56
#285 JANEIRO/FEVEREIRO 2016 PARA VOLTAR A FUNCIONAR A trajetória do Brasil nos últimos 40 anos: da ditadura à democracia; da hiperinflação à estabilidade da moeda. O que esperar das próximas quatro décadads? p. 30 ENTREVISTA ARTIGO E ENTREVISTA EMPREENDER O ex-ministro Bresser-Pereira faz uma avaliação dos últimos 20 anos da economia. p. 38 Os presidentes do BNDES e da ABDE apontam os caminhos futuros para o Sistema Nacional de Fomento. p. 08 À frente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos explica como fazer crescer os pequenos negócios. p. 18

Rumos 285

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Revista Rumos – Janeiro/Fevereiro 2016

Citation preview

Page 1: Rumos 285

#285

JANEIRO/FEVEREIRO 2016

PARA VOLTARA FUNCIONARA trajetória do Brasil nos últimos 40 anos:

da ditadura à democracia; da hiperinflação

à estabilidade da moeda. O que esperar das

próximas quatro décadads? p. 30

ENTREVISTA ARTIGO E ENTREVISTA EMPREENDER

O ex-ministro Bresser-Pereira faz

uma avaliação dos últimos 20 anos

da economia. p. 38

Os presidentes do BNDES e da ABDE

apontam os caminhos futuros para o

Sistema Nacional de Fomento. p. 08

À frente do Sebrae, Guilherme Afif

Domingos explica como fazer crescer

os pequenos negócios. p. 18

Page 2: Rumos 285
Page 3: Rumos 285
Page 4: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 20164

SUMÁRIO

FOMENTO LIVROS

ARTIGO | Luciano Coutinho

Quarenta anos para

trás e para frente

ENTREVISTA | Guilherme Afi fDomingos

Crédito para quem

precisa: a vez dos

pequenos negócios

ENTREVISTA | Luiz Carlos Bresser-Pereira

Fundamentos da Economia

MEMÓRIA

A década do estigma06ENTREVISTAS

Milton Luiz de Melo Santos

Marco Crocco Afonso

Ilton Luís Schwaab

Em nome do desenvolvimento de longo prazo

10

OPINIÃO

Antonio Delfim Netto

Capital humano22

PRÊMIO

O debate continua23

REPORTAGEM

Um país em amadurecimento

30

REPORTAGEM

Uma história pioneira26

ARTIGO

Ênio Meinen

A economia e o cooperativismo financeiro em 2016

44

ARTIGO

Andrej Slivnik

Fernanda Feil

História econômica em revista

48

46 52

08

18

38

Parece ousadia iniciar o ano com festejos. As

previsões indicam que 2016 será um ano difícil

para o país. Mas não nos entreguemos ao pes-

simismo, há o que comemorar sim, principal-

mente quando se revisita a história recente do

país, os últimos 40 anos. Saímos do regime mi-

litar, promulgamos a Constituição, realizamos

mais de sete eleições diretas para presidente

e houve redução da desigualdade. Todos esses

fatos foram narrados nas páginas dessa revista.

A Rumos completa 40 anos de narrativa sobre

o crescimento do Brasil, e traz para os leitores

um novo projeto gráfico repleto de entrevistas

que revisitam as quatro décadas passadas e

apontam o olhar para o futuro.

Na reportagem de capa, um balanço da tra-

jetória dos planos econômicos e das mudanças

políticas que permitiram construir a estabili-

zação da moeda e a redução das desigualdades.

Depois, a palavra de que fez a história aconte-

cer: o ex-ministro da Fazenda e da Reforma do

Estado, em diferentes governos, no primeiro

mandato do então presidente Fernando Henri-

que Cardoso, Luiz Carlos Bresser-Pereira ana-

lisa os caminhos percorridos pela economia

brasileira e sinaliza a importância de se cons-

truir um sentimento de nação.

Ainda partindo de um ponto de vista privile-

giado da história, os presidentes do Sebrae, Gui-

lherme Afi f Domingos, e do Ipea, Jessé Souza,

convidam a refl etir sobre o fortalecimento eco-

nômico e social de diferentes grupos. Também

sobre esse tema, o presidente, Milton Luiz San-

tos, e os vice-presidentes da ABDE, Marco Croc-

co e Ilton Schwaab, explicam como a construção

do Planejamento Estratégico do Sistema Nacio-

nal de Fomento irá contribuir para o desenvolvi-

mento do país. E, como estamos comemorando,

um contumaz articulista da revista, nesses últi-

mos 40 anos, retorna para nossas páginas: o pre-

sidente do BNDES e da Assembleia da ABDE,

Luciano Coutinho, sinaliza para os novos de-

safi os da sociedade brasileira. Enfi m, é tempo

de lubrifi car as engrenagens e ir para frente.

Boa leitura!

#285JANEIRO/FEVEREIRO 2016

AO LEITOR NESSA EDIÇÃO

SEÇÕES

DESTAQUES

LIVRO ESPECIAL

Jessé Souza

Trazer luz aos velhos paradigmas

50

EXPERTISE

Hugo Kantis

Condições para empreender

14

Page 5: Rumos 285

RUMOS 5

JANEIRO | FEVEREIRO 20152

Superar os preconceitosNo primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff

houve uma evidente deterioração das contas públicas

pelo atraso do governo em reconhecer que: 1) a situ-

ação externa tinha se invertido; e 2) as intervenções

voluntaristas nos projetos de infraestrutura e pontu-

ais nos mercados de bens e serviços eram incapazes

de alterar a causa básica da redução da taxa de cres-

cimento do PIB: a substituição da oferta interna da

indústria nacional pela oferta internacional (a im-

portação). Nunca houve falta de demanda industrial

interna. Os aumentos dos salários reais, a ampliação

do crédito e a redução da taxa de juros real sempre a

sustentaram. O que ocorreu foi uma dramática des-

truição das condições que garantiam uma relativa

isonomia competitiva da indústria nacional, o que a

levou à estagnação e arrastou com ela o PIB.

Essa alteração da estrutura produtiva – que está

se transformando de conjuntural em estrutural –

torna ainda mais problemática a estimativa do eté-

reo “produto potencial” e, consequentemente, da

“falsa-constante”, a taxa de juro real de equilíbrio,

aquela que manteria o emprego perto do seu máxi-

mo sem acelerar a taxa de infl ação, ambas exigidas

para o exercício da política monetária “ótima”.

Há pouca “ciência” e muito “arbítrio” em tudo

isso, o que mostra os graus da sorte, conhecimento,

sensibilidade, humildade, habilidade e arte dos no-

vos executores da política econômica, que a presi-

dente espera que “com o menor sacrifício dos menos

favorecidos”, cumpram tarefas pouco conciliáveis:

1) a recuperação do equilíbrio fi scal sem comprome-

ter os investimentos públicos; 2) a rápida redução

das intervenções no sistema de preços, principal-

mente na taxa de câmbio, com a simultânea redu-

ção da “expectativa” infl acionária; e 3) que acordem

o “espírito animal” do setor privado mostrando que

o “ajuste” não é a redução da demanda efetiva, mas

apenas a preparação para a volta ao crescimento do

setor industrial e, consequentemente, do PIB.

Alguns sinais parecem indicar a séria disposi-

ção da nova administração de assegurar a redução

dos desequilíbrios e criar as expectativas de volta do

crescimento do investimen-

to público, dos investimen-

tos privados e do PIB, condi-

ções necessárias para facilitar

o ajuste “benigno” desejado.

O primeiro sinal foi a decisão

anunciada de reduzir fi rme-

mente o “imbróglio” fi scal sem retroceder no proces-

so civilizatório, isto é, com o menor desconforto para

os menos favorecidos e na manutenção do aumento

da igualdade de oportunidades para que eles possam

continuar a construir a sua cidadania com dignidade.

Isso é fundamental para a coesão e justiça sociais e é

a condição política de sustentabilidade das medidas.

É evidente que o ajuste fi scal só será bem sucedido se

for capaz de despertar o “espírito animal” do setor

privado, dentro de um prazo razoável. De qualquer

forma, parece que o superávit primário projetado de

1,2% do PIB em 2015 é um bom começo.

O segundo sinal veio do Relatório do Banco Cen-

tral de dezembro de 2014, que revela maior disposi-

ção de resistir à “dominância fi scal” e sugere a ne-

cessidade de uma íntima cooperação entre a política

monetária e as políticas social, fi scal, salarial e cam-

bial. Por último, recente decisão do Banco Central

mostra que as intervenções no mercado cambial

destinam-se a reduzir a volatilidade e não a “deter-

minar” o nível da taxa de câmbio. Há muitas difi cul-

dades à frente no segundo mandato da presidente

Dilma. A tragédia da Petrobras é enorme, mas não

pode e não deve “congelar” o governo. Esta é a hora

da grandeza e da solidariedade com a nação.

É hora de superar ridículos preconceitos ideoló-

gicos (os “selfi es” do atraso) e reconhecer que nos-

sas instituições estão cada vez.

ANTONIO DELFIM NETTO

Professor emérito da Faculdade de

Economia, Administração e Contabilidade

(FEA-USP), ex-ministro da Fazenda, da

Agricultura e do Planejamento

Mus nobis enimpor ibearum adio. Cab in re pre culluptur, omnienim vere peleniat audit, quae aut quamus.

OPINIÃO

e , a taxa de juro real

teria o emprego perto

r a taxa de infl ação, am

da política monetária

ência” e muito “arbít

ra os graus da sorte, c

umildade, habilidade

Mus nobis enibearum adiopre culluptuvere peleniataut quamus

Um novo projeto gráfi co

Para comemorar os 40 anos de edição da Rumos

trazemos para os leitores um novo projeto gráfico,

isto é, uma nova apresentação visual das seções da

revista. Com as mudanças, buscou-se trazer mais

leveza para as reportagens e entrevistas e adequar

os conteúdos aos mais modernos formatos de ex-

posição de conteúdos.

Desenvolvido pela Dragon Rouge, o mesmo es-

critório criativo responsável pela reformulação da

marca da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), o projeto

gráfico, apresentado acima e nas páginas seguintes, traz uma nova fonte

para leitura (mais simples e elegante) que convida o leitor a percorrer os

textos agora com mais cores, entretítulos e espaços de respiro. As seções

ganharam pictogramas que orientam sobre que conteúdos serão encon-

trados naquela folha (entrevistas, reportagens, artigos). Já as fotos estão

em grande escala, coloridas e, também, em preto e branco.

São grandes as mudanças para tornar a leitura mais simples e prazero-

sa, facilitando assim o desafio de entender o desenvolvimento brasileiro.

Supprec

JANEIRO | FEVEREIRO 2

o

Pictogramas e nome das seções no início

das páginas.

Títulos mais curtos e fonte

mais elegante.

Nova fonte para os textos:

mais espaçada e confortável

para a leitura. Colunas com

tamanhos diferenciados.

Uso diferenciado das fotos: novos

recortes e opção em preto e branco.

Rodapé simplificado: com

a referência da edição e

número de página.

Frases destacadas

com uso de cores

e nova fonte.

Page 6: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 20166

A década do estigma

Os anos 1980 entraram para a história brasileira

como a “década perdida”. Não é para menos, hipe-

rinflação, dívida externa, ditadura, insucesso dos

planos econômicos e desilução no futebol torna-

ram esse período uma época para esquecer. Mas,

nem tudo foram más notícias. Nos anos 1980, os

economistas assumiram o protagonismo, pelo me-

nos nas páginas da Rumos, no debate sobre o futuro

do desenvolvimento brasileiro diante de tantos pla-

nos desajustados. Também foi a década da disten-

são lenta e gradual da política e, principalmente, da

promulgação da Constituição Federal.

Procurar soluções para recolocar o país nos tri-

lhos do crescimento foi uma constante nas edições

da revista ao longo dessa década. Pelas páginas pas-

saram especialistas no tema do desenvolvimento,

como Ignácio Rangel e Celso Furtado, e economis-

tas que, no futuro, assumiriam posições estraté-

gicas na condução e reflexão sobre os caminhos a

seguir – Antonio Barros de Castro, Paulo Nogueira

Batista, Cândido Mendes, Gustavo Franco.

A cada número, uma dose de angústia em re-

lação ao contexto da época. “O governo não pode

sentar em torno de uma mesa, em Brasília, e num

passe de mágica decidir que a economia vai voltar

a crescer”, pontuou o presidente do Banco Cen-

tral em janeiro de 1982, Carlos Geraldo Langoni,

em uma edição ao tema da reativação da economia

(Ano 6, nº 33). Em outra entrevista, o economista

Edmar Bacha (Ano 10, nº 57), em uma análise da

economia brasileira, fez um balanço do momento

ao falar sobre o que levou o presidente José Sarney

a promover uma profunda reforma na economia:

“São três, assim, os grandes problemas principais:

déficit público, a aceleração da inflação e a trans-

ferência de recursos para o exterior, que colocam

óbices na retomada sustentada do crescimento

para os próximos anos”. Mas também houve a si-

nalização de alternativas, como mostrou a edição

de janeiro/fevereiro de 1989 (Ano 13, nº 75) com o

então ministro da Fazenda,

Maílson da Nóbrega: “Em

primeiro lugar, ..., não há o

menor sintoma de que o país

caminha para uma brutal re-

cessão. As informações mais

recentes de que se dispõe

mostram que as atividades

econômicas estão se recupe-

rando e que as vendas já estão em níveis superiores às que se registra-

vam no período anterior ao Plano [Verão]”. Sete anos se passaram entre

as entrevistas e os cenários pareciam diferentes. A esperança se reno-

vava com mais um plano econômico. Na década de 1980, economistas

em vão tentaram decifrar o elo entre os planos econômicos e o combate

à hiperinflação.

Foi também uma época pródiga em rever e analisar a contribuição que

os bancos de desenvolvimento poderiam dar ao país, com destaque para

os estudos e pesquisas apresentados pela ABDE e realizados de forma pe-

riódica. A questão de busca de alternativas para ampliação das fontes e

recursos e a capacitação do quadro de colaboradores já apareciam como

temas a serem aprimorados. Nessa década, a revista passou a publicar o

Relatório do Sistema de Bancos de Desenvolvimento, o precursor do Info-

ABDE, um relevante relatório com os dados econômicos (operacionais e

contábeis) das instituições financeiras de desenvolvimento pertencen-

tes à Associação.

Tão na moda hoje, a palavra crise estava estampada em todas as pá-

ginas, a cada entrevista, nos artigos assinados; são nestes, aliás, que

encontramos um dos maiores interlocutores da revista nessa década:

Ignácio Rangel. Suas reflexões extrapolam as questões econômicas e

invadem outros campos, como o social. Ao lado, destacamos algumas

de suas considerações presentes em artigos e entrevistas publicados

ao longo dos anos 1980. Uma fala, entretanto, merece nossa atenção:

“Quando essa crise, enfim, houver passado, ficaremos perplexos ao re-

cordar o impasse atual, tão óbvia nos parecerá a solução do problema”

(Ano 12, nº 70). Com essas palavras, Ignácio Rangel nos transporta para

a realidade, e nos ajuda a sermos mais otimistas. Se aquela crise passou,

a atual também passará.

* Editora da revista Rumos e Gerente de Comunicação da ABDE. Formada em Comunicação Social, com mestrado e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Na década de 1980, economistas em vão tentaram decifrar o elo entre os planos econômicos e o combate à hiperinflação.

MEMÓRIA

Da hiperinflação à promulgação da Constituição brasileira, a década de 1980 teve os seus altos e baixos, tanto

na economia quanto na política. Nas páginas da revista, os economistas travaram um duelo de ideais em busca

do melhor caminho para a retomada do crescimento brasileiro. POR THAIS SENA SCHETTINO*

Page 7: Rumos 285

RUMOS 7

A voz de uma época:Ignácio Rangel

ECONOMIA BRASILEIRA“Uma economia na qual a inflação tornou-se endêmica não pode

prescindir de um eficiente mecanismo de correção monetária.”

nº 36, 1982.

“Até hoje, o Brasil tem sido parte integrante da

periferia subdesenvolvida do mundo capitalista.

Ora, somos, agora, uma considerável potência

industrial [...] Isso supõe, portanto, [que deve-

mos empreender] um comércio exterior de novo

estilo, basicamente planificado e de Estado”.

nº 70, 1988.

PRIVATIZAÇÃO“A prestação desses serviços de utilidade pública

não evoluiu na mesma rapidez que a indústria e,

para recuperar esse atraso, serão necessários pe-

sadíssimos investimentos.” nº 70, 1988.

“O clamor levantado em torno da possível privatização dessas

atividades não pode ser descartado como questão irrelevante,

como assunto de meras preferências pessoais, porque nossa mar-

gem para opções tem limites estreitos.” nº 36, 1982.

REFORMA AGRÁRIA“A questão agrária brasileira é, no fundamental, um resultado da

penetração do capitalismo no campo. As antigas relações de pro-

dução vigentes no setor agrícola foram subvertidas.” n º 36, 1982.

“O fato de não ter havido reforma agrária significa, hoje, que a

economia está exposta a uma série de problemas de difícil solu-

ção [...] Mas a verdade, evidentemente, é que

não vamos fazer agora, nos anos 80, a refor-

ma agrária que não fizemos nos anos 30 [...]

Outra reforma terá que ser feita, mas conti-

nuamos a sonhar com a que não realizamos

em 30.” nº 70, 1988.

PENSAMENTOS GERAIS“Sempre que as mudanças objetivas das re-

lações de produção fazem surgir uma nova

classe social, a consciência de si mesma, que

essa nova classe tente a definir, costuma atra-

sar-se, em relação às condições objetivas que

a fazem surgir.” nº 28, 1981.

“A longo prazo, é certo, esse excedente [vindo do campo] encon-

trará emprego na indústria e nos serviços urbanos, porque este é

um imperativo universal. Mas, ao longo prazo, não chegaremos

senão através de curtos prazos e, no curto prazo, o problema

do emprego terá que encontrar uma solução, ainda que apenas

para possibilitar um compasso de espera.” nº 28, 1981.

Ace

rvo

Page 8: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 20168

Quarenta anos para trás e para frente

Há 40 anos, a primeira Rumos de

1976 trazia como artigo inicial tex-

to escrito por Marcos Pereira Viana,

então presidente do BNDES. O autor

chamava atenção para os problemas de

infraestrutura urbana (água, esgotos,

vias de circulação e meios de transpor-

te), moradia e educação decorrentes

dos “dramáticos efeitos do processo

de urbanização” (p. 4). O artigo dizia

ainda: “Diante deste quadro, cabe aos

bancos de desenvolvimento... trans-

cende(r) o mero objetivo de expansão

da produção, abrangendo também a

aspiração de bem-estar da população,

a necessidade de exploração racional

dos recursos naturais, a preservação do

meio ambiente e a atenuação dos de-

sequilíbrios na distribuição espacial e

social da renda nacional” (Rumos nº 1,

set.-out., 1976, p. 5)

A citação parece desconcertante na

percepção de sua atualidade. Em qua-

renta anos nada teria mudado? Seriam

as grandes questões do desenvolvimen-

to brasileiro as mesmas? Ou seria o pró-

prio processo, em si, desestruturante,

de forma que os desequilíbrios se repro-

duzem? Qual a contribuição do Sistema

Nacional de Fomento (SNF) para essa

evolução no passado e para o futuro?

Sim, avançamos muito na agenda do

desenvolvimento. Para citar um único

dado, a proporção de pobres declinou

de 68,3% da população, em 1970, para

10,1%, em 2011, última atualização da

série longa (Rocha, 2013, p. 2). Esta

história foi possível, em larga medida,

graças à conjugação de políticas públi-

cas com a atuação do SNF. Em diversos

indicadores, portanto, ainda que permaneçam de-

safios, estes persistem em outros patamares.

Mas, não se trata apenas de magnitude – há

problemas que mudaram em sua natureza e

adicionaram complexidade. Este é o caso do

desafio da industrialização e do crescimento da

produtividade. Vivemos em um mundo onde,

paradoxalmente, há enormes avanços tecnoló-

gicos, mas a produtividade cresce pouco, global-

mente. Ademais, a dissociação entre indústria e

serviços é hoje certamente inviável – o que tor-

na distinto o desafio.

De forma semelhante, a “Quarta Re-

volução Industrial” está transforman-

do a natureza das firmas, das cadeias

de valor e as relações trabalhistas, im-

pondo novas questões. Como será asse-

gurado o trabalho digno e a assistência

social na era digital? Quais os desafios

exigidos na educação para este novo

mundo, marcado pela rápida difusão

das inovações? As tecnologias de In-

formação e Comunicação (TICs) per-

mitirão a integração de grandes redes

digitais (via “internet das coisas”), cada vez mais

abrangentes e com enorme potencial de aumento

de eficiência, de poupança de energia e de traba-

lho. Qual o papel do SNF para preparar o Brasil

para esta revolução?

NOVAS DEMANDASAlguns temas ganharam nova roupagem. Diante

do preocupante aquecimento global e dos com-

promissos internacionais firmados nos Objetivos

do Desenvolvimento Sustentável (ODS), as ques-

tões ambientais se tornaram uma agenda global e

urgente. Incorporou-se à dimensão ambiental, a

social, de forma que o conceito de sustentabilida-

de se tornou mais amplo. O mesmo ocorreu com o

conceito de desenvolvimento tecnológico, que foi

Sim, avançamos muito na agenda do desenvolvimento. Para citar um único dado, a proporção de pobres declinou de 68,3% da população, em 1970, para 10,1%, em 2011.

ARTIGO

Page 9: Rumos 285

RUMOS 9

LUCIANO COUTINHO

Presidente do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social e

presidente da Asssembleia da ABDE.

ampliado para o de inovação. Estas mudanças se refletiram no

SNF. Fomentar a inovação, o desenvolvimento socioambien-

tal e o desenvolvimento regional são hoje temas transversais

no BNDES, isto é, a serem avaliados em todos os projetos.

Existem também desafios antes inexistentes. Em 1976,

éramos um país de jovens. A proporção de pessoas com 60

anos e mais em relação ao total da população, que era de 6,1

% em 1980, passou para 10,0 % em 2010 e chegará a 18,6 % em

2030 (IBGE). Será necessário repensar a infraestrutura ur-

bana, a saúde e a educação, apenas para mencionar os temas

mais relacionados ao SNF. Não menos importante, em 1976,

vivia-se uma ditadura. Hoje temos uma democracia madura,

que traz exigências de prestação de contas e transparência

também para o SNF.

Infraestrutura foi e continuará sendo prioridade do BN-

DES e do SNF, por suas características intrínsecas. Mas

há novas demandas, como a necessidade de investir maci-

çamente em telecomunicações de rede, sob o risco de ex-

clusão digital. O desafio do financiamento também mudou.

Diante das restrições fiscais do país, precisamos avançar na

criação de instrumentos que alavanquem parcerias com o

setor privado e novas formas de compartilhamento de ris-

co. Os problemas não se limitam ao financiamento, há pen-

dências regulatórias, de estruturação de projetos e necessi-

dade de planejamento.

Em suma, os desafios do desenvolvimento mudam em

magnitude e em complexidade, surgem novas questões e há

ainda desequilíbrios que emergem do próprio avançar.

O BNDES, ao longo de sua história, sempre buscou

responder aos mutantes desafios do desenvolvimento.

Os grandes temas permanecem, ainda que as questões a

serem respondidas mudem. Mas, outrora e sempre, acre-

ditamos, desenvolvimento requer: planejamento, criativi-

dade e determinação.

Referência:

ROCHA, S.: “Pobreza no Brasil – A Evolução de Longo Prazo

(1970-2011). XXV Fórum Nacional, 2013.

No

el J

oaq

uim

Fai

ad

Fonte: Reprodução, ROCHA, 2013, p. 2.

Page 10: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201610

ENTREVISTAS

Em nome dodesenvolvimento de longo prazoDiante de um Planejamento Estratégico recém-construído de forma

democrática e coletiva, a ABDE reafirma seu propósito de manter na

agenda pública o debate sobre o desenvolvimento do país e os possíveis

caminhos para que ele aconteça de forma sustentável e constante. Nas

páginas seguintes, a Rumos conversou com o presidente, Milton Luiz de

Melo Santos, e os vice-presidentes da associação, Marco Crocco e Ilton

Luís Schwaab, que apontam os principais desafios a serem enfrentados

para o fortalecimento do Sistema Nacional de Fomento.

Confira! POR JADER MORAES E THAIS SENA

Div

ulg

ação

Div

ulg

ação

No

el J

oaq

uim

Fai

ad

Page 11: Rumos 285

RUMOS 11

RUMOS – O objetivo principal do Sistema Nacio-

nal de Fomento (SNF), expresso em seu Planeja-

mento Estratégico, é ser o promotor da agenda de

fomento ao desenvolvimento, em diálogo com o

Congresso Nacional, em articulação permanente

com os diferentes níveis de governo, fortalecendo

as instituições de fomento de todo o país. Como

trabalhar para alcançar essa meta?

MILTON LUIZ DE MELO SANTOS – Temos

hoje um planejamento estratégico desenvolvido

com a participação de todas as instituições que

compõem o nosso sistema, e esse planejamento

vem num momento muito importante, na medi-

da em que se percebe claramente que o Brasil tem

o sistema financeiro nacional forte, capitalizado,

com um volume de recursos muito expressivo, mas

que, no entanto, uma grande parte de recursos que

poderia ser canalizada para financiar o desenvolvi-

mento do país, na prática, financia a dívida pública

federal. Então, o objetivo do Sistema Nacional de

Fomento em ser promotor da agenda de fomento

é extremamente nobre e esse planejamento estra-

tégico aponta algumas direções para que possamos

trabalhar no sentido de aperfeiçoar a governança

das Instituições Financeiras de Desenvolvimen-

to: melhorar a regulamentação dessas instituições,

para que possam executar determinadas operações

que hoje lhe são vetadas; atuar sobre a questão da

tributação, pois há uma incompatibilidade muito

grande no papel de uma agência de fomento ver-

sus o sistema tributário em vigor; ampliar as fon-

tes de capitalização é outro tema importante, uma

vez que essas instituições, para desempenharem

seu papel precisam ter operações de prazo mais

longo. Enfim, esses pontos passam por uma dis-

cussão muito séria e profunda sobre que modelos

podemos construir para melhorar o ambiente para

essas instituições de fomento ao desenvolvimento.

RUMOS – O estado de São Paulo é reconhecido por

deter mais da metade da produção científica do país e

o maior número de incubadoras. Na atual conjuntu-

ra econômica, na qual investir em inovação tornou-

-se uma questão de sobrevivência entre as empresas,

quais prioridades uma agência de fomento pode as-

sumir para alavancar o desenvolvimento local?

SANTOS – O papel de uma agência de fomento jun-

to às chamadas empresas inovadoras é fundamen-

tal. A agência identifica as empresas e os programas

que já existem, no tocante ao apoio a essas empresas

e, uma vez reconhecido esse ecoambiente de inova-

MILTON LUIZ

DE MELO SANTOS

Presidente da ABDE e da

Agência de Fomento de São

Paulo (Desenvolve SP)

MARCO CROCCO

1º Vice-presidente da

ABDE e presidente do

Banco de Desenvolvimento

de Minas Gerais (BDMG)

ILTON LUÍS SCHWAAB

2º Vice-presidente da

ABDE e Diretor de Micro

e Pequenas Empresas

do Banco do Brasil

ção (que envolve entidades governamen-

tais, as Fundações de Apoio à Pesquisa,

entre outras), é preciso que a agência de

fomento procure ser o elo entre as enti-

dades para desenhar linhas de financia-

mento e programas de apoio financeiro

a essas empresas, seja com recursos da

própria agência, de fundos de desenvol-

vimento ou ainda oriundos de repasses.

E não só o financiamento, mas também

com apoio sobre a forma de investimento

e capital de risco e a utilização dos fundos

de investimento em participações (FIPs),

em que as agências podem investir no ca-

pital dessas empresas inovadoras, levan-

do para elas um conceito de governança

moderna, de forma que possam acelerar

o seu desenvolvimento e, quem sabe mais

à frente, abrir o capital.

Na minha gestão na ABDE, esse tema

adquire uma relevância muito forte, por-

que noto, pela experiência em São Pau-

lo, que diferetnemente dos setores con-

vencionais da nossa economia, há um

outro setor – o das empresas inovado-

ras – que vem apresentando expressivo

crescimento em seus negócios, com um

desempenho extraordinário, agregan-

do um valor científico fantástico e que

precisa ter os instrumentos apropriados

para que que esses investidores consigam

sair do estágio de uma startup para o está-

gio, de uma empresa de governança mais

profissionalizada. Com o fortalecimento

do SNF, poderemos dar um passo mui-

to importante na modernização da nossa

economia de modo que essas empresas

venham incorporar conhecimento cien-

tífico, desenvolvimento tecnológico e ino-

vação de processos em todos seus siste-

mas. O que dará às nossas empresas, sem

sombra de dúvida, uma competitividade

de que hoje elas não dispõem.

Com o fortalecimento do Sistema Nacional de Fomento, poderemos dar um passo muito importante na modernização da nossa economia.

Page 12: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201612

MARCO CROCCO

RUMOS – O SNF tem o objetivo de construir uma agenda

positiva na imprensa para que o debate sobre o desenvolvi-

mento realmente esteja presente na sociedade. Como a co-

municação pode ser uma aliada para o sistema?

MARCO CROCCO – Sempre achei que o trabalho das ins-

tituições de fomento estaria facilitado se o debate sobre a

necessidade de intervenção ou não do Estado na economia

estivesse posto, e hoje este é um debate que está em vigor no

Brasil. A ABDE tem um papel nessa disputa, e a comunica-

ção é fundamental, porque o nosso trabalho vai estar mui-

to mais facilitado se a sociedade também entender o que é

uma instituição de fomento e como ela deve atuar; que ela

não deve ser horizontal, mas sim deve ter intencionalidade.

Esse é um diferencial em relação às organizações comer-

ciais, pois uma agência e um banco de desenvolvimento não

são somente ofertadores de crédito. Desenvolvimento eco-

nômico não é horizontal, pressupõe intencionalidade: tem

que ter setores prioritários (inovação, modernização, sus-

tentabilidade...) e definir a sua orientação, porque é isso que

é uma agência de desenvolvimento. A importância da comu-

nicação é que existe um debate hoje que as agências de fo-

mento e os bancos de desenvolvimento têm que participar e

a ABDE também. A questão de fundo desse debate é: o Esta-

do deve ou não deve atuar na economia? E a ABDE, como ór-

gão, pode influir nesse debate de várias formas: por meio de

uma pauta positiva junto à imprensa ou então dando supor-

te para os seus associados terem uma pauta no seu respec-

tivo estado. A comunicação é divulgar e disputar na socie-

dade o debate sobre a importância do Estado e de um banco

de desenvolvimento, de uma agência de fomento; no fundo,

a importância de o Estado ter intencionalidade econômica.

Então, a comunicação é fundamental e esse é o papel dela: a

ABDE tem que ser capaz de participar do debate nacional.

RUMOS – O senhor dirige um banco de desenvolvimento

estadual com mais de 50 anos de história, passando por di-

ferentes fases e estágios de desenvolvimento da sua região.

Qual o papel que o senhor credita às instituições públicas de

desenvolvimento em momentos como esse que o Brasil vive

hoje, de crise?

CROCCO – O momento atual é muito complicado. Dentro

do princípio que eu acredito que ABDE e um banco de de-

senvolvimento têm que ter, que é o Estado intervindo na

economia, o momento é menos propício para essa discus-

são, pois está contaminada. Concretamente, mais do que

nunca, depois de 2008 o mundo inteiro voltou a luz para o

papel dos bancos e das agências de fomento, porque podem

atuar no momento contracíclico. Estamos vivendo hoje no

Brasil uma situação bem complicada, porque o debate po-

lítico está mais árido, mais difícil para

aqueles que defendem uma interven-

ção da economia. Contudo, ponto de

vista prático, a solução é a participa-

ção das instituições do Sistema Nacio-

nal de Fomento. No momento de cri-

se, quando o setor privado recua, se vê

mais ainda a necessidade do Estado. Só

que no Brasil, e unicamente em nosso

país, tem essa névoa. No mundo, o de-

bate é outro.

Na Inglaterra, o partido conserva-

dor, da Margareth Thatcher, está mon-

tando um banco de desenvolvimento

para infraestrutura. A China montou

dois. A França recuperou o dela. A si-

tuação do Brasil é muito complexa,

mas o momento econômico favorece o

discurso das agências de fomento e dos

bancos de desenvolvimento.

Desenvolvimento econômico não é horizontal, pressupõe intencionalidade: tem que ter setores prioritários (inovação, modernização, sustentabilidade)...

Page 13: Rumos 285

RUMOS 13

ILTON LUÍS SCHWAAB

RUMOS – Os bancos federais já possuem relações com gran-

de parte dos demais agentes do Sistema Nacional de Fomen-

to. Como o senhor acredita que será possível expandir isso e

fortalecer a articulação entre todas as Instituições Financei-

ras de Desenvolvimento? Qual o ganho que isso poderia re-

presentar ao país e às próprias instituições?

ILTON LUÍS SCHWAAB – Os agentes do Sistema Nacional

de Fomento vinculados à ABDE desempenham, cada um na

sua esfera de atuação, um papel fundamental para a econo-

mia e para a sociedade brasileira. É por meio do apoio das

Instituições Financeiras de Desenvolvimento que são gera-

dos milhões de empregos, comunidades e empresas se de-

senvolvem e milhões de brasileiros são beneficiados por esse

círculo virtuoso. Por isso, o Banco do Brasil reconhece a im-

portância de unir forças com outras instituições para conso-

lidar o SNF e para alinhar os esforços em prol de iniciativas e

ações benéficas ao nosso país.

Especificamente no apoio às Micro e Pequenas Empresas

(MPEs), por exemplo, temos uma parceria de longa data com

o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

(Sebrae) e com o Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-

nômico e Social (BNDES). Desenvolvemos ações conjuntas

e nos apoiamos mutuamente em diversas iniciativas, que re-

sultaram em benefícios e melhores condições para as MPEs.

Da mesma forma, podemos estreitar o relacionamento em ou-

tras áreas e com os demais membros, planejando uma atuação

cada vez mais sinérgica e que contribua para a geração de em-

pregos, renda e desenvolvimento do país e das suas instituições.

RUMOS – Uma das ações das IFDs consiste no apoio ao desen-

volvimento regional. Como o Banco do Brasil pode atuar, em ar-

ticulação com os demais membros do SNF, nessa questão?

SCHWAAB – A capilaridade do Banco do Brasil (BB) favo-

rece a ampliação e democratização do acesso à rede bancária

e ao crédito, apoiando o desenvolvimento regional e local. A

nossa rede de atendimento atinge 99,7% das cidades brasi-

leiras. Atualmente, o BB conta com 5.424 agências bancárias,

representando 23,6% das unidades de atendimento do Sis-

tema Financeiro Nacional. Fruto da parceria do BB com os

Correios, o Banco Postal atua na prestação de serviços ban-

cários e está presente em 94% dos municípios, prestando

atendimento em 6.164 agências dos Correios. Os Correspon-

dentes Bancários do BB chegam a 8.235 unidades de atendi-

mento espalhados por todo o país.

No âmbito do acesso ao crédito, podemos citar algumas

iniciativas do BB que visam promover esse desenvolvimen-

to regional de forma mais direta. Por meio da estratégia Elos

Produtivos, por exemplo, o Banco do Brasil vem formalizando

parcerias com grandes líderes setoriais – empresas privadas

e entes públicos – visando oferecer me-

lhores condições de financiamento para

as micro e pequenas empresas que atu-

am como fornecedoras e prestadoras de

serviço nas cadeias produtivas, seja no

ramo da indústria automobilística, de

alimentos, de siderurgia e muitas outras.

O Banco do Brasil também oferece li-

nhas de crédito com recursos do Fundo

de Amparo ao Trabalhador (FAT) no âm-

bito do Programa de Geração de Empre-

go e Renda do Governo Federal (Proger),

que apoiam o financiamento dos inves-

timentos indispensáveis para as micro e

pequenas empresas se desenvolverem,

sendo possível financiar reformas, im-

plantação de benfeitorias, aquisição de

máquinas, equipamentos e veículos uti-

litários, etc. Para financiar projetos de

investimento de empresas que atuam

na região Centro-Oeste, o BB ainda dis-

ponibiliza linhas de crédito que utilizam

recursos do Fundo Constitucional de Fi-

nanciamento do Centro-Oeste (FCO),

possibilitando condições mais vantajosas

aos clientes. Assim, por meio da bancari-

zação e do apoio creditício, o BB pode al-

cançar todas as regiões do país, facilitando

a comunicação com os atores regionais e

movimentando a economia.

O Banco do Brasil reconhece a importância de unir forças com outras instituições para consolidar o SNF e para alinhar os esforços em prol de iniciativas e ações benéficas ao nosso país.

Page 14: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201614

EXPERTISE

O economista Hugo Kantis lidera um programa pioneiro na Universidade Nacional de General Sarmiento,

na Argentina, e publica o Índice de Condições Sistêmicas para o Empreendedorismo Dinâmico, que mede as

condições em cada país para o surgimento de empreendedores e de novas empresas com potencial de crescimento

e inovação. À Rumos ele comenta sobre as possibilidades e as dificuldades do Brasil e da América Latina para se

igualar aos países mais desenvolvidos do ranking. POR ANA REDIG

Condições para empreender

Kantis explica que o índice busca ser uma

bússola para orientar os países à ação

JANEIRO | FEVEREIRO 201614

Div

ulg

ação

Page 15: Rumos 285

RUMOS 15

Cerca de um terço (34%) dos brasileiros adultos

são empreendedores. É o que revela uma pesquisa

realizada em 2015 pela Global Entrepreneurship

Monitor, que acompanha, desde 1999, o papel do

empreendedorismo no desenvolvimento econô-

mico em vários países. Depois da casa própria

(41,9%) e de viajar pelo Brasil (2,0%), ter seu pró-

prio negócio é sonho de (31,4%) dos entrevistados.

Os números são, de fato, impressionantes e mos-

tram o potencial do empreendedorismo no Brasil.

Mas ter um líder criativo, com boas ideias e inicia-

tiva, é suficiente?

Para responder a esta e a outras perguntas sobre

o tema, a Rumos conversou com o especialista em

empreendedorismo dinâmico Hugo Kantis. Com

Ph.D. em Economia pela Universidade Autônoma

de Barcelona, ele tem mais de 20 anos de experiência

internacional em pesquisas e estudos sobre criação e

desenvolvimento de empresas na América Latina.

Em sua carreira, Kantis tem realizado assessora-

mento organizacional, concepção e avaliação de

programas de desenvolvimento empresarial para

organismos nacionais e internacionais, além de ter

dirigido alguns programas de formação de recur-

sos humanos para o desenvolvimento produtivo.

Hoje, ele lidera o pioneiro Programa de Desenvol-

vimento Empreendedor (Prodem), da Universida-

de Nacional de General Sarmiento, na Argentina,

que pretende desenvolver as capacidades empre-

endedoras em todos os sentidos.

O empreendedorismo pode ser compreendido

como qualquer tentativa de criar uma empresa ou

expandir uma já existente; instituir uma nova ati-

vidade autônoma ou mesmo uma nova atividade

econômica. O importante é que a iniciativa inove

para resolver um problema, atender a uma deman-

da, implementar um novo processo ou criar um

produto. Isso inclui as empresas recém-criadas

com líderes e equipes com vocação empreendedo-

ra e ambição de crescer. “Em geral são empresas

jovens – pequenas e médias – que projetam e pla-

nejam seguir crescendo de forma dinâmica, mas

encontram grandes desafios”, explica Kantis.

O empreendedorismo dinâmico vai além e en-

globa as condições necessárias para que projetos

com potencial de rápido crescimento iniciem ve-

lozmente sua transformação. “É preciso mais do

que sobreviver nos primeiros anos de vida, que

são os de maior risco de mortalidade. Por isso é

necessário criar um ecossistema favorável para

que a empresa recém-criada possa tornar-se uma

É necessário criar um ecossistema favorável para que a empresa recém-criada possa tornar-se competitiva, com potencial de seguir crescendo de forma significativa com base na diferenciação e na inovação.

pequena ou média empresa

competitiva, com potencial

de seguir crescendo de for-

ma significativa com base na

diferenciação e na inovação”,

afirma o economista.

O Prodem tenta dar uma

resposta a essa demanda so-

cial, gerando e transferindo

conhecimentos sobre o ecos-

sistema e o empreendimen-

to a partir de uma estratégia

metodológica baseada em

estudos e na própria experi-

ência de trabalho com os atores envol-

vidos. O modelo dá grande valor à parti-

cipação em redes e alianças com outras

instituições nacionais e internacionais,

profissionais e empreendedores, para

conseguir um melhor vínculo de ida e

volta entre o processo de construção de

conhecimento e a prática concreta.

Desde 2014, a equipe do Prodem

publica o Índice de Condições Sistê-

micas para o Empreendedorismo Di-

nâmico (ICSED-Prodem), construído

na Universidade Nacional de General

Sarmiento em parceria com o Banco

Interamericano de Desenvolvimento

(BID). O índice regional e o ranking in-

ternacional são construídos com base

em dez dimensões relevantes para o

surgimento de empreendedores e de

novas empresas com potencial de cres-

cimento e inovação – as melhores práti-

cas da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O ICSED-Prodem reflete os principais

fatores sociais, culturais, econômicos

e políticos que contribuem para com-

preender o cenário em relação ao em-

preendedorismo dinâmico e suas pers-

pectivas. Esses dados e suas análises

auxiliam na identificação das maiores

forças e fraquezas em cada um dos pa-

íses e na construção de uma agenda de

iniciativas para fomentar o empreende-

dorismo na América Latina.

A primeira dimensão e a mais essen-

cial é a existência de empreendedores ca-

pazes de construir propostas de valor:

TERCEIRO

FRAQUEZAS

DISTÂNCIA

O BRASIL NO RANKING INTERNACIONAL SOBRE EMPREENDEDORISMO DINÂMICO:

No ranking latino-

americano, está atrás de

Chile e México e na frente de

Costa Rica e Argentina, que

fecham o Top 5 da região

Sistema educacional

pouco orientado para a

educação empreendedora

e mercado interno

excessivamente regulado,

provável causa da menor

ambição de crescimento dos

empreendedores brasileiros

Mesmo os latinos mais bem

posicionados estão longe

dos primeiros no ranking,

encabeçado pelos Estados

Unidos, Finlândia e Singapura

Page 16: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201616

o capital humano empreendedor. Este é um dos

principais problemas dos países da América Lati-

na, inclusive do Brasil, já que o processo do surgi-

mento desses empreendedores é influenciado por

outras dimensões adotadas no Índice, como cultu-

ra e condições sociais das famílias onde as pessoas

nasceram e se formaram, que precisam ser favorá-

veis para o surgimento desse empreendedor. O sis-

tema educativo ao qual ele está conectado também

precisa prepará-lo para que seja capaz de construir

propostas de valor. Para fechar o complexo ecos-

sistema empreendedor ainda é necessário acesso a

financiamentos e a capital social para nascer, se de-

senvolver e expandir. Políticas e regulações claras

criam o ambiente seguro necessário para que tudo

flua sem sustos. “Os empreendimentos dinâmicos

são os que têm a maior capacidade de criar empre-

gos de qualidade e ajudar a diversificar a estrutura

produtiva da região”, destaca.

FORÇAS E FRAQUEZASO Chile é o país da região com as melhores condi-

ções sistêmicas para o empreendedorismo dinâ-

mico. Em seguida estão o México, o Brasil, a Costa

Rica e a Argentina, formando os Top 5 do ranking

da América Latina. Contudo, mesmo os países

mais bem posicionados da região se encontram

longe dos primeiros lugares no ranking interna-

cional, encabeçado pelos Estados Unidos, Finlân-

dia e Singapura. Kantis observa, entretanto, que o

lugar de cada país no ranking não é o mais impor-

tante. “O Índice pretende ser uma bússola que nos

oriente para a ação. Por isso foi estruturado pen-

sando em governos, universidades, incubadoras e

aceleradoras, investidores e outros atores que in-

tegram este ecossistema”.

O economista explica que o nível de condições

sistêmicas para o empreendimento nos diferentes

países está profundamente correlacionado com

seu grau de desenvolvimento e, em geral, os mais

desenvolvidos são também os que têm melhores

condições sistêmicas para empreender e vice-ver-

sa. O terceiro lugar entre os países latino-america-

nos não deixa o Brasil “bem na foto”. Longe disso,

há um longo caminho a percorrer. “Eu não diria

que o Brasil deva aprender com o Chile ou com o

México, dado que é um país com uma enorme ri-

queza, uma trajetória impressionante e condições

culturais que valorizam o empreendedor. Por ou-

tro lado, o tamanho não pode ser sua única for-

ça, enquanto estes países estão em vantagem por

terem uma maior base de

ciência e tecnologia ou um

tecido industrial mais for-

te”, orienta Kantis. Para ele,

preocupa o atraso do Brasil

em relação a esses países no

que diz respeito a um siste-

ma educacional orientado

para a educação empreende-

dora. Além disso, o mercado

interno brasileiro é excessi-

vamente regulado, provável

causa da menor ambição de

crescimento dos empreendedores brasileiros re-

gistrado na pesquisa. “É possível que isso mude

ante a situação atual da economia brasileira”, con-

sidera o economista.

Kantis explica que a liderança do Chile no

ranking regional está claramente ligada a uma po-

lítica de empreendedorismo proativa, à adequação

das normas e regulamentos às necessidades dos

empreendedores naquele país e ao desenvolvi-

mento de uma indústria de capital empreendedor

(venture capital). Ele diz que, em geral, os países

da América Latina costumam ocupar posições da

metade inferior na “Copa do Mundo” do empre-

endedorismo dinâmico em grande parte porque

há mais investimentos nos países desenvolvidos

em plataformas de ciência e tecnologia, tanto por

parte dos governos como das empresas. “Nas so-

ciedades mais intensivas em conhecimento isso é

crucial”, observa.

Outra característica que coloca os países lati-

no-americanos em desvantagem é a dificuldade

de acesso à educação, especialmente a de nível su-

perior. Também há menos empreendedores com

ambição e potencial de crescimento na região, e

os que existem enfrentam dificuldades para esta-

belecer e formar redes necessárias para acessar

um empresário ou investidor. “O networking é

fundamental, pois ninguém investe em quem não

confia”, comenta.

POLÍTICASA falta de estrutura empresarial e a dificuldade

de acesso a financiamentos são dificuldades mais

comuns para a maioria dos países da região, in-

clusive para os três líderes, Chile, México e Brasil,

apontando para a necessidade de implementar

políticas e regulações capazes de contribuir com

o empreendedorismo. “As políticas empresariais

O nível de condições para o empreendimento está profundamente correlacionado com o grau de desenvolvimento dos países. Em geral, os mais desenvolvidos são também os que têm melhores condições sistêmicas para empreender e vice-versa.

Page 17: Rumos 285

RUMOS 17

se caracterizam pela necessidade de envolver di-

ferentes atores, tanto em sua formulação como em

sua implementação. Não só os governos, mas tam-

bém as universidades, incubadoras e aceleradoras,

os investidores, as instituições financeiras, as enti-

dades empresariais e os jovens empresários devem

contribuir para que sejam estabelecidas normas

específicas (habilitações e permissões, impostos e

regulações para o comércio exterior) mais amigá-

veis ao empreendedorismo,” sugere Hugo Kantis.

Entre os avanços observados na América Latina

está o aumento do espaço na educação empreende-

dora nas universidades. Um estudo do ecossistema

no Brasil, Chile e Argentina realizado pelo Prodem

indica que pouco mais de um terço dos empreen-

dedores tiveram algum curso de empreendedoris-

mo na universidade. “Mais de 60% deles afirmou

que isso foi relevante para desenvolver suas capa-

cidades empreendedoras, diferentemente do que

ocorria na década passada, quando poucos empre-

endedores reconheciam a importância do aporte

das universidades. Não obstante, esses esforços

dependem, ainda, de iniciativas pessoais dos pro-

fessores e, com frequência, as metodologias de en-

sino utilizadas são pouco inovadoras. É nisso que

precisamos investir”, observa Kantis.

A cultura está entre as áreas em que os países latinos se destacam, afirma o especialista.

Div

ulg

ação

Segundo a pesquisa, os países latino-americanos investem, em média,

por aluno apenas um terço dos recursos desembolsados pelos países es-

candinavos, que lideram essa dimensão no ranking. O investimento no

ensino médio e superior fica em torno da metade do apurado na esfera

internacional. “Com esses dados fica muito claro observar a desvanta-

gem dos países latino-americanos na educação empreendedora em re-

lação a países como Coreia, Estados Unidos e Finlândia, cujas taxas de

acesso à educação são muito mais elevadas”, aponta Hugo Kantis.

O especialista destaca que esta é uma questão muito relevante se qui-

sermos formar uma sociedade empreendedora e avisa que mudanças no

sistema educacional incluem capacitar os professores em metodologias

específicas e contar com materiais adequados. Também é preciso fazer

mudanças na formação desses docentes, para que estes possam se con-

verter em verdadeiros agentes de transformação. “É importante traba-

lhar, com docentes e autoridades, preconceitos ideológicos que costu-

mam gerar resistências e bloquear a possibilidade de avançar no campo

da educação empreendedora”, alerta Kantis.

RANKINGAs condições da demanda e a cultura são as dimensões que registraram

os menores gaps em relação aos países que lideram o ranking interna-

cional. A cultura vem evoluindo de maneira positiva e atualmente os

empreendedores são bem-vistos e valorizados na maioria dos países,

incidindo favoravelmente sobre o desejo de empreender das pessoas. Os

empreendedores brasileiros são, em geral, caçadores de oportunidades

que seguem sua paixão por inovar e crescer.

A América Latina também vem se beneficiando das boas condições da

demanda que, em geral, têm estado associadas ao aumento dos preços in-

ternacionais dos principais bens exportados e à expansão das classes mé-

dias. Segundo o estudo do Banco Mundial, a classe média – pessoas com

renda per capita entre US$ 10 e US$ 50 ao dia – na América Latina cres-

ceu 50% entre 2003 e 2009, passando de 100 milhões para 150 milhões

de pessoas, ou um terço da população. A previsão para 2030 é de que 42%

da população latino-americana integre essa faixa. “Para que a população

que veio engrossar a ‘nova classe média’ se constitua em uma plataforma

fértil para o surgimento de novos empreendedores dinâmicos, é necessá-

rio que melhore, junto com os ingressos, seu acesso à educação de quali-

dade e ao capital social”, aconselha Hugo Kantis.

O economista informa que já estão surgindo, na região, iniciativas de

aceleração e fundos de investimento que podem contribuir para melho-

rar o acesso ao financiamento e ao capital social com mentores e inves-

tidores. Ainda que de forma incipiente, algumas empresas também já

estão começando a apostar na inovação e no empreendedorismo. Por

outro lado, a maioria dos governos está apoiando empreendedorismo

com capital semente, enquanto apenas alguns apostam em um menu

mais amplo. “Estou certo de que o Brasil pode fazer com que as empre-

sas e instituições de Ciência & Tecnologia se convertam em uma fonte de

oportunidades para o empreendedorismo inovador, com programas de

empreendedorismo corporativo e inovação aberta, em que as ideias e o

conhecimento se encontram com empreendedores capazes de dar solu-

ções a diferentes desafios”, espera.

Page 18: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201618

EMPREENDER

Crédito para quem precisa: a vez dos pequenos negócios Enquanto negocia com o BNDES a criação de novos produtos para os pequenos

negócios, o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, reafirma nessa

entrevista a importância desses empreendimentos para a economia brasileira,

uma vez que empregam mais da metade dos trabalhadores com carteira

assinada e respondem por 27% do PIB nacional. POR THAIS SENA E JADER MORAES

Page 19: Rumos 285

RUMOS 19

GUILHERME AFIF

DOMINGOS

Presidente do Sebrae

Nacional. Foi ministro-

chefe da Secretaria

da Micro e Pequena

Empresa da Presidência

da República entre maio

de 2013 e setembro de

2015. Entre 2011 e 2014,

foi vice-governador de

São Paulo. Já ocupou

várias secretarias de

governo do estado de

São Paulo, foi presidente

da Confederação das

Associações Comerciais

do Brasil (CACB),

da Federação e da

Associação Comercial

de São Paulo (Facesp e

Acsp). Foi candidato à

Presidência da República

em 1989.

RUMOS – Ainda que tenha tido mu-

danças recentes, ainda são grandes

os  desafios que os pequenos negócios

enfrentam. Se pudesse apontar um de-

safio a ser superado neste momento,

qual seria a prioridade?

GUILHERME AFIF DOMINGOS –

Crédito. Os pequenos negócios preci-

sam de crédito para manter o capital

de giro e sobreviver gerando emprego

e renda. No atual cenário econômico,

isso é essencial para continuar fazendo

a roda girar. O Brasil hoje tem um dos

sistemas financeiros mais concentrados

do mundo. O micro e o pequeno empre-

sário têm imensa dificuldade em lidar

com o sistema financeiro que está volta-

do principalmente para as grandes em-

presas. Talvez seja esse o grande desafio.

 

RUMOS – O que falta para financiar os

empreendedores: mais recursos, novos

produtos, ampliação da rede de institui-

ções financeiras? E a criação de uma li-

nha de crédito especial para micro e pe-

quenas junto ao BNDES, como o senhor

avalia essa proposta?

AFIF – Estamos negociando com o

BNDES para lançar produtos voltados

para os pequenos negócios. Já consegui-

mos acabar com a exigência do registro

em cartório de contratos de emprésti-

mo para pequenos empreendimentos.

Isso vai gerar uma economia de R$ 2

mil para cada operação de financiamen-

to que uma micro ou pequena empresa

fizer. Também estamos pedindo a cria-

ção de linhas de crédito pulverizadas e

voltadas para as micro e pequenas em-

presas, em especial, as que faturam até

R$ 360 mil por ano. Os juros devem

Os pequenos negócios estão perto da casa oudo trabalho de todos nós. Eles promovem a circulação de pessoas e dinheiro nos bairros

Ren

ata

Cas

tello

Bra

nco

Page 20: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201620

ficar entre 15% e 18% ao ano, bem

abaixo dos praticados no mercado.

Os principais alvos são o Cartão

BNDES, produto voltado à conces-

são de financiamento para micro e

pequenas empresas, e o Programa

BNDES de Apoio ao Fortalecimen-

to da Capacidade de Geração de

Emprego e Renda (Progeren), des-

tinado a capital de giro.

 

RUMOS – Como as Instituições

Financeiras de Desenvolvimento

(IFDs) podem  trabalhar para se

aproximar dos pequenos empreen-

dedores?

AFIF – Estamos trabalhando em

uma proposta, apresentada na

ABDE, de direcionar parte dos re-

cursos do Fundo de Aval às Micro

e Pequenas Empresas (Fampe),

criado pelo Sebrae, para projetos

de desenvolvimento e inovação

das micro e pequenas empresas.

Instituições como BNDES, BNB

e BDMG, entre outras, priorizam

projetos e financiamentos de maior

prazo. A prioridade à ampliação do

crédito e de garantias aos peque-

nos negócios é parte central desse

planejamento, e será buscado por

meio da integração entre os diver-

sos instrumentos financeiros das instituições financeiras e

agências de fomento associadas à ABDE.

 

RUMOS – A pesada carga tributária é uma das principais re-

clamações dos pequenos negócios, como o que vem aconte-

cendo com a nova regra do ICMS. O SuperSimples veio para

ajudar nessa questão, entretanto, outros ajustes precisam ser

feitos. O que mudar?

AFIF – Precisamos aprimorar ainda mais o Simples, aumen-

tar o teto de faturamento e criar uma rampa de crescimento

gradativa para os pequenos negócios não se virem obrigados

a sair de repente de um sistema simplificado de tributação

e cair em outro mais complexo. Está pronto para ser votado

no Plenário do Senado o Projeto de Lei Complementar PLC

125/2015, que estamos chamando de Crescer sem Medo. O

projeto prevê a ampliação dos tetos de faturamento e a apli-

cação de uma progressão de alíquota como a já praticada no

Imposto de Renda de Pessoa Física, ou seja, quando uma

empresa exceder o limite de faturamento da sua faixa a nova

alíquota será aplicada somente no mon-

tante ultrapassado. O Projeto também

prevê a criação da Empresa Simples de

Crédito (ESC), que serão empresas que

poderão emprestar dinheiro para os pe-

quenos negócios de sua cidade.

RUMOS – Como os pequenos negócios

podem ajudar na economia brasileira

para que se mantenha um desenvolvi-

mento sustentável de longo prazo?

AFIF – Hoje, os 10,6 milhões de peque-

nos negócios existentes no Brasil re-

presentam 95% dos empreendimentos,

empregam 52% da população que tem

carteira assinada e respondem por 27%

do Produto Interno Bruto (PIB) nacio-

nal. Eles estão em todos os lugares e mo-

vimentam a economia local. Os peque-

Page 21: Rumos 285

RUMOS 21

Os pequenos negócios precisam de crédito para continuar sobrevivendo e gerando emprego e renda. No atual cenário econômico, isso é essencial para continuar fazendo a roda girar.

Cha

rles

Dam

asce

no

*Outros 1% - Arte: Noel Joaquim Faiad. Fonte: Movimento Compre do Pequeno Negócio/Sebrae.

nos negócios estão perto da casa ou do

trabalho de todos nós. Eles promovem a

circulação de pessoas e dinheiro nos bair-

ros e geram possibilidade de ganhos para

outros negócios já instalados ou mesmo

para a abertura de novas empresas.

 

RUMOS – O senhor assumiu, de for-

ma voluntária, a presidência do Conse-

lho Deliberativo do Programa Bem Mais

Simples Brasil. Há uma convergência en-

tre as duas agendas (a do Programa e a do

Sebrae). Como fazê-las caminhar?

AFIF – Vou levar adiante os projetos no

Sebrae e cuidarei também do Bem Mais

Simples, cujas pautas são convergentes:

desburocratizar a vida da população e

de negócios. As diretrizes do Bem Mais

Simples Brasil são: eliminar exigências

que ficaram obsoletas com a tecnologia;

unificar o cadastro e a identificação do

cidadão; dar acesso aos serviços públicos

em um só lugar; guardar informações do

cidadão para consulta; e resgatar a fé na

palavra do cidadão, substituindo docu-

mentos por declarações pessoais. Esses

objetivos são muito parecidos com os

que o Sebrae tem realizado em relação às

micro e pequenas empresas.

Page 22: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201622

Capital humanoO desemprego é o maior mal que corrói qualquer

sociedade. Cada vez que um indivíduo que pode e

quer trabalhar não encontra emprego, sente-se

excluído. A situação é ainda pior quando o desem-

prego se prolonga e ele perde o “capital humano”

que incorporou no simples ato de trabalhar: vai-

-se com o tempo a sua expertise, superada pelo

avanço tecnológico. No fim de cada dia de procu-

ra ele perdeu um pedaço da sua identidade e vê a

destruição da família.

A economia brasileira resistiu por um quin-

quênio à dramática redução das oportunidades

de trabalho que atingiu boa parte do mundo em

seguida à crise financeira de 2009. Em 2015,

o Brasil deixou de ser uma exceção, com o cor-

te mais forte de postos de trabalho no setor in-

dustrial, mas logo sem poupar os demais. Neste

início de 2016, estamos numa situação extre-

mamente delicada: ambos – o Brasil e o mundo

– perdemos tração. Estamos diante da urgente

necessidade de corrigir distorções produzidas

por um “pensamento mágico” desatento às restri-

ções físicas deste mundo, às identidades da Conta-

bilidade Nacional e à “regra de três”, que procurou

a redistribuição continuada de bens que não foram

produzidos. O desejado desenvolvimento econô-

mico com inclusão tem como condição necessária

simultânea o aumento da produtividade do traba-

lhador, que depende de uma miríade de fatores: os

mais importantes são o capital físico, que incorpo-

ra avanços tecnológicos, e o conhecimento para

bem utilizá-lo de que se dota cada trabalhador.

O que isso impõe? Que qualquer que seja o regime

da organização social e da economia nela inserida, ele

tem que harmonizar a distribuição do que foi produ-

zido entre: 1) o que se destina à satisfação imediata de

suas necessidades (o consumo e o bem-estar da popu-

lação); e 2) o que se destina a aumentar a quantidade e

a qualidade do capital físico (máquinas, infraestrutura)

operado pelo capital humano (educação, saúde). A lei

de Helmut Schmidt é incontornável: é o investimento

de hoje que produzirá o crescimento de amanhã e cria-

rá a oportunidade de emprego

de depois de amanhã.

Os resultados da Pesqui-

sa Nacional por Amostra de

Domicílio (PNAD), divul-

gados neste ano pelo IBGE,

são alarmantes. A taxa de

desemprego atingiu 8,9% no

terceiro trimestre de 2015

(um aumento de 30% sobre

o seu homólogo de 6,9% no triênio 2012-14), em

resposta a uma queda do PIB de 4,5% no mesmo

período. O Brasil corre o risco de ter 10 milhões de

desempregados em março deste ano: Não dá para

esperar mais!

É fundamental que o Executivo e o Legislativo

incorporem o senso de urgência e trabalhem para

restabelecer a “confiança” entre eles e o respeito

da sociedade, sem o qual não haverá crescimento e,

com ele, a recuperação do emprego.

Uma das medidas estruturais para acomodar

as flutuações do emprego ínsitas no capitalismo

é autorizar a plena validade do entendimento

direto entre comitês de fábrica e empresários

sob a vigilância dos sindicatos (que têm muito a

aprender). O que se propõe é que trabalhadores e

empresários possam discutir – com informações

relevantes, de forma livre e transparente – qual

a melhor forma de obter uma distribuição mais

“justa” dos ganhos e dos inconvenientes da flu-

tuação da conjuntura, respeitando a segurança,

a estabilidade e os direitos constitucionais de

ambas as partes. Por si mesmo, tal entendimen-

to aumentará o bem-estar de todos e mitigará as

próprias flutuações da conjuntura.

ANTONIO DELFIM NETTO

Professor emérito da Faculdade

de Economia, Administração e

Contabilidade (FEA-USP), ex-ministro

da Fazenda, da Agricultura e do

Planejamento.

É fundamental que o Executivo e o Legislativo incorporem o senso de urgência e trabalhem pararestabelecer a “confiança”entre eles e o respeito da sociedade.

OPINIÃO

Mar

celo

Co

rrea

Page 23: Rumos 285

RUMOS 23

O debate continua

Nas páginas seguintes publicamos mais dois

artigos participantes do Prêmio ABDE-BID

de Monografias sobre o Sistema Nacional

de Fomento – edição 2015. Desta vez, serão

apresentados resumos dos trabalhos classi-

ficados na segunda colocação em cada uma

das categorias, “Financiando o Desenvol-

vimento” e “Melhores Práticas do Sistema

Nacional de Fomento”.

O primeiro texto é sobre a experiência

dos convênios operacionais no Banco Re-

gional de Desenvolvimento do Extremo Sul

(BRDE). Escrito por Eversão Leão, Mateus

Müller e Nicolas Suhadolnik, o trabalho

premiado analisa os principais resultados

obtidos pela instituição entre 2005 e 2014

com a estruturação desses convênios, com

uma série de indicadores que demonstram

o êxito da estratégia.

Já o artigo de Fabio Biagini e Filipe Bor-

sato da Silva, do Banco Nacional de Desen-

volvimento Econômico e Social (BNDES),

trata do capital de risco e do desenvolvi-

mento de empresas de base tecnológica

no Brasil. No texto, há o relato sobre a im-

portância dos Fundos Criatec, criados pelo

banco para apoiar esse segmento que tem se

desenvolvido de forma crescente no país.

NOVIDADESEm 2016, o prêmio chega

à sua terceira edição com

uma grande novidade:

antes restrito à participa-

ção de funcionários das

instituições associadas à

ABDE, a partir deste ano,

qualquer pessoa interes-

sada poderá inscrever seu

trabalho. A categoria I,

“Desenvolvimento em De-

bate”, será aberta a mem-

bros de universidades,

instituições de pesquisa e

interessados na temática.

A categoria II, que tem como tema “Financiamento: de-

safios e soluções”, segue exclusiva para empregados das

instituições de fomento associadas, mas também conta com

novidades. Os trabalhos serão divididos em dois grupos – o

primeiro reunirá os bancos públicos federais, bancos coope-

rativos, Finep e Sebrae; e no outro, os bancos de desenvol-

vimento controlados por estados da federação, os bancos

públicos comerciais estaduais com carteira de desenvolvi-

mento e as agências de fomento.

O edital e demais informações estão disponíveis em www.

abde.org.br. As inscrições começaram em 1º de março e se es-

tendem até 25 de julho. Participe!

O edital do PrêmioABDE-BID e demais informações estão disponíveis em www.abde.org.br. Participe!

PRÊMIOB

runo

Mo

rgad

o

Vencedores da edição 2015 participam da Cerimônia de Entrega do Prêmio.

Page 24: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201624

Alianças para o desenvolvimentoAs alianças estratégicas, estabelecidas sob a forma

de Convênios Operacionais, foram fundamentais

para o Banco Regional de Desenvolvimento do

Extremo Sul (BRDE) conquistar reconhecimento

e uma posição de destaque entre as instituições

integrantes do Sistema Nacional de Fomento

(SNF). A experiência de Convênios Operacionais,

iniciada há mais de 20 anos pelo BRDE, permitiu,

entre outros benefícios, maior capilaridade e “in-

teriorização” na oferta de crédito de longo prazo

em toda sua região de atuação.

Os Convênios Operacionais têm como objeti-

vo principal o desenvolvimento de ações conjun-

tas buscando o suprimento de recursos fi nancei-

ros para o atendimento da demanda de crédito

dos associados, integrados e clientes dos parcei-

ros envolvidos. Os recursos são direcionados para

o fi nanciamento da aquisição de máquinas, equi-

pamentos, implementos agrícolas, ônibus e cami-

nhões. Além disso, são atendidas solicitações para

o fi nanciamento de projetos de investimentos, in-

cluindo a construção e modernização de benfeito-

rias e instalações agropecuárias e industriais, com

destaque para a avicultura, suinocultura e pecuá-

ria leiteira, em sistemas integrados de produção.

Por meio de mecanismos de cooperação entre os

agentes envolvidos, os convênios conseguem atin-

gir a quase totalidade dos municípios da Região

Sul, incluindo diversas áreas com baixo grau de

desenvolvimento, que enfrentam obstáculos para

acesso ao crédito nos canais tradicionais ofereci-

dos pelas instituições fi nanceiras.

Desde o início da operacionalização até 2014,

foram contratadas 89.435 operações de crédi-

to pelos Convênios Operacionais, no valor de R$

4,44 bilhões. Deste total, mais da metade, 58% do

valor contratado, foi direcionado para o Paraná.

Esse resultado pode ser explicado, em parte, pela

presença de cooperativas de crédito e produção

agropecuária que apresentam longo histórico de

relacionamento com o BRDE neste estado e, além

disso, ocupam lugar de destaque no sistema coope-

rativista nacional. Já em Santa Catarina, uma parcela considerável do va-

lor total contratado foi direcionada para as MPMEs, com destaque para

o setor de comércio e serviços. No Rio Grande do Sul, as cooperativas de

crédito assumem o protagonismo nas parcerias estabelecidas, e mais os

convênios fi rmados com fabricantes e distribuidores autorizados de má-

quinas e equipamentos. Apesar das particularidades observadas na cons-

tituição e operacionalização em cada estado, os convênios estão em per-

feita sintonia com a missão do BRDE.

Como principais elementos que contribuem para o sucesso e manu-

tenção das alianças estabelecidas, podemos destacar: o interesse co-

mum no desenvolvimento econômico e social em suas regiões de atua-

ção; o reconhecimento do crédito como instrumento indispensável para

a obtenção de níveis de produtividade e qualidade compatíveis com as

necessidades de maior competitividade no mercado nacional e inter-

nacional; a ampliação dos limites operacionais junto aos provedores de

funding; a redução do custo efetivo total das operações para os mutuá-

rios; e o desenvolvimento e compartilhamento de conhecimento técni-

co entre os parceiros. Para o BRDE, os Convênios Operacionais foram

essenciais para consolidar sua atuação como agente de fomento à agri-

cultura familiar e aos sistemas integrados de produção agropecuária na

Região Sul, contribuindo, dessa forma, para a geração de renda e aumen-

to do bem-estar das famílias.

NICOLAS SUHADOLNIK

Mestre em Economia pela Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC) e Ana-

lista da Gerência de Produtores Rurais e

Convênios do BRDE.

Todos trabalham na Agência do Paraná do BRDE.

MATEUS MÜLLER

Economista pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS) e Analista da

Gerência de Planejamento do BRDE.

EVERSON LEÃO

Mestre em Economia pela Universidade

Federal do Paraná (UFPR) e Gerente

Adjunto de Operações – Micro e Pequenas

Empresas do BRDE.

PRÊMIO

Div

ulg

ação

Page 25: Rumos 285

RUMOS 25

A Experiência dos Fundos Criatec O mercado internacional de capital de risco surgiu

e se desenvolveu para preencher a lacuna do siste-

ma financeiro que não era suprida nem pelo crédi-

to tradicional nem pela capitalização por meio de

listagem em bolsa de valores. O termo capital de

risco se refere a todos os investimentos em partici-

pações negociados privadamente em empresas não

listadas em bolsas de valores.

O BNDES é reconhecido como um impulsiona-

dor relevante do crescimento da indústria de capi-

tal de risco no Brasil e, até o final de 2014, a sua car-

teira de fundos de investimento era composta por

34 fundos, dos quais 19 eram de Seed Capital e Ven-

ture Capital e os outros 15 eram de Private Equity.

Os fundos voltados para inovação apresentam o

maior número de empresas investidas indireta-

mente pela BNDESPAR, respondendo por quase

50% da sua carteira. O patrimônio comprometido

nesses 34 fundos totalizava, ao final de 2014, R$

2,51 bilhões, sendo o banco o investidor institucio-

nal nacional com a carteira mais relevante de fun-

dos de Seed Capital e Venture Capital. Os fundos

atualmente ativos e acompanhados pela BNDES-

PAR aprovaram aportes em mais de 200 empresas e

investiram efetivamente em mais de 160 empresas.

Verifica-se que, se no Brasil a obtenção de recur-

sos financeiros para realização de investimentos em

geral é algo difícil, para as empresas de base tecnoló-

gica são ainda mais escassos. Nesse sentido, institui-

ções e agentes do setor público possuem uma função

importante ao direcionarem capital para segmentos

em que ocorre maior escassez de recursos, como o

desenvolvimento de empresas de base tecnológica.

Dessa forma, o Fundo Criatec se insere em um con-

texto de evolução da atuação do BNDES, tendo como

uma de suas principais características o fato de co-

brir uma clara lacuna de recursos existente para os

estágios mais incipientes do setor, notadamente o

capital semente. A construção de um circuito virtu-

oso para utilização do capital de risco no fomento

ao desenvolvimento tecnológico, associado à inova-

ção e empreendedorismo, é uma iniciativa de longo

prazo, cabendo o reconheci-

mento de que as iniciativas

públicas nesse sentido pos-

suem grande importância.

O BNDES iniciou, em 1995,

seu apoio à estruturação de

fundos fechados destinados

à realização de investimentos na forma de subscrição pela BNDESPAR de

valores mobiliários. O conhecimento adquirido pela equipe do banco nesse

período serviu como importante insumo para a estruturação de um novo

modelo para atuação na participação nos fundos de capital semente mate-

rializada no lançamento do Programa Criatec, em 2007.

O Fundo Criatec I inovou ao se configurar como um fundo de capital

semente nacional com presença física em diversos polos regionais de

inovação, sendo capaz de unir prospecção ampla de empresas de base

tecnológica, diversificação de riscos, diluição de custos e proximidade

das empresas investidas. O sucesso desse fundo levou o BNDES a lançar

o Fundo Criatec II, em 2013, e o Criatec III, no início de 2016. Os patri-

mônios comprometidos dos três Fundos da Série Criatec ao serem soma-

dos chegam a cerca de R$ 500 milhões. O fomento ao desenvolvimento

de empresas inovadoras com alto potencial de crescimento e com prá-

ticas de governança transparentes é de fundamental importância para a

constituição de um país mais competitivo e com melhores oportunida-

des para seus cidadãos. Nesse sentido, os produtos financeiros tais como

os fundos da série Criatec permitem que os empreendedores de alto im-

pacto e os pesquisadores desenvolvam empresas de alta tecnologia, mes-

mo em locais de menor atividade econômica no Brasil, contando com o

suporte financeiro e gerencial.

FILIPE BORSATO DA SILVA

Mestre em Finanças pela PUC-Rio, com

MBA em Gestão Internacional pela Uni-

versité Pierre-Mendés-France e engenhei-

ro de Telecomunicações pela UFF.

FABIO LUIZ BIAGINI

Mestre em Finanças pela PUC-Rio, com

MBA em Engenharia Econômica pela

UFRJ.

Os produtos financeiros tais como os fundos da série Criatec permitem que os empreendedores de alto impactoe os pesquisadores desenvolvamempresas de alta tecnologia.

Ambos trabalham na Área de Capital Empreendedor do BNDES.

Div

ulg

ação

Page 26: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201626

Em 1961, diante de um cenário de desafios econômicos e desigualdades

regionais, os governadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do

Paraná se uniram e criaram o Banco Regional de Desenvolvimento do

Extremo Sul (BRDE). A ideia de prover o desenvolvimento dos três esta-

dos com uma instituição de fomento, que foi rejeitada por alguns críticos

políticos, deu certo.

Hoje, 55 anos depois, o BRDE pode contar uma história de parce-

rias com o setor público ou privado na promoção de desenvolvimen-

to. Em foco está o bem-estar da sociedade, a prestação de serviços

públicos qualificados, a distribuição de riqueza e a sustentabilidade

ambiental.

Milhares de empregos foram gerados, com diferentes linhas de financia-

mento, juros e prazos. Um dos norteadores da instituição é sempre buscar

alternativa de aplicação de recurso que gere o menor custo para o tomador

e os melhores benefícios para a sociedade. Nesses 55 anos, cativou fontes de

Uma instituição de desenvolvimento para três estados, o

Banco de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) completa,

em 2016, 55 anos de trajetória pioneira no fomento ao

desenvolvimento do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do

Sul. POR DANILE REBOUÇAS

financiamentos, aumentou o patrimônio e ganhou

posição entre os 30 maiores bancos do Brasil.

Em 2014, o BRDE encerrou o ano com mais de

33 mil clientes ativos, em 1.059 dos 1.191 municí-

pios da região sul. No ranking do Sistema do Ban-

co Nacional de Desenvolvimento (BNDES), neste

mesmo ano, o BRDE ficou na nona posição entre os

76 agentes financeiros credenciados que operam

com recursos do banco federal. Na região Sul, de

55 agentes financeiros operando, o BRDE ocupou

a quarta posição no ranking.

A HISTÓRIATudo começou na década de 1960, quando a região

Sul não acompanhava o ritmo de industrialização

do Brasil, que vivia os efeitos desenvolvimentistas

do governo de Juscelino Kubitschek, com a criação

do BNDES e da Petrobras. O cenário estimulou os

governadores – Leonel Brizola (RS), Ney Braga

(PR) e Celso Ramos (SC) – a desenvolver a implan-

tação de um banco de fomento.

REPORTAGEM

Cam

ila R

od

rig

ues

Uma história pioneira

Page 27: Rumos 285

RUMOS 27

Em março de 1961, em reunião dos governadores com o presidente do

Brasil, Jânio Quadros, apresentou-se a ideia do Banco Regional de De-

senvolvimento do Extremo Sul. O presidente aprovou e determinou o

início dos projetos e estudos técnicos.

Em 15 de junho, os governadores assinaram o convênio que cria o

Conselho de Desenvolvimento do Extremo Sul (Codesul) e o BRDE. O

Conselho estuda a vida econômica da região, programa o desenvolvimen-

to regional e aprova a política de atuação do banco (contas, orçamento e

relatório anual de atividades).

O BRDE ganhou personalidade jurídica própria, autonomia adminis-

trativa e a função de atender com financiamentos, os mais diversos seto-

res da economia. O Decreto n° 51.617, assinado por João Goulart, suces-

sor de Jânio Quadros, autorizou o funcionamento do banco – inaugurado

dia 22 de dezembro de 1961, em Porto Alegre. Agências em Florianópolis

e em Curitiba foram abertas em 1963 e 1964, respectivamente. Estava

dada a largada de uma história de desenvolvimento regional.

Conforme registrado no livro comemorativo aos 45 anos do banco, a

empresa gaúcha Irmãos Krolikowski S/A, de Canoas – primeira indústria

de disjuntores do Brasil – foi quem recebeu o financiamento inaugural do

BRDE. Outras empresas que figuram entre as pioneiras nos financiamen-

tos são: Curtume N. Lichetler; Metalúrgica Aço Técnica; Celulose Irani S/A;

Cristais Hering e Artex; e as Centrais Elétricas de Santa Catarina.

Nos dois primeiros anos de existência, o BRDE operava com recursos

próprios dos três estados, que destinavam 1% da receita tributária anual

para a constituição do capital do banco. A União começou a contribuir três

anos depois, com 10% do produto do “Acordo do Trigo”, assinado entre o

Brasil e os Estados Unidos (EUA).

Com dinheiro em caixa, o BRDE iniciou a trajetória de consolidação e

expansão. Em fevereiro de 1965 começou a operar como agente financeiro

do BNDES. O aumento da demanda foi certo. No final de 1960, o BRDE já

sentiu a necessidade de buscar recursos externos. O Banco Central apare-

ce como segunda fonte supridora de recursos, além de ter aporte da Caixa

Econômica Federal.

Novas linhas de crédito foram abertas para financiar projetos e estudos

voltados à melhoria tecnológica; cotistas e acionistas para integralização

e aumento de capital de empresas; micro e pequenas empresas; área cul-

tural. No entanto, a partir de 1974, a escassez de recursos atinge o banco e,

no início dos anos 1980, o cenário brasileiro de inflação e recessão acentua

a inadimplência das empresas que não tinham condições de assumir suas

dívidas. Houve uma crise, solucionada na década de 1990, quando os então

governadores Alceu Collares, Roberto Requião e Vilson Kleinübing encer-

raram a liquidação e retomaram o BRDE.

No início do ano 2000, o banco reorganiza sua estrutura; entra em

prática o Plano de Fortalecimento Financeiro do BRDE e lança uma nova

política de apoio às cooperativas e às atividades de exportação; desenvol-

ve programa de apoio a microempresas e empresas de pequeno porte; de

investimento na agropecuária; e de crédito para micro e pequenos produ-

tores rurais. Em termos de fonte de recurso, nos últimos anos, destaca-se

o Inovacred da Finep, que teve o BRDE como o primeiro banco de fomento

do Brasil credenciado para o programa, voltado para inovação nas micro,

pequenas e médias empresas. Já quando se fala em

capitalização, é importante destacar que em 2013 os

governadores dos três estados aprovaram nova capi-

talização do banco, no montante de R$ 600 milhões.

Foi a maior da história da instituição.

RECONHECIMENTOO importante papel exercido pelo banco é atestado

por funcionários, em especial por aqueles que acom-

panham a mais tempo a sua trajetória.

Vilmar Valentin das Neves, funcionário mais an-

tigo da agência de Santa Catarina, tem quase 44 anos

no BRDE. Ele confessa que o tempo não lhe tirou a

vontade e o entusiasmo de trabalhar na instituição.

“Assisti de a cadeira todo o processo de transformação

da economia da região Sul, com a participação desde o

pequeno até o grande empreendedor, transformando

e dando respostas aos anseios da sociedade”.

Carlos José Ponzoni, atual assessor da diretoria

em Porto Alegre, nos seus 46 anos e oito meses de

BRDE, já trabalhou nas áreas  financeira, adminis-

trativa, operacional, de crédito e de planejamento,

e afirma: “É gratificante participar de equipes que

auxiliam na formulação de políticas e no finan-

ciamento de projetos em áreas de infraestrutura

econômica e social, de inovação, de produção e co-

mercialização, que abrem espaço e transformam a

realidade econômica propiciando bem-estar e qua-

lidade de vida para as pessoas”.

Nesses 55 anos de história, muitos foram os

momentos que se tornaram marcos da trajetória

do BRDE. Das conquistas mais recentes, destaca-

-se o financiamento do Parque Eólico de Osório,

em 2006, que representou a consolidação de in-

vestimento em energia alternativa. O empreen-

dimento foi reconhecido como o maior complexo

eólico do hemisfério sul e o primeiro do gênero a

usar turbinas eólicas de grande potência unitária e

avançada tecnologia.

Houve também o credenciamento junto ao

BNDES, desde 2012, para atuar como agente

financeiro do Fundo Setorial do Audiovisual

(FSA) – importante ferramenta de investimento

e valorização da arte cinematográfica no Brasil;

e a atuação, a partir de 2013, como agente man-

datário do Fundo de Apoio aos Municípios do

Estado de Santa Catarina (Fundam), que permi-

te investimentos em infraestrutura; mobilidade;

lazer; saneamento básico; educação, saúde, ser-

viço social; entre outros.

Page 28: Rumos 285
Page 29: Rumos 285

VOCÊ QUER MAIS PARA O SEU NEGÓCIO?

O SEBRAE QUER MAIS É ESTAR AO SEU LADO.

É da porta para dentro que a gestão,

inovação e produtividade fazem a diferença.

É aí que entra a mão do Sebrae para ajudar

a fazer o seu negócio ser cada vez melhor.

SUA VIDA É SE SUPERAR A CADA DIA? ESTAMOS JUNTOS.

Page 30: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201630

REPORTAGEM

JANEIRO | FEVEREIRO 201630

No

el J

oaq

uim

Fai

ad

Page 31: Rumos 285

RUMOS 31

Um país em amadurecimento

O Brasil passou por profundas transformações na política, na

economia e na sociedade desde a criação da Revista Rumos em

1976. Após o período de ditadura militar, com um pouco mais

de três décadas do regime democrático iniciado em 1985 – o

mais longo de toda sua história –, o país experimentou uma

nova e avançada Constituição, vivenciou a reorganização ins-

titucional e o ressurgimento dos movimentos sociais, sindicais

e da sociedade civil organizada. Em 2016, ano em que a revista

completa 40 anos, o Brasil vive um novo momento de impasse

com a ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff

e o crescimento da intolerância política de um país dividido.

Não se pode esquecer que 1976 foi um ano emblemático

na política e na economia brasileiras. Em janeiro, morria nos

porões do Destacamento de Operações Internas – Centro de

Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em São Paulo, o

operário Manoel Fialho Filho, 84 dias após a morte do jorna-

lista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, no Destacamento

de Operação de Informações – Centro de Operações de Defe-

sa Interna (DOPS/SP). Os dois episódios forçaram o início da

distensão do regime. O presidente da época, general Ernesto

Geisel, demitiu seu ministro do Exército, o general Sylvio Fro-

ta, e o comandante do 2º Exército, Ednardo D´Ávilla Mello. As

duas demissões aceleraram o processo de distensão política

“lenta e gradual” que o presidente iria colocar em prática.

Na economia, o governo Geisel, com seu II Plano Nacional

de Desenvolvimento, também chamado II PND, realizava o

terceiro e último grande bloco de investimentos do país – o pri-

meiro ocorreu na era Vargas e o segundo com o Plano de Me-

tas de Jucelino Kubitschek. Isso que fez com que tivéssemos

percorrido os últimos 40 anos – décadas de 1980, 1990, 2000

e 2010 – apenas com ciclos de consumo, como pontua Már-

cio Pochmann, economista e professor titular da Unicamp,

ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) e atual presidente da Fundação Perseu Abramo.

Nos anos 1980, a “década perdida”, e 1990, a “década ga-

Nos últimos 40 anos, em que a Rumos acompanhou os principais processos políticos e econômicos

do Brasil, o país caminhou por águas turvas, viveu grandes crises, mas também celebrou importantes

conquistas – de crescimentos improváveis à estabilização da moeda, culminando com a redução da

pobreza experimentada no período recente. POR CARMEN NERY

nha”, foram conduzidas diversas tentativas de es-

tabilização da economia com os primeiros planos

heterodoxos – Cruzado, Bresser, Verão, Collor e,

finalmente, o Plano Real, que misturou conceitos

heterodoxos e ortodoxos –, após 20 anos de contro-

le ortodoxo da economia pelos governos militares.

“Em 40 anos prescindindo de um novo bloco

de investimentos, houve apenas tentativas, pós-

-governos militares, de se retomar forte expansão

econômica”, diz Pochmann. Ele observa que no

Plano Cruzado a ideia era estabilizar a economia

para viabilizar um novo bloco de investimentos, o

que acabou não ocorrendo devido ao fracasso do

plano. No segundo governo de Fernando Henrique

Cardoso (FHC), enfrentando recessão, desempre-

go e com o fim do câmbio fixo, em 1999, é criado o

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Co-

mércio como a grande oportunidade de se ter um

plano de investimentos.

“Mas desentendimentos entre os ministérios da

Fazenda e do Desenvolvimento fizeram fracassar a

perspectiva desenvolvimentista. Depois, uma nova

tentativa ocorreu no Governo Lula, com o Plano

de Aceleração do Crescimento (PAC), por meio

de investimentos públicos e privados e do capital

estrangeiro com a retomada dos investimentos da

Petrobras e da Eletrobrás. Mas o movimento foi

travado pela crise financeira de 2008, que trans-

formou a quarta tentativa de criação de um novo

bloco de investimentos em uma política anticícli-

ca”, analisa Pochmann.

A RAIZ DAS CRISES ECONÔMICASEmbora tenha representado o último bloco de

investimentos, o II PND de Geisel era um pro-

Page 32: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201632

grama financiado pelo endividamento

externo. Com os choques do petróleo, o

país viu a dívida externa crescer, geran-

do, no início dos anos 1980, a chamada

Crise da Dívida, conhecida como a mãe

de todas as crises. O primeiro choque do

petróleo ocorreu em 1973, quando a Or-

ganização dos Países Exportadores de

Petróleo (Opep), cartel dos produtores,

aumentou os preços internacionais. Em

valores atualizados, o preço foi de US$

14,30 o barril, em 1973, para US$ 47,50,

no ano seguinte. Isso não impediu Gei-

sel de continuar importando petróleo e

conduzindo os investimentos.

“O Brasil importava petróleo a um

custo caríssimo e o país não quis pro-

mover racionamento. Seria necessário

contrair a atividade interna, mas para

não haver recessão, Geisel fez mais dí-

vida para importar petróleo”, analisa

Antônio Carlos Porto Gonçalves, pro-

fessor da Escola Brasileira de Economia

e Finanças da Fundação Getulio Vargas

(EPGE/FGV). Até que veio a segunda

crise de oferta do petróleo em 1978, com

a revolução islâmica no Irã. A cotação,

que em 1978 estava em US$ 77,70 o bar-

ril, pulou para US$ 103,60 em 1980.

“A crise da dívida se agravou ainda

mais com a decisão dos EUA de elevar

os juros para 18% ao ano para controlar

sua economia”, acrescenta Gonçalves.

O crédito farto e barato dos anos 1970

havia estimulado o endividamento dos

países latino-americanos, como Brasil

e México, gerando grandes investimen-

tos e crescimento econômico acelerado,

que, no caso do Brasil, ficou conhecido

como Milagre Econômico. O país cres-

ceu, em média, 8,7% nos anos 1970, che-

gando a atingir índices de 14%, em 1973,

e 10,3% em 1976.

Apesar do grande crescimento eco-

nômico experimentado pelo México,

no final da década de 1970, a sua econo-

mia ainda era altamente dependente da

economia norte-americana. O país foi

duramente atingido pela elevação dos

juros nos Estados Unidos da América

(EUA) para combater a inflação provo-

cada pelas crises do petróleo, que gerou

a primeira recessão do pós-guerra na

economia norte-americana. Afetado

pela redução das encomendas dos EUA,

diminuição do crédito e queda nos pre-

ços das commodities, o México decretou

a moratória em 13 de agosto de 1982.

Os juros internacionais haviam subido

de uma  média  anual  de  7,5% em 1977

para 20,18% em 1980.

A moratória do México contaminou

todos os países endividados do Tercei-

ro Mundo, na América Latina, Norte

da África e Leste Europeu. No Brasil,

a elevação do serviço da dívida com o

aumento dos juros e a queda das ex-

portações gerou uma crise de liquidez,

levando o país a recorrer, em fevereiro

de 1983, ao Fundo Monetário Interna-

cional (FMI), que impôs como condição

a liberalização da economia e o controle

do déficit público. Por meio de acordo

com os bancos credores foi efetuada a

rolagem da dívida. Era o fim do clico de

crescimento vigoroso e o início do que

ficou conhecida como a década perdida

envolta em sucessivas crises.

“Havia muita instabilidade política

pelo fato de o país estar trocando um

governo militar por governos civis. Os

anos 1980 foram a pior década, che-

gando ao final com inflação de 80% ao

mês”, resume Gonçalves. Chegou-se a

este cenário porque a crise da dívida

gerou o aumento do déficit público e

a escalada inflacionária. Surgiram os

planos econômicos que procuraram

estabilizar a economia. Em 28 de fe-

vereiro de 1986, o presidente Sarney –

primeiro presidente civil eleito após o

fim da ditadura militar, ainda de forma

indireta no Colégio Eleitoral – lançou

o Plano Cruzado. O plano consistia no

congelamento dos preços e na troca da

moeda de Cruzeiro para Cruzado com

o corte de três zeros – 1 mil Cruzeiros

equivaliam a um cruzado. Primeiro

plano heterodoxo, após o ciclo mili-

tar, tinha como lógica intrínseca que

a inflação era inercial: os preços eram

reajustados para recompor a inflação

Page 33: Rumos 285

RUMOS 33

passada. O Plano Cruzado tentou eliminar a inflação inercial via con-

gelamento, mas ao mirar apenas na memória inflacionária do país,

descuidou do outro componente da inflação, o excesso de demanda.

Sem redução dos gastos públicos, a demanda cresceu e o consumo ex-

plodiu. Com o congelamento dos preços, Sarney estimulou a população a

fiscalizar os preços, no que ficou conhecido como os “fiscais do Sarney”.

Mas logo passou a faltar mercadorias e Sarney chegou a decretar o con-

fisco do gado no pasto.

“O problema é que o presidente Sarney não controlou o déficit público

e não havia mais recursos para financiar o déficit”, diz Gonçalves. Assim,

em 22 de novembro de 1986, foram efetuados ajustes no plano com o lan-

çamento do Plano Cruzado II. O objetivo era controlar o consumo, o dé-

ficit público e, por tabela, a inflação, via aumento de tarifas e de impostos.

Foi criado o chamado “gatilho salarial”: cada vez que a inflação superasse

20% em um determinado período, os trabalhadores teriam a garantia do

reajuste automático no mesmo valor, processo que se tornou frequente.

As mercadorias voltaram a faltar e surgiu o mecanismo de ágio, em que

as pessoas pagavam um valor a mais por fora do congelamento de preços.

“O governo então desfez o Plano Cruzado, a inflação voltou com mais

força ainda e o congelamento acabou”, lembra o professor da FGV. Sem

condições de arcar com os compromissos da dívida externa, o país de-

cretou, em 20 de fevereiro de 1987, a suspensão, por tempo indetermi-

nado, do pagamento dos juros da dívida – o principal já não era pago

havia vários anos. A moratória foi considerada inevitável pelo então

ministro da Fazenda Dilson Funaro, após o fracasso dos Plano Cruzado

I e II, que fizeram os superávits comerciais minguarem. Em janeiro de

1987, o saldo da balança foi de apenas US$ 129 milhões, o pior desde

1983. Desse modo, não havia como fazer frente ao pagamento dos ju-

ros – que tinham consumido US$ 55,8 bilhões em cinco anos, desde o

acordo com o FMI.

Assim, em 12 de junho de 1987, o presidente Sarney lançou seu ter-

ceiro plano econômico, o Plano Bresser, com choque cambial e tarifário

e congelamento de preços, salários e aluguéis. O objetivo era aumentar

as exportações e, assim, auferir receitas em dólar, após a moratória de

janeiro. A meta também era o controle do déficit público, o que mais uma

vez não ocorreu.

Em 16 de janeiro de 1989, Sarney lançou sua última tentativa de equi-

librar a economia e combater a inflação com o Plano Verão, com mais um

congelamento e uma nova troca de moeda e corte de zeros. O Cruzado dá

lugar ao cruzado nNovo numa relação de 1 mil cruzados para 1 cruzado

novo. O plano tentou eliminar a correção monetária por meio da extinção

das Obrigações do Tesouro Nacional (OTN). Mas, aos poucos, os preços

foram descongelados e a inflação atingiu 1.972% ao final de 1989, ano da

primeira eleição direta para presidente.

“O fracasso dos planos heterodoxos dos anos 1980 está relacionado

à restrição do acesso a recursos externos em função da crise da dívida.

Com o Plano Collor, o Brasil entra na globalização financeira e passa a ter

acesso a recursos internacionais. Os planos anteriores não tiveram essa

âncora de estabilização que ocorrerá mais tarde com o Plano Real, com

o dólar funcionando como âncora cambial”, analisa Márcio Pochmann,

professor titular de economia da Unicamp.

Em março de 1990, a inflação mensal chegou a

82,39%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao

Consumidor (IPCA). O presidente Collor de Melo

– que vencera o metalúrgico Luiz Inácio Lula da

Silva no segundo turno das primeiras eleições

presidenciais diretas – lança, em 16 de março, o

Plano Collor, surpreendendo o país com o confis-

co da poupança, das contas correntes e dos ativos

financeiros. A moeda voltou a se chamar cruzeiro,

porém sem cortes de zeros.

De caráter ortodoxo, a ideia do plano era promo-

ver um enxugamento brusco da liquidez. Com a po-

pulação e as empresas sem recursos para consumir

e investir, a atividade econômica seria reduzida. Os

preços foram congelados e os salários passaram a

ser corrigidos com base na inflação, não mais do

passado, mas na previsão do mês seguinte.

“Em vez do congelamento, Collor provocou

uma recessão brutal, enxugando a liquidez. A de-

manda caiu e a inflação reduziu de 80% para 40%.

Mas as empresas alegaram que, como não estavam

vendendo, não havia como pagar salários. E o go-

verno liberou recursos para o pagamento de salá-

rios”, lembra Gonçalves.

Ações na Justiça começaram a liberar os recur-

sos confiscados e a inflação voltou. Em 31 de ja-

neiro de 1991, o presidente lança o Plano Collor II,

com novo congelamento de preços, contenção sa-

larial e tentativa de incentivar a produção. Surgem

as denúncias de corrupção e, sem apoio político,

As mercadorias voltaram a faltar e surgiu o mecanismo de ágio, em que as pessoas pagavam um valor a mais por fora do congelamento de preços.

Page 34: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201634

Collor não consegue implementar o plano e renuncia em

29 de dezembro de 1992, em meio ao processo de impea-

chment, que, apesar da renúncia, não consegue evitar.

Com o afastamento de Collor, o vice-presidente Ita-

mar Franco assumiu o cargo maior da nação em 1993,

ano em que a inflação brasileira atingiu seu maior pa-

tamar (2.477%). Após trocar três vezes de ministro da

Fazenda, Itamar convidou Fernando Henrique Car-

doso (FHC) para ocupar o cargo. Fernando Henrique

Cardoso fez um discurso dizendo que era sociólogo da

Universidade de São Paulo (USP) e não entendia nada

de finanças públicas, Banco Central e Ministério da

Fazenda. Mas montou uma equipe formada pelos eco-

nomistas Pérsio Arida, Edmar Bacha, André Lara Re-

sende, Gustavo Franco, Pedro Malan para criar o Plano

Real, que finalmente promoveu o controle inflacioná-

rio e o equilíbrio fiscal. Antes, em 1993, FHC resolveu

fazer, pela primeira vez, o orçamento do setor público

consolidado. O objetivo era saber o tamanho do rombo

para então estabilizar a economia.

Ao contrário dos demais planos anteriores, de ca-

ráter heterodoxo (à exceção do Plano Collor), o Plano

Real uniu conceitos heterodoxos (combate à inflação

inercial) e ortodoxos (ajuste fiscal e política monetária

restritiva). O plano se alicerçou em três fundamen-

tos: ajuste fiscal, desindexação da economia e políti-

ca monetária restritiva. Em seu aspecto heterodoxo,

o Plano Real criou na sua primeira fase, em março de

1994, a Unidade Referencial de Valor (URV), um in-

dexador diário e oficial, que existia paralelamente ao

padrão monetário oficial, o cruzeiro real (CR$), e que

correspondia à variação dos preços dos bens e serviços.

Com o Plano Real, o Brasil passou a atrair recursos não para

investimentos na produção e sim para auferir altos ganhos em

função das elevadas taxas de juros. Isso tornou o país prisio-

neiro das taxas de juros elevadas, que, se não existirem, não se

atraem recursos e não se fecha o Balanço de Pagamentos. E, com

isso, surgiriam novas crises.

“Dos anos 1990 para cá, são mais de 20 anos em que o país

tem as mais altas taxas de juros, que significam moeda nacio-

nal valorizada, dificultando as exportações e facilitando im-

portações. Isso transformou a indústria em uma operação co-

mercial”, diz Pochmann.

Ele observa que o capitalismo brasileiro a partir do terceiro

bloco de investimento de 40 anos atrás, no governo Geisel, convi-

ve com ciclos de consumo que apontam para uma tendência de es-

tagnação do desenvolvimento econômico. De 1980 a 2015, a renda

per capita foi de 0,8% ao ano e o Produto Interno Bruto (PIB) mé-

dio de 2,1% ao ano. Nos períodos de blocos de investimentos como

de 1945 a 1980, o PIB cresceu em média 5,8% ao ano.

“O produto da estagnação econômica é o esvaziamento da in-

dústria brasileira. No II PND, em 1976, a indústria representava

um terço do PIB. Hoje, 40 anos depois, não chega a 10%. Um país

que tinha o capital industrial motor do seu crescimento econômi-

co, apequenou-se e esse vácuo foi ocupado por uma dominância

financeira. Dos anos 1930 a 1970, os capitais comercial e finan-

ceiro eram subordinados à dominância do capital industrial. Hoje

todos os capitais estão subordinados à dominância financeira”,

analisa Pochmann.

Ele explica que esse quadro está associado à arquitetura do

PND de Geisel, que recupera os mecanismos do rentismo à lógica

do capital internacional. O financiamento aos investimentos não

foi feito com a conversão dos bancos nacionais ao financiamento

de médio e longo prazos, mas sim com o capital internacional.

“Quando ocorre a crise da dívida, de 1981 a 1983, o governo

aceita o acordo com o FMI para tirar o foco do mercado interno e

se voltar para as exportações a fim de pagar a dívida. Havia 15 mil

empresas exportadoras num universo de 3 milhões de empresas.

Sem oportunidade de crescer no mercado interno, há uma queda

na taxa de lucro da maior parte das empresas, que passa a com-

pensá-la com ganhos financeiros e arrocho salarial”, explica Po-

chmann, apontando algumas das razões da desindustrialização.

Para José Eduardo Cassiolato, professor de economia do Ins-

tituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), do ponto de vista da estrutura econômica, o Brasil é um

país que resolveu não avançar no processo de industrialização

até o final da Segunda Guerra Mundial. Ele afirma que a Revolu-

EM 40 ANOS, desindustrialização e estagnação

Ace

rvo

/EB

C

Page 35: Rumos 285

RUMOS 35

Houve disponibilização de inúmeras vagas de ensino superior com a criação de universidades e escolas técnicas públicas. A economia cresceu e mudou-se a matriz econômica.

ção Industrial passou ao largo do país

e havia apenas algumas indústrias de

bens de consumo não duráveis. No pós-

-guerra, nos anos de 1950, a indústria

se expandiu com bens de consumo du-

ráveis e, nos anos 1970, Geisel avançou

com os setores de química e construção

pesada e metal mecânica, entre outros

setores que geraram uma capacidade

de engenharia.

“No final dos anos 1970, o Brasil ti-

nha um parque industrial complexo e

a participação da indústria no PIB era

de cerca de 40%. Foi nesse momento

que o mundo estava entrando na 2ª re-

volução tecnológica, com a informáti-

ca e países de industrialização tardia,

como a Coreia, puderam dar um salto,

introduzindo na sua estrutura produ-

tiva a revolução da microeletrônica”,

analisa Cassiolato.

Ele fixa como marco o ano de 1981

com o lançamento do IBM PC com

Windows, o primeiro computador de

mesa. A partir de então, as indústrias

que conseguiram se transformar o fize-

ram usando Tecnologias da Informação

e Comunicação (TICs).O Brasil criou a

Reserva de Mercado para a informática

que, na sua avaliação, teve alguns equí-

vocos, como se limitar aos microcom-

putadores. A partir de 1984, a política de

informática passou a sofrer ataques.

“Era uma política de substituição

de importações na área de microinfor-

mática. Em telecomunicações havia o

Centro de Pesquisa e Desenvolvimento

em Telecomunicações  (CPqD), criado

em 1976 como parte da política de de-

senvolvimento do setor, em que o Es-

tado usava seu poder de compra. Com

a abertura de Collor e a liberalização

de FHC, essas políticas foram extintas.

A infraestrutura de uma empresa como

a Embratel nos EUA até hoje é públi-

ca. No Brasil, optou-se pela

privatização e a empresa foi

adquirida por uma compa-

nhia americana. Houve um

processo de desnacionaliza-

ção e a produção industrial

caiu”, lamenta Cassiolato.

Ele observa que no Brasil

não há uma burguesia in-

dustrial, a não ser aquela su-

bordinada ao capital estran-

geiro. Para ele, um dos problemas desse quadro é não poder internalizar a

3ª revolução tecnológica. Ele se recente do fato de o país não contar com

uma política industrial, alegando que as que foram adotadas têm sido fra-

cas, baseadas apenas em incentivos e crédito e não distinguem empresas

nacionais das multinacionais. Após a vitória de Lula em 2002, o mun-

do assistiu ao boom da China, com um processo de revolução produ-

tiva profunda, tornando-se o motor da economia global.

Cassiolato destaca que o Brasil foi capaz de pegar o bonde da China,

aproveitando o crescimento das commodities e do mercado interno com a

grande transformação promovida pelo governo Lula em termos de melho-

ria de renda da população pobre. Cerca de 40 milhões de pessoas engrossa-

ram o mercado de consumo. Houve disponibilização de inúmeras vagas de

ensino superior com a criação de universidades e escolas técnicas públicas.

A economia cresceu e mudou-se a matriz econômica. O país foi capaz de

saltar a crise econômica de 2008 com o apoio do crédito do BNDES, num

momento em que o mundo inteiro restringiu o crédito.

“Só que, após este período, tivemos uma série de decisões equivocadas

de política industrial de incentivo ao automóvel. O crescimento por meio

de política de estímulo ao consumo começou a dar errado por causa de

uma leitura equivocada, no início do governo Dilma, de que a crise estava

acabando. Mas a crise se aprofundou em 2012 na Europa, atingindo Es-

panha, Irlanda, Grécia. E inclusive nos EUA ainda há crise. E a China, que

crescia 13%, caiu para um crescimento de 7%”, analisa.

No plano internacional o mundo tem convivido com baixas taxas de

crescimento e o comércio global tem caído para taxas negativas. Para

Cassiolato, as medidas adotadas em 2011 e 2012 foram muito fracas,

tendo em vista as fragilidades da nossa estrutura produtiva.

Ele observa que as políticas industriais foram extintas no governo

FHC. Até meados dos anos 1990 o país tinha a segunda maior indústria

naval do mundo, que foi dizimada no final dos anos 1990, com FHC. O

presidente Lula tentou recuperar a indústria naval, mas o processo

não é simples ,pois a indústria não se atualizou. Mas ele considera que

há potencial na indústria que floresce fora dos grandes centros eco-

nômicos do Sudeste.

Page 36: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201636

Assim, os preços transformados em URVs eram estáveis, crian-

do uma história não inflacionária.

Em 1º de julho de 1994, a URV ganha paridade e é substi-

tuída pelo real, a nova moeda, estável até os dias de hoje. O

alinhamento de preços evitou o movimento de recomposição

de perdas e derrubou a inflação já no primeiro mês de adoção

da URV. FHC se elege em primeiro turno presidente do país

em 1994. Com o sucesso do Plano Real, conquista um segundo

mandato em 1998, vencendo novamente Luís Inácio Lula da

Silva. Um ano depois, a economia deu sinais do esgotamento

dos instrumentos do real.

Em 1998, veio a crise da Rússia devido à transição acelerada e

malsucedida de uma economia planificada para uma economia

de mercado, em meio ao colapso político da União Soviética. Essa

crise afetou o Brasil. Um dos problemas do Plano Real foi o fato

de se alicerçar numa âncora cambial. A isso somaram-se dese-

quilíbrios fiscais. Houve uma valorização cambial acompanhada

de juros elevados, que acabaram levando à maxidesvalorização

do real no 1999. Foi então criado o regime de meta de inflação e

no ano seguinte a Lei de Responsabili-

dade Fiscal (LRF) para conter os gastos

dos governos. Em paralelo, o governo

adotou medidas como o aumento da

taxa de juros para restringir a atividade

econômica e segurar a inflação.

Com recessão e taxa de desempre-

go média de 10%, FHC não conseguiu

fazer seu sucessor, perdendo a eleição

em 2002 para Lula. Após três derrotas

seguidas, Lula se elegeu presidente,

vencendo o economista José Serra,

candidato oficial, duas vezes ministro

de FHC e uma das principais lideran-

ças do PSDB. A iminência de sua vitó-

ria chegou a assustar os mercados e o

dólar disparou. Mas, em sua gestão,

Lula manteve o tripé macroeconômi-

co baseado em metas de inflação, me-

tas fiscais e câmbio flutuante.

“Lula aprofundou as políticas

sociais. Convidou Armínio Fraga

para o Banco Central, que recusou,

e acabou indicando Henrique Mei-

reles, então deputado pelo PSDB. O

partido ficou sem condições de fazer

oposição porque Lula encampou as

políticas econômicas do PSDB. O

presidente aproveitou ainda a déca-

da de ouro e fez um sucesso diabóli-

co, deixando a presidência com mais

de 60% de aprovação popular”, ressalta Gonçalves. Lula

também conseguiu fazer de Dilma Rousseff sua sucessora.

Mas, na avaliação do economista da FGV, o seu perfil é de mi-

litante, sem grande capacidade de articulação política.

Pochmann, da Unicamp, observa que o governo Dilma

continuou as políticas anticíclicas implementadas por Lula

a partir de 2008 com objetivo de encurtar a crise. Esta-

beleceram uma política semelhante a uma ponte que liga

uma margem a outra a fim de facilitar a recuperação, com

o Estado gastando mais do que arrecada. A ideia era de,

na recuperação, passar a arrecadar mais do que gastar. “A

aposta é de que estaríamos numa crise pequena. Ocorre que

o outro lado da ponte não chegou até agora e ainda não se

encontrou a saída de uma crise que já dura oito anos”, diz

Pochmann. Ele observa que, numa tentativa de sustentar a

taxa de lucro do setor privado, usamos demais as políticas

anticíclicas e o uso generalizado de desonerações fiscais.

Para o economista, faltaram reformas, mas só se fazem re-

formas com maioria política.

Ano Pessoas Ocupadas (PO)

Pessoas Desocupadas

(PD)

Pessoas Economicamente Ativas - PEA (PO

+ PD)

Taxa de desocupação

1992 65.152.614 4.556.801 69.709.415 6,5

1993 66.304.454 4.378.984 70.683.438 6,2

1995 69.438.576 4.502.434 73.941.010 6,1

1996 67.920.787 5.076.190 72.996.977 7,0

1997 69.331.507 5.881.776 75.213.283 7,8

1998 69.963.113 6.922.619 76.885.732 9,0

1999 73.345.531 7.830.218 81.175.749 9,6

2001 76.936.438 7.949.826 84.886.264 9,4

2002 79.708.522 8.041.301 87.749.823 9,2

2003 80.775.414 8.709.298 89.484.712 9,7

2004 85.245.933 8.317.854 93.563.787 8,9

2005 87.695.271 8.986.775 96.682.046 9,3

2006 89.636.973 8.222.820 97.859.793 8,4

2007 90.854.655 8.044.520 98.899.175 8,1

2008 93.420.362 7.165.931 100.586.293 7,1

2009 93.783.537 8.497.336 102.280.873 8,3

2011 94.763.220 6.822.433 101.585.653 6,7

2012 96.100.290 6.362.771 102.463.061 6,2

2013 96.659.379 6.742.085 103.401.464 6,5

2014 99.447.612 7.376.798 106.824.410 6,9

Fonte: Banco Multidimensional de Estatísticas (BME) do IBGE

Condição de ocupação, semana de referência: Ocupado Nota: Seleção por expressão conjuntiva

Evolução da força de trabalho - 1992-2014

Page 37: Rumos 285
Page 38: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201638

Após ver as mudanças dos últimos 40 anos,

cabe avaliar os recentes 20. E pensar no

que virá. Para trazer um panorama da eco-

nomia e do país, conversamos com o ex-mi-

nistro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que

nos recebeu em seu escritório, em São Pau-

lo. Profícuo estudioso, pensador do “novo

desenvolvimentismo” e crítico de sua pró-

pria biografia, Bresser nos concede uma

aula sobre o Brasil. Confira os principais

trechos da entrevista. POR MARCO ANTONIO A.

DE ARAÚJO LIMA E THAIS SCHETTINO

DESINDUSTRIALIZAÇÃOEm 2005, eu escrevi no jornal Folha de S.Paulo um

artigo em que eu resumia o meu modelo de doen-

ça holandesa [é a sobreapreciação permanente da

taxa de câmbio de um país resultante da existên-

cia de recursos naturais abundantes e baratos – ou

de mão de obra barata combinada com um dife-

rencial de salários elevado – que garantem rendas

ricardianas aos países que os possuem e expor-

tam as commodities com eles produzidas] e lançava

a ideia de que o Brasil estava em grave processo de de-

sindustrialização. Dois anos depois, eu publiquei um

Fundamentos da economia

ENTREVISTA

Page 39: Rumos 285

RUMOS 39

livro chamado Macroeconomia da Estagnação. Em

2007, o Brasil está bombando e eu falando em quase

estagnação da economia e desindustrialização. En-

tão, de duas uma: ou eu estou completamente equi-

vocado, ou os economistas brasileiros têm se revela-

do nessa matéria de uma profunda incompetência.

Porque não se consegue fazer um diagnóstico do pro-

blema, caso se acredite que tudo está bem. Agora te-

mos uma crise, todos concordam, mas o país está es-

tagnado desde 1980, ou seja, cresce a uma taxa de 1%

ao ano per capita. O Brasil crescia entre 1930 e 1980 a

4% per capita. A diferença é brutal.

ELITES E NAÇÃOO Brasil está sempre estagnado e isso está relacio-

nado com a incompetência dos economistas bra-

sileiros e mais amplamente das elites brasileiras:

intelectuais, políticas, empresariais e associativas.

Elas estão solenemente fracassando em relação ao

desenvolvimento brasileiro e o povo está ficando

para trás. Existem três alternativas: a nação pode

estar falling behind (ficando para trás), catching

up (alcançando), ou acompanhando. Nós estamos

falling behind. Esse é o nosso projeto, porque as

nossas elites estão se revelando profundamente incompe-

tentes. Isso por dois motivos, diria culturais: um seria a alta

preferência pelo consumo imediato. O povo e as elites têm

preferência pelo consumo imediato. E o outro problema é a

perda de ideia de nação. As nossas elites não sabem mais que

o mundo está organizado em nações, que essas nações com-

petem entre si, e que só atrai êxito no seu desenvolvimento

ou na sua competição o país que tiver uma estratégia nacio-

nal de desenvolvimento. Como se perdeu a ideia de nação, o

que se diz sobre nós em Washington, Nova York, ou Londres,

é basicamente o certo. E todos os nossos problemas apare-

cem quando não fazemos aquilo que eles nos recomendam.

E o que é que isso dá na prática? Isso dá uma alta taxa de ju-

ros e uma taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Há uma

perfeita confluência, um perfeito encontro de almas entre os

cosmopolitas que perderam a ideia de nação, que são quase

todos, e os consumistas que querem consumir em curto pra-

zo. Portanto, com a perda da nação, entregamos o nosso mer-

cado interno para as multinacionais e para financistas exter-

nos. Isso é o acordo perverso que existe hoje no Brasil.

NOVA ORDEM MUNDIALHoje, em nível mundial, o sistema financeiro ficou muito

mais poderoso do que era nos últimos 40 anos, 50 anos. Nos

anos 1950, no Brasil, por exemplo, quem tinha poder eram os

industriais, o que interessava saber era a opinião da Federa-

ção das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Atualmente, os in-

dustriais pesam muito pouco. Quem manda, quem tem ampla

dominação ideológica no Brasil, e não só no Brasil, no mundo,

é o sistema financeiro. O que houve é que apareceu um fato

histórico novo: a macroeconomia keynesiana e, especifica-

mente, a política econômica daí derivada. Quer dizer, a políti-

ca macroeconômica se tornou algo fundamental para todos os

países: para o seu desenvolvimento e para a sua estabilidade

de preços e crescimento financeiro. Tudo depende de uma boa

política macroeconômica; e as pessoas sabem disso. E quem é

que entende de macroeconomia no mundo? Quem é que en-

tende de macroeconomia no Brasil? É o sistema financeiro. E

porque eu digo isso? Porque nele atuam os macroeconomistas

políticos, que são pessoas que entendem realmente de macro-

economia, de taxa de juro, de câmbio, de inflação, não apenas

academicamente. E sabendo disso, influencia a opinião públi-

ca por meio de artigos, entrevistas e informações que forne-

ce. E eles atuam no sistema financeiro na administração da te-

sousaria, e no aconselhamento na aplicação da riqueza de seus

clientes. E esse sistema está associado fundamentalmente aos

capitalistas rentistas aqui no Brasil, como em outras partes do

mundo, e eles representam exatamente o oposto da indústria.

Então, se olharmos hoje quem são os industriais brasilei-

ros, o poder que ele têm é muito pequeno, desapareceu. Qua-

se toda indústria está entregue às multinacionais.

Fotos: Thais Sena Schettino

Page 40: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201640

UMA BIOGRAFIA

Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getulio Var-

gas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do

Centro de Economia Política e editor da Revista de Economia Política des-

de 1981. Escreve coluna quinzenal da Folha de S. Paulo. Em 2010 recebeu

o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Buenos Aires. Foi

Ministro da Fazenda, da Administração Federal e Reforma do Estado, e da

Ciência e Tecnologia.

Suas maiores influências intelectuais vêm de Marx, Weber, Keynes e do

estruturalismo latino-americano. Suas contribuições teóricas mais signifi-

cativas, na teoria econômica, são o modelo de crescimento e distribuição

a partir da tendência à queda da taxa de lucro, a teoria da inflação inercial

(com Yoshiaki Nakano), os fundamentos da macroeconomia estruturalista

do desenvolvimento a partir da tendência à sobreapreciação cíclica da taxa

de câmbio, e a critica à teoria econômica neoclássica a partir do método uti-

lizado. Na teoria política e social contribuiu sobre a emergência da classe

tecnoburocrática ou profissional, os modelos históricos de Estado, as rela-

ções entre a nação ou a sociedade civil e o Estado, o modelo de transição

e consolidação democrática a partir da revolução capitalista, e a teoria es-

trutural da reforma da gestão pública. Em sua interpretação do Brasil, ele

combinou a análise dos modelos econômicos de desenvolvimento e as cor-

respondentes coalizões ou pactos políticos. A emergência do empresariado

industrial e da burocracia pública e a transição para a democracia são temas

aos quais ele ofereceu contribuição especial.

Luiz Carlos Bresser-Pereira na sceu em 1934 em São Paulo. É bacharel

em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em administração de

empresas pela Michigan State University, doutor e livre-docente em eco-

nomia pela Universidade de São Paulo. Foi professor visitante de desenvol-

vimento econômico na Universidade de Paris I (1978), e de teoria política

no Departamento de Ciência Política da USP (2002/03). Foi também visi-

tante da Oxford University (1999 e 2001) e do Instituto de Estudos Avan-

çados da USP (1989). Desde 2003, oferece regularmente um seminário de

um mês na École d’Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. De 1963

a 1982, enquanto mantinha suas atividades acadêmicas, foi vice-presidente

do grupo de varejo Pão de Açúcar. Em 1983, com a eleição do primeiro go-

vernador democrático de São Paulo, André Franco Montoro, foi presiden-

te do Banco do Estado de São Paulo e secretário de Governo. Em abril de

1987, em meio à crise provocada pelo fracasso do Plano Cruzado, tornou-se

ministro da Fazenda, e propôs a solução para a crise da dívida de 1980 que,

mais tarde, se tornou no Plano Brady. No governo de Fernando Henrique

Cardoso foi ministro da Administração e Reforma do Estado (1995-1998),

quando iniciou a Reforma da Gestão Pública de 1995, e, em 1999, ministro

da Ciência e Tecnologia. Desde julho de 1999 ele se dedica inteiramente à

vida acadêmica. É membro do conselho de administração de diversas orga-

nizações sem fins lucrativos e da Lelis Blanc. Texto extraído de www.bres-

serpereira.org.br

O economista e sua história; formação e interesses

ÚLTIMOS LIVROS LANÇADOS

A construção política do Brasil: sociedade, economia e Estado desde a Independência.

São Paulo: Editora 34, 2014.

Developmental Macroeconomics: New Developmentalism as a Growth Strategy

Londres: Routledge, 2014.

Page 41: Rumos 285

RUMOS 41

NOVO DESENVOLVIMENTISMO Desde que eu voltei do governo, em 1999, estou pensando no

chamado novo desenvolvimentismo, que tem uma teoria eco-

nômica e uma economia política. E nessa teoria econômica há

uma macroeconomia que nós estamos chamando de macro-

economia desenvolvimentista, ou macroeconomia estrutura-

lista do desenvolvimento, que coloca no centro da macroeco-

nomia não mais a taxa de juros e o déficit público, mas a taxa

de câmbio e o déficit em conta corrente. E nessa macroecono-

mia existe uma ideia central que é a seguinte: o investimento

depende da taxa de câmbio. Não há nenhuma teoria econômi-

ca que afirme isso.

A desindustrialização se deveu essencialmente a uma taxa

de câmbio altamente apreciada que tornou a expectativa de

taxa de lucro dos empresários muito baixa, senão negativa

em muitos casos. E o novo desenvolvimentismo também tem

uma tendência, é a tendência à sobreapreciação cíclica e crô-

nica, crônica quer dizer de longo prazo, da taxa de câmbio nos

países em desenvolvimento. Logo, se essa tendência for ver-

dadeira, vamos observar que país em desenvolvimento que

não administra sua taxa de câmbio firmemente vai de crise fi-

nanceira em crise financeira, isso é cíclico, e cresce pouco.

SISTEMA NACIONAL DE FOMENTO Agora, eu preciso dramaticamente de um sistema de finan-

ciamento. Por quê? Porque nesse contexto eu sou keynesiano

e schumpeteriano. A teoria de [Joseph Alois] Schumpeter só

existe com a teoria do empresário, se há tem crédito. E na teo-

ria de [John Maynard] Keynes, o investimento é que determi-

na a poupança, que também só existe se tiver crédito. Então, o

crédito é absolutamente fundamental. E, necessariamente, o

crédito é investimento, o que, aliás, os bancos privados não fa-

zem. Então, é por isso que se precisa dramaticamente de ban-

cos de desenvolvimento públicos.

É fundamental que haja bancos de desenvolvimento, por-

que o BNDES não tem condições de chegar nas médias em-

presas dos estados com o nosso problema da capilaridade.

Então, é claro que são os bancos regionais e as agências de fo-

mento que resolvem esse assunto. Eu estou imaginando que o

BNDES podia criar linhas de crédito para os diversos bancos

de desenvolvimento. Existiria uma política de financiamento

público que seria encabeçada pelo BNDES.

PACTO PARA O DESENVOLVIMENTO Não vejo espaço para um pacto. O Brasil está vivendo desde

2013 não apenas o colapso do projeto de pacto desenvolvi-

mentista do Partido dos Trabalhadores, mas nós estamos vi-

vendo um recrudescimento muito forte da luta de classes. Só

que a luta de classes não é a de [Karl] Marx. Agora, a luta é da

burguesia e, principalmente, dos financistas e ren-

tistas contra o povo. Como é que nós vamos ter um

acordo, se a burguesia hoje está unida, sobre o co-

mando da burguesia, do capitalismo rentista e fi-

nancista, e não do capitalismo empresarial produ-

tivo? Então, eu não vejo perspectivas de curto ou

médio prazo para isto.

FUTURO E CRISE Nós estamos em crise aguda. Maior crise do que

essa é impossível. Na verdade, a luta de classes

está colocada. O que é a política? A política é o

embate entre adversários, e é o governo tentando

fazer acordos, com concessões mútuas por meio

da política. Nela não existem inimigos. Na políti-

ca, existem adversários que fazem acordos. Hoje

ninguém quer acordo nenhum. A direita que está

aí, põe a culpa de todos os problemas do Brasil no

ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e na pre-

sidenta Dilma Rousseff. E a esquerda está total-

mente desarvorada.

O crédito é absolutamente fundamental. E, necessariamente, o crédito é investimento, o que, aliás, os bancos privados não fazem. Então, é por isso que se precisa dramaticamente de bancos de desenvolvimento públicos.

Page 42: Rumos 285
Page 43: Rumos 285
Page 44: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201644

A economia e o cooperativismo financeiro em 2016

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: es-

quenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois

desinqueta. O que ela quer da gente é CORAGEM.”

(Guimarães Rosa)

Dado o quadro já amplamente conhecido, é im-

provável que em 2016 tenhamos algo de novo na

esfera econômica. Ou seja, o ano em curso deverá

reproduzir as dificuldades que foram a tônica em

2015, diagnóstico este que, a julgar pelo pessimis-

mo recente dos mercados, pode ser agravado pela

cena internacional.

O prognóstico, com efeito, indica um exercí-

cio com retração na atividade econômica (baixo

consumo e investimento paralisado), inflação re-

sistente, juros em patamar elevado, desemprego

crescente e perda de renda pelos trabalhadores,

cenário que aprofunda a incerteza e a desconfian-

ça. Adicionalmente, seguiremos sob forte instabi-

lidade no campo político, o que fará, novamente,

desviar a atenção do Congresso e do Executivo

para objetivos menos relevantes sob a perspectiva

dos cidadãos e dos empreendedores.

Em decorrência, somado o fato de as famílias,

em grande parte, já terem chegado ao limite de sua

capacidade de endividamento e de a inadimplência

recrudescer, é certo que o sistema financeiro será

ainda mais seletivo na concessão de crédito nos

próximos meses. Os bancos manterão sua políti-

ca de compensar a perda de receitas com juros via

calibragem dos ganhos com tarifas de prestação de

serviços e tesouraria (diante da Selic alta), sem ne-

gligenciar a gestão de seus custos.

Do lado das instituições financeiras cooperati-

vas, historicamente (vide 2009-2011 e 2015), os in-

tervalos de crise têm-se transformado em oportuni-

dades reais de crescimento e de ganho de mercado.

Mantida a imprescindível cautela, as cooperati-

vas poderão preservar o seu compromisso de assis-

tir aos seus cooperados em suas demandas de cré-

dito, em especial àqueles fiéis à entidade e com bom

histórico de adimplemento, bem como aos que estão

ligados a setores menos vulneráveis à crise.

O momento é igualmente sugestivo à intensifica-

ção do relacionamento operacional com os sócios,

fora da intermediação financeira. As cooperativas

dispõem, hoje, de um eclético e competitivo portfó-

lio de produtos e serviços, cobrindo praticamente

todas as demandas dos cooperados. Daí que é neces-

sária uma postura (mais) ousada no sentido de levar

ao associado soluções como consórcios (altamente

competitiva em cenário de juros altos), cartões, ad-

quirência (“maquininha” de cartões), seguros, pre-

vidência privada, cobrança, convênios e similares.

Por óbvio, a atual fase também pede (especial)

parcimônia nos gastos. Logo, é uma boa hora para

repensar estruturas, processos, contratos de pres-

tação de serviço e despesas administrativo-opera-

cionais em geral. Um melhor aproveitamento dos

serviços ofertados pelas entidades de segundo (cen-

trais) e terceiro (confederações e bancos cooperati-

vos) níveis do sistema cooperativo associado é, sem

dúvida, oportunidade a ser considerada solução

para a diluição de custos e investimentos locais.

Para esses dias de escassez, aliás, calha bem a li-

ção de Benjamin Franklin: “Cuidado com as despe-

sas miúdas: pequenos vazamentos podem levar um

grande navio a pique”.

De tudo, uma certeza: A crise – como sempre –

será passageira... O desafio é fazer a travessia!

ARTIGO

ÊNIO MEINEN

Advogado, pós-graduado em direito e em

gestão estratégica de pessoas. É diretor de

operações do Banco Cooperativo do Brasil

(Bancoob).Div

ulg

ação

Page 45: Rumos 285
Page 46: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201646

FOMENTO

BRDE LIBERA R$ 188 MILHÕES EM NEGÓCIOS DURANTE EVENTOO Banco Regional de Desenvolvimento do Extre-

mo Sul (BRDE) trouxe R$ 300 milhões em finan-

ciamentos para o Show Rural, dos quais R$ 188

milhões foram liberados durante a feira, com a

assinatura de contratos com empresas, cooperati-

vas e produtores das regiões Oeste e dos Campos

Gerais do Paraná e do Mato Grosso do Sul.

A liberação de recursos foi um dos eventos pro-

movidos pelo BRDE no Show Rural, que aproveitou

a participação da feira para abrir as comemorações

dos 55 anos do banco. Outro evento foi uma pales-

tra com o agrônomo e mestre em economia rural

Xico Graziano. “É uma alegria e um orgulho para

o BRDE fechar negócios durante o Show Rural, o

que comprova mais uma vez a vocação do banco,

que está completando 55 anos em 2016, como in-

dutor do desenvolvimento econômico e social do

Sul do Brasil”, afirmou o diretor Administrativo do

Banco, Orlando Pessuti.

No início de fevereiro, o gerente de negócios do Su-

doeste da Agência de Fomento do Estado da Bahia

(Desenbahia), Victor David Filho, participou de reu-

nião com o presidente da Coopmaq, Jamilton Gus-

mão, e representantes da Associação das Indústrias

(AINVIC), Sebrae, Associação Comercial (Acivic) e

CDL de Vitória da Conquista. O encontro discutiu

sobre a participação das entidades na Feira de Negó-

cios Coopmaq que ocorre anualmente na Expocon-

quista. Além disso, o objetivo da reunião foi incenti-

var a geração de novos negócios dessas instituições.

Segundo o gerente de negócios, a participação da

Desenbahia é fundamental para dar visibilidade à

agência, com oportunidade de apresentar as linhas

de crédito ao público da região.

O BNDES aprovou repasse no valor de R$ 100 mi-

lhões ao Banco do Nordeste (BNB). Os recursos,

oriundos do Produto BNDES Microcrédito, serão

utilizados em operações de microcrédito produtivo

orientado, que se destinam a pessoas físicas e jurídi-

cas empreendedoras de atividades de pequeno porte.

O banco nordestino contabilizou que, com

este aporte, poderá realizar 600 mil operações

com valor médio de R$ 1,4 mil e manter perto de

125 mil postos de trabalho. Credenciado como

agente financeiro do BNDES desde 1973, o BNB

tem atualmente, no âmbito do Produto BNDES

Microcrédito, duas operações contratadas: a pri-

meira, de 2011, no valor de R$ 50 milhões, que

está em fase de amortização, e outra, de 2014, no

valor de 100 milhões, já em fase de carência. Em

2015, até o terceiro trimestre do ano, o BNB em-

prestou um total de R$ 5,9 bilhões, atendendo a

mais de três milhões de microempreendedores.

A carteira de microcrédito do BNDES, em junho

de 2015, apresentou crescimento de 143% em

relação ao ano de 2012, alcançando um total de

R$ 200,4 milhões.

BNDES APROVA R$ 100 MI AO BNB PARA OPERAÇÕES DE MICROCRÉDITO

DESENBAHIA DISCUTE PARTICIPAÇÃO EM FEIRA DE NEGÓCIOSA

rnal

do

Alv

es/A

NP

r

Page 47: Rumos 285

RUMOS 47

Empresas capixabas terão mais uma fonte de recursos para

se ampliar e se modernizar. O Banco de Desenvolvimento do

Espírito Santo (Bandes) e a Inseed Investimentos receberam

cerca de 150 empresários e empreendedores interessados no

funcionamento dos Fundos de Investimento em Participa-

ções (FIPs). Esse tipo de investimento é uma modalidade de

apoio distinta do crédito tradicional, onde uma empresa ges-

tora do Fundo identifica o potencial de crescimento de um

negócio e adquire um percentual de suas ações.

De acordo com Luiz Paulo Vellozo Lucas, diretor-presiden-

te do Bandes, a participação das empresas nos FIPs não é em-

préstimo, é sociedade. “A empresa que gerencia esse fundo é um

banco de investimento privado. O Criatec é o fundo para star-

tups. Se o gestor do fundo achar que aquele produto tem futuro

e vai dar lucro, ele entra como sócio”, destaca.

Mais cursos, possibilidades e soluções para os empreendedores com foco

em inovação. Essas novidades chegam ao Programa InovAtiva Brasil, que

promove a aceleração de startups, a partir da assinatura do Termo de Co-

operação entre o Sebrae e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Comércio Exterior (MDIC). O programa já conta com mais de 11.000 em-

preendedores em sua plataforma, 400 mentores voluntários no Brasil e no

exterior e ampla rede de parceiros privados. O acordo foi selado em feve-

reiro, pelo ministro Armando Monteiro e pelo presidente do Sebrae, Gui-

lherme Afif Domingos. Durante a solenidade, foi apresentado o programa

de internacionalização do Inovativa Brasil e um painel sobre o tema, com a

presença de representantes da Agência Brasileira de Promoção de Expor-

tações e Investimentos (Apex-Brasil), do MDIC, da Fundação Certi e do Se-

brae, além de dois empreendedores com experiência internacional: Flávio

Ludgero, cofundador da Startaê; e Joni Hoppen dos Santos, fundador da

Aquarela Knowledge & Innovation, finalista do Inovativa 2015.

O Banco de Desenvolvimento de Minas Ge-

rais (BDMG) participou da I Oficina de In-

ternacionalização Regionalizada promovido

pela Assessoria de Relações Internacionais

do governo do estado. O evento teve como pú-

blico os secretários-executivos dos 17 fóruns

regionais, com o objetivo de qualificar os

municípios para a projeção internacional e a

identificação de oportunidades nessa área.

Um dos painéis apresentados, de Pro-

moção Comercial e Atração de Investimen-

tos, teve participação do banco, representa-

do pela gerente Juliana Assis, que palestrou

sobre a atuação do BDMG no setor público

e a experiência na captação e repasse de re-

cursos internacionais. Segundo a gerente:

“o banco está bastante atento ao que está

sendo discutido e priorizado nos fóruns re-

alizados nos Territórios de Desenvolvimen-

to e o produto desse trabalho tem gerado

relevantes insumos para o desenvolvimen-

to de programas e para a definição sobre a

forma de atuação do BDMG”.

BDMG PARTICIPA DE OFICINA DE OPORTUNIDADES

BANDES LANÇA FUNDO PARA INVESTIR EM NEGÓCIOS INOVADORES

SEBRAE E MDIC FIRMAM PARCERIA QUE FORTALECE PROGRAMA DE FOMENTO A STARTUPS

Div

ulg

ação

Page 48: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201648

História econômicaem revista

A revista Rumos completa 40 anos em

2016. Nesse período, ela promoveu de-

bates centrais ao processo de desen-

volvimento brasileiro. Testemunha de

muitas histórias, Rumos documentou

ideias em constante transformação, re-

flexões teóricas confrontadas pela ur-

gência da conjuntura econômica.

Esta coluna pretende recuperar, nas

próximas edições, alguns dos principais

pontos do debate brasileiro sobre con-

juntura e desenvolvimento econômico,

na forma como apareceram nas páginas

desta revista. A proximidade entre Ru-

mos e a discussão sobre desenvolvimen-

to faz das Instituições Financeiras de

Desenvolvimento preocupação central

da maior parte dos artigos e entrevistas

veiculados. Constituindo-se enquanto

espaço de reflexão sobre os problemas

do desenvolvimento, de modo geral,

mas também a respeito do papel das

Instituições Financeiras de Desenvol-

vimento (IFDs) neste processo, a revis-

ta teve por hábito enfatizar a discussão

sobre a importância deste conjunto de

instituições que hoje chamamos de Sis-

tema Nacional de Fomento (SNF).

Dois dos maiores pensadores do

Brasil, Ignácio Rangel e Celso Furtado,

foram protagonistas de acaloradas dis-

cussões sobre o processo de desenvolvi-

mento. A transição democrática foi em

si um processo conflituoso e o período

entre março e agosto de 1985 foi par-

ticularmente tumultuado. Tancredo

Neves, eleito presidente da República,

após duas décadas de ditadura militar,

morre em 21 de abril, deixando ao vice,

José Sarney, a tarefa de conduzir a tran-

sição democrática e estabilizar uma economia que

enfrentava desafios crônicos. Mais do que isso, as

forças políticas se articulavam em torno de proje-

tos distintos para a Assembleia Constituinte, que

definiria os contornos da Nova República. Período

fértil em perguntas de difícil resposta e, portanto,

rico em debates marcantes e decisivos.

Neste contexto, Rangel e Furtado expõem suas

divergências a respeito dos caminhos a seguir. Na

edição de março/abril daquele ano, provocado a

comentar a máxima de Tancredo – “É proibido

gastar” –, Rangel inverte os termos do

raciocínio e lança sua própria versão da

diretiva – “Urge buscar novas fontes de

recursos”. Segundo ele, para viabilizar a

continuidade do processo de desenvol-

vimento, era necessário repactuar a re-

lação entre os setores público e privado,

fortalecendo o papel do Estado, no âm-

bito da intermediação financeira, con-

comitantemente a diminuição de sua participação

nas atividades produtivas, inclusive por meio da

privatização de determinados serviços de utilida-

de pública. Nos dizeres de Rangel, o capitalismo

financeiro, que se fortalecia, seria “o casamento de

uma usina cada vez mais privada, com um banco

cada vez mais estatal”.

Na edição julho/agosto, Furtado questiona o

argumento de Rangel e reafirma a inconveniência

das privatizações, já que os serviços até então pres-

tados pelo Estado dificilmente seriam integrados

ao mercado. Para Furtado, só existiria a possibili-

dade de concessão se houvesse controle do Estado

sobre a administração dos preços e, portanto, sobre

os lucros, tratando-se, assim, não de privatização,

mas de transferência de gestão. A solução era ou-

tra, fazia-se mister reduzir juros para então adotar

medidas capazes de gerar emprego: “o verdadeiro

problema do Brasil é a retomada do investimento e

isto significa a redução das taxas de juros”.

Rumos documentou ideias em constante transformação, reflexões teóricas confrontadas pela urgência da conjuntura econômica.

ARTIGO

Page 49: Rumos 285

RUMOS 49

ANDREJ SLIVNIK

É economista, formado pela Universidade

de Campinas (Unicamp), e mestrando

pela mesma instituição. Atua como

técnico da Gerência de Estudos

Econômicos da ABDE.

A temperatura do debate pode ser medida pelo

tom provocativo com que Furtado questiona Ran-

gel: “É evidente que o Ignácio, para pensar isso,

deve ter hoje uma visão de desenvolvimento total-

mente diferente da que ele teve no passado”.

Furtado e Rangel, a despeito das divergências,

concordavam quanto à importância do Sistema

Nacional de Fomento para a economia brasileira e

como saída para a crise. Na opinião de Rangel, era

“uma peça essencial do sistema econômico brasi-

leiro atual”, enquanto Furtado via em sua criação

“um salto adiante”. Ambos, no entanto, faziam

ressalvas e destacavam pontos de fragilidade que

ainda precisavam ser equacionados: a questão re-

gional, entendida por Rangel como o desafio da

igualização espacial do desenvolvimento, cuja

solução passava pela ação do BNDES no aprovei-

tamento de oportunidades locais, inclusive pela

intermediação dos Bancos de Desenvolvimento

(BDs) regionais e estaduais; e o desafio do plane-

jamento, fundamental, na leitura de Furtado, para

evitar que os BDs se degradassem, distorcendo o

foco de sua função essencial de promover o desen-

volvimento econômico e social.

Esse debate foi continuamente explorado pela

Rumos. Nesse período de tensões na economia e

de importantes redefinições políticas, muitos dos

números da revista se dedicaram a reflexões sobre

as crises e o futuro, do Brasil e dos Bancos de De-

senvolvimento: Os BDs e a crise: uma proposta para

reativar o desenvolvimento; Crise econômica torna

ação dos BDs ainda mais importante; O papel futuro

dos BDs; entre outras tantas entrevistas e artigos,

que não se furtaram em estabelecer estreita rela-

ção entre a recuperação da economia brasileira e

o resgate da capacidade de atuação dos Bancos de

Desenvolvimento, sempre advogando em defesa da

vocação sistêmica destas instituições.

Na verdade, a crise econômica, associada ao pro-

cesso de revisão constitucional, colocava sob risco

a própria existência destas instituições. Assim, é

significativo que uma das mais contundentes de-

fesas do SNF, naquele momento, tenha partido de

José Lins de Albuquerque, presidente da Comissão

da Ordem Econômica da Constituinte. Na edição

março/abril de 1987, o deputado sistematiza as

principais razões para sua existência: primeiro, por

ser instrumento de atuação dos Poderes Executi-

vos, por meio dos quais era possível apoiar o desen-

volvimento; segundo, por ser composto por insti-

tuições que se predispunham a trabalhar com visão

de longo prazo; e finalmente, em defesa dos bancos

estaduais, por sua proximidade com os problemas

locais, o que os colocava em posição privilegiada

para avaliar cada projeto, para cada região. Na vi-

são do constituinte, estas instituições mereciam a

confiança da sociedade para enfrentar os desafios

do presente e do futuro.

Portanto, mais do que testemunha dos deba-

tes pelo desenvolvimento, Rumos acompanhou de

perto as diversas transformações vivenciadas nos

últimos 40 anos. Desenvolvimento regional, pla-

nejamento estratégico, fontes de recurso, papel

das pequenas e médias empresas, planos de esta-

bilização monetária e participação do Estado na

intermediação financeira – uma ampla gama de

temas que fazem da revista Rumos uma publicação

singular, espaço em que a análise dos desafios atu-

ais da economia sempre vem acompanhada de um

convite a reflexões mais abrangentes. Mesmo dian-

te das piores crises, as urgências do presente nunca

afastaram Rumos de sua preocupação com o futuro

do desenvolvimento brasileiro.

Desafios do passado, recolocados no presente.

A proposta desta coluna é, justamente, recuperar

a discussão sobre o desenvolvimento interligado

com esta rica história de defesa das instituições

financeiras de desenvolvimento, como forma de

prospectar caminhos para o futuro do Sistema Na-

cional de Fomento.

FERNANDA FEIL

É formada em economia pela

Universidade de São Paulo (USP), mestre

na mesma área pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul e gerente de Estudos

Econômicos da ABDE.No

el J

oaq

uim

Fai

ad

Page 50: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201650

Nesta entrevista de abertura de “Li-

vros”, o presidente do Instituto de Pes-

quisa Econômica Aplicada (Ipea), Jessé

Souza, faz um convite à reflexão sobre

os velhos paradigmas norteadores da

sociedade brasileira, explicados em sua

última obra. E também apresenta o an-

damento da mais recente pesquisa do

Instituto.

RUMOS – O que a “Radiografia do Bra-

sil contemporâneo” trará de novo sobre

a sociedade brasileira? Em qual mo-

mento a pesquisa se encontra?

JESSÉ SOUZA – A pesquisa reflete

essa tentativa de termos acesso à po-

pulação brasileira, especialmente a po-

pulação que é menos conhecida, que é

menos privilegiada. São cerca de 70% da

população do Brasil que estão abaixo da

classe média real. São eles que queremos

conhecer melhor; por exemplo, existem

privilégios que são moldados dentro da

instituição familiar, que parecem na-

turais, mas não são, como a capacidade

de concentração. Ela é um privilégio de

classe, a classe média tem. E boa parte

da população brasileira mais carente

não tem. E, talvez, a ausência dela seja

uma das causas mais importantes para

que ainda hoje uma porção significativa

dos pobres saia da escola como analfabe-

tos funcionais, porque se precisa dessa

capacidade de concentração para poder

aprender efetivamente. Então, estamos

tentando entender melhor essa relação,

da socialização familiar, entre a escola e

o mercado de trabalho.

RUMOS – E em que momento nós esta-

mos da pesquisa? Já é possível adiantar?

SOUZA – A pesquisa está avançada.

Ela tem duas fases. A primeira é de um

levantamento geral do Brasil inteiro so-

bre todas as classes e as extrações destes

aspectos que iremos examinar. E essa

TRAZER LUZ AOS VELHOS PARADIGMAS

LIVROS

primeira fase está em dia, fico muito contente com

os resultados, que estão espetaculares. Essa é uma

pesquisa extraordinária que está acontecendo e

vamos tê-la pronta em março. Na segunda fase, ela

vai ter outros focos.

RUMOS – A próxima questão é pensar que ter um

banco de dados, esse rol de informações, irá auxi-

liar no desenho de novas políticas ou na reorien-

tação delas. É fundamental ter informações nesse

grau de profundidade e confiabilidade para orien-

tar esse momento pós-ajuste fiscal?

SOUZA – Sem dúvida. Até porque é exatamente

o tipo de conhecimento que é necessário agora,

pois, por exemplo, os programas sociais têm uma

especificidade muito grande. E essa especificida-

de significa que não pode só ser medida em termos

monetários. Além da transparência de renda, os

programas implicaram em expansão de horizontes

familiares. Há indicativos de que as famílias mais

pobres passaram em investir mais em educação, o

que é um item muito importante porque o capital

econômico é concentrado em todos os lugares, mas

o que vai mudar os países, ou seja, se eles vão ser

mais igualitários, ou mais desiguais, como o nosso,

é o fato de que o capital cultural vai ser democrati-

zado ou não. O que o capitalismo consegue demo-

cratizar nunca é o capital econômico, isso fica sem-

Estamos tentando entender melhor essa relação, da socialização familiar, entre a escola e o mercado de trabalho.

Div

ulg

ação

Page 51: Rumos 285

RUMOS 51

pre em poucas mãos, mas ele pode democratizar o

capital cultural. Então, poderemos avaliar esses

programas por esse lado: de que maneira essa

ação está transformando o horizonte das famí-

lias mais pobres, ou seja, elas estão percebendo o

mundo e o seu lugar nele de outro modo. Isso é

muito mais do que ter dinheiro.

RUMOS – No livro, o senhor propõe uma leitu-

ra que está separada do que tradicionalmente é

dito e feito dos paradigmas do pensamento social

brasileiro. E o senhor mostra que esses conceitos

estão incorporados no dia a dia das pessoas, que

as repetem de forma irrefletida. De que forma

esse paradigma que saiu do campo da academia

não ficou restrito lá, influiu no desenho das polí-

ticas públicas e no processo de desenvolvimento

do Brasil até agora?

SOUZA – Ele influiu muito, bastante. Isso é ou-

tra coisa que não se percebe normalmente por-

que as ideias normalmente ficam invisíveis, o

que estimula, digamos assim, uma cegueira ge-

ral. As ideias são muito importantes, no fundo.

As ideias não são importantes aqui, mas elas ga-

rantem a compra dos interesses poderosos. Nor-

malmente, pensamos que o dinheiro é tudo, mas

no fundo são as ideias dominantes que dizem a

forma como você vai usar o dinheiro. Então, as

ideias são fundamentais nisso. Elas são muito

específicas e singulares, ou seja, o jornalista está

no jornal, ele pode ter até uma opinião pessoal,

mas ela vai ser uma variação sobre aquilo que já

é, sobre aquela ideia que já é dominante naquele

tema, então o jornalista repete no fundo as ideias

dominantes, como o professor na universidade, o

juiz na sua causa. O que aconteceu é que temos no

Brasil uma luta de classes que é muito escondi-

da, porque é encoberta. Nós somos um dos países

com a pior distribuição de renda do mundo. Mas

a sociedade se acomodou, acha isso normal. Essa

questão é muito assustadora: que a desigualdade

não seja obviamente a grande questão a ser com-

batida no Brasil.

Com isso se monta um mundo que só existe na

ideia com nenhuma relação com o real para que

se possa manipular o resto da sociedade. No fun-

Nós somos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo. Mas, a sociedade se acomodou, acha isso normal. Essa questão é muito assustadora: que a desigualdade não seja obviamente a grande questão a ser combatida no Brasil.

A Tolice da Inteligência

Brasileira

Jessé Souza

Casa da Palavra, 272p., 2015.

.

do, há uma luta de classes que está des-

conhecida. A classe média, por exem-

plo, corresponde há 20% da população,

no máximo. No fundo, a classe média

é explorada sobre todos os modos, por

mecanismos estatais, ou por mecanis-

mos de mercado por essa meia dúzia de

ricos, mas ela não percebe isso, ela vê,

considera que o mal está no Estado.

RUMOS – Seria o caso de pensar num

novo paradigma para entender o Bra-

sil? Como construir, ou como abrir esse

caminho para essa reflexão ampla des-

ses mitos que estão incorporados?

SOUZA – A dúvida é essa. O meu ca-

minho é pensar que devemos pôr a luz

àquilo que estava escondido. Então,

todas essas estruturas de dominação

precisam ser explicitadas. Na minha

visão, esse aspecto é o mais importan-

te. A questão central entre nós é a desi-

gualdade. Por que todos os problemas

centrais que temos advêm dela: a inse-

gurança, a má qualidade dos serviços, a

baixa produtividade. E essa é a questão

econômica, social e política mais im-

portante, não tem nenhuma outra.

RUMOS – O senhor acredita, agora à

frente do Ipea, que existe algum instru-

mento que permita ao instituto mudar

o modo como o Estado brasileiro é vis-

to? Este é um papel que cabe ao Ipea?

SOUZA – O Ipea tem que assessorar

o governo. Ele atua do melhor modo

possível e tem a função institucional de

promover os seus debates importan-

tes para o desenvolvimento brasileiro.

E esse desenvolvimento brasileiro é

em todos os níveis: desenvolvimen-

to social, político e econômico. É com

o aprofundamento dessa agenda que

o país deve e pode se debruçar. Es-

sas questões mais essenciais são uma

agenda fundamental.

Page 52: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201652

Guerra dos lugares

Raquel Rolnik

Boitempo Editorial, 424 p., 2015.

UM LUGAR NO MUNDOCom o instigante título, Guerra dos

lugares, a nova obra da urbanista Ra-

quel Rolnik, reúne as reflexões pos-

teriores ao mandato da autora como

relatora para o Direito à Moradia

Adequada da ONU. No livro, ela abor-

da o processo global de financeiri-

zação das cidades e seu impacto so-

bre os direitos à terra e à moradia dos

mais pobres e vulneráveis.

Dividido em três partes, Rolnik,

no início, descreve e analisa as trans-

formações recentes nas políticas ha-

bitacionais e fundiárias em vários

países do mundo, no marco da ex-

pansão de uma economia neoliberal

globalizada, controlada pelo sistema

financeiro, que provocaram um pro-

cesso global de insegurança da pos-

se. Na terceira, a urbanista explora a

mesma questão, com foco no Brasil.

A originalidade da obra reside no enfo-

que global do fenômeno, investigado a

partir da vivência direta de uma autora

brasileira olhando as condições de mo-

radia no mundo. A leitura da evolução

recente das políticas habitacionais e ur-

banas no Brasil – inclusive na era Lula

– à luz desses processos globais ajuda a

pensar as especificidades e as diferenças

da crise urbana no país.

Também é original o entrelaçamen-

to entre as políticas habitacionais e a

política urbana, articuladas pela auto-

ra através da construção da hegemonia

da propriedade individual e da trans-

mutação dos imóveis em ativos. Ainda

sobre essa temática, Rolnik escreveu O

que é cidade e A cidade e a Lei, dentre

outras obras.

China em Transformação

Marcos Antonio Macedo Cintra, Edison

Benedito da Silva Filho e Eduardo Costa

Pinto (orgs.)

Ipea, 602 p., 2015.

O NASCIMENTO DE UMA POTÊNCIA O que fez a China se tornar a segunda

maior economia do mundo? As varia-

das transformações ocorridas naquele

país são examinadas em detalhes por

professores de diversas universidades

brasileiras, sob a coordenação de Mar-

cos Antonio Macedo Cintra, Edison

Benedito da Silva Filho e Eduardo Cos-

ta Pinto e publicação do Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

É uma obra robusta que aborda desde

questões referentes à industrialização,

à inserção nas cadeias produtivas glo-

bais, à gestão da moeda e do crédito,

passando pelo aparato modernizante.

Ao escrever sobre o livro, o profes-

sor associado do Instituto de Econo-

mia da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (IE/UFRJ), Ernani Teixeira

Torres Filho, destaca que o texto “es-

timula o debate sobre as principais

características do modelo de desen-

volvimento chinês e as céleres trans-

formações ocorridas no socialismo de

mercado, ou uma das formas existen-

tes de organização do capitalismo na

China contemporânea. Este debate

entre funcionários públicos, formula-

dores de políticas, empresários, sindi-

catos, partidos políticos, acadêmicos,

jornalistas e estudantes pode ser fru-

tífero para alimentar a discussão sobre

um novo desenho de desenvolvimento

para o Brasil, projeto que deverá impli-

car mudanças na inserção internacio-

nal do nosso país, nas dimensões co-

mercial, produtiva e financeira.”

A obra foi publicada em versão

digital e está disponível na internet

para download gratuito por meio do

endereço eletrônico do Ipea: http://

migre.me/t8S9h.

Page 53: Rumos 285
Page 54: Rumos 285

JANEIRO | FEVEREIRO 201654

EXPEDIENTE ERRATANa última edição da Rumos não foi publicada

a referência bibliográfica do artigo “A história

de um Sistema”, na coluna Pelo Mundo. Com

as devidas desculpas aos autores citados,

indicamos abaixo as referências:

CUNHA, A.M., CARVALHO, C.E. e PRATES,

D.M.. 2015. Desenvolvimento de indicadores

de desempenho do Sistema Nacional de

Fomento. InfoABDE. Rio de Janeiro: ABDE,

2015.

HORN, C.H., FEIL, F. e TAVARES, D.. 2015.

Instituições Financeiras de Desenvolvimento

no Brasil: razões e desafios para um Sistema

Nacional de Fomento. ABDE. Prêmio ABDE-

BID. Rio de Janeiro: ABDE, 2015, pp. 9-58.

CARTAS DO LEITORAssessoraNa última edição foi publicada uma nota da

Radar PPP. O autor do texto, Bruno Pereira,

agradece a publicação e solicita, se possível,

o envio do exemplar mensalmente para sua

residência. Ele vai ler todas as que receber

com prazer.

Natália Helen. Radar PPP. São Paulo (SP).

BibliotecáriaCom enorme satisfação que acusamos o

recebimento do título ofertado por essa

estimada instituição. Obrigada por contribuir

para o enriquecimento do nosso acervo, e por

último, informamos que assim que tivermos

novas publicações serão encaminhadas para

vocês.

Ana Lúcia. Biblioteca Central Julieta

Carteado, Universidade Estadual de Feira de

Santana. Feira de Santana (BA).

Sede: SCN – Qd. 2 - Lote D, Torre A Salas 431 a 434 Centro Empresarial Liberty Mall | Brasília | DF | CEP 70712-903 Telefone: (61) 2109.6500 E-mail: [email protected]

Escritório: Avenida Nilo Peçanha, 50 -11º andar Grupo 1109 - Rio de Janeiro - RJ - CEP 20020-906 Telefone: (21) 2109.6000 E-mail: [email protected]

CONSELHO DOS ASSOCIADOS Presidente: Luciano Coutinho

DIRETORIA Presidente: Milton Luiz de Melo Santos 1º Vice-Presidente: Marco Aurélio Crocco Afonso 2º Vice-Presidente: Ilton Luis Schwaab

Diretores: Francisco Soares, José Henrique Paim, Humberto Tannús Junior, Otto Alencar Filho, Rogério Tavares, Susana Kakuta

Secretário-Executivo: Marco Antonio A. de Araujo Lima

AFAP – Agência de Fomento do Estado do Amapá S.A.

AFEAM – Agência de Fomento do Estado do Amazonas S.A.

AFERR – Agência de Fomento do Estado de Roraima S.A.

AGÊNCIA DE FOMENTO TOCANTINS – Agência de Fomento do Estado de TocantinsAGEFEPE – Agência de Fomento do Estado de Pernambuco S.A.AGN – Agência de Fomento do Rio Grande do Norte S.A.AGERIO – Agência Estadual de FomentoBADESC – Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.BADESUL – Badesul Desenvolvimento S.A. – Agência de FomentoBANCO DA AMAZÔNIA – Banco da Amazônia S.A.BANCO SICREDI – Banco Cooperativo Sicredi S.A.BANCOOB – Banco Cooperativo do Brasil S.A.BANDES – Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo S.A.BANPARÁ – Banco do Estado do Pará S.A.BB – Banco do Brasil S.A.BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A.BNB – Banco do Nordeste S.A.BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialBRDE – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo SulBRB – Banco de BrasíliaCAIXA – Caixa Econômica FederalDESENBAHIA – Agência de Fomento do Estado da Bahia S.A.DESENVOLVE – Agência de Fomento de Alagoas S.A.DESENVOLVE SP – Agência de Desenvolvimento PaulistaFINEP – Inovação e PesquisaFOMENTO PARANÁ – Agência de Fomento do Paraná S.A.GOIÁSFOMENTO – Agência de Fomento de Goiás S.A.MT FOMENTO – Agência de Fomento do Estado de Mato Grosso S.A.PIAUÍ FOMENTO – Agência de Fomento e Desenvolvimento do Estado do Piauí S.A.SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

Gerente de Comunicação & Editora Thais Sena Schettino

Equipe Jader Moraes, Livia Marques Pimentel, Noel Joaquim Faiad

Revisão Renato R. Carvalho

Capa SXC/Sascha Beck e Noel Joaquim Faiad

Impressão e CTP J. Sholna Reproduções Gráficas

Distribuição Powerlog Serviços e Manipulação

Conselho Editorial Milton Luiz de Melo Santos, João Paulo dos Reis Velloso, Maurício Borges Lemos e Thais Sena Schettino.

INSTITUIÇÕES ASSOCIADAS À ABDE

Redação e Administração

Avenida Nilo Peçanha, 50,

11º andar Grupo 1109

Rio de Janeiro RJ CEP: 20020-906

Telefone: (21) 2109.6041

Fax: (21) 2109.6004

E-mail: [email protected]

As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a opinião da ABDE. Sua reprodução é livre em qualquer outro veículo de comunicação, desde que citada a fonte.

Page 55: Rumos 285
Page 56: Rumos 285

LOGGIA