula

expressamente descreve quanto à extensão desse ato de liberalidade: “tudo o que

possui e o que venha a possuir ou que tenha direito” (e-STJ, fl . 324).

Logo, tendo ocorrido o falecimento do autor após o ajuizamento da ação,

não há nenhum óbice a que o herdeiro testamentário ingresse no feito dando-

lhe seguimento, autorizado não apenas pela disposição de última vontade do de

cujus quanto à transmissão de seu patrimônio, mas também pelo art. 1.606 do

CC, retro transcrito, que permite o prosseguimento da ação de investigação de

paternidade pelos herdeiros, independentemente de serem eles sucessores pela

via legítima ou testamentária.

Vale lembrar, nessa mesma linha de entendimento, a dicção dos arts. 1.784

do CC, no sentido de que, “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo,

aos herdeiros legítimos e testamentários” e 43 do CPC/1973, então vigente, este

último dispondo que, “ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a

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468

substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado do disposto no

art. 265”.

Portanto, dimana de todos os dispositivos em comento a conclusão de que

a herança, seja deferida pela via legítima ou testamentária, outorga aos herdeiros

a posse e propriedade dos bens que integram a universalidade.

A meu sentir, a questão poderia suscitar alguma dúvida apenas se a ação

tivesse por objetivo, exclusivamente, o reconhecimento do vínculo biológico do

autor, caso em que, estando a pretensão circunscrita à descoberta de sua origem

genética, seria questionável a utilidade da sentença para além do interesse dos

fi lhos e netos do investigante.

Todavia, no caso, em que há cumulação da ação de investigação de

paternidade com pedido de nulidade da partilha, é extreme de dúvida que,

tendo ocorrido o falecimento do autor da ação antes da prolação da sentença,

sem deixar herdeiros legítimos, detém o testamentário, que o sucedeu a

título universal, legitimidade e interesse para prosseguir com o feito, tendo

em vista a repercussão patrimonial que pode advir do reconhecimento ao

falecido da condição de fi lho, porquanto, embora a ação de prova de fi liação seja

personalíssima, não é intransmissível.

Verifico, assim, o acerto da conclusão do aresto atacado, que aplicou

corretamente o direito à espécie.

4. O testamento para ter validade e ef icácia deve observar determinadas

formalidades legais, entre elas, ser aberto nos exatos termos da lei processual, inclusive,

com a intimação dos demais herdeiros, o que não ocorreu no presente caso.

No ponto, a pretensão também não colhe êxito, por se tratar de tema que

não foi objeto de deliberação no acórdão recorrido, e tampouco foi suscitada sua

discussão nos embargos de declaração opostos, ressentindo-se o recurso especial

do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356/STF).

Em conclusão, por todos os fundamentos expendidos, impõe-se reconhecer

o acerto do acórdão recorrido, que admitiu a sucessão processual do herdeiro

testamentário pelo autor da investigatória de paternidade c/c nulidade da

partilha, e cassou a sentença de extinção do processo, determinando o retorno

dos autos ao Juízo singular para o regular andamento da ação.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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VOTO-VISTA

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por J M S E e Outro, em face de D G D – recorrido, em ação de investigação

de paternidade, pelo qual os recorrentes se insurgem contra acórdão do TJ/SC,

que entendeu ser possível herdeiro testamentário, sem vínculo biológico com o

testador, substituí-lo em ação de investigação de paternidade c/c nulidade de

partilha.

O Exmo. Sr. Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, afastou as

preliminares de ocorrência de coisa julgada e prescrição, da pretensão à nulidade

da partilha, focando-se, primeiro, no interesse do testador, autor da ação de

paternidade, em buscar o reconhecimento de vínculo biológico.

Quanto ao ponto, manteve o posicionamento do Tribunal de origem,

apontando que se o fi lho biológico “(...) vindica estado contrário ao que consta

do seu registro de nascimento – e sendo ele o maior interessado na manutenção

do vínculo civil resultante do liame socioafetivo – socorre-lhe a existência de

“erro ou falsidade (art. 1.604 do CC-2002) para os quais não contribuiu”.

Finalmente, no que toca à ilegitimidade do herdeiro testamentário para

prosseguir com a demanda, ante a inexistência de vínculo biológico com o autor

da ação de investigação de paternidade, consignou o Relator:

Como se vê, o fi m colimado pelo herdeiro testamentário é o prosseguimento

na ação de investigação de paternidade e, por consequência a participação na

herança dos supostos avós do testador, de forma que a falta de vínculo parental

com o investigado não lhe retira o interesse de agir.

Em consonância com o art. 1.606 do CC, “a ação de prova de fi liação compete

ao fi lho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz”,

sendo inegável, portanto, que a lei confere legitimidade diretamente ao fi lho

par vindica o reconhecimento do vínculo de parentesco, seja ele natural ou

socioafetivo, podendo ser transferida aos herdeiros, de forma sucessiva,

independentemente de serem eles filhos, netos ou, como no caso, herdeiro

testamentário, uma vez que a lei não faz qualquer distinção a respeito.

Prosseguindo nessa linha, negou provimento ao recurso.

Repisados os fatos, decido.

A par de toda a consistente construção do voto do Min. Relator, Marco

Aurélio Bellizze, que aponta para a possibilidade do herdeiro testamentário

suceder o autor em ação de prova de filiação, gostaria, sem desalinhar do

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posicionamento precedente, destacar, também, a relevância das disposições de

última vontade, nessas circunstâncias.

Observada a forma e as solenidades fi xadas no art. 1.864 do Código

Civil, a vontade do testador se torna um imperativo, desde que, por óbvio, não

contrarie norma vigente.

Nessa senda, de uma banda, nada há, como inclusive demonstrou o voto

condutor, que obste a possibilidade do herdeiro testamentário suceder o testador,

em ação que vindica fi liação.

De outro turno, é clara a manifestação de vontade do testador quanto

ao que seria transferido ao herdeiro testamentário, em caso de seu óbito: “A

totalidade do seu patrimônio, tudo o que possui e o que venha a possuir ou que

tenha direito” (e-STJ, fl . 339).

Por certo, a manifestação prospectiva do testador abrangeu, também,

a continuidade da busca pelo reconhecimento de fi liação por ele vindicada,

com todos os seus corolários legais, mesmo porque, a ação de investigação de

paternidade c/c nulidade de partilha precede a confecção do testamento e, se

da possível aquisição patrimonial que o testador buscava nessa ação, ele não

quisesse que o herdeiro testamentário usufruísse, bastaria apor ressalva nesse

sentido.

Então, reproduzindo as palavras de Vieira de Carvalho, quanto ao peso

jurídico da declaração de últimas vontades, “(...) quando alguém testa, está,

de certa maneira, legislando através do ato de última vontade (o testamento

é Lex Privada, unilateral, personalíssimo e considerado sagrado), esperando e

confi ando que suas determinações venham a ser cumpridas após o decesso”

Forte nessas razões, acompanho o voto do Ministro Relator, Min. Marco

Aurélio Bellizze, apenas fazendo esse pequeno acréscimo, quanto à relevância e

impositividade das manifestações de última vontade.

RECURSO ESPECIAL N. 1.426.710-RS (2013/0416511-1)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Makoll Materiais de Construção Ltda

Advogados: Leandro Santos Lang - RS051782

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 471

Anelise Burke Vaz - RS081220

Mateus da Silva Sinoti e outro(s) - RS074418

Recorrido: Maria Christina Maya de Bem

Advogados: Paulo César O Pires - RS013025

Elbio Jesus Leite de Oliveira e outro(s) - RS014486

Interes.: Bellagres Indústria de Cerâmica Ltda - em recuperação judicial

Advogado: Carlos Marcelo Neutzling e outro(s) - RS066219

EMENTA

Consumidor e Processual Civil. Recurso especial. Ação de

compensação por danos morais e materiais. Prequestionamento.

Ausência. Súmula 282/STF. Reexame de fatos e provas.

Inadmissibilidade. Dano moral. Ausência dos requisitos. Não

confi gurado.

1. Ação ajuizada em 12.7.2011. Recurso especial interposto em

23.8.2013 e distribuído a este Gabinete em 25.8.2016.

2. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados

como violados impede o conhecimento de parte do recurso especial.

3. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.

4. Dano moral: agressão à dignidade da pessoa humana.

Necessidade de reavaliação da sensibilidade ético-social comum na

confi guração do dano moral. Inadimplemento contratual ou vício do

produto não causa, por si, danos morais.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte,

parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer parcialmente

do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a).

Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo

Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra.

Ministra Relatora.

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472

Brasília (DF), 25 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 9.11.2016

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por Makoll Materiais de Construção Ltda, com fundamento na alínea “a” do

permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/RS.

Ação: de compensação por danos morais e reparação por danos materiais,

ajuizada por Maria Christina Maya de Bem, em face da recorrente e de Bellagres

Indústria de Cerâmica Ltda - Em Recuperação Judicial (interessada), em razão

de manchas apresentadas em pisos cerâmicos fabricados pela interessada e

comercializados pela recorrente.

Sentença: julgou procedente o pedido, para condenar solidariamente a

interessada e a recorrente ao pagamento de R$ 2.469,91 (dois mil, quatrocentos

e sessenta e nove reais e noventa e um centavos) a título de reparação pelos

danos materiais, bem como ao pagamento de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a

título de compensação por danos morais.

Acórdão: negou provimento às apelações interpostas pela recorrente e pela

interessada, em julgamento assim ementado:

Apelações cíveis. Responsabilidade civil. Ação de reparação de danos materiais e

morais. Vicio do produto.

Preliminar. Revelia. Nulidade da sentença. É cediço que contra o réu revel, que

não tenha patrono nos autos, os prazos correm independentemente de intimação

e este poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em

que se encontra, nos termos do art. 322, do CPC, bem como que o julgador não

está adstrito à presunção de veracidade oriunda da revelia para a formação de seu

convencimento. A pena de confi ssão é em face dos demais elementos constantes

dos autos, de acordo com o livre convencimento do juiz. Tese de nulidade da

sentença não acolhida.

Danos materiais. Ocorrência. Consoante dispõe o artigo 12 do CDC, a

responsabilidade do fabricante é objetiva, cabendo a este demonstrar que não

colocou o produto no mercado, a inexistência do defeito, ou a culpa exclusiva do

consumidor, nos moldes do § 3º, do referido dispositivo legal. Conjunto probatório

que evidencia o liame causal entre a conduta da ré e os danos suportados pela

parte autora, decorrentes dos vícios existentes no piso cerâmico adquirido da ré,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 473

o que causou prejuízos de ordem material, que restaram comprovados nos autos.

Sentença mantida por seus próprios fundamentos.

Dano Moral Confi gurado. Comprovado nos autos o ilícito da ré que, em nítida

quebra do princípio da confi ança e ofensa às regras norteadoras das relações

de consumo, agiu com indiferença na solução do problema que apresentou o

produto apresentado pelo autor, o qual foi obrigado a ajuizar a presente demanda

para obter o ressarcimento dos prejuízos suportados, resta caracterizado o dano

moral, por conseguinte, a obrigação de indenizar. Fatos que ultrapassam a esfera

do mero aborrecimento. Sentença mantida.

Quantum Indenizatório. Manutenção. Na fixação da reparação por

dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as

condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste à sufi ciente

recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa

da vítima. A análise de tais critérios, aliada às demais particularidades do caso

concreto, conduz à manutenção do montante indenizatório em R$ 2.000,00 (dois

mil reais), nos termos da sentença.

Apelações Desprovidas.

Recurso especial: alega violação dos arts. 236, § 1º, e 248, do CPC/1973.

Afi rma a ocorrência de nulidade em virtude da ausência de intimação de ato

processual. Sustenta a culpa exclusiva da recorrida, por ter usado produto

inadequado na limpeza do piso. Insurge-se contra o valor fi xado a título de

compensação por danos morais.

Relatado o processo, decide-se.

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a

determinar (i) eventual nulidade da sentença, em razão de decretação da revelia

do recorrente e (ii) a confi guração de danos morais em relações de consumo

quando verifi cado um fato do produto ou do serviço.

I - Preliminar:

1 – Da ausência de questionamento

O acórdão recorrido não decidiu acerca dos arts. 236, § 1º, e 248, do

CPC/1973, indicados como violados. Por isso, o julgamento do recurso especial

é inadmissível. Aplica-se, neste caso, a Súmula 282/STF.

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474

2 – Da decretação da revelia

No CPC/1973, o instituto da revelia se encontrava disposto nos arts. 319

a 322, ocorrendo quando o réu, após o decurso do prazo legal, não oferecer

contestação à petição inicial. Entre os efeitos da revelia, estão o decurso dos

prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato

decisório, e a presunção de veracidade dos fatos alegados contra o réu.

Contudo, não há que se falar, nos autos, em qualquer nulidade processual

decorrente da decretação da revelia do recorrente, considerando que sequer

foi aplicada a presunção de veracidade no momento do julgamento, o que está

de acordo com a jurisprudência desta Corte, conforme se percebe da ementa

abaixo:

2. O STJ já decidiu que, em caso de revelia, a presunção de veracidade dos

fatos afi rmados na inicial somente será absoluta se não contrariarem a convicção

do julgador, diante das provas existentes nos autos, podendo este inclusive

deixar de acolher o pedido. Precedentes. No caso, a convicção do juiz, mantida

pelo acórdão recorrido, à luz do conjunto fático e probatório dos fatos, foi de ser

relativa a veracidade dos fatos alegados pelo autor, o que não pode ser revista em

recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.

(AgRg no AREsp 587.548/MG, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma,

julgado em 5.5.2016, DJe 11.5.2016)

Tem-se, dessa forma, a aplicação do princípio pas de nullité sans grief, em

outras palavras, o processo não se sujeita ao formalismo em detrimento da

economia processual e da efetividade jurisdicional, de modo que a inexistência

de prejuízo impede a decretação de nulidade, conforme precedente da Segunda

Turma deste Tribunal (REsp 1.130.335/RJ, julgado em 18.2.2010, DJe

4.3.2010):

3. É excesso de formalismo declarar a nulidade da citação por ausência de

informação a respeito de disposição legal, considerando que não houve prejuízo

para a recorrida.

4. A decretação de nulidade seria admissível caso comprovado o dano a quem

o suscita. Ocorreria, por exemplo, na hipótese de réu humilde, sem experiência

da lide jurisdicional, que eventualmente tardasse a procurar aconselhamento

especializado de advogado. (...)

6. A empresa não indica prejuízo, apenas a nulidade pelo simples

descumprimento de formalidade.

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 475

7. O processo não se sujeita ao formalismo em detrimento da economia

processual e da efetividade jurisdicional, de modo que a inexistência de dano

impede a decretação de nulidade (pas de nullité sans grief), como reiteradamente

afi rmado pelo STJ.

8. No mérito, o TJ reconheceu como verdadeiro o fato narrado pelo autor, de

que o imóvel estava desocupado à época da cobrança, porquanto residia em

outro Estado. Indevida, portanto, a cobrança pela tarifa por estimativa, cabendo

apenas a tarifa de manutenção. (...)

II – Do dano moral

1 – A apresentação do problema

É com renovada preocupação que se volve a atenção a esse instituto

jurídico, cuja afi rmação na doutrina e jurisprudência pátrias ocorreu de modo

lento, gradual e disputado. Vários foram os obstáculos que se apresentaram na

consolidação da tese da reparabilidade de danos morais, pois se entendia que

sua reparação seria contra a própria moral, como se percebe na lição de Carlos

Alberto BITTAR:

A tese da reparabilidade dos danos morais demandou longa evolução, tendo

encontrado óbices diversos, traduzidos, em especial, na resistência de certa parte

da doutrina, que nela identifi cava simples fórmula de atribuição de preço à dor,

conhecida, na prática, como pretium doloris. Entendendo-a contrária à Moral,

esses autores acabaram cedendo, diante da segura reação da melhor doutrina (...)

(Reparação civil por danos morais. São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2015, p. 75)

Como nos recorda Yussef Said CAHALI, ainda em meados do século

XX, o Supremo Tribunal Federal – que ainda detinha competência para fi xar

interpretação de lei federal – afirmava não ser indenizável o valor afetivo

exclusivo, em razão de não ser possível valorá-lo em dinheiro:

Antigo acórdão do Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 1.537

do anterior CC, considerou não ser indenizável o valor afetivo exclusivo: “Nem

sempre o dano moral é ressarcível, não somente por se não poder dar-lhe valor

econômico por se não poder apreciá-lo em dinheiro, como ainda porque essa

insufi ciência dos nossos recursos abre a porta a especulações desonestas pelo

manto nobilíssimo de sentimentos afetivos; no entanto, no caso de ferimentos

que provoquem aleijões, no caso de valor afetivo, coexistir com o moral, nos casos

de ofensa à honra, à dignidade e à liberdade, se indeniza o valor mora”. (Dano

Moral. São Paulo: RT, 4ª ed., 2011, p. 42)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Além disso, foi apenas no ano de 1992 – há menos de 25 anos, portanto –

que este Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 37, em cujo verbete se

lê que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundas do

mesmo fato”. Colocada em perspectiva histórica, portanto, percebe-se a relativa

novidade que a reparabilidade integral dos danos morais se apresenta para os

julgadores.

Diante de uma demanda reprimida claramente existente anteriormente à

consagração do instituto no direito brasileiro, é possível encontrar nas crônicas

judiciais os mais diversos tipos de abusos na formulação e deferimento de

pedidos de reparação por dano moral. São de tal monta esses exageros que

doutrinadores da estirpe de CALMON DE PASSOS passaram a denunciar a

“imoralidade” das indenizações de dano moral, cujo objeto de reparação é objeto

de fácil mistifi cação e, por que não dizer, dissimulação. Nas palavras do jurista:

Assim como já existiram carpideiras que choravam a dor dos que eram

incapazes de chora-la, porque não a experimentavam, também nos tornamos

extremamente hábeis em nos fazermos carpideiras de nós mesmos, chorando,

para o espetáculo diante dos outros, a dor que em verdade não experimentamos.

A possibilidade, inclusive, de retiramos proveitos fi nanceiros dessa nossa dor

oculta, fez-nos atores excepcionais e meliantes extremamente hábeis, quer como

vitimas, quer como advogados ou magistrados. (CALMON DE PASSOS. O imoral

nas indenizações por dano moral. In: Revista Magister de direito civil e processual

civil. Porto Alegre, v. 5, n. 26, p. 47–60, set./out., 2008)

Nessa tendência de vulgarização e banalização da reparação por danos

morais, cumpre aos julgadores resgatar a dignidade desse instituto que, conforme

nos ensina CAHALI, foi penosamente consagrado no direito pátrio. Esse

resgate passa, necessariamente, por uma melhor defi nição de seus contornos e

parcimônia na sua aplicação, para invocá-lo apenas em casos que reclamem a

atuação jurisdicional para o reparo de grave lesão à dignidade da pessoa humana.

2 – Defi nição dos danos morais

Ao tratar de danos em geral, a doutrina concebe a distinção de três

categorias distintas, a saber: “a) são patrimoniais os prejuízos de ordem econômica

causados por violações a bens materiais ou imateriais de seu acervo; b) pessoais,

os danos relativos ao próprio ente em si, ou sem suas manifestações sociais, como,

por exemplo, as lesões ao corpo, ou a parte do corpo (componentes físicos), ou ao

psiquismo (componentes intrínsecos da personalidade), como a liberdade, a imagem,

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 477

a intimidade; c) morais, o relativos a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa

como ente sociais, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a

individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações

do intelecto”. (BITTAR, Op. cit., p. 35)

Tem-se, assim, que os danos morais dizem respeito a lesões a atributos

da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade,

estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em

outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade.

Na lição de Carlos Alberto BITTAR, os danos morais afl igem os aspectos

mais íntimos da personalidade humana e também aqueles de valoração social

do indivíduo, em consonância com Aristóteles que, já na antiguidade grega,

entendia o homem como animal político (zoon politikón), conforme abaixo:

Qualifi cam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou

do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,

havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos

da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal, na

autoestima), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o

da reputação ou da consideração social, na estima social). (Op. cit., p. 45)

3 – Fundamentos de proteção

Múltiplos são os fundamentos da tese de reparabilidade do dano moral.

Sob o aspecto pessoal, tem-se que a indenização é uma reação da personalidade

do lesado, de sua própria natureza humana, às agressões e atentados causados

pelo lesante. Ofensas dessa categoria repugnam a consciência humana do

injusto e, assim, demandam a devida reparação. Mesmo do ponto de vista

fi losófi co, podem-se encontrar fundamentos para a preocupação do direito com

a reparação a danos morais, conforme se verifi ca em Axel HONNETH:

(...) o sujeito que se envergonha de si mesmo na experiência do rechaço de

sua ação, sabe-se como alguém de valor social menor do que havia suposto

previamente; considerando-se de uma perspectiva psicanalítica, isso signifi ca que

a violação de uma norma moral, refreando a ação, não atinge aqui negativamente

o superego, mas sim os ideais de ego de um sujeito” (Luta por reconhecimento.

São Paulo: Editora 34, 2003, p. 223).

Sob o prisma constitucional, a lastrear a indenização dos danos morais

tem-se o princípio da dignidade da pessoa humana, que integra, inclusive, os

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fundamentos da própria República brasileira, conforme previsto no art. 1º, III,

da Constituição.

No plano infraconstitucional, tem-se que a edição do atual Código Civil

tratou adequadamente a questão, em verdadeiro avanço à codifi cação anterior.

No CC/2002, o art. 18 exerce a função de cláusula geral de responsabilidade

civil, com previsão expressa do dano moral, afastando qualquer dúvida que

poderia haver entre nós.

4 – O Núcleo Central

Obviamente, para haver a reparação dos danos morais, devem estar

preenchidos os três pressupostos de responsabilidade civil em geral, quais sejam:

a ação, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Apenas nessa hipótese, surge

a obrigação de indenizar. Tal alerta é importante para se alertar que “nem todo

atentado a direitos da personalidade em geral é apto a gerar dano de cunho moral”

(BITTAR, Op. cit., p. 60), pois os danos podem se esgotar nos aspectos físicos

ou materiais de uma determinada situação. Deve-se acrescentar também que

não é toda e qualquer situação geradora de incômodo ou dissabor que é capaz de

afetar o âmago da dignidade da pessoa humana, como afi rma a doutrina:

Mas, de conformidade com a sede da lesão, há situações danosas que se

apresentam em nível meramente patrimonial, não produzindo efeito negativo

algum na personalidade do lesado, seja pelo conformismo, às vezes natural, seja

pela menor intensidade lesiva da ação ou do ato, seja, enfi m, por fator outro

qualquer relacionado, ou não, com o interessado, como anotamos. Há outras

em que a intensidade dos efeitos se mostra diversa, em função de circunstâncias

pessoais, naturais ou ocasionais, provocando reações diferentes nos lesados.

Há, por fi m, hipóteses em que se afeta a própria personalidade do lesado sob

aspectos diferentes. Ora, é exatamente quando se ferem os componentes da

subjetividade e da consideração pessoal e social do titular de direitos que os

danos se apresentam como morais. (BITTAR, Op. cit., p. 61)

Concordamos, assim, com a posição de CALMON DE PASSOS, segundo

a qual o elemento central da ideia de danos morais é a existência de perda,

prejuízo ou desfalque “naquela dimensão do existir especifi camente humano, todo

ele constituído do sentido e da signifi cação que emprestamos ao nosso agir, algo que se

situa não nas coisas nem na materialidade de nosso corpo, porém na dimensão de nossa

subjetividade”.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 479

Reforça-se essa perspectiva quando se analisa o dano moral sob o prisma

constitucional, uma vez que, como afi rmado acima, encontra sua fundamentação

no princípio da dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF. Dessa

forma, se não se quiser vulgarizar a importante reparabilidade dos danos morais,

para sua confi guração não basta qualquer tipo de contrariedade, desconforto,

mágoa ou frustração de expectativas. Pelo contrário, deve-se identifi car no

caso concreto uma verdadeira agressão ou atentado à dignidade da pessoa

humana, capaz de ensejar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o

equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado. Em

outras palavras, o simples inadimplemento contratual não confi gura dano moral, pois

incapaz de agredir a dignidade humana.

5 – A prova do dano moral: a sensibilidade do julgador

Na doutrina, a reparabilidade dos danos morais exsurge no plano jurídico

a partir da simples violação (ex facto), i.e., existente o evento danoso, surge

a necessidade de reparação, observados os pressupostos da responsabilidade

civil em geral. Uma consequência do afi rmado acima seria a prescindibilidade

da prova de dano em concreto à subjetividade do indivíduo que pleiteia a

indenização, in verbis:

Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais, prevalece,

de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força

do simples fato da violação. Com isso, verifi cado o evento danoso, surge, ipso

facto, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito.

Dessa ponderação, emergem duas consequências práticas de extraordinária

repercussão em favor do lesado: uma é a dispensa da análise da subjetividade do

agente; outra a desnecessidade de prova de prejuízo em concreto. (BITTAR, Op.

cit., p. 199).

De fato, em diversas circunstâncias, não é realizável a demonstração de

prejuízo moral, bastando a simples causação do ato violador e, nesse sentido,

fala-se em damnun in re ipsa. Carlos Alberto BITTAR, inclusive, afi rma se

tratar de uma presunção absoluta da ocorrência do dano, não havendo motivo

para se cogitar em prova de dano moral, como é possível perceber abaixo:

Ora, trata-se de presunção absoluta, ou iuris et de iure, como qualifica

a doutrina. Dispensa, portanto, prova em concreto. Com efeito, corolário da

orientação traçada é o entendimento de que não há que se cogitar de prova

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de dano moral. Não cabe ao lesado, pois, fazer demonstração de que sofre,

realmente, o dano moral alegado. (BITTAR, Op. cit., p. 201)

Trata-se de uma questão altamente controvertida quando se lida com a

questão dos danos morais. Neste ponto, insurge-se novamente CALMON DE

PASSOS (Op. cit.):

Em que pesem essas peculiaridades, tenho para mim que se deve afi rmar como

necessário, para serem atendidos, uns e outros, os critérios fundamentadores da

liquidação dos danos materiais – devem ser precisamente provados, repelindo-se,

tanto como critério para certifi cação de sua existência quanto para sua estimativa,

o juízo de valor que a vítima faz de si mesma, cingindo-nos rigorosamente

a padrões socialmente institucionalizados, o que assegura o mínimo de

objetividade exigido de toda e qualquer aplicação do direito ao caso concreto.

Essa difi culdade em realizar a prova do prejuízo moral – que realmente

existe – acaba por se transformar na porta de entrada de muitos dos abusos

e excessos que cumpre combater com rigor, para o resgate da dignidade do

próprio instituto. Em outra perspectiva, a difi culdade de se provar a dor oculta

transforma as partes em atores de um espetáculo para demonstrar a dor que não

se sente ou, diga-se ainda, para apresentar aquela dor que, além de não se sentir,

é incapaz de confi gurar dano moral.

No fundo, ao analisar a doutrina e a jurisprudência, o que se percebe não é

a operação de uma presunção iure et de iure propriamente dita na confi guração

das situações de dano moral, mas a substituição da prova de prejuízo moral – em

muitas situações, incabível – pela sensibilidade ético-social do julgador.

Em realidade, é isso que quer dizer BITTAR ao afi rmar que o dano moral

“constitui fenômeno perceptível por qualquer homem normal” ou que há “fatos

sabidamente hábeis a produzir danos de ordem moral, que à sensibilidade do juiz se

evidenciam” (Op.cit., p. 199 e 201).

À falta de padrões éticos e morais objetivos ou amplamente aceitos

em sociedade, deve o julgador adotar a sensibilidade ético-social do homem

comum, nem muito reativa a qualquer estímulo ou tampouco insensível ao

sofrimento alheio. Imbuído dessa sensibilidade, deverá questionar e refl etir

sobre a existência de grave lesão ou atentado à dignidade da pessoa humana que

pleiteia reparação.

Na lição de CAHALI, apenas com a moderação do julgador será possível

obter a devida pacifi cação social, principal objetivo quando um confl ito é posto

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 481

sob o escrutínio do Poder Judiciário, conforme percebemos nas palavras do

mencionado jurista:

Nesse sentido, afi rma-se que o Poder Judiciário deve sempre buscar a paz

social, mediante a composição das lides, considerando relevante situações que,

no plano fático, assumam proporções capazes de justifi car o reconhecimento da

reponsabilidade civil por dano moral e sua consequente reparação. Nesse sentido,

o dano moral somente ingressará no mundo jurídico, gerando a subsequente

obrigação de indenizar, quando houve alguma grandeza no ato considerado

ofensivo a direito personalíssimo. Assim, inexiste dano moral ressarcível quando

o suporte fático não possui virtualidade para lesionar sentimento ou causar

dor e padecimento íntimo. Não confi gura dano moral mero dissabor, desconforto

ou contratempo a que estão sujeitos os indivíduos nas suas relações e atividades

cotidianas. (CAHALI, Op. cit., p. 52).

Pode-se acrescentar, ainda, que dissabores, desconfortos e frustações

de expectativas fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais

complexas e multifacetadas, com renovadas ansiedades e desejos, e por isso não

se pode aceitar que qualquer estímulo que afete negativamente a vida ordinária

confi gure dano moral.

Neste ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu

de maneira acertada para permitir que se observasse o fato concreto e suas

circunstâncias para a confi guração de danos morais nas hipóteses de inscrição

indevida de consumidor em cadastros de proteção ao crédito, quando houvesse

inscrição prévia legítima, consubstanciada na Súmula 385/STJ e no julgamento

do REsp 1.083.291/RS (Segunda Seção, julgado em 9.9.2009, DJe 20.10.2009),

em cuja emente se encontra o seguinte:

- O STJ já consolidou sua jurisprudência no sentido de que “a ausência de

prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros

de proteção ao crédito, prevista no art. 43, § 2º do CDC, enseja o direito à

compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora

regularmente realizada.” (Recurso Especiais em Processos Repetitivos n. 1.061.134/

RS e 1.062.336/RS) Não se conhece do recurso especial quando o entendimento

fi rmado no acórdão recorrido se ajusta ao posicionamento do STJ quanto ao

tema.

Nessas oportunidades, esta Corte nada mais fez que afastar o caráter

absoluto da presunção de existência de danos morais indenizáveis, ao entender

que nem toda inscrição indevida em cadastro proteção ao crédito acarreta dano

por si próprio (damnun in re ipsa). Portanto, seguindo essa tendência, esta Corte

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deve, sim, voltar sua atenção a esse instituto a fi m de lhe conferir contornos mais

razoáveis e justos.

6 – Dano moral nas relações de consumo

Por falar em sociedades complexas, as relações de consumo que se

reinventam diuturnamente apresentam óbvios desafios quando se trata de

responsabilização pela ocorrência de danos morais. Nesse ponto, adiantou-se

o legislador a prever expressamente no art. 6º, VI, CDC, como um direito do

consumidor, a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,

individuais, coletivos e difusos”.

Nessas circunstâncias, portanto, há que se verifi car se o bem ou serviço

defeituoso ou inadequadamente fornecido tem a aptidão de causar sofrimento,

dor, perturbações emocionais e psíquicas, constrangimentos, angústia,

desconforto espiritual ensejadores de danos morais. Novamente, tem-se aqui

uma nova investida do que se chamou acima de “vulgarização” do dano moral,

constituído de pedidos imoderados de consumidores relacionados a supostos

danos indenizáveis.

Maiores preocupações deve o julgador haver quando se pleiteia danos

morais no âmbito de uma relação de consumo, pois – repita-se – não é qualquer

fato do produto e não é qualquer inadimplemento contratual que enseja a indenização

de danos morais, como pode-se perceber na doutrina:

Assim, pondera Ramón Daniel Pizarro que, para a reparação do dano moral

derivado da não prestação do serviço prometido, deve haver uma minoração

da subjetividade do consumidor de certa relevância, ponderável em razão das

circunstâncias da pessoa, tempo e lugar. Nesse sentido considera-se que o

ressarcimento do dano moral não cobre qualquer inquietude ou perturbação do

ânimo originado pela carência provisória de um bem material, como é a falta da

prestação de um serviço. (CAHALI, Op. cit., p. 497).

III – Considerações acerca do recurso em análise

1 – Do reexame de fatos e provas

Conforme acima relatado, a recorrente se insurge contra a condenação

por danos morais, alegando culpa exclusiva da recorrida para o aparecimento

das manchas nos pisos cerâmicos por ela comercializados. Tem que a análise

da culpa exclusiva da recorrida, por suposta utilização indevida de produtos

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 483

de limpeza sobre os produtos adquiridos, necessitaria do reexame do acervo

probatório, atraindo a aplicação da Súmula 7 deste STJ para impedir, neste

ponto, o conhecimento deste recurso.

2 – Da ausência de confi guração de dano moral

No entanto, pelas peculiaridades narradas anteriormente, a confi guração

de dano moral não envolve, necessariamente, o remanejo do conjunto de provas

colacionado aos autos nas instâncias ordinárias de jurisdição, mas mera avaliação

dos efeitos jurídicos atribuídos aos fatos assentados nas decisões judiciais

recorridas.

Assim, da sentença e do acórdão recorrido podemos verificar que a

existência de danos morais foi assim fundamentada:

- Na sentença (e-STJ fls. 85-86): “Assentado o inadimplemento contratual

e, em consequência, o dever de indenizar, tenho igualmente demonstrada a

existência de danos morais, considerando-se evidentes transtornos que o defeito

do produto, instalado em pisos e paredes, causou na reforma comprovadamente

em andamento no local (fl. 09/14), implicando em evidente frustração de

expectativas e remanejamento de empregados e de cronograma que ultrapassam

o mero dissabor, razão pela qual, considerando-se a capacidade fi nanceira das rés

e o instituto pedagógico da indenização a este título que, por certo, não pode

implicar enriquecimento sem causa, arbitro-a em R$ 2.000,00, atualizados pelo

IGP-M a contar desta data e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar

da primeira citação”.

- No acórdão (e-STJ fl s. 137-156): “Dano ao patrimônio moral da parte autora,

causando sofrimento e lesão a sua honra e reputação, caracterizado está o dano

moral”.

Do acima transcrito, a única alegação que poderia ensejar algum

desconforto do ponto de vista psíquico e pessoal da recorrida é a chamada

“frustração de expectativas” decorrente do aparecimento de manchas nos pisos

cerâmicos aplicados em sua reforma.

Contudo, dissabores, desgostos e frustrações compõem muitas vezes a vida

cotidiana e, nem por isso, são capazes de causar danos morais sobre aqueles

que os suportam. Assim, impossível compreender que a frustração de expectativa

suportada pela recorrida seja capaz de afetar o âmago de sua dignidade como pessoa

humana, tampouco de afetar, de forma negativa e duradoura, a forma como se

compreende enquanto pessoa em sociedade, por conta de frustração na reforma

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de seu imóvel. Veja-se que, além das frustações, o vício do produto causou

remanejamento de funcionários e atrasos de cronogramas na reforma, mas são

questões puramente materiais, sem qualquer refl exo sobre a pessoa da recorrida

e, portanto, incapazes de gerar danos morais.

Como afi rmado anteriormente, não é qualquer vício do produto que enseja

danos morais, mas na hipótese particular devem causar tamanho desgosto

e sofrimento capaz de afetar a dignidade do consumidor enquanto pessoa

humana. Dessa forma, nos autos deste recurso, não estão presentes os elementos

caracterizadores de danos morais.

Forte nessas razões, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte,

dou-lhe provimento, com fundamento no art. 255, § 4º, I e III, do RISTJ,

para reformar o acórdão recorrido exclusivamente para afastar a condenação

de indenização por danos morais, por ausência de elementos mínimos

caracterizadores desse instituto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.560.728-MG (2015/0256835-7)

Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Recorrente: Condominio do Edifi cio Elza Goncalves da Rocha

Advogados: Marcos Mello Ferreira Pinto e outro(s) - MG080828

Juliana Lima Pereira - MG086546

Vinicius de Figueiredo Teixeira e outro(s) - DF019680

Advogados: Cristina de Almeida Canêdo e outro(s) - DF026782

Nelson Luiz Guedes Ferreira Pinto e outro(s) - MG015752N

Recorrido: Banco Votorantim S/A

Advogados: Markos Wendell Carvalho Rodrigues - MG112676

Claudia Ferraz de Moura - MG082242N

Lenadro Brognaro Penido e outro(s) - MG160522

Recorrido: Habitare Construtora e Incorporadora S.A

Advogado: Amanda Cezar Silvano e outro(s) - MG151150

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 485

EMENTA

Recurso especial. Consumidor e Processual Civil. Demanda

envolvendo condomínio de adquirentes de unidades imobiliárias e

a construtora/incorporadora. Patrimônio de afetação. Relação de

consumo. Coletividade de consumidores. Possibilidade de inversão do

ônus da prova. Distribuição dinâmica do ônus probatório. Precedentes

do STJ.

1. Polêmica em torno da possibilidade de inversão do ônus da

prova para se atribuir a incorporadora demandada a demonstração

da destinação integral do produto de fi nanciamento garantido pela

alienação fi duciária de unidades imobiliárias na incorporação em

questão (patrimônio de afetação).

2. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao

condomínio de adquirentes de edifício em construção, nas hipóteses

em que atua na defesa dos interesses dos seus condôminos frente a

construtora/incorporadora.

3. O condomínio equipara-se ao consumidor, enquanto

coletividade que haja intervindo na relação de consumo. Aplicação do

disposto no parágrafo único do art. 2º do CDC.

4. Imposição de ônus probatório excessivamente complexo para

o condomínio demandante, tendo a empresa demandada pleno acesso

às provas necessárias à demonstração do fato controvertido.

5. Possibilidade de inversão do ônus probatório, nos termos do

art. 6º, VIII, do CDC.

6. Aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova

(art. 373, § 1º, do novo CPC).

7. Precedentes do STJ.

8. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide

a Egrégia Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar

provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

486

Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente),

Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Vinicius de Figueiredo Teixeira, pela parte recorrente: Condominio

do Edifi cio Elza Goncalves da Rocha

Brasília (DF), 18 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator

DJe 28.10.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial

interposto pelo Condomínio do Edifício Elza Gonçalves da Rocha contra acórdão

do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ementado nos seguintes

termos:

Agravo de instrumento. Inversão do ônus da prova. Ausência de relação de

consumo. Impossibilidade. Não se aplica in casu o disposto no artigo 6º, inciso

VIII, do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista não existir entre as

partes relação de consumo. Desse modo, deve ser observada a regra geral de

distribuição do ônus da prova prevista no CPC.

Em suas razões, a parte recorrente sustentou que o acórdão recorrido

violou o disposto nos artigos 2º, parágrafo único, 6º, VIII e 17 do CDC e 31-A

da Lei n. 4.591/1969, bem como apontou dissídio jurisprudencial. Postulou

conhecimento e provimento do recurso.

Presentes as contrarrazões, o recurso especial foi admitido.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas,

o presente recurso especial devolve ao conhecimento deste Superior Tribunal de

Justiça interessante questão jurídica consistente na defi nição da aplicabilidade

do Código de Defesa do Consumidor a condomínio de adquirentes de edifício

em construção nas hipóteses em que atua na defesa dos interesses dos seus

condôminos frente a construtora/incorporadora.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 487

Tenho que merece acolhimento a pretensão recursal.

O Tribunal de origem, mantendo o indeferimento do requerimento da parte

recorrente de inversão do ônus da prova, negou provimento ao seu agravo de

instrumento, sob o fundamento de inexistir, no caso, relação de consumo, verbis:

Em que pese os argumentos suscitados pelo recorrente, entendo, porém,

que razão não lhe assiste, haja vista a ausência de relação de consumo entre as

agravadas e o Condomínio do Edifício Elza Gonçalves da Rocha.

Ressalta-se que, a despeito de haver relação de consumo entre os adquirentes

da incorporação, objeto da demanda, e a HABITARE, não se pode afi rmar que

o mesmo ocorre na ração entre HABITARE e o condomínio do Edifício Elza

Gonçalves da Rocha.

Como é sabido, o condomínio não possui personalidade jurídica, consistindo

em mera comunhão de interesses, muito embora detenha capacidade processual

para defender questões atinentes aos condôminos, nos termos do artigo 12, IX,

do CPC. Assim, não se pode cogitá-lo como consumidor, consoante defi nição

trazida pelo CDC, in verbis: Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que

adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário fi nal.

Analisando detidamente os autos, nota-se que quem de fato adquiriu

a incorporação foi os integrantes do condomínio, inexistindo qualquer pacto

contratual direto entre o agravante e a HABITARE. Ademais, o condomínio não

pode ser considerado como destinatário fi nal de produto ou serviço, vez que cada

um dos condôminos é quem detém a propriedade exclusiva de sua unidade e a

parte ideal das áreas comuns.

Nessa senda, não restou confi gurado, in casu, a presença conjunta dos sujeitos

fornecedor e consumidor, a ensejar a incidência da legislação consumeirista.

No mesmo sentido, entendo que inexiste relação jurídica entre o recorrente

e a segunda agravada a caracterizar relação de consumo. De fato, as agravadas

fi rmaram entre si “Instrumento Particular de Constituição de Garantia de Alienação

Fiduciária de Imóvel”, que, apesar de indiretamente afetar os adquirentes da

incorporação, a eles não se refere, nem mesmo ao aludido condomínio.

Desse modo, uma vez inaplicável a relação de consumo, no caso em tela,

mostra-se impossível a inversão dos ônus da prova.

Com a devida vênia, essa não é a melhor interpretação do enunciado

normativo do art. 2º, § único, do CDC, que amplia o conceito básico de

consumidor constante do caput do mesmo dispositivo legal:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza

produto ou serviço como destinatário fi nal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

488

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda

que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Com efeito, o enunciado normativo do § único do art. 2º do CDC amplia

substancialmente o conceito básico de consumidor previsto no caput para

abranger a coletividade de consumidores, ainda que indetermináveis, que haja

intervindo nas relações de consumo, para efeito de incidência do microssistema

de proteção do consumidor.

Nessa linha, esta Corte Superior tem precedente específi co acerca da

questão, posicionando-se no sentido da possibilidade de aplicação do Código de

Defesa do Consumidor nas ações em que litigam condomínio e empresa pública

prestadora de serviços, estando presente relação de consumo, verbis:

Tributário. Taxa de esgoto. Cobrança indevida. Relação de consumo.

Condomínio.

1. É inaplicável o Código de Defesa de Consumidor às relações entre os

condôminos e o condomínio quanto às despesas de manutenção deste.

2. Existe relação de consumo entre o condomínio de quem é cobrado

indevidamente taxa de esgoto e a concessionária de serviço público.

3. Aplicação do artigo 42 do Código de Defesa de Consumidor que determina

o reembolso em dobro.

4. Recurso especial provido. (REsp 650.791/RJ, Rel. Ministro Castro Meira,

Segunda Turma, julgado em 6.4.2006, DJ 20.4.2006, p. 139).

No referido paradigma, da relatoria do eminente Min. Castro Meira, a

colenda Segunda Turma desta Corte fi rmou esse entendimento, reconhecendo o

condomínio como destinatário fi nal do serviço prestado.

Destaco trecho do douto voto do relator em que se reconheceu o

condomínio como consumidor fi nal, verbis:

A relação de consumo existente no feito é desenvolvida entre o condomínio-

consumidor e concessionária pública-fornecedora, ora recorrida.

O condomínio seria o destinatário fi nal do serviço que teria sido prestado pela

CEDAE e faturado em seu CGC, considerando-o como ente unitário.

Diz Rizzato Nunes:

Consumidor é a pessoa jurídica, a pessoa natural e também a pessoa

jurídica. Quanto a esta última, como a norma não faz distinção, trata-se de

toda e qualquer pessoa jurídica, quer seja uma microempresa, quer seja

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 489

uma multinacional, pessoa jurídica, civil ou comercial, fundação, etc. A lei

emprega o vergo “adquirir”, que tem de ser interpretado em seu sentido

mais lato, de obter, seja a título oneroso ou gratuito. Porém, como se

percebe, não se trata apenas de adquirir, mas também utilizar o produto

ou o serviço, ainda quando quem o utiliza não o tenha adquirido. Isto é, a

norma defi ne como consumidor tanto quem efetivamente adquire (obtém)

o produto ou o serviço como aquele que, não o tendo adquirido, utiliza-o

e o consome (“Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, Ed.

Saraiva, 2005, 2ª ed., p. 88).

Dessa defi nição, conclui-se que a cobrança da taxa tomou como ente uno o

condomínio, que seria o eventual consumidor daquele serviço cobrado, o que per

se traria sua inclusão como consumidor ainda que se entendesse que serviço seria

fruído por seus condôminos.

A valer a ratio decidendi do acórdão recorrido, ao condomínio, que represente

o interesse coletivo dos seus condôminos, não se aplicaria o microssistema

normativo do CDC, embora os condôminos, individualmente, possam pleitear

a sua incidência.

Com isso, cada um dos integrantes do condomínio seria forçado a ingressar

em juízo isoladamente para obter a tutela do CDC no lugar da tutela conjunta

dos direitos inviduais homogêneos dos condôminos.

Ora, se o condomínio de detem legitimidade para defender os interesses

comuns dos seus condôminos, justamente por ser constituído da comunhão dos

seus interesses (artigo 12, inciso IX, do CPC/1973; atual artigo 75, inciso XI,

do NCPC), não se pode restringir a tutela legal colocada à sua disposição pelo

ordenamento jurídico.

Conforme afirmado no acórdão recorrido, o microssistema do CDC

somente tutelaria os condôminos individualmente, não os tutelando em

conjunto (condomínio = comunhão de interesses).

Tenho que tal interpretação vai de encontro a toda a principiologia do

Código de Defesa do Consumidor seja no plano material (conceito amplo de

consumidor), seja no plano processual (estímulo à tutela coletiva).

No caso dos autos, o condomínio litiga contra a construtora/incorporadora

e a instituição fi nanceira, pretendendo a invalidade e a inefi cácia de alienação

feita de áreas comuns e dos apartamentos de diversos adquirentes.

O referido empreendimento imobiliário, de que o condomínio recorrente

é parte diretamente interessada, é regulado pelo regime de “patrimônio de

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afetação”, instituído pela Lei n. 10.931, de 2004, que alterou diversas disposições

da Lei n. 4.591/1964.

Estabeleceu-se que a afetação de unidades imobiliárias, mediante garantia

real em operação de crédito, fi ca condicionada à destinação integral do produto

na consecução da edifi cação do imóvel, nos termos do artigo 31-A, § 3º, da Lei

n. 4.591/1964.

Art. 31-A - A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida

ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação

imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-

ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de

afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega

das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (Incluído pela Lei n. 10.931,

de 2004)

.........

§ 3º Os bens e di reitos integrantes do patrimônio de afetação somente poderão

ser objeto de garantia real em operação de crédito cujo produto seja integralmente

destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades

imobiliárias aos respectivos adquirentes. (Incluído pela Lei n. 10.931, de 2004)

Na origem, o processo encontra-se em fase instrutória, alegando os

recorrentes que o ponto controvertido central da demanda situa-se em torno

do fato de não ter sido integralmente destinado o produto da operação de

crédito controvertida à consecução da edifi cação imobiliária, desrespeitando

frontalmente o disposto na regra do artigo 31-A, § 3º, da Lei n. 4.591/1964,

acima transcrita.

Ocorre que o condomínio teve seu pedido de inversão do ônus da prova

indeferido, pois, como já aludido, não existiria relação de consumo a autorizar a

inversão prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Alegam, como visto, fato negativo em relação à construtora/incorporadora,

qual seja, a inexistência de destinação integral do produto do fi nanciamento na

obra.

Aduzem que, para a produção dessa prova, seria necessária a posse da

documentação contábil da empresa ré, bem como o acesso a informações

bancárias sigilosas.

Esse ônus mostra-se excessivamente complexo para o condomínio

demandante, tendo a empresa demandada plenas condições de demonstrar

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RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 491

ter utilizado integralmente o produto da operação de crédito na edifi cação em

questão.

Merece, por isso, acolhimento a insurgência recursal.

Por fim, tanto não bastasse para acolhimento da pretensão recursal,

mesmo que se entendesse inaplicável o Código de Defesa do Consumidor

e seu instrumento de inversão do ônus da prova (inciso VIII do art. 6º), a

jurisprudência desta Corte Superior já vem admitindo a distribuição dinâmica

do ônus da prova, merecendo destaque precedente desta Colenda Turma, da

relatoria da ilustre Ministra Nancy Andrighi, verbis:

Civil e Processo Civil. Pedido. Interpretação. Critérios. Prova. Ônus. Distribuição.

Litigância de má fé. Cobrança de dívida já paga. Limites de incidência. Dispositivos

legais analisados: arts. 17, 18, 125, I, 282, 286, 333, I e II, 339, 355, 358, 359, 460 e

512 do CPC; e 1.531 do CC/1916 (940 do CC/2002).

1. (...)

7. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, uma interpretação

sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais,

confere ampla legitimidade à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus

da prova, segundo a qual esse ônus recai sobre quem tiver melhores condições de

produzir a prova, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso.

(...) (REsp 1.286.704/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado

em 22.10.2013, DJe 28.10.2013) (grifei)

Essa linha jurisprudencial serviu de inspiração ao legislador processual, que

positivou esse entendimento no novo CPC, buscando atribuir maior efetividade

ao nosso processo civil.

Nesse sentido, preceitua o enunciado normativo do § 1º do artigo 373 do

NCPC, verbis:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

(...)

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridade da causa

relacionadas à impossibilidade ou à excessiva difi culdade de cumprir o encargo

nos termo do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário,

poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por

decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se

desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

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Enfi m, a novel legislação processual traz consigo uma nova sistemática de

distribuição do ônus da prova, permitindo ao juiz, diante das peculiaridades do

caso em julgamento, modifi car as regras gerais de atribuição do ônus probatório

(carga dinâmica das provas).

Ante todo exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial,

determinando a inversão do ônus da prova quanto à demonstração da destinação

integral do produto da alienação fi duciária controvertida na edifi cação em

questão.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.591.226-SP (2016/0011714-6)

Relator: Ministro Moura Ribeiro

Recorrente: Fundo Garantidor de Creditos - FGC

Advogados: João Paulo Marcondes e outro(s) - SP078658

Otto Steiner Junior - SP045316

Recorrido: Fed dos Emp em Esta de Ser de Saude do Est de Sao Paulo

Advogados: Hermano de Moura e outro(s) - SP307650

Barbara Gonçalves Oliveira Dourado - SP316400

EMENTA

Civil e Processual Civil. Recurso especial. Recurso manejado sob

a égide do CPC/1973. Fundo Garantidor de Crédito. Valor do teto de

garantia para clientes bancários. Observância da resolução do CMN

vigente à época da intervenção na instituição fi nanceira pelo Banco

Central. Data da efetiva privação do ativo fi nanceiro. Pretensão de

recebimento da diferença em razão de nova resolução vigente à época

da liquidação extrajudicial. Impossibilidade. Recurso provido.

1. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos

do Enunciado Administrativo n. 2 aprovado pelo Plenário do STJ

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na sessão de 9.3.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no

CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016)

devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista,

com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior

Tribunal de Justiça.

2. Não cabe analisar, em recurso especial, os princípios contidos

no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,

porque trazem carga eminentemente constitucional.

3. Ausência de relação de consumo a justifi car a incidência do

CDC.

4. A condição de fato para a incidência da norma que determina

a indenização pelo Fundo Garantidor de Crédito é a indisponibilidade

das aplicações, o que se verifi ca tanto com a liquidação quanto com a

intervenção na instituição fi nanceira, o que ocorrer primeiro.

5. Necessidade de proteção da higidez do sistema bancário e de

garantia do princípio constitucional da igualdade entre os depositantes

do Banco BVA.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em conhecer do recurso especial e em dar -lhe

provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).

Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo

Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Dr(a). Sergio Nassif Najem Filho, pela parte recorrida: Fed dos Emp em

Esta de Ser de Saude do Est de Sao Paulo.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Moura Ribeiro, Relator

DJe 7.11.2016

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro: O Banco BVA (BVA) teve sua intervenção

decretada aos 19 de outubro de 2012 quando vigorava a Resolução n.

4.087/2012, do Conselho Monetário Nacional (CMN), que previa, quanto

ao valor garantido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FUNDO), o teto de R$

70.000,00 (setenta mil reais). Como o regime especial não foi capaz de sanar os

problemas do BVA, foi-lhe decretada a liquidação aos 19 de junho de 2013.

Ocorre que, entre esses dois marcos temporais, sobreveio a Resolução

CMN n. 4.222/2013, que aumentou o teto do valor garantido pelo FUNDO

para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Passou-se, então, a

questionar quais desses tetos seria aplicável aos poupadores/aplicadores do BVA.

A Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde do

Estado de São Paulo (FEDERAÇÃO) promoveu a demanda de que se origina

este recurso especial forte na tese de que faria jus a R$ 250.000,00 (duzentos

mil reais), na medida em que teria pleiteado e recebido a sua indenização

quando já vigente a Resolução CMN n. 4.222/2013.

O FUNDO contestou a demanda, defendendo que o fato gerador

do pagamento da garantia é a ocorrência da intervenção, sendo aplicável a

Resolução CMN n. 4.087/2012, a primeira (e-STJ, fl s. 185/206). Insistiu, pois,

na adequação do pagamento efetuado, de R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

A sentença considerou a pretensão descabida (e-STJ, fl s. 387/392).

A FEDERAÇÃO apelou, insistindo na tese de que faria jus aos R$

250.000,00 anteriormente mencionados (e-STJ, fl s. 324/358). A apelação foi

provida pelo Tribunal de Justiça bandeirante, em acórdão que recebeu a seguinte

ementa:

Apelação. Ação de cobrança. Liquidação do Banco BVA S/A. Créditos garantidos

pelo Fundo Garantidor de Crédito - FGC. Prazo do edital que previa a habilitação

para o pagamento que abrangeu o período entre 4.3.2013 a 23.5.2013, ocasião

em que sobreveio a nova resolução, prevendo novo valor de R$ 250.000,00.

Pretensão da apelante acolhida para pagamento do valor remanescente, tendo

como teto o valor de R$ 250.000,00, previsto na Resolução n. 4.222/2013, em

vigor na época da liquidação. Sentença reformada. Recurso provido (e-STJ, fl . 388).

Entendeu-se que a nova resolução não impede o aumento do teto para os

depósitos anteriores a ela, na medida em que sua vigência não atinge somente eventos

ocorridos após 23.5.2013 (e-STJ, fl . 391). Aplicou-se, portanto, retroativamente o

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 495

teto indenizatório previsto na Resolução CMN n. 4.222/2013, por se entender

que tanto a intervenção quanto a liquidação da instituição bancária ensejariam a

obrigação do FUNDO de indenizar, podendo o benefi ciário optar por requerer

a reparação em qualquer desses momentos.

Inconformado com tal alteração, o FUNDO interpôs recurso especial,

com fundamento na alínea a do art. 105, III, da CF, apontando ofensa aos arts.

6º da LINDB; 9º da Lei n. 4.595/1964 (Lei da Reforma Bancária); e, 3º da

Resolução CMN n. 4.087/2012. Alegou que (1) a indenização aos depositantes

e aplicadores do BVA deve ser limitada a R$ 70.000,00 (setenta mil reais), por

força da Resolução CMN n. 4.087/2012, vigente à época da intervenção, e que

a Resolução CMN n. 4.222/2013, que majorou o valor para R$ 250.000,00

(duzentos e cinquenta mil reais), somente foi editada aos 13.5.2013, cerca

de seis meses após o início do regime excepcional, não sendo possível sua

retroação para atingir atos anteriores à sua vigência, como entendeu o acórdão

local; (2) o pagamento da garantia foi efetuado de forma escalonada, única e

exclusivamente em razão de uma estratégia logística, mas todos os depositantes

e aplicadores do BVA foram indenizados até o limite de R$ 70.000,00 (setenta

mil reais), independentemente da data do pagamento, exatamente nos termos da

Resolução CMN n. 4.087/2012, vigente à época da intervenção; e, (3) eventuais

diferenças entre o teto da garantia à época da intervenção e o montante das

aplicações mantidas pela FEDERAÇÃO devem ser pleiteadas no próprio BVA,

mediante habilitação de seu respectivo crédito.

Foi simultaneamente interposto recurso extraordinário (e-STJ, fls.

422/450).

Em contrarrazões, a FEDERAÇÃO defendeu as seguintes teses: (1)

a indenização deveria ter se dado pelo teto de R$ 250.000,00 (duzentos e

cinquenta mil reais), tendo em vista a alteração do limite de cobertura do

FUNDO no curso do processo de intervenção do BVA (Resolução CMN n.

4.222/2013); (2) tanto o requerimento, quanto o pagamento da garantia se

deram quando já vigente o novo teto, que deve, portanto, prevalecer; (3) o STJ

seria incompetente para a apreciação da matéria, na medida em que supostas

ofensas à LINDB têm feições constitucionais, devendo ser aplicado o CDC ao

caso concreto, pois seu investimento no BVA era feito mediante operação na

qual fi gurava como consumidor (e-STJ, fl s. 454/478).

Foi negativo o juízo de admissibilidade recursal, levando o FUNDO

a interpor agravo em recurso especial, que, contrariado, foi provido

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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monocraticamente, para apreciação do recurso especial (e-STJ, fl s. 503, 507/532,

556/564 e 582/583).

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal apresentou parecer

pelo não provimento do recurso, resumindo-o nos seguintes termos:

Recurso especial. Supostas violações ao art. 6º da Lei de Introdução às Normas

do Direito Brasileiro e ao art. 9º da Lei n. 4.595/1964. Falta de prequestionamento.

Resolução. Impossibilidade de apreciação do respectivo conteúdo no âmbito do

apelo especial. Fundo garantidor. Ampliação de cobertura. Entendimento do TJ/

SP que merece ser mantido. Desprovimento do recurso especial.

1. Inviável o apelo quanto às supostas contrariedades ao art. 6º da Lei de

Introdução às Normas do Direito Brasileiros e ao art. 9º da Lei n. 4.595/1964.

Dispositivos que não foram submetidos ao requisito do prequestionamento,

atraindo a previsão dos Enunciados n. 282 e 356 da Súmula do Supremo Tribunal

Federal.

2. Cumpre destacar, de outro giro, que, segundo entendimento pacifi cado,

“Ao STJ não cabe apreciar na via estreita do recurso especial, mesmo que

indiretamente, normas infralegais, tais como: resoluções, portarias, regimentos

internos, regulamentos, etc., por não se enquadrarem no conceito de ‘tratado ou

lei federal’ constante no art. 105, III, ‘a’, da Constituição Federal.” (AgInt no AREsp

939.911/SP – Relator: Ministro Luis Felipe Salomão – Órgão Julgador: Quarta

Turma – Publicação: DJe 21.9.2016.)

3. Por fi m, mesmo que porventura superados tais aspectos, melhor sorte não

restaria ao recorrente. Com efeito, consentâneas as considerações do juízo a quo

no sentido de que, muito embora a intervenção do Banco BVA S/A tenha ocorrido

na vigência da Resolução n. 4.087/2012, inexiste legítima motivação para se

excluir a aplicação, na hipótese, dos autos, da ampliação dos limites de cobertura

trazida pela Resolução n. 4.222/2013. Requerimento de depósito suplementar

realizado na vigência desta última Resolução e dentro do prazo para pagamento

estabelecido em edital específi co mencionado pelo acórdão recorrido.

4. Desprovimento do recurso especial (e-STJ, fl . 590).

Veio aos autos petição do FUNDO no qual se noticia que o Tribunal de

Justiça de São Paulo admitiu, quanto ao tema aqui tratado, a instauração de

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, nos termos do art. 976 e

seguintes do NCPC, suspendendo os processos em tramitação na área de sua

competência (e-STJ, fl s. 596/635). Naqueles autos, o Banco Central do Brasil,

autarquia responsável pela supervisão do Sistema Financeiro Nacional, se

manifestou a respeito da celeuma, em parecer que recebeu a seguinte ementa:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 497

Majoração do limite máximo da garantia em período entre a decretação da

intervenção do Banco BVS S.A. e a sua liquidação extrajudicial. Criação, fi nalidade

e limites do seguro depósito. Natureza da garantia prestada pelo FGC. Prevenção

de crises bancárias, manutenção da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional

e proteção dos depositantes e investidores, nos estritos limites estabelecidos pela

regulamentação em vigor. Limites à atuação do Fundo Garantidor de Créditos.

Risco moral. Aumento do spread bancário e do custo do crédito. Inaplicabilidade

do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às relações entre o FGC e os clientes

bancários. Confl ito de leis no tempo. Tempus Regit Actum. Deve ser reconhecida

como norma aplicável, para fi ns de defi nição do limite de valor da cobertura

incidente, a Resolução n. 4.087 de 24 de maio de 2012, vigente ao tempo da

decretação do regime especial de intervenção. Marco temporal do fato gerador

do direito à indenização (e-STJ, fl . 616).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): O recurso somente em parte

pode ser conhecido, nela merecendo ser provido.

De início, vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere aos

requisitos de admissibilidade dos recursos, são inaplicáveis ao caso concreto,

ante os termos do Enunciado Administrativo n. 2 aprovado pelo Plenário do

STJ na Sessão de 9.3.2016:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões

publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de

admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então

pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

O fato de o Tribunal paulista ter instaurado Incidente de Resolução de

Demandas Repetitivas, nos termos dos arts. 976 e seguintes do NCPC, em

nada afeta a possibilidade de julgamento deste recurso especial. Ao contrário,

recomenda que esta Turma se manifeste a seu respeito com celeridade, visando

a uniformização da jurisprudência pátria, a segurança jurídica e a igualdade de

tratamento entre os antigos clientes do BVA.

Conforme já constou do relatório, a FEDERAÇÃO promoveu contra

o FUNDO a demanda de que se origina este recurso especial forte na tese

de que faria jus a R$ 250.000,00 (duzentos mil reais) a título de indenização

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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pela intervenção no BVA onde era poupadora, na medida em que a norma

que regulamenta a atuação do requerido teria sido alterada no curso do regime

extraordinário determinado pelo Banco Central, aliado ao fato de que o pleito

de recebimento da garantia teria sido efetuado quando já vigente a Resolução

CMN n. 4.222/2013.

A sentença considerou a pretensão descabida, reconhecendo a higidez da

indenização realizada com fundamento na Resolução CMN n. 4.087/2012, que

limitava o ressarcimento a R$ 70.000,00 (setenta mil reais). O entendimento

foi revisto pelo Tribunal de Justiça bandeirante, que, no julgamento da apelação,

considerou cabível a incidência da norma superveniente, que majorou o teto

indenizatório.

É contra esse acórdão que se volta este recurso especial em que se alegou

ofensa aos arts. 6º da LINDB; 9º da Lei n. 4.595/1964 (Lei da Reforma

Bancária); e, 3º da Resolução CMN n. 4.087/2012. O FUNDO insistiu na

limitação da indenização a R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

No que tange à alegação de violação do art. 6º, da LINDB, o recurso

não comporta conhecimento. A despeito de serem previstos em norma

infraconstitucional, os institutos da coisa julgada, do direito adquirido e do ato

jurídico perfeito são de matriz constitucional, razão pela qual não se prestam de

parâmetro de controle em recurso especial. Nesse sentido:

Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual Civil. Plano

de saúde. Contrato de trato sucessivo. Alteração de mensalidade. Faixa etária.

Estatuto do Idoso. Reajuste abusivo. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7/STJ.

Alegada violação ao art. 6º da LICC. Instituto de natureza constitucional. Agravo

regimental improvido.

[...]

2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior acerca da inviabilidade do

“conhecimento do Recurso Especial por violação do art. 6º da LINDB, uma vez que

os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil - direito adquirido, ato

jurídico perfeito e coisa julgada -, apesar de previstos em norma infraconstitucional,

são institutos de natureza eminentemente constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF/1988)”

(AgRg no REsp n. 1.402.259/RJ, Relator o Ministro Sidnei Beneti, DJe 12.6.2014).

[...]

(AgRg no AREsp 834.749/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira

Turma, j. 10.5.2016, DJe 17.5.2016 – sem destaque no original)

Agravos regimentais no agravo em recurso especial. Processual Civil e

Bancário. Primeiro recurso: capitalização mensal de juros. Tarifas de Abertura de

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 499

Crédito e de Emissão de Carnê (TAC/TEC). Afastamento da mora. Ausência de

prequestionamento. Súmulas 282 e 356/STF. Alegação de prequestionamento

implícito. Não confi gurada. Alegação de ofensa ao art. 6º da LINDB (antiga LICC).

Matéria de índole constitucional. Competência do STF. Honorários advocatícios.

Grau de sucumbência. Reexame de matéria fático-probatória. Súmula 7/STJ.

Precedentes. Agravo regimental não provido. Segundo recurso: preclusão

consumativa. Não conhecimento.

[...]

2. A matéria de que trata o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil) tem índole nitidamente

constitucional, razão pela qual sua apreciação desborda dos limites normativos do

recurso especial.

[...]

(AgRg no AREsp 814.548/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, j.

18.2.2016, DJe 2.3.2016 – sem destaques no original)

E ainda: AgRg no REsp 1.424.753/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso

Sanseverino, Terceira Turma, j. 1º.1.2015, DJe 11.12.2015; AgRg no REsp

1.107.979/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 14.6.2016, DJe

24.6.2016; AgInt no AREsp 862.012/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin,

Segunda Turma, j. 9.8.2016, DJe 8.9.2016.

Isso porque se compreende que a norma constitucional é hierarquicamente

superior ao dispositivo de lei, e consequentemente, o abarca. Veja-se:

Processo Civil. Recurso especial. Principio constitucional reproduzido em

norma legal. A norma constitucional absorve o artigo de lei que a reproduz, atraindo

a questão resultante da aplicação deste para o âmbito do recurso extraordinario

perante o STF. Recurso especial não conhecido.

(REsp 79.015/PE, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, j. 25.9.1997, DJ

13.10.1997, p. 51.555 – sem destaque no original)

No mais, o recurso é viável. Não há que se falar em ausência de

prequestionamento do art. 9º da Lei n. 4.595/1964, na medida em que, a

despeito da ausência de menção expressa ao dispositivo legal, houve discussão

acerca do momento da incidência da norma regente da indenização.

Além disso, as resoluções aqui aplicadas, emitidas pelo CMN, têm força

de lei, sendo da competência desta Corte interpretar o direito federal. Não se

pode negar às resoluções do CMN a qualidade de direito federal, visto que

constituem norma geral e abstrata que inova no ordenamento jurídico. São,

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

500

portanto, fonte de direito, gerando obrigações para os que a elas se submetem;

são lei em sentido material. Vale pontuar que as resoluções do CMN não se

ligam a nenhuma outra norma de natureza infralegal.

Isso porque, nos termos do art. 9º da Lei n. 4.595/1964, o CMN expede

normas sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias

nacionais. Convém registrar que, conforme precedente desta Corte fi rmado

em recurso especial repetitivo, a Lei n. 4.595/1964 foi recepcionada pelo

ordenamento constitucional em vigor como lei complementar. Confi ra-se:

Civil e Processual Civil. Recurso especial. Contrato de financiamento com

garantia de alienação fiduciária. Comissão de permanência. Compensação/

repetição simples do indébito. Recursos repetitivos. Tarifas bancárias. TAC

e TEC. Expressa previsão contratual. Cobrança. Legitimidade. Precedentes.

Financiamento do IOF. Possibilidade.

[...]

3. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei n. 4.595/1964, recebida pela Constituição

como lei complementar, compete ao Conselho Monetário Nacional dispor sobre

taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários, e ao Banco Central do

Brasil fazer cumprir as normas expedidas pelo CMN.

[...]

(REsp 1.255.573/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j.

28.8.2013, DJe 24.10.2013)

Passa-se, pois, ao julgamento do recurso que, como já mencionado, merece

provimento.

Tomo de empréstimo, do parecer oferecido pelo Banco Central do Brasil,

o seguinte histórico que justifi ca a criação, a fi nalidade e os limites do FUNDO:

Faz-se necessária a explicitação dos motivos que legitimaram a criação do

seguro de depósitos e das finalidades das garantias por ele prestadas, bem

como a exposição dos propósitos que justifi caram os limites estabelecidos pela

regulamentação para a proteção oferecida.

Em 1930, uma sucessão de quebras de bancos nos Estados Unidos espalhou

medo entre os depositantes e gerou ondas de corridas bancárias nos anos

seguintes [...] A confi ança do público no sistema bancário norte-americano era

muito pequena e os estados chegavam a decretar feriados bancários para evitar

saques. Em março de 1933, metade dos estados havia decretado feriados do tipo.

[...] O sistema bancário norte-americano havia colapsado.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 501

Em meio à enorme crise de confi ança, pós-crise de 1929, se deu a criação do

seguro de depósitos pelo Banking Act, de 1933, conhecido como Glass-Steagall

Act. [...]

Através desse incentivo, pretendia-se recuperar a confiança do público

mediante o oferecimento aos depositantes de um benefício não extensível a

outros setores da economia. A experiência norte-americana foi tão bem-sucedida

que, em setembro de 2008, apenas dois países com representação no Comitê de

Mercados Financeiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), Austrália e Nova Zelândia, não tinham alguma cobertura do

tipo. [...]

No Brasil, a instituição dessa rede de proteção, ocorrida em 1995, em meio à

crise bancária instalada após o advento do chamado “Plano Real”, com a quebra

de grandes instituições financeiras [...] também esteve diretamente relacionada

à prevenção de crises. Ela foi parte da reestruturação do Sistema Financeiro

Nacional, que visava acomodar mudanças na operação das instituições fi nanceiras,

decorrentes do fi m do período de elevada infl ação. Ao mesmo tempo, ela auxiliou na

dissipação de instabilidades geradas no sistema bancário do País pela crise ocorrida

no México em 1994. Ainda em 1995, a Argentina, também afetada pela crise

mexicana, instituiu seguro de depósitos. [...] o seu objetivo principal foi evitar

corridas bancárias.

A perspectiva histórica demonstra, portanto, que o principal papel das

instituições operadoras do seguro de depósitos e a do próprio instituto seria o de

sustentar a confi ança no sistema fi nanceiro e contribuir para evitar, ou minimizar,

as crises bancárias. Tal conclusão se confi rma pela análise de peculiares aspectos

da atividade de intermediação fi nanceira, levada a cabo por bancos comerciais

e instituições fi nanceiras com características semelhantes, que sói envolver a

captação de depósitos a vista, ou a curto prazo, especialmente ao descasamento

de prazos entre as obrigações constantes no ativo e no passivo dessas instituições

fi nanceiras, a causar a instabilidade do sistema bancário, que se busca neutralizar

por meio da garantia oferecida pelo FGC.

[...]

O descasamento de prazos expõe os bancos [...] Como eles mantêm em suas

reservas apenas fração dos depósitos recebidos, não tendo fundos à disposição

para pagar a todos os depositantes de uma só vez, se parte substancial dos

clientes decidir sacar recursos de sua titularidade, simultaneamente, o banco

precisará liquidar ativos a preços inferiores ao seu valor de face e isso o tornaria

insolvente e ameaçaria os interesses dos outros depositantes, que não tentassem

obter imediato o resgate de seus depósitos. É dizer, a circulação de más notícias

sobre a saúde de um banco pode levar os depositantes a concluir que apenas os

que primeiro forem às agências conseguirão receber seus créditos – enquanto

eles receberiam tudo, os últimos não fariam jus a nada.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

502

Dessa forma, [...] mesmo bancos solventes podem quebrar, uma vez que a própria

corrida bancária alimenta a bancarrota [...] A ideia de que a atuação coletiva dos

depositantes pode causar a quebra de bancos solventes, com efeitos indesejáveis para

toda a economia, justifi ca tratamento especial para essas espécies de instituições

fi nanceiras, o qual se materializa, especialmente, pelo seguro de depósitos [que] [...]

facilita a captação de cientes e, assim, de recursos – alguém terá miais incentivos

para contratar um depósito se tiver a segurança de que os valores aplicados

estarão garantidos, ao menos até certo limite (e-STJ, fl s. 619/622).

Vale relembrar que 1994 foi um importante marco na história econômica

brasileira, pois, após décadas de infl ação persistente e de um conjunto de planos

de estabilização infrutíferos, implantou-se o plano Real, que teve resultados

efetivos. O custo desse ajuste sobre o setor bancário foi, entretanto, drástico e

se evidenciou já ao fi nal de 1994, quando se viu a liquidação de sete bancos e a

quebra de um outro (o Banco Nacional, que era um grande banco de varejo). O

setor bancário, que respondia em 1993 por 15,61% do PIB nacional, encolheu

sua participação para meros 6,79% em 1995 (fonte: Banco Central do Brasil).

Portanto, mais do que nunca, havia necessidade premente de um maior

fortalecimento do Sistema Bancário e da estabilidade econômica recém

alcançada. Para isso, criou-se, em 1995, o FUNDO como um sistema de

garantia de depositantes e aplicadores.

Com a criação do FUNDO, foram ampliados tanto o valor, como os

tipos de depósitos segurados, estabelecendo-se um sistema mais complexo,

fi nanciado com recursos do próprio sistema. A busca pela proteção do sistema

bancário nacional foi mais do que justifi cável, porquanto uma crise bancária

pode ser comparada a um vendaval: suas consequências são imprevisíveis sobre

a economia das famílias e das empresas e, a largo modo, sobre o próprio país,

fazendo inclusive com que os titulares de ativos fi nanceiros fujam do sistema

fi nanceiro nacional e se refugiem em outras economias, a fi m de preservarem

seu patrimônio.

Perceba-se que o FUNDO foi criado como entidade privada, sem

fi ns lucrativos. Destina-se a administrar mecanismos de proteção a titulares

de créditos em instituições financeiras, nas situações de (a) decretação da

intervenção ou da liquidação extrajudicial da instituição associada; e, (b)

reconhecimento, pelo Banco Central do Brasil, do estado de insolvência da

instituição associada. Até então, os únicos contratos de depósito segurados

eram aqueles vinculados à caderneta de poupança, garantidos até o limite de R$

5.000,00 (cinco mil reais), através do Fundo de Garantia dos Depósitos e Letras

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 503

Imobiliárias - FGDLI. As demais captações não possuíam garantia formal,

dependendo dos métodos adotados pelo Banco Central do Brasil, caso a caso.

O FUNDO não é uma instituição fi nanceira!

Por definição legal, consideram-se instituições f inanceiras [...] as pessoas

jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a

coleta, intermediação ou aplicação de recursos fi nanceiros próprios ou de terceiros [...]

e a custódia de valor de propriedade de terceiros (art. 17 da Lei n. 4.595/1964).

Nenhuma dessas atividades é exercida pelo FUNDO.

Nos termos dos arts. 1º e 2º do Anexo I à Resolução CMN n. 2.211/1995,

o FUNDO é uma associação civil sem fi ns lucrativos, que presta garantia de

créditos. O seu custeio é feito não com recursos de terceiros, como fazem as

instituições fi nanceiras, mas, sim, por contribuições das próprias instituições

fi nanceiras que compõem o sistema.

Elas devem destinar, mensalmente, 0,0125% (cento e vinte e cinco décimos

de milésimos por cento) do montante nelas depositado ao FUNDO, que

indenizará os poupadores em caso de intervenção, liquidação extrajudicial

ou falência da instituição (art. 2º da Resolução CMN n. 2.211/1995, com a

redação que lhe deu a Resolução CMN n. 4.469/2016, e art. 2º, I, do Anexo I, à

Resolução CMN n. 2.211/1995). É um percentual que as instituições fi nanceiras

reservam para a constituição da garantia a ser prestada pelo FUNDO.

Perceba-se que, ao contrário do que acontece com as instituições

fi nanceiras, a fi nalidade do FUNDO não é “trabalhar” com o dinheiro a ele

destinado. Quando se deposita ou se aplica numerário em uma instituição

fi nanceira, imagina-se que ela o custodie e o multiplique. O montante jamais

deixa de ser do aplicador. Em outras palavras, a instituição fi nanceira age como

intermediadora.

A atuação do FUNDO não é essa. Ele recolhe valores das instituições

fi nanceiras e se torna titular desse montante, que posteriormente usará para

indenizar os poupadores/depositantes dessas instituições fi nanceiras em caso de

intervenção, liquidação, ou falência.

Sobre a natureza jurídica do FUNDO, esta Turma já teve oportunidade de

se manifestar em acórdão da lavra no Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em

que foi reconhecido que ele integra uma rede de proteção bancária instituída

pelo BACEN na década de 1990 para a garantia do equilíbrio e da estabilidade

do sistema financeiro, e por isso funciona como um seguro de depósitos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

504

Estabeleceu-se, ainda, no referido julgamento, que o FUNDO indenizará

os poupadores exclusivamente nos termos dos Regulamentos que o regem.

Confi ra-se o precedente:

Recurso especial. Direito Bancário. Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Investimentos em CDB efetuados por entidade fechada de previdência

complementar no Banco Santos S/A. Falência. Limitação da cobertura em

conformidade com o regulamento do FGC aprovado pelo CMN. Impossibilidade

de extensão da garantia a cada um dos participantes do fundo de previdência.

Investidor institucional. Negativa de prestação jurisdicional. Inocorrência.

[...]

2. O Fundo Garantidor de Créditos, entidade privada sem fins lucrativos, com

criação autorizada pelo Conselho Monetário Nacional, tem por fi nalidade proteger

titulares de créditos contra instituições fi nanceiras a ele associadas, prestando aos

pequenos investidores suporte fi nanceiro mediante as contribuições que reúne dos

integrantes do sistema.

3. O FGC integra uma rede de proteção bancária para a garantia do equilíbrio do

sistema, atuando como um seguro de depósitos dos pequenos investidores.

4. Estabelecido no regulamento do FGC que as entidades investidoras, como

a demandante, terão o total dos seus investimentos salvaguardados até o limite

de vinte mil reais (R$ 20.000,00), a pulverização dessa garantia a cada um dos

participantes do plano de previdência, além de afrontar o regulamento, pode

conduzir ao indesejável desequilíbrio do fundo, comprometendo os seus fi ns

institucionais.

[...]

6. Recurso especial do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) provido, julgando-se

prejudicado o recurso especial da fundação demandante.

(REsp 1.453.957/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j.

2.6.2015, DJe 26.6.2015 – sem destaques no original)

Assim, como o FUNDO não pode ser tido por instituição fi nanceira

nem mesmo por equiparação, é incabível a aplicação, ao caso dos autos, do

entendimento da Súmula n. 297 do STJ, segundo a qual o Código de Defesa do

Consumidor é aplicável às instituições fi nanceiras.

Ademais, a relação jurídica existente entre o FUNDO e aquele poupador

por ele indenizado em caso de liquidação, intervenção ou falência de instituição

fi nanceira não é uma relação de consumo.

BRUNO MIRAGEM esclarece, a respeito da relação de consumo:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 505

É preciso referir que, de acordo com a técnica legislativa adotada no direito

brasileiro, não existe no CDC uma defi nição específi ca sobre o que seja a relação

de consumo. Optou o legislador nacional por conceituar os sujeitos da relação,

consumidor e fornecedor, assim como seu objeto, produto ou serviço. No caso,

são considerados conceitos relacionais e dependentes. Só existirá um consumidor

se também existir um fornecedor, bem como um produto ou serviço. Os conceitos em

questão não se sustentam em si mesmos, nem podem ser tomados isoladamente.

Ao contrário, as defi nições dão dependentes umas das outras, devendo estar

presentes para ensejar a aplicação do CDC (Curso de Direito do Consumidor. 5ª

Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 143/144 – sem destaque no original).

Conforme se demonstrará, nem bem o FUNDO poderá ser considerado

fornecedor, nem bem a indenização por ele destinada aos poupadores pode ser

tida por objeto de uma relação consumerista. Ou seja, não há nem fornecedor e

nem sequer produto ou serviço.

A indenização obviamente não é um produto (que deve ser compreendido

como um bem). Também não pode ser considerada um serviço, porque é da

essência do serviço a remuneração. A própria norma o exige:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa físi ca ou jurídica, pública ou privada, nacional

ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade for necida no mercado de consumo, mediante

remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e

securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (sem destaques

no original).

JOSÉ GERALDO DE BRITO FILOMENO qualifica serviço nos

seguintes termos:

Conforme verificado no item anterior, e no magistério de Philip Kotler, os

serviços podem ser considerados como “atividades, benefícios ou satisfações que

são oferecidos à venda (exemplos: corte de cabelo, consertos)” (Código Brasileiro

de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Volume

II, Direito Material. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 52/53 – sem destaque

no original).

A Segunda Seção desta Corte já teve oportunidade de afastar o caráter

consumerista de relação em que não se tinha fi nalidade lucrativa. Confi ra-se:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

506

Recurso especial. Assistência privada à saúde. Planos de saúde de autogestão.

Forma peculiar de constituição e administração. Produto não oferecido ao

mercado de consumo. Inexistência de fi nalidade lucrativa. Relação de consumo não

confi gurada. Não incidência do CDC.

1. A operadora de planos privados de assistência à saúde, na modalidade de

autogestão, é pessoa jurídica de direito privado sem fi nalidades lucrativas que,

vinculada ou não à entidade pública ou privada, opera plano de assistência à

saúde com exclusividade para um público determinado de benefi ciários.

2. A constituição dos planos sob a modalidade de autogestão diferencia,

sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à administração, forma de

associação, obtenção e repartição de receitas, diverso dos contratos fi rmados com

empresas que exploram essa atividade no mercado e visam ao lucro.

3. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de

saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de

consumo.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1.285.483/PB, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j.

22.6.2016, DJe 16.8.2016 - sem destaques no original).

E o FUNDO, associação civil sem fi ns lucrativos, não percebe nenhuma

remuneração daquele que indeniza. O seu custeio, relembre-se, se dá pelas

contribuições das instituições fi nanceiras.

Assim, falta objeto à relação jurídica existente entre poupador/aplicador

e ele, o que permitiria qualifi cá-lo como consumidor. E se não há produto ou

serviço, não há relação de consumo, como esclarecido acima.

Ademais, o FUNDO não pode ser tido como fornecedor. Ainda que sua

atuação culmine numa proteção do poupador, sua maior fi nalidade é a proteção

do sistema, garantindo-lhe confi abilidade.

Novamente vale o socorro às lições de JOSÉ GERALDO DE BRITO

FILOMENO, que esclarece que a relação de consumo destina-se ao atendimento

de necessidade privada do consumidor, registrando essa característica como

essencial à caracterização da relação como consumerista. Confi ra-se:

Pode-se [...] inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente

duas partes bem defi nidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço

(“consumidor”), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço

(“produtor/fornecedor”); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade

privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 507

a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados,

arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos

bens e serviços (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado

pelos Autores do Anteprojeto. Volume II, Direito Material.10ª Ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p. 26 – sem destaque no original).

Como mencionado, a atuação do FUNDO preza, prioritariamente, pela

manutenção do sistema, garantindo-lhe confi abilidade, o que também exclui da

relação existente entre ele e o indenizado o caráter consumerista.

O CDC é, portanto, inaplicável ao caso dos autos, de modo que não há

que se cogitar de fazer prevalecer a interpretação que seja mais favorável ao

poupador/aplicador.

Deve prevalecer a norma existente ao tempo em que decretada a

intervenção no BVA, ou seja, a Resolução CMN n. 4.087/2012, que estabelecia

o teto indenizatório em R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

O art. 2º, do Anexo I à Resolução CMN n. 2.211/1995, estipula que o

FUNDO garantirá os poupadores das instituições fi nanceiras a ele vinculadas

em caso de intervenção, liquidação extrajudicial, ou falência. Confi ra-se:

Art. 2º - O FGC tem por objeto prestar garantia de créditos contra instituições

dele participantes, nas hipóteses de:

I - decretação da intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de

instituição;

É preciso ter em mente que a liquidação de uma instituição fi nanceira

não tem na intervenção uma fase necessária. Constatada a iminência ou a

inevitabilidade de insolvência de alguma instituição fi nanceira, o Banco Central

deverá atuar e escolher qual o caminho mais adequado para a decretação do

regime de intervenção, de liquidação extrajudicial ou de administração especial

temporária pelo Banco Central.

Com relação ao BVA, houve, inicialmente, a intervenção, que é prevista

na Lei n. 6.024/1974 como medida administrativa de caráter cautelar que

objetiva evitar o agravamento das irregularidades cometidas ou da situação de

risco patrimonial capaz de prejudicar os seus credores. Na verdade, como o

intuito é sempre a preservação do sistema, a fi nalidade maior da intervenção é

o saneamento da instituição bancária, em analogia ao que a recuperação judicial

representa para as empresas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

508

O Banco Central nomeia o interventor que assume a gestão direta da

instituição, suspendendo as suas atividades normais, destituindo seus diretores e

produzindo efeitos desde a sua decretação. A Lei n. 6.024/1974, ao disciplinar a

matéria, traz em seu art. 6º os efeitos da intervenção. Confi ra-se:

Art. 6º - A intervenção produzirá, desde sua decretação, os seguintes efeitos:

a) suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas;

b) suspensão da fl uência do prazo das obrigações vincendas anteriormente

contraídas;

c) inexigibilidade dos depósitos já existentes à data de sua decretação.

A condição de fato para a incidência da norma que determina a indenização

é a indisponibilidade da aplicação fi nanceira, o que se verifi ca tanto com a

liquidação quanto com a intervenção. Assim, a Resolução deve ser interpretada

no sentido de que o FUNDO indenizará o poupador/aplicador nas hipóteses de

intervenção ou liquidação, a que ocorrer primeiro.

Reitere-se: na intervenção, não há mais disponibilidade fi nanceira, já não

pode mais o poupador/aplicador ter acesso ao seu dinheiro. Em outras palavras,

ali nasceu o direito de acionar o FUNDO.

Pleitear ou não indenização ao FUNDO confi gura direito potestativo

do poupador/aplicador. O fato de a FEDERAÇÃO não ter buscado a sua

indenização imediatamente após a decretação da intervenção no BVA não

altera o momento em que sua aplicação se tornou indisponível. Ou seja, foi a

intervenção que gerou a obrigação de indenizar do FUNDO e não o momento

em que pleiteado o pagamento da garantia.

E não poderia ser diferente.

Se acolhida a pretensão da FEDERAÇÃO, criar-se-ia uma situação

esdrúxula, pois surgiriam duas categorias de clientes: os que já receberam

corretamente a garantia de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) - teto vigente à

época da privação de sua liquidez (ato jurídico perfeito) e daqueles, como a

autora, que esperaram, embora convocados, e pretendem auferir vantagem

pela superveniência da Resolução CMN n. 4.222/2013, o que evidentemente

macularia o princípio constitucional da igualdade, sem razão nenhuma que

justifi que a diferenciação.

Ademais, o aumento de despesas do FUNDO, sem a correspondente

adequação da fonte de custeio, sacrifi ca seu patrimônio em prejuízo da sua

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 509

primordial fi nalidade social. O suporte fi nanceiro prestado pelo FUNDO não é

ilimitado, estando relacionado aos estritos limites determinados pelas resoluções

e regulamentos editados pelo CMN, de acordo com a Lei n. 4.595/1964. Tal

limitação dá-se justamente com vistas a garantir a consecução do objetivo

para o qual o FUNDO foi criado, de forma que qualquer investidor possa ser

ressarcido ao menos em parte, minorando o seu prejuízo.

A imposição de alargamento indevido da garantia ofertada, alcançando

situações pretéritas, poderia fragilizar o sistema criado para tutelar e atrair

pequenos investidores, assegurá-los contra eventuais instituições fi nanceiras

insolventes e, assim, promover a segurança do Sistema Financeiro Nacional. O

FUNDO, como garantidor que é, tem, pois, natureza protetiva e social.

No ensinamento de BRUNO MIRAGEM:

[o FGC] visa garantir a restituição dos valores de depósitos dos clientes,

na hipótese de crise de liquidez da instituição financeira. É decisiva para a

preservação da confiança no sistema bancário, evitando especialmente a

corrida bancária para saques por correntistas em vista de quaisquer suspeitas

ou informações, verídicas ou não, sobre as dificuldades de liquidez de uma

determinada instituição fi nanceira, a defi nição de mecanismos de proteção aos

depositantes e garantia de restituição de créditos. Em especial dos pequenos

poupadores, aos quais eventuais obstáculos à restituição dos depósitos podem

ter consequências mais graves (Direito Bancário. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2013. p. 527/528).

Prejuízos ao FUNDO, portanto, colocam em risco o próprio sistema

bancário nacional, pois afetam-lhe a saúde e a confi abilidade.

Dessarte, o termo a quo, no caso concreto, deverá se dar em observância da

norma regulamentar em vigência à época do decreto interventivo (tempus regit

actum).

Nessas condições, pelo meu voto, dou provimento ao recurso especial para

restabelecer a sentença.

Advirta-se que eventual recurso interposto contra este acórdão estará

sujeito às normas do NCPC, inclusive no que tange ao cabimento de multa

(arts. 1.021, § 4º, e 1.026, § 2º) e honorários recursais (art. 85, § 11).

Comunique-se o Tribunal de Justiça de São Paulo, na pessoa do

Desembargador Relator do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas lá

instaurado, acerca do resultado deste recurso especial (e-STJ, fl s. 602/614).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

510

RECURSO ESPECIAL N. 1.626.020-SP (2016/0001016-6)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Previdência Usiminas

Advogado: Sérgio Luiz Akaoui Marcondes e outro(s) - SP040922

Recorrido: Ormindo Lage

Recorrido: Adolfo Oliveira Nascimento

Recorrido: Helvecio Siqueira Silva

Recorrido: Nedio da Silva Lima

Advogado: Alexandre do Amaral Santos - SP183521

EMENTA

Recurso especial. Civil. Previdência privada. Prescrição e

transação extrajudicial. Falta de prequestionamento. Súmulas 282

e 356/STF. Assistido. Valores recebidos indevidamente. Norma

do regulamento. Má aplicação. Erro da entidade de previdência

complementar. Correção do ato. Devolução das verbas. Desnecessidade.

Caráter alimentar. Boa-fé do benefi ciário. Aparência de legalidade e

defi nitividade do pagamento.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se o pagamento a maior

realizado pelo ente de previdência privada, seja por exclusiva inércia,

seja por erro na interpretação e na aplicação de ato normativo,

enseja o desconto das diferenças nas parcelas vincendas do benefício

previdenciário complementar do assistido.

2. Apesar de os regimes normativos das entidades abertas e

fechadas de previdência complementar e da Previdência Social

diferirem entre si, possuindo cada qual especifi cidades intrínsecas

e autonomia em relação à outra, o mesmo raciocínio quanto à não

restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista

e com aparência de defi nitividade deve ser aplicado, a harmonizar os

sistemas.

3. Não só os pagamentos dos benefícios da previdência pública

mas também os da previdência privada devem reger-se pelo postulado

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 511

da boa-fé objetiva. Logo, se restar confi gurada a defi nitividade putativa

das verbas de natureza alimentar recebidas pelo assistido, que, ao invés

de ter dado causa ou ter contribuído para o equívoco cometido pelo

ente de previdência complementar, permaneceu de boa-fé, torna-se

imperioso o reconhecimento da incorporação da quantia em seu

patrimônio, a afastar a pretensa repetição de indébito ou a alegação de

enriquecimento ilícito.

4. Os valores recebidos de boa-fé pelo assistido, quando pagos

indevidamente pela entidade de previdência complementar em

razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma

do regulamento, não estão sujeitos à devolução, pois cria-se falsa

expectativa de que tais verbas alimentares eram legítimas, possuindo

o contrato de previdência privada tanto natureza civil quanto

previdenciária.

5. Hipótese diversa é daqueles casos envolvendo a devolução

de valores de benefícios previdenciários complementares recebidos

por força de tutela antecipada posteriormente revogada, pois, nessas

situações, prevalecem a reversibilidade da medida antecipatória,

a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação do

enriquecimento sem causa.

6. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro

(Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Brasília (DF), 8 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 14.11.2016

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

512

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial

interposto pela Fundação Cosipa de Seguridade Social - FEMCO, sucedida pela

Previdência Usiminas, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”,

da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo.

Noticiam os autos que Ormindo Lage e Outros ajuizaram ação declaratória

de nulidade de desconto em previdência suplementar cumulada com repetição

de indébito e reparação de danos morais contra a recorrente, visto que, após

o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ter corrigido, em junho de

1992, o valor de benefícios os quais pagava erroneamente, a aposentadoria

complementar correspondente não foi revista de imediato, mas somente em

dezembro de 1994. Assim, acrescentam que, em virtude da revisão tardia nos

cálculos da suplementação de aposentadoria, que estava sendo paga a maior, o

ente de previdência privada, depois de feita a correção, promoveu o desconto

das diferenças a que ele próprio deu causa, não respeitando o princípio da boa-

fé.

O magistrado de primeiro grau, por entender ilegais os descontos diretos

dos valores nos benefícios dos autores e a sua apuração unilateral, bem como ante

“o seu caráter alimentar e a prévia perspectiva do titular quanto ao recebimento

de um valor já anteriormente conhecido e que, portanto, passou a integrar o

seu padrão fi nanceiro” (fl . 584), julgou parcialmente procedentes os pedidos

formulados na inicial, rejeitando apenas o pleito de indenização por danos

morais.

Confi ra-se o seguinte trecho da parte dispositiva:

(...)

(...) com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil,

julgo parcialmente procedente o pedido para declarar a nulidade do desconto

direto no benefi cio dos autores, impondo a obrigação de não fazer consistente

na abstenção de tal procedimento, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um

mil reais), bem como condenar a requerida à devolução integral dos valores

descontados diretamente dos benefícios, atualizados monetariamente a partir de

cada desconto e acrescidos de juros legais a contar da citação (fl . 586).

Irresignada, a demandada interpôs recurso de apelação, o qual não foi

provido pela Corte de Justiça estadual. O acórdão recebeu a seguinte ementa:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 513

Apelação. FEMCO. Fundação Cosipa de seguridade social. Complementação de

aposentadoria. Regime de previdência privada. Complementação de proventos.

Descontos efetuados em virtude de pagamento majorado por erro do INSS.

Inadmissibilidade. Verbas de caráter alimentício insuscetíveis de repetição.

Recurso improvido.

Impossível o desconto de verbas percebidas, mesmo que a maior, ante o erro

do INSS, sem causa imputável ao autor, pois ofende a boa-fé do aposentado e a

natureza alimentícia das verbas, insuscetíveis de repetição (fl . 657).

No especial, a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial,

violação dos arts. 103, parágrafo único, e 115, II, da Lei n. 8.213/1991, 75 da

Lei Complementar n. 109/2001, 36 da Lei n. 6.435/1977 e 1.025 e 1.030 do

Código Civil de 1916 (CC/1916).

Aduz, em síntese, a ocorrência da prescrição quinquenal, sobretudo se

considerado como termo inicial a data da celebração de transação extrajudicial e

do início dos descontos.

Desse modo, argui que “(...) se o recorrido deseja a nulidade dos aludidos

descontos vitalícios, conclui-se que o termo inicial do prazo prescricional é a

data da assinatura do instrumento particular de transação, ou seja, no ano de

1994, pois daí teve início a pretensão acionável” (fl . 674).

Sustenta também serem lícitos os “descontos sobre o benefício do segurado

caso haja recebimento a maior” (fl . 678), de forma a evitar o enriquecimento sem

causa.

Acrescenta que:

(...)

(...) se no regime da Previdência Social Pública é permitido ao INSS proceder

ao desconto de parcelas pagas a maior ao benefi ciário, nos termos do artigo 115,

II, da Lei n. 8.213/1991, e se a legislação especial da recorrente - Lei n. 6.435/1977,

determinada em seu artigo 36 a aplicação subsidiária daquela outra, vislumbra-se

que os descontos dos valores diretamente na suplementação do recorrido serão

legais e legítimos.

É bom salientar, que em nenhum momento a recorrente procedeu a

redução do valor da suplementação paga ao recorrido, mas apenas, diante do

aumento da aposentadoria paga pelo INSS houve automática redução do valor

da suplementação, fato este que gerou o crédito que estava sendo objeto de

desconto (fl s. 680/681).

Por fi m, alega que não houve nenhum vício de consentimento na transação

extrajudicial que reconheceu a dívida e que permitiu o desconto dos valores

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

514

nem no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) fi rmado com o Ministério

Público local, devendo, portanto, incidir o ato jurídico perfeito.

Após a apresentação de contrarrazões (fl s. 708/720), o recurso especial

foi inadmitido na origem (fl s. 722/723), mas, por ter sido provido agravo (fl s.

796/797), foi determinada a reautuação do feito.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Cinge-se a

controvérsia a saber: a) se ocorreu a prescrição quinquenal para o assistido

insurgir-se contra descontos incidentes em seu benefício suplementar, b) se é

possível o abatimento na complementação de aposentadoria de valores pagos a

maior por erro da própria entidade de previdência privada e c) se há ato jurídico

perfeito, consistente na celebração de transação extrajudicial, a embasar os

estornos nas parcelas vincendas.

1. Da prescrição e da transação extrajudicial - falta de prequestionamento

De início, quanto às alegações de ocorrência da prescrição quinquenal

(arts. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/1991 e 75 da Lei Complementar

n. 109/2001) e de existência e de higidez de transação extrajudicial e de Termo

de Ajustamento de Conduta (TAC), os quais respaldariam os descontos nos

benefícios suplementares dos assistidos (arts. 1.025 e 1.030 do CC/1916),

verifi ca-se que tais temas não foram objeto de debate pelas instâncias ordinárias,

sequer de modo implícito. Tampouco foram opostos embargos de declaração

a fi m de suscitar a discussão da matéria no Tribunal local. Assim, incidem, no

ponto, as Súmulas n. 282 e 356/STF.

Nesse sentido:

Agravo interno nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo

em recurso especial. Decisão monocrática. Nulidade. Inexistência. Inovação

recursal. Ausência de prequestionamento. Súmulas 282 e 356 do STF. Inépcia

da petição inicial. Reexame de prova. Impossibilidade. Súmula 7/STJ. Agravo

improvido.

(...)

3. Se o conteúdo normativo contido nos dispositivos apresentados como

violados não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, evidencia-se a

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 515

ausência do prequestionamento, pressuposto específico do recurso especial.

Incidem, na espécie, os rigores das Súmulas n. 282 e 356 do STF.

(...)

5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt nos EDcl no AgRg no

AREsp n. 836.617/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 6.10.2016)

2. Do desconto administrativo de valores em benefícios previdenciários

suplementares por erro da própria entidade de previdência privada

Falta saber se o pagamento a maior realizado pelo ente de previdência

privada, seja por exclusiva inércia, seja por erro na interpretação e na aplicação

de ato normativo, enseja o desconto das diferenças nas parcelas vincendas do

benefício previdenciário complementar do assistido.

Na Previdência Pública, o entendimento já pacifi cado é de que os valores

recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude de erro imputável ao Instituto

Nacional de Seguridade Social (INSS), a exemplo de equívoco na interpretação

ou na aplicação da lei, não estão sujeitos à repetição, máxime em face da

natureza alimentar da verba, afastando-se a tese de enriquecimento ilícito.

Desse modo, a Autarquia Previdenciária, após constatar o pagamento

errôneo de valores, pode efetuar a correção do ato administrativo e suspender

novos pagamentos, mas não promover o abatimento das importâncias

indevidamente recebidas pelo beneficiário se ele estava de boa-fé, mesmo

porque não pode ser prejudicado por algo que não deu causa.

A propósito:

Processual Civil. Previdenciário. Recurso especial. Código de Processo Civil

de 1973. Aplicabilidade. Aposentadoria por invalidez. Benefício recebido

indevidamente por erro da Administração. Boa-fé. Verba de caráter alimentar.

Restituição de valores. Impossibilidade.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada

em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do

provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de

Processo Civil de 1973.

II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo,

em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de

valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação

equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração.

III - Recurso Especial não provido. (REsp n. 1.550.569/SC, Rel. Ministra Regina

Helena Costa, DJe 18.5.2016)

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Previdenciário. Pensão por morte. Pagamento indevido. Boa-fé. Erro da

Administração. Verba de caráter alimentar. Restituição de valores. Impossibilidade.

1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores

percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má

aplicação da lei ou erro da Administração.

2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fi xado no Recurso Especial

1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na

espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela

posteriormente revogada.

3. Recurso Especial não provido. (REsp n. 1.553.521/CE, Rel. Ministro Herman

Benjamin, DJe 2.2.2016)

Com efeito, a boa-fé objetiva estará presente, tornando irrepetível a verba

previdenciária recebida indevidamente, se soar manifesta a legítima expectativa

de titularidade do direito pelo beneficiário, isto é, de que o pagamento

assumiu ares de defi nitividade, como costuma ocorrer justamente em erros

administrativos da própria entidade pagadora ou em ordens judiciais dotadas

de força defi nitiva (decisão judicial transitada em julgado e posteriormente

rescindida).

Nesse contexto, apesar de os regimes normativos das entidades abertas e fechadas

de previdência complementar e da Previdência Social diferirem entre si, possuindo

cada qual especif icidades intrínsecas e autonomia em relação à outra, o mesmo

raciocínio quanto à não restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou

pensionista e com aparência de defi nitividade deve ser aplicado, a harmonizar os

sistemas.

De fato, não só os pagamentos dos benefícios da previdência pública mas

também os da previdência privada devem reger-se pelo postulado da boa-fé

objetiva, a resultar, nesse aspecto, na inequívoca compreensão, pelo benefi ciado,

do caráter legal e defi nitivo da quantia recebida administrativamente.

Logo, se restar confi gurada a defi nitividade putativa das verbas de natureza

alimentar recebidas pelo assistido, que, ao invés de ter dado causa ou ter

contribuído para o equívoco cometido pelo ente de previdência complementar,

permaneceu de boa-fé, torna-se imperioso o reconhecimento da incorporação

da quantia em seu patrimônio, a afastar a pretensa repetição de indébito.

Nesse passo, cumpre esclarecer que a hipótese dos autos é diversa daquelas

envolvendo a devolução de valores de benefícios previdenciários complementares

recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada (vide REsp n.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 517

1.555.853/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe

16.11.2015 e REsp n. 1.548.749/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão,

Segunda Seção, DJe 6.6.2016), pois, nesses últimos, prevalecem a reversibilidade

da medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do benefi ciário e a

vedação do enriquecimento sem causa.

O Supremo Tribunal Federal também perfi lha do mesmo entendimento,

como se colhe dos seguintes julgados, envolvendo, desta vez, o pagamento

errôneo, pela Administração Pública, de vantagem pecuniária a servidor público

(ativo ou inativo) ou a pensionista que estava de boa-fé:

Agravo regimental em mandado de segurança contra ato do Tribunal de

Contas da União. Direito Administrativo. Devolução dos valores referentes aos

quintos. Impossibilidade de restituição. Vantagem concedida por iniciativa da

Administração Pública. Percepção de boa-fé. Natureza alimentar da verba.

1. A quantia referente aos quintos foi incorporada à folha de pagamento dos

servidores por iniciativa da própria Administração, respaldada no Acórdão n.

2.248/2005, do TCU, não fi cando comprovada qualquer infl uência dos servidores

na concreção do referido ato.

2. Confi gurada a boa-fé dos servidores e considerando-se também a presunção

de legalidade do ato administrativo e o evidente caráter alimentar das parcelas

percebidas, não há falar em restituição dos referidos valores. Precedente do STF no

julgamento do RE n. 638.115/CE.

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS n. 27.660 AgR/DF, Rel. Min.

Luiz Fux, DJe 30.5.2016 - grifou-se)

Recurso ordinário em mandado de segurança. Valores pagos indevidamente

a título de Unidade Referencial de Preços - URP. Boa-fé da servidora aposentada.

Inexistência de dúvida da Administração a partir da data em que o Conselho da

Justiça Federal decidiu pela ilegalidade do pagamento. Desnecessidade de reposição

ao erário somente enquanto concomitantes os requisitos da boa-fé e da dúvida da

Administração. Recurso ordinário ao qual se nega provimento. (RMS n. 32.524

2ºJulg/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 6.4.2015 - grifou-se)

Mandado de segurança. Morte de um dos impetrantes. Impossibilidade

de habilitação de herdeiros, facultado o uso das vias ordinárias. Extinção

sem julgamento de mérito. Tomada de contas perante o Tribunal de Contas

da União. Lei n. 8.443/1992. Norma especial em relação à Lei n. 9.784/1999.

Decadência, inocorrência. Imposto de renda sobre juros de mora decorrentes

de atraso no pagamento de vencimentos. Devolução de valores que, retidos na

fonte indevidamente pela unidade pagadora, foram restituídos pela mesma no

mês seguinte. Dúvida quanto à interpretação dos preceitos atinentes à matéria.

Segurança concedida.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

518

1. O mandado de segurança não admite a habilitação de herdeiros em

razão do caráter mandamental do writ e da natureza personalíssima do direito

postulado. Nesse sentido o recente precedente de que fui Relator, MS n. 22.355,

DJ de 4.8.2006, bem como QO-MS n. 22.130, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ

de 30.5.1997 e ED-ED-ED-RE n. 140.616, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de

28.11.1997.

2. O processo de tomada de contas instaurado perante o TCU é regido pela Lei

n. 8.443/1992, que consubstancia norma especial em relação à Lei n. 9.784/1999.

Daí porque não se opera, no caso, a decadência administrativa.

3. A reposição, ao erário, dos valores percebidos pelos servidores torna-se

desnecessária, nos termos do ato impugnado, quando concomitantes os seguintes

requisitos: “i] presença de boa-fé do servidor; ii] ausência, por parte do servidor,

de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; iii]

existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma

infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem

impugnada; iv] interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.”

4. A dúvida na interpretação dos preceitos que impõem a incidência do

imposto de renda sobre valores percebidos pelos impetrantes a título de juros

de mora decorrentes de atraso no pagamento de vencimentos é plausível. A

jurisprudência do TST não é pacífi ca quanto à matéria, o que levou a unidade

pagadora a optar pela interpretação que lhe pareceu razoável, confi rmando a

boa-fé dos impetrantes ao recebê-los.

5. Extinto o feito sem julgamento do mérito quanto ao impetrante falecido,

facultado o uso das vias ordinárias por seus herdeiros. Ordem concedida aos

demais. (MS n. 25.641/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe 22.2.2008 - grifou-se)

Aliás, em casos envolvendo servidor público e Administração Pública,

esse já era o entendimento desta Corte Superior, merecendo destaque,

respectivamente, os seguintes julgados da Primeira Seção, este proferido em

recurso especial repetitivo, e da Corte Especial:

Administrativo. Recurso especial. Servidor público. Art. 46, caput, da Lei n.

8.112/1990 Valores recebidos indevidamente por interpretação errônea de lei.

Impossibilidade de restituição. Boa-fé do administrado. Recurso submetido ao

regime previsto no artigo 543-C do CPC.

1. A discussão dos autos visa defi nir a possibilidade de devolução ao erário dos

valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela

Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.

2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/1990 deve ser interpretado com alguns

temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como

a boa-fé.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 519

3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma

lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa

de que os valores recebidos são legais e defi nitivos, impedindo, assim, que ocorra

desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.

4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido

a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.

5. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito

Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012 - grifou-se)

Administrativo. Pagamento a maior de verba a servidor. Erro da Administração.

Boa-fé objetiva. Presunção de legalidade e definitividade do pagamento.

Restituição de valores. Descabimento na hipótese.

1. Trata-se de Mandado de Segurança contra o Presidente do STJ. Alega a

impetrante ser ré em processo administrativo que visa à reposição de juros

de mora sobre reajuste pago indevidamente por erro na rotina de cálculos

automáticos do Sistema de Administração de Recursos Humanos (SARH). Aduz

que o pagamento a maior por erro da administração não enseja devolução pelo

servidor de boa-fé. Pede seja revogada a decisão que determinou a cobrança.

2. A Primeira Seção consolidou o entendimento de que, tanto para verbas

recebidas por antecipação de tutela posteriormente revogada (REsp 1.384.418/SC,

depois confi rmado sob o rito do art. 543-C do CPC no REsp 1.401.560/MT, estando

pendente de publicação), quanto para verbas recebidas administrativamente

pelo servidor público (REsp 1.244.182/PB), o benefi ciário deve comprovar a sua

patente boa-fé objetiva no recebimento das parcelas.

3. Na linha dos julgados precitados, o elemento confi gurador da boa-fé objetiva

é a inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do caráter legal e definitivo do

pagamento.

4. “Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando

em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os

valores recebidos são legais e defi nitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto

dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.” (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro

Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012).

5. Descabe ao receptor da verba alegar que presumiu o caráter legal do

pagamento em hipótese de patente cunho indevido, como, por exemplo, no

recebimento de auxílio-natalidade (art. 196 da Lei n. 8.112/1990) por servidor

público que não tenha fi lhos.

6. Na hipótese de pagamento por força de provimentos judiciais liminares,

conforme os mencionados REsp 1.384.418/SC e REsp 1.401.560/MT (submetido

ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008), não pode o servidor

alegar boa-fé para não devolver os valores recebidos, em razão da própria

precariedade da medida concessiva, e, por conseguinte, da impossibilidade de

presumir a defi nitividade do pagamento.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

520

7. In casu, todavia, o pagamento efetuado à impetrante decorreu de puro erro

administrativo de cálculo, sobre o qual se imputa que ela tenha presumido, por

ocasião do recebimento, a legalidade e a defi nitividade do pagamento, o que leva à

conclusão de que os valores recebidos foram de boa-fé.

8. Segurança concedida. Agravo Regimental prejudicado. (MS n. 19.260/DF,

Rel. Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 11.12.2014 - grifou-se)

O Tribunal de Contas da União também possui posicionamento

semelhante, como se extrai das Súmulas n. 106 e 249/TCU, de seguintes teores:

O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e

pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias

já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão

competente.

É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de boa-

fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável

de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade

legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção

de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.

De igual modo, a própria União, por meio da Advocacia-Geral da União,

também reconhece que “Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos

de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada

interpretação da lei por parte da Administração Pública” (Súmula n. 34/AGU).

Em vista disso, não há como afastar a conclusão de que os valores recebidos

de boa-fé pelo assistido, quando pagos indevidamente pela entidade de previdência

complementar em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de norma do

regulamento, não estão sujeitos à devolução, pois cria-se falsa expectativa de que tais

verbas alimentares eram legítimas, possuindo o contrato de previdência privada tanto

natureza civil quanto previdenciária.

Na espécie, o INSS promoveu, em Junho/1992, a revisão da renda mensal

inicial das aposentadorias dos autores, ante o disposto na Lei n. 8.213/1991,

o que acabou por provocar o aumento do valor de seus proventos. Assim, os

benefícios suplementares correspondentes deveriam sofrer redução, por força de

norma estatutária.

Todavia, a recorrente corrigiu as aposentadorias complementares, que,

como visto, estavam sendo pagas a maior, apenas em Dezembro/1994, não tendo

justifi cado a inércia ou o ato omissivo.

Confi ra-se o seguinte trecho do acórdão estadual:

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 521

(...)

Trata-se de ação em que os autores visam obstar o desconto de restituição de

valores ditos indevidos e recebidos, a título de complementação de aposentadoria

suplementar, e pagos pela ré, referente ao valor complementar pago a mais,

em virtude de erro de pagamento de aposentadoria do INSS, descontado

indevidamente de seus proventos.

(...)

Impossível o desconto de verbas percebidas, mesmo que a maior, ante o erro

do INSS, sem causa imputável ao autor, pois ofende a boa-fé do aposentado e a

natureza alimentícia das verbas, insuscetíveis de repetição (fl s. 660/661).

Assim, não há falar em repetição das importâncias recebidas pelos

recorridos no período, diante da evidente boa-fé e da aparência de legitimidade

e definitividade das verbas, qualificadas como de natureza alimentar, e

considerando, especialmente, o erro e a má aplicação do regulamento imputáveis

somente ao ente de previdência privada.

3. Do dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

RECURSO ESPECIAL N. 1.631.314-RS (2015/0086075-3)

Relatora: Ministra Nancy Andrighi

Recorrente: Grendene S A

Advogado: Valério Valter de Oliveira Ramos e outro(s) - RS006758

Recorrido: Industria e Comercio de Calcados Daiana Ltda - EPP

Advogado: Carlos Ignácio Schmitt Sant’Anna e outro(s) - RS028624

EMENTA

Recurso especial. Propriedade intelectual. Desenho industrial.

Violação. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou

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522

obscuridade. Não ocorrência. Fundamentação defi ciente. Súmula 284/

STF. Danos patrimoniais. Desnecessidade de delimitação da extensão

dos prejuízos econômicos para confi guração do dano. Possibilidade de

apuração em liquidação de sentença.

1- Ação ajuizada em 6.3.2002. Recurso atribuído à Relatora em

25.8.2016.

2- Controvérsia que se cinge em determinar se é necessária a

delimitação da extensão do prejuízo econômico para que se possa

reconhecer a existência de danos patrimoniais decorrentes de violação

a direito de propriedade industrial.

3- Não se constatando a existência de omissão, contradição ou

obscuridade, rejeitam-se os embargos de declaração.

4- A ausência de fundamentação ou a sua defi ciência implica o

não conhecimento do recurso quanto ao tema.

5- O dano causado ao titular de interesse tutelado pela Lei

de Propriedade Industrial confi gura-se com a violação do direito

protegido.

6- A extensão econômica dos prejuízos causados pela contrafação

de desenho industrial pode ser delimitada em liquidação de sentença.

7- Recurso Especial Provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso

especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo

de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e

Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2016 (data do julgamento).

Ministra Nancy Andrighi, Relatora

DJe 9.11.2016

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 523

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto

por Grendene S. A., com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional.

Ação: de obrigação de não fazer e de reparação por danos patrimoniais,

ajuizada pela recorrente em face de Indústria e Comércio de Calçados Daiana

Ltda. - EPP devido à violação a direito de propriedade industrial.

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para proibir a

recorrida de fabricar e comercializar calçados com as mesmas características dos

modelos criados e desenvolvidos pela recorrente.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente.

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação dos arts. 333, I, e 535, I e II, do CPC/1973;

e 208 a 210 da Lei n. 9.279/1996. Afi rma que o acórdão foi omisso e obscuro:

omisso porque não considerou a possibilidade de realização de perícia contábil

na fase de liquidação, conforme havia sido decidido no julgamento de recurso

anterior; obscuro porque os precedentes invocados na fundamentação não

apontam no sentido de que os danos patrimoniais não podem ser presumidos

na espécie. Alega que, nas hipóteses em que se constata a violação de direitos

de propriedade industrial, o dano é presumido. Ao contrário do que consignou

o Tribunal de origem, a presunção não se verifi ca apenas quando se trata de

contrafação de marca. Assevera que o valor da indenização pode ser apurado

em momento posterior, conforme critério estabelecido no art. 210, III, da Lei

n. 9.279/1996. Ressalta que a exigência de demonstração contábil da extensão

do prejuízo feita pelo acórdão recorrido fere o disposto no art. 333, I, do

CPC/1973.

Decisão de admissibilidade: o TJ/RS negou seguimento ao recurso especial.

Agravo: interposto pela recorrente, foi determinada sua autuação como

recurso especial.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia em

determinar se é necessária a delimitação da extensão do prejuízo econômico

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524

para que se possa reconhecer a existência de danos patrimoniais decorrentes de

violação a direito de propriedade industrial.

1- Da Violação do Art. 535 do CPC/1973

Da análise do acórdão recorrido, verifi ca-se que a prestação jurisdicional

dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a

ser sanado. O TJ/RS pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos

fundamentais da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por

lei. Prova disso é que integram o objeto do próprio recurso especial e serão

oportunamente analisados.

No aresto impugnado não há, portanto, omissão, contradição ou

obscuridade, de modo que o art. 535 do CPC/1973 não foi violado.

2- Da Fundamentação Defi ciente (Art. 333, I, do CPC/1973)

A análise acerca da necessidade ou não da comprovação da extensão do

prejuízo para acolhimento da pretensão da recorrente é inviável sob a ótica do

art. 333, I, do CPC/1973, pois o conteúdo normativo desse dispositivo é incapaz

de amparar a discussão posta a desate, o que atrai o óbice da Súmula n. 284/

STF.

3- Da Violação de Direitos de Propriedade Industrial e da Reparação por

Danos Patrimoniais (Arts. 208, 209 e 210 da Lei n. 9.279/1996)

Na linha da doutrina civilista contemporânea, considera-se dano como

“a lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela, seja ele patrimonial,

extrapatrimonial, individual ou metaindividual” (CRISTIANO CHAVES DE

FARIAS et al. Curso de Direito Civil, vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.

207, sem destaque no original).

O dano confi gura-se, assim, no momento em que ocorre violação a direito

protegido pelo ordenamento jurídico.

Na espécie, a recorrente aponta violação a interesse que repercute em sua

esfera patrimonial e que encontra tutela específi ca no microssistema da Lei de

Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996): direito de utilização exclusiva de

desenhos industriais devidamente registrados perante o órgão competente.

Como o dano decorre diretamente de violação a interesse juridicamente

protegido, sua demonstração, no particular, confunde-se com a comprovação

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 525

da existência do fato – contrafação de desenho industrial –, cuja ocorrência é

premissa assentada pelos juízos de primeiro e segundo graus.

O Tribunal de origem, ao exigir demonstração contábil da extensão

do prejuízo fi nanceiro, deslocou o que confi gura a consequência econômica

da ofensa (seu resultado naturalístico) para o núcleo do conceito de dano,

subvertendo, assim, a noção estritamente jurídica do instituto.

A lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS (et al.) acerca da questão

é precisa:

[...] enuclear o conceito de dano patrimonial em sua confi guração naturalista

e puramente material do prejuízo sofrido pelo ofendido – ao invés de centrá-lo

na lesão a um interesse – culmina por deslocar a discussão para o campo das

consequências econômicas da ofensa, da alteração negativa de uma situação

fi nanceira – ou seja, o bem em si mesmo, antes e depois da lesão –, ao invés

de se ater simplesmente à situação da pessoa em relação ao bem jurídico e

à possibilidade dele lhe servir para a satisfação de uma necessidade. Este é o

interesse do ofendido a ser tutelado pelo ordenamento, uma noção jurídica e não

eminentemente naturalística. (op. cit., p. 220)

Sobreleva destacar que a Lei n. 9.279/1996 – que regula os direitos e as

obrigações concernentes à propriedade industrial –, em seus artigos que tratam

especifi camente da reparação pelos danos causados por violação aos direitos por

ela garantidos, não exige, para fi ns indenizatórios, comprovação dos prejuízos

experimentados. Ao contrário, de modo bastante amplo, permite ao titular do

direito violado “intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do

Código de Processo Civil” (art. 207).

Daí que a confi guração do dano, na hipótese, prescinde da delimitação

contábil exigida pelo acórdão recorrido, consubstanciando-se na própria

violação do interesse protegido pela LPI, resultante da frustração da legítima

expectativa da recorrente de utilização exclusiva dos desenhos industriais de sua

propriedade.

Uma vez reconhecido o dever da recorrida de reparar o dano patrimonial

que causou, é de rigor o julgamento de procedência do pedido, devendo ser

realizada a apuração do quantum debeatur em liquidação de sentença, de acordo

com os critérios elencados pelo art. 210 da Lei n. 9.279/1996. Nesse sentido, já

decidiu a 4ª Turma deste Tribunal: REsp 1.207.952/AM, DJe 1º.2.2012.

Registre-se, por derradeiro, que a utilização ilícita de desenho industrial

de terceiro para fabricação e posterior comercialização de bens é condição

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

526

bastante para, por si só, gerar presunção de minoração das receitas auferidas pelo

proprietário.

De fato, consoante explicitado por DOMINGUES, “a infração [...] de

registro perturba os negócios, desacredita os produtos, desvia clientela e diminui

as vendas, provocando, via de consequência, diminuição da receita e do lucro

do titular” (DOUGLAS GABRIEL DOMINGUES. Comentários à Lei da

Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 648).

Forte em tais razões, dou provimento ao recurso especial para condenar a

recorrida a reparar os danos patrimoniais experimentados pela recorrente, cujo

montante deve ser apurado em liquidação de sentença, por artigos.

As despesas processuais e os honorários de sucumbência serão suportados

integralmente pela recorrida, no valor fi xado na sentença.

RECURSO ESPECIAL N. 1.633.275-SC (2012/0176312-5)

Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Recorrente: Companhia Hering

Advogado: José Antônio Homerich Valduga e outro(s) - SC008303

Recorrido: Minimex SA

Advogado: Vilson Luiz de Souza e outro(s) - SC003088

EMENTA

Recurso especial. Processual Civil. Ação de indenização.

Competência internacional. Contrato de distribuição e representação

comercial. Ruptura unilateral. Jurisdição. Cláusula de eleição. Protocolo

de Buenos Aires. Validação. Forum non conveniens. Inaplicabilidade.

1. Ação de indenização ajuizada por empresa sediada na

República Argentina em razão de suposto descumprimento de acordo

de comercialização e distribuição exclusiva dos produtos da marca

“HERING” em todo o território argentino.

2. Existência de cláusula de eleição de jurisdição no contrato

celebrado entre as partes.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 527

3. Ao propor a demanda no Juízo da Comarca de Blumenau -

SC, limitou-se a autora a observar a cláusula de eleição de jurisdição

previamente ajustada, perfeitamente validada pelas regras do Protocolo

de Buenos Aires.

4. As adversidades porventura surgidas durante a tramitação do

processo no território nacional, a exemplo do cumprimento de cartas

rogatórias, exame de documentos em língua estrangeira, entre outras,

operar-se-ão em prejuízo da própria autora, a demonstrar que o

ajuizamento da demanda no Brasil, a princípio, não lhe traz nenhuma

vantagem sob o ponto de vista processual.

5. Havendo previsão contratual escrita e livremente pactuada

entre as partes, elegendo a jurisdição brasileira como competente para

a solução de eventuais confl itos, deve ela ser plenamente observada.

6. Restrita aceitação da doutrina do forum non conveniens pelos

países que adotam o sistema do civil-law, não havendo no ordenamento

jurídico brasileiro norma específi ca capaz de permitir tal prática.

7. Recurso especial não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide

a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro

(Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze.

Brasília (DF), 8 de novembro de 2016 (data do julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator

DJe 14.11.2016

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial

interposto por Companhia Hering, com fundamento no art. 105, III, “a”, da

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

528

Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa

Catarina assim ementado:

Apelações cíveis. Ação visando ao ressarcimento em decorrência de alegada

quebra contratual. Contratos de distribuição, representação, licença e uso de

marca. Sentença extintiva fundada na conveniência de processamento da ação

no juízo estrangeiro.

Recurso da autora. Protocolo de Buenos Aires sobre a jurisdição internacional

em matéria contratual. Decreto n. 22.095/1996. Cláusula eletiva expressa de

submissão à Jurisdição Brasileira de observância imperativa. Inteligência, também,

do art. 88, II, do Código de Processo Civil. Jurisdição concorrente. Reforma da

sentença e retomada do curso regular do processo. Impossibilidade, in casu, de

julgamento pelo Tribunal conforme redação do art. 515, § 3º do CPC. Recurso da

autora conhecido e provido.

Art. 1º 1. Nos confl itos que decorram dos contratos internacionais em matéria

civil ou comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja

jurisdição os contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que

tal ajuste não tenha sido obtido de forma abusiva. (Protocolo de Buenos Aires

sobre a Jurisdição Internacional em Matéria Contratual - Decreto n. 22.095/1996).

Recurso da ré. Condenação honorária sucumbencial. Insurgência prejudicada

(e-STJ fl . 1.701).

Em suas razões recursais (e-STJ fl s. 1.719-1.754), a recorrente aponta

violação dos arts. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e 88,

I, e 515, §§ 1º e 3º, do Código de Processo Civil/1973, alegando, em síntese, que:

a) “a jurisdição mais adequada para o processamento da ação é, na realidade,

a do foro argentino (...) porque é na Argentina que a CIA. Hering e a Redmont

(cedente do suposto crédito) litigam ou litigaram, e é naquele foro que se está

a discutir a falência da Redmont, falência esta que a cessionária Minimex (que

nada mais é do que a própria Redmont) busca burlar via foro brasileiro” (e-STJ

fl . 1.728);

b) as regras aplicadas pelo Tribunal de origem “são todas normas de

competência concorrente, cuja aplicabilidade se dá quando a lide apresentar

possibilidade de reconhecimento da competência tanto da jurisdição brasileira

quanto de jurisdição estrangeira, sem prevalência de nenhuma delas” (e-STJ fl .

1.730);

c) “aos critérios legais previstos para atrair a jurisdição brasileira, do artigo

88 do CPC, somam-se sempre questões relevantes de política judiciária e

de conveniência no processamento da demanda no Brasil, se não estiverem

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 529

presentes questões referentes a direitos indisponíveis ou soberania nacional -

como não estão” (e-STJ fl . 1.731);

d) “na demanda em questão, a prova a ser produzida será necessariamente a

oitiva de testemunhas argentinas, análise de um grande volume de documentos

e contratos, em sua imensa maioria produzidos na Argentina em espanhol,

e, além disso, prova pericial, cuja realização terá de se restringir ao território

Argentino (livros da empresa Redmont)” (e-STJ fl . 1.734);

e) “sendo a Argentina o local de execução das obrigações contraídas, onde

a Redmont agia como representante comercial, distribuidora e licenciada, é

evidente que todas as provas da lide necessariamente deverão ser produzidas na

Argentina ou trazidas de lá - a custos altíssimos, nessa segunda hipótese” (e-STJ

fl . 1.735);

f ) “o princípio do non conveniens (...) impõe ao Estado a abstenção de

exercer seu poder jurisdicional, se lhe faltarem condições de conveniência e

viabilidade para exercer sua jurisdição” (fl . 1.736, e-STJ);

g) “a única razão para ela [autora] vir litigar no Brasil reside no fato de ela

saber que ao litigar na Argentina sua ação nem sequer veria a luz do dia - viria

à tona já natimorta”, tendo em vista que, “além da cedente e titular dos supostos

créditos (Redmont) já ter transacionado e renunciado a eles (...), é evidente a

tentativa de fraudar os credores da cessionária e titular dos supostos créditos - a

Redmont, ora em regime falimentar” (e-STJ fl . 1.740), e

h) era possível a aplicação do princípio da causa madura na espécie, seja em

razão da ilegitimidade ativa da autora ante à nulidade da cessão de créditos de

maneira simulada, seja pela falta de interesse de agir em decorrência da quitação

e renúncia ao crédito em comento, seja pelo reconhecimento da prescrição, todas

questões exclusivamente de direito.

Apresentadas as contrarrazões (e-STJ fl s. 1.762-1.780), e inadmitido o

recurso especial na origem (e-STJ fl s. 1.792-1.794), deu-se provimento ao

respectivo agravo para melhor exame da matéria (AREsp n. 220.269/SC).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

1) Da delimitação da controvérsia

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Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por Minimex S.A.,

sociedade comercial legalmente constituída na República Argentina, contra

Companhia Hering (atual denominação de Hering Têxtil S.A.), em razão de

suposto descumprimento de acordo por intermédio do qual a ora recorrente teria

delegado à Redmont S.A., sucedida pela autora, a comercialização e distribuição

exclusiva dos produtos da marca “HERING” em todo o território argentino,

além da licença de uso da marca naquele país.

A autora afi rma, em síntese, que, ao romper unilateralmente o contrato

e assumir a distribuição dos seus produtos por meio de sua própria afi liada –

Hering Têxtil Argentina S.A. –, a demandada causou-lhe enormes prejuízos,

cuja reparação é ora pretendida.

O magistrado de primeiro grau de jurisdição julgou extinta a demanda,

sem resolução de mérito, pelos seguintes fundamentos:

(...)

Em que pese a boa argumentação tanto da inicial quando da contestação, a

lide deve ser intentada na Argentina por regras de competência e praticidade.

De início, observa-se que o contrato devia ser cumprido no país vizinho,

com extensa gama de direitos e obrigações, bastando conferir os ajustes de fl s.

132/174.

Na hipótese, incide a regra do art. 100, IV, ‘b’, do Código de Processo, que

determina que é competente o “foro do lugar onde a obrigação deve ser satisfeita

para a ação em que se lhe exigir o cumprimento”.

(...)

Não fosse isto, s.m.j, a boa prática não recomendaria a feitura dos atos

probatórios nesta comarca e país. Dependendo a solução da lide de perícias,

ouvida de testemunhas, análise de documentos, tudo, em grande parte, em língua

estrangeira, além de extremamente trabalhoso, demandaria gastos vultosos e a

burocracia, terminaria, muito provavelmente, por inviabilizar todo o processado.

Além disso, a própria cessão é questionada na Argentina, como indicado na

resposta e confi rmado pela autora, outro entrave sério.

Portanto, creio que a melhor solução, é que a demanda seja mesmo instaurada

no país vizinho e lá tenha seu acertamento.

Não havendo como remeter os autos, a extinção se impõe (e-STJ fl s. 1.491-

1.492).

Na sequência, a Corte local deu provimento à apelação da autora e julgou

prejudicada a da parte ré, para reconhecer a jurisdição brasileira e determinar o

retorno dos autos à origem com vistas ao regular prosseguimento do feito.

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Restringe-se a controvérsia, portanto, à defi nição da jurisdição aplicável à luz

das regras de competência internacional.

2) Da jurisdição competente

De acordo com o art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito

Brasileiro, “é competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu

domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação” (grifou-se).

O art. 88, I, do Código de Processo Civil/1973, por seu turno, dispõe que “é

competente a autoridade judiciária brasileira quando o réu, qualquer que seja a

sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil”, competência esta estabelecida,

como cediço, em concurso com a de outro Estado.

Cândido Rangel Dinamarco, ao consignar que cabe a cada um dos Estados

estabelecer os limites de sua competência internacional, bem salienta que

essa fi xação não é feita por altruísmo ou, necessariamente, em nome das boas

relações internacionais, mas movida por três ordens de razão, a saber:

(a) a impossibilidade ou grande dificuldade para cumprir em território

estrangeiro certas decisões dos juízes nacionais, (b) a irrelevância de muitos

conflitos em face dos interesses que ao Estado compete preservar e (c) a

conveniência política de manter certos padrões de recíproco respeito em relação

a outros Estados (Instituições de direito processual civil, v. 1, 6. ed. rev. e atual., São

Paulo: Malheiros, 2009, pág. 342).

O ilustre processualista ainda relembra a clássica doutrina italiana de

Gaetano Morelli, segundo a qual “a conveniência do exercício da jurisdição

e a viabilidade da efetivação de seus resultados são os fundamentais critérios

norteadores das normas de direito interno sobre competência internacional”

(ibidem).

A viabilidade da efetivação da prestação jurisdicional, contudo, não

pode ser aferida pelas eventuais dificuldades que possam surgir durante a

tramitação do processo, a exemplo do cumprimento de cartas rogatórias, exame

de documentos em língua estrangeira, entre outras.

Adverte Dinamarco que “a exclusão da competência internacional da

autoridade judiciária de um país por inviabilidade de execução constitui o

reverso da exclusividade da competência internacional dos juízes de outro país”

(ob. cit., pág. 345).

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Nesse contexto, ainda que a legislação processual preveja a competência

concorrente para o réu domiciliado no Brasil, totalmente inócua seria a sentença

proferida em outro país relativa a imóveis situados no território nacional, dada

a competência exclusiva da jurisdição brasileira nessa hipótese (art. 89, I, do

CPC/1973), assim devendo ser compreendida a noção de inviabilidade da

efetivação dos resultados da prestação jurisdicional.

No caso em tela, a existência de cláusula de eleição de foro no contrato

celebrado entre as partes, em conjunto com as disposições do Protocolo de

Buenos Aires, levou o Tribunal de origem a reconhecer como obrigatória a

jurisdição brasileira.

O Protocolo de Buenos Aires, assinado na cidade de Buenos Aires em

5 de agosto de 1994 e devidamente promulgado pelo Decreto n. 2.095/1996,

traz em seus considerandos “a necessidade de proporcionar ao setor privado dos

Estados-Partes um quadro de segurança jurídica que garanta justas soluções e a

harmonia internacional das decisões judiciais e arbitrais vinculadas à contratação

no âmbito do Tratado de Assunção” (MERCOSUL).

Nessa exata medida, impôs ao países signatários determinadas regras

comuns sobre jurisdição internacional, estabelecendo o seu âmbito de aplicação

à jurisdição contenciosa envolvendo contratos internacionais de natureza civil

ou comercial celebrados entre particulares, pessoas físicas ou jurídicas, nas

seguintes hipóteses (Artigo 1):

a) com domicílio ou sede social em diferentes Estados-Partes do Tratado de

Assunção;

b) quando pelo menos uma das partes do contrato tenha seu domicílio ou

sede social em um Estado-Parte do Tratado de Assunção e, além disso, tenha

sido feito um acordo de eleição de foro em favor de um juiz de um Estado-Parte

e exista uma conexão razoável segundo as normas de jurisdição deste Protocolo.

Na espécie, a aplicabilidade das normas de direito internacional exsurge da

existência de jurisdição contenciosa – ação indenizatória – envolvendo contrato

de natureza comercial – contrato de distribuição e representação comercial –

celebrado entre pessoas jurídicas com sede social em diferentes Estados-Partes

do Tratado de Assunção – Hering Têxtil S.A., com sede no Brasil, e Redmont

S.A., estabelecida na Argentina.

Ademais, versando a demanda sobre pedido de indenização em decorrência

de suposto rompimento unilateral de contrato, não se amolda a lide a nenhuma

das hipóteses em que o próprio protocolo exclui sua aplicabilidade (Artigo 2):

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1. as relações jurídicas entre os falidos e seus credores e demais procedimentos

análogos, especialmente as concordatas;

2. a matéria tratada em acordos no âmbito do direito de família e das sucessões;

3. os contratos de seguridade social;

4. os contratos administrativos;

5. os contratos de trabalho;

6. os contratos de venda ao consumidor;

7. os contratos de transportes;

8. os contratos de seguro;

9. os direitos reais.

Ainda sobre o Protocolo de Buenos Aires, cumpre registrar o disposto no

Artigo 4, no qual fi cou consignado que,

Nos confl itos que decorram dos contratos internacionais em matéria civil ou

comercial serão competentes os tribunais do Estado-Parte em cuja jurisdição os

contratantes tenham acordado submeter-se por escrito, sempre que tal ajuste não

tenha sido obtido de forma abusiva (grifou-se).

Na ausência de acordo, segundo o disposto no Artigo 7 do mesmo diploma

normativo, pode o autor optar pelo: a) juízo do lugar de cumprimento do

contrato; b) juízo do domicílio do demandado; c) juízo de seu domicílio ou sede

social, quando demonstrar que cumpriu sua prestação.

Em sede doutrinária, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar teceu os seguintes

comentários ao conteúdo das normas supratranscritas:

O PBA [Protocolo de Buenos Aires] dá por preferente a jurisdição eleita pelas partes

(art. 4º), denominando de subsidiária a que é determinada por critérios normativos

(art. 7º).

A cláusula de eleição deve ser escrita e não pode ser obtida de forma abusiva.

O contrato de adesão não é local apropriado para a inserção de cláusula de

eleição de jurisdição, devendo ser considerada obtida de forma abusiva toda

aquela que não tenha sido objeto de específi ca manifestação de vontade da

parte. Isso porque tal contrato resulta da elaboração do estipulante, que modela

a sua forma e o seu conteúdo apropriadamente a seu favor. A jurisdição assim

escolhida não pode ser considerada, pois presumidamente favorece o estipulante.

Essa presunção de abusividade somente será afastável quando demonstrado

que a eleição não signifi ca qualquer difi culdade para o aderente exercer a sua

defesa. Cabe ao juiz, de ofício, reconhecer a abusividade da cláusula e recusar-se a

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assumir a jurisdição. (in Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, v. 2, n. 21,

p. 15- 31, set. 2000 - grifou-se)

No caso examinado, consoante sustentado no acórdão recorrido,

(...) há disposição expressa no “Contrato de Distribuição e Representação

Comercial” fi rmado entre a empresa ré – Hering S.A. – e a empresa cedente do

alegado direito à indenização por descumprimento do contrato – Redmont S.A. –

conforme possível constatar à folha 137:

As partes elegem o Foro da Comarca de Blumenau, Estado de Santa

Catarina, República Federativa do Brasil, para nele discutirem eventuais

demandas (e-STJ fl . 1.712 - grifou-se).

Assim, ao propor a demanda no Juízo da Comarca de Blumenau -

SC, embora pudesse fazê-lo perante a jurisdição argentina pelas regras de

competência internacional concorrente, a autora, ora recorrida, limitou-se a

observar a cláusula de eleição de jurisdição previamente ajustada, perfeitamente

validada pelas regras do Protocolo de Buenos Aires, não se podendo presumir

tenha agido dessa maneira com fi ns escusos, sobretudo porque incumbe ao autor

o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, nos termos do art.

333, I, do CPC/1973.

Analisando o caso por essa vertente, chega-se à conclusão de que todas as

adversidades porventura surgidas durante a tramitação do processo no território

nacional operar-se-ão em prejuízo da própria autora, a demonstrar que o

ajuizamento da demanda no Brasil, a princípio, não lhe traz nenhuma vantagem

sob o ponto de vista processual.

Além disso, não se antevê maiores difi culdades quanto à prova da existência

de fato impeditivo, modifi cativo ou extintivo do direito da autora, notadamente

no que refere às preliminares de ilegitimidade ativa, falta de interesse de agir e

prescrição, sustentadas na contestação.

Eventual burla aos direitos de credores da massa falida da empresa Redmont

S.A. também poderá ser evitada, bastando a expedição de carta rogatória

destinada à constrição de eventual crédito que aqui venha a ser reconhecido.

Cumpre ressaltar, ainda, que não houve nenhum questionamento, por

qualquer dos litigantes, quanto à validade da cláusula de eleição de jurisdição

sob o viés da abusividade.

No caso, a despeito de a autora integrar o lado mais fraco da relação

contratual, observa-se que não houve irresignação de sua parte quanto à eleição

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da jurisdição brasileira para a solução de eventuais confl itos, tanto é assim que

aqui ajuizou a presente ação indenizatória e aqui pretende seja ela processada.

Havendo, pois, previsão contratual escrita e livremente pactuada entre

as partes, elegendo a jurisdição brasileira como competente para a solução de

eventuais confl itos, deve ela ser plenamente observada.

Esse, a propósito, é o entendimento de Armando Alvares Garcia Junior:

(...)

Enfi m, podem as partes, ao redigir o instrumento contratual, insertar a cláusula

indicativa da eleição do Estado-Parte que figurará juridicamente como foro

competente para a apreciação e decisão de uma eventual demanda judicial.

Quando essa escolha recai sobre um dos Estados-Partes da união aduaneira

(Mercosul), obrigatoriamente incidem as regras regulatórias contempladas no

Protocolo de Buenos Aires.

Esse é um aspecto muito relevante, porque, normalmente, as regras que

regulam temas relacionados à jurisdicionalidade são essencialmente territoriais,

pois possuem natureza processual.

Em outras palavras, a regra (inexistindo Acordos Internacionais) é a aplicação

da lex fori (a lei do foro, do lugar onde será a questão eventualmente apreciada

pelo Poder Judiciário ou pela Junta de Árbitros).

Existindo um ato internacional bilateral ou multilateral, como é o caso do

Protocolo de Buenos Aires, a tradicional lex fori deixa de ser aplicada e cede espaço à

incidência das regras previstas no ato internacional.

É por essa razão que a indicação de um dos Estados-Partes do Mercosul

implica, necessariamente, o afastamento da lex fori e sua substituição pelas

regras contempladas no Protocolo de Buenos Aires, fi rmado e ratifi cado pelos

quatro países integrantes da união aduaneira. (Jurisdição internacional em matéria

contratual no Mercosul, São Paulo: Aduaneiras, 2004, págs. 31-32)

Ainda acentua o ilustre doutrinador que “com o Protocolo de Buenos Aires

não mais existem dúvidas de que o juiz de um Estado-Parte aprecie questões

que não tiveram, em nenhum momento, contato com seu território” (ob. cit.,

pág. 50).

No tocante à conveniência do exercício da jurisdição, também não se

mostra plausível a aplicação do que a doutrina denominou de forum non

conveniens, prática que, segundo a defi nição trazida por Heloísa Assis de Paiva e

Th iago Paluma, no artigo intitulado “Regras de Competência Judicial Internacional

e Análise Crítica do Fórum Shopping e Fórum Non Conveniens”, deve ser assim

compreendida:

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Com a intenção de que o tribunal competente para julgar um litígio seja o

que tenha maior relação com seus elementos o sistema do commom law criou

a doutrina do forum non conveniens. Para essa doutrina, um tribunal que tenha

competência para conhecer sobre um determinado litígio poderá declinar, para

outro tribunal também competente, o exercício da jurisdição. Esse outro tribunal,

segundo o de origem, deverá julgar a demanda por ter maior proximidade com

os fatos e com as partes, o que permite um processo com custos menores, melhor

exame das provas e maior facilidade no momento da execução da sentença. (in

Panorama do direito internacional privado atual e outros temas contemporâneos,

Carmen Tiburcio, Wagner Menezes e Raphael Vasconcelos [organizadores], Belo

Horizonte: Arraes Editores, 2015, pág. 74)

Em um estudo comparativo realizado por Arthur T. von Mehren,

Professor Emérito da Universidade de Harvard, são demonstradas as diferentes

concepções acerca do tema entre os países do civil-law:

(...)

Although Scottish law – in various respects a civil-law system – was the fi rst to

develop a forum non conveniens doctrine and Quebec has recently introduced

a moderate form of the doctrine, most civil-law jurisdictions deny their courts

general discretionary power to decline jurisdiction. French jurists explain that

‘the law determines whether a judge has jurisdiction; if he is competent, he must

decide without power to refuse to exercise his jurisdictional authority (competence

juridictionnelle). German jurists insist that

legal security (Rechtssicherheit) requires jurisdictional rules

(Zuständigkeitsregeln) that are comprehensible (überschaubar) and, above

all, clear and precise. Introducing the doctrine of forum non conveniens into

the German system of jurisdiction, which rests on legislatively standardized

jurisdictional policies (gesetzlich typisierten Zuständigkeitsinteressen),

would render the system incoherent...

Civil-law jurisdictions do recognize certain very limited surrogates for forum non

conveniens; these vary in scope and importance from one legal order to another.

Thus, the German Bundesgerichtshof’s interpretation of ZPO §23, requiring a

suffi cient connection to the forum (hinreichender Inlandsbezug) takes into account

some considerations relevant for forum non conveniens purposes. Moreover,

German courts have, on occasion, employed considerations akin to forum non

conveniens in the context of the granting of legal aid to foreign plaintiff s bringing

an action against a German defendant. Under Dutch law, Article 3 (c) of the Code of

Civil Procedure requires a suffi cient connection with the Netherlands for proceedings

initiated by a petition to the court. For the most part, however, such substitutes

“operated only in very limited circumstances, such as certain family-law matters”.

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 537

Civil-law jurisdictions generally align themselves with the French and German

position: As a matter of principle, jurisdictional fi ne-tuning through forum non

conveniens or related doctrines is not proper. (Adjucatory authorithy in private

international law, Leiden, Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2007, págs. 269-270

- grifou-se)

Além da restrita aceitação da doutrina pelos países que adotam o sistema

do civil-law, é possível perceber, pelos estudos doutrinários apresentados, que

ela é mais comumente aplicada para fi ns de deslocamento da competência

dentro do próprio território de uma determinada nação.

No ordenamento jurídico brasileiro, além da ausência de norma específi ca

capaz de permitir tal prática, seria extremamente questionável o declínio da

jurisdição em favor de outro país na situação ora examinada, sobretudo diante

da existência de cláusula de eleição de jurisdição plenamente válida, bem

como do disposto no art. 5º, XXXV, da CF/1988, que elenca como garantia

constitucional o livre acesso ao Poder Judiciário.

Quanto à aplicação do instituto no direito pátrio, Nelson Nery Junior

registra que,

(...)

Conquanto não exista regramento normativo expresso no direito positivo

brasileiro adotando claramente o instituto do forum (non) conveniens, nossa

jurisprudência tem decidido com o mesmo espírito quando, por exemplo,

reconhece que a cláusula de eleição de foro nos contratos envolvendo relação de

consumo não pode prevalecer, e, conseqüentemente, aplica a doutrina do foro

mais conveniente para o consumidor - que é o do seu domicílio, onde devem ser

processadas e julgadas as ações de consumo. (Competência no processo civil norte-

americano: o instituto do forum (non) conveniens, Revista dos Tribunais, São Paulo,

v. 89, n. 781, p. 28-32, nov. 2000)

Com a devida vênia, entende-se que o deslocamento do foro na situação

descrita não se dá em função de ser outro o mais conveniente para a apreciação

da demanda, mas em razão do reconhecimento de que a cláusula contratual

é abusiva, operando-se o deslocamento da competência como natural

consequência da eliminação do vício de consentimento.

A matéria, de fato, é extremamente complexa e jamais seria possível esgotá-

la em poucas laudas, mas os argumentos até então apresentados já se mostram

sufi cientes para se concluir pela manutenção do entendimento adotado pela

Corte de origem, que reconheceu a jurisdição brasileira e a competência do

Juízo da Comarca de Blumenau - SC para decidir a demanda.

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3) Do princípio da causa madura

Ao decidir pela impossibilidade de imediato julgamento da lide com

fundamento no art. 515, § 3º, do CPC/1973, o acórdão recorrido apresentou a

seguinte fundamentação:

(...)

Frise-se, por fi m, que é impossível o imediato julgamento da causa por este

Tribunal a teor do disposto no art. 515, § 3º do CPC, porque não se trata de

questão exclusivamente de direito, bem como que as partes pretendem promover

instrução conforme extenso rol de documentos e provas que indicaram em suas

peças processuais com vista a comprovar os fatos constitutivos, modifi cativos ou

extintivos dos direitos pleiteados: desde alegação de ilegitimidade ad causam, até

o próprio mérito da lide.

Portanto, medida que se impõe é conhecer do recuso da autora e dar-lhe

provimento para que o processo retome seu curso regular no Juízo a quo,

restando prejudicado o reclamo da ré (e-STJ fl . 1.716).

Diante desse contexto, o acolhimento da pretensão recursal exigiria o

reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência vedada em recurso

especial tendo em vista o óbice da Súmula n. 7/STJ.

Nesse sentido:

Previdenciário e Processual Civil. Sentença que extingue o feito sem

julgamento de mérito. Tribunal que aplica o art. 515, § 3º, do CPC. Processo

maduro para julgamento. Aposentadoria especial. Averbação do tempo de

serviço exercido em atividade insalubre. Súmula 7.

(...)

2. O § 3º do art. 515 do CPC, com a redação dada pela Lei n. 10.352/2001,

permite ao Tribunal, em caso de extinção do processo sem julgamento do mérito,

julgar desde logo a lide, quando a questão versar exclusivamente sobre matéria

de direito e estiver em condições de imediato julgamento ou, ainda, utilizando-se

de interpretação extensiva do referido parágrafo, estando a lide em condições

de imediato julgamento, em face da desnecessidade de outras provas (causa

madura) (REsp 1.096.908/AL, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em

6.10.2009, DJe de 19.10.2009).

3. O juízo acerca de estar o feito em condições de imediato julgamento compete ao

Tribunal a quo, porquanto a qualidade das provas confi gura matéria cuja apreciação

é defesa na instância extraordinária, conforme o teor da Súmula 7 do STJ.

Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 850.916/SP, Rel. Ministro Humberto

Martins, Segunda Turma, julgado em 7.4.2016, DJe 15.4.2016 - grifou-se).

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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA

RSTJ, a. 29, (245): 395-539, janeiro/março 2017 539

Processo Civil. Recurso especial. Ação monitória. Prescrição afastada pelo

Tribunal a quo. Causa madura. Aplicação do art. 515 do CPC. Necessidade de

instrução probatória. Violação do art. 535 do CPC não confi gurada.

(...)

2. Em regra, o afastamento da prescrição pelo Tribunal ad quem permite-

lhe julgar as demais questões suscitadas no recurso, ainda que não tenham

sido analisadas diretamente pela sentença, desde que a causa se encontre

sufi cientemente “madura”, sendo certo que a convicção acerca de estar o feito

em condições de imediato julgamento compete ao Juízo a quo, porquanto a

completitude das provas confi gura matéria cuja apreciação é defesa na instância

extraordinária conforme o teor da Súmula 7 do STJ. Precedentes.

3. No caso concreto, todavia, conquanto o Tribunal de origem tenha

consignado a existência de prova da dívida (fl s. 128-140), reiterando-a em sede de

embargos de declaração, consta dos autos parecer do Ministério Público Estadual

em que é afi rmada a falta de assinatura do requerente nas notas fi scais, o que

aponta para a não entrega da mercadoria que deu origem à emissão dos cheques

(fl s. 114-121).

4. Dessarte, ante a ocorrência de dúvida plausível acerca da efetiva existência

do crédito pleiteado, impõe-se a remessa dos autos à instância primeva para que

possibilite ao réu o exercício do direito de defesa, o qual foi prejudicado pela

prematura extinção do processo monitório em razão da decretação da prescrição

pelo Juízo de piso.

5. Recurso especial provido. (REsp 1.082.964/SE, Rel. Ministro Luis Felipe

Salomão, Quarta Turma, julgado em 5.3.2013, DJe 1º.4.2013 - grifou-se).

Na espécie, ademais, a necessidade de produção de provas, tanto pela parte

autora quanto pela demanda, está evidenciada pelos próprios argumentos até

então examinados.

4) Do dispositivo

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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