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cor vermelha do rubi deve-se ao óxido de alumínio misturado com pequenas im- purezas. Originário do Oriente, é uma gema de cor atraente, deslumbrante, de dureza nove na escala de Mohs. A sua composição, beleza e cor parecem um recado dos deuses aos homens – e a sua raridade sempre atraiu príncipes e monarcas. O gosto pelos rubis estendeu-se a monar- cas europeus, a marajás da Índia e a altas entidades dos países orientais (de onde os rubis são originários). Estas últimas sem- pre impediram que os rubis finos saíssem para o Ocidente. No entanto, em 1949, Ri- ta Hayworth recebeu do seu marido, Ali Khan, um anel de noivado com um rubi do tamanho de um ovo de pomba e no mesmo tom do sangue dessa ave (cor mais valiosa). Sabe-se que um dos cinco maiores rubis do mundo pertenceu à cosmopolita Maharani do Baroda, o que não admira se levarmos em conta que os maiores admiradores dos rubis da Birmânia foram sempre, sem dúvida alguma, os faustosos príncipes da Índia. As pedras mais famosas que estão classificadas são: o rubi Edward de 167 quilates que se exibe no British Museum of Natural History de Londres; o rubi Estrela de Rivees, com 138,7 quilates, que se pode ver no Smithsonian Institution de Washington; o Long Star Rubi, rubi estrela da Birmânia, de 100 quilates, que pertence hoje ao Museu de História Natural de Nova Iorque. Mas também exis- tem três rubis famosos do tesouro do Irão: dois talhados em cabo- chon, ovais, de vermelho púrpura de 75 e 50 quilates cada um, e um outro em cabochon, estrelado, de 45 quilates, sendo o conjunto mais famoso que se conhece. O corindon, célebre, mais recente é o rubi da Paz, de 43 quilates, assim designado porque foi encontrado em 1919, imediatamente após o final da I Guerra Mundial. Admitindo que o rubi é uma dádiva suprema da natureza e, no as- pecto sociológico, um símbolo do luxo e de ex- pressão imediata do poder económico, o rubi estrelado ultrapassa tudo quanto se possa dizer. A sua estrela (quando existe) tem seis braços e deve-se à inclusão de agulhas minerais onde a luz incide logo que a pedra se apresenta talhada em cabochon. Nós conhece- mos um rubi facetado e com estrela. Para que este fenómeno da estrela se dê, em toda a sua perfeição, é preciso talhar as pedras e orientá- -las de maneira a que o eixo óptico do cristal seja perpendicular à base da pedra. JÓIAS ANTIGAS COMO O MUNDO Afirmar que as jóias são tão antigas como o mundo talvez seja um exagero. Mas, desde que Adão e Eva foram despojados da inocente nudez do paraíso terrestre, o homem, ao procurar vestir-se, começou a sentir necessi- dade de se adornar. Esta preocupação alargada aos valores estéticos surgiu nos povos primitivos acompanhada, geralmente, de intenções rituais ou mágicas. As jóias, e em especial as pedras preciosas, têm há muito tempo uma carga misteriosa e por vezes mística que ultrapassa a sua beleza intrínseca. Talvez por isso exerçam tanto fascínio sobre a Humanidade. Mas, por vezes, esse fascínio não é, em regra, in- teiramente desinteressado. Em equação coloca-se a raridade, o preço, a revelação do nível social e da riqueza de quem as ostenta. Para o estudo das jóias antigas não há nada mais importante que os arquivos, os testamentos e, acima de tudo, a iconografia. Através A por Marionela Gusmão O rubi é a pedra preciosa mais deslumbrante. A sua composição, beleza e cor parecem um recado dos deuses aos homens. A sua raridade sempre atraiu príncipes e monarcas, uma boa razão para ser chamada ‘a pedra dos reis’. Rubis Um recado dos deuses 01. ESPIRAL | 091 S P 090 | ESPIRAL EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA 02. 01. Cristal de rubi em mármore de Jegdalek no Afganistão acompanhado de uma pedra lapidada. 02. Colar de Vera Hue- -Williams de cerca de 1935 com um total de rubis e diamantes aproximada- mente de 195 e 39 quilates. Foi vendido em 1995 pela Christie’s por 1 286 500 francos suíços.

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cor vermelha do rubi deve-se ao óxido de

alumínio misturado com pequenas im-

purezas. Originário do Oriente, é uma

gema de cor atraente, deslumbrante, de

dureza nove na escala de Mohs. A sua

c o m p o s i ç ã o ,

beleza e cor parecem

um recado dos deuses aos homens – e a

sua raridade sempre atraiu príncipes e

monarcas.

O gosto pelos rubis estendeu-se a monar-

cas europeus, a marajás da Índia e a altas

entidades dos países orientais (de onde os

rubis são originários). Estas últimas sem-

pre impediram que os rubis finos saíssem

para o Ocidente. No entanto, em 1949, Ri-

ta Hayworth recebeu do seu marido, Ali

Khan, um anel de noivado com um rubi do

tamanho de um ovo de pomba e no mesmo

tom do sangue dessa ave (cor mais valiosa).

Sabe-se que um dos cinco maiores rubis do

mundo pertenceu à cosmopolita Maharani

do Baroda, o que não admira se levarmos

em conta que os maiores admiradores dos

rubis da Birmânia foram sempre, sem dúvida alguma, os faustosos

príncipes da Índia.

As pedras mais famosas que estão classificadas são: o rubi Edward

de 167 quilates que se exibe no British Museum of Natural History

de Londres; o rubi Estrela de Rivees, com 138,7 quilates, que se

pode ver no Smithsonian Institution de Washington; o Long Star

Rubi, rubi estrela da Birmânia, de 100 quilates, que pertence hoje

ao Museu de História Natural de Nova Iorque. Mas também exis-

tem três rubis famosos do tesouro do Irão: dois talhados em cabo-

chon, ovais, de vermelho púrpura de 75 e 50 quilates cada um, e um

outro em cabochon, estrelado, de 45 quilates, sendo o conjunto mais

famoso que se conhece. O corindon, célebre, mais recente é o rubi

da Paz, de 43 quilates, assim designado porque foi encontrado em

1919, imediatamente após o final da I Guerra Mundial.

Admitindo que o rubi é uma dádiva suprema da natureza e, no as-

pecto sociológico, um símbolo do luxo e de ex-

pressão imediata do poder económico, o rubi

estrelado ultrapassa tudo quanto se possa

dizer. A sua estrela (quando existe) tem seis

braços e deve-se à inclusão de agulhas

minerais onde a luz incide logo que a pedra se

apresenta talhada em cabochon. Nós conhece-

mos um rubi facetado e com estrela. Para que

este fenómeno da estrela se dê, em toda a sua

perfeição, é preciso talhar as pedras e orientá-

-las de maneira a que o eixo óptico do cristal

seja perpendicular à base da pedra.

JÓIAS ANTIGAS COMO O MUNDO

Afirmar que as jóias são tão antigas como o

mundo talvez seja um exagero. Mas, desde

que Adão e Eva foram despojados da inocente

nudez do paraíso terrestre, o homem, ao

procurar vestir-se, começou a sentir necessi-

dade de se adornar. Esta preocupação alargada

aos valores estéticos surgiu nos povos primitivos acompanhada,

geralmente, de intenções rituais ou mágicas.

As jóias, e em especial as pedras preciosas, têm há muito tempo

uma carga misteriosa e por vezes mística que ultrapassa a sua

beleza intrínseca. Talvez por isso exerçam tanto fascínio sobre a

Humanidade. Mas, por vezes, esse fascínio não é, em regra, in-

teiramente desinteressado. Em equação coloca-se a raridade, o

preço, a revelação do nível social e da riqueza de quem as ostenta.

Para o estudo das jóias antigas não há nada mais importante que os

arquivos, os testamentos e, acima de tudo, a iconografia. Através

Apor Marionela Gusmão

O rubi é a pedra preciosa mais deslumbrante. A sua composição, beleza e cor parecem um recado dosdeuses aos homens. A sua raridade sempre atraiu príncipes e monarcas, uma boa razão para ser chamada‘a pedra dos reis’.

RubisUm recado dos deuses

01.

ESPIRAL | 091

SP

090 | ESPIRAL

EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA

02.

01. Cristal de rubi em

mármore de Jegdalek no

Afganistão acompanhado

de uma pedra lapidada.

02. Colar de Vera Hue-

-Williams de cerca de 1935

com um total de rubis e

diamantes aproximada-

mente de 195 e 39

quilates. Foi vendido em

1995 pela Christie’s por

1 286 500 francos suíços.

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SP

094 | ESPIRAL

EDITORIAL SUMÁRIO PERFIL CORREIO LEITOR CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM OPINIÃO HISTÓRIA CRÓNICA ENTREVISTA TÉCNICA

Rubisfalso do vestido, tudo em pérolas e rubis, muito semelhante à joa-

lharia que usava a sua cunhada, mulher de Carlos IX.

Entre os inventários das casas reais e da alta nobreza, há que tomar

em conta os adornos das martas zibelinas, então em grande moda,

que apresentavam a cabeça em ouro com rubis e esmeraldas. Nor-

malmente, os olhos eram granadas, a língua uma pérola e as patas

ostentavam rubis e esmeraldas. Por exemplo, a marta zibelina da

Margravina de Burgau, falecida em 1580, tinha a cabeça toda em

ouro com diamantes, rubis e pérolas.

No que se refere ao exagero das jóias, Lucas Cranach foi um dos

pintores que melhor retratou as damas jovens que usavam no

decote dos seus vestidos até seis pendentifs e outros três pendurados

em largas correntes. Guan Muelich, que de 1552 a 53 pintou em

miniatura a duquesa Ana da Baviera de solteira arquiduquesa da

Áustria, reproduziu a maioria dos pendentifs.

A JOALHARIA DO SÉCULO XIX AO SÉCULO XX

Ninguém pode falar de jóias do século XIX sem referir a imperatriz

Eugénia, a última verdadeira grande figura das cortes europeias.

Imagine-se que para ornamentar o decote de um vestido de baile

utilizou todos os diamantes da coroa francesa. Para ela, rubis, safi-

ras e esmeraldas e também turquesas, ametistas, topázios e

granadas combinavam-se com centenas de brilhos.

Bapst, Krammmer, Chaumet e Lemonnier confeccionaram os mais

lindíssimos adereços para a formosa espanhola. Entre esses con-

juntos contam-se o célebre adereço das grinaldas de pâmpanos, for-

mado por mais de três mil brilhantes, uma peineta composta de

208 grandes brilhantes e um cinto de pérolas, safiras e esmeraldas,

cujas gemas se combinavam com 2400 brilhantes. Era talvez o

mais belo adorno da mulher mais bonita do mundo. Entretanto,

depois de muitas mudanças e dos estilos ‘neo-tudo’, e de se passar

pela Arte Nova, as jóias de platina tornaram-se as preferidas do

primeiro quartel do século XX. Com o tempo das guerras, das

crises económicas, das mudanças sociais e de mentalidades, as for-

mas passaram a ser ostensivas e o seu uso mais comedido. E se, por

um lado, as jóias se reduziram em número e tamanho, por outra

parte procurou-se a compensação num trabalho mais cuidado e

artístico.

Quanto aos rubis, eles usam-se porque têm qualquer coisa de in-

determinável e, por isso, são capazes de sugestionar todas as ima-

ginações. A sua cor é tão bela que desafia a inteligência da Hu-

manidade. E todos nós ansiamos por descobrir o mistério do que

nunca acaba, do que é eterno, do que nos ultrapassa.

Hoje, na era dos cibernautas, mesmo os que conhecem os cami-

nhos tortuosos das auto-estradas de cada computador, um rubi é

um símbolo, um ‘rosto’ por onde se cruzam os sonhos dos grandes

aventureiros que partiram em busca do desconhecido. Ao contem-

plar um rubi podemos pensar nos grandes génios visionários que,

das ciências às artes, sempre tentaram ampliar os limites do co-

nhecimento. Mas… os sonhos que fazem explodir paixões lem-

bram-nos muito as grandes personalidades femininas que a história

dos últimos anos foi imortalizando, tais como Wallis Simpson,

duquesa de Windsor; Grace do Mónaco; Maria Callas; imperatriz So-

raia da Pérsia; princesa Salimah Aga Khan e Elizabeth Taylor…

Elas deram bom exemplo de que um colar de rubis se deve usar com

um vestido vermelho, preto ou branco. Jamais com verde ou azul.

Em conclusão, os rubis são as gemas mais caras, raras e desejadas,

talvez por terem a cor que embriaga e ruboriza como os beijos de

amor da mais pura adolescente.

esmeraldas, as safiras, as pérolas e o marfim chegam da Índia, de

Burma, do sul da Rússia e de África. As luxuosas jóias bizantinas

são procuradas e admiradas no mundo inteiro.

IDADE MÉDIA

Decorridos vários séculos, até chegarmos ao período quatrocen-

tista, a utilização das pedras foi muito demorada. Não era fácil com-

binar o metal com as gemas. Gemas que apenas se sabia polir e que

eram utilizadas nas superfícies naturais. O trabalho de facetar é

uma invenção posterior.

O luxo, no que respeita ao uso de jóias, foi-se incrementando cada

vez mais até alcançar o apogeu nos séculos XV e XVI. No século XV

imperava a moda da corte de Borgonha. O excesso de jóias numa

personalidade vestida com elegância era tal que chegavam a cobrir

o chapéu e outras peças da indumentária. Na crónica do viajante

barão de Rozenital lê-se o seu espanto ao ver, na Câmara do

Tesouro, o chapéu de Filipe, O Bom, avaliado em 60 000 coroas.

As jóias masculinas deste tempo, exibicionistas do poder económi-

co, sempre causavam espanto a quem as contemplava, e Max von

Boehn refere que quando o duque Filipe, O Bom, se reuniu com o

imperador Frederico, em Besançon, em 1442, levava uma banda

adornada de pérolas e rubis de grande valia.

RENASCENÇA

As jóias renascentistas eram trabalhadas do mesmo modo em

França, Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal por ourives agrupa-

dos segundo as modalidades ligeiramente variáveis, em compa-

nhias que se chamavam corporações. Por exemplo, em França, o

orfèvre bijoutier era aquele que vendia ou fabricava jóias de ouro e

o orfèvre joaillier, o que executava e vendia peças de diamantes e pe-

dras preciosas. Em Portugal, os nossos joalheiros também perten-

ciam a uma corporação que tinha como patrono Santo Elói, a qual

tinha lugar na Casa dos Vinte e Quatro.

Claude Frégnac, in Les Bijoux de la Renaissance à la Belle Époque,

noticia “que foi Francisco I quem, por Cartas Patentes datadas de

15 de Junho de 1530, instituiu os Bijoux de la Couronne”. Diz ele:

“Criou um tesouro inalienável que cada rei devia ceder ao seu

sucessor intacto ou aumentado. De facto, a regra foi respeitada,

com raras excepções, até à Revolução. No século XVII, Dangeau

falava de 500 mil libras de pedrarias oferecidas por Luís XIV à

duquesa de Borgonha… Um inventário elaborado sob a ordem de

Francisco I mostra uma colecção, ainda embrionária, onde as

melhores peças provêm da sua primeira mulher, Claude de

França, que as recebeu de Ana da Bretanha, sua mãe”. Nesse

inventário encontram-se mencionadas várias pedras importantes,

em particular um grande rubi baptizado Côte de Bretagne, que

acabou por ser de novo talhado no século XVIII, e que hoje se

pode ver nas colecções do Louvre.

Em Espanha, Carlos V, imperador da Alemanha, arquiduque da

Áustria, rei da Espanha e das suas colónias, beneficiando dos car-

regamentos de ouro e prata originária das terras descobertas, tinha

prosperidade mais que suficiente para encomendar as melhores

peças aos mais famosos joalheiros de Veneza e de Florença onde,

evidentemente, não faltavam os rubis. No entanto, certos historia-

dores afirmam que a obra-prima da joalharia da Europa Central é a

coroa imperial executada, em 1602, em Praga, por um joalheiro

holandês de nome Jan Vermeyen, para Rudolfo II.

Em termos de riqueza é conhecido o retrato de Elizabeth de Valois,

mulher de Filipe II, I de Portugal, pintada por Alonso Sanches

Coelho, onde se pode ver um toucado, um colar, uma guarnição do

01. Retrato oficial da princesa Grace do Mónaco em 1959, com um diadema

de rubis e diamantes realizado pela Cartier. 02. Jóias Torres – anéis em ouro

branco ou amarelo com rubis. 03. Anéis Happy Diamonds, da Chopard em

ouro branco. 04. Anel Swan Princess, da Mauboussin.

02.01.

03. 04.