Rui Martins a Rebelião Romantica Da Jovem Guarda

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Jovem guarda

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RUI MARTINSA REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAPublicado pela Editora Fulgor em 1966PREFCIO DE: FERNANDO DE AZEVEDOFULGORNDICE(clique nos links para visitar as pginas)PrefcioIntroduoCaptulo I : As rebelies juvenis contemporneasCaptulo II: Os adultos e sua integrao no mundo juvenilCaptulo III: Razes do declnio da bossa novaCaptulo IV: O papel da propaganda na criao de imagensCaptulo V: Uma msica que satisfez a todosCaptulo VI: A rebelio romntica da juventude nacionalCaptulo VII: Apoio e reserva dos adultos aos movimentos juvenisCaptulo VIII: Os traos conservadores do lder juvenilRui Martins: A histria do advogado e quase pastor, que decidiu ser jornalistaTexto interno da capaImpressionado com a transformao de um cantor em dolo de considervel parcela dajuventude urbana brasileira, o autor, que jornalista do Estado de So Paulo, quis saberas determinantes desse comportamento. Depois de uma srie de entrevistas comsocilogos e psiclogos da Universidade de So Paulo, publicou, na imprensa paulista,o primeiro trabalho que procurava interpretar a reao juvenil e adulta diante do que secomeava a chamar fenmeno Roberto Carlos.Na reportagem, que recebeu o ttulo de Juventude vive a rebelio romntica, o autorapresentou as diferentes opinies colhidas, mantendo uma unidade geral. Omitiu, porm,sua prpria interpretao para conservar-se fiel aos depoimentos.Neste livro, Rui Martins amplia seu primeiro trabalho e, utilizando-se de todo materialinicial, enriquecido com novas pesquisas e consultas, expe, tambm, sua prpriaopinio, concluindo pela existncia no Pas de uma rebelio juvenil que no conduz acaminho algum e que, por isso, conta com o apoio dos adultos conservadores.Os fatores determinantes dessa rebelio romntica estariam Intimamente ligados com aatual situao social e poltica brasileira, que no favorece a participao efetiva damocidade no desenvolvimento nacional.Texto da contra-capa"Mas, quando em torno se faz o vazio e nada convida para lutas... a mocidade tende aprocurar, em seus sonhos, o meio de fugir mediocridade e pasmaceira reinantes.Volta-se a si mesma, sem objetivo e com esprito conservador seno reacionrio, paraviver sua vida parte. Nem os adultos se integram na vida das geraes jovens, nemestas se preocupam com a sua participao na dos adultos e velhos. Da, a "rebelioromntica da jovem guarda", que to admiravelmente analisa Rui Martins, em poucoscaptulos, com a lucidez e segurana de suas observaes de fatos, e de suas reflexessobre ele".FERNANDO DE AZEVEDOComentrios do BarbieriEu comprei este livro num sbo perto da Praa da S em So Paulo l pelo princpio de1980. Acabei trazendo este livro para Londres onde vivo e, agora faz parte da minhabibliotca. Para coloc-lo aqui neste site, usando um scanner "escaneei" todas as 79pginas do livro, mais a capa e, depois usei um programa OCR (optical caracterrecognizer) para checar todas as pginas usando um programa de inteligcia artificial eassim transformar os "scans grficos" em documentos Microsoft Word. Como o textodo livro foi encrito nos anos 60, com o Word fiz a correo hortogrfica. O texto entofoi reeditado e colocado neste web site. Todo cuidado foi tomado para evitar problemashortogrficos e de compreeno de texto. Se o caro leitor encontrar algum problemaficarei feliz em ser comunicado para que possa fazer a devida correo. PREFCIODois motivos, ao que penso, tero induzido Rui Martins a pedir-me o prefcio para estelivro. Por me saber velho amigo da mocidade, em cujo convvio transcorreram osmelhores anos de minha vida, e por sentir quanto me preocupam os problemas atuais.Por ter vivido entre moos, seria eu, a seu juzo, mais capaz de compreend-los e deaceit-los como so, e, por ser homem de meu tempo, - do presente, mais em condiesde enfrent-lo, com os olhos postos no que est por vir, - no futuro que nele j seanuncia entre luzes e sombras. Tenha acertado ou no na escolha que fez, aceitei oconvite por ser livro seu (e eu estou entre os que mais admiram a inteligncia do autor)e pelo assunto de que nele trata, e que , realmente, de atrair e prender a ateno.Pois, assistimos hoje, em nosso pas e em outros, a uma rebelio romntica da jovemguarda. E Rui Martins a aponta e descreve, com objetividade na apresentao dos fatos,finura em suas anlises e calor na compreenso das atitudes juvenis. :Em cada captulodo livro projeta-se uma luz nova sobre elas. Mas eu me pergunto (e essa pergunta selevanta no texto e nas entrelinhas) porque a mocidade de hoje se aventurou por essesdesvios romnticos, de devaneios e histerias coletivas, quando outros caminhos lheestaria indicando a poca atual? poca de descobertas e invenes notveis, deexploraes e viagens espaciais e planetrias, de aventuras e perigos, de guerras erevolues. Fase de transio de uma civilizao que se extingue, para outra em cujoamanhecer (esperamos no seja sangrento) acordamos entre sobressaltos einquietaes.Ser apenas por ser a juventude o que ela , ou por uma aspirao inconsciente defuga do realismo de . nossos tempos? Mas esses caminhos romnticos, de abandono asi ... mesma, de encantamento e delrio, parece-me no ter sido ela, propriamente que osescolheu. As circunstncias que neles a lanaram. Pois a mocidade no costumaenveredar por caminhos fceis de percorrer e, por isso, mais freqentados. Por suanatureza, ela dinmica, revolucionria. No acomodatcia nem resignada e muitomenos indiferente. Certo, depois de uma onda de sofrimentos e lutas, de batalhas ganhasou perdidas, surge, com freqncia, uma nova vaga, - a romntica, de que a notaprincipal a digresso, quase mstica, para os sonhos e arrebatamentos, ou sensual, paraa boemia e os prazeres. As trguas so s vezes necessrias, e volta-se a descansar umpouco do que grave, perigoso, e que obriga reflexo, refugiando-se os jovens emtudo o que possa distrair-lhes o pensamento e conceder-lhes o privilgio de seabandonarem a si mesmos. preciso seguir de perto as pulsaes da conscincia da juventude, inquieta e rebelde,para compreender esses peridicos espasmos.em que ela se entrega a devaneios e dissipaes. Crises, de desperdcio de foras eenergias, seguem-se e precedem, no raramente, a acontecimentos polticos e sociais,mais profundos do que o jogo confuso e contraditrio de partidos e de classes. Se amocidade foi envolvida por essas crises e se mostrou ou parece indiferente a tudo o quenos deslumbra ou perturba no alvorecer de uma nova civilizao, o que, nesse fato, sedeve ver no um acaso nem uma atitude parte, sem nenhum sentido. Mas o resultadode uma confluncia de fatores, - entre os quais a perda de confiana nos adultos e velhos,nas camadas dirigentes, como nos valores antigos -, que a projetaram, sem que ela opercebesse claramente, no mundo, dispersivo e quimrico de derivaes e rebeldias 1romnticas. Se perdeu ela a crena nos homens e nos valores tradicionais, e noencontrou ainda, para se reanimar, a f em homens e valores novos, no lhe resta outrocaminho seno o da desero, para viver, na plenitude, sua vida prpria.Os perigos mais graves a que se expe a juventude, como, alis, todos ns, no so osmais visveis, mas os que se aproximam sem rudo e penetram insidiosamente.Desiludida e ameaada, posta de lado ou entregue sua prpria sorte, no s por umfalso conceito em que a tm os mais velhos, como, sobretudo, por um secreto contgioque atinge o pensamento, bloqueia as reivindicaes, e desagrega os costumes, tende amocidade, naturalmente, a recolher-se e a entrar em frias. Quando o Estado decide outenta decidir, por ns, o que se tem de pensar; quando a opinio pblica se submete, seembota e adquire o hbito de no ter opinio; quando os intelectuais so vistos comdesconfiana e os estudantes acabam por reconhecer que no tm voz no captulo, quelhes resta aos jovens, afinal, seno lanarem-se aventura de tipo burgus, dessasrebeldias potico-romnticas como se no estivessem integrados em um conjunto, - noconjunto das foras nacionais?Se, voltando os olhos ao meio em que vivem, o que se lhes depara um espetculodesolador, uma situao deplorvel que no se tenta seriamente resolver, e para a qualno convocada a colaborao da mocidade, nada, de fato, tem ela a fazer. senoretirar-se, desiludida, ao seu mundo, de sonhos e fantasias. Certamente, a obra dereconstruo nacional se ataca em vrias frentes. Mas todas essas reformas que seprojetam no papel, nada sero se no comearem pela educao e recuperao dajuventude, em larga escala e em todos os setores de atividades. Pois, o que se v, sob odomnio de 'elites restritas e seriamente comprometidas, so massas urbanas e rurais,privadas de quaisquer recursos, para viverem dignamente, moradia, alimentao,elementares noes de higiene e de instruo, e, alm disso, sem uma clara conscinciade sua funo social e de suas prprias obrigaes para com a comunidade.Em situaes em que a mocidade no encontra estmulo para uma participao calorosaem atividades de reconstruo, e em que esteja na ordem do dia no a grandeza mas amediocridade, quase instintiva, nela, a fuga higinica para os sonhos e ilusesromnticas. Se no a querem com suas naturais inconformidades, rebeldias e aspiraes,em largos planos de ao, o que lhe resta entrar em recesso, viver sua prpria vida,mais ou menos alheia ao que se passa em torno dela e no capaz de lhe agitar oesprito, conquistar-lhe o corao e despertar-lhe o entusiasmo. Em todos os grandesmovimentos de reorganizao nacional, nessa ou naquela direo, de direita ou deesquerda, em que se apelou para elas, as geraes jovens, convocadas e mobilizadas,nunca deixaram de participar da execuo de planos, s vezes carregados de erros eperigos, mas que lhes traziam qualquer coisa de grande, nas suas concepes eesperanas. Elas tiveram, porque atradas (e tantas vezes, tradas! ), papel sumamenteimportante em todos esses movimentos, democrticos ou no. No havia ento lugarpara fugas e rebelies romntica, empenhadas como estavam, na obra de recuperao,de reformas e reivindicaes.Mas, quando em torno delas, se faz o vazio e nada as convida para lutas, construtivas oudestrutivas; quando no se lhes acena para grandes iniciativas e realizaes; quando osacontecimentos se arrastam, na confuso ambiente, e, se, importantes e graves, noencontram lderes ou dirigentes altura deles, e se tudo os remi, na incoerncia, ou nasperplexidades e hesitaes, a mocidade tende a procurar, em seus sonhos, o meio de 2fugir mediocridade e pasmaceira reinantes. Volta-se a si mesma, sem objetivo e comesprito conservador seno reacionrio, para viver sua vida parte. Nem os adultos seintegram na vida das geraes jovens, nem estas se preocupam com a sua participaona dos adultos e velhos. Da, a rebelio romntica da jovem guarda, que toadmiravelmente analisa Rui Martins, em poucos captulos, com a lucidez e segurana desuas observaes de fatos, e de suas reflexes sobre eles.Vale a pena ler cada um desses captulos, pequeno e incisivos, em que o jovem escritorexamina as rebelies/juvenis contemporneas; os adultos e sua integrao no mundojuvenil; as razes do declnio da bossa nova> e o papel da propaganda na criao deimagens sobre a msica que satisfez a todos; sobre a rebelio romntica da juventudenacional; o apoio e reservas dos adultos aos movimentos juvenis e os traosconservadores do lder ou dos lderes juvenis. So todos eles, anlises finas epenetrantes que nos convidam reflexo. Baseou-se o autor para faz-los emobservaes, reportagens e pesquisas, de que ele extraiu dados e elementos para umasegura interpretao dos fatos, que se props a estudar, e que ele conhece melhor do quequalquer um de ns.O fenmeno dessa "rebelio romntica da jovem guarda", universal. No se manifestaapenas, como se poderia imaginar, em pases menos desenvolvidos. Ele j tinha surgido,e de modo espetacular, em outros, super desenvolvidos como a Inglaterra, de ondevieram os "Beatles", com repercusses, de intensidade e amplitude variveis, pelomundo inteiro. Todas essas manifestaes juvenis, de razes mais extensas do queprofundas, so analisadas neste livro, de poucas pginas mas de muito contedo, com aclareza de um jornalista moderno, em que se associam vibratilidade e esprito objetivo.Esprito que o da procura da verdade, sem preconceitos e distores. o que consegueRui Martins numa linguagem viva, simples e direta. No encontro que, nessasinvestigaes, marcou com a verdade, parece-me que deu com ela, trazendo-noscontribuies de valor para o esclarecimento de vrios problemas que abordou. Eu ofelicito por isso. FERNANDO DE AZEVEDO So Paulo, Julho de 1966. 3 INTRODUOQuando percebemos o rpido xito conseguido pelo cantor Robertd Carlos e a suaaceitao fcil, no s pelos jovens como por crianas e at adultos, ocorreu-nos apossibilidade de localizar as causas determinantes da queda do prestgio dos intrpretesda chamada "bossa nova" e da ascenso do jovem cantor de "i-i-i" nacional.Embora para muitos tudo no passasse de uma simples voga, bastante comum nocomportamento do grande pblico que costuma trocar seus dolos de tempos em tempos,tnhamos impresso diversa, crendo na existncia de razes mais srias e considerando ahiptese de representar o "i-i-i" uma vlvula de escape encontrada pela maioria paracompensar frustraes, anseios ou extravasar energias que, naquela altura, noconseguamos definir.Dessa curiosidade, surgiu a reportagem "Juventude vive a rebelio romntica",publicada em um matutino paulistano (O Estado de So Paulo - 08/05/1966),resultado de uma srie de entrevistas que tivemos com professores de prestgio,catedrticos da Universidade de So Paulo. Estes concordaram em expor suas teoriassobre as razes do xito do jovem cantor que, naquele momento, era bem recebido portodos os grupos etrios e, aparentemente, por todas as camadas sociais. A unificao dasinterpretaes apresentadas mostrou, ento, a existncia de fatores realmenteimportantes para o entendimento do fenmeno que, considerado superficialmente nopassava de uma simples conseqncia da simpatia despertada pelo jovem entre seusouvintes, aliada ao ritmo quente e alegre da nova msica.Este livro a ampliao daquela reportagem, enriquecida agora com novas pesquisas econsulta de prticamente todo o ;material publicado sobre Roberto Carlos, numatentativa de for tecer aos interessados uma viso do significado da adeso macia aocantor, dentro do contexto social e poltico em que vivemos. Talvez possa parecerexagero admitir-se tais conotaes:na anlise do fenmeno, entretanto, exagero seriatentar-se explicar o xito do cantor Roberto Carlos, desprezando-se a influncia dascircunstncias que, no momento, afetam o comportamento da populao, notadamente aque vive nos centros urbanos.Naturalmente, no seria possvel analisar-se a ocorrncia do i-i-i no Brasil semlig-lo sua origem europia e sem relacion-lo com outros movimentos juvenis deprotesto ostensivo. Da, o captulo dedicado ao comportamento da mocidadecontempornea, que ora parte em demanda de objetivos definidos, ora ageirracionalmente externando uma rebeldia sem causa ou ainda extravasa suas energiasem demonstrares toleradas e at estimuladas pelo mundo adulto.No primeiro caso, os objetivos da juventude so, geralmente, de alterao dos conceitospolticos ou sociais da estrutura em que vivem, razo pela qual todo um organismo derepresso utilizado para impedir tais tentativas; no segundo caso, so manifestaesdestitudas de senso que atentam contra a estabilidade social, pelo que seus autores soconsiderados proto-delinqentes e mobilizado contra eles todo um aparato policial;enfim, no terceiro caso, a juventude no tem conscincia suficiente para tomar posiesdefinidas, nem as condies do meio ambiente favorecem a delinqncia, surgindo,ento, uma atitude de oposio franca sociedade, porm, no quanto ao seu aspecto 4estrutural mas sim quanto aos seus hbitos, procurando choc-la, escandaliz-la, semintenes de reform-la.No levantamento das razes determinantes do surgimento de um dolo, no poderia,tambm, ser omitida a participao decisiva dos meios mecnicos de comunicao,caractersticos do mundo moderno, postos a servio da propaganda para atenderinteresses econmicos ou interesses polticos do Estado. Por esse motivo, nacompreenso do fenmeno Roberto Carlos o papel dos meios de difuso, notadamente ateleviso, subordinados a interesses publicitrios, merecem referncia especial.Mesmo porque, ao xito musical do cantor esto unidos alguns investimentoscomerciais bastante lucrativos, todos relacionados com a introduo no mercado de umanova marca, lanada para transformar o desejo de imitao do dolo em fonte deconsumo.Outro aspecto que no foi esquecido diz respeito atitude com . que os adultosaceitaram o movimento juvenil, revelando grande simpatia pelos seus lderes eutilizando a popularidade deles para promover at campanhas beneficentes. De modogeral, a sociedade mostrou-se satisfeita com o tipo de rebelio por eles preconizada,registrando-se diversos depoimentos francamente favorveis juventude i-i-i,considerada como bastante equilibrada e capaz de trazer sossego ao mundo adulto.Parece-nos que essa atitude adesista e at estimuladora est relacionada com a figura dolder do movimento, razo pela qual procuramos interpretar seus depoimentospublicados na imprensa, bem como seu comportamento ante situaes diferentes. Asconcluses quanto liberalidade ou conservadorismo do jovem rebelde soapresentadas no final deste trabalho, depois de algumas observaes que nos pareceramessenciais.Resta-nos agradecer aos profs. Fernando de Azevedo, Octvio Ianni, Ruy Coelho, EgonSchaden e Anita Castilho Cabral as contribuies que nos deram por ocasio dareportagem Juventude vive a rebelio romntica e que nos foram mais uma vezvaliosas. Inclumos nesse agradecimento todos os colegas de imprensa que dedicarammaior ateno figura do lder do i-i-i e juventude que ele representa, pois muitonos auxiliaram na avaliao das propores do fenmeno. 5 CAPTULO I AS REBELIES JUVENIS CONTEMPORNEASa) Oposio natural nas sociedades urbanasUma franca hostilidade juvenil aos padres da sociedade organizada, em busca de novosvalores, parece ser a constante na maioria dos pases do mundo contemporneo.Demonstrando possuir uma posio independente diante da existncia, os jovensdesafiam a validade das estruturas aceitas pelo mundo adulto e, no raro, promovemmanifestaes, nas quais deixam bem patente essas discordncias.Essa oposio, em muitos casos, bastante compreensvel, pois ~ natural que as novasgeraes no aceitem passivamente as estruturas, costumes e convenes observadospelos que as antecederam. De certa forma, esse comportamento rebelde contra aexperincia dos adultos parece ser uma maneira encontrada pela natureza para permitir arenovao da sociedade e possibilitar-Ihe a observncia de uma dinmica que os velhosconservadores jamais permitiriam.Cada gerao, ento, no esforo que despende antes de se integrar no mundo dos adultos,provoca, como conseqncia dos atritos surgidos, a formao de um clima propcio auma nova compreenso de determinados fatos por toda a sociedade. Essa regularreinterpretao e reconsiderao pela sociedade de fatos e conceitos, at ali tidos comodefinitivos, seria a grande contribuio da juventude no sentido de impedir aestratificao social. O sangue novo funcionaria, assim, como uma espcie derevitalizador.Nas sociedades urbanas industriais ou em industrializao, a influncia da mocidadefaz-se sentir de forma ainda mais marcante. O fenmeno dos grandes aglomeradosurbanos uma novidade que a raa humana s veio a conhecer no nosso sculo. Istoequivale a dizer que, nas urbes, onde os valores tradicionais de comportamento sedesatualizam, com a sociedade dos adultos aturdida e debaixo do impacto de uma novamaneira de conviver, os jovens destroem tabus seculares preservados pelascomunidades que tinham a seu favor um perfeito aparelho de compulso social.Nos grandes centros urbanos, tudo se dilui, no havendo mais possibilidade do controlergido do comportamento de seus habitantes como ocorria nas antigas organizaessociais. Os prprios membros mais conservadores da nova sociedade percebem quevivem uma nova situao, diferente daquela compreenso rural de existncia quepossuam. Conscientes, portanto, de que seus antigos padres e conceitos esto sendosuperados, os mais conservadores se chocam e se desarticulam, sem saber comoenfrentar a nova situao. A maioria rebela-se contra esse novo tipo de organizaosocial, que consideram desumano e destrutivo, porm, o processo irreversvel e a cadadia mais populosos se tornam os centros urbanos, num mundo em exploso demogrficae em franca expanso industrial. 6b) O mundo autnomo da juventudeNesse momento histrico de transformao, a juventude aproveita-se dos desencontrosexistentes no mundo dos adultos para demonstrar seu inconformismo e seu desinteressepor esquemas forjados de comportamento. E, ento, difceis de controlar porque somuitos, os moos aturdem e agridem a sociedade com atitudes ousadas. Criam ummundo autnomo, cuja ideologia a franca oposio a tudo quanto esteja aceito comodefinitivo.Nesse mundo autnomo, a todo instante aumentado de novos componentes, ao mesmotempo, que dele saem todos aqueles jovens ingressantes na vida sria dos adultos,recm-engajados no esquema de produo da sociedade. Para estes, a necessidade deproduzir para sobreviver determina sua integrao social. A partir desse momento, tmde adotar a linguagem, os modos, os trajes aprovados pelos adultos para conseguir suaconfiana. Em pouco tempo, integram-se de tal forma no novo ambiente que a incertezainicial da juventude esquecida, passando a encontrar nos ideais defendidos pelasociedade os seus prprios ideais de existncia.Entretanto, o mundo dos jovens, constantemente renovado, permanece sempreirrequieto como um foco constante de preocupaes. Naturalmente, tm os jovensrazes suficientes para demonstrar seu descontentamento perante a sociedade. Huma natural dificuldade para compreender a razo de sua presena num mundo cada vezmais conturbado.At h algum tempo, a religio resolvia o problema, apresentando aos jovens soluespara as suas perguntas de contedo metafsico. A juventude atual, porm, no se satisfazfacilmente com as explicaes que confortaram as geraes passadas. De fato, o mundomudou, criando com o seu fantstico desenvolvimento tcnico e cientfico as bases parao ceticismo. No um ceticismo definido, consciente, mas de atitudes.A maioria dos jovens no rompe seus vnculos tradicionais de religiosidade, apenas osrelega a um plano secundrio. Mantm como herana atvica o medo do sobrenatural epor isso no o desafiam, embora tambm no o cultuem, porque desconfiam daveracidade das solues que a religio apresenta. Nascidos numa poca de fatosconcretos, de experincias de laboratrio, de milagres visveis, no conseguem aceitarverdades que a razo no pode explicar.A natural dificuldade do jovem compreender sua presena no mundo agravada,tambm, pelas prprias contradies da sociedade. Encontrando toda uma estrutura jmontada, a juventude resiste para aceit-la, pois o idealismo que a caracteriza no podecompreender os vcios da engrenagem que os adultos permitem existir. No podemcompreender que tenham de aceitar como seus mentores aqueles que tm falhado aoconsentir na formao de uma sociedade egosta, materialista e por isso corrupta. Noentendem, igualmente, a manuteno dos preconceitos de raa, de cor, de crena ou declasse, porque no seu mundo juvenil prepondera a fraternidade, desconhecendo-se asdiferenas, pois elas foram diludas no fato principal de tf)dos serem moos desejososde grandes mudanas.H, ainda, uma razo de ordem emotiva, consubstanciada na resistncia dos jovens emaceitar uma sociedade dominada pela tcnica e pelas mquinas, causadora, desta forma, 7da despersonalizao de seus membros. O exato, o certo, o calculado dentro de umesquema considerado perfeito, ofende, nos aglomerados urbanos, o instinto criador dajuventude, amante das tentativas e das inovaes.Sentindo-se ameaados pelo perfeccionismo das mquinas, os jovens buscam umaafirmao maior no seu mundo juvenil que consideram mais humano porque menoscontrolado por frmulas ou mecanismos de preciso. So individualistas e, por essarazo, lutam contra a possibilidade da estandardizao, resistindo a uma sociedade quedespreza o seu romantismo.Sentem que neles est a esperana de um mundo novo e sonham com o instante em queconvencero a todos de que viver a coisa mais importante da existncia. Longe daspreocupaes de ordem econmica mais imediatas, detestam aqueles que as tm eadotam como princpio o desperdcio.c) A mocidade nos pases subdesenvolvidosEsses comportamentos at aqui citados so, naturalmente, prprios de mocidade quevivem em centros urbanos de regies desenvolvidas, onde as diferenas sociais no soto marcantes e a classe mdia rene a maioria da populao.Nas regies subdesenvolvidas, a integrao do jovem na sociedade chega a ser dolorosa,pois ele sente o distanciamento das classes e a quase impossibilidade de super-lo. Ospertencentes s classes menos favorecidas tm uma participao muito pequena nomundo dos jovens, obrigados que so, ainda adolescentes, a produzir para ajudar asubsistncia de suas famlias.Da absoro do trabalho poucas energias lhes restam depois para grandesexteriorizaes. O trabalho tambm os afasta da cultura, pelo que, no so estes osjovens que podem manifestar sua indisposio aos padres dos adultos. Precocementese tornam srios e assumem responsabilidades que os integram, rpidamente, no mundoadulto da classe a que pertencem.Da, serem mais conservadores e mais identificados com os adultos, pois a luta diriapela sobrevivncia e o tipo de necessidades que tm so iguais para ambos. Por isso,serem as classes pobres, nos centros urbanos, as mais zelosas pelas tradies, mantendocom fidelidade suas crenas, festas, msicas e supersties sem grandes mudanas. Osmorros cariocas so um exemplo vivo, no zelo com que pais passam para filhos o amorpelo samba que, anualmente, trazem para as ruas. Embora a influncia da televiso sejaum fato novo a considerar, as diferentes vogas estrangeiras no chegam a atingi-los comviolncia.O movimento juvenil fica restrito, portanto, a dois principais: o dos jovens classe-mdia(pequena burguesia) e o dos jovens ricos (alta burguesia). Por ser a classe mdia aquelaem que seus componentes aspiram e imitam os da classe superior, parece ser mais difcila integrao na sociedade dos jovens a ela pertencentes. Mantidos e sustentados pelospais at uma certa idade para que estudem, convivem nesse perodo com os colegasmais abastados, participam de suas aspiraes, tm os mesmos gostos, tornando-se 8difcil para eles o instante em que devem retornar realidade. Assim, enquanto osjovens dos pases desenvolvidos podem desfrutar de uma srie de comodidades, emboraexista a possibilidade de uma guerra que lhes tira um pouco da f no futuro, a maioriados jovens dos pases subdesenvolvidos contenta-se em conviver ou procura imitar osamigos mais privilegiados, conscientes, entretanto, da prpria situao.Essa a razo porque, nestes pases, comum a mocidade promover e participar demovimentos polticos, nos quais injeta todo dinamismo mas, ao mesmo tempo, toda asua inconstncia juvenil. Assim, ocorre, freqentemente, que jovens mais privilegiadosao verificarem que seus companheiros lutam com dificuldades se revoltam contra asociedade, unindo-se a eles nos seus movimentos de protesto.Na maioria das vezes, falta-lhes o lastro necessrio, bastando que assumam seus postosno mecanismo da produo para passar-lhes como por encanto todo o ardorrevolucionrio. Os seus companheiros, aspirantes da situao privilegiada, cessamigualmente seus ardores para que no acontea terem de entregar alguma boa posiodepois de a conquistarem com esforos.A incoerncia dessas atitudes explica-se pelo fato de ao ideal defendido nocorresponder uma realidade efetiva. O desejo de ser diferente, o gosto da aventura e avontade de agredir os padres vigentes so, porm, satisfeitos na militncia de umaposio tida como perigosa que pe, inclusive a famlia, em polvorosa. A verificao,posterior, diante de fatos concretos de que a conjuntura social lhes pode ser vantajosa, suficiente para liquidar com suas teorias idealistas.Entretanto, quando a situao no favorece a participao em movimentos nacionais derebeldia, a juventude desses pases adota tomo seus os movimentos originrios deregies desenvolvidas, numa tentativa de vert-los para o mundo em que vivem. Ascondies diferentes de existncia revelam, porm, a artificialidade do movimento. me simples conseqncia do mimetismo e do desejo de novidades, alm de permitir aosjovens uma identificao de atitudes com os companheiros das regies mais evoludas.Naturalmente, os meios de comunicao exercem preponderante papel na divulgaodesses movimentos no mbito global, dando uma caracterstica internacional s grandesmobilizaes juvenis.d) Trs tipos atuais de manifestaes juvenisConsiderando os ltimos movimentos juvenis registrados no mundo, poderemos afirmarque os mesmos esto divididos em trs categorias principais. Manifestaes de rebeldiacom propsitos bastante definidos que afetam a estrutura poltica ou social das regiesem que ocorrem; manifestaes marcadas pelo non sense e destitudas de objetivo,nas quais a juventude revela uma espcie de prazer sdico em afrontar o mundo dosadultos, sem quaisquer objetivos reformadores da estrutura social; e manifestaesdestitudas de periculosidade, nas quais a juventude reveja possuir uma ingenuidade eum ideal de pureza inesperados, como se quisesse mostrar ao mundo serem os seusprincpios mais sadios que os dos adultos. 9Quando estudantes norte-americanos fazem passeatas contrrias ou favorveis ao enviode tropas ao Vietn, quando tomam posies quanto ao problema do preconceito racialou quando estudantes de qualquer pas promovem greves de protesto, exigindo reformasde ensino ou qualquer outra medida, esto, de forma certa ou errada, tomando posiesdefinidas e tambm vlidas, diante de problemas que lhes dizem respeito. A energia quepossuem canalizada numa direo determinada, tornando-se o protesto no simplesrebeldia natural, mas o fruto da necessidade de uma tomada de posio. As prpriasmanifestaes artsticas refletem essa tendncia, apoiando a juventude os artistas queexternam seu estado de esprito. o caso de Joan Baez, nos Estados Unidos, quetransforma todos seus espetculos numa demonstrao hostil poltica externa dosEstados Unidos.O exemplo tpico da outra espcie de rebeldia, a chamada sem causa ou maiscorretamente sem objetivos, a dos play-boys ou transviados. Esta consiste em negaro sistema naquilo que ele tem de menos essencial, espcie de substituio doconformismo ablico da apatia pelo conformismo dilacerante da rebeldia. Emborarechaada pela estrutura social em que se manifesta, no afeta nenhuma instituio e,por isso mesmo, no conduz a coisa alguma.H, por ltimo, a manifestao juvenil que, pela sua falta de agressividade efetiva sociedade estruturada, adquire feies tpicas de uma rebelio romntica, consentida,permitida e at estimulada pelo mundo dos adultos. Como a anterior, no leva acaminho algum, tem, porm, uma caracterstica que a diferencia: um anseio de bondadee de pureza contraposto violncia. A necessidade de agredir destes jovens satisfaz-secom a adoo de outros padres no que diz respeito vestimenta e apresentaopessoal. No mais, o protesto vazio, destitudo de contedo, revelando na juventude umdesinteresse por qualquer coisa sria, donde a impossibilidade de tomadas de posio.Esse desinteresse provm em grande parte, da prpria situao atual do mundo, no qualos jovens, apesar do seu anseio de viver, sentem-se inseguros por no encontrarem umclima de segurana para o futuro da humanidade. Os jovens cheios de energia entregam-se, ento, aos ritmos frenticos como que tomados pelo mesmo delrio das mquinas.Esta interpretao seria, em parte, vlida para o fenmeno dos Beatles, na Europa,entretanto, no explicaria convenientemente o fenmeno do i-i-i no Brasil, ondeh ainda uma srie de outras circunstncias que contriburam para o seu aparecimento. 10 CAPTULO II OS ADULTOS E SUA INTEGRAO NO MUNDO JUVENILa) Causas e disponibilidade de lideranaAt aqui se procurou dar uma viso do significado das rebelies juvenis dentro dasociedade, demonstrando-se que, simples e natural oposio aos padres estabelecidospelo mundo dos adultos podem juntar-se outros fatores circunstanciais. O surgimentodos grandes aglomerados urbanos veio agravar, de certa forma, o choque de geraes,permitindo juventude novas maneiras de hostilizar os costumes e convenesdefendidos pela sociedade. A conquista de uma certa independncia, permitiu aosjovens a tomada de posies e a participao em movimentos de protesto com objetivosbastante definidos. Este, porm, no o caso do i-i-i nacional que, destitudo dequalquer agressividade ou objetivo considerado uma autntica rebelio romntica, semmaiores conseqncias.Sabendo-se, contudo, que a nova manifestao musical atinge, no Brasil, tambmadultos e crianas, surge a necessidade de encontrar-se as determinantes dessa aceitao.Como todo fenmeno social, esse comportamento no deve ser provocado pelaocorrncia de uma nica circunstncia causal, mas ser o resultado de todo umcomplexo no qual se interligam anseios, expectativas, frustraes e tendncias diante deJatos consumados. Apontar as causas responsveis, torna-se, por isso, uma atitudetemerria, mormente quando no se pode recorrer a dados concretos fornecidos porpesquisas. Sero, portanto, discutidas as causas provveis do fenmeno, podendo todaselas serem vlidas e terem, ao mesmo tempo, contribudo para sua ocorrncia.Inicialmente, a adeso macia em torno do jovem cantor parece indicar a existncia, noPas, de uma disponibilidade de liderana, da qual resulta um vazio que conduz todos aatitudes irracionais. Apesar dos esforos despendidos, os atuais governantes noconseguiram atrair para si o entusiasmo popular. So pblicas as declaraes do chefedo governo de que sua administrao tem aspectos impopulares, sabendo-se que suasmedidas de ordem econmica provocam, geralmente, desagrado geral.Conduzido ao poder na crista de um movimento vitorioso, o atual presidente nopossua um anterior lastro de popularidade que o levasse ao exerccio de uma lideranaconsentida. Recebido com satisfao por uns e com indiferena ou hostilidade poroutros, no conseguiu se transformar, nestes dois anos, naquele lder que o povo seacostumara a ter. Esse costume criou-se na longa ditadura de Getlio, cujopaternalismo satisfazia as necessidades de liderana do povo, enquanto impedia aformao de outros chefes polticos.A queda do Estado Novo encontrou o Pas numa crise de lderes, pelo que o povo, nasprimeiras eleies, recolocou no poder aqueles que satisfaziam sua necessidade de tutela.O povo revelava, nessa atitude, uma tendncia para formas de governo autoritrio, comoresultado do longo aprendizado. Porm, o exerccio da democracia foi, lentamente,corrigindo essa tendncia, embora continuassem a existir poucos lderes. Acreditava-se, 11ento, numa gradual libertao popular da necessidade dos lderes carismticos e noaparecimento de maior nmero de polticos capazes de exercer liderana.Entretanto, aps os episdios de 1964, seguiu-se um gradativo esvaziamento dos poucoslderes populares, no s os de esquerda como seria inevitvel, como tambm os dedireita e centro. Paulatinamente, Carlos Lacerda, Magalhes Pinto, Carvalho Pinto eAdhemar de Barros foram sendo postos de lado pelo novo esquema, participando, decerta forma, do mesmo ostracismo de Juscelino, Jnio e outros, cujos direitos polticoshaviam sido cassados, de imediato.Em contrapartida, no se ofereceu ao povo nenhuma figura popular de projeonacional, o que determinou a atual disponibilidade de liderana. A subseqente reformaeleitoral, instituindo o voto indireto para a escolha dos ocupantes dos cargosmajoritrios, teve efeitos semelhantes aos dos esvaziamentos, ressentindo-se o povo deter sido posto margem na escolha de seus governantes. Disso, proveio umindisfarvel desinteresse pelas coisas polticas. Esse vazio, contudo, precisava serpreenchido. Havia necessidade de acreditar-se em algum ou em alguma coisa.Surgiram, nesse momento, diversos agentes catalisadores destacando-se, entre eles,pela !lua importncia a passada voga das telenovelas. Considerando-se,superficialmente o problema, no se compreende como telenovelas de pouco contedohumano e mnima expresso artstica puderam ser to aceitas a ponto de mudar hbitosfamiliares. esse comportamento irracional foi, entretanto, a exteriorizao danecessidade do preenchimento de um vazio geral. A identificao com os heris esituaes da trama propiciou, alm disso, uma reconfortante fuga s inquietaes.No caso do i-i-i, o cantor Roberto Carlos preencheu a disponibilidade existente,embora comandando um simples movimento musical. Sua inconseqncia veio aoencontro do desinteresse reinante, enquanto sua msica permitiu mandar tudo proinferno.b) Aparecimento da conscincia de massaPela segunda hiptese, o fenmeno Roberto Carlos seria a manifestao de um estadoparticular de conscincia coletiva nos meios urbanos. Esta explicao no subestima aimportncia do tipo fsico do cantor, da msica, da televiso e dos interesseseconmicos a ela ligados, porm, ajunta a estes fatores a influncia decisiva daexistncia de uma sociedade de massas no Pas. Assim, idntica manifestao dessasituao no plano poltico, caracterizada no chamado populismo, estaria ocorrendo outra,agora, no plano da arte popular, confirmando estar concluda a formao de umaconscincia de massa no Brasil.Essa conscincia de massa capaz de reagir e se movimentar em termos de valores eestmulos os mais elementares.O exemplo tpico seria o movimento populista de Jnio, cujo smbolo era uma vassoura,perfeitamente compreendida como instrumento de limpeza, num instante em que umaparcela da massa desejava um moralista enrgico. 12No populismo, o nico vnculo consciente que existe para a massa a imagem do lderque transcende os contedos ideolgicos da relao. A pessoa do chefe torna-se arepresentao de um senhor poderoso ao qual seus seguidores se submetem. No caso deJnio, era mais importante sua representao de homem duro, moralista enrgico,reservado e quase inacessvel, do que sua posio diante dos problemas sociais oupolticos. Portanto, a predisposio de uma conscincia de massa para a aceitao delderes carismticos, forma irracional de liderana poltica.Alis, o socilogo Karl Mannheim, na sua obra O Homem e a Sociedade, ao se referir possibilidade da verificao das origens dos elementos racionais e irracionais nasociedade moderna, coloca a questo nos seguintes termos:A sociedade moderna, que no curso da industrializao racionaliza um nmero cadavez maior de pessoas e de esfera da vida humana, rene grande massa de gente emenormes centros urbanos. Sabemos agora, graas a uma psicologia absorvida pelosproblemas sociais, que a vida entre as massas de uma grande cidade tende a tornar aspessoas muito mais passveis de sugestes, exploses incontroladas de impulsos eregresses psquicas do que as pessoas organicamente integradas e firmadas em tipos degrupos menores. Assim, a sociedade de massa industrializada tende a produzir umcomportamento muito contraditrio, no s na sociedade, mas tambm na vida pessoaldo indivduo.Como sociedade industrial em grande escala, cria toda uma srie de atos que soracionalmente calculveis no mais alto grau e que dependem de toda uma srie derepresses e renncias de satisfaes impulsivas. Como sociedade de massas, por outrolado, produz todas s irracionalidades e exploses emocionais caractersticas dasaglomeraes humanas amorfas. Como sociedade industrial, aperfeioa o mecanismosocial de modo que a menor perturbao irracional pode ter os efeitos mais remotos, ecomo sociedade de massa, favorece um grande nmero de impulsos irracionais e desugestes, provocando uma acumulao de energias psquicas no sublimadas que, atodo o momento, ameaam esmagar a sutil maquinaria da vida social. Mais adiante,Mannheim acentua que o irracional nem sempre prejudicial, mas que, pelo contrrioest entre as foras mais valiosas do homem, quando age como fora motriz no sentidode finalidades racionais e objetivas, quando cria valores culturais pela sublimao ouquando, como puro impulso, intensifica a alegria de viver sem romper a ordem socialcom a falta de planejamento. De fato, mesmo uma sociedade de massas corretamenteorganizada leva em conta todas essas possibilidades de condicionamento de impulsos.Deve, realmente, criar uma sada para um desabafo de impulsos, j que a objetividadeda vida quotidiana, provocada pela racionalizao generalizada, representa umarepresso constante de impulsos. sob esse ngulo que a funo do esporte e dascomemoraes na sociedade de massas, bem como dos objetivos culturais mais geraisda sociedade devem ser entendidos.Entretanto, o socilogo lembra a possibilidade de surgir um perigo especfico dairracionalidade e explica: numa sociedade em que as massas tendem a dominar, asirracionalidades que no tiverem sido integradas na estrutura social podem abrircaminho na vida poltica. Esta situao perigosa porque o aparato seletivo dademocracia de massas abre as portas para as irracionalidades precisamente nos pontosonde a direo racional indispensvel. Assim, a prpria democracia produz suaanttese e proporciona armas aos seus inimigos. 13Logo, a formao de uma conscincia de massas teria possibilidade de, repentinamente,evoluir para um estado em que se lanam os pr-requisitos de uma ordem poltica detipo autoritrio, baseada no irracional com seus mitos e smbolos. De acordo com estahiptese, o movimento Roberto Carlos poderia, ento, revelar uma disponibilidade dopovo para a aceitao das palavras de ordem de ndole autoritria.c) Influncia dos meios mecnicos de comunicaoOutro fator determinante do prestgio desmedido de Roberto Carlos parece estardiretamente ligado aos meios mecnicos de comunicao, no caso a televiso, capaz delevar a todos os lares imagens de pessoas que agem como seres presentes. Deve-seassinalar que esses meios de comunicao despertam um certo fascnio sobre as pessoas,justamente pelo fato de serem mecnicos e terem, por isso, alguma coisa deextraordinrio. A televiso como meio mais miraculoso e mais difundido torna-se, ento,uma tcnica capaz de criar padres para a sociedade. Embora passvel de crtica,qualquer coisa que aparea na televiso passa a ser considerada como possuidora de ummnimo de aceitabilidade e um certo grau de importncia. Da, sua influncia sobre asnossas populaes urbanas, onde praticamente todos os lares possuem e assistem,religiosamente, programas de televiso.Dessa forma, a televiso pode repetir, em escala muito maior, a formao de imagens edolos, como ocorreu com o cinema e o rdio. Foi o cinema mudo que permitiu oaparecimento do mito Rodolfo Valentino e o cinema falado, Frank Sinatra. No rdiobrasileiro, surgiu Orlando Silva, figura que provocava grandes manifestaes entre oelemento feminino.A televiso tem ainda a fora de integrar no universo familiar aqueles que projeta no seuvdeo. As pessoas aceitam e incluem entre seus heris os tipos que, por um processo deseleo, vo considerando ideais. Esses heris tornam-se pouco a pouco quase reais,pois podem ser vistos e ouvidos dentro dos prprios lares. Cria-se assim a necessidadedo encontro peridico entre o espectador e o seu heri.Naturalmente, a televiso no pode ser encarada como uma simples criadora de figurasde compensao para todos os espectadores. Haver sempre aqueles que no se deixaminfluenciar pelo fascnio do aparelho e podero escapar, por isso, da tentao de projetarseus anseios em alguma figura particular. Entretanto, para a maioria indispensvel oencontro peridico. No como conseqncia do exerccio de uma crtica que permite aescolha de bons programas, porm, como possibilidade para satisfao de necessidadesntimas, geralmente inconscientes. Para promover os encontros peridicos, surge apropaganda, cujo objetivo o de criar afinidades entre imagem e espectador com vistasa promoes comerciais ou utilizar as imagens j bem recebidas pelos espectadores parafins publicitrios.O cantor, ator ou animador no o produto que a propaganda quer vender. me vai ser oinstrumento para a publicidade tornar conhecido e vendvel determinado produto.Assim, geralmente, a propaganda tem de criar primeiro a imagem para de. pois us-la aservio de um produto. Entretanto, ocorrem, no raro, circunstncias que permitem o 14aparecimento de imagens, ante as quais o pblico reage de modo favorvel, porencontrar nelas a satisfao de certos anseios.Nestes casos, a mquina publicitria no precisa criar, basta desenvolver a imagem paradepois utiliz-la comercialmente. Contudo, h sempre a exigncia de um deslocamentodo interesse do pblico, da imagem para o produto, que nem sempre conseguido.Verifica-se, constantemente, uma margem de perda consubstanciada nos que se fixamna imagem e no aceitam o produto.Logo, o ideal seria encontrar-se uma imagem que, ao mesmo tempo, fosse produto.Impondo-se a imagem aos telespectadores estariam, automticamente, criadas ascondies para sua venda como produto.Com Roberto Carlos pode-se dizer que esse ideal foi atingido. Transformado emimagem aceita pela maioria, o cantor permite que seus admiradores possam identificar-se com ele pela compra de sua figura. Isto , sendo ao mesmo tempo a imagem e oproduto, Roberto Carlos pode no somente ser visto como tambm adquirido,possibilitando isso aos seus admiradores um contato muito mais direto do que opermitido pela simples viso ou audio.Cada telespectador pode ter o cantor para si, de modo individual. No s naquelemomento em que, no vdeo, ele parece :; lhe pertencer, mas todas as vezes em queadquirir e usar aquelas coisas que fazem parte da sua personalidade. H, portanto, apossibilidade quase real da identificao telespectador-heri, no conseguida por outrasimagens.d) A ao dos adultos no comportamento infantilFoi a conquista dos adultos pelo cantor que permitiu a sua penetrao at a rea infantil.O instrumento para o cantor i-i-i chegar at as crianas continuou sendo ateleviso.No existem ainda pesquisas exatas que demonstrem se a televiso benfica oumalfica para as crianas. O fato que os pais, enquanto no chega uma opinio dacincia sobre o assunto, iniciam seus filhos, desde a mais tenra idade, na apreciao doabsorvedor aparelho.Disposta a imitar tudo, a criana logo reproduz os gestos e as atitudes dos artistas maisvistos, ao mesmo tempo que se revela capaz de reconhec-los de imediato. Sem dvida,esse comportamento interpretado pelos pais como indcio de inteligncia e vivacidade,pelo que passam a ser vistos com maior freqncia os programas diante dos quais ascrianas tornam-se mais excitadas. Assim, havendo msica, elas danam; havendomuito movimento, batem palmas ou gritam.Orientada pelos pais, a criana passa, ento, a ter suas preferncias. Reage, naturalmente,e de forma positiva aos estmulos da msica moderna, tomada pelo seu ritmo que exige,inclusive, o movimento de corpo. Encontra tambm as fisionomias que a agradam e noesconde sua satisfao ao v-las. 15Apesar de liderar um movimento de oposio juvenil ao mundo dos adultos, RobertoCarlos tem trnsito livre em qualquer lar conservador. Alm das razes j apresentadaspara explicar seu xito entre os adultos, sabe-se que a figura do cantor conseguedespertar grande simpatia junto aos pais e provocar instintos maternais nas mes. Istoporque todos o consideram um bom rapaz, !1ofensivo e afetivo. A circunstncia de tersofrido um acidente e de, mesmo assim, ter lutado at chegar ao xito, torna-o aindamais simptico para todos. H, sempre, uma admirao em torno do self-made manque parece confirmar a regra de que quem lutar vence. Ele se torna, portanto, umestmulo e um desafio para todos.Conquistados os pais, o cantor foi apresentado s crianas que aceitaram, prontamente,a nova fisionomia includa no seu mundo infantil. Essa aceitao parece estar muitoligada a simples questo de simpatia pessoal e a uma faculdade inerente no cantor decativar as crianas.Na conquista das crianas de idade escolar, embora ainda seja grande a parcela dofascnio exercido sobre elas pelo cantor, entram em cena outros fatores. a msicabastante viva e alegre, so as letras simples e, s vezes, at baseadas em estoriazinhas derevistas infantis, com as quais os pequenos esto familiarizados. Acresce, ainda, acircunstncia de muitas professoras terem difundido a msica de Roberto Carlos entreos menores, nas aulas de msica ou canto, por consider-la sadia e fcil de memorizar.Portanto, a no oposio dos pais que, pelo contrrio, at estimulam e a aceitao dosprofessores criaram o terreno para a difuso do cantor na rea infantil. A propagandapercebeu devidamente essa penetrao do cantor da juventude entre a infncia e,imediatamente, tratou de atingir esse mercado que, no Brasil, imenso.Por isso, os pais que haviam levado a msica de Roberto Carlos para seus fi1hns logotiveram, tambm, de comprar-lhes todas aquelas coisas usadas e anunciadas pelointrprete. O atingimento do mundo infantil de forma to macia com a conseqentecriao de novas necessidades a serem satisfeitas, demonstrou a fora que os modernosmeios de comunicao podem ter, quando aliados propaganda. 16 CAPTULO III RAZES DO DECLNIO DA BOSSA NOVAa) A mensagem social da bossa novaO "i-i-i" quando chegou ao Brasil, encontrou a bossa nova no pleno vigor dasegunda fase. Tom Jobin, Carlos Lyra, e Vincius de Moraes eram os grandescompositores, enquanto uma dezena de intrpretes conseguia mobilizar grandesaudit6rios e vender milhares de discos. Embora iniciada com o amor, o sorriso e aflor, totalmente desvinculada de questes sociais, a bossa nova em determinadoinstante aderiu ao chamado movimento das reformas de base, tornando-se um tipo demanifestao de arte engajada. A partir desse momento, suas composies passaram aapresentar mensagens reformistas, abordando problemas nacionais e retratando aquiloque se acreditava serem os anseios populares.Foi a fase dos grandes espetculos, promovidos por estudantes, dos quais participavamos artistas mais destacados da bossa nova. Embora falando muito de povo e seusproblemas, em virtude de ser uma msica muito elaborada, com letras bastanteintelectualizadas, a bossa nova no atingiu como se esperaria as camadas populares.Paradoxalmente, alcanou mais xito na classe mdia, enquanto era prestigiada pelosintelectuais.Transformada num veculo de doutrinao, apesar do xito que alcanava, no secorporificou em nenhum artista especfico. Nara Leo, Maria Bethnia, Os Cariocas,Ed Lobo, Geraldo Vandr ou Ellis Regina todos eram aceitos como legtimosintrpretes da bossa, manifestando-se a juventude com entusiasmo quando se faziamouvir as msicas de vanguarda, nas quais a mensagem social era mais ousada. Aplausosirrompiam nos :auditrios aos acordes de Deus com a famlia, Terra de ningum ouCarcar, dando a entender que os ouvintes no se fixavam no cantor mas nas letrasque satisfaziam sua oposio ao sistema vigente. A bossa nova no era, portanto, umasimples manifestao musical da juventude. Era, tambm, um movimento de rebeldiapoltica, consciente e com objetivos bem ,definidos. A juventude, principalmenteuniversitria, que a prestigiava tinha na bossa nova a interpretao musical deseus :anseios.Deve-se notar, contudo, que a bossa nova tornou-se mais ofensiva aps a queda dogoverno Goulart e a ascenso do atua] presidente. Vinculada com os tipos de mensagensdo governo anterior, a bossa nova demonstrou sua desaprovao aos novos -detentores do poder com a composio de msicas francamente contrrias s novasestruturas. Tutelada por intelectuais e criada por aqueles que no participaram damudana do governo, a bossa nova manteve-se na oposio, desagradando com isso aclasse mdia, responsvel em grande parte pela nova situao. Nesta classe, passaram ater livre trnsito apenas as composies tipo Garota de Ipanema, destitudas dequalquer matiz poltico. Compensando a perda, a bossa nova conseguiu uma certapenetrao nas camadas populares que visualizaram nela a oportunidade de externar seudescontentamento face s medidas econmicas do novo governo. Nesse instante, houve 17o xito de Carcar e, embora no sendo uma bossa propriamente, surgiu o Comedorde Gilete, com Ary Toledo.Fiis ao objetivo de transmitir mensagens por intermdio da msica popular, autores eintrpretes organizaram diversos shows, entre os quais se sobressaram Opinio eArena Conta Zumbi, recebidos com entusiasmo pela maioria da juventudeuniversitria. Nesse nterim, o novo governo se firmou no poder, fazendo desaparecer,pouco a pouco, entre seus oponentes a esperana de uma reviravolta, arraigando-se acrena de que as atuais estruturas devero permanecer por longo perodo.Vivendo de mensagens de reforma, a bossa nova, ento, entrou em crise, pois a novasituao - j recebida como definitiva - no favorecia mais aquele tipo de criao.Terminado o clima das euforias reformistas, esfriou o entusiasmo pela bossa nova,pelo fato de suas mensagens se terem tornado inviveis e no corresponderem realidade atual.b) A msica importada e o aparecimento do mitoNesse instante, o i-i-i comeou a substituir a bossa, descobrindo-se quela alturaque a nova manifestao musical j possua grande prestgio entre os adolescentes.Realmente, a bossa nova no se preocupara em atingir o mundo dos adolescentes que,no Brasil, constitui uma parcela considervel da populao. Gnero muito elaborado,no s na prpria msica como na letra, a bossa nova ficava acima da compreensodos adolescentes que desejavam apenas um ritmo alegre. As questes sociais noestavam em suas cogitaes.O i-i-i, enfim, os satisfez por ser uma msica muito mais simples e alegre, capazde provocar, inclusive, movimentos fsicos e utilizar o seu excesso de energias. Aprpria letra, que se permanecesse no original funcionaria sempre como um obstculo auma maior adeso, no chegou a causar dificuldades. Alm das simples verses, foramfeitas composies nacionais que chegaram a ter mais xito que as importadas.Fugindo das letras intelectualizadas da bossa, os novos autores desenvolveram temasencontrados em revistas infantis, com cuja leitura estavam acostumados. A simplicidadedas letras, prticamente sem contedo, agradou aos adolescentes tambm familiarizadoscom os personagens das revistas infantis, ao mesmo tempo que atingiu o interesse dasprprias crianas.O aparecimento de Roberto Carlos, logo transformado em dolo, imprimiu um tremendoimpulso ao movimento, conquistando jovens, adultos e velhos para o i-i-i. Daligao do cantor com uma empresa de propaganda, resultou, tambm, um lucrativoempreendimento comercial que movimenta uma srie de produtos subsidirios de seusucesso.Ao contrrio do que ocorria com a bossa, os aficionados do i-i-i escolheramRoberto Carlos como a personificao da nova manifestao musical, ao mesmo tempo,que o transformaram no seu lder e modelo, procurando imit-lo, buscando de todos osmodos uma identificao com ele. Diferenciando-se mais ainda da bossa que no se 18preocupara em criar novos tipos de indumentria, o i-i-i introduziu algumasinovaes, alm de adotar o cabelo comprido como a nota marcante do movimento ealguns slogans.Interessante assinalar-se que, pela primeira vez, a msica importada adquiriu feiesnacionais, tomandO-se o i-i-i brasileiro bastante diferenciado do europeu. Isso noaconteceu com o rock and roil, twist ou hully gully, pois a msica importada sfazia sucesso no Brasil, na sua verso original, interpretada pelo cantor estrangeiro. Foia fase de Bill Haley and His Comets, Paul Anka, Neil Sedaka, Trini Lopez e ElvisPresley, representantes de outra cultura que uma bem montada mquina publicitriaconseguia impor entre a juventude. Isso j no ocorre com os Beatles. No obstantetenham grande aceitao entre a juventude, o intrprete nacional Roberto Carlos quemmonopoliza toda a msica i-i-i. Levando-se em conta o interesse das gravadorasem promover mais a gravao estrangeira, conclui-se pela existncia de fatores novosno xito de Roberto Carlos. 19 CAPTULO IV O PAPEL DA PROPAGANDA NA CRIAO DE IMAGENSa) Futebol e queda de audincia na televisoOs aficionados de Roberto Carlos preferem, evidentemente, ignorar os motivosapresentados por socilogos, psiclogos ou psiquiatras para explicar o xito alcanadopor seu dolo. Basta-lhes o fato de o cantor ser hoje um sucesso sem precedentes. Tmmesmo uma certa antipatia por todos aqueles interessados em encontrar as provveiscausas, pois h um certo mistrio no seu dolo que deve ser preservado.De certa forma possuem alguma razo, pois as condies de ordem social ou psquicaexistentes no instante do aparecimento do dolo no seriam suficientes para explicar seuxito. Boa parte deveu-se associao de Roberto Carlos com tcnicos de publicidadedotados de grande poder criador.Naturalmente, entre a juventude nacional dos centros urbanos existia predisposio paraa aceitao de um lder que atendesse determinados anseios. Roberto Carlos surgiuporque na sua pessoa eram atendidos esses anseios. Entretanto, tudo parece indicar quequalquer outro jovem, possuidor de personalidade semelhante de Roberto Carlos,poderia alcanar o mesmo xito se fosse bem lanado pela publicidade. criao do dolo Roberto Carlos esto vinculados o Canal 7, Paulo Machado deCarvalho e a empresa de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi. Apesar de parecermeio absurdo, na criao de condies favorveis ao aparecimento do cantor do i-i-i, papel preponderante foi desempenhado pelos clubes de futebol de So Paulo.Tudo comeou quando os clubes de futebol, alegando crescente queda na arrecadao,proibiram a transmisso dos prlios esportivos pela televiso. Todos os telespectadorespaulistanos j estavam habituados ao seu programa esportivo domingueiro e a proibiodeixou-os sem ter o que assistir. A televiso perdeu, assim, um grande nmero dete1espectadores que, religiosamente', acompanhavam as transmisses das partidasfutebolsticas.As pesquisas que setores especializados realizam, sistemticamente, para saber daaudincia dos diversos canais de televiso entre a populao, passaram a revelar umgrande nmero de televisores desligados durante as tardes de domingo, enquanto aspessoas que mantinham seus aparelhos ligados no demonstravam interesse especficopor nenhum programa existente naquele horrio. No lugar das transmisses esportivasficara, ento, um hiato, cuja audincia era mnima e que precisava ser conquistado.No Canal 7, as preocupaes eram maiores, pois durante as transmisses esportivas eraele que acusava maior audincia. A mudana de situao atingiu, bvio, seusinteresses comerciais, pois se no h audincia no h tambm anunciante. Acresceainda ter a queda de audincia nos domingos afetado a mdia semanal, passando aemissora a ocupar um lugar inferior em comparao com suas concorrentes. 20Surgiu, nesse momento, a idia de se fazer um programa com bastante msica e alegria,dedicado juventude. Participariam dele jovens cantores, em incio de carreira, quetivessem algum prestgio entre a mocidade. Para liderar o programa, Paulo Machado deCarvalho lembrou-se de Roberto Carlos, cantor que ele considerava possuir todo ocharme exigido pelo lugar. O jovem j havia tido sucesso com algumas msicas epossua uma fisionomia bastante simptica, capaz de conquistar os telespectadores.Prova disto fora a msica No quero ver voc triste, prticamente uma declamao,muito bem recebida pelo pblico juvenil.Para Paulo Machado de Carvalho as caractersticas prprias de Roberto Carlos (um arde tristeza misturado com ternura e bondade) poderiam cativar uma boa parcela dejovens e permitir a elevao do ndice de audincia da Televiso Record. Os tcnicosem publicidade Magaldi, Maia e Prosperi foram ouvidos a respeito e tambmacreditaram no empreendimento.Como estivessem em negociaes com uma grande loja de roupas, interessada empatrocinar um programa de jovens para vender seus produtos nessa rea, os publicitriosadquiriram, ento, o programa com idias de transferi-lo a essa firma. Entretanto, apouca audincia do horrio e o fato de o programa ser novo impediu a consumao donegcio. Alegou a firma que o programa poderia no pegar e que o jovem animador,com seus cabelos compridos, tinha uma certa aparncia acafajestada.A vista disso, os publicitrios elaboraram um cuidadoso plano para o programa,acompanhado de um estudo demonstrando sua possibilidade de atingir a juventude.Consultaram duas grandes empresas, ligadas ao mercado juvenil, e tiveram respostasnegativas. As reservas eram as mesmas, continuando a existir restries figura dojovem cantor. No fundo, estas empresas receavam ferir as susceptibilidades dos adultose de incorrer no perigo de perder o seu mercado de pessoas conservadoras.b) O registro da marca CalhambequeDiante da negativa sistemtica das empresas consultadas e dos nus decorrentes dasustentao do programa Jovem Guarda sem anunciante, Magaldi, Maia e Prosperiresolveram tomar o programa para si mesmos. Examinaram, portanto, tudo quantoestivesse ligado personalidade do cantor Roberto Carlos e chegaram concluso deque uma msica de grande sucesso permitia a criao de um smbolo comercial. Amsica era Calhambeque e seu nome. foi registrado, imediatamente, como marca depropriedade da agncia de publicidade.Scio da agncia nesse empreendimento, Roberto Carlos passou a anunciar os produtosCalhambeque que, pouco a pouco, foram se tomando o trao marcante da JovemGuarda, como se passou a designar o novo movimento juvenil. Colocada a questonestes termos, alm daqueles que passaram a comprar os produtos Calhambeque pelaoportunidade que traziam de identificao com o dolo, muitos foram obrigados aderirpara no serem chamados de quadrados pelos seus colegas. Assim, a fora dapropaganda instituindo uma nova moda para adolescentes, crianas e jovens, adquiriufeies de compulso social. 21Atualmente, os produtos Calhambeque incluem calas, saias, chapus, cintos,sapatilhas, botinhas, blusas de inverno, bluses de couro, chaveiros, bolsas e fichriosescolares, havendo um mercado sequioso para adquiri-los. A fim de manter relaesbastante cordiais com os pais dos jovens adolescentes e crianas, os publicitriosselecionam os produtos que desejam usar a marca Calhambeque. ms sabem que omercado juvenil e infantil ter bons compradores enquanto os pais prestigiarem a JovemGuarda e a considerarem como divertimento inofensivo. H, portanto, a necessidade detomar-se certas precaues para satisfazer uma sociedade que bastante moralista e atquase puritana na educao dos filhos, embora permita certas liberdades para osadultos.Da, terem negado a marca para bebidas. Muitos pas se decepcionariam com o cantor,cuja imagem para eles pura e ingnua, e passariam a hostilizar o movimento juvenil.Alis, interessante repetir-se que a Jovem Guarda, apesar de querer ser um movimentoindependente de juventude, como oposio ao mundo j estruturado, tem todaaprovao e tutela dos adultos. Isto porque ela no ameaa ningum e nem pe emdvida as verdades aceitas pela sociedade. Pelo contrrio, parece animar os jovens umapureza de propsitos e uma ingenuidade de adolescentes que encantam os adultos. Aoposio fica apenas nas roupas e nos cabelos e, portanto, inofensiva.No a agncia de publicidade quem fabrica os produtos Calhambeque, ela apenascede o uso da marca s indstrias interessadas, mediante o pagamento de royalties.Para a confeco das calas, por exemplo, cobrado um royalty por dois metros detecido utilizado. O tecido fabricado por uma indstria txtil com exclusividade para aMagaldi, Maia & Prosperi.Desse modo, a agncia estabelece um mecanismo de controle sobre o volume deprodutos fabricado pelo confeccionista, cujo contrato assinado estabelece especificaesde fabricao, colocao de etiquetas e modelo, ao mesmo tempo que garante amplacobertura publicitria do produto. O controle para outros produtos baseia-se emestimativas de produo e vendas.Os produtos Calhambeque tm sido vendidos, por enquanto, apenas nas grandescapitais, onde a mocidade se identifica de pronto com o cantor. Entretanto, se o xito deRoberto Carlos permanecer, a agncia publicitria pretende vender esses produtos emtodo o Interior, sabendo que o consumidor juvenil do Interior procura sempre imitar osmovimentos verificados entre os jovens das metrpoles.Levando-se em conta o fato de que mais de 53% da populao brasileira tem menos de20 anos de idade, pode-se avaliar a importncia do movimento Roberto Carlos, noaspecto comercial, por ter chamado a ateno para esse enorme mercado deconsumidores considerados, at, h pouco, como existente apenas em potencial. 22 CAPTULO V UMA MSICA QUE SATISFEZ A TODOSa) A reao dos adultos ao v tudo pro infernoUma msica em especial exerceu influncia decisiva na aceitao do cantor RobertoCarlos pelos diversos grupos etrios, tornando-o suficientemente conhecido econsolidando seu sucesso. Quero que v tudo pro inferno chamou a ateno dosadultos para o cantor predileto de seus filhos, pelo fato de ter incorporado sua letrauma imprecao, bastante usada, mas ainda recebida com certa reserva pelos maisvelhos.Passada, porm, a primeira impresso dos adultos, foram eles mesmos os principaisdivulgadores da composio que lhes possibilitava uma vlvula de escape. O estribilhoe que tudo o mais v pro inferno deixou de ser apenas o encontro de uma boa rimapara sintetizar o desinteresse da gerao moa ante os padres da sociedade constitudae o desencanto dos adultos diante de uma situao poltica que no evoluiu na medidade suas expectativas.A composio, naturalmente, no foi intencional, contudo, incluiu uma frase que todosestavam pensando. A aceitao foi rpida porque todos reconheceram na letra da novamsica um pouco de sua autoria, sentindo-se tambm co-autores.O mandar alguma coisa para o inferno j faz parte das expresses brasileiras usadasnormalmente e expressa bem a atitude de quem, impossibilitado ou cansado de fazeralguma coisa, dela se desinteressa. Tem fora de imprecao e sempre revela umdescontentamento ou desnimo.Para os jovens, a expresso representou o retorno a uma posio individualista, desimples defesa dos prprios interesses. Contraposta, portanto, precedente atitude depreocupao coletiva da bossa nova, caracterizada por uma oposio construtiva. Vtudo pro inferno sintetizou a posio do jovem que diante de problemas que lhe soapresentados, reage com um que me importa?, numa demonstrao de uma precoceacomodao, de um desinteresse por tudo aquilo que ultrapasse seu desejo de seraquecido no inverno, ou seja, de ter suas necessidades individuais satisfeitas.Para alguns, os versos quero que voc me aquea neste inverno e que tudo o mais vpro inferno revelam, tambm, uma irresponsabilidade tica diante do amor,considerado como uma simples aventura temporal e inconseqente. Nesta interpretao,a atitude imediata, uma outra demonstrao do revigoramento do individualismo entrea juventude i-i-i.Entre os adultos, todavia, o motivo determinante da aceitao da msica, est ligado necessidade de desabafo e, de algum modo, a frustraes de ordem poltica. A classemdia, principalmente, que desempenhou papel relevante no movimento contrrio aogoverno Goulart, no se considera satisfeita com a situao atual e no esconde suasdecepes. Isto porque esperava, de imediato, uma atitude mais drstica do governo 23para com os corruptos e porque se v atingida, em cheio pela poltica econmica,responsvel pela reduo do seu poder aquisitivo.Assim, os adultos juntaram-se aos jovens no cntico -da melodia que lhes permitiuexternar um pouco do seu sentimento. A questo da disponibilidade de liderana aquitambm Se aplica, pois os seguidores dos lderes esvaziados unem-se aos" demais etambm desejam que tudo o mais v pro inferno,' numa demonstrao dedesinteresse.b) Desafogo e solidoDepois, h problemas de outra ordem. A populao urbana, contida em apartamentospequenos, apertada nos coletivos, posta em filas de cinemas e teatros e, ainda sofrendoas conseqncias da falta de planejamento das grandes cidades, precisa desabafar parapoder sobreviver. O desabafo do v tudo pro inferno, embora nada solucione, traz umcerto alvio da tenso diria para aquele que, mesmo em casa, no pode se- descuidarpara no incomodar o vizinho que vive sob o seu apartamento.Acrescentam-se ainda, os problemas prprios do trabalho, o trnsito que congestiona, agua que falta, o telefone que no d linha ou o nibus que no pra e passa lotado, tudonum desafio constante ao habitante da cidade grande. Para a juventude, alm dessesproblemas, h o da dificuldade de dilogo com a gerao de seus pais.Criados numa fase em que o mundo se desenvolve abruptamente no campo datecnologia e da cincia, os jovens tm uma nova compreenso da vida, bem diferente daque tiveram e ainda tm os adultos. Da, sentirem-se incompreendidos e sozinhos nacidade que tem excesso de populao.A mesma composio que manda tudo pro inferno fala, tambm, na existncia dessasolido entre os jovens. Onde quer .que eu ande tudo to triste e o lamento de que asolido me di certificam a existncia na juventude de um vazio, nascido daincompreenso. Parece que a mocidade no tem recebido a ateno, a assistncia e ocarinho devidos pelos pais e adultos a ela mais achegados.Procuram, ento, chamar a ateno sobre sua tristeza, enquanto explicam que de poucolhes vale as vantagens de uma vida de play-boy e as facilidades proporcionadas pelaposse de um carro, se a solido lhes acompanha e torna a sua existncia fria, como uminverno. O inverno no seria, portanto, a estao do ano em que o jovem deseja seraquecido, mas a metfora encontrada para designar a sua situao solitria e a friezaconseqente da falta de afeto.A composio que exerceu o papel preponderante na ascenso e xito de Roberto Carlosparece ter resumido, de forma bastante feliz, as diversas tendncias e anseios dajuventude e da maioria dos adultos. O verso rebelde e irreverente, o desinteresse, oindividualismo, a acomodao, o lamento e a petio de afeto e carinho coexistem namesma melodia. 24 CAPTULO VI A REBELIO ROMNTICA DA JUVENTUDE NACIONALa) A falta de agressividade e o ideal de purezaO que mais chama ateno na juventude i-i-i a sua falta de agressividade e aplena aprovao que lhe do os adultos, os quais chegam mesmo a incentiv-la. Emboraessa falta de agressividade possa ser motivo para elogios, torna-se bastante curiosa, poisa nota marcante da juventude sempre tem sido a de colocar em dvida as conquistas dasgeraes passadas e agredi-la com a apresentao de novos valores.Entretanto, excetuadas as mostras de rebeldia relacionadas com vestimenta e uso decabelos longos, essa juventude no agride, no ameaa e nem coloca em dvida o nossotipo de organizao social. No mximo, os jovens i-i-i retiram os esguichadores degua do pra-brisa dos automveis de determinada marca (brucutus) para com elesfazeres anis que imitem os usados pelos seus lderes.Sucedendo um movimento musical que era comandado por jovens preocupados comquestes sociais, a Jovem Guarda confessa-se desvinculada de tais problemas e animadaapenas pelo desejo de ser alegre. Essa alegria terr., porm, traos de inconseqncia pordemonstrar um total alheamento dos moos diante de problemas ligados sua existnciae sua participao dentro da sociedade.Assim, embora essa juventude fale muito em amor e cante letras inocentes em ritmosalegres, a sua falta de qualquer objetivo no constitui um bom indcio. A prpria adesodos adultos conservadores parece indicar no trazer o movimento aquele soprorenovador prprio da mocidade.Pode-se argumentar que, depois da Jovem Guarda, decresceu a ocorrncia de desordens,arruaas e violncias praticadas por jovens. A maioria adquiriu um instrumento musical,transformando-se as antigas gangs em estridentes conjuntos musicais. Pode-se aindaacrescentar ser essa mocidade portadora de bons propsitos e de ideais puros, na medidaem que demonstra uma prvia disposio para um ajustamento indolor estruturasocial.Entretanto, o desinteresse dessa juventude por questes mais srias e a suasuperficialidade no so animadores, exceto para os que pretendem manter os jovensmarginalizados. Na velha Inglaterra o aparecimento dos Beatles coincide,prticamente, com um renascimento comandado pela juventude. Hbitos, tradies econvenes seculares esto sendo rompidos e derrubados por uma juventude culta esaudvel que deseja mudar a fisionomia velha e austera do pas para outra, .alegre ejuvenil.O Brasil, porm, um pas novo em que tudo ainda est em formao. Portanto, ummovimento juvenil, sem propsitos e sem quaisquer ideais transforma-se num hiatonada salutar para o desenvolvimento nacional. Satisfaz, entretanto, aos conservadores, 25sempre contrrios a mudanas e, por isso, animados com a inconseqncia juvenil queno pe em perigo a estrutura social.Da, ser bastante correta a designao de rebelio romntica para o atual movimento deadolescentes e jovens. uma rebelio, no sentido da oposio natural dos moos aosadultos, externada na adoo de novos padres de roupas e de apresentao pessoal.Entretanto, o uso de toda energia juvenil apenas em msicas movimentadas e odesinteresse por coisas mais objetivas faz dela uma simples rebelio romntica, que no contra e nem a favor de ningum.Surpreendentemente, os lderes dessa juventude parecem aspirar, inclusive, ideais depureza que os adultos se revelaram incapazes de manter. Seno vejamos. A cantoraWanderlia, em artigo escrito para determinada revista, deixou claro uma certa irritaopara com os que procuram interpretar o comportamento da juventude, afirmando quecom o canto e a dana apenas do vazo s energias. Acrescenta que os jovens nodestroem nada, cantam msicas puras e danam sem sensualidade. E conclui com umamensagem em que fala em um mundo novo.Embora negando a existncia de uma rebeldia no seio da mocidade, no consegue acantora esconder uma certa indisposio para com os adultos. Depois de enumerar oshbitos das juventudes passadas, aos quais critica, ela procura demonstrar que amocidade atual alegre e viva mas sem maldades. Percebe-se, -ento, existir entre amocidade uma preveno contra os adultos que lhes fixam as normas de comportamentoe que, contudo, no as observam. A desagregao familiar das grandes cidades nopassou despercebida aos jovens. Eles assistiram e assistem com desgosto que seusmentores no praticam os preceitos que lhes querem impingir.Esse comportamento falso de pais ou de mestres, provoca nos moos a aspirao porideais nobres e a descrena no mundo adulto. Contudo, enredados pela moral pregadapelos que no foram capazes de pratic-la, os jovens tm uma reao paradoxal equerem provar ser muito mais superiores. Assim, embora tenham atitudes mais ousadas,fazem questo de cercar o seu mundo de um clima de sinceridade no existente entre osadultos.Essa reao, porm, satisfaz aos adultos que no percebem a sua sutileza e julgamtratar-se da manifestao de um simples esprito sadio entre os jovens. Do, ento, todoapoio ao movimento pela tranqilidade que ele traz, pois consideram toda a juventudeinofensiva. Os ritmos, gritos, pulos e cabelos longos so entendidos como tendncianatural para extravasar energias e parecer diferente.Dessa forma o protesto no atinge seu objetivo, ao mesmo tempo que os jovens,inconscientemente, enquadram-se, de modo precoce, dentro de todo complexo social.b) Conseqncias da emancipao da mulherH, porm, outra hiptese para explicar esse surto de pureza ou nostalgia de purezaentre a juventude. Seria uma conseqncia da gradual emancipao da mulher, que, hoje, 26nos centros urbanos equipara-se ao homem, determinando isso um equilbrio deconvivncia que parece retardar a maturidade. Em razo desseequilbrio, os jovens passam a apresentar um comportamento tpico de adolescentes emdisponibilidade amorosa.A moda masculina e feminina revelam, realmente, uma tendncia mundial parauniformizao, diminuindo gradualmente as diferenas marcantes que existiam entre asroupas para moos e moas. Outro fato interessante refere-se ao uso dos cabelos, com osrapazes passando a usar cabelos longos, enquanto as mulheres os encurtam.Essa uniformizao de indumentria, que no distingue mais os grupos sexuais, pareceestar muito relacionada com a mudana da situao da mulher. Durante muitos sculos,a mulher viveu segregada. Era o homem quem providenciava a manuteno da famlia,enquanto a mulher permanecia em casa cuidando das coisas domsticas. A situao delaera pouco superior de um objeto.No tendo tarefas a cumprir e sendo mantida pelo homem, podia esmerar-se no realcede sua beleza. Seus vestidos eram bastante ornamentados, seus cabelos exibiampenteados complicados, ao mesmo tempo que a pintura realava sua beleza.A gradual libertao da mulher que tambm passou a trabalhar ao lado do homem,exigiu dela indumentria mais prtica. Assim, os trajes que possua apenas para seapresentar tiveram de ser substitudos por outros que lhe dessem maior mobilidade notrabalho. Logo, surgiu o tailleur, a verso feminina do terno masculino. medida que a mulher foi ingressando no mundo do homem, as diferenas foram setornando mnimas, principalmente nos trajes esportivos. Isso poderia, ento, indicar queestivssemos a caminho de uma civilizao in diferenciada ou andrgina. No momento,porm, ocorre uma pequena e inexplicvel inverso.As mulheres aderiram aos saltos baixos, cortam os cabelos e usam calas. Entretanto, oshomens passaram a adotar o cabelo comprido, usam camisas esporte parecidas comblusas femininas e gostam do colorido preferido pelas mulheres.Tudo parece indicar que o homem, acostumado a exercer o domnio sobre a mulher,sente-se agora receoso. Obrigado a aceit-Ia como companheira e sua igual, apenas comas diferenas do sexo, o homem vacila. Na Europa, embora a liberdade sexual sejamuito grande entre a mocidade, o ajustamento homem e mulher torna-se doloroso.Os prprios filmes dos Beatles demonstram esse clima. Apesar de surgirem mulheresnas cenas, no h o desejo ou a relao ertica, smente companheirismo, como setodos fossem adolescentes. Muitos crticos viram alguma relao entre os Beatles e osIrmos Marx, notaram, contudo, nos primeiros, a falta de agressividade e sensualidadeque sobrava nos Irmos Marx.O sexo masculino estaria vivendo, portanto, um perodo de digesto difcil, que seriaeste da emancipao da mulher. Em sntese, a mulher, no momento em que deixou deser objeto, tornou-se m companheira para o homem. Isto porque passou a ter desejos, 27vontades e conscincia de si mesma, rompendo aquele equilbrio antes mantido pelaliderana autoritria masculina.A nova realidade tem dupla conseqncia: o aparecimento das sociedades matriarcais,nas quais o homem cede ante a nova mulher; e a multiplicao do homossexualismo,que demonstra o retraimento do homem e a sua incapacidade de juntar-se com umamulher em condies de igualdade.Sentindo esse impacto, a juventude retarda sua maturidade e se fixa num amor platnicoporque, no fundo, teme a realizao sexual. Esse comportamento parecido com aatitude das adolescentes para com os dolos cabeludos. Receosos ainda da idia do sexoelas preferem amar criaturas no bem definidas, que parecem masculinas masconservam caractersticas femininas. Sentem-se, assim, mais seguras. 28 CAPTULO VII APOIO E RESERVA DOS ADULTOS AOS MOVIMENTOS JUVENISa) Autocrtica mostra desejo de convivnciaPara a melhor compreenso da mocidade i-i-i brasileira, no deve ser desprezadoo significado da letra de uma composio que alcanou grande xito. Isto porque elaconstitui uma verdadeira autocrtica de seu cantor e de seus admiradores, de modo geral.Trata-se da msica Mexerico da Candinha.Nela, Roberto Carlos comenta os defeitos que lhe atribuem e apresenta sua justificativa.Naturalmente, a autocrtica foi feita inconscientemente e , por isso mesmo, mais vlida.Ela tambm confirma que a juventude por ele liderada est interessada em obter aaprovao dos adultos.A Candinha funciona, no caso, como representao da opinio geral da sociedade. Acomposio responde s principais crticas feitas juventude moderna com o objetivoevidente de romper as reservas de certos adultos, para que tolerem os moos se no forpossvel estimul-los.H tambm na composio o interesse de formar a imagem do pseudo-rebelde, isto ,aquele que faz e usa uma srie de coisas extravagantes mas que est, plenamente,integrado na sociedade comandada pelos adultos. O jovem aceita os valoresestabelecidos pela sociedade e deixa bem claro ser, no fundo, um bom rapaz. Esse temorde desagradar aos adultos confirma o carter romntico da rebelio juvenil e demonstrade modo cabal a inconseqncia do movimento.A letra da composio Mexerico da Candinha, que enseja um melhor entendimentodo esprito juvenil, a seguinte:A Candinha vive a falar de mim em tudoDiz que eu sou louco, esquisito e cabeludoE que eu no ligo para nadaQue eu dirijo em disparadaAcho que a Candinha gosta mesmo de falarEla diz que eu sou malucoE que o hospcio meu lugarMas a Candinha quer falarA Candinha quer fazer da minha vida um infernoJ est falando do modelo do meu ternoE que a minha cala justaQue de ver ela se assustaE tambm a bota que ela acha extravaganteEla diz que eu falo gria 29E que preciso maneirarMas a Candinha quer falarA Candinha gosta de falar de toda genteMas as garotas gostam de me ver bem diferenteA Candinha fala mas no fundo me quer bemE eu no vou ligar pra mexerico de ningumMas a Candinha agora j est falando at demaisPorm ela no fundo sabe que eu sou bom rapazE sabe bem que esta onda uma coisa naturalE eu digo que viver assim que legalSei que um dia a Candinha vai comigo concordarMas sei que ainda vai falarComo se v, ao apresentar suas explicaes, Roberto Carlos diz que vivem a falar deleem tudo: que louco, esquisito e cabeludo, que dirige em disparada e que o hospcio seu lugar. Lembra as crticas ao modelo de seu terno, sua cala justa e s suas botastidas como extravagantes, para depois apresentar suas justificativas.O primeiro argumento do cantor contra esses falatrios torna claro a necessidade dadiferenciao sentida pela juventude. A alegao de que as garotas gostam de v-lo bemdiferente revela a oposio dos moos possibilidade de parecerem iguais aos adultos,cuja maneira de ser e atitudes so tidas como quadradas.o segundo argumento o de que, apesar de suas esquisitices, ele um bom rapaz. O fatode ele declarar ser um bom rapaz traduz o seu engajamento sociedade com oconseqente reconhecimento da validade das regras por ela estabelecidas. Por outraspalavras: No precisam se preocupar comigo, pois minhas manifestaes exteriores deoposio no revelam uma convico ntima e nem descrena nos valores morais aceitospela sociedade.Da, a complacncia da sociedade para com o comportamento dos moos, pois osadultos sabem que, na realidade, todos querem ser bons, no passando a revolta deles dodesejo de deixar crescer o cabelo, usar roupas diferentes ou ter uma gria prpria.Prova disso, o prestgio que o movimento vai recebendo das mais diversasorganizaes. Entidades de assistncia, a fim de conseguir mais fundos para suas obrasde benemerncia, promovem shows com o dolo i-i-i, convictas de que estodando juventude o melhor em matria de recreao. At o prprio clero procura falar alinguagem i-i-i, preocupado em mostrar juventude que no condena a novamsica e que considera o jovem Roberto Carlos um modelo para a mocidade. Assim,entre promoes filantrpicas e ofcios religiosos celebrados ao ritmo da nova msica,os adultos vo assumindo paternalmente a direo do movimento juvenil, encantadoscom a docilidade dos jovens.E a juventude torna-se, simplesmente, barulhenta mas boazinha. Alguma coisa assimcomo uma criana peralta que gosta de chamar a ateno. Pena que seja tambmirresponsvel e, escassa cultura, junte uma dose de indiferena pelas questes maissrias. 30b) Restries aos movimentos sriosEntretanto, a juventude brasileira no toda ela constituda de adeptos do i-i-i. Hmesmo um movimento, em franca expanso, cuja finalidade reunir jovens para ouvir amsica clssica. constitudo de milhares de estudantes secundrios ou universitriosque freqentam teatros e at auditrios de emissoras de televiso para ouvir orquestrassinfnicas e msica de cmara.Trata-se da Juventude de So Paulo que procura melhorar o gosto artstico da mocidadee que apresenta, com grande freqncia, timas orquestras interpretando os maisfamosos compositores. E, embora poucos saibam, em todas essas apresentaes osauditrios ficam repletos de jovens.H, tambm, um grande interesse entre os moos pelo teatro. Apesar das dificuldades,quase toda escola superior tem o seu grupo teatral. Entre eles destaca-se o Teatro daUniversidade Catlica, o conhecido TUCA, cujos componentes foram, recentemente,premiados em festival promovido na Frana. Para participar do festival, esses estudantesdependeram de contribuies de amigos e empresas, pois no possuam o necessriopara pagar as passagens e no contavam com o apoio oficial.Estes movimentos, porm, no recebem os mesmos estmulos que favoreceram a JovemGuarda. Lutam com dificuldades financeiras e no conseguem despertar o entusiasmodos adultos que chegam a receb-lo com reservas. No caso tpico dos teatrosuniversitrios, paira sobre eles a eterna desconfiana de que prestigiam tendnciasideolgicas contrrias s tradies nacionais.Assim, entre movimentos srios, que exigem background cultural e que abrem novasfronteiras para os jovens, ou movimentos inofensivos e assinalados por uma totalpobreza de contedo, a sociedade prefere ficar com estes ltimos. Partidria da filosofiaque defende a marginalizao da juventude, a sociedade brasileira olha com restriesquaisquer manifestaes juvenis que pretendam submeter uma anlise suas estruturas.Acham os adultos, de uma forma geral, que os moos devem se divertir e no sepreocupar com as coisas mais srias. Confiam que o seu amadurecimento lhes trar,conseqentemente, o engajamento na sociedade, sem a exigncia da realizao dastransformaes que o idealismo da juventude julga imprescindveis. Essa resistncia perfeitamente compreensvel numa sociedade conservadora como a nossa, cujaorganizao j arcaica passa pelo perodo de crise de ajustamento aos novos padroexigidos pela realidade atual.Ora, o movimento i-i-i, patrocinado por uma bem montada mquina publicitria,conseguiu mobilizar grande parte dos adolescentes e jovens que vivem nos centrosurbanos, desviando-os do debate de temas julgados perigosos. Formou, inclusive, umcontingente de jovens totalmente alheio aos acontecimentos nacionais e preocupadoapenas em imitar seu dolo nos mnimos pormenores.Talvez, por isso, tenha recebido tanto apoio. A ltima manifestao de aprovao dadaaos jovens i-i-i pela sociedade foi a entrega do ttulo de Cidado Paulistano ao 31cantor Roberto Carlos, capixaba de Cachoeira do Itapemirim. Por expressiva maioria,tendo sido contrrios apenas quatro vereadores, a Cmara Municipal de So Paulooutorgou ao cantor uma honraria que s concedida a personalidades de grandedestaque que tenham prestado servios de alta significao para a metrpole. Houve,naturalmente, uma dose de imitao, pretendendo reeditar o episdio em que osBeatles foram agraciados com um honraria pela Coroa britnica. No faltou, tambm,o interesse simplesmente poltico de agradar os novos e futuros eleitores juvenis.O principal, porm, est na formalizao da aprovao j tcitamente dada pelasociedade adulta figura do jovem lder e a tudo quanto ele significa. Enquanto isso, apropaganda insiste na apresentao do dolo, junto aos adultos, como figura de elevadosdotes morais e de austeros princpios. A atitude mais explorada a de ter negado amarca de sua propriedade a uma fbrica de bebidas, demonstrando assim - dizem -tima formao e preocupao pelo resguardo da juventude. A atitude no deixa de sercomovedora, entretanto, no ser com medidas idnticas que se diminuir o consumo debebidas. Nem ser com tais desprendimentos que salvar a Ptria. O povo porm vulnervel a tais estmulos e se emociona