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PRÓ- REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO PROGRAMA DE DOUTORADO EM LETRAS ASSOCIAÇÃO AMPLA UCS/UniRitter SAIGON QUEVEDO Língua Portuguesa no Ensino Médio: uma proposta inscrita na Teoria dos Gêneros Discursivos Porto Alegre Março de 2017

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PRÓ- REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO

PROGRAMA DE DOUTORADO EM LETRAS – ASSOCIAÇÃO AMPLA UCS/UniRitter

SAIGON QUEVEDO

Língua Portuguesa no Ensino Médio: uma proposta inscrita na Teoria dos Gêneros Discursivos

Porto Alegre Março de 2017

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SAIGON QUEVEDO

Língua Portuguesa no Ensino Médio: uma proposta inscrita na Teoria dos Gêneros Discursivos

Tese apresentada ao Programa de Doutorado em Letras -

Associação Ampla UCS/UniRitter - como pré-requisito

parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Neiva Maria Tebaldi Gomes

Porto Alegre, RS 2017

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Dedico este trabalho a todos os professores do Brasil,

principalmente aos que precisam, bravamente, resistir,

quase todos os dias, ao caos1.

1 Disponível em: http://www.annoticias.com.br/Noticias/arapongas/colegio-e-alvo-de-vandalos-em-arapongas. Acesso em: 28 de dezembro 2016.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço imensamente à minha mãe que, mesmo com pouca instrução, fez tudo o que

pôde para transformar seus filhos em Doutores. E tem conseguido.

Agradeço a presença constante e inspiradora das filhas, Eduarda e Geórgea, na minha

vida. Como retribuição, deixo este exemplo;

Agradeço a minha orientadora, Profª Neiva Maria Tebaldi Gomes, pela parceria,

respeito e incentivo.

Agradeço a UFSM, pela dispensa para poder dedicar-me exclusivamente ao projeto.

Agradeço, imensamente, as contribuições dos professores que constituíram a banca de

qualificação e a banca final.

Agradeço o incentivo dos amigos.

Enfim, agradeço, sinceramente, a oportunidade.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Exemplo de questão de vestibular ...................................................... 20

Figura 2 – Separação dos conteúdos Língua Literatura e Redação .................... 38

Figura 3 – Exemplo de Bula de Remédio ............................................................ 41

Figura 4 – Fragmento de Carta de Fernando C. de Abreu .................................. 42

Figura 5 – Colagem de Gêneros ......................................................................... 50

Figura 6 – Capa Gramática Ilustrada ................................................................... 59

Figura 7 – Capa Gramática em textos ................................................................. 60

Figura 8 – Tirinha Geraldão ................................................................................. 61

Figura 9 – Capa Textos: leituras e escritas ......................................................... 62

Figura 10 – Capa Aprender e Praticar Gramática ................................................ 64

Figura 11 – Fonema: conceito ............................................................................. 65

Figura 12 – Nossa Gramática .............................................................................. 66

Figura 13 – Estrutura das palavras ...................................................................... 68

Figura 14 – Capas livros CTISM.......................................................................... 69

Figura 15 – Questões do ENEM .......................................................................... 84

Figura 16 – Tabela Periódica Tradicional ............................................................ 91

Figura 17 – Tabela Periódica Interativa ............................................................... 91

Figura 18 – Tirinha Chico Bento .......................................................................... 98

Figura 19 – Procura-se um relacionamento ....................................................... 105

Figura 20 – Bode expiatório .............................................................................. 105

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Classificação das gramáticas segundo Travaglia ............................. 34

Quadro 2 – Tipos e gêneros textuais ................................................................... 51

Quadro 3 – Linha do tempo de fatos significativos em relação ao ensino de LP

no Brasil ............................................................................................ 55

Quadro 4 – Competências e habilidades ............................................................. 57

Quadro 5 – Estratégias de abordagem ................................................................ 77

Quadro 6 – Sugestão de gênero por série ........................................................... 79

Quadro 7 – Nível sintático ................................................................................... 80

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As formas gramaticais não podem ser estudadas sem que se leve sempre em conta seu significado estilístico. Quando isolada dos aspectos semânticos e estilísticos da língua, a gramática inevitavelmente degenera em escolasticismo. [...] Na prática [...] o conteúdo das aulas de língua materna é a gramática pura2.

M. Bakhtin

2 Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakhtin. Acesso em 23 de dezembro 2017.

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RESUMO

Não é novidade que novas abordagens no ensino de Língua Portuguesa vêm sendo testadas nos últimos anos, principalmente após o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs – em 1998, que priorizam o texto e a Teoria dos Gêneros (textuais e discursivos) como ferramentas de ensino da Língua Portuguesa. Entretanto, muitas vezes essas teorias ficam restritas à academia e acabam não chegando às salas de aula. Também, é notório que o uso da gramática normativa como instrumento didático tem sido bastante contestado, pois ao buscar a padronização da língua, ao ditar suas regras e aplicações, desconsidera fatores sociais, históricos e culturais a que se sujeitam os usuários da língua. Porém, não negamos aqui a importância da gramática normativa, não por ela ser um meio de proteção e conservação da língua, mas sim por permitir ao falante amparar-se em suas necessidades textuais, ao mesmo tempo em que registra a variante culta da língua, a qual poderá ser usada sempre que o evento social o exigir. Assim, o que se coloca como problema é a forma como essas normas da língua são demonstradas aos alunos. Embora se busquem novas metodologias, não encontramos, ainda, no mercado editorial, um material que contemple a teoria dos Gêneros Discursivos e que, ao mesmo tempo, aborde as normas gramaticais, tão importantes para o texto escrito e para os gêneros onde certas formalidades se exigem. Desta forma, propusemos uma pesquisa que resultasse em um material didático que poderia servir de apoio a professores e alunos quando a abordagem das normas gramaticais se fizer necessária. Para tanto, apresentamos uma justificativa, a qual procura autorizar a presente pesquisa, junto à minha trajetória profissional. Outrossim, fundamentamos o porquê de o ensino da Língua ser significativo, bem como revisamos os principais conceitos sobre língua, linguagem, discurso e texto. Na sequência, abordamos alguns conceitos e definições sobre o termo gramática, mais especificamente sobre as metodologias das gramáticas de Língua Portuguesa. Em seguida, passamos às considerações sobre conceitos relacionados aos gêneros – textuais e discursivos - que norteiam nossa pesquisa, com perspectiva baseada nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). Após esse trajeto, quase que essencialmente teórico, apresentamos os passos para a construção de nosso material didático, como a sugestão de textos para análise e a maneira como propomos a abordagem das normas gramaticais, em uma perspectiva baseada na Teoria dos Gêneros Discursivos. Palavras-chave: Gramática; gêneros; ensino e aprendizagem

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ABSTRACT

It’s nothing new that recent approaches in Portuguese Language teaching have been tested in the last years, especially after the publication of the National Curricular Parameters (NCPs), in 1998, which takes priority to the text and the Theory of Genres (textual and discursive) as teaching tools of the Portuguese Language. However, sometimes, these theories are restricted to the academy and end up not coming to classrooms. In addition, it is obvious that the use of grammar rules as dictate instrument has been discussed, as for the standardization of the language, to dictate its rules and applications; it ignores the social, historical and cultural factors of the users of the language. However, not to be a means of protection and conservation of the language, but can allow the speaker, supporting your textual needs, while registers the cultured language variant, which can be used whenever the social event so demand. Thus, what we have as a problem is the way how these rules are demonstrated to the students. Although, we are looking for new methodologies, we still do not find in the publishing market any material that contemplates the Theory of Discursive Genres, at the same time, approaches the grammatical norms, so important for the written text and for the genres in which some formalities are required. In that way, we propose a research that can result in a teaching material that serves as a support for both teachers and students when the approach of standards becomes necessary. To that end, we present a justification, which can authorize the present research along with my professional career. We also found why language teaching is meaningful, as well as, review the main concepts about language, language, discourse and text. Next, we approach some of the concepts and definitions of the word grammar, more specifically about the methodologies of grammar of the Portuguese Language. So, we turn to some considerations about genres- textual and discursive- that will guide our research according to the perspective based on NCPs (National Curricular Parameters). After that, we present the steps for the construction of our educational material, such as the suggestion of texts for analysis and how we propose an approach of grammar rules based on the Theory of Discursive Genres.

Keywords: grammar, genres, teaching and learning.

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RESUMEN

Como era de esperar nuevos enfoques en la enseñanza del idioma portugués se han probado en los últimos años, sobre todo después de la puesta en marcha de los Parámetros Curriculares Nacionales - PCNs - en 1998, que priorizan el texto y la teoría de los géneros (textual y discursiva) como herramientas de enseñanza el idioma portugués. Sin embargo, a menudo estas teorías están restringidas al gimnasio y terminan por no llegar a las aulas. Además, es evidente que el uso de la gramática normativa como una herramienta educativa ha sido ampliamente discutida como para buscar la normalización de la lengua, para dictar sus reglas y aplicaciones, no tiene en cuenta los factores sociales, históricos y culturales que están sujetas a los usuarios del lenguaje. Sin embargo, no negamos aquí la importancia de la gramática normativa, no porque es un medio de protección y conservación de la lengua, sino permitiendo que el altavoz para apoyar en sus requisitos textuales, mientras que registra la variante culta de la lengua , que se puede utilizar siempre que el evento social requiere. Entonces, ¿qué se plantea como un problema es cómo estos estándares del lenguaje se demuestran a los estudiantes. Aunque la búsqueda de nuevas metodologías, que encontramos también en la publicación, un material que incluye la teoría de los géneros y, al mismo tiempo, se ocupa de las reglas gramaticales, tan importantes para el texto y géneros escrito donde ciertas formalidades requerir. Por lo tanto, proponemos una búsqueda que da como resultado un material didáctico que sirva de apoyo a los profesores y estudiantes cuando se hace necesario el planteamiento de las reglas gramaticales. Por lo tanto, se presenta una justificación, que tiene por objeto autorizar a esta investigación, al lado de mi carrera profesional. Además, nos basamos razón por la enseñanza de la lengua es significativa, y se revisan los conceptos del lenguaje, el lenguaje, el habla y el texto. A continuación se discuten algunos conceptos y definiciones del término gramática, más específicamente en las metodologías de las gramáticas de portugués. A continuación, pasamos a la discusión de los conceptos relacionados con el género - textual y discursiva - que guían nuestra investigación, con la perspectiva basada en los números de control (Parámetros Curriculares Nacionales). Siguiendo este camino, casi esencialmente teórico, se presentan los pasos para la construcción de nuestros materiales de enseñanza, tales como la sugerencia de los textos para el análisis y la forma en que se propone el enfoque de las reglas gramaticales, en un enfoque basado en la teoría de los géneros. Palabras clave: Gramática; géneros; enseñanza y el aprendizaje

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SUMÁRIO

1 EIS A QUESTÃO .............................................................................................. 14

1.1 ESTRUTURA DA TESE ................................................................................. 15

1.2 APRESENTANDO UMA JUSTIFICATIVA ...................................................... 17

1.3 NARRATIVA DE UMA TRAJETÓRIA ............................................................. 20

2 POR UM ENSINO SIGNIFICATIVO DE LÍNGUA PORTUGUESA .................... 23

2.1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES: LÍNGUA, LINGUAGEM, DISCURSO E

TEXTO .......................................................................................................... 28

2.2 SEGUNDAS CONSIDERAÇÕES: A TEORIA A SERVIÇO DA LÍNGUA ........ 30

3 GRAMÁTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS ........................... 33

4 GÊNEROS DISCURSIVOS: A VISÃO BAKHTINIANA .................................... 39

4.1 GENEROS DISCURSIVOS E GÊNEROS TEXTUAIS: ENSINO E

APRENDIZAGEM DE GRAMÁTICA .............................................................. 47

4.2 GÊNEROS: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DA LÍNGUA ..................... 52

4.3 GÊNERO NA PERSPECTIVA DOS PCNs: UMA BREVE ANÁLISE .............. 54

5 GRAMÁTICAS E METODOLOGIAS: UM OLHAR ........................................... 58

6 UMA PROPOSTA INSCRITA NA TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS .. 74

6.1 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA ................................................................ 74

6.2 GÊNEROS E ENSINO DA LÍNGUA ............................................................... 75

6.3 ENEM E SUAS PARTICULARIDADES .......................................................... 80

7 LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO: GESTAÇÃO DE UMA

PROPOSTA .................................................................................................. 83

8 UM FIM QUE NÃO SE ENCERRA ................................................................. 117

9 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 122

ANEXOS ............................................................................................................ 127

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1 EIS A QUESTÃO

Caros Colegas,

Ao cumprimentá-los, quero, logo de início, esclarecer o seguinte: há, sim,

uma subversão nesta pesquisa que ora desenvolvemos. Embora não seja aqui

uma “infração; violação ou não cumprimento de uma lei, ordem ou regulamento”,

conforme consta no dicionário Houaiss (2001), há o caráter de “perturbação,

insubordinação”, pois abrimos mão de um formato consagrado e amplamente

aceito, para propor uma tese que tem, em seu produto final, a proposta de um

material didático para o ensino da Língua Portuguesa nas três séries que

compõem o Ensino Médio, mais especificamente, uma proposta de abordagem

das normas gramaticais em aulas de Língua Portuguesa no Ensino Médio, tendo

como suporte a Teoria dos Gêneros Discursivos.

É importante frisar que nosso estudo final resultará em um material

didático, nada que se assemelhe a um livro de língua e literatura, como

tradicionalmente vem sendo ofertado pelo mercado editorial. Da mesma forma, na

proposta em questão, o texto não servirá como pretexto para que dele se retirem

palavras ou frases que exemplifiquem ou que sirvam para a classificação de

unidades da língua apenas. É preciso uma nova proposta que vá além das regras,

que facilite a interação nos mais variados eventos sociais, inclusive naqueles

onde um maior grau de formalidade se faz necessário.

Como professor de uma escola técnica federal, a cada ano que passa,

venho selecionando gramáticas e livros didáticos de diversas editoras, que são

ofertados aos alunos pelo governo federal, como recurso didático.

O grande problema é que, até hoje, a grande maioria desses materiais não

traz um modelo que proporcione ao aluno uma nova abordagem do ensino da

língua materna; ao contrário, há uma reprodução dos modelos tradicionais de

gramática (normativa), como demonstrarei ao longo desta pesquisa. O exemplo a

seguir foi retirado de uma gramática e não apresenta qualquer conexão com o

texto:

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São dois os gêneros dos substantivos: masculino e feminino. A oposição masculino/feminino se realiza normalmente mediante o uso de desinências (-a, -esa, -essa, etc). Ex.: aluno/aluna, barão/baronesa, visconde/viscondessa. (SACONNI, 1994: 141)

Essa metodologia que apenas descreve o uso faz com que professores e

alunos não se sintam motivados a estudarem a língua, ao se depararem com uma

didática que ainda insiste em fazer com que as regras da língua sejam o enfoque

do processo de ensino. Mais que isso, que as regras tenham um fim em si

mesmas. Quando há textos, esses não contemplam a teoria dos Gêneros

Discursivos, servem apenas como um mote para que dali sejam retirados

exemplos e propostas de exercícios, principalmente os de leitura e compreensão,

que, muitas vezes, nem precisam que o aluno volte ao texto, pois a resposta é

evidente. Assim, esses exercícios e testes não promovem uma reflexão sobre a

língua e não motivam o aluno a aprendê-la.

Em muitos momentos deste trabalho, as afirmações aqui contidas,

principalmente as de rotina de sala de aula, vêm da minha experiência como

professor atuante nos diversos níveis de ensino.

Assim, essa “subversão” pretendida pela pesquisa que apresentamos tem

um tema específico: a sistematização de um material didático baseado na teoria

dos Gêneros discursivos (Bakhtin) que tenha como objetivo central proporcionar a

alunos e professores um material de apoio efetivo e motivador para o ensino da

Língua Portuguesa no Ensino Médio. Esse material poderá ser capaz de abordar

a Teoria dos Gêneros Discursivos e, a partir do próprio gênero, levar a refletir

sobre aspectos da norma culta sempre que isso sirva de apoio para a

compreensão do próprio gênero, e não como pretexto para ensinar normas

gramaticais.

1.1 ESTRUTURA DA TESE

Após essa apresentação inicial, e ainda situando nosso trabalho, no

capítulo 1, de forma resumida, apresentamos a justificativa do porquê buscar a

criação de um material que nos auxilie nas aulas de língua portuguesa, quando a

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abordagem dos conteúdos de caráter gramatical se fizer necessária e ainda uma

breve trajetória de minha atuação profissional que visa comprovar a experiência e

os motivos pelos quais busco a realização deste estudo e sua materialização na

forma do material que ora propomos.

Em Por um ensino significativo de Língua Portuguesa, capítulo 2,

demonstraremos que ainda persistem metodologias que insistem no ensino das

regras gramaticais fechadas, decoradas e sem conexão alguma com o texto.

Essas metodologias se encontram tanto em livros didáticos como em gramáticas

pedagógicas que circulam abundantemente no mercado editorial e acabam

servindo de exemplo a muitos professores. Nesse mesmo capítulo, apresentamos

os Objetivos Gerais e o Específico e abordaremos conceitos que definem os

termos língua, linguagem, discurso e texto. Também, mostraremos como a teoria

pode servir ao ensino da língua, numa abordagem que contempla os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs).

No capítulo 3, Gramática: conceitos e definições, propomos uma breve

análise das gramáticas metodológicas da Língua Portuguesa, como a gramática

normativa, gramática descritiva, gramática reflexiva, entre outras, a fim de nortear

o leitor, já que o termo gramática, em si, remete a diferentes concepções e

precisa ser definido.

No capítulo seguinte, Gêneros discursivos: a visão backthiniana, traremos

os principais conceitos da obra Estética da Criação Verbal, de Mikhail Bakhthin,

com a intenção explícita de destacar que as atividades humanas, em suas mais

diferentes manifestações, relacionam-se intrinsecamente com o uso da

linguagem. Assim, conceitos de gêneros, discurso, estilo, dialogismo, etc,

permearão este capítulo; ademais, apresentaremos uma breve reflexão sobre

Gêneros na perspectiva dos PCNs.

O capítulo 5, Gramáticas e metodologias: um olhar traz uma análise de

algumas gramáticas que circulam no mercado editorial a fim de verificarmos a

metodologia empregada. Para tanto, escolhemos uma gramática lançada com

data anterior à publicação dos PCNs e as outras com data posterior à sua

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publicação. Assim poderemos comprovar se houve significativas diferenças de

abordagem no ensino da língua materna ou não.

No capítulo Uma abordagem inscrita na Teoria dos Gêneros Discursivos:

uma proposta, detalharemos o processo de construção do material prático de

abordagem das normas gramaticais voltado ao ensino médio, a partir de nossa

experiência como professor, alicerçada na Teoria dos Gêneros Discursivos.

Em A Língua Portuguesa no Ensino Médio: gestação de uma proposta,

teremos aquilo que esta pesquisa efetivamente busca: uma abordagem das

normas gramaticais, baseada na Teoria dos Gêneros discursivo, advinda,

sobretudo, dos estudos de Mikhail Bakhtin. É o espaço reservado a algumas

exemplificações/demonstrações de como o professor poderá abordar aspectos

gramaticais, de maneira que sejam fundamentais à compreensão e à produção de

textos do gênero em estudo. Essa abordagem deverá servir de subsídio, tanto

para alunos como para professores de Ensino Médio.

Finalmente, no capítulo que encerra por ora nossa pesquisa, algumas

considerações a respeito do trabalho e dos próximos passos a serem dados em

busca do material idealizado.

1.2 APRESENTANDO UMA JUSTIFICATIVA

O ensino da gramática da Língua Portuguesa (fonologia, morfologia e

sintaxe), em sala de aula, há muito vem sendo debatido por professores que

precisam encontrar métodos de ensino que contemplem orientações que provêm

de novas abordagens linguísticas. Embora haja uma profusão desses novos

estudos, principalmente os advindos da teoria de Mikhail Bakhtin, há, ainda, uma

lacuna no meio acadêmico, já que nem sempre o diálogo entre a academia e os

professores da Educação Básica se faz possível.

Sem sombra de dúvidas, os estudos realizados em linguística vêm

contribuindo sobremaneira com o desenvolvimento do ensino da língua materna,

uma vez que propõem novas formas de estudá-la. Embora não seja regra ainda,

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começamos a perceber uma integração mais harmônica entre os tópicos leitura,

produção de texto e análise linguística. Conforme Albuquerque (2006:11),

A década de 80 assistiu a um amplo desenvolvimento de pesquisas na área de Língua Portuguesa. Pesquisadores de diferentes campos – Psicologia, História, Sociologia, Pedagogia, Linguística, etc. – tomaram como temática e objeto de estudo a leitura e a escrita buscando redefini-las.

Entretanto, a grande questão que se coloca, frequentemente, em debate, é

a seguinte: tem-se que ensinar gramática nas aulas de Língua Portuguesa? Como

todo debate, a questão em voga se mostra polêmica, pois sabemos que não há

como negligenciar os aspectos formais da língua (ligados à fonologia, à

morfologia, à sintaxe e à semântica), haja vista a necessidade da produção de

textos escritos, como as tradicionais dissertações, normalmente exigidas em

concursos públicos como o vestibular, por exemplo. Por outro lado, apenas o

domínio de regras gramaticais, baseado em classificações de categorias, funções

e nomenclaturas não é o bastante, já que a linguagem, da forma como se

manifesta, requer habilidades de uso da língua em diferentes situações por parte

do usuário.

Para Neves (2003: 79),

Uma questão que tem incomodado a todos que trabalham com língua e linguagem nos diversos graus de ensino – especialmente no Ensino Fundamental e no Médio – é o tratamento da gramática na escola, e, no fundo, a concepção que a sociedade tem dessa disciplina.

Assim, o dia a dia, em sala de aula, mostra-se conflitante para o professor,

justamente pela questão que já foi colocada e que suscita outras dúvidas: como

ensinar a gramática, por que ensinar a gramática, quando ensinar a gramática,

onde ensinar a gramática? Fora essas questões que se colocam frequentemente,

há que considerarmos a resistência dos alunos quando são propostas aulas que

não contemplam, por exemplo, o uso de regras e estratégias (metodologia muito

empregada em sala de aula, os tradicionais “macetes”: Quem vai a e volta da

crase há. Quem vai a e volta de, crase pra quê?)

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Outro fator que nos leva à reflexão e que temos que considerar é o fato de

que, ao ingressar no Ensino Médio, os alunos chegam à nova escola (a maioria

das escolas da região oferece apenas um dos níveis escolares, ou seja, ou a

escola oferece o ensino fundamental ou oferece o ensino médio) provenientes de

diferentes espaços sociais e culturais e isso requer muita habilidade por parte do

professor. Assim, enquanto alguns já demonstram maior habilidade no emprego

formal da língua, outros precisam da ajuda do professor para qualificar o seu

texto, oral ou escrito.

Ao abordar aspectos relacionados à pontuação, por exemplo, em algum

momento o professor poderá alertar o aluno: “Não se usa vírgula entre o sujeito e

o predicado”. Mas para a compreensão da regra, o aluno precisa saber identificar

sujeito e predicado. Dessa forma, não há como desprezar o ensino das

convenções de que dispõe a gramática normativa. Levando em consideração

esse contexto e na tentativa de produzir e concretizar um estudo de caráter

diferenciado, propomos uma tese que não segue a estrutura consagrada na

academia. Entretanto, valemo-nos da voz de consagrados teóricos, como o

excerto que extraímos de Neves (2003: 128):

Não vou entrar aqui nessa questão da norma, a não ser para repetir que a escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com a adequação social do produto linguístico de seus alunos, isto é, ela tem que garantir que seus alunos entendam que têm de adequar registros, e ela tem que garantir que eles tenham condições de mover-se nos diferentes padrões de tensão ou de frouxidão, em conformidade com as situações de produção. Isso é obrigação da escola, que a escola antiga valorizou tanto – no que respeita à norma-padrão – a ponto de por isso ela ser estigmatizada, e que, em nome da própria Linguística, a escola de hoje negligencia.

Dessa forma, segundo Neves (2003), trabalhar com as normas gramaticais

em sala de aula parece necessário, pois são elas que contribuem para o uso da

língua escrita em situações mais formais. Entretanto, a forma como abordá-las é

que se mostra, neste momento, como nosso principal desafio. Para situar esta

pesquisa nos estudos propostos por pesquisadores acadêmicos, digitamos as

palavras gramática, ensino e gêneros no portal de pesquisa da CAPES e nos

foram oferecidas 30 ocorrências. Entre essas ocorrências, encontramos 10 teses,

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19 artigos e um livro. Nas teses consultadas, várias delas se propõem à análise

de gênero, como em Crônicas humorístico-opinativas de José Simão: a análise

linguística na leitura3 ou em Gêneros da mídia impressa em livros didáticos do 3º

e 4º ciclos do Ensino Fundamental4. Entretanto, o que observamos é que essas

pesquisas acabam por eleger um determinado gênero e concentram nele seu

maior interesse. Não encontramos, pela consulta realizada, nenhuma tese que se

assemelhe ao estudo que ora propomos.

1.3 NARRATIVA DE UMA TRAJETÓRIA

Como professor de Língua Portuguesa, atuo em sala de aula há mais de 20

anos. Na maior parte desse tempo, fui um professor5 que trabalhou quase que

exclusivamente com a gramática normativa, reproduzindo, por anos, as regras e

normas de nossa gramática. Essa prática deveu-se fundamentalmente ao fato de

os concursos, em destaque os de vestibulares, conterem questões que testavam

o conhecimento do candidato em relação a conteúdos específicos como o uso

dos porquês, ortografia, acentuação gráfica, pontuação, flexão verbal,

concordâncias verbal e nominal, entre outros.

Questão 226

Em um ratinho que sonha em se tornar um grande chef (l. 1), o segmento sublinhado tem a mesma classe gramatical do sublinhado em:

a) Vimos que o ratinho queria ser um grande chef.

b) A verdade é que o ratinho desejava o impossível.

c) O ratinho não comia qualquer coisa que encontrasse pela frente.

d) Linguini, o rapaz, precisa fingir que sabe cozinhar.

e) É possível que o ratinho realize seu sonho.

3 Autoria: Maria Virginia Brevilheri Benassi, Universidade Estadual de Londrina, 2008. 4 Autoria: Luzia Bueno, Universidade Estadual de Campinas, 2002. 5 Pelo convívio diário com outros professores de LP durante esses anos, posso afirmar que esses também preparavam suas aulas no ensino de transmissão das regras da gramática normativa. 6 Disponível em: http://www.coperves.ufsm.br/provas/VESTIBULAR_2010_II_UFSM.pdf. Acesso em 03 de abril de 2015.

Figura 1: Exemplo de questão de vestibular

Fonte: Site COPERVES, UFSM

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Desse modo, aquele aluno que melhor “memorizasse” essas regras, mais

êxito lograva nas avaliações, pois “dominar a língua” passava por melhor aplicar

as regras prescritas na gramática normativa. Talvez por isso, essa ênfase a um

ensino de língua baseado em normas, sem uma contextualização necessária,

sem destaque à leitura e à produção de textos tenha sido uma das causas do

pouco interesse que se observa hoje em dia por aulas de Língua Portuguesa.

Assim que me formei em Letras Português/Inglês – UNIFRA, em Santa

Maria, RS, fui residir em Cuiabá, MT e logo a seguir já comecei a atuar como

professor em escolas pública e particular e em universidades.

O primeiro emprego foi através de um contrato de emergência, como

professor temporário em uma escola do Estado, em MT. Nessa escola, lecionei

Português, Inglês e Literatura tanto no ensino fundamental quanto no médio.

Lembro perfeitamente que não havia material didático e a pequena biblioteca

dispunha de três gramáticas e dois dicionários. O professor poderia sugerir um

livro para compra, mas os alunos não eram obrigados a adquiri-los, por ser uma

escola de periferia e os alunos, em sua maioria, serem de classe baixa. Assim

sendo, fornecia aos alunos folhas mimeografadas com algum material teórico ou

com exercícios.

Nessa escola, conheci uma colega que me indicou como professor em uma

escola particular em que ela trabalhava, para substituir, por um período

estabelecido, uma professora que saíra em licença maternidade. Fui contratado

para lecionar Português e Redação nas três séries do Ensino Médio. Como

cheguei com o ano letivo em andamento, os alunos já usavam um determinado

livro didático, embora a antiga professora o usasse apenas na hora de os alunos

resolverem os exercícios.

Essa escola – Instituto Cuiabano de Educação – pertencia a um grupo

educacional que também contava com duas universidades. Assim, mesmo sem

especialização (estava cursando uma, Semiótica da Cultura, na UFMT) fui

convidado a lecionar a disciplina de Língua Portuguesa no curso de Jornalismo.

Neste ínterim, fui chamado em mais uma faculdade na qual havia deixado um

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currículo (Faculdade Cândido Rondon) e passei a trabalhar no curso de

Publicidade e Propaganda, com a disciplina Redação e Expressão Oral I, II e III.

Assim, neste primeiro ano de minha vida profissional, tive o privilégio de me

inserir no mercado de trabalho nos mais variados níveis educacionais. Mantive

todos esses empregos por dois anos, até que voltei a residir no sul.

Já em Santa Maria, meu primeiro emprego foi em um curso pré-vestibular

onde trabalhei com a disciplina de Português e, pela primeira vez, tive a

oportunidade de eu mesmo produzir um material didático. Foram cinco apostilas

que contemplavam todos os aspectos gramaticais que constavam na relação de

conteúdos cobrados pela Universidade Federal de Santa Maria, em seu

vestibular.

Dessa época em diante, foram diversos cursos preparatórios em que atuei

como professor de Português e, em muito deles, tive a oportunidade de preparar

o material didático e isso fazia toda a diferença, pois agradava muito aos alunos,

justamente por terem à disposição um material feito exclusivamente para aquele

fim.

Antes do meu ingresso como professor no Colégio Técnico Industrial de

Santa Maria da UFSM, trabalhei como professor de Português em duas escolas

particulares (Colégio Riachuelo e Colégio Objetivo) no ensino médio, na

Universidade Luterana do Brasil (nos cursos de Publicidade e Propaganda e

Jornalismo, campus Cachoeira do Sul) e fui proprietário e professor de um curso

de pré-vestibular.

Nesse ínterim, concluí a especialização que fiz na Universidade Federal do

Mato Grosso, iniciei e concluí uma segunda especialização em Língua

Portuguesa e Literatura Brasileira (UNIFRA) e um mestrado em Linguística na

UFSM.

Finalmente, ingressei, via concurso público, no CTISM (Colégio Técnico

Industrial da Universidade Federal de Santa Maria), onde trabalho com a

disciplina de Língua Portuguesa nas 3 séries do Ensino Médio. Esse trabalho

diário com a Língua Portuguesa é que me faz buscar, incessantemente, um

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material que seja satisfatório do ponto de vista didático, um material que não seja

a reprodução de métodos que se repetem há anos e que já demonstraram ser

ineficazes, haja vista o desinteresse dos alunos que se observa hoje quando o

tema é o ensino da língua materna.

2 POR UM ENSINO SIGNIFICATIVO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Já se tornou quase um consenso, entre os professores de Língua

Portuguesa, que o texto constitutivo de diferentes gêneros é a unidade que deve

ser explorada para o ensino, já que não mais se admite um ensino

descontextualizado da língua. Porém, trabalhar com textos em sala de aula

requer, acima de tudo, tempo. Somente a leitura de um texto, a compreensão,

interpretação e discussão de ideias ocupam, no mínimo, um período de aula. Por

outro lado, há um conteúdo gramatical a ser lecionado em cada série, visando ao

uso da língua escrita em determinadas situações mais formais. Assim, o

problema que se coloca é o seguinte: De que forma trabalhar o texto na

perspectiva dos gêneros discursivos de maneira eficiente e que contemple, ao

mesmo tempo, o ensino das normas gramaticais?

Embora saibamos que, no exercício da língua, não cabem atividades

descontextualizadas, boa parte dos professores segue ensinando normas

gramaticais, sem que façam sentido no uso da língua, que se concretiza em

textos orais e escritos. Isso faz com que não tenhamos bons leitores, nem

tampouco bons escritores. Tal prática pode ser demonstrada com o exemplo que

segue, retirado de uma gramática (SACCONI: 2014, p. 141 e 149) ainda ofertada

pelo mercado editorial e amplamente usada para a abordagem dos aspectos

gramaticais:

Gênero dos Substantivos

São dois os gêneros dos substantivos: masculino e feminino. A oposição masculino/feminino se realiza normalmente mediante o uso de desinências (-a, -esa, -essa, etc.) Ex.: aluno/aluna, barão/baronesa, visconde/viscondessa. Sempre que há essa desinência, há feminino, ou seja, há flexão de gênero. Se a oposição se realiza com palavras de radicais diferentes, não há flexão, há somente heteronímia. Ex.: homem/mulher, genro/nora.

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Exercícios: Faça a distinção de sexo, usando o meio de que a língua dispõe: a) a pulga, b) o pernilongo, c) o sapo, d) o mártir, e) o fã

Como podemos observar, essa metodologia ainda é recorrente. Muitos

professores baseiam seus planos de ensino no uso de normas “fechadas” e

exercícios descontextualizados, como se a distinção de gênero de “pernilongo”

pudesse ter sentido, por exemplo, fora do contexto de uso, fora da interação entre

sujeitos.

Assim, podemos usar, a fim de ilustração que vem ao encontro do que

temos afirmado, o que nos diz Rojo (2012), quando constata que o professor que

já aborda a língua usando essa nova concepção, a dos gêneros discursivos,

enfrenta um dilema ao ensinar, pois não aprendeu como deve ser seu trabalho: “A

questão não está resolvida nem na escola nem na academia. A análise linguística

ficou restrita às características gerais de cada gênero, mas isso não basta, é

preciso chegar às unidades menores.” (revistaescola.brasil.com.br)

Machado (1998: 125) diz que "a falta de construção de conhecimento

científico sobre inúmeros gêneros que se pretendem ensinar na escola pode fazer

com que seu ensino fique submetido ao senso comum e à ideologia". Assim,

reconhecer que ainda se buscam melhores estratégias para o trabalho com

diferentes tipos de textos em sala de aula é o que move este projeto.

Em suas considerações sobre o assunto, Gregolin (1993) é enfática ao

associar a dificuldade dos alunos em interpretar e produzir textos com as próprias

dificuldades que os professores têm em trabalhar com esses textos. Isso talvez

seja a causa de o professor não propiciar a diversidade textual a seus alunos, já

que ele elege apenas aqueles textos com os quais tem maior “familiaridade”. Em

consequência, os alunos não desenvolvem as habilidades necessárias à vivência

das diversas situações comunicativas.

Quiçá, isso se dê porque o professor, muitas vezes por uma questão de

tempo, prefira abordar os textos que são exemplificados nos livros didáticos com

os quais trabalha há tempo. Isso faz com que ele abra mão de outros exemplos

que, com certeza, enriqueceriam o repertório dos alunos.

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Linguistas e estudiosos da nossa língua materna lecionam que, ao

aumentar o nível de escolaridade, o falante vai adquirindo destreza no trato que

tem com a língua, já que é capaz de perceber suas variantes e o momento mais

adequado de usá-las. Contudo, essa mesma eficiência não é observada na

produção do texto escrito, justamente devido à metodologia que muitos

professores ainda insistem em utilizar.

Consoante Possenti (2007: 54), “[...] não há sentido ensinar nomenclaturas

a quem não chegou a dominar habilidades de utilização corrente e não traumática

da língua escrita. Isso não significa que a escola não refletirá sobre a língua,

mesmo porque esta é uma das atividades usuais e não há razão para reprimi-la.”

Os próprios PCNs explicam que

Uma prática que parte da reflexão produzida pelos alunos mediante a utilização de uma terminologia simples e se aproxima, progressivamente, pela mediação do professor, do conhecimento gramatical produzido. Isso implica chegar a resultados diferentes da gramática tradicional, o que coloca a necessidade de busca de apoio em outros materiais e fontes (BRASIL, 1998, p. 29).

Ou seja, a questão não é abolir o ensino da gramática na escola, mas fazê-

lo sob uma nova perspectiva, haja vista os novos estudos que contemplam novas

abordagens, como a Teoria dos Gêneros Discursivos.

Assim, concordamos com a fala de Possenti (2007) de que o conteúdo da

gramática não deve ser ignorado, e sim servir como subsídio para o estudo e

produção do texto de diferentes gêneros. Entretanto, esse conteúdo deverá ser

selecionado em função do gênero a ser trabalhado e das necessidades que se

revelam na produção do texto e não ao contrário como hoje ainda ocorre. Os

conteúdos gramaticais são significativos, uma vez que estão vinculados às

situações de práticas sociais e devem ser pensados nesses contextos. As regras

gramaticais não devem ser simplesmente memorizadas, mas analisadas dentro

de cada cenário.

Segundo Dantas (2011), de forma intuitiva o aluno já utiliza regras

gramaticais quando combina palavras para produzir textos, ele já tem um saber

linguístico, uma gramática internalizada. Desse modo, o professor de Língua

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Portuguesa precisa, então, explorar esse conhecimento já existente nos alunos,

ampliando-o gradativamente, principalmente na produção do texto escrito, aquele

que mais frequentemente apresenta desvios em relação às regras previstas na

gramática normativa.

Sem querer parecer repetitivo, é fundamental, para justificar a presente

pesquisa, comprovar que ainda há sim um grande uso da gramática normativa em

sala de aula. Para Bezerra (2010: 39), “tradicionalmente, o ensino de Língua

Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da Gramática Normativa, em sua

perspectiva prescritiva (quando se impõe um conjunto de regras a ser seguido)”.

Assim, podemos perceber que o ensino da língua materna é pautado, ainda hoje,

por muitos professores, pela primazia da variante culta da língua, da classificação

de unidades fonológicas, morfológicas e sintáticas e a partir de frases isoladas e

descontextualizadas.

Neste sentido, Travaglia (2003: 101) esclarece que

O ensino da gramática em nossas escolas tem sido primordialmente prescritivo, apegando-se a regras de caráter normativo que, como vimos, são estabelecidas de acordo com a tradição literária clássica, da qual é retirada a maioria dos exemplos. Tais regras e exemplos são repetidos anos a fio como formas corretas e boas a serem imitadas na expressão do pensamento.

Para o autor, não há uma nova metodologia que não seja o ensino puro da

gramática e que tem, como agravante, a falta de criatividade: os livros se valem

sempre dos mesmos exemplos (quem nunca se deparou com a frase “Alugam-se

apartamentos” quando o assunto é concordância verbal?).

Pelo exposto, concordamos com Motta-Roth (2006:501), de que ensinar

linguagem passa a ser mais do que ensinar as estruturas da língua, pois consiste

em levar o aluno a desenvolver competências analíticas dos contextos de uso da

linguagem de modo a se tornar capaz de analisar discursos. Os contextos, como

situações recorrentes na sociedade, são constituídos na linguagem e pela

linguagem e se estruturam como partes da cultura. Como construtos

intersubjetivos da coletividade, os contextos são reconhecidos como tais pelos

que participam do grupo social.

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Assim, de acordo com o que foi discutido e apresentado até o presente

momento, a proposta de um material didático que se apoie na teoria dos gêneros

discursivos nos parece fundamental e tem os seguintes objetivos:

Objetivo Geral

Apresentar uma proposta de ensino de Língua inscrita na teoria dos

Gêneros Discursivos.

Objetivos Específicos

1) Analisar as principais gramáticas metodológicas que circulam no

mercado editorial;

2) Fornecer subsídios teóricos e práticos que possam instigar o

professor a criar seus próprios materiais;

3) Divulgar a teoria bakhtiniana, sobretudo os estudos de gêneros

discursivos, entre alunos do ensino médio, como forma de reflexão

sobre a língua.

Como pressuposto, temos que cada um de nós traz uma espécie

de internalização dos gêneros de que precisamos para nos comunicar em

sociedade. Mas, para isso, é necessário que sejamos expostos a uma diversidade

de gêneros por meio da leitura e da reflexão sobre esses gêneros. Por fim,

propomos este estudo que integra gramática com princípios da teoria dos gêneros

discursivos, por acreditarmos na contribuição que essa nova maneira de abordar

o ensino da língua Portuguesa trará a alunos e professores.

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2.1 PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES: LÍNGUA, LINGUAGEM, DISCURSO E

TEXTO

Antes de discorrermos sobre os gêneros do discurso7, propriamente ditos,

apresentaremos alguns conceitos fundamentais, embora de forma breve,

relacionados à língua, linguagem, discurso e texto, que são conceitos fundantes

do tema desta tese.

Saussure, considerado o precursor da Linguística moderna, foi quem

melhor delimitou, pela primeira vez, esse objeto que chamamos língua. Os

fundamentos para o estudo da língua podem ser encontrados no Curso de

Linguística Geral8. Nele, aparece com clareza a distinção entre língua e fala9,

sendo a primeira considerada de caráter social e a segunda de uso individual. A

partir dessas considerações, Saussure (2002: 17) elege a língua como seu objeto

de estudo, distinguindo-a da linguagem:

(...) a língua não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe inferir sua unidade.

Se a linguagem facilita ao homem a expressão humana e sua atuação em

sociedade, com certeza ela pertence a um universo maior, já que um simples

olhar pode enviar uma mensagem comunicativa. O autor a vê como um todo

heteróclito e multifacetado, que se apresenta de forma heterogênea, enquanto a

língua tem natureza homogênea, pois “constitui-se num sistema de signos onde,

7 Em alguns momentos de nossa pesquisa, também nos valeremos da denominação “gêneros textuais, defendida por Marcuschi, por exemplo”. 8 O Curso de linguística Geral não foi um livro escrito por Saussure, trata-se de uma obra editada após sua morte por Charles Bally e Albert Sechehaye, com base em anotações feitas por alunos ao longo de cursos oferecidos pelo linguista na Universidade de Genebra. 7 Langue e parole

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de essencial, só existe a união de sentido e da imagem acústica, e onde as duas

partes do signo são igualmente psíquicas.” (SAUSSURE: 2002, 23)

Por outro lado, ao usarmos a palavra discurso, estamos nos referindo a um

termo muito usado em estudos linguísticos, principalmente a partir da década de

80. São estudos advindos de várias abordagens enunciativas, os quais postulam

que discurso transcende a estrutura frasal, pois o que se comunica está muito

além de uma sucessão de palavras ou frases. O termo “discurso” está

reiteradamente presente em Escritos de Linguística Geral (SAUSURE, 2002) e

tem o sentido de língua em uso. Neles, Saussure (p.237) diz que “língua só é

criada em função do discurso”.

Para definirmos o termo texto, encontramos em Kock & Travaglia (2006: 8)

o que segue:

uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão.

Cada texto varia de uma situação comunicativa a outra, e não há um

sentido único pré-determinado, já que cada indivíduo atribuirá sentido diferente ao

texto em alguma medida, embora haja uma materialidade linguística que deve ser

levada em consideração. Assim, cada palavra vai assumindo valores diferentes

em contextos diferentes, embora não possamos ignorar um sentido básico dado

pela língua. Caso contrário, não haveria interação locutor/interlocutor, nem

possibilidade de compreensão. Mesmo assim, há, nos textos, um espaço para a

interpretação individual.

Em Koch (1997: 22), encontramos para texto a seguinte definição:

Manifestação verbal de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.

Para a autora, o texto pode ser concebido como um dos resultados de

nossas atividades de comunicação, e dá através de processos, operações e

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estratégias que têm lugar em nossa mente, os quais são colocados em ação em

situações reais de interação social. Assim, defende a posição de que

a) a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e, portanto,inserida em contextos mais complexos de atividade;

b) trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização de objetivos; isto é, de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário, através da manifestação verbal;

c) é uma atividade interacional, orientada para os parceiros de comunicação, que, de diversas maneiras,se acham envolvidos na atividade do produtor do texto. (KOCK, 1997: 22)

Dessa forma, Koch (2007) propõe que textos são resultados da atividade

verbal, protagonizados por indivíduos que têm uma atuação social e que, com

ações coordenadas, almejam alcançar um fim social, conforme as condições em

que se realiza a atividade verbal. O texto vai se construindo, à medida que não se

encerra em si mesmo, está sempre em construção e nunca se mostra como um

produto acabado, ao contrário, pela prática social, vai-se construindo a cada uso.

2.2 SEGUNDAS CONSIDERAÇÕES: A TEORIA A SERVIÇO DA LÍNGUA

Numa tentativa concreta de propor novos rumos ao ensino da língua

materna, em 1997, são criados os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais)

formulados por educadores ligados ao Ministério da Educação e Cultura – MEC.

Neles, encontramos as diretrizes que devem reger o ensino da Língua

Portuguesa. Nessa “nova” forma de orientação, temos a leitura e a produção de

texto, tanto orais como escritos, descritos como práticas discursivas que visam ao

desenvolvimento das habilidades essenciais em uma cultura letrada.

Claro fica que os PCNs trazem uma crítica ao modelo de ensino que foca

atividades de leitura e de escrita sem considerar o sujeito em suas práticas

sociais, em dados momentos, lugares e contextos de suas atividades humanas.

Ao contrário, o documento privilegia situações que ampliem o horizonte

comunicativo do aluno:

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[...] no processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania. (BRASIL, PCN-EF, 1997, p. 32).

De acordo com Bakhtin, pressuposto nos PCNs, utilizamos a língua, em

determinadas situações comunicativas e produzimos nossos discursos em

determinadas condições e contextos históricos. Com o surgimento de novas

teorias, sobretudo as relacionadas aos conceitos formulados por Mikhail Bakhtin,

que tratam dos gêneros discursivos10, há um avanço considerável se levarmos em

consideração que não somente a língua, mas a fala passa a ser um objeto de

estudo11.

Se a linguagem é condição sine qua non para o entendimento humano e

social, podemos observá-la em suas diferentes manifestações, como na

oralidade, nos gestos, nos sinais, na escrita, nos sons, etc. Todas essas

modalidades, segundo Bakhtin (2000), estão presentes e se dão nas muitas

esferas das atividades humanas.

Desse modo, se o ensino de Língua Portuguesa objetiva ampliar as

perspectivas em relação ao uso da linguagem, os conceitos por ora apresentados

são fundamentais para a efetivação da material que buscamos. Mesmo assim, é

preciso considerar que a relação entre teoria e prática no que se refere ao ensino

da língua materna ainda precisa avançar, pois o que é desenvolvido na

universidade, principalmente em grupos de pesquisas e de estudos (normalmente

compostos por professores doutores e alunos de pós-graduação), dificilmente

chega aos professores da educação fundamental e do ensino médio.

A academia tem produzido muita teoria, mas poucas práticas. Embora

acompanhemos o surgimento de novas teorias metodológicas, poucas delas, ou

10 ou gêneros textuais, segundo Marcuschi, por exemplo. Vários autores, em suas obras, não fazem tal distinção e o sintagma “gêneros do discurso” ou “gêneros discursivos” vem sendo usado por aqueles que seguem os conceitos bakhtinianos. 11 Saussure estudou língua e, nesse estudo, reconheceu o papel fundamental da fala.

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quase nenhuma, têm suas aplicações em sala de aula. Segundo Neide Luiza

Resenda (2009),

Nos últimos 30 anos, houve mudanças radicais no programa curricular com relação à gramática. Antes o ensino de Língua Portuguesa se restringia exclusivamente aos pontos gramaticais. Hoje, a gramática é apenas um dos aspectos do ensino. Porém, muitos professores têm dificuldade de trabalhar com isso, pois o estudo da gramática como estrutura ficou muito forte. Antes, a leitura era o meio pelo qual se adquiria informação e conhecimento. Hoje a informação está estilhaçada entre os diversos meios de comunicação. A criança só tem oportunidade de ler e escrever na escola. Daí a necessidade do professor saber utilizar novos métodos, para não trabalhar só com a gramática. (http://www.usp.br)

Para a autora, as pesquisas e teorias metodológicas têm chegado até os

professores através de cursos que promovem a reciclagem, através dos livros

didáticos e de teoria e através dos parâmetros curriculares. Entretanto, chegam

de modo residual, sem uma unidade ou caminho.

Recentes pesquisas (2015) que materializam desempenhos de alunos à

frente de determinadas disciplinas, evidenciam que o desempenho na disciplina

de Português de estudantes do Ensino Médio tem sido pior que há 20 anos,

segundos dados divulgados pelo próprio MEC. Os números disponibilizados são

do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e são calculados a cada 2

anos.

Se em 2015 a nota atribuída em Língua Portuguesa foi de 267,06, é inferior

aos 268,57 obtidos em 2011 e dos 290 registrados em 1995. Isso faz com que as

médias de 2015 coloquem os alunos no nível 2 em uma escala de nota máxima 8.

Isso demonstra a dificuldade que os alunos apresentam em relação ao

aprendizado da Língua Portuguesa. Para Priscila Cruz (2016), presidenta

executiva do movimento Todos pela Educação, os números confirmam que não

houve uma ampla mobilização para mudar as bases do Ensino Médio:

O Ensino Médio é uma etapa muito mal desenhada, é desenhada para não dar certo. Os alunos tem 13 disciplinas para serem trabalhadas 4 horas de aula, que na realidade são 2 horas e meia. Há uma perda de eficiência em relação a políticas e investimentos e o resultado é esse. (http://agenciabrasil.ebc.com.br/)

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Os argumentos mostrados e demonstrados, até o presente momento, dão-

nos indícios de que o tema escolhido para nosso estudo é relevante. Propor

novas metodologias é de extrema importância para os novos rumos que,

obrigatoriamente, terá que tomar o ensino da língua materna.

3 GRAMÁTICA: ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS

Segundo Possenti (2004, p.63), “a noção de gramática é controvertida:

nem todos os que se dedicam ao estudo desse aspecto das línguas a definem da

mesma maneira.”. Com isso, percebemos que nem todos os que se empenham

no estudo da “norma” conseguem precisar um conceito de gramática. Possenti

(idem) define deste modo: “gramática é o conjunto de regras”.

Conforme Travaglia (2003), o termo gramática, em uma primeira

concepção pode ser entendido como uma espécie de manual, com regras para o

bom uso da língua, a fim de que possamos nos expressar de maneira adequada,

ou seja, um manual que contém as normas que conferem adequação aos usos da

língua. Nesse primeiro contexto, a variante imposta é aquela que é entendida

como padrão e todas as outras possibilidades de uso da língua são consideradas

desvios, erros, deformações. Por essa concepção, usar a forma padrão é um

modo de os cidadãos colaborarem para que não haja uma “deformação” da língua

de seu país.

A segunda concepção de gramática que nos coloca Travaglia é a chamada

gramática descritiva, que faz uma espécie de descrição do funcionamento da

língua, suas formas e funções. Essas seriam as regras usadas pelos falantes para

construir enunciados reais e o termo gramatical engloba, segundo Travaglia

(2003: 27), “tudo o que atende às regras de funcionamento da língua de acordo

com determinada variedade linguística.”

Uma terceira concepção de gramática seria aquela que considera a língua

como um conjunto de variedades das quais se utiliza a sociedade, em distintas

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situações de interação. Nessa acepção, o usuário da língua a usa de acordo com

aquilo que efetivamente aprendeu, ou seja, com aquilo que corresponde ao seu

saber linguístico, independente de escolarização. Neste caso, não existe um livro,

pois a língua seria um objeto de descrição. Assim, nesse contexto, não haveria

desvios linguísticos, “mas a inadequação da variedade linguística utilizada em

uma determinada situação de interação comunicativa”. (TRAVAGLIA, 2003: 29)

A fim de elucidar as várias concepções de gramática, podemos dividi-las

por tipos, embora nosso maior interesse seja pela gramática normativa, já que

esta ocupa, ainda, lugar de destaque no ensino da língua materna e é em

referência a ela que propomos este estudo. Segundo Travaglia (2003: 31), as

gramáticas podem ter a seguinte classificação:

Como já foi referido, o conceito de gramática normativa é mais conhecido e

difundido, justamente por ser essa gramática que se encontra na escola e que dá

base aos livros didáticos e manuais escolares:

A gramática normativa é o tipo de gramática a que mais se refere tradicionalmente na escola e, quase sempre, quando os professores falam em ensino de gramática, estão pensando apenas nesse tipo de gramática, por força da tradição ou por desconhecimento de existência dos outros tipos. (TRAVAGLIA, 2003: 32)

Quadro 1: Classificação das gramáticas segundo Travaglia (2003)

Fonte: síntese do autor

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Por muitos anos, acreditava-se que dominar as regras gramaticais era

suficiente para o estudo da língua. Com o advento da sociolinguística e das

teorias enunciativas e discursivas, entre outros estudos, percebeu-se que a

gramática normativa (tradicional), ao privilegiar a variedade culta, não dava conta

de explicar e estudar outras variedades. Para Neves (2003: 79), o termo

gramática vem marcado (negativamente) tanto pelos profissionais que da palavra

fazem uso, como pelos alunos, pais, enfim, por toda a comunidade linguística.

Além disso, é interessante abordar, para fundamentação desta pesquisa,

certos aspectos relacionados à língua materna que tem no Latim suas origens.

Como se sabe, o latim era a língua usada no antigo Império Romano. A classe

dominante (políticos, poetas, religiosos etc.) valia-se do latim clássico, enquanto

as pessoas de origem mais simples usavam a forma chamada “vulgar”. Dessa

forma menos prestigiada do idioma, surgem as línguas neolatinas, entre elas o

castelhano, o catalão e o galego-português, sendo que, desta última, originou-se

a Língua Portuguesa.

Observando a história das civilizações, percebemos que muitos impérios

tentavam impor, à força, através de guerras e invasões, seus costumes, sua

cultura e sua língua, prática comum ao Império Romano. Dessas tentativas de

domínio, surgem diversos dialetos advindos da mistura de nacionalidades numa

mesma região geográfica. Mesmo assim, o idioma falado pelos invasores da

península ibérica (germânicos e árabes) não chegou a estabelecer-se.

No século XI, momento em que o povo cristão consegue expulsar os

árabes da península, o galego-português passa a ser difundido por toda a

Lusitânia. Através dos séculos, com os avanços políticos, o português passou a

ser a língua oficial da nação lusitana e, devido às grandes navegações, à procura

de novas terras a serem conquistadas, a Língua Portuguesa expandiu-se pelo

mundo e hoje é usada em países da América, África e Oceania.

Segundo Batista (2004: 191), para que se possa fazer uma análise

sistemática dos assuntos relacionados à língua, é preciso colocá-la em uma

perspectiva histórica:

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Um dos componentes do estudo sobre as línguas e a linguagem é, sem dúvida, aquele que coloca a linguagem e seu tratamento, por diferentes autores, teorias e métodos, em perspectiva historiográfica. E, de fato, observa-se, nos estudos linguísticos nacionais, uma onda renovadora nesse sentido, manifestada principalmente a partir da década de 1990, com a publicação de uma série de artigos, livros, teses - trabalhos que colocaram em destaque a produção em Historiografia Linguística (HL) no Brasil.

Nesse sentido, como registro histórico, a Grammatica da lingoagem

portuguesa, de Fernão de Oliveira, data do século XVI e é tida como a primeira

gramática publicada em língua portuguesa. Conforme Oliveira (1981: 18), era

“uma primeira anotação da língua portuguesa”. Apenas quatro anos após, é

publicada, também em Lisboa, a Gramática da Língua Portuguesa, de João de

Barros, em 1540.

Para Matheus e Villalva (2006), com o Renascimento, foi desenvolvido um

estudo das línguas particulares, ou seja, o foco já não era dado aos aspectos

gerais que ultrapassavam as línguas individuais. Segundo os autores, é no final

da idade média e no início do Renascimento que observamos um incremento no

ensino da leitura e da escrita e, nesse período, surgem diversos modelos de

Cartinhas, ou Cartilhas para aprender a ler:

A partir do século XVI publicam-se várias Ortografias, das quais vale a pena destacar a Ortografia da Língua Portuguesa, de Duarte Nunes de Leão (1576). Entre os séculos XVI e XVIII, o ensino das línguas vernáculas ocupou um espaço progressivamente mais amplo. Em Portugal, de parte das gramáticas, das cartilhas e das ortografias, surgiram dicionários e vocabulários. Foi também no século XVIII, com o firme apoio do Marquês de Pombal, que floresceu e se impôs a importância da aprendizagem do Português nas escolas básicas. Luís António Verney inicia o seu Verdadeiro Método de Estudar para ser Útil à República e à Igreja, Proporcionado ao Estilo e Necessidade de Portugal (1746) pela afirmação de que é necessário aprender a gramática da língua materna como base e 'porta' para outros estudos. (MATHEUS & VILLALVA, 2006: 34)

Matheus e Villalva (2006) ainda esclarecem que os séculos XVII e XVIII

foram excepcionais em reflexões filosóficas sobre a linguagem humana, assim

como sobre as características universais das línguas. Em Portugal, temos como

exemplo a notável e conhecida Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, de

Jerônimo Soares Barbosa.

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Orlandi (1997), ao referir-se aos séculos XIX e XX, em relação à gramática,

esclarece que, nesses séculos, o que antes denominávamos de Língua

Portuguesa do Brasil passa a ser analisada, agora, como Língua Portuguesa no

Brasil. Assim, os autores de gramática no século XIX, no Brasil, assumem um

saber linguístico que não reflete simplesmente o saber gramatical. Para a autora,

nesse exato momento, o da irrupção da república, não basta ao brasileiro saber

sua língua, mas sim, do ponto de vista institucional, saber que ele sabe. Dessa

forma, ser autor de gramática no Brasil é dizer como é essa língua, é ser

responsável como intelectual e agir com autoridade em relação às

particularidades do português no Brasil.

Os primeiros gramáticos brasileiros, como Júlio Ribeiro, João Ribeiro,

Maximino Maciel, Lameira de Andrade, entre outros, ainda de acordo com Orlandi

(1997), ao mesmo tempo que trazem o gesto da autoria para si, participam da

construção do Estado Brasileiro, já que a autoria de uma gramática é parte

essencial dessa história. Para a autora, o sujeito que fala o português brasileiro é

bem distinto daquele que fala o português de Portugal. Dessa forma, passamos a

ter uma autoria legítima, temos uma língua e uma gramática, como podemos

observar no fragmento a seguir:

Com a Independência em 1822, o Estado brasileiro se estabelece e a questão da língua se evidencia. Um exemplo disso é o fato de que, em 1826, já se coloca em discussão, a partir de um projeto proposto no Parlamento, portanto a nível do poder constituído, de que os diplomas dos médicos devem ser redigidos em “linguagem brasileira”. Nos anos que se seguem, e com a vinda da Republica, tanto o Estado como a questão da língua brasileira se configura mais decididamente e o período de que acabamos de falar, o da emergência das gramáticas no século XIX, atesta o vigor dessa época e dessa relação: língua e Estado se conjugam em sua fundação. (ORLANDI, 1997)

No início de 1900, há uma mudança de cenário, pois o Brasil passa a

garantir a nossa diferença em relação a Portugal, momento em se inaugura a

Academia Brasileira de Letras, firmam-se os acordos ortográficos e criam-se

Faculdades. Assim,

(...) as gramáticas já não têm a função de dar forma aos difíceis limites da identidade brasileira, só o de mantê-los. Surgem então as inúmeras gramáticas, cujas diferenças já não referem à autoria de gramáticos em suas filiações, mas dizem respeito às diferenças descritivas e analíticas:

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filigrana de diferenças na análise da oração e de complementos, adjuntos x e y etc. Passa a haver uma profusão de gramáticas. (ORLANDI, 1997)

É claro que, nas últimas décadas, centenas de manuais didáticos surgiram,

atendendo às demandas de mercado. Entretanto, não encontramos uma

gramática adaptada às novas abordagens que a língua requer. O que vemos,

ainda hoje, são pesquisas, artigos e estudos sobre o tema – gêneros discursivos

(ou textuais) - em que há sugestões de abordagens, etc, mas não um material

completo, que possa ser usado durante todo o ano letivo das três séries que

compõem o Ensino Médio. Desse modo, hoje sentimos a necessidade de um

novo material didático, um material que contemple a teoria dos gêneros

discursivos, com o intuito primordial de servir como instrumento de apoio ao

ensino da língua materna.

Na verdade, esses novos materiais que encontramos no mercado editorial

e, consequentemente, nas escolas, ainda trazem um modelo didático que separa,

no estudo da língua, a produção do texto, os aspectos gramaticais e a literatura.

Tanto que a diagramação é bem específica ao mostrar o que é língua, o que é

literatura e o que é produção textual, como no exemplo a seguir, retirado do livro

Língua, Literatura e Produção de Textos, de José de Nicola, volume 3 (2006).

É justamente por esses motivos que buscaremos, com a pesquisa que ora

desenvolvemos, um material didático em que a teoria dos gêneros discursivos

seja o ponto referencial de partida para uma nova e fundamentada abordagem da

língua materna.

Figura 2: Separação dos conteúdos língua e literatura

Fonte: Nicola, 2006.

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4 GÊNEROS DISCURSIVOS: A VISÃO BAKHTINIANA

Principalmente com o advento dos PCNs (Parâmetros Curriculares

Nacionais), muito interesse tem despertado a questão dos gêneros, relacionado

aos fatores sociais da linguagem. Mikhail Bakhtin12, pensador russo, é tido como

um dos maiores pensadores da linguagem e suas ideias têm incentivado muitos

pesquisadores a formularem e divulgarem estudos relacionados à linguagem

humana.

No Brasil, principalmente a partir da década de 1980, os estudos de

Bakhtin começaram a ser mais divulgados e seus ensinamentos serviram de base

para novos rumos que, até hoje, pretendemos dar ao ensino da língua materna.

Dentre os vários conceitos do pensamento bakhitiniano, um nos interessa em

particular: os gêneros do discurso.

Em Estética da Criação Verbal (2000)13, Bakhtin nos brinda com a questão

dos gêneros do discurso, ao fazer perceber que todas as atividades humanas se

relacionam e se organizam com o uso da linguagem, tão variada como as

atividades humanas. Nesta obra, encontramos a fundamentação teórica principal

de nossa pesquisa, de onde nos valemos de conceitos como gêneros do discurso,

estilo e dialogismo.

Não há como negar que, hoje em dia, grande parte dos estudos da

linguagem são influenciados pelas teorias de Bakhtin (2000). O autor afirma que o

sentido de um texto não se estabelece apenas por suas características

propriamente linguísticas, mas especialmente por seu vínculo com as relações

extralinguísticas no âmbito dos fatores históricos, sociais, culturais e ideológicos.

Bakhtin enfatiza o caráter social da língua e tem, na fala, seu principal

objeto de estudo, uma vez que é esta que se encontra ligada às estruturas sociais

e à constituição ideológica do enunciado. Para o autor, a autêntica constituição da

língua se dá pela interação verbal que se manifesta na enunciação. Quando se

refere aos gêneros do discurso, ele tem como foco dar ênfase à sua dimensão

12 Quando nos referimos a ideias de Bakhtin, estamos, na verdade, abordando conceitos surgidos do “Círculo de Bakhtin”. 13 Dentre as obras do autor, é nessa que encontramos o fundamento de nosso estudo.

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dialógica, destacando o fenômeno perceptível que se dá no âmbito dos

interlocutores.

Se a comunicação é indispensável para vivermos em sociedade e

transitarmos pelos mais variados ambientes sociais, precisamos nos valer de

várias formas de manifestações linguísticas, sejam elas escritas, orais, gestuais,

etc. Para Bakhtin, o uso da língua está essencialmente ligado às inúmeras

esferas da atividade humana, as quais determinam a formação de determinados

tipos de enunciados. Conforme o autor (2000: 279), os gêneros discursivos são

caracterizados, basicamente, por três elementos, quais sejam, conteúdo temático,

estilo e construção composicional:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo de linguagem (...)

O elemento conteúdo temático se refere aos prováveis temas que podem

ser abordados em textos que pertencem a um determinado gênero, o qual atende

a uma demanda social, historicamente situada. Assim, o gênero está diretamente

ligado às suas condições de produção e ao objetivo do ato de comunicação,

exemplificando com gêneros do cotidiano: se o assunto (ou conteúdo temático)

são a composição e as instruções para tomarmos um remédio, acordou-se que o

gênero discursivo é o que chamamos de bula, (conforme exemplo a seguir). Da

mesma forma, como se o conteúdo temático são os ingredientes e instruções

(passo a passo) para fazer um bolo, convencionou-se chamar de receita culinária.

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Fonte: Portal do Professor/MEC14.

O segundo elemento citado por Bakhtin é a construção composicional, a

qual dá conta da estrutura ou da combinação interna de textos que pertencem a

determinado gêneros e, do mesmo modo como se dá com o conteúdo temático,

se forma historicamente nas relações sociais das quais se originam os gêneros.

Assim, apesar de haver particularidades em cada texto, existem regularidades na

forma, pois essa segue padrões definidos pela sociedade, ou seja, o enunciado

segue um padrão que é pré-estabelecido pelo gênero.

Finalmente, Bakhtin (2000: 283) cita o elemento estilo, o qual está

“indissoluvelmente ligado ao enunciado e às formas típicas de enunciado, isto é,

aos gêneros do discurso” e inclui os recursos linguístico-expressivos do gênero e

as marcas da enunciação daquele que produz o texto. O autor confere

individualidade ao enunciado e afirma que essa individualidade se apresenta em

maior ou menor medida já que depende das particularidades de cada gênero

discursivo. Para Bakhtin, os gêneros literários são os mais propícios para

refletirem essa individualidade, pois nesses gêneros o estilo individual faz parte

do empreendimento enunciativo como tal ao constituir uma das suas linhas

diretrizes. Assim, o estilo individual é delimitado pelo estilo do gênero, já que os

14 Disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=58183. Acesso em 03 de abril de 2015.

Figura 3: Exemplo de bula de remédio.

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gêneros são mais ou menos maleáveis, dependendo exclusivamente de suas

peculiaridades. Observemos:

Figura 4: Fragmento de Carta de Caio Fernando de Abreu

tramandaí 18.1.76

nei:

culpa na consciência. devia ter procurado você – para alegrar a mim mesmo. agitaçoes,

piraçoes, dançaçoes, a tecla do til e do acento circunflexo estragada, como você já deve ter

notado. o tempo indo embora. sempre.

fica sempre uma saudade do seu olho claro. e um verso na minha cuca, a propósito de

muitas coisas despropositadas que tem acontecido: “antigamente os amigos não

partiam de maneira tão fria”, mas tudo bem. hoje tem lua cheia. o som da utopia foi

lindo e o por do sol laranja. a casa vazia. a túnica indiana e um pacote de omo no meu

campo visual.

Fonte: Revista Bula15

Nesse fragmento de uma carta de Caio Abreu, podemos observar

claramente a questão do estilo. As frases e os nomes próprios iniciando por letras

minúsculas, embora saibamos que deveriam iniciar por letras maiúsculas,

demonstram claramente ser uma opção do escritor, já que a escrita proposta era

de foro íntimo, ou seja, uma carta pessoal endereçada a um amigo. Não apenas a

letra minúscula caracteriza o estilo, mas as escolhas lexicais e as relações

construídas entre palavras e frases, por exemplo.

Os três elementos analisados - conteúdo temático, estilo e construção

composicional – não são constituintes prontos e fechados, pois dependem das

condições de cada novo enunciado, já que, segundo Bakhtin (2000: 293),

O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem,

15 Disponível em: http://www.revistabula.com/4786-as-cartas-perdidas-de-caio-fernando-abreu/ Acesso em 23 de setembro de 2015.

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como unidades de comunicação verbal, características estruturais que lhe são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas.

Segundo o autor, o enunciado contempla as condições características e os

objetivos de cada uma dessas esferas, não apenas pelo conteúdo e por seu estilo

verbal; mas, sobretudo, por sua construção composicional. Assim, os elementos

conteúdo temático, estilo e construção composicional constituem o todo do

enunciado e são marcados pela especificidade de cada esfera de comunicação.

Dessa forma, “cada esfera da utilização elabora seus tipos relativamente estáveis

de enunciados, sendo isso o que chamamos de gêneros do discurso.” (BAKHTIN,

2000: 279)

Conforme o autor, há uma infinidade de gêneros, já que a variedade virtual

da atividade humana não se esgota. Cada esfera dessa atividade suporta um

repertório de gêneros discursivos que se diferencia e se amplia à proporção que a

mesma esfera se desenvolve e se mostra mais complexa. Embora já tenham sido

estudados os gêneros literários, os gêneros retóricos e os gêneros do discurso

cotidiano, diz Bakhtin que o que importa é levar em consideração a diferença

fundamental que existe entre os gêneros do discurso primário (simples) e os

gêneros do discurso secundário (complexo):

Os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, etc. – aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. (BAKHTIN, 2000: 280)

Assim, em um diálogo, ao usar um dito popular, como por exemplo “Mais

vale uma andorinha na mão do que duas voando”, estamos fazendo uso de um

gênero primário do discurso, pois optamos por uma expressão popular, que

circula comumente em determinados eventos sociais.

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Ainda segundo Bakhtin (2000), assim que os gêneros primários se tornam

componentes dos gêneros secundários, transformam-se dentro destes e

assumem a seguinte característica: não mantêm relação imediata com a realidade

existente e com a realidade dos enunciados alheios. Assegura o autor que a

diferenciação entre os gêneros primários e secundários tem fundamental

importância retórica, razão pela qual a natureza do enunciado deve ser

desvendada e definida por uma análise que privilegie ambos os gêneros.

Após uma discussão teórica sobre enunciado e gêneros do discurso,

Bakhtin (2000) nos traz uma análise sobre o estilo onde demonstra alguns

“senões” em relação à estilística tradicional. Ao definir gênero como “tipos de

enunciados relativamente estáveis” quanto ao conteúdo, à construção

composicional e ao estilo, faz a opção por colocar o estilo como fundamental à

ideia de gênero discursivo. O estilo, para o autor, dá-se em uma dimensão textual

e discursiva, a qual caracteriza os gêneros do discurso. Assim, o estilo faz

referência às escolhas dos recursos linguísticos que o locutor faz para manter a

comunicação com os interlocutores da interação verbal:

O vínculo indissolúvel, orgânico, entre estilo e gênero mostra-se com grande clareza quando se trata do problema de um estilo linguístico ou funcional. De fato, o estilo linguístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a uma dada atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. (BAKHTIM, 2000: 283/284)

Ainda, conforme a teoria protagonizada por Bakhtin (2000: 286), “a

gramática e a estilística se juntam e se separam em qualquer fato linguístico

concreto que, do ponto de vista da língua é um fato gramatical, encarado do ponto

de vista do enunciado individual é um fato estilístico.” Assim, a seleção que o

locutor produz de uma forma gramatical já é um ato estilístico.

A noção tradicional de gênero desenvolveu-se, inicialmente, na literatura,

até porque a Linguística é considerada uma ciência nova. Só recentemente

estendeu-se a todos os tipos de produções verbais. No âmbito dos estudos

linguísticos, houve um crescente interesse pelo assunto e organizou-se um

campo importante de pesquisa: o das teorias de gênero.

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Segundo Neves (2006: 53), atualmente, época de forte empenho na

consideração dos gêneros discursivos, o que se destaca como fato é o crescente

interesse por todos os tipos de enunciados, especialmente aqueles que, por não

serem literários, ficavam excluídos quando se pensava em uma classificação de

gêneros.

Assim, quando hoje falamos em gêneros, em plena era da linguística, é

porque temos o foco na interação pela linguagem, enquanto que, em Aristóteles,

era falar de poética: “com efeito, falar de gêneros, em Linguística, pelo menos

pretensamente, é fazer ciência, e com Aristóteles era, declaradamente, fazer arte

(com a poética e a retórica), ao mesmo tempo que fazer filosofia. (NEVES, 2006:

57)

As pesquisas sobre gêneros não ficaram restritas à academia. Rojo (2003:

01) salienta que os novos referenciais nacionais do ensino de línguas (PCNs de

Língua Portuguesa e de Línguas Estrangeiras) indicam, explicitamente, gêneros

como um objeto de ensino, destacando a importância de considerarmos as

características dos gêneros na leitura e produção de textos. Essa orientação

resulta em um aumento significativo no número de pesquisas que têm como

interesse principal as teorias de gênero.

No campo dos estudos linguísticos, a discussão sobre gêneros não foi

pacífica: de um lado, estão os que trabalham com o conceito de gêneros

discursivos; de outro, estão os que defendem o conceito de gênero textual,

privilegiando a concepção de discurso ou de texto como ponto de partida16.

Assim, independentemente do sintagma utilizado, o texto é o ponto de partida,

pois a materialização de um gênero ocorre pelo texto.

Com a publicação dos PCNs, em 1998, é sugerida uma nova forma de

tratar da língua em sala de aula, os gêneros textuais: “Todo o texto se organiza

dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas como

parte das condições de produção dos discursos, os quais geram usos sociais que

o determinam (BRASIL, 1998: 21).” Já em 2006. Com a publicação das

16 Como nossa pesquisa pretende levar aos alunos um manual que, acima de tudo, desenvolva suas competências e habilidades discursivas, adotaremos, aqui, a noção de gênero discursivo, advinda da teoria de M. Bakhtin.

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Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, pelo Ministério da

Educação do Brasil (2006), mais uma vez o conceito de gênero aparece como um

eficaz recurso metodológico para o ensino da língua:

[...] a ênfase dada ao trabalho com as múltiplas linguagens e com os gêneros discursivos merece ser compreendida como uma tentativa de não fragmentar, no processo de formação do aluno, as diferentes dimensões implicadas na produção de sentidos. (Brasil, 2006, p.28)

[...] o objeto de ensino privilegiado são os processos de produção de sentido para os textos, como materialidade de gêneros discursivos, à luz das diferentes dimensões pelas quais eles se constituem. (Brasil, 2006, p.36).

Até o advento dos PCNs, na década de 90, o ensino da Língua Portuguesa

se dava, tanto no Ensino Fundamental quanto no agora Ensino Médio (antigo 2º

Grau), basicamente pelo ensino das regras da gramática normativa. Dessa forma,

como se trata de normas, muitas vezes quase não havia a interferência do

professor, já que precisavam apenas ser decoradas.

Assim, o estudo da gramática tradicional (aprendizado e aplicação das

normas) ocupava quase todo o tempo destinado às aulas de Língua Portuguesa.

O mínimo tempo que sobrava destinava-se a produções de textos, muitas vezes

sem o menor propósito comunicacional. Percebemos que a língua (em seu

aspecto dialógico, de acordo com a teoria bakhtiniana), não era contemplada

como objeto de estudo e reflexão, ficando alijada do processo de ensino.

Embora não trate de gênero e sim de competência argumentativa, é

interessante observar que Travaglia (2003) em Gramática e Interação: uma

proposta para o ensino da gramática no 1º e 2º graus, em nenhum momento

aborda os gêneros do discurso como facilitadores e contextualizadores do ensino

de recursos da língua. Porém, reconhece que o ensino de gramática no Brasil

“tem sido primordialmente prescritivo, apegando-se a regras de gramática

normativa que, como vimos, são estabelecidas de acordo com a tradição literária

clássica, da qual é tirada a maioria dos exemplos.” (TRAVAGLIA, 2003: 101).

Para o autor, essas normas e exemplos são repetidos anos após anos

como formas “corretas” e “boas” a serem copiadas como expressão do

pensamento. Prossegue, dizendo que não se percebe, nas aulas, produção e

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compreensão de textos, e sim uma exagerada concentração da metalinguagem

no ensino da teoria para se identificar classes de categorias, relações e funções

dos elementos linguísticos.

Ainda, Travaglia (2003), quando faz sua proposta para o ensino da

gramática, diz que, quando fazemos uso dessa, é com a intenção de fazer com

que o aluno seja capaz de dominar a língua e tenha tal competência. Embora não

cite os gêneros do discurso, vê a linguagem como um instrumento de interação

social, quando faz as seguintes considerações:

1) Que o objetivo da língua materna é prioritariamente desenvolver a competência comunicativa;

2) (...) o que se deve fazer é essencialmente um ensino produtivo, para a aquisição de novas habilidades linguísticas (...);

3) que a linguagem é uma forma de interação; 4) que o texto é um conjunto de marcas, de pistas que funcionam como

instruções para o estabelecimento de efeito(s) de sentido numa interação comunicativa;

5) que o domínio da linguagem exige alguma forma de reflexão. (TRAVAGLIA, 2003: 109/110)

Assim, propõe que o ensino da gramática se dê através, basicamente, de

uma gramática de uso (a que se liga à gramática internalizada do falante), de uma

gramática reflexiva (aquela que prevê tipos de textos que se adéquam aos

diferentes tipos de interação comunicativa), com o auxílio de um pouco de

gramática teórica e normativa, “mas sempre tendo em mente a questão da

interação numa situação específica de comunicação.” (TRAVAGLIA, 2003: 108)

Por dirigir-se ao ensino de 1º e 2º graus, sua proposta foi bastante

divulgada; no entanto, professores e alunos ainda carecem de um material que

possa realmente contemplar as demandas do ensino.

4.1 GENEROS DISCURSIVOS E GÊNEROS TEXTUAIS: ENSINO E

APRENDIZAGEM DE GRAMÁTICA

Em nosso estudo, como já dissemos, partindo dos conceitos trazidos de

Bakhtin, o enfoque principal está voltado para os gêneros discursivos, mas

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valemo-nos do mesmo modo de outras abordagens mais especificamente das

que se voltam ao ensino. Como ilustração linguística, apresentamos algumas

perspectivas e enfoques que são dados aos gêneros, como, por exemplo, em

textos propostos por Bazerman, Martin, Bronckart, Koch e Dolz & Schneuwly.

Bazerman17 (2006: 84), que volta seus estudos à produção de escrita,

afirma que

‘Os gêneros nos ajudam a navegar dentro de complexos mundos da comunicação escrita e da atividade simbólica, porque, ao reconhecer uma espécie de texto, reconhecemos muitas coisas sobre a situação social e institucional, as atividades propostas, os papéis disponíveis do escritor e do leitor, os motivos, as ideias, as ideologias e o conteúdo esperado do documento e o lugar onde isso tudo isso pode caber na nossa vida.

Iniciemos pela definição lexical. No dicionário Houaiss (2001), gênero é um

conjunto de seres ou objetos que possuem a mesma origem ou que se acham

ligados pela similitude de uma ou de mais particularidades. Ao valermo-nos do

conceito e o transpô-lo para os aspectos relacionados à língua, podemos, dizer

que gênero textual é uma estrutura que sustenta uma “espécie” de textos que

apresentam particularidades comuns porque têm a mesma origem, ou seja,

procedem da mesma esfera de atuação humana. Assim, os textos são

reconhecidos pelos usuários da língua como pertencentes a determinado gênero

pelas características textuais comuns a determinada esfera de atividade humana.

Prosseguindo com nosso estudo, é preciso dizer que o uso de determinado

gênero é dependente do contexto de atuação em que se insere o falante/produtor.

Bakhtin (2000), ao abordar o assunto, ressalta que todas as atividades humanas

estão relacionadas à utilização da língua e que, portanto, não podemos estranhar

o fato de que tenhamos uma gama variada de gêneros que, de tantos, seriam

incalculáveis.

Gêneros, para Martin (1996: 250), são a forma pela qual se faz coisas

quando a linguagem é usada para realizá-las. Com influência de Bakhtin e de

expressivos antropólogos, sociólogos e etnógrafos, o autor tem uma visão

17 Em referência à teoria dos gêneros textuais.

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histórica dos gêneros e os toma como altamente vinculados às instituições que os

produzem. A atenção não se volta prioritariamente para o ensino, mas para a

compreensão do funcionamento social e histórico, bem como, sua relação com o

poder.

Bronckart18 (1999: 12) diz que os gêneros constituem ações de linguagem

que requerem do agente produtor uma série de decisões para cuja execução ele

necessita ter competência. A primeira das decisões é a escolha que deve ser feita

a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, o produtor escolherá aquele que lhe

parece adequado ao contexto e à intenção comunicativa.

Dolz e Schneuwly (1999: 09) propõem "levar o aluno ao domínio do gênero,

exatamente como este funciona (realmente) nas práticas de linguagem de

referência." Ainda conforme os autores,

uma proposta de ensino/ aprendizagem organizada a partir de gêneros textuais permite ao professor a observação e a avaliação das capacidades de linguagem dos alunos; antes e durante sua realização, fornecendo-lhe orientações mais precisas para sua intervenção didática. Para os alunos, o trabalho com gêneros constitui, por um lado, uma forma de se confrontar com situações sociais efetivas de produção e leitura de textos e, por outro, uma maneira de dominá-los progressivamente.

Para Marcuschi (2005), a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos

históricos e que estão fortemente ligados à vida social e cultural, deixou de ser

novidade. Embora apresentem um poder preditivo acentuado, os gêneros não se

apresentam como estruturas engessadas19 uma vez que

Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidade e atividades sócio-culturais, como com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005: 19)

Consoante o autor, as sociedades que tiveram uma linguagem

essencialmente oral não desenvolveram um grande número de gêneros, os quais

surgiriam, com maior intensidade, após o advento da escrita, por volta do século 18 Vertente teórica: Interacionismo sociodiscursivo. 19 Grifo nosso

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VII a.C., culminando na fase de industrialização, iniciada no século XVIII.

Assim, com o surgimento da industrialização e das novas tecnologias,

principalmente as das áreas ligadas à comunicação, houve um momento

facilitador ao surgimento de novos gêneros, mediados pelo rádio, tevê, jornal,

revista, internet, entre outros, proporcionando o surgimento20 de editoriais,

entrevistas ao vivo, artigos de fundo, notícias, telegramas, e-mails, bate-papo

virtuais, etc, conforme figura a seguir.

Ainda segundo Marcuschi (2005), embora não seja a forma que caracterize

ou defina os gêneros textuais, mas sim seus aspectos sócio-comunicativos, não

há desprezo a ela, pois há casos em que a forma21 é que define o gênero e, em

outros casos serão as funções. Também, propõe uma diferenciação entre tipo e

gênero textual, ao considerar que a expressão tipo textual designa uma “espécie

de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição

20 Diz Marcuschi (2005: 20) que “seguramente esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo, sem uma ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora focado por Bakhtin (1997) que falava na ‘transmutação’ dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas.” 21 Aqui o autor dá o seguinte exemplo: um artigo científico divulgado em uma revista é um artigo científico. Porém, se publicado em um jornal passa a ser um artigo de divulgação científica.

Figura 5: colagem de gêneros

Fonte: Elaborada pelo autor

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(aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral (...) são

conhecidos como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.” Por

outro lado, a expressão gênero textual é usada “como uma noção propositalmente

vaga para referir os textos materializados que usamos em nossa vida diária e que

apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,

propriedades funcionais, estilo e composição característica.” (MARCUSCHI, 2005:

22 e 23)

Para ilustrar o que teoriza, Marcuschi sugere o seguinte quadro:

Quadro 2: Tipos e gêneros textuais

Fonte: Marcuschi22

De acordo com o que teoriza Marcuschi (2005), Sarmento e Tufano (2010)

esclarecem que os tipos textuais são constituídos pela forma como se organiza

um texto e que, diferentemente dos gêneros textuais, de infindável classificação,

os tipos textuais são poucos. Existem, basicamente, cinco, os mesmos citados

por Marcuschi (2005) e que

22 Disponível em: Marcuschi. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade, 2005.

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Raramente encontramos um texto que seja totalmente narrativo, ou totalmente descritivo, e assim por diante. Em geral, os textos apresentam uma sequência tipológica predominante: nos contos predominam sequências narrativas; nos artigos de opinião, sequências argumentativas, e assim por diante. (SARMENTO & TUFANO, 2010: 339)

Assim, as sequências ou tipos serão definidos em cada texto e não há um

padrão estabelecido. Num conto, por exemplo, podem aparecer os cinco tipos de

texto, sem que se perca a essência narrativa.

4.2 GÊNEROS: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DA LÍNGUA

Como seres sociais que somos, precisamos da linguagem para nos

“movermos” nos ambientes que frequentamos. Assim, em nossas manifestações

diárias, usamos uma diversidade de gêneros os quais devem ser trazidos para o

ambiente escolar, como forma de apresentar ao aluno essa pluralidade de formas

que se materializa através de textos.

Dolz e Schneuwly23 (2004: 49) colaboram com nossa pesquisa, quando

propõem o trabalho com gêneros em sala de aula e indicam as seguintes

prioridades em relação ao ensino e à percepção do aluno:

- Prepará-los para dominar a língua em situações variadas, fornecendo-lhes instrumentos eficazes; - Desenvolver nos alunos uma relação com o comportamento discursivo consciente e voluntário, favorecendo estratégias de auto-regulação; - Ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta elaboração.

Entretanto, essa “preparação” não é o que se observa em sala de aula.

Não raro, como já demonstrado ao longo deste trabalho, ainda é comum o ensino

de uma língua baseada em conceitos, regras e metalinguagem gramatical. Desse

modo, essas práticas pedagógicas, que já se mostraram ineficazes, vão se

repetindo e promovendo um retrocesso no ensino da língua materna,

reproduzindo o modelo de aula tradicional.

23 Pesquisadores com valiosos estudos na Universidade de Genebra, citados nos PCNs.

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Para Bakhtin, quanto mais dominarmos os gêneros, mais livre seremos pra

empregá-los:

Quanto melhor dominarmos os gêneros, tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2000: 285)

Assim, é tarefa primeira do professor, promover, em sala de aula,

estratégias que façam o aluno conviver com os mais variados tipos de gêneros,

para que, na hora em que precisar, saiba interagir nos ambientes sociais em que

transita.

De acordo com Marcuschi (2005: 35), o trabalho com gêneros textuais em

sala de aula proporciona aos alunos “uma oportunidade de se lidar com a

linguagem em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia.” Sugere o autor a

seguinte atividade:

Veja-se como seria produtivo pôr na mão do aluno um jornal diário ou uma revista semanal com a seguinte tarefa: “identifique os gêneros textuais aqui presentes e diga quais são suas características centrais em termo de conteúdo, composição, estilo, nível linguístico e propósitos.” É evidente que esta proposta pode ser reformulada de muitas maneiras, de acordo com os interesses de cada situação de ensino. Mas é de se esperar que por mais modesta que seja a análise, ela sempre será muito promissora. (MARCUSCHI, 2005: 35)

Marcuschi, mesmo que de forma incipiente, contribui para que sigamos

com nossa proposta, já que propõe, quando se refere a “estilo”, uma maneira de

abordar determinado tópico gramatical a partir da análise dos gêneros

discursivos. Ao avançar nas estratégias de uso dessa nova abordagem

metodológica do ensino da língua e fazendo uso da atual tecnologia, destacamos

aqui algumas sugestões que podem ser introduzidas, também, pelo professor:

a) Criação de páginas virtuais específicas em redes sociais sobre os

Gêneros Discursivos com a finalidade de popularizar o tema;

b) Criação de blogs com postagens dos mais diversos Gêneros

Discursivos;

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c) Produção de livros virtuais, com produção autoral que privilegie

diversificados Gêneros Discursivos;

d) Elaboração de portfólio contendo recortes de jornais com diversos

Gêneros Discursivos.

e) Seminários mensais sobre a temática com alunos de outras escolas.

f) Produção de jornais mensais ou semestrais, onde cada aluno ficaria

responsável pela publicação de um gênero discursivo.

g) Sarau textual (contos, crônicas, poesia, piadas, notícias, etc)

Com o avanço da tecnologia, as estratégias propostas não são estanques,

ou seja, precisarão sempre ser revistas, a fim de que não se tornem, novamente,

obsoletas, e venham a desmotivar o aluno, mais uma vez, em relação ao ensino

da língua materna.

4.3 GÊNERO NA PERSPECTIVA DOS PCNs: UMA BREVE ANÁLISE

Após a leitura dos PCNs, percebemos com clareza que aos alunos e,

consequentemente, aos falantes de LP no Brasil, o que efetivamente importa é

utilizar a fala acertadamente nas mais diversas situações de comunicação:

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. (BRASIL, PCNs, 1998, p.26)

Assim, antes de corrigir a forma, é preciso potencializar a adequação da

linguagem nos seus diversos usos, nas suas diversas interações. Isso sim pode

se revelar eficaz e pode partir de uma proposta didática.

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Até a publicação dos PCNs (1997), o ensino da Língua Portuguesa no

Brasil passou por várias fases. Conforme Orlandi (1998: 23), em 1827, por

exemplo, foi estabelecida uma lei, a qual determinava que os professores

deveriam ensinar leitura e escrita, utilizando a gramática da língua nacional

(furtava-se chamar a língua de brasileira ou portuguesa, pois até então a

gramática ensinada era a latina). Nos fins do século XIX, o Brasil, querendo

afirmar sua independência em relação a Portugal, aproximou-se das ideias

filosóficas da França, da Alemanha e outros.

Para ilustrarmos os caminhos que o ensino da Língua Portuguesa trilhou

na Brasil até o advento dos PCNs, apresentamos essa linha do tempo, proposta

por Mortatti (2000):

Quadro 3: Linha do tempo de fatos significativos em relação ao ensino da LP no Brasil

Fonte: Síntese elaborada pelo autor. Baseado em Mortatti

(2000)

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Não há como negarmos que o ensino da língua mudou muito nestas

últimas décadas. Se em determinada época passada o trabalho com a língua era

exclusivamente voltado ao ensino das regras gramaticais (com a finalidade de

bem escrever), hoje com o desenvolvimento de estudos linguísticos, mais

especificamente dos de linguística aplicada, esse trabalho não mais se sustenta.

A partir de 1997/8, os PCNs objetivam uma formação discente que se volte

diretamente à prática da cidadania, formando um aluno que reflita, avalie, analise

e se posicione criticamente nos mais diversos contextos sociais. Ao mesmo

tempo, o aluno passa a ser o protagonista na construção da aprendizagem e na

construção social do conhecimento, tendo respeitadas suas histórias culturais,

étnicas, linguísticas, religiosas, etc. Ao professor, caberá repensar seus agires

pedagógicos, seus objetivos ao propor determinado conteúdo e sua forma de

avaliar.

No que se refere à Língua Portuguesa, segundo os PCNs, o ensino agora

deve ser conduzido em uma perspectiva sociointeracionista; a língua assume um

caráter diverso e múltiplo e deve primar pela formação de um sujeito falante

competente, que faça uso das mais diversas modalidades de língua. O ensino de

língua, agora, prima por níveis da leitura, produção de texto, oralidade e análise

linguística.

Em relação ao tópico leitura, os PCNs pretendem que se forme um leitor

competente, capaz de construir significados a partir dos variados gêneros

textuais. O mesmo ocorre com a produção de textos, quando leitura e escrita se

articulam e fornecem elementos para a linguagem escrita, (fornecendo-lhe

argumentos e modelos de referência) sempre objetivando a formação de

escritores competentes. A leitura é fundamental para a internalização e domínio

de estruturas linguísticas.

Já na oralidade, o falante competente deve saber valer-se das mais

variadas modalidades da linguagem oral (formal e informal), sempre observando a

situação comunicativa. No que diz respeito à análise linguística, os PCNs

orientam para a utilização do texto como uma “unidade de sentido”, fazendo com

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que os alunos reflitam sobre sua própria língua, bem como possam perceber os

diversos recursos linguísticos.

Em relação à prática docente, embora já tenham sido publicados vários

textos complementares, como PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio), por exemplo, são os PCNs que nos apresentam estudos recentes

das Ciências da Linguagem, bem como se valem de estudos das áreas de

Linguística, Pedagogia e Psicologia para orientar/sugerir novas práticas. É preciso

lembrar, no entanto, que, embora os Parâmetros apresentem um embasamento

consistente, desconsideram, em certa medida, o destinatário-professor,

pressupondo-o conhecedor das teorias de que se valem.

Além disso, há nos documentos parametrizadores uma heterogeneidade de

concepções não explicitadas. Depois da publicação dos PCNs (1997/1998), o

MEC ainda lançou os Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio (PCNEM,

2000), PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares (PCN+, 2002) e Orientações Curriculares Nacionais para

o Ensino Médio (OCEM, 2006). A seguir, algumas competências e habilidades a

serem desenvolvidas na disciplina de Língua Portuguesa:

Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais24

24 Disponível em: BRASIL, PCNs. Brasília, DF, MEC, 1998, Página 145. Acesso em 02 de fevereiro de 2016.

Quadro 4: Competências e Habilidades

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Como podemos perceber, o ensino da língua vem sofrendo alterações com

o passar do tempo. Alterações, diga-se de passagem, fundamentais, que visam

adaptar o ensino a novas metodologias e a novas realidades.

5 GRAMÁTICAS E METODOLOGIAS: UM OLHAR

Para ilustrar nossa preocupação, lançaremos um breve olhar sobre

algumas gramáticas disponíveis no mercado editorial e amplamente difundidas

entre as escolas de ensino médio do país. Escolhemos uma obra anterior aos

PCNs e as restantes editadas após o ano 2000, data posterior à publicação

dos PCNs, a fim de verificarmos se houve significativas mudanças na

maneira de abordagem do ensino da língua (o destaque se justifica, pois essa

análise é fundamental à presente pesquisa). Este capítulo é parte fundamental de

nosso estudo a fim de comprovarmos se há realmente a necessidade de

buscarmos um novo material para o ensino da língua materna, com uma nova

proposta de abordagem ou se os que já se encontram no mercado configuram-se

como materiais que têm na Teoria dos Gêneros Discursivos seu foco de ensino.

Como critério de seleção dessas obras, escolhemos as que apresentam a

palavra “gramática” em seu título, ou aquelas que se sabe, reconhecidamente,

tratarem do assunto25. Também, é importante ressaltar que esta primeira análise

recai sobre fonética e fonologia, porque, normalmente, é deste conteúdo que

essas gramáticas tratam no primeiro capítulo.

25 Nas obras analisadas, percebemos que umas tratam apenas das normas gramaticais e outras, além dessa mesma abordagem, também trazem assuntos como literatura e produção textual.

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Começamos, então, com a Gramática Ilustrada, de Hildebrando A. de

André, 1990, da Editora Moderna. Suas primeiras considerações, mesmo que

muito breves e sem exemplos, versam sobre 1) Língua, fala, níveis de fala,

linguagem; 2) A norma culta, a gramática; 3) Linguagem falada e linguagem

escrita e 4) A linguagem da ciência e a linguagem da arte. Quando começa a

discorrer sobre aspectos gramaticais, o autor propõe, no capítulo 1, o estudo da

fonologia e passa a dar noções teóricas de fonemas, sílabas, classificação das

vogais, grupos vocálicos, classificação das consoantes, número de sílabas, etc.

É importante observar que não há um único texto, em toda a gramática,

que sirva de contexto às partes teóricas ou às atividades propostas. Não há

questões de compreensão e interpretação, como também não há propostas de

produção textual. Os exercícios que o autor sugere são do tipo completar com a

letra “e ou i”, “s ou z”, “ch ou x”, riscar em cada par a forma correta, completar as

Figura 6: Capa Gramática Ilustrada

Fonte: ANDRE, Hildebrando.

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frases com uma das palavras entre parênteses e dar o sentido das palavras em

destaque. Não há qualquer referência aos estudos literários (talvez por se dizer

“gramática”) e à produção de textos, ou seja, trata-se apenas de um manual com

regras gramaticais, com o objetivo de mostrar ao leitor regras e nomenclatura da

Língua Portuguesa.

Outra gramática que merece análise, por sua grande circulação, é a

Gramática em Textos, de Leila Sarmento (2005).

Reproduzindo as formas tradicionais de abordagem, a autora nos fornece,

no capítulo 1, breves pinceladas sobre alguns conceitos de comunicação26:

26 Conceito de Língua que passa a ser assumido por volta da década de 1970: Língua como instrumento de comunição.

Fonte: SARMENTO, Leila

Figura 7: Capa Gramática em textos

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mensagem, código, língua e linguagem, norma culta e variedades linguísticas, a

intencionalidade do discurso e a origem e evolução da língua portuguesa.

No capítulo 2, Fonologia e Ortografia, logo no início há texto tira que serve

de apoio para as considerações da autora, que propõe a leitura como auxílio em

suas considerações iniciais a respeito de fonologia, fonema e letra:

Na sequência, seguem suas explanações a respeito do assunto:

Na tira, o filho aparece bem satisfeito com o desempenho do time brasileiro nas olimpíadas, por isso deseja partilhar essa alegria com sua mãe. Mas ela não se entusiasma, talvez devido ao desempenho do filho.

Veja, no primeiro quadrinho, que a personagem, ao chamar pela mãe, substitui a letra “m” por “b”. Com o uso deste recurso, o quadrinista nos remete à palavra Brasil, que motiva essa troca de letras e sugere o clima de euforia do filho.

Portanto, apenas a mudança de uma letra pode alterar o som e o significado de uma palavra (...) (SARMENTO, 2005: 50)

A tira em questão foi usada apenas para introduzir o assunto e não houve

exploração do gênero e da função, ou seja, a compreensão dos sentidos

possíveis pela compreensão da tira é ignorada. No próprio comentário da autora

não há nenhuma referência ao todo do texto.

Quando passa à classificação dos fonemas, há mais uma tira que serve de

base para a retirada dos exemplos, o mesmo ocorrendo mais duas vezes, na

classificação dos encontros vocálicos e na classificação dos encontros

consonantais e dígrafos. Assim, o texto serve apenas como “pretexto” para

introduzir questões fonológicas.

Figura 8: Tirinha Geraldão

Fonte: Gramática em textos

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Nos exercícios propostos, que a autora dispõe em um capítulo

denominado “Aplicação”, há um texto inicial que auxilia na formulação de algumas

questões. Porém, a maioria das questões não tem relação com o texto e, a seguir,

apresenta um exercício de separação silábica.

Após essas atividades, a autora faz, em uma página, um resumo do

capítulo e o termina com testes de múltipla escolha. Na obra em destaque,

também não aparecem os estudos literários, tampouco há espaço para a

produção textual.

Na obra intitulada Textos: leituras e escritas (INFANTE, 2006),

na página 34, no capítulo denominado Fonologia, o autor, sem texto de apoio,

começa suas explanações já nos conceitos relacionados ao título:

Figura 9. Textos: Leituras e Escritas

Fonte: INFANTE, Ulisses.

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A palavra fonologia é formada pelos elementos gregos fono (“som”, “voz”) e log, logia (“estudo”, “conhecimento”). Significa literalmente “o estudo dos sons”. Já sabemos, porém, que os sons que essa parte da gramática estuda são os fonemas (veja aí novamente o radical grego fono, agora ao lado do elemento ema, “unidade distinta”) (INFANTE, 2006: 34)

A seguir, o autor passa a uma descrição linguística que trata da

classificação dos fonemas da língua portuguesa (vogais, semivogais e

consoantes), encontros vocálicos e consonantais, dígrafos, divisão silábica,

ortoepia e prosódia. Ao final do capítulo, propõe as seguintes atividades,

descontextualizadas, sem qualquer texto de suporte:

Classifique os encontros vocálicos das palavras abaixo:

a) Alguém b) trouxeram c) diáspora d) Mooca

e) tuiuiú f) Piauí g) ideia h) gênio

i) tireoide j) claustrofobia l) melancia m) saíram

n) sobressai o) sobressaí p) iguais q) circuito

A estrutura que o autor propõe se divide em 3 partes: Para ler a literatura,

Do texto ao texto e Gramática aplicada aos textos. É interessante observar que,

mesmo que o autor nomeie uma parte de sua obra como Gramática aplicada aos

textos, na prática, conforme demonstrado, isso não ocorre, como no exemplo a

seguir, quando o autor trata de acentuação gráfica e não há a aplicação sugerida

no título, como no exemplo abaixo:

Paroxítonas

Como são as palavras mais numerosas da língua, são justamente as que recebem menos acentos. As paroxítonas mais comuns são as que terminam em a, as, o, os, e, es e também em am, em, ens. Essas não devem receber acento gráfico de acordo com as regras fundamentais – só serão acentuadas caso incorram em alguma das regras específicas que veremos a seguir. (INFANTE, 2006: 70)

A seguir, análise de Aprender e Praticar, Gramática, de Mauro Ferreira

(2003), da editora FTD.

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Sem nenhuma introdução aos tópicos que se relacionam com língua ou

linguagem, Ferreira, logo no primeiro capítulo após o índice, começa com noções

sobre Fonologia. Entretanto, já quando o autor conceitua fonema, vale-se de um

poema para, a seguir, dar suas explicações:

Figura 10: Aprender e Praticar, Gramática

Figura 11. Fonema: conceito

Fonte: FERREIRA, Mauro.

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Mesmo que, desta vez, o texto efetivamente sirva de apoio ao ensino da

língua, não há nenhuma referência aos gêneros e às suas funções. Em cada

capítulo novo, há um texto introdutório, (poemas, notícias, manchetes

jornalísticas, críticas culturais, peças publicitárias, etc) com a clara intenção de

servir ao autor como ponto de partida de suas explanações.

Na parte prática, os exercícios são variados, ora se originam de frases, ora

de textos e os de múltipla escolha normalmente aparecem descontextualizados,

sem um contexto de apoio. A seguir, um exemplo dos exercícios propostos pelo

autor, nas páginas 44 e 48, respectivamente:

1) Escolha, entre os parônimos apresentados entre parênteses , aquele que se adapta ao sentido geral da frase,

a) O comerciante declarou que não pretende alterar nada do que já disse sobre o vereador e que vai (retificar – ratificar) na justiça as denúncias contra ele.

2) UEMA – Indique o conjunto de palavras escritas incorretamente:

a) Acento – acesso – excepcional – extenso

b) Extender – conceção – acensorista – mixto

c) Abscesso – exceção – extensão – procissão

d) Análise – ênfase – prótese – dose

e) Estender – defesa – misto – deslizar

Fonte: FERREIRA, Mauro

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Embora tenhamos uma vasta gama de textos de diferentes gêneros nesta

gramática, não há referência a gêneros por sua função. Daí o espaço que

percebemos para nosso estudo.

Outra gramática de boa circulação é a Nossa Gramática (2014), Editora

Scipione, de autoria de Luiz Antonio Sacconi.

Logo de início, surgem conceitos vagos, ou não claramente apresentados,

sobre vocábulo, comunicação, signo linguístico, discurso ou fala, linguagem e

suas funções, tipos de discurso, língua, norma culta, língua escrita e falada e

níveis de linguagem.

Figura 12. Nossa Gramática

Fonte: SACONNI, Luiz Antônio

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Em seguida, no capítulo 2, o autor já apresenta o conceito de fonema, e o

distingue de letra e já parte para a primeira classificação – dígrafo – para então

apresentar os conceitos de vogal, consoante e semivogal:

Vogais

São fonemas produzidos livremente, isto é, sem interferências de órgãos da boca. Assim, ao pronunciarmos a sequência das vogais (a e i o u), observamos que nenhum órgão da boca interrompe a passagem da corrente de ar proveniente dos pulmões; o que ocorre, nesse caso, é a modificação das cavidades faríngea e bucal, além de um movimento contínuo da língua para trás, fatores esses justamente que possibilitam a formação das diferentes vogais. Vogais são sons. (2003: 26)

Após conceituar vogais, consoantes e semivogais, o autor passa a

classificar as vogais quanto à zona de articulação, quanto ao timbre, quanto à

intensidade e quanto ao papel das cavidades bucal e nasal, para, na sequência,

propor o seguinte tipo de exercício: “Classifique as vogais destas palavras:

marido, dose, muamba, bambu” (2003: 29). Observa-se, aqui, a falta de

justificativa convincente para esse estudo, já que as palavras em destaque foram

apenas usadas justamente por serem bons exemplos para análise da explanação

do autor. O mesmo ocorre quando Saconni discorre sobre a classificação das

consoantes, quando propõe a seguinte atividade:

Classifique as consoantes destas palavras: pedaço, linha, cara, base e senha.” Ou ainda, “Substitua as consoantes surdas pelas homorgânicas sonoras, no item I, fazendo o inverso no item II. Item I: ponte, pote, fita, coce, assar, faca, cato, cace, lufa, faça. Item II: dedo, base, gola, babel, vira, vaso, galinho, azedona, vale, gorda (2003: 32).

Embora os alunos sejam submetidos a terminologias como consoantes

surdas e homorgânicas sonoras, por exemplo, sabidamente eles ainda não

desenvolveram habilidades suficientes de escrita e de leitura. Então nos

perguntamos: qual a finalidade desta abordagem neste nível do ensino da

língua? No capítulo 4, páginas 89 e 92, por exemplo, o título já traz os dois

conteúdos a serem abordados, bem como suas unidades: estrutura das palavras

e formação das palavras. É possível observar que na parte teórica, bem como

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nos exercícios, novamente são palavras aleatórias, escolhidas pelo autor, que

servem para exemplificar o conteúdo pretendido.

Como podemos observar através da análise de algumas anteror, as

gramáticas que se encontram à disposição nas escolas assemelham-se quanto às

formas de abordar o estudo da língua portuguesa. Na maioria das gramáticas aqui

analisadas, o texto, que deveria ser o elemento chave para tratar dos aspectos

gramaticais, quando existe, serve apenas como ilustrador, e não como exemplo

de como a gramática de uma língua funciona.

FONTE: SACONNI, Luiz Antônio.

Figura 13. Estrutura das palavras

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Ao excluir o texto da abordagem de ensino, excluem-se, também, as

interações sociais entre os sujeitos, como se a língua se desse de duas formas

diferentes: uma é a língua que há nas gramáticas, outra é a língua que usamos

para interagir. Neste ponto de nossa pesquisa, cremos ter, sim, um problema,

pois os livros didáticos que encontramos nas escolas (principalmente) não

conferem com os estudos que encontramos na academia, ou seja, os estudantes

de letras estudam o que há de mais aceito entre as teorias linguísticas e, ao

ingressar no mercado de trabalho, deparam-se com os mesmos livros, no

ambiente escolar, que sofriam críticas quando de sua graduação.

No Colégio Técnico Industrial de Santa Maria – CTISM – (UFSM) para o

triênio 2012/13/14 foi escolhida a obra Português – Literatura, Gramática,

Produção de texto, de Sarmento e Tufano27 (2010). Nos três volumes, há uma

divisão formal dos conteúdos literatura, gramática e produção de textos.

No volume destinado à primeira série, as 207 primeiras páginas se

destinam ao ensino da literatura e há uma divisão em capítulos28: Arte e

Literatura, Gêneros Literários e Estilos Literários, A primeira época medieval:

trovadorismo, A primeira época medieval: as novelas de cavalaria, A segunda

época medieval: as crônicas de Fernão Lopes e a Poesia do cancioneiro geral, A

segunda época medieval: o teatro de Gil Vicente, O Classicismo, Brasil: literatura

informativa e jesuítica, O Barroco, O Arcadismo. 27 Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano, Editora Moderna. 28 Cada capítulo apresenta subdivisões, como Lendo a imagem, Intertextualidade, Atividade Complementar, Vale a pena, entre outras.

Figura 14. Capas livros CTISM

Fonte: SARMENTO, Leila Lauar & TUFANO, Douglas

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Nessas primeiras páginas, destinadas ao ensino da literatura, observamos

um padrão que se repete na grande maioria dos livros didáticos, qual seja: são

apresentados alguns conceitos29 sobre a temática, algumas questões de

interpretação e, sobretudo, a exemplificação de textos que apresentam as

características de cada escola literária. Observa-se, também, não haver uma

integração entre os conteúdos língua, literatura e produção textual.

A segunda parte30 do volume I se destina ao ensino da gramática e é

dividida nos seguintes capítulos e conteúdos: Linguagem; Variações linguísticas;

Linguagem, Estilística e Semântica; Figuras de linguagem; Fonologia; Ortografia;

Estrutura e Formação das palavras.

No capítulo 17, por exemplo, Estrutura e Formação das Palavras, há uma

tira que serve de motivação para introduzir o conteúdo, seguida de três perguntas:

1) No texto, Haggar tenta dialogar com seu amigo Eddie Sortudo. De que modo o quadrinista explorou o humor nessa cena?

2) Obseve que o humor está relacionado ao significado das palavras inexplicáveis e explique. Qual o sentido de explicável e inexplicável?

3) Que elemento foi acrescentado à palavra explicável e lhe confere um sentido contrário? Dê exemplos de palavras que apresentam esse elemento. (SARMENTO & TUFANO, 2010: 317)

Na sequência, os autores sugerem o subtítulo Lendo o contexto:

A palavra apresenta em sua estrutura diferentes elementos. As unidades significativas formadoras das palavras chamam-se morfemas ou elementos mórficos (do grego morphé, “forma”). Cada um desses elementos de composição mínima e indisível fornece um significado à palavra formada.

O acréscimo do morfema in- à palavra explicável mudou o seu significado, assim como acontece com as palavras incapaz e incompetência, formadas a partir de capaz e competência. (IDEM)

29 Exemplo: Gêneros Literários: Desde a mais remota antiguidade, as pessoas inventam histórias, contam façanhas de heróis que vencem monstros e inimigos terríveis. Mas também cantam canções de amor, falam de saudades. E ainda fingem ser outras pessoas, representando num palco situações trágicas ou cômicas. Para dar forma artística a essa variedade foram criados os gêneros literários. Conforme as características da forma e do conteúdo das obras literárias, elas podem ser classificadas em três gêneros: épico, lírico e dramático. (SARMENTO & TUFANO, 2010: 29) 30 Páginas 208 a 335

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A seguir, da mesma forma que os outros livros didáticos avaliados, há uma

série de conceitos a respeito do conteúdo em questão31. Interessante observar

que, a partir deste momento, não há um texto que mostre a funcionamento da

língua, ou seja, é teoria pura32, descontextualizada, fazendo-se valer do ensino

tradicional de gramática. Para fixar o conteúdo33, os autores sugerem uma lista de

exercícios.

Finalmente, depois de avaliarmos as obras anteriores, e não haver

registros sobre o estudo de gêneros discursivos, encontramos, aqui, um capítulo

sobre gêneros. Na terceira parte deste livro didático34, no capítulo Produção de

Textos, logo nas primeiras páginas, surgem alguns conceitos: O que é texto,

Gêneros textuais ou discursivos e Tipos textuais.

Embora reconheçamos, nos conceitos elaborados pelos autores, a voz

autoral de Bakhtin (formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado,

determinadas sócio-historicamente), não há referência a ele, como no trecho

destacado a seguir:

Gêneros textuais ou discursivos35 são textos que circulam em determinada esfera da atividade humana (escola, trabalho, internet, jornalismo, literatura, etc.) e possuem estrutura, temática e estilo relativamente fixos. Os textos que pertencem a um dado gênero também têm a mesma finalidade. (SARMENTO & TUFANO, 2010: 338)

.

Ainda assim, através de diversos textos para leitura e também de

exercícios de interpretação, os autores vão construindo alguns conceitos, com o

intuito de explicitar aos leitores menos informados sobre aspectos que versam

sobre teoria dos gêneros, para, depois, apresentar as condições para que o texto

tenha coesão e coerência.

31 Estrutura e formação das palavras. 32 Radical: constitui o elemento estrutural básico da palavra, que expressa seu significado e não apresenta variação. Observe em cada palavra a seguir o radical destacado em negrito: explicar, explicação, inexplicável. Palavras que têm um mesmo radical formador de uma mesma família chamam-se palavras cognatas: vidro, vidraça, vidraceiro, envidraçar. Há palavras que apresentam somente o radical: sol, voz, gol, sabor. (SARMENTO & TUFANO, 2010: 320) 33 Aqui os autores sugerem o subcapítulo “Aplicação”. 34 Páginas 336 a 413 35 Nota do autor: Aqui se observa um problema conceitual, já que o conceito sugerido seria melhor aplicado às formas textuais.

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O capítulo 20, intitulado Gêneros do cotidiano, inserido em Produção de

texto, traz, para análise e produção, os seguintes gêneros: carta pessoal, e-mail,

diário e blog. Em cada um desses gêneros, há uma explicitação do funcionamento

de cada um deles, bem como em que situação são usados. No gênero e-mail, por

exemplo, há a seguinte definição elaborada por Sarmento e Tufano (2010: 369):

O e-mail é um gênero textual usado para trocar mensagens pela internet, comunicando a alguém um assunto pessoal ou profissional.

Um grande número de pessoas hoje utiliza o e-mail para se comunicar à distância com maior rapidez e eficiência. Muitas vezes, ele é usado em substituição ao telefonema, à carta, ao telegrama. Suas mensagens podem ser enviadas e recebidas a qualquer instante, conforme a conveniência do remetente e do destinatário.

O e-mail tem estrutura semelhante à da carta: vocativo, texto, despedida e assinatura. Não se insere data porque o próprio programa de e-mail já informa em que dia e hora a mensagem foi enviada.

Logo após esta conceituação, os autores esclarecem que não objetivam

apenas levar os alunos a conhecer a estrutura de diferentes tipos de texto e saber

quando e por que produzi-los, mas sim criá-los em situações reais36.

Ainda no capítulo 20, Elementos da organização narrativa, Relato pessoal

e notícia, além de todos os conceitos referentes ao processo narrativo37, há a

apresentação de mais dois gêneros: relato pessoal e notícia.

Embora haja certa semelhança com nossa proposta, o livro didático em

questão ainda não traz o que até aqui propomos: um material didático baseado na

teoria dos gêneros discursivos que contemple, ao mesmo tempo, a abordagem

das normas gramaticais. Na obra analisada, isso ocorre em momentos distintos.

Em O ensino da língua, os gêneros do texto e a gramática, Zanotto (2012)

traduz em parte nossos anseios por um material que contemple a teoria dos

gêneros discursivos aliada ao ensino da gramática. Quando usamos a expressão

“em parte”, é porque novamente temos um material interessante, entretanto não

se constitui em uma gramática de texto propriamente dita, ou seja, o autor dá

36 Grifo do autor. 37 Enredo, conflito, situação inicial, desenvolvimento, clímax, desfecho, narrador, personagens, tempo e espaço

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“dicas” de como explorar determinados aspectos gramaticais em meio à teoria de

gêneros, sem que isso se constitua na elaboração de um material didático.

O que Zanotto propõe vem ao encontro de nosso estudo:

Afinal, por que será que os alunos saem da escola sem saber português? Sem saber e sem gostar. Isso que, normalmente, a língua portuguesa tem a maior carga horária entre as diversas disciplinas do currículo escolar (...)

Muitos educadores, pedagogos, linguistas buscaram explicações e apontaram soluções (...). Vamos aderir a uma das soluções, que já tem muitos adeptos e vem se mostrando eficaz. Trata-se de centrar o ensino da língua nos gêneros de texto, adotando a metodologia da sequência didática e colocando a gramática no seu devido lugar. (ZANOTTO, 2012: 9)

Na “primeira parte” (página 11 a 26), Zanotto (2012) propõe duas

simulações de aula: uma tradicional, baseada em conceitos gramaticais (no

exemplo, o ensino das orações coordenadas) quando o professor, sem mostrar a

função do conteúdo na prática da língua, passa direto ao assunto. Na segunda

simulação, propõe que imaginemos o professor começando a aula falando em

convite de casamento e criando um clima com essa temática. Isso para criar uma

“atmosfera” propícia para, entre outras coisas, abordar algum aspecto gramatical.

Na “segunda parte” (página 27 a 84), o autor discute o ensino da língua

(por que estudar português), os gêneros do texto (gêneros de texto, o que é

isso?) e a gramática (o lugar da gramática no ensino da língua). Dessa forma,

podemos observar que a obra de Zanotto, assim como muitas outras que circulam

no mercado editorial, embora nos sirvam de exemplo, não contemplam as reais

necessidades do professor em sala de aula.

Essa breve análise da maneira como são demonstrados os conteúdos nas

gramáticas que encontramos nas bibliotecas das escolas, teve como objetivo

reforçar o que viemos falando ao longo deste trabalho: não há novidades na

maneira de expor o conteúdo aos alunos, ou seja, o conteúdo analisado,

fonologia, por ser o que primeiro aparece nas gramáticas é meramente baseado

em conceitos, como se estudar gramática fosse apenas decorar as nomenclaturas

(dígrafo, hiato, encontro consonantal, etc). Assim, seguimos confiantes no nosso

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propósito, o qual já foi abundantemente explanado neste trabalho, até esta parte

da pesquisa.

6 UMA PROPOSTA INSCRITA NA TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS

Esta é uma tese com uma estrutura diferenciada e nela consta um estudo

que se fundamenta na teoria dos gêneros discursivos, sobretudo nas valiosas

contribuições advindas de M. Bakhtin.

Como algum aspecto relevante de ensino da língua materna se perdeu ao

longo dos anos, é esse resgate que pretendemos ao desenvolver este estudo, ao

buscar considerações que nos levem a uma futura proposta.

6.1 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA

Nossa metodologia será propositiva, uma vez que formularemos, ao final

de nossa pesquisa, que não se encerra com esta tese, um material para o ensino

da Língua Portuguesa no Ensino Médio. Proporemos uma abordagem inscrita na

Teoria dos gêneros discursivos que, ao mesmo tempo, contemple adequação ao

uso da língua, em diferentes contextos.

Pela nossa experiência, iremos sugerir alguns gêneros a serem

trabalhados em cada uma das três séries do Ensino Médio. Isso objetiva,

novamente, tentar promover o interesse dos alunos e, efetivamente,

operacionalizar o aprendizado da língua materna, uma vez que os gêneros

sugeridos são, sabidamente, de interesse dos jovens.

Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), encontramos

uma justificativa para nossa proposta:

Espera-se, portanto, dessa etapa de formação o desenvolvimento de capacidades que possibilitem ao estudante:

(i) Avançar em níveis mais complexos de estudo;

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(ii) Integrar-se ao mundo do trabalho, com condições para prosseguir, com autonomia, no caminho de seu aprimoramento profissional; (iii) Atuar, de forma ética e responsável, na sociedade, tendo em vista as diferentes dimensões da prática social.

Assim, o ensino médio deve atuar de forma que possa garantir ao

estudante a preparação básica para o prosseguimento dos estudos para a

inserção no mundo do trabalho e para o exercício cotidiano da cidadania, sempre

em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo.

6.2 GÊNEROS E ENSINO DA LÍNGUA

Com a chegada do século XXI, e com a constatação do fracasso do

modelo de ensino de Língua Portuguesa, os gêneros textuais/discursivos

chegaram à escola numa tentativa de recuperar o interesse dos alunos pelo tema.

Se de um lado percebemos certa euforia, de outro notamos certa preocupação

por parte de professores, já que muitos não sabiam como trabalhar com essa

nova teoria. Ainda hoje, há muitos colegas que ficam restritos à descrição do

gênero, deixando de lado aspectos fundamentais como o próprio propósito do

gênero. Muitas vezes, o professor apenas apresenta o gênero, descreve suas

características, mas não coloca o aluno em situações reais de comunicação:

Vejo nos professores e em muitos materiais didáticos, dificuldade em lidar com a reflexão lingüística de forma realmente reflexiva e em função do gênero e da finalidade do texto. Pouca atenção é dada aos propósitos do texto e aos mecanismos lingüísticos que revelam ou marcam esse propósito. Parece que a língua só pode ser trabalhada em exercícios e atividades que vão lidar com questões específicas da gramática como, por exemplo, concordância, regência, conjunção verbal, entre outras. (COSCARRELI: 2009, 84)

Como sabemos, um dos objetivos do ensino de uma língua é possibilitar a

seus usuários contato com diferentes tipos de linguagem para que delas possam

fazer uso quando necessitarem. Para tanto, apresentar aos alunos uma variada

gama de gêneros discursivos é papel primordial da escola, pois assim estará

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promovendo um contato do aluno com diferentes situações de interação social, já

que cada gênero se presta a um tipo de evento.

Também, cabe ao professor promover estratégias que privilegiem a

produção de textos, principalmente os que circulam na comunidade onde os

alunos se inserem. Isso possibilitará ao aluno uma maior vivência com a

linguagem que usa, como também qualificará sua escrita.

Assim, e seguindo nosso plano de oferecer uma metodologia que se

mostre eficiente para o ensino da língua materna, sugerimos uma abordagem,

que objetiva dar conta do uso dos mais variados gêneros discursivos, bem como

contemple aspectos formais da língua, quando necessário, visando à adequação

do uso a distintas manifestações sociais. Também, sugeriremos o contato e

exploração de diversos gêneros textuais que fazem parte do universo dos alunos,

como instrumento para o ensino da Língua Portuguesa e como forma de estímulo

à leitura, à interpretação e à produção de texto.

Como estratégia de abordagem de um determinado gênero, o professor

poderá começar pela identificação e finalidade do gênero. Entretanto, como

mencionamos anteriormente, ficar apenas na descrição não fará com que o aluno

se torne um bom escritor.

É preciso avançar. É preciso que os alunos tenham contato com o gênero,

através da leitura, através da produção textual. É preciso que o professor situe o

gênero no contexto atual da sociedade e indique as reais possibilidades de uso.

Cabe ao professor trabalhar com os aspectos gramaticais, se esses forem

relevantes ao gênero. Se, por exemplo, carta for o gênero abordado, seria

pretexto o professor trabalhar com o vocativo e o que prevê a pontuação, caso

houvesse desvios, nas produções textuais dos alunos, em relação à norma culta?

Cremos que não, e é isso que justifica nosso estudo e consequente proposta.

É importante que fique claro ao aluno que a chamada norma culta não é a

mais importante da língua, como era considerada até certas décadas atrás. É

apenas mais uma possibilidade de uso, adequada a determinado evento social. É

preciso ficar claro, também, que as variações linguísticas que fazem parte do

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nosso dia a dia são tão importantes quanto o norma culta, desde que fique

entendido que a gramática normativa rege uma variação, principalmente quando a

referência é o texto escrito.

O quadro a seguir resume o que propomos:

Em relação aos aspectos gramaticais, o professor, também, deverá sugerir

diferentes destinatários: o diretor da escola, o prefeito, um responsável pela

seleção de candidatos a determinada vaga, entre outros. Dirigindo-se a diferentes

destinatários, os alunos teriam que adequar a modalidade de uso da língua. Aí

entrariam o uso de determinadas normas. Essa proposta que apresentamos em

nada se parece com as estratégias demonstradas neste trabalho (Capítulo 5,

Gramáticas e Metodologias: um olhar) e que se encontram em gramáticas que

circulam pelo mercado editorial, disponíveis em livrarias, bibliotecas e sites

especializados.

Nessa proposta, o texto/gênero é a peça principal para se abordar a língua.

A disciplina denomina-se Língua Portuguesa e seus aspectos culturais, históricos,

sociais e linguísticos é que devem ser abordados pelo professor. Propusemos um

Quadro 5: Estratégias de Abordagem

Fonte: Elaborado pelo autor

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caminho. Ao escolher um gênero para trabalhar em sala de aula com seus alunos,

o professor poderá valer-se dessa sequência de atividades e voltar-se a algum

aspecto gramatical se assim achar pertinente.

Então, a terminologia (que até então era decorada pelos alunos: Oração

Subordinada Substantiva Objetiva Direta Reduzida do Gerúndio) da gramática

normativa não terá um fim em si mesma, apenas será mais uma possibilidade de

reflexão sobre os recursos da língua.

A abordagem das orações reduzidas, por exemplo, pode ter um objetivo

textual, pois muitas vezes precisamos empregá-las para reduzir o número de

conectores, como a conjunção ou o pronome relativo “que” quando aparecem

repetidos. Ou seja, podemos trabalhar este conteúdo para que o aluno possa

dominar recursos gramaticais na escrita.

Essa é a necessidade que se impõe: a de que o professor repense suas

práticas para torná-las mais significativas e úteis à vida do aluno:

É dever da escola cumprir uma papel social de humanização e emancipação, onde o aluno possa desabrochar, crescer como pessoa e como cidadão, e onde o professor tenha um trabalho menos alienado e alienante, que possa repensar sua prática, refletir sobre ela, re-significá-la e buscar novas alternativas. (VASCONCELLOS, 2008. p. 14)

Ao perceber que cada gênero cumpre uma função social, o aluno passará

a atribuir sentido à sua produção de texto na escola e terá contato com vários

níveis de linguagem, inclusive com a norma culta, que tem na escola seu melhor

ambiente para discussão. Perceber como se estruturam, quando e como serão

usados textos de diferentes gêneros, pode facilitar o próprio uso da língua pela

compreensão das diferenças linguísticas, como a culta, coloquial, regional,

técnica, como também as diferentes gírias que identificam determinados grupos

sociais.

É importante ressaltar, neste momento, que como nossa proposta visa

também a abordagens das normas gramaticais, seria interessante, destacar, no

quadro que propomos a seguir, quando o professor deverá intervir no estudo do

gênero e inserir a abordagem gramatical. Será, então, tarefa do professor

perceber o momento exato de recorrer às normas gramaticais quando elas forem

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pertinentes ao ensino do gênero e não o contrário. Só desta forma nossa proposta

terá contribuído para o ensino da língua.

O quadro apresentado traz sugestões de gêneros a serem usados por

série. Tem a finalidade de levar o aluno ao letramento, fundamental à prática

escrita em situações formais, presente nos textos acadêmicos, nos textos de

opinião, nos escritos científicos, em documentos e em uma variada gama de

outros gêneros. A sequência Manchete (1º ano), Notícia (2º ano) e Reportagem

(3º ano) exemplifica nossa proposta, ou seja, ir dando complexidade ao texto, à

medida que os alunos vão adquirindo maturidade.

Os gêneros sugeridos também servem para colaborar com o professor

quando da montagem de seus planos de ensino e no planejamento de suas

atividades.

Como indicação de abordagem gramatical, sugerimos o que segue:

Quadro 6: Sugestão de gêneros por série

Fonte: elaborado pelo autor

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A sugestão dos conteúdos também tem a ver com o grau de complexidade

que, reconhecidamente, sabemos existir. Assim, quando o professor estiver

abordando determinado conteúdo no 3º ano, é porque, obviamente, já trabalhou

com conteúdos menos complexos e que foram fundamentais para chegar-se a um

nível de maior exigência intelectual. O que propomos vem ao encontro das

habilidades que os alunos devem apresentar ao fim de cada ano, de acordo com

o que propõem os PCNs.

Na sequência de nosso trabalho, mais precisamente no Capítulo 7,

demonstraremos que a abordagem de determinados aspectos gramaticais é

fundamental para que se qualifique o texto escrito. O texto aqui não é o pretexto

para se ensinar gramática, ao contrário: é no texto que precisamos da gramática.

6.3 ENEM E SUAS PARTICULARIDADES38

Não poderíamos deixar de mencionar, em nosso estudo, as características

do Exame Nacional do Ensino Médio, uma vez que este é o modelo de prova que

os alunos farão, obrigatoriamente, para tentar uma vaga em universidades

públicas.

O ENEM é um exame individual que é aplicado anualmente aos estudantes

concluintes do Ensino Médio. O modelo de avaliação presente nestas provas tem

ênfase na aferição das habilidades dos alunos, num modelo de prova

extremamente diferente das provas tradicionais que até pouco compunham o

38 As informações sobre o ENEM foram retiradas da página do INEP - http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem. Acesso em 23 de março de 2016. * Referência bibliográfica como parte de determinados gêneros, como os acadêmicos.

Quadro 7: Nível sintático

Fonte: elaborado pelo autor

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universo dos “vestibulares”. Agora temos um modelo que prima pela

contextualização e pela interdisciplinaridade. Talvez, a maior diferença entre

esses modelos de avaliação seja que a prova do ENEM não privilegie a memória,

mas sim dá ênfase a situações-problemas em que o aluno, ao invés de saber o

conceito, tem que aplicá-lo. Desta forma, o ENEM não avalia se o aluno é capaz

de assimilar e acumular informações, ao contrário, incentiva-o a exercitar o

raciocínio para que possa fazer as melhores escolhas na hora da tomada de

decisões.

O ENEM foi criado em 1998 (quase que simultâneo aos PCNs) e tinha

como objetivo avaliar o desempenho dos alunos ao fim da Educação Básica.

Hoje, além disso, seleciona para ingresso em universidades públicas e também é

usado para a seleção do PROUNI, para o Financiamento estudantil, Fies, para o

programa Ciência sem Fronteira e também para a certificação do Ensino Médio.

Em 1998, em sua primeira edição, o ENEM teve apenas 157,2 mil inscritos.

Já em 2016, o exame nacional contou com a participação de cerca de 9,2 milhões

de brasileiros tentando contemplar algum dos benefícios que a prova oferece,

como o mais disputado: uma vaga em uma universidade pública e gratuita.

O ENEM apresenta, em sua matriz de referência, eixos cognitivos, comuns

a todas as áreas de conhecimento:

I. Dominar linguagens (DL): dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica e das línguas espanhola e inglesa.

II. Compreender fenômenos (CF): construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de processos historicogeográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas.

III. Enfrentar situações-problema (SP): selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema.

IV. Construir argumentação (CA): relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir argumentação consistente.

V. Elaborar propostas (EP): recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.

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Em relação à matriz de referência de Linguagens, Códigos e suas

Tecnologias, apresenta 9 áreas e as competências a elas relacionadas. O

documento completo se encontra no Anexo 1 deste trabalho.

Competência de área 1 - Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

Competência de área 2 - Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais*.

Competência de área 3 - Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade.

Competência de área 4 - Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade.

Competência de área 5 - Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.

Competência de área 6 - Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.

Competência de área 7 - Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.

Competência de área 8 - Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.

Competência de área 9 - Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.

Nos documentos oficiais referentes ao ENEM, ainda encontramos os objetos

de conhecimento associados às Matrizes de Referência relativos à área de

Linguagem, Códigos e suas Tecnologias (Documento completo em Anexo 2 deste

trabalho):

• Estudo do texto: as sequências discursivas e os gêneros textuais no sistema de comunicação e informação.

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• Estudo das práticas corporais: a linguagem corporal como integradora social e formadora de identidade.

• Produção e recepção de textos artísticos: interpretação e representação do mundo para o fortalecimento dos processos de identidade e cidadania.

• Estudo do texto literário: relações entre produção literária e processo social, concepções artísticas, procedimentos de construção e recepção de textos - produção literária e processo social.

• Estudo dos aspectos linguísticos em diferentes textos: recursos expressivos da língua, procedimentos de construção e recepção de textos - organização da macroestrutura semântica e a articulação entre ideias e proposições (relações lógico-semânticas).

• Estudo do texto argumentativo, seus gêneros e recursos linguísticos: argumentação: tipo, gêneros e usos em Língua Portuguesa.

• Estudo dos aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos da língua: norma culta e variação linguística - uso dos recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto é constituído: elementos de referência pessoal, temporal, espacial, registro linguístico, grau de formalidade, seleção lexical, tempos e modos verbais; uso dos recursos linguísticos em processo de coesão textual: elementos de articulação das sequências dos textos ou à construção da micro estrutura do texto.

• Estudo dos gêneros digitais: tecnologia da comunicação e informação: impacto e função social - o texto literário típico da cultura de massa: o suporte textual em gêneros digitais; a caracterização dos interlocutores na comunicação tecnológica.

Os 2 últimos tópicos em especial - Estudo dos aspectos linguísticos e

Estudo dos gêneros digitais - estão contemplados em nossa pesquisa e são

partes fundamentais de nossa proposta. Como ilustração, modelos de

questão na área de Linguagem que costumam aparecer no ENEM:

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Fonte: Blog dos Vestibulandos39

7 LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO: GESTAÇÃO DE UMA

PROPOSTA

Conforme já demonstrado nesta pesquisa, a abordagem que se dá ao

ensino da língua já passou por vários momentos distintos, como o uso exclusivo

de regras gramaticais, ou a exclusão das regras em vista de uma severa crítica ao

modelo normativo de gramática.

Para Bechara (2006), há uma oposição entre a escola antiga e a atual: se

aquela desprezava a língua que não fosse a culta, esta repudia a língua que não

seja a de uso natural. Ainda hoje, sem querer ser repetitivo, quando o assunto é

o ensino das regras gramaticais, se o assunto é concordância verbal, por

exemplo, comum é a prática, em sala de aula, de o professor chegar com as

regras, passá-las aos alunos e, logo após, propor a fixação do conteúdo, através

de exercícios. 39 Disponível em: http://informavestibular.blogspot.com.br/2012/10/enem-linguagens-codigos-e-tecnologias.html. Acesso em 20 de junho de 2016.

Figura 15: Questões do ENEM

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Exemplo:

O verbo haver, no sentido de existir, acontecer, por ser um verbo impessoal, não

flexiona para concordar com o sujeito, pois não há um sujeito. Dessa forma, fica

sempre no singular.

Exercício:

Marque a alternativa que, de acordo com as normas de concordância verbal,

apresente erro40.

a) Eles se houveram com a polícia durante a abordagem.

b) Não houve quem os fizesse parar de brincar.

c) Ontem, houveram muitos protestos pelo país.

d) Haverá muitos eventos nas férias

e) Quando chegamos, eles ainda não haviam saído de casa.

Nossa proposta prevê a seleção de textos de diversos gêneros, de acordo

com a série e, a partir da apresentação desses gêneros, abordar, se

conveniente for, para uma melhor compreensão do gênero por parte do aluno,

também determinado(s) aspecto(s) gramatical(is), já que essa é a essência de

nossa proposta.

Agora, suponhamos que o professor esteja, juntamente com seus alunos,

trabalhando com o gênero bilhete e esteja lendo este que segue:

Lu, estou com saudades, fazem quase dois meses

que não te vejo. Vê se aparece, sua bandida.

Saudades. Beijão.

Carla

Neste momento, o professor pode introduzir o conteúdo concordância

verbal, ou seja, mostrar aos seus alunos que, se levarmos em consideração as

normas gramaticais, houve um desvio no uso do verbo fazer, levando o aluno

a refletir sobre os diferentes sentidos do verbo fazer e, pelo sentido, mostrar

40 Neste momento, o professor poderá tecer comentários a respeito da necessidade de refletirmos sobre os sentidos do verbo “haver”.

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que há um desvio às regras de escrita da norma culta. E caso não fosse um

bilhete de foro íntimo, e sim um requerimento enviado ao diretor da escola, por

exemplo, o verbo deveria se adequar ao que prevê o uso de certos verbos

impessoais na Língua Portuguesa.

Pelo sentido, também o aluno poderia entender melhor o que são verbos

“impessoais” e, assim, talvez a regra de concordância pudesse ser mais

significativa.

Conforme Antunes (2005: 119),

A gramática, como vimos, não entra em nossa atividade verbal dependendo de nosso querer: ela está lá, em cada coisa que falamos, em qualquer língua, e é uma das condições para que uma língua seja uma língua. Não existe a possibilidade de alguém falar ou escrever sem usar as regras da gramática de sua língua. Daí que explorando os sentidos do texto, estamos explorando também os recursos da gramática.

Ou ainda, segundo Franchi (2009: 99), “antes de ser um livro de etiquetas

sociais ou manual descritivo, a gramática é, de início, esse saber linguístico que

todo falante possui, em elevado grau de domínio e perfeição”. Assim, claro fica

que não há língua sem gramática, uma vez que o ato que intenciona a

comunicação tem como suporte o uso de determinadas estruturas organizadas

em regras, ainda que de estabilidades relativas.

Não pretendemos usar o texto apenas como pretexto para introduzir

aspectos gramaticais, mas a partir de usos da língua (que se efetuam em gêneros

e se materializam em textos), fazer refletir sobre a língua e sobre as convenções

que regem as modalidades de uso mais prestigiadas.

Segundo os PCNs, a disciplina de Língua Portuguesa, na LDB nº

5.692/71, vinha separada em Língua e Literatura (com predomínio de conteúdos

voltados à Literatura Brasileira). Assim, a divisão proposta ocasionou a separação

curricular entre estudos literários, gramática e redação, o mesmo ocorrendo com

os livros didáticos e manuais preparatórios para concursos em geral. Dessa

forma, geralmente muitas escolas mantêm professores especialistas para cada

uma dessas modalidades, como se elas não tivessem relação entre si.

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De lá para cá (1998-2014), não mudou muita coisa. Essa divisão, nas

escolas e concursos públicos, como os vestibulares, por exemplo, ainda é

significativa, basta observar os editais que ainda separam tais especialidades.

Também, os livros didáticos são diagramados de forma que fique bem marcada a

separação entre gramática, literatura e produção de texto.

Se os PCNs indicam ao aluno de Ensino Médio a pesquisa, a seleção de

informações, a análise, a síntese, a organização, a cooperação “de forma que o

aluno possa participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania, o trabalho e a

continuidade dos estudos” (p.5), propomos um material didático em que tais

habilidades sejam postas em prática, sobretudo aquelas que se valham da Teoria

dos Gêneros Discursivos.

Desta forma, a proposta em gestação contemplará o estudo do gênero, que

inclui os aspectos gramaticais que lhe são afeitos, por meio da leitura, da

produção textual, da interpretação de textos.

Não é de hoje que, em sala de aula, deparamo-nos com certas

dificuldades na hora de mostrarmos ao aluno o que, efetivamente, pretendemos

com o ensino da língua materna. E o que nos parece mais grave: como motivar o

aluno para que se interesse pelas aulas de Língua Portuguesa, cuja finalidade

talvez ele não entenda? Somado a isso, após a divulgação das Teorias de

Gênero, através dos PCNs, houve certa rejeição ao ensino da norma culta da

língua, como se o conhecimento linguístico não fosse mais necessário.

Quem sabe fazemos da escola o lugar ideal para aprendermos nossa

língua, de maneira que as regras gramaticais não sejam o foco e sim um meio.

Dessa necessidade é que decorre nossa proposta para uma nova abordagem da

Língua Portuguesa no Ensino Médio.

Ao longo desta pesquisa, buscamos demonstrar que há sim, por parte da

escola, o dever de ensinar gramática, pois esse é o lugar de o aluno ter contato

com a língua culta e essa exigência está prevista, inclusive, nos PCNs, que

consideram o texto como ponto de partida para o ensino da língua e objetivam

desenvolver estas três competências: leitura/escuta, produção textual e análise

linguística.

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Para os PCNs (1998), o discurso produzido pelo falante, seja ele oral ou

escrito, produz um resultado e esse resultado é o que chamamos de texto.

Entretanto, essa organização verbal deve ser constituída de relações, causando

uma associação de ideias coesas e coerentes. Assim, e segundo os PCNs (1998:

47), em relação à linguagem, a escola deve formar alunos que sejam escritores

competentes, capazes de elaborar textos coerentes, coesos e eficazes. Capazes

também de definir os objetivos de seus textos e de selecionar o gênero de acordo

com seus objetivos, além de terem a capacidade de verificar se um texto está

confuso, redundante, obscuro e reescrevê-lo, se for o caso, até deixá-lo

satisfatório para aquele contexto social.

Também, procuramos demonstrar que não há, no mercado editorial, um

material que ofereça a professores e alunos uma nova metodologia para a

abordagem e ensino da norma culta.

Não restam dúvidas, a nosso ver, que devemos oferecer ao aluno essa

vivência com a língua padrão, para que ele possa adquirir a competência que lhe

possibilitará usá-la quando a situação social assim o exigir. Valemo-nos, mais

uma vez, do que prescrevem os PCNs para justificar a nossa própria voz:

[...] não se justifica tratar o ensino da gramática desarticulado das práticas de linguagem. É o caso, por exemplo, da gramática que, ensinada de forma descontextualizada, tornou-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem na prova ou passar de ano – uma prática pedagógica que vai da metalíngua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e memorização de terminologia. Em função disso, discute-se se há ou não necessidade de ensinar gramática. Mas essa é uma falsa questão: a questão verdadeira é o que, para que e como ensiná-la” (BRASIL, 1998 : 28, grifo nosso)

Ou seja, a questão abordada pelos PCNs é clara: o estudo da gramática

tradicional não deve ser o fim, mas sim um meio para se ensinar a língua. Para

que ensiná-la e como ensinar gramática são perguntas que devemos nos fazer

para rever a nossa prática em sala de aula. Ao encontro de nossa proposta e

corroborando com nosso pensamento, sobre o ensino da gramática, Soares

(1988: 122) afirma que

Se faz sim necessário o ensino de gramática, justo para munir os alunos de um instrumento de luta para inserir-se de modo mais efetivo e eficaz na sociedade: o uso da linguagem adequado às mais diversas situações comunicativas em que eles estiverem inseridos, que vão além das

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situações escolares e se estendem para quaisquer situações de sua vivência no meio social.

Com certeza, reconhecemos que o ensino da gramática por si só não se

justifica. Entretanto, concordamos com Bechara (2006: 14) quando ele nos diz

que o professor tem como grande missão transformar o aluno em um poliglota

dentro da sua própria língua, ao possibilitar-lhe escolher entre as diferentes

modalidades de uso.

Entretanto, também sabemos que não é a teoria pura que dará ao aluno essa

competência, já que não há mais como negarmos o fracasso que o ensino da

gramática normativa causou no ensino da língua, haja vista o desinteresse da

geração de alunos com a qual trabalhamos. Para eles, talvez não haja muita

relação entre as normas apresentadas com a pulsação viva da língua que eles

utilizam, principalmente na fala.

Se ainda não há uma “metodologia milagrosa”, capaz de reverter esse quadro

desolador, ao menos temos contado com estudos que visam a uma melhora

desse panorama . É nesse contexto que se insere o presente estudo.

Antes de exemplificarmos a proposta desta tese, é interessante considerar

que:

a) É preciso deixar claro que a ótica desta proposta vê a linguagem como algo

histórico, social e cultural que ocorre em determinado evento social e se dá entre

indivíduos que dela participam em condições de igualdade. (Bakhtin)

b) Não podemos usar os gêneros (textos) apenas como pretexto para ensinarmos as

normas gramaticais.

c) Ao abordar um “gênero x”, o professor terá que ser capaz de determinar que

subsídios gramaticais ele precisa fornecer ao aluno. Por exemplo, sabemos que

no gênero notícia quase não ocorre o uso de adjetivos.

d) Trabalhar com gêneros que fazem parte do cotidiano dos alunos é fundamental

para o sucesso de nossa metodologia.

e) Precisamos ultrapassar o estudo das características do gênero, já que nos parece

que entender o porquê de a mensagem ser escrita e para quem, é bem mais

importante do que uma mera análise descritiva.

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f) O gênero não deve apenas ser simulado, mas usado como nas situações

cotidianas: se é um bilhete, deve chegar ao interlocutor. Se é uma letra de

música, deve ter sua melodia.

g) Onde temos acesso a uma notícia? E a uma receita de bolo? Ou a um artigo de

opinião? O gênero tem que ser mostrado em seu suporte original. Assim, se o

gênero é uma reportagem escrita, a leitura deve ser feita no jornal, ou na revista

etc.

h) É dever de o professor oferecer aos seus alunos bem mais que os exemplos que

são trazidos pelo livro didático. Um poema lido no próprio livro onde foi publicado

e uma notícia lida no próprio jornal parece-nos bem mais interessante do que ser

lido em outro espaço de reprodução.

i) Além das atividades diárias, é interessante a proposição de projetos e atividades

extra classe.

j) A leitura e a produção de texto são a essência da proposta que apresentaremos.

Como este capítulo objetiva apresentar a proposta, buscaremos exemplos nas

gramáticas já analisadas, de conteúdos variados (escolha aleatória) e faremos um

confronto entre a metodologia tradicional com a que propomos. Iniciamos com um

dos conteúdos encontrados na gramática normativa, concordância verbal, e

exemplificaremos como esse conteúdo vem sendo tratado nas gramáticas que

encontramos no mercado editorial e como cremos que possa ser trabalhado em

sala de aula, tendo como suporte a teoria dos gêneros discursivos.

Para início de reflexão, observemos agora as duas tabelas periódicas que

seguem, a de modelo tradicional e a interativa:

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Fonte: Página do Grupo de Bionergia41

Fonte: Updateordie.com42

Buscamos, em outra área do conhecimento, uma ilustração que pode

facilitar, e muito, a vida escolar dos estudantes do Ensino Médio. O segundo

modelo de tabela periódica exemplificado apresenta, na área da química, um

41 Disponível em: http://alunosonline.uol.com.br/quimica/organizacao-tabela-periodica-atual.html 42 Disponível em: http://www.updateordie.com/2016/11/08/tabela-periodica-interativa-mostra-como-realmente-usamos-os-elementos/

Figura 16: Tabela periódica tradicional

Figura 17: Tabela periódica interativa

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avanço na metodologia empregada para o ensino dos elementos químicos. Muitas

vezes, o aluno, ao se deparar com uma tabela periódica tradicional, fica

imaginado o que seria o Rutênio ou o Vanádio? Onde se encontram esses

elementos? Para que servem? Não resta ao estudante senão decorar o nome, o

símbolo, em que coluna se encontra o elemento e o número atômico.

Já no modelo interativo, o aluno tem contato com a mesma tabela. Os

elementos químicos estão nas mesmas colunas e possuem o mesmo número

atômico. Entretanto, nessa versão, o aluno tem a oportunidade de saber onde

podemos encontrar até mesmo os elementos menos conhecidos, como o

Escândio, por exemplo. Esse novo modelo, provavelmente, deve ter sido criado

por algum professor que, assim como nós, professores de português, enfrentava

dificuldades para demonstrar a seus alunos algo descontextualizado, mas de

fundamental importância ao estudo da química.

Assim como a “nova” tabela periódica interativa da química, podemos

apresentar uma metodologia que aborde as questões gramaticais em contextos

efetivos de uso da língua.

Como tem sido proposto:

Concordância Verbal

Exemplo 01 (Saconni, 1994: 41643)

Concordância Verbal

a) Com sujeito Simples

Concordância verbal é a concordância do verbo com o sujeito. Ex.:

A casa ruiu./ As casas ruíram Existe pessoa feliz./Existem pessoas felizes.

Casos gerais: o verbo concorda com o sujeito em número e pessoa. Ex,:

43 Nossa Gramática, teoria e prática.

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O cigarro é um mal.

A poluição acarreta danos à saúde.

O cigarro deve ser evitado; a poluição pode ser eliminada.

Falta um minuto para as três horas.

Faltam dois minutos para as três horas.

b) Os verbos que não podem ter sujeito, chamados impessoais, são usados sempre na 3ª pessoa do singular. Ex.:

Chove bastante, venta muito. Faz invernos rigorosos no Sul do Brasil.

Como podemos observar, o autor se limita a um brevíssimo comentário

sobre o que é concordância verbal, não parte de nenhum texto de apoio ou de

uma ilustração e a seguir já lista os exemplos e a descrição de regra por regra,

num total de 14 (mais as observações) que encontramos na gramática normativa.

Na sequência, há a proposição de exercícios variados, que também não usam o

texto, nem como pretexto, conforme o exemplo que segue, retirado da página

423:

402) Deixe tudo de acordo com a norma culta:

a) Sobrou muito doce na festa, mas sanduíches não sobrou nenhum.

b) Choveu garrafas na cabeça do árbitro; aliás, estava chovendo até pilhas de rádio.

c) Deu dez horas o relógio da matriz, mas no meu já deu onze.

d) Bateu agora mesmo duas horas. Ou será que bateu meio-dia?

e) Quando soava três horas, saía os funcionários.

f) No circo faltou palhaços, mas sobrou emoções.

Exemplo 02 (Nicola, 2006: 52, 5344)

44 Gramática: palavra, frase, texto

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Concordância Verbal

Regra Geral

O verbo constitui o predicado, que é uma declaração que se refere a um sujeito; há, portanto, uma íntima relação entre os dois termos, daí o verbo e o núcleo do sujeito concordarem em número e pessoa.

O Procon recebe denúncias em suas sedes todos os dias.

As sedes do Procon recebem denúncias todos os dias.

Você e ele fizeram uma denúncia ano passado.

Eu e ele fizemos uma denúncia começo do mês.

Verbos impessoais

Os verbos impessoais não estabelecem concordância, pois não têm sujeito e só aparecem na terceira pessoa do singular (daí serem chamados de impessoais.)

Boletim do tempo para o Brasil

O sol aparece com algumas nuvens no céu, mas, devido ao calor e à umidade, o tempo se mantém instável e podem ocorrer chuva e trovoadas em diversas áreas das Regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país. CHOVE também no MA, oeste do PI e lesta da BA. A temperatura máxima atinge 39º no interior nordestino. (INFOtempo UOL – Previsão com Precisão.

Novamente estamos diante de um exemplo que não privilegia a análise de

gênero e não usa o texto como elemento principal para o ensino da língua.

Apenas propõe um breve conceito para o conteúdo concordância verbal e já

passa a descrever uso por uso, ou seja, o autor se vale de uma metodologia

ultrapassada, causa provável do desinteresse que os alunos demonstram por tal

metodologia.

Como propomos:

Para que o conteúdo concordância verbal possa ser abordado, é preciso

um contexto que privilegie o tema. Por exemplo, se o professor estiver lendo com

seus alunos um texto que possibilite uma reflexão sobre registros linguísticos

distintos (a exemplo do gênero reportagem, que traz fragmentos de falas

diversas) cremos, que neste momento, o texto não estaria sendo usado apenas

como pretexto, pois são justamente essas diferenças de concordâncias que nos

fazem perceber as formas-padrão (ou não), determinadas sócio-historicamente,

“relativamente estáveis” de que fala Bakhtin.

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Usar o texto apenas como pretexto é, por exemplo, selecionarmos uma

letra de música em que claramente há algum desvio, para abordar os aspectos

relacionados à concordância verbal. Entretanto, sabemos que, na maioria das

letras, esses desvios não ocorrem. Na letra da música Inútil45, do grupo Ultraje a

Rigor, há os seguintes versos:

“A gente não sabemos escolher presidente

A gente não sabemos tomar conta da gente

A gente não sabemos nem escovar os dente

Tem gringo pensando que nóis é indigente

Inútil, a gente somos inútil, inútil”

Como já foi mencionado ao longo deste trabalho, o ensino escolar no Brasil

ainda privilegia a variante padrão da língua, ou seja, não dispõe de um lugar

adequado de discussão para as outras variantes. Quando o professor cita uma

dessas outras variantes, normalmente, intenciona apenas seu registro. Isso faz

com que o aluno não reflita sobre essas variantes sociais e se volte, mais uma

vez, para as normas da língua padrão (também chamada de língua culta).

Como estratégia, o professor pode pedir aos alunos uma pesquisa/trabalho

sobre As variações linguísticas no Brasil. Na hora da apresentação pelos alunos,

o professor pode abordar o tema concordância verbal. Além de pertinente, torna-

se fundamental para o entendimento do assunto.

Quando os alunos apresentarem a “variação regional”, por exemplo, o

professor pode apresentar alguns exemplos que ocorrem nas regiões Sul e

Sudeste:

Fala do professor:

Vocês já observaram que ocorre muito no Sul a seguinte concordância?

Observem aqui no quadro.

Tu estudou para a prova hoje?

45 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/ultraje-a-rigor/inutil.html. Acesso em 13 de agosto de 2016.

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Se o sujeito é de segunda pessoa, o verbo também deveria ser de segunda

pessoa e não de terceira. Assim, usando um padrão mais formal, teremos:

Tu estudaste para a prova hoje?

Também, é interessante observar essa ocorrência linguística do Sudeste,

principalmente de Minas.

Uai, se tiver baile, nóis vai.

Se o sujeito é “nós”, e se a variação que nos interessa no momento é a culta,

teremos:

Uai, se tiver baile, nós vamos.

Outro momento em que o professor pode interferir e abordar o conteúdo

em questão pode se dar quando os alunos apresentarem aspectos relacionados

às variações sociais, que ocorrem quando levamos em conta fatores econômicos

que oportunizam às classes favorecidas um melhor nível de educação, por

exemplo.

Fala do professor

Observem aqui:

Hoje fazem dois anos que não vejo ela.

É comum este tipo de desvio em relação à norma culta, pois há vários

níveis de letramento46 na sociedade. Ou seja, há pessoas que não frequentaram a

escola, outras cursaram apenas as séries iniciais. Outras já não estudam há muito

tempo, etc. Isso faz com que determinados grupos de pessoas não tenham muito

contato com certas regras de nossa língua, como as relacionadas aos verbos

impessoais. Então, se esses verbos ficam no singular e de acordo com a norma

culta,

46 Entretanto, caso se trate da fala, não necessariamente dirá respeito ao nível de letramento.

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Hoje faz dois anos que não veja ela.

Neste exemplo, alguém percebeu mais um algum desvio? Exatamente,

embora esta construção seja bem comum na língua falada, na escrita devemos

observar que os pronomes do caso reto (eu, tu, ele etc) não desempenham o

papel de complemento, papel desempenhado pelos pronomes oblíquos, logo,

Hoje faz dois anos que não vejo-a.

Não tem mais nada em desacordo com a norma culta? Tudo certinho?

Nada que os “ouvidos” reclamem? Isso, de acordo com o que prevê a gramática

que dispõe as normas de nossa língua, palavras negativas atraem os pronomes

oblíquos.

Hoje faz dois anos que não a vejo.

Pessoal, mesmo que a modalidade de maior prestígio seja dada à norma

culta, não podemos, em absoluto, usar a linguagem para discriminarmos quem

tem um padrão linguístico diferente do nosso. Até porque o interessante é

empregarmos as diferentes possibilidades linguísticas em situações

comunicativas distintas. Por isso, na próxima aula, falaremos sobre Preconceito

Linguístico. Informem-se sobre o tema e tragam colaborações para o debate.

Além de trabalhar com seus alunos a concordância verbal, o professor

pode abordar mais dois assuntos: o uso de pronomes e a colocação pronominal,

pois, no texto e no contexto exemplificado, essas explicações a respeito das

normas da língua se fizeram necessárias.

Na aula seguinte que já está programada com os alunos, o professor pode

abordar aspectos gramaticais relacionados à fonética/fonologia, por exemplo, e

trabalhar com os gêneros texto literário e com quadrinhos, que são gêneros que

frequentemente exploram recursos fonéticos.

Fala do professor

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Antes de vocês trazerem suas contribuições para a aula de hoje, gostaria

de ler e depois deixar para vocês estes dois textos com algumas questões que

serão discutidas somente no final da aula, pois serão enriquecidas com a

pesquisa prévia que vocês certamente fizeram. Observem:

Vício na fala (Oswald de Andrade)

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mio

Para pior pio

Para telha dizem teia

E vão fazendo telhados

Fonte: Línguas do meu país47

Anotem estas questões:

1) O que revela o poema de Oswald de Andrade? Que objetivo poderia ter o

poeta ao descrever a fala de um determinado grupo?

2) Na tira, o que poderia ter levado o autor da tira a atribuir essa linguagem à

personagem Chico Bento?

47 Disponível em: http://letrasmarques2013.blogspot.com.br/2013/08/regionalismos.html. Acesso em 13 de agosto de 2016.

Figura 18: Tirinha Chico Bento

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3) A forma de linguagem empregada nos dois textos dá conta da intenção

comunicativa? Se esses mesmos textos tivessem sido produzidos com a

modalidade dita culta ou padrão, produziriam o mesmo sentido? Por quê?

4) Por que a língua padrão é a variedade de maior prestígio social?

5) Por que o idioma pode ser considerado um instrumento de dominação e

discriminação?

A partir dessas questões e ainda dentro da temática variações

linguísticas/preconceito linguístico, o professor poderá, tranquilamente,

abordar aspectos da fonética/fonologia, como os de ortoépia e prosódia, ou

seja, apresentar a forma correta de pronunciar palavras que possam oferecer

desvios em relação às convenções estabelecidas para a norma culta.

Essa seleção prévia de gêneros é que possibilitará ao professor mostrar ao

aluno que as normas gramaticais podem sim ser úteis no ensino da língua, já

que serão exploradas apenas quando o contexto permitir e quando realmente

forem pertinentes para domínio de determinado gênero. O próprio professor

será o responsável por mostrar essas diferenças ao aluno quando os

exemplos apareceram nas próprias variações e demonstrar que a abordagem

das normas gramaticais é importante naquele contexto.

Assim, a seleção prévia do gênero a ser trabalhado será tarefa

fundamental do professor, para que a abordagem gramatical se torne algo

natural e possa auxiliar o falante. Dessa forma, a abordagem não será mais

vista como uma imposição do professor e o objetivo não será a “decoreba” das

normas gramaticais.

Fala do professor:

Pessoal, observem estas palavras:

MIO x MILHO

MELHOR x MIO

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É visível, tanto na grafia quanto na fala, uma diferença entre os pares. Mas se

levarmos somente em consideração a palavra “mio” que aparece no texto, queria

que vocês me ajudassem a analisar. Vocês pronunciam da mesma forma mio de

milho e mio de melhor? Se não for, como diferenciá-las?

Essas são questões que explicam o próprio preconceito linguístico, ou seja, há

pessoas que discriminam, ainda, quem não sabe a grafia das palavras, quem não

as pronuncia direito, quem troca a posição das sílabas tônicas, etc.

Então, pode ocorrer preconceito linguístico, quando o falante fala estrupo ao

invés de estupro, quando escreve porisso ao invés de por isso e em muitos

outros casos que são melhor observados na língua escrita. Observem comigo a

fala do Chico Bento:

Fessora! a sinhora ia mi castigá pur arguma coisa que eu num fiz?

Basicamente, em relação à norma culta, o que temos na fala do Chico é a

supressão de uma sílaba (fessora) e trocas (sinhora) de fonemas. Entretanto, o

papo seguiu tranquilo e a professora entendeu a mensagem de seu aluno.

Outro exemplo de como o professor poderá abordar aspectos da norma culta é

quando estiver trabalhando com seus alunos a organização linguística dos

gêneros bilhete, carta, e-mail e mensagem de facebook. No desenvolvimento das

atividades, ao verificar os níveis de formalidade e informalidade desses gêneros

na escrita, poderá assim intervir:

Fala do professor

Pessoal, hoje vamos dividir a turma em 4 grupos. Cada grupo vai produzir um

texto de um determinado gênero textual. Os integrantes do grupo 1 trocarão

bilhetes entre si, os do grupo 2 escreverão cartas e as endereçarão aos próprios

colegas do grupo e os componentes dos grupos 3 e 4 irão até o laboratório de

informática. Os do grupo 3 mandarão e-mails aos colegas e os do grupo 4

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conversarão entre si através de mensagens do facebook, certo? Os grupos 3 e 4

imprimirão os textos. Vocês têm 50 minutos para executarem a tarefa.

Assim que os alunos estiverem com a atividade concluída, o professor pode

tratar de alguns usos da vírgula, por exemplo, através dos próprios textos

produzidos pelos alunos:

Fala do professor

Muito bem, vou pegar alguns textos que vocês produziram hoje, para uma

análise linguística. Começamos com o grupo 1, o grupo que trocou bilhetes entre

si.

Exemplos:

Ana,

Esta aula ficou bem divertida. Só de não ter conteúdo, já ta valendo, né.

Menos matéria para a prova, kkkkkk.

Jorjão

Vamo jogar bola hoje depois aula? Não tem prova amanhã. Pra mim fica mais

fácil no campinho lá perto de casa. Vamo?

Bem, os dois textos apresentados, como vocês já sabem, pertencem ao gênero

textual que chamamos bilhete. Frequentemente, os bilhetes têm a função de

fornecer uma informação, questionar sobre algo, obter uma resposta, relatar algum

ocorrido, etc. Com certeza, você já trocou vários deles com seus colegas de sala.

Em relação aos nomes que servem para fazer o chamamento (vocativo) “Ana” e

“Jorjão”, podemos observar que um foi isolado por vírgula e o outro não. Se tais

vocativos aparecessem num contexto onde a língua culta se fizesse necessária, aí

a vírgula seria uma exigência. Outra característica do bilhete é que o registro da

língua é bem mais informal. Observem o uso de “ta, né, vamo”.

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Bem, agora vamos analisar duas cartas do grupo 2:48

Santa Maria novembro de 2013

Oi Carla

Como tão as coisas por aí? Aqui tudo bem mas não guento mais essa chuva daqui uns dias viro

uma sapinha gordinha, hehehe. O pior são as roupas que ficam com cheiro ruim de secar dentro

de casa. Cheirinho insuportável. E teus pais estão bem? A mãe disse que vai convidar vocês pra

passarem o Natal por aqui. Já avisa eles para não marcarem nada. Vejo se vai ter alguma boate e

te aviso.

Tu nem sabe, fiquei com o meu vizinho foi só um beijo e meio sem graça. Continuamos

nos falando no face mas acho que não vais dar certo, ele é meio estranho e insiste já ter visto

disco voadores. Enquanto isso tenho estudado para o vestibular, a mãe já falou que se não

passar, vou ter que trabalhar para pagar o cursinho.

E a praia? Vocês vão ir este ano. O pai falou que quer economizar para trocar de carro.

Mas ele sempre fala isso e acaba indo. Kkkkkkkkkkkk. Quero nem que seja passar um fim de

semana para rever o povo e um ser em especial. Acho que era isso. Vê se me responde. Bjinho

da Bia.

Santa Maria, 23 de abril de 2016.

Cara Professora Jéssica,

Estamos muitos satisfeitos com a metodologia que a senhora vem apresentando em sala

de aula. Estávamos acostumados a decorar regras e aplicá-las em dia de prova. Acontece que,

depois que passava esse período, na maioria das vezes esquecíamos tudo.

Agora tem sido diferente, pois as atividades propostas pela senhora têm uma lógica, ou

seja, nós conseguimos perceber como funciona a nossa língua, pois em cada situação em que

nós a usamos, temos um jeito de nos expressarmos, tanto que já corrigimos 10 vezes esta carta

para não cometermos nenhum erro, pois optamos, em virtude do contexto, apresentar-lhe um

texto de acordo com o padrão mais formal de nossa língua.

Mais uma vez, vimos agradecer a senhora por estar nos possibilitando estudar a língua de

uma maneira até então nova para nós. Com certeza, tiraremos muito proveito desses nossos

encontros em sala de aula.

Cordialmente,

Paulo, Cristina e Jordana

7.1 ESTRATÉGIAS DE ABORDAGEM

48 Ambas as cartas foram escritas pelo autor do texto.

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a) Identificação e descrição do gênero:

É um gênero escrito em primeira pessoa. Apresenta, normalmente, algumas

características, como a indicação do local e data; destinatário (vocativo), uma

saudação. É um texto com a mensagem que tem a finalidade de dar notícias, manter

relações sociais, fazer um convite, um pedido, entre outros e terminam com uma

saudação final, ou despedida.

b) Leitura

Fulano de tal lerá a carta número um e a Fulana de tal, a carta número 2.

c) Gênero e Sociedade

Embora esteja sendo substituída por outros meios mais modernos de comunicação,

como o e-mail, o Messenger, as mensagens de whatshapp e facebook, as cartas

ainda são escritas por muitas pessoas que não dominam ou não têm acesso a essas

tecnologias, como também há pessoas que as escrevem por preferência. Em muitas

localidades afastadas dos grandes centros, no Norte e Nordeste do país,

principalmente, não há nem energia elétrica, quanto mais sinal de internet.

d) Registro da Língua

Notem que a primeira carta lida tem um padrão bem mais informal, não foi dada

muita atenção à pontuação. O vocativo não ficou isolado por vírgula, como também a

localidade (Santa Maria) não está separada por vírgula da data. Não foi usada a

vírgula antes da conjunção “mas”, entre outros desvios que podemos observar. A

segunda carta foi endereçada a mim, e como podem ver a linguagem é mais formal.

Todas as vírgulas no seu lugar, a vírgula da data, do vocativo, etc

e) Produção de texto

Imagine-se tendo que justificar o atraso na entrega de um trabalho a seu professor.

Escreva uma carta, coloque em um envelope, mas que pode ser entregue em mãos.

Forneça, no mínimo, três motivos pelos quais o trabalho não foi entregue. Para isso,

exponha com clareza seus motivos e use uma linguagem adequada para esse tipo

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de situação. Lembre: o seu interlocutor é um professor, por isso se trata de uma

situação mais formal do que se você estivesse se dirigindo a um colega. A correção

da linguagem é indispensável.

f) Aspectos Gramaticais

Momento em que o professor deverá interferir no texto, se julgar relevante fazer

alguma observação em relação a normas e recursos gramaticais que sejam

importantes para que o aluno domine melhor o gênero em questão. Antes da

produção dos textos, o professor apenas mencionou determinados aspectos

gramaticais (pontuação e vocativo), mas não trabalhou regras com eles.

g) Exercícios

Se o pessoal do grupo 1 fosse escrever um bilhete ao professor49, informando que ele

está com o fecho aberto. Qual a redação você considera mais adequada?

Depois de trabalhar com diversos gêneros, o professor poderá propor

várias atividades complementares. Essas atividades complementares se

constituem em importantes ferramentas para a compreensão, aplicação e fixação

dos conteúdos estudados. Nesta etapa de vida dos estudantes - Ensino Médio -

cabe ao professor estar atento ao tipo de questões que o aluno terá que resolver

quando for enfrentar um vestibular ou a própria prova do ENEM50.

Leitura e compreensão

49 Textos escritos pelo autor 50 ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio

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Fonte: Pinterest: o catálogo de ideias51 Fonte: Esquina do Tempo Magazine Cultural52

1) Nos textos acima, o que produz o efeito de humor se levarmos em consideração tanto os aspectos linguísticos como os não-linguísticos?

Leia com atenção os textos que seguem:

TEXTO 0153

Sejam chatos!

Ouvi pelas ondas do radio que só neste final de semana, foram computadas 16 mortes entre crimes e acidentes. Enquanto seus pais dormiam o sono dos justos, filhos foram assassinados, seja pelas mãos criminosas dos costumeiros e cotidianos bandidos, que brotam como erva braba, seja nas mãos de jovens embriagados ao volante de seus carros. Me chamou a atenção uma menina de nome Juliana com apenas 19 anos, pois conhecera o jovem uma semana antes e fatalmente morreu entre as ferragens do carro do namorado novo no impacto com um poste. Aqui em casa temos um compromisso. .quem bebe não dirige! Nem entra em carro cujo condutor bebe. Não acredito em hora marcada pra morrer, que está escrito no livro da vida e blá,blá,blá! Mas acredito em prevenção, bêbado acha tudo fácil inclusive se esborrachar e levar com ele a vida

alheia! Srs pais mais cuidado com a vida dos seus... se informem! Exijam! Sejam até "chatos!" O que não pode é se privar da presença mais sagrada que são os nossos filhos! Portanto, como se diz no face: Fica a dica!

(Beto Pires, facebook 26 de maio de 2014, acesso em 25 de agosto)

TEXTO 0254

51 Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/325455510551079928/ Acesso em 07 de outubro de 2016. 52 Disponível em: http://brito-semedo.blogs.sapo.cv/o-bode-expiatorio-483863. Acesso em 07 de outubro de 2016 53 Disponível em: https://www.facebook.com/beto.pires.33?fref=ts. Acesso em 07 de outubro de 2016.

Figura 19: Procura-se um relacionamento Figura 20: Bode expiatório

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- Imagine, delegado, que eu estava a caçar tigres no meio da selva, na região de Punjab, com um amigo chamado Wilfred Marmeduke, quando ele foi picado por uma naja, num lugar muito delicado... como direi... bem na extremidade do pênis. - Por que logo ali?! – horrorizou-se Mello Pimenta. - Mearmeduke resolveu dar vazão a uma premente necessidade fisiológica, e o jato acertou, por acaso, na cabeça da serpente adormecida. - Terrível! - Vi que não conseguiria transportá-lo, pois Wilfred contorcia-se em dores pavorosas. Montei no meu cavalo e voei em direção à aldeia mais próxima. Pretendia buscar lá o único médico, mas o homem estava em meio a uma cirurgia. Perguntei-lhe, então, como eu deveria proceder. - Que disse o médico? – quis saber, ansioso, Mello Pimenta. - Disse que só havia uma maneira de evitar a morte do querido meu amigo, por quem eu nutria imensa afeição. Mandou que fizesse uma incisão com uma faca, no local da mordida, e sugasse com minha boca todo o veneno. - Fantástico, senhor Holmes. E assim o senhor salvou-lhe a vida? - Não, delegado, ele morreu – respondeu Sherlock Holmes, o olhar perdido no horizonte. ( Fragmento de O Xangô de Baker Street, pag. 258/259)

Como você deve ter percebido, na escritura dos textos propostos há

algumas diferenças em relação à estrutura dos textos, ao emprego da

linguagem e ao estilo. No primeiro texto, ao mesmo tempo em que o autor

conta um fato ocorrido, vai tecendo considerações a respeito da temática

que propõe e, no final, interpela o destinatário). Já, no segundo texto, o

caráter ficcional nos parece evidente e a intenção do autor é a de construir

uma história para apresentar a seus leitores.

Análise textual/linguística

Levando em consideração os dois textos apresentados, propomos as

seguintes questões:

1) Os textos apresentados pertencem a gêneros diferentes. Qual deles

você se sente mais à vontade para escrever?

2) Por quê?

3) Que diferenças você consegue perceber entre os dois textos?

54 Disponível em: http://www.mellho.com/frases/xango-de-baker-street-o. Acesso em 08 de outubro de 2016.

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4) Se levarmos em consideração apenas os aspectos gramaticais, qual

dos dois textos apresenta uma maior “formalidade” em relação ao uso

da língua?

5) Por suas experiências como leitor, além do facebook, em qual outro

canal de comunicação você poderia encontrar o texto 01?

Produção de texto

6) De acordo com sua resposta referente à questão 1, produza um texto

baseado na proposta a seguir:

a) Se sua resposta foi texto 1, dê sua opinião sobre o tema álcool x

direção.

b) Se sua resposta foi texto 2, produza um pequeno texto que tenha

como protagonista um detetive.

Mostra e leituras de textos

Releia seu texto. Observe a pronúncia adequada das palavras, marque

bem as pausas e prepare sua voz. Ler seu texto para os colegas é um privilégio,

além de ser uma troca de opiniões. Assim, interaja. Não fique apenas olhando

para o texto, olhe para seu público, principalmente antes das pausas mais

expressivas.

Aspectos gramaticais

7) No texto 1, há marcas da linguagem informal, muito presente nos textos

que circulam no Facebook. Quais?

8) Os termos destacados abaixo exercem uma mesma função sintática, no

enunciado e são chamados de vocativo nos estudos gramaticais. Qual a

função deste termo, o vocativo?

a) Imagine, delegado, que eu estava a caçar tigres no meio da selva (...)

b) Fantástico, senhor Holmes. E assim o senhor salvou-lhe a vida?

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c) Srs pais mais cuidado com a vida dos seus... se informem!

9) Imagine-se na função de revisor de textos de um jornal. Que alterações

você faria no texto 1?

10) No texto 2, há uma palavra que marca uma oposição entre duas ideias.

Volte ao texto e procure identificá-la. Depois, procure palavras que

possam substituí-la55.

Pesquisa

11) Em um jornal de circulação diária, selecione uma notícia e um texto

opinativo e verifique em que aspectos e por que são diferentes.

Nesse contexto sugerido, as atividades de reflexão linguística aqui

abordadas se constituem no embrião do que viemos fazendo ao longo deste

estudo, a partir de contextos reais de uso da língua. Assim, a análise linguística e

suas implicações se configuram como peça fundamental desta proposta.

O exemplo a seguir é modelo de uma prática que apliquei na segunda série

do CTISM (Colégio Técnico Industrial de Santa Maria) assim que retornei às

atividades em sala de aula. Antes de trabalhar com o material que se segue,

revisei com os alunos alguns conceitos fundamentais relacionados à linguagem,

língua, gramática, texto e gêneros.

Ao proceder assim, estava preparando os alunos para um novo formato de

aula, pois em conversas preliminares, falaram-me que no primeiro ano, o

professor não abordou nenhum aspecto gramatical, muito menos trabalhou com

os gêneros discursivos. Segundo a turma, o professor trabalhou essencialmente

com interpretação de texto, principalmente os literários.

Segue-se o exemplo:

55 O professor poderá levar o aluno a perceber a função do “mas” na progressão da narrativa.

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Colégio Técnico Industrial de Santa Maria

Língua Portuguesa - Prof. Saigon Quevedo (2ª Série) – Módulo 01

GÊNEROS DISCURSIVOS

EXEMPLIFICANDO E NOMEANDO OS GÊNEROS

ABAIXO-ASSINADO

I) IDENTIFICAÇÃO E DESCRIÇÃO DO GÊNERO56

A democracia cria pessoas livres que podem expressar seus pensamentos e opiniões, reivindicar acerca de algum assunto em se tratando de situações específicas, enfim. Tais aspectos, quando contextualizados às situações sociocomunicativas de que fazemos parte, parecem ganhar ainda mais notoriedade, sobretudo fazendo referência aos gêneros discursivos/textuais. Alguns deles, por excelência, caracterizam-se como sendo essencialmente argumentativos, os quais possibilitam ao emissor se posicionar criticamente frente a um determinado problema, com o intuito de direcioná-lo a uma pessoa com plenos poderes para apresentar as devidas soluções. Entre tais modalidades, figuram o manifesto, a carta argumentativa e este do qual falamos: o abaixo-assinado. Por tratar de assuntos de interesses coletivos, o abaixo-assinado permite que um grupo de pessoas se reúna e faça a solicitação necessária, podendo essa ser endereçada a um prefeito, ao reitor de uma universidade, ao síndico de um condomínio, entre outros. Dessa forma, trata-se de uma situação, cujo contexto requer um tratamento específico, sobretudo em se tratando do padrão formal da linguagem. Assim, a estrutura atribuída a tal gênero obedece aos seguintes parâmetros (“tipos de enunciados relativamente estáveis”):

56 Disponível em: (http://brasilescola.uol.com.br/redacao/abaixo-assinado.htm), acesso em: 20 março 2017.

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Vocativo – Trata-se de um espaço no qual deverá conter o nome do destinatário/interlocutor e/ou o cargo, seguido do pronome de tratamento adequado.

Corpo do texto – Parte que apresenta a exposição dos argumentos propriamente ditos, acompanhados das respectivas

solicitações que os justifiquem.

Local, data e assinatura dos solicitantes – Junto das assinaturas é possível conter dados pessoais, tais como o

documento de identidade, endereço, título de eleitor, entre outros.

II) LEITURA57

Nizo Neto faz abaixo-assinado contra a liberação do chá Ayahuasca Bebida usada pelos indígenas foi consumida pelo filho do ator, Rian Brito, encontrado

morto na praia de Quissamã, Norte Fluminense.

Nizo Neto lançou um abaixo-assinado pedindo o fim da liberação do consumo do chá Ayahuasca. A bebida foi usada

por seu filho, Rian Brito, no Centro de Estudos Xamânicos Porta do Sol, local que utiliza a bebida psicoativa Ayahuasca

- chá feito com uma combinação de plantas - em rituais com foco no desenvolvimento espiritual dos participantes. Rian

esteve no centro há dois anos e tomou o chá por quatro vezes. Em uma entrevista ao EGO, Nizo disse que o chá seria

responsável por mudanças em Rian, que o levaram ao episódio fatal em que o rapaz se afogou em uma praia de

Quissamã, no Norte Fluminense.

Veja a íntegra do abaixo assinado criado por Nizo Neto:

"Qualquer pessoa com a vida equilibrada e saudável pode ser incompatível a qualquer droga: maconha, cocaína, álcool, etc. Não tem como saber antes de tomá-la, não existem exames médicos e científicos que comprovem que ela causará um efeito devastador nesta pessoa e a única forma de saber é experimentando, e levando em consideração que o Ayahuasca é uma prática usada no sistema religioso. Se você for incompatível terá sua vida destruída, pois para esses o Ayahuasca funciona exatamente como uma droga. Para evitar as próximas vítimas, já que a vida do meu filho, Rian Brito, se foi por 4 doses deste chá, por não conhecermos o lado negativo do AYAHUASCA, a partir de agora deveria ser PROIBIDO o uso deste alucinógeno. Sendo Igreja ou Centro de Estudos, que é um título muito mais sedutor para os universitários e curiosos comprarem, do que nas ruas como uma droga qualquer. Os benefícios do Ayahuasca já têm sido divulgados há 40 anos aproximadamente. Mas o lado negativo deste alucinógeno, se tivesse sido divulgado, ele não teria experimentado, e estaria aqui comigo. Venho recebendo relatos de muitas outras vítimas que nunca tiveram voz querendo se juntar a este nosso pedido. Que a passagem do Rian seja, pelo menos, para salvar vidas.”

DEIXE O AYAHUASCA NAS MÃOS DOS INDÍGENAS NAS ALDEIAS, DE ONDE NUNCA DEVERIA TER SAÍDO.

ENTENDA O CASO

57 Disponível em: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/03/nizo-neto). Acesso em: 20 março

2017.

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O corpo de Rian Brito, neto de Chico Anysio e filho de Nizo Neto, foi cremado neste domingo, 6, no Cemitério São Francisco Xavier, no Caju, na Zona Portuária do Rio. Rian estava desaparecido desde o dia 23 de fevereiro. A última imagem que se tinha dele era do rapaz saindo do Shopping Fashion Mall, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Câmeras do centro comercial fizeram imagens do desaparecido entrando em um táxi. No shopping, o filho de Nizo Neto fez um saque bancário, cujo valor não foi divulgado.

Na segunda-feira, 29, pertences de Rian foram encontrados em Quissamã, município do Norte Fluminense, localizado a mais de 240 km do Rio, intrigando a todos. As roupas e os documentos estavam em uma área isolada, de mata virgem e difícil acesso, localizada entre a Lagoa do Paulista e o mar.

Na quarta-feira, 2, a mãe de Rian teve acesso às imagens feitas pelas câmeras da rodoviária Novo Rio que mostram o filho embarcando sozinho em um ônibus para Quissamã, resolvendo o mistério para onde ele teria ido após pegar o táxi no shopping Fashion Mall. Na quinta-feira, 3, o corpo de Rian foi encontrado 8 km antes do farol da Praia de Flexeiras, graças a uma denúncia que chegou até a Defesa Civil de Quissamã e a Guarda Municipal. O pescador Aguinaldo Menezes e seu amigo Marcelo, que é guarda municipal, pescavam juntos quando encontraram o corpo e comunicaram às autoridades. (IN: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/03)

III) PRODUZINDO O ABAIXO-ASSINADO58

FILAS NO RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO a) Histórico:

O Restaurante Universitário da UEL foi construído a partir das Lutas dos Estudantes. O RU era localizado na antiga Casa dos Estudantes Universitário na Avenida JK e foi uma importante conquista. A partir da década de 90, o RU passou a ser localizado no campus Central da UEL e hoje oferece cerca de 4 mil refeições diárias. O numero de estudantes da Universidade não é mais o mesmo, no entanto o RU não acompanhou esse crescimento.

b) Situação Atual/motivação

Atualmente, as filas do RU são imensas, como demonstra a recente publicação da administração do Restaurante:

“DEVIDO O AUMENTO DO FLUXO DE USUÁRIOS DO R.U., INFORMAMOS QUE NOS DIAS EM QUE A RETIRADA DA SENHA ULTRAPASSAR O Nº 190, SERÁ DADO CONTINUIDADE NA DISTRIBUIÇÃO DA MESMA, PARA CONTROLE DE HORÁRIO, A QUAL SERÁ ENTREGUE ATÉ ÀS 13h e 50 min. SOMENTE SERÁ PERMITIDO ACESSO AOS REFEITÓRIOS APÓS AS 13h: 50m, USUÁRIOS PORTANDO A SENHA, ASSIM JUSTIFICANDO A PRESENÇA DO MESMO”

c) Justificativa

Nós estudantes que discutimos a Universidade que queremos, temos uma compreensão de Restaurante Universitário diferente da demonstrada pelo DCE-UEL “UEL de cara nova” (Diretório Central dos Estudantes). Em seu material divulgado no começo do ano para a recepção dos calouros “Guia do Estudante”, o DCE apresenta sua concepção de RU:

58 Disponível em: https://anelondrina.wordpress.com/2011/05/12/o-ru-que-queremos/. Acesso em: 20 março 2017.

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“Local a princípio para a alimentação dos estudantes, porém, suas longas filas servem para que exista maior socialização e integração entre os estudantes de diversos cursos que esperam para fazer sua refeição” (Guia do Estudante UEL, DCE-UEL de Cara Nova).

Nós acreditamos que as filas são consequência, da falta de investimento na universidade e falta de política para a permanência estudantil. O RU que queremos é aquele que atende as necessidades dos estudantes, pondo fim às longas filas. Acreditamos que para alcançar o RU que queremos, é necessária a imediata ampliação do RU, promessa realizada pela atual reitora em sua campanha, mas que ainda não tomou nenhuma medida.

d) Dando forma ao abaixo-assinado

(A quem se dirige? Qual autoridade deverá recebê-lo? Reitor? Pró-reitor? Qual o pronome

de tratamento adequado? Qual o assunto? Quais os principais argumentos? Qual o

agradecimento formal ao final do texto? Quem assina? Haverá espaço para o número de

matrícula ou do RG?)

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IV) GÊNERO E SOCIEDADE

O abaixo-assinado traz, em sua essência, o aspecto essencialmente argumentativo, cuja

finalidade discursiva é expor posicionamentos acerca de um determinado fato. Assim,

podemos dizer que sua relação com a sociedade se dá em momentos de reivindicação,

sempre com a finalidade de buscar a solução de problemas que preocupam/afetam

determinados grupos sociais.

V) REGISTRO DA LÍNGUA

Norma culta é o conjunto de regras e padrões linguísticos que define o uso adequado da

língua portuguesa em situações onde certa formalidade se exige, principalmente em

textos escritos. Considerada a variedade linguística de maior prestígio, é utilizada em

documentos oficiais, artigos científicos, trabalhos acadêmicos, documento jurídicos,

abaixo-assinados, etc.

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VI) ASPECTOS GRAMATICAIS59

PRONOMES NO ENEM

(ENEM 2011) O humor da tira decorre da reação de uma das cobras com relação ao uso de pronome pessoal reto, em vez de pronome oblíquo. De acordo com a norma-

padrão da língua, esse uso é inadequado, pois

A) contraria o uso previsto para o registro oral da língua. B) contraria a marcação das funções sintáticas de sujeito e objeto. C) gera inadequação na concordância com o verbo. D) gera ambiguidade na leitura do texto. E) apresenta dupla marcação de sujeito.

(ENEM 2014) O uso do pronome átono no início das frases é destacado por um poeta e por um gramático nos textos abaixo:

59 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=pronomes+de+tratamento. Acesso em: 22 março 2017.

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Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro.

(ANDRADE, Oswald de. Seleção de textos. São Paulo: Nova Cultural, 1988.)

Comparando a explicação dada pelos autores sobre essa regra, pode-se afirmar

que ambos:

a) Condenam essa regra gramatical

b) Acreditam que apenas os esclarecidos sabem essa regra.

c) Criticam a presença de regras na gramática.

d) Afirmam que não há regras para uso de pronomes.

e) Relativizam essa regra gramatical.

VII) INTERPRETAÇÃO DE TEXTO Adolescentes: mais altos, gordos e preguiçosos

A oferta de produtos industrializados e a falta de tempo têm sua parcela de responsabilidade no aumento da silhueta dos jovens. “Os nossos hábitos alimentares, de modo geral, mudaram muito”, observa Vivian Ellinger, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), no Rio de Janeiro. Pesquisas mostram que, aqui no Brasil, estamos exagerando no sal e no açúcar, além de tomar pouco leite e comer menos frutas e feijão.

Outro pecado, velho conhecido de quem exibe excesso de gordura por causa da gula, surge como marca da nova geração: a preguiça. “Cem por cento das meninas que participam do Programa não praticavam nenhum esporte”, revela a psicóloga Cristina Freire, que monitora o desenvolvimento emocional das voluntárias.

Você* provavelmente já sabe quais são as consequências de uma rotina sedentária e cheia de gordura. “E não é novidade que os obesos têm uma sobrevida menor”, acredita Claudia Cozer, endocrinologista da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Mas, se há cinco anos os estudos projetavam um futuro sombrio para os jovens, no cenário atual as doenças que viriam na velhice já são parte da rotina deles. “Os adolescentes já estão sofrendo com hipertensão e diabete”, exemplifica Claudia. DESGUALDO, P. Revista Saúde. Disponível em: http://saude.abril.com.br. Acesso em: 28 jul. 2012 (adaptado).

(ENEM 2013) Sobre a relação entre os hábitos da população adolescente e as suas condições de saúde, as informações apresentadas no texto indicam que a) a falta de atividade física somada a uma alimentação nutricionalmente desequilibrada constituem fatores relacionados ao aparecimento de doenças crônicas entre os adolescentes.

“Iniciar a frase com pronome átono só é lícito na

conversação familiar, despreocupada, ou na língua

escrita quando se deseja reproduzir a fala dos

personagens (…)”.

(CEGALLA. Domingos Paschoal. Novíssima

gramática da língua portuguesa. São Paulo:

Nacional, 1980.)

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b) a diminuição do consumo de alimentos fontes de carboidratos combinada com um maior consumo de alimentos ricos em proteínas contribuíram para o aumento da obesidade entre os adolescentes. c) a maior participação dos alimentos industrializados e gordurosos na dieta da população adolescente tem tornado escasso o consumo de sais e açúcares, o que prejudica o equilíbrio metabólico. d) a ocorrência de casos de hipertensão e diabetes entre os adolescentes advém das condições de alimentação, enquanto que na população adulta os fatores hereditários são preponderantes. e) a prática regular de atividade física é um importante fator de controle da diabetes entre a população adolescente, por provocar um constante aumento da pressão arterial sistólica.

(Enem 2012)60 A publicidade, de uma forma geral, alia elementos verbais e imagéticos na constituição de seus textos. Nessa peça publicitária, cujo tema é a sustentabilidade, o autor procura convencer o leitor a

a) assumir uma atitude reflexiva diante dos fenômenos naturais. b) evitar o consumo excessivo de produtos reutilizáveis. c) aderir à onda sustentável, evitando o consumo excessivo. d) abraçar a campanha, desenvolvendo projetos sustentáveis. e) consumir produtos de modo responsável e ecológico.

VIII) LÍNGUA VIVA

*Você é uma forma evoluída do pronome de tratamento VOSSA MERCÊ vossemercê = vosmecê = você = ocê = cê

Na prática, seu emprego é de segunda pessoa, já que é usado com referência à pessoa com quem se fala (tu) e não à pessoa de quem se fala. Entretanto, em razão da origem, “você” é pronome de tratamento - da mesma forma que “Vossa Excelência”, “Vossa Senhoria”, “Vossa Majestade”,“Vossa Alteza” e outros - e como tal é da terceira pessoa do singular (plural: vocês). Por isso, leva o verbo para a terceira pessoa: “Você é meu amigo” e “Vocês podem ir”.

60 Questão 106, Enem 2012. Disponível em: www.portaldapropaganda.com.br. Acesso em: 21 março 2017.

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E POR FALAR NISSO:61

O “tu” está saindo do vocabulário dos gaúchos?

Há algumas semanas, um post no Facebook do jornalista André Benedetti, 39 anos,

causou burburinho na rede social sobre o uso do pronome da segunda pessoa no sul do país. O morador de Caxias do Sul escreveu que seus filhos e as crianças com quem ele convive têm o hábito de usar o “você”. Não demorou para que outras pessoas se identificassem com a situação. Estava lançada a polêmica: estaria o gaúcho abrindo mão do “tu”?

Leia os seguintes depoimentos:

"O "tu" gaúcho está agonizante, mantido só à base de aparelhos. A dificuldade em conjugar a 2ª pessoa do singular é

sintoma, e não causa. Na verdade, está havendo uma "concertação” nacional: usamos o TU e o VOCÊ com o verbo na terceira do singular (os gaúchos aqui fazem feio), e os pronomes TE, TI, TEU e TUA para qualquer interlocutor,

independentemente de o chamarmos de TU ou VOCÊ (“Você precisa entender que eu TE amo”, “Se você não se cuidar, a AIDS vai te pegar” – aqui, o resto do Brasil é que faz feio).” Cláudio Moreno, professor

Pesquisadores da área de linguística como Gabriel Othero, do Instituto de Letras da UFRGS, desmitificam que aqui no

Rio Grande do Sul o “tu” é estritamente soberano. Desde a década de 1970, o “você” era pouco usado na região, mas,

gradativamente, o processo que começou no Paraná, avançou por Santa Catarina e já chegou por aqui pode, no futuro,

mudar a ideia de que gaúcho só usa o “tu”. Sim, o “você” está cada vez mais comum, principalmente na Capital. Essas

transformações na linguagem são documentadas pelo grupo de pesquisa que reúne quatro universidades do sul do

país, o Variação Linguística na Região Sul do Brasil (Varsul).

Ana Rangel, coordenadora do curso de Pedagogia da UniRitter, notou a diferença em casa e recorda que, há 15 anos,

era mais difícil ouvir o “você” no Rio Grande do Sul. Ela acredita que o Estado está mais multicultural, o que pode

contribuir para as mudanças na linguagem:

– A criança vai aprender as variações da língua com pessoas que são importantes para ela e com as quais convive no

dia a dia, como professores e família, mas é especialmente influenciada pelos colegas – completa.

E você, opa, e tu já notaste esse fato no teu dia a dia? _______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

_______________________________________________________________________________________

61 Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/noticia/2015/10/o-tu-esta-saindo-do-vocabulario-dos-gauchos-4890170.html. Acesso em: 24 março 2017.

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Após o término do módulo, que foi ministrado em 6 períodos de aula, pude

constatar que a aceitação por parte dos alunos foi muito boa, justamente porque

para produzir o gênero abaixo-assinado, eles precisavam ter conhecimento sobre

os pronomes, principalmente os de tratamento. Junto a isso, desenvolveram

outras habilidades também, como a própria produção de texto, a leitura e a

compreensão.

Na prática, perceberam que, muitas vezes vai ser preciso, por parte do

professor, trabalhar algum aspecto gramatical e que a escola é o ambiente

propício para se abordar determinadas normas gramaticais, sempre

intencionando a adaptação da língua nos mais diversos ambientes sociais.

8 UM FIM QUE NÃO SE ENCERRA

Este trabalho buscou, incessantemente, comprovar que o ensino da Língua

Portuguesa precisa ser revisto e de forma urgente. Os tempos são outros e o

professor precisa reinventar-se, porque os alunos não são mais os mesmos:

novas tecnologias, novos interesses e, consequentemente, novas formas de

aprender têm que ser propostas e revistas com quase a mesma velocidade com

que se lançam novos equipamentos tecnológicos.

Com o advento da Linguística, fomos contemplados com várias teorias,

entre elas, a Teoria dos Gêneros Discursivos proposta por Mikhail Bakhtin (1895 –

1975). Para o Bakhtin (2000), em um texto, o conteúdo temático, o estilo e a

construção composicional se solidificam no todo do enunciado e são marcados

pela especificidade de uma esfera da comunicação, que constrói, assim, seus

tipos relativamente estáveis de enunciados, os chamados gêneros do discurso.

Por concordamos com o autor quando ele afirma que a comunicação

humana não é possível senão por meio de gêneros, buscamos comprovar a

necessidade de apresentarmos um estudo que tenha como fim último o domínio

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de gêneros com os quais os alunos possam mais facilmente atuar e agir nos

diferentes grupos sociais a que pertencem.

Por outro lado, quanto ao ensino da língua, o próprio MEC, através do

OCEM (BRASIL: 2006,35), não exclui o ensino da gramática quando expõe que

cabe, sim, à escola, juntamente com professores, precisar os conteúdos que

serão transformados em objetos de ensino e de aprendizagem, assim como os

métodos com os quais se efetivará sua operacionalização. Salienta, também, que

a assunção desse expediente é de extrema importância na organização de seu

projeto pedagógico, já que a proposição dos conteúdos lecionados é uma ação

que traz à cena a concepção que a escola tem dos papéis de aluno e professor e

do que vem ser ensinar e aprender.

Também, no mesmo documento, Eixos organizadores das Atividades de

Língua Portuguesa no Ensino Médio – Análise dos fatores de variabilidade das (e

nas) Práticas de Língua(gem) - há, com foco das atividades de análise, os

seguintes tópicos:

Ações de escrita: • ortografia e acentuação; • construção e reformulação (substituição, deslocamento, apagamento e acréscimo) de segmentos textuais de diferentes extensões e naturezas (orações, períodos, parágrafos, seqüências ou tipos textuais); • função e uso da topografia do texto (envolvendo a disposição do texto na página, sua paragrafação, sua subdivisão em seqüências, a eventual divisão em colunas, os marcadores de enumeração, etc.) e de elementos tipográficos essenciais à produção de sentidos (o que diz respeito à pontuação, com especial atenção para o uso de aspas, parênteses e travessões). (BRASIL, OCEM: 2006, 38. Grifo nosso)

Os eixos norteadores do ensino da Língua Portuguesa (BRASIL, 1997)

priorizam a leitura, a produção de textos escritos, a oralidade e a análise

linguística. Em relação à leitura, o documento destaca a importância da reflexão

sobre a leitura como objeto de ensino, suas estratégias, seu uso diário e a

indicação de bons textos, capazes de proporcionar aos alunos aprender assuntos

de seu interesse. Quanto à produção de textos escritos, os PCNs destacam a

possibilidade de uma maior consciência acerca das unidades linguísticas e um

maior contato com as formas textuais, que garanta progressão de aprendizagem

e propicie maior autonomia reflexiva. A oralidade aparece no texto do documente

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em questão como um instrumento que propicie aos alunos criar, contar, recontar,

narrar, etc, e, também, que saibam sua vez de falar. Por fim, a análise linguística

que considera quais conhecimentos já foram construídos pelos alunos e como

eles se apropriam deles.

Já no Ensino Médio, são dois os eixos organizadores das atividades de

Língua Portuguesa: Práticas de Linguagens e Análise dos fatores de variabilidade

das (e nas) Práticas de linguagens.

Nas práticas de linguagem (BRASIL, 2006), aparecem atividades de

produção e recepção de textos: atividades de produção escrita e de leitura de

textos gerados nas diferentes esferas de atividades sociais (públicas e privadas)

atividades de produção de textos (palestras, debates, seminários, teatro, etc.) em

eventos da oralidade. Também, há atividades de escuta de textos (palestras,

debates, seminários, etc.) em situação de leitura em voz alta, atividades de

retextualização, como produção escrita de textos a partir de outros textos, orais

ou escritos, tomados como base ou fonte e atividades de reflexão sobre textos,

orais e escritos, produzidos pelo próprio aluno ou não.

Já na análise dos fatores de variabilidade das (e nas) Práticas de

linguagens (BRASIL, 2006), temos as seguintes estratégias no foco das

atividades em análise: elementos pragmáticos envolvidos nas situações de

interação em que emergem os gêneros em estudo e sua materialidade – os textos

em análise, estratégias textualizadoras, mecanismos enunciativos,

intertextualidade e ações de escrita.

Essas são estratégias que estão ao alcance dos professores e que

podem ser usadas no dia a dia da sala de aula, muitas delas reproduzidas por nós

ao longo do capítulo anterior, como um mecanismo que possibilite tornar o ensino

mais significativo.

Nossa pesquisa buscou demonstrar que o lugar do ensino da língua culta

é na escola. Se a língua se apresenta como um meio de integração social, é

preciso respeitar as variações linguísticas, principalmente na escola, que não

deve ser um lugar para se reproduzir intolerâncias. Ao contrário, a escola deve

respeito a qualquer variação de que aluno faça uso para poder interagir

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socialmente. Entretanto, ao apresentar ao aluno a língua culta, o professor estará

oportunizando-lhe a possibilidade de expressão dessa variante, já que,

socialmente, há ambientes que a requerem.

Também, de nada adianta a academia trabalhar com novas teorias (e isso

a academia faz) se não buscar a inserção dessas teorias na prática, na sala de

aula, no dia a dia de alunos e professores. Assim, cabe a nós buscarmos novos

métodos a sua exaustão, pois acreditamos ser este o caminho. Se esta ou aquela

metodologia testada não se mostrar muito eficiente, buscaremos uma outra e,

talvez, muitas outras.

Para tanto, apresentamos algumas sugestões para o trabalho com

gêneros e com questões gramaticais relacionadas ao gênero em estudo. Nossas

sugestões têm como objetivo levar o aluno ao uso mais “real” da língua, aquele

que o remete ao seu mundo, através de seus enunciados, que fazem com que ele

aja e interaja nos seus ambientes sociais.

Diante das inúmeras dificuldades que encontramos no nosso dia a dia

como professores, sem considerar as questões relacionadas à estrutura física das

escolas, à qualidade de nossas bibliotecas, ao baixo salário e à qualificação dos

professores e dando ênfase às estratégias empregadas em sala de aula que

visam ao ensino e compreensão do funcionamento da língua materna, cremos ter

optado por uma temática que poderá contribuir com reflexões sobre ensino.

Na verdade, ao trazermos à tona essas reflexões, procuramos contribuir

para um ensino de Língua Portuguesa que vê o aluno como sujeito de suas

escolhas linguísticas, tanto na escola como dentre seu círculo de atuação social.

Que essa reflexão seja capaz de nos mostrar que as normas gramaticais podem

servir de ferramenta para melhor entendermos o gênero, fundamental para o

falante poder construir suas relações sociais e definir seu “estar” na sociedade.

Se no dia a dia do aluno não há lugar para essas reflexões, é na escola que

precisamos tratar dessas questões.

Nesse sentido, procuramos investigar como tem sido a atuação dos

professores em sala de aula, seus métodos e seus materiais de apoio. Também,

comprovamos, através de exemplos colhidos junto às principais gramáticas que

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circulam entre alunos e professores, que os materiais didáticos disponíveis no

mercado editorial não se aproximam daquilo que preveem os PCNs, já que

apenas reproduzem, em sua maioria, os modelos didáticos pré Parâmetros

Curriculares Nacionais, quando a nomenclatura tinha maior destaque do que o

próprio texto.

Se lá na introdução afirmávamos que nosso estudo final resultaria em um

material didático, ao fim desta etapa é hora de reconhecer que a produção do

material que almejamos, requer bem mais tempo do que em princípio

imaginávamos. Ainda não é hora das considerações finais, pois toda proposta

nova há de ser testada e analisada, para a verificação de sua eficiência. De nossa

parte, estaremos buscando um material didático completo, que possibilite a

abordagem das normas gramaticais, sempre que um gênero o exigir tanto para

sua leitura quanto para a produção, ou seja, para que o aluno possa empregar os

recursos linguísticos adequados a cada situação de uso da língua.

Se conseguirmos provar a eficácia de nosso estudo, teremos, com certeza,

dado um grande passo em busca de despertar novamente o interesse pelas aulas

de Língua Portuguesa que para muitos se perdeu em determinado momento de

nossa história recente. Por fim, fica aqui nosso próximo desafio: continuar esta

pesquisa, para efetivamente lançarmos, como material de apoio didático a alunos

e professores, a obra Língua Portuguesa no Ensino Médio: uma proposta

inscrita na Teoria dos Gêneros Discursivos.

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ANEXO A

Competência de área 1 - Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida.

H1 - Identificar as diferentes linguagens e seus recursos expressivos como elementos de caracterização dos sistemas de comunicação.

H2 - Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais.

H3 - Relacionar informações geradas nos sistemas de comunicação e informação, considerando a função social desses sistemas.

H4 - Reconhecer posições críticas aos usos sociais que são feitos das linguagens e dos sistemas de comunicação e informação.

Competência de área 2 - Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais*.

H5 – Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema.

H6 - Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas.

H7 – Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social.

H8 - Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.

Competência de área 3 - Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a própria vida, integradora social e formadora da identidade.

H9 - Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias de necessidades cotidianas de um grupo social.

H10 - Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em função das necessidades cinestésicas.

H11 - Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, considerando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para diferentes indivíduos.

Competência de área 4 - Compreender a arte como saber cultural e estético gerador de significação e integrador da organização do mundo e da própria identidade.

H12 - Reconhecer diferentes funções da arte, do trabalho da produção dos artistas em seus meios culturais.

H13 - Analisar as diversas produções artísticas como meio de explicar diferentes culturas, padrões de beleza e preconceitos.

H14 - Reconhecer o valor da diversidade artística e das inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários grupos sociais e étnicos.

Competência de área 5 - Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,

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organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção.

H15 - Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político.

H16 - Relacionar informações sobre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário.

H17 - Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atualizáveis e permanentes no patrimônio literário nacional.

Competência de área 6 - Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão, comunicação e informação.

H18 - Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.

H19 - Analisar a função da linguagem predominante nos textos em situações específicas de interlocução.

H20 - Reconhecer a importância do patrimônio linguístico para a preservação da memória e da identidade nacional.

Competência de área 7 - Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.

H21 - Reconhecer em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos.

H22 - Relacionar, em diferentes textos, opiniões, temas, assuntos e recursos linguísticos.

H23 - Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público alvo, pela análise dos procedimentos argumentativos utilizados.

H24 - Reconhecer no texto estratégias argumentativas empregadas para o convencimento do público, tais como a intimidação, sedução, comoção, chantagem, entre outras.

Competência de área 8 - Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.

H25 - Identificar, em textos de diferentes gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguísticas sociais, regionais e de registro.

H26 - Relacionar as variedades linguísticas a situações específicas de uso social.

H27 - Reconhecer os usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de comunicação.

Competência de área 9 - Entender os princípios, a natureza, a função e o impacto das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida pessoal e social, no desenvolvimento do conhecimento, associando-o aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dão suporte, às demais tecnologias, aos processos de produção e aos problemas que se propõem solucionar.

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H28 - Reconhecer a função e o impacto social das diferentes tecnologias da comunicação e informação.

H29 - Identificar pela análise de suas linguagens, as tecnologias da comunicação e informação.

H30 - Relacionar as tecnologias de comunicação e informação ao desenvolvimento das sociedades e ao conhecimento que elas produzem.

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ANEXO B

Objetos de conhecimento associados às Matrizes de Referência

1. Linguagem, Códigos e suas Tecnologias

• Estudo do texto: as sequências discursivas e os gêneros textuais no sistema de comunicação e informação - modos de organização da composição textual; atividades de produção escrita e de leitura de textos gerados nas diferentes esferas sociais - públicas e privadas.

• Estudo das práticas corporais: a linguagem corporal como integradora social e formadora de identidade - performance corporal e identidades juvenis; possibilidades de vivência crítica e emancipada do lazer; mitos e verdades sobre os corpos masculino e feminino na sociedade atual; exercício físico e saúde; o corpo e a expressão artística e cultural; o corpo no mundo dos símbolos e como produção da cultura; práticas corporais e autonomia; condicionamentos e esforços físicos; o esporte;. a dança; as lutas; os jogos; as brincadeiras.

• Produção e recepção de textos artísticos: interpretação e representação do mundo para o fortalecimento dos processos de identidade e cidadania – Artes Visuais: estrutura morfológica, sintática, o contexto da obra artística, o contexto da comunidade. Teatro: estrutura morfológica, sintática, o contexto da obra artística, o contexto da comunidade, as fontes de criação. Música: estrutura morfológica, sintática, o contexto da obra artística, o contexto da comunidade, as fontes de criação. Dança: estrutura morfológica, sintática, o contexto da obra artística, o contexto da comunidade, as fontes de criação. Conteúdos estruturantes das linguagens artísticas (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro), elaborados a partir de suas estruturas morfológicas e sintáticas; inclusão, diversidade e multiculturalidade: a valorização da pluralidade expressada nas produções estéticas e artísticas das minorias sociais e dos portadores de necessidades especiais educacionais.

• Estudo do texto literário: relações entre produção literária e processo social, concepções artísticas, procedimentos de construção e recepção de textos - produção literária e processo social; processos de formação literária e de formação nacional; produção de textos literários, sua recepção e a constituição do patrimônio literário nacional; relações entre a dialética cosmopolitismo/localismo e a produção literária nacional; elementos de continuidade e ruptura entre os diversos momentos da literatura brasileira; associações entre concepções artísticas e procedimentos de construção do texto literário em seus gêneros (épico/narrativo, lírico e dramático) e formas diversas.; articulações entre os recursos expressivos e estruturais do texto literário e o processo social relacionado ao momento de sua produção; representação literária: natureza, função, organização e estrutura do texto literário; relações entre literatura, outras artes e outros saberes. • Estudo dos aspectos linguísticos em diferentes textos: recursos expressivos da língua, procedimentos de construção e recepção de textos - organização da macroestrutura semântica e a articulação entre idéias e proposições (relações lógicosemânticas).

• Estudo do texto argumentativo, seus gêneros e recursos linguísticos: argumentação: tipo, gêneros e usos em língua portuguesa - formas de apresentação de diferentes pontos de vista; organização e progressão textual; papéis sociais e comunicativos dos interlocutores, relação entre usos e propósitos comunicativos, função sociocomunicativa do gênero, aspectos da dimensão espaçotemporal em que se produz o texto. • Estudo dos aspectos linguísticos da língua portuguesa: usos da língua: norma culta e variação linguística - uso dos recursos linguísticos em relação ao contexto em que o texto é constituído: elementos de referência pessoal, temporal, espacial, registro linguístico, grau

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de formalidade, seleção lexical, tempos e modos verbais; uso dos recursos linguísticos em processo de coesão textual: elementos de articulação das sequências dos textos ou à construção da micro estrutura do texto.

• Estudo dos gêneros digitais: tecnologia da comunicação e informação: impacto e função social - o texto literário típico da cultura de massa: o suporte textual em gêneros digitais; a caracterização dos interlocutores na comunicação tecnológica.