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9 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 22 a 28 de setembro de 2008 MANUEL ALVES FILHO [email protected] Banda do Zé Pretinho, quem diria, veio parar na academia. Não exatamente para animar a festa, mas para ser, pela primeira vez, objeto de estudo de pós-graduação. A missão ficou a cargo do músico e pes- quisador Alam D’Ávila do Nascimen- to, que investigou a carreira e a obra do inoxidável Jorge Ben Jor, o mais suingado band leader do lado debaixo do Equador. “Meu principal objetivo foi definir o estilo dele. O que pude constatar é que Ben Jor tem um estilo híbrido e original, que pode ser reco- nhecido principalmente por dois aspec- tos. O primeiro está na batida da gui- tarra ou violão, que traz elementos do de tocar e cantar. “Nesse primeiro álbum, por exemplo, as músicas apre- sentavam influências do samba, do jazz e da Bossa Nova”, aponta o au- tor da dissertação. As razões dessas experimentações e fusões podem ser encontradas na biografia de Ben Jor, conforme Alam. Filho de um homem ligado ao carna- val e de uma mãe etíope, o músico bebeu desde pequeno na fonte do samba e de outras sonoridades de matrizes africana. Além disso, na ju- ventude atuou como cantor de boa- tes, o que o obrigava a conhecer e executar vários gêneros. “Ainda na década de 60, Ben Jor começou a transitar pelo Beco das Garrafas, que se transformou uma espécie de QG da Bossa Nova e da boemia do Rio de Janeiro. Lá, ele conheceu o pro- dutor e os músicos que o acompanha- riam na gravação do primeiro disco”, relata o pesquisador. Por esta época, Ben Jor, que se- guia sendo apenas Ben, começou a se tornar popular e a fazer vários shows. Em meados da década de 60, porém, o artista afastou-se da Bossa Nova para se aproximar da Jovem Guarda, movimento que estava em pela ascensão. Essa relação gerou certa tensão com os bossanovistas. “Isso ocorreu porque Ben Jor havia assinado um contrato para participar de seis edições do Fino da Bossa, programa apresentado por Elis Re- gina e Jair Rodrigues. Certo dia, de- pois de duas ou três apresentações, ele se encontrou com Erasmo Carlos, que o convidou para participar de ou- tra atração televisiva, a Jovem Guar- da, e ele foi. O pessoal da Bossa Nova ficou muito irritado e fomentou al- guma antipatia em relação a ele”. Graças a essa aproximação com a turma de Roberto e Erasmo Carlos, Ben Jor passou a incorporar a batida do rock nas suas canções. O namoro com a Jovem Guarda, todavia, não durou muito. No final da década de 60, Ben Jor aproximou-se de um novo movimento musical, a Tropicália, conduzida por Caetano Veloso, Gilberto Gil e mais um grupo de artistas. Naquela oportunidade, par- ticipou da atração Divino e Maravi- lhoso, fez músicas para o programa e compôs canções que o acompanhari- am pelo resto da carreira, tais como País Tropical, Que pena e Cadê Tere- za. Como nunca teve uma participa- ção política muito pronunciada e as canções de protesto começavam a per- der um pouco a força, Ben Jor apro- veitou a década de 70 para dar ainda mais vazão ao seu estilo e flertar com o funk e a soul music que surgiam for- temente no país. No período, registre- se, emergiram nomes importantes como Tim Maia, Cassiano, Carlos Dafé, entre outros. “Penso que é aí que o som de Ben Jor começa a ficar mais Ben Jor”, analisa Alam. Tal característica pode ser cons- tatada, de acordo com o pesquisador, no disco África Brasil, de 1976, que tem uma batida marcadamente funk. Nos anos 80, embora continuasse popular e fazendo muitos shows, in- clusive internacionais, Ben Jor expe- rimentou certo declínio na vendagem de discos. Na segunda metade da dé- cada, ele se aproximou do chamado pop-rock e absorveu alguns de seus elementos. Mas a grande virada na carreira do artista viria na década de 90. Em 1991, depois de quase 30 anos de estrada, ele lançou a música W Brasil e explodiu nas paradas de su- cesso. Também conquistou um públi- co novo, predominantemente jovem, que praticamente não conhecia seus trabalhos anteriores. Para o autor da dissertação de mestrado, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a capacidade de Ben Jor de “dançar conforme a música” revela a habilidade do artista de se reinventar sempre que necessário. “Eu diria que ele sempre soube ab- sorver as referências que o interes- savam, para que pudesse fazer o seu som. O que pontua o trabalho do Ben Jor, e que talvez explique o fato de ele estar sempre presente na mídia e no mercado fonográfico, é o fato de sua música ser dançante. Também é uma música fácil de cantar e que tem sempre um refrão muito bom. Além disso, as letras abordam temas que interessam aos fãs, como futebol, musas, São Jorge etc”. O principal legado de Ben Jor para a música brasileira, na opinião de Alam, pode ser verificado no que se convencionou chamar de samba-funk e samba-rock. Esses gêneros, que ele ajudou a formatar, influenciaram e continuam influenciando diversos artistas e grupos nacionais, como Funk Como Le Gusta, Seu Jorge, Simoninha, Max de Castro, Jair Oli- veira, Luciana Melo, entre outros. Dito de outro modo, a Banda do Zé Pretinho chegou não apenas para ani- mar a festa, o que vem fazendo mui- to bem ao longo de décadas, mas tam- bém para deixar a sua marca na his- tória da música brasileira. A propó- sito dessas contribuições, talvez seja conveniente emprestar duas expres- sões muito usadas pelo próprio Ben Jor: Salve Jorge! Salve, simpatia! samba, da Bossa Nova, do rock e do pop. O segundo está no canto, que apre- senta traços do blues e nuances do pop”, afirma o autor do trabalho. O interesse de Alam por Ben Jor surgiu ainda na graduação, quando desenvolvia pesquisa de iniciação ci- entífica. Na época, instigado pelo seu orientador, José Roberto Zan, profes- sor do Instituto de Artes (IA) da Uni- camp, ele decidiu fazer uma análise do primeiro disco do artista, lançado em 1963, intitulado Samba Esquema Novo. Naquela época, segundo o pes- quisador, o cantor, então conhecido como Jorge Ben, já revelava uma das características que o acompanhariam pelo resto da carreira, qual seja, a de absorver informações de outros gê- neros para criar o seu próprio modo A Salve, simpatia! simpatia! Pesquisador do Instituto de Artes resgata a trajetória de Jorge Ben Jor em dissertação de mestrado O músico e pesquisador Alam D’Ávila do Nascimento: “Ben Jor tem um estilo híbrido e original” Foto: Antoninho Perri Fotos: Divulgação Pesquisador do Instituto de Artes resgata a trajetória de Jorge Ben Jor em dissertação de mestrado Salve,

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9JORNAL DA UNICAMPCampinas, 22 a 28 de setembro de 2008

MANUEL ALVES FILHO

[email protected]

Banda do Zé Pretinho, quemdiria, veio parar na academia.Não exatamente para animar

a festa, mas para ser, pela primeira vez,objeto de estudo de pós-graduação. Amissão ficou a cargo do músico e pes-quisador Alam D’Ávila do Nascimen-to, que investigou a carreira e a obrado inoxidável Jorge Ben Jor, o maissuingado band leader do lado debaixodo Equador. “Meu principal objetivofoi definir o estilo dele. O que pudeconstatar é que Ben Jor tem um estilohíbrido e original, que pode ser reco-nhecido principalmente por dois aspec-tos. O primeiro está na batida da gui-tarra ou violão, que traz elementos do

de tocar e cantar. “Nesse primeiroálbum, por exemplo, as músicas apre-sentavam influências do samba, dojazz e da Bossa Nova”, aponta o au-tor da dissertação.

As razões dessas experimentaçõese fusões podem ser encontradas nabiografia de Ben Jor, conforme Alam.Filho de um homem ligado ao carna-val e de uma mãe etíope, o músicobebeu desde pequeno na fonte dosamba e de outras sonoridades dematrizes africana. Além disso, na ju-ventude atuou como cantor de boa-tes, o que o obrigava a conhecer eexecutar vários gêneros. “Ainda nadécada de 60, Ben Jor começou atransitar pelo Beco das Garrafas, quese transformou uma espécie de QGda Bossa Nova e da boemia do Riode Janeiro. Lá, ele conheceu o pro-dutor e os músicos que o acompanha-riam na gravação do primeiro disco”,relata o pesquisador.

Por esta época, Ben Jor, que se-guia sendo apenas Ben, começou ase tornar popular e a fazer váriosshows. Em meados da década de 60,porém, o artista afastou-se da BossaNova para se aproximar da JovemGuarda, movimento que estava empela ascensão. Essa relação geroucerta tensão com os bossanovistas.“Isso ocorreu porque Ben Jor haviaassinado um contrato para participarde seis edições do Fino da Bossa,programa apresentado por Elis Re-gina e Jair Rodrigues. Certo dia, de-pois de duas ou três apresentações,ele se encontrou com Erasmo Carlos,que o convidou para participar de ou-tra atração televisiva, a Jovem Guar-da, e ele foi. O pessoal da Bossa Novaficou muito irritado e fomentou al-guma antipatia em relação a ele”.Graças a essa aproximação com aturma de Roberto e Erasmo Carlos,Ben Jor passou a incorporar a batidado rock nas suas canções.

O namoro com a Jovem Guarda,todavia, não durou muito. No final dadécada de 60, Ben Jor aproximou-sede um novo movimento musical, aTropicália, conduzida por CaetanoVeloso, Gilberto Gil e mais um grupode artistas. Naquela oportunidade, par-ticipou da atração Divino e Maravi-lhoso, fez músicas para o programa ecompôs canções que o acompanhari-am pelo resto da carreira, tais comoPaís Tropical, Que pena e Cadê Tere-za. Como nunca teve uma participa-ção política muito pronunciada e ascanções de protesto começavam a per-der um pouco a força, Ben Jor apro-veitou a década de 70 para dar ainda

mais vazão ao seu estilo e flertar como funk e a soul music que surgiam for-temente no país. No período, registre-se, emergiram nomes importantescomo Tim Maia, Cassiano, CarlosDafé, entre outros. “Penso que é aí queo som de Ben Jor começa a ficar maisBen Jor”, analisa Alam.

Tal característica pode ser cons-tatada, de acordo com o pesquisador,no disco África Brasil, de 1976, quetem uma batida marcadamente funk.Nos anos 80, embora continuassepopular e fazendo muitos shows, in-clusive internacionais, Ben Jor expe-rimentou certo declínio na vendagemde discos. Na segunda metade da dé-cada, ele se aproximou do chamadopop-rock e absorveu alguns de seuselementos. Mas a grande virada nacarreira do artista viria na década de90. Em 1991, depois de quase 30 anosde estrada, ele lançou a música WBrasil e explodiu nas paradas de su-cesso. Também conquistou um públi-co novo, predominantemente jovem,que praticamente não conhecia seustrabalhos anteriores.

Para o autor da dissertação demestrado, que contou com bolsa deestudo concedida pela Fundação deAmparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo (Fapesp), a capacidade de BenJor de “dançar conforme a música”revela a habilidade do artista de se

reinventar sempre que necessário.“Eu diria que ele sempre soube ab-sorver as referências que o interes-savam, para que pudesse fazer o seusom. O que pontua o trabalho do BenJor, e que talvez explique o fato deele estar sempre presente na mídia eno mercado fonográfico, é o fato desua música ser dançante. Também éuma música fácil de cantar e que temsempre um refrão muito bom. Alémdisso, as letras abordam temas queinteressam aos fãs, como futebol,musas, São Jorge etc”.

O principal legado de Ben Jor paraa música brasileira, na opinião deAlam, pode ser verificado no que seconvencionou chamar de samba-funke samba-rock. Esses gêneros, que eleajudou a formatar, influenciaram econtinuam influenciando diversosartistas e grupos nacionais, comoFunk Como Le Gusta, Seu Jorge,Simoninha, Max de Castro, Jair Oli-veira, Luciana Melo, entre outros.Dito de outro modo, a Banda do ZéPretinho chegou não apenas para ani-mar a festa, o que vem fazendo mui-to bem ao longo de décadas, mas tam-bém para deixar a sua marca na his-tória da música brasileira. A propó-sito dessas contribuições, talvez sejaconveniente emprestar duas expres-sões muito usadas pelo próprio BenJor: Salve Jorge! Salve, simpatia!

samba, da Bossa Nova, do rock e dopop. O segundo está no canto, que apre-senta traços do blues e nuances dopop”, afirma o autor do trabalho.

O interesse de Alam por Ben Jorsurgiu ainda na graduação, quandodesenvolvia pesquisa de iniciação ci-entífica. Na época, instigado pelo seuorientador, José Roberto Zan, profes-sor do Instituto de Artes (IA) da Uni-camp, ele decidiu fazer uma análisedo primeiro disco do artista, lançadoem 1963, intitulado Samba EsquemaNovo. Naquela época, segundo o pes-quisador, o cantor, então conhecidocomo Jorge Ben, já revelava uma dascaracterísticas que o acompanhariampelo resto da carreira, qual seja, a deabsorver informações de outros gê-neros para criar o seu próprio modo

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