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Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Page 1: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador
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MILTON SANTOS

o Centro da Cidade do Salvador

Estudo de Geografia Urbana

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EOUFBA

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Copyright © 2008 by Família Santos

Título original em francês: Le centre de la vil/e de Salvador: Étude de géographie urbaine. Tese apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Strasbourg, para obtenção do Doutorado da Universidade e aprovada com a menção "tres honorable, avec les félicirations du jury". Srrasbourg, 1958.

I" edição 1959 (Publicações da Universidade da Bahia) r edição 2008 (EdusPJEdufba)

Ficha catalográfica elaborada pelo Deparramenro Técnko do Sistema Integrado de Bibliolecas da USP

SanlOs, Milton. O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana 1

Milton Santos. - 2. ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008.

208 p.; 21 cm. - (Coleção Milton Santos; 13)

Inclui mapas. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-314-1119-9 (Edusp) ISBN 978-85-232-0533-1 (Edufba)

1. Geografia humana. 2. Sociologia urbana. 1. Título. 11. Título: Estudo de geografia urbana. m. Série.

DireilOs reservados à

Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Av. prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6" andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-010 -São Paulo - SP - Brasil Divisão Comercial: Te!. (11) 3091-4008/3091-4150 SAC (lI) 3091-2911 - Fox (l1) 3091-4151 www.edusp.com.br-e-mai!: [email protected]

Edufba - Editora da Universidade Federal da Bahia Rua Barão de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina 40170-115 - Salvador - BA - Brasil Te!. (71) 3283-6160/3283-6164 www.edufba.ufba.br-email: [email protected]

Printed in Brazil 2008

Foi feito o depósiro legal

CDD-307.76

Page 4: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

SUMÁRIO

Prefácio ...................................................................................... ~ ............... 9 Prefácio à Edição Francesa ....................................................................... 17 Nota Prévia .............................................................................................. 19 Aditivo para a Edição Brasileira ....... ~ .................................................... 0.0 25 Introdução ............................................................................................ : .. 27

1. FORMAÇÃO DA CIDADE E EVOLUÇAo DA REGIÃO ....................................... 35

A Escolha do Sítio: De Cidade-Fortaleza a Capital do Recôncavo ...... 38 Incorporação do Sertão à Zona de Influência do Salvador ................... 41 A Organização do Espaço Regional. .................................................... 43 Amortecimento Demográfico e Introdução dos Transportes Mecânicos .................................................................. 46 O Crescimento Recente da Cidade ....................................................... 49 A Ocupação Atual do Sítio .................................................................. 56

2. As FUNÇOES DO CENTRO DE SALVADOR ........ : ............................................ 67

A Função Portuária ............................................................................. 69 A Função Administrativa ..................................................................... 75 A Função Comercial ............................................................................ 77 A Função Bancária ............................................................................. 88 A Função Industrial e Artesanal .......................................................... 90

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3. A PAISAGEM URBANA E A VIDA DO CENTRO DA CiDADE. ........................... 101 A Paisagem ....................................................................................... 103 A Vida .............................................................................................. 122

4. A ESTRl.JfURA URBANA DOS BAIRROS CENTRAIS ....................................... 153 Tipos de Construções ....................................................................... 154 Exemplos de Ruas ............................................................................ 170

Conclusão .............................................................................................. 191 Ilustrações e Fotos .................................................................................. 201 Bibliografia ............................................................................................ 203

Page 6: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

PREFÁCIO

" Amedida que a estrurura econômica das sociedades vai se

transformando, com a preponderância dos setores secundá­

io e terciário sobre o primário, a distribuição demográfica

modifica-se, paralelamente, no sentido do adensamento e das concen­

trações urbanas. A civilização contemporânea é uma civilização da

cidade. Países há, como os Estados Unidos, onde a população rural

já representa apenas 13,5% no total dos habitantes do país. Este

fenômeno é universal, e não parece haver perspectivas de ser susta­

do, pois embora existam indícios de saruração do setor industrial,

o terciário cada dia mais avulta de importância, aponto de haver

quem veja nisto a característica do mundo do fururo. E se existe uma

possibilidade de ruralização da indústria, o terciário, etapa fiTIal, é típico da vida urbana; é a própria essência da cultura das cidades.

Este evolver acelerado - pois é a partir da revolução in­

dustrial que a taxa de incremento da urbanização se intensifica

fortemente - quebrou os padrões tradicionais da" vida citadina.

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Até então, a cidade era uma criação harmônica, resultante

. de fatores físicos e culturais confluentes; era, sobretudo, um

fenômeno social, espontâneo, embora vinculado em geral às

necessidades econômicas de uma sociedade submetida a pressões

suaves. Desde então os centros urbanos passam a ser uma criação

consciente, atendendo ao imperativo da concentração industrial,

básico ao desenvolvimento capitalista. A esta altura, entretanto,

a nova filosofia da vida, impregnada do êxito social mediante o

enriquecimento, aumenta as pressões, sem que, simultaneamente,

houvesse uma preocupação quanto ao processo específico do

crescimento urbano.

A cidade, que até então era uma exteriorização de formas

sociais integradas, subordina,se ao mecanismo da usina, para a

qual a mão-de-obra desumaniza-se, assumindo o papel de mero fator físico de "insumo". Deforma-se aquela "orquestração com­

pleta de tempo e de espaço", substituída pela sinfonia atônita de

desequilíbrios de toda sorte. Os componentes culturais perdem

toda significação hierárquica, e impera a subordinação de toda a

vida da comunidade ao determinismo econômico da produção.

Na base desse tipo de transformação do conceito e da es­

trutura da cidade está todo um complexo de desajustamentos,

que vão dos aspectos infra-humanos dos cortiços, das favelas,

dos slums, dos bidonvil/es, às carências alimentares, sobretudo

qualitativas, ao congestionamento dos transportes, resultante

da concordância cronométrica dos horários de trabalhos, às

deficiências de toda a aparelhagem dos sistemas de distribuição

de serviços. Ao lado disto, a incapacidade para organizar o novo

tipo de vida, como, por exemplo, para absorver em tipos úteis

de atividades as disponibilidades das horas de lazer, a quebra

de disciplina social, nos strata das classes menos favorecidas

Page 8: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

altamente sugestionadas pelo "efeito de demonstração" dos

padrões de vida das classes possuidoras, contribui para ampliar

os quadros deste cortejo de angústias, que vão gerando um novo

quadro endêmico de uma patologia individual ou coletiva sui

generis, tipificada no aumento de moléstias mentais e cardíacas,

na elevação dos índices de criminalidade, num estilo educacional

excessivamente ptofissionalizado e imediatista etc.

Reconstruir a cidade, reintregrando-a na sua função pri­

mordial de ponto onde se concentram os destinos da civilização,

e onde esta triunfa do próprio tempo, pelo agrupamento de

várias camadas representativas de cada época, é a grande tarefa

do nosso século. O desafio recebido da imprevidência, e mesmo

da inconsciência dos nossos avós, da idade do carvão, do ferro

e do petróleo, tem de ser respondido pela mobilização de todos

os conhecimentos que a técnica e a ciência puseram ao nosso

alcance. Mais da metade da população do mundo, isto é, cerca

de dois bilhões de pessoas, vive hoje dentro dos limites urbanos.

E cresce dia a dia o seu número, sem que a infraestrutura seja

projetada para recebê-la em futuro próximo, pois a triste verdade

é que raras são as cidades, grandes ou pequenas, que tenham

elaborado um plano para um habitat harmonioso e equilibrado

dos seus descendentes, os quais já lhes batem às portas. O que

nos domina, ainda, é toda uma política do momento presente,

de remendos frustrados e de acomodações penosas, deixando

aos que chegam, a trágica herança de aglomerados sem luz, sem

ar, sem alimentos, sem transportes; sem alegria, sem dignidade

e sem beleza.

À geografia urbana, à teoria locacional e ao planejamento

regional das cidades cabe a grande responsabilidade de modi­

ficar este triste cenário, esta mísera realidade. E para isto, não

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lhes bastará todo o instrumental científico ou técnico; ser-lhes-á

também necessário obter, talvez até preliminarmente, uma mo­

dificação da atitude do homem em relação ao espaço no qual

terá de decorrer a vida de seus sucessores.

Neste sentido, o trabalho inicial será de promoção, de mo­

bilização da opinião mundial, escIarecendo-a quanto às origens,

à formação, ao crescimento, às possibilidades e aos destinos da

cidade. Destinos que precisam ser bem interpretados e compre­

endidos, para evitar que as nossas metrópoles, convertidas em

ruínas e cemitérios, passem a ser meros aglomerados de "frios

cubos entregues a bestas menos destruidoras que o homem".

• • •

o trabalho que o Prof. Milton Santos apresentou à Univer­

sidade de Strasbourg, comO tese para douto~ado em Geografia

Humana - O Centro da Cidade do Salvador - e cuja edição em

português ora lançada em conjunto pela Universidade da Bahia

e Livraria Progresso Editora, é um belo exemplar de um novo

tipo de estudo que começa a ganhar terreno entre nós, com a

nova geração de geógrafos.

Tais estudos caracterizam-se pelo abandono da velha

concepção da Geografia como uma ciência apenas do espacial,

quando ela também o é do temporal. Desta nova posição con­

ceituaI decorre uma outra atitude metodológica, que encara o

fato geográfico como eminentemente dinâmico e não estático.

Daí ser a geografia moderna uma ciência altamente especulativa

e indagadora, e não uma atividade de anacrônico descritivis­

mo. Daí a riqueza da sua contribuição como ciência aplicada,

mobilizando todo um acervo de fatos, agora conhecidos na sua

Page 10: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

verdadeira significação, através de uma amostragem sucessiva

de cortes estruturais, que funcionam como outras tantas lâminas

de laboratório para um perfeito diagnóstico da fisiologia e da

anatomia da cidade.

Nesta linha é que o geógrafo baiano conduz o seu estudo.

Não admira, por isto, que o ~eu primeiro capítulo, introdutório,

seja um retrospecto da vida da Cidade do Salvador, desde que

surgiu cidade-fortaleza, alcandorada nos cimos das escarpas

centrais, cujo derredor acidentado, seu fundador afeiçoou ao

modo de fosso, ampliado e conjugado aos diques, um século mais

tarde, por estes magníficos construtores hidráulicos que são os

flamengos. Não admira ainda que vá buscar, na pesquisa eco­

nômica e demográfica, os mananciais necessários para explicar

toda a funcionalidade da nossa povoação "grande e forte", já

agora despida dos encargos de base militar, para assumir o papel

de centro dinâmico de toda uma enorme área, que dominava,

no século XVIII, das regiões auríferas do Norte de Minas aos

longínquos sertões de pastoreio do Piauí.

O seu preciso condensado da história destes quatro sécu­

los de vida da nossa Salvador - base de vigilância e sentinela

do imenso litoral brasileiro, sede de administração e elemento

polarizador da vida da colônia, porto de exportação de todo

aquele vasto arriere-pays e mercado consumidor da produção

sertaneja ou da orla marítima - é um primor de concisão. E se

dele discordamos em detalhes - como quanto à verdadeira ex­

pressão econômica da Bahia nos primeiros dias do século XIX,

por ele muito subestimada no nosso parecer, ou em relação ao

estado estacionário dos engenhos. no curso do mesmo século,

de que existem verossímeis testemunhas em contrário, como,

por exemplo, com a construção dos pouco estudados engenhos

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centrais -, concordamos naquilo que de mais típico se apresenta

COmO a característica da vida e da função da Cidade do Salvador

na economia da Bahia de então: o porto.

Somente através de uma análise dessa espécie é possível

compreender a cidade, acompanhando o seu crescimento, os

seus fatores determinantes e condicionantes, para que se possa

prêver o seu futuro em proporções físicas e humanas, projetando

a sua expansão em função destes.

Daqui, dessas altas esplanadas e dos vales úmidos, partiram

os primeiros movimentos de expansão;. Salvador foi a encru­

zilhada necessária do açúcar, do fumo, do ouro, dos couros e

peles, num sentido; e, noutro, a dos escravos e dos colonos livres,

dos instrumentos rudimentares e das "tentativas de inovações

redentoras, da ordenação jurídica e das tradições culturais, que

haveriam de fundir num amálgama nacional, toda a diversificada

contribuição ética e social, num caldeamento adaptado à nossa

ecologia própria, dentro de cujas linhas estamos construindo uma

avançada civilização tropical, surpreendente para muitos.

Ao estudo dessa função portúária da Bahia, que seria o

instrumento próprio e adequado para a dominação daquele ex­

tenso polígono, incluindo do arco das praias do Sul, de onde nos

vinham as farinhas, à secante de rios como o São Francisco,'reúne

O Prof. Milton Santos uma análise do fluir dos abastecimentos

para a cidade que, pelo seu mercado consumidor, exerceu função

talvez não menos importante como elemento de integração da

economia regional.

A essa altura, quando um novo traçado de comunicações

vai reduzindo as dimensões dessa função marítima de feitoria, e

o interior começa a comercializar produtos e cultura com outras

;r regiões, sem o ponto de passagem obrigatório de Salvador - Fei-

Page 12: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

ra, Jequié, Conquista, Ilhéus, Itabuna, recebendo e transmitindo

influxos culturais e econômicos por rodovias, aerovias, pelo rádio

ou pela imprensa -, somente uma apreciação valorizativa e mensu­

rada dessa evolução poderá indicar a necessidade da substituição

da estrutura e suas proporções, se é que a nossa cidade deve viver,

para o futuro, no mesmo ritmo de crescimento do seu passado.

Nesse particular são muito instrutivas, por exemplo, as

suas observações quanto à nova estrutura do comércio de bens

e serviços na .área baiana global, bem como quanto ao fluxo e

à composição da população da cidade, estudados aqui, como o

devem ser, em função dos movimentos da economia do Estado.

Fatos ComO a exportação direta pelo porto de Ilhéus da maior

parte do cacau baiano, resultando num deslocamento daquela

função exercida por Salvador durante quatrocentos anos; como

a ausência, no momento, de zonas baianas pioneiras (o que

constatamos em estudo nosso, numa análise de outro tipo);

comO a falta de indústrias capazes de absorver os excedentes

de mão-de-obra rural, focalizam um dos grandes problemas da

nossa comunidade, que precisa dar-lhes uma solução, sem a

qual a pressão do subemprego - invadida a cidade por hordas

de marginais - absorverá as nossas escassas poupanças, o desem­

prego reduzindo a capacidade de comunicação de acumulação

capitalista e, portanto, de investimento e de desenvolvimento.

Muito haveria a dizer ainda sobre o interessante trabalho do

Prof. Milton Santos, se pretendêssemos atirar-nos a uma tarefa de

condensação, aliás fascinante pelo atraente do assunto, de toda a

complexa problemática da nossa cidade e da nossa região, de so­

lução não propriamente impossível, mas positivamente difícil.

Obra honesta, aguda e inteligente, dentro de uma metodo­

logia larga e atual, marca-a sobretudo, sendo entretanto obra

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de pesquisa científica, seu sentido altamente pragmático, signo

dos trabalhos dos cientistas sociais brasileiros de nossos dias, o

que nos leva a reafirmar que a Geografia deixou de ser amena

literatura descritiva para transformar-se em ciência aplicada.

PINTO DE AGUIAR

Salvador, fevereiro de 1959

Page 14: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

PREFÁCIO A EDIÇÃO FRANCESA

Bahia de Todos os Santos e de Todos os Poetas, Bahia, a

Afro-Brasileira, teve seus historiadores e sociólogos. O pro­

fessor Milton Santos quis ser o seu geógrafo, procurando

compreender as relações complexas entre os homens e a natureza,

entre o passado e o presente. Sem abandono do rigor científico,

analisa as aparências para melhor compreender as almas.

Com prudência, o professor Milton Santos limitou seu es­

tudo ao próprio centro da Cidade do Salvador, mas sem nunca

o isolar arbitrariamente do resto da aglomeração urbana, nem

de um arriere-pays cuja extensão variou nO decurso dos séculos.

O estudo, que brilhantemente lhe valeu o título de Doutor da

Universidade de Strasbourg, inscreveu-se em bom lugar entre a

crescente série de publicações geográficas brasileiras. Trabalho

científico e universitário, o do professor Santos não é, por ou­

tro lado, desprovido de valor prático. Na geografia passa-se o

mesmo que em outras disciplinas para as quais os limites entre a

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pesquisa pura e a pesquisa aplicada é cada vez mais convencional.

E estou certo de que Milton Santos, geógrafo e professor, jamais

se apresenta dissociado do Milton Santos, cidadão de Salvador.

Eis aí um bom livro e que, como tal, não tem mais necessi­

dade de prefácio ... Este se justifica inicialmente pela amizade que

nasceu entre nós já há muitos anos, quando, em terra paulista,

Milton Santos me falava de suas pesquisas em uma região que eu

próprio havia estudado outrora, a zona das plantações de cacau

no Sul da Bahia. Essas primeiras pesquisas permitiram ao seu

autor classificar-se entre os melhores da jovem e brilhante escola

geográfica brasileira, cujos laços Com a geografia francesa se

conhecem tão bem. O estudo do Centro da Cidade do Salvador

ainda mais os reforça, pois se inspira nos métodos e no espírito

de nossas monografias urbanas. Foi dirigido pelos professores

Juillard e Tricart, de quem tive a honra de ser colega na Faculdade

de Letras da Universidade de Strasbourg.

O Instituto de Altos Estudos da América Latina da Univer­

sidade de Paris acolheu COm a melhor boa vontade a tese, a um

tempo baiana e strasburguesa, do professor Milton Santos, fiel ao

seu papel que é contribuir para fazer conhecida a América Latina,

associando-se a todos aqueles que lhe consagram seu trabalho.

PIERRE MONBEIG

Diretor do Instituto de Altos Estudos da América Latina da Universidade de Paris

Page 16: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

NOTA PRÉVIA

ACidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, é a mais

antiga e característica das cidades brasileiras. Construí­

. da para ser a capital do país, durante três séculos foi

a aglomeração urbana mais importante. Seu porto, por onde

escoava a produção da agricultura comercial do Recôncavo, era

o mais movimentado.

Todavia, durante o último século, o eixo da economia

nacional se deslocou para o sul, e a capital baiana viveu um

período de quase estagnação, de crescimento lento, situação que

somente mudou a partir de 1940, de um lado porque um novo

dinamismo lhe foi comuilicado, e de outro lado porque acolheu

enormes vagas de rurais, tangidos do campo.

Todos esses fatos marcaram, profundamente, a fisionomia

da cidade e a sua vida, refletindo-se sobretudo no que hoje

constitui sua parte central. As riquezas de que foi a depositária

durante OS primeiros séculos permitiram a construção de belas

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igrejas e palácios, casarões e so brados que suportaram as ofensas

do tempo e continuam na paisagem como uma nota singular. Por

outro lado, uma certa ausência de dinamismo da vida urbana,

durante um largo período, não somente impediu um desenvol­vimento maior da área central, como contribuiu igualmente

para a permanência do seu aspecto secular. Mas os sobrados,

havendo perdido sua destinação original, deterioraram-se até

construir o que, em conjunto, são hoje, isto é, uma área de

slums. O crescimento recente da cidade e a expansão de suas

atividades conduziram à modificação da fisionomia do centro,

provocando o aparecimento de grandes edifícios, construídos nos

espaços vazios, ou substituindo velhas casas. É a esse conjunto

que os baianos chamam "A Cidade", quando se referem à parte

alta, e "O Comércio", quando falam da parte baixa do centro

de Salvador. É aí que a vida urbana e regional encontra O seu

cérebro e o seu coração.

Esse quadro, tão rico de sugestões e de problemas, atraiu

a nossa atenção, Tivemos o desejo de o interpretar, de demons­

trar o mecanismo de sua ela boração, verificando a natureza dos

pro blemas e sua hierarquia.

Essa tarefa - a tentativa de fazer um retrato do centro da

ca pital do Estado da Bahia - nos pareceu temerária algumas

vezes. Entretanto, as dificuldades surgidas no meio do caminho

não nos desencorajaram; continuamos a analisar com o máximo

de objetividade possível os elementos que caprichosamente se

conjugaram para a ela boração de um quadro tão complexo.

Não podemos esquecer as primeiras trocas de idéias com

nossos bons colegas e amigos da Universidade de São Paulo, J. R. de Araújo Filho, Aziz Nacib Ab'Sáber e Antônio.Rocha Pen-

~ teado, e com O antigo secretário-assistente do Conselho Nacional

Page 18: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

de Geografia, o saudoso professor José Veríssimo, dos quais

recebemos os primeiros incentivos para a realização de nossas

pesquisas. Em 1956, quando do Congresso Internacional de

Geografia do Rio de Janeiro, os professores Jean Tricarr e Michel

Rocheforr, respectivamente diretor e assistente do Instituto de

Geografia da Universidade de Strasbourg, estiveram em Salvador,

ocasião em que fizemos um largo debate a propósito do tema

escolhido, cujos limites, então, puderam ser fixados por nós. Seus

conselhos e sugestões foram-nos extremamente preciosos e nos

acompanharam durante toda a fase da coleta de dados.

Em 1957, O professor Tricarr voltou ao Brasil para colaborar

em trabalhos de geografia aplicada, pedidos por organismos do go­

verno brasileiro e baiano, com O objetivo de ajudar o planejamento

da região seca do Estado da Bahia e do Nordeste brasileiro. Isto

nos permitiu expor-lhe os resultados de nossas pesquisas, dando­

lhe a ocasião de formular cerras críticas que utilizamos tanto para

pesquisa de novos elementos, como para melhor elaboração de

um plano para a exposição dos problemas em estudo.

Desde que chegamos à França, em novembro de 1957, ti­

vemos a oportunidade de ouvir os conselhos do professor Pierre

George, da Sorbonne, do professár Pierre Monbeig, diretor do

Instituto de Altos Estudos da Âmérica Latina, da Universidade

de Paris, e novas observações do professor Rochefort.

Em Strasbourg, O professor J. Tricarr nOS deu outras suges­tões, inicialmente sobre a apresentação de certos fatos, e seguiu

de perto a elaboração do presente trabalho. O professor Juillard

sempre nos aconselhou com seu melhor interesse e boa vonta­

de. Ajudou-nos COm sua grande experiência e conselhos para a

resolução de vários problemas, inclusive a correção do plano

originai. Um e outro, diretores da nossa tese, sempre estiveram à

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nossa disposição para uma troca de idéias indispensáveis e foram

infatigáveis nessa tarefa. Sua ajuda benévola nos foi preciosa.

Devemos agradecer ao professor E. Juillard pelo encorajamento

que ele nunca cessou de nos testemunhar.

Devemos, também, mencionar a extrema amabilidade do

Dr. Artur Ferreira, diretor da Inspetoria Regional de Estatísti­

ca Municipal da Bahia, colocando à nossa disposição os seus

arquivos, seguindo o desenvolvimento de nossas pesquisas e

acelerando, pessoalmente, a realização de certos inquéritos fora

da rotina da sua repartição. Queremos acrescentar uma palavra

de gratidão à senhorita Ana Dias da Silva Carvalho, nossa assis­

tente no Departamento de Geografia da Universidade Católica

da Bahia, pelo interesse que teve pelas nossas pesquisas e porque

nos ajudou a reunir certos dados que lhe foram pedidos quando

da redação definitiva do trabalho, em Strasbourg.

Não poderíamos, igualmente, passar em silêncio os con­

selhos da professora Sylvie Rimbert, diretora do Laboratório

de Cartografia do Instituto de Geografia da Universidade de

Strasbourg, em relação à elaboração dos mapas definitivos que,

redesenhados, deverão acompanhar a publicação definitiva" da

edição francesa desta tese. Devemos, igualmente, escrever uma

palavra de reconhecimento pela ajuda tão cheia de boa von­

tade e entusiasmo de uma estudante do Instituto de Geografiil

da Universidade de Strasbourg, senhorita Nicol~ Lacroix, que

aceitou a tarefa bem pesada de nos aconselha~ quando tivemos

de corrigir aS nossas tentativas de redigir em uma língua que é

tão bela quanto cheia de dificuldades, como o francês.

Não podemos mencionar o nome de outras pessoas que nos

apoiaram neste empreendimento, mas gostaríamos de lembrar

quanto nos foi valioso o estímulo dos bolsistas brasileiros e sul-

Page 20: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

americanos, agradecendo a colaboração das geógrafas Lúcia

de Oliveira e Amélia Nogueira e do geógrafo Reynaldo Borgel

Oliveira na confecção de mapas e gráficos.

Em uma palavra que propositadamente deixamos para o

fim, queremos dizer quanto nos foi preciosa, em todos os mo­

mentos, a simpatia do professor Tricart, que nos convidou a fazer

esse estágio na França e cujo interesse não poderíamos passar

em silêncio sem cometer uma grande injustiça.

MILTON SANTOS

Strasbourg, junh~ de 1958

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Page 21: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

ADITIVO PARA A EDIÇAO BRASILEIRA

Agradecemos ao professor Pierre Monbeig a inclusão

desta tese entre as publicações do Instituto de Altos

Estudos da América Làtina, da Universidade de Paris,

de que é o diretor, e ao reitor Edgard Santos a publicação no

programa editorial da Universidade da Bahia. As fotografias,

diferentes quase todas das que aparecem na edição francesa,

são do Autor. Os mapas foram redesenhados pelas senhoritas

Yolanda Maria dos Santos e Antônia Lúcia Andrade Souza e

pelo Sr. Nicoláu Tschenko. A professora Ana Carvalho ajudou­nos na tradução e readaptação de alguns capítulos. Desejamos

expressar-lhes o nosso agradecimento, extensivo ao professor

Pinto de Aguiar, que sugeriu a edição deste livro nas publicações

da Universidade da Bahia, lançadas em convênio Com a Livraria

Progresso Editora. M.S.

Junho, 1959

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Page 22: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

INTRODUÇÃO

Aambição de estudar geograficamente o centro de uma

grande cidade, antes mesmo da análise dos seus proble­

mas específicos, pode conduzir a uma série de questões

mais gerais sobre o valor geográfico de tal quadro.

Será que o cenrro de uma cidade, por maior que ela seja, pode

fornecer uma paisagem capaz de justificar um estudo geográfico

separado? Não será isso o equivalente a perguntar se o centro

urbano constitui em si mesmo uma realidade geográfica?

De fato, se a indivisibilidade da paisagem é um dos postu­

lados de base da geografia, o estudo da cidade, seja como forma

de atividade, seja como forma de organização, constitui uma

prova indiscutível de que nossa ciência atingiu sua maioridade

e de que podemos nos considerar como possuindo um campo

próprio de estudos.

A formação e o desenvolvimento da região e do organismo

urbano são intimamente ligados, do mesmo modo que os dife-

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rentes elementos deste último o são no interior da cidade. Os

escudos de geografia urbana demonstram-no muito claramente.

Isso não exclui, entretanto, o fato de que os elementos da estru­

tura urbana possuem, cada qual, características próprias, uma

individualidade que nos leva a distinguir em uma cidade vários

conjuntos, cuja arrumação gera o que se chama de estrutura

urbana, correspondendo às diferentes formas de utilização e

organização do espaço.

O centro é um desses elementos. Desse ponto de vista, entre­

tanto, ele constitui uma verdadeira síntese, pois reflete, ao mesmo

tempo, as formas atuais da vida da região e da cidade e o passado,

seja pela evolução histórica da cidade e da região, seja pelo sítio

escolhido inicialmente para instalar o organismo urbano.

A idéia de dinamismo, inseparável das preocupações de

um estudo geográfico, representada essenci~lmente pelas formas

presentes de vida, isto é, pelas funções regionais e urbanas, apa­

rece como um fator ativo. Como fatores passivos, encontramos

seja o sítio, sejam as estruturas antigas, que revestem a forma

de relíquias históricas, mas podem, algumas vezes, superar essa

passividade e exercer um papel claramente negativo, quando,

por exemplo, sua existência depende da legislação que protege

os monumentos etc.

O centro de uma grande cidade é, então, o teatro dessa luta

de tendências. Sua síntese se manifesta pela criação de uma pai­

sagem. Os componentes dessa paisagem refletem uma parte de

escolha, representada pelo estilo das construções e os processos

de urbanismo, mas refletem sobretudo as necessidades e condi­

ções próprias a cada etapa da evolução urbana. A pais~gem é, então, o resultado de uma combinação de element~s cuja dosa­

gem supÕe um certo ritmo de evolução e um ~erto dinamismo;

Page 24: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

e o elemento de contradição é representado pelos fatores de

inércia já mencionados.

É por isso que centros de grandes cidades possuem um ar

de família, o que provém da concentração a que estão sujeitas

as atividades diretoras da vida urbana e regional. Entretanto,

guardam uma originalidade de arrumação que, no interior dos

grandes quadros urbanos, pode-se distinguir pelos seguintes

motivos:

1. O sentido e o ritmo da evolução da região e da cidade.

2. Os dados do sítio.

3. As formas atuais da organização e da vida urbana,

incluindo, de um lado, o dinamismo atual (forças de transfor­

mação), e, de outro lado, as forças de inércia, representadas

pela resistência, maior ou menor, que oferecem as estruturas

provindas do passado.

São esses os 'elementos que merecem ser estudados, no

quadro geral dos tipos urbanos, se queremos fazer um esforço

de reconhecimento das formas particulares de organização dos

centros de cida de.

• ••

De modo geral, o caso de Salvador é o das grandes cidades

que marcam uma espécie de traço de união entre um mundo rural,

a cuja vida preside e do qual ela comercializa os produtos, e um

outro mundo, industrializado, que lhe compra essas mercadorias.

Essa constante da história urbana desde a fundação da cidade

coloca em relevo o seu papel de porto, cuja atividade se reflete

nas diferentes etapas da valorização do território; e, em última

análise, é a principal responsável pela elab",ração do organis-

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Page 25: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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mO urbano. As etapas do seu crescimento e as formas inscritas

sobre o solo urbano correspondem a cada um desses períodos.

As funções atuais revelam seja uma adaptação a um quadro

herdado do passado, utilizado como ele é ou adaptado, parcial

ou totalmente, seja a criação de uma nova paisagem, superposta

ou justaposta à paisagem já existente. É' o dinamismo próprio

à cidade atual que fornece a explicação da presença, ao lado de

um conjunto de construções modernas, dos restos do passado,

velhas casas ricas que perderam seu antigo papel residencial e

se degradam. O quadro antigo, herança do passado, não foi

completamente substituído, enquanto, sobre um sítio artificial­

mente criado, nascia uma cidade moderna, de tipo americano,

sobre aterros recentes.

A presença de grandes espaços vazios, 'provocados pelos

aterros do porto, constitui também uma explicação para a per­

sistência de estruturas antigas na Cidade Baixa. Na Cidade Alta,

os regulamentos de proteção aos aspectos históricos exercem,

indiretamente, um papel na conservação do quadro. Mas estes

são fatores particulares que se acrescentam a outras causas mais

gerais de degradação dos velhos bairros.

Enfim, forças de transformação e forças de resistência

entram em luta e dão como resultado seja a criação de uma

paisagem inteiramente nova, seja a transformação ou adaptação

da paisagem antiga, que, então, se degrada.

Isso é devido, de um lado, ao sítio escolhido para a instala­

ção da cidade, acarretando no decurso da história urbana uma

especialização das funções que agora é bem nítida: uma Cidade

Baixa, próxima ao porto, construída pelo homem na proporção

do desenvolvimento do papel portuário e comercial da cidade, e

onde se abriga o comércio grossista e "de papéis"; uma Cidade

Page 26: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Alta, onde vive a· quase totalidade da população e cujo centro

dispõe de maior parte do comércio de retalho. Mas é a própria

estrutura da vida econõmica regional, o contraste entre o·poder

criador e renovador das atividades abrigadas na Cidade Baixa

e a relativa fraqueza das demais atividades sediadas na Cidade

Alta, que explica essas diferenças.

É um mecanismo de forças interdependentes, razão pela qual,

ao lado dos quarteirões utilizados pelo comércio e por outras fun­

ções, devemos, também, estudar os da Cidade Velha, onde, hoje,

comprime-se uma população heterogênea e pobre. Na verdade,

ambos os ·aspectos constituem um verdadeiro conjunto.

Os transportes, por sua vez, se são uma consequência, um

resultado do dinamismo urbano, adaptando-se antes mal que bem

às estruturas antigas, são, por outro lado, uma causa de transfor­

mação não apenas da paisagem como da estrutura, pois estimulam

a implantação de novas funções. nas ruas a que servem.

É esse quadro complexo, resultante do encontro de fatores

tão diferentes, que constitui o objeto deste estudo e que nós

experimentaremos explicar.

* * *

Não podemos compreender o centro de uma cidade senão

como um organismo proteiforme, sujeito a um processo perma­

nente de mudança. Podem-se, entretanto, admitir como sendo

objeto deste estudo os distritos da Sé e do Passo, na Cidade Alta,

e da Conceição da Praia e do Pilar na Cidade Baixa. Com efeito,

o comércio ocupa, também, os eixos da circulação nos bairros

vizinhos, como São Pedro, Santana, Mares e mesmo na Vitória.

Mas é naqueles quatro distritos que predominam as característi-

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Page 27: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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cas fundamentais, e pensamos não deformar a realidade quando

a tomamos Como ponto de apoio.·

A complexidade dos problemas presentes, a multiplicidade

das relações entre os diversos elementos do conjunto são respon­

sáveis pela dificuldade que encontramos para a elaboração de

um plano de exposição que devia, a um só tempo, não excluir

nenhum dos problemas apresentados e arrumá-los segundo

uma ordem lógica. Nossa opção pelo plano seguido, ao qual

chegamos graças à colaboração e críticas dos diretores deste

trabalho, representa apenas uma escolha e, por isso mesmo, não

significa a exclusão de outros caminhos que talvez pudessem ser

seguidos com um sucesso mais fácil. Tal escolha, entretanto, não

foi arbitrária. O estudo da formação da cidade e da evolução da

região, objeto do primeiro capítulo, corresponde à necessidade

de compreender como a evolução da região e a formação da

cidade se processaram, segundo períodos bem determinados, se

bem que essa determinação seja difícil; e como a escolha de um

sítio, de acordo com as funções iniciais da cidade, acarretou um

certo tipo de organização do espaço urbano, cuja estruturação

social se deve, em última análise, às condições passadas e atuais

da economia regional e também ao tipo de relações mantidas

entre cidade e região.

Após esse capítulo, vem naturalmente um segundo, onde

a vida atual, que em parte é uma herança do passado, em parte

um resultado de novas aquisições, aparece, através do estudo

das funções urbanas, cuja concentração no centro da cidade é

um fato cheio de consequências para Salvador.

Conhecida a evolução urbana, o passado e as formas atuais

da vida, isto é, o presente, podemos nos entregar a uma outra

;;, tarefa, o terceiro capítulo, onde procuramos demonstrar como, do

Page 28: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

jogo desses elementos, de sua contradição ou de sua sorna resultou

uma paisagem, aliás em plena transformação: a paisagem atual.

O estudo dessa paisagem seria insuficiente se não o pudésse­

mos completar pelo estudo do seu conteúdo, procurando revelar

as possíveis relações de causa e efeito e a hierarquia dos fatores.

É o objeto do quarto e último capítulo .

• • •

Começando esse trabalho, não ignorávamos as dificuldades

a transpor nesta análise. A geografia urbana não pode dispensar

a colaboração da história, na pesquisa da evolução do fenõmeno

urbano, nem da estatística, para a medida dos fatos de massa.

Infelizmente, os trabalhos dos historiadores, salvo exceções muito

honrosas, estão orientados para o estudo de detalhes. Mesmo estes

não são capazes de abraçar os quatro séculos de evolução urbana,

de que eles, salvo algumas exceções, dão apenas urna idéia impre­

cisa e fragmentária. A construção dessa "geografia retrospectiva" ,

tão ~til à descoberta das raízes do presente, é então impossível.

Os dados estatísticos, por sua vez, não são inteiramente váli­

dos senão após 1940. O recenseamento de 1920 foi sensivelmente

defeituoso:e os precedentes o foram ainda mais. As contagens

feitas após 1940 se revestiram de um louvável rigor, mas foram

procedidas segundo um quadro standard para todo o país. Mas,

por causa da eüorme extensão do Brasil e de suas grandes dife­

renças regionais, facilmente se verifica que os resultados sempre

serão embaraçantes quando se quiser estudar casos particulares.

A preocupação de melhoria dos métodos provoca, assim, uma

certa instabilidade das questões submetidas a enquete, o que

muitas vezes torna difícil uma comparação válida. "

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Page 29: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Nosso primeiro trabalho, pois, tanto para a reconstituição

dos fatos antigos, como para a interpretação dos dados atuais e

recentes, foi um trabalho de' triagem, pela eliminação dos fatos

e dos números cuja reunião deu resultados não conformes à

evolução comprovada do orgarúsmo urbano.

Quanto ao presente, empreendemos uma tarefa de pesquisa

pessoal, cheia igualmente de dificuldades, mas que nos permitiu

alguns resultados válidos, que nos serviram de base às conclusões

a que chegamos.

De certo modo, ficamos contentes com a falta de solidez

das muletas. Se não operou o milagre da Bíblia, ao menos nos

incitou a pesquisar com redobrado cuidado os fatos do presente

e suas relações.

Page 30: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

I

FORMAÇAO DA CIDADE E

EVOLUÇAO DA REGIAO

ACidade do Salvador, antiga capital do Brasil, conta atualmente com mais ou menos 550 mil habitantes.

Cidade fundada em 1549, é capital do Estado da Bahia

e a mais antiga cidade brasileira. Foi, durante três séculos, a

aglomeração urbana mais importante e mais populosa do Bra­

sil; o seu porto era o principal do país. Hoje, entretanto, em

consequência do deslocamento para o sul do eixo da economia

brasileira, perdeu o posto que tinha antigamente: é apenas a

quarta cidade do país, quanto à população, se bem que o pe­ríodo atual revele um certo dinamismo.

É uma cidade cuja paisagem é rka de contrastes, devidos

não só à multiplicidade dos estilos e de idade das casas, à varie­

dade das concepções urbanísticas presentes, ao pitoresco de sua

população, constituída de gente de todas as cores misturadas

nas ruas, mas, também, ao seu sítio ou, ainda melhor, ao con­

junto de sítios que ocupa: é uma cidade de colinas, uma cidade

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Page 31: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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peninsular, uma cidade de praia, uma cidade que avança para o

mar com as palafitas das invasões de ltapagipe, cidade de dois

andares, como é frequente dizer-se, pois'; centro se divide em

uma Cidade Alta e uma Cidade Baixa.

A zona de influência da Cidade do Salvador quase se su­

perpõ~ ao território do Estado da Bahia, de que ela é a capital

administrativa e política. Esse hinterland não é homogêneo: reúne

zonas úmidas e semiáridas, zonas de floresta e zonas de caatinga,

áreas cuja população é relativamente densa e áreas bem fraca­

mente povoadas, algumas praticando uma agricultura comercial

e outras que ainda não ultrapassaram o estágio da agricultura de

subsistência, áreas de concentração urbana e áreas deprimidas.

E, entre os casos extremos, formas de transição múltiplas.

É a história da valorização do território que explica essa

multiplicidade de aspectos que, entretanto, mántêm entre si uma

certa ligação, uma determinada hierarquia. De maneira bem

geral, é nas regiões úmidas, litorâneas e sublitorâneas que se

fazem as culturas comerciais.(cacau, cana-de-açúcar, café, fumo),

ocupando as zonas de mata recentemente desbravadas, como no

caso do cacau, ou abertos há muito tempo, como para os demais

casos. Tais zonas têm uma 'população densa. Elas representam

mais da metade da população do Estado e apenas um quinto da

superfície, as cidades são mais numerosas (aí se encontram todas

as que têm uma população maior que 20 mil habitantes; entre

. as 32 aglomerações do Estado com mais de 5 mil habitantes,

25 se acham nessa faixa), há concentração das vias e düs meios

de transporte, gravitando especialmente em torno da capital e

do porto de Ilhéus. O interior seco é o domínio das culturas de

subsistência; da criação extensiva, tendo uma população geral-

~ mente pouco densa, poucas cidades, muito distanciadas umas

Page 32: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Esta carta foi tirada do Livro Guia da Excursão do XVIII Congresso Internacional de Geografia para a Bahia. de autoria de Elza Keller de Souza e Alfredo Porto'Domingues e representa os índices de aridez no Estado.

das outras e mal servidas de transportes. Entretanto, há exceções

que reforçam a significação dos fatores humanos e excluem a

possibilidade de uma adaptação mecânica às condições natu­

rais. O Nordeste do Estado recentemente tem acolhido culturas

comerciais ada pta:las ao clima local, localizadas sobretudo nas

proximidades das vias férreas (sisal, mamona etc.)

O extremo sul, cujas características naturais são muito apro­

ximadas da região do cacau, tinha uma população insignificante

ainda há quinze anos, sua economia era atrasada. Somente hoje

tornou-se uma das zonas pioneiras do Estado.

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Page 33: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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A ESCOLHA DO SíTIO: DE CIDADE-FoRTALEZA

A CAPITAL DO RECÔNCAVO

Os historiadores têm o hábito de dizer que Salvador foi

fundada como cidade. Querem, com isso, significar que Tomé de

Sousa tinha trazido de Portugal não apenas o objetivo de criar uma

cidade, mas o plano e o estatuto da cidade, que estava destinada

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ESTADO DA BAHIA 1950

NÚCLEOS URBANOS

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• MAIS DE 20000 ~<lbs

• MAIS DE 10.000 habs

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Elaborado pelo Instituto de Economia e Finanças da Bahia. Mapa básico adaptado do Cartograma da Divisão Administrativa do Estado da Bahia. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1945).

Page 34: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

a ser a primeira capital do Brasil, como igualmente havia trazi­

do a própria população (400 soldados, 400 degradados, alguns

padres e raras mulheres). Descoberta havia quase meio século, a

antiga colônia portuguesa, com seu litoral enorme e desprotegido,

representava uma presa fácil para as outras nações que a queriam

conquistar. As primeiras tentativas para defender a costa e povoar

o gigantesco território não deram resultado; mesmo o processo

das capitanias hereditárias não dera bons frutos. Por isso é que o

rei de Portugal decidira, em 1549, reagrupar as donatarias e criar

um governo único, o governo geral do Brasil. Ordenou a fundação

de uma cidade no meio de um litoral bem extenso, a fim de servir

como sede do governo: ao mesmo tempo capital administrativa e

praça-forte. É essa função que justifica o sítio escolhido: o cume

de uma colina, caindo em forte declive até a extremidade das mar­

gens de uma baía abrigada sobre um dos lados da península que

separa a Baía de Todos os Santos e o oceano Atlântico. Essa baía

é um antigo vale afogado, o que está em relação com a presença

de inúmeras rias e onde, por outro lado, vêm desembocar vários

rios navegáveis sobre algumas dezenas de quilômetros.

A situação da cidade não explica apenas o nome com que é mais

conhecida - esse nome é Bahia -, mas, também, a sua fortuna, a desc

peito do sítio, o melhor para os objetivos iniciais, mas que se mostraria

hostil desde que outras funções se viessem juntar à primitiva.

A colina serviu a Tomé de Sousa para edificar, em doze

meses, a Sua cidadela de casas de sopapo, cobertas de palha, que

ele cercou de muros também de taipa. Fora das muralhas, foram

dadas grandes concessões de terras às ordens religiosas.

Nessa época, Portugal era uma espécie de balcão da Eu­

ropa, que já .começava a tomar gosto pelos produtos tropicais.

Os portugueses, que possuíam uma técnica da cultura da cana-

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Page 35: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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de-açúcar aprendida nas ilhas dos Açores, reconheceram as

boas condições de solo e clima da região em torno de Salvador;

puseram-se, então, a praticar aí essa cultura. Havia, entretanto,

um obstáculo: os índios, que aniquilaram os primeiros esforços

e desencorajaram.os lavradores. Mas foram expulsos do Recôn­

cavo, mais ou menos em 1560. É nesse momento que se começa

a plantar a cana-de-açúcar de modo continuado, sobretudo nas

proximidades dos rios. Os engenhos precisavam de água para

fabricar o açúcar e para transportá-lo até o porto de Salvador, de

onde os navios transatlânticos de então o levavam à Europa.

No fim do século XVI, a cidade contava com 8 mil habitan­

tes. Sua função portuária crescia, ao lado das funções primitivas:

administrativa e militar. Essa função portuária adquiria impor­

tância à proporção que a cultura da cana se estendia, mas não

somente por essa razão. Salvador exportava açúcar, mas, por

OUtro lado, era um porto de entrada de escravos, que se manda­

vam buscar na África para trabalhar na agricultura. Tal comércio

favoreceu uma outra cultura, ao lado da de cana-de-açúcar, nas

terras vizinhas impróprias aos canaviais: foi a cultura do fumo,

que rapidamente se tornou importante, pois o tabaco era a

melhor moeda para a compra de escravos nas costas d' África.

Uma terceira zona, próxima às precedentes, especializou-se na

produção de produtos alimentares indispensáveis à alimentação

das demais regiões, que eram nitidamente monocultoras.

Salvador aproveitava a valorização da região circundante,

primeiro porque presidia às trocas que se faziam, sobretudo, por via

d'água, e depois porque era o único entreposto para o abastecimento

dessa área, em relação aos produtos que recebia de Portugal.

Nesse momento começa a se esboçar o papel que ela desem-

~ penhará em toda a sua história: o de um porto de exportação

Page 36: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

de produtos agrícolas não consumíveis localmente, bem como o

de porto de importação de utilidades que é incapaz de produzir,

mas de que necessita, seja para a sua própria população, seja para a do seu arriere-pays.

Então, Salvador vê juntar-se à sua primitiva função admi­

nistrativa e militar um papel de metrópole regional. Poderíamos

dizer que, nesse momento, começa a ter um papel verdadeira­

mente urbano. É a capital econômica do Recôncavo.

INCORPORAÇÃO DO SERTÃO À

ZONA DE INFLUi'.NCIA DE SALVADOR

Em meados do século XVII, a população urbana de Salvador

era de mais ou menos 10 mil habitantes. No fim desse século

era já de 20 mil. No meio do século XVIII, contavam-se 40 mil.

Assim, a população urbana dobrava de 50 em 50 anos.

O século XVIII representa o alargamento da zona de influên­

cia da cidade. O Recôncavo era ocupado desde o século precedente

e a monocultura da cana-de-açúcar havia expulsado a criação para

as terras vizinhas. Um regulamento estabelecera que a criação não

se podia fazer a menos de 10 léguas (60 km) do litoral. Mas, como

o gado era necessário tanto para a alimentação da população de

Salvador, como para as de engenhos e dos operários agrícolas, uma

corrente de trocas se estabeleceu imediatamente. Mas, nos últimos

anos do século XVII, o ouro foi descoberto em Minas Gerais.

Esse acontecimento provocou, de um lado, o deslocamento

de grandes massas de população para o interior, onde, de início,

ocuparam-se da exploração mineira unicamente e, de outro lado,

a necessidade de abastecer essa população.

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Page 37: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Isso levou à multiplicação das fazendas de gado, estabeleci­

mentos consagrados à criação nas zonas semiáridas do Estado da

Bahia, como de um modo mais geral no Nordeste brasileiro. O

rio São Francisco tornou-se, então, a via de comunicação entre

o Nordeste e o Centro do país, entre a região de produção e a

região de consumo, e em consequência suas margens vieram

a se povoar. Ainda hoje se reencontram os antigos pousos na

localização de cidades e vilas atuais. Rio das boiadas, rio dos

currais são denominações que vêm dessa época.

Por outro lado, a descoberta de ouro no Estado da Bahia,

nas terras altas da Chapada Diamantina, em meados do sécu­

lo XVIII, teve como consequência o começo de povoamento

desse planalto.

Salvador se beneficiou, então, do tráfego de gado e do ouro; é

o início de uma organização do espaço em que Salvador se afirma,

de um lado, como praça comercial que abastecia uma vasta região

do Estado do Piauí até Minas Gerais; e, de outro, como porto de ex­

portação não somente para o açúcar e o fumo, como para o ouro.

Salvador é, assim, a metrópole de uma região muito mais extensa

que o seu arriere-pays no século precedente. Essa região era muito

mais vasta que o atual Estado da Bahia. Ela justapõe, desde então,

urna área meno!; valorizada pela agricultura comercial (o Recôncavo)

e uma outra, muito mais vasta, valorizada pela agricultura de subsis­

tência e pela criação extensiva (o Sertão). Tal justaposição, desde esse

momento, vai se refletir sobre a evolução demográfica da cidade.

. As primeiras tentativas, um pouco frouxas, de organização

de um espaço regional mais largo são seguidas, entretanto, da

transferência da capital do Brasil, em 1763, para o Rio de Janeiro,

I ugar escolhido pelo governo português para centralizar a saída

:;:. do ouro em um só porto, mais próximo da zona de exploração

Page 38: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

aurífera. Nesse momento, a exploração de ourO se enfraquecia

na Bahia, e os antigos mineradores se.haviam fixado como agri­

cultores naquelas terras altas, ou voltado ao litoral.

A população da cidade quase não cresce entre o meio e o

fim do século XVIII.

O amortecimento da evolução demográfica de Salvador está

seguramente em relação COm esses dois elementos, mas, prin­

cipalmente, COm o fato de que ela perdera o lugar de primeira

cidade colônia, em vista da transferência de importantes serviços

e numerosos funcionários.

É assim que termina o século XVIII. Salvador já contava com

uma população de 40 mil ha bitantes, cifra que, aliás, já havia

sido atingida em meados do século, conforme vimos.

A ORGANIZAÇAO DO ESPAÇO REGIONAL

No início do século XIX, o ouro de Minas Gerais começa

também a se esgotar. A exploração aurífera e diamantífera do

Estado da Bahia tinha declinado também. Esses fatos provoca­

ram uma volta ao litoral; segue-se-lhe um renascimento agrícola,

estimulado pelo alargamento dos mercados europeus, resultante

dos primeiros efeitos da Revolução Industrial, que nesse momento

ganhava o continente. De outro lado, no que COncerne à cana-de­

açúcar, as consequências da guerra de Cuba, que havia desorgani­

zado o respectivo comércio mundial, são favoráveis ao Brasil. A

cana-de-açúcar conhecia então sua época áurea. Enfim, o Estado

da Bahia é nesse momento um grande produtor de café no Brasil.

A produção de algodão e a valorização das terras florestais do Sul

do Estado com a plantação de caca u tomam incremento. ,

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Page 39: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Além disso, as estradas do gado haviam semeado pequenas

aglomerações não apenas no Nordeste do Estado da Bahia e

do Brasil, como sobre as margens do rio São Francisco. Esses

_embriões de cidade eram longínquos traços de união entre a

cidade-porto e um mundo rural que praticava uma policultura

alimentar e vivia quase em economia fechada, somente rompida

pelo comércio de gado, cujas estradas eram utilizadas também

para o abastecimento das populações das regiões são-francisca­

nas e nordestinas. Assegurava-se, desse modo, a maior extensão·

da zona de influência de Salvador. A cidade exportava produtos

de grande valor comercial, cultivados nas proximidades. Isso

lhe tornava possível a organização de um grande espaço em que

distribuía as mercadorias recebidas de fora: Seu porto, muito

animado, é a base da importância regional da cidade.

Na segunda metade do século XIX, o Estado da Bahia está

na vanguarda quanto ao desenvolvimento ferroviário do Brasil.

De um lado, é começada e continua-se a construção da estrada de

ferro em direção ao rio São Francisco, abordado em dois pontos: as

cidades de Propriá e de Juazeiro. A via férrea segue praticamente o

traçado das estradas tradicionais do gado (é a atual Viação Férrea

Federal Leste Brasileiro). De outro lado, os mais importantes portos

do Recõncavo, as cidades de Santo Amaro, Nazaré e Cachoeira,

escoadouros, respectivamente, das regiões de produção da cana-de­

açúcar, café e fumo, fazem construir, com seus próprios capitais,

estradas de ferro de penetração para servirem às zonas que lhes são

tributárias. No entanto, o caminho de ferro de Cachoeira visava

a uma penetração maior, seu objetivo era alcançar o Alto Sertão,

onde a extração de diamantes ganhara novo incremento.

Essa organização sub-regional do espaço se refletiu· sobre o

desenvolvimento de cada um dos portos márítimos, assentados

Page 40: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

sobre o limite da navegação nos rios, e marca a paisagem urbana

de um modo muito característico: os sobrados que, hoje, belos

porém degradados, são a'lem brança de um rico passado.

O Recôncavo tem, então, a população mais densa do país.

Por várias vezes, através dos seus,senhores de engenho, dirige a

política nacional.

Mas essas capitais sub-regionais apenas fazem penetrar no

meio rural as influências da Cidade do Salvador; centralizam a

produção agrícola do Recôncavo e do Sertão e reenviam-na à

capital do Estado, de onde ela é dirigida para a Europa. Essa

organização de um espaço sub-regional reforça a dependência

da região defronte em relação à Cidade do Salvador. A cidade

encontra, assim, a oportunidade de concentrar ainda mais os re­

cursos financeiros, econômicos, sociais e políticos, concentração

que vai prosseguir sempre.

Esse conjunto de circunstâncias favoráveis ao fortalecimento

do papel metropolitano da Cidade do Salvador reflete-se sobre

a população que, nesse mesmo século, multiplica-se por cinco.

Em 1872, eram 129 mil os habitantes, em 1890 eram 174 mil e

em 1900 eram 206 mil, enquanto em fins do século XVIII havia

40 mil e em 1805 apenas 45 mil.

Tal evolução demográfica não corresponde apenas aos efeti­

vos indispensáveis ao organismo urbano para o exercício de suas

funçôes: de um lado, os progressos da agricultura encorajaram

numerosos lavradores a virem fixar residência na capital; um

verdadeiro parasitismo da terra, que eles encaravam como uma

fonte de renda e iam visitar uma vez por ano. De outro lado,

vários ciclos de seca expulsaram do sertão milhares de pessoas

que, então, vieram para o litoral, aproveitando as facilidades

de transportes. Esses retirantes dirigiam-se para Salvador na

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Page 41: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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esperança de encontrar aí trabalho e melhores condições de vida.

Mas, afinal, a maioria se empregava como domésticos em casas

de famílias abastadas ou da classe média, ou então se entregavam

a toda espécie de parasitismo urbano.

Essa afluência de imigrantes vai refletir-se na paisagem pelo

alargamento do quadro urbano, que estava mais ou menos imu­

tável desde a primeira metade do século XVIII. Para o sul, surge

o bairro da Vitória, constituído por grandes e belos palacetes,

rodeados de jardins, residências de uma burguesia enobrecida pela

exploração da terra. Para o norte, formam-se bairros habitados

pela classe média e pobre. Essa extensão da cidade tornou-se

possível pela instalação das novas vias de comunicação e meios de

transporte: em 1855, são construídos viadutos para ligar Nazaré

e Barbalho, Federação e Pedra da Marca; em 1868, a cidade já

possui os primeiros transportes coletivos; em 1869, novas empre­

sas de transporte se instalam; em 1874, inaugura-se o elevador

hidráulico (Carvalho, 1957), para favorecer as comunicações da

Cidade Alta com a Cidade Baixa, que é o centro comercial.

Os primeiros aterros sistemáticos, embora elementares, são

feitos no porto. Sobre o espaço conquistado à baía, montam as

ruas Conselheiro Damas, Portugal e Miguel Calmon, marginadas

por grandes edifícios. Na rua Miguel Calmon as construções

ocupam apenas um lado e sobre o outro se encontram os cais.

AMORTECIMENTO DEMOGRÁFICO E INTRODUÇÃO

DOS TRANSPORTES MECÁNICOS

A abolição da escravatura, quase no fim do século XIX, em

~ 1888, vai trazer sérias consequências para as atividades agríco-

Page 42: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

las baseadas no trabalho dos escravos. Além disso, faziain,se a

cultura da cana-de-açúcar e a indústria açucareira do Recôn­

cavo de acordo com métodos quase imutáveis desde o primeiro

século da colonização. Essas duas causas são as responsáveis

pela sua decadência.

O Estado de São Paulo, grande produtor de café, cuja

cultura e comércio permitem a acumulação de grandes capitais,

corpeça sua industrialização no início do século. Durante.a Pri­

meira Guerra Mundial, a indústria paulista conhece um grande

impulso e depois não para de crescer.

Nesse momento, quando a economia açucare ira entra em

decadência, os cacauais do Sul do Estado começam a produzir

segundo uma escala comercial. Então, o polo da economia es­

tadual e a fonte de recurso para o Tesouro se transferem para a

zona cacaucira. Entretanto, cultura familial que se afirmava com

dificuldade (ver Santos, 1957), a cultura do cacau não estava

em condições de permitir uma acumulação de capitais em favor

da cidade do Salvador, cujo porto, contudo, concentrava toda a

exportação de cacau para o estrangeiro.

Assim, exatamente quando o Brasil se encaminhava para a

industrialização, Salvador se ressentia da falta de capitais dispo­

níveis para continuar os tímidos esforços feitos no domínio da

indústria têxtil no fim do século anterior. A cidade continuava

fiel ao seu antigo papel de porto e cidade comercial.

Por causa disso, ela não tardou a perder seu posto de

segunda cidade brasileira, quanto à população, lugar que ela

conservara até 1890. É então a cidade de São Paulo que ocupa

essa classificação. Entre 1920 e 1940, a cidade do Recife a ul­

trapassa, e Salvador é a quarta cidade brasileira. O crescimento

demográfico entre 1900 e 1940 é quase insignificante, na escala

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brasileira do crescimento urbano. Conta com 200 mil habitantes

em 1900, 290 mil em 1940. O recenseamento de 1920 lhe atribui

280 mil, cifra que consideramos exageradamente alta.

Esse amortecimento no ritmo do crescimento demográfiço

está ligado, de um lado, aos fatores já mencionados e, de outro, a

uma mudança das correntes migratórias. As pessoas do Nordeste

eram expulsas pela seca ou por um superpovoamento relativo,

devido à alta natalidade e a uma certa estabilidade da técnica

agrícola. Dirigiam-se, então, para a zona florestal do Sul, que

desbravavam para fazer plantações de cacau. Até 1920, a pro­

dução de 48 mil toneladas deve corresponder a uma ocupação

. de ao menos 80 mil hectares; havia ainda áreas cuja produção

ainda não era comercial. Teriam sido necessárias ao menos 8

mil famílias para desbravar e manter as plantações. Entre 1920

e 1940, a produção de cacau aumenta quase 100 mil toneladas.

Esse aumento é o equivalente a 160 mil hectares, isto é, ao tra­

balho de mais ou menos 16 mil famílias. A zona cacaueira é,

assim, .um verdadeiro exutório que substitui a capital do Estado

no papel de receptáculo da população nordestina excedentária.

Salvador é assim aliviada da presença desses excedentes agrícolas,

economicamente marginais. É a explicação real de atenuação da

curva demográfica da Cidade do Salvador nos primeiros 40 anos

do século XX e, especialmente, entre 1920 e 1940.

Se os progressos da agricultura cacaueira acarretam, por

um lado, um amortecimento da evolução demográfica da capital

do Estado da Bàhia, reforçam, por outro, seu tradicional papel

de porto e praça comercial. O grande aumento de tonelagem

a exportar, bem como os progressos obtidos .. em toda a parte

pela navegação marítima, com a construção de grandes navios,

obrigaram à remodelação do porto, que começou em 1913, mas

Page 44: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

terminou somente depois de 15 anos. Enormes aterros se fize­

ram para permitir a construção de moderno cais, consentindo

aos grandes navios o acostamento. A revolução dos meios de

transporte, após a chegada do automóvel em 1901, e a instala­

ção do bonde elétrico em 1914 comandam as modificações do

quadro e o crescimento da cidade. Para corresponder às novas

necessidades da circulação, várias ruas tiveram de ser alargadas.

Pôde-se, então, construir novos edifícios nas áreas em que se si­

tuavam os que então foram demolidos. Aparecem, timidamente,

os primeiros arranha-céus, sobre os aterros do porto, na Cidade

Baixa, construídos por bancos e grandes empresas comerciais e,

na Cidade Alta, ao longo das mais importantes vias de circulação,

com o objetivo de abrigar serviços públicos, hotéis, jornais etc.

O comércio interior também se desenvolve nesse período,

colonizando a rua Chile e a avenida Sete de Setembro (São Pe­

dro), onde se encontra parte do comércio de luxo, a rua Dr. J. J. Seabra (Baixa dos Sapateiros), com um comércio retalhista

pobre, e a Calçada, cujo comércio está ligado ao mesmo tempo

à estação ferroviária e ao bairro de Itapagipe, que em 1940

contava 44 mil habitantes.

O CRESCIMENTO RECENTE DA CIDADE

Depois de 1940 a cultura do cacau estabiliza-se e os preços

internacionais elevam-se consideravelmente. Outras culturas in­

dustriais são introduzidas ou estimuladas na região nordeste da

Bahia, cujas condições naturais são favoráveís: o sisal, a mamona,

a carnaúba e o ouricuri. Um aumento de preços favorece o fumo.

A extração da piaçava ativa-se no litoral. Todos esses produtos.

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escoam-se pelo porto de Salvador. O cacau, desde 1939, é expor­

tado, sobretudo pelo porto de Ilhéus, mas continua a influir na

economia urbana da Cidade do Salvador de duas maneiras:

1. A indústria de transformação primária faz-se princi­

palmente na capital do Estado, estando na zona de produção

apenas uma fábrica.

2. Os negócios bancários e as operações de câmbio, a maior

parte das operações de crédito comercial e agrícola, continuam

a fazer-se em Salvador, e dessa forma a capital do Estado - que

não é mais o porto do cacau - tem ainda o papel de capital fi­

nanceira em relação a esse produto. De fato ela o é para toda a

economia agrícola do Estado. O número de pessoas ligadas ao

comércio de papéis (em número de mil em 1940) sobe a·2 mil

em 1950. As novas fortunas construídas a partir de 1940 são

numerosas.

Esse progresso agrícola explica o fortalecimento da antiga

função urbana de residência dos proprietários rurais. Em 1950,

segundo os dados do recenseamento, 19,07% das propriedades

cacaueiras não eram dirigidas pelos proprietários, mas por admi-

nistradores (tais explorações representavam 32,50% da superfície

total cultivada e 35,68% do valor da produção). Isso representava

mais ou menos 4 mil proprietários ausentes de suas fazendas, me­

tade residindo certamente em Salvador e a outra metade no Rio de

Janeiro e nas principais aglomerações da própria região do cacau.

Mas, ao lado dos caca ui cultores, há também muitos plantadores

de cana-de-açúcar, sisal e criadores, que moram na capital.

Desde que a cultura do cacau se estabilizou (as zonas pioneiras

são, agora, de fraca extensão), a área de produção perdeu seu papel

~ de atração em relação aos excedentes da mão-de-obra agrícola da

Page 46: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

região semiárida. Então essa mão-de-obra dirigiu-se para Salvador,

que é a única cidade capaz de absorver, antes mal do que bem,

esses excedentes. No conjunto da enorme região de influência de

Salvador, quase não há cidades médias, conforme já vimos. Apenas

três têm mais de 30 mil habitantes e não são capazes, bem como

as outras, ainda menores, de reter o grande número de emigrantes

das áreas rurais. Entre 1940 e 1950, a cidade recebeu um excedente

demográfico de 126.792 pessoas, das quais os imigrantes, cerca de

89.671, representavam 70%. Desde 1950, a capital do Estado da

Bahia aumenta, em média, 15 mil habitantes cada ano, dos quais

pelo menos dois terços vêm do interior.

Alguns dados obtidos pelo Recenseamento de 1950 trazem

o testemunho de outros aspectos dessa emigração de proveniência

rural com destinação a Salvador: o grande número de pessoas que

não sabiam ler nem escrever, mais ou menos 113 núl (31 % dos

maiores de 5 anos); o número de mulheres em relação ao de homens

decresce (eram 119 por 100 homens em 1940 e são 117 por 100

em 1950); nos grupos de idade ativa, a proporção dos homens

aumenta em relação ao total (20-29 anos: de 45% em 1940 para

45,4 % em 1950; 30-39 anos: de 45% para 45,7%; 40-49 anos:

de 44% para 45,8%; 50-59 anos: de 42,2 % para 43,3%).

Em 1950, moravam em Salvador 322.486 pessoas com mais'

de 10 anos de idade. Entretanto, apenas 47% (150.247 pessoas)

dessa cifra constituía a população ativa, dentre as quais 37.309

(25%) são empregadas como domésticos, na maior parte dos

casos uma forma de subemprego, pois são admitidas com salá­

rios quase miseráveis, para obterem alimentação e alojamento

(entre as pessoas da classe "serviços", em 1950 (44.686), apenas

7.379 o faziam em estabelecimentos oficialmente instalados. As

demais eram domésticas).

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Assim, 171.486 pessoas com mais de 10 anos de idade em 1950

constituem nesse ano a população não ativa, inclusive aquelas que

não têm ocupação estatisticamente definida. Dentre essas, 25.769

são consideradas de condição inativa; 726 "não estão compreendidos

nos outros ramos ou são mal definidos" e 145.717 têm atividades

domésticas e não remuneradas, e são escolares ou estudantes.

É difícil admitir que a Cidade do Salvador abrigasse 25.769

aposentados: tal cifra deve compreender aqueles proprietários

agrícolas que escolheram a capital como sua residência.

As 145.717 pessoas do grupo "atividades domésticas não

remuneradas e escolares" merecem um exame mais demorado.

A população de Salvador compreende 42.127 meninos de 10

a 14 anos. A taxa de escolaridade para os meninos de 7 a 14 anos

é de 61 % no ensino primário. Podemos, então, admitir que 24.200

crianças frequentavam a escola de primeiras letras entre os 7 e os

14 anos. Mais ou menos 20 mil vão à escola secundária e à uni·

versidade. As pessoas casadas'são 89 mil, o que deve corresponder

a um máximo de 45 mil esposas. Admitindo que haja 5 mil casais

ilegítimos, tere!l10s um total de 99 mil pessoas. Há, assim, uma

diferença de 50 mil pessoas e entre estas devemos incluir:

1. Maridos sem profissão estatisticamente definida.

2. Meninos de mais de 10 anos que não têm emprego, nem vão à escola .

3. Os.subempregados (engraxates, enceradores, lavadeiras, costureiras, camelôs etc.).

4. Um verdadeiro exército de tios, tias, sobrinhos, sobrinhas,

primos, primas, afilhados e até mesmo amigos e camaradas que

vêm do interior e pesam sobre os orçamentos domésticos já

deficitários, isto é, agravam a pobreza e as condições de vida já

difíceis das camadas menos favorecidas da população.

Page 48: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Todos esses fatos podem explicar que a média per capita

das compras no comércio de retalho tivesse sido de apenas 2.600

cruzeiros em 1949. Em 1952, uma enquete da Comissão Nacio­

nal do Bem-Estar Social estabeleceu que os recursos médios por

pessoa atingiam 240 cruzeiros mensais, enquanto as despesas

subiam a 274 cruzeiros em média. Se observarmos que esses

algarismos são médias, é fácil chegar a conclusões a propósito

das condições de vida de uma grande parte da população.

A multidão de rurais que invadiu a cidade não encontra

emprego porque o setor secundário é reduzido e o terciário quase

inelástico. É por isso que se exerce uma enorme pressão sobre os

órgãos do governo, de que resulta a admissão de um número de

funcionários sempre crescente, várias vezes superior às necessidades

reais da administração. O governo do Estado queixa-se constante­

mente de que o funcionalismo consome sozinho mais de 60% do

orçamento estadual. A mesma lamentação se ouve na Prefeitura.

Mas nem um nem outra deixa de nomear novos empregados.

Os funcionários (12.735 em 1950)*, a maioria dos profis­

sionais liberais e ocupados em atividades sociais (11.637), os

pequenos e médios comerciantes, os agricultores que têm uma

renda média, constituem as classes médias. Acumulam, muitas

vezes, as rendas agrícolas com os ordenados do governo ou os

proventos das profissões liberais.

Essa composição social da população vai se refletir diretamente

sobre a organização do espaço urbano. Os banqueiros, os grandes

exportadores e importadores, as pessoas enriquecidas pelo comércio

ou pela indústria, os agricultores mais abastados, os especula dores

imobiliários fazem construir palacetes ou belos e luxuosos imóveis

• Em 1958, somente a Prefeitura conta com 8 mil.

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de apartamentos nos bairros ricos da Graça e da Barra, ou ocupam

a fachada marítima com construções modernas em estilo funcional.

Os marginais aproveitam os espaços vazios sem mesmo indagar

quem é o proprietário e aí constroem verdadeiros bidonvilles, bair­

ros inumanos onde vivem seja como for; esses bairros são chamados

invasões; o mais impressionante de todos é aquele construído sobre

os manguezais aterrados .com lixo, na península de Itapagipe.

O contraste não é mais nítido porque as residências dos

pequenos comerciantes, das pessoas que exercem uma profissão

liberal, agricultores médios e funcionários públicos representam

uma espécie de transição entre os palácios dos ricos e os mise­

ráveis casebres dos pobres. Em geral, essa classe média é quase

inteiramente ligada à terra, o que explica o nível de vida de vários

funcionários e de outras pessoas, cujos ordenados seriam por

si sós insuficientes para equilibrar seu orçamento. A presença

de numerosos agricultores em Salvador representa, assim, um

elemento de equilíbrio na formação de sua estrutura urbana.

O período mais recente da evolução urbana provocou o

crescimento de seu comércio interior, a formação de um nú­

cleo comercial na Liberdade, bairro pobre que atualmente tem

mais ou menos 160 mil habitantes, mas influenciou sobretu.do

o'comércio grossista, ligado ao papel portuário da cidade. Em

consequência termina-se a construção de uma verdadeira cidade

nova, de tipo americano, ao lado do porto.

As linhas de transporte se multiplicam, a circulação é cada

vez mais intensa.

Mas a cidade vê diminuir, cada dia que passa, sua zona de

influência. Ao nordeste, ao longo da via férrea que demanda o

Estado de Sergipe, a cidade de Aracaju disputa com Salvador a

maior influência. O mesmo acontece no extremo-sul do Estado,

Page 50: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

onde cresce o papel comercial de Vitória, capital do Espírito

Santo. O vale de São Francisco está sujeito às influências das

principais cidades de Minas Gerais e de Pernambuco. A cidade

baiana de Juazeiro, que é a capital regional do São Francisco

médio, prolonga no vale não apenas a influência de Salvador,

como a do Recife, capital do Estado de Pernambuco.

Essa perda de influência regional, esse retraimento da área

metropolitana, deve-se, princi paIm ente, ao faro de Salvador ter

sido inca paz de organizar convenientemente seu espaço regional

e à ausência de dinamismo próprio à cidade. Enquanto o Brasil

viveu uma fase simplesmente comercial, a capital do Estado da

Bahia podia continuar, através de uma larga parte do país, a

distribuição dos produtos recebidos pelo seu porto. Mas quando

São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades se orientaram para a

indústria, protegida aliás, por barreiras alfandegárias, o papel

de redistribuição tornou-se insuficiente para guardar a Salvador

a possibilidade de manter com sucesso as antigas correntes co­

merciais, principalmente porque seus meios de transporte eram

deficientes e precisavam ser remodelados.

Em 1954, enquanto a indústria de São Paulo representava

uma produção de 100 bilhões de cruzeiros, empregando 440

mil operários, as cifras relativas a Salvador eram 2 bilhões e 400

milhões de cruzeiros e 15 mil operários.

Como a cidade não foi capaz de se industrializar, seu nível

de vida médio também não se eleva no ritmo desejá vel, e o in­

terior agrícola não encontra o encorajamento de que necessita.

Por isso ele se empobrece cada vez mais e sua população emigra

para Salvador. Assim, aquele nível de vida médio tende a baixar

cada vez mais, em consequência da presença de uma enorme

população que não produz, e anula os esforços daqueles que

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produzem. Assim, a população urbana aumenta em percentagem

alarmante. Isso, porém, não se deve ao dinamismo próprio à

cidade, mas, pelo contrário, à ausência de dinamismo e de ação

sobre a sua zona de influência.

Para irmos até o fundo das coisas; como última razão desses fa­

tos temos o velbo papel, presente desde os inícios da história urbana,

de porto de exportação de produtos de uma agricultura comercial

realizada em seu arriere-pays, um verdadeiro porto "colonial" que

manobra somente grandes somas de dinbeiro, do mesmo modo que

manipula grandes toneladas de mercadorias, isto é, sem as reter.

Essa função de porto comanda as diferentes fases de sua evo­

lução como metrópole, de acordo com os diferentes produtos de

que a cidade foi e continua a ser o entreposto. Além disso, a função

portuária explica a criação de um sítio, adaptado a ela própria. Esse

sítio artificial, como os demais elementos naturais do sítio urbano,

ocupados à proporção e segundo as condições da evolução urbana,

dão à cidade um dos elementos de sua originalidade ..

A OCUPAÇÃO ATUAL DO SITIO

A Cidade do Salvador ocupa agora um conjunto de sítios,

onde podemos distinguir seis elementos:

1. As praias do litoral atlântico.

2. A escarpa de falha, sobre a baía de Todos os Santos, com

60 a 80 metros de desnível entre a Cidade Alta e a Cidade Bai­

xa, exposta e pouco erodida, falésia que se prolonga na direção

SSE-NNW sobre mais ou menos 20 quilômetros.

3. O rebordo e a plataforma do topo do escarpamento, na

Cidade Alta.

Page 52: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

4. Os morros, colinas e vales do seu reverso, formando um

verdadeiro tabuleiro residual, colmatando granitos e gnaisse.

5. A planície construída pelo homem, estreita e plana, que

se estende ao pé do escarpamento.

6. A península de Itapagipe formada de terrenos cretáceos

afogados pelo mar durante o Quaternário e apresentando um

relevo de colinas médias (Ab'Sáber, 1952: 62).

Desses elementos do sítio, o quinto é quase inteiramente artifi­

cial, pois foi o homem que, pouco a pouco, construiu a planície muito

estreita que acompanhava a base da escarpa. Também são artificiais,

porque ganhos sobre o mar; mais particularmente sobre os mangues,

os terrenos hoje ocupados com as invasões da península de ltapagipe,

casas de gente pobre construídas inicialmente à moda das palafitas e

depois sobre terrenos "fabricados" com depósitos de lixo.

Entretanto, os próprios terrenos em que Tomé de Sousa cons­

truiu as primeiras casas da cidade, bem no coração do centro, sobre

a esplanada do topo da escarpa, sofreram nivelamentos. É onde

hoje se encontram a praça MunicipaLe a rua da Misericórdia.

Esse espaço urbano não está ocupado de maneira h omogê­

nea. Nem mesmo é inteiramente ocupado. Quando se chega a

Salvador de avião, divisa-se uma inassa considerável de constru­

ções bordando a península do' lado da baía, uma estreita faixa de.

casas do lado do mar e filas de habitações seguindo os antigos

caminhos rurais que ligam os dois litorais.

. Há 20 anos, de um modo geral, as construções limitavam-se

à plataforma do topo da escarpa, sob uma forma linear, e pre­

feriam as dorsais das colinas; o povoamento irradiava ao longo

dos antigos caminhos e das linhas de transporte coletivos, mais

recentemente. Desprezava, deste modo, os vales onde, peninho

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do centro, pululavam casas de gente pobre e hortas; estas repre­

sentavam uma solução cômoda, embora precária e insuficiente,

do problema. do abastecimento em frutas e legumes de uma

cidade praticamente sem subúrbio rural imediato. O primeiro

vale a ser ocupado foi a Baixa dos Sapateiros, aí por 1835.

Nestes últimos anos, o crescimento da população e as novas

técnicas de construção e de urbanismo valorizaram os terrenos

em declives: As obras públicas multiplicam o valor dos terrenos

nos vales, que começam a ser colonizados, principalmente por

uma população abastada que expulsa, ponco a pouco, os pri­

meiros ocupantes, isto é, os pobres e as hortas.

De outro lado, a chegada de milhares e milhares de novos

emigrantes não somente provocou a extensão das superfícies cons­

truídas, como soluções heróicas, como as que já mencionamos,

na península de Itapagipe, na pequena enseada dos Tainheiros.

Vários milhares de habitações foram construídas ali, nestes últimos

anos, para abrigar pessoas pobres. Mas hoje são substituídas por

gente da classe média, embora somente nas ruas que se benefi­

ciaram com obras públicas e facilidades de transporte. As praias

atlânticas também se povoaram recentemente. Os terrenos foram

supervalorizados pela construção de uma autoestrada ligando o

aeroporto de Ipitanga ao centro da cidade e pela especulação que

a isso se seguiu. É uma zona de residência rica.

Entre essas construções recentes que beiram a praia e a massa

das que rodeiam o antigo nódulo urbano, restam enormes vazios, em

todas as direções, de quando em quando interrompidos pelas casas

que margeiam os caminhos, e pelos jardins e hortas nOS vales.

A área mais densamente ocupada da Cidade de Salvador

corresponde grosso modo ao centro, parte mais antiga da cidade,

cujo sítio é o que· apresenta maiores dificuldades de utilização.

Page 54: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Page 55: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Esse fato naturalmente surpreende o viajante mal prevenido da

história urbana, pois é causa de vários dos mais graves problemas

que trazem consequências para toda a cidade.

É uma faixa de dois quilômetros de largura máxima, de

mais ou menos seis quilômetros de extensão, acompanhando a Baía de Todos os Santos. O centro da aglomeração corresponde

à parte mais larga; ele cresceu desde o primeiro século, mas au­

mentou ainda mais nitidamente agora, pois ocupa uma planície

conquistada pelo homem sobre o mar e próxima ao porto, e onde

se construiu uma verdadeira massa de novos edifícios.

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Se examinarmos mais de perto a evolução da Cidade do

Salvador reconhecemos a sucessão de cinco períodos do ponto

de vista da população:

1. Uma fase inicial, independente da atividade regional da

cidade, e em que apenas funcionam os papéis de centro admi­

nistrativo, religioso e militar, até o final do século XVI.

2. Um período de crescimento lento, até o século XVIJI, que refle­

te os primeiros esforços de valorização de uma área em expansão.

3. Um período de crescimento rápido, provocado pelos pro­

gressos da agricultura nas áreas de ocupação mais antiga, para

a expansão da agricultura em outras regiões, por uma melhor

organização do espaço e por um grande êxodo rural, provocado

por novos ciclos de seca durante o século XIX.

4. Um novo período de crescimento lento -lento na escala bra­

sileira -, que corresponde à crise das primeiras culruras comerciai~, à

atração demográfica exercida pela nova culrura industrial, o cacau,

durante os 40 primeiros anos do século XX.

Page 58: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

5. O período atual, de crescimento novamente acelerado,

isto é, de fortalecimento da economia agrícola, não apenas na

zona do cacau, mas também em certas regiões do Nordeste,

trazendo consequências para a vida urbana e por outro lado

o aumento da população de sub empregados- e desempregados,

resultantes de um êxodo rural sempre crescente.

o crescimento da população urbana durante os séculos

XVII e XVIII merece uma reflexão. Será justo considerá-lo como

lento, levando em conta os progressos demográficos dos séculos

posteriores? Na realidade não podemos analisar esse crescimento,

a não ser à luz de vários fatores intervindo em um dado momento

e em um dado lugar.

Essa evolução demográfica corresponde à evolução na

ocupação do sítio pelo organismo urbano. Durante o primeiro

período, a cidade se limitou à plataforma, ao topo do escarpa­

mento. No segundo, estendeu-se sobre as colinas dos rebordos da

esplanada, atravessou o vale do rio das Tripas (a atual-Baixa dos

Sapateiros) e uma segunda linha de colinas foi colonizada. No

terceiro período, formam-se vários bairros que se aproveitam da

instalação das linhas de transporte coletivo. A cidade se espraia

para o norte e para o sul, principalmente sobre as dorsais. Na

penínsulà de Itapagipe a ocupação é mais densa.

Durante o quarto período a cidade não cresce como havia

feito no período precedente, mas os trabalhos do porto são ini­

ciados e fazem-se grandes aterros.

Durante o quinto período, o centro se desenvolve mais ati­

vamente, bairros ricos são construídos, as "invasões" se formam,

os vales começam a ser ocupados por construções, e as praias se

valorizam com luxuosas casas de morada.

Page 59: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DE SALVADOR

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Page 60: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

ESTADO DA BAHIA

_ Estado da Bahia

r.!iJ Salv:l.dor

Distribuição da população por-grupo de idades

-"""'-,- -- -

-Idade --0-10

10-19

20 - 29

30 - 39 40 -49

50-59 60-69

70 -79

80 e mais Idade ignorada Totais

- -1940

1156621 931014 818787

445658

312139 202943

113377 46892

1950 --'-""'-,"-",,"

1483726

1110275 681737

562507

384405 230759

142269 58464

23556 26941

1585 11442

1918112 4834575 -, _."""-,,,,'"- -- - - - -,,-,,- - --

MUNIdPIO DE SALVADOR

Recenseamento de 1920

-"",-"",- - - -- --,-"",,--

Q.rupo!., d!!, I_4q.E.f!_"",_ _ _ _ Homens 0-20 61489

Mulheres Total

65363 126861 21 e mais Total

70630 132128

Fonte: Publicações de Recenseamento.

85931 156561

151294 283422 "-" - --- - ,-",-""-,,,,- - - - - -

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Page 61: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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REPARTIÇÃO DA POPUUÇAO POR IDADE E POR SEXO

(1940/1950)

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Grupos de 1940 1950

idade Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total --,---"'-,- ---",--"'- --,,-_._- ,,--- - -"._-'"--- ---,._-"--" .. _- .. _-"._-0-9 32060 32134 62511 47386 47363 94749

10- 19 29184 64194 33408 41232 47850 89082

20 - 29 26553 33327 59961 40682 48830 89512

30 - 39 19024 22784 41808 26593 31542 58135

40-49 12731 15403 28234 18310 21620 39930

50 - 59 7664 10475 18139 10152 13224 23376

60-69 3373 6091 9474 5442 8485 13927

70 -79 1113 2847 3960 1669 3778 5447

80 e mais 376 1245 1621 464 1521 1985

Idade ignorada 215 326 541 463 629 1092

Totais 132305 158140 290443 192393 224842 417235 "". -""-,,,--'- -""_._- --",----"",- - - -",,_.,,-- - "_.",,--,,,,---"""'-",- - -"",-,-",,-

Fonte: Serviço Nacional de Recenseamento.

MUNIC!PIO DE SALVADOR

Repartição Profissional da População (1950)

._----

Ramos de Atividade

Agricultura, criação e silvicultura Indústrias extrativas Indústrias de transformação Comércio de mercadorias Comércio de imóveis e valores, seguros, banco

Prestação de serviços Transportes, comunicações, armazenamento Profissionais liberais Atividades sociais Administração Pública, legislativo, justiça Defesa Nacional e Pública Atividades domésticas não remuneradas e atividades escolares Atividades não compreendidas nos outros ramos mal definidos ou não declarados Pessoas inativas Total

Pessoas com 10 anos e

mais 6770 2923

31435

22581 2000

44686

15507

1484

10 153

6200

6535 145717

726 2569

322486 . -",- -",- '-,~-""-,,,,-"- ,--"-""'-",,- - -""'--"-"""-", - -",,-- -"",-"",-",.- - -,-,,,,-"

Fonte: Serviço Nacinnal de Recenseamento.

%

2,1 0,9

9,8 7,0 0,6

13,9

4,8 0,5 3,1 1,9 2,0

45,2

0,2 8,0

Page 62: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

2

As FUNÇOES DO CENTRO DE SALVADOR

ACidade do Salvador aparece, em relação ao Estado da Bahia, como uma espécie de réplica, guardadas as

devidas proporções, ao que na França, por" convenção,

se denomina Paris e o deserto francês. No caso, é uma grande

cabeça sustentada por um corpo frágil. De fato, macrocefalia e

pobreza rural são interdependentes.

Toda a história econômica regional proporcionou a Sal­

vador uma concentração de funções e recursos, sempre e cada

vez mais forte, em relação ao resto do Estado. Em 1954, por

exemplo, seu porto recebeu a metade dos navios que tocam

nos portos baianos (1246 para 2490), sendo a tonelagem sen­

sivelmente mais elevada (3,690 milhões para um total de 4,533

milhões). Tal desproporção só não foi maior porque o porto

de Ilhéus realiza quase toda exportação do cacau, que, aliás,

é o mais importante produto do Estado. Todas as exportações

foram feitas por intermédio de Salvador, naquele mesmo ano

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Page 63: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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de 1954. Enquanto os bancos que têm sua sede no interior do

Estado possuem um capital total inferior a duzentos milhões,

os da Cidade do Salvador alcançam 1,662 bilhões. Em 1954,

os"depósitos bancários atingiam, em Salvador, 78% e os em­

préstimos, 71 % para a totalidade do Estado. Esta primeira

cifra tem um valor ainda mais significativo quando é sabido

que os demais 29% de empréstimos fora da cidade serviram

à principal atividade regional, que é a agricultura, incluindo

o financiamento da produção cacaueira, que representa 70%

da economia do Estado. É evidente que os agricultores fize­

ram uma grande parte - talvez a maior - de suas operações

financeiras na capital do Estado. Com 562 dentre os 21.085

estabelecimentos comerciais do Estado da Bahia, a Cidade do

Salvador viu, em 1954, um movimento de capitais no valor

de Cr$ 10.640 milhões contra Cr$ 24.282 milhões em todo o

Estado. Seu comércio grossista representava 83,88% do total

do Estado e o varejista, 45,60%. Mais da metade (55%) da

produção industrial baiana realiza-se na capital, porcentagem

que aumentará se retirarmos do cômputo global as indústrias

extrativas e agrícolas.

Esta concentração das funções vitais do Estado é duplicada

pela concentração dos serviços e quadros: 60% dos médicos,

73% dos engenheiros, até mesmo 35% dos agrônomos; todas as

faculdades, 80% das escolas normais, 40% dos ginásios etc.

Tal quadro dá uma idéia da importância regional da Cidade

do Salvador e de sua função em relação ao Estado.

Mas, assim como a história econômica regional favoreceu

Salvador com esse acúmulo de funções, a história urbana con­

duziu à concentração de quase todas essas funções nos distritos

~ centrais. A permanência da localização do porto, a atração

Page 64: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

que exerceu sobre as atividades comerciais e administrativas; a

localização da estação ferroviária na proximidade do centro; a

fraqueza da indústria, incapaz de criar grandes bairros; a expan­

são da cidade sobre as linhas de cumeada, tendo como resultado

um plano que não permitiu a formação de centros secundários nos bairros; tudo isso teve por consequência a concentração das

funções nos bairros centrais. Há exceções: a presença de um

certo número de indústrias em Itapagipe (distritos dos Mares e

Penha), devido aos terrenos desocupados oferecerem vantagem

ali, por ocasião do impulso industrial do fim do século passado,

e o centro secundário que se formou na Liberdade, bairro pro­

letário, densamente povoado.

Assim as funções do centro são muito representativas quer

da vida urbana, quer da vida regional. É nesse sentido que as

devemos estudar.

A FUNÇÃO PORTUÁRIA

A função portuária da Cidade do Salvador existiu desde o

início da vida urbana e foi desde logo uma condição necessária

à realização das outras funções. Com efeito, se o aumento da

importância de Salvador corresponde, através dos séculos, ao crescimento de sua função comercial, é verdadeiramente ao seu

porto que a cidade deve a possibilidade de comandar as relações

entre um mundo rural produtor de matérias-primas, que sofre

em parte uma transformação primária, e um mundo industrial

(seja o Sul do Brasil, seja o estrangeiro), comprador de matérias­

primas e fornecedor de produtos manufaturados de que a cidade

e sua região têm necessidade.

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Page 65: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

1::::.1 ÁREAS DE DETERIORAÇÃO

~ VAREJO POBRE

• BANCO, COMÉRCIO DE PAPÉIS

','1' COMÉRCIO GROSSO MAIS DEPÓSITO ','),1

111 ALIMENTAÇÃO

1+++1 COMÉRCIO OE TRANSIÇÃO, ARTESANATO

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COMÉRCIO DE LU XO

ARMAztNS

EDIFíCIOS RELIGIOSOS

EDifíCIOS PÚBLICOS

ÁREAS CONVENTUAIS

Page 66: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

DO ESPACO URBANO

IDADE DO SALVADOR

Page 67: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Foto 1, Salvador, cidade de 2 andares. Fotografia obtida em 1958, onde se nota o,apa­recimento de edifícios em altura na Cidade Alta. A parte da Cidade Baixa, que é vista no clichê, não recebeu um povoamento de arranha-céus e se deteriora. Veem-se, ainda, no canto esquerdo, o Elevador Lacerda e ladeiras, ligando a Cidade Baixa à Cidade Alta. Sob a ladeira da Montanha, alguns arcos são ocupados com casas de residências e artesana toS.

Foto 2. Salvador, cidade de 2 andares. Esta fotografia foi tomada na década de 1950 de modo que se podem observar as mudanças sofridas pela Cidade Alta, aliás lentas em relação ao que ocorreu na Cidade Baixa.

Page 68: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Essa é, sem dúvida, a principal característica do porto de Sal­

vador, estreitamente ligado, desde os primeiros tempos, à economia

regional, inicialmente do Recôncavo e, depois, de um território

mais extenso. Bem característico de um porto de exportação de

matérias-primas é o fato de que entre as exportações que, em 1956,

representavam 2,472 bilhões de cruzeiros, 96%, isto é, 2,4 bilhões

eram representados por somente 10 produtos. Entre esses, apenas

252 tinbam sofrido uma transformação primária local, como os

óleos brutos e pastas. Estes últimos produtos representam 109.029

toneladas sobre um total de 135.069 exportados por Salvador em

1956. A importação, num valor sensivelmente inferior (Cr$1.300

milhões, em 1956), foi principalmente de produtos alimentares,

combustíveis e equipamentos. Os produtos manufaturadas, que

alimentam o comércio da cidade e do Estado, são transportados

geralmente pela rodovia. Isso é consequência da irregularidade

dos transportes marítimos, devida a um número insuficiente de

navios para fazer a cabotagem. Por outro lado, a desproporção

entre exportação e importação encarece as despesas de transporte

e subordina a entrada dos navios ao frete possível.

O porto exporta os produtos da economia regional e importa

produtos alimentares e manufaturados; as necessidades da vida coti­

diana acarretam uma outra função ao porto: a de receber os produ­

tos de subsistência. O Recôncavo, ainda hoje, é o grande fornecedor

desses produtos, para uma cidade praticamente sem periferia rural

imediata. O transporte das mercadorias faz-se por saveiros, barcos

a vela, cuja capacidade varia entre 12 e 15 toneladas. São, mais ou

menos, 5.500, e não só ligam a capital do Estado ao Recôncavo

como a outros portos do litoral atlântico do Estado.

Essa dupla função acarreta também uma dupla organização do

espaço portuário. Ao lado da extensão de cais, construída especial-

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Page 69: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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mente para os grandes navios, há as rampas onde podem abordar os

saveiros. São duas: a Rampa do Mercado, logo ao lado da praça Cairu

e a da Água de Meninos, no final da avenida Frederico Pontes, ambas,

muito pitorescas e ricas de cor local. Recebem uma multiplicidade de

produtos agrícolas: farinha, frutas, legumes. Assim como o grande

porto acarretou a instalação do grande comércio nas proximidades,

o outro provocou o aparecimento de feiras ao ar livre, espécie de feira

grossista, onde vêm se abastecer os comerciantes de outras feiras, os

proprietários de armazéns, vendas e barracas, os restaurantes e hotéis,

vendedores ambulantes e donas de casa previdentes.

MOVIMENTO DO PORTO DE SALVADOR (1956)

COMÉRCIO EXTERIOR

Mercadorias

Hxportaçiio:

1" Fumo em folha

2" Derivados do cacau

3" Cacau em amêndoas

4° Café em grão

5° Fibra de sisal

6" Mamona em bagos

7" Piaçava

8" Óleo de mamona 9° Cera de carnaúba lO" Cera de licuri

Quantidade Ton.

22171

15926 15317

5879

19315

23767

2506

3155 731

242

Valor

614480

553185

350970

205514 162967

138872 63926

51798 47989

19164 - - ._",,- - - "-,, - -"".- - ""-",,,- - ,,- - - -"",-" - - "",,-""-

total Importação:

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1 (> Trigo em grão

2<> Bacalhau

3" Equipamento para perfuração de poços 4" Querosene

5" Arame farpado 6° Gasolina de a viação

7<> Óleo pl motor de explosão 8" Tubos, cabos de aço etc.

9" Navios e barcos a motor

Jº-" _~~it_e ~'!1 pó __ "_",,, ___ ",, __ ,_"",_ Total

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5277 232660

164552 1152 83833

39089 79907

5661 77412

16838 48160 39743 46731

3556 32072

281 24318

883 24087 - - ",-, - - -"",- - -""'-

204857 813 732

Page 70: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Cada uma dessas atividades portuárias criou, direta ou

indiretamente, uma paisagem própria. De um lado, a função de

entreposto e'a-de direçãô tendem a separar-se, fato que resulta

na presença de grandes armazéns e depósitos do porto, além dos

grandes edifícios modernos servindo aos escritórios. O pequeno

porto, por sua vez, provoca o aparecimento de mercados, mas

como, desde há muito, eles se tornaram insuficientes, observa-se

o surgimento de barracas de madeira, visivelmente provisórias,

e que constituem verdadeiras ruas.

Tudo isso não acontece sem que o espaço seja disputado

pelos dois ramos da atividade portuária. Ainda hoje, a necessi­

dade de construir os entrepostos frigoríficos e, principalmente,

de ampliar o cais apresenta, novamente, o problema, e com toda

sua intensidade. Procuram-se as soluções, como, por exemplo,

deslocar o porto dos saveiros para a península de Itapagipe.

Este dilema acarreta, entre outras consequências, a de

agravar cada vez mais as condições, já por demais precárias, das

instalações da feira de Água de Meninos, pois sua conservação

é reduzida ao mínimo durante este tempo de espera.'

A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

A função administrativa data da própria fundação da cida­

de, criada, como já vimos, para abrigar o primeiro governo geral

do Brasil. A essa função deveu a cidade a maior parte de sua

população inicial. Ela nunca deixará de ser importante, através

de toda a evolução urbana, tendo somente uma crise, provocada

pela transferência da capital do país para o Rio de Janeiro, em

1773. Entretanto, essa crise teve seus efeitos minorados pelo fato

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Page 71: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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de Salvador não ter perdido sua função de capital de província,

durante o Império, e após a proclamação da República em 1889,

de capital do Estado.

Atualmente, a função administrativa é das mais importantes.

Salvador centraliza a direção de quase todas as repartições do Esta­

do, sejam dependentes do governo do país, sejam as que dependem

do Estado mesmo. Há ainda os serviços da própria municipalidade.

Essa atividade permite [condições de 1 viver a um grande número de

funcionários, número certamente mais elevado do que as verdadeiras

necessidades dos serviços. Aproveitam-se indiretamente da função

administrativa numerosos intermediários de grandes e pequenos

serviços públicos, fornecedores etc., sem falar na animação que a

presença dos empregados públicos pode dar, e verdadeiramente dá,

às outras funções urbanas, a começar pelo comércio.

A função administrativa, que, desde o início da vida urbana,

enriqueceu a paisagem com construções especialmente concebi­

das, constitui, hoje, uma das atividades capazes de transformar

o quadro urbano - isto é, o centro - onde se instalaram. Os

serviços públicos situam-se, preferencialmente, na Cidade Alta,

mais ou menOs agrupados no núcleo primitivo, em torno ao

Palácio dos Governadores, que conserva o mesmo local da pri­

meira construção, datada de 1549. Entretanto, tem-se verificado

recentemente a tendência de transferir para a Cidade Baixa a

sede de alguns serviços que têm interesse na localização mais

próxima do centro da vida financeira. Juntam-se, agora, aos

outros serviços públicos, ligados à função portuária da cidade,

serviços instalados há muito tempo na Cidade Baixa, como a

Alfândega e a Associação Comercial.

A administração eclesiástica tem uma grande importância,

havendo mesmo um cardeal-arcebispo em Salvador. De fato, a

Page 72: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

função religiosa da cidade não cessou desde a sua fundação. É ela

responsável por vários traços do passado na paisagem de hoje: o

palácio do Arcebispo e as imponentes igrejas do século XVIII.

A FUNÇAO COMERCIAL

o centro abriga quase toda a atividade comercial da cidade.

Realmente, fora dos distritos centrais, o comércio desenvolve-se

apenas em torno da estação ferroviária, na Calçada, servindo a

Itapagipe, além do comércio da Liberdade, bairro no qual vive

a quinta parte da população de Salvador.

A atividade comercial do centro da cidade desenvolve-se sob

quatro diferentes aspectos: a) um comércio grossista, de exportação

e importação; b) um comércio varejista, subdividido em varejo rico

e pobre; c) um comércio de alimentação e d) um comércio de rua.

a. O comércio grossista é essencialmente ligado ao porto, fato que

explica, na região, sua importância em relação ao resto do Estado e,

na aglomeração mesma, sua localização na Gdade Baixa.

A capital concentra quase todo o comércio grossista do Esta­

do. Em 1950, enquanto o comércio varejista representava 45,60%

do total do Estado, o comércio grossista representava 83,88%.

MOVIMENTO COMERCIAL EM 1950 (MlllIÓES DE CRUZEIROS)

Cidade do Salvador Estado da Bahia -"'"'-""._",,_.,,._- - -"._,-""--,"-",-,,,- - - ". __ ._""-,-'""._,,,,- - --""--,, -",-""-""- __ o _""_"._ --

Comércio grossista 3300 3900

Comércio vareji"':"". ____ -'-I ,,10"'0'--_____ 2"'5"'0"'0 __ _

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Page 73: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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o comércio grossista tem interesse em permanecer bem pró­

ximo aos bancos, estando estes, igualmente, atraídos pelo porto.

Exercem uma espécie de atração recíproca uns sobre os outros.

Mas, não se pode afirmar que o porto seja um fator exclusivo para

a concentração, em Salvador e no interior da aglomeração, do

comércio grossista na Cidade Baixa. Desde 1940, a maior parte da

produção de cacau, que é o mais importante produto de exportação

do Estado, não mais se escoa pelo porto de Salvador e sim pelo de

Ilhéus, no litoral da própria zona de produção. As grandes casas

exportadoras, as cooperativas de exportação e as organizações

governamentais, como o Instituto de Cacau da Bahia, continuam

a ter sede em Salvador. Isso se deve ao fato de a exportação para

Page 74: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

o estrangeiro exigir uma imensa burocracia, concentrada exclusi­

vamente numa carteira especializada do Banco do Brasil, banco

oficial, que dá o preço do dia e regula o pagamento de letras de

câmbio e dos prêmios que o estado confere aos produtores. É fácil

explicar, então, porque as casas de exportação, que gozam de uma

função intermediária entre agricultores e o banco oficial, têm inte­

resse em manter tais operações à distância da zona de produção.

Resistiram à instalação, em Ilhéus, de um outro escritório especia­

lizado, capaz de fazer as mesmas operações que em Salvador. Há

dois anos, porém, esse escritório foi fundado na agência local do

Banco do Brasil, em Ilhéus, instalação que fortalece a função da

cidade de Ilhéus como porto de exportação; apesar disso, a maior

parte das transações ainda se faz em Salvador.

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Page 75: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Essa atividade de "papéis" é muitas vezes confundida com

a própria atividade bancária. Várias firmas exportadoras têm

seu próprio setor bancário, que goza das mesmas vantagens que

os bancos. Isso aumenta sua influência sobre o mundo rural,

que lhes confia seus produtos e fica cada vez mais dependente

dos exportadores. Com esse setor bancário, as casas comerciais

podem obter do banco oficial certos privilégios, [idênticos aos]

obtidos, aliás, pelos bancos particulares, como, por exemplo, o

redesconto das notas de crédito. Assim, participam oficialmente

do comércio da moeda, que empresta aos agricultores com uma

usura comercial, ou seja, 12 % ao ano. Dessa maneira, as casas

exportadoras se colocam numa posição ainda mais vantajosa em

relação aos clientes do interior do Estado, pois podem adiantar

dinheiro para os trabalhos agrícolas, praticando, simultanea­

mente, uma usura suplementar.

Page 76: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Firmas exportadoras de cacau e outros produtos regionais,

como Wildberger ou Corrêa Ribeiro, têm seu próprio setor

bancário. Outras, que igualmente têm necessidade do dinheiro

líquido para fazer empréstimos aos agricultores são interessadas,

como acionistas ou de outro modo, nas atividades do banco.

Somente uma casa exportadora está fora da Cidade Baixa. Tra­

ta-se de uma casa de exportação de pedras preciosas, com escritórios

na rua Chile. O comércio da Cidade Baixa abriga quase somente

os bancos, atividades bancárias, casas de comércio em grosso; em

suma, o "comércio de papéis". Ali não se encontra um médico

ou um dentista. Há, entretanto, um setor de comércio a varejo,

quase exclusivamente constituído por casas de luxo para a moda

masculina, nas ruas Conselheiro Dantas, Portugal e algumas trans­

versais. As casas de artigos femininos são muito raras e formam,

sobretudo, um setor varejista do comércio de tecidos em grosso.

Verifica-se, também, um comércio de alimentação nas imediações

da rua Silva Jardim, utilizando as velhas casas em degradação, e

ligado essencialmente, à passagem de pedestres entre a Cidade Alta

e a Baixa. Salienta-se, ainda, o grande número de advogados que,

atraídos pelo comércio grossista, aí se instalam, em vez de preferir

as imediações do Fórum, na Cidade Alta. Numerosas são também

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Page 77: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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as empresas de construções, ligadas à especulação imobiliária,

desenfreada nestes últimos anos e por isso têm interesse de ficar

próxima aos bancos, que as financiam. Até o fim do século XIX,

todo o comércio se concentrava na Cidade Baixa, daí o nome que

guardou até hoje: é o "Comércio" para o habitante de Salvador. O

centro da Cidade Alta abrigava as principais funções administrativas

e religiosas, tendo uma importante função residencial.

O século XX traz uma nova especialização funcional, cada

vez mais acentuada. A Cidade Baixa ficou reservada a função de

centro do comércio grossista, enquanto encontramos na Cidade

Alta o comércio varej ista.

b. O comércio varejista divide-se, nitidamente, em um setor de

luxo e em um outro pobre, ocupando cada um deles uma zona

diferente no interior do centro da cidade·. A subida do comér­

cio varejista para a Cidade Alta correspondeu o aumento da

poplllação nos bairros exteriores da mesma. Todavia, o sempre

crescente número de imigrantes rurais, que gravam os recursos

da população ativa, torna impossível um desenvolvimento mais

notório do comércio varejista, fato que se reflete na diferença

entre seu próprio quadro e o do comércio em grosso.

O comércio varejista rico encontra-se nas ruas do coração da

Cidade Alta, seguindo as linhas dos transportes coletivos, em direção

aos bairros ricos. O comércio varejista pobre ocupa a Baixa dos Sa­

pateiros (rua Dr.].]. Seabra), artéria principal do tráfego de veículos

coletivos que se dirigem aos bairros da classe média e pobre .

O comércio varejista de luxo encontra-se principalmente

nas ruas Chile, Misericórdia, Aj uda, Carlos Gomes, quase toda a

~ avenida Sete de Setembro e uma parte da avenida Joana Angélica.

Page 78: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Sobre um total de 310 entregas feitas em domicílio por um ma­

gazine da rua Chile, durante uma semana de maio de 1957, 240

foram feitos a clientes que habitavam nos bairros ricos, sendo o

resto entregue a outros, nos bairros de classe média. A esse tipo de

comércio acha-se ligada a frequência das ruas onde está instalado:

a rua Chile constitui uma espécie de vitrine da cidade.

Tal comércio, sobretudo seu desenvolvimento atual, acarreta"

uma supervalorização dos espaços disponíveis e, por outro lado,

atrai outros tipos de comércio, com uma tendência à especia­

lização cada vez mais forte ou acentuada. São aproveitados os

acessos ou halls de edifícios novos ou antigos, pés-de-escada,

para instalar pequenos cafés, lojas de lembranças ou de discos;

os restaurantes emigram para as ruas transversais, instalando-se

nos" andares; desaparecem os cafés onde se podia ser atendido

sentado, e que eram numerosos há cinco anos, substituídos por

leiterias, onde se pode fazer pequenas refeições em pé. O comér­

cio varejista pobre é feito, essencialmente na rua Dr. J. J. Seabra

(Baixa dos Sapateiros) e transversais, prolongando até a Silva

Jardim. Não se encontram grandes magazines e casas de artigos \

de luxo ou altamente especializadas. Predominam as lojas, onde

são vendidos artigos de segunda necessidade.

Parece que à concentração do comércio varejista no centro

da Cidade Alta está ligado um número cada vez maior de cine­

mas, visto que os cinemas de bairros, mais recentes, oférecem

um número mais restrito de sessões.

Em 1956, os bairros centrais contavam com 11 dos 23 ci­

nemas existentes. Entretanto eles dispunham de 12.074 lugares,

enquanto os 12 dos outros bairros apenas somavam 7.517, aí

incluídos os 2.359 de dois cinemas da Calçada, perto da esta­

ção ferroviária, e que não podemos classificar entre os cinemas

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Page 79: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

de bairro. Neste mesmo ano, os cinemas do centro venderam

4.071. 043, compreendendo os 526.666 daqueles da Calçada.

A relação entre a distribuição dos cinemas e a função comer­

cial varejista se constata pela localização e a categoria das salas

de espetáculo. Na praça da Sé, rua Chile, praça Castro Alves, os

cinemas são confortáveis, com ar condicionado e preços elevados.

Na Baixa dos Sapateiros, não oferecem confortO e são baratos.

Na Cidade Baixa não há cinemas.

c. Um comércio de alimentação, de primeira necessidade, pratica­

do quase exclusivamente por espanhóis, aparece também no cen­

tro da Cidade do Salvador. São armazéns, padarias açougues. Tal

comércio deve sua existência, de um lado, à presença, no próprio

centro, de uma massa considerável de população, necessitando

abastecimento e, por outro lado, a possibilidade, procurada

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Page 80: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Foto 3. Paisagem de Salvador antes de 1950.

Foto 4. Vista geral da feira de Águas de Meninos. Foto da Srta. Orlandir Carvalho de Mattos.

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pelos habitantes dos bairros exteriores, de encontrar ali preços

mais vantajosos. Esta última razão explica a concentração de

casas.de produtos alimentares na Baixinha (rua Padre Agostinho

Gomes) e na Visconde de São Lourenço (Forte de S. Pedro), que

delimitam o centro comercial da Cidade Alta. Contudo, esse co­

mércio de primeira necessidade acha-se disseminádo por todos os

setores, ocupando principalmente as esquinas. Na Cidade Alta, o

comércio;formando um verdadeiro cinturão ladeado pelas ruas

residenciais, é uma explicação para esse fato.

A crescente valorização do espaço, no centro da cidade,

acarreta uma tendência ao deslocamento dos estabelecimentos

que, todavia, mantêm-se no limite entre a zona comercial e a

residencial.

d. O comércio de rua ocupa um lugar relativamente importante.

É representado quer pelas feiras livres, onde são vendidos produ­

tos de alimentação e caseiros, quer pelos camelôs e vendedores

ambulantes.

A presença de uma população pobre, no centro, provocou

a constituição de um comércio de produtos alimentares não so­

mente nos magazines, mas também nas feiras. Na praça DÇJis âe

Julho, rua Visconde de São Lourenço e proximidades da praça

São Miguel, sobre um terreno desocupado, funcionam feiras. As

duas primeiras, nas extremidades do centro comercial, são menos

representativas das necessidades desse centro; servem sobretudo

a outros bairros, enquanto a terceira abastece prin~ipalmente

a população do centro, onde ocupa o coração mesmo. Antes

estava situada na praça José de Alencar, de onde foi deslocada

pelo aumento do tráfego.

Page 82: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Podem ser ainda citados outros mercados, em tomo do centro

e perto do porto. A feira de Água de Meninos é a mais importante

da cidade; espécie de feira grossista, é um verdadeiro entreposto

em relação às demais feiras urbanas. A da "Rampa do Mercado"

exerce funções comparáveis, se bem que em escala reduzida. Essa

função grossista explica-se pela proximidade do porto, onde en­

costam os saveiros carregados de produtos do Recôncavo.

Além das feiras "sedentárias", há um verdadeiro comércio am­

bulante. É comum encontrar, ao ar livre, sobre os passeios, uma va­

riedade de mercadorias, anunciadas aos gritos pelos camelôs. A praça

Cairu é uma espécie de quartel-general desse gênero de atividade.

Junot Silveira (1955: 9) assim descreve essa paisagem: "ao

redor da estátua, funciona o comércio de bugigangas: came/ots

com seus maravilhosos medicamentos, vendedores ambulantes de

camisas de homem, brincos baratos para senhoras, gravatas de quarta classe, meias, mil e uma quinquilharias; fotógrafos, com

enormes aparelhos antigos e desajeitados, que revelam fotos em

dez minutos; cegos que mendigam com seus violões, acordeons

e tamborins, homens e crianças que vendem coleções de poesias

populares". Esse quadro tão bizarro reproduz-se no Terreiro de

Jesus (praça 15 de Novembro), e, se retirarmos o fotógrafo e o

cego cantador, é o mesmo na rua Chile, a principal artéria da

cidade. Os comerciantes fazem uma verdadeira guerra aos ven­

dedores ambulantes, sob pretexto de que engarrafam o trânsito.

Na realidade, porém, é a concorrência dos preços baratos que os

preocupa.

Um outro aspecto do comércio de rua é o constituído pela

"bolsa de automóveis", que se instalou exatamente na rua dos

bancos, rua Miguel Calmon, bem em frente ao Banco do Brasil

e ao da Bahia. Automóveis ali ficam estacionados com seus

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vendedores, que, na rua mesmo, discutem com os prováveis

compradores. É um dos mais interessantes negócios da cidade.

A FUNÇAO BANCARIA

A estrutura econômica regional e a estrutura da organiza­

ção bancária brasileira dão grande relevo ao banco em relação

às outras funções urbanas, mas, por outro lado, trazem-lhe a

impossibilidade de exercer perfeitamente sua função criadora.

Se, de um lado, os bancos têm interesse no financiamento das

atividades comerciais, incluindo a agricultura comercial e ativi­

dades puramente espei:ulativas, como a especulação imobiliária,

resta-lhe uma pequena margem para o funcionamento da indús­

tria e da pequena agricultura. Excetuando o Banco do Brasil, que

é o banco oficial, todos os demais emprestam dinheiro a curto

prazo e juros elevados, sempre com a garantia individual de um

terceiro, pessoa física ou jurídica. Esse mecanismo contribui,

sem dúvida, para reforçar algumas fortunas particulares, mas

não pode colaborar para o aumento da riqueza coletiva. Tal

mecanismo leva também à persistência da estrutura econômica

já estabelecida, cheia de consequências para a vida regional e

urbana. Nesse sentido, o banco pode ser considerado como uma

verdadeira atividade "conservadora", destinada quase exclusi­

vamente ao puro e simples comércio do dinheiro. Isso explica

seu enorme poder.

Em Salvador, a análise da atividade bancária leva a distin­

guir, com exceção do banco oficial, três outros tipos de bancos:

1) os bancos estrangeiros; 2) os bancos nacionais; 3) os bancos

g:: regionais ou locais.

Page 84: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Os bancos estrangeiros são especializados, sobretudo, nO

comércio de exportação e importação e na transferência dos

depósitos de seus clientes.

Os bancos da rede nacional são organizados no próprio Esta­

do, com ramificações em outros, havendo organizações principal­

mente de São Paulo e Minas Gerais. Tais organizações financiam o

comércio de exportação e importação, a agricultura comercial e a

especulação imobiliária, be'm como a indústria, embora em menor

escala. Tendo em vista a estrutura econômica regional, e na falta de

informações mais seguras, pode-se dizer que essa atividade bancá­

ria, como a precedente, leva os capitais para fora do Estado.

Os bancos regionais ou locais, possuindo capitais menores,

interessam-se sobretudo pelo comércio, agricultura comercial e

especulação imobiliária, que asseguram uma movimentação de

fundos mais rápida. Nessa categoria podemos incluir as "casas bancárias" (bancos com um capital inferior a um milhão de cru­

zeiros) e os setores bancários das grandes firmas exportadoras.

Isso explica por que os bancos, ligados estreitamente ao comércio

e, consequentemente, 'ao porto, tenham preferido a Cidade Baixa

para a sua instalação. Ali os negócios financeiros criam quarteirões

fortemente especializados, nas ruas Miguel Calmon, Portugal e

avenida Estados Unidos. Excluem-se desta concentração o Banco

Nacional do Crédito Cooperativo e o Banco do Nordeste, orga­

nizações governamentais, sediadas um pouco distante.

É na Cidade Baixa que se acham as principais sedes bancá­

rias, enquanto na rua Chile, São Pedro, Calçada e Baixa dos Sapa­

teiros há escritórios secundários, as "agências metropolitanas".

Somente três estabelecimentos bancários têm sede na Cidade

Alta. Dentre' eles, um é particular e de capital reduzido. Um ou­

tro é a Caixa,Econômica Federal, cujas operações (empréstimos

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imobiliários, penhores de jóias etc.) orientam a sua localização

para perto da maior parte da população. Paradoxalmente, essa

instituição é a única que mantém um guichê secundário na Cidade

Baixa. Pelas mesmas razões, o Banco Hipotecário Lar Brasileiro

tem sede na Cidade Alta.

O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na

Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas,

sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas.

Novas foram abertas em São Pedro,. Baixa dos Sapateiros e

, Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e

do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile

como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de

chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para acolher um guichê baI)cário, bem como o fato, já mencionado,

da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo porum

guichê secundário do Banco do Estado.

A FUNÇAo INDUSTRIAL E ARTESANAL

Em 1955, para 514 estabelecimentos considerados indus­

triais e fábricas em Salvador, 192 se localizavam nos quarteirões

centrais. Se, todavia, estatisticamente são considerados indus­

triais, torna-se preciso assinalar que, para a maioria, a fabricação

é sobretudo artesanal. As classes de indústrias e o número médio

de empregados são dois elementos bem significativos do fato.

Um total de 3.960 pessoas encontravam-se ocupadas nessas em­

presas, o que dá uma média de 20, aproximadamente, para cada

estabelecimento. Na realidade, somente 159 estabelecimentos

. g, contavam mais de 5 operários (414 para a cidade inteira), sendo

Page 86: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

CARTOGRAMA DA DISTRIBUICÃO

DOS GUICHÊS BANCÁRIOS

e ... -AGÊNCIAS. PRINCIPAIS

Cf···· SEGUNOÁRIAS

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Foto 5. Um detalhe da feira de Água de Meninos, vendo-se saveiros do Recôncavo a desembarcarem mercadorias.

que a maior parte dos estabelecimentos empregavam entre 5 e

25 pessoas. Todavia, algumas têm, excepcionalmente, efetivo

superior a 100 operários. São três: dois moinhos e uma marce­

naria-escola, o Liceu de Artes e Ofícios. A grande maioria, tendo

menos de 25 operários, são principalmente artesanatos, ligados

à vida íntima da cidade. As necessidades diárias e imediatas da

população urbana aí são satisfeitas, muitas vezes sem interme­

diário comercial. São exatamente pequenas fábricas, dispondo

de um setor comercial.

Tendo acima de 25 empregados, porém menos de 100, encon­

tram-se estabelecimentos cuja atividade os leva a permanecer bem

próximos dos quarteirões comerciais ou do mercado. Isso explica

por que há uma verdadeira concentração desses estabelecimentos

nos quarteirões centrais. Todos os jornais ali estão, bem como

32 das 33 tipografias e editoras, 30 das 41 casas de confecção de

Page 88: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

vestuário; a totalidade, exceto 3, das fábricas de calçados, as duas

de refrigerantes e % das padarias. Paradoxalmente, aparece uma

serraria, de localização antiga, numa ponta de rua.

Essas indústrias, salvo exceções, são sobretudo complementares

ao comércio, verdadeiro setor industrial de magazines. Orientam-se

segundo as necessidades das casas comerciais, destinando sua pro­

dução a um consumo quase imediato, sem constituir estoque nas

suas pequenas oficinas. Comumente, a razão comercial dos estabe­

lecimentos que fabricam e dos que vendem os produtos é a mesma.

Não é raro que uma loja mantenba, atrás ou num sótão, um pequeno

artesanato cujos produtos aparecem nas suas vitrines ... O melhor

exemplo é o das casas de calçados da rua Dr. Seabra. Essas pequenas

indústrias utilizam produtos semiacabados e os transformam para o

consumo, aO qual fornecem, então, produtos acabados.

Entre as indústrias do centro, duas escapam a essa generaliza­

ção; elas não têm um pequeno número de empregados e sua ativi­

dade não é voltada para a vida íntima da cidade, assim como não

fornecem produtos acabados. Referimo-nos aos Moinhos da Bahia e

ao do Salvador. Sua presença é explicada pela atração universalmen­

te reconhecida às indústrias desse tipo pelas instalações portuárias.

O Liceu de Artes e Ofícios, escola profissional consagrada também

à fabricação de móveis, com 306 empregados, permanece bem no

centro da cidade onde sempre esteve instalado.

A Cidade do Salvador não é uma cidade industrial, como já

foi assinalado. Esse fato, ligado à presença de um quadro antigo,

à disposição de funções incapazes de criar um quadro próprio,

leva à localização, nos quarteirões centrais da cidade, de certas

indústrias e artesanatos, relativamente numerosos em relação

ao conjunto da cidade.

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Page 89: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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A importância do,centro de Salvador em relação à cidade

provém de dois fatos: a concentração antiga e cada vez mais

acentuada dos recursos financeiros, técnicos e sociais da região

na capital do Estado e a acumulação das funções urbanas nos dis­

tritos centrais da cidade. Com efeito, e por isso mesmo, o centro

é indiscutivelmente representativo da vida urbana e regional.

O estudo das funções que ele abriga'revela, antes de tudo, a

função metropolitana de Salvador, como ca beça de uma região

cuja atividade econômica é, sobretudo, a produção de matérias­

primas, exportadas, na sua quase totalidade, em estado bruto

ou a pós uma transformação primária. A predominância desta

agricultura comercial na'vida econõmica regional explica'a im­

portância dos bancos e das casas de importação e exportação.

Esta característica refletiu-se, ainda, sobre as outras funções: o

comércio varejista, relativamente fraco, e a quase inexistência

de indústrias. A função administrativa, concentrada na capital

do Estado, favorece a concentração das outras funções, que ela

alimenta e estimula de modo mais ou menos representativo.

Em resumo, podemos afirmar que as atuais funções de Salvador

são funções antigas transformadas em virtude da sua importância

cada vez maior (estas são as funções administrativa, portuária,

comercial, religiosa) ou funções mais recentes, mas que resultam di­

retamente e dependem das antigas: as funções bancária e industrial,

estreitamente ligadas à função comercial, o que explica, no caso da

indústria, a importância que a mesma tem nos distritos centrais.

Constata-se, igualmente, como a função portuária sobre­

levou desde o início da vida urbana às outras funções. Essa

função, ligada à história do crescimento urbano, é responsável

pela permanência da localização das outras funções, de modo que

estudar as funções urbanas de Salvador é quase a mesma coisa

Page 90: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

que estudar as funções do centro da cidade. Essa característica

deve ser fixada quando se abordam seus distritos centrais. A

análise das antigas formas de vida urbana e das funções atuais,

como delineamos no capítulo anterior e neste, é realmente indis­

pensável, quer à compreensão da paisagem, quer à da estrutura

dos quarteirões do centro, objeto dos capítulos seguintes.

A paisagem atual e seu conteúdo humano, social e econômi­

ca exprimem, ao mesmo tempo, a evolução e o estado atual das

funções urbanas. As funções antigas, presentes ou desaparecidas,

marcam a paisagem atual pela presença de monumentos e velhas

casas. Estas se degradam e, perdendo sua função de residência

rica, abrigam hoje urna população pobre.

As novas funções ou a renovação das antigas funções trans­

formam o quadro antigo ou criam um quadro especial, sobre o

qual tentaremos fazer o estudo nos capítulos seguintes.

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Page 91: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Foro 6. Esta fotografia mostra hem nítida a ec;carpa da falha qm c;epara os dois níveis da Cidade.

Foto 7, Este clichê é um detalhe da Cidade Baixa, onde se pode observar ainda melhor a justaposição dos vários aspectos de sua paisagem.

Page 94: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Foto 8. Sobre os aterros do porto surgem prédios modernos e belos.

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Foto 9. Outro aspecto da Cidade Baixa, vendo-se no fundo o Elevador Lacerda. As velhas casas vão. pouco a pouco, cedendo lugar aos arranha-céus, na parte construída antes dos mais recentes aterros.

Foto 10. O fenômeno apontado na fotografia anterior, nesta se nota em detalhe.

Page 96: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

3

A PAISAGEM URBANA E A

VIDA DO CENTRO DA CIDADE

Dois fatos são bem característicos da paisagem central

da Cidade do Salvador. Ela é sobretudo marcada pelo

" sítio que ocupa: uma Cidade Baixa, sobre a planície

estreita, quase toda inteiramente construída pelo homem durante

os quatro séculos da evolução urbana; uma Cidade Alta, assen­

tada sobre colinas e vales; e, separando esses dois elementos,

a escarpa de falha. Tais denominações (Cidade Alta e Cidade

Baixa) apareceram quando a cidade tinha os limites que, hoje,

coincidem com os dos bairros centrais. Não têm mais sentido

para a cidade toda, desde que a mesma se estendeu sobre ~m

conjunto de sítios diferentes. Todavia, essa designação conser­

va todo o interesse em relação à parte central. É por isso que a

repetiremos constantemente.

Outro aspecto de Salvador que imediatamente atrai a atenção

é o verdadeiro antagonismo, num perímetro relativamente reduzi­

do, entre as diferentes concepções de urbanismo e arquitetura.

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Devido a esses dois fatos, Salvador oferece àqueles que a ela

chegam por via marítima o espetáculo de um presépio, suas casas

parecendo empilhadas umas sobre as outras, bem corno a viva e

chocante impressão de contra.ste a quem percorre as ruas do cen­

tro: largas avenidas retilíneas, sobre as superfícies planas conquis­

tadas ao mar, ladeada de altos e luxuosos imóveis de construção

recente, na Cidade Baixa, ruas estreitas e sinuosas da Cidade Velha,

enladeiradas, com velhos casarões degradados; várias gerações de

construções na rua Chile, avenida Sete de Setembro, Baixa dos

Sapateiros, das quais as mais recentes sucederam, simplesmente,

às mais antigas, desadaptadas funcional ou especulativamente. As

casas mais altas parecem apostar um recorde de altura com as ricas

igrejas, os velhos templos. É essa vizinhança quase surpreendente,

toda essa desordem aparente que dá beleza e colorido próprio a

essa parte da cidade. Ao lado do asfalto moderno, as velhas ruas

pavimentadas de pedras irregulares, coração-de-negro, nos levam

ao passado sem sair do presente. Esse aspecto da cidade inspirou o

romancista Stefan Zweig, quando diz: "Em Salvador podemos, em

dez minutos, estar em dois, três, quatro séculos diferentes e todos

parecem genuínos", e quando acrescenta: "o ,velho e o novo, o

presente e o passado, o luxuoso e o primitivo, 1600 e 1940, tudo

isso reúne-se para formar um todo, numa das mais tranquilas e

mais agradáveis paisagens do mundo".

Entre os espaços construídos, os espaços vazIOs: ruas,

praças, superfícies não edificadas, jardins de mosteiros e a

escarpa de falha.

Durante o dia, eSse centro, verdadeiro nó de comunicações,

anima -se com a passagem de milhares de veículos de todos os

tipos e idades, angustiosa e incessante circulação que dá, talvez,

urna idéia exagerada do dinamismo próprio da cidade. A circu-

Page 98: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

lação dos baianos, também considerável, aumenta nos últimos

momentos da tarde. Retoma uma certa animação durante a

entrada e saída dos cinemas. Aliás, esse centro jamais fica intei­

ramente deserto, mesmo nas horas mortas. Se as casas novas não

são habitadas, as antigas abrigam uma população pobre.

Esses aspectos completam-se e explicam-se mutuamente. A

variedade dos traçados, as gerações de construções, esses pedaços

do tempo cristalizados na paisagem urbana, significam muito

mais que as preferências urbanísticas ou arquitetõnicas de uma ou

outra época: são o mosaico dos séculos, mas representam também

a sucessão das técnicas, toda a evolução da vida urbana, a soma

do passado e dos modernos modos de ser, cuja incorporação à

vida urbana não se faz sempre segundo o mesmo ritmo.

É a todos esseS aspectos que podemos chamar o centro da Ci­

dade do Salvador - centro histórico, religioso, administrativo, tu­

rístico e de negócios. Tentaremos, agora, explicar esse quadro.

A PAISAGEM

A Elaboração do ºu.adro

o sítio, um sítio difícil, que constitui uma das originalidades

da cidade atual, foi escolhido em função da finalidade primitiva da

aglomeração: administrativa e militar. Era preciso construir Salvador

bem perto do mar para facilitar as comunicações com a metrópole.

Era preciso, também, edificá-la sobre a escarpa, sobre o dorso das

colinas, para defendê-la dos possíveis ataques, seja de estrangeiros,

pelo lado do mar, seja dos índios, vindos do interior. Tomé de Sousa

agiu bem quando escolheu a plataforma no cimo da escarpa, caindo

quase em ângulo reto sobre a baía e oferecendo, por outro lado, a

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Page 100: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

possibilidade de conter as águas no vale, formando wn dique, útil

à defesa da cidade. Como observa Aziz Ab'Sáber (1952: 62), "a

escolha do sítio para a fundação de wna cidade e Capital adminis­

trativa respondia a quase todas as exigências da época e concordava

com as circunstâncias históricas que orientaram a colonização das

terras portuguesas na América Tropical".

Tomé de Sousa trouxera do Reino o plano segundo o qual devia

ser construída a cidadela; era wn plano geométrico, adotado já para

aglomerações, criadas pelas autoridades coloniais (A. de Azevedo,

1952: 200). As irregularidades do sítio, porém, deformaram o qua­

drilátero idealizado na metrópole. Entretanto, mesmo atualmente,

pode-se perceber a intenção dos fundadores no traçado grosseira­

mente em tabuleiro das ruas da parte mais antiga de Salvador. É

uma observação de Teodoro Sampaio (1922: 199), no começo do

século: "Através das vestimentas modernas com as quais se veste

Salvador, sente-se ainda a ordem que o fundador a princípio deu".

Para obedecer às ordens dei Rei, certo de "que, se havia de descobrir

como afeiçoar ao local escolhido a traça da praça forte", o plano foi

um pouco modificado, mas o sítio também recebeu alterações.

Onde hoje se encontram as ruas da Ajuda e a praça Muni­

cipal, houve obras-'de terraplenagem; foi aterrado um fosso, na

rua da Misericórdia, e, ao contrário, outros fossos foram cavados

na altura das ruas 28 de Setembro e da Praça, aproveitando as

depressões naturais.

Teodoro Sampaio (1922: 28) assim reconstituiu a cidade

depois da sua fundação:

A nova cidade surgiu como de improviso, nos moldes de um acampamento, com

três ruas longitudinais mais largas e duas transversais mais estreitas, aÍém de duas

praças. O palácio do governador, a igreja de N. S. da Ajuda, a Casa da Câmara, os

serviços públicos, tudo é construído da mesma maneira e coberto de palha, o único

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recurso existente até que o pedreiro melhorasse sua arte e pudesse obter melhores coberturas. As casas eram baixas, OS muros altos como à moda dos índios. Eram tão somente abrigos, sem confono algum ... enfim, no conjunto, a cidade apresentava o triste aspecto das cidades portuguesas, sem estética e sem outra nota alegre além do seu largo horizon~e sobre o mar e a vigorosa vegetação circundante.

A cidadela foi, em seguida, cercada de muros de argamassa

e tinha somente duas portas: a porta do Carmo e a porta de

São Bento. Já por volta de 1551, alguns habitantes começaram

a cultivar jardins fora dos muros, mas ninguém tinha coragem

de se estabelecer, com medo de assaltos pelos índios (Th. de

Azevedo, 1949: 114).

No exterior dos muros é que foram construídos os conventos,

aproveitando-se das vastas concessões que o governo lhes havia

feito. No fim do século XVI, a cidade situava-se somente nas cotas

de 55 a 60. Ao norte já se encontrava o convento dos Carmelitas; ao

sul, o dos Beneditinos; a leste, o dos Franciscanos. Por essa ocasião

eles cercavam a cidade, pois a oeste está o escarpamento e a baía.

A necessidade de comunicação com a metrópole para o abaste­

cimento, os inícios de Salvador como porto do Recôncavo levaram

à construção de ancoradouros muito elementares ao pé da escarpa,

sobre a praia que constituía então toda a Cidade Baixa. Surgem,

assim, próximo à igreja da Conceição da Praia, o "porto dos pesca­

dores" e outros. Em 1596, o juiz Baltazar Ferraz comprou terrenos

junto a essa igreja, para ·construir um cais e um entreposto de açúcar.

Morava perto da Praia (assim se chamava, então, a Cidade Baixa)

e fez aterrar do lado do mar, na direção do Porto dos Pescadores,

mandando também quebrar as pedras que traziam prejuízo ao

movimento dos ~avios (Almeida Prado, 1950: 175).

Até o fim do século XVI; o bairro aristocrático se achava

ao derredor da praça central. Mas, em meados do século XVII,

em torno desse centro alinhava-se já um verdadeiro cinturão de

Page 102: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

boas casas de campo, pertencentes a pessoas abastadas, enquanto

os pobres e os comerciantes moravam na Praia. Os negociantes

não tinham posição social importante.

Essa segregação social completava-se com o bairro dos

pescadores, no Salgado, próximo à igreja de N. S. da Conceição

e na base das ladeiras, pelo bairro dos ourives, dos alfaiates e

outros artesãos. Nos vales fizeram-se hortas.

Em meados do século XVII, a cidade crescia, em função do

progresso do Recôncavo. Nesse momento, o centro era apenas a

sede da administração civil e eclesiástica, o bairro comercial en­

contrando-se embaixo (Th de Azevedo, 1949: 188). Dá-se então,

a primeira migração. Os soldados ocupavam a metade das casas

da rua da Ajuda, e também as prostitutas, das quais um cronista

da época dizia que era preciso "desembaraçar a cidade dessa praga

tão contagiosa ... " (Th. de Azevedo, 1949: 188). As pessoas de posse

mandavam construir em São Bento, Vitória, Desterro, Saúde, e San­

to Antônio Além-do-Carmo,sempre sobre plataformas e colinas.

Na parte baixa da cidade havia já uma aglomeração com

aproximadamente dois quilômetros de extensão, que formava

uma única rua, onde se encontravam todas as lojas da cidade e

os trapiches do porto.

A falta de terrenos para construir na Cidade Baixa explica a

um tempo a forma linear que tomou essa parte da cidade, acom­

panhando as indentações da base da escarpa e o aparecimento

dos primeiros sobrados, cujo andar térreo era utilizado pelo

comércio, enquanto os superiores eram a moradia dos comercian­

tes. Nesse momento já começava a se esboçar uma especialização

de funções, entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa.

No decorrer do século XVIII, a prosperidade da cultura da

cana-de-açúcar e da exploração do ouro refletiram-se sobre a fisio-

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nomia da cidade; ela foi embelezada pela construção de sobrados,

dos quais uma grande parte resiste aos maus-tratos do tempo.

Podem ser notados no centro, com suas portas em estilo barroco,

esculpidas em pedra e encimadas por brasões de nobreza. Foram

edificadas diversas igrejas; outras, mais antigas, foram restauradas.

Receberam, então, aquela pintura dourada que hoje é uma das origi­

nalidades de Salvador. Eram tão numerosas em 1739, que o vice-rei,

o conde Galveias, manifestou ao rei de Portugal sua inquietude.

Na Cidade Baixa, construíam-se edifícios de quatro e cinco

andares; uma rua tortuosa ia da Preguiça até a Jequitiüa, "tendo

de 8 a 9 mil pés de comprimento", quase no meio da estreita

planície, tendo, entretanto, nesse lugar cerca, de 800 metros de

largura; cinco ruas formavam um dédalo de vilas, pequenas e

sujas, conquanto habitadas por gente rica.

Já então a cidade tinha a fisionomia que até hoje guardaram

as partes antigas do centro, que já estava inteiramente construído,

exceto o vale onde agora se encontra a Baixa dos Sapateiros,

ocupada somente no século seguinte.

Durante o século XIX, o crescimento da cidade e o alarga­

mento de suas funções refletem-se principalmente na Cidade Baixa.

Fazem-se novos cais sobre aterros, para melhoria do porto. Esses

aterros estendem a Cidade Baixa até o lado par da rua Miguel

Calmon. O outro lado é ocupado pelos cais. Sobre esses aterros são

construídos grandes imóveis de utilização comercial, sobretudo.

No fim do século, a introdução dos primeiros bondes a

burro permite uma maior extensão do perímetro construído, e

provoca a migração da parte mais abastada da população, que

abandona o centro, seja na sua parte alta como na parte baixa.

Esta concentrava todo o comércio "bem sortido e de gosto ~

~ moderno", "localizado perto do cais" e "cujas lojas se fecham

Page 104: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

durante a noite, tornando-a quase deserta", conforme está dito

em uma descrição de 1880.

N a Cidade Alta achava-se o centro administrativo e religioso.

Novas casas são construídas, porém sem qualquer ordem. Uma

carta real de Dom João V, no dia 2 de abril de 1739, objetivou

resolver a questão. Mas não o conseguiu. No começo do século

XIX, pessoas que moravam na praça da Piedade "queixavam-se

de que um proprietário queria roubar 12 palmos à rua, para au,

mentar sua casa [ ... ] sem mesmo se preocupar com a dificuldade

que isso acarretaria para o trânsito das seges e outros veículos"

(Fonseca, 1955). Assim foi crescendo a Cidade Alta, mais ou me­

nos assimétrica, acrescentando-se ao núcleo inicial o verdadeiro

dédalo de ruas, ruelas e becos que hoje a caracterizam.

O século XX é o das grandes transformaçõe~ do centro. A

introdução dos transportes mecânicos (o automóvel em 1901, o bonde elétrico em 1904) exige a adaptação da velha estrutura

Foto 11. Rua Miguel Calmon. No 10 plano, edifícios que se encontram entre os pri­meiros a serem construídos sobre os recentes aterros do porto. Os prédios no fundo da fotografia são mais recentes.

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Foto 12. Na rua Conselheiro Dantas, prédios que vêm do século passado e arranha-céus que os viio substituindo.

Foto 13. A dissimetria da rua Con­selheiro Dantas. A d,ireita, prédios

'bem modernos, e à esquerda, edifí­cios de meia-idade.

Page 106: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

urbana às novas necessidades. É indispensável alargar e retificar

as ruas estreitas, traçadas para servir a uma época diferente.

Nos anos de 1910, alargaram-se as ruas da Misericórdia;

Chile, Ajuda e a avenida Sete, na Cidade Alta. Nos anos de 1920

foi na Cidade Baixa que se fizeram retificações e alargamentos:

nas ruas Portugal e Conselheiro Dantas, que se prolongam uma na

outra, há uma certa dissimetria, isto é, o tipo e a idade das cons­

truções não são os mesmos em cada lado da rua. Éo lado ímpar

que apresenta hoje um maior número de construções modernas;

há quase 20 anos, passava-se o contrário. As obras de retificação

fizeram-se somente no lado direito, onde, em consequência, novos

prédios se levantaram. Do outro lado, as casas se tornaram velhas

e preferiu-se substituí-las por construções inteiramente novas, sen­

do esta solução a menos onerosa, por motivos óbvios. Aliás, essa

dissimetria vem de mais longe. Em meados do século XIX, quando

se ampliaram os quebra-mares para alargar o porto, construíram­

se edifícios que davam sobre o único lado da rua Miguel Calmon

e sobre as ruas Portugal e Conselheiro Dantas, lado ímpar. Por

isso é que os urbanistas devem ter preferido o lado par, quando

quiseram urbanizar a rua, no começo desse século.

De modo geral, essas retificações e alargamentos tiveram como

resultado um tráfego mais intenso e a construção de novas casas.

Entretanto, as ruas paralelas e transversais guardaram seu antigo

aspecto. A construção do novo porto corresponde ao aumento do

tráfego, em relação com os progressos da cultura cacaueira. Sobre

os terrenos "fabricados" com os aterros, alguns novos imóveis co­

meçaram a ser construídos a partir de 1928, por exemplo, na rua

Miguel Calmon: os do Banco Econômico da Bahia, do Banco do

Brasil, da Companhia de Seguros Aliança da Bahia, e o do Instituto

de Fomento Econômico da Bahia, na praça da Inglaterra.

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Page 107: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

OS PRÉDIOS DA CIDADE-BAIXA

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REC.ENTE!;.

REceNTES E MEIA. - IDA.DE

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Mas é no período cujo início fixaremos em 1940 que o

grande crescimento da cidade, influindo naturalmente sobre

o centro, vai conduzir a uma transformação mais sensível na

paisagem_ Na Cidade Baixa, os enormes vazios começam a ser

preenchidos por uma nova geração de casas com vários andares,

arranha-céus cujo estilo é sensivelmente diferente do que carac­

terizara o período precedente; e largas avenidas são abertas. As

casas mais antigas das ruas Portugal e Conselheiro Dantas são

jogadas abaixo. Reconstrói-se por toda a parte ..

Em 1940, na Cidade Baixa, havia poucos prédios com cinco

andares, que eram, na maior parte, edifícios coloniais, colados ou

quase à escarpa. Na rua Conselheiro Dantas, que então era a rua

principal, havia dez casas com cinco andares, seis com quatro e três

com três andares. Exceto essa rua, apenas a avenida Estados Unidos

tinha duas casas com cinco andares e wna com quatro: ela contava

com apenas três imóveis no totaL Imóveis com quatro andares,

havia três na rua Portugal, wn na praça da Inglaterra, wn na rua

da Alemanha, wn na rua da Argentina. Hoje, os imóveis com mais

de oito andares são cerca de cinqüenta, nessa parte da cidade.

Page 108: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Na Cidade Alta também se procedeu substituição semelhante

ao longo das vias de circulação. Não atingiu apenas os prédios

mais antigos, mas também os que foram construídos durante o'

período imediatamente precedente. A rua Chile e a avenida Sete

de Setembro transformaram-se. Para desembaraçar a circulação,

abriu-se no centro a grande praça da Sé, sacrificando alguns mo­

numentos, e alargou-se também a rua Carlos Gomes.

Em toda a Cidade Alta, ante~ de 1940, havia apenas um imóvel

com oito andares: era um hotel, na rua Chile. Nessa rua havia ainda

um imóvel com cinco andares (outro hotel), três com quatro andares

e oito com três andares. Na rua Ruy Barbosa, havia sete imóveis

com três andares e os outros eram mais baixos. Na rua da Ajuda,

atual rua Padre Vieira, havia um imóvel com quatro andares e sete

com três. Em 1957, a siruação é diferente. Na rua Chile, há dois

imóveis com dez andares, wn com nove, um com oito, três com sete,

um com cinco, dois com quatro, nove com três, e quatro com dois.

Termina-se a transformação da rua Ruy Barbosa; aparecem vários

prédios com oito e nove andares: eram sete já em 1957. Um dos

lados da rua da Ajuda se beneficia da modernização da rua Chile,

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Page 109: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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pois os estabelecimentos têm geralmente duas fachadas, uma sobre

cada rua (algumas vezes três, se há uma rua transversal, como no

caso do Edifício Sul-América). Do outro lado da rua, os imóveis

com mais de sete andares são em número de cinco, cifra considerável

em relação à extensão da rua, que é pequena.

O nódulo do centro alto começou a perder seu aspecto

linear, pois o comércio e os serviços públicos desbordaram

sobre as ruas da Ajuda, Padre Vieira e Ruy Barbosa, ladeadas,

agora, por edifícios Com vários andares. Na rua Carlos Gomes,

paralela à avenida Sete de Setembro, altos edifícios surgiram .

. Mais recentemente, a praça da Sé também está conhecendo os

inícios de sua transformação, pois grandes e belos arranha-céus

constróem-se aí.

O aumento do tráfego entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,

bem como a introdução do automóvel, impuseram a abertura de

novas ruas (como a rua Visconde de Mauá) ou o melhoramento

e a diminuição de declive de outras existentes.

Os Espaços Construídos

Em resumo, se levarmos em conta apenas a trama das ruas,

encontraremos no centro da cidade dois conjuntos tendo um

plano regular, que são rodeados por construções dispostas irre­

gularmente, formando dois outros conjuntos. Os dois primeiros

resultam, ambos, de uma vontade predeterminada. Mas, ao lado

desse caráter comum, oferecem contrastes, devidos ao sítio e à

idade das construções: um fica na Cidade Alta - forma quase

toda a cidade velha, com suas casas deterioradas, um plano

em xadrez, acomodando-se sobre um sítio ingrato; as ruas são

:r estreitas e sinuosas, enladeiradas, mal pavimentadas. O outro

Page 110: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

acha-se na Cidade Baixa, agrupando, sobre a planície artificial,

construções recentes, belas e bem cuidadas, avenidas largas,

retilíneas, bem pavimentadas.

Ao lado dessas duas áreas com um plano regular, as duas

outras, irregularmente dispostas, diferem entre si seja pela for­

ma, sej a pela idade das construções. Assim, ao derredor dos

dois nódulos em xadrez, na Cidade Alta como na Cidade Baixa,

esboça-se um dédalo de ruas, cuja única homogeneidade deri­

va do fato de que são todas as duas formadas de velhas casas,

acomodando-se mais mal do que bem às condições do sítio.

Mas, sobre a estrutura primária, veio montar uma estrutura se­

cundária; esta mesma está em via de transformação. Sua forma

não é compacta, não constituindo verdadeiramente uma zona,

mas verdadeiras faixas ao longo dos antigos caminhos, que se

beneficiaram bem recentemente dos modernos meios de circu­

lação, mais exatamente dos bondes: rua Chile, avenida Sete de

Setembro, Baixa dos Sapateiros, as primeiras sobre as dorsais

e a última em um vale. São ruas comerciais, onde se avizinham

casas de épocas e estilos diferentes.

Não é difícil reconhecer, por sua idade e fisionomia, a

existência de diversos tipos de construção, nessa parte central

de Salvador:

1. Casas velhas e degradadas, mal conservadas, construídas

em um estilo colonial português, tendo de três a cinco andares:

são os sobrados. Na Cidade Baixa tiveram originariamente uma

função mista: o comércio e a residência. O comércio fazia-se no

térreo, e a . residência ocupava os andares superiores. Mas, na

Cidade Alta, tinha uma função exclusivamente residencial, com­

portando geralmente um andar térreo sobreelevado, ocupado com

salões, os andares ocupados com quartos, morada dos senhores, e

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um ou vários subsolos, onde viviam os escravos e domésticos. A

topografia facilitava a construção desses subsolos, que não tinham

fachada sobre a rua.

2. Casas mais recentes, ditas de "meia-idade", tendo entre

quatro e seis andares, que representam uma primeira adaptação

às novas necessidades e funções urbanas, nas primeiras décadas

do século XX; são construções administrativas ou exclusiva­

mente comerciais, lojas nos andares térreos e quartos em cima,

utilizáveis por serviços e hotéis.

3. Arranha-céus, tendo, geralmente, seis andar'es ou mais,

em cimento-armado, e de utilização exclusivamente comercial

ou administrativa, como os precedentes. Diferem das casas de

meia-idade não apenas por motivo de sua idade, mas também por

causa dos materiais empregados e da arquitetura.

4. Construções baixas, servindo de armazéns e depósitos,

·pertinho do porto.

5. As igrejas e os monumentos que, em maioria, datam dos

séculos XVII e XVIII.

6. As igrejas e os monumentos que foram construídos para

substituir os que desapareceram quando da abertura dos cortes

necessários à circulação (igrejas da Ajuda e de São Pedro).

Os Espaços Vazios

Mas, entre os espaços construídos, há também importan­

tes espaços vazios. Além das ruas e praças, de cuja evolução já

falamos, ainda temos:

a. os terrenos resultantes de demolições.

b. a escarpa de falha.

c. as roças dos conventos.

Page 112: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

a. Os espaços vazios que resultam das demolições surgi­

ram seja da necessidade de alargar as ruas, seja por evolução

natural. O lado ímpar da rua Visconde do Rio Branco ilustra o

primeiro caso, um grande pedaço da Preguiça, o segundo. Am­

bos têm como caráter comum o estarem como que reservados

para a construção, mais tarde, com fins comerciais, em virtude

de se encontrarem no coração mesmo do centro. No caso da

rua Visconde do Rio Branco (ladeira da Praça), as razões que

encontramos para esse estado de coisas são as seguintes:

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1. Relativa incapacidade das atividades do centro da Cida­

de Alta para criarem um quadro próprio e, em consequência, o

aproveitamento do quadro anteriormente existente.

2. As atividades capazes da criação de um quadro próprio

preferem fazê-lo aproveitando a localidade comercial tradicional;

por isso constroem sobre a rua Chile e avenida Sete de Setembro.

Entretanto, agora se começa a construir na ladeira da Praça, mas é

um aspecto recente da evolução do fenômeno, ligado sem dúvida

à mudança dos pontos de início dos transportes coletivos.

No segundo caso, isto é, o caso da Preguiça, as causas são

as seguintes:

1; Distância relativa até o centro bancário: o centro bancário

agrupa as atividades do centro de negócios da Cidade Baixa.

2. A presença, bem perto desse centro bancário, de terrenos

nus, cujo preço de custo é quase igual ao dos terrenos da Preguiça.

Esse fato diminui as possibilidades de construção.

b. O escarpamento de falha é hoje quase reduzido ao papel

de passagem entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Ê atravessado

por ladeiras, íngremes ou atenuadas, e por ascensores: por um

decreto municipal (n. 701 de 4 de março de 1948) é expressa­

mente proibido construir sobre a escarpa, visando à proteção da

paisagem. Mas antigamente encontrava-se aí um considerável

número de construções, de que restaram algumas. São sobretudo

casas com duas fachadas, dando uma sobre um dos flancos do

declive. jorge Amado (1956: 39) chamou-as de "casas-escada"

ou "arranha~éu ao vice-versa", "como se 'fossem grandes e

bizarras escadarias".

Page 114: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

c. Os terrenos que pertencem às ordens religiosas consti­

tuem enormes propriedades, grandes roças, no coração mesmo

da cidade. É, certamente, um fenômeno comum a várias cidades,

como Roma, por exemplo.

Em Salvador, conforme já vimos, os conventos estavam, de

início, fora das portas da cidade. Depois, as casas se apresentam

em derredor dos mosteiros, mas respeitam sempre os limites das

propriedades eclesiásticas, onde, aliás, fizeram-se construçõ'es

certamente para atender a necessidades financeiras das ordens.

Aquele fenômeno atenuou-se, sem dúvida, em Salvador, pois

as ordens, nem sempre ricas, foram obrigadas a construir e a

ceder lotes mediante um aluguel mensal ou anua!. Ainda hoje

é freqüente verificar sobre a portada das casas a existência de

brasões que atestam a propriedade dos conventos.

Em 1956, o convento de São Bento possuía 32 casas em suas

proximidades, o do Desterro 29; o de São Francisco 25 e o do Carmo

11. Isso sem contar com as centenas de casas que são construídas

sobre terrenos de sua propriedade e que, embora pertencentes a par­

ticulares, são obrigadas a pagar aos mosteiros urna renda anual.

Todavia, os terrenos que as ordens reservaram para seu próprio

uso são enormes. Comportam as construções conventuais, a Igreja

(às vezes duas, como no caso de São Francisco e do Carmo) e grandes

roças, com bananeiras e outras árvores frutíferas. Bem no coração da

cidade, ou bem pertO, encontramos as roças da Catedral, e dos conven­

tos de São Francisco, Carmo, São Bento, Desterro, Lapa e Mercês.

O convento de São Bento possui 2.564m'para seu uso pró­

prio, 13.033 m' alugados e 10.469m' não construídos. O convento

do Desterro, fundado em 1678, tem 15.107m' não construídos

e as construções ocupam 6.378 m'. O convento das Mercês tem

Page 115: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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21.283m2 de. área não construída e 2.937m2 ocupados com edi·

fícios. O convento da Lapa tem 14.403 m2 não construídos e o

mosteiro ocupa 3.430m2 • Não nos foi possível obter dados nos

conventos da Piedade, do Carmo e de São Francisco. Mas, podemos

admitir que o conjunto das propriedades religiosas não construídas

no centro da Cidade atinja 100.000m2 e perto do dobro se levarmos

em consideração os edifícios conventuais e as casas de aluguel. .

São números a reter e a guardar, sobretudo, em relação à superfície dos próprios distritos centrais: Conceição da Praia-

277.209m2; Sé-308.226m2; Passo-189.296m2•

As Consequências da Escolha do Sítio: Um Centro Excêntrico

Quando a cidade se limitava à área que hoje é ocupada pelos

distritos centrais, nos arredores não havia senão casas esparsas.

Gabriel Soares de Souza escrevia, em 1587 ([s.d.]: 262), que "a terra

que esta cidade possui e que tem de 6 a 12 quilômetros de volta,

é quase toda ocupada com pomares, onde são cultivados frutas e

legumes". Depois, a aglomeração tendo crescido, aparecem arra­

baldes, ligados à cidadezinha por caminhos primitivos. Em 1635

fala-se de povoações prósperas (Th. de Azevedo, 1949: 133).

A cidade primitiva começa a desempenhar um papel de centro

local, que aumentará após o aparecimento de outros nódulos exterio­

res. O papel de centro regional, aumentado pela conquista agricola do

Recôncavo, provoca 9 seu crescimento. A cidade se espalha sobre as

cumeadas, desprezando OS vales, em consequência das contingências

do sítio e da história urbana (o primeiro vale ocupado foi a Baixa

dos Sapateiros, quase em meados do século XIX). A cidade cresce

~ paralelamente à baía. A atração do porto provoca a permanência de ~

Page 116: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Os pontos iniciais dos transportes coletivos e o seu percurso na parte 'central da cidade-,

Page 117: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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localização do centro de atividades onde ele tinha sido inicialmente

instalado e os antigos carllinhos ~ais transformam-se em ruas,

ligando os arrabaldes aos bairros do centro da cidade.

Esses novOs bairros, mesmo no começo deste século, são linea­

res, seguindo as dorsais. Tal forma de expansão impediu a ctiação de

nódulos comerciais em todos os bairros e a organização entre eles.

Esse conjunto de fatores favoreceu o centro único com uma concen­

tração de atividades e dos transportes, cujas vias se superpõem aos

antigos carllinhos rurais. Cada vez mais, o centro tem uma posição

menos central em relação ao resto da cidade. Hoje, ele é perfeitamen­

te excêntrico, mas assim mesmo constitui uma encruzilhada, uma

encruzilhada.em dois andares, de toda·a circulação urbana.

A VIDA

A Circulação e Seus Problemas

Há quatro grandes sistemas de transportes coletivos em

Salvador: na Cidade Baixa, o primeiro deles serve à península

de Itapagipe e aos novos bairros que acompanham a rodovia

Bahia-Feira de Santana-Rio de Janeiro. Os veículos partem da

praça Cairu, na saída inferior do Elevador Lacerda. Dois outros

sistemas estão na Cidade Alta, servindo às linhas chamadas "de

cima" e "de baixo", os quais correspondem, grosso modo, aos

bairros do Sul e do Norte, respectivamente. Todas essas linhas

terminam muito próximas uma das outras. Os elevadores verti­

cais e em plano inclinado, que formam o quarto sistema, ligam

a Cidade Alta e a Cidade Baixa.

Há dois elevadores verticais, o Lacerda e o Taboão, e dois em

~ plano inclinado, o Gonçalves e o Pilar. Substituem os ascensores "

Page 118: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

e guindastes construídos pelas ordens religiosas para estabelecer

ligação com os portos pertencentes aos conventos e aquele "ele­

vador engenhoso", construído pelos jesuítas e observado pelo

viajante francês Pirard em 1610 (Almeida Prado, 1950: 179).

A denominação de Guindaste dos Piadores, dada à rua em que

fica a sua parte inferior, é bem significativa.

O Elevador Lacerda, que inicialmente funcionara a vapor, foi inaugurado em 1869. Depois de 1928, sofreu uma comple­

ta transformação; agora é de cimento armado e movido por

eletricidade. São necessários apenas quinze segundos para uma

viagem. Sua bela torre faz parte da paisagem urbana e constitui

uma espécie de cartão-postal obrigatório da cidade.

Em 1957 esse sistema foi utilizado por 37,7 milhões de

passageiros; 105 mil passageiros diários, mais ou menos, dos

quais a metade utilizou o Elevador Lacerda. Sobre cada grupo de

quatro pessoas que tomaram o ônibus ou o bonde, uma tomou o elevador. Tais números dão uma' ideia aproximada do grande

movimento de população entre os dois níveis da cidade, ideia

que pode ser completada levando-se em conta o enorme tráfego

de automóveis que se faz pelas ladeiras que ligam o coração do

centro alto com a Cidade Baixa.

Esse conjunto de fatos provoca a concentração da circula­

ção, o estrangulamento do trânsito no centro da cidade.

O crescimento da cidade, a ampliação de suas funções de re­

lação e íntimas, o alargamento do espaço reservado ao comércio, o

aumento da população tornaram angustiosa a passagem de veículos

pelas ruas comerciais, sobretudo as mais antigas; decidiu-se a aber­

tura ou o alargamento de ruas, o desvio do tráfego, o deslocamento

dos pontos iniciais, a supressão de certas paradàs e medidas outras,

tudo no objetivo de diminuir a confusão do trânsito.

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o fato de as ruas mais antigas se encontrarem exatamente

nos bairros centrais- traz o agravamento do conflito entre as

fórmas antigas da organização urbana e as exigências do tráfego

moderno. É esse tráfego do centro de Salvador que contribui para

dar uma idéia talvez exagerada do dinamismo da cidade. Tais

ruas eram adaptadas à tração animal. A introdução de veículos

a motor fez-se em um quadro não adaptado; algumas modifica­ções foram introduzidas, mas entretanto foram insuficientes para

resolver esse grave problema. O alargamento das ruas Chile e da

Ajuda e da avenida Sete de Setembro, no começo do século XX,

o alargamento das ruas Carlos Gomes e Visconde do Rio Bran­

co, a construção de uma grande praça central após a demolição

da velha igreja da Sé e de quatro quarteirões das redondezas, a

construção de um viaduto entre essa nova praça da Sé e a rua

da Ajuda, trabalhos realizados nos anos 1930, são as principais

obras feitas com o objetivo de readaptar o centro antigo da Cidade

à intensidade do tráfego que diariamente a anima.

Tais readaptações, entretanto, não constituíram uma solução

satisfatória ao problema, que se agrava mais e mais. Outras soluções

têmsido adotadas, para permitir aos veículos andar mais depressa.

Até 1943, mais ou menos, os veículos que partiam do centro para

a periferia da cidade (exceção feita somente aos que participam do

sistema da Cidade Baixa) dirigiam-se todos à praça Castro Alves, onde todos paravam. Os da linha de "cima" demandavam a praça

da Sé, enquanto os coletivos da linha de "baixo" atravessavam a

rua da Ajud~, desciam a rua Visconde do Rio Branco (ladeira da

Praça até a rua Dr. Seabra, a Baixa dos Sapateiros).

A primeira mudança - que provocou;aliás, muitos protestos

da população - consistiu em fazer subir pela rua 28 de Setembro

os veículos da linha" de baixo", descendo pela ladeira da Praça,

Page 120: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

isto é, sem passar pela praça Castro Alves. Desse modo, eles não

atravessavam a parte mais congestionada do centro de atividades,

não o tocando senão em uma de suas extremidades. A expansão

do comércio, o crescimento do tráfego, que aumentam na pro­

porção do crescimento urbano, determinaram uma dissociação

cada vez maior dos pontos iniciais dos coletivos, uma verdadeira

migração na direção do exterior. Lembramos que, há 20 anos,

todos os transportes coletivos atravessavam a praça Castro Al­

ves e paravam aí. Hoje estão dispersos os pontos de partida dos

ônibus e bondes que vão para os diferentes bairros.

Os bondes e ônibus da linha de "cima" têm dois pontos

iniciais: a praça Municipal e a praça da Sé. Para a linha de "bai­

xo", o problema é ainda mais grave, pois a cidade continua se

estendendo na direção dos bairros servidos por essas linhas. Por

isso mesmo, os pontos iniciais são cada vez mais deslocados. De outro lado, uma parte dos bondes não sobe mais a rua Visconde

do Rio Branco desde 1956. Os que desejavam se servir desses

transportes devem ir procurá-los na praça dos Veteranos, no pé

da ladeira da Praça. Nas horas de rush, nenhum bonde sobe até

o viaduto. Quem tem necessidade de utilizá-los deve descer as

ladeiras, ou subi-las, se deseja mesmo chegar ao coração da Ci­

dade Alta. Os ônibus param na praça da Independência, na dos

Veteranos, na rua da Independência, no começo da rua Dr. Sea­

bra, na ladeira da Praça. É de ver a extensão das filas que tornam

intransitáveis as ruas transversais, sobretudo à noitinha, quando

todos desejam regressar às suas casas. Fato ainda mais recente

é o estabelecimento do sentido úniço na ladeira da Montanha,

na da Praça e da rua 28 de Setembro, em certas horas do dia, e

durante todo o dia, permanentemente, nas ruas Carlos Gomes

e avenida Sete de Setembro, trecho a partir da Piedade.

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Por outro lado, outras ruas têm sido conquistadas mais.

recentemente pelo tráfego e ajudam a desafogá-lo. Na Cidade

Baixa, embora todos os coletivos partam da praça Cairu, onde

fica a saída inferior do Elevador Lacerda, houve, a partir de 1950,

uma dissociação do tráfego dos bondes e ônibus, os primeiros

guardando o caminho tradicional das ruas Portugal e Conselheiro

Dantas e os segundos indo pela rua Miguel Calmon. É muito

recente a instituição de mão única nessas duas ruas.

Na Cidade Alta, as ruas do Pelourinho; Maciel e Guedes

de Brito, consagradas ao tráfego para os bairros do Norte, são

atravessadas durante o dia por "micro-ônibus", as lotaçôes. As

ruas do Gravatá, da Independência e de Santana são caminhos

dos ônibus que, pela avenida Joana Angélica, seguem para o

bairro de Brotas. Assim, uma parte do tráfego é desviada da Baixa

dos Sapateiros, onde passam somente os bondes e os ônibus que

servem às linhas de Liberdade, Quintas e Soledade.

A circulação dos pedestres se faz sem nenhuma disciplina. Chega

a se tornar perigosa, em certos lugares. Tem suas passagens heróicas.

O comércio, os gabinetes médicos, os salôes de beleza, outros

"serviços" e também o simples trottoir elegante dos fins de tarde

na rua Chile atraem uma multidão de pessoas que se sucedem em

um vaivém incessante. Por outro lado, a função de verdadeira

encruzilhada realizada pelo centro urbano provoca uma circula­

ção considerável de pedestres, entre os pontos de parada que, ao

mesmo tempo, são pontos de correspondência. Uma aproximação

pessimista entre 17h30 horas e 18h30 horas atribui a passagem de

30 mil pessoas a pé pela rua Chile e cerca de 35 mil pelo Taboão.

Esta é a mais curta ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,

utilizada pelos operários e pequenos empregados para economizar 'D

~ os 50 centavos, que é quanto custa uma passagem pelo Elevador.

Page 122: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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• ZO~ SEM R(SlOENfES

POPULACÃO DO CENTRO DA CIDADE DO SALVADOR

1940 - 1950 ~

A esse quadro, devemos acrescentar os veículos que ficam

estacionados, seja nas praças, seja nas ruas e mesmo sobre os pas­

seios. Não há parques de estacionamento. A praça da Sé, que.é a

maior, serve como praça de parqueamento e ponto inicial de um

grande número de linhas; é com dificuldade que se podem alinhar

uns cinquenta automóveis. Então' os veículos param em qualquer , parte, a despeito das proibições mais ou menos vistosas da Polícia.

Para agravar ainda mais as más condições de circulação, há o cos­

tume que as pessoas guardam de ficar em pé, durante várias horas,

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Page 123: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Foto 14. Esta parte da Cidade Baixa, chamada "Preguiça", alcançou o último estágio da deterioração, prédios em abandono e em ruínas, servindo de depósitos de construções nos casos extremos.

~ Foto 15. A torre do velho Elevador do Taboâo e uma parte da Cidade ~ Baixa. Sobrados juntos à escarpa e arranha-céus próximos ao porto. o

Page 124: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Foto 16. O novo povoamento de arranha-céus nos terrenos perto do porto.

Foto 17. O belo prédio da Associação Comercial. No fundo, os "arranha­céus" coloniais em plena deterioração. Há meio século as águas da baía batiam na e.scadaria do edifício.

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Page 125: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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sobre os passeios e mesmo sobre o meio-fio, na rua Chile e nas

. ruas adjacentes, a comrersar incessantemente: marca-se encontro

na rua e há grupos que se reencontram diariamente às mesmas

horas para falar de política e de coisas amenas. Atravessar a pé a

rua Chile, após as 17 horas, na hora do rush, não é coisa fácil.

É nessa hora que o centro fica mais animado. Os bancos,

os magazines, as lojas, as repartições públicas fecham ao mesmo

tempo e todo mundo deseja voltar para casa, pois jantar em

família é ainda um dos hábitos do baiano. É a hora crítica da

circulação, e é mais cômodo e rápido ir a pé da praça da Sé à

praça Castro Alves do que tomar um bonde ou um ônibus.

Depois da's 20 horas, os bairros centrais se despovoam dessa

multidão inquieta. Há um outro tipo de circulação, todavia bem

menos importante: a das pessoas que vêm procurar distração, ou

olhar simplesmente as vitrines. O movimento é maior à entrada e

à saída d~s sessões do cinema, abertos até meia-noite. Entretanto,

as outras porções do centro estão como que adormecidas. Mas é

exatamente às dez horas que um outro bairro começa a animar-

se. É o coração da cidade noturna, a praça 15 de Novembro,

pertinho da zona de prostituição, onde prostitutas, vagabundos,

marginais de todas as espécies dão-se encontro em ruas mal ilu­

minadas. Desloca-se para aí esse comércio ambulante de frutas e

comestíveis, cozidos ou aquecidos sob o olhar dos fregueses em

pequenos fogões acesos em cima dos passeios. Os transeuntes,

ainda longe, sentem o cheiro forte das iguarias afro-brasileiras,

condimentadas com azeite de dendê e pimenta por negras e

mulatas vestidas com trajes típicos. Os botequins se tornam

movimentados. A polícia afrouxa sua vigilância e .as prostitutas

(a quem é proibido fazer o trottoir durante o dia) podem sair de

:? casa e se exibir na rua. Isso se passa na Cidade Alta.

Page 126: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

SUBDISTRITOS URBANOS DE SALVADOR

1940-1950,

CONVENCÕES

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Page 127: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Nesse mamenta, na Cidade Baixa, a cantraste é enarme

entre as quarteirões das negócias e a área, mais restrita, em que

se pratica a prostituiçãa. Aqui é uma réplica, embara menas

característica, da que se passa na Cidade Alta enquanta na Cité

reina um silência campleta, rompida de quanda em quanda

pelas apitas das guardas-naturnas.

Essa imagem maderna de um verdadeira dédala, ande se aperta

uma fila multicar e sem fim de autamóveis quase imabilizadas, que

fazem vai tas enarmes para pader vencer pequenas distâncias, deve­

se a quatra fatares principais já examinadas separadamente:

1. A excentricidade da centra da vida urbana, em relaçãa à

cidade inteira, e a ausência de centros secundárias nas bairros.

2. A arrumação da centro em andares muita diferentes,

coma a Cidade Baixa, a Baixa dos Sapateiros e a centro histórico

da Cidade Alta, ligadas por ascensores, par plana-inclinadas e

par ladeiras.

3. A concentração nessa área das funções diretoras da vida urbana e regional.

4. A herança ·do passada, representada na paisagem por

um plana irregular, muito sensível, nãa .obstante as readaptações

safridas pela quadro.

O que se passa em Salvador, na próprio caraçãa da cidade,

exprime muito bem a salidariedade das fatas de circulaçãa e de

camércia. Outrora, quanda tados os caminhas levavam ao centro

da cidade, issa favareceu o desenvolvimento de um centro comer­

cial, que cresceu ao mesmo tempa em que a cidade. Essa funçãa

comercial provocou um aumenta de circulaçãa na direçãa da

periferia e espalhau-se ao longo das artérias principais do trânsita,

o que, aa mesmo tempo, conferiu-lhe uma certa inércia. Depois o

comércio,cujo damínia é disputada par .outras atividades, prova-

Page 128: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

cou, por sua vez, urna circulação muito mais intensa. Mas corno

as transformações do centro não correspondem ao crescimento

das funções, estas expulsam a circulação, sob a forma de desvio

das correntes do tráfego, desdobramento dos transportes públi­

cos, ou deslocamento ou supressão das paradas. Mas as ruas que

foram recentemente beneficiadas por essas medidas estão sendo

colonizadas pelo comércio, sobretudo pelo comércio e serviços

que se aproveitam de um quadro preexistente.

A População e sua Distribuição

A população dos bairros centrais da cidade representa urna

forma de utilização do velho quadro, as casas antigas, casas nobres

e ricas hoje degradadas. Esse espaço é, entretanto, disputado por

outras atividades, que pouco a pouco expulsam a população de

certas ruas, agora ocupadas pelo comércio. Isso põe em relevo o

valor dos efetivos demográficos aí presentes e evidencia a principal

característica atual dessa população, isto é, sua pobreza.

Se compararmos a população desses bairros com a da cidade

inteira, vemos que ela não cessou de baixar desde meados do século

XVIII, quando correspondia a 60% do total. Em 1940, não repre­

sentava mais do que 7,9% e em 1950 cerca de 4,8%. Essas percen­

tagens mostram o enorme desenvolvimento dos bairros exteriores

desde o século XVIII. Mas tais cifras perdem muito de significação,

e são incapazes de ,\izer tudo, se analisarmos igualmente os números

absolutos. Estes, à primeira vista, podem causar admiração, pois

durante os dois últimos séculos quase não houve mudanças subs­

tanciais quanto ao número de habitantes dos bairros centrais. Até

1950, enquanto o resto da cidade via sua população multiplicar-se

por 23, a população do centro ficava quase estacionária. Não pos-

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Page 129: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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suímos os dados para estes últimos anos, mas podemos admitir que

tal relação seja ainda mais expressiva nos dias de hoje"

Fim do séc. XVIII 1940 1950

Bairros Centrais

Bairros Exteriores Toda a Cidade

20058 17485 37543

22974 267469 290443

20580 403562 424142

Essa estabilidade quantitativa não deve conduzir a confusões,

Ela encobre uma deterioração qualitativa gradual, representada nu­

mericamente pelo aumento incessante das densidades demográficas de certos setores, de certas ruas, em contraste com uma díminuição em

outros, sendo estes cada vez mais invadidos por novas atividades,

Os dados globais por distritos fornecem o quadro seguinte

para a densidade humana ao hectare, no fim do século XVIII,

em 1940 e 1950, São números aproximados:

Fim séc. XVIII -- - -",,-,,- - -

Passo 105 Sé 30 Conceição Pilar

30

7

1940 1950

322 377 272 290 . 85 82

10 4

Tais números não tém um valor em si mesmos, Curvas semelhan­

tes escondem, na verdade, tipos de evolução diferentes. O creSCÍInento

da população, bem mais significativo no distrito do Passo entre 1940

e 1950, é muito menos expressivo que o menos volumoso, corres­

pondente ao distrito da Sé, nesse mesmo período, Na Sé, o comércio

fez progressos muito mais importantes e a abertUra de novas ruas e

praças reduziu a área efetivamente ocupada pela população.

Assim, os números aparentemente mais modestos escondem,

do ponto de vista da população, uma realidade mais angustiosa

Page 130: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

que aqueles outros relativos ao Passo. O mesmo se pode repetir

quanto à Conceição da Praia, o distrito mais marcado pela pre­

sença de novas funções e que viu dobrar sua área desde o fim

do século XVIII (os atulhos sucessivos do porto).

No distrito do Pilar, as cifras mostram um aumento de den­

sidade entre o fim do século XVIII e 1940, seguido de uma dimi­

nuição entre 1940 e 1950. A ausência de dados para população

no primeiro período citado constitui um obstáculo a uma análise

mais exata do fenômeno. Mas como os fatos são relativamente

recentes, podemos arriscar-nos a reconstituí-los. O distrito do

Pilar foi o primeiro a conhecer o processo de migração das famí­

lias abastadas para os bairros exteriores. Depois foi invadido por

uma população pobre numerosa. Os números relativos a 1940

exprimem uma evolução diferente: é razoável admitir que, nesse

momento, a população já começava a diminuir; nas casas deterio­

radas instalavam-se depósitos. A curva de decréscimo demográfico,

mais notável entre 1940 e 1950, representa uma conquista mais

ativa dessa área por atividades que expulsaram a população e, de

outro lado, uma degradação que atingia limites extremos.

O Pilar conheceu o processo que hoje está Se passando na

Conceição da Praia: um primeiro período em que se associam co­

mércio e população de comerciantes mais ou menos abastados, e

. suas famílias, com fracas densidades; um segundo período, com uma

migração centrífuga da população rica e a ocupação das casas por

população cada vez mais pobre, provocando degradação e aumento

de densidade; um terceiro período, onde, de um lado, a deterioraç.ão

muito. viva, e, de outro, a construção de edifícios funcionais, acarre­

tando a impossibilidade de utilizar essas construções como casas de

residência, trouxeram mais recentemente, como resultado, o enfra­

quecimento das densidades. Esse processo, que conduz à ausência

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'de população; está quase terminado no Pilar (que em 1950 contava

apenas com 2,169 habitantes), mas continua a se desenvolver na

Conceição da Praia, da qual uma parte - a Preguiça - caiu já em

degradação completa, Em 1940, as ruas Manuel Vitório, Marcílio

Dias e Joaquim Maia tinham respectivamente, 17, 6 e 5 casas de­

socupadas e fechadas. Em 1950, é ainda menor o número de casas

utilizáveis e hoje restam somente alguns esquel~tos. Esse processo é exclusivo da Cidade Baixa, pois na Cidade

Alta as casas eram originariamente apenas residenciais. A mi­

gração centrífuga das famílias ricas correspondeu à ocupação

das casas por famílias da classe média, e depois pelos pobres. O

comércio, fazendo concorrência à população, também apárecia,

seja transformando o quadro, se ele tinha força para tanto, seja

se acomodàndo ao velho quadro.

O cálculo das densidades, tendo por base as divisões adminis­trativas, pode conduzir a equívocos, pois o distrito da Conceição

da Praia; como também o do Pilar cresceu consideravelmente em

área desde o século XIX, em virtude dos aterros do porto. Por

outro lado, é necessário notar a presença de vastos ter~enos per­

tencentes aos conventos, na Sé e no Passo, na Cidade Alta. Assim,

tais áreas deverão ser subtraídas do total, se quisermos obter uma

média aproximadamente aceitável. A rigor, entretanto, em virtude

das modificações sucessivas que sofreu, a área córrespondente às

ruas e praças do centro deveria também ser subtraída. Mas não dis­

pomos de elementos seguros para chegar a resultá dos válidos:

Resta-nos o exame das densidades por área,construída, que seria

ainda mais eloquente. Todavia, não temos outras indicações senão

para os anos de 1940 e 1950. A análise da evolução demográfica

recente muito nos pOderá ilustrar a respeito do passado, se a associar-

~ mos à evolução das demais atividades presentes no interior do quadro

Page 132: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

a estudar. Essa atitude permitiria igualmente a utilização do critério

das percentagens, cuja vantagem éafastar a variante que é constituída

pelo número de andares das casas, diferentes em cada caso, e que

constitui um obstáculo a um cálculo correto das densidades.

No entanto, o estudo da evolução demográfica recente do

centro da cidade não nos dará resultados mais válidos se apenas

nos utilizarmos de dados globais relativos a cada distrito. Na

verdade, o exame dos dados relativos a cada rua mostra-nos que

houve um contraste entre a evolução demográfica do Pilar e da

Conceição da Praia, de um lado, e do Passo e da Sé, de outro. Nos

primeiros, o comércio e as atividades complementares ganham

terreno e substituem a população. Disso resulta uma diminuição

da população, 64,01 % para o Pilar e 4,6% para Conceição da

Praia, entre 1940 e 1950. Entretanto, esses números estão bem

longe de significar toda a realidade. Representam uma média,

que não tem valor absoluto, naturalmente, pois a evolução não

se deu no mesmo sentido no interior de cada distrito. A mesma

contradição interna pode ser observada nos distritos do Passo e da

Sé, que aparecem, respectivamente, como tendo tido globalmente

um aumento de população de 1.055 e 502 habitantes. Algumas

ruas perderam a maior parte dos seus moradores, enquanto outras

viam multiplicar-se por dois o número dos habitantes.

Em resumo, o exame da evolução demográfica recente das

ruas do centro da cidade (veja-se o quadro analítico no fim do

capítulo) conduz a que possamos distinguir quatro tipos:

1. Ruas originariamente sem população.

2. Ruas que perderam seus habitantes entre 1940 e 1950.

3. Ruas que se despovoam.

4. Ruas onde a população aumenta.

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Page 133: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Entretanto, no que se refere aos dois últimos tipos de evolução,

podemos reconhecer. diferentes tendências ou ritmos de crescimento

ou decréscimo, os quais variam segundo percentagens extremas.

De modo geral, as ruas originariamente sem população correspondem a um certo tipo de paisagem, a paisagem recen­

temente criada na Cidade Baixa, em consequência das obras e

dos aterros do porto e onde foram construídos apenas edifícios

destinados a não serem habitados (arranha-céus e armazéns).

Áreas outras são atualmente despovoadas; esse fenômeno resulta

de uma evolução e comprova a conquista de tais áreas por outras

atividades. Correspondem a três tipos de paisagem:

1. As atividades capazes de criar um quadro, e que o criam

efetivamente, substituindo as velhas casas por novos imóveis

funcionais, desse modo inaptos a serem habitados.

2. Outras atividades que utilizam o quadro, mas que por

sua própria natureza expulsam a população: é O caso das casas

de exportação e, principalmente, de importação, que instalam

seus escritórios no andar térreo e utilizam os andares superiores

como depósito.

3. Finalmente, o caso externo das casas absolutamente de­

gradadas e, consequentemente, incapazes de receber população, por mais miserável que ela seja. ,

A diminuição da população corresponde, em certas ruas, à crise

de moradia e à especulação imobiliária, o que acarreta geralmente

altos aluguéis, inacessíveis às pessoas pobres, que são obrigadas a

construir abrigos miseráveis ou morar nos cortiços do centro. To­

davia, tal aumento de população não é uniforme. Varia de uma rua

para outra. Essas variações não têm um valor absoluto, seja porque

~ as ruas em que já existe saturação recebem naturalmente urna contri-

Page 134: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

buição demográfica menos importante, seja porque as possibilidades

de alojamento não são as mesmas em todas as ruas.

Assim, e ainda de acordo com os dados dos 'recenseamen­

tos de 1940 e 1950, é possível reconhecer certos conjuntos no

interior dos bairros centrais. Tais conjuntos são mais ou menos

homogêneos e, em média maior ou menor, associam caracterís­

ticas demográficas, funcionais e de paisagem.

O distrito da Conceição da Praia viu sua população global

diminuir 4,6%. Com efeito, tendências contraditórias foram aí

constatadas. Enquanto algumas ruas se despovoam, invadidas

pelo comércio ou antigidas por uma deterioração extrema, a zona

de deterioração atual, constituída pelas ruas Lopes Cardoso,

Marcílio Dias, Macedo Costa, Dionísio Martins, Luís Murat,

Conceição, Visconde de Mauá,Joaquim da Maia e praça Cairu,

registrava um aumento de população de cerca de 100%.

A praça Cairu delimita a área em que a população diminui e

a outra área em que o adensamento demográfico é cada vez mais

grave. Há, entretanto, duas exceções. Na zona que se despovoa,

a rua Lopes Cardoso, ao norte do Elevador Lacerda, ainda não

teve os seus sobrados inteiramente ocupados pelo comércio, o

que permitiu à sua população dobrar. Ao sul da praça Cairu,

na área em que a população aumenta, a rua Manuel Vitorino

representa, igualmente, uma exceção em relação ao conjunto. Sua

população caiu 34% mais ou menos; é uma rua onde as casas se

degradaram por completo ou quase, e cujas ruínas servem agora

de depósitos de materiais de construção.

O distrito do Pilar acusou uma diminuição de população

calculada em 64% entre 1940 e 1950. Mas essa percentagem

precisa ser comentada. De um lado, aparece a tendência geral

à diminuição dos efetivos demográficos, que corresponde à co-

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Page 135: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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mercialização crescente dessa área, onde, de um lado, as velhas

casas arruinadas foram utilizadas comO depósitos de mercado­

rias ou completamente abandonadas, e novos edifícios foram

construídos sobre os aterros do porto. Assim, a rua do Pilar

perdeu 82,6% da sua população; a rua Maria Quitéria, 50%;

a rua Barão Vila Barra, 35%; a rua Campos Sales, 16% etc.

Mas, ao contrário, excepcionais acréscimos de população foram

verificados, por exemplo, nas ruas Capistrano de Abreu (80%)

e Mascarenhas (30%): são ruas onde a degradação continua.

A avenida Frederico Pontes registra também um considerável

acréscimo de população, mas o fato nada tem que ver cou't a

evolução normal dessa área. Tal aumento demográfico deve-se,

exclusivamente, à presença aí da Base Naval. A aparência de

paradoxo estatístico tem sua réplica em um outro, na paisagem:

veem-se construções recentes servindo de habitação, o que

constitui verdadeira contradição com o que, de modo geral,

observa-se nessa parte central da cidade.

. Na verdade, toda a área dos bancos, do comércio grossista

e de outras atividades que lhes são subordinadas, onde se eleva­

vam edifícios novos, não teria qualquer população não fossem

os guardas. Na Cidade Alta teríamos uma pálida réplica desse

fato no conjunto formado pelas praças Castro Alves, Municipal

e da Sé e pelas ruas Chile, Ajuda e José Gonçalves, se aí não se

encontrassem numerosos hotéis e pensões.

No distrito da Sé, na Cidade Alta, o recenseamento mostra­

nos um acréscimo de 5,96%. Mas, comO nos casos precedentes, a

realidade é muito mais complexa, talvez ainda mais complexa que

nos outros distritos, pelas razões que experimentaremos revelar.

O conjunto formado pelas ruas Ruy Barbosa, Barão Homem de

Melo, a praça Castro Alves e ruas Visconde do Rio Branco e Miseri-

Page 136: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

córdia registrava wna diminuição global de 20% (ao lado, a rua José

Gonçalves perdia 50% de sua população, mas tal cifra tem uma signi­

ficação menos importante, em vista das demolições que foram feitas

para a construção de um viaduto). Nessa parte do centro da Cidade

Alta, acha-se o principal centro de atividades, alojadas em imóveis

novos, reconstruídos ou adaptados a essas funções. Pelo contrário,

as áreas vizinhas registram globalmente um aumento de densidade

relativa ainda maior, tendo em vista não só as demolições realizadas

desde 1940 com o objetivo de desembaraçar a circulação, como a

expansão do comércio em certas ruas favorecidas pelo tráfego.

Mas,· no interior mesmo de cada uma dessas subáreas, o

aumento ou a diminuição da população relativa correspondente

a cada rua nos conduzem a construções ricas de ensinamentos. A

gama de percentagens também representa processos diferentes ou

diferentes fases de um mesmo processo, ou ainda quadros diferen­

tes em que se realiza um mesmo processo. Por exemplo, certas ruas

registraram um incremento demográfico impressionante, como as

ruas Ângelo Ferraz (240%) e Santa Isabel (140%) e também as

de São Francisco (81 %), Padre Nóbrega (70%), Inácio Accioly

(65%), Muniz Barreto (50%), 7 de Novembro (42%), Gregório

de Matos e Querino Gomes (40%) e ainda outras. Tais índices cor­

respondem a um considerável aumento da densidade demográfica

nessa área, fato que os números revelam em toda a sua plenitude,

pois se trata de áreas residenciais. Mas as percentagens relativas

às ruas Alfredo Brito (32%) e Ruy Barbosa (13%) não possuem

idêntica significação: são ruas em que o comércio se estendeu lar­

gamente entre 1940'e 1950, e continua a, se estender. Assim, tais

números exprimem menos que.a realidade demográfica.

Vimos anteriormente que na área de expansão maior do co­

mércio a população tem tendência a diminuir. Há, porém, outras

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Page 137: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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ruas, fora dessa área, onde constatamos a mesma tendência. É o

caso das ruas 28 de Setembro (-17%),João de Deus (-37%), Castro

Rebelo (-10%), e Aristides Milton (-8 %). Nessas ruas, o fenômeno

está relacionado com a prostituição aí localizada, mas empregando

somente mulheres que trabalham durante certas horas do dia ou da

noite, morando, porém, nos bairros exteriores: desse ponto de vista,

elas estão no mesmo caso que as outras pessoas que vêm trabalhar

diariamente no centro - são estatisticamente registradas como sendo

moradoras de outras ruas. Pelo contrário, a prostituição de mais

baixa categoria, instalada nas ruas menos próximas do centro, não

constitui um elemento de perturbação na evolução demográfica: a

população tem tendência a aumentar, pois as prostitutas moram

no próprio local de trabalho, onde suportam as mesmas miseráveis

condições de vida do resto da população que vive nessa área.

É assim que uma mesma paisagem, a das velhas casas do

centro, pode abrigar duas tendências demográficas diferentes, até

mesmo contraditórias. O conjunto dos quarteirões limitados pelas

praças Quinze de Novembro, Anchieta e José de Alencar e pela

rua J. J. Seabra apresenta uma certa homogeneidade de paisagem:

velhas construções entre as quais se situam igrejas vetustas. Sua

população aumentou 18% entre 1940 e 1950. Essa taxa, entretanto,

está longe de representar a realidade inteira. De um lado, algumas

ruas experimentaram uma evolução positiva(ruas Alfredo Brito,

Gregório de Matos, Inácio Accioly, Santa Isabel, Leovigildo Fil­

gueiras, Carvalho, Ângela Ferraz e Muniz Barreto). Se colocarmos

essas ruas à parte, o ganbo demográfico terá sido da ordem de 40%.

Por outro lado, outras ruas perderam sua população, como as ruas

João de Deus, Castro Rebelo, São Vicente, 12 de Outubro, e a praça

Anchieta. Nesta, ó progresso do comércio, dás pequenas indústrias

S- e artesanatos expulsou uma parte d~ população. No conjunto, sua

Page 138: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

perda demográfica foi de 22%. Em 1940, a praça Anchieta abrigava

apenas um armazém e um armarinho no lado ímpar e um cabelei­

reiro, um alfaiate, três açougues, um sapateiro e uma quitanda no

lado par. Esse comércio, típico de zonas de transição, está sendo

cada vez mais substituído por lojas que hoje ocupam quase todos os

andares térreos, nos dois lados da rua. Ao mesmo tempo, as velhas

casas estão sendo utilizadas por hotéis e pensões.

No distrito do Passo, cujo incremento demográfico global,

entre 1940 e 1950, atingiu 17,24%, o exame do que se passou

em cada uma das ruas noS leva a resultados parecidos aos que

observamos no conjunto dos quarteirões da ·Sé, anteriormente

analisados. Na rua Luís Viana, por exemplo, a população caiu 6%:

deve-o aos progressos do comércio e das atividades artesanais que

ocupam os cõmodos de frente na parte térrea das residências, o que

permite um lucro suplementar aos proprietários ou aos locatários,

conforme o caso. Tal díminuição global não significa, porém,

diminuição de densidade. Nas ruas em que o·comércio já estava

estabelecido em 1940, a população, entretanto, aumentou, como

na praça José de Alencar (25%), na rua Silva Jardim (20%) etc.

Pode-se admitir, qualitativamente, que os resultados - quer

para essas ruas, quer para a rua Ribeiro dos Santos - sejam muito

semelhantes. Outras ruas tiveram uma elevada taxa de incremento

demográfico, como a praça dos 15 Mistérios (22%) e a rua Ri­

beiro dos Santos (37,9%); esta é quase inteiramente residencial e

aquela é residencial completamente. Apenas a rua Padre Agostinho

registra uma perda demográfica efetiva, isto é, um decréscimo de

75%, baixando de 37 para 9 habitantes. Isso se explica pela sua

magnífica localização comercial e pelos tipos de casas que a for­

mam - são casas térreas e sobrados, todos de um só andar, onde

se encontram alfaiate·s, pequenos escritórios etc.

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Page 139: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Em conclusão, podemos afirmar que nO centro da Cidade

do Salvador há dois p~oblemas diferentes quanto à distribuição·

da população. Na Cidade Baixa, a cidade nova construída sobre

a terros do porto não tem população desde sua origem. Pelo con­

trário, a cidade velha, somente residencial na Cidade Alta e na

Cidade Baixa, acrescentava uma função de utilização comercial a

um antigo papel residencial. Depois, a distribuição da população

se modificou em função de quatro fatores:

1. Em certas ruas, o comércio se desenvolveu e expulsou os ha­

bitantes, seja pela substituição das velhas casas por outras, impróprias

à moradia, seja utilizando inteiramente as velhas casas.

2. Em outras ruas, a utilização parcial das velhas casas

pelo comércio ou pela prostituição controlada acarretou uma

diminuição da população, o que, entretanto, não significa sempre

uma diminuição de densidades.

3. Ainda em outras ruas, a degradação atraiu uma popula­

ção pobre, que continua a crescer em número e em densidade.

4. Mas se os imóveis estão em ruínas, temos, de novo,

despovoan:'ento.

* * *

Ao fim desse estudo, podemos reconhecer três períodos na

formação dos bairros centrais de Salvador. Dois são racionais, o

primeiro e o último, enquanto a fase intermediária é espontânea.

O primeiro periodo foi de curta duração. Começou com a chegada

do governador geral em 1549 e acabou no fim do século XVL A cidadela

tinha ruas que se cortavam em ângulo reto, um plano propositadamente

regulru; mas deformado pelas contingências do sítio. As praças eram

largas (a praça do Terreiro, atual praça 15 de Novembro, tinha 870m2;

a praça do Palácio, atual praça Municipal, tinha 290m2).

Page 140: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

o segundo, de longa duração, começa nos inícios do séc.

XVII. Durante esse período, a cidade se estende sem nenhum

plano de conjunto: seu crescimento resulta seja do sítio, seja de

outros fatores, como, por exemplo, a existência de grandes su­

perfícies, propriedade dos conventos, que são responsáveis pelo

desenvolvimento linear; do mesmo modo, na Cidade Baixa, as exi­

gências do sítio desempenham papel idêntico ao da Cidade Alta.

Em consequência, temos ruas tortuosas e pequenas praças.

O terceiro período, atual, coincidindo com a ampliação

das funções urbanas e a introdução de transportes modernos,

caracteriza-se:

a. Pelo alargamento de certas ruas e a abertura de praças,

nos pontos em que a circulação é mais intensa, o que tornou

possível a formação de estruturas secundárias, de forma linear,

mas deixando quase intactas as artérias vizinhas.

Foto 18. Nessa fotografia aparece bem nítida a justaposição das duas paisagens da Cidade Baixa. No primeiro plano, os quarteirões de transição, onde duas concepções arquitetônicas entram em choque com o progressivo triunfo dos arranha-céus.

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Page 141: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Foto 19. No primeiro plano, Ull). edifício da primeira fase das novas construções da Cidade Baixa. Todos os demais são bem recentes.

Foto 20. O velho e o novo a poucos me­[cos de distãncia. É aí que funcionava a chamada "Bolsa dos automóveis", atê que um incêndio devorou, há poucos meses, o prédio antigo e um outro, vizinho.

Page 142: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

b. Pela "fabricação" de um sítio, consequência dos aterros

do porto e sobre os quais criou-se uma estrutura primária, de

forma compacta, com largas avenidas, grandes praças, formadas

por imóveis modernos.

O sítio, isto é, a escolha inicial do sítio, pesou muito forte­

mente sobre a vida urbana, em todas as etapas de sua evolução. O

primeiro período, de um lado, representa um compromisso entre

uma vontade criadora e os planos pré-estabelecidos, e, de outro, as

dificuldades oferecidas pelo sítio à sua realização. Daí a deforma­

ção dos contornos, conquanto Se possa, mesmo hoje, reconhecer o

desejo dos fundadores de construir uma cidade em xadrez, linhas

que ainda estão nítidas no velho centro da Cidade Alta.

O segundo período representa um compromisso entre o

sítio e as condições sociais e econômicas, daí a extensão linear

do organismo urbano, especialmente sobre as dorsais, bem como

uma certa dissociação de funções ..

Durante o terceiro e último período, a cidade começa a· dispor

de meios financeiros e técnicos mais importantes, em consequência

de seu desenvolvimento econômico. Tais causas provocam, de

um lado, uma adaptação consciente às exigências do sítio, e, de

outro lado, a modificação das condições topogcáficas,.parcial ou

totalmente. Modificação parcial, com a construção e abertura de

novas ruas em ladeira, para comunicação da Cidade Alta com a

Cidade Baixa, ou o nivelamento das ruas antigas. Modificação

total, com a "criação" de um novo sítio, justaposto ao sítio inicial,

com a planície artificial da Cidade Baixa, pertinho do porto.

Se esses três períodos se sucederam no tempo, cada um

deles não elimina, porém, as consequências do período anterior

na elaboração da paisagem e da estrutura interna da cidade,

especialmente do seu centro.

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Page 143: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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A paisagem urbana atual é formada de elementos que per­

tencem a essas três fases, o que explica sua heterogeneidade. Da

primeira, entretanto, não resta senão o traçado das ruas, pois

as casas, construídas com um material muito frágil, durante o

primeiro século da colonização, foram substituídas, desde o fim

do século XVII ou começo do século XVIII. O segundo período

se nota na paisagem pela presença das igrejas, dos palacetes e

sobrados, e de enormes espaços vazios pertencentes aos mos­

teiros. O terceiro período se caracteriza pelas casas de estilos e

idades diversas, heranças das fases precedentes, mas sua p~ópria contribuição são os edifícios modernos', os arranha-céus, sejam

os da Cidade Baixa, sejam os que foram construídos ao longo

das ruas comerciais na Cidade Alta.

O problema dos transportes é consequência não só da

excentricidade do centro em relação ao resto da cidade, como

da presença, nos bairros centrais, de elementos concebidos para

uma época em que as exigências do tráfego eram diferentes, quer

dizer, resulta sobretudo da influência do processo de formação

da paisagem sobre a fase atual da vida urbana.

A análise da evolução demográfica nas diferentes "subáreas"

do Centro de Salvador nos conduz a reconhecer a existência de

certas relações entre população, paisagem e funções. Tais relações

são complexas porque:

1. A função pode criar uma paisagem, mas pode também se

aproveitar de uma paisagem preexistente. Por outro lado, a mesma

paisagem pode servir a funções diferentes, associadas ou não, no

mesmo prédio. Ora, esse modo de aproveitamento não é sempre

o mesmo e não é sempre feito integralmente.

2. Disso resulta que uma mesma paisagem pode esconder

evoluções demográficas diferentes. Por outro lado, a mesma

Page 144: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

função pode também provocar diferentes resultados de um ponto

de vista da população.

Tal complexidade, entretanto, não se enquadra às tendências

gerais de evolução demográfica, em relação à paisagem e às funções,

o que poderemos assim resumir: certas atividades - como o banco,

o comércio grossista e atividades complementares e conexas, o co­

mércio de luxo - têm tendência a expulsar a população do 'centro

da cidade, tendência que é tanto mais forte quanto mais capaz de

criar-se um quadro por atividade. Por outro lado, as áreas vizi­

nhas -'o velho quadro não atingido pela expansão das atividades

do centro - têm tendência a ver aumentar sua população, até que

a degradação dos imóveis torne impossível a moradia.

EVOLUÇAO DEMOGRÁFICA DO CENTRO DE SALVADOR (1940-1950)

SUBDlSTRITO DA CONCEIçAo

Ruas e Praças

Alemanha

Álvaro Cabral Argentina

Barão H. de Melo Bélgica Cais do Porto Castro Rabelo Conceição Conde d'Eu

Cons. Dantas Cons. Lafayete Canso Saraiva

Dionísio Martins Estados Unidos Fagundes Varela França

Francisco Gonçalves Grécia Guindaste dos Padres

Papo 1940

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O

264 O

O O

6 O

172

66

10 O

149

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30 Inglaterra O

Itália O

Papo 1950

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174

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5

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106 O

101 O

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Page 145: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Ruas e Praças Pop. Papo Aum. Dim. 1940 1950 % % -------

Joaquim Maia 102 116 13,7 Júlio Adolfo 9 18 100 Lauro Müller O O Lopes Cardoso 13 27 107,7 Luiz Murat 12 161 124,2 Macedo Costa 134 188 . 23,4 Manoel Vitorino 279 381 34,2 Marcí1io Dias 233 243 4,2 Mercado Modelo O O Miguel Calmon 20 Naus 155 278 79,3 Pedro Bandeira O O Pinto Martins O O Polônia O O Portugal 14 4 71,4 Rodrigues Alves 19 20 5 Santa Bárbara O O Santos Dumont 36 O 100 São João O O Tupinambás O O Vidal de Negreiros 16 24 66,6 Visconde de Cairu 36 86 138,8 Visconde de Mauá 55 239 334,5 Visconde do Rosário O O

SURDISTRITO DO PILAR - -""_.,,-,,,,- ._""-",,-,, ._,. -"._""-,,,,-"'.- ._",,- -- - ._""""_ .. ,,.-

• Ruas e Praças Pop. pop. Aum. Dim.

O 1940 1950 % % o < Barão Vila da Barra >

442 178 60 • Beira Mar <

15 O 100 Botelho Benjamim 4 100

O Cais do Porto 35 100 o ~ Campos Sales 501 419 19,5 o Capistrano de Abreu 34 60 76,4 < o Conde d'Eu 8 3 62,5 u Conde dos Arcos O O < Cruz Machado O O o o Diogo Dias O O • Elias Nazaré 50 100 .. z Espanha O O ~

u Estados Unidos O O O Fernão Cardim O O

França O O O

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Page 146: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Ruas e Praças Pop. Pop. Aum. Dim. 1940 1950 % %

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Frederico Pontes 814 867 6,6 Holanda O O

Marechal Deodoro O O

Maria Quitéria 533 120 48,7

Mascarenhas 76 100 31,S

Pilar 533 94 82,3 Riachuelo O O

S. Francisco de Paula 240 230 4,3 Suécia O O

Torquato Bahia O O -""""-",,,,- -- - - - - -'-""-"",,,- -

SUBDISTRITO DA SÉ - - ,--""""-",,. -" --"",,,-,,,,,,,,-"" ______ - - -_."---"""_""'0-

Ruas e Praças Pop. Pop. Aum. Dim. 1950 1940 % %

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Anchieta 393 289 26,4

Aristides Milton 155 143 7,6 Bento Lisboa 106 97 8,4 Bonifácio Costa Castro Alves 9 2 7,7 > Castro Rabelo 96 86 10,4 • Chile 237 274 15,5 ~ -D. Jerônimo >

o 12 de Outubro 15 10 33,3 " Frei Vicente 401 385 4 •

c Getúlio Santos 43 41 4,6 " Gregório de Matos 521 719 38 • > Guedes de Brito 234 238 17,9 z

> Inácio Accioly 156 266 70,5 " João de Deus 508 320 37 >

José Gonçalves 163 84 48,4 ~ Juliano Moreira 163 157 3,6 o

> Misericórdia 63 46 26,9 o Mont' Alverne 417 419 0,4 o

Municipal n "

Muniz Barretto 205 328 60 z .. Padre Nóbrega 78 133 70,7 " O Padre Vieira 128 85 33,6 o Querino Gomes 41 58 41,4 >

15 de Novembro 101 111 9,9 n ;;

Rodrigo Silva 94 76 19,1 > Ruy Barbosa 577 653 13,1 O

" Saldanha da Gama 362 387 6,9 Santa Isabel 43 104 141,8

~

São Francisco 237 593 81,3 ~

Page 147: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Ruas e Praças Papo Papo Aum. Dim. 1940 1950 % %

São Miguel 30 36 20 Sete de Novembro 162 231 42,5 Tomé de Souza 39 24 38,4 Três de Maio 208 249 19,7 24 de Maio 73 90 23,2 28 de Setembro 683 568 16,8 Virgílio Damásio Vise. de ltaparica 577 653 13,1

yj~5:,:.. do R~o .!3:,~~,~.o_ 238 144 -},,?-'~,-- -"""-,,,,-

SUBDISTRITO DO PASSO - - -"",-""._." - - -

Ruas e Praças Papo Papo Aum. Dim. 1940 1950 % % - "-"",-",, - - --

Agostinho Gomes 37 9 75,7 Carmo 448 432 1,4 Custódio de Melo 89 88 1 Deraldo Dias 537 592 10,2 Eduardo Carigé 214 204 5,1 Gregório de Matos 182 86 6,6 João de Brito 69 673 24,6 Joaquim Távora 674 708

José de Alencar 568 535 7 Luiz Viana 553 225 3,2 Pethion de ViUar 198 204 3 15 Mistérios 116 142 22 Ribeiro dos Santos 924 1270 37,3

_Silv~,J_~E<!i~ 509 612 20 -",- -"""- -- -- -""._'""",,--

RUAS QUE FAZEM PARTE DE DOIS SUBDISTRITOS

Ruas

_. A~gel-o F~'~;~~ --Leovigildo CarvaÍh~ Alfredo Brito

Conde d'Eu

Cais do Porto

SubdistTitos

Passo e Sé Passo e Sé Passo e Sé Conceição e Pilar Conceição e Pilar

Papo 1940

20 185

689

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Papo Aum. Dim. 1950 % %

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68 240 202 10 917 32

Page 148: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

4

A ESTRUTURA URBANA DOS

BAIRROS CENTRAIS

Aanálise'da elaboração da atual fisionomia dos bairros

centrais-da cidade - sua evolução através de quatro sé­

culos - e o estudo das funções urbanas que abriga - seu

dinamismo atual - revelam uma certa interdependência entre

o aspecto e as funções, entre paisagem e conteúdo, Atividades

capazes de se criarem um quadro, atividades que aproveitam

de um quadro preexistente e o adaptam às suas necessidades, e

atividades que direta ou indiretamente destroem ou acabam de

destruir um quadro preexistente são; todas elas, bem significa­

tivas dessa verdadeira relação de causa e efeito entre forma e

função, aspectos estruturais que vamos agora analisar,

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Page 149: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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TIPOS DE CONSTRUÇOES

Os Arranha-Céus

Os arranha-céus são símbolo das atividades que foram

capazes de se criarem um quadro. É por esta última razão que

apareceram no estágio atual, quando é maior a atividade finan­

ceira e comercial da cidade. Na Cidade Baixa são construídos

para acolher os bancos, as companhias de seguros, as casas de

importação e exportação, os escritórios de fábricas, os serviços

públicos. É frequente, também, que os andares superiores sejam

ocupados por atividades direta ou indiretamente ligadas àquelas

outras, como as agências de navegação, os representantes do co­

mércio, os comissários, os advogados e outros. Na Cidade Alta,

sobretudo, os serviços públicos e o comércio são os responsáveis

pelas modificações de aspecto do quadro. Em certos casos, os

novos edifícios são construídos especialmente para a brigar os

grandes magazines, ou casas de comércio de retalho. Mas a

procura cada vez maior de salas para alugar nas ruas centrais

incitou construtores a fazer edificar, seja para alugar, seja para

vender separadamente, locais para comércio de luxo e salas para

advogados, médicos, dentistas, empresas de construção etc.

São sobretudo os bancos que contribuem para essa revolu­

ção arquitetura!. Eles fazem surgir uma paisagem inteiramente

nova na Cidade Baixa, ao lado, e mesmo em substituição, dos

velhos sobrados, que pouco a pouco se deterioram.

A importãncia da função bancária na vida urbana antes de se

medir pelo volume de negócios que realiza, ou pelo número de guichês

que mantém nos diversos centros comerciais, pode ser constatada pelo

; próprio quadro que criou para servi-la, na Cidade Baixa.

Page 150: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Há ainda alguns anos, eram as grandes e velhas casas da rua

Conselheiro Dantas, artéria por onde passavam, então, todos os

veículos coletivos para Itapagipe, e os velhos sobrados das ruas

Portugal e Santos Dumont que abrigavam os bancos e as instituições

parabancárias. Vários conservam ainda essa antiga localização, seja

porque visam, agora, a uma próxima transferência, seja porque não

possuem fundos suficientes para enfrentar uma mudança. Todavia,

os mais ricos, com o aumento de suas atividades, fizeram construir

sedes próprias, imóveis dotados de instalações que há um tempo

facilitam os negócios, atraem os clientes e dão um testemunho de sua

força. Aproveitaram-se dos terrenos vazios resultantes dos aterros

do porto e aí puderam arranjar-se em grandes avenidas, onde são

inteiramente satisfeitas suas exigências de circulação livre. Não é

raro, igualmente, que os construtores de novos edifícios destinados ..

a fins comerciais reservem, no andar térreo, grandes espaços desti­

nados a acolher sedes bancárias.

. Por outro lado, devemos reconhecer duas fases distintas

nessa influência da função bancária sobre a evolução da paisagem

na Cidade Baixa. A própria arquitetura dos edifícios o acusa.

Durante o primeiro período e com a utilização dos aterros então

recentes, vários imóveis foram construídos pelo Banco Econômi­

co da Bahia (1928), Banco do Brasil (1934), Instituto de Fomento

Econômico da Bahia (1937), Companhia de Seguros Aliança da

Bahia (1937) e outros. O segundo período, que reflete a nova

onda de desenvolvimento da cidade, corresponde aos últimos

anos. Os belos edifícios do Banco da Bahia, do Banco.do Comér­

cio e Indústria de Minas Gerais, do Banco Irmãos Guimarães,

do Banco Sergipense, o novo imóvel da Companhia de Seguros

Aliança e outros, edificados segundo as mesmas influências,

ilustram esse f~to de modo bem significativo.

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Page 151: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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Há assim três gerações de edifícios bancários na Cidade

Baixa. Os mais antigos acolhem os bancos menores, que têm uma

irradiação urbana ou regional. Os mais importantes se alojam

em imóveis modernos ou de meia-idade. As construções mais

recentes pertencem a bancos poderosos, que ocupavam instala­

ções inadaptadas, ou a agências locais de riços bancos de outros

estados ou países. As construções de meia-idade abrigam bancos e

instituições para bancárias igualmente ricos e poderosos, mas que

foram os primeiros a abandonar os imóveis mais antigos, quando

da primeira fase de transformação do centro. Sua arquitetura é a

mais representativa da época em que foram construídos.

Afora o banco, as atividades para bancárias, como os

seguros, por exemplo, fazem surgir novas construções não

somente na Cidade Alta, mas principalmente na Cidade Baixa.

O grande comércio de exportação e importação, concentrado

nas proximidades do porto, também constrói seus imóveis onde

confortavelmente se aloja. Os serviços públicos fazem o mesmo.

Encontram-se" na Cidade Alta, em sua maior parte. Alguns,

entretanto, passam agora por um processo de migração: são

aqueles serviços que têm maior interesse em ficar perto do porto

e do centro de atividade financeira. Os grandes màgazines (Duas

Américas, Florensilva, Casa da Música etc.) fazem construir

seus prÓprios edifícios, ao longo das avenidas na Cidade Alta,

mas também se constroem arranha-céus para abrigar lojas nos

andares térreos e serviços nos outros andares.

A simples enumeração das atividades que são càpazes

de se criarem um quadro próprio revela que a Cidade Baixa,

onde elas se instalam, é a parte da cidade que sofreu as maiores

transformaçõés, em consequencia da construção de arranha­

céus. Estes colonizaram as áreas" livres resultantes dos aterros

Page 152: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

do porto e formaram um grupo compacto, cada dia aumentado,

para substituir as velhas casas das ruas Miguel Calmon, Con­

selheiro Dantas e Portugal. Enquanto no distrito Conceição da

Praia, onde se encontra o centro bancário, a relação entre área

de piso e área coberta era de 15,9 em 1952, em São Pedro era

de 5,7, no Pilar era de 2,8 e em Brotas de 1,4. São Pedro é um

bairro metade residencial e metade comercial, so bre os eixos

da circulação, na Cidade Alta. Brotas é um bairro inteiramente

residencial. A grande diferença em favor da Conceição da Praia

deve-se- ao grande número dos edifícios em altura, os arranha­

céus que ultimamente foram construídos.

Na Cidade Alta, a administração pública e o comércio de

luxo são as atividades que podem transformar o velho quadro. As

atividades necessárias sobretudo à cidade e ao interior do Estado

refletem a sua pobreza e não dispõem de recursos comparáveis

àqueles que serviram à considerável e rápida modernização da

Cidade Baixa. Os novos edifícios são construídos dos dois lados

das ruas onde passam os veículos de transporte coletivo, quase

seguindo o antigo traçado. Somente próximo à rua Chile, que

é o coração do centro da Cidade Alta, é que recentemente se

mostrou uma tendência a não guardar mais esse plano linear, e

três pequenas ruas paralelas recebem agora um povoamento de

arranha-céus (Ajuda, Ruy Barbosa e Padre Vieira).

Mas, enquanto na Cidade Baixa as construções modernas se

agrupam, não só reduzindo como comprimindo contra a escarpa

o núcleo das velhas casas, na Cidade Alta os novos edifícios cons­

tituem uma espécie de faixa que se desenvolve ao longo das vias de

circulação, ladeados, nas duas margens, por casas mais antigas. Isso

quer dizer que as ruas vizinhas guardam quase a mesma fisionomia.

É uma situação provisória, consequência da conquista mais ou

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menos lenta que deverão sofrer cedo ou tarde. É por isso que nas

ruas comerciais do centro alto, arranha-céus são vizinhos de casas

de meia-idade. Os arranha-céus são, assim, o resultado da evolução

da cidade, da necessidade de concentrar sobre espaços relativamente

restritos o maior número possível de atividades; são construídos

visando também a obter, sobre um determinado espaço, a maior

renda. A construção em altura é necessária, em virtude dos preços

elevados atingidos pelos terrenos nos bairros centrais. É mesmo um

círculo vicioso, pois a concentração das atividades nos arranha-céus

conduz ao encarecimento dos terrenos. No ano de 1957, o Banco

do Brasil expôs à venda 394,45m' de terrenos de sua propriedade,

na Cidade Baixa, na esquina da avenida Estados Unidos com a rua

Argentina, pelo preço mínimo de 6 milhões de ~ruzeiros, isto é, 15

mil cruzeiros o metro quailrado. Os terrenos vizinhos, também

resultantes dos aterros do porto, foram vendidos pela companhia

cessionária das Docas da Bahia, em 1922, a 180 cruzeiros o metro

quadrado. Em 1941, o preço médio era de trezentos cruzeiros por

metro quadrado. Um particular, que a essa época adquiriu grandes

lotes, não os quer vender hoje senão ao preço mínimo de 15 mil

cruzeiros o mZ, isto é, a um preço cinquenta vezes mais alto.

Esse aumento de pteços cria um certo otimismo entre os

proprietários e anima todas as formas de especulação imobiliária,

contribuindo, desse modo, para agravar o problema da recupera­

ção dos velhos edifícios que se degradam ainda mais depressa.

Os Armazéns e Trapiches do F.orto

Assim como os arranha-céus, os depósitos construídos perto

do porto representam, também, atividades capazes de se criarem

~ um quadro próprio. Pertencem, na maior park dos casos, a em-

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presas de importação e, sobretudo, de exportação e se chamam

trapiches. Mas, além dos armazéns do porto, há outros que

pertencem a empresas especializadas, como a Companhia dos

Armazéns Gerais, organizada pelo Instituto de Cacau da Bahia,

desde que o grosso da exportação de cacau passou a se fazer por

Ilhéus, não mais por intermédio de Salvador. São construções

especializadas, levantadas para servir à estocagem da grande

massa de mercadorias manipulada por um porto cuja capacida­

de de carga e descarga é sabidamente pequena. São construções

baixas, em sua quase totalidade, formando um único corpo de

construção; estão situadas j unto ao cais, como os armazéns da

companhia concessionária do porto, que possuem um caráter

público, ou então entre o porto e a estação da estrada de ferro,

à Calçada, ao longo da avenida Jequitaia, onde se encontram os trapiches das empresas particulares.

As Casas de "Meia-idade"

Entre as construções do centro de Salvador, afora os arra­

nha-céus, os armazéns e os cortiços, há, entretanto, as edificações

que apelidamos de casa de "meia-idade". Essas casas de meia­

-idade representam uma primeira fase de expansão da cidade

e do seu centro, de adaptação aos modos de vida modernos, e

de valorização dos terrenos do centro. Surgiram, em maioria,

aproveitando as demolições que foram feitas para servir às no­

vas necessidades do tráfego nas ruas de maior circulação, como

as rúas Chile, Misericórdia, Ajuda e avenida Sete de Setembro,

na Cidade Alta, e as ruas Portugal e Conselheiro Dantas, na

Cidade Baixa. Tais casas de meia-idade são, por outro lado, os

primeiros edifícios construídos sobre os aterros do porto, de que

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nós já falamos quando realçamos a influência do banco sobre a

transformação do quadro urbano .

. A construção dessas casas de meia -idade se fez segundo

objetivos determinados, pois representavam, então, as atividades

capazes de se criarem um quadro. As instalações, entretanto, es-, tavam adaptadas já às novas funções que a cidade via se criarem.

É o que explica a sua resistência, maior que a das velhas casas,

à degradação e à demolição, frente à vaga de construções de ar­

ranha-céus, ao lado dos quais subsistem nas ruas anteriormente

mencionadas. Na rua Chile, por exemplo, apenas 7 entre as 24

casas que a constituem são de construção mais recente. As demais

são de meia-idade. Tal fato revela, entretanto, um processo de subs­

tituição que está em marcha. Tais construções só são demolidas por

uma questão de mais-valia, quando, em consequência da procura

de locais, os terrenos sobre os quais se encontram atingem um

valor tão elevado que é preferível construir novos edifícios, ainda

mais altos, no lugar ocupado por casas de apenas 20 a 30 anos.

O preço dos terrenos nas ruas vizinhas, constituídas por quar­

teirões insalubres e degradados, não é sensivelmente mais baixo;

então é preferível construir ao longo das ruas onde há garantias

de se obter um melhor preço de venda ou de aluguel por metro

quadrado de construção. É o que explica que uma tal substituição

se dê nas artérias comerciais onde se exercem atividades capazes

da criação de um quadro, como nas ruas, Chile, na Cidade Alta,

e Conselheiro Dantas, na Cidade Baixa.

Na rua Chile, por exemplo, onde arranha-céus muito mo­

dernos são vizinhos de casas de meia-idade, há quatro bijuterias,

cinco casas de modas femininas, sete de artigos para homens, sete

lojas de variedades, três de material fotográfico, três de discos,

três bombonerias, três casas de artigos de turismo (lembranças

Page 156: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

da Bahia), quatro lojas de artigos para crianças, um grande

magazine de tecidos e quatro magazines com múltiplas seções.

Além disso, há ainda quatro hotéis, cinco bancos, duas sorve­

terias, três institutos de beleza, duas livrarias, três agências de

companhias de aviação, uma agência de turismo e dois salões de

chá. Os médicos são 71; os dentistas 33; 39 os advogados; 14 os

agentes de comércio; nove as empresas de construção e apenas

uma casa de exportação de pedras preciosas.

Todas essas atividades, conforme vimos, são capazes de

provocar a construção de novos edifícios ou a readaptação de an­

tigos: são todas capazes de pagar altos aluguéis. Os consultórios

médicos e de dentistas, e os escritórios de advogados são alugados

a cerca de 200 cruzeiros o metro quadrado. O mesmo espaço,

no andar térreo, vale um preço vinte vezes mais elevado.

Os Cortiços

As atividades que não têm força para se criarem um qua­

dro alojam-se em um quadro pré-existente. Assim, os palace"tes

e sobradões envelhecidos, que perderam seu antigo" papel" de

residência dos nobres e da gente rica, conhecem" agora outras

utilizações. Alguns servem exclusivamente à residência pobre.

Outras abrigam, no andar térreo, um comércio de transição ou

artesanato e, nos outros andares, servem como residência pobre,

nas ruas contíguas ao centro comercial, onde se beneficiam da

paisagem dos transportes coletivos. Alguns outros têm apenas

uma utilização residencial. É o caso das ruas mais próximas do

horst e das ruas da Preguiça, na Cidade Baixa, áreas ainda não

atingidas pela expansão dos arranha-céus. Na Cidade Âlta, é o

caso da maior parte dos distritos da Sé e do Passo. "

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Os cortiços são o resultado da degradação progressiva des­

ses velhos casarões e sobrados, construídos no centro da cidade

quando essa era parte residencial rica.

Um belo exemplo de palacete, reduzido hoje à condição

de cortiço, é a chamada Casa das Sete Mortes, o n. 24 da rua

Ribeiro dos Santos, bem perto do centro de atividades da cidade.

É uma casa que possui uma longa história, misturada a lendas,

e da qual se conhecem múltiplas versões, a propósito das mor­

tes que as suas grossas paredes teriam presenciado. É daí que

lhe vem esse nome, conquanto as mortes tivessem sido apenas

quatro, segundo os depoimentos da época ... Em 1795, o juiz do

Tribunal desejou punir os assassinos.

A construção dessa casa data do século XVIII. Ela foi residên·

cia de gente rica, com um andar térreo e dois andares, uma fachada

coberta de azulejos azuis; as paredes do corredor eram igualmente

cobertas de azulejos de faiança. No andar térreo moravam os ser­

vidores e escravos. Em cima, era a residência dos senhores, com

belos salões bem mobiliados e quartos bem grandes.

Hoje, entretanto, ela é uma casa de ~ômodos.Seu valor

locativo é de apenas 50 mil cruzeiros (segundo o lançamento da

Prefeitura) e o aluguel de 350 cruzeiros. Já em 1940, a degradação

caminhava depressa. O andar térreo abrigava uma marcenaria e

a residência do marceneiro. O primeiro andar era dividido em

dezoito peças, das quais onze eram utilizadas como dormitórios.

Os moradores eram quarenta, isto é, uma média de mais ou menos

quatro por dormitório. Havia apenas dois sanitários e um rádio.

Em 1957, a situação mudava muito pouco. No andar térreo,

encontrava-se ainda a marcenaria e a moradia do marceneiro e

sua família. Mas, no primeiro andar, já havia quatorze dormitó-N 'e rios, onde se apertavam sessenta pessoas, isto é, cerca de 4,5 por

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dormitório. O aluguel era de 55 a 70 cruzeiros por sublocatário,

enquanto o locatário pagava ao proprietário os mesmos 350

cruzeiros. É bem verdade que, de alguns anos para cá, os aluguéis

não podem ser aumentados (Lei do Inquilinato). Mas, de qual­

quer maneira, tais cifras são bem significativas. São elas a melhor

explicação para o abandono em que se encontra o edifício, sem o '

menor sinal de higiene, sujo por fora e por dentro.

A degradação se estendeu tanto na Cidade Alta como na Cidade

Baixa. Atingiu toda a área dos velhos sobrados e das redondezas.

As razões que encontramos para explicar esse fenômeno;

são principalmente as seguintes:

1. A vida familiar organizou-se diferentemente, excluindo a pos­

sibilidade de manter numerosos domésticos, como antigamente.

2. Esse fato, ao lado das possibilidades entreabertas pela intro­

dução dos novos meios de transporte, levou as pessoas de maiores

posses a se mudarem para os bairros exteriores, longe do centro,

onde se construíam novas casas, adaptadas às novas necessidades.

3. Como aqueles edifícios perderam seu antigo papel e não é

possível alojar neles apenas uma família de classe média, começa­

se a utilizá-los de um outro modo; aí vão ser encontradas pessoas

pobres, um péqueno comércio, artesanato e prostituição.

4. Como essa forma de ocupação dos imóveis é, de maneira

quase geral, de rentabilidade fraca para os proprietários, estes não

veem qualquer vantagem em cuidá-los. Não realizam trabalhos

de reconstrução, nem mesmo de reparação, e as casas se tornam

cada vez mais sórdidas. Em 1956, por exemplo, 350 reconstru­

ções foram permitidas pela Prefeitura, na Cidade do Salvador.

Apenas duas foram feitas na Conceição da Praia, duas na Sé, dez

no Pilar e nenhuma no Passo. Em 1954, três na Sé;quatro no

Pilar, e nenhuma no Passo ou na Conceição da Praia. Em 1953,

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para um total de 114 em toda a cidade, a Sé contribuiu Com dois,

o Pilar coin três, o Passo'com uma, e a Conceição da Praia com

nenhuma. No período 1949-50, houve apenas uma reconstrução

na Conceição da Praia e uma no Passo. Os números relativos ao

Pilar são relativamente mais reveladores, mas mostram apenas·

que esse bairro foi colonizado pelo comércio, especialmente pelas

sedes de em presas rodoviárias e seus depósitos.

Como vimos, as causas de degradação nesse tipo de paisa­

gem são mais ou menos comuns aos bairros centrais de Salvador.

Entretanto, tais causas se particularizam na Cidade Alta pelas

razões seguintes:

1. A incapacidade do centro, isto é, das atividades que ele

abriga, de assimilar as áreas degradadas, acarretando o apare­

cimento de construções novas, não somente porque os novos

edifícios surgiram para substituir os que foram demolidos para

alargar as ruas principais, como porque as atividades que se

realizam nessa parte do centro comercial não tiveram bastante

força para se criarem um quadro.

2. A expansão desse centro comercial para o sul, na direção

dos bairros da classe rica e da classe média, seguindo as linhas de

cumeada e dos transportes. Por causa disso as casas construídas

aí, algumas das quais de meia-idade, foram substituídas por ou­

tras mais modernas. Essa operação é muito mais rentável para

os construtores que têm mais em vista edificar nas ruas vizinhas

que demolir os velhos palacetes e sobrados em ruínas ..

3. As interdições legais, criadas para proteger a paisagem e

assegurar uma boa perspectiva aos monumentos, de modo a preser­

var a fisionomia histórica dessa parte da cidade. Em certas ruas da

.; cidade velha, mais exatamente entre a praça da Sé e o convento do

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Foto 21. Rua Chile, na Cidade Alta. Notar como se misturam edifícios de várias idades. É a principal artéria do comércio varejista de luxo.

Foto 22. A Cidade Velha e o novo. povoamento de arranha-céus. Aspecto do centro da Cidade Alta no viaduto da Sé.

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Foto 23. Uma vista do Pelourinho.

j5 Foro 24. Outra vista do Pelourinho, vendo-se ao fundo a ladeira do Carmo. ~

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Carmo, é proibido construir casas com mais que um certo número de

andares. Essa restrição desencoraja os empresários, que encontram

assim mais uma boa razão para investir em outra parte, mesmo se

o terreno ou os trabalhos de demolição se tornam mais caros; eles

podem construir aí imóveis de vários andares e essa operação é muito mais rentável. É o que explica melhor a expansão do centro

comercial para o sul. A defesa do sítio exerce, assim, um papel de

verdadeira barreira à expansão dos novos imóveis para o norte.

Na Cidade Baixa, outras causas mais particulares juntam-se

àquelas causas gerais que explicam o fenômeno na Cidade Alta:

. 1. O aterro resultante da expansão do porto teve como. re­

sultado uma vasta superfície a ocupar. Era mais cômodo construir

diretamente sobre o vazio que ir demolir velhas casas. Além de um

preço de venda aproximadamente igual, há a vantagem da existência

de ruas mais largas e de uma circulação mais fácil. Tal vantagem

contribuiu para que a degradação dos velhos prédios continuasse.

2. foi talo abandono dos velhos sobrados da Preguiça e

das redondezas, agora inutilizáveis, mesmo para a moradia de

pessoas muito pobres, que eles se arruinaram completamente;

atingiram o último grau de degradação e são ocupàdos hoje com

depósitos de material de construção. Em consequência da fuga da

população, os serviços e artesanatos também desertaram. É bem

possível que, mais tarde, em consequência da evolução própria

a essa área, as atividades capazes de se criarem um quadro vão

preferir esses terrenos" de reserva" , onde muitas casas já caíram,

em detrimento de outras áreas onde ainda existe uma população

residual, junto ao pequeno comércio e ao artesanato.

As tendências da evolução urbana entre 1920 e 1940, já

examinadas por nós, mostrando uma predominância bem viva das

funçôes de relação e quase uma paralisia do centro de atividades

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destinado a servir ao.interior do organismo urbano, favoreceram

a degradação de modo muito sensível. Durante esse período, o

centro alto parece haver perdido dinamismo. A degradação foi

largamente favorecida, seja porque os fatores de mudança estavam

estacionários, seja porque estiveram ausentes. Mas esse fenômeno

foi acompanhado de um elemento de contradição, de verdadeira

oposição, representado, até 1940, pela inexistência de centros

secundários nos bairros. Esse fato acarretou uma certa expansão

do centro principal, certamente maior do que se as necessidades da

população pudessem ter sido satisfeitas em centros secundários.

Uma das características mais notáveis desse bairro central

de Salvador é o contraste entre preços elevados dos terrenos e os

aluguéis reduzidos. Esse contraste é tanto mais claro quanto o

bairro em ruínas se encontra a menos de cinco minutos do centro

comercial, onde o alto preço de venda dos terrenos corresponde

ao alto valor locativo dos edifícios. Na rua Juliano Moreira, por

exemplo, ainda se encontram aluguéis de 320 cruzeiros mensais

para uma casa de duas peças, de 170 cruzeiros por três peças e até

de 32 cruzeiros por um quarto não mobiliado (tais preços variam

de acordo com o tempo de aluguel). No Pelourinho (praça José

de Alencar), um alfaiate estabelecido há trinta anos paga apenas

127 cruzeiros mensais pelo aluguel de sua loja. Outros artesãos,

recentemente instalados, pagam respectivamente 140,200,238,

300, 355 e 600 cruzeiros pelos lugares em que trabalham. Um

pequeno armazém paga 800 cruzeiros de aluguel, que é de 1.100

cruzeiros para uma tipografia instalada há muito tempo e que

ocupa todo o andar térreo de uma casa.

Entretanto, na rua Chile, pertinho, uma sala de 30m2 rende

entre 3 e 5 mil cruzeiros ao proprietário e a mesma área, no andar

térreo, entre 20 e 30 mil. Esse contraste chocante é o resultado do

Page 164: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

conjunto das causas estudadas acima. É, ao mesmo tempo, a razão

por que os proprietários abandonam suas casas; a renda que eles

obtêm não estimula a fazer trabalhos de reconstrução ou mesmo

simples reparações. Não é por outra razão que esse bairro conhece

o maior número de incêndios em toda a cidade. Dos 854 incêndios

registrados em Salvador entre 1943 e 1952, mais da metade, isto é,

453, deu-se nos bairros centrais da Sé e da Conceição da Praia, onde

se acrescentam a presença de casas velhas e uma atividade comercial

intensa. No distrito do Passo, que é completamente deteriorado, mas

quase completamente residencial, o número dos incêndios subiu a

28 nestes dez últimos anos. Entretanto, os distritos da Conceição

da Praia e da Sé tinham, em 1950, mais ou menos 25% do total

das casas, isto é, 2.479 sobre um total de 94.020.

A relação entre os tipos de casa e as funções presentes nessa

parte degradada dos bairros centrais cria fenõmenos como este:

um prédio foi construído na rua Silva Jardim, para substituir uma

velha casa de ruínas. Tem quatro andares e foi edificado há dez

anos, com o objetivo de servir à instalação de lojas, no andar tér­

reo, e de escritórios nos outros andares. No entanto, ao fim de dez

anos, apenas uma pequena parte das salas se encontra ocupada.

No Pelourinho, uma velha casa, totalmente reparada no

interior, teve os quartos redivididos depois, do mesmo modo que

nas casas vizinhas, que se encontram em um estado lamentável.

Essa relação entre os aspectos formais da paisagem e os

do seu conteúdo é dotada de uma força de permanência que

contribui para conservar não apenas os aspectos miseráveis do

quadro, mas também as suas características funcionais.

A ruptura desse equilíbrio deve-se à expansão das ativi­

dades capazes de se criarem um quadro próprio, mas ela se fez

exclusivamente pelos bordos, como uma espécie de expansão

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pioneira, que deixa intacto o nódulo da zona. Esse front avança

por etapas. O comércio fortemente estabelecido tem tendência

a crescer e a substituir o comércio de transição, mal definido,

que se instala nas margens. Este como que monta sobre as áreas

residenciais vizinhas e as desorganiza.

Estamos bem colocados para compreender e julgar esse pro­

cesso na avenida Joana Angélica, cujo pedaço inicial formado, há

apenas dez anos, de residências ricas é colonizado por pensões;

as casas são divididas em quartos alugados a estudantes pobres,

pequenos empregados etc. Isso significa que elas se degradam.

É a consequência da expansão do comércio. Entretanto, é justo

admitir que, daqui a algum tempo (não podemos fixar um prazo,

pois, entre outros fatores, não conhecemos a variável que é o ritmo

de evolução da economia urbana), quando as atividades forem

capazes de se criarem um quadro, esse bairro será colonizado por

arranha-céus, expulsando, ao mesmo tempo, as atividades menos

importantes para a periferia, isto é, deslocando o front pioneiro.

Tal evolução encontra obstáculos, entretanto, na área onde é

proibido construir fora de certas regras, pelas razões já estudadas. Isso

provocará a tendência à conservação do mesmo estado de coisas, se não

houver intervenção direta do poder público. É o caso do Pelourinho.

EXEMPLOS DE RUAS

o Pelourinho

O Pelourinho é uma ladeira-praça, de forma irregular, ro­

deada de edifícios dos séculos XVIII e XIX, grandes casas nobres

de dois e de três andares, que serviram de residências a famílias

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ricas, mas que hoje caíram em ruínas. O interesse do estudo des­

sa praça reside no fato de que ela se situa no coração mesmo da

área resguardada pelos regulamentos que asseguram proteção aos

monumentos históricos da cidade. Assim, ela representa, a um só

tempo, um exemplo da influência dos fatores jurídicos sobre os

fatos de estrutura urbana e um exemplo de degradação.

O andar térreo de todos esses edifícios é ocupado por comér­

cios e artesanatos. Aí se encontram oficinas de vulcanização, baza­

res, alfaiates, joalheiros, casas que compram e vendem ferro-velho,

consertadores de coisas várias, armazéns, armarinhos, restaurantes

baratos, sapateiros, padarias, tipografias, fotografias, barbeiros de

terceira classe, açougues, uma pequena fábrica de sabão etc.

Nos andares mora uma população heterogênea que vive em

condições mais do que precárias.

O aluguel é baixo, de um modo geral, oscilando entre um

mínimo de 250 e um máximo de 5.330 cruzeiros. Este último

preço é, porém, excepcional. O aluguel varia em média de 400

a 800 cruzeiros. As casas de cômodo, cujos locatários são sobre­

tudo casais sem filhos ou celibatários, são numerosas.

É frequente ver vários rapazes ou moças morando num mes­

mo quarto. Casas que outrora abrigavam apenas uma família,

com seus escravos ou domésticos, sofreram um processo de sub­

divisão cada vez mais avançado; salas e quartos demasiadamente

pequenos, verdadeiras células, estão separados por paredes de

madeira. Nesses cubículos não há luz, nem ar e inexiste higiene. A

vida nesses cortiços é um verdadeiro inferno e as diversas famílias

que ocupam um mesmo andar se veem obrigadas a servirem-se

de um único banheiro e de uma só latrina. Escadas estragadas,

soalhos furados, paredes sujas, tetos com goteiras formam um

quadro comum a toda essa zona de degradação.

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Em 1940, havia 32 edifícios, contendo 179 dormitórios;

569 pessoas residiam aí, quer dizer, uma média de 3,2 por

dormitório. Em 1950, a população era de 708 pessoas, o que

tornava ainda mais graves as lamentáveis condições de vida. O

Pelourinho, como o restante dessa zona de transição, é preferi­

do pelas pessoas que não podem pagar altos aluguéis ou gastar

muito em transportes. É também um dos setores urbanos pro­

curados pelas pessoas tangidas do interior pelo êxodo. A maior

parte das famílias que moram nesse logradouro, isto é, 60%,

não são originárias da cidade, e alojam-se de qualquer maneira

no centro da cidade. São numerosos os que não dispõem de um

trabalho permanente. Entre os ofícios mais frequentes, encon­

tramos sobretudo os seguintes: bicheiro, encanador, lavadeira,

cozinheiro, bombeiro, pequeno funcionário, p~rteiro, engraxate,

encerador, viajante comercial, tipógrafo, empregado doméstico,

vendedor ambulante, chofer, condutor de ônibus, camelô etc.

Em suma, são pequenos empregados ou pessoas sem uma ocu­

pação permanente ou bem definida. Seu local de trabalho era,

de preferência, no centro da cidade. Em 26 das 28 casas em que

fizemos tal indagação, a resposta foi afirmativa.

Uma fotografia bem nítida do conteúdo e dás condiçôes

sociais em que vivem os moradores dessa praça nos foi dada por

uma enquete realizada junto aos alunos de uma escola primária

pública aí localizada. As respostas foram dadas pelos próprios

alunos, se bem que guiados pelas professoras. Os resultados dessa

pesquisa não são exagerados, mas, ao contrário, devem estar

atenuados, pelo fato de que os meninos são, de um modo geral,

pouco numerosos nos bairros centrais e desde muito cedo são

obrigados a trabalhar, em vista das condições sociais e econô­

micas dos seus pais. Por isso, muitos não podem ir à escola. Os

Page 168: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

dados que obtivemos possivelmente estarão ainda muito aquém

da realidade, que é bem mais dura.

As profissões confessadas para os pais e os adultos são bem

representativas das condições sociais universalmente reconheci­

das nas áreas de slums. Numerosos são os que não dispunham de

urÍ1a ocupação fixa ou definida: representam um terço do total.

Mais ou menos 20% dos pais não tinham trabalho, 25% procu­

ravam um novo emprego ou desejavam mudar de ocupação. A

percentagem das mulheres trabalhando fora do lar era de 28%.

Por outro lado, 27% executavam mesmo em casa um trabalho

lucrativo, remunerado, graças ao qual ajudavam a equilibrar o

orçamento doméstico; 45% das mulheres de maior idade não

tinham outro emprego senão o de domésticas, percentagem

elevada em relação à cidade tomada em conjunto, onde apenas

25% da população feminina, inclusive as domésticas, contavam

com um trabalho remunerado, em 1950.

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As condições de vida eram miseráveis: 67% dos que responde­

ram à nossa enquete dormiam com três pessoas ou mais no mesmo

quarto. Destes, 8% dormiam com mais cinco pessoas; 25% com mais

quatro; 25% com mais três; 22% com duas pessoas, 11 % com uma

pessoa e apenas 3 % dormiam sozinhos num quarto. Havia também

casos extremos, entretanto mais raros, como o de crianças cujo quarto

servia de dormitório a seis, sete e mesmo oito pessoas.

Entre esses, 18% não dormiam em camas, 45% afirmaram

que sua família se utilizava de latrinas comuns a outras famílias.

Apenas 55%, portanto, dispunham de aparelhos sanitários pes­

soais, mesmo assim em mau estado, salvo exceções.

Indagados se desejavam mudar de residência, 70% dos me­

ninos (dos quais 55% não vão ao cinema uma vez por semana)

responderam afirmativamente. Uma espécie de evasão psicoló­

gica caracterizou 60% das respostas, dando como bairros de

preferência aqueles da classe rica.

Em 10% 80S lares recenseados, não havia eletricidade e

apenas 4 % dispunham de telefone; este último índice não tem

grande significação, em virtude da crise de telefones generalizada

em toda a cidade; ·30% não possuíam rádio.

Uma outra constatação fornecida por essa pesquisa é a da

origem rural de uma boa parte (35%) dos moradores desse bairro

leproso. Entre estes, 45% não tiveram outra residência em Salva­

dor senão essa onde hoje se encontram, isto é, o bairro dos cortiços.

Atraídos pela miragem da grande cidade tentacular, vieram morar

nos velhos casarões da Sé e do Passo, bem co'mo nos da Cidade

Baixa, desde que chegaram do interior. Foram provavelmente atraÍ­

dos pela presença de outros naturais da mesma região, chamados

por uma espécie de simpatia, característica aliás da distribuição

espacial dos habitantes nos centros metropolitanos.

Page 170: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Aqueles que já moravam na cidade, e depois se mudaram para

os bairros em ruínas, residiam antes em bairros igualmente pobres.

Se, em casos isolados, algumas pessoas vieram de bairros ricos ou de

classe média, isso se deve ao fato, já mencionado, de que, em Salvador;

a repartição social dos bairros ainda não é total, estando os bairros

mais ricos misturados com habitações operárias da pior espécie.

A Baixa dos.Sapateiros

A rua Or. J. J. Seabra, mais conhecida como a Baixa dos Sa­

pateiros, é uma seção de um vale tortuoso e superimposto sobre

uma provável fratura (Keller e Oomingues, 1956) que bordeja as

colinas; diversas ladeiras conduzem, de um lado, à primeira linha

de cumeadas que forma o rebordo do horst, bem em frente à baía,

sítio escolhido para receber as primeiras casas da cidade de Tomé

de Sousa. De outro lado, aS ladeiras levam à segunda linha de coli­

nas, grosseiramente paralelas à primeira e que recebeu a expansão

do povoamento urbano durante o século XVII. A praça Cairu,

pertinho do portO, fica na cota de 4,5 m, o belvedere da praça

da Sé, na cota de 66,3 m, a praça Sátiro Dias, na avenida Joana

Angélica, na cota de 64 m e a Baixinha, sobre a rua Or. Seabra,

na de 37m. É a cidade média, na designação de Aroldo Azevedo

(1952), por oposição à Cidade Alta e à Cidade Baixa.

Zona de concentração de drenagem, é isso o que explica as

'suas sucessivas utilizações:

1. Defesa da cidade contra ataques eventuais do interior, nos

primeiros séculos (XVI e XVII) quando toda a cidade se limitava

à primeira linha de colinas, rodeada de muros: era o fosso.

2. Esgoto de águas usadas, como o atesta o nome que recebeu

depois o riacho que corre nesse vale: o rio das Tripas. Servia para

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Page 171: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

escoar, com auxílio da corrente, os restos do gado que era abatido

mais em cima, no antigo matadouro do bairro de São Bento.

3. A denominação de "rua das Hortas", dada ao seu trecho

inicial, é por si mesma eloqüente: era aí que a cidade em grande

parte se abastecia de frutas e legumes. Essa função, presente

sobre quase roda a extensão da rua durante vários séculos, há

somente dez anos que desapareceu completamente.

4. O sítio, periodicamente inundável, mesmo depois do

desaparecimento das preocupações de defesa, continua a impedir

uma utilização residencial, até que os trabalhos de drenagem

fossem realizados. Daí o nome que teve a rua, a partir dessas

obras: rua da Vala.

5. Esses trabalhos foram feitos na primeira metade do século

XIX, quando estancou a onda de construções de casas nobres - os

confoná veis e I uxuosos palacetes das colinas vizinhas - que h oje são

miseráveis coniços. As casas construídas na Baixa dos Sapateiros são

modestas e pobres, térreas geralmente, raramente com um andar,

Foto 25. Ainda na zona de transição, à rua das Portas do Carmo, Nota-se muito bem o comércio típico dessas áreas.

Page 172: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

Foto 26. Rua do Maciel de Cima, em plena zona de degradação soci,al, na Cidade Alta.

Foto 27. A rua do Maciel de Bai­xo, bem característica da zona de deterioração. Promiscuidade entre homens, bichos e coisas na rua e no interior das casas,

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moradia de artesãos, principalmente sapateiros, que terminaram

por transferir à rua o nome que ela possui atualmente.

6. No entanto, essa artéria foi rebatizada como rua Dr. J. J. Seabra, em homenagem ao governador do Estado que ordenou

a realização das obras criadoras de seu traçado atual. Tais obras

correspondem às novas funções da rua desde o começo do século

xx. O aumento da população da cidade, a expansão urbana

e a criação de bairros pobres e de classe média em direção ao

norte, a utilização do vale para a instalação de linhas de bondes

que vão servir aos novos bairros, e depois a superposição das

linhas de ônibus, são os fatores da transformação do aspecto e

das funções da Baixa dos Sapateiros. Eles fortaleceram, desse

modo, o papel comercial desempenhado pela rua desde os últimos

anos do século XIX. Ela se transformou pouco a pouco em rua

comercial, transformação que agora se termina.

O passado, o tempo em que a rua inundável era concomitan­

temente limite natural e ZOna de passagem, pesa indevidamente

sobre o presente; as subdivisões administrativas são as mesmas

que eram há três séculos. A rua ainda é a fronteira administra­

tiva entre os distritos de São Pedro, Sé, Santana, Passo, Nazaré

e mesmo Santo Antõnio, em sua extremidade norte. Tudo isso

dificulta as pesquisas e nos parece prejudicial à·administração sob

o plano da prática. Entretanto, as sucessivas reformas e remode­

lações da divisão administrativa municipal têm preservado essa

anomalia, tributo que a cidade paga inutilmente à sua história.

Na verdade, a sucessão de funções que foi chamada a realizar,

a rua Dr. Seabra deve aos diferentes modos como se pôde utilizar

o seu sítio. Acompanhando a evolução da cidade e das técnicas,

o sítio tem tido diferentes utilizações, o que lhe atribui situações

::: diferentes em relação à cidade, tomada como um conjunto.

Page 174: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

A Baixa dos Sapateiros é quase inteiramente formada de

casas térreas que ainda hoje refletem a condição social dos seus

primeiros moradores. Há, entretanto, duas exceções: uns poucos

pequenos sobrados com um andar e mesmo com dois andares,

principalmente na Baixinha e na rua Eduardo Carigé (antiga rua

das Flores) e mais recentemente os primeiros prédios em cimento

armado. Estes ainda não são meia dúzia, nenhum tem mais de

quatro andares, nenhum possui elevador.

A maioria das casas são de parede-meia. Como originaria­

mente eram casas de moradia, isso lhes ditava o aspecto exterior,

mas seu plano se modificou, pouco a pouco, à proporção que

a rua se deixava conquistar pelo comércio. Este a, moderniza.

Há quinze anos, por exemplo, era frequente ver enrolar e de­

senrolar toldos de madeira sobre os passeios, de acordo.com as

diferentes horas do dia. Hoje, entretanto, o número de marquises

em cimento armado é enorme. Fazem-se novas transformações,

aparecem vitrines modernas e anúncios em luz florescente e gás

neon, para adaptar o quadro às exigências da clientela.

A principal atividade dessa rua é o comércio. É um comér­

cio varejista pobre. No começo do século resumia-se ao trech<;>

denominado Baixinha, hoje rua Padre Agostinho Gomes. A de­

nominação Baixa dos Sapateiros, originariamente dada somente

a esse trecho, estendeu-se a toda a rua Dr. Seabra, à proporção

que o comércio também avançava. O início das atividades comer­

ciais nesse bairro (a Baixinha) deve-se à expansão do comércio

da Cidade Baixa, acompanhando a linha de mais fraca resistên­

cia, representada pela rua Silva Jardim; onde o declive é mais

suave que nas demais artérias ligando a Cidade Baixa à Cidade

Alta. Essa rua desde muito tempo é utilizada diariamente pelos

operários e empregados que, morando nos bairros do Norte da

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cidade, trabalham no porto ou na Cidade Baixa. Em seguida, o

comércio se expandiu até a extremidade da rua Dr. Seabra. Há

cinquenta anos ele se estendia somente até a rua Cônego Lobo

(Ladeira da Saúde); há vinte anos, até o largo de São Miguel e

a rua Marquês de Montalvão. Há apenas dez anos, "colonizou

a rua 28 de Setembro e fez junção com o antigo comércio de

alimentação da praça dos Veteranos. Mais recentemente ele ultra­

passou esta praça, ocupou o trecho que vai até a rua Rocha Pitta

e desbordou sobre a rua Aristides Milton. Assim ele se prolonga

até se encontrar" com a avenida Sete de Setembro e a praça Castro

Alves. Mas os prolongamentos recentes não têm ainda um cará­

ter definido, como no resto da rua. Constituem uma espécie de

comércio de transição (pequeno comércio, artesanato), uma sorte

de {ront pioneiro do comércio, com tendência a se estabilizar. É o

mesmo tipo de comércio que se prolonga pelas ruas transversais,

ruas Conselheiro Junqueira e da Independência, que gozam da

vantagem de serem utilizadas como passagem dos ônibus que a

complicação do tráfego afastou da Baixa dos Sapateiros. Estas

últimas ruas recebem o comércio de transição expulso de certas

ruas do bairro" da Sé, à proporção que eles ali são substituídos

por atividades mais rendosas e duráveis.

Pondo à parte esse comércio de transição que coloniza as eX­

tremidades e ruas transversais, a maior parte do comércio da rua é

constituído por um comércio pobre, de segunda necessidade. Não

há joalherias, casas de discos, salões de chá, os cafés são em número

" reduzido.Também não há escritórios de advogados; os médicos e

os dentistas são raros. Não há empresas mobiliárias, nem agências

de turismo. Enfim, não há grandes magazines, mas apenas lojas,

algumas de importância, mas a maior parte pequenas e médias.

~ São mais ou menos especializadas, mas geralmente se adaptam ao

Page 176: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

COMÉRCIO DA "BAIXA DOS SAPATEIR.OS" (E~e"'EMA II/NE4H)

I,.EGENDA: )( X)( - RES.OÊNCIAS

_ - COMÉRc.IO GSTABEl.E CIDO

~ -COI1É'RCtons 'TP4OSIÇ'~O& A~NATO

~ - PE.eue~ç 'NDÚSTR.IAS e AR.l"ESA.t ~ - c!OMÉn.C'IO DE

AI.IMENTOS

Page 177: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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quadro pré-existente, modificando-o na medida de suas necessidades ~ .

e possibilidades. É um comércio pobre, ligado de forma absoluta às

precisões de sua clientela. Isso não quer dizer que muitas pessoas dos

bairros mais favorecidos também não a procurem para fazer com­

pras, imaginando que a ausência de luxo permitirá encontrar preços

menos elevados que na rua Chile ou na avenida Sete de Setembro.

É preciso notar, ainda, a presença de um mercado ao ar livre,

em um grande terreno vazio, perto da praça do largo de São Mi­

guel. Serve ao abastecimento diário da população das casas arrui­

nadas das redondezas. O comércio de rua é igualmente animado,

representado por camelôs, por mulheres que vendem comidas nas

esquinas, pelos meninos que oferecem cigarros a retalho etc.

Em 1950, havia 250 lojas e 414 serviços. Em 1957, esse

número era muito maior, cerca de 400 lojas e 200 serviços, apro­

ximadamente. Tal acréscimo, que provocou a expansão espacial de

que já falamos, reflete, de um lado, o crescimento demográfico da

cidade e, de outro, revela úma certa elevação dos padrões de vida

da população. Observa-se este último fato com a recente instala­

ção de lojas que vendem artigos domésticos, inclusive geladeiras

e os fogões a gás; de utilização agora tão frequente, e de salões de

beleza que ocupam geralmente os primeiros e segundos andares.

Casas de comércio, lojas de uma certa categoria costumam

agrupar-se. É o caso, por exemplo, do comércio de móveis que

se localiza, salvo duas casas, entre o largo de São Miguel e a

rua Marquês de Montalvão, de ambos os lados. O comércio

de tecidos, bem como o de calçados, aperta-se entre o largo de

São Miguel e a Baixinha .. São os mais numerosos. A Baixinha e

suas redondezas constituem uma zona de concentração de um

importante comércio de alimentação, que serve à população

dos bairros do centro da cidade e aproveita a passagem diária

Page 178: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

de milhares de pessoas que vêm da Cidade Baixa procurar, na

rua Dr. Seabra, um meio de transporte para os bairros de classe

média ou pobre onde moram.

Estes preferem fazer suas compras na cidade, no centro,

para economizar assim alguns cruzeiros. Nesse mesmo bairro,

encontramos também vários restaurantes "frege-moscas" que

servem refeições ligeiras de meio-dia aos operários.

A Baixa dos Sapateiros não é uma artéria bancária. Afora

a agência da Caixa Econômica Federal, de antiga implantação

e cuja atividade não está diretamente ligada ao comércio, havia

apenas um guichê de banco até 1955. Foi fechado em consequên­

cia da falência da matriz no Rio de Janeiro. Em 1957, entretanto,

dois guichês foram abertos, ambos ligados a estabelecimentos

mais importantes da Cidade Baixa.

Em relação com os progressos observados, seja na rua Chi­

le e redondezas (um guichê em 1940, sete em 1957), rua onde

até mesmo o Palácio do Governo cedeu algumas dependências

para a instalação de uma agência bancária, seja na avenida Sete

de Setembro (nenhuma em 1940, cinco em 1957), seja na Cal­

çada e nas proximidades da estação da estrada de ferro (uma

em 1940, cinco em 1957), somos conduzidos à observação de

Labasse, segundo a qual o banco não é uma atividade pioneira,

mas g~ralmente se instala depois que outras atividades já se en­

contram solidamente esta beiecidas. A demonstração dessa tese

é difícil no caso presente, mas seja o fato de que as principais

casas comerciais são sucursais de outras da rua Chile, da avenida

Sete de Setembro e da Cidade Baixa, seja a situação financeira

das pessoas que se utilizam dessas lojas e frequentam a rua, bem

como a proximidade relativa dos outros centros bancários, po­

dem constituir razões válidas para a explicação desse fato.

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o comércio atraiu para a Baixa dos Sapateiros e redondezas

uma outra atividade: a indústria. Na verdade o'que existe é menos

uma atividade propriamente industrial que uma atividade artesanal,

instalada sobre a própria rua e nas velhas casas das ruas transversais,

onde se aproveita de espaços maiores e de aluguéis mais baixos.

Em 1955, o centro da cidade tinha 193 estabelecimentos

industriais e artesanais, de acordo com as estatísticas. Destes, 32

contavam com mais de 25 operários, 159 com mais de cinco e

33 com menos de cinco. Nesse cômputo, a Baixa dos Sapateiros

entrava com apenas três estabelecimentos com mais de 25 ope­

rários, isto é, 10% do total dessa categoria nos bairros centrais.

Tinha 47 estabelecimentos com mais de cinco operários, isto é,

29,5% do total do centro da cidade e 19 COm menOs de cinco

operários, isto é, 57,5%.

Estabelecimentos O Centro A Rua

com mais de 25 operários 32 3 9,2%

com mais de 5 operários 159 47 29,5%

com menos de 5 operários 33 19 57,5%

Tais índices revelam um primeiro caráter dessa atividade

semi-industrial da Baixa dos Sapateiros e suas redondezas: a

atividade artesanal é predominante não apenas em números

absolutos, como em números relativos, em relação ao conjunto

dos distritos centrais d;t cidade. Em 1955, 762 pessoas, dentre

as' quais 603 operários, participavam dessa atividade.

Um outro caráter é que na rua Dr. Seabra a manufatura está

em relação direta COm o comércio local, salvo em raros casos.

Duas hipóteses são possíveis: ou as atividades formam organi­

camente um só negócio, como, por exemplo, as catorze casas de

Page 180: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

móveis, as cin~o tipografias e as sete padarias, ou a fabricação

se faz para atender às necessidades das casas de comércio. Nesta

última hipótese, em vários casos verificamos que é o capital das

casas de comércio que faz surgir oficinas e pequenos fabricos. É

o caso das treze sapatarias. Entre parênteses, é curioso mostrar

que não são exclusivamente históricas ou folclóricas as razões

que permitem à rua guardar seu nome antigo: éaí que se encontra

um terço das sapatarias da cidade.

As fábricas d'il Baixa dos Sapateiros possuem outros carac­

teres gerais, comuns, aliás, às pequenas indústrias do centro da

cidade. É necessário observar principalmente o seguinte:

1. Que essas indústrias trabalham produtos semiacabados.

2. Que destinam os produtos que fabricam a um consumo

imediato.

3. Que não dispõem de lugar, nem de capacidade financeira

para estocar a sua produção; esta se faz à proporção das necessida­

des das casas comerciais e é vendida à proporção que se termina.

A Baixa dos Sapateiros continua sendo ain~a uma rua resi­

dencial. Sem falar nos becos e transversais, essa função residual é ., bem evidente nas extremidades da própria rua. Mas, não tendo

sido construída soore toda a largura do vale, o espaço que resta por

detrás das lojas foi ocupado por vários becos, formados de casinhas

"parede-meia", onde mora gente pobre. Exceto casos isolados, a

função residencial na Baixa dos Sapateiros caracteriza-se pelo fato

de que ela prolonga a degradação social das áreas vizinhas. Em

1940, a população. da rua, inclusive os becos, era de 795 pessoas;

em 1950 era de 951, o que representa acréscimo de 20%.

Tudo isso significa que duas tendências se opõem do ponto

de vista do papel residencial. De uma parte, o comércio expulsa

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os moradores; para ocupar ele próprio as casas, que transforma

a seu modo. A utilização residencial das casas que têm fachadas

diretamente sobre a rua tende, assim, a desaparecer. De outro

lado, a populaçãdpobre se acumula nas pequenas casas detrás,

cuja degradação é ainda mais acelerada.

A rua tem os seus ritmos. Desde manhãzinha, ela é percorrida

por veí~ulos coletivos que levam ao coração dos bairros centrais,

deixando na Baixinha uma verdadeira multidão de pequenos

empregados, operários e domésticos. Mais tarde, os estudantes e

os em pregados no comércio misturam-se a estes, pois os cursos

começam geralmente às 8 horas e as lojas se abrem às 8h30. De­

pois são OS funcionários que utilizam os bondes e ônibus. E, em

todas as horas do dia, gente que vem a negócio, donas de casa que

fazem compras etc. A rua está sempre animada, mas é à noitinha,

entre 17h30 e 19 horas, que ela é mais movimentada. É uma rua

estreita, de modo que quando um bonde para, tudo para. Perde-se

cinco vezes mais tempo que em outras horas do dia caso se prefira

passar pelo trecho principal. Mesmo a solução de desviar o trân­

sito não trouxe resultados apreciáveis, pois, cada dia que passa,

a população e o número de veículos são mais numerosos.

A circulação dos pedestres é importante também. Vimos

como os operários e pequenos empregados economizam 50 cen­

tavos subindo da Cidade Baixa pela rua Silva Jardim, cujo declive

é suave. Os deslocamentos seguem um certo ritmo. A circulação

é sobretudo descendente pela manhã e ascendente à noite. É o

fluxo mais considerável da cidade, maior mesmo que o da rua

Chile. Toda a rua, principalmente entre a pra~a dos Veteranos e

a Baixinha, é uma verdadeira torrente ininterrupta de pessoas,

desde as primeiras horas da manhã até as oito da noite .

. A rua não tem vida noturna. É utilizada pelos veículos coletivos

Page 182: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

que vão para os bairros do norte, mas falta-lhe animação própria,

sobretudo quando os cinemas fecham. Entretanto, são quatro os

cinemas aí localizados e as vitrines, geralmente sem gosto, que atraem

um número limitado de pessoas das classes média e pobre.

Pode-se, entretanto, falar de uma divisão da rua em trechos

segundo as funções que ela desempenha. De fato, se acompa-,'

nharmos a rua Dr. Seabra desde o seu começo, na esquina daÍ"ua·

Aristides Milton até as proximidades da rua Visconde do Rio'

Branco, aí encontramos casas de morada, oficinas de artesãos,

um pequeno comércio, que está instalado mais solidamente

nas proximidades na rua Visconde do Rio Branco (ladeira da

Praça). A praça dos Veteranos. é sobretudo artesanal e abriga·

um comércio muito ativo de produtos alimentares. Mas a rua

Conselheiro Junqueira, rua transversal recentemente conquis­

tada pelo comércio, repete também as características do trecho

inicial. Entre a praça dos Veteranos e o largo de São Miguel,

o comércio põde expulsar a quase totalidade dos moradores,

a partir de cinco anos mais ou menos. A atividade comercial é

mais intensa entre o largo de São Miguel e a Baixinha: é aí que

se encontram os estabelecimentos de nomes mais conhecidos. A

Baixinha e redondezas formam uma área em que o comércio de

alimentação evidentemente predomina; aí se situam armazéns,

restaurantes e cafés. Depois da Baixinha, as atividades indus­

triais, disseminadas entre as casas de morada. Estas começam a

dominar nas proximidades da praçá Primeiro de Maio.

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Um novo dinamismo sacode agora· a cidade e se reflete

sobre o seu centro de negócios e de atividades. Ele reforça a

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oposição entre as tendências de renovação representadas pelo

próprio dinamismo e as tendências conservadoras, apresentadas

pelas condições socioeconômicas e jurídicas. Os monumentos

e as casas de meia-idade, que ainda são mais ou menos úteis

às funções que presidiram à sua construção, não sofreram esse

choque. Continuam de pé, conforme já vimos, até 'que, por uma

questão de mais-valia, sua substituição se impõe.

Essa luta entre o arranha-céu que tem necessidade de se le­

vantar e o sobrado que não quer desaparecer não exprime apenas

o conflito entre a especulação imobiliária e a herança do passado.

Representa igualmente um imperativo do crescimento urbano, da

expansão dos negócios e da vida de relações, cujo espaço não poderá

se alargar demasiadamente, sob pena de se tonlar impraticável.

Das marchas e contramarchas dessa luta entre o arranha-céu

e o sobrado nasceram os cortiços. O contraste entre os preços

muito elevados do terreno e os aluguéis baixos dos prédios

explica esse círculo vicioso, e uma das suas consequências é a

zona de degradação social mais típica do Brasil, ao lado de um

majestoso conjunto de edifícios muito modernos, que respondem

a todas as exigências do conforto.

Os cortiços são os palacetes deserdados do seu papel histórico,

inutilizáveis, hoje, por ativi'dades mais rentáveis. Ficam à margem

do tempo, cujas marcas são agravadas pela falta de cuidados. Os

arranha-céus são a manifestação da força das atividades diretoras

da vida urbana e regional. Uns e outros representam aspectos , I

aparentemente opostos, mas verdadeiramente complementares,

de um mesmo e único fenômeno, que é a especulação.

A Baixa dos Sapateiros representa um tipo à parte, ligado

muito estreitamente ao processo'de evolução dos bairros centrais

~ da cidade. O atraso na utilização do seu sítio, isto é, a sua urba-

Page 184: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

nização, em relação ao resto dos bairros centrais, desempenha

um papel importante na explicação tanto dos aspectos formais,

comodas atividades que aí se constituíram. Urbanizada somente

no meio do século XIX, não tem os casarões que caracterizam os

quarteirões das vizinhanças. De outro lado, sendo atravessada

por linhas de bondes e ônibus que levam aos bairros da classe mé­

dia e pobre, este último fato explica a natureza das atividades que

se instalaram aí. Estas exercem um papel passivo, quase negativo,

na modificação do quadro, pois não dispõem de força bastante

para transformá-lo. A existência de quarteirões degradados nas

proximidades é um outro elemento que se opõe às modificações

de aspecto da rua, pois as atividades incapazes de se criarem um

quadro próprio deles se aproveitam. Pode-se dizer a mesma coisa

da grande extensão da rua (mais ou menos dois quilômetros),

atravessada por várias linhas de transporte coletivo, o que facilita

uma implantação disseminada do comércio.

Como fatores positivos da transformação do quadro,

aparecem timidamente atividades do tipo serviços, capazes de

pagar aluguéis mais altos e que justificam a construção dos raros

edifícios novos: essa transformação está ligada essencialmente à

melhoria dos níveis de vida da população da cidade.

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Page 185: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

CONCLUSÃO

Uma primeira e inevitável constatação, após a nossa

tentativa de incluir Salvador em um grande esquema

de classificação do fenômeno urbano, é que essa cidade

brasileira constitui um tipo autêntico de organização urbana, cuja

principal razão de seré uma economia comercial especulativa.

Salvador fornece, na verdade, um bom exemplo de metrópole

comercial que serve de traço de união entre um mundo colonial, que

é o seu hinter/and, e um mundo industrial, que compra as matérias­

-primas exportadas por seu porto, em forma bruta. É o exutório

de uma agricultura comercial cujo destino é estreitamente ligado

aos interesses das potências industriais. Nisto ela se parece a outras

. metrópoles coloniais. Entretanto, quanto a esse ponto de vista, ela

possui uma originalidade que provém de dois fatores principais. De

um lado, e ao contrário das metrópoles coloniais dos países coloniais

politicamente dependentes, ela não dispôe, a rigor, do estimulante

que pode ser trazido à vida urbana por capitais metropolitanos, seja

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Page 186: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

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diretamente, no caso da assoCiação comércio-agricultura comercial,

seja indiretamente, quando a construção de estradas de ferro, de

rodagem ou outras formas de equipamento favorecem o organis­

mo urbano através de uma organização do espaço que, sem essas

contribuições de fora, ele não poderia realizar.

Salvador é, assim, um fato de economia especulativa pura.

Pode-se acrescentar, por outro lado, que sua região de in­

fluência compreende, ao mesmo tempo, áreas onde se pratica

uma agricultura comercial intensiva e áreas onde se pratica uma"

agricultura de subsistência, extensiva e em economia quase fe­

cbada.A agricultura comercial não economiza recursos, quer à

cidade, quer à sua região; ao contrário, ela os reúne e envia-os

para fora. A agricultura de subsistência, pobre e atrasada, e em

consequência, incapaz de criar centros urbanos de uma certa

importância, influi negativamente sobre o desenvolvimento regio­

nal. Sendo ela praticamente estacionária, enquanto a população

não cessa de crescer, libera um grande número de pessoas que

vêm aumentar desmesuradamente a população metropolitana.

A fuga dos capitais disponíveis e a pobreza crônica das áreas

agrícolas explicam a persistência dessa função comercial, "à qual

não se veio juntar uma função industrial importante. O dinamismo

urbano é um resultado quase exclusivo do papel comercial e das

atividades que dele dependem, assim como a função administrativa.

Tais funções são capazes, uma e outra, de conservar para Salvador

uma centralização de recursos excessiva em relação ao território do

Estado, mas elas são incapazes, até mesmo em razão da economia

regional, de levar ao interior do Estado um fermento de vida.

" A ausência de uma função industrial im portante deve ser

considerada como raiz desse fato. Mas ela é igualmente uma

fi: consequência. Daí um paradoxo aparente, que constitui ao

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mesmo tempo um círculo vicioso: é a ausência de um dinamismo

próprio à cidade o responsável'pelo seu crescimento. A cidade

cresce por falta de dinamismo próprio.

Expliquemo-nos. Sua incapacidade de revolucionar a agri­

cultura do Estado tem como resultado a perpetuação da pobreza

geral; tal pobreza se reflete naturalmente sobre a metrópole, não

somente pelo aumento de população, mas igualmente como uma

restrição às suas possibilidades de expansão econômica: somente

as atividades capitalistas especulativas ganham terreno, direta

ou indiretamente, às custas da agricultura comercial, por" cuja

melhoria não se preocupam, preocupando-se "ainda menos com

a agricultura de subsistência. Ambas assim se enfraquecem e,

por essa razão, o círculo vicioso se fortalece. A cidade continua

a ver aumentar incessantemente a sua população.

As estradas, abertas para estabelecer uma ligação entre a

capital do Estado e as zonas semiáridas, periodicamente atin­

gidas pela seca, são uma realização estranha aos recursos do

próprio Estado e à capacidade de organização do espaço de sua

metrópole: devem-se à iniciativa de governos da República. Tais

estradas facilitaram a imigração dos excedentes de mão-de-obra

agrícola, bem como um grande êxodo durante os períodos secos.

Essa zona é submetida, ainda agora, às áleas do clima; sua vida

regional somente se afirma quando as condições se apresentam

favoráveis e então há excedentes agrícolas.

Observa-se, assim, a importância direta ou indireta da

especulação, seja na vida atual da cidade, seja durante o seu

passado, isto é, no processo do seu desenvolvimento. Poder-se-ia

dizer que a cidade evoluiu guardando as funções que lhe foram

atribuídas pouco depois da sua fundação. Aquelas outras que,

depois, vimos se ajuntarem, dependem das primeiras. A função

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bancária, por exemplo, que foi inicialmente uma consequência

da atividade comercial, criada para servi-la, explica, hoje, certos

fatos de comércio. É a principal responsável pela coalescência

das funções que tendem a reforçar o papel macrocefálico da

capital do Estado. Tal coalescência se realiza em favor da ativi­

dade comercial, ligada à atividade portuária e outras atividades

especulativas, do que resultou finalmente a conservação das

funções antigas e, mutatis mutandis, a pobreza de indústrias.

E o remédio indicado para corrigir a pobreza de indústrias é

exatamente a importação de capitais de fora: ..

Por isso a evolução da vida urbana e sua representação

são sinais seja da própria evolução da agricultura em sua re­

gião, seja da conjuntura mundial de que esta - a agricultura

comercial - depende. Esse papel de ponto de contato entre dois

mundos opostos, porém complementares, marca toda a vida

urbana, inclusive a organização interna da cidade. .

O centro não esca pa a essas influências. É mesmo a parte da

cidade que mais fortemente significa a existência desses fatos. A

penetração das técnicas modernas que aí se observa, em escala

maior ou menor, quer sobre a morfologia, quer sobre a paisagem,

são um reflexo da economia regional.

São aspectos que é necessário levar em c~mta, se desejamos

incluir a Cidade do Salvador nas grandes séries urbanas de que

fala P. George, mas, também, se queremos descobrir sua origi­

nalidade como um tipo de organização.

Assim é que as características fundamentais da atividade

econômica regional fornecem urna explicação para a repartição

social e profissional da população: uma classe rica, constituída

por banqueiros, homens do alto comércio, da indústria e grandes ". ::' proprietários; uma classe média, formada de pessoas exercendo

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profissões liberais, pequenos comerciantes, proprietários de terras

médios, funcionários públicos; e uma classe pobre, de operários,

empregados no comércio, pequenos func·ionários e gente sem pro­

fissão definida.

Essa es.trutura social se reflete sobre a estrutura urbana de

forma não rigorosa. Poderíamos mesmo dizer que a Cidade do

Salvador ainda não amadureceu do ponto de vista da estrutura

urbana, pois se há alguns bairros de características definidas,

para outros essa caracterização é menos precisa.

A explicação dessa "juventude" estrutural podemos encon­

trar na evolução histórica do fenômeno urbano: a orientação que

o crescimento urbano seguiu, preferindo as dorsais, valorizou

esses terrenos, enquanto as vertentes e os vales, estes principal­

mente, eram ocupados com uma população pobre. É daí que

provém a mistura observada nos bairros ricos. Pelas mesmas

razôes, e em consequência da valorização dos terrenos nas rUas

onde passam os transportes coletivos, classe média e pobre estão

também misturadas, nos vários bairros do Norte da cidade. As­

sim, a menos que levemos em consideração essa "diferenciação

social em linha" (sejam as dorsais, sejam as artérias que seguem

os transportes, sejam os vales recentemente urbanizados, sejam

ainda as ruas que associam duas dessas características), não

podemos deixar de reconhecer que falta à maioria dos bairros

uma homogeneida de de paisagem e de contexto.

As exceções si'.o, de um lado; os bairros extremamente pobres,

os bindovilles das "invasões", que entretanto são sujeitos a Um

processo de mudança social, parcialmente realizado quando uma

de suas partes é servida por transportes coletivos ou qualquer ou­

tro melhoramento. Por outro lado, os bairros centrais justapõem

uma área moderna, bem construída (o que se deve à força das

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funções que abriga), a 'uma outra área, de construções antigas,

onde mora uma população heterogênea e pobre. Entretanto, no

interior desse conjunto; a zona de expansão do comércio, zona

de luta entre as duas partes do conjunto, embora seja um front

pioneiro em constante deslocamento, possui características muito

próprias. De resto, seria inútil procurar realidades imutáveis no

interior das grandes cidades em processo de evolução.

A formação da estrutura da cidade depen&, assim, da especu­

lação, cuja marca se inscreve na atividade urbana. Bairro comercial,

criado para abrigar atividades especulativas, bairro de cortiços que

se deterioram sob a influência da especulação, bairros ricos e bairros

de classe média que se criam e se transformam especulativamente.

Daí os aluguéis elevados, a permitirem altas taxas de juros e, por

essa razão, proibitivos aos pobres. Enfim, os próprios bairros pobres

são .uma consequência do sistema especulativo de construção.

O sítio sobre o qual a cidade foi criada, especialmente o

do centro, torna essa evidência ainda mais grave: embaixo, uma

cidade nova que reduz, de mais a mais, contra o horst os restos de

cidade velha; em cima uma cidade velha, que se degrada, cortada

por ruas comerciais, onde a paisagem se renqva. Poderíamos ir

mais longe, mostrando como, na Cidade Alta, o comércio de

varejo apresenta dois diferentes aspectos: um comércio de luxo,

mais especializado na rua Chile e redondezas e na avenida Sete

de Setembro, provocando a construção de numerosos edifícios de

vários andares - crescimento em altura; e o comércio de varejo

pobre, mais especializado na Baixa dos Sapateiros, com casas

térreas em sua maioria. A evolução urbana e,de uma maneira

mais indireta, o sítio são os responsáveis por essa subdivisão.

Em resumo, as seções ativas do centro. se escalonam em três

grupos, segundo sua capacidade de formação ou de transfor-

Page 191: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

mação da paisagem: o comércio de varejo pobre, o comércio de

varejo rico e o alto comércio. Para compreender perfeitamente

a realidade, seria preciso acrescentar que o ritmo de expansão

de cada uma dessas atividades conformam-se também a esse

escalonamento. Eis o que se passa:

1. Uma pequena parte da população ativa manipula gran­

des capitais e é responsável pelas atividades diretoras da vida

urbana e regional.

2. Uma percentagem um pouco mais elevada da população

urbana e regional sustenta o comércio de varejo de luxo.

3. O grosso da população pobre da cidade mantém o comér­

cio de retalho pobre que, entretanto, tem uma menor expansão.

Tudo isso constitui um reflexo da economia regional, bem

como a oposição entre cidade nova, sobre os aterros do porto,

e cidade velha, colada ao horst ou sobre as colinas da Cidade

Alta. Os aterros são devidos aos trabalhos do porto e ligados à necessidade de expansão das atividades especulativas.

Examinamos já o papel do sítio "fabricado", seja no apa­

recimento dessa paisagem nova, seja na evolução da cidade

velha. Sem a especulação, não se poderia explicar inteiramente

a construção dos buildings, nem a deterioração das casas ricas

ou nobres do passado. Os regulamentos do urbanismo, preocu­

pados com a conservação dos aspectos históricos de uma parte

da cidade, oferecem uma certa resistência à transformação do

velho quadro. Mas é a especulação que incita a ir construir, em

outra parte, prédios com um número mais elevado de andares.

Podemos, agora, mostrar com mais força as idéias segundo

as quais imaginamos poder caracterizar a Cidade do Salvador e o

seu centro. É uma cidade onde a especulação comercial marca de

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vários modos todas as formas de vida. Diríamos que ela constitui

um exemplo típico de metrópole comercial, nascida exclusiva­

mente do fenômeno especulativo. É como um centro de atividades

essencialmente especulativa que ela se organi~a e age - ou deixa

de agir - sobre sua região. O centro, como a cidade, reflete todos

esses problemas. Ambos lhe devem sua originalidade.

Os aspectos vetustos dos bairros centrais aproximam Sal­

vador de certas cidades européias; ela é até mesmo considerada

como lhes sendo parecida na América, mais precisamente no

Brasil. A Cidade do Salvador deve esse fato à antiguidade do , seu papel de centro comercial. Mas, conquanto ela não seja tãb

jovem, de modo a resistir a essa comparação, o ritmo segundo

o qual se renova - ritmo de país novo - afasta a hipótese. Sua

pobreza industrial reconhecida exclui a possibilidade de associá­

la a uma classificação de cidades do tipo americano, das quais,

entretanto, ela possui muitos traços em sua paisagem central.

Deve-os, todavia, ao banco e a outras atividades de especulação

pura. Nós vimos, já, o que a faz diferente dos outros exemplos

de metrópole que, como ela, vão encontrar uma razão de vida

e dinamismo em um arriere-pays colonial.

Mesmo no Brasil, ela é singular. A outra cidade do velho

Nordeste, de evolução contemporânea e semelhante, Recife, além

de se desenvolver em sítio diferente - uma planície -constrói seu

novo centro com o sacrifício quase total dos aspectos herdados

do passado. As grandes cidades do Sul, como São Paulo, Rio d.e

Janeiro, Belo Horizonte, por exemplo, desenvolveram-se muito

depois e segundo um outro ritmo. Em todas essas, bem como em

Porto Alegre, os traços do passado são inexistentes, ou quase.

Assim, se nós devemos servir-nos de uma fórmula para

chegar a uma definição, diremos, então, que Salvador é uma

Page 193: Santos, Milton. o centro da cidade de salvador

criação da economia especulativa, a metrópole de uma economia

agrícola comercial antiga que ainda hoje subsiste; ela conserva as

funções que lhe deram um papel regional e, embora penetrada

pelas novas formas de vida, devidas à sua participação aos mo­

dos de vida do mundo industrial, mostra, ainda, na paisagem,

aspectos materiais de outros períodos.

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IWSTRAÇOES E FOTOS

MAPAS

.', 1. índice de aridez no Estado da Bahia .................................................... 37 2. Distribuição dos núcleos urbanos com mais de 5 mil habitantes .......... 38 3. O sítio de Salvador .............................................................................. 59 4. Ocupação do espaço na cidade ............................................................ 60 5. Evolução urbana de Salvador .............................................................. 61 6. Ocupação do espaço no centro da cidade ............................................ 70 7. Comércio na Cidade Alta ............ : ....................................................... 78 8. Comércio na Cidade Baixa .................................................................. 79 9. Comércio na Calçada .......................................................................... 80

10. Comércio na Liberdade ....................................................................... 81 11. Distribuição dos guichês bancários ...................................................... 91 12. As indústrias do centro ........................................................................ 97 13. A Cidade do Salvador no fim do século XVI ................. ~ ............ " .... 104 14. Os prédios da Cidade Baixa .............................................................. 112 15. O mosteiro de São Bento ................................................................... 117 16. Os pontos iniciais dos transportes coletivos e o seu percurso

no centro da cidade ........................................................................... 121 17. Evolução da população do centro da cidade ...................................... 127 18. Crescimento demográfico nos subdistritos urbanos de Salvador ........ 131

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19. O largo do Pelourinho ....................................................................... 173 20. O comércio da "Baixa dos ,Sapateiros" ............................................. 181

GRÁFICOS

1. Crescimento demográfico de Salvador ... "" ..................... " ................... 64 2. Pirâmide das idades do município de Salvador de 1940-1950 ............. 64 3. Pirâmides das idades. Estado da Bahia, município de Salvador ............ 65 4. Distribuição dos operários pelos setores .............................................. 96 5. Distribuição dos estabelecimentos industriais ...................................... 96

FOTOS

1. Salvador, cidade de 2 andares. Fotografia obtida em 1958 .. " .............. 72 2. Salvador, cidade de 2 andares .............................................................. 72 3. Paisagem de Salvador antes de 1950 .................................................... 85 4. Vista geral da feira de Águas de Meninos ............................................ 85 5. Detalhe da feira de Água de Meninos ..................................................... 92 6. Escarpa da falha que separa os dois níveis da Cidade .......................... 98 7. Detalhe da Cidade Baixa .............. , ........................ : ............................. 98 8. Sobre os aterros do porto surgem prédios modernos e belos ................ 99 9. Cidade Baixa, vendo-se no fundo o Elevador Lacerda ....................... 100

10. O fenômeno apontado na fotografia anterior .................................... 100 11. Rua Miguel Calmon .......................................................................... 109 12. Rua Conselheiro Dantas .................................................................... 110 13. A dissimetria da rua Conselheiro Dantas ........................................... 110 14. Parte da Cidade Baixa, chamada "Preguiça" ..................................... 128 15. A torre do velho Elevador do Taboão e uma parte da Cidade Baixa .. 128 16. O novo po'voamento de ~rranha-céus nos terrenos perto do porto .... 129 17. O belo prédio da Associação Comercial ............................................ 1 29 18. Justaposição das duas paisagens da 'Cidade Baixa ............................. 145 19. Edifício da primeira fase das novas construções da Cidade Baixa ...... 146 20. "B.olsa dos automóveis" .................................................................... 146 21. Rua Chile, na Cidade Alta ................................................................. 165 22. A Cidade Velha e o nova povoamento de arranha-céus ..................... 165 23. Uma vista do Pelourinho ..................... : ............................................. 166 24. Outra vista do Pelourinho ................. : ..................... ' ........................... 166 25. Rua das Portas do Carmo .................. ~ .............................................. 176 26. Rua do Maciel de Cima ..................................................................... 177 27. Rua do Maciel de Baixo .................................................................... 177

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