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Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Antropologia Santuário Transição, percursos e resistência no contexto de uma instituição total Dissertação conducente à obtenção do Grau de Mestre em Antropologia, especialidade de Movimentos Sociais Margarida Paula de Almeida Simões Cardoso Orientadora: Prof. Doutora Paula Godinho Junho de 2007

Santuário - Instituição totalrepositorio.lneg.pt/bitstream/10400.9/544/1/Santuário... · 2010. 4. 20. · 7. Uma ilha no meio da paranóia 101 7.1 O corpo 103 7.2. A auto-imagem

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Universidade Nova de Lisboa

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Departamento de Antropologia

Santuário

Transição, percursos e resistência no contexto de uma instituição total

Dissertação conducente à obtenção do Grau de Mestre em

Antropologia, especialidade de Movimentos Sociais

Margarida Paula de Almeida Simões Cardoso

Orientadora: Prof. Doutora Paula Godinho

Junho de 2007

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Ao meu Pai e à minha Mãe

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Agradecimentos

À Teresinha e ao Zé, porque não tinha feito este trabalho sem eles. A Teresinha aturou as minhas ausências, no trabalho de campo e dentro de casa, as leituras, as variações de humor, o cair de sono, os beijinhos de boa-noite quando já estava a dormir. O Zé, sobrecarregado com o seu próprio trabalho, de grande complexidade, esteve comigo em todas as horas.

Ao Rui, meu irmão, porque também não tinha feito este trabalho sem ele. Por tantos motivos e mais um: a sua biblioteca!

À minha Mãe e às minhas irmãs, por todos os motivos e mais uma: a Teresinha.

À minha Orientadora, a Prof. Doutora Paula Godinho, a quem agradeço ter confirmado sempre as primeiras impressões que tive: com a sua inteligência e enorme volume de informação, orientou-me a nível conceptual e metodológico, apoiou-me sempre na resolução das minhas dúvidas… mantendo a exigência, o bom humor e uma tolerância especial às inesperadas mudanças de planos!

Ao Desembargador João Moraes Rocha - e à sua família, a Sónia e as meninas -, porque abrindo as portas da sua casa, da sua impressionante biblioteca e acervo documental, tornou possível a concretização deste trabalho. Num momento particularmente exigente do seu próprio percurso académico, fui sempre acolhida calorosamente, guiada pelo meio dos livros com disponibilidade total, usufruindo de orientação bibliográfica e temática preciosa.

No CITI do INETI: à Doutora Maria Joaquina Barrulas e à Doutora Zita Correia, que me apoiaram, tornaram possível a obtenção da bolsa de mestrado e criaram sempre espaço institucional para eu poder desenvolver o meu trabalho. À Mónica André, pela amizade e pelas discussões conceptuais que nos mantêm alerta! À Rosália Cera e à Maria Dória, as minhas colegas bolseiras, porque estamos neste barco e divertimo-nos com isso!

Ao responsável pela comunidade, que me abriu as suas portas. A todos os que, na comunidade, aceitaram participar neste trabalho.

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Resumo

Procura-se compreender se os indivíduos actuam como resistentes no contexto de uma comunidade terapêutica, uma instituição total. Através de uma abordagem qualitativa que junta a observação à recolha das narrativas de vida, interroga-se a forma como os indivíduos vivem o tempo e os seus quotidianos, bem como os sistemas simbólicos hegemónicos que os enquadram. A proposta de análise inclui algumas das abordagens associadas ao interaccionismo, cruzando-os com aspectos associados aos capitais e à descaracterização do habitus em função dos percursos de vida. Por fim, apuram-se algumas categorias nucleares, com particular centralidade nos aspectos temporais e em situações de transição específicas, na comunidade, como a da ressaca, ou a da separação do contexto de consumo e do mercado capitalista.

Abstract

The purpose is to understand if informants, drug and alcohol consumers as therapeutic community inmates, act as resistants in a therapeutic community - a total institution. A qualitative approach brings together observation and life stories, seeking to understand how people lead their time and their daily life, as well as the framing hegemonic systems. The analysis of life stories includes interactionist approaches, as well as capital and habitus conceptual frameworks. Some important dimensions like time and specific transition situations show up, including the relevance of hangover during first days in the community. Consumption and capitalist system aspects are also discussed.

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Ìndice

Dedicatória 3 Agradecimentos 5 Resumo 7 Índice 9 1. Introdução 11

1.1. Olhar pelo outro lado: a recuperação na comunidade terapêutica 13 1.2. O objecto e o modo: advertências ao levantamento no terreno 17 1.3. Drogas: de que substâncias se fala? 17

1.3.1. A heroína e a cocaína 17 1.3.2. Alguns aspectos associados ao álcool 18

2. Um “club de cavalheiros” 21 2.1. Substâncias 23

2.1.1. Ópio 23 2.1.2. Coca 24

2.2. A droga de consumo 29 2.3 Em Portugal 32 2.4. Comunidades terapêuticas 35

3. A omissão do triângulo 37 3.1. Campos de forças 39 3.2. Tempo, consumos e estilos de vida desviantes 45

4. Tempo e processo: histórias de vida 47 4.1. Capitais e interconvertibilidade 51 4.2. Tempo e mudança 53 4.3. Tempo e memória 55

5. A nossa maneira de vermos o Outro é uma forma de nos vermos a nós mesmos? 57 5.1. Acesso e unidades de análise 59 5.2. Fazer reflectir o processo 61 5.3. Momentos da comunidade 62 5.4. Récits de vie e análise de discurso 62

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6. Santuário: nós aqui e um lugar perigoso lá fora 67 6.1. Introdução 69 6.2. O circuito contextual 70 6.3. O jardim 73 6.4. O chão vermelho das arcadas 75 6.5. A ruína 76 6.6. Atrás da porta, na sombra, as regras da comunidade 78 6.7. Hora do lanche 86

A. Dário: um imigrante em Portugal 89 B. Cristina, estar cá dentro estando lá fora 94

7. Uma ilha no meio da paranóia 101 7.1 O corpo 103 7.2. A auto-imagem 105 7.3 A carreira moral 108 7.4 A dimensão dos quadros de referência. 111 7.5 A instituição total 113 7.6 Palcos e comunicação 115 7.7 O tempo social 117 7.8 A dimensão de memórias do consumo 118 7.9. As omissões 119

8. Conclusões: Fazer perdurar a mudança. 121 Bibliografia 127 Anexos. Análise de discurso

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1. Introdução.

Olhar pelo outro lado: a recuperação na comunidade terapêutica

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1.1. Olhar pelo outro lado: a recuperação na comunidade terapêutica

O presente trabalho tem como objectivo compreender se os indivíduos agem, ou não, como resistentes no contexto específico e na relação com uma instituição total, a comunidade terapêutica.

Procura-se apurar sob que forma a hegemonia e a resistência transparecem do discurso, através da expressão do regime da comunidade terapêutica, que terá a ver com a maneira como o tempo social é vivido. Assim se enquadra a primeira hipótese:

• A dominação não é aceite, e a não aceitação dá-se através da opção por uma estrutura simbólica própria, em que o valor de mercado do tempo (ressaca) se perde, mas o valor pessoal aumenta (tempo livre). O valor actualmente associado ao tempo passa a ser o valor trabalho? A ocupação do tempo na comunidade é uma forma de resistência, a ocupação do tempo em dadas tarefas é simbólica?

Por outro lado, procura-se compreender a coincidência dos objectivos da comunidade com o discurso expresso pelos agentes que a integram. Procura-se, assim, compreender se os agentes se encontram no processo de transição esperado ou, pelo contrário, se a sua lógica posicional é diversa. Os residentes na comunidade terapêutica descrevem esta lógica narrando a sua vida, o que os conduz até à comunidade, como vivem o dia-a-dia antes de chegar à comunidade, durante a estadia na comunidade e como perspectivam os dias futuros, quando e se tiverem projectos para sair.

A segunda hipótese de trabalho apresenta-nos o terreno em que a resistência é preferencialmente exercida e ganha maior visibilidade, uma instituição totalitária.

• Em que medida coincidem a expectativa e o pressuposto hegemónico da instituição com o discurso e as expectativas dos indivíduos?

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Procura-se distinguir no discurso dos informantes os pontos de referência, ou perspectivas situacionais que adoptam no seu percurso como consumidores, e as distâncias do discurso aos objectivos institucionais do processo, enquadrados historicamente.

“O que é uma vida conseguida, realizada?: a questão convida-nos a tornarmo-nos espectadores de nós mesmos” (Ferry, 2002, p. 59). Historicamente, o Autor refere que sob uma perspectiva cosmológica, a coerêcia de uma vida encontra-se subordinada a uma entidade e a uma lógica superiores, exteriores – de que o homem se aproxima através da sabedoria sobre as coisas divinas, mas também à sabedoria prática (Ferry, 2002, p. 62-65). Num segundo momento, teológico, a transcedência personifica-se num deus, mantendo-se o pressuposto da aproximação a algo exterior. Num terceiro momento, utópico, procura-se a neutralização do indivíduo perante o todo social, e finalmente, no presente, o materialismo tenta abolir a transcendência mas, na verdade, o individualismo e o humanismo tornam-na de novo possível. Será que a abordagem ao consumo de substâncias (e à transgressão com o recurso a esse consumo) tem, por trás, esta perspectiva da vida realizada, conseguida? Será que se materializaram estes pressupostos numa espécie de etnocentrismo de vida? Pois bem, o pressuposto do abandono ideal deste etnocentrismo (abandono não inocente, não inócuo) é a linha de orientação deste trabalho, associado a uma abordagem qualitativa (Pais, 2002, p. 153). Como afirma Fernandes, “O “mundo da droga” é (...) visto pela cultura dominante como uma perda de sentido. (...) [mas] um mundo que perdura e se reproduz tem de encerrar uma lógica e um sentido.” (Fernandes, 1998, p. 206)

Hunt & Barker chamam a atenção para um dos demónios que assolam as pesquisas sobre o consumo de substâncias. Demónio ou demissão, do holismo a que as ciências sociais se vincularam há muito tempo atrás. E o que é? A separação das pesquisas sobre álcool, das pesquisas sobre as drogas (cf. Hunt & Barker, 2001, p. 171). Pois essa separação foi precisamente a que constatei que não posso fazer no meu trabalho. Não posso, porque da communitas que abordei fazem parte pessoas que consomem, ou consumiram, ou voltarão a consumir, todo o tipo de substâncias. Mas também porque, como ultimamente se confirma mas já se pressentia no terreno há tempo – e aqui refiro-me especificamente à minha experiência no Casal Ventoso: cada pessoa consome as mais diversas substâncias, em simultâneo ou em diferido no tempo. Assim, é necessário atender à agência dos consumidores de drogas ou bebedores problemáticos, e à sua resistência à ordem dominante (Hunt &

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Barker, 2001, p. 177), ou pelo menos, aos pressupostos dominantes. É sobretudo necessário aceitar que o discurso que ouvimos é uma acção paralela a algo que apenas pressentimos.

A proposta de uma antropologia das substâncias, conforme os Autores referem, pode ser um bom ponto de partida, pois implica um único quadro de referência para o estudo. Este inclui o tratamento do consumo como revelador de comportamentos sócio-culturais, preocupações e símbolos; uma abordagem que se debruça sobre grupos e esferas de consumo diferenciados, comportamentos e decisões; a não-diferenciação, não-separação, da análise da produção, da distribuição e do consumo – uma vez que os actores podem ser os mesmos; e a proposta do exame das relações de poder associadas à economia moral das substâncias na sociedade (Hunt & Barker, 2001, p. 178). Esta antropologia das substâncias implica no entanto, no caso deste trabalho, algumas considerações a

priori:

a) Não pretendo fazer uma antropologia das substâncias, pelo menos não num sentido lato e abrangente, mas de um conjunto de pessoas, uma communitas – segundo Turner, a organização institucional de um conjunto de actores implicados (Turner, [1969] 1989, p. 166-167). Portanto, pessoas que num dado processo chegam a encontrar-se, seguindo por caminhos diferentes – e já agora, que caminhos são estes? Parece-me, por ora, uma antropologia, tout court.

b) O consumo revelará comportamentos sócio-culturais, mas neste caso abordo um conjunto de pessoas que são muito mais não-consumidoras, do que consumidoras – quer porque se definem pela negativa (pararam o consumo das substâncias), quer porque a sua situação em particular as afasta dos mercados onde consumiriam, e aqui não me refiro estritamente às substâncias, às drogas, ao álcool; no entanto, como veremos, este afastamento tem características específicas, visíveis nas declarações de cada um dos entrevistados.

c) Não diferencio a análise da produção, da distribuição e do consumo, mas em boa verdade o consumo é abordado de forma específica, pelos motivos da alínea anterior, mas porque as características da comunidade ditam o seu afastamento do mercado; a produção e a distribuição são vistas à distância de onde esses processos têm sentido – ou seja, numa perspectiva histórica – que enquadra a circulação dos produtos, mas não as pessoas com quem falo;

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d) Faz sentido uma economia weberiana das substâncias, e faz sentido a economia da acção vivida pelos indivíduos face à comunidade, conforme vão permanecendo: a carreira moral, como refere Goffman, pode enquadrar os indivíduos e a sua vida no grupo.

Por fim, uma última dúvida: como abordar as substâncias que condicionaram a partida destes indivíduos para a comunidade? O peso mais relevante das drogas pareceu-me óbvio, porque a própria comunidade apresenta uma vocação e uma ocupação mais viradas para a abordagem de internamento de heroinómanos tradicional (tradicional na Europa, como refere o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, OEDT [EMCDDA], 2006).

Pareceu-me lógico no entanto poder deixar transparecer as evoluções históricas, algo lineares, da maneira como se têm encarado as drogas, quer partindo do ópio como mais uma substância que compõe os mercados de consumo quer, por outro lado, a cocaína que alimentou outros mercados (relacionados com a mineração dos metais preciosos), quer a unificação dos percursos e a abordagem dos movimentos de temperança a partir do século XIX, que passarão a impor a perspectiva e o seu contraditório (a redução de danos do séc. XX), tornando algo unívoca a maneira como olhamos estas substâncias.

O presente trabalho compõe-se, assim, de uma introdução de caracterização sobre as substâncias cujo consumo conduz as pessoas à comunidade terapêutica. Não se procura um conhecimento extensivo mas uma noção breve sobre estas drogas, ou mais exactamente, substâncias que provocam dano. De seguida aborda-se historicamente quer o consumo de opiáceos, quer o consumo da coca (que se afastam ambos do contexto europeu, mas não das mãos europeias...) e a situação do álcool tal como ela é abordada pela Organização Mundial de Saúde. De seguida aborda-se o percurso histórico das regulamentações sobre a proibição e o consumo das substâncias de que falamos, movimento que inclui quer as drogas quer o álcool, até ao presente, e uma breve contextualização das comunidades terapêuticas. Faz-se uma leitura crítica das abordagens teóricas à problemática do consumo de drogas, e de seguida enunciam-se os princípios teóricos escolhidos para a leitura do contexto, que incluem as noções de tempo, de consumo, de capital, de palcos, de carreira moral, entre outros, e ainda alguns dos recursos teóricos propostos pelos Autores previamente referidos. De seguida, propõe-se uma abordagem metodológica ao terreno, discutindo as opções em função dos

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objectivos do trabalho. Faz-se uma descrição do terreno e analisam-se os elementos recolhidos com recurso às entrevistas etnográficas, em que se propôs às pessoas que descrevam a forma como a sua vida as conduz até à comunidade (como proposta de partida para a narrativa). Por fim, propõe-se um conjunto de conclusões.

1.2. O objecto e o modo: advertências ao levantamento no terreno

O presente trabalho foi desenvolvido numa comunidade terapêutica em relação à qual tenho ligações anteriores como técnica e como familiar de alguns dos associados da instituição que a gere. Foram pesados os prós e os contras das implicações desta proximidade (abordados na metodologia deste trabalho, nomeadamente no que respeita ao acesso) e optou-se por esclarecer de forma clara e objectiva todas as pessoas que optaram por participar no estudo, quer sobre os objectivos quer sobre as ligações em causa. A todas as pessoas foi dada a opção de participação, e alguns optaram por não participar. Assegurou-se o anonimato: os nomes são todos pseudónimos, os locais sensíveis foram omitidos.

1.3. Drogas: de que substâncias se fala?

1.3.1. A heroína e a cocaína

Do ópio extrai-se a heroína e a morfina: a substância é extraída da papoila dormideira (papaver

somniferum). A seiva que brota do cálice da papoila, seca e fica castanha-escura. O produto compõe-se de vários alcalóides, como a morfina, a codeína, a tebaína e a papaverina (Duarte, 2005, p. 137).

A morfina é inicialmente isolada na Alemanha, por Serturner (Duarte, 2005, p. 137), e usada como analgésico. Do uso indiscriminado da morfina na guerra civil americana ou na franco-prussiana virá a resultar a primeira vaga de morfinómanos (Duarte, 2005, p. 139).

A partir da morfina, obtém-se a heroína, por um processo de acetilação para o qual são usados diversos precursores (ácido clorídrico, amoníaco, acetona, outros). Dresser descobre a heroína em 1874, na Alemanha (Berridge & Mars, 2004, p. 747), séculos depois do início do consumo do ópio (fumado). A substância é registada pela indústria farmacêutica, que antevê na heroína potencial

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vantajoso mas não os inconvenientes da morfina, o que se virá a constatar como errado, já na transição do século XIX para o século XX (Duarte, 2005, p. 139). O aspecto da heroína é o de um pó baço e fino, de cor acastanhada e branca, e é consumida misturada com substâncias de corte como a lactose ou alguns medicamentos. Actua no sistema nervoso central e provoca prostração, sonolência, diminuição de actividade. Pode ser consumida inalada (menos habitual), fumada e injectada. A heroína é frequentemente consumida misturada com cocaína.

A produção coincide, curiosamente, com alguns dos momentos geopolíticos actuais: o Afganistão, principal fornecedor da Europa (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 12), o Paquistão, a Turquia, a Birmânia – ou Myanmar – , o Laos, são produtores, existindo um número de rotas que alimentam a circulação do produto a nível mundial (CIA, 2006).

As folhas de coca (erythroxylon coca) provêm de arbustos e são consumidas pelas populações dos Andes há séculos (Ferreira & Martini, 2001, p. 96), sob a forma de uma bola de folhas embebida numa qualquer substância alcalina, como o limão (Dory & Roux, 1998, p. 22). Para a preparação da cocaína colhem-se as folhas e são maceradas, obtendo-se a pasta de coca, escura e mascável. Junta-se a esta pasta ácido sulfúrico e leite de cal e obtém-se a cocaína base, que pode ser fumada. Depois de tratada com ácido clorídrico, é obtido um pó branco e cristalino, que pode ser inalado (veja-se a este propósito a informação pormenorizada no site do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, em www.emcdda.europa.eu).

O consumo da cocaína induz euforia, ansiedade, diminui a fadiga física e desencadeia estados de excitação. Muitas vezes é tomada em combinação com tranquilizantes, para compensar o poder estimulante que tem. É cultivada na Colômbia, origem da maior parte do produto (OEDT [EMCDDA], p. 58), no Peru e na Bolívia.

1.3.2. Alguns aspectos associados ao álcool

A Organização Mundial de Saúde aponta para cerca de setenta e seis milhões de pessoas, a nível mundial, com diagnósticos de desordens alcoólicas (WHO [OMS], 2004, p. 1). Os problemas relacionados com o álcool (e com os padrões complexos de consumo da substância), ganham visibilidade através da intoxicação alcoólica, por exemplo. Mas um dos problemas apontados e sempre

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estreitamente relacionados com o álcool, na literatura e nos indicadores é, certamente, o dos acidentes de viação – juntamente com o cancro do esófago, do fígado, a cirrose, o homicídio, podendo ainda desencadear as crises epilépticas (WHO [OMS], 2004, p. 1). Entre os problemas associados ao consumo excessivo de álcool, os acidentes de viação são, com efeito, responsáveis pelos danos ocorridos em muitos dos indivíduos, com a particularidade de se repercutirem em vítimas que não consomem. Klingemann & Gmel (WHO [OMS], 2004, p. 35) realçam o impacto económico dos consumos excessivos, nomeadamente por causa do facto de os consumidores desta substância testemunharem um grau de absentismo laboral muito mais elevado que o habitual (WHO [OMS], 2004, p. 59).

Os sujeitos do presente estudo consumiram, basicamente, estas substâncias, embora ocasionalmente tenham ingerido outras, tais como tranquilizantes, eventualmente misturados no caldo (a preparação injectável) em substituição de produto que não podiam, no momento, obter.

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2. Um “club de cavalheiros”

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2.1 Substâncias

2.1.1. Ópio

Ao mesmo tempo que os britânicos se habituam ao chá e ao açúcar, o ópio inicia a sua disseminação no território chinês. Numa abordagem em que constrói a história da vida social do ópio, à maneira de Appadurai ou Kopitoff, a investigadora Zheng Yangwen faz a análise do processo na China. A Autora recorre, ainda, aos pressupostos teóricos de Bourdieu, transportando a crítica social do julgamento e do gosto aplicadas à arte e à música, para o ópio, e também a perspectiva de Baudrillard do consumo como um sistema de símbolos e, em simultâneo, como uma estrutura de trocas (Yangwen, 2005, p. 3).

O ópio começa como erva medicinal e torna-se, em 1483, a “arte de alquimistas, sexo e senhoras da corte” (Yangwen, 2005, p. 2, trad. livre). É originalmente apelidado de fragrância, a fragrância negra, um xiang. Usadas como produtos de beleza, combinadas com os alimentos, usadas como perfumes de ambiente ou para o controlo da pestilência, as fragrâncias são ainda usadas como medicamento ou afrodisíaco (Yangwen, 2005, p. 16): afrodisíaco é, assim, o papel que o ópio assume no consumo das elites, portanto, como produto de luxo. O tabaco é descoberto por Colombo, na América, e alastra de Espanha e Portugal para a Europa e para as possessões coloniais do Extremo Oriente. Entra na China no século XVI, e o fumo populariza-se entre os séculos XVI e XVII (bem como o cultivo), supondo-se que a prática do fumo do ópio se virá a associar ao fumo do tabaco: crê-se que o hábito do fumo tenha sido adquirido a partir do fumo do tabaco, introduzido na Formosa pelos Portugueses (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 9-10).

O fumo do ópio é popularizado, num longo percurso até ao século XVIII, e no século XIX dá-se um processo de massificação do consumo, depois da abertura do comércio com a Índia. As mercadorias estrangeiras adquirem um prestígio especial na China, e também o ópio é uma droga estrangeira. Embora o consumo se generalize, ele restringe-se em termos qualitativos às elites, sendo provável que os mais pobres fumem cinzas de sobra, misturadas com tabaco, ou ópio local (Yangwen, 2005, p. 90).

O contrabando de ópio atinge proporções consideráveis, de forma a assegurar o fluxo necessário ao consumo. As características epidémicas inerentes ao consumo maciço levam no entanto o Imperador

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Chinês, no século XIX, a decretar a proibição do ópio – alguns príncipes são mesmo privados dos seus títulos e banidos por consumir (Yangwen, 2005, p. 97), o que leva o Império do Meio a desenvolver um combate acentuado contra a entrada de ópio clandestino no país: isto virá a originar a primeira guerra do ópio, entre 1838 e 1842, desencadeada e vencida pela Grã-Bretanha, que consegue a abertura de portos chineses e a entrega de Hong Kong (que virá a ser devolvida em 1997). O conflito voltará entre 1856-60, desta feita desencadeado de novo pelos Britânicos e com a colaboração dos Franceses, sendo de igual forma vencido pelos ocidentais e obrigando a mais um reforço da abertura comercial chinesa, inclusivamente a entrada facilitada de Missionários… que virão a intervir na censura sobre o consumo do ópio, precisamente (Yangwen, 2005, p. 97-98).

2.1.2. Coca

Os Espanhóis chegam ao Peru em 1524, e a pressão que exercem sobre a estrutura político-social do império inca leva ao desenvolvimento da cultura generalizada da coca na zona dos Andes. Pelos temores de dificultar a conversão dos índios, e verificando os problemas de saúde que as zonas de cultivo levantam, a Igreja Católica pede a erradicação das culturas. Mas o facto é que a expansão pelos territórios andinos continua. Filipe II de Espanha chega a interditá-la, mas apenas para as práticas pagãs: na realidade, o seu consumo é imposto aos trabalhadores das minas de prata (na actual Bolívia), e os trabalhadores das fazendas cocaleras passam a estar protegidos, uma vez que asseguram a energia dos andinos para a mineração (Dory & Roux, 1998, p. 23-25). A Igreja continua o seu protesto face às condições de sanidade dos índios – e a Inquisição, perante as práticas pagãs nas minas – e a coca passa a ser taxada: uma parte do imposto é entregue à Igreja, em géneros (coca), que administrará os hospitais para os índios. Pouco depois, os Dominicanos, como outros, começam a produzir coca nas suas próprias fazendas, e os obstáculos cessam (Dory & Roux, 1998, p. 25), sendo a economia da coca, ao fim e ao cabo, raiz da fortuna das ordens religiosas naquelas paragens.

Esta economia da coca acompanha a expansão da mineração nos territórios andinos, com altos e baixos associados, por exemplo, às migrações dos trabalhadores, a epidemias que os dizimam (no século XVII), ou às revoltas que provocam o abandono das minas (no século XVIII), mas sofre variações mais intensas com a independência dos territórios, no século XIX, conservando-se produção quase só interna até meados do século XX:

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“Em 1944, somente 9,5% da produção é exportada, para os Estados Unidos e para a Europa (para a Coca-Cola, e para uso farmacêutico) (…):” (Dory & Roux, 1998, p. 29, trad. livre).

Desde essa altura até aos finais do século XX, as migrações para as zonas de produção da coca são significativas, e indicadoras da renovação dessas mesmas zonas, variando nos períodos em que a repressão sobre a produção se faz sentir com mais força (Dory & Roux, 1998, p. 34-35).

Ao abordar historicamente a produção de drogas, Léonard aponta para um aspecto significativo: embora com posteriores atribuições de responsabilidade por parte dos europeus e, de modo geral, pelos países que tentam controlar o tráfico de drogas, o que é facto é que o ópio ou a cocaína surgem em países produtores, como o ópio na Tailândia, em meados do século XIX, resultado da pressão comercial chinesa (quer se trate de tráfico lícito ou clandestino) para o reequilíbrio da balança da importação de ópio com origem inglesa; ou como a cultura - extensiva - da coca nas regiões montanhosas do Peru, da Colômbia ou da Bolívia, resultado da pressão dos colonizadores espanhóis. Por outro lado, a resposta pronta resulta, também, das necessidades das populações em momentos críticos das respectivas economias nacionais, impostas ou não (Léonard, 1998, p. 7), prolongando-se até hoje integrada no comércio internacional, tendo em conta o facto de o tráfico de drogas representar, nos fins do século XX, cerca de 30% do valor das trocas (Dory & Roux, 1998, p. 21).

As origens da produção em massa residem portanto no próprio processo de mundialização das culturas e da produção, sob o peso da intervenção europeia, e ao fim e ao cabo da economia do colonialismo. Mas, de facto, o processo da crescente rejeição dos consumos e do tráfico virá a ser muito mais complexo, resultante sobretudo do permanente desnível entre interesses económicos e assumpção de opções sócio-políticas face ao “vicio”, e mais tarde medidas de saúde pública, pelos Estados – algo que na origem se enuncia como paradoxal.

Segundo Brunn, Pan & Rexed (1975), na obra curiosamente intitulada “The gentleman’s club”, os movimentos anti-álcool arrancam cedo, no principio do século XIX, nos EUA, sob a forma de movimentos de temperança, e associados ao protestantismo (Valentim, 1998, p. 137). Um quarto de século após o seu arranque, estes movimentos enquadram já cerca de um milhão de associados. Ainda nos EUA, é promulgada em 1851 a primeira lei de proibição do álcool (Bruun, Pan & Rexed,

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1975, p. 8), movimento que se internacionaliza para a Irlanda, a Grã-Bretanha e os países escandinavos, e que virá a influenciar todo o decurso da política das drogas a nível internacional (Valentim, 1998, p. 137). Em 1878 acontece o primeiro congresso sobre o alcoolismo em Paris (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 8). Entretanto surgem, na viragem do século, as primeiras organizações – e os protestos – anti-ópio. O combate ao álcool surge como uma necessidade doméstica, interna, ao passo que o combate ao ópio é o combate ao Outro, aos hábitos estrangeiros.

Enquanto o movimento anti-álcool congrega países e origina a criação de organizações internacionais para a proibição/ luta contra os fenómenos associados ao seu consumo, o movimento anti-ópio permanece menos disseminado, surgindo no entanto na sequência da campanha britânica interna contra o circuito comercial do ópio, para abastecimento da China, em vigência entre a Grã-Bretanha, a China e a Índia (Bruun, Pan & Rexed, p. 8-9).

Em 1874, é fundada a Society for the Supression of Opium Trade (em Londres...), que virá a exercer pressão política, movimento acompanhado pela China e pelos Estados Unidos - surge em Genebra um Bureau que virá a acompanhar (e a criticar) a actividade da Liga das Nações no que respeita ao ópio. Por essa altura, a questão põe-se sobretudo em dois planos: o moral e o económico, dado o impacto do comércio europeu com a China. O controlo do álcool acaba por se efectivar na viragem do século, graças à necessidade de controlar o tráfico em África.

Após as guerras do ópio e os tratados subsequentes, a China promulga, no início do século XX, mais um édito que bane o ópio – e, de novo, ineficaz. Os Britânicos aprovam a cessação do tráfico e nos EUA opta-se, também, pela implantação da cessação do tráfico, quando este país se apodera da soberania das Filipinas (tráfico esse com origem na China). Daqui se conclui pela necessidade de medidas internacionais, que virão a ser debatidas em Xangai: discute-se a opção entre proibição e regulação. No debate, entre várias potências que incluem os EUA, a China e a Grã-Bretanha, esta prefere a regulação (para manter o comércio sino-indiano, sob a sua alçada). A opinião pública internacional assume supremacia sobre as situações internas, e as questões do foro médico são evitadas, com o argumento de que os peritos não estão convenientemente representados; recomenda-se a supressão ou cuidadosa regulação do fumo do ópio mas, a par disso, responsabilizam-se os

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países exportadores pela prevenção da entrada de ópio nos países proibicionistas. À morfina são destinadas apreciações que procuram travar a sua disseminação (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 11).

No ano de 1912, em Haia, a Grã-Bretanha insere a cocaína e a morfina na agenda, e os Italianos e os Americanos tentam incluir também a cannabis – sem no entanto o conseguir. A preocupação com a China e o tráfico sino-indiano internacionalizam-se e agravam-se. A Alemanha, que é neste momento líder na transformação da droga, opõe-se ao controlo da cocaína. Graças a um processo de ratificação complexo e manobrado pelos alemães, a convenção de Haia só entra em vigor já depois da I Guerra Mundial (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 12). No entanto, a proibição e a criminalização ganham preponderância determinante para a futura política internacional (Valentim, 1998, p. 137).

O controlo do álcool vem já a ser feito quer doméstica, quer internacionalmente, através da Liga das Nações, controlo a que a França se opõe por causa da sua indústria do vinho (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 13). A referida Liga das Nações é incumbida, na Conferência de Paz de Paris, após a I Guerra Mundial, da “supervisão geral dos acordos relativos ao tráfico do ópio e drogas perigosas” (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 13, trad. livre), criando para isso um Comité que junta a China, a França, a Grã-Bretanha, os Países Baixos, a Índia, o Japão, o Sião e Portugal (os EUA participam como consultores). Mas os parceiros europeus têm, todos eles, monopólios de ópio nas suas colónias do Extremo Oriente... de forma que este “club de cavalheiros” é apelidado de “Old Opium Block”.

Em 1923, os EUA começam a pressionar os produtores, quer de ópio, quer de folha de coca na América Latina (Bolívia e Colômbia), de forma a limitar a produção. Virão a propor, de igual modo, a limitação quantitativa da produção, na segunda Conferência de Genebra, em 1925 (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 14). A delegação dos Estados Unidos abandona a conferência na sequência da não-aceitação das suas propostas – e a delegação Chinesa por causa do falhanço do acordo sobre a supressão do fumo do ópio. A convenção de 1925 inclui já, no entanto, a cannabis, a pedido dos Egípcios.

Na sequência da sucessiva ineficácia dos órgãos internacionais, novos órgãos vão sendo criados, mesmo que a sua acção seja dificultada pela instabilidade internacional no período entre as duas Grandes Guerras. Em 1929, o Permanent Central Opium Board, que passará a ser Permanent Central

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Narcotics Board, é constituído por oito peritos não representativos de governos… para evitar a interferência dos governos (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 14-15). Pouco depois é criado o Drug

Supervisory Board, que passará a administrar um sistema de estimativa das necessidades nacionais de drogas (importação e manufactura). Subsequente ao trabalho dos novos organismos, decresce substancialmente o mercado legal, mas a produção clandestina surge cada vez com mais força (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 15). Em 1936, a International Police Commission - mais tarde Interpol – responsabiliza-se pelo tratado para a supressão do tráfico ilícito.

Depois da II Guerra Mundial a responsabilidade pelo controlo das drogas passa a caber às Nações Unidas, que herdam a estrutura anterior e iniciam a sua acção através da Division of Narcotic Drugs. Aumenta o número e variedade de agências envolvidas no controlo da droga, e consequentemente a mescla entre diferentes abordagens à questão (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 16), das quais a que virá a assumir maior relevo será a da Organização Mundial de Saúde, ao juntar a problemática do consumo do álcool e a do consumo das drogas numa só entidade (antes o álcool era abordado pela Mental

Health Unit e as drogas pela Drug Dependence Unit).

Os passos são algo contraditórios, depois da II Guerra Mundial, uma vez que se tenta criar um monopólio internacional do ópio, tentativa que falha, e de seguida adopta-se o Protocolo do Ópio, em 1953, procurando limitar a produção de formas menos directas do que as subjacentes à criação do monopólio (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 16). Os países a partir dos quais a exportação é legal são sete: a Bulgária, a Grécia, a Índia, o Irão, a Turquia, a URSS e a Jugoslávia (realce-se que o tratado leva dez anos a ser ratificado...) (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 7).

Em 1961, a Single Convention on Narcotic Drugs – ou Convenção Única de Genebra - propõe-se substituir todos os tratados anteriores, à excepção do de 1936 sobre a supressão do tráfico ilícito, mas deixa de fora um conjunto de drogas que haviam entrado no circuito após a II Guerra Mundial, tais como as anfetaminas, os barbitúricos, os tranquilizantes, produzidas pelas indústrias farmacêuticas e um mercado em expansão (Valentim, 1998, p. 138), que virão a ser sujeitas a convenção muito mais tardiamente (na década de setenta).

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2.2. A droga de consumo

“Desde os anos sessenta, o consumo de drogas torna-se para o conjunto dos países ocidentais um problema social e político. (...) A droga, que fora um fenómeno exótico e marginal, torna-se a partir dos anos sessenta e em pouco tempo, um problema extremamente presente. Começa a era da droga de massas.” (Ehrenberg & Mignon, 1992, p. 9)

Será a partir da Convenção Única de Genebra que deixarão de surgir com a mesma frequência as palavras “mal” ou “vício”, expressão algo sociologista, à maneira de Touraine, na medida em que o mal determinaria o que é disfuncional na sociedade (Touraine, 2000, p. 113). A Organização Mundial de Saúde faz substituir quer a adicção, quer a habituação, pela dependência (Berridge & Mars, 2004, p. 748).

A expressão drug abuse control (controlo do abuso de drogas) torna-se recorrente, passando a representar questões relacionadas, mas distintas, como o controlo ou restrição do uso ilícito de drogas, a redução de fornecimento das drogas ilegais, ou o tratamento da adicção. Valentim aponta para um processo hegemónico gramsciano, isto é, “tendente a gerar um consenso activo de massas” (Valentim, 1998, p. 138), que procura separar as drogas legais e farmacológicas das ilegais e sem valor terapêutico (seguindo a “mentalidade da temperança”, como refere Alexander, 2001, p. 19). O proibicionismo recebe crescentes críticas, no entanto, que põem em causa esta separação entre drogas lícitas e ilícitas. Embora o discurso aponte, nesta fase e cada vez mais, para a incidência no consumo, os esforços continuam a procurar reduzir a produção (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 18-19).

Nos Estados Unidos surge, no decurso dos anos setenta, uma nova epidemia de drogas, que acompanha a guerra do Vietname (Escohotado, 2004, p. 156); Nixon virá a propor programas de substituição de metadona, o que dada a má qualidade da droga nas ruas virá a causar mais mortes por sobredosagem que a própria heroína. Virá a associar-se também a cocaína, e o crack aparece no mercado nos anos oitenta. A presidência dos EUA instaura a política da tolerância zero, sobre traficantes, consumidores e em especial sobre consumidores ocasionais (Inciardi, 1993, p. 1-4), o que leva ao sobrepovoamento das prisões e, consequentemente, à substituição do encarceramento pelos

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programas de tratamento – ou pela integração destes programas nas prisões, com carácter mais alargado.

Os anos oitenta são os anos de disseminação significativa da disponibilidade e do consumo de drogas, em Portugal como noutros países, como confirmam Parker & Egginton (sd). Por exemplo, até aos anos setenta, a heroína só estava disponível nas ruas de Londres, mas, durante os anos oitenta, ela consegue disseminar-se pela maior parte das cidades inglesas e escocesas (Parker & Egginton, s.d., p. 7). Organismos internacionais como o Observatório Europeu para a Droga e a Toxicodependência (EMCDDA) reforçam a ideia de que a pressão interna nos Estados Unidos, da Era Reagan – Bush, levou ao alastrar do tráfico dos circuitos da cocaína para os mercados europeus (OEDT [EMCDDA], 2007, p. 7).

Os primeiros desenvolvimentos de uma política de drogas das Comunidades Europeias, são tentados nos princípios dos anos noventa (Brentari, 2006, sp), em simultâneo com a relativa estagnação do consumo de heroína e cocaína no contexto das Comunidades, à altura – acompanhado da constância (se não aumento) no consumo de anfetaminas, cannabis, solventes, entre os mais jovens, ou aumento do abuso de medicamentos e álcool (muitas vezes em simultâneo) entre os adultos (Comunidades Europeias, [2005]).

Associada à sequência das opções políticas mas, também, à necessidade de controlar a epidemia de HIV/SIDA, surge a intervenção de carácter técnico-político, dita de quatro pilares: tratamento, prevenção, acção legal e redução de danos (movimentos de saúde pública), contestada por exemplo, por Alexander, que integra a generalização da adicção nos processos do mercado livre capitalista. Ou seja, aqueles que não conseguem a integração psicossocial adequada, desenvolvem estilos de vida substitutos (desviantes). (Alexander, 2004, p. 1).

A política da droga surge associada à prevenção da criminalidade, e à luta contra a toxicodependência, para a "redução dos efeitos nocivos da droga sobre a saúde, nomeadamente através da informação e da prevenção" (artigo 152º do Tratado CE)” (Comunidades Europeias, [2005]), implicando duas instituições: o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (EMCDDA), e a Direcção-Geral da Justiça e dos Assuntos Internos. O parlamento e o Conselho promulgam, em 2002, o

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Programa de acção comunitária no domínio da saúde pública, que integra a promoção da saúde, o cancro, a SIDA e certas doenças transmissíveis, a toxicodependência, a vigilância da saúde, as doenças associadas à poluição, a prevenção de ferimentos e as doenças raras (Comunidades Europeias, [2006]). No Conselho da Europa assume particular relevo o Grupo Pompidou (veja-se em http://www.coe.int/T/dg3/pompidou/Default_en.asp) cujo objectivo passa pelo desenvolvimento de políticas contra a droga, no contexto dos países membros – grupo que Portugal integra desde 1985.

O OEDT (EMCDDA) reconhece, como crescente, o problema dos policonsumos de drogas e dos perfis diversos de utilizadores. Tal inclui variadas substâncias (drogas, álcool) ou até a passagem por percursos alternativos, como o jogo (veja-se a este propósito Luís Patrício, Correio da Manhã, de 20.5.2007, p. 23). Uma parte substantiva da população de consumidores do Casal Ventoso com acesso à equipa de rua, em 2002 - 2003, já consumia mistura de drogas (injectável), nomeadamente heroína e cocaína juntas. O OEDT (EMCDDA) refere os modelos de tratamento sobretudo destinados aos heroínomanos, na Europa, e destinados a utilizadores de uma só substância, nos EUA, e a necessidade de passar a encarar os policonsumos (OEDT [EMCDDA], 2007, p. 9), melhorando também a eficácia da sua monitorização (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 68). Sinais da proliferação actual de drogas no mercado associam-se à diminuição do seu custo, a uma multiplicação do número de apreensões de heroína (que se supõe poder ultrapassar a procura), e à tendência crescente do consumo de cocaína (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 13).

Existem quatro modalidades padronizadas de tratamento: a desintoxicação, em clínicas especializadas, os programas livres, em ambulatório e com farmacoterapia associada, eventualmente com psicoterapia ou outro tipo de apoio. Segundo o último relatório do OEDT, a maior parte dos países europeus faz incidir as modalidades de tratamento sobretudo no regime âmbulatório, com diversos tipos de apoio psicoterapêutico, introduzindo por vezes outras abordagens (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 31).

Incluem-se nas modalidades de tratamento, também, as comunidades terapêuticas, com psicoterapia ou sócio-terapia – todos as três modalidades já referidas pressupõem o objectivo da abstinência. Os programas de manutenção ou substituição, por outro lado, integram o princípio da redução de riscos e

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danos (tal como a distribuição de seringas) e baseiam-se frequentemente no recurso à metadona (opiáceo sintético) (Valentim, 1998, p. 154).

2.3. Em Portugal

Em Portugal, a legislação sobre drogas sofre uma evolução que acompanha, basicamente, as formas de encarar a problemática a nível social e político. Poiares enuncia um conjunto de paradigmas legislativos que abrangem a relação entre o direito, a droga e o saber, alvo de rupturas e descontinuidades, ora se verificando um pendor mais repressivo, ora uma abordagem mais clínica e psicológica (Poiares, 1998, p. 102).

Numa primeira fase, de 1914 (na sequência da ratificação da convenção de Haia) até 1970, a abordagem portuguesa tem características fiscais (Poiares, 1985, p. 21): a mercadoria (cocaína, heroína, morfina) deve ser alvo de controlo fiscal pelo Estado. De circulação restrita, a droga, como problema, parece abranger uma elite com dinheiro e que consome à porta fechada. A primeira lei portuguesa data de 1923 e debruça-se sobre a substância (não sobre o seu consumidor), associando a importação/ exportação de drogas ao delito de contrabando (Poiares, 1998, p. 182). Como o Autor sustenta, “as iniciativas portuguesas nesta matéria derivaram habitualmente das deliberações tomadas nas instâncias internacionais” (Poiares, 1995, p. 21).

O estatuto especial de Macau, no que respeita à posição portuguesa face ao consumo de drogas, possibilita-lhe ser encarado de forma mais flexível (Poiares, 1998, p. 219). Tal, segundo refere o Autor, será fruto do reconhecimento de diferenças económicas mas, também, culturais e origina não só as primeiras leis anti-droga do contexto jurídico português (ainda no século XIX) mas virá a fazer transparecer a primeira perspectiva clínica e social da questão, em 1962, associada por exemplo à reabilitação de tóxicomanos num centro de recuperação social, com assistência prestada por neuropsiquiatra (Poiares, 1998, p. 225).

Numa segunda fase paradigmática, de 1970 a 1975, enquadra-se a droga numa perspectiva criminal (Poiares, 1995, p. 23), com a saída de legislação (veja-se o Dec.-Lei nº 420/ 70, de 3 de Setembro). Com efeito, a transposição da Single Convention para o ordenamento jurídico nacional possibilita essa associação entre droga e crime, que se afirma na base da lei: embora se pressintam as características

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especiais do consumidor de drogas, não se chega a explorá-las e a equação do problema põe-se na base da criminalização e do consequente castigo pelo consumo (Poiares, 1995, p. 24). O consumidor torna-se o objecto da lei, mas um passo algo atrás do que já se passa em Macau, pois ainda não existem em Portugal contextos de reintegração e apoio aos consumidores, ou melhor, toxicómanos (Poiares, 1998, p. 249). O fenómeno do consumo de drogas é, paralelamente, alvo de uma campanha e da produção de uma ideia coerente (das drogas e do seu consumo). Tal como o Autor refere, a campanha acaba por despertar a atenção para o assunto (Poiares, 1995, p. 24), com o slogan Droga

Loucura Morte, menos de carácter criminal, mais sanitário e psicológico

Aquilo a que Poiares se refere como uma abordagem clínico-psicossocial tem início a seguir ao 25 de Abril e prossegue até aos primeiros anos da década de oitenta, enquadrando “um dos períodos mais profícuos do Direito da Droga” (Poiares, 1998, p. 267). O flagelo da droga deixa de ser controlável através, exclusivamente, das penas e o consumidor transforma-se em doente (Poiares, 1995, p. 25). Em 1976 é criado o Gabinete Coordenador do Combate à Droga, sob a alçada directa do Primeiro-Ministro, originando posteriormente estruturas, legislação e uma abordagem que reconhece cada vez mais a complexidade do consumo.

A partir dos anos oitenta, o quadro de referência da legislação altera-se para um paradigma que Poiares classifica como biopsicossociológico (Poiares, 2000, p. 8), caracterizado pelo primado das razões do consumidor e pela procura da compatibilização com a análise das ciências sociais e humanas, para compreender essas mesmas razões – associadas ao consumo e posse, mas também aos delitos.

Assim, politicamente, parte-se para uma abordagem à investigação sobre o fenómeno, sobre aqueles que o enformam (e ao seu discurso), procurando delinear as intervenções em consequência (Poiares, 2000, p. 10). A Estratégia Nacional de Luta contra a Droga (Resolução do Conselho de Ministros nº 46/99, de 26 de Maio) descriminaliza o consumo, isto é, deixa de fazer corresponder uma pena ao acto – mantendo no entanto a reprovação social contextualizada na lei. Os princípios que a enformam têm a ver com a cooperação internacional, incluindo a harmonização das políticas portuguesas com as da ONU e entidades internacionais; com a prevenção: primária (escola, meio laboral, forças armadas), recurso à comunicação social, a selecção de grupos alvo e a divulgação sobre a perigosidade

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associada ao consumo. Inspira-a, também, um princípio dito humanista, enunciado como “reconhecimento da plena dignidade humana das pessoas envolvidas no fenómeno das drogas” (RCM 46/99, p. 2981), assumindo a toxicodependência como doença e introduzindo a questão das políticas de redução de danos. A Resolução inclui, também, um princípio de pragmatismo que possa “defender a sociedade, favorecendo a diminuição do risco de propagação de doenças infecto-contagiosas e a redução da criminalidade associada” (RCM 46/99, p. 2981), o princípio da segurança (de pessoas e bens), conservando na sua alínea c) a manutenção do desvalor legal do consumo e da posse de drogas, o princípio da coordenação e da racionalização de meios, e outros associados à rede de cuidados.

A Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, afirma “a protecção sanitária e social” das pessoas que consomem substâncias estupefacientes ou psicotrópicas sem prescrição médica, define os limites das quantidades na posse das pessoas, a sua sujeição a contra-ordenação se não optarem pelo tratamento espontâneo, e as competências das “comissões para a dissuasão da toxicodependência” sobre a alçada do IPDT e dos governos civis.

Em 2003 são reorganizadas as estruturas para a coordenação do combate às drogas (extintas umas, alvo de junção ou criação outras) e em 2006, uma dessas novas estruturas, o Conselho Interministerial do Combate à Droga e à Toxicodependência, faz aprovar o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências, para 2005-2012, bem como um plano de curto prazo até 2008, através da Resolução de Conselho de Ministros nº 115/2006, de 18 de Setembro. Nesta Resolução transparece a relevância de entidades transnacionais como o Grupo Pompidou (Conselho da Europa), os pressupostos de protecção da saúde, da segurança e de coordenação europeia, que são objectivos da União Europeia materializados no seu Grupo Horizontal Drogas e no Plano de Acção europeu, e o seu peso no contexto da estratégia nacional. Alguns dos objectivos do Plano de Acção Horizonte 2008 (que materializa a estratégia de longo prazo) incluem a informação, investigação, formação e avaliação para melhor conhecer o fenómeno das drogas (RCM 115/2006, p. 6864), aumentar a qualidade da intervenção preventiva (RCM 115/2006, p. 6868), um vector de redução de riscos e minimização de danos e a respectiva rede associada (RCM/2006, p. 6871) e a garantia do acesso em tempo útil ao tratamento, no vector tratamento (RCM/ 2006, p. 6872) – entre muitos outros aspectos.

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2.4. Comunidades terapêuticas

As comunidades terapêuticas partem do pressuposto da existência de um internamento prolongado, que varia entre os modelos terapêuticos mas varia também conforme a pessoa que é internada. Frequentemente recebem pessoas que passaram por tratamento ambulatório (Patrício, 1995, p. 175) mas, ou integraram o internamento na comunidade no projecto de tratamento, como se verificou frequentemente nos utentes do Centro de Abrigo do Casal Ventoso – iniciavam o programa de substituição em ambulatório (não passavam por nenhum processo de abstinência em ambulatório), e passavam para a desintoxicação seguida, de imediato, de internamento numa comunidade - ou, noutros casos, optaram pelo internamento porque o ambulatório não resultou.

Na origem das comunidades terapêuticas estão instituições com características de acolhimento, como a de Homer Lane, em Detroit: em 1907, Lane superintende uma instituição para rapazes delinquentes, em Detroit, regida por um documento algo semelhante à constituição americana. Os objectivos do projecto passam por encorajar a responsabilidade e a concretização de tarefas diversas (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 31).

Tal como virá a referir Maxwell Jones, o precursor, no contexto psiquiátrico, das primeiras comunidades terapêuticas de facto - destinadas a alcoólicos ou consumidores de drogas - não existe um modelo único para as comunidades. O clínico aponta para a necessidade de existir liberdade de acção, para a criação de condições de vida optimizadas. O desenvolvimento deste tipo de instituições é suportado, ao nível da psicoterapia, por J. L. Moreno, que dá início às terapias de grupo e ao psicodrama. A organização em pequenos grupos permite a integração da participação dos pacientes e ex-pacientes, como coadjuvantes nos processos.

A meio do século XX, será fundada a primeira comunidade terapêutica para o tratamento do abuso de

substâncias, por Charles E. Dederich, nos Estados Unidos (Morel, Hervé & Fontaine, 1998, p. 279): a Synanon, resultante do sucesso de Dederich com terapias de grupo, de consumidores de drogas e álcool (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 32). Algumas das estruturas de recuperação regem-se pelo chamado modelo Minnesotta, ou dos doze passos (ou da auto-responsabilização), modelo que tem por base, exactamente, as práticas de desabituação e recuperação clínica da adicção do álcool e que

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arranca em 1935 (mantendo o pressuposto associado ao conceito de abstinência total) (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 32).

Patrício secunda a distinção entre comunidades hierárquicas ou democráticas (1995, p. 177-178), tal como referem Morel, Hervé & Fontaine (1998, p. 278) quando falam das primeiras comunidades, de origem americana, e as segundas de origem britânica. A distinção está associada à forma de aplicação do programa terapêutico, e que reside essencialmente na existência de mais ou menos liberdade de acção e expressão, a imposição, ou não, de regras muito estritas de funcionamento, o exercício da liberdade individual pelos utentes ou por outro lado, da autoridade pelos responsáveis, ou pelos monitores. Patrício afirma, no entanto, a necessidade de existência de um programa terapêutico específico e aplicado (independentemente da disciplina comunitária). Senão, como salienta o Autor, com o internamento “apenas se promoveu uma paragem no consumo de drogas, um afastamento da família e uma paragem no tempo, o que é muito pouco para quem necessita de tempo e de mudanças para reaprender a gerir a sua vida.” (Patrício, 1995, p. 178).

Morel, Hervé & Fontaine apontam os pressupostos do funcionamento das comunidades terapêuticas: estreitamente associadas à perspectiva da toxicodependência não como doença, mas como comportamento inadaptado, o funcionamento das comunidades é o de micro-sociedades, em que se procura a correcção da actividade anti-social através de comportamentos positivos (1998, p. 279). Muito críticos, os Autores afirmam que “de tais concepções, baseadas nos mais coercivos potenciais de um grupo num sistema de poder erquido em nome das normas inatingíveis, só poderiam engendrar desvios.”... Mas reconhecem, no entanto, que nem todas as comunidades são afectadas ou por pressupostos abusivos, ou por estes desvios (Morel, Hervé & Fontaine, 1998, p. 279).

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3. A omissão do triângulo

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3.1. Campos de forças

A abordagem ao consumo de drogas passa por diversos modelos, que se cruzam num campo - enquanto campo de forças, de lutas entre os agentes (Bourdieu, 2001, p. 32) e que nele se distribuem segundo o seu volume de capital (Bourdieu, 1989, p. 135). Predomina o modelo de análise bio-médico, e os pressupostos associados às características farmacológicas das drogas. Fernandes & Carvalho (2000, p. 17) ou Valentim (1998), cooptando Agra (1995), reforçam a existência de um princípio hegemónico transversal ao senso comum, ao saber técnico e científico (Valentim, 2000, p. 1007) que, ao abordar a droga, pressupõe que esta “não deixa espaço para a escolha, quer às sociedades, quer aos indivíduos” (Valentim, 1998, p. 139). Este pressuposto é reforçado pelo discurso dos meios de comunicação social, repetitivo e estereotipado, que recorre a linguagem “punitiva e ameaçadora” (Dias, 2001, p. 232), baseado num “(...) equilíbrio homeostático entre repressão e cura (...) abstinência e destruição (...)” (Valentim, 1998, p. 156). O Autor refere as principais abordagens teóricas na análise das dependências, realçando duas perspectivas com impacto dominante, essencialmente positivistas e determinísticas, baseadas numa mistura entre os normativos sócio-políticos e uma perspectiva preponderante da droga sujeita a um modelo médico e simultaneamente legal: a primeira, subjacente ao enunciado da toxicodependência, que é inerente às drogas ilegais e que portanto não enquadra o uso, mas o abuso.

Enquanto Neto caracteriza a droga como “(...) tudo aquilo que induz o regime farmacotímico, isto é, que provoca alterações do humor e da consciência dos utilizadores (...)” (Neto, 1996, p. 25), Macedo refere a toxicodependência, ou o “uso das drogas de abuso”, como tendo sido “(...) durante largo tempo considerada uma doença comportamental (...)”(Macedo, 2000, p. 3). Archambault & Mormont referem, numa obra sobre as perícias médico-legais psiquiátricas, que, para o psicólogo ou o psiquiatra, “(…) o acto incriminante é pensado em termos de transgressão, mais do que delito; a sua materialidade é de importância secundária, uma vez que a sua significação é essencial (…)” (Archambault & Mormont, 1998, p. 3). A droga é pensada como um atentado à saúde, uma perspectiva técnica colonizada pelos aspectos morais (Valentim, 2000, p. 1037).

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A droga, associada a factores bio-psico-sociais e encarada como doença (logo controlável mediante cuidados médicos), parte de um problema maior associado a uma deficiente aprendizagem social, assumindo-se a inexorabilidade da escalada dos consumos, o descontrolo do consumidor - associado ao craving, a pulsão para o consumo. A dopamina controla o reforço positivo, a antecipação, a expectativa e as respostas de consumo, a que o indivíduo além do mais se encontra exposto em função do stress ambiental (Macedo, 2000, p. 16). Ocorre ainda uma fuga perante a realidade, a par de efeitos que, no indivíduo são (em potencial) fisicamente visíveis e irreversíveis (Valentim, 1998, p. 139-143).

Uma segunda perspectiva, que reflecte sobre a produção sócio-cultural dos factores associados à dependência – mantendo a aceitação de um predomínio simbólico associado ao conceito de toxicodependência - enuncia a noção de consumos problemáticos, procurando operacionalizar, para efeitos técnicos, a construção teórica do consumo de drogas (Fernandes & Carvalho, 2000, p. 18).

O modelo, económico-compulsivo, implica por vezes o enunciado de uma relação de linearidade entre a droga e o crime (Brochu & Parent, 1999, p. 1). Define-se em padrões de persistência da utilização de drogas e aponta para noções de disfuncionalidade e prejuízo, como directamente associados às relações interpessoais dos indivíduos – e transparece nas representações sociais associadas ao fenómeno do consumo de droga, tal como é referido por Artur Valentim (1996). O Autor analisa a percepção social do consumo, e da variação no consumo de drogas, recorrendo a informantes com responsabilidade em unidades paroquiais, e verifica que as atribuições causais correspondem sobretudo a três tipos, micro-sociais – problemas na família, influência de colegas e amigos; individuais – curiosidade; e macro-sociais – desemprego (Valentim, 1996, p. 189-190).

A questão da definição de consumo problemático, no entanto, confunde-se com a própria definição de dependência – bem como outras noções-chave optativamente adoptadas.

Os estudos com base na psicologia clínica cruzam frequentemente este proposto do consumo problemático, tentando perceber factores dos comportamentos de adicção (Walton-Moss & McCaul, 2005) ou o processo de transição do abuso para a dependência (Ridenour et al., 2005). Walton-Moss & McCaul (2005), por exemplo, analisam os factores associados ao historial de tratamento de um

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conjunto de mulheres, equacionando os aspectos sócio-demográficos e os resultados do índice de severidade da adicção (ASI) (Walton-Moss & McCaul, 2005, p. 247), apurado através de uma entrevista (clínica) que inclui a componente médica, o emprego, o apoio, o uso de drogas, o uso de álcool, os problemas legais, as relações sócio-familiares e o estado psicológico (e ainda aspectos específicos associados ao género).

Autores como Hunt & Barker afirmam um número relativamente reduzido de trabalhos na área do consumo de drogas, por parte dos antropólogos (Hunt & Barker, 2001, p. 166). Releva-se a deflação do problema, assinalada por Room, por pressupostos ontológicos que o integram na auto-regulação social, em correntes liberais ou em contextos historicamente pouco caracterizados, ou a falha, apontada por Singer, em conseguir um enquadramento macro do estudo do alcoolismo (Hunt & Barker, 2001, p. 168). Estes são aspectos que os Autores salientam como relevantes, no contexto da abordagem das Ciências Sociais aos consumos de drogas e álcool – abordagens que escasseiam ainda mais quando o assunto passa a ser o processo de recuperação (Hunt & Barker, 2001, p. 169). Os Autores põem a hipótese de as abordagens se restringirem, por abarcarem separadamente o consumo de drogas e o consumo de álcool, ou por optarem por seguir a linha dos consumos problemáticos, e da corrente dos movimentos de saúde pública, associada à redução de riscos e danos (Hunt & Barker, 2001, p. 176). No entanto, torna-se necessário encarar a agência dos consumidores de drogas, ou bebidas alcoólicas, de forma englobada, e analisar os processos de resistência que desenvolvem (Hunt & Barker, 2001, p. 177).

Assim, uma terceira abordagem será a consideração do consumo de drogas como uma manifestação, menos individual, mas mais da problemática sócio-cultural inerente a um dado contexto social, mais característica da sociologia ou da antropologia, resultando na subversão, mais ou menos conseguida, da lógica do modelo bio-médico.

Segundo Valentim (1998), a abordagem passa por encarar o consumo como resultado de uma aprendizagem social, em que o actor é actuante (passe a redundância), os padrões de consumo das drogas (sejam elas quais forem) são variáveis e associados às trajectórias biográficas (Agra & Matos, 1997), portanto reveladores de comportamentos sócio-culturais e simbólicos (Hunt & Barker, 2001, p. 178):

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“(...) uma pluralidade de comportamentos agrupa-se sob a designação única de desviantes, alguns sintomáticos de patologias, outros de problemas psicológicos, outros, desvio da arbitrariedade social ou das normas e valores, outros ainda que infringem as leis penais.” (Coslin, 1996, p. 213, trad. livre).

Embora a análise sob o ponto de vista do sujeito não seja frequente (Hunt & Barker, 2001, p. 166), a estratégia emic apreciativa, desenvolvida pelo interaccionismo ou pela etnometodologia nos estudos urbanos dos anos 60 e 70, deixa transparecer o toxicodependente como um actor social comum (Valentim, 1998, p. 150). Vários Autores como Norman Zinberg, durante os anos 70, Crawford (et al.) ou Judith Blackwell, durante os anos 80, comprovam a existência de padrões de consumo diversificados (especificamente dos consumidores de heroína). Quanto à cocaína, os estudos dos anos 90 de Cohen, Waldorf (et al.) e Ingold confirmam também a diversidade nos padrões, mas não só, que as normas e os rituais são mobilizados para controlar os factores bioquímicos em causa (Valentim, 1998, p. 150).

A dependência e a irreversibilidade não agem como variáveis dependentes, antes se constituem como a fixação de cenários que, no espaço social (Bourdieu, 2001, p. 32), se tornam muito diversos, e a problemática relacionada com as drogas, porque ilegais, advém mais do seu enquadramento sócio-político de interdição - a que se associa o agravamento da dependência (Mosher & Yanagisako, 1991) - do que das suas propriedades químicas (Valentim, 1998, p. 142). Confirmando Nowlis, o efeito das drogas é variável, e subjacente a múltiplos factores (Nowlis, 1979, p. 26): os grupos e esferas de consumo são diferenciados, tal como os comportamentos e decisões (Hunt & Barker, 2001, p. 178).

O facto de, implícita na análise, se encontrar a perspectiva relacional, em que o indivíduo estabelece contacto com as substâncias, implica que o contacto em si mesmo integra aspectos simbólicos e culturais (Fernandes & Carvalho, 2000, p. 19). Este processo relacional origina desenvolvimentos na construção teórica das abordagens, associando-se, para tal, à noção de trajectória ou, de forma mais específica, à noção que propõe Vasconcelos (2003), secundando Joan Pallarés (1995), de itinerário de uso, que integra a destrinça entre vários tipos de consumidores – do ocasional ao dependente (Vasconcelos, 2003, p. 23)

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A noção de trajectória recupera, no entanto, os interaccionismos e a metodologia das histórias de vida (Kokoreff & Faugeron, 2002, p. 51-52). O conceito traduz o percurso do actor em relação a momentos-chave, a opções e à noção, algo objectificadora, de diferentes segmentos de vida alternativos (Pernanen, 2002, p.xi). Implica também a relação entre sistemas (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, p. 2), e segundo os pressupostos fenomenológicos destes Autores, traduz a auto-organização através de descontinuidades, ou segmentos descontínuos de comportamento, num processo desviante. As trajectórias desviantes são, portanto, processos em que o sujeito se envolve em diversas acções desviantes, um sistema que liga esses segmentos existenciais uns aos outros, um movimento que gera, de forma determinística ou não, significado, e um conjunto de interacções entre o comportamento individual e o sistema de controlo social (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, p. 2).

Da análise sobre os pressupostos apresentados resulta a conclusão da existência de uma relação, não entre o consumo de drogas e o crime, mas de uma triangulação, que inclui os comportamentos desviantes na raiz do padrão de actuação dos consumidores. A exploração passa a demonstrar o triângulo, quer se aborde a noção de comportamentos desviantes sob um paradigma estrutural, através de uma análise correlacional, quer se opte pela noção de uma sucessão de eventos – um processo desviante (Agra, 2002, p. 13), ou uma carreira, definida por Inciardi como uma “(...) série de estatutos relacionados e com significado, papeis, e actividades a propósito dos quais o indivíduo organiza aspectos da sua vida (...)”(Agra, 2002, p. 14, trad. livre). A construção parte do conceito de Goffman de carreira moral, que o Autor aborda a propósito dos estigmatizados (Goffman, 1981, p. 45-49), ou dos internos nas instituições totais (Goffman, 1974, p. 119). Causa e efeito de uma sequência de ajustes pessoais, a carreira implica, para Goffman, aspectos intrínsecos e extrínsecos, relacionados com o self ou identidade social. O self é uma realidade pública, que ganha relevo através da interacção, e que é exigido para que essa interacção se concretize (Collins, 1994, p. 73). Assimila-se à noção de trajectória, com a distinção particular do acompanhamento de percurso pelas instituições que exercem controlo social sobre os agentes.

As contingências da carreira de um consumidor (heroinómano) definem-se segundo dois factores, para Faupel: a disponibilidade da droga, e a estrutura de vida, e originam o adicto estável, o utilizador ocasional, o adicto em roda livre (ou queda livre?) e o junkie de rua (Agra, 2002, p. 14). Nesta situação, as práticas destrutivas de consumo associam-se a situações de pauperização, de resto para o

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consumo de heroína como para o consumo de álcool (Valentim, 1998, p. 146). A noção de carreira integra, no entanto, a orientação para uma análise com uma razoável dose de previsibilidade e determinismo, assimilada porventura pela psiquiatria, na descrição das suas fases (Valentim, 1998, p. 147).

Mas o modelo comporta ainda a perspectiva de um estilo de vida desviante, como refere por exemplo Alexander, que fala de um estilo de vida prejudicial, e aponta a inevitabilidade dos comportamentos de adicção, produzidos em massa numa sociedade de mercado livre (Alexander, 2001, p. 19).

Para Agra, seguindo uma abordagem fenomenológica, é o estilo de vida que fornece lógica ao consumo de drogas e à delinquência (Agra, 2002, p. 14), tendo particular relevância a subjectividade e a intencionalidade do actor. Será, potencialmente, este estilo de vida desviante que se enquadra no conceito de cultura de resistência, referido por Fernandes & Neves (2002, p. 72), ou no percurso identitário tal como refere Machado Pais, no estudo sobre os jovens arrumadores (2001) que, ao recorrer aos conceitos de Goffman, caracteriza a sua acção como uma forma de resistência, estratégias componentes da carreira moral dos indivíduos. O Autor refere a construção de uma imagem estigmatizante como produção simbólica da marginalidade, integrando um conjunto de noções do senso comum e constituindo assim uma identidade-reflexo (Pais, 2001, p. 395-397).

As abordagens teóricas mantêm também, no entanto, o pressuposto dos sujeitos como actores, com capacidade de gestão dos seus papéis (Kokoreff & Faugeron, 2002, p. 57): Weinberg analisa particularmente a problemática do craving e da recaída, e afirma que só mediante o pressuposto da apreensão do significado sem necessidade de reflexão racional, isto é, de forma pré-reflexiva, através de formas corporizadas de prática colaborativa, só assim se poderá enquadrar teoricamente o craving e a recaída subsequente (Weinberg, 2002, p. 14-15).

A cultura de resistência marca histórica e pemanentemente um sistema de reprodução de símbolos e crenças, a oposição simbólica a um conjunto de exclusões – ou a oposição às normas que definem o comportamento desviante (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, pp. 1-6). A abordagem de um processo histórico exemplar desta perspectiva torna-se visível na obra de Miguel Chaves, Casal Ventoso: da

gandaia ao narcotráfico, precisamente na constatação de que a população do Casal Ventoso se

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encontra no “(...) limite material e simbólico [do] sistema (...)” (Chaves, 1999, p. 300), assumindo o valor da condenação do tráfico, mas reierarquizando a escala de valores centrais (Chaves, 1999, p. 314-315) que tornam inteligível a vida no bairro.

3.2. Tempo, consumos e estilos de vida desviantes

A abordagem ao tempo no contexto do consumo de drogas – ou de álcool - surge transversal aos modelos teóricos, incidindo, por exemplo, sobre aspectos associados ao processo de consumo e substituição (Magura, 1998), ou aos aspectos de perspectiva, atitude e orientação face ao tempo, numa abordagem cognitiva ao alcoolismo (Hulbert & Lens, 1988). Klingemann & Schibli (2004) falam dos ritmos, sequências, planeamento e atitude face ao tempo, e propõem uma abordagem conjunta aos processos nas clínicas suíças de álcool e drogas (Klingemann & Schibli, 2004, p. 1427), tal como Hunt & Barker (2001), que propõem uma antropologia das substâncias com um enquadramento único, o consumo como manifestação de comportamentos sócio-culturais, a análise dos grupos e esferas de consumo diferenciados, a vantagem em analisar conjuntamente a produção, a distribuição e o consumo e o exame das relações de poder implicadas na economia moral das substâncias na sociedade (Hunt & Barker, 2001, p. 178).

Dentro de uma análise dos estilos de vida desviantes, o modelo processual implica a introdução das noções de tempo (Agra, 2002, p. 13) e interacção, porque se baseia e defende uma perspectiva dinâmica da noção de trajectória (ou de itinerário). O pressuposto de um sistema em movimento, inerente a este conceito, implica a relação inter-sistémica entre os pontos ou estados sucessivos que o compõem, partindo da subjectvidade e da intenção do agente. Para Vasconcelos, os itinerários de uso implicam uma temporalidade hiperquotidiana, que impossibilita a antecipação dos recursos para o planeamento da vida (Vasconcelos, 2003, p. 91), e até à paragem (de consumo), e é agenciada entre os locais de obtenção de dinheiro e os territórios psicotrópicos (Fernandes, 1998, p. 115), onde as drogas são vendidas – territórios esses que, sem uma delimitação linear, acabam por se definir como toda a cidade (Vasconcelos, 2003, p. 137).

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4. Tempo e processo: histórias de vida

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Na sociedade contemporânea, Touraine defende a impossibilidade de classificar as condutas sociais como normais ou patológicas, como conformes ou desviantes à norma, embora esteja cada vez mais presente a noção do intolerável (Touraine, 2000, p. 116). Este paradoxo, resolve-o o Autor alargando a sua análise, e chamando a atenção para o facto das sociologias do actor ganharem o passo sobre as do sistema, e o facto de o relevo dado à ordem se submeter ao relevo dado à mudança (Touraine, 2000, p. 118). Cabral enuncia a marginalidade como a essência das relações sociais, enquanto que a centralidade, delimitada, está em constante processo de erosão: “a vida sócio-cultural tem de ser abordada como um campo de negociação de significados, tendencialmente estruturado pelo exercício do poder simbólico.” (Cabral, 2000, p. 888-889).

A teoria social actual, para Touraine, passa pela necessidade crítica de encarar os mecanismos de dominação por trás dos pressupostos universalistas abstractos, e também de compreender a desigualdade social: torna-se imperativo conhecer os pressupostos do poder, do interesse e da liberdade (Touraine, 2000, p. 126-127), substituindo a noção da interiorização das normas sociais pelas características associadas aos pressupostos hegemónicos gramscianos, ou à violência simbólica de Bourdieu. Para este Autor, o agente é o operador prático de construções de objecto (Bourdieu, 1989, p. 61), ou como Max Weber diria, alguém que tem em si, simultaneamente, a capacidade de poder ser fonte de actos e origem desses mesmos actos: “Para Weber (...) a acção consiste nos significados subjectivos que o actor atribui ao seu comportamento.” (Cohen, 1996, p. 113): a conduta orienta-se subjectivamente em virtude e face ao comportamento dos outros, estimula a relação social em função dos significados mútuos das acções de vários actores (Cohen, 1996, p. 114), e determinados conteúdos poderão ter carácter estável e significativo (os tipos-ideais). É a procura do agente que conduz a esta elaboração conceptual, o mesmo agente que se sujeita e simultaneamente se liberta dos vários constrangimentos da estrutura social que derivam de uma visão durkheimiana, da determinação de representações colectivas hegemónicas (Vala, 1997, p. 9).

Ao reagir contra Althusser, e a sua “natureza naturante e naturada” (Lopes, 1973, p. 658), Pierre Bourdieu acompanha Engels numa visão da estrutura que deixa perpassar o poder hegemónico: esta ancoragem, o habitus, a posição social por reprodução, um ciclo de reprodutibilidade que refracta as

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maneiras de ver (Pais, 1995, p. 248-249) mas também a agência que ultrapassa a hegemonia, é talvez nesta sequência que se encontram os agentes deste trabalho.

Segundo Gramsci, a hegemonia, forma de ascendência ideológica, é exercida pela sociedade civil, ou seja, o conjunto dos organismos privados, face à dominação directa, ou efectivamente o comando, exercida pelo Estado. A sociedade civil obtém o consentimento espontâneo, e o Estado exerce a disciplina legalmente quando esse consentimento falha. O pensamento hegemónico é, assim, imposto através de um conjunto de instituições culturais tais como a escola, os media, a religião, ou mesmo as práticas do dia-a-dia (Bellamy, 1994, p. 33).

O grupo existe enquanto associado ao processo de categorização social, em função da interdependência entre os seus membros (Vala, 1997, p. 8). Este processo de auto-categorização social do qual se faz derivar uma identidade, mas que se associa também a fenómenos de comunicação, aprendizagem e reflexividade (Vala, 1997, p. 10), será aí que termina a complexidade do agente?

Adicionemos a este composto as estruturas objectivas valoradas quer por Durkheim, quer por Weber, quer por Bourdieu (os campos), as esferas onde se dá a metamorfose das mercadorias, para Marx – de produto a bem de consumo. É exactamente esta metamorfose que se procura, porque certamente que os agentes em estudo também a processam, e constantemente a desenvolvem.

“(...) Weber viria a defender que (...) todos os actores humanos, interpretam e constroem o sentido do mundo social em seu redor. Este sentido não é intrínseco aos factos sociais (...) é antes construído socialmente de acordo com uma pluralidade de pontos de vista diferentes que incorporam diferentes valores e interesses.” (Holton, 1996, p. 39).

O consumo expressa a pertença mas também a distinção, constituindo-se assim como um elemento crucial na materialização complexa do sistema capitalista, que exige um mercado amplo de protagonistas de escolhas, de consumidores. Estas escolhas estratificam o campo em causa, em função de grupos e símbolos, marcadores de posição nomeados mercadorias. A noção simbólica de Baudrillard aponta o consumo com recurso a uma lógica manipuladora subjacente, pois o consumidor

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manipula as mercadorias cumprindo determinados códigos e regras sociais, atendendo a um mercado simbólico partilhado e a ciclos incessantes dos objectos (Baudrillard, 1994, p. 362).

4.1. Capitais e interconvertibilidade

Marx refere, n’O Capital, que são as relações sociais as estruturas englobantes, tendo como base a propriedade (Holton, 1996, p. 25-26), propriedade essa que virá a ser exactamente o que permite a divisão social e sustenta o surgimento do capitalismo enquanto processo dissociativo entre quem possui os meios de produção, e quem trabalha – será esta afirmação, da relevância das bases materiais da sociedade, demasiado extrema? Durkheim reforça-a, indirectamente, ao afirmar que ganhará peso a solidariedade orgânica, precisamente com base nas relações funcionais (Holton, 1996, p. 30).

Mas a interpretação do sentido do mundo e a multiplicidade de sentidos da acção, defendidas por Weber, e que ultrapassam o peso das estruturas objectivas (Bourdieu, 2001, p. IX-X) projectam-se nas estruturas estruturadas e estruturantes que sustentam as relações sociais.

Afinal de contas, a conversão de sentidos corresponde à máscara sobre a intencionalidade que Bourdieu defende: “A teoria da acção (...) equivale a dizer que a maior parte das acções humanas tem por princípio uma coisa completamente diferente da intenção, (...) disposições adquiridas (...)” (Cohen, 1996, p. 126).

Weber defende esta máscara consciente, e mais, publicita a sua assumpção como determinante para o próprio espírito do capitalismo, preconizada nas orientações das palavras de Benjamin Franklin. Curiosamente, o exemplo referido por Weber, recorrendo às máximas daquele autor (Weber, sd, pp. 33-35), apropria-se exactamente da conversão de capital simbólico em capital financeiro (num sentido abrangente em que incluirá o crédito).

Mais ainda, Weber refere como pressupostos da boa aceitação do jovem capitalista exactamente aqueles que se incluem no capital habitus (tal como Bourdieu virá a referir: “(...) o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (...)”.(Bourdieu, 1989, p. 61).

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Focando quer um Autor, quer o outro, o agente em acção, recuperando tal como Bourdieu salienta, na mesma obra, o pressuposto de Marx do primado da prática (enquanto produção social da existência humana) sobre todas as coisas, embora rejeitando a sua estaticidade, mas em vez disso, carregando a acção de sentido novo, a estratégia em vez da inconsequência vinda de uma “(...) análise das instituições sociais extremamente estruturalista (...) concede pouco espaço para a acção humana activa (...)”. (Turner, 1996, p. 28).

Este sentido do jogo converte sucessivamente os capitais conforme os campos em que se oferecem à preponderância, possível a cada momento.

É assim em cada momento, em cada campo particular, que o agente age: constrói e apropria-se do objecto construído, hegelianamente, e fá-lo incorporando a representação das práticas e desenvolvendo as práticas em coerência (ou talvez nem sempre) com as representações apropriadas.

Deste processo, em que as representações se ocultam e apenas o discurso e as práticas são visíveis, acabamos por isso mesmo, por saber mais sobre as partes, do que sobre a ligação entre elas (Taug, 2003, sp); as peças, mas não o jogo de conversão em si: no espaço social,

“(...) os agentes distribuem-se segundo o volume global do capital, (...) segundo a estrutura desse capital; (...) segundo a evolução no tempo do volume e da estrutura do seu capital.” (Bourdieu, 2001, p. 16)

O jogo não é, claro, sempre o mesmo, e o sentido primordial que o regula, o habitus, acaba por ser o mais próximo da individualidade a que Bourdieu se aproxima, ou se calhar o mais próximo da individualidade a que um sociólogo/ um antropólogo se pode aproximar? O habitus, como veículo de uma transmissão social da individualidade, no sentido em que não se incorpora um hábito durável momentaneamente (Lahire, 2005, p. 21).

O sentido do jogo nos agentes, em si mesmo a conversão dos pressupostos de uma aprendizagem iniciada no contexto familiar para a reprodução, é de facto a reconversão da mercadoria simbólica, do produto, com vista à obtenção da vantagem, de uma espécie de lucro simbólico que se traduz por sua

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vez e frequentemente num lucro a vários níveis: Será a agência (Rapport & Overing, 2004, p. 2-3) a conversão permanente de capitais, como forma de transição entre sistemas simbólicos?

A transmissão do capital cultural ou do capital simbólico, ou de qualquer outro, não deixa de ser equacionada como princípio da determinante do agente, que neste caso será o ganho próprio.

James Scott afirma que todos, por sistema, têm estratégias não só de minimização de perdas como de procura dos ganhos, quanto mais não seja na ponderação dos cuidados inerentes ao registo escondido, utilizado como sistema de protesto e perturbação (Scott, 1985, p. 286). As estratégias dos agentes são mediadas pelo seu habitus (Bourdieu, 2001, p. 44).

Para Durkheim são os sinais exteriores que tornam a realidade social sensível, e logo possível.” (Pais, p. 244-245). De uma maneira (visível) ou de outra (registo escondido), os marcadores, sinais exteriores, manifestam-se e constituem-se também como alternativa quando não é suficiente a mera análise do estereótipo, a representação mútua expressa em palavras.

A questão será, antes, o estabelecimento das prioridades numa economia de campos diferente, com pressupostos constantes e que implicam a delimitação das perdas e a procura de um ganho em capital convertível: como afirma Scott, a resistência começa em casa, nas realidades significativas do dia-a-dia (Scott, 1985, p. 348). Esta noção está provavelmente sempre presente nos agentes, e a conversão implícita de capitais, sempre muito mais óbvia, do que em quaisquer outros protagonistas de determinada acção. Como se fora uma permanente estratégia de sobrevivência, e resistência, a conversão de todos os adquiridos no capital procurado pelo agente.

4.2. Tempo e mudança

Para Goody, a existência de uma organização ou sistema social implica a organização do tempo, a sua medição, regulação e as atitudes face ao passado, presente e futuro dos indivíduos (Goody, 1977, p. 329-330). Existe uma distribuição específica do tempo segundo os papéis desempenhados pelo indivíduo (Goody, 1977, p. 336). A este propósito, afirma Appadurai que as periodicidades se contextualizam na vida do consumidor, linear e aberta, tornando-se formas de trabalho na medida em que asseguram a forma de subsistência do consumidor. Para este Autor o trabalho de consumir é tão

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social como simbólico (Appadurai, 1996, p. 115-117). No entanto, o potencial de consumo nem sempre se consegue concretizar: a impossibilidade de assumir determinados papéis pode levar a que ocorra um desfazamento. Hall refere que se torna necessário arrastar o tempo, quando o corpo e o relógio não estão sincronizados (Hall, 1983, p. 131). A noção de que o tempo se arrasta traduz-se na sua própria consciência: “Vladimir Jankélévitch observava que, caprichosamente, quanto mais vazio é o tempo, mais nos pesa;” (Klein, 1995, p. 18). Algo que Goffman exprime de forma admirável ao dizer que “(...) os internos sofrem extremos de aborrecimento.” (Goffman, 1974, p. 20-21, trad. livre).

Bates (2006) analisa as correntes do realismo crítico de Archer e Giddens: as implicações que a proposta de morfogénese/ morfoestáse de Margaret Archer, ou a teoria da estruturação de Giddens têm, na conceptualização da estrutura (enquanto pressuposto de estratificação do mundo real), no conceito de agência, como a conduta do actor sobre a estrutura, e ainda as noções essenciais de espaço-tempo – essenciais quer à compreensão, enquanto categorias básicas do entendimento, quer para as propostas teóricas em análise. Dadas as estruturas serem uma forma estratificada de (encarar) a realidade, a sua historicidade é relevante para o seu conhecimento – logo, também para a mudança implícita – tal como as variações normativas.

A ideia é compreender como enquadrar a mudança, intrínsecamente associada à noção de tempo, nas concepções de tempo que os Autores apresentam. Ambas as abordagens assentam no dualismo entre repetição e transformação, e Bates questiona-se: para Archer, como será possível passar do tempo cíclico para o linear, e portanto levar a mudança para além da mera diferença entre períodos históricos; por outro lado, a afirmação da estrutura como anterior à agência surge como a reificação da estrutura – ocasionalmente independente dos indivíduos que a compõem (Bates, 2006, p. 149). Giddens, por outro lado, apresenta a mesma questão relativa à mudança, uma vez que o agente existe num tempo irreversível... e reversível, conforme o nível micro, macro ou individual em que seja perspectivado; por outro lado, a noção de reversibilidade não só é fisicamente impossível, uma vez que a segunda lei da termodinâmica confirma a tendência do universo para o caos, logo o tempo como um vector, como é também paradoxal com a noção de reprodução.

Bates propõe a cooptação do conceito de tempo circadeano de Adams (Bates, 2006, p. 155), e a aceitação da ritmicidade do tempo. O Autor propõe a analogia com uma dupla hélice que exprime a

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circunstância da estrutura e integra a agência, num cruzamento de sincronia e diacronia que permite integrar o actor no contexto – as estruturas pré-existem para alguns, mas nunca pré-existem para todos.

4.3. Tempo e memória

Halbwachs defende a ideia de uma memória que intersecta as memórias grupais, e que por isso contraria os pressupostos da memória pura.

As categorias exprimem, assim, representações comuns dentro do grupo, e é nesses contextos que fazem sentido, o que implica à partida uma perda de sentido para os elementos que estão de fora ou entram de novo. Para Halbwachs, as nossas recordações são colectivas, relembradas pelos outros, mesmo quando só connosco aconteceu: quando se proporciona recordar o passado, pode ser necessário recorrer às recordações de outros (Halbwachs, 1968, p. 36). O Autor refere duas memórias: uma interna, a memória pessoal ou auto-biográfica, e outra externa, a memória social ou histórica (Halbwachs, 1968, p. 37).

A memória é assim, por estes motivos, independente face à consciência individual, e surge da dialéctica entre o passado e o presente: “A continuidade assegurada pela memória colectiva estrutura-se numa temporalidade em que se distingue passado, presente e futuro” (Attias-Donfut, 1988, p. 184).

Goffman afirma, a propósito da recuperação da história individual, essa reconstrução que implicará uma imagem da própria vida (passado, presente, futuro). A reconstrução selecciona e distorce de forma a fazer surgir um produto de uso corrente, uma imagem do self de acordo com valores básicos, uma apologia do agente (Goffman, 1974, p. 139-140). A carreira do agente acaba, assim, por derivar da sua própria reconstrução (Goffman, 1974, p. 135). Existe uma dialéctica entre passado e presente em que este contamina as versões de passado, e os registos são adaptados mediante, inclusivamente, as necessidades de ocasião. Halbwachs refere que o exercício de lembrança deriva das necessidades do grupo, que ao recordar permite a reconstrução do passado tendo por base, também, informação actual. O esquecimento advém do afastamento do grupo no qual as memórias ganham sentido: “Assim, entre os momentos comuns e sucessivos em que supomos guardar a recordação, será

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possível imaginar que se desenrola uma espécie de tempo vazio, resguardo das durações passadas...” (Halbwachs, 1968, p. 83).

Para Halbwachs, assim, a memória individual é função da memória colectiva, que tem o papel preponderante na caracterização da ideologia do grupo. Recordar é reconstruir esta memória, através da partilha dos cenários comuns. O Autor afirma que cada palavra se faz acompanhar de memórias, e os quadros em que essas memórias residem são quadros sociais: as memórias tomam, nesses quadros, pontos de referência, e assim podem ser recuperadas (Halbwachs, 1994, p. 279-281).

Os quadros sociais são assim as instituições que dão sentido às memórias, os grupos, a família, marcados pela existência de um esquema comum de significações, um contexto que fornece sentido e que pode de facto associar-se ao conceito de communitas de Turner. O que é a communitas? Esta entidade deriva de relações entre indivíduos concretos, idiossincráticos, históricos: não se define uma segmentação de papéis e estatutos mas antes a existência de cada indivíduo face a outro, o que contraria os pressupostos de solidariedade mecânica de Durkheim, ou as referências subjacentes à teoria das representações, aos endogrupos e aos exogrupos (Vala, 1997, p. 11). Tal não impede o desenvolvimento de uma estrutura, até à concretização de uma communitas normativa, por exemplo (Turner, 1989, p. 131-132).

A pluralidade interna de disposições, de cada um, referida por Lahire (2005, p. 38) ganha relevo face a este conceito de communitas, pois como afirma o Autor, podemos ser portadores de disposições que não coincidem com os quadros de referência logo, não se actualizam, podemos não as conseguir adequar ao contexto ou, por fim, o nosso investimento de adequação pode não ter retorno. Assim sendo, a economia pessoal da acção (Goffman, 1974, p. 43) também gere a desordem e o inesperado, mas pode tornar-se difícil em função da imposição de regras exteriores. Lahire opta pela aceitação da perspectiva situacional, ao admitir que os princípios de coerência dos actores não são únicos (Lahire, 2005, p. 2).

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5. A nossa maneira de vermos o Outro

é uma forma de nos vermos a nós mesmos?

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5.1. Acesso e unidades de análise

Desde o ínicio do projecto, e mesmo da própria procura de um tema de investigação, houve uma preocupação com o acesso à informação e a um grupo com uma determinada coerência, que permitisse a análise de pressupostos que já haviam sido levantados, outrora, quer através de leituras quer através do trabalho como técnica.

Se a proposta inicial desta investigação se tivesse concretizado, e o trabalho tivesse ocorrido no centro de abrigo do Casal Ventoso, o conhecimento prévio adviria muito da exploração feita enquanto técnica, nos dias e nas noites em que aí desenvolvi trabalho como monitora. Portanto, um dos pressupostos importantes, o do acesso ao contexto e às pessoas (Burgess, 1997, p. 33-56), poderia ser assegurado. No entanto, algumas das pistas que permitiram a formulação das hipóteses vinham em equivalentes contributos das leituras – sobre os consumidores de drogas e os aspectos temporais (referidos por autores como Hulbert & Lens, 1988; Vasconcelos, 2003; Kilngemann & Schibli, 2004), sobre a observação no terreno das dissonâncias em matéria de vivência do tempo, entre os utentes do centro de abrigo e, basicamente, aquilo que me rodeava – portanto, o senso comum. O que parece confirmar que uma hipótese não passa de uma “conjectura bem fundamentada” (Burgess, 1997, p. 37).

A unidade de análise redefine-se, no entanto, precisamente porque a primeira deixa de estar acessível e, esperando que a obtenção da informação já fosse por si difícil, dados os múltiplos motivos – ligados por exemplo à ocorrência de percursos criminais conexos – foi mantida a preocupação com o acesso, mas numa dupla perspectiva, a dissociação possível em relação ao papel anterior, e às ligações institucionais existentes, e a escolha de uma nova unidade de análise que permitisse manter a coerência do projecto.

Portanto, foi escolhida a comunidade terapêutica. Mantinham-se alguns receios no que respeita à abordagem, relacionados (também na comunidade) com a posição institucionalmente referenciada, receios esses que se poderiam tornar em vantagens, como mais tarde se verificou para alguns informantes.

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Perspectivou-se a possibilidade da observação das práticas do dia-a-dia, a entrada sucessiva de pessoas que estariam em pontos diversos da sua recuperação, sob a coerência de uma instituição praticamente fechada. Equacionou-se assim a produção de um terreno (Mapril, 2006, p. 56) com uma difícil delimitação dos fluxos de indivíduos, mas em que a instituição total os encerra e permite a sua abordagem diferida no tempo, enquadrando essa dialéctica (Lima e Sarró, 2006, p. 26) na procura do outro dentro e fora da relação (Lechner, 2006, p. 103).

Esta comunidade é substancialmente aproximada a uma instituição total segundo o pressuposto weberiano de Erving Goffman, no sentido em que materializa um tipo ideal (Goffman, 1974, p. 17): a esfera da vida privada dos residentes mistura-se com os aspectos partilhados no dia-a-dia, trabalho, tempos livres. Todas as vivências decorrem no mesmo lugar, todas as actividades são partilhadas pelo mesmo grupo, existe uma calendarização detalhada para as actividades (que depois, como veremos, não é estritamente cumprida) e as actividades diárias servem o propósito geral da própria instituição, isto é, a função de recuperação na comunidade mas também a sua manutenção.

Como veremos, a separação entre o pessoal e utentes sujeita-se à particularidade de que o monitor é escolhido entre os internos, o que implica uma interpretação específica do pressuposto de separação referido, e por outro lado a inexistência de uma distância social marcada entre os dois grupos (grupo vs monitor, melhor dizendo). Este aspecto reforça a existência de uma carreira moral (Goffman, 1981, p. 45-49), a apreensão completa do facto de ser estigmatizado, mas com um culminar que passa quase por uma porta de saída, em que o papel se abandona.

A condição de cada um implica a modificação do seu self, o que se associa directamente, no caso do objecto deste estudo, à maneira como o tempo é ou passa a ser vivido.

Assim, a unidade de análise estabiliza-se na comunidade, que encerra a coerência pressuposta à partida para as acções de realinhamento dos indivíduos (Goffman, 1993, p. 225). Isto é, a necessidade de ajuste em função das expectativas de acção e as práticas de rotina no grupo (e face ao outro), embora se pressuponha à partida a manutenção do status quo pela existência de comunicação conivente, implica um “desvio de um tipo inacessível à consciência” do espectador (Goffman, 1993, p. 225), neste caso, quem investiga.

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A comunidade é abordada em momentos diferentes, com o objectivo de caracterizar as pessoas que passam pelo grupo, e ao mesmo tempo, o grupo em vários momentos. Tal significa que, de cada uma das vezes que a comunidade é abordada, as pessoas que ainda lá permanecem voltam a ser entrevistadas, numa sequência em que se procura saber sobre o percurso até à comunidade, e depois sobre o percurso dentro dela. Os períodos de permanência foram concentrados em 3 dias, de cada vez, em momentos distribuídos no tempo, um deles sem a componente do levantamento das entrevistas: o caso das vésperas do Natal de 2005, em que se procurou não contaminar o tempo de características especiais com registos gravados e processos de revivência difíceis no momento.

5.2. Fazer reflectir o processo

A abordagem metodológica deste trabalho procura, desde os seus fundamentos ontológicos, fazer reflectir um processo. Assim, desde a conceptualização, estreitamente associada a uma perspectiva qualitativa de aproximação à razão do agente, aos pressupostos de trabalho associados quer ao tempo, como objecto antropológico e central da tese, quer à memória, no eixo do discursos dos indivíduos, enuncia-se o princípio da recolha junto dos informantes.

Segundo Atkinson, as narrativas são fonte de dados que intersectam o individual e o social (Atkinson, 1999, p. 191), ou, como refere Dhunpath,

“(…) a abordagem das histórias de vida será, provavelmente, uma forma de entender como os motivos e as práticas reflectem a intersecção íntima das experiências institucional e individual, num mundo pós-moderno.”(Dhunpath, 2000, p. 544, trad. livre)

Num mundo pós-moderno, como acreditamos noutro mundo qualquer, a proposta de um “narradigma” (Dhunpath, 2000), deixa transparecer a própria noção da vida como narrativa, na medida em que nos representamos no mundo sob essa perspectiva (Dhunpath, 2000, p. 544-545), o que ao mesmo tempo que fornece a perspectiva individual, precisa de ser integrado na panorâmica do grupo, ou da comunidade, se se quiser.

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5.3. Momentos da comunidade

Uma vez que se procura perceber a alteração na forma como o tempo é vivido, e como a transformação nessa vivência se reflecte nos momentos da comunidade, opta-se por recolher o testemunho das pessoas sob a forma de entrevistas etnográficas, com o fim de recolher as histórias ou extractos de vida:

“O melhor é conceber a entrevista etnográfica como uma série de conversas amistosas, em que se introduzerm paulatinamente novos elementos, para ajudar o interlocutor a responder como informante.” (Flick, 2005, p. 93)

O processo passa por um eixo central no qual se coloca uma questão essencial na entrevista, que procura dar início a uma narrativa por parte dos informantes (Bertaux, 2006, p. 62), uma vez que a liberdade da palavra deve ser total... mas controlada (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 25).

Mas o que distingue uma entrevista de uma conversa, então? Um pedido específico de entrevista, subsequente à apresentação da investigação. Esta apresentação é feita ao grupo, e depois particularmente, a cada um dos informantes, juntamente com a existência de clarificações adequadas e o levantamento dos elementos relevantes para o estudo (Flick, 2005, p. 94).

O trecho de vida recolhido que encaminha o indivíduo para a presença na comunidade, dá simultaneamente coerência à recolha do discurso, e à observação não participante efectuada nos periodos de permanência na referida comunidade terapêutica. Segundo Flick, “(…) um critério essencial da validade da informação é o relato do entrevistado ser primariamente uma narrativa.” (Flick, 2005, p. 101), em que no entanto o Autor prevê como alternativa a introdução de “(…) diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, próprio da entrevista de episódio.” (Flick, 2005, p. 112).

5.4. Récits de vie e análise de discurso

O objecto social de estudo em que se foca esta investigação enquadra-se naquilo que Bertaux apelida de “categoria de situação” (Bertaux, 2006, p. 20), categorias constituídas na base do senso comum, mas que se torna possível apropriar na medida em que constituem grupos em determinados momentos

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e situações da sua diacronia, e que vêm a ser apropriados como tal. No caso presente, a situação torna-se o internamento comum na comunidade terapêutica, e a vivência de momentos de percurso semelhantes quer até à chegada dos indivíduos quer, posteriormente, no decurso do internamento na comunidade, o que proporciona não a partilha de memórias colectivas mas, talvez, a partilha de episódios associados a uma prática comum.

A diacronia expressa na narrativa pode ser linearmente usada, por exemplo, na análise das trajectórias (Bertaux, 2006, p. 21), mas ao caso optou-se pela separação em categorias e dimensões, com vista à análise do discurso e à percepção das categorias comuns, e das referências, que permitem a saturação da informação, quando comparadas com a documentação e bibliografia já consultada (Cf. Klingemann & Schibli, 2004; Brochu & Parent, 1999; Vasconcelos, 2003).

Assim, “Uma concepção minimalista da história de vida será proposta: existe história de vida desde que ocorra a descrição, sob forma narrativa, dum fragmento da experiência vivida” (Bertaux, 2006, p. 14, trad. livre), o que decorre das entrevistas dos visados.

Põe-se a questão da reprodução integral ou da reconstrução das histórias de vida (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 27), mas neste caso a opção foi obter a narrativa para que esta pudesse ilustrar as categorias mais relevantes para a compreensão dos contextos prévios e do contexto da comunidade, e para o percurso dos agentes. Bertaux recomenda a análise temática sempre que o objectivo das histórias de vida visa a comparação de conteúdos (Bertaux, 2006, p. 93). Embora isolando as passagens do discurso, o que exige cuidado na manutenção da coerência e sentido das frases, a análise possibilita a expressão de ideologias pessoais. Mas possibilita, sobretudo, a ilustração coerente de práticas e contextos, e a observação de categorias comuns. Franzosi, por exemplo, defende que a manutenção da narrativa intacta torna difícil a sua análise, pelo contrário facilitada pelo tratamento temático (Franzosi, 1998, p. 548).

Assim, sobre as narrações aplicou-se uma técnica sobre a alçada da análise temática, a análise de discurso, que possibilita a obtenção das dimensões e das categorias referidas, técnica essa aplicada de forma que as dimensões pudessem ocorrer segundo os pressupostos de cada entrevistado, e não

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segundo os da investigadora, e que assim se traduzisse o conjunto de elementos relevantes no contar

da vida de cada pessoa.

O facto é que da mesma forma que se possibilita a maiêutica do sujeito, encontra-se também o recontar da história e as distorções a ela associadas (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 42, trad. livre). A reconstrução-transposição para uma unidade de vida, como referem Bertaux e Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut é sistemática, mas em contrapartida a omissão das passagens complicadas (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 43, trad. livre), no caso destes informantes, não é comum, porque é precisamente nessas passagens complicadas que todo o seu discurso assenta. Por outro lado, a expectativa de que se procura conhecer o tipo de discurso que inúmeros técnicos procuraram conhecer antes, pode conduzir a uma saturação das referências a passagens complicadas, e a omissão de detalhes relevantes para o objecto de estudo, que respeitam ao modo de viver o tempo, antes e depois da entrada na comunidade.

Isto equivale a afirmar que a saturação da informação, se torna óbvia na ilustração de categorias equivalentes, intra e extra estudo, mas a ocorrência de categorias únicas torna-se relevante, nos destaques do inesperado (Godinho, 2001, p. 74) ou, mais particularmente, nas omissões.

Segundo Barker & Galasinski, a compreensão é uma questão posicional, porque tem a ver com o posicionamento de quem comunica, onde está, com quem fala, e com que objectivos (Barker & Galasinski, 2001, pp. 63-64). Este pressuposto é antecedente à própria realização deste trabalho, em função do conhecimento do contexto anterior mas, também, do facto de se abordar um contexto sobre uma perspectiva de observação não-participante, ou seja, descontinuada e sem recurso à imersão no meio.

Os Autores referem que o discurso é enquadrado num determinado contexto, deixa transparecer um dado quadro de referência, os papéis sociais e comunicacionais assumidos, os objectivos dos agentes, dos elementos que definem o conhecimento social relevante, as normas e valores e as estruturas organizacionais ou institucionais. Procura-se que estes aspectos se projectem nas dimensões e nas categorias que respondem, de forma estruturada, à abordagem que os entrevistados fazem da sua vida, e como a contam. Isto significa que não ocorre a reconstrução das histórias de vida mas o re-

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arranjo das categorias segundo os temas abordados pelos indivíduos, procurando-se assim uma forma de sustentar os temas de análise e a coerência – ou incoerências, ou paradoxos – que constroem este trabalho.

O discurso é, assim, enquadrado no grupo – mas até certo ponto, não no grupo da comunidade. As sequências do discurso, mediante as suas unidades e a sua lógica, são de alguma forma abstraídas em função da enunciação das unidades comuns a todos os elementos que são entrevistados neste trabalho, de forma a que seja possível agrupar as unidades do discurso segundo categorias e dimensões apropriadas por todos os elementos. Porque é que uma determinada frase é dita, e o que significa numa dada situação? Para os Autores o discurso é socialmente constitutivo, é uma forma de prática social que deixa transparecer as escolhas dos agentes, e revela uma determinada ideologia, ou se se quiser, a adopção de um predomínio simbólico com um modelo específico. O texto é multifuncional, faz cruzar diversas realidades, estereótipos ou não, que se procurou fossem projectadas na compreensão dos percursos dos indivíduos. O discurso é interpessoal, mas não se refere apenas à relação entre a pessoa e o seu interlocutor, antes pelo contrário integra diálogos e múltiplos agentes em função dos quais o discurso é enunciado. O discurso é textual, porque estabelece relações entre o discurso e as condições que enquadram esse mesmo discurso, ou seja, o contexto (Barker & Galasinski, 2001, p. 64). Por fim, o discurso permite descobrir as redes que os indivíduos integram, incluindo as transformações por que os discursos passam – mediante contextos sucessivos. Esta objectificação concretiza-se no recurso à memória mas também ao esquecimento, pois tal como refere Augé, ocorrem três formas de esquecimento: o regresso do passado, esquecendo o presente, o reencontro com o presente separando-o momentaneamente do passado e do futuro, e o reecontro com o futuro esquecendo o passado (Augé, 2001, p. 77-78).

Dá-se o caso de existirem memórias partilhadas na communitas em apreciação. No entanto, o que se reforça no discurso, de facto, é a partilha de estereótipos externos ao grupo, nas não as memórias concretas ou a reconstrução delas. Não há, de facto, partilha de conhecimento nesta communitas. Por outro lado, os estereótipos coincidem com memórias hegemónicas, figuras de referência que autenticam simbolicamente determinadas recuperações. Ou seja, a partir de um determinado grau de disseminação estaremos a falar de memória social, no sentido em que advém dos grupos dominantes. Há, assim, tipos de informação que nos chegam de forma hegemónica, e esta hegemonia transparece

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nas categorias aplicadas ao levantamento, por exemplo, na aceitação do termo toxicodependência como recurso de categorização.

É importante notar, na reconstrução do passado, a ocorrência de ucronias ou raciocínios contrafactuais, “se tivesse sido assim, as coisas seriam diferentes…”. Nas histórias de vida ocorrem frequentemente situações míticas que, no caso presente, se podem relacionar com a categorização estabelecida, ou eventualmente com as omissões patenteadas no discurso dos agentes.

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6. Santuário: nós aqui e um lugar perigoso lá fora

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6.1. Introdução

A comunidade terapêutica em análise neste estudo, a que chamo o Centro, é criada através da instituição de uma IPSS em Março de 1996: constitui-se como associação de solidariedade social, por tempo indeterminado, com um número de associados que vai variando ligeiramente ao longo do tempo, mas que se restringe a cerca de vinte pessoas. Tem a sua sede num concelho da Margem Sul, e tem como objectivos principais a prestação de cuidados de saúde, a higiene mental e a assistência social. A actividade na comunidade é iniciada em colaboração com a Câmara Municipal, que cede, através de protocolo, o espaço onde se situará a comunidade terapêutica, um palacete em ruínas do século XIX. O SPTT - Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e, mais tarde, após a extinção deste, o IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência, comparticipará o pagamento das estadias prolongadas das pessoas sujeitas ao processo de internamento. Segundo o Despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério da Saúde Nº 261-A/ 99 de 22 de Março, a criação de uma rede nacional de unidades de tratamento de toxicodependentes, que inclui as comunidades terapêuticas, as clínicas de desabituação e os centros de dia, prevê que o Estado comparticipe o tratamento dos indivíduos através de convenções, entre o SPTT e cada unidade, considerando para o internamento nas comunidades um valor mensal por indivíduo que ascenderá a 165 000$00 (em 1999). Este valor é circunscrito no mesmo despacho conjunto a um financiamento assegurado de oitenta por cento do montante, às comunidades.

A comunidade tem um número de camas restrito, onze, resultado do facto de funcionar no Palacete – palacete esse que, pelo seu estado de ruína, virá a ter de sofrer algumas obras de reconstrução do andar térreo, a construção da zona de refeições, a recuperação de um quarto e instalações sanitárias no primeiro andar (que virá a ser reservado para a Direcção), e ainda a recuperação de algumas divisões distribuídas como a despensa de secos também no primeiro andar, a zona da lavagem de roupas, e o quarto do monitor - no sótão.

O consultório do dentista virá a ser instalado, de forma pouco consequente, alguns anos mais tarde (a partir de 2003), embora até ao momento em que dou por terminado o trabalho de campo, não tenha funcionado. No primeiro andar situar-se-á também a sala de reunião da equipa de rua que conduz a sua acção localmente, uma sala habitualmente fechada onde a equipa armazena os materiais para os

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kits (seringas, água destilada, toalhetes, preservativos, filtros) - equipa que cessa a sua actividade no concelho, por escassez de trocas, ainda antes de 2004.

6.2. O circuito contextual

A maior parte dos indivíduos vai entrando na comunidade através das redes sociais de alguns dos associados, que trabalham no contexto de bairros lisboetas com problemas sociais. Contextos como o Casal Ventoso (Chaves, 1999), mesmo depois das mudanças no outrora supermercado da droga, ou o Bairro da Boavista, na margem Norte do Tejo, proporcionam a entrada de pessoas. Também através do trabalho das equipas de rua da instituição, entram pessoas, através das redes interpessoais associadas às equipas que operam na margem Norte e na margem Sul, em zonas problemáticas com forte penetração de drogas como, por exemplo, o Vale da Amoreira. Alguns dos internos entram em função de contactos familiares ou contactos com outros elementos que já anteriormente haviam entrado no Centro. Na sua maior parte, estas pessoas passam por um circuito de comunidades:

“(...) já estive em dois, antes de ser cá... já estive em [outro país], não me lembro do nome daquilo... mas calhou-me sempre, para onde eu fui, só apanhei drogados... é raro apanhar gajos alcoólicos (...)” (Carlos, A3)

Ou como refere Óscar, ao explicar como convenceu o director do Centro a aceitá-lo juntamente com a sua mulher, grávida, e um filho de sete anos, depois de verificar que mais ninguém no País aceitava a família completa:

“[O director da comunidade não queria que o miúdo viesse] Por causa do ambiente, (...) aqui como não havia miúdos, que era um ambiente um pouco pesado para ele, a gente explicou-lhe porque felizmente a Nela desde que o miúdo nasceu, pois... tem estado sempre em centros, (Óscar, N3)

O circuito integra instituições com características mais ou menos rígidas (Patrício, 1995, p. 177-178), incluindo quer as clínicas quer outras comunidades terapêuticas, e não é exclusivamente nacional. O próprio Óscar esteve internado sete anos, numa organização onde primeiro o internam numa comunidade, e depois virá a ser responsável por outra comunidade. Conheceu a mulher, Nela, após o

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que rumam a Portugal. As duas comunidades integram, respectivamente, pessoas em estágios diferentes do processo de recuperação, tal como aquela em que Óscar foi monitor:

“(...) era diferente, daqui... era já uma segunda fase, onde o pessoal já vinha todo já com quatro, cinco meses, reabilitado das drogas, bom reabilitado não vinha, mas pelo menos com o que é ressaca, e essas coisas, (...)” (Óscar, N6-1)

E, ocasionalmente, com um regime de trabalho integrado na segunda fase, ao contrário do que se passa no Centro:

(...) bom lá dentro, tinhamos uns dezoito ou dezanove camiões...e era diferente, o pessoal chegava pela manhã, (...) havia uma reuniãozita da parte deles, falávamos todos os dias, e depois cada um saía com o seu camião, com os seus ajudantes, cada homem o seu trabalho, eu distribuia a chave dos camiões, o trabalho, cada um ia à sua vida...” (Óscar, N6-2)

A escolha do Centro resulta também da experimentação de uma sequência de modelos diferentes de tratamento, aos quais cada um dos indivíduos se vai adaptando melhor ou pior.

“(...) nas Taipas não havia meio de me resolver o assunto (...) Eu (...) andei nas Taipas, na CAT de Sintra… de Mira Sintra… durante três anos e tal… três anos e quase quatro anos (...) [No CAT não me faziam] nada… nada, rigorosamente nada… eu cheguei ao ponto de andar a consumir e eles nunca… nunca me fazerem uma análise!... eu disse isso à minha psicóloga… “eu não sei para que é que eu ando aqui…”, “ah, mas porquê, Maria? não te estás a sentir (...) bem?”, “ah, estou-me a sentir muito bem, mas é assim, eu acho que o vosso sistema… (...) para mim não pega, porque é assim… eu até posso estar aqui com uma ganda pedra… a bater com a testa no joelho… e vocês continuam (...) com essa terapia… para mim, não me diz nada (...) eu estou aqui há… há três anos, nunca me fizeram uma análise… como é que vocês sabem se eu ando a consumir ou não? Acreditam-se naquilo que eu digo?!”...”(Maria, E21)

Por vezes, a opção anterior não é pelo tratamento, mas pelas terapêuticas de substituição de baixo limiar, a metadona:

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“(...) entretanto ouço falar no CAT (...), na metadona (...) vou ao CAT (...) no Barreiro... peço ajuda a eles... eles sim senhor, (...) metem-me na metadona... (...) [o CAT] estava num sítio esquisito, porque (...) é três bairros de droga, ali à volta do CAT... para ir ao CAT tem que passar por um deles, [de outra maneira] não chega lá...só se... só se vier por Lisboa, de barco (...) é que não passa... pelos bairros da droga, para chegar ao CAT...” (António, D23)

Outras vezes, as pessoas retornam ao Centro onde já haviam estado, e o regime do Centro muda com os monitores:

“Ah, por um lado é bom, por outro lado... tenho que estar sempre aqui, vinte e quatro horas... quando estive cá a primeira vez, já há quatro anos, estava cá o senhor Né [monitor], a gente saía, a gente ia ao café, agora já não vamos ao café, já não vamos sair... agora não, não pode (...) depois agora está cá este casal [Cristina e João Miguel]e a gente não pode sair...”(Mário, L8)

Monitor esse que chega a decidir, de forma algo absoluta, como corre o dia-a-dia dentro da comunidade, não tanto na perspectiva disciplinar de “parar o mal, interromper a comunicação e suspender o tempo” (Foucault, 1975, p. 244), mas mais para fazer face ao descontrolo prévio ao internamento (Goffman,1974, p. 123):

“(...) sim, mas o Monitor, por exemplo, [se] tiver um erro, ou uma coisa assim... que é para corrigir, ou para chegar a uma reunião... para falar disso... praticamente isto é tipo de... partido político (...) como um partido único, aqui dentro... ” (Dário, C23)

Assim, acontece na comunidade que o grupo que encontro tem uma permanência variada, às vezes composto por um núcleo de pessoas que já lá está há anos, outras vezes na sua maior parte composto por pessoas que chegaram há alguns meses:

“(...) no grupo [quando entrei], destes que estão aqui, só cá estava o Francisco, mais ninguém, é o único sobrevivente... alguns já fizeram uma passagem, de dias só, uma semana, duas, a do Rogério, por exemplo... esteve cá doze dias... foi-se embora, e agora regressou e está cá há dois meses (...) agora o resto é tudo malta que está aí há um mês, um mês e pouco (...)” (José, G5)

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Esta transitoriedade poderia ter colocado em causa a delimitação da unidade de análise, certamente, mas se virmos pelo outro lado, possibilita uma caracterização mais complexa da referida unidade, em função de uma recolha mais rica de casos inerente a um grupo em permanente mudança. Portanto, o Centro encerra uma coerência espacial, mas não uma coerência temporal única, aproximando-se também assim do sentido que Turner atribui à sua communitas, onde “sob a influência do tempo é necessário mobilizar e organizar recursos” (Turner, 1989, p. 132, trad. livre) e que deriva do estabelecimento de relações entre indivíduos, “estando para fora” (Turner, 1989, p. 138, trad. livre). Tal como anteriormente referido, procura-se interrogar a comunidade como espaço de fluxos de pessoas e relações (Mapril, 2006, p. 54).

6.3. O jardim

Quando entro na comunidade pelo enorme portão verde de ferro forjado, a primeira coisa que vejo à minha direita é a parede lateral do palacete e uma porta, pequena, com um arco de estilo gótico a encimá-la. Está fechada, mas já sei que é por aí que se entra para o hall onde são guardados alguns produtos alimentares, como a fruta ou os caixotes de ketchup doados pelo Banco Alimentar contra a Fome. O hall dá acesso ao consultório de medicina dentária, instalado com a maquinaria necessária... mas fechado. Consultório que é algo extemporâneo, embora bem intencionado. A sua instalação procurava responder à necessidade de tratamentos dentários típicos dos consumidores de drogas com um historial longo, mas de facto a intenção nunca se veio a concretizar.

Do jardim espreito para o consultório pela janela semi-aberta e vejo na penumbra a mesinha, a cadeira de dentista, e o cano da água por fora da parede. Volto para trás passando por cima do relvado, e reparo que o espaço é amplo e agradável: em frente ao portão existe um pequeno terreiro onde é possível estacionar três ou quatro carros, circundado por um murete, e onde frequentemente se encontra a carrinha de nove lugares que transporta o grupo nas saídas ocasionais. O terreiro é ainda limitado por uma sebe e uma gaiola de pássaros vazia (construída na correnteza do murete), uma vez que a maior parte deles foi morta pelos cães da comunidade, numa só investida feroz.

À direita, vejo o jardim relvado, a rede pendurada ao fundo entre as duas palmeiras mais altas, e uma vista para um descampado gigantesco e algo vazio:

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“(...) a distância longe, ali eu... vejo a paisagem... vejo os montes, fica mais... eu vou ali e melhoro a cabeça... vou lá dentro e só penso que estou lá dentro... fica mais... se calhar não sei explicar direito, mas fica mais... independente, não é.... a vida...[lá dentro] fica um bocadinho mais fechado...” (Dário, C9)

Descampado esse onde, de vez em quando, passa o rebanho de ovelhas, o pastor e os cães do pastor, já fora dos limites da comunidade - a seguir à horta plantada para fornecer as saladas e as sopas, uma horta plantada de forma absolutamente anárquica pelo Mandrake,

O bom do Mandrake (...) fez uma plantação anárquica de milho com tomateiros e couves tudo

misturado, em cima... de um limoeiro que estavam à espera que crescesse. Ora bem. O milho

cresceu, os tomates também (têm tomate normal e tomate xuxa, com muito bom aspecto), as

couves cresceram, há por lá umas alfaces minúsculas... mas o limoeiro nem se vê. (DC, 9.05)

Horta essa, tratada pelo Carlos ou, mais tarde, pela Nela:

“O J[filho] anda atrás, anda atrás dos animais, atrás de um, de outro, ao pé dos pombinhos, dos coelhos, da horta (...)” (Nela, M19)

De tarde, pelas quatro horas, encontro três rapazes – entre os trinta e os quarenta e tal anos - que jogam futebol. Se continuar a caminhar, sempre para a direita depois de ter entrado o portão, fico de face para o relvado, com o frontispício amarelo do palacete do século XIX por trás e, ao fundo, ao pé do poço, o tanque onde alguém toma banho.

“Prefiro o verão, não o inverno, depois aproveito sempre ali o tanquezinho, para dar uns mergulhos, e apanhar ali um bocado de sol, fazemos sempre ginástica, corremos...”(Rogério, Q21)

Encontro um dos rapazes a varrer o átrio, outro sentado numa cadeira, algo silencioso, por baixo das arcadas, e a rede nas janelas anuncia a proximidade de correntes de água e, no verão, uma dose de mosquitos absolutamente anormal... e extraordinariamente incómoda, que me impedirá mais tarde de dormir (mesmo com repelente e veneno para insectos).

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Se olhar para os varandins do primeiro andar do palacete, apercebo-me que há algo errado. Com efeito, o primeiro andar parece desocupado, as janelas abertas, e a ruína à vista. Na varanda principal encontram-se os andaimes que vão ficando, ou porque serviram para mais uma obra, ou porque vão ser usados para pintar o palacete.

A seguir ao edifício principal está a pequena capela, sem altar, com alguns aparelhos de ginástica lá dentro, um deles em uso intenso mas algo displicente.

“(...) a minha mãe ficou encantada [com a capela da comunidade]… ela veio aqui ver-me, um dia… pronto, eu andei a mostrar a casa, aí… e a minha mãe é muito agarrada, a isso (...) e então levei-a, sabia que ela ia gostar… mesmo estando naquele estado (...) e ela ficou encantada e realmente é verdade… ela é bonita… se estivesse recuperada, estando bem… bem estimadinha… mas pronto, é o que se pode arranjar, não é (risos)…” (Maria, E36)

A seguir a entrada, sempre fechada, para o quarto maior, e depois surge uma construção atípica, recente, um pouco mais baixa do que o palacete, ocupada por coelhos e pombos, um cheiro intenso e os fundos reservados para uma oficina e o depósito de objectos à espera de recuperação. Os coelhos são, volta que não volta, selvaticamente dizimados pelos cães, rafeiros, guardas e companhia, que por isso desde há uns tempos para cá permanecem presos a maior parte do dia, acorrentados nas cercanias das casotas situadas entre o edifício novo (se é que se pode chamar novo, naquele estado) e o tanque transformado em piscina. Por vezes vejo, ao fundo do jardim, perto das palmeiras, a única rapariga na comunidade a estender a roupa ou, mais propriamente, nas horas perto do lanche, a apanhá-la.

6.4. O chão vermelho das arcadas

Entrei. Passo pelo chão vermelho das arcadas e à esquerda está o ninho da andorinha, ocupado todas as primaveras e à espera do regresso. Os matraquilhos e a mesa, de azulejos retirados do palacete. Os degraus que saem debaixo das arcadas e fazem caminho para a capela. As escadinhas da porta de acesso ao quarto mais espaçoso, onde dormem talvez dois ou três rapazes, e um deles sentado nas escadas. O rádio-leitor de cassetes está a tocar a música bem alto, mas pela janela de rede da sala, logo ali ao pé da porta, percebo que a televisão também está ligada.

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A porta de entrada no palacete é verde escura, de madeira, de duas portadas, e piso o chão interior, de quadrados pretos e brancos. À minha frente está a escadaria, os degraus com uma aparência muito recente e de madeira esbranquiçada, e o corrimão desenhado em espiral e pintado em tons de beterraba. O santinho, em azulejo azul na parede branca, protege certamente a casa (de cair...): “Sagrado Coração de Jesus abençoe este lar”.

À direita está o escritório, com um balcão de repartição pública que ocupa quase todo o espaço, um computador poucas vezes ligado, o armário dos medicamentos e a secretária do monitor. Uma fotocopiadora, um aquecedor e uma casa de banho que dá, de vez em quando, sinal da fossa demasiado cheia que, enquanto aguarda o vazamento da Câmara, deixa um cheiro pestilento na zona administrativa, e uma série de dossiers e papéis com ar pouco consistente, como se de facto o centro da casa não fosse ali. Encontro o monitor ali sentado, a distribuir medicação, a dar os cêntimos para o café e até para o tabaco, a falar ao telefone, a receber familiares (raramente), mas o mais certo, mesmo, é olhar para a porta do escritório fechada à chave, com o pequeno letreiro “Escritório” a chamar a atenção para o seu lugar periférico.

6.5. A ruína

Subo a escada, meio desequilibrada (faz-me pensar que perdi o centro de gravidade) chego ao andar nobre do palacete: como certos nobres... está em ruínas. À minha direita está uma das duas entradas para o salão da antiga equipa de rua, magnífico: uma sala pequena seguida de um salão grande, o Salão da Lareira, situado na esquina do Palacete, com uma janela de cada lado. Uma janela para a entrada da comunidade, e outra que dá para o jardim. A parede está forrada a azulejos, mas vejo uma sequência de baldes de plástico no chão que me dizem que a chuva não perdoa. Em cima ouço os pombos, cujos dejectos infernais chegam por portas travessas ao salão.

Depois da portada nas escadas vejo, ao fundo, a zona da lavandaria, as máquinas de lavar e secar, e à direita, a despensa de secos com uma porta fechada a cadeado. É na zona da lavandaria que registo sinais escritos significativos do que se passa com as pessoas da casa:

“Cuidados a ter nos sectores:

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Sector lavandaria

• Calçar luvas de borracha;

• No caso de a roupa apresentar vestígios de sangue e/ ou fluídos genitais, colocar a mesma previamente em lexívia durante 30 minutos ou lavar à parte da outra roupa, da seguinte forma:

• misturar lexívia com o detergente e o amaciador numa proporção de 1/2 tampa (ou uma colher de sobremesa), por cada quilo de roupa;

• fazer a pré-lavagem a 50 graus durante 10 minutos.

• fazer a lavagem posterior a 60 graus.

• retirar a roupa da máquina e estendê-la.

• entregar a roupa já dobrada.”

Com efeito, metade dos habitantes da comunidade são portadores de uma qualquer doença infecto-contagiosa, e os cuidados dirigem-se a quem faz a lavagem da roupa o que, pela distribuição das tarefas, cabe a uma determinada pessoa em cada semana.

No secador de roupa, lembram-se os cuidados necessários para manter a máquina – o que faz pensar que já houve algum descuido:

“Lembra-se que após utilizar o secador da roupa é imperativo limpar o filtro do mesmo para assim continuarmos a ter o privilégio de poder secar a roupa quando o tempo não o permitir (e assim zelar pelas máquinas e materiais do centro).”

É aqui, no primeiro andar, que durmo. Se virar à esquerda mal subo as escadas, entro por uma porta que avisa o perigo da ruína, deparo logo em frente com uma estante de esquina onde se guardam as coisas de Natal e, à direita, a sala a que chamo eufemísticamente Sala em Obras – mas que não tem tecto, não tem chão, com uma janela sem portadas sequer, por onde vejo a estrada. A seguir, à minha esquerda, está a Sala dos Pombos, por motivos óbvios, pois aí também a ausência de tecto faz com que se torne residência permanente dos animais; a sala tem uma pequena lareira de estilo meio árabe,

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ao gosto do homem que mandou construir o palacete; ainda alguns azulejos, e um conjunto de janelas a dar para a varanda onde estão os andaimes.

Passo pelo corredor meio destroçado - uma varanda mais à direita, que dá para o pátio da sala de refeições (ou refeitório, como alguns dos entrevistados lhe chamam), outra janela à esquerda, que dá para o jardim - no corredor existe uma célula fotoeléctrica que acciona uma lâmpada mas, à noite, demora demasiado tempo a reagir à minha passagem, tornando o trajecto algo assustador.

Vejo no fundo do corredor a casa de banho do monitor, subindo uns dois degraus, viro à esquerda e encontro a porta do quarto onde durmo, que tem uma casa de banho própria, e a porta da saleta contígua, que corresponde a um dos dois avançados de esquina, do palacete.

Não resisto a ir à noite à saleta ao lado do quarto, tem janelas nas três paredes (a quarta parede é

a que dá para o quarto) e uma vista nocturna maravilhosa. E o sol da manhã é fantástico,

infinitamente mais interessante que o telhado que posso ver da janela do meu quarto. Posso estar

(...) na ala ruinosa do palacete, mas é intrinsecamente um palacete, de facto (DC, 12.05)

6.6. Atrás da porta, na sombra, as regras da comunidade

À esquerda da porta de entrada no palacete, cá em baixo, é a sala de estar. Entro e vejo um conjunto de dois sofás beijes, e dois cadeirões, uma mesa em vidro com algumas cadeiras em volta, uma televisão no canto, em cima, mesmo em frente à porta por onde espreito e, por trás dessa porta, um quadro com as regras e procedimentos de recuperação que o Centro afixa na parede, mas que me parecem distantes do processo diário.

As regras enunciam os princípios do programa de recuperação, mas o papel amarelado e a troca nos trimestres, da segunda e da terceira fases, denunciam que ninguém olha para o quadro já há uns tempos. Enuncia-se a separação de um mundo anterior (Van Gennep, 1978, p. 37) em que se confronta e é confrontado, em que não se tem comunicação com o exterior. Esta fase assegura a passagem entre dois mundos e a separação entre “dois movimentos de sentido contrário” (Van Gennep, 1978, p. 152), o que decorre lá fora e o que decorre na comunidade, um ponto morto marginal.

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“Valores e regras das fases do programa, 1ª fase (entre 1 a 3 meses)

Valores: ruptura com a droga e outros contextos disfuncionais; adaptação, investigação e

envolvimento com o grupo; tomar consciência de si próprio (quem é e o que quer mudar); seguir o

exemplo dos mais velhos e aprender a confiar em si e nos outros; confrontar e ser confrontado; ser

honesto, frontal e directo; respeitar os outros; obedecer às regras da casa.

Regras: não fazem chamadas telefónicas (telefone e telemóvel) durante a semana e ao fim-de-

semana só com autorização; não têm acesso ao seu dinheiro; não podem ir a casa de fim-de-

semana; em caso de necessidade de saída só o fazem acompanhados por um elemento mais

velho.

Na segunda fase, a passagem vive-se o confronto com a origem mas também a responsabilização, quem sabe um lugar e a responsabilidade mais próximos ao monitor.

2ª fase (entre 6 a 9 meses)

Valores: assumir responsabilidades na organização e funcionamento da casa (podem ocupar um

lugar de maior responsabilidade); confronto com o meio social de origem (bairro, casa familiar);

tornar consistentes as mudanças que se vão operando (maturação); consolidar o valor das regras

defendendo-as e transmitindo-as; dar o exemplo aos mais novos; elaboração de um projecto de

vida e objectivos a alcançar; obedecer às regras da casa.

Regras: podem sair ao sábado e voltar ao domingo; podem telefonar durante a semana mas

sempre com autorização e em casos importantes (tratar de assuntos importantes); não têm acesso

ao seu dinheiro.

Depois de agir e parar, esperar e repousar, como afirma Van Gennep (1978, p. 157), recomeça-se a agir, se bem que de forma diferente. Retorna-se a um ciclo. Depois da suspensão da vida social, restabelece-se o laço de união com a sociedade e a vida social recomeça (Van Gennep, 1978, p. 151).

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3ª fase (entre 3 a 6 meses)

Valores: desenvolver a auto-segurança para restabelecer relações com a vida exterior à

comunidade; alargar e diversificar o leque de relações no exterior; servir de modelo para os mais

novos na casa e ajudá-los no seu desenvolvimento; continuar a desenvolver o seu projecto de vida

e procurar emprego; obedecer às regras da casa.

Regras: podem sair ao fim-de-semana; gerem o seu próprio dinheiro; obedecer às regras da casa;

podem ligar três vezes por semana (telemóvel); têm direito a mais uma saída semanal entre as

15.00 e as 19.00.”

Verifica-se que algumas regras estão interiorizadas, pois ocasionalmente ouve-se o pedido para fazer um telefonema, mas nunca ouço ninguém a falar a partir de um telemóvel – o que se torna estranho, comparando com o que se passa lá fora…; mas a acção das pessoas difere em função do tempo de estada, por exemplo no que respeita a detalhes como uma saída do grupo para tomar café, no bairro de realojamento do outro lado da estrada.

Estas saídas só estão acessíveis àqueles que já se encontram na comunidade há algum tempo. Talvez por verificar este aspecto também suponho que uma parte das regras será cumprida de forma flexível, como por exemplo o facto de não serem necessários, exactamente, os três meses de permanência para poder começar a ir a casa.

“(...) não é que eu acredite que as regras tenham de ser quebradas, não é por aí, é… às vezes faz falta um bocadinho de flexibilidade… e acho que a partir daí se tornou um bocadinho mais fácil, deixei de ter aqui zaragatas (...)” (António como monitor, P7)

Existe, além disso, um aspecto que se relaciona também com as oportunidades externas, e ao mesmo tempo com as particularidades de cada indivíduo: alguns dos elementos na comunidade começam a trabalhar fora, ao fim de algum tempo (em princípio, pelo menos depois dos seis meses de permanência). Outros recusam-se a sair e sentem mesmo dificuldade em ir a casa, com o receio de voltar a conviver com o grupo antigo (tipicamente associado ao consumo de droga).

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“(...) é uma luta, (...) eu actualmente, só me sinto bem quando estou aqui dentro do centro, e mesmo quando vou a casa, eu sei lá, eu ouvir as pessoas, vou lá à zona, vou ver aquela malta, sei que andam metidos na droga, eu não me sinto bem, só de olhar para eles (...)” (José, G22)

Continuando no placard atrás da porta, abaixo, encontra-se a escala da loiça. Começa a uma 5ª feira, o que é algo estranho, uma vez que em princípio as escalas começam à 2ª feira... talvez coincida com a minha chegada, porque não me parece que as tarefas sejam assim tão rigidamente escaladas: alguns dos elementos sei que habitualmente fazem outro tipo de tarefas, o que lhes dá um capital de substituição para não lavarem a loiça ou para não porem a mesa.

Aquilo a que chamarei o regime da comunidade integra, de forma ideal – ou ideológica, pelo menos – a roda, tal como ela é referida por Joaquim Pais de Brito: “A roda supõe uma sequência ordenada dos agentes ou das coisas sobre que incide a sua acção” (Brito, 1990, p. 512). O Autor questiona a existência de uma ordem pré-estabelecida que possibilita a concretização de tarefas rotativas, às quais subjaz um princípio de igualdade dos intervenientes (Brito, 1990, p. 513). O pressuposto estruturante desta roda aplica-se à comunidade, ao estatuto dos indivíduos que ali coabitam, exceptuando-se os recém-chegados em situação de desintoxicação. É também sobre estes elementos que reside a maior incerteza da permanência no lugar, por serem comuns os abandonos nos primeiros dias.

“De manhã levantamo-nos, tomamos o pequeno almoço, e depois fazemos as tarefas da casa, metemo-nos cada um no seu quarto, cada um arranja o seu quarto, limpa-se o quarto, a mim cabe-me a casa de banho, há duas casas de banho, há a casa de banho das mulheres e a dos homens, e como eu estava sozinha antes de chegar este casal [Cristina e João Miguel], fazia eu sempre, mas agora temos que alternar, um dia ela, outro dia eu, mas como ela agora está a passar um pouco mal, também [está no período de desintoxicação], ainda não falei nada com ela... faço eu todos os dias... e também a cozinha, a cozinha também me cabe nalguns dos dias, não são todos os dias, um dia por semana cabe-me servir à mesa, cabe a uma pessoa servir à mesa, também me encarrego da lavandaria, cada dia... trato da roupa (...)” (Nela, M17)

Existe um horário de actividades afixado:

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08h00 – 08h30 Despertar - higiene

08h30 – 09h00 Pequeno-almoço

09h00 – 12h15 Tarefas (Que me serão descritas pelos intervenientes)

12h30 – 15h00 Almoço – tempo livre

15h00 – 16h30 Tarefas

16h30 – 17h00 Lanche

17h00 – 18h30 Tarefas

18h30 – 20h00 Higiene (a hora do banho) – tempo livre

20h00 – 20h30 Jantar

20h30 – 23h00 TV – tempo livre

23h00 Ceia

00h00 Silêncio

“(TV ou DVD após as 00h só com a autorização do monitor).”

Aqueles que estão na ressaca constituem um horário paralelo:

“(...) não sei, parece que me sabe tudo à mesma coisa, a comida.... não sei se.... se será de mim... talvez seja, ainda (...) eu não tenho muita vontade de comer... mas se calhar devido à medicação (...) mesmo assim tento lá ir, comer (...) Que é para não tomar os comprimidos sem nada (...) e para arrebitar...“ (João Miguel, H19).

Mas não tão paralelo que não exija a presença à refeição, logo que tal se torna possível, a expressão de um verdadeiro “princípio estrutural de organização e partilha” (Brito, 1990, p. 516) mas associado à instituição total, na medida em que condiciona a economia pessoal da acção (Goffman,1974, p. 43), ao perturbar a gestão autónoma do tempo e tarefas associadas, pois a linha de actividade de cada um dos indivíduos sujeita-se aos horários, regulamentos, ao julgamento do monitor e ao controlo social.

“(...) por média é sempre (...) à mesma hora do que os outros, que é para não haver... ninguém a dizer “ah, aquele está a fugir”, ou “aquele levanta-se mais cedo”, ou “é engraxador, é isto...”,

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não sei quê, portanto isto é muito... isto aqui somos quase como uma família dentro, (...) e então se houver um que faça uma coisa diferente, os outros reparam, e para que não repare ninguém, bem, vamos levantar-nos todos à mesma hora, e vamos todos comer a horas, (...) que é para não haver chatices, nem problemas uns com os outros...” (José, G26)

Alguns sinais que confirmam que as regras nem sempre são cumpridas: lado a lado com as regras do programa, um comunicado que avisa:

“Informa-se os utentes que o dia estipulado para o visionamento de filmes de DVD fica a partir desta data estipulado para as sextas-feiras, em virtude do cumprimento das regras do recolher e despertar não estarem a ser cumpridas. “

O comunicado está assinado pelo monitor à data, em 2004, Rodrigo. Ao lado, outro comunicado sobre a utilização do telefone:

“Por ordem superior o telefone só poderá ser utilizado em serviço e a título excepcional (emergência) ou por motivos pessoais urgentes e inadiáveis.

Para qualquer outro caso, as chamadas serão registadas em impresso próprio do centro.”

Por fim, as regras são reforçadas de novo. As “regras proibitivas:

• Não às drogas

• Não ao álcool

• Não aos psicofármacos

• Não à violência física e verbal ou ameaças

Porque ela ocorre, ocasionalmente:

“(...) ainda há pouco tempo tive... tive que expulsar uma pessoa de cá, começou ai ao soco, deu ai um soco fodido, e puxou duma faca e começou a correr atrás do José, com a faca... tive que chamar a GNR...” (António como monitor, P16)

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• Não às relações sexuais.

Algo difícil, uma vez que a comunidade aceita casais, mas no entanto antevêem-se questões relacionadas com a transmissão das doenças infecto-contagiosas (que afectam alguns dos utentes da comunidade, como referido). Por outro lado, alguns dos abandonos são ciclicamente protagonizados por casais. Neste aspecto recorro ao conhecimento anterior do local, mas também ao sucedido depois da primeira vez que vou ao contexto, em 2005: um casal que se constitui dentro da comunidade abandona-a junto. Alguns dos entrevistados afirmam:

“(...) por isso é que é mais difícil, porque se for o casal, é mais difícil de deixar [de consumir] do que se for individual...” (Cristina, F36)

• Não às cumplicidades

As “cumplicidades” parecem ser uma palavra-chave, um elemento simbólico partilhado e associado às práticas de consumo:

“... a nossa vida era uma vida de... o negócio era um negócio que é muito de bar, de café, de restaurante... a gente comprávamos e vendíamos automóveis batidos, e essas coisas assim (...) então isso é um negócio onde se bebe muito à mesa e come-se muito à mesa... está-se três quatro horas... há um dia... (risos) já.... com uma ganda touca (...) até fui eu que olhei para ele... e ele olhou para mim e disse-me “não, nem penses nisso” (...) nesse dia não fomos... no dia a seguir ele faz-me o olhar e sou eu que digo... “não não, não vamos não”... ao terceiro dia, o olhar é dos dois... montámos no carro fomos direitos a Lisboa... “ah, é só desta vez, para... a gente (...) desanuviar”... assim foi... consumimos esse dia...” (António, D12).

“(...) nós já temos tanta cumplicidade os dois (...) que basta (...) nós olharmos um para o outro e eu já sei o que é que ele está a pensar, e ele sabe o que é que eu estou a pensar, eu já sei se ele tem alguma coisa, ele já sabe se eu tenho alguma coisa (...) De consumir...” (Cristina, F38;39)

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A instituição enuncia, também, “Regras valorativas”:

• Sim às relações “limpas” de amizade.”

Acreditando que por trás desta afirmação se encerre o pressuposto de que a ambiguidade possa originar desníveis de sentido (Douglas, s.d., p. 55), no entanto parece patente o sinal de que a transição encerra o perigo (Douglas, referindo Van Gennep, s.d., p.117), e a poluição nos limites transpostos – limites tanto mais definidos quanto resultam do enunciar das normas (Douglas, s.d., p. 135).

• Sim à sinceridade

• Sim à honestidade

• Sim à comunicação clara e frontal

• Sim à entre-ajuda

• Sim ao respeito por si e pelos outros

• Sim à responsabilização por si e pelos outros

• Sim à firmeza

No canto inferior direito, um postal pequeno em que o director da comunidade delega a sua autoridade no monitor:

“Informação. Para os legais e devidos efeitos, delego no senhor António.... todas as responsabilidades inerentes às funções de monitor deste Centro.

Como tal deverá ser obedecido nas indicações que der aos demais interessados tendo ainda o direito de designar como seus auxiliares quem como tal for julgado útil”

Auxiliares, papéis assumidos mas no entanto não declarados pelo monitor, como os de Jaime ou, mais tarde, do José:

“(...) ajudo o Rodrigo [monitor], o problema é que ele está sozinho... ... não é fácil... também é uma pessoa sozinha (...) também já estive, e sei que não é fácil... viver ou conviver... ainda por

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cima responsabilizar-se por (...) todo o género de pessoas, não é... umas mais problemáticas, outras mais... mais ponderadas (...)” (Jaime, B13)

“(...) e ele [António] tem-me agradecido imenso (...) porque o tenho estado a ajudar, e faço os possíveis para que isto corra tudo bem, aqui dentro, isto é uma coisa que não custa nada (...)” (José, G30)

6.7. Hora do lanche

Chego perto da hora do lanche, e o António está-me a dizer “quer vir lanchar?”, vou, “claro que sim”, passo da sala para o corredor, vejo a cozinha muito verde, mesmo muito verde, à minha frente, “o que é que aconteceu à cozinha, estiveram a pintá-la?”, que sim, “tínhamos aí umas tintas e aproveitámos”, diz-me o José com as cafeteiras prontas a ir para a mesa. A cozinha parece um espaço central na comunidade, sobre o qual cada um dos elementos fornece uma referência:

“(...) é pá, (...) não vou ter agora a cozinha aberta, a qualquer hora e qualquer minuto lhes apetece, vão para dentro da cozinha e vão-se servindo... isto não é assim, aqui tem que haver umas regras, e tem que haver...” (José, G28; 29)

“(...) às vezes umas coisas, por exemplo que eu não gosto, (...) uma pessoa está na cozinha em tronco nu... a fazer comida para comer... mas também eu não me vou meter nisso... tudo porque o António [monitor] permite...” (Dário, J10)

“(...) [mudava o que se passa na cozinha] , o tema da cozinha, sempre foi um sitio que eu tive por sagrado, haver um cozinheiro fixo, e não entrar ninguém na cozinha, isso sim, disso não gosto...” (Óscar, N31).

A necessidade de limites apela de novo à noção de poluição e de pureza de Mary Douglas. Bourdieu afirma que o espaço se compõe da exterioridade mútua dos elementos que o compõem, enunciando relações de ordem e desvio (Bourdieu, 2001, p. 7) e Douglas chama a atenção para a forma e a ausência de forma: “Muitas das noções relativas ao poder assentam na ideia de que a sociedade é constituída por uma série de formas que se opõem à ausência de forma circundante” (Douglas, s.d., p.

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119), poder esse materializado e reconhecido na relação com a cozinha, a preservação do seu espaço e a definição do seu uso segundo uma regra – que é permanentemente transgredida, o que gera perturbação.

Afasto-me da porta da cozinha, continuo virando à esquerda pelo corredor, passo pela porta do primeiro quarto grande, e viro à direita. Fico virada para a rua: à minha esquerda está a continuação do corredor, a porta da casa de banho das raparigas, à minha direita está o único quarto para raparigas da comunidade, antes ocupado pela Maria, e agora ocupado pela Cristina. A Cristina não aparece para lanchar, está a ressacar e está mal disposta, e o João Miguel faz um esforço, mas está a ressacar como ela: estão ambos no processo de desintoxicação inicial, que é levado a cabo na comunidade (pois tem médicos de apoio), não no sentido em que Patrício refere, “tratamento de urgência feito na sequência de uma overdose ou absorção súbita de droga” (Patrício, 1995, p. 170), mas no sentido em que se constitui como suspensão, apoiada por medicamentos, do consumo – o que todavia não deixa de produzir transtorno físico e psíquico.

“Mas eu estou mais [abalado] desta vez, do que das outras duas vezes... muito mais (...) Não sei, talvez a medicação, há aí qualquer coisa... ou vimos mais debilitados, não sei... sinto... que está a custar muito mais... estou no quarto dia e ainda estou todo partido... nos outros já... ao terceiro dia, já andava aí na boa (...) talvez a idade, talvez... também possa ser [razão]...” (João Miguel, H12)

Saio a porta das traseiras, que dá para o pequeno pátio em ruínas, onde está o churrasco, e tenho à minha frente a porta de alumínio da sala de jantar, construída de propósito para ser a zona de comer do grupo, separada do resto do edifício. Entro, e a primeira coisa que vejo à minha frente é um muro em “L” com um lava-louça e uma arca frigorífica pequena, lá por dentro, e um forno em tijolo que nunca vi a funcionar: é neste sítio que põem os tachos do almoço e do jantar. Por fora há a outra arca, que tem os sumos do Banco Alimentar, e usada também como mesa de apoio. A sala é comprida, com uma mesa, com as cadeiras para toda a gente. No cantinho à direita aparece uma televisão que não estava cá da última vez que cá vim, no suporte lá em cima, tal como a da sala.

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A cabeceira da mesa fica para o monitor, sempre ficou, vi lá sentado o Rodrigo, o monitor que morreu (com cancro, no início do ano). Mas agora o António sentou-se a meio da mesa, e instou-me a sentar-me na cabeceira, o que acabo por fazer. À minha direita está o Rogério, o ginasta da capela, depois o António, o monitor, depois o Mário e a Nela, grávida, que está cá com o filho e o Óscar, o marido (que se senta na cabeceira da mesa contrária à minha). O filho da Nela senta-se à sua frente, depois, de lá para cá, vem o João Miguel, a Cristina (que chegou a meio da refeição), o José, o Dário e o Luís A. Onde se senta o José poderia estar o Francisco, que também trabalha na cozinha. O Francisco nunca quis falar comigo, ou melhor, nunca quis ficar gravado. O José actualmente faz os cozinhados porque o Francisco está a passar uma temporada em casa.

A mesa do lanche compõe-se de uma cafeteira com leite quente, uma cafeteira de café ou de chicória, um tupperware de fiambre fatiado, outro de queijo fatiado, e o pão e a manteiga. Às quatro horas estamos todos sentados em volta da mesa a comer, e os recém-chegados é que comem menos, porque o transtorno que lhes causa a ressaca (mesmo medicados, claro), deixa-os com pouca vontade de comer. De resto, ou porque uns foram tomar banho no tanque, ou porque outros estiveram a jogar à bola no relvado, ou a tratar da horta, ou a correr atrás do miúdo, ou sentados a deixar passar as horas, ou porque é preciso fazer alguma coisa, e comer é uma actividade como qualquer outra, todos comemos, e falamos, durante a refeição, enquanto bebemos o café com leite em canecas inox.

A seguir à refeição levantamos os nossos artefactos de inox, com que estivemos a comer, transportamo-los para a cozinha e cada um passa o seu por água e põe na máquina.

Encaminhamo-nos a pouco e pouco para a pequena sala de estar, onde nos sentamos no sofá: o casal em desintoxicação (Cristina e João Miguel) senta-se no sofá maior, na parede do fundo, e ficam meio lá meio cá, adormecidos. O Dário, talvez porque já é decano na casa, senta-se num sofá só seu, praticamente em cima da televisão e com um ângulo que torna quase impossível olhar para cima e ver as imagens. Algumas das outras pessoas vão lá para fora, o miúdo corre dentro e fora. No sofá comprido lateral sento-me eu, e no pequeno sofá de um lugar ao meu lado, senta-se o José, que me conta que andou pelas sete partidas do mundo. Emigrou, trabalhou no País Basco, nos portos de pesca. O João Miguel, ao lado, começa a contar que também está farto de trabalhar, e que até teve um acidente no outro dia, porque saiu do trabalho tarde - trabalha na hotelaria - e capotou o carro num

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semáforo a caminho de casa. O António passa e diz “acidentes, com ressacados a conduzir?! É o que mais há para aí!” e de repente perspectivo os excessos de velocidade que se transformam em histórias muito diferentes e bastante mais complicadas – tal como confirma Bagagem (1999, p. 42) quando refere a frequência de acidentes de viação mas a ausência de estudo sobre os mesmos. Com efeito, os acidentes de viação sistematicamente referidos quando se aborda o consumo do álcool, não deveriam começar a ser incluídos no conjunto dos problemas associados ao consumo de substâncias que provocam dano, de uma forma mais ampla (a nível das políticas)?

A. Dário: um imigrante em Portugal

Saio a porta porque no momento me parece que a conversa se esgota, e venho até cá fora sentar-me em frente ao pavilhão dos coelhos, onde relembro a primeira entrevista com o Dário, no ano anterior, em cima do andaime.

O Dário instalou um andaime para acabar a pintura da fachada lateral do edifício, e o andaime está relativamente perto da janela do meu quarto. (DC, 9.05)

O Dário chega à comunidade no ano de 2003, dois anos antes desta primeira conversa, e como interno, chega a iniciar a terceira parte do programa, em que trabalha no exterior.

“(...) andava aqui (...) ia para o meu trabalho, saía, vinha cá... pronto, de vez em quando tomava uns copinhos, às vezes com um cheirinho, não sei quê... e depois sentiam... aquele cheirinho, e não sei quê... depois... e... começaram a telefonar [ao director da comunidade], e não sei quê, que eu andava... andava assim... bom,(...) fizeram isso [umas] três ou quatro vezes... até que... pronto, chegaram a uma conclusão... que eu senti-me mesmo perseguido, não sei quê... que tinha que sair(...) eu não me sinto bem aqui... saí. (Dário, C18)

mas regressa, relatando os problemas que o trouxeram até aqui:

“(...) aquela casa [que aluguei] não tinha condições... e aguentámo-nos (...) mas... depois a casa tinha problemas de esgotos... aquilo encheu mesmo (...) com a gente... andava água (...) na casa de banho de cima, e aquilo (...) ia parar à de baixo (...) um dia, entrou lá senhora [e disse que] ou

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eu ia arranjar aquilo ou chegou a dizer que eu tinha mesmo, mesmo de sair de lá... e pronto eu fui falar com amigo (...) é traficante (...) a coisa não correu nada [bem]...” (Dário, C1)

Durante algum tempo ainda trabalha,

“(...) trabalhava... não todos os dias, assim seguidos, mas... há dias que eu vou, há dias que não vou... porque eu não gosto de beber na obra... beber... bebo fora de obra... a obra como você sabe é andaime, e não sei quê...” (Dário, C4)

Mas a sequência dos acontecimentos complica-se.

“(...) às vezes o rapaz [amigo traficante] chegava a casa fechava a porta... tinha dois três dias fora... e eu dormia às vezes na rua, ou não sei quê, em casa dos amigos... pronto, também... com álcool também... cheguei a uma situação que tinha de pedir socorro...” (Dário, C3)

Dário pede socorro e entra na comunidade.

“... [entrei na comunidade] há dois meses atrás...” (Dário, C5)

Onde passa a integrar o dia-a-dia, o regime da comunidade.

“(...) aqui dentro... ah, eu faço... acordar de manhã, como ... hoje... de manhã, às oito... e... despertar, limpar a casa... e... depois [de] limpar a casa e cada um faz as actividades que quiser, ou... como eu, estou aqui a pintar, os outros... pode fazer outra coisa...depende... o que é que é mais necessário, fazer... “ (Dário, C6)

Que para Dário, no entanto, se condiciona à vida dos tóxicos e alcoólicos .

“(...) não é falar mal (...) de nós... da nossa vida de tóxicos, ou de alcoólicos, mas (...) os tóxicos [e] nós os alcoólicos, e estou a meter também a minha parte... é difícil, ... é uma coisa muito difícil (...) trabalham bocadinhos e depois dizem [que] já está cansados... não... depois esperam pelos outros... os outros não fazem eles também não fazem... e é sempre problemas, não é... se um lava a louça, e o outro tem que lavar (...) confusões (...)” (Dário, C13)

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Não custa nada:

“(...) não custa nada uma pessoa lavar louça... ou dez ou vinte trinta louças... até é bom para terapia, porque... não está parado, não é... o que eu não gosto é de estar parado... não quero saber se os outros fazem, ou se os outros não fazem... deixam de fazer... “ (Dário, C14)

E Dário diz que prefere trabalhar, pois

“... quando estou a trabalhar... estou mais distraído, mais divertido... o tempo passa melhor... o tempo passa, enquanto uma pessoa... sentada, assim, uma hora não passa... depois é bom para o corpo, também...” (Dário, C16).

Para trabalhar, é melhor cá fora.

“(...) gosto de estar mais cá fora... mais cá fora, [lá] dentro... há momentos em que tenho que lá ir... para ver televisão “ (Dário, C7); “... bom, sinto-me fechado, sinto-me (...) num mundo, num mundo que não vê, não vejo as coisas... não vejo horizonte...” (Dário, C8)

Dário, como outros, assinala problemas na comunidade.

“(...) o monitor às vezes... uma vez ou outra... [está] num estado de... praticamente embriagado, não é... depois... fica lá em cima, não dá totalmente apoio às... aos utentes, não é...” (Dário, C19; 20) “... depois eu também sou amigo dele, ...não querer divulgar...” (Dário, C21)

Os projectos de Dário, porque

“Uma pessoa na vida tem que ter planos, tem que ter decisões... se ficar só na mesma rotina, na mesma rotina mesmo esquecido... acho que não é....”(Dário, J20)

são voltar a trabalhar, mesmo como interno.

“[O patrão] ... ele está à espera... para eu... aparecer no trabalho, não é... “ (Dário, C29; 33)

E visitar o seu País:

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“(...).... eu tenho vontade em dar uma visita [ao meu País]... para visitar, só que não consigo...(Dário, C15a),

Onde tem a família,

“(...) tenho os filhos lá em [País], pronto, eu tenho quatro filhos, sou pai de quatro filhos... estão lá, tenho mãe, tenho pai...” (Dário, C15).

Este projecto está, em 2006, muito mais claro.

“(...)... estou a fazer tudo para ir para [País natal] de férias... quando eu tiver já dinheiro, e logo logo... vou no mês de Maio... mês de Maio, pronto, acho que o mês de Maio dá tempo para eu me preparar... vou-me preparar, até Maio, e se tudo correr bem vou...” (Dário, J8; 17), “(...) ao passo que antes se calhar ainda não estou mesmo bem preparado, porque tenho a família, tenho mãe, tenho pai, tenho que levar algum dinheiro, e no caso vou ver quanto é que ia arranjar.... para fazer uma casa lá, talvez como a que os miúdos estão, e pronto para iniciar qualquer trabalho, para deixar qualquer trabalho iniciado... porque ali para o mês de Maio já estou mais preparado...” (Dário, J19)

O mês de Maio é especial, pois é o mês da festa mais importante.

“[Tenho que chegar à minha terra num] dia de festa, ou um dia importante... e pelos planos que eu fiz, até ao mês de Maio é o tempo para eu estar preparado... exacto, tenho tempo para pôr as passagens na mão...”(Dário, J18)

Segundo Dário, os problemas na comunidade, entretanto, mudam (mudou o monitor)

“(...) precisamos de uma escala, (...) por exemplo, “isto não é hora de tomar banho”, tem momento de tomar banho, tem momento de tudo, por exemplo o momento de comer temos as horas, não é... mas por exemplo o momento de tomar banho, o momento de ir cada um... tem que distribuir as tarefas a cada um, também não se percebe as tarefas, não tem muito assim... não está muito programado, não está muito estabelecido...e o António [monitor] também às vezes deixa muitas coisas passar, (...) mas não tenho razão de queixa, porque ele é um bom

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colega, (...) e uma pessoa que tem bom coração, e isso junto conta muito, para já e eu gosto muito do António, é meu amigo de há muito tempo, eu ajudo a ele naquilo que for preciso, eu estou do lado dele...”(Dário, J4)

Mas continua a preferir estar sozinho, o que afirma em 2005,

“... sozinho já sei o que eu vou fazer, e deixo de fazer... mas (...) com outra pessoa (...) dou as ideias, depois (...) há sempre uma ideia má... outra ideia bem, depois... a coisa aqui nunca combina... as pessoas não são bem... profissionais, não... outros não têm mesmo... mesmo (...) vontade... de maneira que, para trabalhar, [com] uma pessoa sem vontade... melhor trabalhar sozinho (...) agora chega aqui um.... uns dois minutos, depois já vai... deitar, ou vai para casa, ou está lá dentro... não sei quê...” (Dário, C12),

E confirma em 2006...

“Sim, sim, e eu também gosto muito da minha privacidade, compreende, é porque quando estou sozinho... enquanto estou no meio fica-me um bocadinho sem ideias... quer dizer, sem miolos, sem ideias, e... e eles ficam sempre com ideias, (...)” (Dário, J15); “Não é sem conversa, programação, estou a falar da minha vida, a programar a minha vida, e quando eles entram no quarto, eu estou com eles, e não tenho tempo de tratar do que é que distinguir o que é que é com a minha vida, ...”(Dário, J16).

Dário está de novo a trabalhar,

“(...) o trabalho está bom, o meu patrão, dou-me muito bem com ele... já há muito tempo que estou a trabalhar para ele, sempre... e já acabei algumas obras, naquelas onde eu lá estive, o patrão não tem obras definidas só para mim...” (Dário, J13)

E tem um novo objectivo (mais do que um projecto), que parece ligar à saída da comunidade:

“(...) tenho a televisão a preto e branco, mas eu preciso de uma, vou comprar uma... uma televisão como deve ser, nova... uma televisão, uma aparelhagem, coisa assim, e ai começo a juntar as minhas coisas, aquilo que der para comprar e mais dia menos dia posso... já tenho as

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minhas coisas organizadas... e já posso meter a cabeça no raciocínio, para pensar isso aqui... pronto, quando eu tiver umas coisas... uma casa, quando me for embora já tenho umas coisas (...)” (Dário, J6).

Dário mantém-se na comunidade até ao fim deste levantamento.

Da primeira vez que chego à comunidade, e apresento o meu trabalho ao grupo, em Junho de 2005, encontro três elementos em processo de desintoxicação, ou seja, a ressacar: o João Miguel, a Cristina e a Maria. Quando inicio a recolha individual de informação, a Maria ainda se encontra na comunidade e é uma das entrevistadas, João Miguel e a Cristina haviam chegado juntos:

“Eu conheci-a [à Cristina] em 96... 96, ela trabalhava também no restaurante também, quando eu a conheci... depois desde aí começámos a andar, mais ou menos em 97, em 98 talvez tenha começado a consumir com ela, depois foi sempre a abrir, até... [ri]... até 2006.”(João Miguel, H16)

Mas saem antes do início das entrevistas. Assim, em 2005 recolho as entrevistas do Jaime, do Dário, da Maria, do António e do Carlos. Em 2006 volto a falar com o Dário e com o António, o Rogério, o Óscar e a Nela, o Mário, o José, o Luís A e desta feita reencontro o João Miguel e a Cristina, que estão na comunidade há poucos dias:

“(...) quatro dias foi o máximo, tenho a impressão (...) nesta comunidade (...) já noutras não, nas outras (...) estivemos aqui três vezes, já estivemos mais três vezes noutros sitios, são curas de dez dias, e quando entras não podes sair (...) Eu prefiro este [sistema] (...) se pudesse (...) ficava mais tempo de boa vontade (...)” (Cristina, F47)

Espero pelo dia da desintoxicação em que já se encontram fisicamente mais confortáveis, de forma a que possam falar comigo.

B. Cristina, estar cá dentro estando lá fora

Começou a consumir:

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“(...) comecei com amigos que não… que fumavam charros, eu não fumava, comecei por fumar o meu primeiro charro sozinha, sem ninguém, e depois foi um caminhar…” (Cristina, F4)

É uma das duas pessoas que entrevisto, que situa historicamente o arranque do consumo.

“(...) foi (...) naquela altura da independência, quando vieram muitos… os retornados, começou a haver muitas drogas, muito haxixe, muita erva, foi nessa altura que eu comecei a drogar-me…” (Cristina, F7)

A Cristina consome heroína – mas não só - há cerca de vinte e dois anos:

“(...) consumo intensivo de heroína, digamos que é (...) o que causa mais mal, o que deixa mais sequelas (...) é desde os meus vinte anos, tenho quarenta e dois, foram vinte anos… comecei… comecei a fumar charros (...)” (Cristina, F3).

Nesse tempo faz duas paragens mais longas:

“(...) [Parei por duas vezes] e mais nada, o resto é consumir, trabalhar e consumir…” (Cristina, F10)

Em que, segundo diz, aproveita para alterar a forma como consome:

“[Consumo] A fumar... já houve algum tempo que me injectei, mas depois parei [depois de uma paragem de dois anos e meio], porque achei que não valia a pena, porque comecei a ver que a degradação era muito maior, e... apesar da pedra ser muito maior também... só que acho que... pá, só o acto de me estar a espicaçar a mim própria, acho que me metia um pouco de confusão, e portanto deixei de fazer isso (...)” (Cristina, F13)

“(...) houve uma altura em (...) estive dois anos e meio parada, entretanto, (...) quando recomecei novamente, não voltei a pensar na seringa, pensei que seria mais indicado fumar, e portanto recomecei a fumar...” (Cristina, F14)

Quando conhece o João Miguel , este começa a consumir com ela:

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“(...) foi com ela que comecei isso, não é... conheci-a, ela já era toxicodependente... eu não... sabia e não sabia, mais ou menos... o problema... ela fumava sempre ao lado comigo, no carro, até um dia... experimentei...” (João Miguel, H23).

A dada altura, vão os dois trabalhar para uma ilha onde, segundo Cristina conta, não há droga. Aí, vêem-se obrigados a ressacar a frio, e permanecem sete meses, a trabalhar, sem conseguir comprar nem consumir.

“Encontrámos uns portugueses [na ilha onde estivemos], (..) e eles disseram logo, “eh pá, aqui não, aqui é muito difícil, porque ainda é tudo muito controlado, e só se conheceres muito bem a pessoa, e tem que ser uma pessoa que tenha conhecimentos para entrar com droga dentro da ilha”, porque não entrava (...) na ilha...” (Cristina, F21)

A Cristina trabalha num gabinete de contabilidade, onde é das pessoas que ganha mais:

“(...) salarialmente, a tabela é mais baixa [para] Uma pessoa que não tenha o curso… eu por acaso no meu gabinete não tenho esse problema, porque sou uma das pessoas que ganha mais (...), porque fui uma das últimas a entrar. E como fui uma das últimas a entrar, e eles precisavam muito de mim, eu disse a eles… foram eles que me convidaram para eu ir para o gabinete (...) Eu estava a trabalhar, e eu despedi-me de um outro gabinete para ir para aquele gabinete, portanto eu disse-lhes “se vocês quiserem dar xis, eu aceito, venho-me embora, e ficamos todos, se vocês não quiserem, eu não venho…” e foi assim, eles concordaram, eles quiseram, e eu ganho mais do que quase todas as pessoas, excepto p’rai duas ou três, (...). Sem elas saberem, porque pagam-me um xis por fora, outro xis, (...) senão havia confusão…portanto eu no recibo recebo um xis, no banco depositam-me um ypsilon.” (Cristina, F11)

No entanto, não lhe é suficiente para possuir tudo o que quer,

“Eu acho (...) que o que leva o toxicodependente a curar-se, normalmente, é a parte económica... penso que... pouca gente deve falar nisso, mas acho que resume-se quase sempre a isso... penso que seja isso...” (João Miguel, H2)

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Consegue conciliar o trabalho com o consumo – ou o consumo com o trabalho:

“Consumo antes de ir trabalhar, e antes do João Miguel ir trabalhar, é quando nós consumimos, ou quando podemos nos encontrar, (...), porque de resto ou é de manhã, ou à hora do almoço, ou ao fim da tarde, e à noite, quando ele chega (...). [Chego a consumir] Quatro vezes por dia (...)“ (Cristina, F12)

“(...) eu saio do trabalho ao meio dia e meia, entro às duas da tarde... do meio dia e meia às duas da tarde eu vou à Cova da Moura, compro, consumo, ainda vou comer uma sopa ao café...” (Cristina, F31a)

Apesar de trabalhar e consumir, consumir e trabalhar, pressente uma ruptura:

“Tenho dívidas, (...) que consigo ir pagando (...) até que há-de chegar um dia em que, se continuar na minha situação, (...) há-de haver uma ruptura…espero que não aconteça isso, não é (...) eu tenho que parar…”(Cristina, F49)

Na primeira vez que vem para a comunidade, vem na sequência de serem apanhados a comprar:

“[Da primeira vez] Vim aqui ter à comunidade porque, num dos bairros de consumo, fomos apanhados pela polícia, tivemos uma multa, e (...) houve uma pessoa que trabalhou com o [director da comunidade], que nos encaminhou para virmos para o Centro. Falámos com o [director da comunidade], abriu-nos as portas para nós virmos [eu e o João Miguel] e nós viemos…” (Cristina, F1)

Vem normalmente nas férias, juntamente com o João Miguel, embora tenham já vindo, cada um, separadamente.

“Tenho vindo quase sempre nas férias, só uma vez é que pus baixa... acho que a primeira vez... a primeira vez que vim para aqui foi em Julho, que pus baixa, exactamente... eu normalmente tenho férias só quinze dias de Agosto, (...) a partir de Janeiro, temos férias outra vez, mais quinze dias, é a parte de Inverno... nós dois conciliamos com... com as férias [de Verão]...” (João Miguel, H13; 24)

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“(...) parámos sempre os dois (...) um poder parar e o outro não... não pode ser, então (...) como é que está um parado e o outro ao lado a dar (...)” (Cristina, F37)

Assim, vem para a comunidade com o João Miguel, agora,

“Porque estou de férias, e queria-me (...), pura e simplesmente deixar de me drogar, (...) porque cada vez eu tenho menos (...) cada vez as coisas são mais caras, cada vez há menos dinheiro, (...) cada vez tenho mais dívidas, (...)” (Cristina, F28a)

A comunidade tem um espaço agradável, mas:

“Acho um espaço agradável, bonito, podia ser mais aproveitado, podia ser mais bem cuidado, mas se calhar não há mais, paciência...” (Cristina, F40)

Porque é que não fica mais tempo na comunidade? Pelos mesmos motivos que a trazem à comunidade, tal como confirma João Miguel. Embora não consuma tudo o que pode,

“O que é que já perdi!... Já podia ter tanta coisa! Já podia ter a minha casa paga, já podia ter um bruto Mercedes (...), uma casa no Algarve (...) ou no Norte, (...) desde os meus dezasseis anos que eu trabalho, por isso, veja bem o que é que eu já não perdi… não tenho nada, só tenho uma casa (...) nem está toda paga (...)” (Cristina, F50)

Consegue manter o consumo.

“Não dá porque olhe, quem é que vai trabalhar por mim? Ninguém. Quem é que me vai pagar a casa, ninguém. Portanto, vou ter mesmo que ir trabalhar, Porque senão não vou ter dinheiro para pagar as minhas coisas, (...) “ah se calhar mais valia não trabalhar, do que ir lá dar na droga…”, eh pá mas o que é certo é que eu continuo a dar na droga e continuo a ter as minhas coisas, não é...”(Cristina, F48)

“Tenho que trabalhar, para pagar as despesas que temos... as casas...(...) Tem sido sempre trabalho... sempre no mesmo sítio... e ela também, graças a Deus...” (João Miguel, H15)

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Mas também porque, embora o núcleo familiar saiba que consome,

“[Quem sabe que eu consumo]: Sabe a minha mãe, sabe o meu filho, sabe a minha irmã, o meu pai, a seguir há mais pessoas que me conhecem... devem saber...”(Cristina, F24; 51); “(...) não sabem do João Miguel, (...) bem se o meu filho soubesse do João Miguel, ia ser um [problema]” (Cristina, F52)

O João Miguel não quer dar a conhecer que consome, no local onde trabalham.

“(...) no nosso caso é complicado porque nós trabalhamos... normalmente não temos baixa... nós estamos de férias, agora, aproveitámos para vir... o [director da comunidade] até nos deu baixa, a mim, mas eu não quis a baixa... mas é complicado (...) Vou ficar até... até dia trinta, dia um tenho que ir trabalhar... a baixa é só durante os meses, doze dias... que era para depois poder ter as férias outra vez (...) Preferi não por a baixa... não, ninguém tem que saber que eu estou doente...” (João Miguel, H10)

O projecto de Cristina passa por encontrar uma ilha parecida com aquela onde esteve, e onde a droga não entra.

“[O meu objectivo](...) é eu sair daqui, manter-me limpa até ao final do ano, e arrancar para os Açores (...) nos Açores também não me vou safar, por isso... não há lá droga (...) Em Santa Maria, não há...” (Cristina, F30; 30a).

Mas.

“(...) agora imagine, eu sair daqui, no dia trinta, chego no dia trinta, vou trabalhar no dia trinta e um, deste mês, dia trinta quando for ao banco já lá tenho o meu ordenado, não é? E... o que é que me vai apetecer fazer? ...(Cristina, F32).

Os dois mantêm a previsão de saída para dia 30, quando abandono a comunidade, no dia 25 de Agosto.

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7. Uma ilha no meio da paranóia

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As categorias propostas para a análise de discurso são inferidas, a partir da coerência dos pontos comuns, do testemunho das pessoas entrevistadas.

As dimensões levantadas são oito, e as categorias encontram-se sublinhadas.

7.1. O corpo

Os momentos que antecedem o internamento na comunidade podem ser momentos de exclusão extrema, ou de sofrimento físico extremo, em que uma situação de limite, origina a necessidade de cruzar o percurso de consumo com o percurso institucional da pessoa. O corpo constitui-se na memória como objecto e cifra (Foucault, 1975, p. 160), como recurso manipulável para a apropriação por uma representação que o converte no motivo acessório deste cruzamento entre percursos.

As crises e acontecimentos simultâneos ao consumo denunciam uma objectificação das crises a benefício da escolha:

“[Estou] Com melhor aspecto, quando entrei aqui parecia uma caveira... estava muito magrinho... o médico disse-me logo “Hum, não deves aguentar muito tempo”, depois tinha problemas do pulmão... do peito, já não comia nada... só bebia líquidos, água, água (...) tive um quisto de um pulmão... e isto começou a infectar tudo... estava tudo infectado, garganta, tudo... (Mário, L41); “(...) foi aqui dentro é que eu soube que tinha aqueles problemas... do pulmão... mas têm-me ajudado muito, aqui...”(Mário, L42)

A centralidade da ressaca, reposiciona esta objectificação, agora metodológica e expressiva do cruzamento de percursos dos indivíduos, um percurso institucional e um percurso de consumo. A ressaca é uma antevisão permanente, à medida que o percurso de consumo avança torna-se perceptível e estabelece a sua centralidade.

“(...) eu não me tinha apercebido que era falta de heroína, que o organismo estava a sentir, pensava que era gripe, estava com os sintomas, são parecidos, são idênticos, é o pingo no nariz, é os arrepios, espirros, essa coisa toda, as dores no corpo, o mal estar geral, pronto, é uma coisa que... porque é esquisita, mesmo, e pensava que era gripe, mas não era...” (Rogério, Q8)

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Por ser um dos elementos que cruza o percurso de consumo com o percurso institucional, parece ser um elemento de controlo. Como tal, associa-se à transição e a uma certa intocabilidade, uma vez que não só os elementos em desintoxicação não são incluídos nas rotinas, como não se prevê a sua inclusão nessas mesmas rotinas. Esta transição é também uma conversão, uma vez que a ressaca resulta não de uma re-poluição, mas antes da passagem de um estado de caos para um estado de pureza. Com efeito, retirando das ideias de impureza quer a patogenia, quer a higiene, restará a noção de qualquer coisa deslocada do seu contexto (Douglas, s.d., p. 50)

“(...) desde a última vez que você cá esteve eu estava aqui para aí há um mês (...) nem tanto. Se calhar era naquela altura em que a cabeça estava ainda cheia de confusão… só se sente é confusão, não se sente mais nada… a partir daí o tempo já passa, as ideias vão começando a ficar mais claras, torna-se… torna-se mais fácil, mesmo a forma como se sente o dia a dia, não tem nada a ver (...)” (António, P1)

O tempo da recaída, pelo contrário, é a contradição do sistema, donde se associa a expressões de choque e anomalia, à ambiguidade (Douglas, s.d., p.50) contrariada por uma delimitação nítida no tempo, uma clara marcação do limite que aparenta um reencontro com o presente (Augé, 2001, p. 77-78).

“(...) é o pouco tempo é que nos faz voltar à vida que levamos... a pessoa sai muito debilitada, aquilo é um choque muito grande (...)” (João Miguel, H11a)

Quando analisadas as situações directamente associadas ao consumo, ganha relevo o contacto com o perigo, tem implícita uma carga simbólica: a impureza resume um conjunto de elementos distantes da ordem do sistema (Douglas, s.d., p. 16-50). A associação do consumo ao corpo produz em regra a expressão de sensações de impureza e contágio, castigo, punição, descontrolo, sofrimento e aproximação da morte. A proximidade do consumo exige compreensão, e a separação entre junkies

(os consumidores das drogas ditas duras) e os consumidores de ecstasy não é clara, antes pelo contrário nos percursos de consumo os grupos cruzam-se – não sabemos se os consumos se cruzam.

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“(...)… cheguei aqui com perto de quarenta quilos, eu não comia nada (...) eu não me conseguia assentar… eu doía-me o rabo… só tinha ossos, não tinha nada… rigorosamente nada… eu digo quarenta quilos, porque… prontos, na volta se eu me fosse a pesar ainda pesava menos… “ (Maria, E32)

Não ter nada é não ter nada é não ter nenhum capital materializável a benefício? Mas então a única conversão possível é a institucional, aquela que é feita recorrendo à exclusão do espaço (Bourdieu, 2001, p. 7), para um espaço distinto, circunscrito e esperado.

A noção de estigma reproduz fielmente a desqualificação social apropriada fisicamente, as abominações de corpo e de carácter (Goffman, 1981, p. 9-10) implícitas na questão da aceitação ou da rejeição.

“(...) se olhar para mim não diz que eu sou toxicodependente?(...) Fica a saber que é uma das minhas paranóias, o João Miguel também já diz que às vezes que é paranóia minha, e eu acho que não é, eu acho que às vezes as pessoas identificam que as pessoas são toxicodependentes, ou que são adictas de alguma coisa...” (Cristina, F26)

7.2. A auto-imagem

A reconstrução de uma imagem para o outro selecciona, e distorce, de forma a fazer surgir um produto de uso corrente, uma imagem do self de acordo com valores básicos, uma apologia do agente (Goffman, 1974, p. 139-140). Mas, para que tal se concretize, deve existir um acordo tácito entre os actores e a audiência (Goffman, 1993, p. 279).

As paragens reconstroem momentos ideais em que o discurso se cola perfeitamente a estereótipos de bem-estar socialmente aceites, a contextos idílicos (e que reforçam a ideia de responsabilidade do contexto). A paragem ou a sua impossibilidade resultam de vencer ou não uma luta ou, paradoxalmente de um afastamento gradual. Há uma história de paragens, uma contabilidade de paragens. A paragem faz parte da gestão do percurso de consumo, é instrumental, e esta gestão não é feita só pelo consumidor, mas também pelos que o rodeiam e dependem dessa imagem.

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“... têm um emprego, pronto, vão pagando, vão andando com aquele dinheiro a comprar a droga que faz falta, e têm mil e uma desculpas... e depois é assim, apanham um período de férias, uma semana ou duas que têm de férias... “vou... vou-me tratar” (...) eu já fiz isso tanta vez também! (...) tudo bem, estás aqui uns dias, vais para casa, se tiveres lá em casa alguém que te controle, de uma certa forma, com um antagónico, com uma coisa do género, andas ali... três ou quatro meses... depois começas a inventar desculpas... “ah, já estou bom, não preciso do antagónico” e tal (...) é uma forma de regressar para ao pé da família, “ah agora desta é que é”, quem já não lhe dava dinheiro já vai começar a dar outra vez, vão dar para um maço de tabaquito, já ajuda, uma pessoa que tenha quinze ou vinte euros para gastar, se não tiver que comprar tabaco, se só tiver que comprar a dose, meter-se no carro...” (António, P17).

Este enunciado da gestão de uma carreira apela à noção da redução de perdas e danos, mas a de James Scott. As estratégias de ponderação dos cuidados inerentes ao registo escondido (Scott, 1985, p. 286) são um recurso de ganhos não no sentido do protesto mas certamente no sentido da evitação da perturbação, implicando um agir tácito que traduz símbolos e subverte os pressupostos hegemónicos (Bellamy, 1994, p. 33) do bem-estar e cura, reconhecidos pelas instituições sociais reconhecendo-se a cultura de resistência (Fernandes & Neves, 2002) mas também um percurso identitário que gere uma identidade-reflexo (Pais, 2001). A este propósito acorrem os aspectos materiais, e a perspectiva situacional implícita de normalidade e regularidade (Goffman, 1975, p.8). Os problemas financeiros são comuns, ou são traduzidos como comuns, o que parece fazer parte de uma estereotipia dos problemas. O rendimento dos consumidores e a sua motivação em função de rendimento não acontecem exclusivamente na perspectiva do consumo, mas na perspectiva comum da melhoria de vida. A noção de perda acontece em função de paralelos de consumo, ou seja, se não consumisse isto poderia estar a consumir aquilo, o que significa que está implícito um pressuposto de consumo em sentido lato, muito antes da noção técnica de consumo de drogas se instalar. A economia de vida e de percurso inclui aspectos geográficos e a instrumentalização da comunidade como parte da gestão do percurso de consumo. A comunidade é um recurso no contexto da economia dos consumos.

“(...) [eu] era mesmo verdinho naquilo... o dinheiro não faltava... droga também não...” (António, D7)

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No discurso sobre o próprio, torna-se possível relacionar a pluralidade interna de disposições com os quadros de referência situacionais. Veja-se por exemplo Lahire quando refere a posição do agente em função de diversos princípios de coerência, (Lahire, 2005, p. 32), ou a referência a expectativas de palco e bastidores de Goffman, que ainda se submete a ajustes e ganhos secundários (Goffman, [1961] 1974, p. 247), uma reacção ao panóptico ou melhor, aos mecanismos de poder que visam controlar ou modificar o anormal (Foucault, p. 232-233). Quando referem os ideiais, as pessoas já não falam na ressaca, mas no consumo, ou seja, estão a falar não do centro das suas preocupações mas, idealmente, do centro das minhas preocupações; o princípio de coerência muda, portanto.

“(...) não nos podemos refugiar na droga... quando nos passam estes problemas, a última coisa que podemos fazer é refugiar na droga...refugiar na droga não nos ajuda a nada... ajuda naquele momento, mas... logo no outro dia te levantas, e tens o mesmo problema...” (Óscar, N35)

“(...) aquela pessoa, aquela pessoa que a gente tinha perdido há… mais atrás, vai começando a vir ao de cima, e isso sente-se, à medida que vamos fazendo retrospectivas, vai aparecendo, muita vez…” (António, P2)

Perder a pessoa e ganhar a pessoa através de retrospectivas pode, muito simplesmente, querer dizer que se reganha pressupostos do habitus (perdido, transtornado?), “reganhar a face” (Lechner, 2006, p. 101) ou a tentativa de retorno às referências da memória colectiva dos grupos de pertença –referências hegemónicas, de certa forma.

As razões de entrada na comunidade seguem estes pressupostos também, pois falam de separar, afastar de, recorrer às redes sociais, encarar momentos de crise ou catástrofe e associar a eles a decisão, alternativas perante o descontrolo, iminência da morte.

“A gente morava no B.[local]... agora vim morar aqui para a minha tia, para o meu tio, têm-me ajudado, mas desta vez vim mesmo fazer a cura porque já estava quase no fim... foi por esse motivo... se não me tratasse agora, já não havia nada a fazer...”(Mário, L5)

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Os papéis na comunidade assumem relevo pela proximidade ao monitor e pela autonomia que o protagonista consegue demonstrar na gestão da sua estadia e do que faz todos os dias, nomeadamente do seu tempo (Goody, 1977, p. 336). Enuncia-se um discurso de poder e distinção que põe em causa a inteligibilidade do agente, independente de uma unificação do eu (Bourdieu, 2001, p. 55), por uma espécie de inconstância diacrónica que induz o recomeço.

“(...) então actualmente sou a pessoa abaixo do Rodrigo, (...) ele é o monitor, é responsável por isto, e eu tento ajudar noutras situações, em que ele não pode estar presente (...) gerir a casa, e gerir o ambiente da casa...“ (Jaime, B14).

A saída da comunidade não é bem vista, é um elemento de percurso negativo e que se tenta constituir como inevitável, embora não mencionado. O tempo de permanência nunca é visto como suficiente, pelos que ficam. A permanência é programada, mas a saída não.

“(...) já estive para ir-me embora, mas o António [monitor] disse-me logo “vais para a rua, vais-te desgraçar...”(Mário, L28)

7.3. A carreira moral

Não se associa neste contexto às práticas destrutivas, mas à noção associada ao percurso dentro da instituição total de Goffman, e que implica um conceito cêntrico de pré-paciente, paciente e pós-paciente. Como o Autor diria, sobre o pós-paciente só temos os projectos, mas o trabalho não fala disso...Goffman acentua a noção de poluição total (à maneira de Douglas) no período prévio ao internamento (Goffman, 1974, p. 123-124), já aqui referida, e que podemos associar à manutenção de categorias com uma carga simbólica elevada, como a inevitabilidade do consumo, mas contrariada por uma expectativa inicial na história de consumo que induz normalmente o contrário. A caracterização dos toxicodependentes e dos alcoólicos recorre ao predomínio simbólico referido por Valentim (2000, p. 1007) mas também à noção de transgressão tal como ela é expressa em função dos pressupostos morais implícitos a uma noção de não-fazer, não-ser, que parece negar inclusivamente os pressupostos de vida conseguida, realizada, a que Ferry faz referência (2002, p. 62-65).

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“(...) um alcoólico é um individuo.... eu já fui, já pude ultrapa[ssar]... cheguei mesmo ao limite, um alcoólico é uma pessoa que fica mesmo dependente do álcool, não... não faz nada, rigorosamente nada, nem com ele, nem com os outros, nada... só... só bebe álcool, não é... não vê mais nada...” (Carlos, A11)

Trabalhar e consumir, é possível? Sim, implica no entanto baixas, precauções por causa do risco, implica atrasos, implica adaptar o consumo ao horário de trabalho, e conciliar o circuito do trabalho com o do consumo. Implica arriscar para recompor o tempo, esconder, sentir cansaço e desistir, implica ter bom ar, ou sujeitar-se ao trabalho que houver, e trabalhar bem se houver droga disponível e constante; o trabalho pode ser a referência para o consumo, no sentido em que este é feito nos intervalos; os patrões sabem e acompanham os percursos de consumo, e os grupos de trabalho misturam-se com os grupos de consumo – há cruzamento de papéis. A relação linear entre droga e crime posta em causa por Brochu & Parent (1999), mas algo confirmada através de uma triangulação com os estilos de vida desviantes, proposta por Agra (2002), coloca-se como uma opção num reportório de alternativas não tanto de estilos de vida, supõem-se, mas de episódios de vida, uma vez considerado o decurso desta carreira moral como um conjunto episódico de situações em que o percurso de consumo se cruza com o percurso institucional, tal como Dhunpath propõe (2000, p. 544).

”(...) eu a maior parte das vezes ia para os mercados, e pronto, andava tipo aos recados, as pessoas me pediam para acarretar [sacos] (...) eu ia para o mercado do Campo Grande, e ai era onde eu a maior parte das vezes arranjava o dinheiro para [comprar droga] (...)” (José, G14b)

No que respeita às experiências em ambulatório, alguns dos pressupostos das instituições parecem não coincidir com o esperado – geograficamente, instalar um CAT num contexto de consumo pode ser esperado para chamar os consumidores, mas não é o que estes esperam para se manterem afastados do consumo.

É curioso que o tempo de permanência na comunidade, se conte muito exactamente, de forma algo mais precisa que o enunciado do historial de consumo ou, ainda mais notório, as temporalidades associadas às recaídas.

“[Estamos cá] ... há um mês e uma semana e um dia...” (Óscar, N33)

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“(...) sei que dei por mim e já estava a consumir, já estava outra vez a ressacar (...) eu sei que saimos um fim de semana e a partir dai não me lembro de mais nada... amigos que não conhecia, amigos novos, mas sacaram daquilo no momento, ali na mesa, e começamos a consumir... e quando eu já quis coiso... já me vi com ela, já... agarrado, já a ressacar... já tinha consumido duas ou três vezes, lá com o meu amigo do trabalho, mas quando saiamos o fim de semana, eram gente... que nem sabíamos que fumavam... e apareceu isso na mesa e...”(Óscar, N36)

O percurso de consumo realça, por um lado, a referência das temporalidades hiper-quotidianas (Vasconcelos, 2003) para os consumidores cuja imersão (por assim dizer) é mais recente, e a noção de territórios psicotrópicos referida por Fernandes (1998). O contar da vida difere, pois os entrevistados Cristina e João Miguel contam a sua como uma vida de consumo com algumas paragens, os outros contam a vida como uma sequência alternada de consumos e paragens sucessivas – aparentando pontos de referência diferentes. Neste contar da vida, os dois entrevistados referidos são os que exprimem de forma mais clara a temporalidade circadeana do consumo, intercalado com o trabalho. Os outros narram uma história de um tempo mais longo, associada a pressupostos que deveriam fazer recurso da memória colectiva, o que pode induzir senão erro, pelo menos informações incompletas ou imprecisas, associadas a tempos vazios (Halbwachs, 1968, p. 37). Porquê? Estão afastados do grupo. A alusão aos territórios psicotrópicos associa normalmente as entidades ao circuito de consumo mas também a contextos de dádiva, partilha, amizade, o que parece deixar transparecer o impacto do consumo por acompanhamento sobre estes territórios.

A perspectiva histórica faz-se de inícios, de recaídas, de anos e meses, de resoluções, de agora; a perspectiva dos que consomem (ou no caso fazem uma paragem curta) é a do ritmo diário.

“(...) eu tenho quarenta e oito [anos] (...) [comecei a consumir] já um pouco tarde, tinha p’rai trinta anos, ou p’rai trinta e um anos...” (José, G16)

“(...) já lá vão dez anos (...) comecei [a consumir] aos vinte e nove... quase dez anos (...) tenho trinta e (...) oito anos (...)” (João Miguel, H5)

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“(...) eu conheci-o numa comunidade, estávamos numa comunidade, estávamos na [nome da comunidade] mas fomo-nos embora, saímos (...), e fizemos a nossa vida num apartamento em P.[cidade], num apartamento... já estávamos a viver juntos e sozinhos há um ano... nós viemos para aqui por isso... e aqui depois foi isso, voltamos a recair, a metermo-nos outra vez... com problemas de droga (...)” (Nela, M7)

O percurso institucional também é longo, e faz-se paralelamente ao outro...as regras das instituições são comparadas, e cada consumidor é também um consumidor de instituições.

Uma parte das instituições associa-se, ao longo do tempo, às instituições sociais (trabalho, família).

“(...) começa ele [o meu irmão] a querer sair... e eu a saber-me bem não queria, ainda andei assim mais outro ano, dois anos... até que ao fim de dois anos (...) fizemos uma cura (...) estivemos aqui [nesta comunidade]... os dois juntos...” (António, D9)

As expectativas dos agentes (objectivos, planos, ideais) prendem-se, com estereótipos socialmente incontornáveis e alguns potencialmente inatingíveis. Nalguns casos o percurso institucional é tão marcante que condiciona e enquadra os objectivos e planos. Como refere Bourdieu (2001, p. 13), estes agentes esperam ser engolidos – ou melhor, englobados - pelo espaço social como um ponto, um ponto de vista de preferência coincidente com outros pontos de vista, isto é, compatível com a perspectiva que adoptam desse mesmo espaço. Mesmo aqueles que esperam vir a consumir de novo.

“(...) a minha ideia é ficar aqui um ano e meio, se pudesse mais, juntar um dinheirito e recuperar o que perdi... e começar outra vez de novo... nunca é tarde para começar (...) [tenho] Vinte e nove [anos]...”(Óscar, N39)

7.4. A dimensão dos quadros de referência

Quais são os quadros de referência perceptíveis, os estereótipos dominantes? “A acção pode ser coerciva, mas um espectáculo coercivo de um sentimento... é apenas um espectáculo.” (Goffman, 1974, p. 108). A dúvida se assistimos apenas a um espectáculo deriva duma espécie de dúvida metódica, da noção que as inferências sobre os indivíduos são adquiridas através de pressupostos de

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estereotipia (Goffman, 1993, p. 13). Foram colocadas em jogo, assim, as seguintes categorias: a família, a família e o consumo, o controlo e o trabalho. A família omite mas não é omitida, está muito presente no discurso. É acompanhada de forma sistemática, embora sob uma perspectiva mais histórica do que circadeana, de novo. Associa-se à presença na comunidade, à manutenção na comunidade, ao início do consumo:

“[O meu irmão e eu] fomos aconselhados, para bem dos dois, por causa... das cumplicidades... a afastarmo-nos um bocadinho...”Eh pá (...) inventem uma forma... afastem-se...”, coisa que a gente nunca fez. Nunca fizemos porque estávamos tão convictos, que... eh pá que não ia tocar mais naquilo, aquilo para mim já tinha... já tinha bastado... chegou...” (António, D11)

Ou as consequências sociais do consumo,

“Tenho três [filhos] num colégio, tenho outro no Porto, em casa da minha tia, por opção, porque ia para um colégio também... só que esse (...) queriam-no adoptar... mesmo (...) estava complicado... e tenho o mais novinho comigo... tem cinco [anos]... está comigo, porque eu neste momento encontro-me aqui (...). Porque assim que eu meter o pé em ramo verde... tiram-me logo o menino também...” (Maria, E3)

E também à manutenção da subsistência do indivíduo, à institucionalização como um processo englobante, ou ao distanciamento de estilo que caracteriza uma a-posição ao habitus (Bourdieu, 2001, p. 9)

A noção de controlo é idílica, por assim dizer, é certamente ideal e sobreposta à definição de fronteiras rígidas e limites distantes – é um mito?

“(...) [Na ilha onde estive] não havia [droga], não havia um pobre, eu não vi um pobre, sabe o que é que é? Eu não vi uma pessoa a pedir... na rua, não vi um papel nem um cigarro no chão, era de uma organização completa, não havia, não havia drogas (...)” (Cristina, F19)

Tal como a prisão, este terreiro ideal é uma instituição completa e austera, exaustiva (Foucault, 1975, p. 273) na exclusão de todos as formas de poluição.

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O trabalho e o regime da comunidade caracterizam-se por ser duas categorias complementares, mas com funções participatórias diversas: o trabalho é visto como indispensável e componente da vida do dia-a-dia – eventualmente, as pessoas mais próximas do momento de exclusão extrema (num passado recente) são as que falam do trabalho de forma mais distante. O trabalho ocorre também como categoria da componente institucional, isto é, é tudo o que se faz que ultrapassa as tarefas e ocupa o tempo livre, tal como ele é delimitado nos horários e através do regime da comunidade. O trabalho assume assim uma dupla importância, externa e interna à instituição, na autonomização do agente bem como na sua colocação e deslocação no espaço social (Bourdieu, 2001, p. 58), constituindo-se em si mesmo como um capital simbólico.

7.5. A instituição total

Como vimos, o regime na comunidade, cruza-se com a categoria trabalho, mas responde a pressupostos de organização social diversos, relacionados com a organização do tempo e da coabitação (Brito, 1990), embora recupere neste caso a noção de uma sequência de tarefas que procura não deixar à solta a imaginação desregrada (Foucault, 1975, p. 279).

“(...) isto tem as suas regras, (...) já estou habituado, (...) o outro era tão restrito que (...) não podias fumar, não podias beber, (...) aqui pode-se fumar, embora também não se possa beber... tem as suas regras, mas dentro das regras não é uma coisa tão restrita como aquela... (Óscar, N9)

O monitor e a sua comunidade, são elementos centrais, no sentido em que organizam a perspectiva e o controlo social entre os membros da communitas (Turner, 1989, p. 132), tal como exprimem quer o José, quer o António, como monitor.

“(...) uma ideia que eu até dei ao António, porque o António ainda não estava assim muito... não tinha muita experiência de estar a lidar assim com os utentes (...)” (José, 27)

“(...) na altura do Rodrigo eu bastantes vezes tinha chocolates e essas coisas, a minha família vinha cá todas as semanas, traziam-me sempre montes de chocolates, eu metade partilhava com todos, e a outra metade guardava para mim (risos) (...) O que é certo é que a metade que

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guardava para mim, nem metade da metade eu comia (risos) (...) Acabava tudo por desaparecer (risos)...ah... pronto... hoje em dia, até se estragam lá na gaveta... e toda a gente sabe que lá tenho... “vai lá e tira, come”...” (António como monitor, P15)

Na definição de resistência, Scott deixa transparecer a fluidez do conceito, acorrendo a uma definição lata que compreende à partida a necessidade de lidar com significados, intencionalidade mas também consequências (Scott, 1985, p. 295). No entanto, o Autor defende a inclusão daquilo a que chama actos de auto-indulgência no conjunto das estratégias de resistência, sob o nome de registo escondido. A questão que se põe, então, é esta: que limites se colocam às resistências e o registo escondido, podemos encontrá-los na comunidade? Acredito que sim, pois tal como afirma Machado Pais, no quotidiano “encontramos condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria ruptura.” (Pais, 2002, p. 30). Mais, algumas manifestações transparecem no discurso:

“(...) fazer a mesma coisa que faz lá fora mas fazê-lo aqui de outra maneira... há sempre uma maneira... “ (Jaime, B21)

Fugir ao trabalho (que ao caso, completa o regime da comunidade) dizer que sim, fazer que não:

“Por um lado são bons, há aí dois ou três que são bons... agora o resto (...) “Fogem”[no sentido de não trabalharem] de vez em quando! Ou estão doentes, ou estão isto, ou estão aquilo... a pessoa já está habituada a isto... eu já estou... ao principio eles marcavam sempre quem fazia as limpezas, agora não... agora deixam estar, cada um que faça a sua...”(Mário, L15); “[Eu dantes fazia o trabalho de outros] levantava-me cedo, limpava os quartos...” (Mário, L16)

Ultrapassar a escala, não a cumprir:

“(...) há falta de organização... há falta de organização, as pessoas às vezes... não tem uma escala... não fazem as coisas com as pessoas que está lá... isso também prejudica muito... e depois, se tivesse cada um que fazer com escala, com... por exemplo coisas programadas, não tem uma programação certa... “ (Dário, J3)

Expressar o não, virar a mesa:

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“[a rotina diária da comunidade] não é difícil, mas... por vezes leva (...) a certos sentimentos... pelo menos a mim leva... leva-me a... a questões, leva-me a... às vezes a virar a mesa, e.... lá está... uma ajuda que a gente realmente precisa... tenho... tenho estes momentos, mas depois tento ter a capacidade de dar a volta a isso... “ (Jaime, B20)

O santuário – o que dizer, sobre uma instituição total em que o fechamento voluntário se projecta para o exterior. Na realidade, os limites face ao exterior (Goffman, 1974, p. 15) não são ultrapassados logo que a entidade se desloca para fora, e protagoniza essa exterioridade?

“É...às vezes peço ao António [monitor] para ir comigo lá à minha mãe...” (Mário, L39); “Então, pois... se a gente não tem confiança na gente mesmo, tem que pedir a alguém que vá com a gente... e eles não levam a mal...” (Mário, L40); “(...) não tenho é confiança em ir para fora, não é... para a rua, andar sozinho, isto é como tudo...”(Mário, L43)

7.6. Palcos e comunicação

Questiona-se que desempenho se protagoniza, quais as máscaras, uma vez que “(...) a maior parte das acções humanas tem por princípio uma coisa completamente diferente da intenção, (...) disposições adquiridas (...)” (Cohen, 1996, p. 126). Existe, ocorre uma divisão entre a zona de ensaio e a zona de fachada, onde se procede ao desempenho (Goffman, 1993, p. 279), quer se implique uma mudança de cenários e a expressão da identidade pessoal (Goffman, 1975, p. 573), olhando para as causas (na comunidade) do regresso à comunidade,

“Aqui é mais sossegado, e a gente prontos... não estamos aí ao pé das pessoas...dos amigos, mas não são amigos (...)” (Mário, L19)

Procurando a distância da família à comunidade,

“o G. [filho] (...) não sei se ele tem vergonha de... de eu ser bêbedo... de eu gostar de beber, não sei se é isso (...) mas..., deve ser (...) também não percebo porquê... (...) em relação à minha filha... a C.... tem 22 anos, (...) é... raro telefonar-me, veio cá duas vezes... não, uma... “ai gosto

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muito de si, e tal, veja lá o que é que faz..”. ia dizer-lhe “está bom”, e desliguei o telefone...” (Carlos, A16; 17)

A comunicação entre os agentes, na communitas, recorrendo a um pressuposto interaccionista que faz equivaler comunicação a comportamento a interacção: nós e os outros (comunicação na comunidade), que facilmente se mistura com a categoria de nós e os outros (conflitos, antagonismos).

“(...) a conversa deles, o tema deles de conversa é sempre a mesma, a droga é aquela conversa... vão ao fim do mundo, vão aqui, vão ali, às Marianas, vão aqui, vão ali (...)” (Carlos, A6).

“(...) no Natal, a minha mãe faleceu... e... então a minha família não me disse nada, eu estava aqui... passei cá o Natal, passei o fim do ano, e não havia meio de me dizerem, ninguém me dizia nada, e eu tanto chateava o Rodrigo [monitor], “eh pá, deixa-me telefonar para casa, quero saber como é que está a minha mãe, os meus filhos, eh pá”... “oh pá hoje não telefonas, não podes telefonar”, depois... ah... começou-me aquilo a... moer, “eh pá, não me deixas telefonar porquê?” ... tanto o massacrei, que ele... “eh pá, deixa-me telefonar, pá”... “está bem”, ele já sabia...” (Carlos, A13)

Na communitas, “(...) os agentes distribuem-se segundo o volume global do capital, (...) segundo a estrutura desse capital; (...) segundo a evolução no tempo do volume e da estrutura do seu capital.” (Bourdieu, 2001, p. 16). Mas é nítida a consciência de que o indivíduo passa informações falsas quer através do que transmite (símbolos) quer através do que emite (expressões). (Goffman, 1993, p. 12-13).

“(...) uma pessoa vem habituada a... a certos tipos de hábitos... e de manhas, e de mentiras... e de encobrimentos, e de manipulações... [as pessoas quando chegam à comunidade] vêm com... vêm com esse jogo todo... e já de anos nisso...” (Jaime, B18)

E os que saem? Sair é interdito, a não ser para ficar... trabalhando.

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“(...) não entendo, não entendo... [aquela que entrou] já está naquela de que quer-se ir embora sexta-feira, quer dizer, veio para cá domingo, sexta feira já... dois dias, só... já se sente melhor, já.... já está, quer-se ir embora...” (Carlos, A8)

O trabalho lá fora (enquanto interno).

“(...) estive seis meses parado, seis meses no tempo do Rodrigo, e também afectou-me muito porque agora posso contar, o meu documento caducou e o meu patrão não queria renovar-me porque não está a fazer descontos...” (Dário, J7)

7.7. O tempo social

O tempo social é a forma de impor o pensamento hegemónico, logo a mera existência de diferença na vivência do tempo indicia a revolta face à hegemonia... e o trabalho é o sinal disso. Foucault refere que “o emprego do tempo é uma velha herança” (Foucault, 1975, p. 175, trad. livre). A organização social implica a organização do tempo (Goody, 1977, p. 329-330); as communitas normativas onde “sob a influência do tempo é necessário mobilizar e organizar recursos” (Turner, 1989, p. 132).

A roda enuncia um princípio de equidade que, no caso, estrutura a ideologia da comunidade, incluindo o aspecto de confirmação da vigilância de uns elementos pelos outros (Brito, 1990, p. 539).

Ocupar o tempo, assim, é trabalhar, o trabalho interno que estabelece a relevância com a noção associada ao trabalho da pré-carreira.

“Faço, quando há para ai qualquer coisa, faço... tenho andado a limpar os telhados (...) coitados, também não têm quase nada para a gente fazer [materiais]... eu estou a desmanchar o telhado, limpar o telhado agora, mais logo pinto, (...) isto é uma grande obra que está aí... isto está podre, para quem anda aí nos telhados, pode de repente aquilo cair, e a gente vem cá parar a baixo (...) já lá estive (...) tem que se andar, mas com cuidado... eu sou o mais leve deles todos, tenho que ir lá cima (...) a gente tem que andar com cuidado, é andar no tecto... meio solto (...) e pedras... tem muita coisa lá em cima... está aí... agora tenho que ir lá cima, tapar umas coisas, telhas que estão partidas (...)” (Mário, L14)

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Mas é preciso ocupar o corpo e o espírito, pois é necessário arrastar o tempo, quando o corpo e o relógio não estão sincronizados (Hall, 1983, p. 131). A mudança, assim, ocorre todos os dias, dia após dia (Bates, 2006, p. 155)

“(...) há duas semanas (...) foi num sábado (...) fiz as tarefas de casa... e digo assim, “ai jesus, mas isto é tão cedo (...) eu não posso estar aqui parada”... e ao sábado, nós limpamos a casa, e temos depois o resto para... para ver televisão... o dia é nosso... comecei a olhar para as escadas, “oh pá, isto não pode ser assim... “, [fui] buscar o balde, buscar o sabão, o esfregão, a escova.... comecei a limpar aquilo... a escadaria toda (...) “ó Maria, o que é que tu estás a fazer, tu estás maluca?” (...) e então é o que eu digo, “estou stressada! Não digas nada... ”(...)” (Maria, E26; 30)

Os espaços ocupam-se e transtornam-se em função do protagonismo e dos recursos, da imposição do outro e das relações de poder.

“(...) parecia um infantário, aqui em baixo, o jardim ficou cheinho de brinquedos, de carros...de bonecos, de tudo, a entrada da porta estava toda cheia de bonecos, parecia um infantário...” (Nela, M37)

7.8. A dimensão de memórias do consumo

Integra um conjunto de categorias em que se analisa a atribuição de causalidade do consumo, feita pelas pessoas e, por outro lado, a que se pode associar também a relação da família com o consumo das substâncias.

O consumo é tão social como simbólico (Appadurai, 1996, p. 115-117), e também se consome na festa.

“(...) já na altura [os meus amigos consumiam] heroína... começaram pelo axis... essas coisas, depois... já na altura, heroína... não era assim grandes consumos, era aqueles consumos esporádicos.. festas (...) só que havia muitas festas... o problema é que havia muitas festas....” (António, D2)

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A festa tem múltiplas formas,

“Foi quando soube que a minha mulher estava grávida, e era uma menina... e eu deu-me um pensamento...e comecei outra vez... depois já estava...” (Mário, L33)

O estigma compõe a capacidade de reflexão e tradução de símbolos dos outros (Yun-Hee, 2004. p. 251):

“E lá fui... isto parece que... eu costumo dizer que as pessoas têm um iman... não é... e... e... neste aspecto eu devo ter tido... assim que cheguei à A.[País] conheci logo um turco (...) Prontos... estragou-se tudo (...) O turco (...) lá deve ter olhado para mim, lá deve (...) ter visto (...) o passado que andava aqui... (Maria, E8)

7.9. As omissões

São notadas algumas omissões: a omissão de referência às doenças infecto-contagiosas, embora alguns dos elementos entrevistados tivessem uma experiência de acompanhamento anterior na comunidade, em que como técnica os havia acompanhado, tendo conhecimento das patologias.

A escassez de raciocínios contrafactuais ou ucronias (se eu tivesse feito assim, agora seria de outra forma...), embora não a total ausência.

A notável ausência de referências ao consumo (no sentido lato do termo), na comunidade. O consumo interno reduz-se, aparentemente, à passagem de roupa para os dois elementos na comunidade que têm, presentemente, um rendimento.

“(...) há dois rapazes que falaram comigo se eu queria ganhar algum dinheiro, para que lhes passasse a roupa a ferro, eles estavam à procura de uma mulher, lá fora na rua, para pagar a uma mulher, o António [monitor] falou comigo, porque era melhor dar-me o dinheiro a mim para que eu lhe passasse a roupa a ferro, preferia dar-mo a mim do que a alguém lá fora... e agora também como estamos à espera que tratem dos trâmites, e não temos dinheiro, não temos nada, estamos mesmo sem dinheiro, e depois eu disse “sim, sim, sem problema, para mim é melhor”, e então também passo a ferro a roupa do António [monitor] e do Dário. O António [monitor] e o

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Dário são os dois rapazes a quem passo a roupa a ferro, e a quantidade, dez euros, cinco euros, não me importa... a quantidade põem eles...” (Nela, M18)

O consumo é também referido pelos dois elementos cuja passagem pela comunidade se restringe (pelo menos previsivelmente) ao período de desintoxicação, a Cristina e o João Miguel.

Por fim, a omissão do percurso criminal, ocorrendo apenas uma discreta referência ao contexto do mercado criminal da distribuição (Rocha, 1999, p. 185)

““tenho que arranjar dinheiro, senão vou passar mal”, e depois arranjam-se aquelas artimanhas, roubar não, isso nunca andei a roubar, mas pronto, ia muito à Cova da Moura, que é que eu fazia... tinha um amigo, (...) que tem carro, entrar lá a pé é um bocado complicado, porque há assaltos, (...), e nós tínhamos lá um conhecimento, uma pessoa que vendia, nós íamos de carro... os outros, (...) queriam a droga, (...), trazíamos e levávamos o dinheiro de todos, íamos lá de carro, comprávamos, e eles, como era alguma quantidade, ofereciam um bónus, (...) esse bónus dava para eu consumir, e para o outro... e trazíamos para as pessoas, pronto... aí já tirava [a ressaca]...” (Rogério, Q16)

“Os homens ricos já não estão rodeados por outros homens, mas por objectos” (Baudrillard, 1994, p. 362, trad. livre). Será este o medo que Miller refere, dos objectos suplantarem as pessoas? (Miller, 1998, p. 169) Pelo contrário, os homens muito pobres (serão assim tão pobres?), como os desta communitas, rodeiam-se – escassamente – de outros homens. Será esse o sinal de que retornam, a pouco e pouco, à sociedade de consumo?

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8. Conclusões: Fazer perdurar a mudança

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A abordagem do tempo como questão central deste trabalho tem um carácter flutuante, associado à pesquisa da referência simbólica essencial para o conjunto de pressupostos em análise, isto é, a que mais claramente se expressa no discurso mas, também, nas práticas observadas na comunidade. Existe uma componente de senso comum? Tal seria eventualmente mensurável, se se recorresse a uma técnica como a da análise de conteúdo, que permitisse quantificar referências. No entanto, a essência dos objectivos do presente trabalho é muito mais compreender a communitas, explorá-la, do que quantificá-la. Na realidade, não pode ser quantificada. Portanto, assumida a categoria da ressaca, como o transporte dos limites da acção para o interior da comunidade, terá ela um equivalente de preponderância, no tempo na comunidade, ao que tem no tempo do percurso de consumo? Parece ter. Parece assumir um duplo papel de transição e conversão, algo que liberta o tempo, como se este estivesse preso ao habitus transformado, de consumo. Este habitus existe? Também parece existir, e derivar da concretização de conversões e da manifestação de capitais que antes não são manifestos, da assumpção de resistências que derivam de um pressuposto de grupo novo, no sentido em que não é o grupo da socialização primária, mas que até pode derivar daí. Senão, vejamos, dois dos consumidores afirmam ter iniciado o seu percurso de consumo com doze anos. Assim, a ressaca na comunidade simboliza um duplo – será apenas um duplo? – processo de conversão, de um percurso de consumo em tempo, e de um conteúdo de poluição em conformidade. A intocabilidade manifesta este aspecto simbólico e é expressa no discurso. No exterior, a ressaca conserva a mesma conversão de consumo em tempo, mas já não o liberta. Prende-o ao momento de ressaca seguinte. Aqui, dupla conversão manifesta-se na transformação da desordem (associada ao craving ou à poluição do consumo injectável, por exemplo) numa forma de ordem que pode ser associada a rituais – como os da festa.

A coincidência do trabalho como uma categoria de elevado valor simbólico é curiosa, porque dir-se-ia que a exclusão de um circuito de consumo reduziria o seu impacto. Mas parece o contrário, o trabalho e o conjunto de capitais que se lhe podem associar, a conversão que Weber refere partindo das noções de Benjamin Franklin, está patente aqui: trabalhar, a par das tarefas (o regime da comunidade) implica a aceitação e é nesta conformidade com a norma que se denotam sinais de resistência, leves sinais de um registo escondido de difícil apropriação mas que parece lá estar, porque transparece do discurso.

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Externamente, a própria dissociação de um percurso de consumo e de um percurso institucional não são uma forma de registo escondido? Podemos considerar que sim, se atribuirmos um peso mais consistente às declarações – plausíveis – do monitor, quando este refere um conjunto de elementos que têm interesse na passagem pela comunidade, os próprios, a família, os patrões, e cujas regras não serão forçosamente as mesmas que a comunidade estipula. Portanto, quantos objectivos transporta cada indivíduo, inerentes a uma lógica posicional diversa, oculta, mas não forçosamente menos consistente: a conformidade, ou compatibilidade material. A reinserção no mercado. A reinserção no contexto familiar e o cumprimento de expectativas associadas, eventualmente, ao desempenho das comunidades. A reinserção no contexto de trabalho, no qual estas pessoas são esperadas. Tudo isto não vincula os indivíduos ao abandono do consumo, vincula-os à paragem. Por isso, as paragens estão tão claramente delineadas no discurso (as recaídas não). De forma ideal (no sentido dos ideais-tipo de Weber), a paragem materializa-se através de uma ressaca, numa ilha isolada, onde a poluição não entra, a ordem é imaculada e onde se vai... para trabalhar.

Em que medida os discursos dos informantes coincidem com os discursos de temperança e proibição, ou de redução de riscos e danos? Bem, através dos estereótipos certamente, a referência à toxicodependência e as intencionalidades todas se encaminham para a proibição, e a noção de consumo afasta-se da contenção de riscos, mas não das noções de limpo e sujo, de poluição e pureza. No entanto, as práticas na diacronia apontam outros recursos, que recuperam a noção de carreira, de trajectória, de percurso mas, sobretudo, as práticas da manutenção de um mercado que se adapta aos seus clientes. Com efeito, a dissociação não interessa ao mercado, que procura assegurar os rendimentos que efectivam o consumo. Levar ao limite não originaria carreiras de consumo tão longas, se não houvesse uma compatibilidade crescente entre as formas de procura, e os mecanismos de apropriação de recursos subjacentes, e as formas de oferta. Não nos parece que seja apenas a perspectiva micro que confirme este aspecto, mas também a das grandes políticas.

Parti para este trabalho com o pressuposto de que encontraria um conjunto de pessoas que tinham rehierarquizado a sua pirâmide de capitais em função do tempo, e que se encontravam neste contexto de passagem a recolocar os capitais no seu devido lugar – devido, porque implícito a um contexto social predominante, hegemónico. Mas o que encontrei foi, isso sim, um conjunto de pessoas, uma communitas, que se encontra temporariamente excluída do mercado – ou dos mercados. Um conjunto

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de pessoas que sai fora da lógica capitalista do consumo, e se exclui totalmente dos circuitos de consumo em que todos nos encaixamos, todos os dias e a todas as horas. Com efeito, a característica de não-consumidores suplanta o detalhe do não-consumo de substâncias, e impera sobre todas as coisas. À excepção de um tour diário em que se deslocam ao café e compram o tabaco e a bica, estas pessoas não consomem mais nada.

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depo

is pá

restr

ingiu-

me m

ais,

e fui

obr

igado

mais

a fic

ar a

qui p

or e

stas b

anda

s... d

eriva

do a

faze

r o tr

atame

nto d

e qu

imiot

erap

ia (..

.) fiz

um

ano s

eguid

o qua

se de

quim

ioter

apia

(...)

estiv

e ago

ra um

ciclo

para

do, d

uran

te se

is me

ses (

...)” (

José

, G2;

46)

• “(.

..) aq

ui na

comu

nidad

e, (..

.) co

mece

i-me a

senti

r muit

o mal,

a al

imen

tação

que

entr

ava d

entro

do or

ganis

mo,

o or

ganis

mo re

jeitav

a, (..

.) en

tretan

to fui

faze

r ras

treio

(...),

não

era

de

estóm

ago,

então

(...)

foi q

uand

o ele

s no

taram

que e

u tinh

a um

tumor

no có

lon (.

..)” (

José

, G3)

• “(.

..) h

ouve

uma

vez

que

fui o

pera

do a

este

bra

ço, i

a fic

ando

sem

o b

raço

(...)

Por

que

eu fi

z he

matom

a... e

an

tes d

e re

benta

r par

a for

a, nã

o, re

bento

u pa

ra d

entro

... e

eu fe

ito p

arvo

, com

uma

faca

, fur

ei...

corte

i a ve

ia...

claro

... fui

ope

rado

de

urgê

ncia,

esti

ve v

inte

e qu

atro

hora

s à

espe

ra, i

a fic

ando

sem

o b

raço

(...)

Sem

ele

estav

a de

sgra

çado

da

vida

(...)

Não,

porq

ue a

s do

res

eram

tão

gran

des,

tão g

rand

es, q

ue e

u pe

nsei

que

furan

do re

benta

va, m

as n

ão, p

erdi

muito

sang

ue, e

era

m um

as d

ores

muit

o ho

rríve

is na

cabe

ça, à

s oito

hor

as

da m

anhã

a m

inha

tia fo

i lá

a mi

nha

casa

, já

estav

a na

quilo

, [ela

] tev

e qu

e ch

amar

uma

amb

ulânc

ia de

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

2

Corp

o (co

nt.)

Cr

ises,

acon

tecim

entos

sim

ultân

eos a

o con

sumo

(co

nt.)

urgê

ncia,

fui o

pera

do de

urgê

ncia,

fui a

qui a

o B[lo

cal] e

depo

is fui

para

Lisb

oa, p

ara S

ão Jo

sé...”

(Már

io, L2

1)

• “[E

stou]

Com

melho

r asp

ecto,

qua

ndo

entre

i aqu

i par

ecia

uma

cave

ira...

estav

a mu

ito m

agrin

ho...

o mé

dico

disse

-me l

ogo “

Hum,

não d

eves

ague

ntar m

uito t

empo

”, de

pois

tinha

prob

lemas

do pu

lmão

... do

peito

, já nã

o

• co

mia

nada

... só

beb

ia líq

uidos

, águ

a, ág

ua (.

..) ti

ve u

m qu

isto

de u

m pu

lmão

... e

isto

come

çou

a inf

ectar

tud

o... e

stava

tudo

infec

tado,

garg

anta,

tudo

... (M

ário,

L41

); “(.

..) fo

i aqu

i den

tro é

que

eu

soub

e qu

e tin

ha

aque

les pr

oblem

as...

do pu

lmão

... ma

s têm

-me a

judad

o muit

o, aq

ui...”

(Már

io, L4

2)

• “(.

..) f

iquei

gráv

ida [d

esta

crian

ça] e

já c

onsu

mia,

dura

nte o

s trê

s me

ses

sabe

ndo

já de

cer

teza

que

estav

a gr

ávida

, nos

três

ou

quatr

o pr

imeir

os m

eses

esti

ve a

con

sumi

r, (..

.) eu

falei

na

mater

nidad

e, co

m a

minh

a mé

dica,

falei

que

estav

a a

cons

umir

e qu

e dr

ogas

, e e

la dis

se-m

e qu

e pa

ráss

e o

mais

rápid

o po

ssíve

l, pe

lo me

nos

com

a co

caína

que

par

ásse

, por

que

podia

ter d

ificuld

ades

em

ter o

beb

é na

sces

se c

om...

o fe

to se

de

senv

olves

se...

que

nasc

esse

com

defe

itos,

e en

tão p

arei

com

a co

caína

, e e

les p

user

am-se

em

conta

cto

rápid

o, ma

ndar

am u

ma c

arta

urge

nte, p

user

am-m

e em

con

tacto

com

o CA

T (..

.), p

ara

come

çar

com

a me

tadon

a, e

no m

omen

to em

que

me

marca

ram

cons

ulta

eu fa

lei lá

no

CAT

e pu

sera

m-me

com

a me

tadon

a, nu

m pa

r de s

eman

as m

ais ou

men

os, e

pare

i o m

ais rá

pido q

ue pu

de, c

om a

metad

ona..

.”(Ne

la, M

8)

• “(.

..) a

que

stão

é qu

e co

meçá

mos a

cons

umir

outra

vez,

drog

a, os

dois

[o p

ai do

meu

prim

eiro

filho

e eu

], e

eu

ingre

ssei

numa

clini

ca, (

...) pa

ra m

e de

sabit

uar,

com

tratam

ento

por c

ausa

do b

ebé,

estiv

e trê

s mes

es ta

mbém

co

mo a

gora

, com

o es

ta gr

avide

z, foi

mes

mo ig

ual,

(...)

e ele

fico

u lá,

fico

u lá

fora

à mi

nha

espe

ra...

na c

asa,

com

tratam

ento

també

m, co

m pa

stilha

s, tra

nquil

izante

s, pa

stilha

s par

a do

rmir,

mas n

ão co

nseg

uiu, q

uand

o eu

sa

i aos

vint

e cin

co d

ias, e

le es

tava

ainda

pior

... de

com

o eu

o ti

nha

deixa

do. N

ão a

pare

cia e

m ca

sa, f

icava

tod

os o

s dia

s na

rua,

os (.

..) d

ias q

ue e

steve

sem

mim

ficav

a na

rua,

tinha

mais

bar

ba, e

stava

... pff

f... e

stava

pio

r aind

a do q

ue co

mo eu

o tin

ha de

ixado

...” (N

ela, M

27)

• “(.

..)...

eu c

om o

beb

é es

tava

preo

cupa

das

nos

prim

eiros

mes

es, a

o pr

incipi

o es

tava

preo

cupa

da, a

ndav

a a

cons

umir,

e and

ava..

. e de

sde o

s prim

eiros

mes

es qu

e che

gou a

o beb

é... fo

i hor

roro

so...e

agor

a, ou

vir da

boca

do

s méd

icos (

...) q

ue e

stá tu

do a

corre

r bem

, que

o b

ebé

está

a cre

scer

, que

o b

ebé

está

todo

forma

do...

está

a cor

rer t

udo b

em...”

(Nela

, M35

)

Corp

o

2. Re

ssac

a

2005

“(...)

qua

ndo

eu e

stou

aqui

[na co

munid

ade]

sou

eu q

ue fa

ço a

ress

aca

às p

esso

as...

acom

panh

o as

pes

soas

qu

e entr

am aq

ui... e

u é qu

e as e

ncam

inho,

eu é

que e

stou s

empr

e ao l

ado d

elas..

.” (Ja

ime,

B16)

20

06

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

3

Corp

o (co

nt.)

Ress

aca (

cont.

)

• “(.

..) a

s ou

tras

[veze

s qu

e vie

mos

para

a c

omun

idade

] for

am p

or n

ão te

r con

segu

ido a

prim

eira

vez,

porq

ue

são

(...)

curto

s es

paço

s de

temp

o, (..

.) o

temp

o qu

e nó

s es

tamos

a re

ssac

ar, e

por

tanto

é um

boc

ado

difíci

l, po

rque

vir…

com

o nó

s es

tivem

os, p

or e

xemp

lo, d

ez d

ias, a

o fim

de

dez

dias

estam

os m

uito

debil

itado

s, (..

.) nã

o é ao

fim d

e dez

dias

que s

e apa

ga um

a vida

…” (

Crist

ina, F

2)

• “(.

..) e

u fui

par

a lá

[para

a il

ha] a

ress

acar

, apa

nhei

o av

ião, f

umám

os a

s últ

imas

(...)

[pas

sas?

] ante

s de

em

barca

r no

aviã

o, ch

egám

os (

...) n

o se

gund

o dia

, es

távam

os a

res

saca

r co

mplet

amen

te a

frio,

sem

comp

rimido

s sem

nada

, (...)

eu sa

i à ru

a esta

va u

m ge

lo (..

.) e n

ós a

ress

acar

mos,

e (...)

nós

andá

mos n

a rua

, ho

ras e

hora

s (...)

à pr

ocur

a de a

lguém

que v

ende

sse,

que n

os co

nseg

uisse

iden

tifica

r se a

quela

pess

oa po

dia

ter al

gum

conta

cto co

m... d

roga

s (...)

, e nã

o enc

ontrá

mos u

ma ún

ica pe

ssoa

.” (C

ristin

a, F2

0)

• “(.

..)...

eu n

essa

altu

ra só

cons

umia

um b

ocad

inho

(...)

para

aí u

ma v

ez p

or d

ia...

à no

ite, s

aia d

o tra

balho

, ia

comp

rar,

fumav

a e

pron

to...

ele c

omeç

ou a

que

rer

fumar

, tam

bém,

(...)

, aga

rrámo

-nos

os

dois.

.. qu

ando

de

ixámo

s de c

ompr

ar, c

omeç

ámos

a re

ssac

ar, c

laro..

. tanto

eu (.

..) co

mo el

e...”

(Cris

tina,

F35)

• “M

as e

u es

tou m

ais [a

balad

o] de

sta v

ez, d

o qu

e da

s ou

tras

duas

vez

es...

muito

mais

(...)

Não

sei,

talve

z a

medic

ação

, há

aí qu

alque

r cois

a... o

u vim

os m

ais d

ebilit

ados

, não

sei...

sinto

... qu

e es

tá a

custa

r muit

o ma

is...

estou

no

quar

to dia

e a

inda

estou

todo

par

tido..

. nos

outro

s já..

. ao

terce

iro d

ia, já

and

ava

aí na

boa (

...) ta

lvez

a ida

de, ta

lvez..

. tamb

ém po

ssa s

er [r

azão

]...” (

João

Migu

el, H

12)

• “(.

..) s

ofrim

ento.

.. os

qua

tro d

ias, p

elo m

enos

, até

agor

a (..

.) so

frimen

to fís

ico (.

..) p

rincip

almen

te fís

ico...

por

enqu

anto.

.. men

tal nã

o é ta

nto...

mas m

ais fís

ico, p

or en

quan

to... m

ental

se ca

lhar v

em m

esmo

a se

guir..

. mas

ma

is fís

ico (

...) te

nho

altur

as q

ue m

e sin

to me

lhor..

. só

que..

. é a

quele

can

saço

, uma

pes

soa

não

está

ha

bitua

da...

talve

z a

abs

tinên

cia d

a dr

oga..

. po

ssive

lmen

te, n

ão é

(...)

aqu

ilo é

... me

lhor

do q

ue u

m me

dicam

ento,

aquil

o...”

(João

Migu

el, H

18)

• “(.

..) .

.. nã

o se

i, par

ece

que

me sa

be tu

do à

mes

ma co

isa, a

comi

da....

não

sei s

e....

se se

rá d

e mi

m...

talve

z se

ja, a

inda

(...)

eu n

ão te

nho

muita

vonta

de d

e co

mer..

. mas

se ca

lhar d

evido

à m

edica

ção

(...)

mesm

o as

sim

tento

lá ir,

come

r (...)

Que

é p

ara

não

tomar

os

comp

rimido

s se

m na

da (.

..) e

par

a ar

rebit

ar...“

(Joã

o Mi

guel,

H1

9)

• “(.

..) só

que

aqui

é dif

eren

te, e

m [pa

ís na

tal] a

dro

ga é

dife

rente

de

cá, b

om é

dife

rente

, não

, ven

dem

a co

ca já

fei

ta,

aqui

têm q

ue p

repa

rá-la

, tem

que

se

comp

rar o

amo

níaco

, tem

que

se

prep

arar

a c

ocain

a pa

ra s

er

fumad

a, e

lá nã

o, lá

já há

pre

para

da, e

mist

urad

a co

m a

hero

ina, a

s dua

s cois

as ju

ntas m

istur

adas

, e ve

ndem

as

“pap

elina

s”, a

s dua

s cois

as ju

ntas,

tudo

junto

por u

m...

por s

eis e

uros

, pro

nto, e

cá n

ão (.

..) S

im, p

elo q

ue

conh

eço

de [p

aís n

atal] [

é ma

is fác

il fum

ar],

porq

ue a

qui s

empr

e qu

e tiv

emos

que

comp

rar f

oi um

a qu

antid

ade

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

4

Corp

o (co

nt.)

Ress

aca (

cont.

)

maior

, por

qua

rtas,

meias

qua

rtas,

quinz

e eu

ros,

vinte

euro

s, ma

is qu

antid

ade,

e lá

por s

eis e

uros

uma p

esso

a tira

a re

ssac

a, a

ress

aca

de m

anhã

, ess

a re

ssac

a tira

-se co

m se

is eu

ros,

e à

parte

isso

a co

ca a

qui, v

ende

m-na

crua

, não

a ve

ndem

já fe

ita co

mo a

cons

umim

os, e

entã

o aq

ui o

que

é qu

e eu

fazia

... tin

ha q

ue m

eter p

ela

veia,

não

tính

amos

temp

o pa

ra n

os e

ntrete

r, pa

ra tir

ar...

para

tirar

a re

ssac

a (..

.) Po

is (ri

sos).

.. a

coca

ina p

ara

ficar

feita

dem

ora

um te

mpo,

não

é mu

ito te

mpo

que

demo

ra, p

ronto

, dem

ora

um b

ocad

inho

a faz

er...

tem q

ue

se m

eter o

amo

níaco

, que

imá-

la po

r baix

o, se

cá-la

e d

epois

picá

-la b

em p

ara

cons

umir,

metê-

la nu

m pa

pel d

e alu

mínio

par

a se

r fum

ada,

ou se

não

é a

garra

fa, m

uitas

veze

s o q

ue fa

zia o

Ósc

ar [m

arido

] era

a g

arra

fa, o

u se

não

crua,

crua,

direc

tamen

te co

m a

hero

ína p

ela v

eia, q

uase

sem

pre

era

a ma

ioria

das

veze

s as

sim, p

ela

veia.

..” (N

ela, M

16)

• “(.

..) na

altur

a era

difer

ente,

era d

roga

drog

a, ag

ora n

ão...

sei lá

, dois

, três

gram

as, p

asse

i um

mês e

pico

s sem

do

rmir..

. até

o mo

nitor

que

esta

va d

izia

“como

é q

ue a

guen

tas?”

, é q

ue n

ão d

ormi

a, me

smo,

vinte

e qu

atro

hora

s, e

eu fa

zia v

inte

e qu

atro

hora

s ac

orda

do...

eu s

entav

a-me

no

sofá,

ao

pé d

o fog

o, nã

o do

rmia,

ca

bece

ava

um p

ouco

, mas

eu

não

cons

egui.

.. pa

ssei

um m

ês e

pico

s se

m fec

har o

lho...

não

cons

egui.

.. nã

o co

nseg

uia fe

char

os

olhos

... ne

m po

r boc

adinh

os, n

em n

ada..

. ao

fim d

e um

mês

e p

icos

é qu

e co

mece

i a

dorm

ir um

a ho

rita, d

uas,

e a

partir

dai

é qu

e já

fui g

anha

ndo

o so

no a

té qu

e co

mece

i a d

ormi

r bem

...”(Ó

scar

, N1

5)

• “(.

..) d

esde

a ú

ltima

vez

que

você

estev

e eu

esta

va a

qui p

ara

aí há

um

mês (

...) n

em ta

nto. S

e ca

lhar e

ra

naqu

ela a

ltura

em

que

a ca

beça

esta

va a

inda

cheia

de

confu

são…

só se

sente

é co

nfusã

o, nã

o se

sente

mais

na

da…

a p

artir

daí o

temp

o já

pass

a, as

ideia

s vão

com

eçan

do a

ficar

mais

clar

as, t

orna

-se…

torn

a-se

mais

fác

il, me

smo a

form

a com

o se s

ente

o dia

a dia,

não t

em na

da a

ver (

...)” (

Antón

io, P

1)

• “(.

..) le

mbro

-me

que

acor

dei c

onsti

pado

, eu

pens

ava

que

estav

a co

nstip

ado,

cons

tipad

o, co

m do

res n

o co

rpo,

pens

ava

eu, e

u co

mente

i “be

m, e

stou

cons

tipad

o, qu

e é

isto,

pron

to, te

nho

que

ver o

que

é q

ue s

e pa

ssa”

, fal

ei co

m um

ami

go m

eu, q

ue ta

mbém

já a

ndav

a há

mais

temp

o e

disse

-me

“tu n

ão e

stás c

onsti

pado

, pá,

tu es

tás é

aga

rrado

já a

isso

” e e

u dis

se, “

não

acre

dito”

, “en

tão o

lha, v

ai ex

perim

entar

, vais

com

prar

, vais

ex

perim

entar

, não

, vais

com

prar

, e v

ês s

e iss

o nã

o te

pass

a log

o”, e

ass

im fo

i. Pa

ssou

, e n

o dia

seg

uinte

a me

sma c

oisa,

outra

vez c

om do

res,

e mais

não s

ei qu

ê, co

m do

res n

o cor

po, v

i logo

, “já

estou

”. (R

ogér

io, Q

7)

• “(.

..) e

u nã

o me

tinha

ape

rcebid

o qu

e er

a fal

ta de

her

oina,

que

o or

ganis

mo e

stava

a se

ntir,

pens

ava

que

era

gripe

, esta

va co

m os

sinto

mas,

são

pare

cidos

, são

idên

ticos

, é o

ping

o no

nar

iz, é

os a

rrepio

s, es

pirro

s, es

sa

coisa

toda

, as

dore

s no

cor

po, o

mal

estar

ger

al, p

ronto

, é u

ma c

oisa

que..

. por

que

é es

quisi

ta, m

esmo

, e

pens

ava q

ue er

a grip

e, ma

s não

era..

.” (R

ogér

io, Q

8)

• “(.

..) d

epois

tive

aqu

i uma

s ida

s pa

ra Á

frica,

em tr

abalh

o, em

ser

viço,

aí pa

ssei

um b

ocad

o ma

l, po

r exe

mplo

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

5

Corp

o (co

nt.)

Re

ssac

a (co

nt.)

estiv

e um

mês

e ta

l em

[país]

, a m

ontar

ante

nas

lá, e

a p

rimeir

a se

mana

foi u

m bo

cado

com

plica

do, p

orqu

e re

ssaq

uei a

frio,

e n

ão ti

nha,

não

tinha

hipó

tese,

ali n

ão c

onhe

cia n

ingué

m...

ainda

hav

ia gu

erra

, aind

a ha

via

guer

ra, (

...) e

eu nã

o tinh

a hipó

tese..

.” (R

ogér

io, Q

10)

• “(.

..) s

ão d

ias q

ue s

ão u

m bo

cado

com

plica

dos,

porq

ue te

mos

que

arra

njar d

inheir

o, po

r cau

sa d

a re

ssac

a, pr

onto

é a

pess

oa d

eitar

-se, c

onsu

miu,

ness

e dia

não

ress

aca,

mas

deita

-se já

a p

ensa

r com

o é

que

vai s

er

aman

hã, o

dia d

e ama

nhã (

...)” (

Rogé

rio, Q

15)

Cor

po

3. Te

mpo

da r

ecaíd

a

2005

“... e

u qu

ando

reca

i meti

baix

a (..

.) sa

í daq

ui em

Fev

ereir

o... r

ecaí

em J

ulho..

. esti

ve re

caído

Julh

o, Ag

osto,

Se

tembr

o... O

utubr

o... N

ovem

bro..

.e De

zemb

ro...

vim em

Jane

iro, c

á par

a o C

entro

... “ (

Jaim

e, B3

)

• “(.

..) d

uran

te do

is an

os, c

onsu

mimo

s os

dois

[o m

eu ir

mão

e eu

](...)

ao

final

de u

m an

o... e

le (..

.) já

quer

ia pa

rar..

. ago

ra e

u é

que

não

quer

ia pa

rar..

. era

nov

inho,

estav

a-me

a s

aber

bem

.... n

em m

e pa

ssav

a pe

la ca

beça

o p

roble

ma q

ue e

ra...”

(Antó

nio, D

6); “

(...)

na a

ltura

tinha

ou

vinte

e um

(...)

o m

eu p

ai fal

eceu

qua

ndo

eu tin

ha vi

nte e

um,

eu

pass

ado

pouc

os m

eses

... co

mece

i a co

nsum

ir...co

nsum

i dep

ois a

té ao

s vint

e e

três..

.” (A

ntónio

, D8)

• “(.

..) m

ais u

m an

o e

tal (.

..) co

m co

nsum

os...

não

eram

ass

im m

uito

regu

lares

, esp

orád

icos..

. fum

ava

um d

ia...

três,

quatr

o dias

.. fum

ava o

utro..

. ah..

. um

mês,

fumav

a, ou

tra ve

z...”

(Antó

nio, D

15)

• “(.

..) es

tive m

ais...

dois

anos

, na h

eroín

a outr

a vez

... “ (

Antón

io, D

17)

• “E

ntreta

nto...

estou

dois

anos

a co

nsum

ir... m

as a

cons

umir m

uito..

.” (M

aria,

E14

) 20

06

• “(.

..) h

ouve

uma

altu

ra e

m (..

.) es

tive

dois

anos

e m

eio p

arad

a, en

tretan

to, (.

..) q

uand

o re

come

cei n

ovam

ente,

o vo

ltei a

pen

sar

na s

ering

a, pe

nsei

que

seria

mais

indic

ado

fumar

, e p

ortan

to re

come

cei a

fuma

r...”

(Cris

tina,

F14)

• “(.

..) é

o p

ouco

temp

o é

que

nos

faz v

oltar

à v

ida q

ue le

vamo

s... a

pes

soa

sai m

uito

debil

itada

, aqu

ilo é

um

choq

ue m

uito g

rand

e (...)

” (Jo

ão M

iguel,

H11

a)

• “E

u co

nhec

i-a e

m 96

... 96

, ela

traba

lhava

tamb

ém n

o re

staur

ante

també

m, q

uand

o eu

a c

onhe

ci...

depo

is de

sde

aí co

meçá

mos

a an

dar,

mais

ou m

enos

em

97, e

m 98

talve

z ten

ha c

omeç

ado

a co

nsum

ir co

m ela

, de

pois

foi se

mpre

a ab

rir, a

té...

[ri]...

até 20

06.”(

João

Migu

el, H

16)

• “(.

..) e

logo

des

sa ve

z es

tivem

os se

is me

ses a

mor

ar so

zinho

s, no

s F.[lo

cal],

e foi

ond

e re

caím

os (.

..)” (

Nela,

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

6

Corp

o (co

nt.)

Temp

o da r

ecaíd

a (co

nt.)

M6)

• “(.

..) s

ó co

nsum

i ago

ra a

qui [

em P

ortug

al](..

.) Aq

ui há

cois

a de

uns

cinc

o me

ses

ou s

eis...

eu e

stava

-lha

a diz

er o

ito, m

as n

ão, s

eis m

eses

... a

gente

che

gou

aqui

em J

aneir

o, es

tamos

em

Agos

to...

a ge

nte [e

u e

a Ne

la] já

leva

dois

mes

es p

arad

os c

om m

etado

na, c

om u

m mê

s aq

ui, tr

ês...

estiv

emos

con

sumi

ndo

cinco

me

ses,

nem

tanto.

.. “ (Ó

scar

, N24

)

Corp

o

4. Si

tuaç

ões

dire

ctam

ente

as

socia

das a

o co

nsum

o

2005

“(...)

não

vejo

qual

é o

goz

o de

esta

r-se

a inj

ectar

... pa

ra já

é u

ma co

isa q

ue m

e faz

uma

confu

são..

. dep

ois o

sa

ngue

, eu v

ejo sa

ngue

e... (

...) a

pess

oa es

tar-se

a inj

ectar

, não

....” (

Carlo

s, A7

)

• “(.

..) nã

o... fi

z... n

ão do

rmia,

não t

omav

a ban

ho, n

ão...

não m

e ves

tia, n

ão...”

(Car

los, A

14b)

• “(.

..) ch

egou

uma

altu

ra e

m qu

e pr

onto,

(...)

entr

egue

i-me

à beb

ida ta

mbém

... co

mo vo

cê sa

be, s

ou a

lcoóli

co...

e

pron

to, fiq

uei a

beb

er d

esco

ntrola

dame

nte...

e a

casa

não

tinha

águ

a, ne

m tin

ha lu

z, ne

m tin

ha...

higien

e de

pr

imeir

a ne

cess

idade

, higi

ene

... nã

o co

nseg

uia fa

zer b

anho

, e n

ão s

ei qu

ê... c

hegu

ei a

uma

situa

ção

(...)

mesm

o pés

sima..

.” (D

ário,

C2)

• “(.

..) h

oje...

eu d

igo q

ue é

des

gasta

nte p

orqu

e eu

sab

ia o

mal q

ue e

stava

a fa

zer a

mim

pró

prio.

.. eu

esta

va

como

que a

casti

gar-m

e, nã

o sei

porq

uê...

porq

ue aq

uilo d

esga

stava

-me d

uma f

orma

...” (A

ntónio

, D18

)

• “[a

minh

a ca

beça

já n

ão fu

ncion

a] [te

nho

]aque

la se

nsaç

ão d

a ge

nte q

uere

r (...)

pen

sar,

(...)

focar

-se, e

não

co

nseg

uir fo

car n

ada..

. por

exe

mplo,

aind

a há

boc

ado

vi no

jorn

al...

e vi

lá na

par

te de

trás

(...)

aqu

ela c

oisa

nova

dos

núm

eros

[SUD

OKU]

... se

foss

e aq

ui há

dois

ano

s atr

ás, e

u olh

ava,

e ao

fim d

e cin

co m

inutos

tinha

aq

uilo t

udo r

esolv

ido...

agor

a, só

de ol

har p

ara a

quilo

... en

joa-m

e log

o, só

de ol

har..

.”(An

tónio,

D26

)

• “(.

..)...

estar

mal

é (..

.) é

a de

terior

ação

comp

leta..

. fisi

came

nte (.

..) o

lha p

ara

mim

agor

a... e

eu

quan

do e

ntrei

aqui

pesa

va p

ara

aí un

s qua

renta

quil

os...

psico

logica

mente

, é e

ntrar

... co

mece

i-me

a pr

ostitu

ir... c

omec

ei...

a pe

rder

o m

eu a

mor

próp

rio, c

omec

ei...

para

mim

era

-me

igual.

.. ch

ega-

se a

o po

nto d

e... t

odas

aqu

elas

prec

auçõ

es q

ue e

u ho

je tom

o....

na a

ltura

era

... er

a-me

igua

l toma

r...”

(Mar

ia, E

16);

“(...)

deix

ei de

dor

mir e

m ca

sa...

come

cei a

dor

mir e

m (..

.) ca

rros,

em ca

sas a

band

onad

as...”

(Mar

ia, E

17);

“... d

eixei

de te

r os c

uidad

os

que..

. pro

ntos,

minim

amen

te pe

ssoa

is (..

. de h

igien

e, de

ixei d

e ter

isso

tudo

...” (M

aria,

E18

; 19)

• “(.

..)…

che

guei

aqui

com

perto

de

quar

enta

quilo

s, eu

não

com

ia na

da (.

..) e

u nã

o me

con

segu

ia as

senta

r…

eu d

oía-m

e o

rabo

… s

ó tin

ha o

ssos

, não

tinh

a na

da…

rigo

rosa

mente

nad

a… e

u dig

o qu

aren

ta qu

ilos,

porq

ue…

pron

tos, n

a volt

a se e

u me f

osse

a pe

sar a

inda p

esav

a men

os…

“ (M

aria,

E32

)

• “(.

..) e

u nã

o me

olha

va, a

o es

pelho

… a

ssim

… e

u tin

ha ve

rgon

ha d

aquil

o qu

e via

(...)

eu

chor

ei mu

itas v

ezes

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

7

Corp

o (co

nt.)

Situa

ções

dire

ctame

nte

asso

ciada

s ao c

onsu

mo

(cont.

)

em m

inha

casa

, a o

lhar p

ara

o es

pelho

e a

dize

r, “M

as M

aria,

no

que

é qu

e tu

te tor

naste

?” (.

..) q

uer d

izer j

á es

tava

sepa

rada

do

pai d

os m

eus

filhos

… m

as e

le (..

.) viv

ia lá,

e a

inda

vive

(...)e

u ía

para

a c

asa

de b

anho

pa

ra ve

stir o

pijam

a, (..

.) eu

tinha

verg

onha

…” (

Maria

, E33

) 20

06

• “[C

onsu

mo] A

fuma

r... j

á ho

uve

algum

temp

o qu

e me

injec

tei, m

as d

epois

par

ei [de

pois

de u

ma p

arag

em d

e do

is an

os e

meio

], po

rque

ach

ei qu

e nã

o va

lia a

pen

a, po

rque

com

ecei

a ve

r que

a d

egra

daçã

o er

a mu

ito

maior

, e...

apes

ar d

a pe

dra

ser m

uito

maior

tamb

ém...

só q

ue a

cho

que..

. pá,

só o

acto

de

me e

star a

es

picaç

ar a

mim

pró

pria,

ach

o qu

e me

meti

a um

pou

co d

e co

nfusã

o, e

porta

nto d

eixei

de fa

zer i

sso

(...)”

(C

ristin

a, F1

3)

• “(.

..) ac

ho qu

e tod

os os

regr

esso

s são

cons

ciente

s (...)

” (Cr

istina

, F15

)

• “(

...) q

uand

o eu

and

ava

na ru

a (..

.) qu

ando

eu

anda

va m

esmo

no

fundo

na

toxico

depe

ndên

cia, (

...) e

ssa

equip

a [de

rua]

(...)

pass

ou p

or m

im (.

..) fa

lou c

omigo

, e e

u es

tava

de a

cord

o, pr

ontos

, (...)

a v

ida q

ue e

u lev

ava e

ra de

mais

, já er

a um

sofrim

ento.

.. em

últim

o gra

u... p

ronto

... nã

o tem

palav

ras..

.” (Jo

sé, G

14)

• “(.

..) eu

ao sa

ber q

ue (.

..) tin

ha es

ta do

ença

[o tu

mor],

jama

is ia-

me vi

rar n

ovam

ente

para

a tox

icode

pend

ência

, en

tão, s

e um

a pe

ssoa

que

r fica

r boa

, não

vai

entra

r nov

amen

te na

toxic

odep

endê

ncia

para

se

acab

ar d

e ma

tar...”

(Jos

é, G4

7)

• “(.

..) te

nho

um g

rupo

de

amigo

s até

por

reirin

ho...

uns

enten

dem

isto,

outro

s nã

o en

tende

m (..

.) alg

uns

sabe

m...

outro

s, se

calha

r... te

ntam

perce

ber o

que

é que

se pa

ssa,

o qu

e é q

ue n

ão se

pas

sa...

mas m

uitos

... alg

uns s

abem

... os

mais

cheg

ados

sabe

m (..

.) cri

ticam

... ma

s muit

os ta

mbém

já tê

m... u

m pr

oblem

a de d

roga

s dif

eren

te (..

.) de

outr

as d

roga

s... u

ns q

ue e

stão

bem,

ago

ra (.

..) p

astilh

as, e

cstas

ys...

haxix

e... é

mais

isso

(...)

co

caína

, esp

orad

icame

nte, ta

mbém

(...)

nunc

a con

sumi

com

eles..

.” (Jo

ão M

iguel,

H22

)

• “C

om a

coc

aina

pare

i, co

m a

hero

ina c

ontin

uei,

até q

ue m

e pu

sera

m co

m a

metad

ona,

quan

do m

e pu

sera

m co

m a m

etado

na co

rtei...

corte

i eu,

mas e

le [Ó

scar

, mar

ido] a

inda c

ontin

uou a

ress

acar

, a e

le pu

sera

m-no

com

a me

tadon

a ta

mbém

mais

rápid

o po

r minh

a ca

usa,

porq

ue e

stava

ao

pé d

e mi

m [gr

ávida

], mo

rava

comi

go, e

eu

ia lá

toma

r a m

etado

na e

cheg

ava

a ca

sa e

enc

ontra

va-o

a co

nsum

ir (..

.) e

então

, se

não

fosse

ass

im e

le ter

ia es

tado à

espe

ra do

is ou

três

mes

es po

rque

tinha

que f

azer

análi

ses,

e vár

ias co

isas a

ssim

...” (N

ela, M

9)

• “(.

..) e

u ten

ho o

fíga

do d

estro

çado

(...)

, com

ecei

com

doze

ano

s... f

oi qu

ando

eu

come

cei c

om a

her

oína,

foi

logo

hero

ína (.

..) n

a es

cola

(...)

na P

repa

ratór

ia (..

.) [C

omeç

ou] C

om a

s mo

tas, (

...) p

ara

aqui

e pa

ra lá

, com

un

s cha

rritos

, e n

ão se

i quê

, dep

ois o

s cha

rritos

já n

ão fa

ziam

nada

... va

i-se

busc

ar co

isas m

ais fo

rtes e

era

m,

com

treze

anos

já an

dava

m ag

arra

dos,

não é

...”(Ó

scar

, N21

)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

8

Corp

o (co

nt.)

Si

tuaçõ

es di

recta

mente

as

socia

das a

o con

sumo

(co

nt.)

• “(.

..)...

fui e

u qu

e ch

egue

i a u

ma a

ltura

em

que

já es

tava

num

esta

do, f

ísico

e p

sicoló

gico,

estav

a me

smo

de

rasto

s, já.

.. já

não

comi

a, co

mia

uma

refei

ção

por d

ia, q

uer d

izer,

não

é qu

e em

minh

a ca

sa...

felizm

ente

em

casa

tinha

... tin

ha co

mida

(...)

” (Ro

gério

, Q17

)

Corp

o 5.

Estig

ma

20

05

• “(.

..)…

agor

a [de

pois

de en

trar n

a co

munid

ade e

engo

rdar

] não

tenh

o ver

gonh

a de m

e olha

r ao e

spelh

o… m

as

també

m qu

ero v

er se

não p

asso

disto

...” (M

aria,

E34

; 35)

20

06

• “(.

..) a

ctualm

ente

deve

m pe

nsar

que

eu

cons

umo,

pelo

meu

aspe

cto d

evem

sab

er q

ue “e

stá a

con

sumi

r”...”

(C

ristin

a, F2

5);

• “(.

..) s

e olh

ar p

ara

mim

não

diz q

ue e

u so

u tox

icode

pend

ente?

(...)

Fica

a sa

ber q

ue é

uma

das

minh

as

para

noias

, o Jo

ão M

iguel

també

m já

diz q

ue à

s vez

es q

ue é

par

anoia

minh

a, e

eu a

cho

que

não

é, eu

ach

o qu

e às

vez

es a

s pe

ssoa

s ide

ntific

am q

ue a

s pe

ssoa

s sã

o tox

icode

pend

entes

, ou

que

são

adict

as d

e alg

uma

coisa

...” (C

ristin

a, F2

6)

• “(.

..)...

essa

mar

ca [d

a tox

icode

pend

ência

] eu

acho

que

é u

ma fe

rida

que

não

se co

nseg

ue sa

rar,

nós p

rópr

ios

é que

a tem

os de

sara

r aqu

i na n

ossa

cabe

ça, o

u seja

, com

muit

a for

ça de

vonta

de (.

..)” (

José

, G10

; 11)

• “(.

..) e

u de

itar-m

e a

pens

ar n

isso,

levan

tar-m

e a

pens

ar n

isso,

e... t

entar

adq

uirir

a tod

o o

custo

, de

qualq

uer

das

mane

iras,

(...)

porq

ue n

ingué

m ne

m me

que

ria a

trab

alhar

... co

m o

aspe

cto q

ue e

u tin

ha, e

ra im

poss

ível

(...)”

(Jos

é, G1

4a)

• “E

u se

i que

dan

tes n

ão m

e olh

avam

com

o me

olha

m ag

ora..

. já

me o

lham

difer

ente,

esto

u ma

is for

te,

acha

vam-

me co

iso, n

otava

m log

o, qu

alque

r pes

soa v

ia log

o... q

ue eu

anda

va na

drog

a...”

(Már

io, L2

4)

Auto

-imag

em

1. Pa

rage

ns

2005

“(...)

org

anize

i a m

inha

vida,

eu ti

nha..

. alug

uei c

asa,

comp

rei c

arro

... tin

ha a

minh

a vid

a or

ganiz

ada,

tinha

o

traba

lho, ti

nha a

minh

a vida

... e m

ais um

a vez

...” (J

aime,

B5; 2

8)

• “(.

..) e

u er

a o

único

que

aind

a es

tudav

a na

altu

ra...

dizia

para

eles

[os

meus

ami

gos].

.. eu

sem

pre

fui m

uito

desp

ortis

ta (..

.) e

tinha

o q

uarto

che

io de

não

à d

roga

(...)

todo

ess

e tip

o de

cois

as, e

ra c

omigo

... os

meu

s am

igos c

onsu

miam

dro

gas,

e eu

and

ava

semp

re d

e vo

lta d

eles..

. “eh

pá,

é pá

não

faça

m iss

o, pá

, (...)

[é] d

e

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

9

Auto-

imag

em

(cont.

)

Para

gens

(con

t.)

matar

, o qu

e é qu

e voc

ês an

dam

aqui

a faz

er”..

. “ (A

ntónio

, D1)

• “(.

..) m

as e

stive

bem

. Con

quist

ei o

meu

espa

ço, a

rranje

i o m

eu tr

abalh

o, (..

.) pu

s-me

numa

relaç

ão a

h...

espe

ctacu

lar...

tinha

tudo

... tin

ha c

ondiç

ões

para

ir b

usca

r os

meus

filho

s, e..

. de

repe

nte...

deite

i tud

o po

r ter

ra, tu

do...

e eu j

á sab

ia o q

ue er

a...”

(Mar

ia, E

5)

2006

“(...)

foi a

ssim

[que

come

cei a

cons

umir],

dep

ois fo

i ter q

uerid

o pa

rar,

vária

s vez

es, c

onse

gui p

arar

dois

ano

s e

meio

(...)

p’rai

quan

do ti

nha

vinte

e cin

co a

nos,

e de

pois

també

m já

cons

egui

um a

no e

meio

a s

eguir

…”

(Cris

tina,

F9)

• “(.

..) [E

stive

num

sitio

ond

e] Nã

o ha

via [d

roga

s], (.

..) n

as ilh

as (.

..) e

ntre

Fran

ça e

a In

glater

ra (.

..) e

entã

o aí

ness

a ilha

não t

inha d

roga

, (...)

” (Cr

istina

, F18

; 22)

;

• “(.

..) pa

rámo

s sem

pre o

s dois

(...)

um po

der p

arar

e o o

utro n

ão...

não p

ode s

er, e

ntão (

...) co

mo é

que e

stá um

pa

rado

e o o

utro a

o lad

o a da

r (...)

” (Cr

istina

, F37

)

• “(.

..) d

essa

vez [

que

estiv

e cá

] não

esta

va co

m o

João

Migu

el...

o Jo

ão M

iguel

ficou

em

casa

a re

ssac

ar, e

eu

fique

i aqu

i (...)

Não

resu

ltou

nada

... re

sulto

u o q

uê, r

esult

ou o

nde!.

.. não

, por

que

a ge

nte e

stamo

s tão

peg

ados

um

com

o outr

o, (..

.)” (C

ristin

a, F4

5)

• “(.

..) q

uatro

dias

foi o

máx

imo,

tenho

a im

pres

são

(...)

nesta

com

unida

de (.

..) já

nou

tras

não,

nas

outra

s (..

.) es

tivem

os a

qui tr

ês ve

zes,

já es

tivem

os m

ais tr

ês ve

zes n

outro

s sitio

s, sã

o cur

as de

dez

dias

, e qu

ando

entra

s nã

o po

des

sair

(...)

Eu p

refiro

este

[sist

ema]

(...)

se p

udes

se (.

..) fi

cava

mais

temp

o de

boa

von

tade

(...)”

(C

ristin

a, F4

7)

• “T

em s

ido u

ma lu

ta (..

.) en

tre m

im e

a to

xicod

epen

dênc

ia, n

ão é

(...)

e e

u ten

ho ti

do m

uita

força

de

vonta

de,

senã

o... n

ão es

taria

aqui,

não é

...” (J

osé,

G1a)

• “(.

..) fu

i-me

cons

eguin

do a

fastar

gra

dualm

ente

(...)

das

pess

oas

com

quem

eu

conv

ivia

(...)

dos

grup

os c

om

quem

eu co

nvivi

a (...)

” (Jo

sé, G

13)

• “(.

..) a

brim

os u

m ca

fézito

, sna

ck b

ar, n

ão é

, ond

e dá

vamo

s alm

oços

, e ja

ntare

s, (..

.) foi

bon

ito, e

foi b

om, m

as

ao m

esmo

temp

o foi

mau

, por

que

eu fu

i mais

um

sócio

, mon

támos

... mo

ntei a

quilo

mais

um

sócio

, e q

uand

o eu

me

aper

cebi

que

ele m

e an

dava

a e

ngan

ar, (

...) tiv

e qu

e....

mesm

o... f

echa

r aqu

ilo...

mas a

inda

sobr

evive

u do

is an

os, (

...) fo

i par

a aí

dos

vinte

e no

ve a

os tr

inta

e um

... qu

e eu

esti

ve a

trab

alhar

...foi

na fa

se, q

ue....

pr

ontos

... eu

junte

i-me

com

uma

moça

, e e

ntreta

nto d

epois

abr

i o e

stabe

lecim

ento,

com

outro

rapa

z... q

uand

o fec

hei o

estab

elecim

ento,

foi n

essa

fase

que e

u... q

ue eu

me m

eti na

toxic

odep

endê

ncia.

..” (J

osé,

G36;

37)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

10

Auto-

imag

em

(cont.

)

Para

gens

(con

t.)

• “(.

..) é

a te

rceira

des

intox

icaçã

o qu

e eu

faço

, aqu

i nes

te ce

ntro..

. foi

por i

nterm

édio

(...)

de u

ma se

nhor

a qu

e tra

balho

u co

m o

[dire

ctor

da

comu

nidad

e qu

e] tiv

emos

co

nhec

imen

to...

e en

trámo

s pa

ra

esta

co

munid

ade..

.(...)

A p

rimeir

a ve

z qu

e vim

, vim

com

a C

ristin

a...

estiv

emos

cerca

de

quatr

o dia

s, de

pois.

..(...)

Fom

os e

mbor

a... d

epois

volt

ámos

outr

a ve

z pa

ssad

o, sa

lvo e

rro, s

eis m

eses

... só

volt

ei eu

... es

tive q

uase

uma s

eman

a, de

pois

saí o

utra v

ez, d

epois

viem

os ag

ora o

utra v

ez...(

...)”(J

oão M

iguel,

H1)

• “..

. têm

um

empr

ego,

pron

to, vã

o pa

gand

o, vã

o an

dand

o co

m aq

uele

dinhe

iro a

comp

rar a

dro

ga q

ue fa

z falt

a, e

têm m

il e u

ma d

escu

lpas..

. e d

epois

é a

ssim

, apa

nham

um

perío

do d

e fér

ias, u

ma se

mana

ou

duas

que

têm

de fé

rias..

. “vo

u... v

ou-m

e tra

tar” (

...) e

u já

fiz is

so ta

nta ve

z tam

bém!

(...)

tudo

bem

, está

s aq

ui un

s dia

s, va

is pa

ra c

asa,

se ti

vere

s lá

em c

asa

algué

m qu

e te

contr

ole, d

e um

a ce

rta fo

rma,

com

um a

ntagó

nico,

com

uma

coisa

do g

éner

o, an

das a

li... t

rês o

u qu

atro

mese

s... d

epois

come

ças a

inve

ntar d

escu

lpas..

. “ah

, já e

stou b

om,

não p

recis

o do a

ntagó

nico”

e tal

(...)

é um

a for

ma de

regr

essa

r par

a ao p

é da f

amília

, “ah

agor

a des

ta é q

ue é”

, qu

em já

não

lhe

dava

dinh

eiro

já va

i com

eçar

a d

ar o

utra

vez,

vão

dar p

ara

um m

aço

de ta

baqu

ito, já

ajud

a, um

a pe

ssoa

que

tenh

a qu

inze

ou v

inte

euro

s pa

ra g

astar

, se

não

tiver

que

com

prar

taba

co, s

e só

tive

r que

co

mpra

r a do

se, m

eter-s

e no c

arro

...” (A

ntónio

, P17

)

• “M

as e

ntreta

nto, f

az-se

par

te do

... d

o es

quem

a... p

arte

do e

sque

ma o

u po

rque

... pr

onto,

já n

ão te

m sa

ida, a

pe

ssoa

já n

ão sa

be o

que h

á-de

faze

r, “o

nde é

que

vou

arra

njar d

inheir

o”, “

olha,

vou f

azer

uma

para

gem.

.. vou

faz

er um

a par

agen

zita!”

...” (A

ntónio

, P20

)

Auto-

imag

em

2. As

pect

os

mat

eriai

s

2005

“(...)

dep

ois a

vida

finan

ceira

tamb

ém n

ão e

stá...

nada

boa

...” (D

ário;

C15

a); “

... fui

leva

r o ca

rro p

ara

a ofi

cina,

não é

... e

depo

is o

patrã

o tiro

u-o

da o

ficina

... er

a pa

ra p

agar

ao

patrã

o (...)

como

deix

ei lá

de ir

traba

lhar..

. que

eu

não

deix

ei...

e nã

o ac

abou

de

paga

r aind

a (..

.) ce

nto e

tal e

uros

par

a pa

gar(.

..), o

patr

ão fi

cou

lá co

m o

carro

... ma

s... e

stá gu

arda

do...”

(Dár

io, C

32)

• “(.

..) [e

u] er

a mes

mo ve

rdinh

o naq

uilo..

. o di

nheir

o não

falta

va...

drog

a tam

bém

não..

.” (A

ntónio

, D7)

• “(.

..) a

gente

(...)

tínha

mos v

ários

negó

cios e

m co

mum

(...)

além

de se

rmos

irmão

s, ér

amos

sócio

s (...)

ficám

os

com

os ne

gócio

s que

eram

do no

sso p

ai..”

(Antó

nio, D

10)

• “(.

..) m

as s

empr

e na

retr

anca

, nun

ca q

uis a

brir

o jog

o... p

orqu

e as

pes

soas

ah..

. com

o o

sítio

era

de

resp

onsa

bilida

de, e

pun

ham-

me m

uito

dinhe

iro n

as m

ãos,

traba

lhava

com

quinz

e mi

l con

tos d

iariam

ente

(...)

“ (A

ntónio

, D21

; D22

)

• “(.

..) e

o m

eu p

ai (..

.) co

meço

u-me

a in

fluen

ciar,

e a

acha

r... “

Maria

, vai

para

a A

. [Pa

ís], p

orqu

e lá

ganh

as

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

11

Auto-

imag

em

(cont.

)

Aspe

ctos m

ateria

is (co

nt.)

bem”

...e n

ão s

ei qu

ê... e

eu,

como

sem

pre,

deixe

i-me

ir (..

.) po

rque

é a

ssim

... eu

dep

ois e

ntreta

nto s

oube

o

que

é qu

e ia

ganh

ar (.

..) m

il eur

os...

duze

ntos c

ontos

(...)

eu po

uco

meno

s tira

va o

nde

estav

a (..

.) eu

não

sei o

qu

e é qu

e me l

evou

a... a

... da

r tal

pass

o, ou

porq

ue nã

o quis

desa

utoriz

ar o

meu p

ai (..

.)” (M

aria,

E6a

)

• “E

com

(...)

a bra

nca,

com

a coc

aína p

ior ai

nda..

. qua

ndo c

hegu

ei cá

traz

ia din

heiro

...” (M

aria,

E10

) 20

06

• “(.

..) s

alaria

lmen

te, a

tabe

la é

mais

baixa

[par

a] Um

a pe

ssoa

que

não

tenh

a o

curso

… e

u po

r aca

so n

o me

u ga

binete

não

tenh

o es

se p

roble

ma, p

orqu

e so

u um

a da

s pe

ssoa

s qu

e ga

nha

mais

(...),

por

que

fui u

ma d

as

últim

as a

entr

ar. E

com

o fui

uma

das

últim

as a

entr

ar, e

eles

pre

cisav

am m

uito

de m

im, e

u dis

se a

eles

foram

eles

que

me

conv

idara

m pa

ra e

u ir

para

o g

abine

te (..

.) Eu

esta

va a

trab

alhar

, e e

u de

sped

i-me

de u

m ou

tro g

abine

te pa

ra ir

par

a aq

uele

gabin

ete, p

ortan

to eu

diss

e-lhe

s “se

voc

ês q

uiser

em d

ar x

is, e

u ac

eito,

venh

o-me

emb

ora,

e fic

amos

todo

s, se

você

s não

quis

erem

, eu

não

venh

o…” e

foi a

ssim

, eles

conc

orda

ram,

ele

s qu

isera

m, e

eu

ganh

o ma

is do

que

qua

se to

das

as p

esso

as, e

xcep

to p’r

ai du

as o

u trê

s, (..

.). S

em e

las

sabe

rem,

por

que

paga

m-me

um

xis p

or fo

ra, o

utro

xis, (

...) s

enão

hav

ia co

nfusã

o…po

rtanto

eu

no re

cibo

rece

bo um

xis,

no ba

nco d

epos

itam-

me um

ypsil

on.”

(Cris

tina,

F11)

• “T

enho

dívi

das,

(...)

que

cons

igo ir

pag

ando

(...)

até

que

há-d

e ch

egar

um

dia e

m qu

e, se

conti

nuar

na

minh

a sit

uaçã

o, (..

.) há

-de

have

r um

a ru

ptura

…es

pero

que

não

aco

nteça

iss

o, nã

o é

(...)

eu t

enho

que

pa

rar…

”(Cris

tina,

F49)

• “O

que

é q

ue já

per

di!...

Já p

odia

ter ta

nta c

oisa!

Já p

odia

ter a

minh

a ca

sa p

aga,

já po

dia te

r um

bruto

Me

rcede

s (...)

, uma

casa

no

Alga

rve (.

..) o

u no

Nor

te, (.

..) d

esde

os m

eus d

ezas

seis

anos

que

eu

traba

lho, p

or

isso,

veja

bem

o que

é qu

e eu j

á nã

o pe

rdi…

não t

enho

nada

, só t

enho

uma

casa

(...)

nem

está

toda p

aga (

...)”

(Cris

tina,

F50)

• “(.

..) p

or is

so é

que

eu

cheg

uei a

pon

tos q

ue n

ão a

dianta

va [v

iver f

ora

daqu

i, faz

er o

s tra

tamen

tos, t

raba

lhar],

en

tão e

u co

m o

dinhe

iro q

ue e

u ga

nhav

a, ne

m ch

egav

a tão

pou

co p

ara

anda

r aq

ui tod

os o

s dia

s no

s tra

tamen

tos ...

moro

ali, [

zona

em Li

sboa

] (...)

(Jos

é, G6

b)

• Eu

falo

um b

ocad

o po

r mim

.... n

ão fo

i um

muito

, muit

o... [

a pa

rte e

conó

mica

que

me

troux

e aq

ui] (.

..) m

as se

ca

lhar c

om o

s an

os a

dec

orre

rem,

já le

va a

ess

e ca

mpo,

porq

ue o

que

falo

com

os o

utros

, pen

so q

ue s

eja

essa

parte

...” (J

oão M

iguel,

H3)

• “P

enso

que

se a

drog

a fos

se...

sei lá

, ou..

. dad

a não

digo

mas

... a u

m pr

eço

mais

redu

zido

nas f

armá

cias..

. se

lá ho

uves

se...

acho

que

se ca

lhar..

. os t

oxico

depe

nden

tes n

ão a

larg

avam

, muit

os se

calha

r não

a la

rgav

am...

pens

o eu..

.”(Jo

ão M

iguel,

H4)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

12

Auto-

imag

em

(cont.

) As

pecto

s mate

riais

(cont.

) •

“Ten

ho q

ue tr

abalh

ar, p

ara

paga

r as

des

pesa

s qu

e te

mos..

. as

casa

s...(.

..) T

em s

ido s

empr

e tra

balho

...

semp

re no

mes

mo sí

tio...

e ela

també

m, gr

aças

a De

us...”

(Joã

o Migu

el, H

15)

• “(.

..) [E

stou

a pla

near

ir e

m Ma

io ao

meu

País

] ao

pass

o qu

e an

tes s

e ca

lhar a

inda

não

estou

mes

mo b

em

prep

arad

o, po

rque

tenh

o a

familia

, ten

ho m

ãe, t

enho

pai,

tenh

o qu

e lev

ar a

lgum

dinhe

iro, e

no

caso

vou

ver

qu

anto

é qu

e ia

arra

njar..

.. pa

ra fa

zer u

ma ca

sa lá

, talv

ez co

mo a

que

os m

iudos

estã

o, e

pron

to pa

ra in

iciar

qu

alque

r tra

balho

, par

a de

ixar q

ualqu

er tr

abalh

o ini

ciado

... po

rque

ali

para

o m

ês d

e Ma

io já

estou

mais

pr

epar

ado..

.” (D

ário,

J19)

• “(.

..) a

gente

comp

rámo

s cas

a (...)

Mas

ficou

ela c

om a

casa

, eu n

ão qu

is na

da...

para

a me

nina..

.”(Má

rio, L

36)

• “(.

..) n

ós e

stive

mos

a mo

rar,

dois

ou tr

ês m

eses

(...)

no

princ

ipio,

quan

do v

iemos

de

[país

estra

ngeir

o], p

ara

cá, P

ortug

al, e

stive

mos e

m ca

sa d

ela [s

ogra

] dois

ou

três m

eses

, ele

enco

ntrou

trab

alho

de e

stafet

a, co

meço

u a

traba

lhar,

e alu

gámo

s um

a ca

sa n

os F

.[loca

l] os

três

soz

inhos

, mas

a re

nda

da c

asa

era

muito

car

a, er

a qu

inhen

tos e

uros

, tod

os o

s me

ses

quinh

entos

eur

os m

ais o

com

er, a

águ

a, tud

o, pr

onto.

.. ma

s ele

, com

o

orde

nado

que e

stava

a ga

nhar

, che

gava

, mas

ficáv

amos

tamb

ém co

m mu

ito po

uco (

...)” (

Nela,

M5a

)

• “..

.o An

tónio

[mon

itor]

disse

-me

que

não

me p

reoc

upe

com

nada

, tod

a a

familia

[dele

] e u

ma se

nhor

a, (..

.) qu

e é d

o se

rviço

socia

l aqu

i (...)

SG

[loca

l], (..

.) e

falar

am co

m o

padr

e (...)

já tê

m ro

upinh

a, já

têm u

m ca

rrinh

o, (..

.) e

o Ós

car [

marid

o] (..

.) es

tava

mesm

o em

baix

o(...)

por

que

estav

a à

espe

ra (.

..) m

as a

inda

não

tem n

ada

de

dinhe

iro, e

sab

er q

ue o

beb

é es

tá qu

ase

para

nas

cer,

que

não

tem ro

upinh

as, n

ão te

nho

nada

(...)

e u

m dia

de

stes q

uand

o me

nos e

sper

ar, a

pare

ce p

ela p

orta,

pois

, nou

tro d

ia tro

uxer

am a

o J[f

ilho]

um sa

co e

norm

e de

br

inque

dos..

.”(Ne

la, M

36)

• ““t

enho

que

arra

njar d

inheir

o, se

não

vou

pass

ar m

al”, e

dep

ois a

rranja

m-se

aqu

elas

artim

anha

s, ro

ubar

não

, iss

o nu

nca

ande

i a ro

ubar

, mas

pro

nto, ia

muit

o à

Cova

da

Mour

a, qu

e é

que

eu fa

zia...

tinha

um

amigo

, (...)

qu

e tem

car

ro, e

ntrar

lá a

é um

boc

ado

comp

licad

o, po

rque

assa

ltos,

(...),

e n

ós tí

nham

os lá

um

conh

ecim

ento,

uma

pess

oa qu

e ven

dia, n

ós ía

mos d

e car

ro...

os ou

tros,

(...)

quer

iam a

drog

a, (..

.), tr

azíam

os e

leváv

amos

o d

inheir

o de

todo

s, íam

os lá

de

carro

, com

práv

amos

, e e

les, c

omo

era

algum

a qu

antid

ade,

ofere

ciam

um b

ónus

, (...)

ess

e bó

nus

dava

par

a eu

con

sumi

r, e

para

o o

utro..

. e tr

azíam

os p

ara

as p

esso

as,

pron

to... a

í já tir

ava [

a res

saca

]...” (

Rogé

rio, Q

16)

Auto-

imag

em

3. Di

scur

so so

bre o

pr

óprio

2005

“(...)

eu

era

uma

pess

oa m

uito

agita

da, u

ma p

esso

a... s

ei lá.

.. eu

era

uma

pes

soa..

. que

por

vez

es, r

eagia

me

smo m

al às

situa

ções

... e e

u apr

endi

aqui

a ser

uma p

esso

a mais

pond

erad

a (...)

“ (Ja

ime,

B9; 1

0)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

13

Auto-

imag

em

(cont.

) Di

scur

so so

bre o

próp

rio

(cont.

) •

“[Na

outra

com

unida

de](.

..) a

pren

di a

ser u

ma p

esso

a ed

ucad

a, (..

.) ap

rend

i a re

speit

ar o

esp

aço

das

outra

s pe

ssoa

s (...)

apre

ndi a

dar-m

e com

as pe

ssoa

s, (..

.) po

r mais

confu

sões

que t

ivess

e com

a pe

ssoa

(...)

apre

ndi

a nã

o cri

ar am

biente

s adv

erso

s par

a nin

guém

... ne

m co

migo

pró

prio

nem

com

ningu

ém (.

..) ap

rend

i a se

r uma

pe

ssoa

resp

eitad

ora e

resp

eitad

a... (

...) fu

i talve

z apr

ende

r o qu

e era

realm

ente

a con

fianç

a de p

arte

a par

te...”

(Ja

ime,

B24)

• “(.

.. ) e

u nã

o fal

to nin

guém

ao

resp

eito,

não..

. ten

ho a

minh

a po

stura

... até

gos

to de

pou

ca co

nver

sa, s

abe..

.” (D

ário,

C25

)

• “[T

enho

] Trin

ta e

cinco

[ano

s]...

já es

tá na

altu

ra d

e co

meça

r a te

r juíz

o... c

omeç

ar a

... a

ser e

u a

tomar

conta

da

minh

a vida

... nã

o é a

ela a

tomar

conta

de m

im...”

(Mar

ia, E

4)

• “(.

..) m

as q

uestõ

es (.

..) co

mo a

confi

ança

, com

o... a

minh

a pr

ópria

dign

idade

... os

meu

s prin

cípios

, ape

sar d

e nu

nca..

. os

ter

per

dido

totalm

ente.

.. ma

s mu

ita c

oisa,

acab

a po

r ar

rasta

r [co

m o

cons

umo].

.. eu

tinh

a co

nsciê

ncia

disso

tudo

... po

is fui

cair o

utra v

ez no

mes

mo er

ro...”

(Mar

ia, E

13)

2006

“Uma

pess

oa na

vida

tem

que t

er pl

anos

, tem

que t

er de

cisõe

s... s

e fica

r só n

a mes

ma ro

tina,

na m

esma

rotin

a me

smo e

sque

cido..

. ach

o que

não é

....”(D

ário,

J20)

• “[o

meu

mar

ido] e

le ag

arro

u-se

à B

iblia,

e a

gora

tamb

ém, t

odas

as

noite

s tem

a s

ua B

iblia

e lê

a Bi

blia

(...)”

(N

ela, M

33)

• “(.

..) e

eu

sou

uma

pess

oa q

ue, m

eu D

eus,

gosto

de

traba

lhar,

gosto

de

anda

r sem

pre

a tra

balha

r par

a aq

ui e

para

lá, m

as se

me d

izem

uma c

oisa,

gosto

que a

cump

ram.

..” (Ó

scar

, N7)

• “(.

..) eu

gera

lmen

te se

mpre

fui u

ma pe

ssoa

que g

ostei

de co

ntar c

om o

dia de

aman

hã...”

(Ósc

ar, N

14)

• “(.

..) n

ão n

os p

odem

os re

fugiar

na

drog

a... q

uand

o no

s pas

sam

estes

pro

blema

s, a

últim

a co

isa q

ue p

odem

os

fazer

é re

fugiar

na

drog

a...re

fugiar

na

drog

a nã

o no

s aju

da a

nad

a... a

juda

naqu

ele m

omen

to, m

as...

logo

no

outro

dia t

e lev

antas

, e te

ns o

mesm

o pro

blema

...” (Ó

scar

, N35

)

• “(.

..) a

quela

pes

soa,

aque

la pe

ssoa

que

a g

ente

tinha

per

dido

há…

mais

atrá

s, va

i com

eçan

do a

vir

ao d

e cim

a, e i

sso s

ente-

se, à

med

ida qu

e vam

os fa

zend

o retr

ospe

ctiva

s, va

i apa

rece

ndo,

muita

vez…

” (An

tónio,

P2)

Au

to-im

agem

4. Ra

zões

de

entra

da n

a co

mun

idad

e

2005

“[vim

par

a a

comu

nidad

e] pa

ra m

e se

para

r um

boca

do d

o álc

ool.

Porq

ue c

ause

i muit

os p

roble

mas

à mi

nha

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

14

Auto-

imag

em

(cont.

)

Razõ

es de

entra

da na

co

munid

ade (

cont.

)

família

, o ál

cool

e iss

o... ”

(Car

los, A

2)

• “(.

..) e

u já

estiv

e no

prin

cípio

disso

[um

a pe

ssoa

que

fica

mes

mo

depe

nden

te d

o álc

ool,

(...)

não

faz

nada

, rig

oros

amen

te n

ada,

nem

com

ele,

nem

com

os

outro

s], p

or is

so é

que

eu

pedi

para

... eu

não

ped

i par

a vir

pa

ra e

ste c

entro

, eu

pedi

a um

ami

go m

eu, o

MCM

lá d

e do

HC,

eu

disse

“olha

lá, a

rranja

-me..

. um

sitio

qualq

uer,

para

eu

ir... é

pá,

mas

o ma

is lon

ge a

qui p

ossív

el de

C. [

terra

ond

e viv

e], p

orqu

e aq

ui eu

saio

...”

(Car

los, A

12)

• “[d

epois

da

morte

da

Fátim

a e

da re

caída

]... a

ndei

na c

orda

bam

ba...

a pe

nsar

o q

ue é

que

que

ria fa

zer..

. e

então

... de

cidi v

ir viv

er p

ara

aqui

nova

mente

... en

tre o

utras

dec

isões

que

pod

ia ter

toma

do...

decid

i vir..

.” (Ja

ime,

B7)

• “(.

..) à

s ve

zes

o ra

paz

[amigo

trafi

cante

] che

gava

a c

asa

fecha

va a

por

ta...

tinha

dois

três

dias

fora

... e

eu

dorm

ia às

vez

es n

a ru

a, ou

não

sei

quê,

em c

asa

dos

amigo

s... p

ronto

, tam

bém.

.. co

m álc

ool t

ambé

m...

cheg

uei a

uma s

ituaç

ão qu

e tinh

a de p

edir s

ocor

ro...”

(Dár

io, C

3)

• “(.

..) d

epois

[de

tentar

a m

etado

na, e

não

resu

ltar]

fui te

r com

os m

eus

patrõ

es...

isto

há u

m an

o atr

ás (.

..), e

dis

se a

eles

“Eh

pá, o

lha...

eu já

não

agu

ento

mais.

.. já

ando

num

des

gaste

, já

... já

ando

a fi

car m

aluco

... e

vou

abrir

o jo

go...”

, “en

tão o

que

é q

ue se

pas

sa?”

... “e

h pá

, pas

sa-se

...” (.

..) e

les sa

biam

que

eu tin

ha tid

o um

pr

oblem

a co

m dr

ogas

(...)

ante

s de

ir pa

ra lá

(...)

“pá,

eu h

á do

is an

os p

ara

cá q

ue a

ndo..

. que

and

o ou

tra ve

z a

cons

umir..

.“...

“é, e

u sa

bia, e

stáva

-te fa

rto d

e...”,

aqu

ela c

onve

rsa d

o co

stume

... “p

á, ma

s só

que

isto

está

numa

altur

a, qu

e eu..

. (...)

ou pa

ro ag

ora,

ou en

tão (.

..) do

u cab

o de m

im, p

orqu

e eu (

...) já

não t

ou be

m, (.

..) já

o and

o bem

, a m

inha c

abeç

a já n

ão fu

ncion

a (...)

” (An

tónio,

D25

)

• “(.

..) e

[o cl

iente

conh

ecido

] falo

u-me

.... fa

lou-m

e no

Rod

rigo

[mon

itor]

(...)

“o R

odrig

o ...

é pá

ele

está

à fre

nte

de u

m Ce

ntro,

e nã

o se

i quê

....”,

minto

ele

prim

eiro

diz-m

e as

sim...

“oh

Maria

, tu

(...)

nunc

a pe

nsas

te em

ir

para

um C

entro

?”...

“Pá j

á, po

r aca

so já

... já

estiv

e na

quela

de ir

para

a R

ETO,

ou pa

ra a

REMA

R... e

h pá m

as

é as

sim....

eu

fazer

… e

u faz

er (.

..) u

ma c

ura

a frio

, não

me

ague

nto...

quer

dize

r, eu

ach

o qu

e....

não

me

ague

nto (.

..) m

as ol

ha, e

m últ

imo c

aso e

u esto

u a ve

r que

…”(M

aria,

E20

) 20

06

• “P

orqu

e es

tou d

e fér

ias, e

que

ria-m

e (..

.), p

ura

e sim

plesm

ente

deixa

r de

me d

roga

r, (..

.) po

rque

cada

vez e

u ten

ho m

enos

(...)

cad

a ve

z as

cois

as s

ão m

ais c

aras

, cad

a ve

z há

men

os d

inheir

o, (..

.) ca

da ve

z ten

ho m

ais

dívida

s, (..

.)” (C

ristin

a, F2

8a)

• “P

ortan

to eu

(...)

and

ava

na to

xicod

epen

dênc

ia, e

atra

vés (

...) d

uma

institu

ição

que

está

ali p

ara

C. [lo

cal],

(...)

uma

equip

a de

rua

, (...)

falar

am c

omigo

, e p

ergu

ntara

m-me

se

eu n

ão e

stava

inter

essa

do e

m faz

er a

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

15

Auto-

imag

em

(cont.

) Ra

zões

de en

trada

na

comu

nidad

e (co

nt.)

desin

toxica

ção,

e eu

diss

e qu

e “co

ncer

teza

que

sim, e

ntão,

estou

farto

des

ta vid

a..”.

(...)

um...

mexe

u os

co

rdeli

nhos

par

a eu

dar

entr

ada

aqui

no c

entro

... fiz

as

análi

ses,

o ra

io x,

as c

oisas

toda

s, pr

onto,

a v

er s

e tin

ha al

gum

prob

lema,

e ass

im qu

e hou

ve va

ga, e

ntrei

(...)

em 20

04 (.

..) eu

prati

came

nte es

tou cá

desd

e 200

4, en

trei e

m Ju

nho

de 2

004,

(...)

não

me te

nho

distan

ciado

da

comu

nidad

e (..

.) vo

u só

a ca

sa, e

vou

lá às

veze

s qu

inze d

ias ou

um m

ês, m

as re

gres

so se

mpre

.” (Jo

sé, G

1)

• “E

u ach

o (...)

que o

que l

eva o

toxic

odep

ende

nte a

cura

r-se,

norm

almen

te, é

a par

te ec

onóm

ica...

pens

o que

...

pouc

a ge

nte d

eve

falar

niss

o, ma

s ach

o qu

e re

sume

-se q

uase

semp

re a

isso

... pe

nso

que

seja

isso..

.” (Jo

ão

Migu

el, H

2)

• “(.

..) n

ão g

ostav

a da v

ida q

ue le

vava

(...)

” (Jo

ão M

iguel,

H4b

); [A

Cris

tina

com

quem

vivo

] tem

um fil

ho o

que

é co

mplic

ado,

em ca

sa...

tínha

mos m

esmo

de no

s cur

ar...”

(Joã

o Migu

el, H

6)

• “A

gen

te mo

rava

no

B[loc

al]...

agor

a vim

mor

ar a

qui p

ara

a mi

nha

tia, p

ara

o me

u tio

, têm

-me

ajuda

do, m

as

desta

vez v

im m

esmo

faze

r a cu

ra p

orqu

e já

estav

a qu

ase

no fim

... foi

por

ess

e mo

tivo..

. se

não

me tr

atass

e ag

ora,

já nã

o hav

ia na

da a

fazer

...”(M

ário,

L5)

• “(.

..) n

ós e

stáva

mos

a mo

rar n

a ca

sa d

a mi

nha

sogr

a, en

tão h

avia

chati

ces,

ela n

ão s

e da

va b

em c

omigo

, dis

cutia

mos s

empr

e e el

a tinh

a cium

es, e

ela n

ão m

e que

ria em

casa

, não

gosta

va de

mim

. Entã

o eu f

alei c

om

a as

sisten

te so

cial d

o CA

T, s

e po

dia a

rranja

r-nos

uma

com

unida

de, t

ambé

m an

dáva

mos

com

a me

tadon

a, es

távam

os h

á um

mês

sem

as d

roga

s, en

tão p

edim

os e

apr

oveit

ámos

a o

portu

nidad

e de

vir p

ara

aqui

para

a

comu

nidad

e (..

.)” (N

ela, M

1); “

(...)

quan

do a

conte

ceu

a dis

cuss

ão [c

om a

minh

a so

gra],

mete

ram-

nos

numa

pe

nsão

até

que

na q

uarta

-feira

, o d

ia qu

e tín

hamo

s ma

rcado

par

a qu

e vié

ssem

os p

ara

cá, a

té qu

arta-

feira

tiv

emos

que

esp

erar

par

a ing

ress

ar n

a co

munid

ade,

e es

tivem

os u

ma se

mana

em

duas

pen

sões

dife

rente

s...”

(Nela

, M10

)

• “(.

..) a

gora

a m

ãe [d

o Ós

car]

em ci

ma d

e tud

o [es

tar a

faze

r a su

bstitu

ição

com

a me

tadon

a], e

stava

lá to

dos

os d

ias a

cha

tear-n

os, e

eu

falei

com

ele [o

mar

ido, Ó

scar

], ela

aga

rrou-

me e

tudo

, foi

uma

ques

tão d

e lut

a, me

smo,

cheg

ámos

a lut

ar, m

esmo

, ela

marco

u-me

todo

o co

rpo,

e eu d

ecidi

sair d

a cas

a (...)

” (Ne

la, M

4; M5

)

• “P

ronto

s, a

minh

a fin

alida

de fo

i con

segu

ir lar

gar a

s dr

ogas

. Foi

atrav

és d

e um

a pe

ssoa

ami

ga, q

ue e

ra o

Ro

drigo

[mon

itor],

pro

nto, h

ouve

um

dia q

ue e

u fal

ei co

m ele

e e

le dis

se-m

e pa

ra e

u vir

, mes

mo, v

im, e

estou

...” (R

ogér

io, Q

1)

Auto-

imag

em

5.

Papé

is na

co

mun

idad

e

2005

“(...)

então

actua

lmen

te so

u a pe

ssoa

abaix

o do R

odrig

o, (..

.) ele

é o m

onito

r, é r

espo

nsáv

el po

r isto,

e eu

tento

aju

dar n

outra

s situ

açõe

s, em

que

ele

não

pode

esta

r pre

sente

(...)

ger

ir a

casa

, e g

erir

o am

biente

da

casa

...“

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

16

Auto-

imag

em

(cont.

) Pa

péis

na co

munid

ade

(cont.

) (Ja

ime,

B14)

; “...

a ge

rir, n

o se

ntido

de

have

r bom

amb

iente,

não

hav

er c

onflit

os, n

ão h

aver

... ou

seja

, é...

pron

to, m

aus a

mbien

tes, m

ais is

so...

não h

aver

confu

sões

, não

...”(Ja

ime,

B15)

20

06

• “(.

..) e

u ap

rend

i atra

vés

da v

ida, (

...) v

árias

cois

as, e

u aq

ui de

ntro

dese

mpen

ho v

ários

pap

eis, (

...) c

omo

já re

paro

u (...)

agor

a actu

almen

te es

tou a

fazer

a co

zinha

(...)

[mas

] faço

tudo

....pin

to... p

intur

as....

” (Jo

sé, G

25)

• “[o

meu

filho

faz a

nos e

] eu

próp

rio é

que

estu

dei a

saída

... co

mbine

i com

o A

ntónio

, e e

le dis

se “e

h pá

ó Jo

tu va

is qu

ando

te a

petec

er, e

ntão,

tens d

ireito

aos

fins d

e se

mana

todo

s...”,

e e

u dis

se “e

h pá

, olha

, é a

ssim

, pa

ra tu

ficar

es m

ais d

esca

nsad

o, é

assim

, o o

utro

não

está

cá, o

Fra

ncisc

o, nã

o ten

s aí n

ingué

m qu

e te f

aça

a co

zinha

, e é

ass

im, i

sto ta

mbém

mex

e um

boc

ado

comi

go, (

...) a

coz

inha

está

segu

ra, e

nqua

nto e

u cá

es

tiver

... qu

ando

eu

for a

cas

a ou

num

fim

de s

eman

a ou

qua

lquer

cois

a, ne

ssa

altur

a, eh

pá,

olha..

. de

senr

asqu

em-se

...” (J

osé,

G44)

• “(.

..) é

que

nós

aqu

i tem

os t

ratad

o da

cas

a...

muita

cois

a, mu

ita c

oisa,

havia

muit

a co

isa q

ue e

stava

es

traga

da...”

(Nela

, M20

)

• “(.

..) P

ara m

im é

mais

fácil

lidar

com

muita

gen

te, do

que c

om po

uca g

ente.

Ach

o… po

rque

é as

sim, s

e tive

r cá

pouc

a ge

nte, e

u dif

icilm

ente

cons

igo d

ividir

a m

inha

resp

onsa

bilida

de p

elos o

utros

, por

que

há p

ouco

s, nã

o dá

, as

sim q

uanto

mais

gen

te tiv

er,

divido

as

minh

as r

espo

nsab

ilidad

es t

ambé

m…”(A

ntónio

, P1

1);

“(...)

, a

manu

tençã

o da

casa

, a p

arte

ali d

a ho

rta, o

s anim

ais, e

m ve

z de

ter u

ma p

esso

a… re

pare

, aten

ção,

tem q

ue

se fa

zer,

tem qu

e se a

ndar

semp

re a

dizer

, “va

is faz

er…

”, as

sim to

rna-

se m

ais fá

cil, “

olha t

u…”(A

ntónio

, P12

)

• “N

os p

rimeir

os d

ias, a

s pes

soas

que

cá e

stão,

estão

sem

obrig

açõe

s, pa

ra já

estã

o em

per

íodo

de a

dapta

ção,

e du

rante

ess

e pe

ríodo

é q

ue u

ma p

esso

a mo

stra-

se, s

em q

uere

r vai-

se m

ostra

ndo…

entã

o de

pois,

a p

artir

daí a

gente

expe

rimen

ta (ri

sos)

…”(A

ntónio

, P13

) Au

to-im

agem

6. Sa

ída d

a co

mun

idad

e

2005

“(...)

se

me d

er n

a ca

beça

, daq

ui a

boca

do p

ego

na m

ala, p

asse

m be

m e

vou-

me e

mbor

a... s

ó qu

e eu

sei

que..

. não

me

sinto,

par

a já

não

me si

nto p

repa

rado

, por

que

não..

. não

... nã

o vo

u be

nefic

iar e

m na

da e

m sa

ir já,

e de

pois

se sa

ísse d

aqui,

bom.

..[ia]

arra

njar d

inheir

o par

a ir p

ara o

alco

ol...”

(Car

los, A

9)

• “(.

..) an

dava

aqui

(...)

ia pa

ra o

meu t

raba

lho, s

aía, v

inha c

á... p

ronto

, de v

ez em

quan

do to

mava

uns c

opinh

os,

às ve

zes c

om u

m ch

eirinh

o, nã

o se

i quê

... e

depo

is se

ntiam

... aq

uele

cheir

inho,

e nã

o se

i quê

... de

pois.

.. e..

. co

meça

ram

a tel

efona

r [ao

dire

ctor d

a co

munid

ade],

e n

ão se

i quê

, que

eu

anda

va...

anda

va a

ssim

... bo

m,(..

.) fiz

eram

isso

[uma

s] trê

s ou

qua

tro v

ezes

... até

que

... pr

onto,

che

gara

m a

uma

conc

lusão

... qu

e eu

sen

ti-me

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

17

Auto-

imag

em

(cont.

) Sa

ída da

comu

nidad

e (co

nt.)

mesm

o per

segu

ido, n

ão se

i quê

... qu

e tinh

a que

sair(

...) eu

não m

e sint

o bem

aqui.

.. saí.

(Dár

io, C

18)

2006

“(...)

agor

a ima

gine,

eu sa

ir da

qui, n

o dia

trinta,

cheg

o no d

ia trin

ta, vo

u tra

balha

r no d

ia trin

ta e u

m, de

ste m

ês,

dia tr

inta

quan

do fo

r ao

banc

o já

lá ten

ho o

meu

ord

enad

o, nã

o é?

E...

o qu

e é

que

me v

ai ap

etece

r faz

er?

...(Cr

istina

, F32

)

• “N

ão d

á po

rque

olhe

, que

m é

que

vai t

raba

lhar p

or m

im?

Ning

uém.

Que

m é

que

me v

ai pa

gar a

cas

a, nin

guém

. Por

tanto,

vou

ter m

esmo

que

ir tr

abalh

ar, P

orqu

e se

não

não

vou

ter d

inheir

o pa

ra p

agar

as m

inhas

co

isas,

(...)

“ah

se ca

lhar m

ais va

lia n

ão tr

abalh

ar, d

o que

ir lá

dar

na

drog

a…”,

eh p

á mas

o q

ue é

certo

é qu

e eu

conti

nuo a

dar n

a dro

ga e

conti

nuo a

ter a

s minh

as co

isas,

não é

...”(C

ristin

a, F4

8)

• “(.

..) n

o no

sso

caso

é co

mplic

ado

porq

ue n

ós tr

abalh

amos

... no

rmalm

ente

não

temos

baix

a... n

ós e

stamo

s de

férias

, ago

ra, a

prov

eitám

os pa

ra vi

r... o

[dire

ctor d

a com

unida

de] a

té no

s deu

baixa

, a m

im, m

as eu

não q

uis a

baixa

... ma

s é

comp

licad

o (..

.) Vo

u fic

ar a

té...

até d

ia trin

ta, d

ia um

tenh

o qu

e ir

traba

lhar..

. a b

aixa

é só

du

rante

os m

eses

, doz

e dia

s... q

ue e

ra p

ara

depo

is po

der t

er a

s fér

ias o

utra

vez (

...) P

refer

i não

por

a b

aixa..

. nã

o, nin

guém

tem

que s

aber

que e

u esto

u doe

nte...”

(Joã

o Migu

el, H

10)

• “(.

.. ) t

enho

que

ir à

minh

a mé

dica

de fa

mília

, por

cau

sa d

a ba

ixa (.

..), a

baix

a é

mais

para

o fu

ndo

de

dese

mpre

go, p

ara n

ão fa

zer u

ma po

ssíve

l con

voca

ção..

.” (Jo

sé, G

45)

• “(.

..) j

á es

tive

para

ir-m

e em

bora

, ma

s o

Antón

io [m

onito

r] dis

se-m

e log

o “va

is pa

ra a

rua

, va

is-te

desg

raça

r...”(

Mário

, L28

)

• “(.

..) e

u qu

ando

sai d

aqui

da o

utra

vez e

les d

isser

a-me

logo

“olha

Rog

ério,

tu va

is-te

embo

ra, m

as o

s dias

que

es

tives

te cá

não

são

sufic

ientes

...tu,

os a

nos q

ue a

ndas

te nis

so, e

stive

ste cá

este

temp

o só

, tu

mais

cedo

ou

mais

tarde

vais

lá ca

ir... ”

, e fo

i ver

dade

...” (R

ogér

io, Q

19);

“Ach

ei qu

e não

... es

tava c

onve

ncido

que c

hega

va lá

for

a, e

que..

. não

, aliá

s, qu

ando

sai d

aqui

pens

ei “n

ão, n

ão vo

u toc

ar e

m na

da....

vou..

.”, e

stava

-me

a en

gana

r a m

im pr

óprio

...” (R

ogér

io, Q

20)

Carre

ira m

oral

1. In

evita

bilid

ade d

o co

nsum

o

2005

“(...)

por

que

uma

coisa

que

eu..

. que

é is

so q

ue m

e faz

con

fusão

... é

as p

esso

as s

erem

men

tirosa

s co

m ela

s... e

u nã

o so

u me

ntiro

so c

omigo

, eu

sei, e

u se

i, eu

digo

isto

na fr

ente

deles

e ch

oco-

os, e

u dig

o-lhe

s [às

ou

tras

pess

oas

na c

omun

idade

]: eu

, qua

ndo

sair

daqu

i, eu

vou

beb

er, p

orqu

e eu

sei

que

vou

bebe

r (...)

” (C

arlos

, A10

)

• “(.

..) e

eu

estav

a co

nscie

nte (.

..) d

o er

ro q

ue e

stava

a fa

zer..

. eu

sabia

de

tudo,

eu...

sabia

que

ia c

omeç

ar a

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

18

Carre

ira m

oral

(cont.

) Ine

vitab

ilidad

e do c

onsu

mo

(cont.

) so

frer o

utra

vez,

que

ia po

r em

risco

aqu

ilo tu

do q

ue e

u tin

ha c

onqu

istad

o... e

que

me

custo

u... e

que

me

custo

u (...)

não m

e esto

u a re

ferir s

ó a be

ns m

ateria

is (..

.)” (M

aria,

E12

) 20

06

• “(.

..) a

cois

a an

da n

a po

pulaç

ão e

m ge

ral...

“oh,

pá, i

sso

é mu

ita d

ificil”.

.. “is

so n

unca

mais

eles

sae

m de

ssa

vida”

, “en

tão e

o n

ão-se

i-qua

ntos..

. ele

este

ve n

ão-se

i-ond

e, es

teve

não-

sei-o

nde..

.”...

o pr

oblem

a é

que

as

pess

oas..

. há

uma

altur

a qu

e re

sulta

, e re

sulta

com

todos

, por

que

há a

altu

ra e

m qu

e a

próp

ria p

esso

a diz

“eh

pá, e

sta vi

da...

esta

vida c

hega

”...”

(Antó

nio, P

19)

• “(.

..) d

epois

não

sabia

o q

ue e

ra e

star a

garra

do a

quilo

, eu

via o

s outr

os e

lemb

ra-m

e de

come

ntar e

stes g

ajos

são

parvo

s, sa

bem

o qu

e ist

o faz

, pro

ntos,

via a

quela

hist

ória

do e

stado

a q

ue a

s pes

soas

cheg

avam

, a p

arte

física

, e

tudo,

e de

rep

ente

dizia

semp

re,

“não

eu

comi

go is

to nã

o va

i aco

ntece

r”, q

ue e

u nã

o vo

u...

expe

rimen

tei, m

as se

mpre

naq

uela,

não

isto,

eu

expe

rimen

to ho

je ma

s lar

go, e

aca

bou,

quan

do d

ei po

r ela,

estav

a, (..

.)” (R

ogér

io, Q

6a)

Carre

ira m

oral

2. To

xicod

epen

den-

tes e

alco

ólico

s

2005

“(...)

eu

quan

do m

e re

fugio

no á

lcool,

(...)

nor

malm

ente

é pa

ra e

sque

cer

qualq

uer

coisa

... qu

ando

and

o ch

atead

o, nã

o vo

u ter

com

ami

gos

nem

com

ningu

ém, é

logo

par

a o

alcoo

l, e

é log

o pa

ra o

whis

ky, q

ue é

a

bebid

a que

eu go

sto m

ais (.

..).”

(Car

los, A

4)

• “(.

..) u

m álc

oolic

o é

um in

dividu

o....

eu já

fui,

já pu

de u

ltrapa

[ssar

]... ch

egue

i mes

mo a

o lim

ite, u

m álc

oolic

o é

uma

pess

oa q

ue fi

ca m

esmo

dep

ende

nte d

o álc

ool,

não..

. não

faz

nada

, rigo

rosa

mente

nad

a, ne

m co

m ele

, ne

m co

m os

outro

s, na

da...

só...

só be

be ál

cool,

não é

... nã

o vê m

ais na

da...”

(Car

los, A

11)

• “(.

..)…

um

drog

ado

torna

-se u

m me

ntiro

so n

ato!…

isto…

a g

ente

conv

ence

-se d

as p

rópr

ias m

entira

s (..

.) [qu

ando

nos

con

venc

emos

das

pró

prias

men

tiras]

pass

amos

a s

er a

quilo

que

som

os re

almen

te… é

uma

mu

danç

a mu

ito m

uito…

inclu

sivam

ente,

é a

ssim

… e

u es

tou fa

rta d

e diz

er is

to aq

ui, e

… to

das a

s pes

soas

que

an

dara

m a

cons

umir

dizem

o m

esmo

, … n

ós q

uand

o es

tamos

dep

ende

ntes…

nós

temo

s um

a im

agina

ção

para

arra

njar d

inheir

o, qu

e é

(...)

uma

coisa

impr

essio

nante

… n

ós n

ão te

mos

verg

onha

de

nada

, a g

ente

inven

ta… e

u nã

o se

i ond

e é

que

vamo

s ar

ranja

r (...)

tanta

cois

a, tan

to pr

etexto

, tan

ta im

agina

ção…

” (Ma

ria,

E22)

• “a

gente

às ve

zes d

eturp

a um

boca

do a.

.. qua

ndo a

nda n

a vida

... de

turpa

a... a

confi

ança

é... é

... qu

em no

s dá

é que

confi

o, nã

o é...”

(Jaim

e, B2

5)

• “(.

..) fo

ra d

a dr

oga…

nós

não

cons

eguim

os fa

zer n

ada…

mas

rigo

rosa

mente

nad

a…nã

o… (.

..) a

quele

s meio

s,

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

19

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Toxic

odep

ende

ntes

e

alcoó

licos

(con

t.)

aque

les tr

uque

s, (..

.) nó

s não

faze

mos…

a n

ão se

r qua

ndo

as p

esso

as já

são

assim

por

natu

reza

, pro

nto (.

..)

quan

do so

mos o

briga

dos a

toma

r ess

as a

titude

s (...)

por

que

estam

os m

al, p

orqu

e tem

os u

ma d

epen

dênc

ia…

e pre

cisam

os d

aquil

o… nó

s arra

njamo

s sem

pre f

orma

de o

cons

eguir

… eu

por e

xemp

lo, eu

a co

nsum

ir eu s

ou

desc

arad

a… m

as so

u me

smo

desc

arad

a, nã

o ten

ho v

ergo

nha

nenh

uma,

e na

volta

qua

ndo

não

cons

umo

eu

até c

oro…

(...)

vi-m

e em

situ

açõe

s (..

.) qu

e eu

hoje

digo

ass

im, “

eh p

á, se

eu

… s

e eu

tive

sse

de fa

zer i

sso

agor

a (...)

eu ac

ho qu

e não

cons

eguia

…”(M

aria,

E23

) 20

06

• “(.

..) a

cho

que

um to

xicod

epen

dente

regr

essa

mes

mo...

reca

i mes

mo p

orqu

e go

sta d

a dr

oga..

. ach

o eu

... se

o go

stass

e nã

o vo

ltava

nov

amen

te, n

ão é

? Nã

o tin

ha ló

gica,

uma

pess

oa, (

...) e

star a

faze

r uma

coisa

que

o go

sta, s

ó pa

ra d

izer o

quê

? Qu

e se

dro

ga?

(...)

Uma

pess

oa (.

..) te

m qu

e ter

uma

sen

saçã

o qu

alque

r! Se

não

as p

esso

as n

ão s

ão e

stúpid

as d

e da

rem.

.. mi

lhare

s de

con

tos, p

ara

(...)

não

senti

rem

nada

, não

é?!

Para

não

se se

ntire

m be

m! P

ortan

to aq

uilo

tem q

ue te

r uma

contr

apar

tida,

tem q

ue te

r um

balan

ço...

aquil

o é

tão ca

ro, m

as se

se fu

mar,

se e

xper

imen

tar, a

quilo

uma

sens

ação

de

bem

estar

, por

tanto

aquil

o é

bom

(...)

só q

ue é

bom

num

a ce

rta fo

rma,

é bo

m ma

s tam

bém

é ma

u, po

rque

pro

voca

maz

elas e

coisa

s a lo

ngo

praz

o, ma

s ach

o qu

e tod

os o

s tox

icode

pend

entes

se d

roga

m po

rque

que

rem,

e vo

ltam-

se a

dro

gar p

orqu

e qu

erem

, e

porq

ue v

ão e

star b

em, n

ão é

com

desc

ulpas

de

“ah,

acon

teceu

-me

isto,

acon

teceu

-me

aquil

o”, n

ão, é

po

rque

já e

stá, m

etido

... es

tá já

mesm

o de

ntro,

não

sei,

acho

que

é d

ificil u

m tox

icode

pend

ente

recu

pera

r...

não é

impo

ssíve

l, mas

é dif

icil (.

..)” (

Crist

ina, F

16)

• “(.

..) e

x-tóx

icos

não

exist

em, p

ara

mim

não

me ve

nham

com

essa

“ah,

eu so

u ex

-tóxi”

... aq

uilo,

a pe

ssoa

fica

ma

rcada

para

toda

a vid

a (...)

” (Jo

sé, G

8; 9)

• “co

m es

sa g

ente.

..pou

co s

e po

de tr

abalh

ar (.

..) n

ós já

fomo

s tox

icode

pend

etes

e go

stamo

s da

s co

isas

do

mund

o... c

omo s

e dizi

a, e é

norm

al, va

i-se a

o cine

ma e

gosta

-se de

fuma

r um

cigar

ro...

e dep

ois o

resp

onsá

vel

dizia

que

não..

. dep

ois co

meça

va a

hav

er ta

baco

den

tro d

e ca

sa, c

omeç

ava

a ha

ver b

ebida

s, e

não

sei q

uê, e

eu

diss

e “nã

o”...”

(Ósc

ar, N

11)

Carre

ira m

oral

3. Tr

abalh

ar e

cons

umir

drog

as/

álcoo

l (lá

fora

)

2005

“(...)

estiv

e lá u

m an

o [a t

raba

lhar n

o res

taura

nte]...

nove

mes

es no

activ

o, e t

rês m

eses

de ba

ixa...”

(Jaim

e, B2

)

• “(.

..) tr

abalh

ava..

. não

todo

s os d

ias, a

ssim

segu

idos,

mas..

. há

dias q

ue e

u vou

, há d

ias qu

e não

vou..

. por

que

eu n

ão g

osto

de b

eber

na

obra

... be

ber..

. beb

o for

a de

obr

a... a

obr

a co

mo v

ocê

sabe

é a

ndaim

e, e

não

sei

quê..

.” (D

ário,

C4)

• “(.

..) fi

co e

mpre

gado

num

a fáb

rica,

de u

m gr

upo,

ali d

a zo

na, t

inha

uma

vida

boa,

uma

vida

estab

ilizad

a,

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

20

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Trab

alhar

e co

nsum

ir dr

ogas

/ álco

ol (lá

fora

) (co

nt.)

estav

a a

traba

lhar l

á no

s esc

ritório

s, e

tal (.

..) e

ntreta

nto, q

ue é

que

eu

faço..

. tinh

a ho

ra e

meia

de

almoç

o...

traba

lhava

em

A. [l

ocal]

meti

a-me

na..

. na

ponte

(...)

, vinh

a ao

Cas

al Ve

ntoso

... fiz

este

traje

cto d

uran

te um

an

o e

tal, u

m an

o e

meio.

.. a

esco

nder

de

tudo

e de

todo

s... (

...) e

u co

nsum

ia...

eu c

onsu

mia

em c

ima

da

ponte

... o

carro

a ce

nto e

sess

enta

à ho

ra...

as p

erna

s no

volan

te, e

vinh

a... a

cons

umir

pelo

cami

nho

(...)

não

almoç

ava..

.. os

patr

ões

pens

avam

que

eu

estav

a a

almoç

ar (.

..) a

té qu

e ch

ega

a um

a alt

ura

em q

ue o

car

ro

come

ça a

fica

r des

gasta

do, j

á nã

o se

con

segu

e faz

er n

uma

hora

e m

eia, j

á co

meça

-se a

che

gar a

trasa

do,

tem-se

a re

spon

sabil

idade

de

abrir

o e

scritó

rio, n

ão tá

lá a

hor

as...

cheg

a lá

está

os co

legas

todo

s à e

sper

a...

e com

eça a

dar b

arra

ca.”

(Antó

nio, D

20)

• “(.

..) d

epois

[de

come

çar a

con

sumi

r], fa

lei c

om o

meu

patr

ão (.

..) “Ó

Á.,

isto

assim

não

pod

e se

r, po

rque

eu

estou

a tr

abalh

ar u

ma m

édia

de ca

torze

hor

as p

or d

ia (..

.) pa

ra e

star a

gan

har d

uzen

tos co

ntos”

(...)

eu tin

ha

altur

as q

ue n

ós fe

chav

amos

a g

elatar

ia...

duas

três

da

manh

ã (..

.) Tí

nham

os u

ma h

ora

para

o a

lmoç

o, e

uma

hora

par

a o

jantar

(...)

O pe

quen

o alm

oço,

era

tomad

o na

gela

taria,

e tí

nham

os q

ue fa

lar c

om u

ma c

olega

, pa

ra...

para

ficar

no

balcã

o (..

.) no

nos

so lu

gar (

...) E

era

(...)

come

r muit

o rá

pido,

muito

dep

ress

a pa

ra d

epois

irm

os o

utra

vez..

. só

no b

alcão

está

vamo

s qu

atro

pess

oas

(...)

pron

to, a

quilo

com

eçou

a s

er...

a se

r muit

o sa

turan

te pa

ra m

im...

quer

dize

r... o

per

curso

da

gelat

aria

até a

o qu

arto

(...)

que

aquil

o er

a um

a pe

nsão

... on

de e

stava

m lá

vária

s pe

ssoa

s alo

jadas

(...)

num

a sit

uaçã

o no

rmal

era

dez

minu

tos...

e eu

‘tive

altu

ras

que

demo

rei m

eia h

ora

para

che

gar a

cas

a...po

rque

eu

já nã

o me

agu

entav

a da

s pe

rnas

, (...)

dav

a do

is ou

três

pa

ssos

ass

entav

a-me

num

lanc

il... já

não

agu

entav

a me

smo

(...)

pron

to, e

ntão

falei

com

ele e

diss

e “E

h pá

, ó

Á., i

sto n

ão p

ode

ser..

. por

que

é as

sim...

eu e

stou

a tra

balha

r da

mane

ira c

omo

estou

a tr

abalh

ar...

pá, e

os

duze

ntos c

ontos

não

cheg

am...

mil e

uros

não

cheg

am, d

e ma

neira

nen

huma

, entã

o... p

ara

isso

vou

para

(...)

Po

rtuga

l (...)

eu

sei q

ue....

nun

ca...

que

cheg

ava

a tra

balha

r as c

atorze

hor

as cá

(...)

par

a ga

nhar

[o m

esmo

]...

de m

aneir

a ne

nhum

a (..

.) Pr

onto,

aqu

ilo h

ouve

ali u

m...

confl

ito, e

ntre

mim

e ele

... ele

não

quis

ced

er...

e eu

tam

bém

não

quis

cede

r... e

entã

o pe

guei

nas

minh

as c

oisas

e v

im-m

e em

bora

(...)

que

(...)

já tra

zia o

bic

ho...

eu já

tinha

o bic

ho, c

omo e

u cos

tumo d

izer,

não é

... eu

já...

já co

nsum

ia (..

.)” (M

aria,

E9)

• “(.

..) s

aíamo

s da

gela

taria,

nós

(...)

tính

amos

(...)

fard

a, qu

er d

izer,

(...)

as c

alças

era

m no

ssas

(...)

ago

ra a

ca

misa

, e o

cole

te (..

.) er

a da

cas

a (..

.) às

vez

es a

gen

te ia

a ca

sa, a

os fi

ns d

e se

mana

por

exe

mplo,

(...)

tom

ávam

os um

banh

o, e (

...) tr

ocáv

amos

de ro

upa..

. dur

ante

a sem

ana,

íamos

mes

mo co

m a f

arda

... às

veze

s tirá

vamo

s o

colet

e (..

.) ha

via s

empr

e (..

.) aq

uela

rodin

ha d

e am

igos

mais

cheg

ados

(…) a

quilo

era

m trê

s ge

latar

ias...

e es

tavam

lá ita

liano

s, qu

e ali

ás o

meu

patr

ão e

ra ita

liano

... ha

viam

lá ita

liano

s e p

ortug

uese

s (...)

for

mou-

se (.

..) d

ois g

rupin

hos..

. e e

ntão

havia

(...)

os d

as o

utras

gelt

arias

que

iam

para

a m

inha(

...) n

o fin

al do

tra

balho

, iam

-me

busc

ar, o

u en

tão (.

..) e

les s

e se

atra

sass

em, í

amos

nós

, bus

car o

s ou

tros,

e en

tão (.

..) e

ra

semp

re u

ma m

édia

de ci

nco,

seis.

.. ao

fim d

e se

mana

, entã

o é

que

ía, p

ratic

amen

te (..

.) ía

toda

a ge

nte...

às

veze

s, ou

entã

o ía

metad

e... e

dep

ois ía

a o

utra

metad

e (..

.) o

turco

esta

va lá

, na

gelat

aria

també

m...

(…)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

21

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Trab

alhar

e co

nsum

ir dr

ogas

/ álco

ol (lá

fora

) (co

nt.)

porq

ue eu

estav

a num

a ilha

(…) e

u não

estav

a em

terra

firme

...” (M

aria,

E31

) 20

06

• “C

onsu

mo a

ntes

de ir

trab

alhar

, e a

ntes

do J

oão

Migu

el ir

traba

lhar,

é qu

ando

nós

con

sumi

mos,

ou q

uand

o po

demo

s no

s en

contr

ar, (

...), p

orqu

e de

resto

ou

é de

man

hã, o

u à

hora

do

almoç

o, ou

ao

fim d

a tar

de, e

à

noite

, qua

ndo e

le ch

ega (

...). [C

hego

a co

nsum

ir] Qu

atro v

ezes

por d

ia (..

.)“ (C

ristin

a, F1

2)

• “(.

..) e

u sa

io do

trab

alho

ao m

eio d

ia e

meia,

entr

o às

dua

s da

tarde

... do

meio

dia

e me

ia às

dua

s da

tarde

eu

vou à

cova

da m

oura

, com

pro,

cons

umo,

ainda

vou c

omer

uma s

opa a

o café

...” (C

ristin

a, F3

1a)

• “(.

..) o

ano p

assa

do, r

etire

i-me a

qui u

ns te

mpos

da co

munid

ade,

(...)

a tra

balha

r (...)

como

moto

rista

de ta

xi (..

.) es

tive

prai

uns

oito

ou n

ove

mese

s, for

a da

comu

nidad

e, (..

.) ia

reve

r a m

inha

vida,

pron

to, te

ntar e

stabil

izar-

me, m

as, e

h pá

... nã

o, nã

o co

njuga

va b

em a

s co

isas,

eu e

star a

trab

alhar

lá (.

..) e

vir

quas

e qu

e dia

sim

dia

não,

aqui,

par

a o

B. [l

ocal]

, (...)

os

tratam

entos

era

a q

uase

dia

sim d

ia nã

o, (..

.) qu

e er

a pa

ra fa

zer a

quim

io inj

ectáv

el, (.

..)” (

José

, G6a

); “(.

..) re

solvi

regr

essa

r aqu

i, e n

ão te

r ten

taçõe

s, nã

o é,

que

lá for

a o

mund

o (..

.) é

assim

um bo

cado

comp

licad

o, pa

ra um

a pes

soa q

ue é

[toxic

odep

ende

nte]”

(José

, G7)

• ”(.

..) e

u a

maior

par

te da

s ve

zes

ia pa

ra o

s me

rcado

s, e

pron

to, a

ndav

a tip

o ao

s re

cado

s, as

pes

soas

me

pedia

m pa

ra a

carre

tar [s

acos

] (...)

eu

ia pa

ra o

mer

cado

do

camp

o gr

ande

, e a

i era

ond

e eu

a m

aior p

arte

das

veze

s arra

njava

o din

heiro

para

[com

prar

drog

a] (..

.)” (J

osé,

G14b

)

• “E

u es

tou a

trab

alhar

, a C

ristin

a tam

bém

també

m, e

la é

conta

bilist

a... e

u tra

balho

num

resta

uran

te, (.

..) O

tra

balho

conc

ilia be

m, at

é... s

e não

falta

r a dr

oga,

conc

ilia be

m...”

(Joã

o Migu

el, H

7)

• “(.

..) co

nsum

o an

tes d

o tra

balha

r (...)

por

volta

das

... se

is e

meia,

qua

ndo

vou

busc

á-la

ao tr

abalh

o, de

pois

cons

umo

quan

do s

aio d

o tra

balho

... du

as e

meia

, trê

s da

man

hã...

ague

nta-se

bem

(...)

Eu

tenho

trab

alho

à no

ite...

ela p

or e

xemp

lo já

traba

lha d

e dia

... é

um b

ocad

o... é

mais

difíc

il, ma

s pro

nto, d

á pa

ra e

star c

om e

la,

(...),

eu

vou

busc

á-la

ao a

lmoç

o, tom

amos

o a

lmoç

o jun

tos, d

epois

vou

bus

cá-lá

qua

ndo

ela s

ai do

trab

alho,

ponh

o-a e

m ca

sa e

vou t

raba

lhar (

...) es

se es

paço

que e

stou c

om el

a con

sumi

mos (

...)” (

João

Migu

el, H

7a)

• “E

ntrav

a às

sete

da

manh

ã... d

epois

oito

hor

as, a

o tra

balho

, vinh

a alm

oçar

, dep

ois v

inha

às c

inco,

estav

a ali

um

boca

do co

m ele

s, de

pois

ia bu

scar

a dr

oga (

...)” (

Mário

, L20

)

• “..

. o m

eu p

atrão

, entã

o, já

ando

com

ele h

á qu

atro

anos

, qua

tro ci

nco

anos

(...)

qua

ndo

eu sa

ir da

qui...

sair..

. qu

er d

izer,

quan

do m

e de

rem

orde

m pa

ra co

meça

r a tr

abalh

ar...

ele d

á-me

trab

alho

outra

vez..

. mas

vai s

er a

últ

ima

hipóte

se q

ue e

le va

i dar

... tem

agu

entad

o mu

ito (.

..) E

stá fa

rto d

e me

dize

r isto

... o

que

ele n

ão fa

z à

filha,

é o qu

e ele

me fa

z a m

im...

tem-m

e ajud

ado m

uito..

.”(Má

rio, L

25)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

22

Carre

ira m

oral

(cont.

) Tr

abalh

ar e

cons

umir

drog

as/ á

lcool

(lá fo

ra)

(cont.

)

• “(.

..) e

u tra

balhe

i, tra

balhe

i em

para

bólic

as...m

ontag

em d

e an

tenas

, tra

balha

va, e

o q

ue g

anha

va e

ra p

ara

cons

umo,

cons

eguia

tapa

r aqu

ilo, lá

na em

pres

a... lá

ia de

sfarça

ndo (

...)” (

Rogé

rio, Q

9)

• “(.

..) o

trab

alho,

depo

is, a

cabo

u... o

trab

alho

depo

is ch

egou

a u

ma a

ltura

que

deu

bro

nca,

eles a

caba

ram

por

se a

perce

ber,

e eu

tamb

ém n

ão q

uis e

star a

ped

ir, diz

er a

ver

dade

, e v

im-m

e em

bora

, vim

-me

embo

ra...”

(R

ogér

io, Q

14)

Carre

ira m

oral

4. Ex

periê

ncias

no

utra

s in

stitu

ições

(em

am

bulat

ório

)

2005

“(...)

entr

etanto

ouç

o fal

ar n

o CA

T (..

.), n

a me

tadon

a (..

.) vo

u ao

CAT

(...)

no

Barre

iro...

peço

ajud

a a

eles..

. ele

s sim

sen

hor,

(...)

metem

-me

na m

etado

na...

(...)

[o CA

T] e

stava

num

sítio

esq

uisito

, por

que

(...)

[é trê

s ba

irros

de

drog

a, ali

à v

olta

do C

AT...

para

ir a

o CA

T tem

que

pas

sar p

or u

m de

les, [

de o

utra

mane

ira] n

ão

cheg

a lá.

..só

se...

só se

vier

por

Lisb

oa, d

e ba

rco (.

..) é

que

não

pas

sa...

pelos

bair

ros d

a dr

oga,

para

cheg

ar

ao C

AT...”

(Antó

nio, D

23)

• “(.

..) na

s Taip

as nã

o hav

ia me

io de

me r

esolv

er o

assu

nto (.

..) E

u (...)

ande

i nas

Taip

as, n

a CAT

de S

intra

… de

Mi

ra S

intra

… d

uran

te trê

s an

os e

tal…

três

ano

s e

quas

e qu

atro

anos

(...)

[No

CAT

não

me fa

ziam]

nad

a…

nada

, rigo

rosa

mente

nada

… e

u che

guei

ao p

onto

de an

dar a

cons

umir e

eles

nun

ca…

nunc

a me f

azer

em u

ma

análi

se!...

eu

disse

isso

à m

inha

psicó

loga…

“eu

não

sei p

ara

que

é qu

e eu

and

o aq

ui…”,

“ah,

mas

porq

uê,

Maria

? nã

o te

estás

a se

ntir (

...) b

em?”

, “ah

, esto

u-me

a se

ntir m

uito

bem,

mas

é a

ssim

, eu

acho

que

o vo

sso

sistem

a… (.

..) pa

ra m

im nã

o peg

a, po

rque

é as

sim…

eu at

é pos

so es

tar a

qui c

om um

a gra

nda

pedr

a… a

bater

co

m a

testa

no jo

elho…

e vo

cês c

ontin

uam

(...)

com

essa

tera

pia…

par

a mi

m, n

ão m

e diz

nad

a (..

.) eu

esto

u aq

ui há

… h

á trê

s ano

s, nu

nca m

e fiz

eram

uma

aná

lise…

como

é q

ue vo

cês s

abem

se e

u an

do a

cons

umir

ou

não?

Acre

ditam

-se na

quilo

que e

u digo

?!”...”

(Mar

ia, E

21)

2006

“(...)

mes

mo s

em e

la sa

ber,

a ge

nte fo

i ao

CAT,

e p

user

am-n

os tu

do a

meta

dona

, e a

minh

a mã

e nu

nca

desc

onfio

u de

nad

a... j

á tín

hamo

s pa

rado

, and

ámos

com

a m

etado

na m

as n

ingué

m sa

bia d

e na

da...”

(Ósc

ar,

N25)

• “(.

..)...

já nã

o es

tava

a co

nsum

ir, já

tinha

par

ado,

com

a me

tadon

a, (..

.) fal

ei co

m a

dra.,

por

que

as c

oisas

de

vez e

m qu

ando

não

and

avam

ass

im m

uito

bem

[entre

a N

ela e

a m

ãe d

o Ós

car],

de

vir p

ara

um c

entro

, mas

es

távam

os a

trata

r, ev

idente

mente

... (..

.) en

tão q

uand

o se

pas

sou

isso

[saída

de

casa

da

mãe],

teve

que

ser

as

sim m

ais rá

pido..

. fui

lá fal

ar c

om e

la, e

diss

e “p

asso

u-se

isto,

(...)

e e

u nã

o a

vou

deixa

r dor

mir n

a ru

a, po

rque

fui e

u qu

e a

troux

e pa

ra a

qui...

por

que

eu q

uero

ficar

com

ela, e

não

a vo

u de

ixar n

a ru

a...”,

“não

, não

, Ós

car,

a ge

nte va

i já tr

atar d

o se

u ca

so”..

. man

dara

m-no

s par

a um

a pe

nsão

dois

dias

, en

tão a

gen

te foi

lá a

o

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

23

Carre

ira m

oral

(cont.

) Ex

periê

ncias

noutr

as

institu

ições

(em

ambu

latór

io) (c

ont.)

CAT

falar

com

elas

, ela

s pa

gara

m ma

is um

a se

mana

de

pens

ão,

a as

sisten

te so

cial,

e vie

mos

para

aq

ui...”

(Ósc

ar, N

26)

Carre

ira m

oral

5. Te

mpo

s de

perm

anên

cia n

a co

mun

idad

e

2005

“... e

u... d

e mo

mento

... [es

tou c

á há

] oito

mes

es...

[antes

] esti

ve c

á um

ano

e m

eio (.

..) d

epois

esti

ve c

á trê

s me

ses,

mas e

stava

a tra

balha

r, só

vinh

a cá d

ormi

r...”

(Jaim

e, B1

)

• “..

. [entr

ei na

comu

nidad

e] há

dois

mese

s atrá

s...”

(Dár

io, C

5)

2006

“(...)

eu

quer

ia de

ixar d

e me

dro

gar,

quer

ia me

smo,

mas

não

sei s

e vo

u co

nseg

uir, a

o fim

de

dez

dias

(...)”

(C

ristin

a, F2

9)

• “C

hegu

ei Sá

bado

à n

oite..

. com

ecei

a me

dicaç

ão D

oming

o... h

oje é

o q

uarto

dia

à no

ite, e

xacta

mente

(...)

” (Jo

ão M

iguel,

H1a

)

• “(

...) e

stive

aqu

i um

mês,

depo

is fui

-me

embo

ra, d

epois

torn

ei ou

tra ve

z a ca

ir na

dro

ga, e

ago

ra e

stou

cá h

á do

is me

ses..

.” (M

ário,

L1)

• “(.

..) d

esta

vez f

ui eu

que

ped

i ao

Antón

io [m

onito

r]...

para

me

ajuda

r, e

ele m

ando

u-me

vir c

á, e

o [di

recto

r da

comu

nidad

e] ma

ndou

-me e

ntrar

, e já

cá es

tou há

dois

mese

s...”(

Mário

, L7)

• “[D

a últ

ima

vez

estiv

e cá

] Um

mês,

mas

depo

is fui

-me

embo

ra...

ache

i que

esta

va b

em e

fui-m

e em

bora

... ag

ora

não,

o An

tónio

[mon

itor]

tem-m

e aju

dado

, tem

-me

dado

for

ça p

ara

eu a

guen

tar m

ais u

ns

tempo

s...”(

Mário

, L11

)

• “[E

stamo

s cá]

... há

um m

ês e

uma s

eman

a e um

dia..

.” (Ó

scar

, N33

)

• “E

stou

cá...

a pr

imeir

a ve

z esti

ve cá

doz

e dia

s, de

pois

fui-m

e em

bora

, volt

ei a

reca

ir, e

agor

a es

tou cá

dois

mese

s e

tal, q

uase

três

mes

es, a

seg

unda

vez

que

volt

ei já

ele [R

odrig

o, mo

nitor

] tinh

a fal

ecido

.” (R

ogér

io,

Q2)

Carre

ira m

oral

6. Pe

rcur

so d

e co

nsum

o

2005

“(...)

eu cá

nasc

i num

a tab

erna

(...)

” (Ca

rlos,

A19)

• “(.

..) e

ntreta

nto, a

minh

a pr

imeir

a... n

amor

ada,

(...)

tinha

-se fa

rtado

de

tanta

menti

ra [e

scon

der o

cons

umo](

...)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

24

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Percu

rso de

cons

umo

(cont.

)

assim

que

a g

ente

inter

romp

eu o

nam

oro..

. a c

abeç

a co

meça

logo

a fu

ncion

ar a

o co

ntrár

io (..

.) co

meço

a

bebe

r muit

o... e

u be

bia m

as e

ra só

... na

s refe

ições

, (...)

entre

tanto

come

ço a

beb

er m

esmo

fora

das

refei

ções

, (..

.) ch

ega

a um

a alt

ura

em q

ue o

álco

ol (..

.) já

não

me e

nchia

a ca

beça

... e

então

... eu

conh

ecia

bem

o qu

e é

que

me e

nchia

a c

abeç

a... p

or o

pção

... má

... (ri

sos)

lá fui

outr

a ve

z pa

ra a

her

oína..

. com

eço

a co

nsum

ir...

sistem

atica

mente

(...)

” (An

tónio,

D16

)

• “(.

..) p

or a

zar,

meu,

eu p

ensa

va q

ue a

meta

dona

foss

e as

sim (.

..) b

loque

asse

o si

nal d

a [dr

oga].

.. a

mim

não

me b

loque

ava,

(...)

eu d

izia

lá às

dou

toras

[do

CAT]

... “ó

dou

tora

veja

lá po

rque

eu..

. por

que

eu fu

mo, e

eu

sinto.

.. eu

sint

o a

pedr

a...”,

“ah,

não

pode

ser

, (...)

isso

é im

agina

ção

sua..

.”, “É

? Es

tá be

m....”

, and

ei, a

ndei,

pu

sera

m-me

a to

mar c

ento

e qu

inze

milig

rama

s de

meta

dona

... e

eu d

isse

a ela

, “do

utora

, aten

ção,

eu

cons

umo,

à me

sma,

e fic

o be

m....”

, (...)

“sint

o aq

uela

sens

ação

boa

na

cabe

ça”..

. e e

la “a

h, nã

o po

de se

r... “

, (..

.) “n

ão p

ode

ser?

”, “n

ão.”.

.., “e

ntão

está

bem,

olhe

, a p

artir

de a

manh

ã de

ixo d

e cá

vir..

.” de

ixei d

e lá

ir...”

(Antó

nio, D

24)

• “T

razia

dinh

eiro

e aq

uilo..

. foi

uma

festa.

.. de

pois.

.. co

ntinu

ei a

cons

umir

coca

ína...

só q

ue d

epois

aqu

ilo

també

m já

não c

hega

va...

e aca

bei p

or co

meça

r a...

cons

umir h

eroín

a tam

bém.

..” (M

aria,

E11

) 20

06

• “(.

..) co

nsum

o int

ensiv

o de

her

oína,

digam

os q

ue é

(...)

o q

ue ca

usa

mais

mal, o

que

deix

a ma

is se

quela

s (...)

é

desd

e os

meu

s vin

te an

os, t

enho

qua

renta

e d

ois, f

oram

vint

e an

os…

com

ecei…

com

ecei

a fum

ar c

harro

s (..

.)” (C

ristin

a, F3

)

• “(.

..) [P

arei

por d

uas v

ezes

] e m

ais na

da, o

resto

é co

nsum

ir, tra

balha

r e co

nsum

ir…” (

Crist

ina, F

10)

• “(.

..) e

u ia

para

lá [p

ara

o me

rcado

] às

seis

da m

anhã

, e s

aia d

e lá

à um

a e

duas

da

tarde

(...)

qua

ndo

o me

rcado

fech

ava (

...) g

anha

va un

s bon

s con

tos de

reis

mas (

...) nã

o er

a mu

ito gr

atific

ante,

(...)

ia m

etê-lo

todo

na

... na

toxic

odep

endê

ncia

(...)

quan

to ma

is ga

nhav

a ma

is eu

meti

a na

toxic

odep

endê

ncia

(...)

cons

umia

hero

ína e

coca

ína (.

..) ju

ntas o

u às v

ezes

sepa

rada

s, er

a con

forme

, mas

era t

udo f

umad

o“ (J

osé,

G15)

• “(.

..) e

u ten

ho q

uare

nta e

oito

[ano

s] (..

.) [co

mece

i a c

onsu

mir]

já um

pou

co ta

rde,

tinha

p’ra

i trin

ta an

os, o

u p’r

ai trin

ta e u

m an

os...”

(Jos

é, G1

6)

• “(.

..) sa

be co

mo é

que

é...

ao p

rincíp

io co

meça

m a

ofere

cer,

e “e

xper

imen

ta”, e

“tom

a lá”

, a p

esso

a de

pois

vai-

se vi

ciand

o, e p

ronto

s, e d

epois

já nã

o tem

por o

nde..

. não

há po

rta po

r ond

e sair

....” (

José

, G21

)

• “(

...) já

lá v

ão d

ez a

nos

(...)

come

cei [

a co

nsum

ir] ao

s vin

te e

nove

... qu

ase

dez

ano

s (..

.) ten

ho tr

inta

e (..

.) oit

o ano

s (...)

” (Jo

ão M

iguel,

H5)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

25

Carre

ira m

oral

(cont.

) Pe

rcurso

de co

nsum

o (co

nt.)

• “(.

..) e

depo

is de

sde o

s doz

e ano

s que

ando

nesta

vida

... [ag

ora t

enho

] Trin

ta e u

m...”

(Már

io, L3

)

• “(.

..) s

ó er

a bo

m qu

ando

me

case

i, qu

ando

me

case

i é q

ue e

ra b

om...

ajuda

va to

da a

gen

te...

depo

is de

sgra

cei-m

e ou

tra ve

z... a

s minh

as p

arag

ens f

oi qu

ase

semp

re u

m mê

s, do

is me

ses..

. mais

temp

o foi

ago

ra,

quan

do ca

sei...

estiv

e um

ano,

dois

anos

bem.

.. dep

ois av

ariei

...” (M

ário,

L32)

• “F

oi...

come

cei h

oje, a

manh

ã nã

o da

va d

epois

daq

ui a

dias d

ava,

depo

is co

mece

i a d

ar to

dos o

s dias

, até

ela

[a mi

nha m

ulher

] des

cobr

ir... e

depo

is ela

aind

a me a

judou

uma o

u dua

s vez

es...”

(Már

io, L3

4)

• “E

ra c

avalo

[her

oina],

só,

mais

nada

... e

depo

is er

am o

s se

rena

is...

e de

pois

era

tudo,

dorm

icons

...”(M

ário,

L3

7)

• “E

ntão

já es

távam

os h

á um

par

de

mese

s com

a m

etado

na, já

está

vamo

s há

sete

ou o

ito m

eses

a co

nsum

ir, co

caína

e dr

ogas

, (...)

havia

pouc

o tem

po qu

e tính

amos

reca

ído o

utra v

ez, e

stáva

mos h

á sete

ou oi

to me

ses a

co

nsum

ir dr

ogas

, e e

stáva

mos

há d

ois m

eses

com

a m

etado

na, a

ndáv

amos

... eu

dois

mese

s co

m a

metad

ona,

e está

vamo

s com

toda

a for

ça de

vonta

de (.

..)” (

Nela,

M3)

• “(.

..) e

u co

nhec

i-o n

uma

comu

nidad

e, es

távam

os n

uma

comu

nidad

e, es

távam

os n

a [no

me d

a co

munid

ade]

mas

fomo-

nos

embo

ra,

saim

os (

...),

e fiz

emos

a n

ossa

vida

num

apa

rtame

nto

em P

.[cida

de],

num

apar

tamen

to...

já es

távam

os a

vive

r jun

tos e

soz

inhos

um a

no...

nós

viemo

s pa

ra a

qui p

or is

so...

e aq

ui de

pois

foi is

so, v

oltam

os a

reca

ir, a m

eterm

o-no

s outr

a vez

... co

m pr

oblem

as de

drog

a (...)

” (Ne

la, M

7)

• “A

gora

, cá,

estiv

e oit

o me

ses

a co

nsum

ir co

m o

Ósca

r [ma

rido],

esta

va a

ser

fuma

da e

injec

tada

(...)”

(Nela

, M1

5a)

• “D

esde

que

nas

ceu

o J[f

ilho]

eu já

não

toqu

ei ma

is na

dro

ga, a

té ag

ora

(...)

E se

toqu

ei, to

quei

pouc

as ve

zes,

mas n

ão fo

i par

a fica

r aga

rrada

muit

o tem

po...”

(Nela

, M31

)

• “(.

..) [

a pr

imeir

a de

sintox

icaçã

o] foi

em

99...

98, p

or a

í... fo

i no

final

de 9

8, em

Dez

embr

o, ne

ssa

altur

a ain

da

era d

roga

-dro

ga...

não c

omo a

gora

(...)

[era

] her

oína,

coca

ína, e

ra tu

do...”

(Ósc

ar, N

16)

• ”(.

..) te

m qu

e se

r, en

cara

r isto

de

frente

e n

ão p

osso

volta

r atrá

s [a

entra

da n

a co

munid

ade].

..por

que

tamb

ém

já pe

rdi m

uito

tempo

(...)

[con

sumi

a] er

a a

hero

ina e

a co

caina

, (...)

junta

s, e

foram

algu

ns a

nos,

cerca

de

vinte

anos

, com

algu

mas p

arag

ens,

mas p

eque

nas,

(...)

tenho

quar

enta

e trê

s [an

os]”

(Rog

ério,

Q4)

Ca

rreira

mor

al

7. Pe

rcur

so

inst

itucio

nal

2005

“(...)

já e

stive

em

dois,

ante

s de

ser

cá..

. já

estiv

e em

[outr

o pa

ís], n

ão m

e lem

bro

do n

ome

daqu

ilo...

mas

calho

u-me

semp

re, p

ara o

nde e

u fui,

só ap

anhe

i dro

gado

s... é

raro

apan

har g

ajos a

lcoóli

cos (

...)” (

Carlo

s, A3

)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

26

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Percu

rso in

stituc

ional

(cont.

)

• “(.

..) s

ou u

ma p

esso

a qu

e já

vivi e

sta s

ituaç

ão...

antes

de

vir p

ara

aqui,

da

outra

vez

, já

vivia

numa

co

munid

ade,

em (.

..) n

ão ti

nha

nada

a v

er[co

m es

ta]...

levav

am tu

do a

o ex

tremo

(...)

tudo

que

voc

ê po

ssa

imag

inar,

desd

e...de

sde

pedir

par

a ata

rem

um a

tacad

or, p

edir

para

ir u

rinar

, ped

ir pa

ra fu

mar u

m cig

arro

(...)

es

tive

lá no

ve m

eses

(...)

levan

tavam

-se to

dos

às s

ete d

a ma

nhã,

era

uma

casa

de

banh

o gr

ande

(...)

todo

s faz

iam a

higi

ene

juntos

... e

não

se p

odia

falar

até

se sa

ir do

(...)

comp

artim

ento

dos q

uarto

s (...)

até

às ci

nco

da ta

rde

era

cigar

ros d

e gr

upo,

só q

uand

o o

coor

dena

dor c

hama

va é

que

todo

s fum

avam

, tinh

a qu

e se

ped

ir pa

ra a

cend

er o

ciga

rro, e

dep

ois “p

osso

apa

gar o

ciga

rro”..

. (Ja

ime,

B23;

27);

“....

estiv

e lá

nove

mes

es se

m co

ntacto

com

o mun

do...

“ (Ja

ime,

B26)

• “(.

..) co

meça

ele

[o me

u irm

ão] a

que

rer s

air...

e eu

a sa

ber-m

e be

m nã

o qu

eria,

aind

a an

dei a

ssim

mais

outr

o an

o, do

is an

os...

até q

ue a

o fim

de

dois

anos

(...)

fizem

os u

ma cu

ra (.

..) e

stive

mos a

qui [n

esta

comu

nidad

e]...

os do

is jun

tos...”

(Antó

nio, D

9)

2006

“[Da

prim

eira

vez]

Vim

aqui

ter à

com

unida

de p

orqu

e, nu

m do

s ba

irros

de

cons

umo,

fomos

apa

nhad

os p

ela

políc

ia, tiv

emos

uma

mult

a, e

(...)

hou

ve u

ma p

esso

a qu

e tra

balho

u co

m o

[dire

ctor d

a co

munid

ade],

que

nos

en

cami

nhou

par

a vir

mos

para

o C

entro

. Falá

mos

com

o [di

recto

r da

comu

nidad

e], a

briu-

nos

as p

ortas

par

a nó

s virm

os [e

u e o

João

Migu

el] e

nós v

iemos

…” (

Crist

ina, F

1)

• Um

a ve

z vim

sóz

inho

porq

ue...

ela q

uis fi

car e

m ca

sa, a

faze

r a d

esint

oxica

ção..

. não

resu

ltou

muito

bem

...

mas j

á es

tive

noutr

as co

munid

ades

, já e

stive

no

A.[lo

cal, c

línica

], já

estiv

e em

V. [

local,

clíni

ca],

e já

estiv

e no

P.

[clíni

ca] (

...) a

pess

oa es

tá lá

uma s

eman

a, um

a sem

ana

e pou

co...

acho

que d

evia

ser u

ma se

mana

e m

ais

um te

mpo p

ara r

ecup

erar

... ma

is um

mês

, por

exem

plo, n

ão se

i...”(J

oão M

iguel,

H9)

• “N

ão q

uero

[mete

r baix

a]...

já me

ti um

a ve

z... p

ronto

, a p

esso

a tam

bém

pode

fica

r doe

nte, n

ão é

... é

um

boca

do co

mplic

ado

(...)

a pe

ssoa

mete

baix

a, es

tá do

ente

e pr

onto

... nin

guém

tem

que

sabe

r o q

ue é

que

se

pass

a...”

(João

Migu

el, H

11)

• “T

enho

vind

o qu

ase

semp

re n

as fé

rias,

só u

ma v

ez é

que

pus

baix

a... a

cho

que

a pr

imeir

a ve

z... a

prim

eira

vez q

ue vi

m pa

ra aq

ui foi

em Ju

lho, q

ue pu

s baix

a, ex

actam

ente.

.. eu n

orma

lmen

te ten

ho fé

rias s

ó quin

ze di

as

de A

gosto

, (...)

a p

artir

de J

aneir

o, tem

os fé

rias

outra

vez

, mais

quin

ze d

ias, é

a p

arte

de In

vern

o... n

ós d

ois

conc

iliamo

s com

... co

m as

féria

s [de

Ver

ão]...

” (Jo

ão M

iguel,

H13

; 24)

• “[r

efere

seis

nom

es d

e ins

tituiçõ

es d

ifere

ntes],

esti

ve e

m tod

os e

stes

centr

os...

desd

e 97

que

com

ecei

com

a dr

oga,

até a

gora

, e p

asse

i por

ess

es ce

ntros

todo

s, e

na ve

rdad

e, aq

ui, e

aqu

i isto

é, pa

ra m

im (.

..) a

qui e

stá-

se m

uito b

em...”

(Nela

, M11

)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

27

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Percu

rso in

stituc

ional

(cont.

)

• “(.

..) e

u ten

ho v

inte

e no

ve [a

nos]

(...)

[Saí

do m

eu p

aís n

atal]

Com

deza

ssete

, dez

oito..

. a p

rimeir

a... s

ai da

mi

nha

casa

com

deza

ssete

ano

s, ma

s fui

para

uma

comu

nidad

e, pa

ra o

P[co

munid

ade],

ond

e pa

ssei

um a

no

(...)”

(Nela

, M23

)

• “(.

..) p

ois, e

u em

97

sai d

a mi

nha

casa

, ingr

esse

i no

P[co

munid

ade]

e co

nhec

i o p

ai [do

meu

filho

], ele

esta

va

lá já

há q

uatro

ano

s e

eu e

stava

um, e

pro

nto, c

omeç

amos

(...)

a g

ostar

um

do o

utro,

e fal

ámos

com

o

direc

tor d

a co

munid

ade,

e se

para

ram-

nos

dois

ou tr

ês m

eses

, a m

im le

vara

m-me

par

a V[

cidad

e], e

ele

ficou

me

smo

em B

[cida

de],

porq

ue e

stáva

mos

em B

. pas

sara

m-me

par

a V.

, dois

ou

três

mese

s, pa

ra tr

abalh

ar

numa

vend

a am

bulan

te ao

púb

lico,

(...)

estiv

e ai

dois

mese

s até

que

me te

lefon

aram

(...)

, e d

isser

am-m

e qu

e re

gres

sass

e par

a me j

untar

com

ele. T

roux

eram

-me d

e volt

a (...)

e fic

ámos

a viv

er ju

ntos c

omo u

m ca

sal, (

...) e

estiv

emos

uns

qua

tro o

u cinc

o me

ses j

untos

até

que

fique

i grá

vida,

(...)

sem

quer

er (.

..) [t

inha]

deza

nove

ano

s. Na

sceu

qua

ndo

eu tin

ha vi

nte, n

asce

u em

99,

tinha

eu

vinte

anos

, e q

ue...

isso,

fique

i grá

vida,

e ex

pulsa

ram-

nos,

quer

iam q

ue e

u ab

ortas

se, p

ronto

, por

que

eu tin

ha q

ue te

r fala

do c

om e

les p

ara

eles

me d

eixar

em fi

car

gráv

ida, m

as a

ver

dade

é q

ue n

ão ti

nha

feito

de p

ropó

sito

(...)

“abo

rta, f

icas,

se n

ão a

borta

s ten

s qu

e te

ir em

bora

”, nó

s dec

idimo

s, eu

falei

com

a mi

nha

mãe,

ele fa

lou ta

mbém

com

o pa

i dele

, e d

ecidi

mos i

r emb

ora.”

(N

ela, M

26)

• “(.

..) e

u es

tava

em T

.[cida

de d

a co

munid

ade]

e ele

[Ós

car,

marid

o ac

tual]

esta

va e

m B.

[cida

de d

a co

munid

ade],

(...)

ele f

oi pa

ra (.

..) pi

ntar a

casa

, (...)

onde

[o di

recto

r] ia

mora

r, (..

.) e e

ntão f

oi ai

que o

conh

eci,

(...)

falou

com

o d

irecto

r da

comu

nidad

e, se

me

podia

esc

reve

r car

tas, (

...) n

essa

com

unida

de e

ra u

ma c

oisa

muito

sér

ia, (.

..) ti

nha-

se q

ue c

asar

par

a jun

tar-se

... e

depo

is er

a log

o se

para

do, o

cas

al (..

.) ao

cab

o de

um

ano

e me

io, so

mente

pod

ia es

creve

r-se

uma

cartin

ha e

falar

por

telef

one,

um d

ia po

r sem

ana..

. e lo

go e

u qu

e já

tinha

um

par d

e an

os d

e ca

sada

(...)

mar

cámo

s, re

unim

os co

m (..

.) o

home

m qu

e ac

ompa

nhav

a os

casa

is,

falám

os c

om e

le, (.

..) E

stáva

mos

a co

nhec

er-n

os e

que

riamo

s co

nstitu

ir um

cas

al. E

ele

disse

“entã

o va

mos

dar-v

os u

m tem

po (.

..) d

entro

de

dois

ou tr

ês m

eses

volt

amos

outr

a ve

z a

ver-n

os, (

...) e

já c

ombin

amos

que

se

verã

o ca

da q

uinze

dias

, (...)

sai u

ma p

esso

a co

nvos

co, p

ara

que

se co

nheç

am” (

...) is

to foi

o q

ue e

le dis

se,

mas

(...)

havia

(...)

um

enco

ntro

de to

das

as c

omun

idade

s, lá

(...)

juntav

am-se

mon

tões

de p

esso

as, m

ais d

e tre

zenta

s ou

quatr

ocen

tas p

esso

as, e

eu

e trê

s ou

quatr

o pe

ssoa

s mais

meti

amo-

nos n

a co

zinha

, (...)

mais

um

cozin

heiro

, (...)

e p

or e

ssa

ques

tão (.

..) n

ão p

ude

ir, (..

.) ma

s a q

uestã

o é

que

(...)

o re

tiro e

ra d

os ca

sais

que

se ia

m ca

sar,

e es

tavam

lá to

dos o

s cas

ais m

enos

nós

... “ (

Nela,

M32

); “(.

..) fo

mos e

mbor

a da

li e fo

mos m

orar

jun

tos pa

ra P

.[cida

de].”

(Nela

, M34

)

• “[O

dire

ctor d

a co

munid

ade

não

quer

ia qu

e o

miúd

o vie

sse]

Por c

ausa

do

ambie

nte, (

...) a

qui c

omo

não

havia

mi

údos

, que

era u

m am

biente

um po

uco p

esad

o par

a ele,

a ge

nte ex

plico

u-lhe

porq

ue fe

lizme

nte a

Nela

desd

e qu

e o m

iúdo n

asce

u, po

is... t

em es

tado s

empr

e em

centr

os, (

Ósca

r, N3

)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

28

Carre

ira m

oral

(cont.

) Pe

rcurso

insti

tucion

al (co

nt.)

• “Q

uand

o fui

par

a lá

[País

] esti

ve n

a R.

[comu

nidad

e], in

gres

sei a

qui [

e fui

], e

depo

is es

tive

lá, s

ete a

nos,

na

comu

nidad

e...(Ó

scar

, N4)

• “E

stive

... fui

par

a B.

[cida

de d

a co

munid

ade],

esti

ve a

i em

apoio

a u

ma se

gund

a ca

sa, e

dep

ois m

anda

ram-

me

resp

onsá

vel p

ara

P.[ci

dade

da

comu

nidad

e]...

també

m er

a as

sim p

erto.

.. er

a pr

imeir

o, as

sim c

omo

o An

tónio

[mon

itor],

estiv

e lá s

ete an

os, e

ntreta

nto...”

(Ósc

ar, N

5)

• “(.

..) e

ra d

ifere

nte, d

aqui.

.. er

a já

uma

segu

nda

fase,

onde

o p

esso

al já

vinha

todo

já co

m qu

atro,

cinco

mes

es,

reab

ilitad

o da

s dro

gas,

bom

reab

ilitad

o nã

o vin

ha, m

as p

elo m

enos

com

o qu

e é

ress

aca,

e es

sas c

oisas

, (N6

-1)

bom

lá de

ntro,

tinha

mos u

ns de

zoito

ou de

zano

ve ca

miõe

s...e

era d

ifere

nte, o

pess

oal c

hega

va p

ela m

anhã

, (..

.) ha

via u

ma re

união

zita

da p

arte

deles

, falá

vamo

s tod

os o

s dias

, e d

epois

cada

um

saía

com

o se

u ca

mião

, co

m os

seus

ajud

antes

, cad

a hom

em o

seu t

raba

lho, e

u dist

ribuia

a ch

ave d

os ca

miõe

s, o t

raba

lho, c

ada u

m ia

à sua

vida

... (Ó

scar

, N6-

2)

• “(.

..) d

e inv

erno

eu

cheg

uei a

esta

r lá

três s

eman

as fe

chad

o... s

em p

oder

sair

de ca

sa, n

em p

ara

ir à

casa

de

banh

o... t

ivemo

s qu

e ma

ndar

uma

par

ede

abaix

o, po

rque

saía

mos

(...)

e as

cas

as d

e ba

nho

eram

ass

im a

o lad

o... m

as c

omo

caía

tanta

neve

, (...)

não

se

podia

sair

de

casa

... tiv

e qu

e (..

.) ma

ndar

a p

ared

e ab

aixo

e faz

er a

entra

da po

r den

tro...”

(Ósc

ar, N

13)

• “(.

..) f

ui pin

tar u

ma c

asa

onde

ela

estav

a, na

cas

a da

s ra

parig

as,

conh

ecem

o-no

s, ist

o sã

o oit

ocen

tos

quiló

metro

s, (..

.) fal

ei co

m o

pasto

r, e

isso,

e de

pois

andá

mos a

ssim

, um

ano

e pic

os (.

..) a

té qu

e eu

me

fartei

e d

isse “

não,

eu se

gund

a feir

a vou

-me

embo

ra” (

...) fo

i ass

im, fu

i bus

cá-la

, alug

uei u

ma ca

sinha

em P

.[cida

de],

(...)

ainda

hoje

estav

a ai, m

as a

minh

a mãe

cham

ou-m

e par

a aqu

i, e fo

i a pi

or co

isa qu

e eu f

iz...”

(Ósc

ar, N

17)

• “(.

..) [n

as co

munid

ades

ond

e en

trava

] não

que

ria lá

esta

r mais

... es

tava

lá do

is ou

três

dias

, com

eçav

a a

ficar

far

to e

vinha

-me

embo

ra (.

..) q

uand

o fui

par

a [o

estra

ngeir

o] foi

sem

sabe

r, nã

o foi

nad

a co

mbina

do...

não,

fui

à R.[in

stitui

ção],

tinha

um ra

paz a

migo

(...)

[que

me d

isse]

“and

a, es

tá aq

ui a c

amion

ete!”.

.. e nã

o sei,

daqu

elas

coisa

s que

te di

z “va

i, vai,

vai” (

...) su

bi, e

fui...

e esti

ve se

te an

os...”

(Ósc

ar, N

23)

Carre

ira m

oral

8. Ex

pect

ativa

s, (o

bjec

tivos

, pl

anos

, idea

is)

2005

“(...)

o m

eu p

rogr

ama?

... olh

e, ag

ora

quan

do e

ntrei,

(...)

prim

eiro

foi...

aman

sar o

meu

cor

ação

... es

tava

dorid

o... e

dep

ois s

erá..

. enc

arar

a v

ida, n

ovam

ente.

.. nã

o co

meter

mos..

. não

com

eterm

os o

s me

smos

erro

s qu

e já c

ometi

... um

a, e d

uas v

ezes

...” (J

aime,

B30)

• “(.

..) a

gora

o m

eu o

bjecti

vo é

[ter

] a m

inha

famí

lia...

é ter

as m

inhas

coisa

s, ter

o m

eu la

r, se

for p

ossív

el, e

se

cons

eguir

já te

r algu

ém a

o me

u lad

o, qu

e me

pos

sa a

judar

, é te

r os

meus

filho

s co

migo

, é o

obje

ctivo

que

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

29

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Expe

ctativ

as, (

objec

tivos

, pla

nos,

ideais

) (co

nt.)

qualq

uer p

esso

a...”

(Jaim

e, B3

3)

• “(.

..)....

eu te

nho v

ontad

e em

dar u

ma vi

sita [

ao m

eu P

aís]...

para

visit

ar, s

ó que

não c

onsig

o...(D

ário,

C15

a)

• “(.

..) pa

ra já

é a e

stabil

idade

... e

psico

logica

mente

... qu

e isto

anda

tudo

... an

da tu

do av

ariad

o, nã

o é...

e dep

ois

é... c

riar c

ondiç

ões

para

as

coisa

s... é

reco

meça

r a te

r uma

vida

nor

mal...

ir b

usca

r os

meus

filho

s, po

r ex

emplo

... e..

. ess

encia

lmen

te iss

o...”

(Mar

ia, E

1)

2006

“(...)

eu

acho

que

eu

para

me

recu

pera

r tinh

a qu

e ir

para

um

sitio

onde

não

hou

vess

e dr

ogas

, com

o já

fui u

ma

vez (

...)” (

Crist

ina, F

17)

• “[O

meu

obje

ctivo

](...)

é e

u sa

ir da

qui, m

anter

-me

limpa

até

ao fin

al do

ano

, e a

rranc

ar p

ara

os A

çore

s (...)

nos

ores

tamb

ém n

ão m

e vo

u sa

far,

por i

sso..

. não

lá dr

oga

(...)

Em S

anta

Maria

, não

há..

.” (C

ristin

a, F3

0; 30

a)

• “(.

..) co

mo é

que

vai s

er (.

..) va

i ser

igua

l à ..

.. co

mo e

ra...

volta

r ao

traba

lho, e

à ro

tina

da m

inha

vida..

. sem

a

drog

a, es

pero

eu,

não

é... p

or is

so n

ão...

só q

uand

o sa

ir da

qui é

que

pos

so d

izer i

sso..

. mas

em

princ

ípio,

se

ficar

bem,

espe

ro...

conti

nuar

a mi

nha r

otina

do di

a...”

(João

Migu

el, H

20)

• “(.

..)...

estou

a fa

zer t

udo

para

ir p

ara

[País

nata

l] de

férias

... qu

ando

eu

tiver

já d

inheir

o, e

logo

logo..

. vou

no

mês

de M

aio...

mês

de M

aio, p

ronto

, ach

o qu

e o

mês

de M

aio d

á tem

po p

ara

eu m

e pr

epar

ar...

vou-

me

prep

arar

, até

Maio,

e se

tudo

corre

r bem

vou..

.” (D

ário,

J8; 1

7)

• “[T

enho

que

cheg

ar à

minh

a ter

ra n

um] d

ia de

festa

, ou

um d

ia im

porta

nte...

e pe

los p

lanos

que

eu

fiz, a

té ao

s de

Maio

é o

tem

po p

ara

eu e

star

prep

arad

o...

exac

to, t

enho

tem

po p

ara

pôr

as p

assa

gens

na

mão..

.”(Dá

rio, J

18)

• “É

come

çar d

epois

a tr

abalh

ar, a

rranja

r outr

a ve

z uma

vida

com

o de

ve s

er, a

rranja

r... a

rranja

r... t

er u

ma v

ida

melho

r... d

o qu

e aq

uela

que

eu tiv

e... f

ugir

um b

ocad

o de

sses

amb

ientes

, que

a g

ente

anda

va a

ntes,

de fa

cto

é um

boca

do di

ficil..

.”(Má

rio, L

23)

• “(.

..) e

ra p

ara

por a

que

stão,

ao fi

m de

um

ano

e me

io, s

e o

[dire

ctor]

me d

eixa

ficar

por

aqu

i, pa

rece

que

de

ixa, q

ue o

Antón

io [m

onito

r] dis

se qu

e sim

, (...)

mas

a ide

ia da

gente

era f

azer

isso

, com

o o D

ário

[vive

r aqu

i, tra

balha

r lá

fora].

.. po

rque

sen

ão a

lugo

uma

casin

ha p

or a

qui,

a as

sisten

te so

cial d

iz qu

e se

tive

r um

tra

balhi

nho,

que

a ca

sa n

ão h

á pr

oblem

a... q

ue e

la pa

ga, p

orqu

e foi

por

ela

que

nos m

etera

m, q

uand

o eu

vim

para

aqu

i, por

que

deixe

i de

traba

lhar..

. foi

ela q

ue m

e dis

se, “

se vo

cê te

m es

tado

a tr

abalh

ar, t

inha

cá vi

ndo

o mê

s pa

ssad

o, alu

gava

uma

cas

a e

a ge

nte p

agav

a-lhe

a re

nda..

.e es

cusa

va d

e ter

ess

es p

roble

mas

com

a

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

30

Carre

ira m

oral

(cont.

)

Expe

ctativ

as, (

objec

tivos

, pla

nos,

ideais

) (co

nt.)

sua

mãe..

. mas

não

está

a tr

abalh

ar, a

gen

te nã

o po

de fa

zer i

sso..

.”, e

tive

ram

que

nos

mand

ar p

ara

aqui.

..”

(Ósc

ar, N

34)

• “(.

..) a

minh

a ide

ia é

ficar

aqu

i um

ano

e me

io, se

pud

esse

mais

, junta

r um

dinhe

irito

e re

cupe

rar o

que

per

di...

e com

eçar

outra

vez d

e nov

o... n

unca

é tar

de pa

ra co

meça

r (...)

[tenh

o] Vi

nte e

nove

[ano

s]...”

(Ósc

ar, N

39)

Quad

ros d

e re

ferê

ncia

1. Fa

mília

2005

“(...)

o G

. [filh

o] tem

o 1

2º a

no, n

ão s

eguiu

por

que

não

quis.

.. foi

par

a A.

[loca

l], tem

lá u

m ba

r, (..

.) se

mpre

go

stou

de tr

abalh

ar...

lá ag

ora

de b

eber

, [nã

o]...

(...)

eu a

inda

insist

i, “ó

G., p

á se

gue..

. faz

um

curso

, com

o a

tua ir

mã e

stá a

faze

r”, e

....

“ah,

não..

. esto

u far

to da

esc

ola, 1

2º a

no e

vou..

. vou

... faz

er a

minh

a vid

a”...

não

quis

segu

ir... ”

(Car

los, A

20)

• “(.

..) te

nho

os fil

hos l

á em

[País

], pr

onto,

eu

tenho

qua

tro fil

hos,

sou

pai d

e qu

atro

filhos

... es

tão lá

, ten

ho m

ãe,

tenho

pai...

” (Dá

rio, C

15)

• “T

enho

cinc

o [fil

hos].

Dua

s me

ninas

e tr

ês ra

paze

s (..

.). A

mais

velh

a tem

cato

rze....

e o

mais

nov

o tem

...

cinco

...um

rapa

z...”

(Mar

ia, E

2)

• “(.

..) e

u ba

to o

pé, e

... so

u re

belde

, e...

mas

a mi

nha

mãe,

por e

xemp

lo, e

o m

eu p

ai...

se m

e dis

sere

m qu

e nã

o, me

smo q

ue eu

ache

que e

steja

erra

do, e

u no f

undo

até f

aço..

.” (M

aria,

E7)

• “(.

..) a

minh

a filh

a tem

cato

rze a

nos

e lev

ou u

ma p

almad

a na

vida

(...)

uma

... e

foi p

orqu

e ela

me

fugiu

de

casa

... e

confo

rme

vai a

des

cer o

deg

rau

vêm

quatr

o mo

tas...

na a

ltura

, ond

e eu

mor

ava,

aquil

o er

a um

a ru

a se

m sa

ída, e

ra u

m ba

irro

cama

rário

... um

a ru

a se

m sa

ída tin

ha se

is ca

sas,

e en

tão n

a alt

ura

vivia

lá...

ia pa

ra

lá mu

ita m

ota...

e aq

uilo

era

um fim

-de-

sema

na, a

famí

lia ia

toda

par

a o

café,

e a

minh

a filh

a na

quela

coisa

de

(...)

sair,

porq

ue ia

par

a a

rua,

não

é... a

bre

a po

rta e

sai.

.. ma

s sa

i soz

inha..

. e e

u só

me

aper

cebo

das

mo

tas...

e só

tenh

o tem

po d

e faz

er a

ssim

(...)

aos

cab

elos

dela,

que

ela

tinha

os

cabe

los c

ompr

idos..

. par

a pu

xá-lo

s, se

não

ela fi

cava

-me

ali....

deb

aixo

das

motas

(...)

e e

u pe

go, e

entr

etanto

eu

meto-

a pa

ra d

entro

, pa

rei (

...) a

o pé

da

porta

do

meu

quar

to, e

segu

ro-lh

e nu

m br

aço,

e faç

o-lhe

ass

im, p

ara

lhe d

ar u

m aç

oite,

que

levei

mais

força

no

braç

o do

que

dev

ia, e

a m

enina

entã

o ba

teu c

om a

testa

, por

tanto.

.. de

ste la

do (.

..)

umbr

eira,

faz ri

coch

ete e

bate

-me

com

a nu

ca a

qui,

do o

utro

lado..

. bem

, aqu

ilo fo

i um

pand

emón

io qu

e eu

en

trei e

m pâ

nico,

a me

nina

vai-s

e atr

ás d

o ch

oro,

só ve

jo a

menin

a as

sim a

cair,

pare

cia u

ma tá

bua,

come

çar

a en

cara

colar

, a

ficar

rox

a, va

lha-m

e De

us,

eu c

omeç

o ao

s gr

itos..

. (..

.) nã

o co

nsigo

rea

gir n

ada,

rigor

osam

ente

nada

.... o

meu

pai

então

com

a su

a gr

ande

calm

a é

que

pega

na

menin

a, co

meça

-lhe

a mo

lhá-

la, a

virá

-la, a

virá

-la a

o co

ntrár

io, d

á-lhe

uns

aço

ites,

e aq

uilo

pass

ou...

mas

servi

u-me

de

emen

da, n

unca

ma

is ba

ti na

minh

a filh

a... n

unca

mais

... ma

s tam

bém

é as

sim, [

os m

eus

filhos

] são

cria

nças

... qu

e eu

bas

ta

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

31

Quad

ros d

e re

ferên

cia (c

ont.)

Famí

lia (c

ont.)

olhar

os

olhos

par

a ela

s... e

aqu

eles

menin

os...

ficam

logo

em

senti

do (.

..) “o

h mã

e, pr

ontos

, des

culpa

”...”

(Mar

ia, E

29)

2006

“(...)

[Ten

ho tr

ês fi

lhos]

o me

u [fil

ho]...

tem

deza

nove

... va

i faz

er a

gora

no

dia v

inte

e se

is...te

nho,

mais

uma

com

deza

ssete

, e te

nho

mais

uma

menin

a co

m tre

ze (.

..) o

meu

filho

fez..

. já

termi

nou

o cu

rso, é

coz

inheir

o ”(J

osé,

G40)

• “(.

..) [q

uand

o ele

, meu

filho

, ter

mino

u o

curso

, o c

hefe

] enc

aixou

-o lo

go...

(...)

foi e

ncam

inhad

o pa

ra u

m re

staur

ante

de 1

ª, (..

.) e

então

, o p

atrão

(...)

pag

ava-

lhe q

uand

o lhe

ape

tecia,

(...)

esta

va a

usu

fruir

dema

is do

mi

údo..

. e e

ntão

a mã

e de

le...

ele co

mo vi

ve co

m a

mãe,

não

é... a

mãe

não

esta

va d

e ac

ordo

, e d

isse

“não

, pá

, tu

para

and

ares

a tr

abalh

ar(..

.) pr

efiro

que

tu e

stejas

aqu

i em

casa

, que

m te

suste

ntou

até a

gora

tamb

ém

te co

ntinu

a a

suste

ntar

(...)

mas

paga

ram-

lhe t

udo..

. de

pois

ele v

eio-se

emb

ora,

(...)

foi c

om c

arta

de

reco

mend

ação

, par

a o ho

tel (.

..) on

de já

está

(...)

há un

s cinc

o ou s

eis m

eses

... “(J

osé,

G41)

• “(.

..) a

minh

a me

nina

está

no d

écim

o... e

stá n

a es

colin

ha (

...) e

la tem

dez

asse

te, v

ai faz

er d

ezoit

o, em

Ja

neiro

... (..

.) e a

mais

novin

ha va

i faze

r cato

rze...

p’ro a

no, ta

mbém

(...)

[está

] no o

itavo

(...)

” (Jo

sé, G

42)

• “T

enho

uma f

ilha c

om oi

to an

os...c

om qu

em es

tive p

ouco

temp

o...”

(Már

io, L4

)

• “S

im, [o

Ósc

ar] n

ão te

ve pr

oblem

as ne

nhun

s, de

sde q

ue e

stá co

migo

, não

... ele

prefe

riu es

tar co

migo

, que

sou

sua

mulhe

r, e

a su

a fam

ilia, c

om a

que

ia fa

zer a

sua

vida,

à su

a mã

e qu

e tam

bém

gosta

, por

que

é su

a mã

e, ma

s de m

im g

osta

de o

utra m

aneir

a, po

rque

sou s

ua m

ulher

e vo

u ter

um fil

ho co

m ele

, e qu

er fa

zer a

sua v

ida

comi

go (.

..)” (

Nela,

M13

)

• “O

J[fil

ho] a

nda

atrás

, and

a atr

ás d

os a

nimais

, atrá

s de

um, d

e ou

tro, a

o pé

dos

pom

binho

s, do

s co

elhos

, da

horta

(...)

” (Ne

la, M

19)

• “(.

..) o

pai

do m

eu...

do J

[filho

], qu

e é

portu

guês

, tam

bém,

ele

mora

aqu

i no

B[loc

al], e

u ten

ho c

ontac

to co

m ele

, com

os

avós

e is

so, t

enho

con

tacto,

eles

às

veze

s tel

efona

m, e

falam

(...)

não

que

ria d

izer-l

he q

ue

estam

os a

qui a

mor

ar, d

efinit

ivame

nte,

“olha

esta

mos

aqui

de p

assa

gem,

viem

os p

ara

Portu

gal e

esta

mos

aqui

perto

”, se

ele

gosta

va d

e ve

r o m

enino

, “en

contr

amo-

nos n

um si

tio, e

vens

bus

cá-lo

par

a pa

ssar

o fim

de

sema

na co

m vo

cês”,

com

o pa

i e co

m a

família

, “se

lhes

dá,

e de

pois

traze

s no

domi

ngo,

para

ir se

gund

a fei

ra

à es

cola”

, e s

em p

roble

ma, f

icava

com

o m

iúdo

lá, p

assa

ndo

no b

arco

, lev

ava-

o lá

e de

pois

trazia

-o (.

..) e

ag

ora t

ambé

m nã

o sab

em qu

e esta

mos a

qui...

”(Nela

, M24

)

• “(.

..) qu

ando

nasc

eu o

J[filh

o], já

quan

do n

asce

u o J[

filho]

estav

a tod

o o d

ia me

tida

em ca

sa, lá

... nã

o, nã

o sa

ia

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

32

Quad

ros d

e re

ferên

cia (c

ont.)

Fa

mília

(con

t.)

da ca

sa p

ara

nada

... só

ia lá

fora

, com

as v

izinh

as q

ue m

orav

am lá

... er

a um

a ur

baniz

ação

, não

era

um

bairr

o, ha

via m

uito p

ouca

s pes

soas

a mo

rar,

quan

do se

via m

ais p

esso

as er

a no f

im de

sema

na (.

..)” (

Nela,

M29

)

• “(.

..) d

epois

entã

o se

pare

i-me

defin

itivam

ente

[do p

ai do

meu

prim

eiro

filho].

..sep

arei-

me d

efinit

ivame

nte d

ele

porq

ue a

últim

a [ve

z que

me b

ateu]

foi, m

esmo

... ma

rcou-

me to

da...”

(Nela

, M30

)

Quad

ros d

e re

ferên

cia

2. Fa

mília

e co

nsum

o

2005

“[O m

eu ir

mão

e eu

] fom

os a

cons

elhad

os, p

ara

bem

dos

dois,

por

cau

sa...

das

cump

licida

des..

. a a

fastar

mo-

nos

um b

ocad

inho..

.”Eh

pá (.

..) in

vente

m um

a for

ma...

afaste

m-se

...”, c

oisa

que

a ge

nte n

unca

fez.

Nunc

a fiz

emos

por

que

estáv

amos

tão

conv

ictos

, que

... eh

que

não

ia toc

ar m

ais n

aquil

o, aq

uilo

para

mim

tinha

... já

tinha

basta

do...

cheg

ou...”

(Antó

nio, D

11)

• “(.

..) ía

mos

com

as m

ulher

es, c

om a

gen

te, e

tudo

... lá

arra

njámo

s um

esq

uema

qua

lquer

par

a sa

ir de

ao

das

mulhe

res,

e fom

os fu

mar..

. ah,

nesta

noit

e e

foi, c

inco

dias

depo

is vie

mos

para

baix

o... d

eixám

os a

s mu

lhere

s em

casa

a pr

imeir

a cois

a que

fizem

os fo

i ir di

reitin

ho ao

Cas

al Ve

ntoso

...” (A

ntónio

, D14

)

• “(.

..) a

minh

a cu

nhad

a, an

tes d

a mi

nha

(...)

mulhe

r não

, da

minh

a na

mora

da...

se s

epar

ar d

e mi

m, a

minh

a cu

nhad

a ha

via d

esco

berto

que

a g

ente

já...

andá

vamo

s com

cons

umos

, e e

ntão..

. cor

támos

... e

o me

u irm

ão

vai p

ara a

vida

dele

e eu v

ou pa

ra a

minh

a...”

(Antó

nio, D

19)

• “T

enho

três

[filh

os] n

um c

olégio

, ten

ho o

utro

no P

orto,

em

casa

da

minh

a tia

, por

opç

ão, p

orqu

e ia

para

um

colég

io tam

bém.

.. só

que

ess

e (..

.) qu

eriam

-no

adop

tar...

mesm

o (..

.) es

tava

comp

licad

o... e

tenh

o o

mais

novin

ho c

omigo

... tem

cinc

o [an

os]...

está

com

igo, p

orqu

e eu

nes

te mo

mento

enc

ontro

-me

aqui

(...).

Por

que

assim

que e

u mete

r o pé

em ra

mo ve

rde..

. tira

m-me

logo

o me

nino t

ambé

m...”

(Mar

ia, E

3)

• “(.

..) e

entã

o [o

rapa

z co

m qu

em e

stou]

puxa

o m

eu ir

mão

para

a c

onve

rsa (

...) o

P.[ir

mão]

então

é

mund

ialme

nte co

nhec

ido n

a R.

[loca

l] (ris

os)..

. era

(...)

Já fa

leceu

(...)

ui, a

quilo

tinha

a e

squin

a de

le...

també

m er

a tox

icode

pend

ente,

tamb

ém a

cabo

u po

r fale

cer..

. ele

não..

. fale

ceu

da S

IDA.

.. ma

s tinh

a, ma

is ce

rto q

ue...

deve

ter t

ido...

e en

tão p

ronto

, con

versa

pux

a co

nver

sa...

e de

pois.

.. “e

ntão

eu s

ou ir

mã d

o P.

”(...)

” (Ma

ria,

E15)

• “(.

..) d

eixei

de lig

ar a

o me

u filh

o....”

(Mar

ia, E

16a)

; “(..

.) o

meu

filho

é qu

e....

com

o pa

i, e a

minh

a mã

e....

é qu

e me

iam

busc

ar à

estra

da...

e dep

ois eu

estav

a dois

dias

ou tr

ês em

casa

.... e

as ve

zes..

. sab

e Deu

s às v

ezes

o sa

crifíc

io qu

e eu f

azia.

.. e vá

lá qu

e eu j

á tinh

a um

pé ou

tra ve

z par

a... p

ara f

ugir..

..”(M

aria,

E17

a; 28

) 20

06

• “[R

azão

par

a eu

cons

umir](

...) fo

i a m

inha

mãe

e o m

eu p

adra

sto p

ossiv

elmen

te nã

o me

terem

dad

o a a

tençã

o

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

33

Quad

ros d

e re

ferên

cia (c

ont.)

Famí

lia e

cons

umo (

cont.

)

devid

a, foi

as c

onse

quên

cias t

odas

da

vida,

foi…

que

me

levar

am a

… a

ndar

no

liceu

, and

ar so

zinha

, a n

ão te

r ho

ras,

a nã

o ter

que

entr

ar e

m ca

sa, e

ntrav

a qu

ando

que

ria, q

uand

o me

ape

tecia,

fazia

o q

ue q

ueria

e o

que

me

apete

cia, n

ão tin

ha ni

ngué

m qu

e me c

ontro

lasse

(...)

” (Cr

istina

, F6)

• “[Q

uem

sabe

que

eu

cons

umo]:

Sab

e a

minh

a mã

e, sa

be o

meu

filho

, sab

e a

minh

a irm

ã, o

meu

pai, a

segu

ir há

mais

pes

soas

que

me

conh

ecem

... de

vem

sabe

r...”(

Crist

ina, F

24; 5

1); “

(...)

não

sabe

m do

João

Migu

el, (.

..)

bem

se o

meu f

ilho s

oube

sse d

o Joã

o Migu

el, ia

ser u

m [pr

oblem

a]” (C

ristin

a, F5

2)

• “(.

..) p

or is

so é

que

é m

ais d

ificil,

porq

ue s

e for

o c

asal,

é m

ais d

ificil d

e de

ixar [

de c

onsu

mir]

do q

ue s

e for

ind

ividu

al...”

(Cris

tina,

F36)

• “(.

..)o

meu

[filho

] dev

e ter

vinte

, ou..

. o m

eu [f

ilho]

nasc

eu e

m oit

enta

e se

is,...

foi p

ara

ai em

oite

nta e

cinc

o...

eu c

omec

ei pa

ra a

í em

oiten

ta e

cinco

, (...)

a c

onsu

mir (

...) m

ais o

u me

nos

quan

do o

meu

filho

nas

ceu..

.” (Jo

sé, G

39; 4

3)

• “N

orma

lmen

te [co

nsum

imos

] no

car

ro (

...) E

m ca

sa e

stá o

filh

o (..

.) Ou

entã

o só

... Qu

ando

ele

sai,

espo

radic

amen

te....

poss

ivelm

ente

às v

ezes

pod

e-se

con

sumi

r em

casa

... ma

s no

rmalm

ente

é no

car

ro.”

(João

Migu

el, H

17)

• [D

a outr

a ve

z que

entr

ei na

comu

nidad

e, a d

ecisã

o] Fo

i mais

da m

inha f

amilia

, ped

iu pa

ra m

e tra

tar, ta

mbém

... eu

esto

u a

perd

er a

fami

lia to

da...

por c

ausa

das

dro

gas..

. eles

já n

ão m

e qu

erem

ajud

ar m

ais...

já me

aju

dara

m mu

ito...”

(Már

io, L6

)

• “(.

..) so

fri um

boc

ado,

um b

om b

ocad

o, pe

rdi a

minh

a mu

lher,

perd

i a m

inha

filha,

não

dá...c

om is

to da

dro

ga...

tinha

tudo

e a

gora

não

tenh

o na

da...”

(Már

io, L

22);

“Já n

ão v

ejo a

minh

a filh

a há

cinc

o an

os...

deixe

i ela

com

quatr

o an

itos..

. ela

dep

ois f

oi mo

rar

para

Lisb

oa,

deixe

i de

a ve

r...

agor

a aq

ui...

isto

é qu

e me

cus

ta ma

is...”

(Már

io, L2

2a)

• “(.

..) e

dep

ois a

fami

lia d

ela [d

a mi

nha

mulhe

r] dis

se lo

go, “

não,

isto

não

é ho

mem

para

ti”...

e vim

-me

embo

ra

(...)”

(Már

io, L3

5)

• “(.

..) o

s meu

s irm

ãos t

ambé

m nã

o me

pas

sam

cartã

o (..

.) [sã

o] Ci

nco

(...)

Não

me fa

lam, s

abem

que

eu

ando

ne

sta vi

da (.

..)” (

Mário

, L30

); “(.

..) te

nho u

ns so

brinh

os, fa

z ano

s que

não o

s vejo

...” (M

ário,

L31)

• “O

J[fil

ho] s

empr

e es

teve

comi

go, p

ara

onde

eu

fui, s

empr

e es

teve

ao p

é de

mim

... os

sítio

s on

de e

stive

, se

mpre

estev

e com

igo...

e o Ó

scar

[mar

ido] n

ão te

ve pr

oblem

as...”

(Nela

, M12

)

• ““(

...) o

s an

os q

ue e

le tem

[o m

eu fi

lho],

foi n

ascid

o e

criad

o, tem

esta

do q

uase

sem

pre

em c

omun

idade

s, po

rque

cada

vez q

ue eu

me i

ntern

ava n

uma c

omun

idade

ele v

inha c

omigo

...” (N

ela, M

25)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

34

Quad

ros d

e re

ferên

cia (c

ont.)

Famí

lia e

cons

umo (

cont.

) •

“(...)

a mi

m cu

stou-

me m

uito

a sep

araç

ão co

m o p

ai do

J[filh

o], so

bretu

do p

ela un

ião qu

e tính

amos

na f

amilia

... co

m o

meu s

ogro

, e a

minh

a so

gra,

era

muito

boa

... e

com

as ir

mãs d

ele, e

tudo

, era

esp

ectac

ular,

(...)

e... e

ra

só a

nos

sa re

lação

que

não

func

ionav

a... c

om o

pai

do J

[filho

], ele

bati

a-me

... ele

bati

a, ch

egav

a ao

fim

do

mês,

todo

o din

heiro

, aga

rrava

, ia-

se e

mbor

a e

não

apar

ecia

antes

da

noite

... e

eu a

ssim

fica

va...

deixo

u a

drog

a, e m

eteu-

se no

álco

ol...”

(Nela

, M28

)

• “E

u e

a Ne

la ain

da e

stive

mos u

m an

o e

picos

os d

ois, u

m an

o e

meio,

por

ai, c

om a

Nela

e o

J[filh

o].(Ó

scar

, N8

)

• “(.

..) a

té ao

s dez

oito

semp

re co

nseg

ui es

cond

er, à

minh

a mã

e e

ao m

eu p

ai...

depo

is é

que

já nã

o co

nseg

ui...

já an

dava

m de

scon

fiado

s (..

.) a

minh

a mã

e diz

ia-me

, “nã

o se

i o q

ue te

ns, m

exes

-te ta

nto, e

par

a aq

ui (..

.) “,

“ah,

isso

é tud

o me

ntira

, com

o se

mpre

...”, a

té qu

e ela

des

cobr

iu...

come

çou

a ve

r as

prata

s em

cas

a, a

perg

untar

-me

para

que

era

, eu

na a

ltura

fuma

va, a

té qu

e eu

(...)

um

dia d

isse-

lhe a

ver

dade

... já

não

podia

es

cond

er m

ais...

mesm

o ass

im ai

nda e

scon

di cin

co an

os...”

(Ósc

ar, N

22)

• “(.

..) o

s ou

tros,

as p

esso

as q

ue e

stão

ligad

as, a

s tan

tas [p

erce

bem]

... “is

to já

não

vai a

lado

nen

hum.

..”, m

as

pron

to “e

le a

gora

já e

ngan

ou ta

mbém

os

vizinh

os, j

á ten

ho...

que

dar c

onta

aos

vizinh

os”..

. tod

a a

gente

se

enga

na...

toda a

gente

se de

ixa en

gana

r... é

, aqu

ele cí

rculo

todo,

deixa

-se en

gana

r...”

(Antó

nio, P

18)

• “(.

..) se

mpre

tive o

apoio

, da m

inha f

amilia

, mas

cheg

a a um

a altu

ra em

que a

s pes

soas

tamb

ém (.

..) co

meça

m a

ver q

ue “e

ste n

ão q

uer,

não

quer

”, e

satur

am-se

(...)

Come

cei a

sen

tir iss

o tam

bém.

.. e

tamb

ém co

mece

i a

pens

ar, e

u nã

o ten

ho d

úvida

... po

rque

sofr

e tud

o, nó

s de

sesta

biliza

mos

tudo..

. e e

u tam

bém

come

cei a

pe

nsar

, pro

ntos,

“eu

tenho

que

faze

r po

r mi

m, te

nho

que

muda

r, po

r mi

m, m

as ta

mbém

... tam

bém,

eu

dese

stabil

izo is

to tud

o...

“, qu

e es

tá aq

ui à

volta

, é

mãe,

é irm

ãos,

é tud

o, a

famí

lia t

oda..

. fic

a tud

o de

sesta

biliza

do...”

(Rog

ério,

Q18

)

Quad

ros d

e re

ferên

cia

3. Tr

abalh

o

2005

“[O pa

trão]

... ele

está

à esp

era..

. par

a eu..

. apa

rece

r no t

raba

lho, n

ão é.

.. “ (D

ário,

C29

; 33)

• “(.

..) fu

i trab

alhar

para

a A.

[País

], por

influ

ência

s (...)

do m

eu p

ai... e

u com

trab

alho..

. cá e

m Lis

boa,

traba

lhava

nu

ma e

mpre

sa d

e lim

peza

s, (..

.) o

supe

rviso

r ger

al...

arra

njou

uma

confi

ança

tão

gran

de e

m mi

m...

e go

stou

tanto

da m

inha

forma

de

traba

lhar (

...) q

ue já

me

dava

as

empr

eitad

as (.

..) e

u na

emp

resa

já e

scolh

ia as

mu

lhere

s qu

e qu

eria

para

esta

r ao

pé d

e mi

m...

porta

nto a

únic

a co

isa q

ue m

e es

tava

a tra

var .

... um

a ev

oluçã

o ma

is no

trab

alho..

. era

a fa

lta d

a ca

rta, p

orqu

e... t

ambé

m pu

nham

-me

uma

carri

nha

nas

mãos

(...)

” (M

aria,

E6)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

35

Quad

ros d

e re

ferên

cia (c

ont.)

Trab

alho (

cont.

) 20

06

• “E

u so

u co

ntabil

ista.

Trab

alho

em c

ontab

ilidad

e (..

.) nu

m ga

binete

de

conta

bilida

de o

nde

(...)

há u

m pa

trão,

e ex

istem

quin

ze m

ulher

es a

faze

rem

conta

bilida

de p

ara

muito

s ga

binete

s. Pa

ra x

is cli

entes

, a e

mpre

sa te

m qu

inhen

tos cl

ientes

, nós

somo

s quin

ze m

ulher

es, e

ntre

essa

s mulh

eres

têm

que

se d

istrib

uir o

s clie

ntes t

odos

. Os

clie

ntes

divide

m-se

por

toda

s as

mulh

eres

, e a

s mu

lhere

s faz

em a

con

tabilid

ade

dess

as e

mpre

sas.

Quan

do c

hega

uma

emp

resa

nov

a ao

gab

inete,

é d

ito…

“olha

, esta

emp

resa

vai

ficar

par

a ti,

pess

oa” e

ssa

pess

oa p

ega

no cl

iente,

e fic

a co

m es

sa e

mpre

sa p

ara

semp

re, e

nqua

nto o

clien

te for

nos

so cl

iente.

(...)

Não

so

u co

ntabil

ista

douto

rada

, sou

técn

ica d

e co

ntabil

idade

. Por

tanto

eu fa

ço o

mes

mo q

ue u

ma c

ontab

ilista,

que n

ão as

sino.

Não p

osso

assin

ar, h

á outr

a pes

soa q

ue as

sina.”

(Cris

tina,

F10;

23)

• “(.

..) ah

, por

tanto,

eu so

u moto

rista

[de tá

xi]” (

José

, G6)

• “(.

..) s

ou b

arma

n (..

.) já

há u

ns a

nos

(ri)..

. dep

ois é

um

traba

lho...

é aq

uela

histór

ia, o

trab

alho

é mu

ito (.

..)

sabe

que

aqu

ilo é

mais

resta

uran

te ba

r (...)

não

é tã

o ag

itado

... é

agita

do, m

as....

é n

a pa

rte d

e co

mida

, não

na

par

te de

cop

os...

a pa

rte d

e co

pos

també

m tem

, esp

lanad

a e

isso..

. mas

é m

ais c

omida

, peti

scos

, cop

os

não (

...)” (

João

Migu

el, H

25)

• “E

u era

serve

nte...

de pe

dreir

o...”(

Mário

, L13

)

• “(.

..) fa

zia b

iscate

s de

mec

ânico

ao

fim d

e se

mana

e e

ra e

stafet

a...”

(Ósc

ar, N

18);

“(...)

com

prei

uma

mota

quan

do v

im, c

om a

s ec

onom

ias q

ue ju

ntei (

...) e

arra

njei lo

go tr

abalh

o, no

prim

eiro

mês..

. e e

stive

sem

pre

a tra

balha

r (...)

até a

os úl

timos

três

mes

es...”

(Ósc

ar, N

19)

• “(.

..) [A

ses

ta] é

um

vicio

que

já (..

.) qu

ando

era

esta

feta

e tud

o, eu

per

gunta

va a

o pa

trão,

“mas

vens

às

quatr

o?!”,

era

um

vicio

que

ficou

daí,

e n

ão...

e nã

o co

nseg

uia, a

dorm

ecia

na m

ota e

tudo

... se

não

dor

miss

e aq

uele

boca

dinho

, des

de a

uma a

té às

três

e pic

os, n

ão co

nseg

uia...”

(Ósc

ar, N

29)

Quad

ros d

e re

ferên

cia

4. Co

ntro

lo

20

06

• “(.

..) [N

a ilh

a on

de e

stive

] não

hav

ia [dr

oga],

não

hav

ia um

pob

re, e

u nã

o vi

um p

obre

, sab

e o

que

é qu

e é?

Eu

não

vi um

a pe

ssoa

a p

edir..

. na

rua,

não

vi um

pap

el ne

m um

ciga

rro n

o ch

ão, e

ra d

e um

a or

ganiz

ação

co

mplet

a, nã

o hav

ia, nã

o hav

ia dr

ogas

(...)

” (Cr

istina

, F19

)

• “E

ncon

trámo

s un

s po

rtugu

eses

[na

ilha

onde

esti

vemo

s], (.

.) e

eles

disse

ram

logo,

“eh

pá, a

qui n

ão, a

qui é

mu

ito d

ificil,

porq

ue a

inda

é tud

o mu

ito c

ontro

lado,

e só

se

conh

ecer

es m

uito

bem

a pe

ssoa

, e te

m qu

e se

r um

a pe

ssoa

que

tenh

a con

hecim

entos

par

a en

trar c

om d

roga

den

tro d

a ilh

a, po

rque

não

entr

ava

(...)

na ilh

a...”

(Cris

tina,

F21)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

36

Inst

ituiçã

o to

tal

1. Re

gim

e na

com

unid

ade

2005

“(...)

falo-

lhe de

mim

... pr

onto,

para

já is

to tor

na-se

um há

bito,

torna

-se...

uma p

esso

a por

mais

que n

ão qu

eira,

acom

oda-

se, n

ão é

... ac

omod

a-se

à s

ituaç

ão (.

..) p

assa

a s

er u

ma a

como

daçã

o (..

.) tal

vez

porq

ue a

pes

soa

se s

inta

segu

ra a

qui...

o p

rimeir

o as

pecto

... e

depo

is ao

long

o do

temp

o va

i-se

acom

odan

do à

quilo

que

... à

hora

de

levan

tar, à

hor

a de

com

er, a

faze

r isto

, a fa

zer a

quilo

... é

um p

roce

sso..

. é u

m pr

oces

so d

iário,

de

manh

ã...”

(Jaim

e, B1

9; 32

)

• “(.

..) e

u nã

o ve

jo ist

o co

mo u

ma co

munid

ade..

. vejo

isto

como

uma

casa

de

família

, (...)

nem

a g

ente

sabe

se

isto

é um

pro

gram

a, po

rque

não

ningu

ém q

ue n

os e

strutu

re u

m pr

ogra

ma...

a ge

nte q

uand

o va

i par

a um

a co

munid

ade

e diz

que

tem

um p

rogr

ama

de u

m an

o... e

u pe

lo me

nos,

pess

oalm

ente,

tenh

o um

pro

gram

a de

um

ano..

. um

meu,

é o m

eu pr

ogra

ma...

“ (Ja

ime,

B29;

31)

• “(.

..) aq

ui de

ntro..

. ah,

eu fa

ço...

acor

dar d

e ma

nhã,

como

... h

oje...

de m

anhã

, às o

ito...

e... d

espe

rtar,

limpa

r a

casa

... e..

. dep

ois [d

e] lim

par a

cas

a e

cada

um

faz a

s ac

tivida

des

que

quise

r, ou

... co

mo e

u, es

tou a

qui a

pin

tar, o

s outr

os...

pode

faze

r outr

a cois

a...de

pend

e... o

que é

que é

mais

nece

ssár

io, fa

zer..

. “ (D

ário,

C6)

• “(.

..) n

ão cu

sta n

ada

uma p

esso

a lav

ar lo

uça..

. ou d

ez ou

vinte

trint

a lou

ças..

. até

é bom

par

a ter

apia,

por

que..

. nã

o es

tá pa

rado

, não

é...

o qu

e eu

não

gos

to é

de e

star p

arad

o... n

ão q

uero

sabe

r se

os o

utros

faze

m, o

u se

os

outro

s não

faze

m... d

eixam

de fa

zer..

. “ (D

ário,

C14

) 20

06

• “(.

..) p

or m

édia

é se

mpre

(...)

à m

esma

hor

a do

que

os

outro

s, qu

e é

para

não

hav

er...

ningu

ém a

dize

r “ah

, aq

uele

está

a fug

ir”, o

u “a

quele

leva

nta-se

mais

cedo

”, ou

“é e

ngra

xado

r, é

isto..

.”, n

ão se

i quê

, por

tanto

isto

é mu

ito...

isto

aqui

somo

s qu

ase

como

uma

famí

lia d

entro

, (...)

e e

ntão

se h

ouve

r um

que

faça

uma

coisa

dif

eren

te, o

s outr

os re

para

m, e

par

a qu

e nã

o re

pare

ning

uém,

bem

, vam

os le

vanta

r-nos

todo

s à m

esma

hor

a, e v

amos

todo

s com

er a

hora

s, (..

.) qu

e é p

ara n

ão h

aver

chati

ces,

nem

prob

lemas

uns

com

os o

utros

...” (J

osé,

G26)

• “(.

..) h

á fal

ta de

org

aniza

ção..

. há

falta

de o

rgan

izaçã

o, as

pes

soas

às

veze

s... n

ão te

m um

a es

cala.

.. nã

o faz

em a

s co

isas

com

as p

esso

as q

ue e

stá lá

... iss

o tam

bém

preju

dica

muito

... e

depo

is, s

e tiv

esse

cad

a um

qu

e faz

er c

om e

scala

, com

... po

r exe

mplo

coisa

s pr

ogra

mada

s, nã

o tem

uma

pro

gram

ação

cer

ta...

“ (Dá

rio,

J3)

• “(.

..) p

recis

amos

de

uma

esca

la, (.

..) p

or e

xemp

lo, “i

sto n

ão é

hor

a de

toma

r ban

ho”,

tem m

omen

to de

toma

r ba

nho,

tem m

omen

to de

tudo

, por

exe

mplo

o mo

mento

de

come

r tem

os a

s hor

as, n

ão é

... ma

s por

exe

mplo

o

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

37

Institu

ição t

otal

(cont.

)

Regim

e na c

omun

idade

(co

nt.)

mome

nto de

toma

r ban

ho, o

mom

ento

de ir

cada

um...

tem qu

e dist

ribuir

as ta

refas

a ca

da um

, tamb

ém nã

o se

perce

be a

s tar

efas,

não

tem m

uito

assim

... nã

o es

tá mu

ito p

rogr

amad

o, nã

o es

tá mu

ito e

stabe

lecido

...e o

An

tónio

també

m às

vez

es d

eixa

muita

s co

isas

pass

ar, (

...) m

as n

ão te

nho

razã

o de

que

ixa, p

orqu

e ele

é u

m bo

m co

lega,

(...)

e um

a pe

ssoa

que

tem

bom

cora

ção,

e iss

o jun

to co

nta m

uito,

para

já e

eu

gosto

muit

o do

An

tónio,

é m

eu a

migo

de

há m

uito

tempo

, eu

ajud

o a

ele n

aquil

o qu

e for

pre

ciso,

eu e

stou

do la

do

dele.

..”(D

ário,

J4)

• Nã

o mu

dou

muita

cois

a, nã

o... n

ão...

é aq

uilo

que

eu d

igo c

om o

Antó

nio [m

onito

r] co

m as

tare

fas, é

... um

a ve

z, no

temp

o do

outr

o, tin

hamo

s as

cois

as d

a ma

neira

dele

... as

pes

soas

cum

priam

as

tarefa

s da

man

eira

dele.

.. ma

s ago

ra p

ronto

, com

o A

ntónio

, não

sei s

e ele

não

liga

a mu

ita co

isa (.

..) d

evia

estar

tudo

muit

o ma

is ar

ranja

do...

“(Dár

io, J9

)

• “É

pá..

. a

gente

, se

estou

na

cozin

ha,

estou

na

cozin

ha...

depo

is se

esto

u a

varre

r, um

lava

o o

utro

varre

...”(M

ário,

L17)

• “[S

into-

me b

em n

esta

comu

nidad

e po

rque

](...)

tod

as a

s co

munid

ades

que

con

heço

são

dife

rente

s... o

u nã

o no

s de

ixam

o tab

aco,

corta

m o

tabac

o, ou

pas

sas

por s

intom

as d

e ab

stinê

ncia,

cor

tam

radic

almen

te, s

em

tratam

ento

nenh

um, e

sem

nada

, ou

també

m têm

um

proje

cto d

e re

ligião

, seu

, cris

tão, e

dep

ois p

õem-

te co

m a B

iblia,

mete

m-te

a Bi

blia,

e é

Deus

que

te cu

ra, e

a re

ligião

, em

todos

os c

entro

s que

eu

conh

eço

são

assim

, [re

fere s

eis no

mes d

e ins

tituiçõ

es di

feren

tes]”

(Nela

, M10

a)

• “D

e ma

nhã

levan

tamo-

nos,

tomam

os o

peq

ueno

alm

oço,

e de

pois

fazem

os a

s tar

efas

da c

asa,

metem

o-no

s ca

da u

m no

seu

quar

to, ca

da u

m ar

ranja

o se

u qu

arto,

limpa

-se o

qua

rto, a

mim

cabe

-me

a cas

a de

ban

ho, h

á du

as ca

sas d

e ba

nho,

há a

casa

de

banh

o da

s mulh

eres

e a

dos

hom

ens,

e co

mo e

u es

tava

sozin

ha a

ntes d

e ch

egar

este

casa

l [Cris

tina

e Jo

ão M

iguel]

, faz

ia eu

sem

pre,

mas a

gora

temo

s que

alte

rnar

, um

dia e

la, o

utro

dia e

u, ma

s com

o ela

ago

ra e

stá a

pas

sar u

m po

uco

mal, t

ambé

m [es

tá no

per

íodo

de d

esint

oxica

ção],

aind

a nã

o fale

i nad

a com

ela..

. faço

eu to

dos o

s dias

... e t

ambé

m a c

ozinh

a, a c

ozinh

a tam

bém

me ca

be na

lguns

dos

dias,

não

são

todos

os

dias,

um d

ia po

r sem

ana

cabe

-me

servi

r à m

esa,

cabe

a u

ma p

esso

a se

rvir à

mes

a, tam

bém

me en

carre

go da

lava

ndar

ia, ca

da di

a... tr

ato da

roup

a (...)

” (Ne

la, M

17)

• “(.

..) is

to tem

as su

as re

gras

, (...)

já e

stou

habit

uado

, (...)

o ou

tro er

a tão

restr

ito qu

e (...)

não p

odias

fuma

r, nã

o po

dias b

eber

, (...)

aqu

i pod

e-se

fuma

r, em

bora

tamb

ém n

ão se

pos

sa b

eber

... tem

as s

uas r

egra

s, ma

s den

tro

das r

egra

s não

é um

a cois

a tão

restr

ita co

mo aq

uela.

.. (Ós

car,

N9)

• “S

e eu

deix

ava

fumar

? [aq

ui sim

, mas

](...)

na

R.[co

munid

ade

onde

esti

ve] n

ão p

odiam

por

um

motiv

o, (.

..)

havia

pes

soas

(...)

na

prim

eira

fase

que

vinha

m tra

balha

r à s

egun

da (.

..), d

epois

con

segu

iam d

inheir

o, de

go

rgeta

s e

isso,

e log

o vo

ltava

m lá

para

cim

a pa

ra a

prim

eira

fase(

...),qu

ando

as

pess

oas

estão

a re

ssac

ar,

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

38

Institu

ição t

otal

(cont.

)

Regim

e na c

omun

idade

(co

nt.)

não

conv

ém fu

mar..

. e e

ntão

(...)C

omeç

avam

a fa

zer n

egóc

io, p

ara

comp

rar t

abac

o un

s aos

outr

os, e

por

isso

se

acab

ou o

tema d

o tab

aco (

...)” (

Ósca

r, N3

2)

• “(.

..)

o fac

to de

eu

ajuda

r [na

s tar

efas]

não

é à

toa…

é um

des

perta

r par

a ele

s, qu

e eu

ach

o qu

e re

sulta

, po

rque

eu ao

princ

ípio u

sava

mais

tipo a

força

bruta

(...)

” (An

tónio,

P4)

Institu

ição t

otal

2. O

mon

itor e

a su

a co

mun

idad

e

2005

“(...)

ajud

o o

Rodr

igo [m

onito

r], o

pro

blema

é q

ue e

le es

tá s

ozinh

o... .

.. nã

o é

fácil..

. tam

bém

é um

a pe

ssoa

so

zinha

(...)

tamb

ém já

esti

ve, e

sei q

ue n

ão é

fácil..

. vive

r ou c

onviv

er...

ainda

por

cima

resp

onsa

biliza

r-se p

or

(...)

todo

o gén

ero d

e pes

soas

, não

é... u

mas m

ais pr

oblem

ática

s, ou

tras m

ais...

mais

pond

erad

as (.

..)” (

Jaim

e, B1

3)

• “(.

..) co

nform

e eu

esta

va a

dize

r, tam

bém

sou

amigo

, muit

o am

igo d

ele [m

onito

r], [a

] maio

r par

te de

les, n

unca

ofe

ndeu

-me..

. e q

uand

o [o

monit

or] e

stá a

ssim

[alco

oliza

do] à

s ve

zes

fala

de u

ma m

aneir

a (..

.) ag

ress

ivo e

br

uto...

e as

pes

soas

... co

meça

m a

ficar

ass

ustad

os, n

ão s

ei qu

ê... s

ei...

como

aco

ntece

u co

m o

noss

o Ma

ndra

ke...

[estav

a na

comu

nidad

e na

prim

eira v

ez, e

m Ju

nho,

mas a

gora

já n

ão e

stava

lá]...

(...)

[era

prec

iso]

uma p

esso

a exp

erien

te, [m

ais] q

ue o

Monit

or...

“ (Dá

rio, C

22)

• “(.

..) s

im, m

as o

Mon

itor,

por e

xemp

lo, [s

e] tiv

er u

m er

ro, o

u um

a co

isa a

ssim

... qu

e é

para

cor

rigir,

ou p

ara

cheg

ar a

uma

reun

ião...

para

falar

diss

o... p

ratic

amen

te ist

o é

tipo

de...

partid

o po

lítico

(...)

com

o um

par

tido

único

, aqu

i den

tro...

” (Dá

rio, C

23) “

20

06

• “(.

..) e

u vá

rias

veze

s de

satin

ei co

m o

Rodr

igo (.

..) s

ituaç

ões

(...)

que

o Ro

drigo

per

mitia

(...)

até

iam p

ara

os

copo

s, inc

lusive

... eu

a p

rimeir

a ve

z qu

e vim

par

a cá

, pas

sar,

chate

ei-me

com

ele

ao s

egun

do d

ia, e

ao

terce

iro d

ia fui

-me

embo

ra, d

isse

a ele

“Não

pá,

desc

ulpa

lá, e

u vim

par

a aq

ui pa

ra re

ssac

ar, n

ão v

im p

ara

aqui

para

no

segu

ndo

dia tu

ires

par

a a

bebe

deira

, e e

u ter

que

esta

r à e

sper

a da

med

icaçã

o até

à m

eia-n

oite

e meia

, por

tanto

olha,

fica l

á com

a tua

med

icaçã

o, qu

e eu v

olto o

utra v

ez pa

ra a

rua..

.” (C

ristin

a, F4

3; 46

)

• “[Q

uand

o en

trei a

qui] o

mon

itor e

ra o

Toz

é e

o Ro

drigo

, que

já fa

leceu

, era

m ele

s os d

ois, p

ortan

to er

a o

Tozé

(..

.) mo

nitor

dura

nte a

sema

na, e

o Ro

drigo

(...)

de fim

de se

mana

(...)

” (Jo

sé, G

4)

• “(.

..) u

ma id

eia q

ue e

u até

dei

ao A

ntónio

, por

que

o An

tónio

ainda

não

esta

va a

ssim

muit

o... n

ão ti

nha

muita

ex

periê

ncia

de es

tar a

lidar

assim

com

os ut

entes

(...)

” (Jo

sé, 2

7)

• “(.

..) e

ele

[Antó

nio] t

em-m

e ag

rade

cido

imen

so (.

..) p

orqu

e o

tenho

esta

do a

ajud

ar, e

faço

os p

ossív

eis p

ara

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

39

Institu

ição t

otal

(cont.

)

O mo

nitor

e a s

ua

comu

nidad

e (co

nt.)

que i

sto co

rra tu

do be

m, aq

ui de

ntro,

isto é

uma

coisa

que n

ão cu

sta na

da (.

..)” (

José

, G30

)

• “F

oi po

r cau

sa d

o fal

ecim

ento,

foi o

Rod

rigo..

. mud

ámos

de

monit

or, e

senti

mos b

astan

te, p

elo m

enos

eu,

no

meu

caso

, por

que

ele e

ra n

osso

ami

go, p

ratic

amen

te, s

entim

os a

falta

dele

(...)

Foi

um b

ocad

o [co

mplic

ado],

ma

s tam

bém

a ge

nte já

esta

va p

repa

rado

, e à

esp

era

(...)

e no

esta

do e

m qu

e ele

esta

va a

gen

te já

estav

a pr

epar

ado,

já sa

bia qu

e men

os di

a ma

is dia

ele

ia mo

rrer,

tem de

ser..

. pro

nto, e

é me

nos u

m co

lega..

.” (D

ário,

J1

)

• “(.

..) e

stá d

esen

volve

r, es

tá a

corre

r bem

, o A

ntónio

[mon

itor]

també

m tem

mos

trado

que

pro

nto, é

um

bom

rapa

z, (..

.) tem

mais

um

boca

dinho

de

comp

reen

são

do q

ue o

outr

o, (..

.) co

m o

anda

mento

, pro

nto, t

ambé

m de

ixa m

uita

coisa

pas

sar p

orqu

e ain

da é

um

rapa

z jov

em e

tamb

ém a

inda

não

tem m

uita

expe

riênc

ia nis

to...”

(D

ário,

J2)

• “(.

..) e

u na

coisa

das

regr

as a

cho

que

ele te

m qu

e tra

balha

r um

boca

dinho

...mas

o re

sto e

stá tu

do b

em, m

as o

ou

tro, t

inha

as co

isas e

scrita

s não

feita

s, e

as co

isas a

ssim

, mas

ago

ra ta

mbém

não

sei n

ada

o qu

e é

que

se

pass

a...”(

Dário

, J11

)

• “(.

..) q

uand

o eu

lá ch

egue

i [à co

munid

ade

no p

aís e

stran

geiro

] era

muit

o re

strito

, não

se p

odia

sair,

todo

o dia

fec

hado

, ali e

ra só

trab

alho,

traba

lho, a

par

te de

Deu

s, tra

balho

, a p

arte

de D

eus e

trab

alho..

. e e

u ten

tei [u

m po

uco d

e abe

rtura

], mas

vi lo

go qu

e não

...”(Ó

scar

, N10

)

• “(.

..)...

sai d

e lá

já se

ndo

monit

or, e

stive

qua

tro m

eses

a re

abilit

ar-m

e, (..

.) trê

s me

ses

a aju

dar (

...) fi

quei

monit

or, e

dep

ois co

mo tin

ha ca

rta d

e co

nduç

ão e

está

vamo

s a m

il e o

itoce

ntos m

etros

de

altur

a, só

lá su

bia

um jip

e, e

eu e

ra o

únic

o qu

e sa

bia co

nduz

ir, po

r iss

o fiq

uei lá

qua

se d

ois a

nos..

. mas

no

fim d

isse

“tirem

-me

daqu

i que

eu es

tou m

eio lo

uco,

já”...”

(Ósc

ar, N

12)

• Fo

i com

plica

do [t

orna

r-me

monit

or a

qui] n

o se

ntido

de…

par

a já,

de

todas

as p

esso

as q

ue cá

esta

vam,

eu

era

o ma

is no

vo, (

...) E

ntão,

estav

a o

cozin

heiro

, o F

ranc

isco,

estav

a o

(...)

[não

conh

eci]

mais,

na

altur

a ér

amos

se

is ou

sete

, só,

estav

a um

que

dep

ois s

e foi

emb

ora,

estav

a o

Jaim

e (..

.) O

Jaim

e sa

iu an

tes (.

..) [e

] ele

já nã

o reg

ress

ou, m

ais (.

..) E

ssa s

ituaç

ão [J

aime e

Mar

ia sa

íram

juntos

], tam

bém

já nã

o volt

ou m

ais (.

..) O

Car

los

(...)

éram

os ci

nco

ou se

is na

altu

ra (.

..)Ac

ho q

ue n

ão é

mais

… e

stava

m os

outr

os d

ois q

ue e

ntreta

nto sa

íram,

po

rtanto

era

pes

soal

que

entra

va o

u sa

ía (..

.) aq

ueles

que

fica

m aí

e vã

o-se

emb

ora…

[des

intox

icaçõ

es] e

de

pois

a pa

rtir d

aí, o

lhe, f

oi tud

o um

a qu

estão

de

ir-me

hab

ituan

do, a

h, de

pois

entre

tanto

come

çou

a en

trar

pess

oal n

ovo,

ao m

esmo

temp

o, ma

s po

r aí,

pron

to, fo

i um

boca

dinho

, foi

difíci

l, nã

o é…

que

r dize

r difíc

il po

rque

era

uma

exp

eriên

cia n

ova,

uma

situa

ção

nova

, e is

to nã

o é

a me

sma

coisa

que

a g

ente

estar

mos

numa

emp

resa

, ter

mos

cinco

ou

seis

empr

egad

os, s

ob a

sua

alça

da, n

ão é

a m

esma

cois

a, é

totalm

ente

difer

ente,

p’ra

já po

rque

aqui

é mais

difíc

il dar

orde

ns, c

ontar

com

o bom

sens

o das

pess

oas…

” (An

tónio,

P3)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

40

Institu

ição t

otal

(cont.

)

O mo

nitor

e a s

ua

comu

nidad

e (co

nt.)

• “(.

..) n

o pr

incípi

o foi

com

plica

do, p

orqu

e es

tava

habit

uado

a li

dar c

om re

gras

do

Rodr

igo (.

..) p

or u

m la

do,

funcio

nava

m, m

as p

or o

utro

era

aque

la sit

uaçã

o... d

e as

pes

soas

and

arem

sem

pre

a dis

cutir

umas

com

as

outra

s, (..

.) de

um

dia p

ara

o ou

tro, [

eu] e

stava

num

lado

e (.

..) p

asse

i par

a o

outro

, e co

mo e

u nã

o so

u um

a pe

ssoa

que

gos

te mu

ito d

e me

impo

r, go

sto q

ue m

e re

speit

em, n

ão g

osto

de e

xigir

o re

speit

o ao

s outr

os, (

...)

foi c

ompli

cado

, mas

medid

a qu

e o

tempo

vai

pass

ando

(...)

aca

bam

mesm

o po

r me

resp

eitar

...” (A

ntónio

, P5

)

Institu

ição t

otal

3. Re

sistê

ncias

e re

gist

o es

cond

ido

2005

“[a ro

tina

diária

da

comu

nidad

e] nã

o é

difíci

l, ma

s... p

or v

ezes

leva

(...)

a c

ertos

sen

timen

tos...

pelo

meno

s a

mim

leva..

. leva

-me

a... a

ques

tões,

leva-

me a.

.. às v

ezes

a vi

rar a

mes

a, e..

.. lá e

stá...

uma a

juda q

ue a

gente

re

almen

te pr

ecisa

... ten

ho...

tenho

este

s mom

entos

, mas

dep

ois te

nto te

r a ca

pacid

ade

de d

ar a

volta

a is

so...

“ (Ja

ime,

B20)

• “(.

..) n

ão é

falar

mal

(...)

de n

ós...

da n

ossa

vida

de

tóxico

s, ou

de

alcoó

licos

, mas

(...)

os

tóxico

s [e]

nós

os

alcoó

licos

, e e

stou

a me

ter ta

mbém

a m

inha

parte

... é

difíci

l, ...

é um

a co

isa m

uito

difíci

l (...)

trab

alham

bo

cadin

hos

e de

pois

dizem

[que

] já

está

cans

ados

... nã

o... d

epois

esp

eram

pelo

s ou

tros..

. os

outro

s nã

o faz

em e

les ta

mbém

não

faze

m...

e é

semp

re p

roble

mas,

não

é... s

e um

lava

a lo

uça,

e o

outro

tem

que

lavar

(..

.) co

nfusõ

es (.

..)” (

Dário

, C13

)

• “(.

..) fa

zer a

mes

ma c

oisa

que

faz lá

fora

mas

fazê

-lo a

qui d

e ou

tra m

aneir

a... h

á se

mpre

uma

man

eira..

. “

(Jaim

e, B2

1)

• “(.

..) o

mon

itor à

s ve

zes..

. uma

vez

ou

outra

... [es

tá] n

um e

stado

de..

. pra

ticam

ente

embr

iagad

o, nã

o é..

. de

pois.

.. fic

a lá

em ci

ma, n

ão d

á tot

almen

te ap

oio à

s... a

os u

tentes

, não

é...”

(Dár

io, C

19; 2

0) “

... d

epois

eu

també

m so

u ami

go de

le, ...

não q

uere

r divu

lgar..

.” (D

ário,

C21

)

• “..

. dep

ois...

[a] p

rimeir

a co

isa, q

uem

tem a

cess

o ao

[dire

ctor d

a co

munid

ade]

é ele

, (...)

leva

com

aqu

ela

conv

ersa

dele

e...

se fo

r ver

dade

ou

menti

ra, p

ronto

... as

pes

soas

... qu

em s

ofre..

. som

os...

são..

. o u

tente,

é

que s

ofre,

não é

...” (D

ário,

C24

) 20

06

• “(.

..) e

sse

[Ósc

ar] t

ambé

m tem

jeito

par

a a

cozin

ha, m

as é

mais

é c

onve

rsa...

cheg

a na

coz

inha,

come

ça a

fal

ar, c

omeç

a a..

. enq

uanto

que

o Jo

sé n

ão, o

José

faz a

s cois

as q

ue e

u go

sto co

m go

sto, e

ele

não

faz...

faz

assim

, pro

nto, e

le es

tá se

mpre

a te

imar

, “eu

que

ro is

to, e

u qu

ero

isto”

... nu

nca

faz a

s cois

as co

m vo

ntade

... o

José

às ve

zes f

az co

m vo

ntade

...”(D

ário,

J12)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

41

Institu

ição t

otal

(cont.

)

Resis

tência

s e re

gisto

esco

ndido

(con

t.)

• “P

or u

m lad

o sã

o bo

ns, h

á aí

dois

ou tr

ês q

ue s

ão b

ons..

. ago

ra o

resto

(...)

“Fog

em”[n

o se

ntido

de

não

traba

lhare

m] d

e ve

z em

qua

ndo!

Ou e

stão

doen

tes, o

u es

tão is

to, o

u es

tão a

quilo

... a

pess

oa já

está

ha

bitua

da a

isto.

.. eu

já e

stou..

. ao

princ

ipio

eles

marca

vam

semp

re q

uem

fazia

as li

mpez

as, a

gora

não

... ag

ora

deixa

m es

tar, c

ada

um q

ue fa

ça a

sua..

.”(Má

rio, L

15);

“[Eu

dante

s faz

ia o

traba

lho d

e ou

tros]

levan

tava-

me ce

do, li

mpav

a os q

uarto

s...”

(Már

io, L1

6)

Institu

ição t

otal

4. Sa

ntuá

rio

2006

“(...)

é u

ma lu

ta, (.

..) e

u ac

tualm

ente,

só m

e sin

to be

m qu

ando

esto

u aq

ui de

ntro

do ce

ntro,

e me

smo

quan

do

vou

a ca

sa, e

u se

i lá, e

u ou

vir a

s pe

ssoa

s, vo

u lá

à zo

na, v

ou v

er a

quela

malt

a, se

i que

and

am m

etido

s na

dr

oga,

eu n

ão m

e sin

to be

m, só

de

olhar

par

a ele

s (...)

” (Jo

sé, G

22);

“(...)

tenh

o me

do, p

á, eu

ach

o qu

e ain

da

não

estou

... (..

.) pr

epar

ado a

cem

por c

ento

para

enfr

entar

... é q

ue e

sse

mund

o lá

fora

é muit

o ag

ress

ivo (.

..) a

nív

el de

drog

as, e

toxic

odep

endê

ncia,

é mu

ito ag

ress

ivo (.

..)” (

José

, G23

)

• “(.

..) e

le nã

o po

dia e

star a

qui d

entro

... en

tão...

então

ele

ia ao

fim-

de-se

mana

, cad

a ve

z qu

e ia

ao fi

m-de

-se

mana

, vinh

a aí, v

inha t

odo a

lcooli

zado

(...)

” (Jo

sé, G

33)

• “(.

..) g

osto

de e

star n

o me

u ca

nto, s

osse

gadin

ho...

já se

i com

o é

que

é, há

um

que

come

ça a

i a a

ndar

de

um

lado

para

o o

utro..

. ten

ho m

edo

é de

ir lá

par

a for

a... l

á pa

ra fo

ra, e

u ten

ho m

edo..

. não

tenh

o co

nfian

ça

nenh

uma

em m

im...

tenho

um

boca

do d

e re

ceio

(...)

a últ

ima

vez q

ue e

u es

tive

cá, c

onfor

me sa

í meti

-me

logo

na dr

oga..

.” (M

ário,

L10)

• “S

im, p

ara

mim

é... é

por

que,

pron

tos, a

minh

a fam

ilia p

ode

ser m

uito

boa

mas d

e re

pente

pod

e de

ixar d

e me

fal

ar, o

u qua

lquer

coisa

...” (M

ário,

L27)

• “É

...às

veze

s pe

ço a

o An

tónio

[mon

itor]

para

ir c

omigo

lá à

minh

a mã

e...”

(Már

io, L

39);

“Entã

o, po

is...

se a

ge

nte n

ão te

m co

nfian

ça n

a ge

nte m

esmo

, tem

que

ped

ir a

algué

m qu

e vá

com

a ge

nte...

e ele

s não

leva

m a

mal...

” (Má

rio, L

40);

“(...)

não

tenho

é co

nfian

ça e

m ir p

ara

fora,

não é

... pa

ra a

rua,

anda

r soz

inho,

isto

é com

o tud

o...”(

Mário

, L43

)

Palco

s e

com

unica

ção

1. Ca

usas

na

com

unid

ade,

do

ingr

esso

ou

regr

esso

à co

mun

idad

e

2005

“... p

orqu

e é

que

volto

?... p

orqu

e da

qui le

vei b

oas r

ecor

daçõ

es, e

bon

s ens

iname

ntos..

.para

mim

, ter

pas

sado

aq

ui um

ano

e m

eio n

ão fo

i em

vão..

.entre

i aqu

i com

uma

man

eira

de s

er e

sai

com

um...

talve

z nã

o tot

almen

temen

te mu

dado

, mas

muit

a cois

a mud

ou em

mim

...” (J

aime,

B8)

2006

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

42

Palco

s e

comu

nicaç

ão

(cont.

)

Caus

as na

comu

nidad

e, do

ing

ress

o ou r

egre

sso à

co

munid

ade (

cont.

)

• “A

qui é

mais

sos

sega

do, e

a g

ente

pron

tos...

não

estam

os a

í ao

pé d

as p

esso

as...d

os a

migo

s, ma

s nã

o sã

o am

igos (

...)” (

Mário

, L19

)

• “(.

..)

a as

sisten

te so

cial a

ndou

de

norte

a s

ul a

telefo

nar a

toda

s as

com

unida

des,

com

um c

atálog

o, e

nenh

uma

aceit

ava

com

filhos

, ou

casa

is, o

u gr

ávida

s, se

mpre

hav

ia um

a (..

.) Se

mpre

hav

ia um

pro

blema

, e o

[di

recto

r da

com

unida

de] f

oi, a

briu

essa

exc

epçã

o, de

ter

o J[f

ilho]

també

m aq

ui co

migo

, e g

rávid

a (..

.) ne

nhum

a co

munid

ade

aceit

ava,

eles

já iam

sep

arar

-nos

, a m

im ia

m-me

mete

r num

a co

munid

ade

que

há d

e mu

lhere

s grá

vidas

com

filhos

, no C

asal

Vento

so (.

..)” (

Nela,

M2)

• “[A

ass

isten

te so

cial]

proc

urou

de

norte

a s

ul, m

as n

ão e

ncon

trava

nen

huma

[com

unida

de],

umas

ace

itava

m gr

ávida

s ma

s nã

o ac

eitav

am m

arido

s, ou

tras

aceit

avam

mar

idos m

as n

ão a

ceita

vam

filhos

, outr

as a

ceita

vam

filhos

mas

não a

ceita

vam

gráv

idas,

tudo a

ssim

...” (Ó

scar

, N1)

Palco

s e

comu

nicaç

ão

2. A

fam

ília e

a co

mun

idad

e 20

05

• “(.

..) e

la [ex

-mulh

er] m

e ma

nda

dinhe

iro p

ara

o tab

aco,

pron

tos....

é...

dese

jar-m

e as

boa

s fes

tas, e

nata

l, ah..

. ma

s fez

-me

uma

coisa

muit

a má

.... é

muit

o ma

u pa

ra m

im, é

que

... eu

vejo

os o

utros

saire

m, e

ela.

.. nã

o me

ma

nda d

inheir

o par

a eu s

air...

não m

e dá d

inheir

o par

a eu i

r a ca

sa um

fim de

sema

na...”

(Car

los, A

15)

• “o

G. [

filho]

(...)

não

sei s

e ele

tem

verg

onha

de..

. de

eu se

r bêb

edo..

. de

eu g

ostar

de

bebe

r, nã

o se

i se

é iss

o (..

.) ma

s..., d

eve s

er (.

..) ta

mbém

não p

erce

bo po

rquê

... (..

.) em

relaç

ão à

minh

a filh

a... a

C....

tem

22 an

os, (

...)

é... r

aro t

elefon

ar-m

e, ve

io cá

duas

veze

s... n

ão, u

ma...

“ai g

osto

muito

de si

, e ta

l, veja

lá o

que é

que f

az..”

. ia

dizer

-lhe “

está

bom”

, e de

sligu

ei o t

elefon

e...”

(Car

los, A

16; 1

7)

2006

“(...)

ago

ra a

minh

a mã

e tem

-me

ajuda

do m

uito..

. tem

-me

dado

força

s... p

ara

ague

ntar,

senã

o já

me ti

nha

ido

embo

ra...”

(Már

io, L2

7a)

• “(.

..) vo

ltámo

s dep

ois d

e un

s dez

minu

tos a

falar

com

ele [o

dire

ctor d

a co

munid

ade],

por

caus

a do

miúd

o, qu

e tem

sete

anos

, par

a abr

ir uma

exce

pção

como

era p

eque

nito,

e ele

mand

ou pa

ra cá

... (Ó

scar

, N2)

• “(.

..)Eu

ach

o qu

e ist

o fun

ciona

um

boca

do a

ssim

., tem

os q

ue se

r nós

a q

uere

r. Nó

s mes

mos.

E nã

o foi

o ca

so,

eu v

im [d

a pr

imeir

a ve

z] po

r outr

as c

ircun

stânc

ias, m

as p

ronto

, por

... a

minh

a vid

a lá

fora

não

estav

a be

m,

prob

lemas

em

casa

, já,

e se

calh

ar fo

i uma

fuga

par

a a

frente

. E d

esta

vez

não,

desta

vez

foi m

esmo

, não

, ch

egou

a ho

ra, já

cheg

a de f

azer

asne

iras e

decid

i par

ar, p

ronto

, che

guei

a ess

a con

clusã

o.” (R

ogér

io, Q

3)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

43

Palco

s e

comu

nicaç

ão

3. Nó

s e o

s out

ros –

co

mun

icaçã

o na

co

mun

idad

e

2005

“(...)

falo

comi

go, n

ão de

saba

fo co

m nin

guém

...” (C

arlos

, A5)

• “(.

..) a

conv

ersa

dele

s, o

tema

deles

de

conv

ersa

é se

mpre

a m

esma

, a d

roga

é a

quela

conv

ersa

... vã

o ao

fim

do m

undo

, vão

aqui,

vão a

li, às

Mar

ianas

, vão

aqui,

vão a

li (...)

” (Ca

rlos,

A6).

• “n

o Na

tal, a

minh

a mã

e fal

eceu

... e..

. entã

o a

minh

a fam

ília n

ão m

e dis

se n

ada,

eu e

stava

aqu

i... p

asse

i cá

o Na

tal, p

asse

i o fim

do

ano,

e nã

o ha

via m

eio d

e me

dize

rem,

ning

uém

me d

izia

nada

, e e

u tan

to ch

ateav

a o

Rodr

igo [m

onito

r], “e

h pá

, deix

a-me

telef

onar

par

a ca

sa, q

uero

sabe

r com

o é

que

está

a mi

nha

mãe,

os m

eus

filhos

, eh

pá”..

. “oh

hoje

não

telefo

nas,

não

pode

s tel

efona

r”, d

epois

... ah

... co

meço

u-me

aqu

ilo a

... mo

er,

“eh

pá, n

ão m

e de

ixas

telefo

nar p

orqu

ê?” .

.. tan

to o

mass

acre

i, qu

e ele

... “e

h pá

, deix

a-me

telef

onar

, pá”

... “e

stá be

m”, e

le já

sabia

...” (C

arlos

, A13

)

• “(.

..) a

ajud

a qu

e me

dão

não

é a

melh

or q

ue m

e po

dem

dar..

. na

verd

ade

eu à

s vez

es se

ntia

que

nece

ssita

va

de o

utros

tipo

s de

ajud

a... m

as n

ão é

pos

sível,

entã

o ten

ho...

tenho

que

me

ajuda

r a m

im p

rópr

io...”

(Jaim

e, B1

2)

• “(.

..) u

ma p

esso

a ve

m ha

bitua

da a

... a

certo

s tip

os d

e há

bitos

... e

de m

anha

s, e

de m

entira

s...

e de

en

cobr

imen

tos, e

de

manip

ulaçõ

es...

[as p

esso

as q

uand

o ch

egam

à c

omun

idade

] vêm

com

... vê

m co

m es

se

jogo t

odo..

. e já

de an

os ni

sso..

.” (Ja

ime,

B18)

• “..

. soz

inho

já se

i o q

ue e

u vo

u faz

er, e

deix

o de

faze

r... m

as (.

..) co

m ou

tra p

esso

a (..

.) do

u as

ideia

s, de

pois

(...)

há s

empr

e um

a ide

ia má

... ou

tra id

eia b

em, d

epois

... a

coisa

aqu

i nun

ca c

ombin

a... a

s pe

ssoa

s nã

o sã

o be

m...

profi

ssion

ais, n

ão...

outro

s nã

o têm

mes

mo...

mesm

o (..

.) vo

ntade

... de

man

eira

que,

para

trab

alhar

, [co

m] u

ma p

esso

a se

m vo

ntade

... me

lhor t

raba

lhar s

ozinh

o (..

.) ag

ora

cheg

a aq

ui um

.... u

ns d

ois m

inutos

, de

pois

já va

i... de

itar,

ou va

i par

a cas

a, ou

está

lá de

ntro..

. não

sei q

uê...”

(Dár

io, C

12)

• “(.

..) a

falar

e eu

tento

... nã

o fala

r nad

a, nã

o sei.

.. vira

r as c

ostas

... é m

elhor

...” (D

ário,

C26

)

• “..

. ele

[o Ma

ndra

ke] (

...) at

é que

falou

bem.

.. falo

u uma

s cois

inhas

que n

ão de

via fa

lar, m

as ta

mbém

... do

resto

fal

ou be

m... f

alou p

or ex

emplo

duas

verd

ades

... e f

alou t

rês m

entira

s... “

(Dár

io, C

27)

2006

“Sim

, sim

, e e

u tam

bém

gosto

muit

o da

minh

a pr

ivacid

ade,

comp

reen

de, é

por

que

quan

do e

stou

sozin

ho...

enqu

anto

estou

no

meio

fica-

me u

m bo

cadin

ho s

em id

eias..

. que

r dize

r, se

m mi

olos,

sem

ideias

, e...

e ele

s fic

am se

mpre

com

ideias

, (...)

” (Dá

rio, J

15);

“Não

é se

m co

nver

sa, p

rogr

amaç

ão, e

stou a

falar

da m

inha v

ida, a

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

44

Palco

s e

comu

nicaç

ão

(cont.

)

Nós e

os ou

tros –

co

munic

ação

na

comu

nidad

e (co

nt.)

prog

rama

r a m

inha

vida,

e qu

ando

eles

entr

am n

o qu

arto,

eu

estou

com

eles,

e nã

o ten

ho te

mpo

de tr

atar d

o qu

e é qu

e dist

inguir

o qu

e é qu

e é co

m a m

inha v

ida, ..

.”(Dá

rio, J

16)

• “A

gen

te sa

ía à n

oite,

na zo

na d

o café

, esta

vamo

s ali u

m bo

cadin

ho...

mas e

u so

u um

a pe

ssoa

muit

o fec

hada

, tam

bém

não

gosto

de

falar

com

ningu

ém (.

..) E

las p

uxam

por

mim

, mas

eu

não..

.”(Má

rio, L

9); “

(...)

depo

is aq

ui há

dias

fui a

li ao

café

com

o An

tónio

[mon

itor],

“eh,

estás

muit

o go

rdo,

estás

isto,

está

s aqu

ilo...”

, as p

esso

as

por u

m lad

o são

boas

, mas

por o

utro l

ado s

ão m

ás, n

ão go

stam

bem

da ge

nte...”

(Már

io, L2

9)

• “[O

meu

dia p

refer

ido] É

o sá

bado

, é m

ais so

sseg

adinh

o, nã

o está

aqui

quas

e ning

uém.

..” (M

ário,

L38)

• “(.

..) s

ão p

esso

as ig

uais

a nó

s, sã

o tox

icode

pend

entes

que

estã

o... t

ambé

m es

tiver

am m

etido

s na

dro

ga,

sabe

m o

prob

lema,

e en

tão p

ode-

se fa

lar c

om e

les, d

amo-

nos

bem,

sab

e-se

, ajud

amo-

nos

uns

aos

outro

s, sa

bemo

s de o

nde v

ieram

, sab

emos

o qu

e esti

vemo

s a fa

zer lá

fora

(...)

” (Ne

la, M

14)

• “(.

..) a

par

tir do

mom

ento

em q

ue se

i lá, a

conte

ce, q

ualqu

er co

isa, q

ue à

s vez

es a

conte

ce, e

stão

aqui

muita

s pe

ssoa

s, vê

m de

muit

as…

vêm

de

muito

s sít

ios, u

ns v

êm d

e um

sítio

, outr

os v

êm d

e ou

tro, é

natu

ral q

ue à

s ve

zes

se c

onfro

ntem

uns

com

os o

utros

, ah…

têm

que

se s

aber

ouv

ir, nã

o se

pod

e tom

ar lo

go d

ecisõ

es

prec

ipitad

as, p

orqu

e às v

ezes

nem

um di

z a ve

rdad

e nem

o ou

tro (.

..)” A

ntónio

, P8)

Palco

s e

comu

nicaç

ão

4. Nó

s e o

s out

ros –

co

nflit

os,

anta

goni

smos

2006

“(...)

este

ve a

qui u

m ute

nte, (

...) o

Antó

nio (.

..) n

ão ti

nha

mão

neles

,... e

les fa

ziam

o qu

e qu

eriam

e lh

es

apete

cia, e

stá a

per

cebe

r, e

então

, hou

ve u

ma v

ez ..

. um

fim-d

e-se

mana

em

que

ele fo

i a c

asa,

e ap

arec

eu

aqui

já em

briag

ado,

e o

Antón

io es

tava-

lhe a

cha

mar a

aten

ção,

a da

r-lhe

um

corre

ctivo

, e e

le co

meço

u a

alter

ar m

uito a

voz (

...) e

aí eu

inter

feri (.

..) sa

be o

que é

que e

le fez

?... a

garro

u num

a fac

a e ve

io atr

ás d

e mim

(..

.) er

a um

indiví

duo m

uito a

gres

sivo (

...) só

por e

u me t

er m

etido

no m

eio (.

..)” (

José

, G31

; 32)

• “(.

..) e

le pr

óprio

[o in

divídu

o qu

e an

dou

atrás

de

mim

com

uma

faca],

aliá

s por

que

ele n

em p

ara

ele e

ra b

om,

que

ele c

ortav

a-se

todo

aí (

...) a

liás,

ele p

recis

ava

era

mais

de...

cuida

dos

psiqu

iátric

os...

porq

ue e

le (.

..)

segu

ndo s

e con

sta el

e con

sumi

u... b

astan

tes a

nos,

coca

ína, e

aquil

o afe

ctou-

lhe a

ltame

nte o

cére

bro..

.” (Jo

sé,

G34)

• “(.

..) n

ão é

que

eu

acre

dite

que

as re

gras

tenh

am d

e se

r que

brad

as, n

ão é

por

aí,

é… à

s ve

zes

faz fa

lta u

m bo

cadin

ho d

e fle

xibilid

ade…

e a

cho

que

a pa

rtir d

aí se

torn

ou u

m bo

cadin

ho m

ais fá

cil, d

eixei

de te

r aqu

i za

raga

tas (.

..)” (

Antón

io, P

7)

• “(.

..) a

inda

há p

ouco

temp

o tiv

e... t

ive q

ue e

xpuls

ar u

ma p

esso

a de

cá,

come

çou

ai ao

soc

o, de

u ai

um s

oco

fodido

, e p

uxou

dum

a fac

a e

come

çou

a co

rrer a

trás

do J

osé,

com

a fac

a... t

ive q

ue c

hama

r a G

NR...”

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

45

(Antó

nio, P

16)

Palco

s e

comu

nicaç

ão

5. Nó

s e o

s out

ros –

os

que

saem

20

05

• “(.

..) n

ão e

ntend

o, nã

o en

tendo

... [aq

uela

que

entro

u] já

está

naqu

ela d

e qu

e qu

er-se

ir e

mbor

a se

xta-fe

ira,

quer

dize

r, ve

io pa

ra c

á do

ming

o, se

xta fe

ira já

... do

is dia

s, só

... já

se s

ente

melho

r, já.

... já

está,

que

r-se

ir em

bora

...” (C

arlos

, A8)

• “..

. vou

-lhe

conta

r... u

ma d

espe

dida

aqui,

dom

ingo

pass

ado..

. foi

um m

oço

que

eu tr

ouxe

da

CM [l

ocal]

, que

es

tava

à be

ira d

a mo

rte, e

ajud

ei-o

aqui.

.. em

tudo

, em

tudo..

. ao

ponto

.. ao

pon

to qu

e tod

a a

gente

aqu

i dizi

a qu

e eu e

ra o

pad

rinho

dele,

e eu

era

o pai

dele,

e...

ele sa

iu... e

par

a mi

m ist

o é gr

atific

ante,

pelo

men

os sa

ber

que

ele a

guen

tou a

qui s

eis m

eses

, a te

ntar p

or a

cab

eça

dele

no lu

gar..

. ao

fim d

e se

is me

ses

talve

z nã

o...

não a

chas

se qu

e era

isto

que e

le qu

eria.

..” (J

aime,

B17)

• “[O

Man

drak

e]... f

oi ex

pulso

, não

é... f

oi ex

pulso

... ma

s (...)

era u

ma bo

a pes

soa..

. enfi

m...”

(Dár

io, C

28)

2006

“(...)

no

grup

o [qu

ando

entr

ei], d

estes

que

estã

o aq

ui, s

ó cá

esta

va o

Fra

ncisc

o, ma

is nin

guém

, é o

únic

o so

brev

ivente

... alg

uns j

á fiz

eram

uma

pas

sage

m, d

e dia

s só,

uma

sema

na, d

uas,

a do

Rog

ério,

por

exe

mplo.

.. es

teve

cá d

oze

dias..

. foi-

se e

mbor

a, e

agor

a re

gres

sou

e es

tá cá

dois

mese

s (..

.) ag

ora

o re

sto é

tudo

ma

lta qu

e está

aí há

um m

ês, u

m mê

s e po

uco (

...)” (

José

, G5)

• “(.

..) [O

temp

o qu

e fic

amos

aqu

i, um

a se

mana

] é p

ouco

temp

o... e

les p

rópr

ios d

izem,

os

meus

cole

gas

aqui

dizem

, no

mínim

o do

is, tr

ês m

eses

, par

a um

a pe

ssoa

sair..

. é co

mplic

ado,

depe

nde

das v

idas q

ue se

leva

fora,

quem

trab

alha,

quem

tem

obrig

açõe

s é co

mplic

ado..

.” (Jo

ão M

iguel,

H14

)

Palco

s e

comu

nicaç

ão

6. Tr

abalh

o lá

fora

(e

nqua

nto

inte

rno)

2006

“(...)

esti

ve s

eis m

eses

par

ado,

seis

mese

s no

temp

o do

Rod

rigo,

e tam

bém

afecto

u-me

muit

o po

rque

ago

ra

poss

o co

ntar,

o me

u do

cume

nto c

aduc

ou e

o m

eu p

atrão

não

que

ria re

nova

r-me

porq

ue n

ão e

stá a

faze

r de

scon

tos...”

(Dár

io, J7

)

• “(.

..) o

trab

alho

está

bom,

o m

eu p

atrão

, dou

-me

muito

bem

com

ele...

já há

muit

o tem

po q

ue e

stou

a tra

balha

r pa

ra e

le, se

mpre

... e

já a

cabe

i algu

mas o

bras

, naq

uelas

ond

e eu

lá e

stive

, o p

atrão

não

tem

obra

s defi

nidas

para

mim

...” (D

ário,

J13)

• “(.

..) S

im, fa

lo co

m o [

direc

tor da

comu

nidad

e], se

o [di

recto

r] me

deixa

r ir tr

abalh

ar...

e vou

...”(M

ário,

L26)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

46

Palco

s e

comu

nicaç

ão

7. Co

nsum

o na

co

mun

idad

e (o

miss

ão)

2006

“(...)

tenh

o a

telev

isão

a pr

eto e

bra

nco,

mas e

u pr

eciso

de u

ma, v

ou co

mpra

r uma

... um

a tel

evisã

o com

o de

ve

ser,

nova

... um

a tel

evisã

o, um

a ap

arelh

agem

, cois

a as

sim, e

ai c

omeç

o a

juntar

as m

inhas

coisa

s, aq

uilo

que

der p

ara

comp

rar e

mais

dia

meno

s dia

pos

so...

já ten

ho a

s minh

as c

oisas

org

aniza

das..

. e já

pos

so m

eter a

ca

beça

no

racio

cínio,

par

a pe

nsar

isso

aqu

i... p

ronto

, qua

ndo

eu tiv

er u

mas c

oisas

... um

a ca

sa, q

uand

o me

for

embo

ra já

tenh

o uma

s cois

as (.

..)” (

Dário

, J6)

• “(.

..) h

á dois

rapa

zes q

ue fa

laram

comi

go se

eu q

ueria

gan

har a

lgum

dinhe

iro, p

ara

que

lhes p

assa

sse a

roup

a a

ferro

, eles

esta

vam

à pr

ocur

a de

uma

mulh

er, lá

fora

na

rua,

para

pag

ar a

uma

mulh

er, o

Antó

nio [m

onito

r] fal

ou c

omigo

, por

que

era

melho

r dar

-me

o din

heiro

a m

im p

ara

que

eu lh

e pa

ssas

se a

roup

a a

ferro

, pre

feria

dar-m

o a

mim

do q

ue a

algu

ém lá

fora

... e

agor

a tam

bém

como

esta

mos à

esp

era

que

tratem

dos

trâm

ites,

e nã

o tem

os d

inheir

o, nã

o te

mos

nada

, esta

mos

mesm

o se

m din

heiro

, e d

epois

eu

disse

“sim

, sim

, sem

pr

oblem

a, pa

ra m

im é

melh

or”,

e en

tão ta

mbém

pas

so a

ferro

a ro

upa

do A

ntónio

[mon

itor]

e do

Dár

io. O

An

tónio

[mon

itor]

e o

Dário

são

os

dois

rapa

zes

a qu

em p

asso

a ro

upa

a fer

ro, e

a q

uanti

dade

, dez

eur

os,

cinco

euro

s, nã

o me i

mpor

ta... a

quan

tidad

e põe

m ele

s...”

(Nela

, M18

)

• “(.

..) n

a alt

ura

do R

odrig

o eu

bas

tantes

veze

s tinh

a ch

ocola

tes e

ess

as co

isas,

a mi

nha

família

vinh

a cá

toda

s as

sem

anas

, tra

ziam-

me s

empr

e mo

ntes

de c

hoco

lates

, eu

metad

e pa

rtilha

va c

om to

dos,

e a

outra

meta

de

guar

dava

par

a mi

m (ri

sos)

(...)

O qu

e é

certo

é q

ue a

meta

de q

ue g

uard

ava

para

mim

, nem

meta

de d

a me

tade

eu co

mia

(riso

s) (..

.) Ac

abav

a tud

o po

r des

apar

ecer

(riso

s)...a

h... p

ronto

... ho

je em

dia,

até

se e

strag

am lá

na

gave

ta... e

toda

a ge

nte sa

be qu

e lá t

enho

... “va

i lá e

tira, c

ome”

...” (A

ntónio

, P15

)

Tem

po so

cial

1. Oc

upar

o te

mpo

2005

“(...)

esta

rotin

a é

comp

licad

a... (

...) é

ass

im, u

ma p

esso

a (..

.) qu

ando

vive

na

toxico

depe

ndên

cia, u

ma p

esso

a va

i até

ao e

xtrem

o da

s sit

uaçõ

es...

com

tudo..

. a p

esso

a de

ixa d

e ter

sen

timen

tos, o

u se

os

tem tê

m-os

tro

cado

s... (

...) e

qua

ndo

entra

aqu

i, co

m o

tempo

os

senti

mento

s co

meça

m a

vir, c

om o

temp

o a

pess

oa

come

ça-se

a s

entir

mais

frágil

, com

o te

mpo

come

ça a

ser

mais

sen

sível.

.. e..

. tud

o iss

o me

xe c

om a

pe

ssoa

...” (J

aime,

B34)

• “(.

..) o

meu

dia

come

ça a

ssim

: leva

nto-m

e, (..

.) ar

rumo

logo

a m

inha

cami

nha..

. dep

ois vo

u tom

ar o

peq

ueno

-alm

oço..

. dep

ois q

uand

o sa

io, s

ento-

me a

qui c

inco

minu

tos, d

ez...

pron

tos, d

epen

de, f

umo

o me

u cig

arro

, de

pois

quan

do c

hega

às

nove

hor

as m

ais o

u me

nos,

então

ai c

omeç

o a

levar

as

minh

as ta

refas

... faç

o aq

uelas

que

são

minh

as, e

as q

ue n

ão fa

zem

(...)

vai tu

do a

eito

... pr

onto.

.. e

depo

is é

assim

, (...)

o b

ásico

lá...

está

feito.

.. ma

s sã

o de

z da

man

hã...

ou d

ez e

meia

da

manh

ã... e

u nã

o me

vou

ass

entar

... nã

o vo

u,

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

47

Temp

o soc

ial

(cont.

)

Ocup

ar o

tempo

(con

t.)

porq

ue n

ão d

á pa

ra m

im, .

.. en

tão c

omeç

o a

anda

r pela

cas

a, ...

o qu

e é

que

há p

ara

fazer

... há

sem

pre

qualq

uer c

oisa..

. qua

nto m

ais nã

o seja

para

mim

, há s

empr

e qua

lquer

coisa

para

faze

r... “

(Mar

ia, E

25)

2006

“Sim

, sim

, nor

malm

ente

as p

esso

as n

ão tê

m o

sono

... es

tas p

esso

as, t

óxico

s, nã

o têm

muit

o so

no a

ssim

du

rante

a n

oite..

. às v

ezes

aco

rdam

, às v

ezes

vão

à ca

sa d

e ba

nho,

não

têm so

no, à

s vez

es...

perd

em o

sono

du

rante

a n

oite,

pron

to, e

no

mome

nto d

á pa

ra p

uxar

um

cigar

ro p

ara

fumar

... ele

s co

m ele

s nã

o faz

muit

a co

isa, m

as p

ara

mim

já é

uma

coisa

que

não

... pa

ra u

ma p

esso

a qu

e nã

o fum

a já

faz...

eu c

hego

a e

star n

a sa

la...

até n

a sa

la, im

agina

, cinc

o pe

ssoa

s a

fumar

ao

mesm

o tem

po e

um

que

não

fuma..

. já

ai é

um

boca

dinho

com

plica

do...

e tod

os fu

mam.

.. eu

que

não

fumo

, uma

pes

soa

tem q

ue s

air, n

ão v

ou d

izer a

eles

“a

qui n

ão fu

mas”,

não

pod

e se

r...e

na sa

la me

smo,

pode

m fum

ar...s

ó no

qua

rto é

que

não

... no

qua

rto n

ão, n

o qu

arto

não d

evia

fumar

... ma

s pro

nto, e

les po

dem

fumar

...” (D

ário,

J14)

• “[D

e dia

] And

o de

um

lado

para

o o

utro,

eu e

eles

, aí a

faze

r lim

peza

s...de

pois

estou

ali u

m bo

cadin

ho, e

vou

para

o me

u qua

rto, v

ou pa

ra o

meu c

antin

ho...e

u sei

como

é qu

e é a

vida l

á for

a...”(

Mário

, L12

)

• “F

aço,

quan

do h

á pa

ra a

i qua

lquer

coisa

, faç

o... t

enho

and

ado

a lim

par o

s telh

ados

(...)

coita

dos,

també

m nã

o têm

qua

se n

ada

para

a g

ente

fazer

[mate

riais]

... eu

esto

u a

desm

anch

ar o

telha

do, l

impa

r o te

lhado

ago

ra,

mais

logo

pinto,

(...)

isto

é um

a gr

ande

obr

a qu

e es

tá aí.

.. ist

o es

tá po

dre,

para

que

m an

da a

í nos

telha

dos,

pode

de

repe

nte a

quilo

cair,

e a

gente

vem

cá p

arar

a b

aixo

(...)

já lá

estiv

e (..

.) tem

que

se

anda

r, ma

s co

m cu

idado

... eu

sou

o m

ais le

ve d

eles

todos

, ten

ho q

ue ir

lá c

ima

(...)

a ge

nte te

m qu

e an

dar c

om c

uidad

o, é

anda

r no

tecto.

.. me

io so

lto (.

..) e

ped

ras..

. tem

muit

a co

isa lá

em

cima..

. está

aí...

ago

ra te

nho

que

ir lá

cima,

tapar

umas

coisa

s, tel

has q

ue es

tão pa

rtidas

(...)

” (Má

rio, L

14)

• “(.

..) é

anti

ga, u

ma c

asa

como

esta

tão

gran

de, e

a h

orta,

tamb

ém, t

ratou

da

horta

, dos

anim

ais, o

s an

imais

an

tes,

o ch

ão d

os a

nimais

esta

va c

heio

de p

orca

ria,

de p

orca

ria d

os p

atos,

e tud

o, e

estav

a tud

o de

sarru

mado

, e el

e pô

s tud

o ar

ruma

do, t

udo l

impin

ho, t

oda

a fer

rame

nta co

locad

a, as

gaiol

as to

das l

impin

has,

tudo

nos

anim

ais...

tudo

limpin

ho, a

hor

ta tam

bém,

tratá

mos

da h

orta,

pas

samo

s o

dia a

qui...

pas

sa-se

a

voar

...” (N

ela, M

22)

• “(.

..) a

qui a

té se

des

cans

a... h

á aq

uele

perio

do d

e tem

po, q

ue é

o te

mpo

livre

, até

às q

uatro

, trê

s e m

eia, o

u o

que

é, eu

esto

u se

mpre

[a d

ormi

r] até

às q

uatro

... se

mpre

um

boca

dinho

mais

(...)

Qua

se to

dos,

prati

came

nte

todo o

mun

do [fa

z a se

sta aq

ui]” (

Ósca

r, N3

0)

Temp

o soc

ial

2.

Ocup

ar o

corp

o e

o es

pírit

o 20

05

• “(.

..) é

que

eu

ando

aqu

i mas

...a m

inha

cabe

ça n

unca

está

cá..

.[está

] for

a da

qui,

eu is

olo-m

e de

sta g

ente

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

48

Temp

o soc

ial

(cont.

)

Ocup

ar o

corp

o e o

espír

ito

(cont.

)

porq

ue...

não c

onsig

o, es

tou no

utro l

ado..

. “ (C

arlos

, A1)

• “(.

..) m

as p

ara

traba

lhar,

não

é... (

...) ta

nto [f

az e

star]

fora

como

den

tro...

desd

e qu

e es

tou a

trab

alhar

, esto

u be

m...”

(Dár

io, C

10; 1

1)

• “..

. qua

ndo

estou

a tr

abalh

ar...

estou

mais

dist

raído

, mais

dive

rtido..

. o te

mpo

pass

a me

lhor..

. o te

mpo

pass

a, en

quan

to um

a pe

ssoa

... se

ntada

, ass

im, u

ma ho

ra nã

o pas

sa...

depo

is é b

om pa

ra o

corp

o, tam

bém.

..” (D

ário,

C1

6)

• “(.

..)...

e de

pois

é bo

m pa

ra a

saúd

e, pa

ra o

nos

so...

depo

is um

a pe

ssoa

está

par

ado

fica

com

o co

rpo

muito

mo

le e

pesa

do, n

ão se

i...de

pois

estam

os a

trab

alhar

e o

corp

o es

tá...

é... g

inásti

ca...

o co

rpo

está

semp

re (.

..)

semp

re em

activ

o (...)

” (Dá

rio, C

17)

• “(.

..) à

s ve

zes

(...)

ainda

sint

o aq

uele

vazio

, par

ece

que

me fa

lta q

ualqu

er c

oisa..

. mas

pro

nto, e

u aq

ui ten

ho

um si

stema

, (...)

qua

ndo

come

ço a

senti

r iss

o... p

ara

já es

tou se

mpre

a t

raba

lhar,

estou

semp

re a

mex

er-m

e, (..

.) nã

o par

o (...)

” (Ma

ria, E

24)

• “(.

..) h

á du

as se

mana

s (...)

foi n

um sá

bado

(...)

fiz a

s tar

efas d

e ca

sa...

e dig

o as

sim, “

ai jes

us, m

as is

to é

tão

cedo

(...)

eu n

ão po

sso

estar

aqui

para

da”..

. e ao

sába

do, n

ós lim

pamo

s a ca

sa, e

temo

s dep

ois o

resto

par

a...

para

ver t

elevis

ão...

o dia

é no

sso..

. com

ecei

a olha

r par

a as e

scad

as, “

oh p

á, ist

o não

pod

e se

r ass

im...

“, [fu

i] bu

scar

o b

alde,

busc

ar o

sab

ão, o

esfr

egão

, a e

scov

a....

come

cei a

limpa

r aqu

ilo...

a es

cada

ria to

da (.

..) “ó

Ma

ria, o

que

é q

ue tu

está

s a

fazer

, tu

estás

malu

ca?”

(...)

e e

ntão

é o

que

eu d

igo, “

estou

stre

ssad

a! Nã

o dig

as na

da...

”(...)

” (Ma

ria, E

26; 3

0)

• “[E

star s

tress

ada é

estar

a pe

nsar

] (...)

naqu

ilo qu

e não

devo

...” (M

aria,

E27

) 20

06

• “(.

..) e

star a

li a fa

zer c

omida

par

a do

ze, t

reze

pes

soas

, diar

iamen

te, e

esta

r uma

pes

soa

sozin

ha, é

ass

im, u

m (..

.) no

ver

ão a

quilo

é u

ma s

auna

, a p

esso

a sa

i dali

todo

par

tido,

cheg

a à

hora

do

almoç

o, eu

aca

bo d

e alm

oçar

, e se

não f

or de

scan

sar u

m po

uco n

ão se

i se a

guen

to o r

esto

do di

a, ...”

(Jos

é, G3

5)

• “A

h, po

r um

lado

é bom

, por

outr

o lad

o... te

nho q

ue e

star s

empr

e aq

ui, vi

nte e

quatr

o hor

as...

quan

do e

stive

a pr

imeir

a ve

z, já

há q

uatro

ano

s, es

tava

cá o

senh

or N

é [m

onito

r], a

gen

te sa

ía, a

gen

te ia

ao ca

fé, a

gora

não

vamo

s ao

café

, já

não

vamo

s sa

ir... a

gora

não

, não

pod

e (..

.) de

pois

agor

a es

tá cá

este

cas

al e

a ge

nte

não p

ode s

air...”

(Már

io, L8

)

• “N

ão, n

ão é

obr

igado

... a

gente

está

à c

ozinh

a, é

à co

zinha

que

fica

... no

refei

tório

mete

as m

esas

, mas

eu

gosto

… e

u nã

o go

sto d

e es

tar p

arad

o...

estar

par

ado

també

m me

cus

ta, e

star

aí se

m sa

ber

o qu

e

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

49

Temp

o soc

ial

(cont.

)

Ocup

ar o

corp

o e o

espír

ito

(cont.

)

fazer

...”(M

ário,

L18)

• “U

m dia

de t

raba

lho, n

orma

l, lá

fora?

Lev

antas

, limp

as a

casa

, peg

as em

qua

lquer

coisa

, entr

etido

, por

que

não

é obr

igatór

io tra

balha

r....q

uem

traba

lha é

que

m qu

er...

bom,

é as

tare

fas da

casa

, a lim

peza

, eu

desd

e qu

e vim

pa

ra a

qui c

omec

ei co

m a

horta

zita,

entre

tive-

me c

om a

hor

ta, e

and

o na

hor

ta...

dá p

ara

pass

ar o

temp

o...”

(Ósc

ar, N

27);

“Gos

to [da

hor

ta]...

é on

de p

asso

o te

mpo,

ou a

i ou

a do

rmir

a se

sta...

é mu

ito ra

ro q

ue e

u ve

ja tel

evisã

o...”

(Ósc

ar, N

28)

• “(.

..) a

gen

te de

man

hã a

cord

ávam

os à

s oit

o ho

ras,

sete

e m

eia, v

á lá,

eu

por n

orma

aco

rdo

às s

ete, s

ete e

me

ia, (.

..) s

ó que

vejo

que h

á aqu

i pes

soas

que p

recis

am m

ais, te

nho p

esso

as aq

ui qu

e têm

SID

A, es

tão m

ais

debil

itado

s, ou

tros

que

têm h

epati

tes c

’s, (.

..) o

utros

têm

tumor

es c

ance

rígen

os…

enfi

m, e

as

pess

oas

é na

tural

que

se s

intam

can

sada

s, e

prec

isem

de d

esca

nsar

, (...)

não

era

por

cau

sa d

e ma

is me

ia ho

ra o

u de

me

nos

meia

hora

que

eu

me ia

and

ar a

cha

tear c

om n

ingué

m, e

entã

o re

solvi

ada

ptar,

a um

a ho

ra q

ue p

or

exem

plo n

o ver

ão, o

sol já

nas

ceu

há d

uas h

oras

ou

à trê

s, e

a pe

ssoa

sem

quer

er p

or si

só ac

orda

, (...)

oito

e

meia,

já o

sol

nasc

eu h

á du

as h

oras

, a p

esso

a ac

aba

por

acor

dar

por

si só

, par

ece

que

acor

da b

em

dispo

sta(..

.)” (A

ntónio

, P6)

Temp

o soc

ial

3. Es

paço

s

2005

“(...)

gos

to de

esta

r mais

cá fo

ra...

mais

cá fo

ra, [

lá] d

entro

... há

mom

entos

em

que

tenho

que

lá ir

... pa

ra ve

r tel

evisã

o “ (D

ário,

C7)

; “...

bom,

sinto

-me f

echa

do, s

into-

me (.

..) nu

m mu

ndo,

num

mund

o que

não v

ê, nã

o vejo

as

coisa

s... n

ão ve

jo ho

rizon

te...”

(Dár

io, C

8)

• “..

. a d

istân

cia lo

nge,

ali e

u... v

ejo a

pais

agem

... ve

jo os

mon

tes, f

ica m

ais...

eu vo

u ali

e m

elhor

o a

cabe

ça...

vou

lá de

ntro

e só

pen

so q

ue e

stou

lá de

ntro..

. fica

mais

... se

calh

ar n

ão se

i exp

licar

dire

ito, m

as fic

a ma

is...

indep

ende

nte, n

ão é.

... a v

ida...[

lá de

ntro]

fica u

m bo

cadin

ho m

ais fe

chad

o...”

(Dár

io, C

9)

• “(.

..) a

minh

a mã

e fic

ou e

ncan

tada

[com

a ca

pela

da co

munid

ade]…

ela

veio

aqui

ver-m

e, um

dia…

pro

nto, e

u an

dei a

mos

trar a

cas

a, aí…

e a

minh

a mã

e é

muito

aga

rrada

, a is

so (.

..) e

entã

o lev

ei-a,

sabia

que

ela

ia go

star…

mes

mo es

tando

naq

uele

estad

o (...)

e el

a fic

ou e

ncan

tada e

realm

ente

é ve

rdad

e… el

a é

bonit

a… se

es

tives

se r

ecup

erad

a, es

tando

bem

… b

em e

stima

dinha

… m

as p

ronto

, é o

que

se

pode

arra

njar,

não

é (ri

sos)…

” (Ma

ria, E

36)

2006

“Ach

o um

esp

aço

agra

dáve

l, bo

nito,

podia

ser

mais

apr

oveit

ado,

podia

ser

mais

bem

cuid

ado,

mas

se c

alhar

o há m

ais, p

aciên

cia...”

(Cris

tina,

F40)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

50

Temp

o soc

ial

(cont.

) Es

paço

s (co

nt.)

• “(.

..) p

or e

xemp

lo, n

ão e

stou

a diz

er u

ma p

esso

a qu

e ve

m re

ssac

ada..

. esto

u a

dizer

uma

pes

soa

que

vem

para

ficar

um

ano,

dois

anos

, (...)

ao

fim d

e pa

ssar

a re

ssac

a, (..

.) a

s tar

efas q

ue e

les tê

m qu

e faz

er, n

ão é

... (..

.), p

or e

xemp

lo: a

s tor

neira

s ali

de

fora

do ja

rdim

, ping

am á

gua

cons

tantem

ente.

.. a

corre

r (...)

com

o é

a câ

mara

que

pag

a, nã

o faz

mal,

deix

a-se

cor

rer a

águ

a... a

cho

isso

um d

espe

rdíci

o... a

cho

que

isso

é go

zar

com

a falt

a de á

gua d

as pe

ssoa

s que

não t

êm um

a gota

para

bebe

r (...)

” (Cr

istina

, F41

; 42)

• “(.

..) é

pá,

(...)

não

vou

ter a

gora

a co

zinha

abe

rta, a

qua

lquer

hor

a e

qualq

uer m

inuto

lhes a

petec

e, vã

o pa

ra

dentr

o da

cozin

ha e

vão-

se se

rvind

o... is

to nã

o é

assim

, aqu

i tem

que

have

r uma

s reg

ras,

e tem

que

hav

er...”

(Jo

sé, G

28; 2

9)

• “(.

..) M

udei.

.. lá

para

cima

, por

que

enfim

, eu

não

fumo..

. e d

epois

eu

tenho

o m

eu tr

abalh

o, e

depo

is ten

ho o

s pla

nos

e os

pap

eis, p

or e

xemp

lo os

meu

s do

cume

ntos,

coisa

s do

ban

co, e

não

sei

quê,

e pr

onto,

não

fazia

se

ntido

por

exe

mplo

estar

ali c

om e

les, d

eixo

os m

eus

docu

mento

s, nã

o ten

ho lu

gar p

ara

fechá

-los..

. dep

ois

eles

como

fuma

m no

qua

rto d

uran

te a

noite

, e e

u pa

ra m

im e

ra u

m pe

sade

lo e

uma

carg

a de

trab

alhos

...

acor

dar e

esta

r com

o fu

mo, e

isto

assim

(...)

e d

epois

ped

i par

a fic

ar a

i em

cima,

e pr

onto.

.. ele

[Antó

nio,

monit

or] a

ceito

u, es

tou m

ais so

sseg

ado,

esto

u mais

tran

quilo

...” (D

ário,

J5)

• “(.

..) à

s vez

es u

mas c

oisas

, por

exe

mplo

que

eu n

ão g

osto,

(...)

uma

pes

soa

está

na co

zinha

em

tronc

o nu

... a

fazer

com

ida p

ara

come

r... m

as ta

mbém

eu

não

me v

ou m

eter

nisso

... tud

o po

rque

o A

ntónio

[mon

itor]

perm

ite...”

(Dár

io, J1

0)

• “(.

..) o

qua

rto q

uand

o nó

s che

gámo

s tinh

a as

par

edes

a ca

ir, ca

iam, t

oda

a pin

tura,

e co

mo o

Ósc

ar [m

arido

] é

forte,

(...)

ele

usa

vento

inha

à no

ite, n

ão co

nseg

ue d

ormi

r sem

vento

inha,

senã

o se

nte-se

mal,

e e

ntão

com

a ve

ntoinh

a a

dar n

a pa

rede

, solt

ava-

se m

ais p

ared

e, e

caia

em c

ima

de n

ós...

e em

cim

a da

cam

a, e

ele

arra

njou

uma

tinta,

uma

tinta

de b

orra

cha,

deu

uma

demã

o de

pint

ura

e qu

ando

seco

u fic

ou se

gura

a p

ared

e, já

não c

ai, po

rque

a tin

ta na

pare

de, a

ssim

plás

tica,

já nã

o cai.

..” (N

ela, M

21)

• “(.

..) p

arec

ia um

infan

tário,

aqu

i em

baixo

, o ja

rdim

fico

u ch

einho

de

brinq

uedo

s, de

car

ros..

.de b

onec

os, d

e tud

o, a e

ntrad

a da p

orta

estav

a tod

a che

ia de

bone

cos,

pare

cia um

infan

tário.

..” (N

ela, M

37)

• “(.

..) [m

udav

a o

que

se p

assa

na

cozin

ha] ,

o te

ma d

a co

zinha

, sem

pre

foi u

m sit

io qu

e eu

tive

por

sag

rado

, ha

ver u

m co

zinhe

iro fix

o, e n

ão en

trar n

ingué

m na

cozin

ha, is

so si

m, di

sso n

ão go

sto...”

(Ósc

ar, N

31)

• “P

refiro

o ve

rão,

não

o inv

erno

, dep

ois a

prov

eito

semp

re a

li o ta

nque

zinho

, par

a da

r uns

mer

gulho

s, e

apan

har a

li um

boca

do d

e so

l, faz

emos

semp

re gi

násti

ca, c

orre

mos..

.”(Ro

gério

, Q21

)

Mem

órias

de

cons

umo

Atib

uiçõ

es ca

usais

20

05

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

51

Memó

rias d

e co

nsum

o

1. Co

nsum

o/

Reca

ída p

or

dific

ulda

des

• “(.

..) re

volta

va-se

contr

a tud

o e

contr

a tod

os...

e aq

ui foi

o q

ue ..

. cam

inho,

para

certa

s cois

as, n

ão é

... a m

inha

mane

ira de

ser..

.” (Ja

ime,

B11)

20

06

• “(.

..) q

uand

o co

meçá

mos

a an

dar a

ssim

[dep

ois d

os p

roble

mas

entre

a s

ogra

e a

mulh

er],

come

çámo

s a

estra

gar,

logo..

. e lo

go a

Nela

... be

m, o

s do

is qu

ase

ao m

esmo

temp

o (..

.) fum

ámos

... p’r

o fim

era

injec

tada,

um p

ouco

... un

s quin

ze d

ias...

até tiv

e un

s pro

blema

s, fui

par

ar a

o ho

spita

l e tu

do, p

or ca

usa

do fí

gado

, e tiv

e qu

e deix

ar...”

(Ósc

ar, N

20)

Memó

rias d

e co

nsum

o

2. Co

nsum

o/

Reca

ída p

or

acom

panh

amen

to

do co

nsum

o

2005

“... j

untei

-me

nova

mente

com

a F

átima

... vo

cê c

onhe

ceu

a Fá

tima..

. a g

ente

juntou

-se...

juntám

o-no

s em

Ma

rço...

saí d

aqui

em F

ever

eiro..

. juntá

mo-n

os e

m Ma

rço...

só q

ue e

la co

nsum

ia, e

u nã

o sa

bia...

e en

tão, v

i-a

cons

umir..

. dep

ois ol

ha, e

u aca

bei p

or ir.

.. aca

bei p

or sa

ber e

acab

ei po

r... ir

, tamb

ém...”

(Jaim

e, B4

)

• “(.

..) te

nho

um ir

mão

mais

velho

, que

eu..

. que

come

çou

a co

nsum

ir... h

eroín

a (..

.) e

eu...

acha

va e

le es

tranh

o (..

.) nã

o co

nseg

uia a

lcanç

ar o

que

era

, pen

sava

que

era

por

cau

sa d

e es

tar e

m de

pres

são

por c

ausa

de

o no

sso

pai te

r fale

cido

assim

daq

uela

forma

(...)

e a

quilo

fazia

-me

confu

são,

até q

ue h

á um

dia

que

(...)

fui fa

lar

com

outro

ami

go n

osso

, fui

dizer

“eh

pá o

que

é q

ue s

e pa

ssa

com

o me

u irm

ão?”

, “En

tão n

ão e

stás

a ve

r o

que

é?” (

...) e

ele

diz-m

e “e

h pá

o te

u irm

ão a

nda-

se a

dro

gar..

. não

está

s mes

mo a

ver o

que

é?

Deve

and

ar

com

hero

ínas,

ou co

isas d

essa

s...”(

...) e

o q

ue é

que

eu

faço

... er

a um

gaia

tito, d

e vin

te an

os, n

a alt

ura..

. vou

ter

com

ele.

.. ca

ra a

car

a, só

que

ele,

é c

laro..

. é q

uase

do

dobr

o do

meu

tama

nho..

. ah,

e de

pois.

.. co

mo a

lig

ação

é m

uito

forte.

.. em

vez

de

dar p

ara

chor

ar o

u pa

ra o

utra

coisa

qua

lquer

... e

pedir

-lhe

por t

udo

para

pa

rar,

não..

. deu

-me

para

... me

aga

rrar a

ele

à pa

ncad

a a

ele (r

isos)

e ele

a p

edir

por t

udo

para

eu

estar

so

sseg

ado..

.para

esta

r sos

sega

do q

ue n

ão...

“ó A

ntónio

, está

quie

to, n

ão fa

ças

isso,

pá” (

...) “n

ão fa

ço is

so,

então

tu a

ndas

-te a

mata

r, pá

... es

tás p

arvo

”, ma

is as

sim, m

ais a

ssad

o... e

o g

ajo n

ão p

arav

a co

m aq

uilo..

. eu

todos

os

dias

em c

ima

dele,

(...)

um b

elo d

ia qu

e en

tro n

o qu

arto,

o n

osso

qua

rto e

ra c

omum

... en

tro n

o qu

arto

está

ele a

cons

umir

(...)

ele fu

mava

... e

eu a

ssim

: “ou

ve, o

u tu

para

s com

isso

, ou

eu co

meço

tamb

ém,

e dep

ois va

is ve

r o qu

e é qu

e te d

ói”...

foi as

sim a

prim

eira v

ez...

que e

u com

ecei

a con

sumi

r...”

(Antó

nio, D

5)

• “..

. a n

ossa

vida

era

uma

vida

de..

. o n

egóc

io er

a um

neg

ócio

que

é mu

ito d

e ba

r, de

café,

de

resta

uran

te...

a ge

nte c

ompr

ávam

os e

ven

díamo

s au

tomóv

eis b

atido

s, e

essa

s co

isas

assim

(...)

entã

o iss

o é

um n

egóc

io on

de s

e be

be m

uito

à me

sa e

com

e-se

muit

o à

mesa

... es

tá-se

três

qua

tro h

oras

... há

um

dia...

(riso

s) já.

... co

m um

a “g

anda

touc

a” (.

..) a

té fui

eu

que

olhei

para

ele.

.. e

ele o

lhou

para

mim

e d

isse-

me “n

ão, n

em p

ense

s nis

so” (

...) n

esse

dia

não

fomos

... no

dia

a se

guir

ele fa

z-me

o olh

ar e

sou

eu q

ue d

igo...

“não

não

, não

vamo

s

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

52

Memó

rias d

e co

nsum

o (co

nt.)

Reca

ída po

r ac

ompa

nham

ento

do

cons

umo (

cont.

)

não”

... ao

terc

eiro

dia, o

olha

r é d

os d

ois...

montá

mos n

o ca

rro fo

mos

direit

os a

Lisb

oa...

“ah,

é só

des

ta ve

z, pa

ra...

a gen

te (..

.) de

sanu

viar”.

.. ass

im fo

i... co

nsum

imos

esse

dia..

.” (A

ntónio

, D12

) 20

06

• “(.

..) c

omec

ei co

m am

igos

que

não…

que

fuma

vam

char

ros,

eu n

ão fu

mava

, com

ecei

por

fumar

o m

eu

prim

eiro c

harro

sozin

ha, s

em ni

ngué

m, e

depo

is foi

um ca

minh

ar…

” (Cr

istina

, F4)

• “S

e eu

con

sumo

com

o J

oão

Migu

el? (.

..) p

ratic

amen

te nã

o co

nsum

o so

zinha

... de

pois

isso

també

m é

outro

ma

l, foi

nós t

ermo

s... f

ui eu

ter p

ermi

tido

que

o Jo

ão M

iguel

quise

sse

fumar

... o

João

Migu

el nã

o qu

eria

fumar

, ao

prin

cípio.

.. nã

o qu

eria

que

eu fu

mass

e, e

para

tenta

r que

eu

deixa

sse,

ele co

meço

u ele

a fu

mar..

. a ló

gica

estúp

ida d

ele...

era

que

se e

u vis

se q

ue e

le es

tava-

se a

aga

rrar,

que

eu ia

deix

ar d

e fum

ar (.

..)” (

Crist

ina, F

33;

34)

• “(.

..) n

ós já

temo

s tan

ta cu

mplic

idade

os

dois

(...)

que

basta

(...)

nós

olhá

rmos

um

para

o o

utro

e eu

já s

ei o

que

é qu

e ele

está

a p

ensa

r, e

ele sa

be o

que

é q

ue e

u es

tou a

pen

sar,

eu já

sei s

e ele

tem

algum

a co

isa, e

le já

sabe

se eu

tenh

o algu

ma co

isa (.

..) D

e con

sumi

r...”

(Cris

tina,

F38;3

9)

• “(.

..)

há s

empr

e alg

uém.

.. à

espe

ra p

ara

ofere

cer,

“Ah,

estás

tão

baca

no”..

. é a

pala

vra b

anal,

“está

s tão

ba

cano

”... “

anda

cá,

só u

m fum

inho

não

te faz

mal”

, é s

empr

e a

conv

ersa

, é s

empr

e a

mesm

a co

nver

sa...”

(Jo

sé, G

24)

• “(.

..) o

meu

cas

o é

um c

aso

um b

ocad

o co

mplic

ado..

. já

conh

ecia

um b

ocad

o a

drog

a, nã

o de

ntro

dela.

.. de

pois

come

cei a

cons

umir q

uand

o com

ecei

a and

ar co

m a..

. com

a Cr

istina

...” (J

oão M

iguel,

H4a

)

• “(.

..) s

ozinh

o nã

o co

nsum

o... (

ri) [c

onsu

mimo

s] he

roína

(...)

Nun

ca q

uiz a

pren

der a

fuma

r, ela

é q

ue m

e dá

o

fumo..

. (ri)

(...)

talve

z com

med

o de

um

dia a

caba

sse

com

ela

e de

pois.

.. nã

o co

ntinu

asse

com

a dr

oga,

talve

z iss

o... u

m re

fúgio,

talve

z... c

omo

não

sabia

, ela

come

çou-

me a

dar

e a

cho..

. prim

eiro

expe

rimen

tei...

e só

co

nsum

o qua

ndo e

stou c

om el

a ....

(ri)..

. é um

boca

do as

sim...”

(Joã

o Migu

el, H

8)

• “(.

..) é

só co

m ela

[Cris

tina,

que

cons

umo].

.. só

os d

ois...

ela co

nsom

e so

zinha

, qua

ndo

tem d

e co

nsum

ir... e

u nã

o... q

uase

nun

ca...

uma

vez o

u ou

tra, à

s vez

es, q

uand

o nã

o po

sso

estar

... ma

s qua

se n

unca

... se

mpre

com

ela...

eu nã

o me a

jeito,

a da

r o....

não c

onsig

o (ri)

...” (J

oão M

iguel,

H21

)

• “(.

..) fo

i com

ela

que

come

cei i

sso,

não

é... c

onhe

ci-a,

ela já

era

toxic

odep

ende

nte...

eu n

ão...

sabia

e n

ão

sabia

, ma

is ou

men

os...

o pr

oblem

a...

ela f

umav

a se

mpre

ao

lado

comi

go,

no c

arro

, até

um

dia...

expe

rimen

tei...”

(Joã

o Migu

el, H

23)

• “F

oi po

r cau

sa d

e um

namo

rado

que t

inha,

o pr

imeir

o ho

mem

que c

onhe

ci, já

estav

a há m

uitos

anos

meti

do na

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

53

Memó

rias d

e co

nsum

o (co

nt.)

Reca

ída po

r ac

ompa

nham

ento

do

cons

umo (

cont.

)

drog

a, tin

ha e

stado

na

prisã

o, tam

bém,

tinha

saido

da

prisã

o, e

conh

eci-o

no

grup

o on

de p

aráv

amos

, e ju

ntei-

me e

com

ecei

a co

nsum

ir co

m ele

, prim

eiro

prov

ei, e

dep

ois d

e ter

pro

vado

já e

ra q

uase

todo

s os

dias

, fum

ando

, (...)

até

que

não

pude

deix

ar d

e pa

rar,

come

cei a

cons

umir

quas

e tod

os o

s dias

, ass

im e

stive

cinc

o an

os se

m pa

rar,

cons

umind

o her

oina e

coca

ina, fu

mada

s...”

(Nela

, M15

)

• “(.

..) se

i que

dei

por m

im e

já e

stava

a co

nsum

ir, já

estav

a ou

tra ve

z a re

ssac

ar (.

..) e

u se

i que

saim

os u

m fim

de

sem

ana

e a

partir

dai

não

me le

mbro

de

mais

nada

... am

igos

que

não

conh

ecia,

ami

gos

novo

s, ma

s sa

cara

m da

quilo

no

mome

nto, a

li na

mesa

, e c

omeç

amos

a c

onsu

mir..

. e q

uand

o eu

já q

uis c

oiso..

. já

me v

i co

m ela

, já..

. aga

rrado

, já

a re

ssac

ar...

já tin

ha c

onsu

mido

dua

s ou

três

vez

es, l

á co

m o

meu

amigo

do

traba

lho, m

as q

uand

o sa

imos

o fim

de

sema

na, e

ram

gente

... qu

e ne

m sa

biamo

s que

fuma

vam.

.. e

apar

eceu

iss

o na m

esa e

...”(Ó

scar

, N36

)

• “(.

..) d

epois

foi a

quela

s co

isas

de fi

m de

sem

ana,

e se

nti-m

e ma

l, a

prim

eira

vez

que

expe

rimen

tei, s

enti-m

e ma

l, se

nti-m

e ma

l disp

osto,

com

von

tade

de v

omita

r, as

sim c

oisas

des

se g

éner

o, e

depo

is olh

e, a

segu

nda

vez f

oi um

fim d

e se

mana

, com

uns

ami

gos,

e ex

perim

entei

outr

a ve

z, e

a se

nsaç

ão a

i já fo

i dife

rente

, foi

uma

sens

ação

assim

calm

a, as

sim ca

lmo,

relax

ado (

...)” (

Rogé

rio, Q

6)

• “(.

..) é

dific

il de

expli

car,

porq

ue d

epois

che

ga a

uma

altu

ra q

ue o

nos

so c

irculo

de

amigo

s... a

ndam

todo

s...

pron

tos, a

ndam

todo

s meti

dos n

a me

sma

coisa

... na

dro

ga, c

onso

mem

todos

... e

nós o

quê

... da

mo-n

os c

om

essa

s pes

soas

... e j

untam

o-no

s tod

os...”

(Rog

ério,

Q12

)

Memó

rias d

e co

nsum

o 3.

Cons

umo/

Re

caíd

a por

co

ntac

to co

m u

m

trafic

ante

2005

“E lá

fui...

isto

pare

ce qu

e... e

u cos

tumo

dizer

que a

s pes

soas

têm

um im

an...

não é

... e..

. e...

neste

aspe

cto e

u de

vo te

r tido

... as

sim qu

e che

guei

à A.[P

aís] c

onhe

ci log

o um

turco

(...)

Pro

ntos..

. estr

agou

-se tu

do (.

..) O

turco

(..

.) lá

deve

ter o

lhado

para

mim

, lá de

ve (.

..) te

r vist

o (...)

o pa

ssad

o que

anda

va aq

ui...(

Maria

, E8)

20

06

• “(.

..) po

r exe

mplo,

naqu

ela al

tura,

era u

ma p

esso

a que

vend

ia, qu

e íam

os a

casa

dess

a pe

ssoa

, com

práv

amos

e

cons

umiam

os lá

... pr

onto

a pe

ssoa

está

ali,

cheg

ava

ali, s

entáv

amo-

nos,

comp

ráva

mos

lá, fu

máva

mos

lá,

estáv

amos

ali u

m bo

m tem

po, à

s vez

es n

a co

nver

sa, .

.. pr

ontos

, e e

ra a

ssim

... sa

ia de

casa

, par

ece

que

não

tinha

sitio

nenh

um pa

ra on

de ir,

ia lo

go di

recto

ali (.

..) er

a log

o de m

anhã

!” (R

ogér

io, Q

13)

Memó

rias d

e co

nsum

o

4. Co

nsum

o/

Reca

ída p

or

caus

a de u

m

mom

ento

críti

co

2005

“a m

inha

ex-m

ulher

diss

e-me

, não

é...”

olha

, não

te d

isse

nada

mas

a tu

a mã

e já

falec

eu...”

(...)

saí,

e a

ssim

qu

e saí

estiv

e uma

sema

na bê

bedo

, de

dia e

de no

ite, e

stend

ido (.

..)” (

Carlo

s, A1

4)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

54

Memó

rias d

e co

nsum

o (co

nt.)

Cons

umo/

reca

ída po

r ca

usa d

e um

mome

nto

crític

o (co

nt.)

• “..

.depo

is ela

[Fáti

ma, c

om q

uem

vivia]

teve

um

avc,

falec

eu e

m De

zemb

ro (.

..) d

epois

and

ei de

svair

ado..

. de

doze

de D

ezem

bro,

até...

até ci

nco d

e Jan

eiro,

ande

i... an

dei n

a cor

da ba

mba..

. “ (J

aime,

B6)

• “a

té qu

e (...)

o me

u pai

falec

eu...

ah...

inesp

erad

amen

te (..

. ) fo

i em

três d

ias (.

..) e

dera

m-me

a no

tícia.

.. no

dia

31 d

e De

zemb

ro, e

stava

eu

numa

pas

sage

m de

ano

... for

am te

r com

igo, f

oram

-me

busc

ar...

logo

ai fo

i um.

.. fiq

uei a

ssim

um bo

cado

dese

quilib

rado

...” (A

ntónio

, D4)

20

06

• “(.

..) de

pois

dos c

harro

s foi

os m

eus p

ais te

rem-

se se

para

do (.

..)” (

Crist

ina, F

5)

• “(.

..), d

epois

de

ser o

pera

do p

ela p

rimeir

a ve

z, (..

.) ist

o foi

uma

chico

tada

psico

lógica

que

eu

levei

tão g

rand

e, tão

gra

nde,

quan

do ti

ve o

pro

blema

do

canc

ro d

o co

lon, q

ue a

pós

a op

eraç

ão, e

u tire

i os

ponto

s, nã

o é,

isto

come

çou

a cic

atriza

r, e

eu e

stava

em

casa

a re

pous

ar, n

ão a

qui n

o ce

ntro,

estav

a em

casa

da

minh

a mã

e a

repo

usar

, (...)

todo

s os d

ias e

u pe

nsav

a ne

ste p

roble

ma, d

e ter

sido

ope

rado

, que

eu

ia mo

rrer,

e pr

ontos

, foi

um tr

auma

que

eu

ganh

ei, e

eu

entre

i naq

uela,

já q

ue v

ou m

orre

r, vo

u mo

rrer m

ais d

epre

ssa..

. acre

dite,

foi

mesm

o as

sim (.

..) e

eu

ande

i par

a ai

o qu

ê, um

mês

, seg

uido,

a fum

ar n

ovam

ente

a dr

oga,

ande

i, eu

estou

a

ser s

incer

o, (..

.) ma

s de

pois

entre

i na

real,

entr

ei na

real,

com

ecei

a pe

nsar

, “eh

mas

espe

ra lá

, isto

de

come

çar a

fuma

r, va

i-me

matar

, mas

realm

ente

vai-m

e ma

tar...

mas

é len

tamen

te...

eu v

ou é

sofre

r...”

(José

, G4

9)

• “E

u co

mece

i foi

quan

do o

meu

pai

morre

u... e

u tin

ha a

migo

s, ma

s os

ami

gos..

. fum

ávam

os s

ó aq

ueles

ch

arro

s... e

entã

o eu

com

ecei

por a

i, de

pois

come

cei a

fuma

r coc

a, e

depo

is co

mece

i-me

a inj

ectar

...”(M

ário,

L2

)

• “F

oi qu

ando

soub

e qu

e a

minh

a mu

lher e

stava

grá

vida,

e er

a um

a me

nina..

. e e

u de

u-me

um

pens

amen

to...e

co

mece

i outr

a vez

... de

pois

já es

tava..

.” (M

ário,

L33)

Memó

rias d

e co

nsum

o

5. Co

nsum

o/

Reca

ída c

om a

fest

a

2005

“(...)

já n

a alt

ura

[os m

eus a

migo

s con

sumi

am] h

eroín

a... c

omeç

aram

pelo

axis

... es

sas c

oisas

, dep

ois...

já na

alt

ura,

hero

ína...

não

era

assim

gra

ndes

con

sumo

s, er

a aq

ueles

con

sumo

s es

porá

dicos

.. fes

tas (.

..) s

ó qu

e ha

via m

uitas

festa

s... o

prob

lema é

que h

avia

muita

s fes

tas....

” (An

tónio,

D2)

• “(.

..) de

pois

já nã

o se

bas

tava s

ó as

festa

s... e

eu

acom

panh

ava

com

eles..

embo

ra n

ão co

nsum

isse..

. qua

ndo

eles c

onsu

miam

eu ia

para

ali...

afas

tava-

me....

” (An

tónio,

D3)

• “(.

..)...

fomos

faze

r a p

assa

gem

de a

no lá

par

a cim

a, pa

ra o

nor

te...

já pa

ra fu

gir d

o am

biente

, por

que

o me

u

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

55

Memó

rias d

e co

nsum

o (co

nt.)

Cons

umo/

reca

ída co

m a

festa

(cont.

) pa

i tinh

a fale

cido..

. era

... é s

empr

e uma

data

chata

(...)

por s

orte

ou po

r aza

r tav

a lá u

m ...

um ra

paz c

onhe

cido

(...)

do m

undo

(...)

que

... tin

ha tin

ha...

tinha

her

oína

com

ele. F

oi as

sim...

fizem

os lá

uma

gan

da fe

sta, n

ão é

... “E

h pá t

enho

e co

iso, e

ntão e

stão a

onde

?”, “

Eh pá

estam

os al

i na p

ensã

o” e

tal (.

..)” (

Antón

io, D

13)

• “(.

..) p

ronto

e e

ntão..

. isso

é co

mo tu

do...

enqu

anto

não

se e

stá m

al, vã

o da

ndo

(...)

ofere

cem.

.. er

a fes

tas (.

..)

era

muita

dro

ga, p

ronto

, que

é m

esmo

ass

im...

era

muita

dro

ga (.

..) s

ó... c

ocaín

a... e

nqua

nto a

quilo

foi

anda

ndo,

lá... e

ntreta

nto, c

hego

u a um

ponto

que j

á não

... nã

o dav

a...”

(Mar

ia, E

9)

Memó

rias d

e co

nsum

o 6.

Cons

umo

por

curio

sidad

e 20

06

• “(.

..)e d

epois

foi o

quer

er co

nhec

er m

ais (.

..)” (

Crist

ina, F

8)

• “(.

..) fo

i a n

ovida

de, e

eu

não

conh

ecia,

não

é, c

omo

os o

utros

, tam

bém,

que

cair

am...

porq

ue a

gen

te na

alt

ura..

. era

mos m

iúdos

(...)

” (Jo

sé, G

17)

• “(.

..) a

té qu

e ap

arec

eu e

ssa

drog

a, a

hero

ína, a

coc

aína,

e de

pois

foi u

ma n

ovida

de, d

epois

é a

quela

... a

novid

ade,

fora d

e... n

ão te

m na

da a

ver c

om a

idade

(...)

” (Jo

sé, G

19; 3

8)

• “(.

..) co

meço

u po

r cur

iosida

de, a

prim

eira

vez q

ue e

xper

imen

tei fo

i her

oina,

não

goste

i, fum

ei, a

chei

aquil

o um

sa

bor h

orriv

el, eu

até

lembr

o-me

de co

menta

r com

o é q

ue e

les co

nseg

uem

fumar

isto,

isto

tem um

sabo

r, um

a co

isa es

quisi

ta (..

.)” (R

ogér

io, Q

5)

Memó

rias d

e co

nsum

o 7.

Cons

umo

por

prox

imid

ade/

por

disp

onib

ilidad

e

2006

“(...)

eh

pá, a

qui, o

stre

ss d

as c

oisas

, a p

roxim

idade

dos

sitio

s... e

h pá

não

sei (

...) fa

z co

m qu

e as

cois

as se

pr

opor

cione

m, nã

o sei.

. em

dez m

inutos

meto

-me (

...) na

cova

da m

oura

....” (

Crist

ina, F

31)

• “[S

arar

a m

arca

da

toxico

depe

ndên

cia] (

...) d

epen

de d

a... d

a ge

nte m

udar

mos

de z

ona,

ou d

e sit

uaçã

o, de

vid

a, eu

acho

que i

sto te

m mu

ito a

ver..

.” (Jo

sé, G

12)

• “(.

..) eu

por a

caso

tive a

sorte

de...

come

cei c

om tr

inta e

um an

o, ma

s qua

ndo e

u com

ecei

com

trinta

e um

ano,

(...),

muit

os jo

vens

na

altur

a qu

e ela

apa

rece

u (..

.) co

meça

ram

a co

nsum

ir co

m de

zass

eis e

dez

asse

te an

os...

porq

ue fo

i na a

ltura

que e

la ap

arec

eu...

“ (Jo

sé, G

20)

• “(.

..) p

asso

u a

ress

aca,

aque

la pa

rte d

a re

ssac

a, e

mais

não

sei q

uê, e

dep

ois co

mo tr

abalh

ava,

o co

rpo

tinha

qu

e me

mex

er, e

mais

não

sei q

uê, e

pro

nto, t

ive q

ue a

guen

tar, a

té qu

e pa

ssou

... ch

egue

i cá,

jurei

para

mim

, “n

ão, n

ão vo

u toc

ar m

ais n

aquil

o”, a

ssim

que

cheg

uei c

á, no

dia

a se

guir,

tumba

, volt

ei ou

tra ve

z...”

(Rog

ério,

Q1

1)

An

álise

de di

scur

so

Santu

ário.

Tra

nsiçã

o, pe

rcurso

s e re

sistên

cia no

conte

xto de

uma i

nstitu

ição t

otal.

Diss

ertaç

ão co

nduc

ente

à obte

nção

do gr

au de

Mes

tre de

Mar

garid

a P. d

e Alm

eida S

imõe

s Car

doso

. Orie

ntado

ra P

rof. D

outor

a Pau

la Go

dinho

. An

tropo

logia,

espe

cialid

ade d

e Mov

imen

tos S

ociai

s. FC

SH-U

NL.. 2

007

56

Mem

ória

hist

órica

1.

Situ

ar o

s mot

ivos

do co

nsum

o no

co

ntex

to h

istór

ico

2006

“(...)

foi (

...) n

aque

la alt

ura

da in

depe

ndên

cia, q

uand

o vie

ram

muito

s… o

s ret

orna

dos,

come

çou

a ha

ver m

uitas

dr

ogas

, muit

o hax

ixe, m

uita e

rva, fo

i nes

sa a

ltura

que e

u com

ecei

a dro

gar-m

e…” (

Crist

ina, F

7)

• “(.

..) e

u co

mece

i de

miúd

o, ap

arec

eu a

í a e

rva, q

ue v

inha

do u

ltrama

r, e

a ge

nte fu

mava

, os

noss

os c

harro

s, pá

, é m

esmo

ass

im...

falan

do b

om p

ortug

uês,

a ge

nte fu

mava

os

noss

os c

harro

s... e

entr

etanto

dep

ois

apar

eceu

o a

xis, e

a g

ente

conti

nuou

a fu

mar,

não

é, aq

uilo

era

um e

stímu

lo (..

.) tal

vez

fosse

por

um

praz

er

(...)

Não e

ra o

vício,

era o

praz

er de

fuma

r...”

(José

, G18

)