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SAHARA: AVENTURA, PESQUISA, DEBATE E APRENDIZADO SIGNIFICATIVO OLIVEIRA, Érica Patrícia Barbosa de 1 - CAp/UFPE Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar sistematicamente a experiência didático-pedagógica realizada, nas dependências do Colégio de Aplicação (CAp), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com as turmas dos oitavos anos do Ensino Fundamental. O trabalho desenvolvido com os(as) estudantes ocorreu na última etapa do ano letivo 2012/2013 2 , quando finalizamos os objetivos conceituais relativos ao continente africano. A finalidade do trabalho pedagógico traçado era verificar a África como local de descarte de lixo tóxico dos países ricos; o outro objetivo planejado era pesquisar sobre o Rio Níger, este dentre outros rios da África, tão pouco estudado no Ensino Fundamental, a finalidade era conhecer a importância desse rio para os povos ribeirinhos. Com esses objetivos bem desenhados, partimos para uma experiência lúdica, através de um filme de aventura, com muitas cenas de ação, chamado Sahara, dirigido por Eisner (2005). As etapas seguintes foram a pesquisa, a apresentação dos resultados dessas pesquisas, com debates sólidos, embasados pelas investigações realizadas. Dessa forma, pudemos aprender de forma significativa e, ainda, acrescentamos dois novos objetivos a nossa experiência didático-pedagógica, pois ao longo das pesquisas surgiram informações que se tornaram relevantes para o trabalho de ensino- aprendizagem e interligadas com a abordagem tanto do filme quanto de nossas pesquisas. Uma delas foi o golpe militar ocorrido no Mali no ano passado e a declaração de independência da nação de Azaude, pertencente a etnia Tuaregue, localizada no norte do Mali. O Mali e a Nigéria são os países centrais do filme, entretanto eles servem apenas como paralelo para os países da Região da África Centro-Ocidental, onde de fato ocorrem os problemas do lixo tóxico no continente Africano. Não resta dúvida que os objetivos planejados foram superados pelos resultados alcançados e que os(as) alunos(as) e a Professora se divertiram, pesquisaram, debateram e aprenderam de maneira significativa. Palavras-chave: África. Lixo tóxico. Rio Níger. Golpe militar. Ensino-aprendizagem. 1 Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, Professora de Geografia do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco. Realiza pesquisas sobre o ensino de África através de filmes de temáticas africanas. E-mail: [email protected]. 2 Em função da última greve das Universidades Federais e dos Institutos Federais o ano letivo de 2012 só terminou em abril de 2013 no CAp/UFPE

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SAHARA: AVENTURA, PESQUISA, DEBATE E APRENDIZADO

SIGNIFICATIVO

OLIVEIRA, Érica Patrícia Barbosa de1 - CAp/UFPE

Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar sistematicamente a experiência didático-pedagógica realizada, nas dependências do Colégio de Aplicação (CAp), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com as turmas dos oitavos anos do Ensino Fundamental. O trabalho desenvolvido com os(as) estudantes ocorreu na última etapa do ano letivo 2012/20132, quando finalizamos os objetivos conceituais relativos ao continente africano. A finalidade do trabalho pedagógico traçado era verificar a África como local de descarte de lixo tóxico dos países ricos; o outro objetivo planejado era pesquisar sobre o Rio Níger, este dentre outros rios da África, tão pouco estudado no Ensino Fundamental, a finalidade era conhecer a importância desse rio para os povos ribeirinhos. Com esses objetivos bem desenhados, partimos para uma experiência lúdica, através de um filme de aventura, com muitas cenas de ação, chamado Sahara, dirigido por Eisner (2005). As etapas seguintes foram a pesquisa, a apresentação dos resultados dessas pesquisas, com debates sólidos, embasados pelas investigações realizadas. Dessa forma, pudemos aprender de forma significativa e, ainda, acrescentamos dois novos objetivos a nossa experiência didático-pedagógica, pois ao longo das pesquisas surgiram informações que se tornaram relevantes para o trabalho de ensino-aprendizagem e interligadas com a abordagem tanto do filme quanto de nossas pesquisas. Uma delas foi o golpe militar ocorrido no Mali no ano passado e a declaração de independência da nação de Azaude, pertencente a etnia Tuaregue, localizada no norte do Mali. O Mali e a Nigéria são os países centrais do filme, entretanto eles servem apenas como paralelo para os países da Região da África Centro-Ocidental, onde de fato ocorrem os problemas do lixo tóxico no continente Africano. Não resta dúvida que os objetivos planejados foram superados pelos resultados alcançados e que os(as) alunos(as) e a Professora se divertiram, pesquisaram, debateram e aprenderam de maneira significativa. Palavras-chave: África. Lixo tóxico. Rio Níger. Golpe militar. Ensino-aprendizagem.

1 Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, Professora de Geografia do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco. Realiza pesquisas sobre o ensino de África através de filmes de temáticas africanas. E-mail: [email protected]. 2 Em função da última greve das Universidades Federais e dos Institutos Federais o ano letivo de 2012 só terminou em abril de 2013 no CAp/UFPE

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Introdução

Ensinar, orientar estudos, acompanhar aprendizados, mediar saberes, parceiro em

descobrir o mundo em que estamos inseridos, facilitador de aprendizagem, são tantas as

possibilidades dadas para a nomenclatura de Professor. O fato é que nos temos o dever de

apresentar3 uma série de conhecimentos acumulados até os dias atuais, o período

contemporâneo4, aos jovens de diversas idades da melhor maneira possível. Todos os

Professores que trabalham no Ensino Básico sabem das dificuldades de manter atenção de

seus(suas) alunos(as), de diversificar suas aulas, da responsabilidade para formar uma geração

de jovens, futuros adultos críticos e pensantes, seres humanos com uma visão mais ampliada

da sociedade em que vivemos, homens e mulheres que possam atuar no mundo de forma

positiva, além de outras preocupações5. Cada Professor, baseado na sua formação acadêmica,

linha teórica e/ou em suas pesquisas estão buscando caminhos para isso.

Este trabalho é resultado de uma das experiências didático-pedagógica oriunda das

pesquisas sobre o cinema de temática africana6 em sala de aula. Sabe-se das críticas do uso do

cinema como recurso didático-pedagógico: a) ele é longo demais para ser usado em sala; b)

não foi produzido para ser utilizado de forma de didático-pedagógica; c) não aborda a

verdade, sempre exagera em alguns pontos e não ressalta temáticas relevantes; d) segue os

valores do autor, diretor e do roteirista, que visam a lucratividade dos grandes estúdios de

Hollywood; e) o ponto de vista positivo é sempre o ocidental, etc., tudo isso é verdade.

Entretanto, não se pode esquecer, que a figura do Professor está aí para impedir que estes

pontos de vista sejam destacados e reafirmados. Na verdade concordo Meleiro (2007, p. 9),

“O cinema reflete todas as dimensões do ser humano. É entretenimento e sonho; discute

temas universais, como a miséria, a guerra a degradação do meio ambiente, a diversidade

cultural, a busca da felicidade, etc.” Se o cinema reflete todas as dimensões do ser humano,

inclusive suas imperfeições, por que não deve ser usado e refletido na sala de aula?

3 A apresentação desse conhecimento deve ser realizada através do estímulo a pesquisa, introduzindo o conhecimento formal de forma prazerosa, relacionando que os objetivos conceituais trabalhados em sala encontram-se a nossa volta o tempo inteiro, basta ler um jornal, uma revista, ver um filme, ler um livro. 4 E selecionados por órgãos oficiais competentes, neste caso, o Ministério de Educação e Cultura (MEC). 5 Lutas relacionadas à própria classe, como por exemplo, melhores condições de trabalho, de salário dos Professores e mais apoio aos estudantes com famílias desestruturadas. 6 O cinema de temática africana é aquele que trata de um tema africano de interesse mundial, mas que foi produzido por qualquer nacionalidade.

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O filme não precisa ser verdadeiro para poder ser usado em sala de aula, pelo menos é

o que a minha experiência indica. Necessita primeiro que os(as) alunos(as) estejam

empolgados em assistir ao filme. Segundo, que o filme escolhido pelo Professor levante temas

relevantes e que despertem o interesse dos(as) estudantes em pesquisar. Os exageros, as

“mentiras”, as cenas empolgantes para os educadores pode ser um grande problema, o

Professor, de uma forma geral, tem um apego muito grande a tudo que é verdadeiro. Não

estou fazendo uma crítica negativa, mas quantas inverdades uma determinada geração inteira

aprendeu nas aulas de História, em especial, a História do Brasil. E o pior sem nenhuma

intervenção crítica do Professor. Nem por isso deixamos saber posteriormente o que

realmente se passava, por exemplo, no período militar no Brasil. Talvez a grande maioria da

população não tenha tido a oportunidade de rever seus conhecimentos, porque não se mantive

estudando, pois isso faz parte do trabalho do Professor. Entretanto, através dos meios de

comunicações e de filmes brasileiros isso veio a tona para a população em geral,

desconstruindo as aulas de História do Brasil de algumas décadas. Mas no caso do cinema, os

jovens entendem e sabem diferenciar melhor que os adultos o que é diversão e que é para ser

levado a sério. Os(As) estudantes identificam rápido quais são as partes do filme utilizadas

para prender a atenção e aquela que serve para aprender e para pesquisar. Até porque todo um

grupo de objetivos conceituais sobre o continente africano foi trabalhado anteriormente.

Essa experiência didático-pedagógica tratou de pesquisar sobre o uso da África como

depósito de lixo tóxico pelos países desenvolvidos. Para isso foi necessário fazer uma série de

questionamentos sobre a temática: qual a origem dessa problemática? Como os países ricos

estão enfrentando estas dificuldades? Há acordos internacionais que tratam desse tipo de

problema ambiental? De que forma esse lixo chega aos países pobres? Há alguma anuência

dos líderes governamentais dos países subdesenvolvidos com relação a chegada desses

dejetos tóxicos? Qual a região ou quais os países da África são os mais impactados? O

trabalho também tratou de pesquisar sobre a importância do Rio Níger para a Região Centro-

Ocidental do continente africano, através do uso do filme “Sahara”. Sobre o Rio Níger as

questões selecionadas para a pesquisa foram: como as comunidades ribeirinhas utilizam-se

desse rio? Quais os impactos ambientais podem alterar o modo de vida dos povos localizados

nas margens do citado rio? Em que local do rio o impacto atingiria um número maior de

habitantes? A escolha dessas duas temáticas se deu porque o filme oferecia essas duas

possibilidades para pesquisa.

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Apesar das filmagens terem sido feitas no Marrocos, Espanha e Inglaterra, não

impediu que os(as) alunos(as) pesquisassem sobre o rio Níger e caracterizassem a população

de suas margens. Sobre a questão do lixo tóxico da mesma forma, os países que são

apresentados no filme são Nigéria e Mali. Os países que mais recebem lixo tóxico na África

são: Gana, Nigéria, Benin e Costa do Marfim (BBC/BRASIL, 2011), observe a localização

dos países citados na Figura 1. Os países que mais recebem lixo tóxico na África como os

países que são cenários da trama localizam-se na África Centro-Ocidental. Será isso por

acaso?

Figura 1 - África Centro-Ocidental Fonte: João, 2009.

Referencial Teórico

Para poder orientar os(as) estudantes nas pesquisas e guiar as discussões depois que

todos tivessem assistido a película, pesquisei sobre as temáticas enfatizadas no filme: a África

sendo usada como depósito de lixo tóxico e o Rio Níger e seu uso pela população ribeirinha.

Sobre o lixo tóxico o problema é muito mais sério do que se possa imaginar. Com o

crescente estímulo ao consumo dos eletrônicos de uma forma geral, isso não só nos países

desenvolvidos, mas também em algumas nações subdesenvolvidas industrializadas. O

quantitativo de eletrônicos descartáveis é gigantesco7. E o que fazer com eles é o grande

7 Quando um desses produtos quebra não vale o custo do conserto, nem mesmo nas nações pobres. É melhor comprar outro, mesmo que seja para ficar pagando durante um ano, no caso das nações pobres.

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problema. Segundo Ribeiro (2009), há uma lei na União Europeia (UE) “que permite a

exportação de equipamentos que ainda funciona, mas que proíbe que materiais eletrônicos

estragados e partidos sejam encaminhados para fora da UE, para um país em vias de

desenvolvimento.” Na prática não é isso o que acontece. Muitos países que pertencem a UE

não visualizam saída para a quantidade de lixo eletrônico e enviam para os países

subdesenvolvimento com a desculpa que haverá geração de trabalho nos centros de

desmanches de material eletrônicos e nas oficinas de reciclagem, ver Figura 2.

Figura 2 - Oficina de reciclagem informal em Cotonou, no Benin Fonte: BBC/Brasil, 2011.

Os países pobres são destinos de 80% do lixo eletrônico produzido nas nações ricas,

porém os países receptores precisam da infraestrutura adequada, de tecnologia de reciclagem

apropriada e da regulamentação legal para absorver essa vasta quantidade de detritos. O lixo

eletrônico enviado para as nações pobres ilegalmente acabam gerando áreas de reciclagem

ilegal. A ausência de regulamentações para garantir a segurança dos que lidam com esses

produtos descartados e a falta de incentivos financeiros para reciclar detritos eletrônicos de

forma responsável estão entre os principais problemas relacionados ao envio de lixo

eletrônico para os países subdesenvolvidos. A manipulação desses detritos traz vários riscos à

saúde pela presença de materiais tóxicos (BBC/BRASIL, 2013).

Em Lagos, importante cidade litorânea da Nigéria chegam diariamente 15 contêineres

carregados de componentes eletrônicos, oriundos da Europa e Ásia.

Pelo menos um terço desse material é automaticamente estilhaçado e lançado em lixeiras, onde uma vasta prole de pessoas acaba por retirar das carcaças as partes eletrônicas rentáveis, ficando expostas a metais pesados como o mercúrio, o chumbo, e o cádmio, bem como todo um “cocktail” de dioxina (RIBEIRO, 2009).

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O escândalo do lixo tóxico na Costa do Marfim, também localizado na África Centro-

Ocidental, o maior ocorrido em território africano desde 19888 continua se arrastando. As 400

toneladas de presumíveis dejetos de refinaria, altamente tóxico, despejadas em Adidjan já

custaram a vida de seis pessoas, outros nove mil habitantes da cidade mais populosa

marfinense que respiraram os gases sofrem sintomas de envenenamento agudo (DW, 2006).

As circunstâncias ainda não estão esclarecidas, sabe-se que o navio Probo Koala

desembarcou na cidade litorânea Adidjan, da Costa do Marfim, ver Figura 3, desembarcou na

cidade as 400 toneladas de detritos, distribuindo-as por nove depósitos de lixo da cidade, ver

Figura 4 (DW, 2006).

Figura 3 - Localização das principais cidades da Costa do Marfim Fonte: Fonseas, 2012.

Figura 4 - Um dos depósitos venenosos em Abidjan Fonte: NRC, 2009. 8 Em 1988, a Itália depositou dois mil barris de lixo radioativo em praias da Nigéria.

Yamoussoukro é a capital política e administrativa da Costa do Marfim desde 1983, embora a maior parte das funções administrativas continue sendo realizada na antiga capital, Abidjan. É a segunda maior cidade desse país e localiza-se a cerca de 240 quilômetros para noroeste de Abidjan, a maior cidade da nação.

Abidjan foi a capital da Costa do Marfim entre 1934 e 1983. Atualmente é a capital econômica e possui um centro industrial, comercial e cultural importante.

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A embarcação pertence a uma empresa grega e trafega sob bandeira panamenha,

porém fora fretada pela firma holandesa Tranfigura. Só por aí se vê a complicação jurídica

que acompanhará e prolongará o caso. O fato é o que os peritos não identificaram as

substâncias que compõem a massa negra e viscosa. Os sintomas provocados são dificuldades

respiratórias, sangramento nasal, vômitos, erupções dérmicas e dores de cabeça. Isso leva a

crer que contenha derivado de cloro e de enxofre. A hipótese mais provável é que se trate dos

restos da limpeza de um tanque de petróleo. Nos navios e refinarias, os tanques têm que ser

limpos regularmente para livrá-los da camada de alcatrão que se forma no fundo. Para fazer a

limpeza é necessário utilizarem solventes à base de cloro e ácido sulfúrico (DW, 2006).

A empresa holandesa afirma que dispunha de autorização para descarregar os dejetos

tóxicos na Costa do Marfim, isso mostra que uma elite político-econômica africana se

beneficia com o sofrimento de seus pares. Representantes de órgãos supranacionais, como a

EU, afirmam veementemente que a empresa infringiu três acordos internacionais além dos de

Basileia9 e Bamako10, o Acordo de Lomé11 de não exportar lixo para a África (DW, 2006).

Após seis anos do crime corporativo sobre o meio ambiente e da violação dos direitos

humanos, a Tranfigura, a transnacional responsável pelos aterros de resíduos tóxicos em

Adidjan nenhuma consequência jurídica sofreu. O relatório concluído pela Anistia

Internacional e a Greenpeace Holanda contesta a legalidade de um acordo entre a Costa do

Marfim que permitiu à Tranfigura fugir à condenação pelos seus crimes nesse país africano

(AMNISTIA INTERNACIONAL, 2012).

É uma história que expõe como os sistemas de imposição do Direito Internacional

falharam em acompanhar empresas que operam a nível transacional e como uma empresa foi

capaz de tirar total vantagem de incertezas legais e lacunas jurídicas, com consequências

devastadoras. Os resíduos foram inicialmente levados para a Holanda para serem tratados

9 A Convenção de Basileia, Suíça, foi concluída em 22 de março de 1989. Seu principal artigo afirma: "Art. 49. É proibida a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação." (MMA, 2013) 10 Resolução n.º 19/96, de 26 de Novembro de 1996. Ratifica a Convenção de Bamako relativa à Interdição da Importação de Lixos Perigosos e ao Controle da Movimentação Transfronteiriços desses lixos em África (PORTAL DE LEGISLAÇÃO AMBIENTAL DE MOÇAMBIQUE, 2013). 11 A Convenção de Lomé, assinada em 1975, era o acordo de cooperação mais abrangente nas relações entre Europa e países terceiros combinando um regime de comércio de acesso preferencial ao mercado europeu dos produtos oriundos dos países de África, Caraíbas (Caribe) e Pacífico (ACP) com um pacote de ajuda financeira e técnica. Revista por 3 vezes (em 1979, 1986 e 1989), a Convenção de Lomé, na sua 4ª versão, veio a expirar a 29 de Fevereiro de 2000 sendo assinado, em Cotonou (Benim), um novo acordo de parceria, em Junho do mesmo ano. O acordo também visa fomentar o respeito pelos direitos humanos e pela natureza (CCIT/PCV, 2013).

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adequadamente, mas a Tranfigura recusou por achar o preço demasiado alto. Apesar das

preocupações, as autoridades holandesas deixaram os resíduos sair da Holanda, uma séria

violação das obrigações legais da Holanda (AMNISTIA INTERNACIONAL, 2012).

Esse foi o caso pesquisado que mais se aproxima do que temos do filme Sahara em

que há um acordo entre o líder político africano e uma empresa responsável por fazer o

descarte do lixo tóxico. Esse tráfico é bastante comum, porém os casos que chegam a público

são poucos.

Outra temática pesquisada para poder orientar os(as) alunos(as) foi sobre o Rio Níger.

Este é o terceiro mais longo rio do continente africano, depois do Nilo e do Congo. Possui

uma extensão de 4.185 quilômetros, nasce no maciço do Futa-Djalon, nas montanhas na

fronteira entre a Guiné e Serra Leoa, dirige-se para o norte e depois para nordeste, passando

por Bamako, capital do Mali e depois por Timbuktu, no meio do Deserto do Sahara, faz uma

apertada curva para sudeste, passando por Niamey, capital do Níger, serve de fronteira entre

este país e o Benim e deságua no Golfo da Guiné, no Oceano Atlântico, num enorme delta no

sul da Nigéria, ver Figura 5.

Figura 5 - Bacia Hidrográfica do Rio Níger Fonte: Park, 2012.

O Níger tem uma das rotas mais incomuns do que qualquer grande rio, uma forma de

boomerang, descrevendo longo curso em arco e penetrando no coração da África Ocidental.

Esse rio desfruta de enorme influência para a totalidade dos povos tradicionais, além de ser

via de comércio e de negócios em geral, o Rio Níger e seus afluentes são usado para irrigação

das lavouras nas suas margens, abastecimento de água para as pessoas e para os animais que

são criados para alimentação e para o transporte terrestre, como por exemplo, o camelo. O Rio

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Níger é instrumento também para deslocamento de pessoas entre os povoados ribeirinhos. E

interliga habitantes entre os países por onde ele transcorre. Numa região tão pouco

desenvolvida como a África Centro-Ocidental os cursos de água navegáveis tem importância

ímpar. Esse é o caso do rio que é nosso objeto de estudo.

A Bacia do Rio Níger abarca uma área bem maior, ver novamente a Figura 5, a área da

Bacia Hidrográfica12 se encontra na cor verde. Em Mali, o rio tem uma função muito

importante, pois com o péssimo estado das estradas ou a sua não existência em certos sítios, é

a única via de comunicação e de negócio entre os povos. Essa importância fica muito clara em

vários trechos do filme.

De acordo com Serrano & Waldman (2007, p. 58),

Acredita-se que o topônimo provém da expressão gher n gherem, ou seja, rio dos rios, na língua tuareg. Um aspecto notável desse rio é que, na confluência com um dos seus afluentes, o Bani, no sul do Mali, Níger bifurca-se formando um vasto delta interior. Não se trata de um delta marino, mas sim de uma planície aluvial13 com cerca de 400 quilômetros de extensão que ocupa parte do Sahel, nos bordos do Sahara.

O Rio Níger encontra-se com seu principal afluente, o Rio Benuê, na Região Centro-

Sul da Nigéria, ver Figura 6. A foz do Níger, localizada na Nigéria, é, como no caso do Nilo,

em forma de delta14.

Figura 6 - Rio Benuê Fonte: Wikipédia, 2013.

12 Bacia hidrográfica é usualmente definida como a área na qual ocorre a captação de água (drenagem) para um rio principal e seus afluentes devido as suas características geográficas e topográficas. 13 A planície aluvional é um terreno baixo e plano junto aos cursos de água (rios) é formada por sedimentos constituídos de argila, silte e areia. 14 Em Geografia, designa-se por delta a foz de um rio formada por vários canais ou braços do leito do rio.

O Rio Benuê nasce no Planalto Adamawa, norte dos Camarões, fluindo para o oeste. Entra na Nigéria a sul das Montanhas Mandara, passando por Yola e Makurdi. É o principal afluente do Rio Níger.

O Delta do Rio Níger na Nigéria é uma região densamente povoada, cerca de 31 milhões de pessoas, mais de 40 grupos étnicos, falando cerca de 250 dialetos vivem nesta área que se estende por aproximadamente 70.000 km2.

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Metodologia

O desenvolvimento do trabalho se deu nas turmas dos oitavos anos do Ensino

Fundamental, no momento em que estudamos o continente africano, na quarta etapa do ano

letivo, nas dependências do Colégio de Aplicação do Centro de Educação da Universidade

Federal de Pernambuco. O uso do filme Sahara possibilitou uma aprendizagem significativa,

pois a construção de etapas para realização da atividade proporcionou uma sistematização do

processo didático-pedagógico, de forma a concretização de uma aprendizagem mais

consolidada. Primeiramente foi disponibilizado o filme para que eles assistissem no contra

horário, entretanto eles também ficaram livres para assistir em casa, já que é um filme fácil de

ser encontrado em locadoras e não havia problemas quanto a idade, pois o limite posto para o

filme é de 12 anos, dessa forma não houve problemas com relação ao mínimo de idade

permitido, nem necessidade de solicitar autorização dos pais. Nesse momento a orientação

fornecida era para que os(as) estudantes observassem de que forma o Rio Níger era

aproveitado pela população local e, ainda, para tentarem entender de que forma a Região da

África Centro-Ocidental estava sendo usada pelos países desenvolvidos, de que forma isso

acontecia e quem estava realizando a exploração daquela região, em especial do Estado do

Mali.

Após uma semana, houve um debate sobre o filme e sobre o que foi solicitado que

os(as) estudantes observassem. Depois do debate a turma foi dividida em dois grupos e foi

solicitado que um grupo fizesse pesquisas sobre o Rio Níger, seus afluentes, sua bacia

hidrográfica, os principais países por quais países passam, a importância deste rio e seus

afluentes para a população ribeirinha, onde nasce, onde e como deságua, etc. E o outro grupo

realizou pesquisas sobre o descarte de lixo tóxico na Região Centro-Ocidental da África. Os

(As) estudantes deveriam descobrir que tipo de lixo tóxico vai para essa área, quais as

consequências e o ponto de vista dos organismos supranacionais.

Duas semanas depois estavam as pesquisas realizadas em forma de cartazes e textos.

Entretanto o mais importante foram as argumentações orais após as pesquisas. Os dados, os

fatos, os episódios reais, alguns aqui relatados no referencial teórico e nas discussões,

possibilitou uma discussão muito mais articulada por parte dos(as) estudantes. Ocorreu uma

larga troca de resultados de pesquisas entre os(as) alunos(as), que puderam ter acesso a todas

as informações. O filme foi nossa inspiração para realização das pesquisas, debates e

aprendizagem.

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Resultados

O desenvolvimento do trabalho da disciplina de Geografia possibilitou uma

aprendizagem construída através de etapas. A partir do filme Sahara os(as) alunos(as) foram

orientados(as) a pesquisar sobre duas temáticas: a) uma foi a questão do continente africano,

mais especificamente a África Centro-Ocidental ser amplamente utilizada como depósito de

lixo tóxico dos países desenvolvidos, em especial do continente europeu, uma temática não

contemplada nos conteúdos dos livros didáticos do Ensino Fundamental, entretanto é

considerada um tema transversal (a questão ambiental), desta forma passível de ser trabalhada

em sala de aula; b) a outra temática, e não menos importante, está relacionada a Geografia

Física, sendo os Rios Nilo e do Congo os mais explorados pelo nosso livro didático, o Rio

Níger é pouco abordado e alunos(as) puderam aprofundar seus estudos sobre a importância e

influência desse rio por onde ele percorre, tanto do ponto de vista físico como do ponto de

vista humano.

Todas as etapas foram fundamentais para o sucesso desta experiência, pois os(as)

alunos(as) puderam mostrar compromisso e responsabilidade para decidir se iriam assistir ao

filme na escola ou em casa; curiosidade e pesquisa, inspirado pelas duas temáticas centrais do

filme os(as) estudantes pesquisaram profundamente, em especial, a questão do lixo tóxico,

por ser uma questão mais polêmica e envolver crimes ambientais e humanitários;

originalidade na forma de apresentar o conteúdo de suas pesquisas, muitas delas sendo as

mesmas fontes que eu já havia pesquisado e, por fim, autonomia que pode ser verificada

durante os debates quando os(as) estudantes, com base nas pesquisas realizadas, utilizavam os

melhores argumentos para defenderem suas ideias com fundamentação teórica.

Discussões

Pesquisar sobre o uso do continente africano, em especial, a África Centro-Ocidental

como depósito de lixo tóxico foi um grande desafio. As informações não estão nos livros e os

cuidados com a busca nos sites da internet foram tomados. O filme Sahara traz a ideia de uma

fábrica de eliminação de resíduos químicos do mundo desenvolvidos implantada em território

africano em parceria do governo local, no caso o Mali. Um dos pontos dos debates foi esse,

pois não encontramos nenhuma reportagem citando o Estado do Mali como país receptor de

lixo tóxico. Entretanto, este país se encontra na Região da África Centro-Ocidental e está

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bastante próximo de alguns receptores deste tipo de lixo, que são: Gana, Nigéria, Benin e

Costa do Marfim, todos com litoral, facilitando a chegada de lixo tóxico através de

embarcações. Dessa forma, ficou claro para os(as) estudantes que o objetivo era citar a

principal região receptora de dejetos tóxicos do mundo desenvolvido na África. Dessa forma,

o filme não deixou de dar o seu recado para quem faz pesquisas.

A indústria instalada no Mali com apoio governamental local era muito moderna,

usava energia solar para aquecer e evaporar determinadas toxinas. Outras toxinas eram

armazenadas e guardadas em recipientes colocados em depósitos sem a manutenção

adequada. A falta de manutenção e/ou o mau acondicionamento da(s) substância(s) em alguns

recipientes, possibilitou o vazamento e a infiltração dessa(s) substância(s) através do solo,

contaminando o lençol freático. Dessa maneira, essa água com algum percentual de “veneno”,

contaminou vários poços que eram abastecidos pelo mesmo lençol freático. Outra discussão

gerada pelos(as) estudantes foi que durante suas pesquisas nenhum depósito de lixo tóxico

tinha o grau de investimento que aquela fábrica europeia tinha em território africano. De fato,

nenhum país europeu iria deixar tal registro de modernidade, que só um país desenvolvido

seria capaz de implantar. E tão facilmente localizado por satélite. Na minha interpretação

aquela fábrica apenas representava o poder, a riqueza e a opulência do mundo desenvolvido

que acha que é capaz de tudo, em qualquer lugar, sem se importar com as consequências.

Quanto a contaminação dos poços de água, essa temática não gerou discussão porque

foi fácil de compreende que ao beber diariamente água contendo algum percentual de

substância(s) química(s) nociva a saúde, a população adoece e morre, mais ou menos

rapidamente dependendo do grau de contaminação dos poços.

O filme foi muito elogiado pelos(as) estudantes por causa de suas cenas de ações, com

um dos aventureiros que nos lembra, a certa altura, Indiana Jones. Há uma história paralela

desse explorador, que é de uma empresa que tem o objetivo de buscar tesouros perdidos em

parceria com museus e governos de diversos países do mundo, com a colaboração de

organizações privadas e de doadores internacionais. Segundo o que é divulgado durante o

filme, a finalidade é garantir que “a história perdida pelas ondas do tempo possa voltar a seu

povo” (EISNER, 2005).

Essa empresa privada é perita em fazer mergulhos usando equipamentos modernos

com o objetivo de buscar artefatos que estão embaixo das águas. Os funcionários são

especialistas em química e biologia, análises de dados físicos, engenheiros de equipamentos

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específicos para o tipo de necessidades que há. Também foram contratados ex-militares das

forças armadas estadunidense.

Alguns ex-marines vão a busca de um tesouro arqueológico dos Estados Unidos que se

encontra nas margens do Rio Níger, no território do Mali15. Neste ponto, o outro fio de análise

do filme aparece. É a história de um médico e de uma médica das Nações Unidas, da

Organização Mundial da Saúde tentando achar a causa de uma “praga” que está acometendo

algumas pessoas na Nigéria. Segundo os doentes e/ou parentes dos doentes todos eles vieram

de alguma atividade realizada no Mali, país próximo. Entretanto, intimamente ligados através

do Rio Níger. Os aventureiros desejam entrar no território do Mali, em busca de seu tesouro

arqueológico e os médicos também, obviamente por outro motivo, porém, os últimos, não tem

autorização das Nações Unidas, porque o Mali se encontra numa guerra civil. Esse tema gerou

muito debate, pois o Mali, fora das telas, sempre viveu numa instabilidade política, e desde

março de 2012 essa instabilidade se acentuou após o golpe militar, com o objetivo de retirar o

presidente Amadou Touré, que acabou renunciando ao cargo. Segundo o grupo de militares

que aplicou o golpe e assumiu o poder, isso se deu porque o presidente não conseguiu deter a

revolta do grupo étnico Tuaregue16, habitante do norte do Mali e que declarou a independência

a nação de Azaude. Essa independência não foi aceita pelos países ocidentais, nem pelos

organismos supranacionais, pois essa nação já se declarou islâmica e implantou o uso

obrigatório da sharia para as mulheres. Com o mundo ocidental em guerra contra o

terrorismo, e este sendo, quase que exclusivamente, originário dos países que tem o islã como

religião oficial, não se pode negar o futuro dessa nova nação: todo apoio será dado ao Mali

(pelos países ocidentais) administrado ditatorialmente, com o objetivo de combater a nascente

nação Tuaregue islâmica (BAROUD, 2013).

No filme, o Mali estava sendo comandado por um coronel que se tornou general ao

assassinar o presidente e ocupar o seu lugar. De acordo com a película, o general controlava

metade do país e a outra metade ninguém dominava. Essa outra metade era dominada pelos 15 Não conseguimos confirmar pesquisas arqueológicas nessa área sobre o mencionado tesouro estadunidense. 16 Tuareg (Tuaregue) é um povo que habita o Deserto do Sahara, no norte da África. É uma etnia nômade, que tem como base de sua economia a criação de animais, e apesar da pele negra, semelhante a dos povos negros localizados ao sul do Sahara, este povo faz parte de um grupo maior, os berberes do norte da África. São todos praticantes da religião islâmica, que chegou à região por voltado século VII. Utilizam uma variante de línguas que pertencem ao grupo das línguas berberes. Apesar da maioria da população Tuaregue estar no Mali e no Níger, os grupos politicamente mais importantes localizam-se na Argélia. Seu meio de locomoção é o camelo, tem como vestimenta característica o véu de azul índigo, com que cobrem toda a cabeça e a maior parte do rosto, com exceção dos olhos, para protegerem-se do sol extremamente forte. Apesar de nômades, constituíram importantes centros nos países em que estão presentes, como Agadez, no norte do Níger, além de Gao e Kidal e Timbuktu, no Mali (SANTIAGO, 2011).

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Tuaregues. Mais uma vez vemos que num filme baseado ou não em um livro, há pesquisa,

pois golpes militares faz parte do cotidiano político de vários países da África.

Segundo o Atlas National Geographic (2008), a República do Mali é um país sem

saída para o mar. O território pode ser dividido em três regiões. A porção norte é ocupada

pelo deserto do Sahara. A faixa central é constituída pela estepe do Sahel. Finalmente, no sul,

encontra-se uma savana umedecida pelos Rios Níger e Senegal, os mais importantes do país.

É nessa última região que se concentra a maior parte da população.

Essa divisão se adequa, justamente, a localização da etnia revolucionária que declarou

sua independência em 2012. Os Tuaregues ocupam a região norte do país e tomaram algumas

cidades da parte central do país (BAROUD, 2013). Estudar a República do Mali e a etnia

Tuaregue não estava nos objetivos do planejamento desta experiência didático-pedagógica,

entretanto, não pode ser deixado de lado com as descobertas do golpe militar e da

independência da nação de Azaude, pertencente a etnia Tuaregue.

Na sequência do filme e dos debates, os médicos e os aventureiros (os ex-marines do

exército estadunidense) seguem a montante17 do Rio Níger através de uma lancha. Durante o

percurso realizado pelos personagens foi possível observar as diversas comunidades que se

localizavam nas margens, como a população se utilizava do rio através da pesca, do uso da

água, como meio de transporte. Os(As) alunos(as) fizeram observações sobre os perigos das

populações localizadas a montante do rio de poluírem este, ou não terem tanto cuidado com o

rio, e os povos localizados a jusante serem bastante prejudicados com o uso inadequado das

etnias que vivem a montante. Essa observação dos(as) estudantes foi de extrema importância,

porque acabou levantando-se uma questão no que tange a geopolítica internacional das águas.

E quando um curso de água passa por mais de um país? Quem vai gerenciar o conflito? Esses

conflitos são bastante comuns quando os rios tem seu curso em mais de um país em uma área

desértica ou semidesértica, onde a necessidade da água é imperativa. Não houve consenso nas

discussões, porque a realidade não mostra consenso. O que vigora aí é a lei do mais forte. Ou

seja, o país que tenha maior poder de fogo e/ou maior poder no jogo de alianças, caso se

desencadeei um conflito.

17 Jusante e montante são lugares referencias de um rio pela visão de um observador. A jusante é o lado para onde se dirige a corrente de água e montante é a parte onde nasce o rio. Por, isso se diz que a foz de um rio é o ponto mais a jusante deste rio, e a nascente é o seu ponto mais a montante.

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Após algumas paradas ao longo do rio os médicos foram deixados num povoado

ribeirinho chamado de Labbezanga, local mais próximo de Asselar, vilarejo, onde havia

ocorrido o maior número de mortos com os mesmos sintomas das pessoas na Nigéria. Os

médicos do filme chegaram ao pequeno povoado através de um carro alugado com os

equipamentos médicos e de exames. Entretanto, todos já estavam mortos no vilarejo,

inclusive os animais. Os médicos com os ajudantes contratados foram até a fonte de água, um

poço que havia sido aterrado recentemente. A médica entrou no poço amarrada com cordas

com o objetivo de coletar uma amostra de água para exame, para isso ela foi obrigada a cavar

o poço. Nesse exato momento todas as pessoas que estavam do lado de fora foram

assassinadas por ordem do general que comandava o Mali e que não queria que ninguém

descobrisse a origem da doença de se alastrava pelo país.

A médica não foi assassinada porque estava dentro do poço. Ela consegue sair e

reencontra os aventureiros. Disfarçados de Tuaregues montados em camelos seguiram em

direção ao norte18 e acabaram encontrando com os verdadeiros Tuaregues. Eles foram

acolhidos, a médica pode examinar a amostra da água recolhida (ela havia recolhido os

materiais necessários após o ataque no vilarejo) e concluiu que a água estava contaminada

com uma toxina altamente letal, quanto mais água se bebia mais a acumulação da substância

no organismo ocorria.

Na área de domínio dos Tuaregues, no norte do Mali, na região do Deserto do Sahara,

os ex-marines e a médica da Organização Mundial da Saúde, encontram uma enorme

instalação moderna de uma fábrica, com abastecimento energético através da energia solar,

com uma linha férrea que chega a porta da fábrica. Todos entram ilicitamente e descobriram

que a fábrica eliminava e acondicionava substância(s) tóxica(s). Quando a médica entrou no

depósito da(s) substância(s) tóxica(s) percebeu imediatamente os vazamentos dos

reservatórios e a penetração pelo solo, assim compreendo como se dava a contaminação dos

poços.

O empreendedor da fábrica é um francês que está associado ao general que lidera o

Mali. No filme o francês mostrou-se preocupado com as comprovações que a médica

apresentou, pois seu nome diante do mundo desenvolvido tinha muita credibilidade, sendo

uma pessoa de respeito e conhecido pela alta sociedade e por líderes políticos do mundo rico,

e não poderia está comprometido com algo deste tipo. A ideia do filme é que o dono da 18 Na tentativa de fugir para uma área não controlada pelo general, a região norte do país do Mali é controlada pelos Tuaregues tanto no filme, quanto na realidade.

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fábrica pode fazer empreendimentos ilegais desde que tudo fique encoberto, que não haja

provas que o comprometam em território africano.

Já o general que lidera o Mali com mãos de ferro, pouco se preocupa, na sua

experiência “ninguém liga para a África” (EISNER, 2005). Ocupa a liderança pela força das

armas e só através das armas será derrubado. Ele faz parte do grupo que os(as) alunos(as) logo

associaram, chamados de “classe dirigente africana em estreita aliança com os comerciantes

europeus” (ADAS, 2006, p. 154). Nesse caso, não por comerciante, mas por empresários

europeus. Esse foi um dos objetivos conceituais trabalhados na unidade sobre a África:

entender que a liderança política africana passou a ser exercida por grupo(s) que mantem

contatos com os empreendedores europeus, e não por aqueles que tem representatividade

diante do povo (ADAS, 2006). Ou seja, após o processo de neocolonialismo, o país que antes

controlava o país politicamente (um país europeu), deixou em solo africano grupo(s) que

faz(em) parte da elite dominante do país subdesenvolvido, que tem a função de representar os

interesses econômicos dos países ricos e não de representar os interesses de sua própria

população, essa última função está num segundo plano.

Considerações Finais

Sahara é um filme estadunidense de 2005 do gênero aventura, com direção de Breck

Eisner e roteiro baseado no best-seller de mesmo nome escrito por Clive Cussler. O filme é

divertido e investe numa temática séria que seria buscar as causas de uma epidemia que assola

o Mali. De uma maneira leve e adequada, ao Ensino Fundamental, pudemos trabalhar com a

questão do lixo tóxico na Região da África Centro-Ocidental, a importância do Rio Níger para

a população ribeirinha, o golpe militar na República do Mali e a independência da nação de

Azaude, pertencente a etnia Tuaregue, mesmo que os dois últimos tópicos não tenham sido

planejados como parte desta experiência de ensino-aprendizagem. Dessa forma, essa

experiência superou as expectativas e foi extremamente gratificante e satisfatória, do ponto de

vista acadêmico.

REFERÊNCIAS

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