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 2094 PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO DO  LOBBY NO BRASIL: UMA ANÁLISE COMPARADA Manoel Leonardo Santos Lucas Cunha

SANTOS e CUNHA 2015 - Propostas de Regulamentacao Do Lobby No Brasil Td 2094

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Paper sobre regulação do lobby no Brasil e outros países

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  • 2094

    PROPOSTAS DE REGULAMENTAO DO LOBBY NO BRASIL: UMA ANLISE COMPARADA

    Manoel Leonardo SantosLucas Cunha

  • TEXTO PARA DISCUSSO

    PROPOSTAS DE REGULAMENTAO DO LOBBY NO BRASIL: UMA ANLISE COMPARADA1

    Manoel Leonardo Santos2

    Lucas Cunha3

    1. Relatrio final de pesquisa desenvolvido no mbito do Programa de Mobilizao da Competncia Nacional para Estudos sobre o Desenvolvimento (Promob), em seu Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD), eixo temtico 3, fortalecimento do Estado, das instituies e da democracia, linha de pesquisa sobre governabilidade e representao. Agradecemos os valiosos comentrios crticos dos colegas pesquisadores do projeto Governabilidade e Representao.2. Professor adjunto do Departamento de Cincia Poltica na Universidade Federal de Minas Gerais (DCP/UFMG). Vice-diretor do Centro de Estudos Legislativos do DCP/UFMG.3. Doutorando em cincia poltica na UFMG.

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  • Texto para Discusso

    Publicao cujo objetivo divulgar resultados de estudos

    direta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,

    por sua relevncia, levam informaes para profissionais

    especializados e estabelecem um espao para sugestes.

    Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015

    Texto para discusso / Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.- Braslia : Rio de Janeiro : Ipea , 1990-

    ISSN 1415-4765

    1.Brasil. 2.Aspectos Econmicos. 3.Aspectos Sociais. I. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.

    CDD 330.908

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e

    inteira responsabilidade do(s) autor(es), no exprimindo,

    necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa

    Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos

    Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele

    contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins

    comerciais so proibidas.

    JEL: D72.

    Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Roberto Mangabeira Unger

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteJess Jos Freire de Souza

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

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    Diretor de Estudos e Polticas Sociais, SubstitutoCarlos Henrique Leite Corseuil

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteJos Eduardo Elias Romo

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

  • SUMRIO

    SINOPSE

    ABSTRACT

    1 INTRODUO .............................................................................................................7

    2 A POLMICA SOBRE A REGULAMENTAO .............................................................. 10

    3 PROPOSTAS DE REGULAMENTAO DO LOBBY NO CONGRESSO NACIONAL: UM BREVE HISTRICO ................................................ 13

    4 COMPARANDO AS INICIATIVAS DE REGULAMENTAO ........................................... 24

    5 COMPARAO COM A EXPERINCIA INTERNACIONAL .............................................31

    6 CONCLUSES E RECOMENDAES ..........................................................................42

    REFERNCIAS ..............................................................................................................45

    BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ................................................................................. 46

    APNDICE .................................................................................................................. 47

  • SINOPSE

    As iniciativas de regulamentao do lobby se desenvolveram, em particular nas democracias liberais, em torno de duas grandes questes. A primeira diz respeito s vantagens que os grupos de interesse mais poderosos levam no processo poltico em relao queles que no tm recursos para profissionalizar suas atividades. A segunda refere-se percepo, amplamente compartilhada, sobre as condutas antiticas e a influncia desproporcional de representantes de interesses privados sobre os agentes pblicos quando em interao. Para enfrentar o problema, muitos pases que regulamentaram o lobby basearam suas legislaes no sentido de apostar na exposio pblica (transparncia) e no monitoramento (accountability) da atividade de lobby como forma de minimizar esses problemas (Thomas, 2004). Este trabalho verifica em que medida os legisladores brasileiros incorporaram estas questes nas inmeras tentativas de regulamentao do lobby no pas desde 1984. Da anlise comparativa entre doze proposies legislativas e da legislao em vigor em nove pases, conclui-se que no Brasil conta-se com um rico conjunto de propostas e que, no geral, os legisladores optam por uma regulamentao intermediria, compatvel com pases com as mesmas caractersticas. Por fim, apresentam-se recomendaes sobre aspectos relevantes que devem fazer parte do debate, caso o tema receba a ateno necessria para que faa parte da agenda poltica de reformas.

    Palavras-chave: regulamentao; lobby; Congresso Nacional; estudo comparativo; grupos de interesse.

    ABSTRACT

    Lobbying regulation initiatives have been developed, especially in liberal democracies, based on two main questions. The first refers to the most powerful interest groups advantages in the political process in comparison to others who do not have the necessary resources to professionalize their activities. The second question is about the broadly shared perception about unethical conducts and the uneven power to influence public agents that some private interest representatives have when there is interaction. In order to face the issue, many countries that regulated lobbying activities based their legislations on transparency and accountability as a way of minimizing the problem (Thomas, 2004). This study verifies how Brazilian legislators have absorbed these questions in the many

  • attempts to regulate lobbying activities in the country since 1984. From a comparative analysis of 12 law initiatives and the legislation from 9 countries, we conclude that there is a rich set of propositions in Brazil and that our legislators choose an intermediate regulation, compatible with other countries with similar characteristics. Lastly, this study offers recommendations about relevant aspects of the debate, if the theme receives the necessary attention to be in the political reform agenda.

    Keywords: regulation; lobby; Congresso Nacional; comparative study; interest groups.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    1 INTRODUO

    As discusses tericas e as iniciativas de regulamentao do lobby se desenvolveram, em particular nas democracias liberais, em torno de duas grandes questes. Segundo Thomas (2004), as duas grandes questes so as seguintes: i) as vantagens injustas que o lobby profissional leva no processo poltico em relao queles que no tm recursos para profissionalizar suas atividades ou contratar lobistas para representar seus interesses; e ii) a percepo amplamente compartilhada sobre as condutas antiticas dos lobistas e dos agentes pblicos quando em interao poltica. Ou seja, de um lado, est a preocupao com a desigualdade de foras entre grupos de interesses poderosos e setores da sociedade menos organizados e com menos recursos; de outro lado, a preocupao com a corrupo.

    Para enfrentar o problema, pases que regulamentaram a atividade basearam suas legislaes no sentido de apostar na exposio pblica e no monitoramento da atividade de lobby e financiamento de campanha como forma de minimizar tanto o problema da desigualdade de acesso entre os diferentes grupos quanto o problema do comportamento desviante envolvido nas relaes entre interesses privados e agentes do governo (Thomas, 2004). A justificativa para esta escolha est, portanto, na crena amplamente compartilhada de que, com a regulao, outros grupos de interesse, funcionrios pblicos e o pblico em geral podero pautar suas aes baseados na informao disponibilizada.

    No Brasil, o debate antigo e tem feito parte das preocupaes de vrios parlamentares de diferentes partidos. A partir de 1984 comearam a tramitar diversas proposies legislativas visando regulamentao da atividade. A preocupao tambm pode ser percebida no mbito do Poder Executivo, pois, em 2008, a Controladoria-Geral da Unio (CGU) realizou um evento cujo ttulo fala por si: Seminrio Internacional sobre Intermediao de Interesses: a Regulamentao do Lobby no Brasil. Participaram do evento polticos, especialistas, burocratas e diversos grupos de interesse dos mais diferentes setores, bem como representantes de setores importantes do governo, como Ministrio da Justia (MJ), Casa Civil, Advocacia-Geral da Unio (AGU), Senado Federal, Tribunal de Contas da Unio (TCU), Supremo Tribunal Federal (STF) e Procuradoria-Geral da Unio (PGU).

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    Outra iniciativa relevante foi a do Ministrio da Justia, que apoiou a publicao de um amplo estudo sobre a regulamentao do lobby. O caderno integra o conjunto de publicaes da Srie Projeto Pensando o Direito e apresenta a verso resumida da pesquisa denominada grupos de interesse (lobby): a possibilidade de regulao jurdica no Brasil, conduzida pelo Centro Universitrio de Braslia (UniCeub). Segundo a publicao, percebe-se um esforo do Poder Executivo em avanar na regulamentao das atividades de representantes de interesses particulares (Brasil, UniCeub e Pnud, 2009, p. 44).

    Ainda no mbito do Executivo, muitas outras iniciativas podem ser destacadas no sentido de regular a atividade. O Cdigo de Conduta da Alta Administrao Federal (2000); a Portaria da Casa Civil no 34/2001, que regula as audincias pblicas e a conduta dos funcionrios dos rgos da Presidncia e Vice-Presidncia da Repblica; e os Decretos nos 4.081/2002 e 4.232/2002, ambos revogados posteriormente pelo Decreto no 4.334/2002, entre outras. Todos esses diplomas legais, embora no se encaixem exatamente naquilo que est definido no mbito deste trabalho como regulao do lobby, podem ser vistos como iniciativas correlatas importantes.

    Todo esse esforo retrata a preocupao do Executivo com o problema. O que em si j um dado importante e que pode ser lido como uma demonstrao do ambiente favorvel regulamentao em diversos setores do governo. De fato, o mesmo volume aponta diversos depoimentos favorveis regulamentao por parte de importantes titulares do Poder Executivo.1

    Toda essa convergncia, entretanto, ainda no foi suficiente para deflagrar um processo legislativo mais amplo e decisivo nesta direo. As razes para o insucesso, pelo menos at agora, de uma regulao da atividade compreensvel. Mesmo na literatura especializada, no h consenso sobre se regulamentar o lobby tem realmente efeito positivo. O debate polmico e se divide entre opinies favorveis e contrrias baseadas em motivos justificados e plausveis. Segundo Chari, Hogan e Murphy (2010), o debate pode ser resumido conforme a seguir.

    1. Entre os depoimentos favorveis regulamentao citados do volume, temos: o juiz lvaro Ciarlini, secretrio-geral do Conselho Nacional de Justia (CNJ); o ministro da CGU, Jorge Hage Sobrinho; o ento senador Marco Maciel; Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, ento secretrio-executivo do Ministrio da Justia (MJ); Jos Antnio Dias Toffoli, na ocasio, advogado-geral da Unio, entre outros no menos importantes (Brasil, UniCeub e Pnud, 2009).

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    O primeiro conjunto de argumentos, favorveis, encontra fundamento na necessidade de construir uma institucionalidade poltica que promova mais deliberao, mais transparncia e mais accountability. Nesse sentido, regulamentar a atividade de lobby visto como essencial para tornar o processo decisrio e os interesses dos grupos privados e dos agentes pblicos mais transparentes, permitindo assim maior participao e accountability.

    O segundo conjunto de argumentos, contrrios, advoga que a regulamentao prejudicial porque cria barreiras entrada dos menos poderosos e atrapalha as relaes entre representantes de interesses e parlamentares. Alm disto, seus defensores argumentam que as relaes polticas precisam de algum grau de confidencialidade e discricionariedade para que as negociaes sejam viabilizadas. Por fim, defendem os contrrios regulao que a relao custo-benefcio da regulamentao no justifica o esforo por parte do Estado.

    Este Texto para discusso (TD) procura contribuir com o debate, verificando empiricamente como essas questes se refletem nas inmeras tentativas de regula-mentao do lobby no Brasil. A partir da anlise descritiva comparada das proposies legislativas apresentadas no Congresso Nacional desde 1984 at 2013, ficou evidente um rico debate, com propostas substancialmente diferentes entre si. Por outro lado, revelou-se preferncia majoritria por um escopo de regulamentao mdia, quando comparada com experincias de outros pases.

    O texto est organizado da seguinte forma. A primeira seo apresenta, de forma resumida, a polmica sobre a regulamentao e suas consequncias. A segunda traz um breve histrico das propostas de regulamentao do lobby submetidas ao Congresso Nacional desde 1984 at 2013. Na terceira seo so analisados os esforos normativos dos parlamentares, comparando-os atravs de critrios bem definidos. Na quarta seo consta um exerccio de natureza especulativa, que visa mostrar, em perspectiva comparada, como seria o Brasil em relao a outros pases se optasse por alguma das propostas de regulamentao que hoje tramitam no Congresso Nacional. A ltima seo sumariza os resultados e apresenta um conjunto de recomendaes.

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    2 A POLMICA SOBRE A REGULAMENTAO

    Segundo Chari, Hogan e Murphy (2010),2 os argumentos pr e contra regulamentao do lobby podem ser resumidos em dois grupos: i) um dos argumentos favorveis, que defendem que a regulamentao pode gerar mais deliberao, transparncia e accountability; e ii) outro dos argumentos contrrios, que defendem que a regulamentao limita o acesso poltica, atrapalha as negociaes e no se justifica em termos de custo-benefcio para o Estado.

    Os defensores da regulamentao sustentam suas opinies baseados principalmente na ideia de que quanto mais participativo e deliberativo for o processo de tomada de deciso, mais legtimo e democrtico ele ser. Esta ideia se sustenta, resumidamente, na crena de que decises submetidas discusso e ao debate pblico so mais legtimas e democrticas do que decises tomadas fora do alcance do escrutnio da sociedade. Sendo assim, um processo obscuro exclui potencialmente do clculo poltico aqueles que no tm acesso ao poder. Esta ideia leva a dois conceitos-chave necessrios: transparncia e accountability.

    A transparncia do processo decisrio aqui entendida como a disponibilizao de informaes sobre os atos dos polticos, dos servidores pblicos e dos grupos de interesses estaria assegurada se fosse dado a conhecer sociedade que interesses esto em jogo e quais foram os recursos utilizados para tentar influenciar decises polticas. Os defensores da regulamentao do lobby sustentam, portanto, que somente desta

    2. No so muitos os estudos comparativos em larga escala sobre a regulamentao do lobby disposio. O leitor observar que boa parte da anlise aqui empreendida est fundamentada no trabalho realizado pelos autores no recente livro intitulado Regulating lobbying: a global comparison. A razo de ser desta opo encontra fundamento na constatao dos prprios autores, que afirmam: Este livro se dedica comparao de como o lobby dos grupos de interesses so formalmente regulamentados em todo o mundo, assim como ao impacto que isso teve nesses pases. Trata-se de algo que significante, mas tambm surpreendente, dada a omisso na literatura. Com efeito, alguns estudiosos, incluindo ns mesmos, tm se dedicado a estudar a regulamentao do lobby no Canad, nos Estados Unidos, na Unio Europeia (UE) e na Alemanha. Mas, nenhuma grande obra ofereceu uma anlise em profundidade e detalhada desse fenmeno sob uma perspectiva comparativa global, incluindo a anlise da evoluo na Amrica do Norte, Europa, sia, bem como a Austrlia, continentes que tm leis lobby j estabelecidas (Chari, Hogan e Murphy, 2010, p. 2). No original: This book is concerned about comparing how lobby/interest groups are formally regulated throughout the world and the impact this has had, something which is a significant, if not surprising, omission in the literature. Indeed, some scholars, including ourselves, have previously focused on lobbying regulation in Canada, the US, the European Union (EU) and Germany. Yet, no major work in has offered an in-depth, detailed analysis of this phenomenon from a global comparative perspective, including analysis of developments in North America, Europe, Asia, as well as Australia, continents which have all established lobbying laws.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    maneira a sociedade pode formar seu juzo de valor sobre as decises polticas. Por outro lado, grupos menos organizados e portadores de menos recursos polticos, se munidos desta informao, diminuiriam sua assimetria de poder em relao ao governo e aos grupos poderosos. O resultado esperado que, podendo participar do processo poltico deliberativo de maneira mais informada, esses grupos possam defender seus interesses de maneira menos desvantajosa e mais justa.

    Derivada direta da transparncia, a accountability aqui entendida como os mecanismos de responsabilizao dos agentes pblicos pelos seus atos tambm estaria facilitada. Ou seja, grupos representativos menos poderosos, cidados e eleitores suficientemente esclarecidos sobre os interesses envolvidos em decises que os afetem estariam aptos a punir ou recompensar as elites polticas. A recompensa e a punio estariam viabilizadas por pelo menos duas vias: a poltica e a legal. Do ponto de vista da accountability poltica, o acesso informao e participao no processo decisrio garantiria a capacidade dos grupos menos favorecidos de fazer com que as polticas governamentais correspondessem s suas preferncias, reelegendo representantes alinhados com seus interesses e punindo com a perda de mandato aqueles que no representam suas preferncias polticas. J a accountability legal aqui entendida como os mecanismos para garantir que as aes dos agentes pblicos sejam estritamente marcadas pela legalidade e constitucionalidade estaria potencialmente garantida. Ou seja, decises polticas monitoradas pela participao e o escrutnio bem informados de um nmero maior de interesses criaria a oportunidade de acionar mecanismos de controle, garantindo que os atos pblicos fossem marcados por uma discricionariedade regulada.3

    Em suma, a regulamentao do lobby estaria justificada por tornar, pelo menos potencialmente, o processo poltico mais deliberativo, equilibrado, transparente e accountable.

    J os defensores da no regulamentao argumentam que ela poderia ter um efeito contrrio. Qual seja, a criao de barreiras participao. As barreiras seriam basicamente duas. A primeira diz respeito ao fato de que a regulamentao da atividade poderia gerar a percepo de que s possvel participar politicamente atravs dos canais formais de representao de interesses. Nesse sentido, criar-se-ia uma figura de intermediao entre a sociedade e os agentes pblicos. Essa figura seria o lobista

    3. Para o aprofundamento dos conceitos de accountability legal e de accountability poltica, ver Przeworski (2002).

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    profissional ou os escritrios de lobby, que teriam recursos suficientes para se tornarem detentores das credenciais para atuar nos espaos de negociao e influncia. A segunda diz respeito aos custos gerados pela regulamentao aos grupos de interesse. Em regra, as propostas de regulamentao aumentam os custos com credenciamento, prestao de informaes e relatrios, entre outros. Nesse sentido, os custos com a participao aumentariam, inibindo a ao de grupos detentores de menos recursos, exatamente os que so mais penalizados. Segundo os defensores deste argumento, os efeitos esperados com a regulamentao so inibio do credenciamento, menor participao dos grupos menos favorecidos e mais participao e influncia dos grupos com mais recursos.

    Outro argumento mobilizado pelos que so contrrios regulamentao que as negociaes polticas so dificultadas, mais do que facilitadas, se submetidas a ampla participao e escrutnio. Muito embora seja normativamente o menos defensvel dos argumentos, ele tem suas razes. Seus defensores argumentam que para a formulao de boas polticas, a confidencialidade muitas vezes necessria. A eficincia na produo de acordos polticos, portanto, seria comprometida caso no fosse dada aos tomadores de deciso a possibilidade de negociar de forma discricionria.

    Por fim, o ltimo argumento contrrio regulao da atividade de lobby est ancorado na ideia de que ela traria mais custos do que benefcios para o Estado. Ou seja, os custos com a criao de agncias de controle e o monitoramento da atividade no justificariam a iniciativa. Regulamentar significaria mobilizar parte da burocracia especializada do staff do Estado, assim como financiar uma estrutura fsica e administrativa que no valeriam o investimento, dado que os resultados so incertos e o retorno para a sociedade seria no mnimo contestvel. Em suma, os defensores deste argumento defendem que estes recursos poderiam ser mobilizados em outras iniciativas mais eficientes para melhoria da qualidade da representao poltica.

    Segundo Chari, Hogan e Murphy (2010), de forma bastante resumida e pontual, esse o debate que envolve a deciso por regulamentar ou no a atividade de lobby. Este TD se prope a averiguar, nas sees seguintes, em que medida as opes dos legisladores levam em conta esses argumentos. A estratgia para esta verificao a anlise da legislao proposta.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    3 PROPOSTAS DE REGULAMENTAO DO LOBBY NO CONGRESSO NACIONAL: UM BREVE HISTRICO

    Os modelos de regulamentao do lobby geralmente envolvem trs diferentes prticas regulatrias. A primeira a proviso de legislao indireta, geralmente formada por cdigos de conduta e tica, que visam prevenir a corrupo por parte de funcionrios pblicos e polticos. Esse tipo de regulao, contudo, no prev cdigos de comportamento para lobistas, empresas ou qualquer outro ator que exera influncia poltica. Em geral, essa regulamentao assume forma de decretos e resolues. Por serem, em regra, dispositivos infralegais, seus diplomas regulatrios, embora coercitivos, no so propriamente leis mais amplas sobre o tema. A segunda consiste em uma regulao direta e exclusiva, que envolve uma legislao especfica. Essa legislao geralmente marcada por diplomas legais especficos e superiores na hierarquia do ordenamento jurdico. Por fim, alguns pases optam pela autorregulao, que prov cdigos de conduta autodefinidos pelos lobistas e demais envolvidos na atividade de representao de interesses.

    Diferentes pases combinam dois ou at os trs tipos de regulamentao, como o caso da Polnia e dos Estados Unidos. No Brasil, o ordenamento jurdico, por enquanto, s prev regulao indireta. Uma breve reviso mostra que alguns diplomas legais no Brasil contm previses de comportamento que, pelo menos de forma indireta, afetam a atividade de lobby. Entre eles: a Resoluo no 47/2013, Cdigo de tica e Decoro Parlamentar da Cmara dos Deputados; a Resoluo no 20/1993, que institui o Cdigo de tica e Decoro Parlamentar do Senado; o Decreto no 1.171/1994, Cdigo de tica Profissional do Servidor Pblico Civil do Poder Executivo Federal; o Decreto no 4.334/2002, que regulamenta as audincias concedidas a particulares por agentes pblicos, entre outros.4

    4. Para uma boa sntese da regulao indireta, ver resolues editadas pelo Poder Executivo em Brasil, UniCeub e Pnud (2009), uma publicao do Ministrio da Justia.

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    Dada a suposta associao entre lobby e corrupo,5 alguns diplomas legais so geralmente apontados como normas que tambm regulam a atividade de influncia. Assim, dispositivos como a Lei do Colarinho Branco (no 7.492/1986), a recentemente aprovada Lei Anticorrupo (no 12.846/2013) ou mesmo os artigos do Cdigo Penal que tipificam trfico de influncia e suborno como crime, em geral, so citados. importante deixar claro que essas normas no so vistas, no contexto deste texto, como regulamentao do lobby.

    O que consideraremos neste TD como a tentativa de regulao direta do lobby so as proposies que foram iniciadas no Congresso Nacional no sentido de criar leis com escopo mais especfico sobre a atividade. Portanto, o que se considera regulamentao6 do lobby, no mbito deste trabalho, so as iniciativas de regulao direta e especificamente dedicada ao tema.

    Muitas iniciativas nesse sentido podem ser apontadas. Desde 1984, quando a primeira proposio sobre o tema foi apresentada (o Projeto de Lei PL no 25/1984, do senador Marco Maciel), at hoje, foram nada menos que quinze proposies legislativas com o mesmo objetivo.7 Isso mostra que a preocupao com a regulamentao da atividade no nova e que tem ocupado parte considervel da ateno dos parlamentares h pelo menos trinta anos.

    5. A associao automtica entre lobby e corrupo no encontra fundamento na literatura especializada. Veja-se o exemplo do informe da Transparncia Internacional para o lobby na Espanha. Como visto, a regulamentao do lobby, no sentido estrito, praticamente inexistente na Espanha, mas enquanto influncia organizada existiu e existe com fora cada vez maior. Esta opacidade e desregulamentao do sistema de influncia sobre os tomadores de deciso, juntamente com a presena constante de escndalos de corrupo nos meios de comunicao, criou uma conexo entre o lobby e corrupo e atos e prticas desonestas, quando na verdade no tem que ser assim, muito pelo contrrio. Na verdade, at agora, no conhecidos na Espanha casos onde lobistas profissionais foram envolvidos em atos de corrupo (Transparency International Espaa, 2014, p. 101). No original: Como hemos visto, la regulacin del lobby, en sentido estricto, es prcticamente inexistente en Espaa, y ello a pesar de que la influencia organizada ha existido y existe con cada vez mayor fuerza. Esta opacidad y desregulacin del sistema de influencia sobre los decisores pblicos, unida a la constante presencia de escndalos de corrupcin en los medios de comunicacin, ha generado una conexin en el imaginario colectivo entre lobby y corrupcin o entre lobby y prcticas deshonestas, cuando no tiene por qu ser as, ni mucho menos. De hecho, por ahora, no se conocen casos en los que lobistas profesionales hayan estado implicados en casos de corrupcin.6. Os termos regulamentao e regulao so utilizados como sinnimos neste trabalho. A variao meramente estilstica e tem por nica funo evitar repeties excessivas do termo regulamentao.7. Alguns projetos esto repetidos em funo das suas sucessivas reapresentaes. Neste contingente tambm est includo o substitutivo do deputado Csar Colnago (PSDB-ES) ao PL no 1.202/2007, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O substitutivo tratado como outra proposta, porque seu contedo se afasta substancialmente do projeto inicial.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    Toda essa atividade legislativa ao longo do tempo tem gerado controvrsias e as propostas retratam um debate bastante plural. Dada a ausncia de regulamentao at o momento, fcil perceber que esse debate marcado muito mais pelo dissenso do que pela possibilidade de um acordo capaz de se converter em uma legislao que regule o lobby. O quadro 1 mostra as proposies legislativas que trataram do tema nesse perodo.

    A anlise inicial mostra aspectos bastante interessantes. O primeiro deles que as iniciativas no se limitam a uma vertente ideolgica. A preocupao com o problema tem ocupado desde os liberais mais convictos, como o senador Marco Maciel (Partido da Frente Liberal PFL), at parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT), um dos mais esquerda no espectro ideolgico do sistema poltico brasileiro. Observam-se, ainda, iniciativas de parlamentares de partidos de centro e de centro-esquerda, o que implica uma variedade bastante ampla nas ideias contidas nos textos, como ser visto adiante em detalhes.

    O segundo aspecto interessante o da natureza tcnico-legislativa dos projetos. V-se claramente que as iniciativas so constitucional e regimentalmente distintas. Parte dos parlamentares submete suas ideias na forma de projeto de lei (da Cmara PLC e do Senado PLS) e parte na forma de projeto de resoluo (PRC). Isso compreensvel porque esta opo pelo tipo de iniciativa legislativa obedece s caractersticas das proposies em foco. Algumas tm ambio maior, visando regulamentar a atividade de lobby no apenas no mbito do Legislativo, mas tambm em todos os rgos da administrao pblica. Ou, ainda, nos trs nveis federativos de governo. Nestes dois ltimos casos, claro, as propostas so apresentadas em forma de projeto de lei no primeiro, em forma de PRC, que restringe seu alcance exclusivamente ao Poder Legislativo.

    O terceiro aspecto interessante que proposies tm sido iniciadas em ambas as Casas. Assim, ainda que exista uma incidncia bem maior na Cmara dos Deputados, nota-se que o problema tem sido objeto de preocupao tanto de senadores quanto de deputados. Ou seja, ainda que tenhamos diferenas significativas entre os papeis das Casas Legislativas no sistema bicameral, ambas as Casas apresentam preocupaes recorrentes sobre o tema.

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    QUADRO 1Propostas de regulamentao do lobby no Congresso Nacional (1984-2014)

    Nmero, ano e Casa Autoria e partido Ementa ltima ao (data)

    PLS 25/1984 SenadoSenador Marco Maciel PFL-PE

    Dispe sobre o registro de pessoas fsicas ou jurdicas junto as Casas do Congresso Nacional, para fins que especifica e d outras providncias.

    Arquivado ao final da legislatura (5/12/1987)

    PRC 337/1985 CmaraDeputado Francisco Dias PMDB-SP

    D nova redao ao Art. 60 do Regimento Interno, incluindo no credenciamento dos grupos de presso, lobby e rgos de representao de funcionrios pblicos.

    Arquivado ao final da legislatura (1o/2/1987)

    PLS 203/1989 SenadoSenador Marco Maciel PFL-PE

    Dispe sobre o registro de pessoas fsicas ou jurdicas junto as Casas do Congresso Nacional, para fins que especifica e d outras providncias.

    Aprovado no Senado e enviado Cmara. Arquivado no Senado (9/2/2007)

    PL 6.132/19901 CmaraSenador Marco Maciel PFL-PE

    Dispe sobre o registro de pessoas fsicas ou jurdicas junto as Casas do Congresso Nacional, para fins que especifica e d outras providncias (reapresentado).

    Declarado inconstitucional pela CCJC (2/6/1993)

    PRC 83/1996 CmaraDeputado Jos Fortunati PT-RS

    Dispe sobre o credenciamento de pessoas fsicas ou jurdicas junto Cmara dos Deputados para o exerccio de atividades destinadas a influenciar o processo legislativo

    Arquivado ao final da legislatura (2/2/1999)

    PRC 87/2000 CmaraDeputado Ronaldo Vasconcellos PFL-MG

    Disciplina a atuao dos grupos de presso, lobby e assemelhados na Cmara dos Deputados.

    Arquivado ao final da legislatura (31/1/2011)

    PRC 203/2001 CmaraDeputado Walter Pinheiro PT-BA

    Disciplina a atuao dos grupos de presso ou de interesses e assemelhados na Cmara dos Deputados e d outras providncias.

    Parecer Contrrio (CCJC). Arquivado ao final da legislatura (31/1/2011)

    PL 6.928/20022 CmaraDeputada Vanessa Grazziotin PCdoB-AM

    Cria o Estatuto para o Exerccio da Democracia Participativa, regulamentando a execuo do disposto nos incisos I, II e III do Art. 14 da Constituio Federal.

    Parecer favorvel do relator na CCJC ainda no votado (11/7/2003) em tramitao

    PL 1.713/2003 CmaraDeputado Geraldo Resende PPS-MS

    Regulamenta a atuao dos agentes de presso junto a Administrao Pblica Direta e Indireta de qualquer dos poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, e d outras providncias.

    Rejeitado na Cetasp e arquivado (16/5/2005)

    PL 5.470/2005 CmaraDeputado Carlos Zarattini PT-SP

    Disciplina a atividade de "lobby" e a atuao dos grupos de presso ou de interesse e assemelhados no mbito dos rgos e entidades da Administrao Pblica Federal, e d outras providncias.

    Devolvida ao autor (Art.137, 1o do RI) (2/8/2005)

    PL 1.202/20073 CmaraDeputado Carlos Zarattini PT-SP

    Disciplina a atividade de "lobby" e a atuao dos grupos de presso ou de interesse e assemelhados no mbito dos rgos e entidades da Administrao Pblica Federal, e d outras providncias.

    Apresentado um substitutivo na CCJC (12/2/2012) em tramitao

    PRC 14/2011Deputado Mendes Ribeiro PMDB-RS

    Acrescenta Art. 259-A ao Regimento Interno, criando novos credenciamentos junto Cmara dos Deputados.

    Parecer favorvel da CCJC (17/7/2013) em tramitao

    Substitutivo 1 da CCJC ao PL 1.202/2007

    Deputado Csar Colnago PSDB-ES

    Disciplina a atuao de pessoas e grupos de interesse cujas atividades visem influenciar atos e decises sujeitos discricionariedade do Poder Pblico, e d outras providncias.

    Substitutivo apresentado na CCJC (12/2/2012) em tramitao

    PRC 103/2007 CmaraDeputado Francisco Rodrigues DEM-RR

    Dispe sobre o registro e a atuao de pessoas fsicas e jurdicas, junto Cmara dos Deputados, com a finalidade de exercer o direito de informar e influenciar o processo decisrio na Casa.

    Parecer contrrio na CCJC, arquivado ao final da legislatura (31/1/2011)

    PRC 158/2009 CmaraDeputado Joo Herrmann Neto PT-SP

    Institui o Cdigo de Conduta para Representantes da Sociedade Organizada e adapta o Regimento Interno s necessidades de regulamentao do lobby.

    Arquivado ao final da legislatura (31/1/2011)

    Fonte: Cmara dos Deputados.Elaborao dos autores Notas: 1 O PLS no 203/1989 foi aprovado no Senado e enviado para a Cmara sob o no 6.132/1990. Devido declarao de inconstitucionalidade, foi arquivado no Senado em 9/2/2007.

    2 Tramitam apensados a este projeto as seguintes proposies: PLs nos 689/2003 (2); 1.846/2007; 3.453/2012; 758/2003; 4.718/2004; 7.004/2006; 4.219/2008 (2); 7.003/2010; 2.024/2011; 4.764/2009; 4.805/2009; e 3.310/2012.

    3 Nos termos de Brasil (Art. 137, 1o, 1989). Trata-se da nova verso do PL no 5.470/2005.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    Toda essa variao pode ser entendida como um indicador da profunda heterogeneidade que se percebe entre as iniciativas legislativas. Essa heterogeneidade est representada no escopo (alcance da legislao proposta), no contedo (o que regulamentar) e na forma das iniciativas (que tipo de legislao d suporte proposta). A simples observao atenta das ementas disponveis no quadro 1 sugere que heterogeneidade a regra.

    Por outro lado, a aprendizagem tambm pode ser vista como um fator que influenciou as diferentes escolhas dos parlamentares ao longo do tempo. Como ser visto adiante, os parlamentares que apresentaram propostas em forma de projeto de resoluo, todos eles posteriores ao projeto de lei do senador Marco Maciel, fizeram esta opo informados pelo insucesso da iniciativa do senador, que data de 1990.

    As diferenas saltam aos olhos j na conceituao do que vem a ser a representao de interesses como atividade, como pode ser notado a partir das ementas. Enquanto uns falam em estatutos da democracia participativa, outros utilizam efetivamente a palavra lobby, mesmo com toda a carga pejorativa que o termo carrega. Enquanto uns projetos tratam da ideia de participao, outros tentam estabelecer princpios para o compor-tamento das entidades. E por a seguem as diferenas.

    Na prxima seo, so recuperados aspectos relevantes da sequncia histrica dessas tentativas de regulamentao.

    3.1 As primeiras iniciativas

    Como j citado, a iniciativa mais remota registrada foi a do senador Marco Maciel (PFL), em 1984. O PLS do senador tinha um escopo bastante amplo e previa, entre outras exigncias, credenciamento e declarao de gastos realizados pelos grupos que estivessem vinculados atividade de representao de interesses. O projeto previa ainda descreden-ciamento, com restrio de acesso s casas legislativas para os que descumprissem a lei, e, mais ainda, o encaminhamento da infrao ao Conselho Administrativo de Defesa Econmica (Cade) para as devidas providncias. Um projeto muito bem elaborado, bem fundamentado, bastante ambicioso e, j quela poca, bastante compatvel com o que se operava nos pases com mais ampla regulamentao da atividade.8

    8. Chama ateno o pronunciamento do senador Marco Maciel no Plenrio do Senado no dia 21 de setembro de 1984. O texto extremamente bem fundamentado e rico em anlise comparativa entre pases que regulamentaram o lobby. Para acessar o texto, ver Maciel (1984).

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    Por ter sua tramitao iniciada h quase trinta anos, os registros eletrnicos do Senado no trazem informaes mais detalhadas do processo legislativo. Mas, em resumo, o que aconteceu com o PLS no 25/1984 que ele foi apresentado em 21 de maro de 1984, encaminhado Comisso de Constituio e Justia (CCJ), na qual foi designado como relator o senador Odacir Soares. Posteriormente, foi redistribudo para os senadores Aderbal Jurema e Martins Filho. Depois de trs anos e oito meses de tramitao, o projeto no recebeu nenhum parecer e foi arquivado ao final da legislatura, nos termos do Art. 367 do Regimento Interno do Senado (RIS).

    Em 1989, o ento senador Marco Maciel (PFL) desarquiva o projeto, sob o nmero 203. No ano seguinte, o senador aprova o projeto na CCJ, que teve como relator o senador Afonso Sancho. Logo depois, no dia 14 de novembro de 1990, o projeto foi aprovado no Plenrio do Senado. No dia 17 de dezembro de 1990, o projeto foi encaminhado reviso da Cmara dos Deputados, conforme determina o processo legislativo.

    Na Cmara, agora sob o nmero 6.132/1990, o projeto recebeu (em 2 de junho de 1993) parecer do deputado Moroni Torgan pela inconstitucionalidade. O argumento foi de inconstitucionalidade formal, sendo o parecer posteriormente aprovado pelo colegiado da CCJ da Cmara (CCJC). Contudo, antes de ser arquivado, o que seria possvel pelo poder terminativo das comisses, o deputado Paes Landim apresentou recurso, visando levar o parecer da CCJC apreciao do Plenrio. O projeto chegou a tramitar em regime de urgncia, mas, embora tenha constado na Ordem do Dia por vrias vezes, nunca foi votado.

    O ltimo movimento do dia 13 de maro de 2003, no Plenrio, que indica que o projeto no foi apreciado em funo do trancamento da pauta por medida provisria com prazo vencido. A ltima consulta feita ao site da Cmara apresenta uma informao dbia. No site, a situao do projeto consta como pronto para apreciao do Plenrio. Contudo, como a ltima ao consta de 2003 (legislatura j encerrada), no possvel identificar a ao final do projeto.

    Paralelamente ao projeto do senador Marco Maciel, tramitou na Cmara o projeto de Resoluo no 337/1985, de autoria do deputado Francisco Dias (Partido do Movimento Democrtico Brasileiro PMDB). O projeto, bem menos ambicioso que o do senador, no pode efetivamente ser entendido como uma proposta de regulamentao do lobby. Na verdade, o texto apenas propunha uma nova redao ao Art. 259 do regimento interno,

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    visando ampliar o cadastramento das entidades na Primeira Secretaria.9 A iniciativa do deputado procurava ampliar a possibilidade do cadastramento a entidades representativas de funcionrios pblicos, assim como entidades sindicais de primeiro grau, visto que o texto do RIC previa apenas o cadastramento de entidades de carter nacional. Esta iniciativa, na verdade, nunca chegou a ser discutida de fato, pois foi devolvida ao autor no dia 1o de fevereiro de 1987, nos termos do 1o do Art. 137 do RIC. O referido pargrafo estabelece que a Presidncia devolver ao autor qualquer proposio que: I no estiver devidamente formalizada e em termos; II versar sobre matria: a) alheia competncia da Cmara; b) evidentemente inconstitucional; c) antirregimental (Brasil, 1989). Infelizmente o site da Cmara dos Deputados no disponibiliza o motivo especfico da devoluo.

    3.2 A segunda rodada

    Em 1996, o deputado Jos Fortunati (PT), apresentou o PRC no 83, que visava regula-mentar o cadastramento e a atividade dos grupos de interesse na Cmara dos Deputados. Embora tenha algumas caractersticas prprias, o projeto mimetiza muito do que estava contido na proposio do senador Marco Maciel, prevendo uma regulamentao bastante parecida. As principais diferenas, na verdade, so formais e versam sobre a abrangncia da proposta e o tipo normativo utilizado como meio.

    No seu texto, o deputado restringe Cmara dos Deputados a regulamentao do lobby. Esta restrio sugerida pelo deputado provavelmente est informada pelo argumento de inconstitucionalidade formal interposto ao projeto do senador Maciel. Da mesma forma, o tipo normativo utilizado pelo deputado, agora com forma de projeto de resoluo, est relacionado com a posio do parecer da CCJC apresentado pelo deputado Moroni Torgan e aprovado pelo colegiado. Veja-se o texto do parecer, que justifica como principal argumento para a inconstitucionalidade o fato de que trata-se

    9. O Art. 259 do regimento interno diz que Alm dos ministrios e entidades da administrao federal indireta, podero as entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituies de mbito nacional da sociedade civil credenciar junto Mesa representantes que possam, eventualmente, prestar esclarecimentos especficos Cmara, atravs de suas comisses, s lideranas e aos deputados em geral e ao rgo de assessoramento institucional. 1o Cada ministrio ou entidade poder indicar apenas um representante, que ser responsvel perante a Casa por todas as informaes que prestar ou opinies que emitir quando solicitadas pela Mesa, por comisso ou deputado. 2o Esses representantes fornecero aos relatores, aos membros das comisses, s lideranas e aos demais deputados interessados e ao rgo de assessoramento legislativo exclusivamente subsdios de carter tcnico, documental, informativo e instrutivo. 3o Caber ao primeiro-secretrio expedir credenciais a fim de que os representantes indicados possam ter acesso s dependncias da Cmara, excludas as privativas dos deputados. Para uma anlise dos dados do cadastro da Primeira Secretaria em toda a sria histrica, ver Santos (2014).

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    de matria tipicamente afeta organizao e ao funcionamento de cada uma das Casas do Congresso Nacional, a quem a Constituio reservou competncia para dispor privativamente sobre o assunto (Brasil, 1995).10

    E segue o parecer:

    Ora, se se trata de competncia privativa da Cmara dos Deputados e do Senado Federal, no se pode disciplinar a matria por lei ordinria, cujo processo de elaborao e transformao em norma jurdica inclui a participao do Presidente da Repblica, atravs da sano ou do veto, nos termos do Art. 48 da Constituio Federal.

    E conclui o relator:

    o instrumento normativo adequado veiculao das normas previstas no projeto ora em exame ser, sem dvida, resoluo prpria de cada uma daquelas Casas ou mesmo resoluo comum, do Congresso Nacional, se se decidir pela uniformizao dos procedimentos. Estes so os motivos por que votamos pela Inconstitucionalidade formal insanvel do Projeto de Lei no 6.132/1990.

    Contudo, a estratgia do deputado Jos Fortunati para sua proposta de resoluo no deu frutos. No houve deliberaes em torno do projeto, o que mostra que de fato o tema no entrou na agenda poltica da Casa. A proposio teve vida curta e foi arquivada no dia 2 de fevereiro de 1999, em funo do fim da legislatura, como determina o Art. 105 do Regimento Interno da Cmara.11

    Em 2000, o deputado Ronaldo Vasconcellos (PFL) apresentou o PRC no 87. Trata-se de um projeto que reafirma aspectos importantes dos projetos anteriores, como a exigncia do credenciamento, a prestao de contas sobre os gastos com lobby, a declarao de interesses, entre outros. Mas o projeto traz, tambm, importantes inovaes, sobretudo com relao ao funcionamento das audincias pblicas no mbito das comisses. A principal inovao

    10. A referida competncia consta nos Arts. 51; 111, inciso IV; e 52, incisos XII e XIII, da Constituio Federal de 1988.11. O referido artigo determina que finda a legislatura, arquivar-se-o todas as proposies que no seu decurso tenham sido submetidas deliberao da Cmara e ainda se encontrem em tramitao, bem como as que abram crdito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as: I - com pareceres favorveis de todas as Comisses; II - j aprovadas em turno nico, em primeiro ou segundo turno; III - que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originrias; IV - de iniciativa popular; V - de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da Repblica. Pargrafo nico. A proposio poder ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sesso legislativa ordinria da legislatura subsequente, retomando a tramitao desde o estgio em que se encontrava.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    diz respeito previso de um mecanismo de solicitao, por parte dos grupos de interesse cadastrados, para participar de audincias pblicas ou requisitar formalmente sua participao. Ao contrrio do que acontece hoje, ou seja, a participao depende de convite da comisso.

    Em 31 de janeiro de 2007, o projeto foi arquivado nos termos do Art. 105 do RIC, mas, ato contnuo, no dia 5 de fevereiro de 2007, o deputado Vicentinho solicitou seu desarquivamento. Ao contrrio do projeto do deputado Jos Fortunati, esta proposio mobilizou politicamente vrios membros da Casa. A proposio desencadeou uma srie de requerimentos de desarquivamento de projetos correlatos. Esses projetos correlatos, em grande medida, quando desarquivados, passaram a tramitar apensados ao projeto do deputado Ronaldo Vasconcelos.

    Aps longa tramitao, no dia 8 de outubro de 2009, foi apresentado na CCJC o parecer do relator, deputado Colbert Martins (PMDB), pela constitucionalidade, juridicidade, tcnica legislativa e, no mrito, pela aprovao do PRC no 0087/200, do deputado Ronaldo Vasconcellos. O parecer abrangia o PRC no 203/2001 (deputado Walter Pinheiro PT), apensado, com emendas, e se posicionava pela rejeio deste e do PRC no 103/2007 (deputado Francisco Rodrigues DEM), bem como pela constitucionalidade parcial, injuridicidade e, no mrito, pela rejeio do PRC no 158/2009 (deputado Joo Herrmann Neto PT).

    O parecer praticamente tirava de cena vrios projetos concorrentes e colocava o projeto do deputado Ronaldo Vasconcelos em condies polticas bastante favorveis. As esperanas de que o projeto seguisse tramitando, contudo, no vingaram. A CCJC no chegou a apreciar o parecer do relator e no dia 31 de janeiro de 2011 o projeto foi arquivado ao final da legislatura, junto com os demais.

    3.3 Uma proposta alternativa: a regulamentao por meio da democracia participativa

    Paralelamente ao conjunto aqui descrito, tramita na Cmara dos Deputados o PL no 6.928/2002, de autoria da deputada Vanessa Grazziotin (Partido Comunista do Brasil PCdoB), que traz apensadas vrias outras proposies da mesma natureza.12 A proposta

    12. Tramitam apensadas proposio da deputada as seguintes proposies: PLs nos 689/2003; 1.846/2007; 3.453/2012; 758/2003; 4.718/2004; 7.004/2006; 4.219/2008; 7.003/2010; 2.024/2011; 4.764/2009; 4.805/2009; e 3.310/2012.

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    da deputada apresenta diferenas substantivas em relao a tudo que j foi apresentado anteriormente, pois visa regulamentar dispositivos constitucionais, criando o Estatuto para o Exerccio da Democracia Participativa. A proposta regulamenta os clssicos mecanismos de participao popular, como o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular de leis. A atividade dos grupos de interesse, contudo, recebe neste texto apenas um tratamento tangencial.

    Arquivada em virtude do final da legislatura, dois meses depois, teve seu desarqui-vamento autorizado pela Mesa. Em 5 de maio de 2005, foi apresentado o parecer do relator, deputado Roberto Freire (Partido Popular Socialista PPS), pela constitucionalidade, juridicidade, tcnica legislativa e, no mrito, pela aprovao da matria. Devido a novos projetos apensados, o relator voltou a se manifestar em 16 de agosto de 2006. Em 31 de janeiro de 2007, final da legislatura, o projeto foi arquivado.

    Outra vez desarquivado, o projeto volta a tramitar e recebe o parecer do relator, deputado Geraldo Pudim (PMDB), pela constitucionalidade, juridicidade e tcnica legislativa. E no mrito, pela aprovao. O projeto volta a ser arquivado ao final da legislatura.

    Desarquivado pela terceira vez no dia 4 de julho de 2011, o projeto volta a tramitar e passa por vrios relatores. Recentemente, em 6 de junho de 2012, o deputado Paulo Teixeira (PT), relator na CCJC, apresentou parecer pela constitucionalidade, juridicidade, tcnica legislativa e, no mrito, pela aprovao do projeto da deputada, acompanhado do mesmo voto para a maioria das proposies a ele apensadas. O parecer do relator13 foi acompanhado de um substitutivo ao texto original, que ainda no foi apreciado pela CCJC.

    Em 13 de junho de 2013, foi apresentado o Requerimento de Reconstituio de Proposio no 7.970 pela CCJ e pela Comisso de Cidadania. Pouco menos de um ms depois, em 11 de julho de 2013, o projeto reconstitudo foi devolvido ao relator Paulo Teixeira (PT). Na sequncia, houve uma srie de requerimentos de apensamento de proposies que esto em apreciao. O projeto continua em tramitao e a ltima ao foi um requerimento solicitando apensamento do PL no 682/2014, em 18 de junho de 2014.

    13. O parecer do relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foi pela constitucionalidade, juridicidade, tcnica legislativa e, no mrito, pela aprovao deste (6.928/2002), dos PLs nos 689/2003; 758/2003; 7.004/2006; 4.219/2008; 4.764/2009; 4.805/2009; 3.310/2012; 1.846/2007; 4.718/2004; 7.003/2010; e 2.024/2011, apensados, com substitutivo; e pela inconstitucionalidade do PL no 3.453/2012.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    3.4 Uma proposta ousada, mas pouco vivel

    Em 18 de agosto de 2003, o deputado Geraldo Resende (PPS-MS) apresentou o PL no 1.713. Proposta com um escopo bastante ousado. A simples leitura da ementa d ideia das pretenses do parlamentar: Regulamenta a atuao dos agentes de presso junto a administrao pblica direta e indireta de qualquer dos poderes da Unio, dos estados, do Distrito Federal e dos municpios, e d outras providncias. A proposta visava a uma ampla regulamentao da atividade em todos os rgos do governo e nos trs nveis federativos. Pecando pelo excesso, a proposio teve vida curta. Recebeu parecer contrrio do relator Luiz Antonio Fleury, que teve seu parecer aprovado unanimidade pela Comisso de Trabalho, de Administrao e Servio Pblico (Cetasp) no dia 15 de dezembro de 2004. Embora tenha sido encaminhada CCJC, no foi apreciada naquele colegiado. A proposio foi arquivada nos termos do Art. 133 do RIC no dia 16 de maio de 2005.

    A principal concluso que se tira desse evento sobre os limites constitucionais da regulao da atividade por parte do Poder Legislativo. Nunca demais lembrar que o projeto que esteve mais perto de ser aprovado, o PLS no 203/1989, do ento senador Marco Maciel, passou por situao semelhante. Aprovado no Senado, passou a tramitar na Cmara sob o no 6.132/1990. Como visto anteriormente, naquela Casa recebeu parecer da CCJC pela inconstitucionalidade, justamente pelo seu escopo muito abrangente.

    3.5 O estado da arte: mais uma rodada de iniciativas

    As quatro proposies mais recentes so o PRC no 103/2007, do deputado Francisco Rodrigues (DEM); o PL no 1.202/2007, do deputado Carlos Zarattini (PT); o PRC no 158/2009, do deputado Joo Hermann (PT); e o PRC no 14/2011, do deputado Mendes Ribeiro (PMDB). Como j assinalado, as propostas de Joo Hermann e Francisco Rodrigues tiveram parecer contrrio da CCJC, sendo ambas arquivadas ao final da legislatura. J as propostas de Mendes Ribeiro e Carlos Zarattini seguem tramitando. A primeira porque foi iniciada nesta legislatura, a segunda porque foi desarquivada em 10 de fevereiro de 2011, a requerimento do prprio autor.14

    A observao mais criteriosa dos textos em tramitao sugere que a proposta de Mendes Ribeiro menos pretensiosa e prope um escopo reduzido quanto regulamentao da atividade.

    14. O PL no 2.002/2007, de autoria do deputado Carlos Zaratinni, resultado do desarquivamento do PL no 5.470/2005, apresentado na legislatura anterior pelo mesmo autor (quadro 1).

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    Ela se resume a regulamentar o cadastramento de agentes privados, sem maiores exigncias no que diz respeito prestao de contas das atividades por parte desses grupos. Talvez pela sua objetividade e escopo reduzido, tenha recebido, em 17 de julho de 2013, parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) pela constitucionalidade, juridicidade, tcnica legislativa e, no mrito, por sua aprovao. O parecer ainda no foi votado e o projeto continua em tramitao.

    J a proposta de Carlos Zarattini bem mais robusta, prevendo um amplo rol de exigncias tanto para o cadastramento quanto para o exerccio da atividade, incluindo a a prestao de contas dos gastos efetivados pelos grupos e a declarao de que matrias so de seu interesse. A proposta de Zarattini teve parecer favorvel aprovado na Comisso de Trabalho, de Administrao e Servio Pblico (Ctasp) em 26 de novembro de 2008. Contudo, o seu PL, como ser visto a seguir, a proposta com pretenses mais amplas de regulamentao. No sem razo, esse amplo escopo gera controvrsias. Quando a proposta foi apreciada na CCJC, acabou por ser convertida em um substitutivo, de autoria do relator deputado Csar Colnago, apresentado em 12 de fevereiro de 2012. O texto do substitutivo reduz fortemente o escopo da legislao originalmente proposta e aguarda votao no mbito daquele colegiado.

    Feita essa breve retrospectiva, cumpre uma outra abordagem, pois toda essa variao apresentada, na verdade, apenas uma pequena amostra da heterogeneidade que se encontra quando se verifica o contedo das proposies. Na prxima seo, so analisadas as iniciativas em perspectiva comparada.

    4 COMPARANDO AS INICIATIVAS DE REGULAMENTAO

    Como se pde perceber na seo anterior, as iniciativas de regulamentao apre-sentadas no Congresso Nacional so bastante distintas. As proposies legislativas abordam diferentes aspectos e postulam diferentes escopos para a regulao da atividade. Na inteno de avaliar mais criteriosamente as propostas, este estudo replica a metodologia do indicador denominado CPI score, desenvolvido pelo The Center for Public Integrity, que permite a anlise de forma comparada em dois aspectos relevantes: i) o grau de regulamentao que cada proposta prev; e ii) a ateno dada pelos legisladores s diferentes dimenses que a regulamentao da atividade pode abarcar.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    O indicador foi desenvolvido pela The Center for Public Integrity,15 uma organizao norte-americana dedicada ao jornalismo investigativo, voltada para o objetivo de tornar o poder institucional mais transparente e accountable. O CPI Score foi desenvolvido inicialmente para avaliar o grau de regulamentao do lobby em cinquenta estados nos Estados Unidos e posteriormente foi utilizado por Chari, Hogan e Murphy (2010) para fazer uma comparao global. O objetivo do CPI Score avaliar a regulamentao do lobby em termos de transparncia e accountability. Ou seja, quanto maior o valor do score, maior o grau de regulamentao do lobby e, portanto, mais transparncia e accountability a legislao promove na jurisdio em foco. O CPI score formado por 48 questes, divididas em oito dimenses, e pode variar de 0 a 100. O valor final obtido com a simples soma da pontuao de todas as questes.

    O quadro 2 mostra as principais caractersticas, a distribuio de questes e o nmero de pontos distribudos por todas as oito dimenses que compem o ndice. A ltima coluna apresenta a pontuao mxima, que pode ser obtida por uma proposta de regulamentao depois de retiradas as questes que no se aplicam ao caso do Brasil, pois ainda no se tem uma regulamentao para o pas.16

    QUADRO 2CPI Score: nmero de questes e pontuao por dimenso

    DimensoNmero de questes

    Pontos por dimenso

    Pontos por dimenso (ajustado)

    Definio sobre o que considerado lobista: essa dimenso considera se a legislao prev uma definio clara para que um ator cadastrado seja considerado um lobista e se existe um limite de gastos que diferencie lobistas de outras atividades de influncia.

    2 At 7 At 7

    Registro individual: considera a extenso das informaes que precisem ser prestadas por um indivduo ao se cadastrar como lobista. Ela verifica o grau de detalhamento do cadastro, a sua periodicidade, se o lobista precisa revelar quem ele representa, se ele remunerado, entre outras.

    7 At 19 At 19

    Divulgao de gastos individuais: essa dimenso verifica qual o grau de detalhamento e a periodicidade com que o cadastrado precisa apresentar os seus relatrios de gastos com a atividade de lobby.

    14 At 29 At 29

    Divulgao dos gastos do contratante: nesta dimenso, verifica-se se o contratante do lobista precisa tambm declarar seus gastos. Incluem-se aqui tambm os gastos de salrio do empregador, pago aos seus contratados.

    2 At 5 At 5

    Servios eletrnicos on-line.1 Nessa dimenso, as questes procuram averiguar se a legislao prev que o rgo de controle e fiscalizao da atividade oferece a possibilidade de cadastro e apresentao de relatrios de atividades e gastos on-line.

    3 At 3 At 3

    15. The Center for Public Integrity, fundada em 1989, uma das mais antigas e maiores organizaes no partidrias e sem fins lucrativos do pas voltada para o jornalismo investigativo (About..., [s.d.]).16. O CPI score foi adaptado para a anlise das proposies legislativas brasileiras. Por se tratar de uma simulao, ou seja, a legislao ainda no existe, foram excludas da anlise as questes referentes efetividade da regulamentao. Para ter acesso a toda a metodologia de clculo do CPI score, ver Accountability... (2003); os detalhes sobre a adaptao do ndice para as proposies legislativas no Brasil esto no apndice.

    (Continua)

  • 26

    B r a s l i a , m a i o d e 2 0 1 5

    DimensoNmero de questes

    Pontos por dimenso

    Pontos por dimenso (ajustado)

    Acesso pblico. Essa dimenso verifica a facilidade de acesso informao por parte da sociedade. Aspectos como o custo da informao, sua disponibilidade na WEB e a periodicidade da atualizao da informao so os mais importantes nessa dimenso.

    8 At 20 At 19

    Enforcement. Nas questes relativas a essa dimenso verifica-se o poder de autoridade da agncia de controle responsvel pela atividade, assim como as sanes previstas para o descumprimento da legislao por parte dos lobistas cadastrados.

    9 At 15 At 7

    Mecanismos de quarentena. Resume-se a uma questo, que verifica se a legislao prev a existncia de um perodo de quarentena requerido antes que os legisladores ou servidores pblicos possam se registrar como lobistas depois de deixarem seus mandatos e atividades pblicas.

    1 At 2 At 2

    Fonte: Accountability... (2003).Nota: 1 Fica o leitor avisado que este item certamente penaliza os projetos mais antigos, dado que a nfase em servios on-line resultado das recentes evolues das

    novas tecnologias da informao e comunicao (como a internet, por exemplo). Mas resolvemos mant-lo para garantir a comparabilidade entre as propostas.

    O grfico 1 mostra a classificao da legislao proposta pelos legisladores brasileiros segundo o CPI score. A distribuio varia de 14 a 51, sendo a proposta com pretenses menos regulamentadoras a da deputada Graziotin (PL no 6.926/2002) e a proposta com pretenses mais amplas a do parlamentar Zarattini (PL no 1.202/2007). Uma diferena muito significativa.

    GRFICO 1CPI Score das proposies de regulamentao do lobby no Brasil

    4 4 7 7 4 7 4 7 7 7 7 7

    8 11

    1410

    1111 16 13

    512 13

    17

    12 1314 10

    17

    18

    17 139

    3 3

    35 5

    24

    2

    4 65 6

    45

    64 6

    23

    3 23 7

    35

    2

    22

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    55

    PL 6.928/2002 -

    Van

    essa Grazziotin

    PRC 3.37/1985 -

    Fran

    cisco Dias

    PRC 14/2011 -

    Men

    des Ribeiro

    PRC 83/1996 -

    Jos Fortunati

    PL 6.132/1990 -

    Marco M

    aciel

    PRC 87/20000 -

    Ronaldo Vasconcello

    s

    Substutivo de Colnag

    oao

    PL de Zarattini

    PRC 103/2007 -

    Fran

    cisco Rodrigues

    PL 1713/2003 -

    Geraldo Resen

    de

    PRC 158/2009 -

    Herrm

    ann Neto

    PRC 203/2001 -

    Walter Pinheiro

    PL 1.202/2007 -

    Carlos Zarattini

    Definio lobista Registro individual Divulgao de gastos individuaisDivulgao de gastos contratantes Servios eletrnicos on-line Acesso pblicoEnforcement Mecanismos de quarentena

    Fonte: CPI score das proposies legislativas. Elaborao dos autores..

    (Continuao)

  • Texto paraDiscusso2 0 9 4

    27

    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    Em termos comparativos, s o caso dos Estados Unidos apresenta CPI score acima de 60, portanto, escores de 60 acima so considerados sistemas de controle altamente regulamentados; de 30 a 59, intermedirios; e abaixo de 30, pouco regulamentados (The Center for Public Integrity 2006). Note-se que trs das propostas de regulamentao do Brasil se enquadram na categoria de baixa regulamentao, enquanto as demais sugerem modelos de regulamentao intermediria.

    Importante deixar claro que no h nenhuma razo para acreditar que por este motivo a legislao proposta insuficiente, inadequada ou de m qualidade. Existem vantagens e desvantagens em todas as opes adotadas com relao ao grau de regulamentao da atividade. Em seo posterior, sero discutidos estes valores comparando-se a legislao proposta no Brasil com as de pases com diferentes caractersticas. No momento, talvez a anlise mais relevante seja comparar as proposies legislativas entre si, a partir da nfase que cada uma delas d s oito dimenses avaliadas pelo indicador. Optou-se pela incluso de todas as proposies, inclusive aquelas que no esto mais em tramitao. Essa escolha se justifica porque se considera que mesmo as proposies j vencidas retratam parte importante do debate, portanto, merecem ser discutidas.

    O grfico 1 mostra, tambm, que a distribuio dos valores por dimenso entre as proposies varia significativamente. Tomem-se como exemplo as proposies dos deputados Geraldo Resende, Francisco Rodrigues e Joo Hermann, todas com CPI score de 45. Apesar da semelhana nos valores mximos do ndice, essas proposies mostram diferenas significativas na ateno que os legisladores deram s oito dimenses analisadas. Enquanto Geraldo Resende deu forte importncia aos mecanismos de enforcement, acompanhado de forma mais discreta por Francisco Rodrigues, o terceiro legislador no considerou relevante criar nenhuma forma de sano para punir o descumprimento da lei, muito menos se preocupou em dotar o rgo de controle da atividade com algum tipo de autoridade de auditoria legal. Outra diferena significativa diz respeito proviso que as propostas dos parlamentares Geraldo Resende e Joo Herman Neto trazem com relao necessidade de divulgao dos gastos do contratante com as atividades de lobby, incluindo a o salrio pago ao lobista contratado. Note-se que, para a proposta de Francisco Rodrigues, esse um ponto que no tem previso.

    Para facilitar a anlise do grfico 1, a tabela 1 mostra os valores atribudos a cada dimenso, em cada uma das proposies. A tabela traz os percentuais de cada proposio e de

  • 28

    B r a s l i a , m a i o d e 2 0 1 5

    cada dimenso do total disponibilizado pela escala terica sugerida pelo CPI score. O percen-tual deve ser lido como o grau de cobertura que cada legislao proposta oferece, tomando como referncia o total de pontos que o indicador disponibiliza. Esses valores so exatamente os que esto plotados no grfico 1. A mesma tabela traz, entre parnteses, a cobertura em termos percentuais de cada dimenso e do valor total que o ndice poderia alcanar

    TABELA 1CPI score da cobertura da legislao proposta por dimenso, valores absolutos e percentuais(Em %)

    Autor/proposioDefinio de

    lobistaRegistro

    individualGastos

    individuaisGastos do

    contratanteServios on-line

    Acesso pblico

    Enforcement Quarentena Total

    Carlos Zarattini PL 1.202/2007

    7(100)

    17(89)

    9(31)

    5(100)

    0(0)

    6,3(30)

    5(33)

    2(100)

    51,3(51)

    Walter Pinheiro PRC 203/2001

    7(100)

    13(68)

    13(45)

    5(100)

    0(0)

    4,2(20)

    3,3(20)

    2(100)

    47,5(48)

    Joo Herrmann Neto PRC 158/2009

    7(100)

    12(63)

    17(59)

    3(60)

    0(0)

    6,3(30)

    0(0)

    0(0)

    45,3(45)

    Geraldo Resende PL 1.713/2003

    7(100)

    5(26)

    18(62)

    3(60)

    0(0)

    5,3(25)

    6,7(47)

    0(0)

    44,9(45)

    Francisco Rodrigues PRC 103/2007

    7(100)

    13(68)

    17(59)

    0(0)

    0(0)

    4,2(20)

    3,3(20)

    0(0)

    44,5(45)

    Colnago - substitutivo ao PL Zarattini

    4(57)

    16(84)

    10(34)

    3(60)

    0(0)

    6,3(30)

    1,7(13)

    2(100)

    43(43)

    Ronaldo Vasconcellos PRC 87/2000

    7(100)

    11(58)

    14(48)

    0(0)

    0(0)

    5,3(25)

    1,7(20)

    0(0)

    39(40)

    Marco Maciel PL 6.132/1990

    4(57)

    11(58)

    13(45)

    0(0)

    0(0)

    6,3(30)

    3,3(20)

    0(0)

    37,6(38)

    Jos Fortunati PRC 83/1996

    7(100)

    10(53)

    12(41)

    0(0)

    0(0)

    4,2(20)

    1,7(13)

    0(0)

    34,9(35)

    Mendes Ribeiro PRC 14/2011

    7(100)

    14(74)

    0(0)

    0(0)

    0(0)

    2,1(10)

    0(0)

    0(0)

    23,1(23)

    Francisco Dias PRC 337/1985

    4(57)

    11(58)

    0(0)

    0(0)

    0(0)

    4,2(20)

    0(0)

    0(0)

    19,2(19)

    Vanessa Grazziotin PL 6.928/2002

    4(57)

    8(42)

    0(0)

    0(0)

    0(0)

    2,1(10)

    0(0)

    0(0)

    14,1(14)

    Fonte: CPI score.Obs.: Os valores para as dimenses acesso pblico e enforcement foram ajustados. Ver metodologia do ajuste no apndice.

    Tanto no grfico 1 quanto na tabela 1, tambm fcil notar que as distribuies variam substancialmente. Tome-se como segundo exemplo a comparao das trs proposies que apresentam os maiores valores para o CPI score, quais sejam, as iniciativas dos deputados Joo Hermann (45), Walter Pinheiro (48) e Carlos Zarattini (51). Note-se que, alm de variarem quanto extenso da regulamentao, essas variam tambm em termos da ateno que os legisladores deram s diferentes dimenses. Enquanto os dois ltimos dedicaram-se a legislar sobre os mecanismos de enforcement e de quarentena, o

  • Texto paraDiscusso2 0 9 4

    29

    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    primeiro no considerou no seu texto a possibilidade de criar sanes ao descumpri-mento da lei nem de limitar a ao de ex-parlamentares e ex-servidores na atividade de lobby depois que deixarem seus postos. Esta mesma comparao nos mostra tambm que a ateno dada pelo deputado Joo Hermann divulgao dos gastos individuais do lobista cadastrado bem maior que a dispensada pelos demais.

    O mesmo acontece se observarmos as outras duas proposies, com score de 45. So elas as dos deputados Francisco Rodrigues e Geraldo Resende. Enquanto o primeiro privilegia os aspectos relativos ao registro, o segundo foca mais na regulamentao e publicidade dos gastos do contratante e nos mecanismos de enforcement da lei.

    Essa grande variao apontada nas duas comparaes anteriores j no se verifica quando so analisadas as proposies menos pretensiosas. Os parlamentares Vanessa Graziotin (14), Francisco Dias (19) e Mendes Ribeiro (23), apesar de apresentarem pretenses diferentes em termos de extenso da legislao, sugerem propostas que guardam semelhanas. A opo por uma regulamentao mnima, contudo, no necessariamente reflete com fidelidade as preferncias dos autores. possvel que tenham optado por este escopo reduzido exatamente porque desta forma as suas propostas teriam maior probabilidade de serem aprovadas do que uma regulamentao ampla ou, ainda, porque preferem uma regulao mnima a nenhuma. Seja qual for o motivo, suas propostas se limitam definio da atividade que caracteriza um lobista, ao controle do cadastro e ao acesso pblico s informaes.

    Um quarto aglomerado de proposies que guardam fortes semelhanas tambm chama a ateno. Trata-se das proposies iniciadas pelos deputados Jos Fortunati (35), Marco Maciel (38) e Ronaldo Vasconcelos (40). Ao inspecionar a tabela 1 e o grfico 1, nota-se que so proposies bastante parecidas, com divergncias que no passam de trs pontos especficos entre as medidas de uma mesma dimenso.

    A observao da atividade legislativa em torno da regulamentao do lobby, se vista de forma mais agregada, ajuda a ver outros aspectos relevantes.

    A observao detida da tabela 1 mostra que toda a legislao sugerida apresenta uma sria omisso. Note-se que nenhuma das proposies apresenta dispositivo que preveja que o rgo de controle e fiscalizao da atividade oferea a possibilidade de cadastro,

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    B r a s l i a , m a i o d e 2 0 1 5

    apresentao de relatrios de atividades e relatrios de gastos on-line. Embora essa seja uma omisso compreensvel,17 no se pode deixar de considerar que o oferecimento de servios on-line tem pelo menos dois aspectos altamente relevantes. Primeiro, diminui o custo para os grupos de interesse, que podem prestar informaes de maneira eletrnica, eliminando os gastos desnecessrios. Nunca demais lembrar que um dos argumentos contra a regulamentao do lobby exatamente o custo que ela pode gerar sobre aqueles que desenvolvem a atividade. O segundo, e certamente o mais importante, que o registro eletrnico, embora no garanta, fundamental para permitir que as informaes estejam disponveis em formato eletrnico para o pblico e para que a agncia de controle disponibilize um banco de dados digitalizado, permitindo a anlise e a pesquisa via web.

    O segundo aspecto que a viso agregada oferece a baixa cobertura da maioria das proposies no que diz respeito a dispositivos que regulamentem o acesso pblico aos dados. Nenhuma das proposies apresentadas passa de 30% de cobertura nesta dimenso. Esse um aspecto importantssimo porque esta dimenso avergua a dispo-nibilidade de informaes para a sociedade, levando em conta vrios aspectos, como: i) como se d a localizao e em que formato os arquivos sobre o cadastro e sobre os gastos so disponibilizados; ii) se isso representa custo para quem quer acessar as infor-maes; iii) se a agncia responsvel pela fiscalizao e controle da atividade fornece de forma desagregada os gastos com lobby; e iv) com que frequncia as listas de lobistas e de gastos so atualizadas e disponibilizadas. importante lembrar que o principal argumento a favor da regulamentao do lobby a transparncia, que pode gerar maior accountability da sociedade sobre o processo poltico decisrio. Portanto, uma proposio legislativa que no leve s ltimas consequncias a regulamentao desses aspectos corre srios riscos de no produzir o resultado esperado.

    O terceiro ponto que a anlise agregada sugere que, exceo de trs proposies, a maioria dos legisladores no considera necessrio o estabelecimento de mecanismos de quarentena. Este um ponto polmico porque implica cercear a liberdade de atuao, pelo menos por um perodo, de ex-legisladores e de ex-servidores pblicos. Contudo, ele vem sendo aplicado em vrios pases, em especial nos Estados Unidos, onde o lobby tem alto grau de regulamentao.

    17. Para as proposies mais antigas, de fato essa omisso justificvel, dado que a preocupao com disponibilizao on-line dos dados algo recente e est intimamente ligada aos recentes desenvolvimentos de novas tecnologias da informao e comunicao, criadas pelos avanos da internet.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    Em linhas gerais, o que se depreende da anlise comparativa da legislao proposta que ela apresenta divergncias fortes, revelando vises muito diferentes dos legisladores sobre a atividade de lobby e, por consequncia, de como e em que que medida ela deve ser regulada. Como se viu, o conjunto normativo sugerido, alm de diverso, incompleto.

    Outra vez, no se est afirmando com isto que a legislao a ser adotada deva ser ampla e detalhada a ponto de se aproximar dos valores mximos do indicador utilizado. O CPI score sugere uma escala normativa ampla e detalhada para a legislao, mas empiricamente nenhum pas no mundo chega nem prximo dos valores mximos. A utilidade desta anlise, portanto, deve ser considerada sob o ponto de vista comparativo. A ideia facilitar a identificao de convergncias e divergncias apresentadas pelos legisladores em torno da matria, sem maiores pretenses prescritivas.

    Para facilitar essa compreenso, a prxima seo apresenta um exerccio especulativo, comparando como seria o caso do Brasil em relao a outros pases que regulamentaram o lobby caso optasse por alguma dessas propostas

    5 COMPARAO COM A EXPERINCIA INTERNACIONAL

    O exerccio aqui proposto visa comparar as proposies legislativas sobre a regulamentao do lobby no Brasil com a legislao vigente em diferentes pases. O exerccio, contudo, deve ser visto como meramente especulativo. Nesse sentido, pelo menos duas ressalvas devem preceder a anlise. A primeira que no h razo para acreditar que, caso o Brasil opte por regulamentar o lobby, alguma dessas propostas seja recepcionada na ntegra. Ao contrrio, deve-se esperar que o processo legislativo, permeado pelos prprios grupos de interesses, e a interveno do Poder Executivo alterem significativamente o que est hoje em discusso, visto que as decises legislativas, em geral, so grandes snteses de ideias e agregados tpicos de decises coletivas e negociadas.

    O segundo motivo para relativizar o alcance dessa comparao que existem caractersticas especficas entre os diferentes pases que determinam suas escolhas sobre por que e como regulamentar a atividade. Chari, Hogan e Murphy (2010) apontam que pelo menos dois motivos ajudam a explicar a opo por um alto grau de regulamentao nos Estados Unidos e no Canad, so eles: i) a importncia histrica dos grupos de interesse no processo de tomada

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    B r a s l i a , m a i o d e 2 0 1 5

    de deciso alto grau de pluralismo e competio por influncia poltica entre os grupos; e ii) a importncia dos escndalos polticos nos Estados Unidos que teve sua regulamentao de forma incremental, geralmente revisada e expandida depois de grandes escndalos. J no caso dos pases europeus, a regulamentao menos extensiva se d porque a relao dos grupos de interesse com a poltica diferente. A Alemanha, por exemplo, um pas classificado como um modelo de representao de interesses altamente corporativista. Nesse caso, os grupos diferentes daqueles que representam o capital e trabalho tm pouca influncia. Nunca demais lembrar que o modelo corporativista se caracteriza por negociaes tripartites capital, trabalho e governo e por um sistema que organiza a representao de interesses de forma mais centralizada e unificada. Ou seja, modelos corporativistas so marcados pela representao via organizaes de carter federativo e unificadas por entidades de pico como as centrais sindicais, por exemplo. Em sua anlise sobre as lies acerca da regulamentao do lobby nas democracias parlamentaristas da Europa, Thomas (2004) afirma que:

    Um argumento que pode ser feito que a regulamentao mais efetiva em modelos pluralistas do que em sistemas corporativistas ou neocorporativistas. O pluralismo, com sua nfase no individualismo e na competio entre os interesses organizados por influncia junto ao governo se ope ao corporativismo, onde os interesses econmicos so formalmente incorporados ao processo decisrio sobre polticas pblicas (muitas vezes em detrimento de outros tipos de interesses). Em sistemas corporativistas, portanto, as fronteiras entre governo e sociedade so mais tnues. Nessa situao, a regulamentao do lobby pode ser vista como uma ameaa aos princpios de intermediao de interesses nos quais o corporativismo est baseado, frustrando seu objetivo central que a promoo do interesse pblico (Thomas, 2004, p. 85).

    Na Unio Europeia, por outro lado, os grupos so vistos como repositrios de expertise e o desenho institucional visa promover o envolvimento direto entre setores organizados da sociedade e os tomadores de deciso. Existe uma relao quase simbitica entre grupos e governo, o que minimiza a percepo da desconfiana e os escndalos.

    Dadas essas diferenas fundamentais, cumpre deixar claro que a comparao em foco no pretende predizer o futuro sobre a regulamentao do lobby no Brasil, muito menos prescrever um modelo de regulamentao. O exerccio comparativo aqui serve to somente para refletir criticamente sobre as proposies existentes a partir de pers-pectiva mais ampla, luz da experincia internacional. E para esse exerccio, parece ser interessante pensar comparativamente.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    5.1 Comparando casos e propostas

    Chari, Hogan e Murphy (2010) afirmam que valores do CPI score de 60 acima so considerados sistemas de controle altamente regulamentados; de 30 a 59, intermedirios; e abaixo de 30, pouco regulamentados. Ao comparar as propostas apresentadas pelos parlamentares brasileiros com a regulamentao existente em outros pases, nota-se uma opo da maioria dos nossos representantes por uma regulamentao intermediria. Como consta no grfico 2, das doze proposies em anlise, apenas trs optam por um modelo minimamente regulamentado. Estas so as propostas dos congressistas Vanessa Graziotin, Medes Ribeiro e Francisco Dias. Os demais legisladores brasileiros optam por um modelo com regulamentao mdia.

    GRFICO 2Proposies de regulamentao do lobby em perspectiva comparada CPI score

    1415

    1719

    2325

    273233

    3536

    3838

    4043

    4545454545

    485051

    62

    GrazziotinParlamento Europeu

    AlemanhaDias

    RibeiroComunidade Europeia

    PolniaCanad, 1989

    AustrliaFortunati

    Estados Unidos, 1995TaiwanMaciel

    VasconcellosSubstutivo de Colnago

    Canad, 2003HungriaResende

    RodriguesHerrmann Neto

    PinheiroCanad, 2008

    ZarattiniEstados Unidos, 2007

    Regulamentaes dos pases Proposies legislativas apresentadas no Brasil

    Fonte: Chari, Hogan e Murphy (2010).Elaborao dos autores.

    Mas o que significa substancialmente essa opo por diferentes graus de regulamentao? Existem vantagens e desvantagens associadas a todos os modelos de regulamentao. O estudo comparativo mais recente e completo sobre a regula-mentao do lobby, intitulado Regulating lobby: a global comparison (Chari, Hogan e Murphy, 2010), aponta inmeras consequncias, positivas e negativas, com base nas experincias vivenciadas em onze pases/jurisdies observados. Segundo este estudo, os resultados so os que seguem.

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    5.2 Modelos com baixa regulao: acesso amplo versus baixa accountability

    Jurisdies que optaram por uma baixa regulamentao, como a Polnia, a Comisso Europeia, a Alemanha e o Parlamento Europeu, apresentam legislaes que vo pouco alm da exigncia do registro dos lobistas. Embora os dados dos cadastros sejam pblicos, seus gastos, suas atividades, as matrias que acompanham e o perodo de quarentena no figuram nos seus diplomas normativos. As proposies legislativas apresentadas pelos parlamentares brasileiros Vanessa Graziotin, Francisco Dias e Mendes Ribeiro se assemelham a estes casos, como se pode ver no grfico 2.

    Os graus de transparncia e accountability sobre a atividade nesses casos so bem menores do que nos pases com mdia e alta regulao. Sabe-se quem faz lobby, mas no se tem muita clareza de quem influencia quem, ou seja, em que direo e quem so os interlocutores dos grupos de interesse no parlamento. Sabe-se, menos ainda, qual o custo do lobby e se esse investimento realmente tem peso nas decises polticas. Os defensores da regulamentao apostam que sabendo exatamente quais interesses e quanto esforo financeiro foi empreendido sobre determinada questo pelos grupos, fica mais fcil estabelecer uma relao entre o lobby e o resultado final da proposio.

    Contudo, as vantagens da baixa regulamentao apontadas pelos analistas so muitas. A primeira diz respeito ao baixo custo que o grupo de interesse ou lobista profissional tem para se cadastrar e para produzir relatrios peridicos sobre suas atividades, o que configura menos uma barreira entrada para qualquer grupo que tenha interesses a defender no parlamento. Sendo assim, a participao dos grupos menos poderosos estaria garantida, ou pelo menos no seria limitada pela legislao. Outra vantagem que o aparato burocrtico da agncia de controle mnimo, o que significa que os custos com a regulao e a fiscalizao da atividade no representam um nus significativo para o Estado. Por outro lado, a baixa regulao gera a aceitao do registro por parte dos grupos de interesse e lobistas, evitando o sub-registro e permitindo uma viso mais confivel da extenso e da natureza dos interesses repre-sentados via lobby. Entretanto, faz sentido esperar que, a depender do formato da regulao, o efeito pode ser exatamente o contrrio. A falta de incentivos e sanes com relao ao registro pode levar a crer que o credenciamento pouco importa.

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    Propostas de Regulamentao do Lobby no Brasil: uma anlise comparada

    Apesar das semelhanas mais gerais entre eles, esses modelos de baixa regulao apresentam particularidades. Um aspecto muito interessante da regulamentao do lobby nas instituies da Unio Europeia (Comisso Europeia e Parlamento Europeu) que elas disponibilizam fundos que so repassados para determinados grupos da sociedade civil. Os grupos que recebem a maior parte destes recursos so aqueles que se dedicam a defender interesses difusos, ficando de fora os grupos que representam interesses parti-cularistas ou privados. As organizaes que mais recebem estes fundos so as associaes sem fins lucrativos, como as associaes de cidados (44%), os grupos que representam os interesses dos jovens e ligados educao (17%), as associaes de negcios (8%) e os grupos ligados a atividades de fortalecimento da integrao europeia (8%). Outros gru-pos, como associaes profissionais, de trabalhadores, organizaes religiosas, federaes de associaes e associaes polticas, tambm recebem recursos para financiar suas atividades (Chari, Hogan e Murphy, 2010).

    A razo de financiar a atuao desses grupos no mbito da Unio Europeia encontra fundamento no fato de que muitas competncias legislativas foram transfe-ridas das instituies nacionais dos pases-membro para o Parlamento Europeu e para a Comisso Europeia. Com isso, aumentaram significativamente a heterogeneidade dos interesses envolvidos no processo poltico e tambm os custos para a atividade de representao desses interesses.18 Esses custos provavelmente tornariam proibitiva a participao de grupos com menos recursos para destinar atividade de representao, o que, claro, refora a desigualdade gerada pela disponibilidade de recursos por parte de diferentes grupos, colocando em risco a legitimidade democrtica desta instituio. Portanto, o efeito esperado desta medida diminuir a desvantagem desses grupos na competio por influncia, o que provavelmente no apenas um problema da Unio Europeia. Esta iniciativa, se pensada tambm para instituies no mbito nacional, certamente contribuiria neste sentido. Isto precisamente o que sugere Mancuso (2005, p. 3) quando defende que

    18. Klver (2010) chama a ateno para o fato de que a crescente transferncia de competncias para o nvel europeu, junto com a crescente heterogeneidade dos interesses envolvidos em todos os estados federados, coloca grupos de interesse nacionais sob grande presso. A fim de garantir a representao dos seus interesses, eles passaram a conviver com a necessidade de ter de pressionar as instituies da Unio Europeia diretamente. No entanto, nem todos os grupos de interesse nacionais puderam fazer isto. O seu estudo comparativo entre as associaes de defesa de interesses do setor agrcola da Frana e da Alemanha mostra que s transferiram suas atividades de lobby do mbito nacional para Bruxelas as organizaes que contavam com recursos suficientes e que, alm disto, tinham desenhos institucionais desfavorveis no mbito nacional.

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    B r a s l i a , m a i o d e 2 0 1 5

    o desafio viabilizar a organizao, a mobilizao e o exerccio de presso poltica por parte de segmentos sociais numerosos que, no entanto, apresentam um dficit histrico notvel de ao coletiva tais como os pequenos consumidores, os pequenos contribuintes, os desempregados e as vtimas de excluso scio econmica. Quanto maior se tornar a capacidade destes atores de defender seus interesses na arena poltica, tanto menor ser o desequilbrio em favor dos interesses economicamente ou politicamente privilegiados.

    Na Alemanha, o destaque fica por conta de uma regra que, de certa forma, contraditria com a pretenso de baixa regulao, que tornar o sistema mais aberto participao, evitando barreiras entrada. No Deutscher Bundestag, grupos registrados tm o direito de ser ouvidos, e isso significa assegurar sua participao no processo. Contudo, grupos no registrados no podem ser ouvidos pelas comisses parlamentares, o que significa uma forte barreira entrada para os grupos menos institucionalizados. verdade que a lei permite que o parlamento d permisso ad hoc para convidar deter-minados grupos que julgue importante ser ouvidos, mas o grupo precisa ser convidado pelo parlamento. Sendo assim, a lei funciona como uma barreira para aqueles interesses que no atuam mais sistematicamente no processo. Como tudo leva a crer que so exatamente esses os grupos que tm menos recursos sua disposio para atuar politicamente e tentar influenciar as decises polticas, a medida , no mnimo, discutvel.

    Por fim, o caso da Polnia oferece uma lio importante. A lei prev que um resumo das proposies legislativas seja p