Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Universidade Nova de Lisboa
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Departamento de Antropologia
Santuário
Transição, percursos e resistência no contexto de uma instituição total
Dissertação conducente à obtenção do Grau de Mestre em
Antropologia, especialidade de Movimentos Sociais
Margarida Paula de Almeida Simões Cardoso
Orientadora: Prof. Doutora Paula Godinho
Junho de 2007
5
Agradecimentos
À Teresinha e ao Zé, porque não tinha feito este trabalho sem eles. A Teresinha aturou as minhas ausências, no trabalho de campo e dentro de casa, as leituras, as variações de humor, o cair de sono, os beijinhos de boa-noite quando já estava a dormir. O Zé, sobrecarregado com o seu próprio trabalho, de grande complexidade, esteve comigo em todas as horas.
Ao Rui, meu irmão, porque também não tinha feito este trabalho sem ele. Por tantos motivos e mais um: a sua biblioteca!
À minha Mãe e às minhas irmãs, por todos os motivos e mais uma: a Teresinha.
À minha Orientadora, a Prof. Doutora Paula Godinho, a quem agradeço ter confirmado sempre as primeiras impressões que tive: com a sua inteligência e enorme volume de informação, orientou-me a nível conceptual e metodológico, apoiou-me sempre na resolução das minhas dúvidas… mantendo a exigência, o bom humor e uma tolerância especial às inesperadas mudanças de planos!
Ao Desembargador João Moraes Rocha - e à sua família, a Sónia e as meninas -, porque abrindo as portas da sua casa, da sua impressionante biblioteca e acervo documental, tornou possível a concretização deste trabalho. Num momento particularmente exigente do seu próprio percurso académico, fui sempre acolhida calorosamente, guiada pelo meio dos livros com disponibilidade total, usufruindo de orientação bibliográfica e temática preciosa.
No CITI do INETI: à Doutora Maria Joaquina Barrulas e à Doutora Zita Correia, que me apoiaram, tornaram possível a obtenção da bolsa de mestrado e criaram sempre espaço institucional para eu poder desenvolver o meu trabalho. À Mónica André, pela amizade e pelas discussões conceptuais que nos mantêm alerta! À Rosália Cera e à Maria Dória, as minhas colegas bolseiras, porque estamos neste barco e divertimo-nos com isso!
Ao responsável pela comunidade, que me abriu as suas portas. A todos os que, na comunidade, aceitaram participar neste trabalho.
7
Resumo
Procura-se compreender se os indivíduos actuam como resistentes no contexto de uma comunidade terapêutica, uma instituição total. Através de uma abordagem qualitativa que junta a observação à recolha das narrativas de vida, interroga-se a forma como os indivíduos vivem o tempo e os seus quotidianos, bem como os sistemas simbólicos hegemónicos que os enquadram. A proposta de análise inclui algumas das abordagens associadas ao interaccionismo, cruzando-os com aspectos associados aos capitais e à descaracterização do habitus em função dos percursos de vida. Por fim, apuram-se algumas categorias nucleares, com particular centralidade nos aspectos temporais e em situações de transição específicas, na comunidade, como a da ressaca, ou a da separação do contexto de consumo e do mercado capitalista.
Abstract
The purpose is to understand if informants, drug and alcohol consumers as therapeutic community inmates, act as resistants in a therapeutic community - a total institution. A qualitative approach brings together observation and life stories, seeking to understand how people lead their time and their daily life, as well as the framing hegemonic systems. The analysis of life stories includes interactionist approaches, as well as capital and habitus conceptual frameworks. Some important dimensions like time and specific transition situations show up, including the relevance of hangover during first days in the community. Consumption and capitalist system aspects are also discussed.
9
Ìndice
Dedicatória 3 Agradecimentos 5 Resumo 7 Índice 9 1. Introdução 11
1.1. Olhar pelo outro lado: a recuperação na comunidade terapêutica 13 1.2. O objecto e o modo: advertências ao levantamento no terreno 17 1.3. Drogas: de que substâncias se fala? 17
1.3.1. A heroína e a cocaína 17 1.3.2. Alguns aspectos associados ao álcool 18
2. Um “club de cavalheiros” 21 2.1. Substâncias 23
2.1.1. Ópio 23 2.1.2. Coca 24
2.2. A droga de consumo 29 2.3 Em Portugal 32 2.4. Comunidades terapêuticas 35
3. A omissão do triângulo 37 3.1. Campos de forças 39 3.2. Tempo, consumos e estilos de vida desviantes 45
4. Tempo e processo: histórias de vida 47 4.1. Capitais e interconvertibilidade 51 4.2. Tempo e mudança 53 4.3. Tempo e memória 55
5. A nossa maneira de vermos o Outro é uma forma de nos vermos a nós mesmos? 57 5.1. Acesso e unidades de análise 59 5.2. Fazer reflectir o processo 61 5.3. Momentos da comunidade 62 5.4. Récits de vie e análise de discurso 62
10
6. Santuário: nós aqui e um lugar perigoso lá fora 67 6.1. Introdução 69 6.2. O circuito contextual 70 6.3. O jardim 73 6.4. O chão vermelho das arcadas 75 6.5. A ruína 76 6.6. Atrás da porta, na sombra, as regras da comunidade 78 6.7. Hora do lanche 86
A. Dário: um imigrante em Portugal 89 B. Cristina, estar cá dentro estando lá fora 94
7. Uma ilha no meio da paranóia 101 7.1 O corpo 103 7.2. A auto-imagem 105 7.3 A carreira moral 108 7.4 A dimensão dos quadros de referência. 111 7.5 A instituição total 113 7.6 Palcos e comunicação 115 7.7 O tempo social 117 7.8 A dimensão de memórias do consumo 118 7.9. As omissões 119
8. Conclusões: Fazer perdurar a mudança. 121 Bibliografia 127 Anexos. Análise de discurso
13
1.1. Olhar pelo outro lado: a recuperação na comunidade terapêutica
O presente trabalho tem como objectivo compreender se os indivíduos agem, ou não, como resistentes no contexto específico e na relação com uma instituição total, a comunidade terapêutica.
Procura-se apurar sob que forma a hegemonia e a resistência transparecem do discurso, através da expressão do regime da comunidade terapêutica, que terá a ver com a maneira como o tempo social é vivido. Assim se enquadra a primeira hipótese:
• A dominação não é aceite, e a não aceitação dá-se através da opção por uma estrutura simbólica própria, em que o valor de mercado do tempo (ressaca) se perde, mas o valor pessoal aumenta (tempo livre). O valor actualmente associado ao tempo passa a ser o valor trabalho? A ocupação do tempo na comunidade é uma forma de resistência, a ocupação do tempo em dadas tarefas é simbólica?
Por outro lado, procura-se compreender a coincidência dos objectivos da comunidade com o discurso expresso pelos agentes que a integram. Procura-se, assim, compreender se os agentes se encontram no processo de transição esperado ou, pelo contrário, se a sua lógica posicional é diversa. Os residentes na comunidade terapêutica descrevem esta lógica narrando a sua vida, o que os conduz até à comunidade, como vivem o dia-a-dia antes de chegar à comunidade, durante a estadia na comunidade e como perspectivam os dias futuros, quando e se tiverem projectos para sair.
A segunda hipótese de trabalho apresenta-nos o terreno em que a resistência é preferencialmente exercida e ganha maior visibilidade, uma instituição totalitária.
• Em que medida coincidem a expectativa e o pressuposto hegemónico da instituição com o discurso e as expectativas dos indivíduos?
14
Procura-se distinguir no discurso dos informantes os pontos de referência, ou perspectivas situacionais que adoptam no seu percurso como consumidores, e as distâncias do discurso aos objectivos institucionais do processo, enquadrados historicamente.
“O que é uma vida conseguida, realizada?: a questão convida-nos a tornarmo-nos espectadores de nós mesmos” (Ferry, 2002, p. 59). Historicamente, o Autor refere que sob uma perspectiva cosmológica, a coerêcia de uma vida encontra-se subordinada a uma entidade e a uma lógica superiores, exteriores – de que o homem se aproxima através da sabedoria sobre as coisas divinas, mas também à sabedoria prática (Ferry, 2002, p. 62-65). Num segundo momento, teológico, a transcedência personifica-se num deus, mantendo-se o pressuposto da aproximação a algo exterior. Num terceiro momento, utópico, procura-se a neutralização do indivíduo perante o todo social, e finalmente, no presente, o materialismo tenta abolir a transcendência mas, na verdade, o individualismo e o humanismo tornam-na de novo possível. Será que a abordagem ao consumo de substâncias (e à transgressão com o recurso a esse consumo) tem, por trás, esta perspectiva da vida realizada, conseguida? Será que se materializaram estes pressupostos numa espécie de etnocentrismo de vida? Pois bem, o pressuposto do abandono ideal deste etnocentrismo (abandono não inocente, não inócuo) é a linha de orientação deste trabalho, associado a uma abordagem qualitativa (Pais, 2002, p. 153). Como afirma Fernandes, “O “mundo da droga” é (...) visto pela cultura dominante como uma perda de sentido. (...) [mas] um mundo que perdura e se reproduz tem de encerrar uma lógica e um sentido.” (Fernandes, 1998, p. 206)
Hunt & Barker chamam a atenção para um dos demónios que assolam as pesquisas sobre o consumo de substâncias. Demónio ou demissão, do holismo a que as ciências sociais se vincularam há muito tempo atrás. E o que é? A separação das pesquisas sobre álcool, das pesquisas sobre as drogas (cf. Hunt & Barker, 2001, p. 171). Pois essa separação foi precisamente a que constatei que não posso fazer no meu trabalho. Não posso, porque da communitas que abordei fazem parte pessoas que consomem, ou consumiram, ou voltarão a consumir, todo o tipo de substâncias. Mas também porque, como ultimamente se confirma mas já se pressentia no terreno há tempo – e aqui refiro-me especificamente à minha experiência no Casal Ventoso: cada pessoa consome as mais diversas substâncias, em simultâneo ou em diferido no tempo. Assim, é necessário atender à agência dos consumidores de drogas ou bebedores problemáticos, e à sua resistência à ordem dominante (Hunt &
15
Barker, 2001, p. 177), ou pelo menos, aos pressupostos dominantes. É sobretudo necessário aceitar que o discurso que ouvimos é uma acção paralela a algo que apenas pressentimos.
A proposta de uma antropologia das substâncias, conforme os Autores referem, pode ser um bom ponto de partida, pois implica um único quadro de referência para o estudo. Este inclui o tratamento do consumo como revelador de comportamentos sócio-culturais, preocupações e símbolos; uma abordagem que se debruça sobre grupos e esferas de consumo diferenciados, comportamentos e decisões; a não-diferenciação, não-separação, da análise da produção, da distribuição e do consumo – uma vez que os actores podem ser os mesmos; e a proposta do exame das relações de poder associadas à economia moral das substâncias na sociedade (Hunt & Barker, 2001, p. 178). Esta antropologia das substâncias implica no entanto, no caso deste trabalho, algumas considerações a
priori:
a) Não pretendo fazer uma antropologia das substâncias, pelo menos não num sentido lato e abrangente, mas de um conjunto de pessoas, uma communitas – segundo Turner, a organização institucional de um conjunto de actores implicados (Turner, [1969] 1989, p. 166-167). Portanto, pessoas que num dado processo chegam a encontrar-se, seguindo por caminhos diferentes – e já agora, que caminhos são estes? Parece-me, por ora, uma antropologia, tout court.
b) O consumo revelará comportamentos sócio-culturais, mas neste caso abordo um conjunto de pessoas que são muito mais não-consumidoras, do que consumidoras – quer porque se definem pela negativa (pararam o consumo das substâncias), quer porque a sua situação em particular as afasta dos mercados onde consumiriam, e aqui não me refiro estritamente às substâncias, às drogas, ao álcool; no entanto, como veremos, este afastamento tem características específicas, visíveis nas declarações de cada um dos entrevistados.
c) Não diferencio a análise da produção, da distribuição e do consumo, mas em boa verdade o consumo é abordado de forma específica, pelos motivos da alínea anterior, mas porque as características da comunidade ditam o seu afastamento do mercado; a produção e a distribuição são vistas à distância de onde esses processos têm sentido – ou seja, numa perspectiva histórica – que enquadra a circulação dos produtos, mas não as pessoas com quem falo;
16
d) Faz sentido uma economia weberiana das substâncias, e faz sentido a economia da acção vivida pelos indivíduos face à comunidade, conforme vão permanecendo: a carreira moral, como refere Goffman, pode enquadrar os indivíduos e a sua vida no grupo.
Por fim, uma última dúvida: como abordar as substâncias que condicionaram a partida destes indivíduos para a comunidade? O peso mais relevante das drogas pareceu-me óbvio, porque a própria comunidade apresenta uma vocação e uma ocupação mais viradas para a abordagem de internamento de heroinómanos tradicional (tradicional na Europa, como refere o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, OEDT [EMCDDA], 2006).
Pareceu-me lógico no entanto poder deixar transparecer as evoluções históricas, algo lineares, da maneira como se têm encarado as drogas, quer partindo do ópio como mais uma substância que compõe os mercados de consumo quer, por outro lado, a cocaína que alimentou outros mercados (relacionados com a mineração dos metais preciosos), quer a unificação dos percursos e a abordagem dos movimentos de temperança a partir do século XIX, que passarão a impor a perspectiva e o seu contraditório (a redução de danos do séc. XX), tornando algo unívoca a maneira como olhamos estas substâncias.
O presente trabalho compõe-se, assim, de uma introdução de caracterização sobre as substâncias cujo consumo conduz as pessoas à comunidade terapêutica. Não se procura um conhecimento extensivo mas uma noção breve sobre estas drogas, ou mais exactamente, substâncias que provocam dano. De seguida aborda-se historicamente quer o consumo de opiáceos, quer o consumo da coca (que se afastam ambos do contexto europeu, mas não das mãos europeias...) e a situação do álcool tal como ela é abordada pela Organização Mundial de Saúde. De seguida aborda-se o percurso histórico das regulamentações sobre a proibição e o consumo das substâncias de que falamos, movimento que inclui quer as drogas quer o álcool, até ao presente, e uma breve contextualização das comunidades terapêuticas. Faz-se uma leitura crítica das abordagens teóricas à problemática do consumo de drogas, e de seguida enunciam-se os princípios teóricos escolhidos para a leitura do contexto, que incluem as noções de tempo, de consumo, de capital, de palcos, de carreira moral, entre outros, e ainda alguns dos recursos teóricos propostos pelos Autores previamente referidos. De seguida, propõe-se uma abordagem metodológica ao terreno, discutindo as opções em função dos
17
objectivos do trabalho. Faz-se uma descrição do terreno e analisam-se os elementos recolhidos com recurso às entrevistas etnográficas, em que se propôs às pessoas que descrevam a forma como a sua vida as conduz até à comunidade (como proposta de partida para a narrativa). Por fim, propõe-se um conjunto de conclusões.
1.2. O objecto e o modo: advertências ao levantamento no terreno
O presente trabalho foi desenvolvido numa comunidade terapêutica em relação à qual tenho ligações anteriores como técnica e como familiar de alguns dos associados da instituição que a gere. Foram pesados os prós e os contras das implicações desta proximidade (abordados na metodologia deste trabalho, nomeadamente no que respeita ao acesso) e optou-se por esclarecer de forma clara e objectiva todas as pessoas que optaram por participar no estudo, quer sobre os objectivos quer sobre as ligações em causa. A todas as pessoas foi dada a opção de participação, e alguns optaram por não participar. Assegurou-se o anonimato: os nomes são todos pseudónimos, os locais sensíveis foram omitidos.
1.3. Drogas: de que substâncias se fala?
1.3.1. A heroína e a cocaína
Do ópio extrai-se a heroína e a morfina: a substância é extraída da papoila dormideira (papaver
somniferum). A seiva que brota do cálice da papoila, seca e fica castanha-escura. O produto compõe-se de vários alcalóides, como a morfina, a codeína, a tebaína e a papaverina (Duarte, 2005, p. 137).
A morfina é inicialmente isolada na Alemanha, por Serturner (Duarte, 2005, p. 137), e usada como analgésico. Do uso indiscriminado da morfina na guerra civil americana ou na franco-prussiana virá a resultar a primeira vaga de morfinómanos (Duarte, 2005, p. 139).
A partir da morfina, obtém-se a heroína, por um processo de acetilação para o qual são usados diversos precursores (ácido clorídrico, amoníaco, acetona, outros). Dresser descobre a heroína em 1874, na Alemanha (Berridge & Mars, 2004, p. 747), séculos depois do início do consumo do ópio (fumado). A substância é registada pela indústria farmacêutica, que antevê na heroína potencial
18
vantajoso mas não os inconvenientes da morfina, o que se virá a constatar como errado, já na transição do século XIX para o século XX (Duarte, 2005, p. 139). O aspecto da heroína é o de um pó baço e fino, de cor acastanhada e branca, e é consumida misturada com substâncias de corte como a lactose ou alguns medicamentos. Actua no sistema nervoso central e provoca prostração, sonolência, diminuição de actividade. Pode ser consumida inalada (menos habitual), fumada e injectada. A heroína é frequentemente consumida misturada com cocaína.
A produção coincide, curiosamente, com alguns dos momentos geopolíticos actuais: o Afganistão, principal fornecedor da Europa (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 12), o Paquistão, a Turquia, a Birmânia – ou Myanmar – , o Laos, são produtores, existindo um número de rotas que alimentam a circulação do produto a nível mundial (CIA, 2006).
As folhas de coca (erythroxylon coca) provêm de arbustos e são consumidas pelas populações dos Andes há séculos (Ferreira & Martini, 2001, p. 96), sob a forma de uma bola de folhas embebida numa qualquer substância alcalina, como o limão (Dory & Roux, 1998, p. 22). Para a preparação da cocaína colhem-se as folhas e são maceradas, obtendo-se a pasta de coca, escura e mascável. Junta-se a esta pasta ácido sulfúrico e leite de cal e obtém-se a cocaína base, que pode ser fumada. Depois de tratada com ácido clorídrico, é obtido um pó branco e cristalino, que pode ser inalado (veja-se a este propósito a informação pormenorizada no site do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, em www.emcdda.europa.eu).
O consumo da cocaína induz euforia, ansiedade, diminui a fadiga física e desencadeia estados de excitação. Muitas vezes é tomada em combinação com tranquilizantes, para compensar o poder estimulante que tem. É cultivada na Colômbia, origem da maior parte do produto (OEDT [EMCDDA], p. 58), no Peru e na Bolívia.
1.3.2. Alguns aspectos associados ao álcool
A Organização Mundial de Saúde aponta para cerca de setenta e seis milhões de pessoas, a nível mundial, com diagnósticos de desordens alcoólicas (WHO [OMS], 2004, p. 1). Os problemas relacionados com o álcool (e com os padrões complexos de consumo da substância), ganham visibilidade através da intoxicação alcoólica, por exemplo. Mas um dos problemas apontados e sempre
19
estreitamente relacionados com o álcool, na literatura e nos indicadores é, certamente, o dos acidentes de viação – juntamente com o cancro do esófago, do fígado, a cirrose, o homicídio, podendo ainda desencadear as crises epilépticas (WHO [OMS], 2004, p. 1). Entre os problemas associados ao consumo excessivo de álcool, os acidentes de viação são, com efeito, responsáveis pelos danos ocorridos em muitos dos indivíduos, com a particularidade de se repercutirem em vítimas que não consomem. Klingemann & Gmel (WHO [OMS], 2004, p. 35) realçam o impacto económico dos consumos excessivos, nomeadamente por causa do facto de os consumidores desta substância testemunharem um grau de absentismo laboral muito mais elevado que o habitual (WHO [OMS], 2004, p. 59).
Os sujeitos do presente estudo consumiram, basicamente, estas substâncias, embora ocasionalmente tenham ingerido outras, tais como tranquilizantes, eventualmente misturados no caldo (a preparação injectável) em substituição de produto que não podiam, no momento, obter.
23
2.1 Substâncias
2.1.1. Ópio
Ao mesmo tempo que os britânicos se habituam ao chá e ao açúcar, o ópio inicia a sua disseminação no território chinês. Numa abordagem em que constrói a história da vida social do ópio, à maneira de Appadurai ou Kopitoff, a investigadora Zheng Yangwen faz a análise do processo na China. A Autora recorre, ainda, aos pressupostos teóricos de Bourdieu, transportando a crítica social do julgamento e do gosto aplicadas à arte e à música, para o ópio, e também a perspectiva de Baudrillard do consumo como um sistema de símbolos e, em simultâneo, como uma estrutura de trocas (Yangwen, 2005, p. 3).
O ópio começa como erva medicinal e torna-se, em 1483, a “arte de alquimistas, sexo e senhoras da corte” (Yangwen, 2005, p. 2, trad. livre). É originalmente apelidado de fragrância, a fragrância negra, um xiang. Usadas como produtos de beleza, combinadas com os alimentos, usadas como perfumes de ambiente ou para o controlo da pestilência, as fragrâncias são ainda usadas como medicamento ou afrodisíaco (Yangwen, 2005, p. 16): afrodisíaco é, assim, o papel que o ópio assume no consumo das elites, portanto, como produto de luxo. O tabaco é descoberto por Colombo, na América, e alastra de Espanha e Portugal para a Europa e para as possessões coloniais do Extremo Oriente. Entra na China no século XVI, e o fumo populariza-se entre os séculos XVI e XVII (bem como o cultivo), supondo-se que a prática do fumo do ópio se virá a associar ao fumo do tabaco: crê-se que o hábito do fumo tenha sido adquirido a partir do fumo do tabaco, introduzido na Formosa pelos Portugueses (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 9-10).
O fumo do ópio é popularizado, num longo percurso até ao século XVIII, e no século XIX dá-se um processo de massificação do consumo, depois da abertura do comércio com a Índia. As mercadorias estrangeiras adquirem um prestígio especial na China, e também o ópio é uma droga estrangeira. Embora o consumo se generalize, ele restringe-se em termos qualitativos às elites, sendo provável que os mais pobres fumem cinzas de sobra, misturadas com tabaco, ou ópio local (Yangwen, 2005, p. 90).
O contrabando de ópio atinge proporções consideráveis, de forma a assegurar o fluxo necessário ao consumo. As características epidémicas inerentes ao consumo maciço levam no entanto o Imperador
24
Chinês, no século XIX, a decretar a proibição do ópio – alguns príncipes são mesmo privados dos seus títulos e banidos por consumir (Yangwen, 2005, p. 97), o que leva o Império do Meio a desenvolver um combate acentuado contra a entrada de ópio clandestino no país: isto virá a originar a primeira guerra do ópio, entre 1838 e 1842, desencadeada e vencida pela Grã-Bretanha, que consegue a abertura de portos chineses e a entrega de Hong Kong (que virá a ser devolvida em 1997). O conflito voltará entre 1856-60, desta feita desencadeado de novo pelos Britânicos e com a colaboração dos Franceses, sendo de igual forma vencido pelos ocidentais e obrigando a mais um reforço da abertura comercial chinesa, inclusivamente a entrada facilitada de Missionários… que virão a intervir na censura sobre o consumo do ópio, precisamente (Yangwen, 2005, p. 97-98).
2.1.2. Coca
Os Espanhóis chegam ao Peru em 1524, e a pressão que exercem sobre a estrutura político-social do império inca leva ao desenvolvimento da cultura generalizada da coca na zona dos Andes. Pelos temores de dificultar a conversão dos índios, e verificando os problemas de saúde que as zonas de cultivo levantam, a Igreja Católica pede a erradicação das culturas. Mas o facto é que a expansão pelos territórios andinos continua. Filipe II de Espanha chega a interditá-la, mas apenas para as práticas pagãs: na realidade, o seu consumo é imposto aos trabalhadores das minas de prata (na actual Bolívia), e os trabalhadores das fazendas cocaleras passam a estar protegidos, uma vez que asseguram a energia dos andinos para a mineração (Dory & Roux, 1998, p. 23-25). A Igreja continua o seu protesto face às condições de sanidade dos índios – e a Inquisição, perante as práticas pagãs nas minas – e a coca passa a ser taxada: uma parte do imposto é entregue à Igreja, em géneros (coca), que administrará os hospitais para os índios. Pouco depois, os Dominicanos, como outros, começam a produzir coca nas suas próprias fazendas, e os obstáculos cessam (Dory & Roux, 1998, p. 25), sendo a economia da coca, ao fim e ao cabo, raiz da fortuna das ordens religiosas naquelas paragens.
Esta economia da coca acompanha a expansão da mineração nos territórios andinos, com altos e baixos associados, por exemplo, às migrações dos trabalhadores, a epidemias que os dizimam (no século XVII), ou às revoltas que provocam o abandono das minas (no século XVIII), mas sofre variações mais intensas com a independência dos territórios, no século XIX, conservando-se produção quase só interna até meados do século XX:
25
“Em 1944, somente 9,5% da produção é exportada, para os Estados Unidos e para a Europa (para a Coca-Cola, e para uso farmacêutico) (…):” (Dory & Roux, 1998, p. 29, trad. livre).
Desde essa altura até aos finais do século XX, as migrações para as zonas de produção da coca são significativas, e indicadoras da renovação dessas mesmas zonas, variando nos períodos em que a repressão sobre a produção se faz sentir com mais força (Dory & Roux, 1998, p. 34-35).
Ao abordar historicamente a produção de drogas, Léonard aponta para um aspecto significativo: embora com posteriores atribuições de responsabilidade por parte dos europeus e, de modo geral, pelos países que tentam controlar o tráfico de drogas, o que é facto é que o ópio ou a cocaína surgem em países produtores, como o ópio na Tailândia, em meados do século XIX, resultado da pressão comercial chinesa (quer se trate de tráfico lícito ou clandestino) para o reequilíbrio da balança da importação de ópio com origem inglesa; ou como a cultura - extensiva - da coca nas regiões montanhosas do Peru, da Colômbia ou da Bolívia, resultado da pressão dos colonizadores espanhóis. Por outro lado, a resposta pronta resulta, também, das necessidades das populações em momentos críticos das respectivas economias nacionais, impostas ou não (Léonard, 1998, p. 7), prolongando-se até hoje integrada no comércio internacional, tendo em conta o facto de o tráfico de drogas representar, nos fins do século XX, cerca de 30% do valor das trocas (Dory & Roux, 1998, p. 21).
As origens da produção em massa residem portanto no próprio processo de mundialização das culturas e da produção, sob o peso da intervenção europeia, e ao fim e ao cabo da economia do colonialismo. Mas, de facto, o processo da crescente rejeição dos consumos e do tráfico virá a ser muito mais complexo, resultante sobretudo do permanente desnível entre interesses económicos e assumpção de opções sócio-políticas face ao “vicio”, e mais tarde medidas de saúde pública, pelos Estados – algo que na origem se enuncia como paradoxal.
Segundo Brunn, Pan & Rexed (1975), na obra curiosamente intitulada “The gentleman’s club”, os movimentos anti-álcool arrancam cedo, no principio do século XIX, nos EUA, sob a forma de movimentos de temperança, e associados ao protestantismo (Valentim, 1998, p. 137). Um quarto de século após o seu arranque, estes movimentos enquadram já cerca de um milhão de associados. Ainda nos EUA, é promulgada em 1851 a primeira lei de proibição do álcool (Bruun, Pan & Rexed,
26
1975, p. 8), movimento que se internacionaliza para a Irlanda, a Grã-Bretanha e os países escandinavos, e que virá a influenciar todo o decurso da política das drogas a nível internacional (Valentim, 1998, p. 137). Em 1878 acontece o primeiro congresso sobre o alcoolismo em Paris (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 8). Entretanto surgem, na viragem do século, as primeiras organizações – e os protestos – anti-ópio. O combate ao álcool surge como uma necessidade doméstica, interna, ao passo que o combate ao ópio é o combate ao Outro, aos hábitos estrangeiros.
Enquanto o movimento anti-álcool congrega países e origina a criação de organizações internacionais para a proibição/ luta contra os fenómenos associados ao seu consumo, o movimento anti-ópio permanece menos disseminado, surgindo no entanto na sequência da campanha britânica interna contra o circuito comercial do ópio, para abastecimento da China, em vigência entre a Grã-Bretanha, a China e a Índia (Bruun, Pan & Rexed, p. 8-9).
Em 1874, é fundada a Society for the Supression of Opium Trade (em Londres...), que virá a exercer pressão política, movimento acompanhado pela China e pelos Estados Unidos - surge em Genebra um Bureau que virá a acompanhar (e a criticar) a actividade da Liga das Nações no que respeita ao ópio. Por essa altura, a questão põe-se sobretudo em dois planos: o moral e o económico, dado o impacto do comércio europeu com a China. O controlo do álcool acaba por se efectivar na viragem do século, graças à necessidade de controlar o tráfico em África.
Após as guerras do ópio e os tratados subsequentes, a China promulga, no início do século XX, mais um édito que bane o ópio – e, de novo, ineficaz. Os Britânicos aprovam a cessação do tráfico e nos EUA opta-se, também, pela implantação da cessação do tráfico, quando este país se apodera da soberania das Filipinas (tráfico esse com origem na China). Daqui se conclui pela necessidade de medidas internacionais, que virão a ser debatidas em Xangai: discute-se a opção entre proibição e regulação. No debate, entre várias potências que incluem os EUA, a China e a Grã-Bretanha, esta prefere a regulação (para manter o comércio sino-indiano, sob a sua alçada). A opinião pública internacional assume supremacia sobre as situações internas, e as questões do foro médico são evitadas, com o argumento de que os peritos não estão convenientemente representados; recomenda-se a supressão ou cuidadosa regulação do fumo do ópio mas, a par disso, responsabilizam-se os
27
países exportadores pela prevenção da entrada de ópio nos países proibicionistas. À morfina são destinadas apreciações que procuram travar a sua disseminação (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 11).
No ano de 1912, em Haia, a Grã-Bretanha insere a cocaína e a morfina na agenda, e os Italianos e os Americanos tentam incluir também a cannabis – sem no entanto o conseguir. A preocupação com a China e o tráfico sino-indiano internacionalizam-se e agravam-se. A Alemanha, que é neste momento líder na transformação da droga, opõe-se ao controlo da cocaína. Graças a um processo de ratificação complexo e manobrado pelos alemães, a convenção de Haia só entra em vigor já depois da I Guerra Mundial (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 12). No entanto, a proibição e a criminalização ganham preponderância determinante para a futura política internacional (Valentim, 1998, p. 137).
O controlo do álcool vem já a ser feito quer doméstica, quer internacionalmente, através da Liga das Nações, controlo a que a França se opõe por causa da sua indústria do vinho (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 13). A referida Liga das Nações é incumbida, na Conferência de Paz de Paris, após a I Guerra Mundial, da “supervisão geral dos acordos relativos ao tráfico do ópio e drogas perigosas” (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 13, trad. livre), criando para isso um Comité que junta a China, a França, a Grã-Bretanha, os Países Baixos, a Índia, o Japão, o Sião e Portugal (os EUA participam como consultores). Mas os parceiros europeus têm, todos eles, monopólios de ópio nas suas colónias do Extremo Oriente... de forma que este “club de cavalheiros” é apelidado de “Old Opium Block”.
Em 1923, os EUA começam a pressionar os produtores, quer de ópio, quer de folha de coca na América Latina (Bolívia e Colômbia), de forma a limitar a produção. Virão a propor, de igual modo, a limitação quantitativa da produção, na segunda Conferência de Genebra, em 1925 (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 14). A delegação dos Estados Unidos abandona a conferência na sequência da não-aceitação das suas propostas – e a delegação Chinesa por causa do falhanço do acordo sobre a supressão do fumo do ópio. A convenção de 1925 inclui já, no entanto, a cannabis, a pedido dos Egípcios.
Na sequência da sucessiva ineficácia dos órgãos internacionais, novos órgãos vão sendo criados, mesmo que a sua acção seja dificultada pela instabilidade internacional no período entre as duas Grandes Guerras. Em 1929, o Permanent Central Opium Board, que passará a ser Permanent Central
28
Narcotics Board, é constituído por oito peritos não representativos de governos… para evitar a interferência dos governos (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 14-15). Pouco depois é criado o Drug
Supervisory Board, que passará a administrar um sistema de estimativa das necessidades nacionais de drogas (importação e manufactura). Subsequente ao trabalho dos novos organismos, decresce substancialmente o mercado legal, mas a produção clandestina surge cada vez com mais força (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 15). Em 1936, a International Police Commission - mais tarde Interpol – responsabiliza-se pelo tratado para a supressão do tráfico ilícito.
Depois da II Guerra Mundial a responsabilidade pelo controlo das drogas passa a caber às Nações Unidas, que herdam a estrutura anterior e iniciam a sua acção através da Division of Narcotic Drugs. Aumenta o número e variedade de agências envolvidas no controlo da droga, e consequentemente a mescla entre diferentes abordagens à questão (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 16), das quais a que virá a assumir maior relevo será a da Organização Mundial de Saúde, ao juntar a problemática do consumo do álcool e a do consumo das drogas numa só entidade (antes o álcool era abordado pela Mental
Health Unit e as drogas pela Drug Dependence Unit).
Os passos são algo contraditórios, depois da II Guerra Mundial, uma vez que se tenta criar um monopólio internacional do ópio, tentativa que falha, e de seguida adopta-se o Protocolo do Ópio, em 1953, procurando limitar a produção de formas menos directas do que as subjacentes à criação do monopólio (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 16). Os países a partir dos quais a exportação é legal são sete: a Bulgária, a Grécia, a Índia, o Irão, a Turquia, a URSS e a Jugoslávia (realce-se que o tratado leva dez anos a ser ratificado...) (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 7).
Em 1961, a Single Convention on Narcotic Drugs – ou Convenção Única de Genebra - propõe-se substituir todos os tratados anteriores, à excepção do de 1936 sobre a supressão do tráfico ilícito, mas deixa de fora um conjunto de drogas que haviam entrado no circuito após a II Guerra Mundial, tais como as anfetaminas, os barbitúricos, os tranquilizantes, produzidas pelas indústrias farmacêuticas e um mercado em expansão (Valentim, 1998, p. 138), que virão a ser sujeitas a convenção muito mais tardiamente (na década de setenta).
29
2.2. A droga de consumo
“Desde os anos sessenta, o consumo de drogas torna-se para o conjunto dos países ocidentais um problema social e político. (...) A droga, que fora um fenómeno exótico e marginal, torna-se a partir dos anos sessenta e em pouco tempo, um problema extremamente presente. Começa a era da droga de massas.” (Ehrenberg & Mignon, 1992, p. 9)
Será a partir da Convenção Única de Genebra que deixarão de surgir com a mesma frequência as palavras “mal” ou “vício”, expressão algo sociologista, à maneira de Touraine, na medida em que o mal determinaria o que é disfuncional na sociedade (Touraine, 2000, p. 113). A Organização Mundial de Saúde faz substituir quer a adicção, quer a habituação, pela dependência (Berridge & Mars, 2004, p. 748).
A expressão drug abuse control (controlo do abuso de drogas) torna-se recorrente, passando a representar questões relacionadas, mas distintas, como o controlo ou restrição do uso ilícito de drogas, a redução de fornecimento das drogas ilegais, ou o tratamento da adicção. Valentim aponta para um processo hegemónico gramsciano, isto é, “tendente a gerar um consenso activo de massas” (Valentim, 1998, p. 138), que procura separar as drogas legais e farmacológicas das ilegais e sem valor terapêutico (seguindo a “mentalidade da temperança”, como refere Alexander, 2001, p. 19). O proibicionismo recebe crescentes críticas, no entanto, que põem em causa esta separação entre drogas lícitas e ilícitas. Embora o discurso aponte, nesta fase e cada vez mais, para a incidência no consumo, os esforços continuam a procurar reduzir a produção (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 18-19).
Nos Estados Unidos surge, no decurso dos anos setenta, uma nova epidemia de drogas, que acompanha a guerra do Vietname (Escohotado, 2004, p. 156); Nixon virá a propor programas de substituição de metadona, o que dada a má qualidade da droga nas ruas virá a causar mais mortes por sobredosagem que a própria heroína. Virá a associar-se também a cocaína, e o crack aparece no mercado nos anos oitenta. A presidência dos EUA instaura a política da tolerância zero, sobre traficantes, consumidores e em especial sobre consumidores ocasionais (Inciardi, 1993, p. 1-4), o que leva ao sobrepovoamento das prisões e, consequentemente, à substituição do encarceramento pelos
30
programas de tratamento – ou pela integração destes programas nas prisões, com carácter mais alargado.
Os anos oitenta são os anos de disseminação significativa da disponibilidade e do consumo de drogas, em Portugal como noutros países, como confirmam Parker & Egginton (sd). Por exemplo, até aos anos setenta, a heroína só estava disponível nas ruas de Londres, mas, durante os anos oitenta, ela consegue disseminar-se pela maior parte das cidades inglesas e escocesas (Parker & Egginton, s.d., p. 7). Organismos internacionais como o Observatório Europeu para a Droga e a Toxicodependência (EMCDDA) reforçam a ideia de que a pressão interna nos Estados Unidos, da Era Reagan – Bush, levou ao alastrar do tráfico dos circuitos da cocaína para os mercados europeus (OEDT [EMCDDA], 2007, p. 7).
Os primeiros desenvolvimentos de uma política de drogas das Comunidades Europeias, são tentados nos princípios dos anos noventa (Brentari, 2006, sp), em simultâneo com a relativa estagnação do consumo de heroína e cocaína no contexto das Comunidades, à altura – acompanhado da constância (se não aumento) no consumo de anfetaminas, cannabis, solventes, entre os mais jovens, ou aumento do abuso de medicamentos e álcool (muitas vezes em simultâneo) entre os adultos (Comunidades Europeias, [2005]).
Associada à sequência das opções políticas mas, também, à necessidade de controlar a epidemia de HIV/SIDA, surge a intervenção de carácter técnico-político, dita de quatro pilares: tratamento, prevenção, acção legal e redução de danos (movimentos de saúde pública), contestada por exemplo, por Alexander, que integra a generalização da adicção nos processos do mercado livre capitalista. Ou seja, aqueles que não conseguem a integração psicossocial adequada, desenvolvem estilos de vida substitutos (desviantes). (Alexander, 2004, p. 1).
A política da droga surge associada à prevenção da criminalidade, e à luta contra a toxicodependência, para a "redução dos efeitos nocivos da droga sobre a saúde, nomeadamente através da informação e da prevenção" (artigo 152º do Tratado CE)” (Comunidades Europeias, [2005]), implicando duas instituições: o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (EMCDDA), e a Direcção-Geral da Justiça e dos Assuntos Internos. O parlamento e o Conselho promulgam, em 2002, o
31
Programa de acção comunitária no domínio da saúde pública, que integra a promoção da saúde, o cancro, a SIDA e certas doenças transmissíveis, a toxicodependência, a vigilância da saúde, as doenças associadas à poluição, a prevenção de ferimentos e as doenças raras (Comunidades Europeias, [2006]). No Conselho da Europa assume particular relevo o Grupo Pompidou (veja-se em http://www.coe.int/T/dg3/pompidou/Default_en.asp) cujo objectivo passa pelo desenvolvimento de políticas contra a droga, no contexto dos países membros – grupo que Portugal integra desde 1985.
O OEDT (EMCDDA) reconhece, como crescente, o problema dos policonsumos de drogas e dos perfis diversos de utilizadores. Tal inclui variadas substâncias (drogas, álcool) ou até a passagem por percursos alternativos, como o jogo (veja-se a este propósito Luís Patrício, Correio da Manhã, de 20.5.2007, p. 23). Uma parte substantiva da população de consumidores do Casal Ventoso com acesso à equipa de rua, em 2002 - 2003, já consumia mistura de drogas (injectável), nomeadamente heroína e cocaína juntas. O OEDT (EMCDDA) refere os modelos de tratamento sobretudo destinados aos heroínomanos, na Europa, e destinados a utilizadores de uma só substância, nos EUA, e a necessidade de passar a encarar os policonsumos (OEDT [EMCDDA], 2007, p. 9), melhorando também a eficácia da sua monitorização (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 68). Sinais da proliferação actual de drogas no mercado associam-se à diminuição do seu custo, a uma multiplicação do número de apreensões de heroína (que se supõe poder ultrapassar a procura), e à tendência crescente do consumo de cocaína (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 13).
Existem quatro modalidades padronizadas de tratamento: a desintoxicação, em clínicas especializadas, os programas livres, em ambulatório e com farmacoterapia associada, eventualmente com psicoterapia ou outro tipo de apoio. Segundo o último relatório do OEDT, a maior parte dos países europeus faz incidir as modalidades de tratamento sobretudo no regime âmbulatório, com diversos tipos de apoio psicoterapêutico, introduzindo por vezes outras abordagens (OEDT [EMCDDA], 2006, p. 31).
Incluem-se nas modalidades de tratamento, também, as comunidades terapêuticas, com psicoterapia ou sócio-terapia – todos as três modalidades já referidas pressupõem o objectivo da abstinência. Os programas de manutenção ou substituição, por outro lado, integram o princípio da redução de riscos e
32
danos (tal como a distribuição de seringas) e baseiam-se frequentemente no recurso à metadona (opiáceo sintético) (Valentim, 1998, p. 154).
2.3. Em Portugal
Em Portugal, a legislação sobre drogas sofre uma evolução que acompanha, basicamente, as formas de encarar a problemática a nível social e político. Poiares enuncia um conjunto de paradigmas legislativos que abrangem a relação entre o direito, a droga e o saber, alvo de rupturas e descontinuidades, ora se verificando um pendor mais repressivo, ora uma abordagem mais clínica e psicológica (Poiares, 1998, p. 102).
Numa primeira fase, de 1914 (na sequência da ratificação da convenção de Haia) até 1970, a abordagem portuguesa tem características fiscais (Poiares, 1985, p. 21): a mercadoria (cocaína, heroína, morfina) deve ser alvo de controlo fiscal pelo Estado. De circulação restrita, a droga, como problema, parece abranger uma elite com dinheiro e que consome à porta fechada. A primeira lei portuguesa data de 1923 e debruça-se sobre a substância (não sobre o seu consumidor), associando a importação/ exportação de drogas ao delito de contrabando (Poiares, 1998, p. 182). Como o Autor sustenta, “as iniciativas portuguesas nesta matéria derivaram habitualmente das deliberações tomadas nas instâncias internacionais” (Poiares, 1995, p. 21).
O estatuto especial de Macau, no que respeita à posição portuguesa face ao consumo de drogas, possibilita-lhe ser encarado de forma mais flexível (Poiares, 1998, p. 219). Tal, segundo refere o Autor, será fruto do reconhecimento de diferenças económicas mas, também, culturais e origina não só as primeiras leis anti-droga do contexto jurídico português (ainda no século XIX) mas virá a fazer transparecer a primeira perspectiva clínica e social da questão, em 1962, associada por exemplo à reabilitação de tóxicomanos num centro de recuperação social, com assistência prestada por neuropsiquiatra (Poiares, 1998, p. 225).
Numa segunda fase paradigmática, de 1970 a 1975, enquadra-se a droga numa perspectiva criminal (Poiares, 1995, p. 23), com a saída de legislação (veja-se o Dec.-Lei nº 420/ 70, de 3 de Setembro). Com efeito, a transposição da Single Convention para o ordenamento jurídico nacional possibilita essa associação entre droga e crime, que se afirma na base da lei: embora se pressintam as características
33
especiais do consumidor de drogas, não se chega a explorá-las e a equação do problema põe-se na base da criminalização e do consequente castigo pelo consumo (Poiares, 1995, p. 24). O consumidor torna-se o objecto da lei, mas um passo algo atrás do que já se passa em Macau, pois ainda não existem em Portugal contextos de reintegração e apoio aos consumidores, ou melhor, toxicómanos (Poiares, 1998, p. 249). O fenómeno do consumo de drogas é, paralelamente, alvo de uma campanha e da produção de uma ideia coerente (das drogas e do seu consumo). Tal como o Autor refere, a campanha acaba por despertar a atenção para o assunto (Poiares, 1995, p. 24), com o slogan Droga
Loucura Morte, menos de carácter criminal, mais sanitário e psicológico
Aquilo a que Poiares se refere como uma abordagem clínico-psicossocial tem início a seguir ao 25 de Abril e prossegue até aos primeiros anos da década de oitenta, enquadrando “um dos períodos mais profícuos do Direito da Droga” (Poiares, 1998, p. 267). O flagelo da droga deixa de ser controlável através, exclusivamente, das penas e o consumidor transforma-se em doente (Poiares, 1995, p. 25). Em 1976 é criado o Gabinete Coordenador do Combate à Droga, sob a alçada directa do Primeiro-Ministro, originando posteriormente estruturas, legislação e uma abordagem que reconhece cada vez mais a complexidade do consumo.
A partir dos anos oitenta, o quadro de referência da legislação altera-se para um paradigma que Poiares classifica como biopsicossociológico (Poiares, 2000, p. 8), caracterizado pelo primado das razões do consumidor e pela procura da compatibilização com a análise das ciências sociais e humanas, para compreender essas mesmas razões – associadas ao consumo e posse, mas também aos delitos.
Assim, politicamente, parte-se para uma abordagem à investigação sobre o fenómeno, sobre aqueles que o enformam (e ao seu discurso), procurando delinear as intervenções em consequência (Poiares, 2000, p. 10). A Estratégia Nacional de Luta contra a Droga (Resolução do Conselho de Ministros nº 46/99, de 26 de Maio) descriminaliza o consumo, isto é, deixa de fazer corresponder uma pena ao acto – mantendo no entanto a reprovação social contextualizada na lei. Os princípios que a enformam têm a ver com a cooperação internacional, incluindo a harmonização das políticas portuguesas com as da ONU e entidades internacionais; com a prevenção: primária (escola, meio laboral, forças armadas), recurso à comunicação social, a selecção de grupos alvo e a divulgação sobre a perigosidade
34
associada ao consumo. Inspira-a, também, um princípio dito humanista, enunciado como “reconhecimento da plena dignidade humana das pessoas envolvidas no fenómeno das drogas” (RCM 46/99, p. 2981), assumindo a toxicodependência como doença e introduzindo a questão das políticas de redução de danos. A Resolução inclui, também, um princípio de pragmatismo que possa “defender a sociedade, favorecendo a diminuição do risco de propagação de doenças infecto-contagiosas e a redução da criminalidade associada” (RCM 46/99, p. 2981), o princípio da segurança (de pessoas e bens), conservando na sua alínea c) a manutenção do desvalor legal do consumo e da posse de drogas, o princípio da coordenação e da racionalização de meios, e outros associados à rede de cuidados.
A Lei nº 30/2000, de 29 de Novembro, afirma “a protecção sanitária e social” das pessoas que consomem substâncias estupefacientes ou psicotrópicas sem prescrição médica, define os limites das quantidades na posse das pessoas, a sua sujeição a contra-ordenação se não optarem pelo tratamento espontâneo, e as competências das “comissões para a dissuasão da toxicodependência” sobre a alçada do IPDT e dos governos civis.
Em 2003 são reorganizadas as estruturas para a coordenação do combate às drogas (extintas umas, alvo de junção ou criação outras) e em 2006, uma dessas novas estruturas, o Conselho Interministerial do Combate à Droga e à Toxicodependência, faz aprovar o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências, para 2005-2012, bem como um plano de curto prazo até 2008, através da Resolução de Conselho de Ministros nº 115/2006, de 18 de Setembro. Nesta Resolução transparece a relevância de entidades transnacionais como o Grupo Pompidou (Conselho da Europa), os pressupostos de protecção da saúde, da segurança e de coordenação europeia, que são objectivos da União Europeia materializados no seu Grupo Horizontal Drogas e no Plano de Acção europeu, e o seu peso no contexto da estratégia nacional. Alguns dos objectivos do Plano de Acção Horizonte 2008 (que materializa a estratégia de longo prazo) incluem a informação, investigação, formação e avaliação para melhor conhecer o fenómeno das drogas (RCM 115/2006, p. 6864), aumentar a qualidade da intervenção preventiva (RCM 115/2006, p. 6868), um vector de redução de riscos e minimização de danos e a respectiva rede associada (RCM/2006, p. 6871) e a garantia do acesso em tempo útil ao tratamento, no vector tratamento (RCM/ 2006, p. 6872) – entre muitos outros aspectos.
35
2.4. Comunidades terapêuticas
As comunidades terapêuticas partem do pressuposto da existência de um internamento prolongado, que varia entre os modelos terapêuticos mas varia também conforme a pessoa que é internada. Frequentemente recebem pessoas que passaram por tratamento ambulatório (Patrício, 1995, p. 175) mas, ou integraram o internamento na comunidade no projecto de tratamento, como se verificou frequentemente nos utentes do Centro de Abrigo do Casal Ventoso – iniciavam o programa de substituição em ambulatório (não passavam por nenhum processo de abstinência em ambulatório), e passavam para a desintoxicação seguida, de imediato, de internamento numa comunidade - ou, noutros casos, optaram pelo internamento porque o ambulatório não resultou.
Na origem das comunidades terapêuticas estão instituições com características de acolhimento, como a de Homer Lane, em Detroit: em 1907, Lane superintende uma instituição para rapazes delinquentes, em Detroit, regida por um documento algo semelhante à constituição americana. Os objectivos do projecto passam por encorajar a responsabilidade e a concretização de tarefas diversas (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 31).
Tal como virá a referir Maxwell Jones, o precursor, no contexto psiquiátrico, das primeiras comunidades terapêuticas de facto - destinadas a alcoólicos ou consumidores de drogas - não existe um modelo único para as comunidades. O clínico aponta para a necessidade de existir liberdade de acção, para a criação de condições de vida optimizadas. O desenvolvimento deste tipo de instituições é suportado, ao nível da psicoterapia, por J. L. Moreno, que dá início às terapias de grupo e ao psicodrama. A organização em pequenos grupos permite a integração da participação dos pacientes e ex-pacientes, como coadjuvantes nos processos.
A meio do século XX, será fundada a primeira comunidade terapêutica para o tratamento do abuso de
substâncias, por Charles E. Dederich, nos Estados Unidos (Morel, Hervé & Fontaine, 1998, p. 279): a Synanon, resultante do sucesso de Dederich com terapias de grupo, de consumidores de drogas e álcool (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 32). Algumas das estruturas de recuperação regem-se pelo chamado modelo Minnesotta, ou dos doze passos (ou da auto-responsabilização), modelo que tem por base, exactamente, as práticas de desabituação e recuperação clínica da adicção do álcool e que
36
arranca em 1935 (mantendo o pressuposto associado ao conceito de abstinência total) (Bruun, Pan & Rexed, 1975, p. 32).
Patrício secunda a distinção entre comunidades hierárquicas ou democráticas (1995, p. 177-178), tal como referem Morel, Hervé & Fontaine (1998, p. 278) quando falam das primeiras comunidades, de origem americana, e as segundas de origem britânica. A distinção está associada à forma de aplicação do programa terapêutico, e que reside essencialmente na existência de mais ou menos liberdade de acção e expressão, a imposição, ou não, de regras muito estritas de funcionamento, o exercício da liberdade individual pelos utentes ou por outro lado, da autoridade pelos responsáveis, ou pelos monitores. Patrício afirma, no entanto, a necessidade de existência de um programa terapêutico específico e aplicado (independentemente da disciplina comunitária). Senão, como salienta o Autor, com o internamento “apenas se promoveu uma paragem no consumo de drogas, um afastamento da família e uma paragem no tempo, o que é muito pouco para quem necessita de tempo e de mudanças para reaprender a gerir a sua vida.” (Patrício, 1995, p. 178).
Morel, Hervé & Fontaine apontam os pressupostos do funcionamento das comunidades terapêuticas: estreitamente associadas à perspectiva da toxicodependência não como doença, mas como comportamento inadaptado, o funcionamento das comunidades é o de micro-sociedades, em que se procura a correcção da actividade anti-social através de comportamentos positivos (1998, p. 279). Muito críticos, os Autores afirmam que “de tais concepções, baseadas nos mais coercivos potenciais de um grupo num sistema de poder erquido em nome das normas inatingíveis, só poderiam engendrar desvios.”... Mas reconhecem, no entanto, que nem todas as comunidades são afectadas ou por pressupostos abusivos, ou por estes desvios (Morel, Hervé & Fontaine, 1998, p. 279).
39
3.1. Campos de forças
A abordagem ao consumo de drogas passa por diversos modelos, que se cruzam num campo - enquanto campo de forças, de lutas entre os agentes (Bourdieu, 2001, p. 32) e que nele se distribuem segundo o seu volume de capital (Bourdieu, 1989, p. 135). Predomina o modelo de análise bio-médico, e os pressupostos associados às características farmacológicas das drogas. Fernandes & Carvalho (2000, p. 17) ou Valentim (1998), cooptando Agra (1995), reforçam a existência de um princípio hegemónico transversal ao senso comum, ao saber técnico e científico (Valentim, 2000, p. 1007) que, ao abordar a droga, pressupõe que esta “não deixa espaço para a escolha, quer às sociedades, quer aos indivíduos” (Valentim, 1998, p. 139). Este pressuposto é reforçado pelo discurso dos meios de comunicação social, repetitivo e estereotipado, que recorre a linguagem “punitiva e ameaçadora” (Dias, 2001, p. 232), baseado num “(...) equilíbrio homeostático entre repressão e cura (...) abstinência e destruição (...)” (Valentim, 1998, p. 156). O Autor refere as principais abordagens teóricas na análise das dependências, realçando duas perspectivas com impacto dominante, essencialmente positivistas e determinísticas, baseadas numa mistura entre os normativos sócio-políticos e uma perspectiva preponderante da droga sujeita a um modelo médico e simultaneamente legal: a primeira, subjacente ao enunciado da toxicodependência, que é inerente às drogas ilegais e que portanto não enquadra o uso, mas o abuso.
Enquanto Neto caracteriza a droga como “(...) tudo aquilo que induz o regime farmacotímico, isto é, que provoca alterações do humor e da consciência dos utilizadores (...)” (Neto, 1996, p. 25), Macedo refere a toxicodependência, ou o “uso das drogas de abuso”, como tendo sido “(...) durante largo tempo considerada uma doença comportamental (...)”(Macedo, 2000, p. 3). Archambault & Mormont referem, numa obra sobre as perícias médico-legais psiquiátricas, que, para o psicólogo ou o psiquiatra, “(…) o acto incriminante é pensado em termos de transgressão, mais do que delito; a sua materialidade é de importância secundária, uma vez que a sua significação é essencial (…)” (Archambault & Mormont, 1998, p. 3). A droga é pensada como um atentado à saúde, uma perspectiva técnica colonizada pelos aspectos morais (Valentim, 2000, p. 1037).
40
A droga, associada a factores bio-psico-sociais e encarada como doença (logo controlável mediante cuidados médicos), parte de um problema maior associado a uma deficiente aprendizagem social, assumindo-se a inexorabilidade da escalada dos consumos, o descontrolo do consumidor - associado ao craving, a pulsão para o consumo. A dopamina controla o reforço positivo, a antecipação, a expectativa e as respostas de consumo, a que o indivíduo além do mais se encontra exposto em função do stress ambiental (Macedo, 2000, p. 16). Ocorre ainda uma fuga perante a realidade, a par de efeitos que, no indivíduo são (em potencial) fisicamente visíveis e irreversíveis (Valentim, 1998, p. 139-143).
Uma segunda perspectiva, que reflecte sobre a produção sócio-cultural dos factores associados à dependência – mantendo a aceitação de um predomínio simbólico associado ao conceito de toxicodependência - enuncia a noção de consumos problemáticos, procurando operacionalizar, para efeitos técnicos, a construção teórica do consumo de drogas (Fernandes & Carvalho, 2000, p. 18).
O modelo, económico-compulsivo, implica por vezes o enunciado de uma relação de linearidade entre a droga e o crime (Brochu & Parent, 1999, p. 1). Define-se em padrões de persistência da utilização de drogas e aponta para noções de disfuncionalidade e prejuízo, como directamente associados às relações interpessoais dos indivíduos – e transparece nas representações sociais associadas ao fenómeno do consumo de droga, tal como é referido por Artur Valentim (1996). O Autor analisa a percepção social do consumo, e da variação no consumo de drogas, recorrendo a informantes com responsabilidade em unidades paroquiais, e verifica que as atribuições causais correspondem sobretudo a três tipos, micro-sociais – problemas na família, influência de colegas e amigos; individuais – curiosidade; e macro-sociais – desemprego (Valentim, 1996, p. 189-190).
A questão da definição de consumo problemático, no entanto, confunde-se com a própria definição de dependência – bem como outras noções-chave optativamente adoptadas.
Os estudos com base na psicologia clínica cruzam frequentemente este proposto do consumo problemático, tentando perceber factores dos comportamentos de adicção (Walton-Moss & McCaul, 2005) ou o processo de transição do abuso para a dependência (Ridenour et al., 2005). Walton-Moss & McCaul (2005), por exemplo, analisam os factores associados ao historial de tratamento de um
41
conjunto de mulheres, equacionando os aspectos sócio-demográficos e os resultados do índice de severidade da adicção (ASI) (Walton-Moss & McCaul, 2005, p. 247), apurado através de uma entrevista (clínica) que inclui a componente médica, o emprego, o apoio, o uso de drogas, o uso de álcool, os problemas legais, as relações sócio-familiares e o estado psicológico (e ainda aspectos específicos associados ao género).
Autores como Hunt & Barker afirmam um número relativamente reduzido de trabalhos na área do consumo de drogas, por parte dos antropólogos (Hunt & Barker, 2001, p. 166). Releva-se a deflação do problema, assinalada por Room, por pressupostos ontológicos que o integram na auto-regulação social, em correntes liberais ou em contextos historicamente pouco caracterizados, ou a falha, apontada por Singer, em conseguir um enquadramento macro do estudo do alcoolismo (Hunt & Barker, 2001, p. 168). Estes são aspectos que os Autores salientam como relevantes, no contexto da abordagem das Ciências Sociais aos consumos de drogas e álcool – abordagens que escasseiam ainda mais quando o assunto passa a ser o processo de recuperação (Hunt & Barker, 2001, p. 169). Os Autores põem a hipótese de as abordagens se restringirem, por abarcarem separadamente o consumo de drogas e o consumo de álcool, ou por optarem por seguir a linha dos consumos problemáticos, e da corrente dos movimentos de saúde pública, associada à redução de riscos e danos (Hunt & Barker, 2001, p. 176). No entanto, torna-se necessário encarar a agência dos consumidores de drogas, ou bebidas alcoólicas, de forma englobada, e analisar os processos de resistência que desenvolvem (Hunt & Barker, 2001, p. 177).
Assim, uma terceira abordagem será a consideração do consumo de drogas como uma manifestação, menos individual, mas mais da problemática sócio-cultural inerente a um dado contexto social, mais característica da sociologia ou da antropologia, resultando na subversão, mais ou menos conseguida, da lógica do modelo bio-médico.
Segundo Valentim (1998), a abordagem passa por encarar o consumo como resultado de uma aprendizagem social, em que o actor é actuante (passe a redundância), os padrões de consumo das drogas (sejam elas quais forem) são variáveis e associados às trajectórias biográficas (Agra & Matos, 1997), portanto reveladores de comportamentos sócio-culturais e simbólicos (Hunt & Barker, 2001, p. 178):
42
“(...) uma pluralidade de comportamentos agrupa-se sob a designação única de desviantes, alguns sintomáticos de patologias, outros de problemas psicológicos, outros, desvio da arbitrariedade social ou das normas e valores, outros ainda que infringem as leis penais.” (Coslin, 1996, p. 213, trad. livre).
Embora a análise sob o ponto de vista do sujeito não seja frequente (Hunt & Barker, 2001, p. 166), a estratégia emic apreciativa, desenvolvida pelo interaccionismo ou pela etnometodologia nos estudos urbanos dos anos 60 e 70, deixa transparecer o toxicodependente como um actor social comum (Valentim, 1998, p. 150). Vários Autores como Norman Zinberg, durante os anos 70, Crawford (et al.) ou Judith Blackwell, durante os anos 80, comprovam a existência de padrões de consumo diversificados (especificamente dos consumidores de heroína). Quanto à cocaína, os estudos dos anos 90 de Cohen, Waldorf (et al.) e Ingold confirmam também a diversidade nos padrões, mas não só, que as normas e os rituais são mobilizados para controlar os factores bioquímicos em causa (Valentim, 1998, p. 150).
A dependência e a irreversibilidade não agem como variáveis dependentes, antes se constituem como a fixação de cenários que, no espaço social (Bourdieu, 2001, p. 32), se tornam muito diversos, e a problemática relacionada com as drogas, porque ilegais, advém mais do seu enquadramento sócio-político de interdição - a que se associa o agravamento da dependência (Mosher & Yanagisako, 1991) - do que das suas propriedades químicas (Valentim, 1998, p. 142). Confirmando Nowlis, o efeito das drogas é variável, e subjacente a múltiplos factores (Nowlis, 1979, p. 26): os grupos e esferas de consumo são diferenciados, tal como os comportamentos e decisões (Hunt & Barker, 2001, p. 178).
O facto de, implícita na análise, se encontrar a perspectiva relacional, em que o indivíduo estabelece contacto com as substâncias, implica que o contacto em si mesmo integra aspectos simbólicos e culturais (Fernandes & Carvalho, 2000, p. 19). Este processo relacional origina desenvolvimentos na construção teórica das abordagens, associando-se, para tal, à noção de trajectória ou, de forma mais específica, à noção que propõe Vasconcelos (2003), secundando Joan Pallarés (1995), de itinerário de uso, que integra a destrinça entre vários tipos de consumidores – do ocasional ao dependente (Vasconcelos, 2003, p. 23)
43
A noção de trajectória recupera, no entanto, os interaccionismos e a metodologia das histórias de vida (Kokoreff & Faugeron, 2002, p. 51-52). O conceito traduz o percurso do actor em relação a momentos-chave, a opções e à noção, algo objectificadora, de diferentes segmentos de vida alternativos (Pernanen, 2002, p.xi). Implica também a relação entre sistemas (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, p. 2), e segundo os pressupostos fenomenológicos destes Autores, traduz a auto-organização através de descontinuidades, ou segmentos descontínuos de comportamento, num processo desviante. As trajectórias desviantes são, portanto, processos em que o sujeito se envolve em diversas acções desviantes, um sistema que liga esses segmentos existenciais uns aos outros, um movimento que gera, de forma determinística ou não, significado, e um conjunto de interacções entre o comportamento individual e o sistema de controlo social (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, p. 2).
Da análise sobre os pressupostos apresentados resulta a conclusão da existência de uma relação, não entre o consumo de drogas e o crime, mas de uma triangulação, que inclui os comportamentos desviantes na raiz do padrão de actuação dos consumidores. A exploração passa a demonstrar o triângulo, quer se aborde a noção de comportamentos desviantes sob um paradigma estrutural, através de uma análise correlacional, quer se opte pela noção de uma sucessão de eventos – um processo desviante (Agra, 2002, p. 13), ou uma carreira, definida por Inciardi como uma “(...) série de estatutos relacionados e com significado, papeis, e actividades a propósito dos quais o indivíduo organiza aspectos da sua vida (...)”(Agra, 2002, p. 14, trad. livre). A construção parte do conceito de Goffman de carreira moral, que o Autor aborda a propósito dos estigmatizados (Goffman, 1981, p. 45-49), ou dos internos nas instituições totais (Goffman, 1974, p. 119). Causa e efeito de uma sequência de ajustes pessoais, a carreira implica, para Goffman, aspectos intrínsecos e extrínsecos, relacionados com o self ou identidade social. O self é uma realidade pública, que ganha relevo através da interacção, e que é exigido para que essa interacção se concretize (Collins, 1994, p. 73). Assimila-se à noção de trajectória, com a distinção particular do acompanhamento de percurso pelas instituições que exercem controlo social sobre os agentes.
As contingências da carreira de um consumidor (heroinómano) definem-se segundo dois factores, para Faupel: a disponibilidade da droga, e a estrutura de vida, e originam o adicto estável, o utilizador ocasional, o adicto em roda livre (ou queda livre?) e o junkie de rua (Agra, 2002, p. 14). Nesta situação, as práticas destrutivas de consumo associam-se a situações de pauperização, de resto para o
44
consumo de heroína como para o consumo de álcool (Valentim, 1998, p. 146). A noção de carreira integra, no entanto, a orientação para uma análise com uma razoável dose de previsibilidade e determinismo, assimilada porventura pela psiquiatria, na descrição das suas fases (Valentim, 1998, p. 147).
Mas o modelo comporta ainda a perspectiva de um estilo de vida desviante, como refere por exemplo Alexander, que fala de um estilo de vida prejudicial, e aponta a inevitabilidade dos comportamentos de adicção, produzidos em massa numa sociedade de mercado livre (Alexander, 2001, p. 19).
Para Agra, seguindo uma abordagem fenomenológica, é o estilo de vida que fornece lógica ao consumo de drogas e à delinquência (Agra, 2002, p. 14), tendo particular relevância a subjectividade e a intencionalidade do actor. Será, potencialmente, este estilo de vida desviante que se enquadra no conceito de cultura de resistência, referido por Fernandes & Neves (2002, p. 72), ou no percurso identitário tal como refere Machado Pais, no estudo sobre os jovens arrumadores (2001) que, ao recorrer aos conceitos de Goffman, caracteriza a sua acção como uma forma de resistência, estratégias componentes da carreira moral dos indivíduos. O Autor refere a construção de uma imagem estigmatizante como produção simbólica da marginalidade, integrando um conjunto de noções do senso comum e constituindo assim uma identidade-reflexo (Pais, 2001, p. 395-397).
As abordagens teóricas mantêm também, no entanto, o pressuposto dos sujeitos como actores, com capacidade de gestão dos seus papéis (Kokoreff & Faugeron, 2002, p. 57): Weinberg analisa particularmente a problemática do craving e da recaída, e afirma que só mediante o pressuposto da apreensão do significado sem necessidade de reflexão racional, isto é, de forma pré-reflexiva, através de formas corporizadas de prática colaborativa, só assim se poderá enquadrar teoricamente o craving e a recaída subsequente (Weinberg, 2002, p. 14-15).
A cultura de resistência marca histórica e pemanentemente um sistema de reprodução de símbolos e crenças, a oposição simbólica a um conjunto de exclusões – ou a oposição às normas que definem o comportamento desviante (Brochu, Agra & Cousineau, 2002, pp. 1-6). A abordagem de um processo histórico exemplar desta perspectiva torna-se visível na obra de Miguel Chaves, Casal Ventoso: da
gandaia ao narcotráfico, precisamente na constatação de que a população do Casal Ventoso se
45
encontra no “(...) limite material e simbólico [do] sistema (...)” (Chaves, 1999, p. 300), assumindo o valor da condenação do tráfico, mas reierarquizando a escala de valores centrais (Chaves, 1999, p. 314-315) que tornam inteligível a vida no bairro.
3.2. Tempo, consumos e estilos de vida desviantes
A abordagem ao tempo no contexto do consumo de drogas – ou de álcool - surge transversal aos modelos teóricos, incidindo, por exemplo, sobre aspectos associados ao processo de consumo e substituição (Magura, 1998), ou aos aspectos de perspectiva, atitude e orientação face ao tempo, numa abordagem cognitiva ao alcoolismo (Hulbert & Lens, 1988). Klingemann & Schibli (2004) falam dos ritmos, sequências, planeamento e atitude face ao tempo, e propõem uma abordagem conjunta aos processos nas clínicas suíças de álcool e drogas (Klingemann & Schibli, 2004, p. 1427), tal como Hunt & Barker (2001), que propõem uma antropologia das substâncias com um enquadramento único, o consumo como manifestação de comportamentos sócio-culturais, a análise dos grupos e esferas de consumo diferenciados, a vantagem em analisar conjuntamente a produção, a distribuição e o consumo e o exame das relações de poder implicadas na economia moral das substâncias na sociedade (Hunt & Barker, 2001, p. 178).
Dentro de uma análise dos estilos de vida desviantes, o modelo processual implica a introdução das noções de tempo (Agra, 2002, p. 13) e interacção, porque se baseia e defende uma perspectiva dinâmica da noção de trajectória (ou de itinerário). O pressuposto de um sistema em movimento, inerente a este conceito, implica a relação inter-sistémica entre os pontos ou estados sucessivos que o compõem, partindo da subjectvidade e da intenção do agente. Para Vasconcelos, os itinerários de uso implicam uma temporalidade hiperquotidiana, que impossibilita a antecipação dos recursos para o planeamento da vida (Vasconcelos, 2003, p. 91), e até à paragem (de consumo), e é agenciada entre os locais de obtenção de dinheiro e os territórios psicotrópicos (Fernandes, 1998, p. 115), onde as drogas são vendidas – territórios esses que, sem uma delimitação linear, acabam por se definir como toda a cidade (Vasconcelos, 2003, p. 137).
49
Na sociedade contemporânea, Touraine defende a impossibilidade de classificar as condutas sociais como normais ou patológicas, como conformes ou desviantes à norma, embora esteja cada vez mais presente a noção do intolerável (Touraine, 2000, p. 116). Este paradoxo, resolve-o o Autor alargando a sua análise, e chamando a atenção para o facto das sociologias do actor ganharem o passo sobre as do sistema, e o facto de o relevo dado à ordem se submeter ao relevo dado à mudança (Touraine, 2000, p. 118). Cabral enuncia a marginalidade como a essência das relações sociais, enquanto que a centralidade, delimitada, está em constante processo de erosão: “a vida sócio-cultural tem de ser abordada como um campo de negociação de significados, tendencialmente estruturado pelo exercício do poder simbólico.” (Cabral, 2000, p. 888-889).
A teoria social actual, para Touraine, passa pela necessidade crítica de encarar os mecanismos de dominação por trás dos pressupostos universalistas abstractos, e também de compreender a desigualdade social: torna-se imperativo conhecer os pressupostos do poder, do interesse e da liberdade (Touraine, 2000, p. 126-127), substituindo a noção da interiorização das normas sociais pelas características associadas aos pressupostos hegemónicos gramscianos, ou à violência simbólica de Bourdieu. Para este Autor, o agente é o operador prático de construções de objecto (Bourdieu, 1989, p. 61), ou como Max Weber diria, alguém que tem em si, simultaneamente, a capacidade de poder ser fonte de actos e origem desses mesmos actos: “Para Weber (...) a acção consiste nos significados subjectivos que o actor atribui ao seu comportamento.” (Cohen, 1996, p. 113): a conduta orienta-se subjectivamente em virtude e face ao comportamento dos outros, estimula a relação social em função dos significados mútuos das acções de vários actores (Cohen, 1996, p. 114), e determinados conteúdos poderão ter carácter estável e significativo (os tipos-ideais). É a procura do agente que conduz a esta elaboração conceptual, o mesmo agente que se sujeita e simultaneamente se liberta dos vários constrangimentos da estrutura social que derivam de uma visão durkheimiana, da determinação de representações colectivas hegemónicas (Vala, 1997, p. 9).
Ao reagir contra Althusser, e a sua “natureza naturante e naturada” (Lopes, 1973, p. 658), Pierre Bourdieu acompanha Engels numa visão da estrutura que deixa perpassar o poder hegemónico: esta ancoragem, o habitus, a posição social por reprodução, um ciclo de reprodutibilidade que refracta as
50
maneiras de ver (Pais, 1995, p. 248-249) mas também a agência que ultrapassa a hegemonia, é talvez nesta sequência que se encontram os agentes deste trabalho.
Segundo Gramsci, a hegemonia, forma de ascendência ideológica, é exercida pela sociedade civil, ou seja, o conjunto dos organismos privados, face à dominação directa, ou efectivamente o comando, exercida pelo Estado. A sociedade civil obtém o consentimento espontâneo, e o Estado exerce a disciplina legalmente quando esse consentimento falha. O pensamento hegemónico é, assim, imposto através de um conjunto de instituições culturais tais como a escola, os media, a religião, ou mesmo as práticas do dia-a-dia (Bellamy, 1994, p. 33).
O grupo existe enquanto associado ao processo de categorização social, em função da interdependência entre os seus membros (Vala, 1997, p. 8). Este processo de auto-categorização social do qual se faz derivar uma identidade, mas que se associa também a fenómenos de comunicação, aprendizagem e reflexividade (Vala, 1997, p. 10), será aí que termina a complexidade do agente?
Adicionemos a este composto as estruturas objectivas valoradas quer por Durkheim, quer por Weber, quer por Bourdieu (os campos), as esferas onde se dá a metamorfose das mercadorias, para Marx – de produto a bem de consumo. É exactamente esta metamorfose que se procura, porque certamente que os agentes em estudo também a processam, e constantemente a desenvolvem.
“(...) Weber viria a defender que (...) todos os actores humanos, interpretam e constroem o sentido do mundo social em seu redor. Este sentido não é intrínseco aos factos sociais (...) é antes construído socialmente de acordo com uma pluralidade de pontos de vista diferentes que incorporam diferentes valores e interesses.” (Holton, 1996, p. 39).
O consumo expressa a pertença mas também a distinção, constituindo-se assim como um elemento crucial na materialização complexa do sistema capitalista, que exige um mercado amplo de protagonistas de escolhas, de consumidores. Estas escolhas estratificam o campo em causa, em função de grupos e símbolos, marcadores de posição nomeados mercadorias. A noção simbólica de Baudrillard aponta o consumo com recurso a uma lógica manipuladora subjacente, pois o consumidor
51
manipula as mercadorias cumprindo determinados códigos e regras sociais, atendendo a um mercado simbólico partilhado e a ciclos incessantes dos objectos (Baudrillard, 1994, p. 362).
4.1. Capitais e interconvertibilidade
Marx refere, n’O Capital, que são as relações sociais as estruturas englobantes, tendo como base a propriedade (Holton, 1996, p. 25-26), propriedade essa que virá a ser exactamente o que permite a divisão social e sustenta o surgimento do capitalismo enquanto processo dissociativo entre quem possui os meios de produção, e quem trabalha – será esta afirmação, da relevância das bases materiais da sociedade, demasiado extrema? Durkheim reforça-a, indirectamente, ao afirmar que ganhará peso a solidariedade orgânica, precisamente com base nas relações funcionais (Holton, 1996, p. 30).
Mas a interpretação do sentido do mundo e a multiplicidade de sentidos da acção, defendidas por Weber, e que ultrapassam o peso das estruturas objectivas (Bourdieu, 2001, p. IX-X) projectam-se nas estruturas estruturadas e estruturantes que sustentam as relações sociais.
Afinal de contas, a conversão de sentidos corresponde à máscara sobre a intencionalidade que Bourdieu defende: “A teoria da acção (...) equivale a dizer que a maior parte das acções humanas tem por princípio uma coisa completamente diferente da intenção, (...) disposições adquiridas (...)” (Cohen, 1996, p. 126).
Weber defende esta máscara consciente, e mais, publicita a sua assumpção como determinante para o próprio espírito do capitalismo, preconizada nas orientações das palavras de Benjamin Franklin. Curiosamente, o exemplo referido por Weber, recorrendo às máximas daquele autor (Weber, sd, pp. 33-35), apropria-se exactamente da conversão de capital simbólico em capital financeiro (num sentido abrangente em que incluirá o crédito).
Mais ainda, Weber refere como pressupostos da boa aceitação do jovem capitalista exactamente aqueles que se incluem no capital habitus (tal como Bourdieu virá a referir: “(...) o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (...)”.(Bourdieu, 1989, p. 61).
52
Focando quer um Autor, quer o outro, o agente em acção, recuperando tal como Bourdieu salienta, na mesma obra, o pressuposto de Marx do primado da prática (enquanto produção social da existência humana) sobre todas as coisas, embora rejeitando a sua estaticidade, mas em vez disso, carregando a acção de sentido novo, a estratégia em vez da inconsequência vinda de uma “(...) análise das instituições sociais extremamente estruturalista (...) concede pouco espaço para a acção humana activa (...)”. (Turner, 1996, p. 28).
Este sentido do jogo converte sucessivamente os capitais conforme os campos em que se oferecem à preponderância, possível a cada momento.
É assim em cada momento, em cada campo particular, que o agente age: constrói e apropria-se do objecto construído, hegelianamente, e fá-lo incorporando a representação das práticas e desenvolvendo as práticas em coerência (ou talvez nem sempre) com as representações apropriadas.
Deste processo, em que as representações se ocultam e apenas o discurso e as práticas são visíveis, acabamos por isso mesmo, por saber mais sobre as partes, do que sobre a ligação entre elas (Taug, 2003, sp); as peças, mas não o jogo de conversão em si: no espaço social,
“(...) os agentes distribuem-se segundo o volume global do capital, (...) segundo a estrutura desse capital; (...) segundo a evolução no tempo do volume e da estrutura do seu capital.” (Bourdieu, 2001, p. 16)
O jogo não é, claro, sempre o mesmo, e o sentido primordial que o regula, o habitus, acaba por ser o mais próximo da individualidade a que Bourdieu se aproxima, ou se calhar o mais próximo da individualidade a que um sociólogo/ um antropólogo se pode aproximar? O habitus, como veículo de uma transmissão social da individualidade, no sentido em que não se incorpora um hábito durável momentaneamente (Lahire, 2005, p. 21).
O sentido do jogo nos agentes, em si mesmo a conversão dos pressupostos de uma aprendizagem iniciada no contexto familiar para a reprodução, é de facto a reconversão da mercadoria simbólica, do produto, com vista à obtenção da vantagem, de uma espécie de lucro simbólico que se traduz por sua
53
vez e frequentemente num lucro a vários níveis: Será a agência (Rapport & Overing, 2004, p. 2-3) a conversão permanente de capitais, como forma de transição entre sistemas simbólicos?
A transmissão do capital cultural ou do capital simbólico, ou de qualquer outro, não deixa de ser equacionada como princípio da determinante do agente, que neste caso será o ganho próprio.
James Scott afirma que todos, por sistema, têm estratégias não só de minimização de perdas como de procura dos ganhos, quanto mais não seja na ponderação dos cuidados inerentes ao registo escondido, utilizado como sistema de protesto e perturbação (Scott, 1985, p. 286). As estratégias dos agentes são mediadas pelo seu habitus (Bourdieu, 2001, p. 44).
Para Durkheim são os sinais exteriores que tornam a realidade social sensível, e logo possível.” (Pais, p. 244-245). De uma maneira (visível) ou de outra (registo escondido), os marcadores, sinais exteriores, manifestam-se e constituem-se também como alternativa quando não é suficiente a mera análise do estereótipo, a representação mútua expressa em palavras.
A questão será, antes, o estabelecimento das prioridades numa economia de campos diferente, com pressupostos constantes e que implicam a delimitação das perdas e a procura de um ganho em capital convertível: como afirma Scott, a resistência começa em casa, nas realidades significativas do dia-a-dia (Scott, 1985, p. 348). Esta noção está provavelmente sempre presente nos agentes, e a conversão implícita de capitais, sempre muito mais óbvia, do que em quaisquer outros protagonistas de determinada acção. Como se fora uma permanente estratégia de sobrevivência, e resistência, a conversão de todos os adquiridos no capital procurado pelo agente.
4.2. Tempo e mudança
Para Goody, a existência de uma organização ou sistema social implica a organização do tempo, a sua medição, regulação e as atitudes face ao passado, presente e futuro dos indivíduos (Goody, 1977, p. 329-330). Existe uma distribuição específica do tempo segundo os papéis desempenhados pelo indivíduo (Goody, 1977, p. 336). A este propósito, afirma Appadurai que as periodicidades se contextualizam na vida do consumidor, linear e aberta, tornando-se formas de trabalho na medida em que asseguram a forma de subsistência do consumidor. Para este Autor o trabalho de consumir é tão
54
social como simbólico (Appadurai, 1996, p. 115-117). No entanto, o potencial de consumo nem sempre se consegue concretizar: a impossibilidade de assumir determinados papéis pode levar a que ocorra um desfazamento. Hall refere que se torna necessário arrastar o tempo, quando o corpo e o relógio não estão sincronizados (Hall, 1983, p. 131). A noção de que o tempo se arrasta traduz-se na sua própria consciência: “Vladimir Jankélévitch observava que, caprichosamente, quanto mais vazio é o tempo, mais nos pesa;” (Klein, 1995, p. 18). Algo que Goffman exprime de forma admirável ao dizer que “(...) os internos sofrem extremos de aborrecimento.” (Goffman, 1974, p. 20-21, trad. livre).
Bates (2006) analisa as correntes do realismo crítico de Archer e Giddens: as implicações que a proposta de morfogénese/ morfoestáse de Margaret Archer, ou a teoria da estruturação de Giddens têm, na conceptualização da estrutura (enquanto pressuposto de estratificação do mundo real), no conceito de agência, como a conduta do actor sobre a estrutura, e ainda as noções essenciais de espaço-tempo – essenciais quer à compreensão, enquanto categorias básicas do entendimento, quer para as propostas teóricas em análise. Dadas as estruturas serem uma forma estratificada de (encarar) a realidade, a sua historicidade é relevante para o seu conhecimento – logo, também para a mudança implícita – tal como as variações normativas.
A ideia é compreender como enquadrar a mudança, intrínsecamente associada à noção de tempo, nas concepções de tempo que os Autores apresentam. Ambas as abordagens assentam no dualismo entre repetição e transformação, e Bates questiona-se: para Archer, como será possível passar do tempo cíclico para o linear, e portanto levar a mudança para além da mera diferença entre períodos históricos; por outro lado, a afirmação da estrutura como anterior à agência surge como a reificação da estrutura – ocasionalmente independente dos indivíduos que a compõem (Bates, 2006, p. 149). Giddens, por outro lado, apresenta a mesma questão relativa à mudança, uma vez que o agente existe num tempo irreversível... e reversível, conforme o nível micro, macro ou individual em que seja perspectivado; por outro lado, a noção de reversibilidade não só é fisicamente impossível, uma vez que a segunda lei da termodinâmica confirma a tendência do universo para o caos, logo o tempo como um vector, como é também paradoxal com a noção de reprodução.
Bates propõe a cooptação do conceito de tempo circadeano de Adams (Bates, 2006, p. 155), e a aceitação da ritmicidade do tempo. O Autor propõe a analogia com uma dupla hélice que exprime a
55
circunstância da estrutura e integra a agência, num cruzamento de sincronia e diacronia que permite integrar o actor no contexto – as estruturas pré-existem para alguns, mas nunca pré-existem para todos.
4.3. Tempo e memória
Halbwachs defende a ideia de uma memória que intersecta as memórias grupais, e que por isso contraria os pressupostos da memória pura.
As categorias exprimem, assim, representações comuns dentro do grupo, e é nesses contextos que fazem sentido, o que implica à partida uma perda de sentido para os elementos que estão de fora ou entram de novo. Para Halbwachs, as nossas recordações são colectivas, relembradas pelos outros, mesmo quando só connosco aconteceu: quando se proporciona recordar o passado, pode ser necessário recorrer às recordações de outros (Halbwachs, 1968, p. 36). O Autor refere duas memórias: uma interna, a memória pessoal ou auto-biográfica, e outra externa, a memória social ou histórica (Halbwachs, 1968, p. 37).
A memória é assim, por estes motivos, independente face à consciência individual, e surge da dialéctica entre o passado e o presente: “A continuidade assegurada pela memória colectiva estrutura-se numa temporalidade em que se distingue passado, presente e futuro” (Attias-Donfut, 1988, p. 184).
Goffman afirma, a propósito da recuperação da história individual, essa reconstrução que implicará uma imagem da própria vida (passado, presente, futuro). A reconstrução selecciona e distorce de forma a fazer surgir um produto de uso corrente, uma imagem do self de acordo com valores básicos, uma apologia do agente (Goffman, 1974, p. 139-140). A carreira do agente acaba, assim, por derivar da sua própria reconstrução (Goffman, 1974, p. 135). Existe uma dialéctica entre passado e presente em que este contamina as versões de passado, e os registos são adaptados mediante, inclusivamente, as necessidades de ocasião. Halbwachs refere que o exercício de lembrança deriva das necessidades do grupo, que ao recordar permite a reconstrução do passado tendo por base, também, informação actual. O esquecimento advém do afastamento do grupo no qual as memórias ganham sentido: “Assim, entre os momentos comuns e sucessivos em que supomos guardar a recordação, será
56
possível imaginar que se desenrola uma espécie de tempo vazio, resguardo das durações passadas...” (Halbwachs, 1968, p. 83).
Para Halbwachs, assim, a memória individual é função da memória colectiva, que tem o papel preponderante na caracterização da ideologia do grupo. Recordar é reconstruir esta memória, através da partilha dos cenários comuns. O Autor afirma que cada palavra se faz acompanhar de memórias, e os quadros em que essas memórias residem são quadros sociais: as memórias tomam, nesses quadros, pontos de referência, e assim podem ser recuperadas (Halbwachs, 1994, p. 279-281).
Os quadros sociais são assim as instituições que dão sentido às memórias, os grupos, a família, marcados pela existência de um esquema comum de significações, um contexto que fornece sentido e que pode de facto associar-se ao conceito de communitas de Turner. O que é a communitas? Esta entidade deriva de relações entre indivíduos concretos, idiossincráticos, históricos: não se define uma segmentação de papéis e estatutos mas antes a existência de cada indivíduo face a outro, o que contraria os pressupostos de solidariedade mecânica de Durkheim, ou as referências subjacentes à teoria das representações, aos endogrupos e aos exogrupos (Vala, 1997, p. 11). Tal não impede o desenvolvimento de uma estrutura, até à concretização de uma communitas normativa, por exemplo (Turner, 1989, p. 131-132).
A pluralidade interna de disposições, de cada um, referida por Lahire (2005, p. 38) ganha relevo face a este conceito de communitas, pois como afirma o Autor, podemos ser portadores de disposições que não coincidem com os quadros de referência logo, não se actualizam, podemos não as conseguir adequar ao contexto ou, por fim, o nosso investimento de adequação pode não ter retorno. Assim sendo, a economia pessoal da acção (Goffman, 1974, p. 43) também gere a desordem e o inesperado, mas pode tornar-se difícil em função da imposição de regras exteriores. Lahire opta pela aceitação da perspectiva situacional, ao admitir que os princípios de coerência dos actores não são únicos (Lahire, 2005, p. 2).
59
5.1. Acesso e unidades de análise
Desde o ínicio do projecto, e mesmo da própria procura de um tema de investigação, houve uma preocupação com o acesso à informação e a um grupo com uma determinada coerência, que permitisse a análise de pressupostos que já haviam sido levantados, outrora, quer através de leituras quer através do trabalho como técnica.
Se a proposta inicial desta investigação se tivesse concretizado, e o trabalho tivesse ocorrido no centro de abrigo do Casal Ventoso, o conhecimento prévio adviria muito da exploração feita enquanto técnica, nos dias e nas noites em que aí desenvolvi trabalho como monitora. Portanto, um dos pressupostos importantes, o do acesso ao contexto e às pessoas (Burgess, 1997, p. 33-56), poderia ser assegurado. No entanto, algumas das pistas que permitiram a formulação das hipóteses vinham em equivalentes contributos das leituras – sobre os consumidores de drogas e os aspectos temporais (referidos por autores como Hulbert & Lens, 1988; Vasconcelos, 2003; Kilngemann & Schibli, 2004), sobre a observação no terreno das dissonâncias em matéria de vivência do tempo, entre os utentes do centro de abrigo e, basicamente, aquilo que me rodeava – portanto, o senso comum. O que parece confirmar que uma hipótese não passa de uma “conjectura bem fundamentada” (Burgess, 1997, p. 37).
A unidade de análise redefine-se, no entanto, precisamente porque a primeira deixa de estar acessível e, esperando que a obtenção da informação já fosse por si difícil, dados os múltiplos motivos – ligados por exemplo à ocorrência de percursos criminais conexos – foi mantida a preocupação com o acesso, mas numa dupla perspectiva, a dissociação possível em relação ao papel anterior, e às ligações institucionais existentes, e a escolha de uma nova unidade de análise que permitisse manter a coerência do projecto.
Portanto, foi escolhida a comunidade terapêutica. Mantinham-se alguns receios no que respeita à abordagem, relacionados (também na comunidade) com a posição institucionalmente referenciada, receios esses que se poderiam tornar em vantagens, como mais tarde se verificou para alguns informantes.
60
Perspectivou-se a possibilidade da observação das práticas do dia-a-dia, a entrada sucessiva de pessoas que estariam em pontos diversos da sua recuperação, sob a coerência de uma instituição praticamente fechada. Equacionou-se assim a produção de um terreno (Mapril, 2006, p. 56) com uma difícil delimitação dos fluxos de indivíduos, mas em que a instituição total os encerra e permite a sua abordagem diferida no tempo, enquadrando essa dialéctica (Lima e Sarró, 2006, p. 26) na procura do outro dentro e fora da relação (Lechner, 2006, p. 103).
Esta comunidade é substancialmente aproximada a uma instituição total segundo o pressuposto weberiano de Erving Goffman, no sentido em que materializa um tipo ideal (Goffman, 1974, p. 17): a esfera da vida privada dos residentes mistura-se com os aspectos partilhados no dia-a-dia, trabalho, tempos livres. Todas as vivências decorrem no mesmo lugar, todas as actividades são partilhadas pelo mesmo grupo, existe uma calendarização detalhada para as actividades (que depois, como veremos, não é estritamente cumprida) e as actividades diárias servem o propósito geral da própria instituição, isto é, a função de recuperação na comunidade mas também a sua manutenção.
Como veremos, a separação entre o pessoal e utentes sujeita-se à particularidade de que o monitor é escolhido entre os internos, o que implica uma interpretação específica do pressuposto de separação referido, e por outro lado a inexistência de uma distância social marcada entre os dois grupos (grupo vs monitor, melhor dizendo). Este aspecto reforça a existência de uma carreira moral (Goffman, 1981, p. 45-49), a apreensão completa do facto de ser estigmatizado, mas com um culminar que passa quase por uma porta de saída, em que o papel se abandona.
A condição de cada um implica a modificação do seu self, o que se associa directamente, no caso do objecto deste estudo, à maneira como o tempo é ou passa a ser vivido.
Assim, a unidade de análise estabiliza-se na comunidade, que encerra a coerência pressuposta à partida para as acções de realinhamento dos indivíduos (Goffman, 1993, p. 225). Isto é, a necessidade de ajuste em função das expectativas de acção e as práticas de rotina no grupo (e face ao outro), embora se pressuponha à partida a manutenção do status quo pela existência de comunicação conivente, implica um “desvio de um tipo inacessível à consciência” do espectador (Goffman, 1993, p. 225), neste caso, quem investiga.
61
A comunidade é abordada em momentos diferentes, com o objectivo de caracterizar as pessoas que passam pelo grupo, e ao mesmo tempo, o grupo em vários momentos. Tal significa que, de cada uma das vezes que a comunidade é abordada, as pessoas que ainda lá permanecem voltam a ser entrevistadas, numa sequência em que se procura saber sobre o percurso até à comunidade, e depois sobre o percurso dentro dela. Os períodos de permanência foram concentrados em 3 dias, de cada vez, em momentos distribuídos no tempo, um deles sem a componente do levantamento das entrevistas: o caso das vésperas do Natal de 2005, em que se procurou não contaminar o tempo de características especiais com registos gravados e processos de revivência difíceis no momento.
5.2. Fazer reflectir o processo
A abordagem metodológica deste trabalho procura, desde os seus fundamentos ontológicos, fazer reflectir um processo. Assim, desde a conceptualização, estreitamente associada a uma perspectiva qualitativa de aproximação à razão do agente, aos pressupostos de trabalho associados quer ao tempo, como objecto antropológico e central da tese, quer à memória, no eixo do discursos dos indivíduos, enuncia-se o princípio da recolha junto dos informantes.
Segundo Atkinson, as narrativas são fonte de dados que intersectam o individual e o social (Atkinson, 1999, p. 191), ou, como refere Dhunpath,
“(…) a abordagem das histórias de vida será, provavelmente, uma forma de entender como os motivos e as práticas reflectem a intersecção íntima das experiências institucional e individual, num mundo pós-moderno.”(Dhunpath, 2000, p. 544, trad. livre)
Num mundo pós-moderno, como acreditamos noutro mundo qualquer, a proposta de um “narradigma” (Dhunpath, 2000), deixa transparecer a própria noção da vida como narrativa, na medida em que nos representamos no mundo sob essa perspectiva (Dhunpath, 2000, p. 544-545), o que ao mesmo tempo que fornece a perspectiva individual, precisa de ser integrado na panorâmica do grupo, ou da comunidade, se se quiser.
62
5.3. Momentos da comunidade
Uma vez que se procura perceber a alteração na forma como o tempo é vivido, e como a transformação nessa vivência se reflecte nos momentos da comunidade, opta-se por recolher o testemunho das pessoas sob a forma de entrevistas etnográficas, com o fim de recolher as histórias ou extractos de vida:
“O melhor é conceber a entrevista etnográfica como uma série de conversas amistosas, em que se introduzerm paulatinamente novos elementos, para ajudar o interlocutor a responder como informante.” (Flick, 2005, p. 93)
O processo passa por um eixo central no qual se coloca uma questão essencial na entrevista, que procura dar início a uma narrativa por parte dos informantes (Bertaux, 2006, p. 62), uma vez que a liberdade da palavra deve ser total... mas controlada (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 25).
Mas o que distingue uma entrevista de uma conversa, então? Um pedido específico de entrevista, subsequente à apresentação da investigação. Esta apresentação é feita ao grupo, e depois particularmente, a cada um dos informantes, juntamente com a existência de clarificações adequadas e o levantamento dos elementos relevantes para o estudo (Flick, 2005, p. 94).
O trecho de vida recolhido que encaminha o indivíduo para a presença na comunidade, dá simultaneamente coerência à recolha do discurso, e à observação não participante efectuada nos periodos de permanência na referida comunidade terapêutica. Segundo Flick, “(…) um critério essencial da validade da informação é o relato do entrevistado ser primariamente uma narrativa.” (Flick, 2005, p. 101), em que no entanto o Autor prevê como alternativa a introdução de “(…) diálogo entre o entrevistador e o entrevistado, próprio da entrevista de episódio.” (Flick, 2005, p. 112).
5.4. Récits de vie e análise de discurso
O objecto social de estudo em que se foca esta investigação enquadra-se naquilo que Bertaux apelida de “categoria de situação” (Bertaux, 2006, p. 20), categorias constituídas na base do senso comum, mas que se torna possível apropriar na medida em que constituem grupos em determinados momentos
63
e situações da sua diacronia, e que vêm a ser apropriados como tal. No caso presente, a situação torna-se o internamento comum na comunidade terapêutica, e a vivência de momentos de percurso semelhantes quer até à chegada dos indivíduos quer, posteriormente, no decurso do internamento na comunidade, o que proporciona não a partilha de memórias colectivas mas, talvez, a partilha de episódios associados a uma prática comum.
A diacronia expressa na narrativa pode ser linearmente usada, por exemplo, na análise das trajectórias (Bertaux, 2006, p. 21), mas ao caso optou-se pela separação em categorias e dimensões, com vista à análise do discurso e à percepção das categorias comuns, e das referências, que permitem a saturação da informação, quando comparadas com a documentação e bibliografia já consultada (Cf. Klingemann & Schibli, 2004; Brochu & Parent, 1999; Vasconcelos, 2003).
Assim, “Uma concepção minimalista da história de vida será proposta: existe história de vida desde que ocorra a descrição, sob forma narrativa, dum fragmento da experiência vivida” (Bertaux, 2006, p. 14, trad. livre), o que decorre das entrevistas dos visados.
Põe-se a questão da reprodução integral ou da reconstrução das histórias de vida (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 27), mas neste caso a opção foi obter a narrativa para que esta pudesse ilustrar as categorias mais relevantes para a compreensão dos contextos prévios e do contexto da comunidade, e para o percurso dos agentes. Bertaux recomenda a análise temática sempre que o objectivo das histórias de vida visa a comparação de conteúdos (Bertaux, 2006, p. 93). Embora isolando as passagens do discurso, o que exige cuidado na manutenção da coerência e sentido das frases, a análise possibilita a expressão de ideologias pessoais. Mas possibilita, sobretudo, a ilustração coerente de práticas e contextos, e a observação de categorias comuns. Franzosi, por exemplo, defende que a manutenção da narrativa intacta torna difícil a sua análise, pelo contrário facilitada pelo tratamento temático (Franzosi, 1998, p. 548).
Assim, sobre as narrações aplicou-se uma técnica sobre a alçada da análise temática, a análise de discurso, que possibilita a obtenção das dimensões e das categorias referidas, técnica essa aplicada de forma que as dimensões pudessem ocorrer segundo os pressupostos de cada entrevistado, e não
64
segundo os da investigadora, e que assim se traduzisse o conjunto de elementos relevantes no contar
da vida de cada pessoa.
O facto é que da mesma forma que se possibilita a maiêutica do sujeito, encontra-se também o recontar da história e as distorções a ela associadas (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 42, trad. livre). A reconstrução-transposição para uma unidade de vida, como referem Bertaux e Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut é sistemática, mas em contrapartida a omissão das passagens complicadas (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1983, p. 43, trad. livre), no caso destes informantes, não é comum, porque é precisamente nessas passagens complicadas que todo o seu discurso assenta. Por outro lado, a expectativa de que se procura conhecer o tipo de discurso que inúmeros técnicos procuraram conhecer antes, pode conduzir a uma saturação das referências a passagens complicadas, e a omissão de detalhes relevantes para o objecto de estudo, que respeitam ao modo de viver o tempo, antes e depois da entrada na comunidade.
Isto equivale a afirmar que a saturação da informação, se torna óbvia na ilustração de categorias equivalentes, intra e extra estudo, mas a ocorrência de categorias únicas torna-se relevante, nos destaques do inesperado (Godinho, 2001, p. 74) ou, mais particularmente, nas omissões.
Segundo Barker & Galasinski, a compreensão é uma questão posicional, porque tem a ver com o posicionamento de quem comunica, onde está, com quem fala, e com que objectivos (Barker & Galasinski, 2001, pp. 63-64). Este pressuposto é antecedente à própria realização deste trabalho, em função do conhecimento do contexto anterior mas, também, do facto de se abordar um contexto sobre uma perspectiva de observação não-participante, ou seja, descontinuada e sem recurso à imersão no meio.
Os Autores referem que o discurso é enquadrado num determinado contexto, deixa transparecer um dado quadro de referência, os papéis sociais e comunicacionais assumidos, os objectivos dos agentes, dos elementos que definem o conhecimento social relevante, as normas e valores e as estruturas organizacionais ou institucionais. Procura-se que estes aspectos se projectem nas dimensões e nas categorias que respondem, de forma estruturada, à abordagem que os entrevistados fazem da sua vida, e como a contam. Isto significa que não ocorre a reconstrução das histórias de vida mas o re-
65
arranjo das categorias segundo os temas abordados pelos indivíduos, procurando-se assim uma forma de sustentar os temas de análise e a coerência – ou incoerências, ou paradoxos – que constroem este trabalho.
O discurso é, assim, enquadrado no grupo – mas até certo ponto, não no grupo da comunidade. As sequências do discurso, mediante as suas unidades e a sua lógica, são de alguma forma abstraídas em função da enunciação das unidades comuns a todos os elementos que são entrevistados neste trabalho, de forma a que seja possível agrupar as unidades do discurso segundo categorias e dimensões apropriadas por todos os elementos. Porque é que uma determinada frase é dita, e o que significa numa dada situação? Para os Autores o discurso é socialmente constitutivo, é uma forma de prática social que deixa transparecer as escolhas dos agentes, e revela uma determinada ideologia, ou se se quiser, a adopção de um predomínio simbólico com um modelo específico. O texto é multifuncional, faz cruzar diversas realidades, estereótipos ou não, que se procurou fossem projectadas na compreensão dos percursos dos indivíduos. O discurso é interpessoal, mas não se refere apenas à relação entre a pessoa e o seu interlocutor, antes pelo contrário integra diálogos e múltiplos agentes em função dos quais o discurso é enunciado. O discurso é textual, porque estabelece relações entre o discurso e as condições que enquadram esse mesmo discurso, ou seja, o contexto (Barker & Galasinski, 2001, p. 64). Por fim, o discurso permite descobrir as redes que os indivíduos integram, incluindo as transformações por que os discursos passam – mediante contextos sucessivos. Esta objectificação concretiza-se no recurso à memória mas também ao esquecimento, pois tal como refere Augé, ocorrem três formas de esquecimento: o regresso do passado, esquecendo o presente, o reencontro com o presente separando-o momentaneamente do passado e do futuro, e o reecontro com o futuro esquecendo o passado (Augé, 2001, p. 77-78).
Dá-se o caso de existirem memórias partilhadas na communitas em apreciação. No entanto, o que se reforça no discurso, de facto, é a partilha de estereótipos externos ao grupo, nas não as memórias concretas ou a reconstrução delas. Não há, de facto, partilha de conhecimento nesta communitas. Por outro lado, os estereótipos coincidem com memórias hegemónicas, figuras de referência que autenticam simbolicamente determinadas recuperações. Ou seja, a partir de um determinado grau de disseminação estaremos a falar de memória social, no sentido em que advém dos grupos dominantes. Há, assim, tipos de informação que nos chegam de forma hegemónica, e esta hegemonia transparece
66
nas categorias aplicadas ao levantamento, por exemplo, na aceitação do termo toxicodependência como recurso de categorização.
É importante notar, na reconstrução do passado, a ocorrência de ucronias ou raciocínios contrafactuais, “se tivesse sido assim, as coisas seriam diferentes…”. Nas histórias de vida ocorrem frequentemente situações míticas que, no caso presente, se podem relacionar com a categorização estabelecida, ou eventualmente com as omissões patenteadas no discurso dos agentes.
69
6.1. Introdução
A comunidade terapêutica em análise neste estudo, a que chamo o Centro, é criada através da instituição de uma IPSS em Março de 1996: constitui-se como associação de solidariedade social, por tempo indeterminado, com um número de associados que vai variando ligeiramente ao longo do tempo, mas que se restringe a cerca de vinte pessoas. Tem a sua sede num concelho da Margem Sul, e tem como objectivos principais a prestação de cuidados de saúde, a higiene mental e a assistência social. A actividade na comunidade é iniciada em colaboração com a Câmara Municipal, que cede, através de protocolo, o espaço onde se situará a comunidade terapêutica, um palacete em ruínas do século XIX. O SPTT - Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e, mais tarde, após a extinção deste, o IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência, comparticipará o pagamento das estadias prolongadas das pessoas sujeitas ao processo de internamento. Segundo o Despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e do Ministério da Saúde Nº 261-A/ 99 de 22 de Março, a criação de uma rede nacional de unidades de tratamento de toxicodependentes, que inclui as comunidades terapêuticas, as clínicas de desabituação e os centros de dia, prevê que o Estado comparticipe o tratamento dos indivíduos através de convenções, entre o SPTT e cada unidade, considerando para o internamento nas comunidades um valor mensal por indivíduo que ascenderá a 165 000$00 (em 1999). Este valor é circunscrito no mesmo despacho conjunto a um financiamento assegurado de oitenta por cento do montante, às comunidades.
A comunidade tem um número de camas restrito, onze, resultado do facto de funcionar no Palacete – palacete esse que, pelo seu estado de ruína, virá a ter de sofrer algumas obras de reconstrução do andar térreo, a construção da zona de refeições, a recuperação de um quarto e instalações sanitárias no primeiro andar (que virá a ser reservado para a Direcção), e ainda a recuperação de algumas divisões distribuídas como a despensa de secos também no primeiro andar, a zona da lavagem de roupas, e o quarto do monitor - no sótão.
O consultório do dentista virá a ser instalado, de forma pouco consequente, alguns anos mais tarde (a partir de 2003), embora até ao momento em que dou por terminado o trabalho de campo, não tenha funcionado. No primeiro andar situar-se-á também a sala de reunião da equipa de rua que conduz a sua acção localmente, uma sala habitualmente fechada onde a equipa armazena os materiais para os
70
kits (seringas, água destilada, toalhetes, preservativos, filtros) - equipa que cessa a sua actividade no concelho, por escassez de trocas, ainda antes de 2004.
6.2. O circuito contextual
A maior parte dos indivíduos vai entrando na comunidade através das redes sociais de alguns dos associados, que trabalham no contexto de bairros lisboetas com problemas sociais. Contextos como o Casal Ventoso (Chaves, 1999), mesmo depois das mudanças no outrora supermercado da droga, ou o Bairro da Boavista, na margem Norte do Tejo, proporcionam a entrada de pessoas. Também através do trabalho das equipas de rua da instituição, entram pessoas, através das redes interpessoais associadas às equipas que operam na margem Norte e na margem Sul, em zonas problemáticas com forte penetração de drogas como, por exemplo, o Vale da Amoreira. Alguns dos internos entram em função de contactos familiares ou contactos com outros elementos que já anteriormente haviam entrado no Centro. Na sua maior parte, estas pessoas passam por um circuito de comunidades:
“(...) já estive em dois, antes de ser cá... já estive em [outro país], não me lembro do nome daquilo... mas calhou-me sempre, para onde eu fui, só apanhei drogados... é raro apanhar gajos alcoólicos (...)” (Carlos, A3)
Ou como refere Óscar, ao explicar como convenceu o director do Centro a aceitá-lo juntamente com a sua mulher, grávida, e um filho de sete anos, depois de verificar que mais ninguém no País aceitava a família completa:
“[O director da comunidade não queria que o miúdo viesse] Por causa do ambiente, (...) aqui como não havia miúdos, que era um ambiente um pouco pesado para ele, a gente explicou-lhe porque felizmente a Nela desde que o miúdo nasceu, pois... tem estado sempre em centros, (Óscar, N3)
O circuito integra instituições com características mais ou menos rígidas (Patrício, 1995, p. 177-178), incluindo quer as clínicas quer outras comunidades terapêuticas, e não é exclusivamente nacional. O próprio Óscar esteve internado sete anos, numa organização onde primeiro o internam numa comunidade, e depois virá a ser responsável por outra comunidade. Conheceu a mulher, Nela, após o
71
que rumam a Portugal. As duas comunidades integram, respectivamente, pessoas em estágios diferentes do processo de recuperação, tal como aquela em que Óscar foi monitor:
“(...) era diferente, daqui... era já uma segunda fase, onde o pessoal já vinha todo já com quatro, cinco meses, reabilitado das drogas, bom reabilitado não vinha, mas pelo menos com o que é ressaca, e essas coisas, (...)” (Óscar, N6-1)
E, ocasionalmente, com um regime de trabalho integrado na segunda fase, ao contrário do que se passa no Centro:
(...) bom lá dentro, tinhamos uns dezoito ou dezanove camiões...e era diferente, o pessoal chegava pela manhã, (...) havia uma reuniãozita da parte deles, falávamos todos os dias, e depois cada um saía com o seu camião, com os seus ajudantes, cada homem o seu trabalho, eu distribuia a chave dos camiões, o trabalho, cada um ia à sua vida...” (Óscar, N6-2)
A escolha do Centro resulta também da experimentação de uma sequência de modelos diferentes de tratamento, aos quais cada um dos indivíduos se vai adaptando melhor ou pior.
“(...) nas Taipas não havia meio de me resolver o assunto (...) Eu (...) andei nas Taipas, na CAT de Sintra… de Mira Sintra… durante três anos e tal… três anos e quase quatro anos (...) [No CAT não me faziam] nada… nada, rigorosamente nada… eu cheguei ao ponto de andar a consumir e eles nunca… nunca me fazerem uma análise!... eu disse isso à minha psicóloga… “eu não sei para que é que eu ando aqui…”, “ah, mas porquê, Maria? não te estás a sentir (...) bem?”, “ah, estou-me a sentir muito bem, mas é assim, eu acho que o vosso sistema… (...) para mim não pega, porque é assim… eu até posso estar aqui com uma ganda pedra… a bater com a testa no joelho… e vocês continuam (...) com essa terapia… para mim, não me diz nada (...) eu estou aqui há… há três anos, nunca me fizeram uma análise… como é que vocês sabem se eu ando a consumir ou não? Acreditam-se naquilo que eu digo?!”...”(Maria, E21)
Por vezes, a opção anterior não é pelo tratamento, mas pelas terapêuticas de substituição de baixo limiar, a metadona:
72
“(...) entretanto ouço falar no CAT (...), na metadona (...) vou ao CAT (...) no Barreiro... peço ajuda a eles... eles sim senhor, (...) metem-me na metadona... (...) [o CAT] estava num sítio esquisito, porque (...) é três bairros de droga, ali à volta do CAT... para ir ao CAT tem que passar por um deles, [de outra maneira] não chega lá...só se... só se vier por Lisboa, de barco (...) é que não passa... pelos bairros da droga, para chegar ao CAT...” (António, D23)
Outras vezes, as pessoas retornam ao Centro onde já haviam estado, e o regime do Centro muda com os monitores:
“Ah, por um lado é bom, por outro lado... tenho que estar sempre aqui, vinte e quatro horas... quando estive cá a primeira vez, já há quatro anos, estava cá o senhor Né [monitor], a gente saía, a gente ia ao café, agora já não vamos ao café, já não vamos sair... agora não, não pode (...) depois agora está cá este casal [Cristina e João Miguel]e a gente não pode sair...”(Mário, L8)
Monitor esse que chega a decidir, de forma algo absoluta, como corre o dia-a-dia dentro da comunidade, não tanto na perspectiva disciplinar de “parar o mal, interromper a comunicação e suspender o tempo” (Foucault, 1975, p. 244), mas mais para fazer face ao descontrolo prévio ao internamento (Goffman,1974, p. 123):
“(...) sim, mas o Monitor, por exemplo, [se] tiver um erro, ou uma coisa assim... que é para corrigir, ou para chegar a uma reunião... para falar disso... praticamente isto é tipo de... partido político (...) como um partido único, aqui dentro... ” (Dário, C23)
Assim, acontece na comunidade que o grupo que encontro tem uma permanência variada, às vezes composto por um núcleo de pessoas que já lá está há anos, outras vezes na sua maior parte composto por pessoas que chegaram há alguns meses:
“(...) no grupo [quando entrei], destes que estão aqui, só cá estava o Francisco, mais ninguém, é o único sobrevivente... alguns já fizeram uma passagem, de dias só, uma semana, duas, a do Rogério, por exemplo... esteve cá doze dias... foi-se embora, e agora regressou e está cá há dois meses (...) agora o resto é tudo malta que está aí há um mês, um mês e pouco (...)” (José, G5)
73
Esta transitoriedade poderia ter colocado em causa a delimitação da unidade de análise, certamente, mas se virmos pelo outro lado, possibilita uma caracterização mais complexa da referida unidade, em função de uma recolha mais rica de casos inerente a um grupo em permanente mudança. Portanto, o Centro encerra uma coerência espacial, mas não uma coerência temporal única, aproximando-se também assim do sentido que Turner atribui à sua communitas, onde “sob a influência do tempo é necessário mobilizar e organizar recursos” (Turner, 1989, p. 132, trad. livre) e que deriva do estabelecimento de relações entre indivíduos, “estando para fora” (Turner, 1989, p. 138, trad. livre). Tal como anteriormente referido, procura-se interrogar a comunidade como espaço de fluxos de pessoas e relações (Mapril, 2006, p. 54).
6.3. O jardim
Quando entro na comunidade pelo enorme portão verde de ferro forjado, a primeira coisa que vejo à minha direita é a parede lateral do palacete e uma porta, pequena, com um arco de estilo gótico a encimá-la. Está fechada, mas já sei que é por aí que se entra para o hall onde são guardados alguns produtos alimentares, como a fruta ou os caixotes de ketchup doados pelo Banco Alimentar contra a Fome. O hall dá acesso ao consultório de medicina dentária, instalado com a maquinaria necessária... mas fechado. Consultório que é algo extemporâneo, embora bem intencionado. A sua instalação procurava responder à necessidade de tratamentos dentários típicos dos consumidores de drogas com um historial longo, mas de facto a intenção nunca se veio a concretizar.
Do jardim espreito para o consultório pela janela semi-aberta e vejo na penumbra a mesinha, a cadeira de dentista, e o cano da água por fora da parede. Volto para trás passando por cima do relvado, e reparo que o espaço é amplo e agradável: em frente ao portão existe um pequeno terreiro onde é possível estacionar três ou quatro carros, circundado por um murete, e onde frequentemente se encontra a carrinha de nove lugares que transporta o grupo nas saídas ocasionais. O terreiro é ainda limitado por uma sebe e uma gaiola de pássaros vazia (construída na correnteza do murete), uma vez que a maior parte deles foi morta pelos cães da comunidade, numa só investida feroz.
À direita, vejo o jardim relvado, a rede pendurada ao fundo entre as duas palmeiras mais altas, e uma vista para um descampado gigantesco e algo vazio:
74
“(...) a distância longe, ali eu... vejo a paisagem... vejo os montes, fica mais... eu vou ali e melhoro a cabeça... vou lá dentro e só penso que estou lá dentro... fica mais... se calhar não sei explicar direito, mas fica mais... independente, não é.... a vida...[lá dentro] fica um bocadinho mais fechado...” (Dário, C9)
Descampado esse onde, de vez em quando, passa o rebanho de ovelhas, o pastor e os cães do pastor, já fora dos limites da comunidade - a seguir à horta plantada para fornecer as saladas e as sopas, uma horta plantada de forma absolutamente anárquica pelo Mandrake,
O bom do Mandrake (...) fez uma plantação anárquica de milho com tomateiros e couves tudo
misturado, em cima... de um limoeiro que estavam à espera que crescesse. Ora bem. O milho
cresceu, os tomates também (têm tomate normal e tomate xuxa, com muito bom aspecto), as
couves cresceram, há por lá umas alfaces minúsculas... mas o limoeiro nem se vê. (DC, 9.05)
Horta essa, tratada pelo Carlos ou, mais tarde, pela Nela:
“O J[filho] anda atrás, anda atrás dos animais, atrás de um, de outro, ao pé dos pombinhos, dos coelhos, da horta (...)” (Nela, M19)
De tarde, pelas quatro horas, encontro três rapazes – entre os trinta e os quarenta e tal anos - que jogam futebol. Se continuar a caminhar, sempre para a direita depois de ter entrado o portão, fico de face para o relvado, com o frontispício amarelo do palacete do século XIX por trás e, ao fundo, ao pé do poço, o tanque onde alguém toma banho.
“Prefiro o verão, não o inverno, depois aproveito sempre ali o tanquezinho, para dar uns mergulhos, e apanhar ali um bocado de sol, fazemos sempre ginástica, corremos...”(Rogério, Q21)
Encontro um dos rapazes a varrer o átrio, outro sentado numa cadeira, algo silencioso, por baixo das arcadas, e a rede nas janelas anuncia a proximidade de correntes de água e, no verão, uma dose de mosquitos absolutamente anormal... e extraordinariamente incómoda, que me impedirá mais tarde de dormir (mesmo com repelente e veneno para insectos).
75
Se olhar para os varandins do primeiro andar do palacete, apercebo-me que há algo errado. Com efeito, o primeiro andar parece desocupado, as janelas abertas, e a ruína à vista. Na varanda principal encontram-se os andaimes que vão ficando, ou porque serviram para mais uma obra, ou porque vão ser usados para pintar o palacete.
A seguir ao edifício principal está a pequena capela, sem altar, com alguns aparelhos de ginástica lá dentro, um deles em uso intenso mas algo displicente.
“(...) a minha mãe ficou encantada [com a capela da comunidade]… ela veio aqui ver-me, um dia… pronto, eu andei a mostrar a casa, aí… e a minha mãe é muito agarrada, a isso (...) e então levei-a, sabia que ela ia gostar… mesmo estando naquele estado (...) e ela ficou encantada e realmente é verdade… ela é bonita… se estivesse recuperada, estando bem… bem estimadinha… mas pronto, é o que se pode arranjar, não é (risos)…” (Maria, E36)
A seguir a entrada, sempre fechada, para o quarto maior, e depois surge uma construção atípica, recente, um pouco mais baixa do que o palacete, ocupada por coelhos e pombos, um cheiro intenso e os fundos reservados para uma oficina e o depósito de objectos à espera de recuperação. Os coelhos são, volta que não volta, selvaticamente dizimados pelos cães, rafeiros, guardas e companhia, que por isso desde há uns tempos para cá permanecem presos a maior parte do dia, acorrentados nas cercanias das casotas situadas entre o edifício novo (se é que se pode chamar novo, naquele estado) e o tanque transformado em piscina. Por vezes vejo, ao fundo do jardim, perto das palmeiras, a única rapariga na comunidade a estender a roupa ou, mais propriamente, nas horas perto do lanche, a apanhá-la.
6.4. O chão vermelho das arcadas
Entrei. Passo pelo chão vermelho das arcadas e à esquerda está o ninho da andorinha, ocupado todas as primaveras e à espera do regresso. Os matraquilhos e a mesa, de azulejos retirados do palacete. Os degraus que saem debaixo das arcadas e fazem caminho para a capela. As escadinhas da porta de acesso ao quarto mais espaçoso, onde dormem talvez dois ou três rapazes, e um deles sentado nas escadas. O rádio-leitor de cassetes está a tocar a música bem alto, mas pela janela de rede da sala, logo ali ao pé da porta, percebo que a televisão também está ligada.
76
A porta de entrada no palacete é verde escura, de madeira, de duas portadas, e piso o chão interior, de quadrados pretos e brancos. À minha frente está a escadaria, os degraus com uma aparência muito recente e de madeira esbranquiçada, e o corrimão desenhado em espiral e pintado em tons de beterraba. O santinho, em azulejo azul na parede branca, protege certamente a casa (de cair...): “Sagrado Coração de Jesus abençoe este lar”.
À direita está o escritório, com um balcão de repartição pública que ocupa quase todo o espaço, um computador poucas vezes ligado, o armário dos medicamentos e a secretária do monitor. Uma fotocopiadora, um aquecedor e uma casa de banho que dá, de vez em quando, sinal da fossa demasiado cheia que, enquanto aguarda o vazamento da Câmara, deixa um cheiro pestilento na zona administrativa, e uma série de dossiers e papéis com ar pouco consistente, como se de facto o centro da casa não fosse ali. Encontro o monitor ali sentado, a distribuir medicação, a dar os cêntimos para o café e até para o tabaco, a falar ao telefone, a receber familiares (raramente), mas o mais certo, mesmo, é olhar para a porta do escritório fechada à chave, com o pequeno letreiro “Escritório” a chamar a atenção para o seu lugar periférico.
6.5. A ruína
Subo a escada, meio desequilibrada (faz-me pensar que perdi o centro de gravidade) chego ao andar nobre do palacete: como certos nobres... está em ruínas. À minha direita está uma das duas entradas para o salão da antiga equipa de rua, magnífico: uma sala pequena seguida de um salão grande, o Salão da Lareira, situado na esquina do Palacete, com uma janela de cada lado. Uma janela para a entrada da comunidade, e outra que dá para o jardim. A parede está forrada a azulejos, mas vejo uma sequência de baldes de plástico no chão que me dizem que a chuva não perdoa. Em cima ouço os pombos, cujos dejectos infernais chegam por portas travessas ao salão.
Depois da portada nas escadas vejo, ao fundo, a zona da lavandaria, as máquinas de lavar e secar, e à direita, a despensa de secos com uma porta fechada a cadeado. É na zona da lavandaria que registo sinais escritos significativos do que se passa com as pessoas da casa:
“Cuidados a ter nos sectores:
77
Sector lavandaria
• Calçar luvas de borracha;
• No caso de a roupa apresentar vestígios de sangue e/ ou fluídos genitais, colocar a mesma previamente em lexívia durante 30 minutos ou lavar à parte da outra roupa, da seguinte forma:
• misturar lexívia com o detergente e o amaciador numa proporção de 1/2 tampa (ou uma colher de sobremesa), por cada quilo de roupa;
• fazer a pré-lavagem a 50 graus durante 10 minutos.
• fazer a lavagem posterior a 60 graus.
• retirar a roupa da máquina e estendê-la.
• entregar a roupa já dobrada.”
Com efeito, metade dos habitantes da comunidade são portadores de uma qualquer doença infecto-contagiosa, e os cuidados dirigem-se a quem faz a lavagem da roupa o que, pela distribuição das tarefas, cabe a uma determinada pessoa em cada semana.
No secador de roupa, lembram-se os cuidados necessários para manter a máquina – o que faz pensar que já houve algum descuido:
“Lembra-se que após utilizar o secador da roupa é imperativo limpar o filtro do mesmo para assim continuarmos a ter o privilégio de poder secar a roupa quando o tempo não o permitir (e assim zelar pelas máquinas e materiais do centro).”
É aqui, no primeiro andar, que durmo. Se virar à esquerda mal subo as escadas, entro por uma porta que avisa o perigo da ruína, deparo logo em frente com uma estante de esquina onde se guardam as coisas de Natal e, à direita, a sala a que chamo eufemísticamente Sala em Obras – mas que não tem tecto, não tem chão, com uma janela sem portadas sequer, por onde vejo a estrada. A seguir, à minha esquerda, está a Sala dos Pombos, por motivos óbvios, pois aí também a ausência de tecto faz com que se torne residência permanente dos animais; a sala tem uma pequena lareira de estilo meio árabe,
78
ao gosto do homem que mandou construir o palacete; ainda alguns azulejos, e um conjunto de janelas a dar para a varanda onde estão os andaimes.
Passo pelo corredor meio destroçado - uma varanda mais à direita, que dá para o pátio da sala de refeições (ou refeitório, como alguns dos entrevistados lhe chamam), outra janela à esquerda, que dá para o jardim - no corredor existe uma célula fotoeléctrica que acciona uma lâmpada mas, à noite, demora demasiado tempo a reagir à minha passagem, tornando o trajecto algo assustador.
Vejo no fundo do corredor a casa de banho do monitor, subindo uns dois degraus, viro à esquerda e encontro a porta do quarto onde durmo, que tem uma casa de banho própria, e a porta da saleta contígua, que corresponde a um dos dois avançados de esquina, do palacete.
Não resisto a ir à noite à saleta ao lado do quarto, tem janelas nas três paredes (a quarta parede é
a que dá para o quarto) e uma vista nocturna maravilhosa. E o sol da manhã é fantástico,
infinitamente mais interessante que o telhado que posso ver da janela do meu quarto. Posso estar
(...) na ala ruinosa do palacete, mas é intrinsecamente um palacete, de facto (DC, 12.05)
6.6. Atrás da porta, na sombra, as regras da comunidade
À esquerda da porta de entrada no palacete, cá em baixo, é a sala de estar. Entro e vejo um conjunto de dois sofás beijes, e dois cadeirões, uma mesa em vidro com algumas cadeiras em volta, uma televisão no canto, em cima, mesmo em frente à porta por onde espreito e, por trás dessa porta, um quadro com as regras e procedimentos de recuperação que o Centro afixa na parede, mas que me parecem distantes do processo diário.
As regras enunciam os princípios do programa de recuperação, mas o papel amarelado e a troca nos trimestres, da segunda e da terceira fases, denunciam que ninguém olha para o quadro já há uns tempos. Enuncia-se a separação de um mundo anterior (Van Gennep, 1978, p. 37) em que se confronta e é confrontado, em que não se tem comunicação com o exterior. Esta fase assegura a passagem entre dois mundos e a separação entre “dois movimentos de sentido contrário” (Van Gennep, 1978, p. 152), o que decorre lá fora e o que decorre na comunidade, um ponto morto marginal.
79
“Valores e regras das fases do programa, 1ª fase (entre 1 a 3 meses)
Valores: ruptura com a droga e outros contextos disfuncionais; adaptação, investigação e
envolvimento com o grupo; tomar consciência de si próprio (quem é e o que quer mudar); seguir o
exemplo dos mais velhos e aprender a confiar em si e nos outros; confrontar e ser confrontado; ser
honesto, frontal e directo; respeitar os outros; obedecer às regras da casa.
Regras: não fazem chamadas telefónicas (telefone e telemóvel) durante a semana e ao fim-de-
semana só com autorização; não têm acesso ao seu dinheiro; não podem ir a casa de fim-de-
semana; em caso de necessidade de saída só o fazem acompanhados por um elemento mais
velho.
Na segunda fase, a passagem vive-se o confronto com a origem mas também a responsabilização, quem sabe um lugar e a responsabilidade mais próximos ao monitor.
2ª fase (entre 6 a 9 meses)
Valores: assumir responsabilidades na organização e funcionamento da casa (podem ocupar um
lugar de maior responsabilidade); confronto com o meio social de origem (bairro, casa familiar);
tornar consistentes as mudanças que se vão operando (maturação); consolidar o valor das regras
defendendo-as e transmitindo-as; dar o exemplo aos mais novos; elaboração de um projecto de
vida e objectivos a alcançar; obedecer às regras da casa.
Regras: podem sair ao sábado e voltar ao domingo; podem telefonar durante a semana mas
sempre com autorização e em casos importantes (tratar de assuntos importantes); não têm acesso
ao seu dinheiro.
Depois de agir e parar, esperar e repousar, como afirma Van Gennep (1978, p. 157), recomeça-se a agir, se bem que de forma diferente. Retorna-se a um ciclo. Depois da suspensão da vida social, restabelece-se o laço de união com a sociedade e a vida social recomeça (Van Gennep, 1978, p. 151).
80
3ª fase (entre 3 a 6 meses)
Valores: desenvolver a auto-segurança para restabelecer relações com a vida exterior à
comunidade; alargar e diversificar o leque de relações no exterior; servir de modelo para os mais
novos na casa e ajudá-los no seu desenvolvimento; continuar a desenvolver o seu projecto de vida
e procurar emprego; obedecer às regras da casa.
Regras: podem sair ao fim-de-semana; gerem o seu próprio dinheiro; obedecer às regras da casa;
podem ligar três vezes por semana (telemóvel); têm direito a mais uma saída semanal entre as
15.00 e as 19.00.”
Verifica-se que algumas regras estão interiorizadas, pois ocasionalmente ouve-se o pedido para fazer um telefonema, mas nunca ouço ninguém a falar a partir de um telemóvel – o que se torna estranho, comparando com o que se passa lá fora…; mas a acção das pessoas difere em função do tempo de estada, por exemplo no que respeita a detalhes como uma saída do grupo para tomar café, no bairro de realojamento do outro lado da estrada.
Estas saídas só estão acessíveis àqueles que já se encontram na comunidade há algum tempo. Talvez por verificar este aspecto também suponho que uma parte das regras será cumprida de forma flexível, como por exemplo o facto de não serem necessários, exactamente, os três meses de permanência para poder começar a ir a casa.
“(...) não é que eu acredite que as regras tenham de ser quebradas, não é por aí, é… às vezes faz falta um bocadinho de flexibilidade… e acho que a partir daí se tornou um bocadinho mais fácil, deixei de ter aqui zaragatas (...)” (António como monitor, P7)
Existe, além disso, um aspecto que se relaciona também com as oportunidades externas, e ao mesmo tempo com as particularidades de cada indivíduo: alguns dos elementos na comunidade começam a trabalhar fora, ao fim de algum tempo (em princípio, pelo menos depois dos seis meses de permanência). Outros recusam-se a sair e sentem mesmo dificuldade em ir a casa, com o receio de voltar a conviver com o grupo antigo (tipicamente associado ao consumo de droga).
81
“(...) é uma luta, (...) eu actualmente, só me sinto bem quando estou aqui dentro do centro, e mesmo quando vou a casa, eu sei lá, eu ouvir as pessoas, vou lá à zona, vou ver aquela malta, sei que andam metidos na droga, eu não me sinto bem, só de olhar para eles (...)” (José, G22)
Continuando no placard atrás da porta, abaixo, encontra-se a escala da loiça. Começa a uma 5ª feira, o que é algo estranho, uma vez que em princípio as escalas começam à 2ª feira... talvez coincida com a minha chegada, porque não me parece que as tarefas sejam assim tão rigidamente escaladas: alguns dos elementos sei que habitualmente fazem outro tipo de tarefas, o que lhes dá um capital de substituição para não lavarem a loiça ou para não porem a mesa.
Aquilo a que chamarei o regime da comunidade integra, de forma ideal – ou ideológica, pelo menos – a roda, tal como ela é referida por Joaquim Pais de Brito: “A roda supõe uma sequência ordenada dos agentes ou das coisas sobre que incide a sua acção” (Brito, 1990, p. 512). O Autor questiona a existência de uma ordem pré-estabelecida que possibilita a concretização de tarefas rotativas, às quais subjaz um princípio de igualdade dos intervenientes (Brito, 1990, p. 513). O pressuposto estruturante desta roda aplica-se à comunidade, ao estatuto dos indivíduos que ali coabitam, exceptuando-se os recém-chegados em situação de desintoxicação. É também sobre estes elementos que reside a maior incerteza da permanência no lugar, por serem comuns os abandonos nos primeiros dias.
“De manhã levantamo-nos, tomamos o pequeno almoço, e depois fazemos as tarefas da casa, metemo-nos cada um no seu quarto, cada um arranja o seu quarto, limpa-se o quarto, a mim cabe-me a casa de banho, há duas casas de banho, há a casa de banho das mulheres e a dos homens, e como eu estava sozinha antes de chegar este casal [Cristina e João Miguel], fazia eu sempre, mas agora temos que alternar, um dia ela, outro dia eu, mas como ela agora está a passar um pouco mal, também [está no período de desintoxicação], ainda não falei nada com ela... faço eu todos os dias... e também a cozinha, a cozinha também me cabe nalguns dos dias, não são todos os dias, um dia por semana cabe-me servir à mesa, cabe a uma pessoa servir à mesa, também me encarrego da lavandaria, cada dia... trato da roupa (...)” (Nela, M17)
Existe um horário de actividades afixado:
82
08h00 – 08h30 Despertar - higiene
08h30 – 09h00 Pequeno-almoço
09h00 – 12h15 Tarefas (Que me serão descritas pelos intervenientes)
12h30 – 15h00 Almoço – tempo livre
15h00 – 16h30 Tarefas
16h30 – 17h00 Lanche
17h00 – 18h30 Tarefas
18h30 – 20h00 Higiene (a hora do banho) – tempo livre
20h00 – 20h30 Jantar
20h30 – 23h00 TV – tempo livre
23h00 Ceia
00h00 Silêncio
“(TV ou DVD após as 00h só com a autorização do monitor).”
Aqueles que estão na ressaca constituem um horário paralelo:
“(...) não sei, parece que me sabe tudo à mesma coisa, a comida.... não sei se.... se será de mim... talvez seja, ainda (...) eu não tenho muita vontade de comer... mas se calhar devido à medicação (...) mesmo assim tento lá ir, comer (...) Que é para não tomar os comprimidos sem nada (...) e para arrebitar...“ (João Miguel, H19).
Mas não tão paralelo que não exija a presença à refeição, logo que tal se torna possível, a expressão de um verdadeiro “princípio estrutural de organização e partilha” (Brito, 1990, p. 516) mas associado à instituição total, na medida em que condiciona a economia pessoal da acção (Goffman,1974, p. 43), ao perturbar a gestão autónoma do tempo e tarefas associadas, pois a linha de actividade de cada um dos indivíduos sujeita-se aos horários, regulamentos, ao julgamento do monitor e ao controlo social.
“(...) por média é sempre (...) à mesma hora do que os outros, que é para não haver... ninguém a dizer “ah, aquele está a fugir”, ou “aquele levanta-se mais cedo”, ou “é engraxador, é isto...”,
83
não sei quê, portanto isto é muito... isto aqui somos quase como uma família dentro, (...) e então se houver um que faça uma coisa diferente, os outros reparam, e para que não repare ninguém, bem, vamos levantar-nos todos à mesma hora, e vamos todos comer a horas, (...) que é para não haver chatices, nem problemas uns com os outros...” (José, G26)
Alguns sinais que confirmam que as regras nem sempre são cumpridas: lado a lado com as regras do programa, um comunicado que avisa:
“Informa-se os utentes que o dia estipulado para o visionamento de filmes de DVD fica a partir desta data estipulado para as sextas-feiras, em virtude do cumprimento das regras do recolher e despertar não estarem a ser cumpridas. “
O comunicado está assinado pelo monitor à data, em 2004, Rodrigo. Ao lado, outro comunicado sobre a utilização do telefone:
“Por ordem superior o telefone só poderá ser utilizado em serviço e a título excepcional (emergência) ou por motivos pessoais urgentes e inadiáveis.
Para qualquer outro caso, as chamadas serão registadas em impresso próprio do centro.”
Por fim, as regras são reforçadas de novo. As “regras proibitivas:
• Não às drogas
• Não ao álcool
• Não aos psicofármacos
• Não à violência física e verbal ou ameaças
Porque ela ocorre, ocasionalmente:
“(...) ainda há pouco tempo tive... tive que expulsar uma pessoa de cá, começou ai ao soco, deu ai um soco fodido, e puxou duma faca e começou a correr atrás do José, com a faca... tive que chamar a GNR...” (António como monitor, P16)
84
• Não às relações sexuais.
Algo difícil, uma vez que a comunidade aceita casais, mas no entanto antevêem-se questões relacionadas com a transmissão das doenças infecto-contagiosas (que afectam alguns dos utentes da comunidade, como referido). Por outro lado, alguns dos abandonos são ciclicamente protagonizados por casais. Neste aspecto recorro ao conhecimento anterior do local, mas também ao sucedido depois da primeira vez que vou ao contexto, em 2005: um casal que se constitui dentro da comunidade abandona-a junto. Alguns dos entrevistados afirmam:
“(...) por isso é que é mais difícil, porque se for o casal, é mais difícil de deixar [de consumir] do que se for individual...” (Cristina, F36)
• Não às cumplicidades
As “cumplicidades” parecem ser uma palavra-chave, um elemento simbólico partilhado e associado às práticas de consumo:
“... a nossa vida era uma vida de... o negócio era um negócio que é muito de bar, de café, de restaurante... a gente comprávamos e vendíamos automóveis batidos, e essas coisas assim (...) então isso é um negócio onde se bebe muito à mesa e come-se muito à mesa... está-se três quatro horas... há um dia... (risos) já.... com uma ganda touca (...) até fui eu que olhei para ele... e ele olhou para mim e disse-me “não, nem penses nisso” (...) nesse dia não fomos... no dia a seguir ele faz-me o olhar e sou eu que digo... “não não, não vamos não”... ao terceiro dia, o olhar é dos dois... montámos no carro fomos direitos a Lisboa... “ah, é só desta vez, para... a gente (...) desanuviar”... assim foi... consumimos esse dia...” (António, D12).
“(...) nós já temos tanta cumplicidade os dois (...) que basta (...) nós olharmos um para o outro e eu já sei o que é que ele está a pensar, e ele sabe o que é que eu estou a pensar, eu já sei se ele tem alguma coisa, ele já sabe se eu tenho alguma coisa (...) De consumir...” (Cristina, F38;39)
85
A instituição enuncia, também, “Regras valorativas”:
• Sim às relações “limpas” de amizade.”
Acreditando que por trás desta afirmação se encerre o pressuposto de que a ambiguidade possa originar desníveis de sentido (Douglas, s.d., p. 55), no entanto parece patente o sinal de que a transição encerra o perigo (Douglas, referindo Van Gennep, s.d., p.117), e a poluição nos limites transpostos – limites tanto mais definidos quanto resultam do enunciar das normas (Douglas, s.d., p. 135).
• Sim à sinceridade
• Sim à honestidade
• Sim à comunicação clara e frontal
• Sim à entre-ajuda
• Sim ao respeito por si e pelos outros
• Sim à responsabilização por si e pelos outros
• Sim à firmeza
No canto inferior direito, um postal pequeno em que o director da comunidade delega a sua autoridade no monitor:
“Informação. Para os legais e devidos efeitos, delego no senhor António.... todas as responsabilidades inerentes às funções de monitor deste Centro.
Como tal deverá ser obedecido nas indicações que der aos demais interessados tendo ainda o direito de designar como seus auxiliares quem como tal for julgado útil”
Auxiliares, papéis assumidos mas no entanto não declarados pelo monitor, como os de Jaime ou, mais tarde, do José:
“(...) ajudo o Rodrigo [monitor], o problema é que ele está sozinho... ... não é fácil... também é uma pessoa sozinha (...) também já estive, e sei que não é fácil... viver ou conviver... ainda por
86
cima responsabilizar-se por (...) todo o género de pessoas, não é... umas mais problemáticas, outras mais... mais ponderadas (...)” (Jaime, B13)
“(...) e ele [António] tem-me agradecido imenso (...) porque o tenho estado a ajudar, e faço os possíveis para que isto corra tudo bem, aqui dentro, isto é uma coisa que não custa nada (...)” (José, G30)
6.7. Hora do lanche
Chego perto da hora do lanche, e o António está-me a dizer “quer vir lanchar?”, vou, “claro que sim”, passo da sala para o corredor, vejo a cozinha muito verde, mesmo muito verde, à minha frente, “o que é que aconteceu à cozinha, estiveram a pintá-la?”, que sim, “tínhamos aí umas tintas e aproveitámos”, diz-me o José com as cafeteiras prontas a ir para a mesa. A cozinha parece um espaço central na comunidade, sobre o qual cada um dos elementos fornece uma referência:
“(...) é pá, (...) não vou ter agora a cozinha aberta, a qualquer hora e qualquer minuto lhes apetece, vão para dentro da cozinha e vão-se servindo... isto não é assim, aqui tem que haver umas regras, e tem que haver...” (José, G28; 29)
“(...) às vezes umas coisas, por exemplo que eu não gosto, (...) uma pessoa está na cozinha em tronco nu... a fazer comida para comer... mas também eu não me vou meter nisso... tudo porque o António [monitor] permite...” (Dário, J10)
“(...) [mudava o que se passa na cozinha] , o tema da cozinha, sempre foi um sitio que eu tive por sagrado, haver um cozinheiro fixo, e não entrar ninguém na cozinha, isso sim, disso não gosto...” (Óscar, N31).
A necessidade de limites apela de novo à noção de poluição e de pureza de Mary Douglas. Bourdieu afirma que o espaço se compõe da exterioridade mútua dos elementos que o compõem, enunciando relações de ordem e desvio (Bourdieu, 2001, p. 7) e Douglas chama a atenção para a forma e a ausência de forma: “Muitas das noções relativas ao poder assentam na ideia de que a sociedade é constituída por uma série de formas que se opõem à ausência de forma circundante” (Douglas, s.d., p.
87
119), poder esse materializado e reconhecido na relação com a cozinha, a preservação do seu espaço e a definição do seu uso segundo uma regra – que é permanentemente transgredida, o que gera perturbação.
Afasto-me da porta da cozinha, continuo virando à esquerda pelo corredor, passo pela porta do primeiro quarto grande, e viro à direita. Fico virada para a rua: à minha esquerda está a continuação do corredor, a porta da casa de banho das raparigas, à minha direita está o único quarto para raparigas da comunidade, antes ocupado pela Maria, e agora ocupado pela Cristina. A Cristina não aparece para lanchar, está a ressacar e está mal disposta, e o João Miguel faz um esforço, mas está a ressacar como ela: estão ambos no processo de desintoxicação inicial, que é levado a cabo na comunidade (pois tem médicos de apoio), não no sentido em que Patrício refere, “tratamento de urgência feito na sequência de uma overdose ou absorção súbita de droga” (Patrício, 1995, p. 170), mas no sentido em que se constitui como suspensão, apoiada por medicamentos, do consumo – o que todavia não deixa de produzir transtorno físico e psíquico.
“Mas eu estou mais [abalado] desta vez, do que das outras duas vezes... muito mais (...) Não sei, talvez a medicação, há aí qualquer coisa... ou vimos mais debilitados, não sei... sinto... que está a custar muito mais... estou no quarto dia e ainda estou todo partido... nos outros já... ao terceiro dia, já andava aí na boa (...) talvez a idade, talvez... também possa ser [razão]...” (João Miguel, H12)
Saio a porta das traseiras, que dá para o pequeno pátio em ruínas, onde está o churrasco, e tenho à minha frente a porta de alumínio da sala de jantar, construída de propósito para ser a zona de comer do grupo, separada do resto do edifício. Entro, e a primeira coisa que vejo à minha frente é um muro em “L” com um lava-louça e uma arca frigorífica pequena, lá por dentro, e um forno em tijolo que nunca vi a funcionar: é neste sítio que põem os tachos do almoço e do jantar. Por fora há a outra arca, que tem os sumos do Banco Alimentar, e usada também como mesa de apoio. A sala é comprida, com uma mesa, com as cadeiras para toda a gente. No cantinho à direita aparece uma televisão que não estava cá da última vez que cá vim, no suporte lá em cima, tal como a da sala.
88
A cabeceira da mesa fica para o monitor, sempre ficou, vi lá sentado o Rodrigo, o monitor que morreu (com cancro, no início do ano). Mas agora o António sentou-se a meio da mesa, e instou-me a sentar-me na cabeceira, o que acabo por fazer. À minha direita está o Rogério, o ginasta da capela, depois o António, o monitor, depois o Mário e a Nela, grávida, que está cá com o filho e o Óscar, o marido (que se senta na cabeceira da mesa contrária à minha). O filho da Nela senta-se à sua frente, depois, de lá para cá, vem o João Miguel, a Cristina (que chegou a meio da refeição), o José, o Dário e o Luís A. Onde se senta o José poderia estar o Francisco, que também trabalha na cozinha. O Francisco nunca quis falar comigo, ou melhor, nunca quis ficar gravado. O José actualmente faz os cozinhados porque o Francisco está a passar uma temporada em casa.
A mesa do lanche compõe-se de uma cafeteira com leite quente, uma cafeteira de café ou de chicória, um tupperware de fiambre fatiado, outro de queijo fatiado, e o pão e a manteiga. Às quatro horas estamos todos sentados em volta da mesa a comer, e os recém-chegados é que comem menos, porque o transtorno que lhes causa a ressaca (mesmo medicados, claro), deixa-os com pouca vontade de comer. De resto, ou porque uns foram tomar banho no tanque, ou porque outros estiveram a jogar à bola no relvado, ou a tratar da horta, ou a correr atrás do miúdo, ou sentados a deixar passar as horas, ou porque é preciso fazer alguma coisa, e comer é uma actividade como qualquer outra, todos comemos, e falamos, durante a refeição, enquanto bebemos o café com leite em canecas inox.
A seguir à refeição levantamos os nossos artefactos de inox, com que estivemos a comer, transportamo-los para a cozinha e cada um passa o seu por água e põe na máquina.
Encaminhamo-nos a pouco e pouco para a pequena sala de estar, onde nos sentamos no sofá: o casal em desintoxicação (Cristina e João Miguel) senta-se no sofá maior, na parede do fundo, e ficam meio lá meio cá, adormecidos. O Dário, talvez porque já é decano na casa, senta-se num sofá só seu, praticamente em cima da televisão e com um ângulo que torna quase impossível olhar para cima e ver as imagens. Algumas das outras pessoas vão lá para fora, o miúdo corre dentro e fora. No sofá comprido lateral sento-me eu, e no pequeno sofá de um lugar ao meu lado, senta-se o José, que me conta que andou pelas sete partidas do mundo. Emigrou, trabalhou no País Basco, nos portos de pesca. O João Miguel, ao lado, começa a contar que também está farto de trabalhar, e que até teve um acidente no outro dia, porque saiu do trabalho tarde - trabalha na hotelaria - e capotou o carro num
89
semáforo a caminho de casa. O António passa e diz “acidentes, com ressacados a conduzir?! É o que mais há para aí!” e de repente perspectivo os excessos de velocidade que se transformam em histórias muito diferentes e bastante mais complicadas – tal como confirma Bagagem (1999, p. 42) quando refere a frequência de acidentes de viação mas a ausência de estudo sobre os mesmos. Com efeito, os acidentes de viação sistematicamente referidos quando se aborda o consumo do álcool, não deveriam começar a ser incluídos no conjunto dos problemas associados ao consumo de substâncias que provocam dano, de uma forma mais ampla (a nível das políticas)?
A. Dário: um imigrante em Portugal
Saio a porta porque no momento me parece que a conversa se esgota, e venho até cá fora sentar-me em frente ao pavilhão dos coelhos, onde relembro a primeira entrevista com o Dário, no ano anterior, em cima do andaime.
O Dário instalou um andaime para acabar a pintura da fachada lateral do edifício, e o andaime está relativamente perto da janela do meu quarto. (DC, 9.05)
O Dário chega à comunidade no ano de 2003, dois anos antes desta primeira conversa, e como interno, chega a iniciar a terceira parte do programa, em que trabalha no exterior.
“(...) andava aqui (...) ia para o meu trabalho, saía, vinha cá... pronto, de vez em quando tomava uns copinhos, às vezes com um cheirinho, não sei quê... e depois sentiam... aquele cheirinho, e não sei quê... depois... e... começaram a telefonar [ao director da comunidade], e não sei quê, que eu andava... andava assim... bom,(...) fizeram isso [umas] três ou quatro vezes... até que... pronto, chegaram a uma conclusão... que eu senti-me mesmo perseguido, não sei quê... que tinha que sair(...) eu não me sinto bem aqui... saí. (Dário, C18)
mas regressa, relatando os problemas que o trouxeram até aqui:
“(...) aquela casa [que aluguei] não tinha condições... e aguentámo-nos (...) mas... depois a casa tinha problemas de esgotos... aquilo encheu mesmo (...) com a gente... andava água (...) na casa de banho de cima, e aquilo (...) ia parar à de baixo (...) um dia, entrou lá senhora [e disse que] ou
90
eu ia arranjar aquilo ou chegou a dizer que eu tinha mesmo, mesmo de sair de lá... e pronto eu fui falar com amigo (...) é traficante (...) a coisa não correu nada [bem]...” (Dário, C1)
Durante algum tempo ainda trabalha,
“(...) trabalhava... não todos os dias, assim seguidos, mas... há dias que eu vou, há dias que não vou... porque eu não gosto de beber na obra... beber... bebo fora de obra... a obra como você sabe é andaime, e não sei quê...” (Dário, C4)
Mas a sequência dos acontecimentos complica-se.
“(...) às vezes o rapaz [amigo traficante] chegava a casa fechava a porta... tinha dois três dias fora... e eu dormia às vezes na rua, ou não sei quê, em casa dos amigos... pronto, também... com álcool também... cheguei a uma situação que tinha de pedir socorro...” (Dário, C3)
Dário pede socorro e entra na comunidade.
“... [entrei na comunidade] há dois meses atrás...” (Dário, C5)
Onde passa a integrar o dia-a-dia, o regime da comunidade.
“(...) aqui dentro... ah, eu faço... acordar de manhã, como ... hoje... de manhã, às oito... e... despertar, limpar a casa... e... depois [de] limpar a casa e cada um faz as actividades que quiser, ou... como eu, estou aqui a pintar, os outros... pode fazer outra coisa...depende... o que é que é mais necessário, fazer... “ (Dário, C6)
Que para Dário, no entanto, se condiciona à vida dos tóxicos e alcoólicos .
“(...) não é falar mal (...) de nós... da nossa vida de tóxicos, ou de alcoólicos, mas (...) os tóxicos [e] nós os alcoólicos, e estou a meter também a minha parte... é difícil, ... é uma coisa muito difícil (...) trabalham bocadinhos e depois dizem [que] já está cansados... não... depois esperam pelos outros... os outros não fazem eles também não fazem... e é sempre problemas, não é... se um lava a louça, e o outro tem que lavar (...) confusões (...)” (Dário, C13)
91
Não custa nada:
“(...) não custa nada uma pessoa lavar louça... ou dez ou vinte trinta louças... até é bom para terapia, porque... não está parado, não é... o que eu não gosto é de estar parado... não quero saber se os outros fazem, ou se os outros não fazem... deixam de fazer... “ (Dário, C14)
E Dário diz que prefere trabalhar, pois
“... quando estou a trabalhar... estou mais distraído, mais divertido... o tempo passa melhor... o tempo passa, enquanto uma pessoa... sentada, assim, uma hora não passa... depois é bom para o corpo, também...” (Dário, C16).
Para trabalhar, é melhor cá fora.
“(...) gosto de estar mais cá fora... mais cá fora, [lá] dentro... há momentos em que tenho que lá ir... para ver televisão “ (Dário, C7); “... bom, sinto-me fechado, sinto-me (...) num mundo, num mundo que não vê, não vejo as coisas... não vejo horizonte...” (Dário, C8)
Dário, como outros, assinala problemas na comunidade.
“(...) o monitor às vezes... uma vez ou outra... [está] num estado de... praticamente embriagado, não é... depois... fica lá em cima, não dá totalmente apoio às... aos utentes, não é...” (Dário, C19; 20) “... depois eu também sou amigo dele, ...não querer divulgar...” (Dário, C21)
Os projectos de Dário, porque
“Uma pessoa na vida tem que ter planos, tem que ter decisões... se ficar só na mesma rotina, na mesma rotina mesmo esquecido... acho que não é....”(Dário, J20)
são voltar a trabalhar, mesmo como interno.
“[O patrão] ... ele está à espera... para eu... aparecer no trabalho, não é... “ (Dário, C29; 33)
E visitar o seu País:
92
“(...).... eu tenho vontade em dar uma visita [ao meu País]... para visitar, só que não consigo...(Dário, C15a),
Onde tem a família,
“(...) tenho os filhos lá em [País], pronto, eu tenho quatro filhos, sou pai de quatro filhos... estão lá, tenho mãe, tenho pai...” (Dário, C15).
Este projecto está, em 2006, muito mais claro.
“(...)... estou a fazer tudo para ir para [País natal] de férias... quando eu tiver já dinheiro, e logo logo... vou no mês de Maio... mês de Maio, pronto, acho que o mês de Maio dá tempo para eu me preparar... vou-me preparar, até Maio, e se tudo correr bem vou...” (Dário, J8; 17), “(...) ao passo que antes se calhar ainda não estou mesmo bem preparado, porque tenho a família, tenho mãe, tenho pai, tenho que levar algum dinheiro, e no caso vou ver quanto é que ia arranjar.... para fazer uma casa lá, talvez como a que os miúdos estão, e pronto para iniciar qualquer trabalho, para deixar qualquer trabalho iniciado... porque ali para o mês de Maio já estou mais preparado...” (Dário, J19)
O mês de Maio é especial, pois é o mês da festa mais importante.
“[Tenho que chegar à minha terra num] dia de festa, ou um dia importante... e pelos planos que eu fiz, até ao mês de Maio é o tempo para eu estar preparado... exacto, tenho tempo para pôr as passagens na mão...”(Dário, J18)
Segundo Dário, os problemas na comunidade, entretanto, mudam (mudou o monitor)
“(...) precisamos de uma escala, (...) por exemplo, “isto não é hora de tomar banho”, tem momento de tomar banho, tem momento de tudo, por exemplo o momento de comer temos as horas, não é... mas por exemplo o momento de tomar banho, o momento de ir cada um... tem que distribuir as tarefas a cada um, também não se percebe as tarefas, não tem muito assim... não está muito programado, não está muito estabelecido...e o António [monitor] também às vezes deixa muitas coisas passar, (...) mas não tenho razão de queixa, porque ele é um bom
93
colega, (...) e uma pessoa que tem bom coração, e isso junto conta muito, para já e eu gosto muito do António, é meu amigo de há muito tempo, eu ajudo a ele naquilo que for preciso, eu estou do lado dele...”(Dário, J4)
Mas continua a preferir estar sozinho, o que afirma em 2005,
“... sozinho já sei o que eu vou fazer, e deixo de fazer... mas (...) com outra pessoa (...) dou as ideias, depois (...) há sempre uma ideia má... outra ideia bem, depois... a coisa aqui nunca combina... as pessoas não são bem... profissionais, não... outros não têm mesmo... mesmo (...) vontade... de maneira que, para trabalhar, [com] uma pessoa sem vontade... melhor trabalhar sozinho (...) agora chega aqui um.... uns dois minutos, depois já vai... deitar, ou vai para casa, ou está lá dentro... não sei quê...” (Dário, C12),
E confirma em 2006...
“Sim, sim, e eu também gosto muito da minha privacidade, compreende, é porque quando estou sozinho... enquanto estou no meio fica-me um bocadinho sem ideias... quer dizer, sem miolos, sem ideias, e... e eles ficam sempre com ideias, (...)” (Dário, J15); “Não é sem conversa, programação, estou a falar da minha vida, a programar a minha vida, e quando eles entram no quarto, eu estou com eles, e não tenho tempo de tratar do que é que distinguir o que é que é com a minha vida, ...”(Dário, J16).
Dário está de novo a trabalhar,
“(...) o trabalho está bom, o meu patrão, dou-me muito bem com ele... já há muito tempo que estou a trabalhar para ele, sempre... e já acabei algumas obras, naquelas onde eu lá estive, o patrão não tem obras definidas só para mim...” (Dário, J13)
E tem um novo objectivo (mais do que um projecto), que parece ligar à saída da comunidade:
“(...) tenho a televisão a preto e branco, mas eu preciso de uma, vou comprar uma... uma televisão como deve ser, nova... uma televisão, uma aparelhagem, coisa assim, e ai começo a juntar as minhas coisas, aquilo que der para comprar e mais dia menos dia posso... já tenho as
94
minhas coisas organizadas... e já posso meter a cabeça no raciocínio, para pensar isso aqui... pronto, quando eu tiver umas coisas... uma casa, quando me for embora já tenho umas coisas (...)” (Dário, J6).
Dário mantém-se na comunidade até ao fim deste levantamento.
Da primeira vez que chego à comunidade, e apresento o meu trabalho ao grupo, em Junho de 2005, encontro três elementos em processo de desintoxicação, ou seja, a ressacar: o João Miguel, a Cristina e a Maria. Quando inicio a recolha individual de informação, a Maria ainda se encontra na comunidade e é uma das entrevistadas, João Miguel e a Cristina haviam chegado juntos:
“Eu conheci-a [à Cristina] em 96... 96, ela trabalhava também no restaurante também, quando eu a conheci... depois desde aí começámos a andar, mais ou menos em 97, em 98 talvez tenha começado a consumir com ela, depois foi sempre a abrir, até... [ri]... até 2006.”(João Miguel, H16)
Mas saem antes do início das entrevistas. Assim, em 2005 recolho as entrevistas do Jaime, do Dário, da Maria, do António e do Carlos. Em 2006 volto a falar com o Dário e com o António, o Rogério, o Óscar e a Nela, o Mário, o José, o Luís A e desta feita reencontro o João Miguel e a Cristina, que estão na comunidade há poucos dias:
“(...) quatro dias foi o máximo, tenho a impressão (...) nesta comunidade (...) já noutras não, nas outras (...) estivemos aqui três vezes, já estivemos mais três vezes noutros sitios, são curas de dez dias, e quando entras não podes sair (...) Eu prefiro este [sistema] (...) se pudesse (...) ficava mais tempo de boa vontade (...)” (Cristina, F47)
Espero pelo dia da desintoxicação em que já se encontram fisicamente mais confortáveis, de forma a que possam falar comigo.
B. Cristina, estar cá dentro estando lá fora
Começou a consumir:
95
“(...) comecei com amigos que não… que fumavam charros, eu não fumava, comecei por fumar o meu primeiro charro sozinha, sem ninguém, e depois foi um caminhar…” (Cristina, F4)
É uma das duas pessoas que entrevisto, que situa historicamente o arranque do consumo.
“(...) foi (...) naquela altura da independência, quando vieram muitos… os retornados, começou a haver muitas drogas, muito haxixe, muita erva, foi nessa altura que eu comecei a drogar-me…” (Cristina, F7)
A Cristina consome heroína – mas não só - há cerca de vinte e dois anos:
“(...) consumo intensivo de heroína, digamos que é (...) o que causa mais mal, o que deixa mais sequelas (...) é desde os meus vinte anos, tenho quarenta e dois, foram vinte anos… comecei… comecei a fumar charros (...)” (Cristina, F3).
Nesse tempo faz duas paragens mais longas:
“(...) [Parei por duas vezes] e mais nada, o resto é consumir, trabalhar e consumir…” (Cristina, F10)
Em que, segundo diz, aproveita para alterar a forma como consome:
“[Consumo] A fumar... já houve algum tempo que me injectei, mas depois parei [depois de uma paragem de dois anos e meio], porque achei que não valia a pena, porque comecei a ver que a degradação era muito maior, e... apesar da pedra ser muito maior também... só que acho que... pá, só o acto de me estar a espicaçar a mim própria, acho que me metia um pouco de confusão, e portanto deixei de fazer isso (...)” (Cristina, F13)
“(...) houve uma altura em (...) estive dois anos e meio parada, entretanto, (...) quando recomecei novamente, não voltei a pensar na seringa, pensei que seria mais indicado fumar, e portanto recomecei a fumar...” (Cristina, F14)
Quando conhece o João Miguel , este começa a consumir com ela:
96
“(...) foi com ela que comecei isso, não é... conheci-a, ela já era toxicodependente... eu não... sabia e não sabia, mais ou menos... o problema... ela fumava sempre ao lado comigo, no carro, até um dia... experimentei...” (João Miguel, H23).
A dada altura, vão os dois trabalhar para uma ilha onde, segundo Cristina conta, não há droga. Aí, vêem-se obrigados a ressacar a frio, e permanecem sete meses, a trabalhar, sem conseguir comprar nem consumir.
“Encontrámos uns portugueses [na ilha onde estivemos], (..) e eles disseram logo, “eh pá, aqui não, aqui é muito difícil, porque ainda é tudo muito controlado, e só se conheceres muito bem a pessoa, e tem que ser uma pessoa que tenha conhecimentos para entrar com droga dentro da ilha”, porque não entrava (...) na ilha...” (Cristina, F21)
A Cristina trabalha num gabinete de contabilidade, onde é das pessoas que ganha mais:
“(...) salarialmente, a tabela é mais baixa [para] Uma pessoa que não tenha o curso… eu por acaso no meu gabinete não tenho esse problema, porque sou uma das pessoas que ganha mais (...), porque fui uma das últimas a entrar. E como fui uma das últimas a entrar, e eles precisavam muito de mim, eu disse a eles… foram eles que me convidaram para eu ir para o gabinete (...) Eu estava a trabalhar, e eu despedi-me de um outro gabinete para ir para aquele gabinete, portanto eu disse-lhes “se vocês quiserem dar xis, eu aceito, venho-me embora, e ficamos todos, se vocês não quiserem, eu não venho…” e foi assim, eles concordaram, eles quiseram, e eu ganho mais do que quase todas as pessoas, excepto p’rai duas ou três, (...). Sem elas saberem, porque pagam-me um xis por fora, outro xis, (...) senão havia confusão…portanto eu no recibo recebo um xis, no banco depositam-me um ypsilon.” (Cristina, F11)
No entanto, não lhe é suficiente para possuir tudo o que quer,
“Eu acho (...) que o que leva o toxicodependente a curar-se, normalmente, é a parte económica... penso que... pouca gente deve falar nisso, mas acho que resume-se quase sempre a isso... penso que seja isso...” (João Miguel, H2)
97
Consegue conciliar o trabalho com o consumo – ou o consumo com o trabalho:
“Consumo antes de ir trabalhar, e antes do João Miguel ir trabalhar, é quando nós consumimos, ou quando podemos nos encontrar, (...), porque de resto ou é de manhã, ou à hora do almoço, ou ao fim da tarde, e à noite, quando ele chega (...). [Chego a consumir] Quatro vezes por dia (...)“ (Cristina, F12)
“(...) eu saio do trabalho ao meio dia e meia, entro às duas da tarde... do meio dia e meia às duas da tarde eu vou à Cova da Moura, compro, consumo, ainda vou comer uma sopa ao café...” (Cristina, F31a)
Apesar de trabalhar e consumir, consumir e trabalhar, pressente uma ruptura:
“Tenho dívidas, (...) que consigo ir pagando (...) até que há-de chegar um dia em que, se continuar na minha situação, (...) há-de haver uma ruptura…espero que não aconteça isso, não é (...) eu tenho que parar…”(Cristina, F49)
Na primeira vez que vem para a comunidade, vem na sequência de serem apanhados a comprar:
“[Da primeira vez] Vim aqui ter à comunidade porque, num dos bairros de consumo, fomos apanhados pela polícia, tivemos uma multa, e (...) houve uma pessoa que trabalhou com o [director da comunidade], que nos encaminhou para virmos para o Centro. Falámos com o [director da comunidade], abriu-nos as portas para nós virmos [eu e o João Miguel] e nós viemos…” (Cristina, F1)
Vem normalmente nas férias, juntamente com o João Miguel, embora tenham já vindo, cada um, separadamente.
“Tenho vindo quase sempre nas férias, só uma vez é que pus baixa... acho que a primeira vez... a primeira vez que vim para aqui foi em Julho, que pus baixa, exactamente... eu normalmente tenho férias só quinze dias de Agosto, (...) a partir de Janeiro, temos férias outra vez, mais quinze dias, é a parte de Inverno... nós dois conciliamos com... com as férias [de Verão]...” (João Miguel, H13; 24)
98
“(...) parámos sempre os dois (...) um poder parar e o outro não... não pode ser, então (...) como é que está um parado e o outro ao lado a dar (...)” (Cristina, F37)
Assim, vem para a comunidade com o João Miguel, agora,
“Porque estou de férias, e queria-me (...), pura e simplesmente deixar de me drogar, (...) porque cada vez eu tenho menos (...) cada vez as coisas são mais caras, cada vez há menos dinheiro, (...) cada vez tenho mais dívidas, (...)” (Cristina, F28a)
A comunidade tem um espaço agradável, mas:
“Acho um espaço agradável, bonito, podia ser mais aproveitado, podia ser mais bem cuidado, mas se calhar não há mais, paciência...” (Cristina, F40)
Porque é que não fica mais tempo na comunidade? Pelos mesmos motivos que a trazem à comunidade, tal como confirma João Miguel. Embora não consuma tudo o que pode,
“O que é que já perdi!... Já podia ter tanta coisa! Já podia ter a minha casa paga, já podia ter um bruto Mercedes (...), uma casa no Algarve (...) ou no Norte, (...) desde os meus dezasseis anos que eu trabalho, por isso, veja bem o que é que eu já não perdi… não tenho nada, só tenho uma casa (...) nem está toda paga (...)” (Cristina, F50)
Consegue manter o consumo.
“Não dá porque olhe, quem é que vai trabalhar por mim? Ninguém. Quem é que me vai pagar a casa, ninguém. Portanto, vou ter mesmo que ir trabalhar, Porque senão não vou ter dinheiro para pagar as minhas coisas, (...) “ah se calhar mais valia não trabalhar, do que ir lá dar na droga…”, eh pá mas o que é certo é que eu continuo a dar na droga e continuo a ter as minhas coisas, não é...”(Cristina, F48)
“Tenho que trabalhar, para pagar as despesas que temos... as casas...(...) Tem sido sempre trabalho... sempre no mesmo sítio... e ela também, graças a Deus...” (João Miguel, H15)
99
Mas também porque, embora o núcleo familiar saiba que consome,
“[Quem sabe que eu consumo]: Sabe a minha mãe, sabe o meu filho, sabe a minha irmã, o meu pai, a seguir há mais pessoas que me conhecem... devem saber...”(Cristina, F24; 51); “(...) não sabem do João Miguel, (...) bem se o meu filho soubesse do João Miguel, ia ser um [problema]” (Cristina, F52)
O João Miguel não quer dar a conhecer que consome, no local onde trabalham.
“(...) no nosso caso é complicado porque nós trabalhamos... normalmente não temos baixa... nós estamos de férias, agora, aproveitámos para vir... o [director da comunidade] até nos deu baixa, a mim, mas eu não quis a baixa... mas é complicado (...) Vou ficar até... até dia trinta, dia um tenho que ir trabalhar... a baixa é só durante os meses, doze dias... que era para depois poder ter as férias outra vez (...) Preferi não por a baixa... não, ninguém tem que saber que eu estou doente...” (João Miguel, H10)
O projecto de Cristina passa por encontrar uma ilha parecida com aquela onde esteve, e onde a droga não entra.
“[O meu objectivo](...) é eu sair daqui, manter-me limpa até ao final do ano, e arrancar para os Açores (...) nos Açores também não me vou safar, por isso... não há lá droga (...) Em Santa Maria, não há...” (Cristina, F30; 30a).
Mas.
“(...) agora imagine, eu sair daqui, no dia trinta, chego no dia trinta, vou trabalhar no dia trinta e um, deste mês, dia trinta quando for ao banco já lá tenho o meu ordenado, não é? E... o que é que me vai apetecer fazer? ...(Cristina, F32).
Os dois mantêm a previsão de saída para dia 30, quando abandono a comunidade, no dia 25 de Agosto.
103
As categorias propostas para a análise de discurso são inferidas, a partir da coerência dos pontos comuns, do testemunho das pessoas entrevistadas.
As dimensões levantadas são oito, e as categorias encontram-se sublinhadas.
7.1. O corpo
Os momentos que antecedem o internamento na comunidade podem ser momentos de exclusão extrema, ou de sofrimento físico extremo, em que uma situação de limite, origina a necessidade de cruzar o percurso de consumo com o percurso institucional da pessoa. O corpo constitui-se na memória como objecto e cifra (Foucault, 1975, p. 160), como recurso manipulável para a apropriação por uma representação que o converte no motivo acessório deste cruzamento entre percursos.
As crises e acontecimentos simultâneos ao consumo denunciam uma objectificação das crises a benefício da escolha:
“[Estou] Com melhor aspecto, quando entrei aqui parecia uma caveira... estava muito magrinho... o médico disse-me logo “Hum, não deves aguentar muito tempo”, depois tinha problemas do pulmão... do peito, já não comia nada... só bebia líquidos, água, água (...) tive um quisto de um pulmão... e isto começou a infectar tudo... estava tudo infectado, garganta, tudo... (Mário, L41); “(...) foi aqui dentro é que eu soube que tinha aqueles problemas... do pulmão... mas têm-me ajudado muito, aqui...”(Mário, L42)
A centralidade da ressaca, reposiciona esta objectificação, agora metodológica e expressiva do cruzamento de percursos dos indivíduos, um percurso institucional e um percurso de consumo. A ressaca é uma antevisão permanente, à medida que o percurso de consumo avança torna-se perceptível e estabelece a sua centralidade.
“(...) eu não me tinha apercebido que era falta de heroína, que o organismo estava a sentir, pensava que era gripe, estava com os sintomas, são parecidos, são idênticos, é o pingo no nariz, é os arrepios, espirros, essa coisa toda, as dores no corpo, o mal estar geral, pronto, é uma coisa que... porque é esquisita, mesmo, e pensava que era gripe, mas não era...” (Rogério, Q8)
104
Por ser um dos elementos que cruza o percurso de consumo com o percurso institucional, parece ser um elemento de controlo. Como tal, associa-se à transição e a uma certa intocabilidade, uma vez que não só os elementos em desintoxicação não são incluídos nas rotinas, como não se prevê a sua inclusão nessas mesmas rotinas. Esta transição é também uma conversão, uma vez que a ressaca resulta não de uma re-poluição, mas antes da passagem de um estado de caos para um estado de pureza. Com efeito, retirando das ideias de impureza quer a patogenia, quer a higiene, restará a noção de qualquer coisa deslocada do seu contexto (Douglas, s.d., p. 50)
“(...) desde a última vez que você cá esteve eu estava aqui para aí há um mês (...) nem tanto. Se calhar era naquela altura em que a cabeça estava ainda cheia de confusão… só se sente é confusão, não se sente mais nada… a partir daí o tempo já passa, as ideias vão começando a ficar mais claras, torna-se… torna-se mais fácil, mesmo a forma como se sente o dia a dia, não tem nada a ver (...)” (António, P1)
O tempo da recaída, pelo contrário, é a contradição do sistema, donde se associa a expressões de choque e anomalia, à ambiguidade (Douglas, s.d., p.50) contrariada por uma delimitação nítida no tempo, uma clara marcação do limite que aparenta um reencontro com o presente (Augé, 2001, p. 77-78).
“(...) é o pouco tempo é que nos faz voltar à vida que levamos... a pessoa sai muito debilitada, aquilo é um choque muito grande (...)” (João Miguel, H11a)
Quando analisadas as situações directamente associadas ao consumo, ganha relevo o contacto com o perigo, tem implícita uma carga simbólica: a impureza resume um conjunto de elementos distantes da ordem do sistema (Douglas, s.d., p. 16-50). A associação do consumo ao corpo produz em regra a expressão de sensações de impureza e contágio, castigo, punição, descontrolo, sofrimento e aproximação da morte. A proximidade do consumo exige compreensão, e a separação entre junkies
(os consumidores das drogas ditas duras) e os consumidores de ecstasy não é clara, antes pelo contrário nos percursos de consumo os grupos cruzam-se – não sabemos se os consumos se cruzam.
105
“(...)… cheguei aqui com perto de quarenta quilos, eu não comia nada (...) eu não me conseguia assentar… eu doía-me o rabo… só tinha ossos, não tinha nada… rigorosamente nada… eu digo quarenta quilos, porque… prontos, na volta se eu me fosse a pesar ainda pesava menos… “ (Maria, E32)
Não ter nada é não ter nada é não ter nenhum capital materializável a benefício? Mas então a única conversão possível é a institucional, aquela que é feita recorrendo à exclusão do espaço (Bourdieu, 2001, p. 7), para um espaço distinto, circunscrito e esperado.
A noção de estigma reproduz fielmente a desqualificação social apropriada fisicamente, as abominações de corpo e de carácter (Goffman, 1981, p. 9-10) implícitas na questão da aceitação ou da rejeição.
“(...) se olhar para mim não diz que eu sou toxicodependente?(...) Fica a saber que é uma das minhas paranóias, o João Miguel também já diz que às vezes que é paranóia minha, e eu acho que não é, eu acho que às vezes as pessoas identificam que as pessoas são toxicodependentes, ou que são adictas de alguma coisa...” (Cristina, F26)
7.2. A auto-imagem
A reconstrução de uma imagem para o outro selecciona, e distorce, de forma a fazer surgir um produto de uso corrente, uma imagem do self de acordo com valores básicos, uma apologia do agente (Goffman, 1974, p. 139-140). Mas, para que tal se concretize, deve existir um acordo tácito entre os actores e a audiência (Goffman, 1993, p. 279).
As paragens reconstroem momentos ideais em que o discurso se cola perfeitamente a estereótipos de bem-estar socialmente aceites, a contextos idílicos (e que reforçam a ideia de responsabilidade do contexto). A paragem ou a sua impossibilidade resultam de vencer ou não uma luta ou, paradoxalmente de um afastamento gradual. Há uma história de paragens, uma contabilidade de paragens. A paragem faz parte da gestão do percurso de consumo, é instrumental, e esta gestão não é feita só pelo consumidor, mas também pelos que o rodeiam e dependem dessa imagem.
106
“... têm um emprego, pronto, vão pagando, vão andando com aquele dinheiro a comprar a droga que faz falta, e têm mil e uma desculpas... e depois é assim, apanham um período de férias, uma semana ou duas que têm de férias... “vou... vou-me tratar” (...) eu já fiz isso tanta vez também! (...) tudo bem, estás aqui uns dias, vais para casa, se tiveres lá em casa alguém que te controle, de uma certa forma, com um antagónico, com uma coisa do género, andas ali... três ou quatro meses... depois começas a inventar desculpas... “ah, já estou bom, não preciso do antagónico” e tal (...) é uma forma de regressar para ao pé da família, “ah agora desta é que é”, quem já não lhe dava dinheiro já vai começar a dar outra vez, vão dar para um maço de tabaquito, já ajuda, uma pessoa que tenha quinze ou vinte euros para gastar, se não tiver que comprar tabaco, se só tiver que comprar a dose, meter-se no carro...” (António, P17).
Este enunciado da gestão de uma carreira apela à noção da redução de perdas e danos, mas a de James Scott. As estratégias de ponderação dos cuidados inerentes ao registo escondido (Scott, 1985, p. 286) são um recurso de ganhos não no sentido do protesto mas certamente no sentido da evitação da perturbação, implicando um agir tácito que traduz símbolos e subverte os pressupostos hegemónicos (Bellamy, 1994, p. 33) do bem-estar e cura, reconhecidos pelas instituições sociais reconhecendo-se a cultura de resistência (Fernandes & Neves, 2002) mas também um percurso identitário que gere uma identidade-reflexo (Pais, 2001). A este propósito acorrem os aspectos materiais, e a perspectiva situacional implícita de normalidade e regularidade (Goffman, 1975, p.8). Os problemas financeiros são comuns, ou são traduzidos como comuns, o que parece fazer parte de uma estereotipia dos problemas. O rendimento dos consumidores e a sua motivação em função de rendimento não acontecem exclusivamente na perspectiva do consumo, mas na perspectiva comum da melhoria de vida. A noção de perda acontece em função de paralelos de consumo, ou seja, se não consumisse isto poderia estar a consumir aquilo, o que significa que está implícito um pressuposto de consumo em sentido lato, muito antes da noção técnica de consumo de drogas se instalar. A economia de vida e de percurso inclui aspectos geográficos e a instrumentalização da comunidade como parte da gestão do percurso de consumo. A comunidade é um recurso no contexto da economia dos consumos.
“(...) [eu] era mesmo verdinho naquilo... o dinheiro não faltava... droga também não...” (António, D7)
107
No discurso sobre o próprio, torna-se possível relacionar a pluralidade interna de disposições com os quadros de referência situacionais. Veja-se por exemplo Lahire quando refere a posição do agente em função de diversos princípios de coerência, (Lahire, 2005, p. 32), ou a referência a expectativas de palco e bastidores de Goffman, que ainda se submete a ajustes e ganhos secundários (Goffman, [1961] 1974, p. 247), uma reacção ao panóptico ou melhor, aos mecanismos de poder que visam controlar ou modificar o anormal (Foucault, p. 232-233). Quando referem os ideiais, as pessoas já não falam na ressaca, mas no consumo, ou seja, estão a falar não do centro das suas preocupações mas, idealmente, do centro das minhas preocupações; o princípio de coerência muda, portanto.
“(...) não nos podemos refugiar na droga... quando nos passam estes problemas, a última coisa que podemos fazer é refugiar na droga...refugiar na droga não nos ajuda a nada... ajuda naquele momento, mas... logo no outro dia te levantas, e tens o mesmo problema...” (Óscar, N35)
“(...) aquela pessoa, aquela pessoa que a gente tinha perdido há… mais atrás, vai começando a vir ao de cima, e isso sente-se, à medida que vamos fazendo retrospectivas, vai aparecendo, muita vez…” (António, P2)
Perder a pessoa e ganhar a pessoa através de retrospectivas pode, muito simplesmente, querer dizer que se reganha pressupostos do habitus (perdido, transtornado?), “reganhar a face” (Lechner, 2006, p. 101) ou a tentativa de retorno às referências da memória colectiva dos grupos de pertença –referências hegemónicas, de certa forma.
As razões de entrada na comunidade seguem estes pressupostos também, pois falam de separar, afastar de, recorrer às redes sociais, encarar momentos de crise ou catástrofe e associar a eles a decisão, alternativas perante o descontrolo, iminência da morte.
“A gente morava no B.[local]... agora vim morar aqui para a minha tia, para o meu tio, têm-me ajudado, mas desta vez vim mesmo fazer a cura porque já estava quase no fim... foi por esse motivo... se não me tratasse agora, já não havia nada a fazer...”(Mário, L5)
108
Os papéis na comunidade assumem relevo pela proximidade ao monitor e pela autonomia que o protagonista consegue demonstrar na gestão da sua estadia e do que faz todos os dias, nomeadamente do seu tempo (Goody, 1977, p. 336). Enuncia-se um discurso de poder e distinção que põe em causa a inteligibilidade do agente, independente de uma unificação do eu (Bourdieu, 2001, p. 55), por uma espécie de inconstância diacrónica que induz o recomeço.
“(...) então actualmente sou a pessoa abaixo do Rodrigo, (...) ele é o monitor, é responsável por isto, e eu tento ajudar noutras situações, em que ele não pode estar presente (...) gerir a casa, e gerir o ambiente da casa...“ (Jaime, B14).
A saída da comunidade não é bem vista, é um elemento de percurso negativo e que se tenta constituir como inevitável, embora não mencionado. O tempo de permanência nunca é visto como suficiente, pelos que ficam. A permanência é programada, mas a saída não.
“(...) já estive para ir-me embora, mas o António [monitor] disse-me logo “vais para a rua, vais-te desgraçar...”(Mário, L28)
7.3. A carreira moral
Não se associa neste contexto às práticas destrutivas, mas à noção associada ao percurso dentro da instituição total de Goffman, e que implica um conceito cêntrico de pré-paciente, paciente e pós-paciente. Como o Autor diria, sobre o pós-paciente só temos os projectos, mas o trabalho não fala disso...Goffman acentua a noção de poluição total (à maneira de Douglas) no período prévio ao internamento (Goffman, 1974, p. 123-124), já aqui referida, e que podemos associar à manutenção de categorias com uma carga simbólica elevada, como a inevitabilidade do consumo, mas contrariada por uma expectativa inicial na história de consumo que induz normalmente o contrário. A caracterização dos toxicodependentes e dos alcoólicos recorre ao predomínio simbólico referido por Valentim (2000, p. 1007) mas também à noção de transgressão tal como ela é expressa em função dos pressupostos morais implícitos a uma noção de não-fazer, não-ser, que parece negar inclusivamente os pressupostos de vida conseguida, realizada, a que Ferry faz referência (2002, p. 62-65).
109
“(...) um alcoólico é um individuo.... eu já fui, já pude ultrapa[ssar]... cheguei mesmo ao limite, um alcoólico é uma pessoa que fica mesmo dependente do álcool, não... não faz nada, rigorosamente nada, nem com ele, nem com os outros, nada... só... só bebe álcool, não é... não vê mais nada...” (Carlos, A11)
Trabalhar e consumir, é possível? Sim, implica no entanto baixas, precauções por causa do risco, implica atrasos, implica adaptar o consumo ao horário de trabalho, e conciliar o circuito do trabalho com o do consumo. Implica arriscar para recompor o tempo, esconder, sentir cansaço e desistir, implica ter bom ar, ou sujeitar-se ao trabalho que houver, e trabalhar bem se houver droga disponível e constante; o trabalho pode ser a referência para o consumo, no sentido em que este é feito nos intervalos; os patrões sabem e acompanham os percursos de consumo, e os grupos de trabalho misturam-se com os grupos de consumo – há cruzamento de papéis. A relação linear entre droga e crime posta em causa por Brochu & Parent (1999), mas algo confirmada através de uma triangulação com os estilos de vida desviantes, proposta por Agra (2002), coloca-se como uma opção num reportório de alternativas não tanto de estilos de vida, supõem-se, mas de episódios de vida, uma vez considerado o decurso desta carreira moral como um conjunto episódico de situações em que o percurso de consumo se cruza com o percurso institucional, tal como Dhunpath propõe (2000, p. 544).
”(...) eu a maior parte das vezes ia para os mercados, e pronto, andava tipo aos recados, as pessoas me pediam para acarretar [sacos] (...) eu ia para o mercado do Campo Grande, e ai era onde eu a maior parte das vezes arranjava o dinheiro para [comprar droga] (...)” (José, G14b)
No que respeita às experiências em ambulatório, alguns dos pressupostos das instituições parecem não coincidir com o esperado – geograficamente, instalar um CAT num contexto de consumo pode ser esperado para chamar os consumidores, mas não é o que estes esperam para se manterem afastados do consumo.
É curioso que o tempo de permanência na comunidade, se conte muito exactamente, de forma algo mais precisa que o enunciado do historial de consumo ou, ainda mais notório, as temporalidades associadas às recaídas.
“[Estamos cá] ... há um mês e uma semana e um dia...” (Óscar, N33)
110
“(...) sei que dei por mim e já estava a consumir, já estava outra vez a ressacar (...) eu sei que saimos um fim de semana e a partir dai não me lembro de mais nada... amigos que não conhecia, amigos novos, mas sacaram daquilo no momento, ali na mesa, e começamos a consumir... e quando eu já quis coiso... já me vi com ela, já... agarrado, já a ressacar... já tinha consumido duas ou três vezes, lá com o meu amigo do trabalho, mas quando saiamos o fim de semana, eram gente... que nem sabíamos que fumavam... e apareceu isso na mesa e...”(Óscar, N36)
O percurso de consumo realça, por um lado, a referência das temporalidades hiper-quotidianas (Vasconcelos, 2003) para os consumidores cuja imersão (por assim dizer) é mais recente, e a noção de territórios psicotrópicos referida por Fernandes (1998). O contar da vida difere, pois os entrevistados Cristina e João Miguel contam a sua como uma vida de consumo com algumas paragens, os outros contam a vida como uma sequência alternada de consumos e paragens sucessivas – aparentando pontos de referência diferentes. Neste contar da vida, os dois entrevistados referidos são os que exprimem de forma mais clara a temporalidade circadeana do consumo, intercalado com o trabalho. Os outros narram uma história de um tempo mais longo, associada a pressupostos que deveriam fazer recurso da memória colectiva, o que pode induzir senão erro, pelo menos informações incompletas ou imprecisas, associadas a tempos vazios (Halbwachs, 1968, p. 37). Porquê? Estão afastados do grupo. A alusão aos territórios psicotrópicos associa normalmente as entidades ao circuito de consumo mas também a contextos de dádiva, partilha, amizade, o que parece deixar transparecer o impacto do consumo por acompanhamento sobre estes territórios.
A perspectiva histórica faz-se de inícios, de recaídas, de anos e meses, de resoluções, de agora; a perspectiva dos que consomem (ou no caso fazem uma paragem curta) é a do ritmo diário.
“(...) eu tenho quarenta e oito [anos] (...) [comecei a consumir] já um pouco tarde, tinha p’rai trinta anos, ou p’rai trinta e um anos...” (José, G16)
“(...) já lá vão dez anos (...) comecei [a consumir] aos vinte e nove... quase dez anos (...) tenho trinta e (...) oito anos (...)” (João Miguel, H5)
111
“(...) eu conheci-o numa comunidade, estávamos numa comunidade, estávamos na [nome da comunidade] mas fomo-nos embora, saímos (...), e fizemos a nossa vida num apartamento em P.[cidade], num apartamento... já estávamos a viver juntos e sozinhos há um ano... nós viemos para aqui por isso... e aqui depois foi isso, voltamos a recair, a metermo-nos outra vez... com problemas de droga (...)” (Nela, M7)
O percurso institucional também é longo, e faz-se paralelamente ao outro...as regras das instituições são comparadas, e cada consumidor é também um consumidor de instituições.
Uma parte das instituições associa-se, ao longo do tempo, às instituições sociais (trabalho, família).
“(...) começa ele [o meu irmão] a querer sair... e eu a saber-me bem não queria, ainda andei assim mais outro ano, dois anos... até que ao fim de dois anos (...) fizemos uma cura (...) estivemos aqui [nesta comunidade]... os dois juntos...” (António, D9)
As expectativas dos agentes (objectivos, planos, ideais) prendem-se, com estereótipos socialmente incontornáveis e alguns potencialmente inatingíveis. Nalguns casos o percurso institucional é tão marcante que condiciona e enquadra os objectivos e planos. Como refere Bourdieu (2001, p. 13), estes agentes esperam ser engolidos – ou melhor, englobados - pelo espaço social como um ponto, um ponto de vista de preferência coincidente com outros pontos de vista, isto é, compatível com a perspectiva que adoptam desse mesmo espaço. Mesmo aqueles que esperam vir a consumir de novo.
“(...) a minha ideia é ficar aqui um ano e meio, se pudesse mais, juntar um dinheirito e recuperar o que perdi... e começar outra vez de novo... nunca é tarde para começar (...) [tenho] Vinte e nove [anos]...”(Óscar, N39)
7.4. A dimensão dos quadros de referência
Quais são os quadros de referência perceptíveis, os estereótipos dominantes? “A acção pode ser coerciva, mas um espectáculo coercivo de um sentimento... é apenas um espectáculo.” (Goffman, 1974, p. 108). A dúvida se assistimos apenas a um espectáculo deriva duma espécie de dúvida metódica, da noção que as inferências sobre os indivíduos são adquiridas através de pressupostos de
112
estereotipia (Goffman, 1993, p. 13). Foram colocadas em jogo, assim, as seguintes categorias: a família, a família e o consumo, o controlo e o trabalho. A família omite mas não é omitida, está muito presente no discurso. É acompanhada de forma sistemática, embora sob uma perspectiva mais histórica do que circadeana, de novo. Associa-se à presença na comunidade, à manutenção na comunidade, ao início do consumo:
“[O meu irmão e eu] fomos aconselhados, para bem dos dois, por causa... das cumplicidades... a afastarmo-nos um bocadinho...”Eh pá (...) inventem uma forma... afastem-se...”, coisa que a gente nunca fez. Nunca fizemos porque estávamos tão convictos, que... eh pá que não ia tocar mais naquilo, aquilo para mim já tinha... já tinha bastado... chegou...” (António, D11)
Ou as consequências sociais do consumo,
“Tenho três [filhos] num colégio, tenho outro no Porto, em casa da minha tia, por opção, porque ia para um colégio também... só que esse (...) queriam-no adoptar... mesmo (...) estava complicado... e tenho o mais novinho comigo... tem cinco [anos]... está comigo, porque eu neste momento encontro-me aqui (...). Porque assim que eu meter o pé em ramo verde... tiram-me logo o menino também...” (Maria, E3)
E também à manutenção da subsistência do indivíduo, à institucionalização como um processo englobante, ou ao distanciamento de estilo que caracteriza uma a-posição ao habitus (Bourdieu, 2001, p. 9)
A noção de controlo é idílica, por assim dizer, é certamente ideal e sobreposta à definição de fronteiras rígidas e limites distantes – é um mito?
“(...) [Na ilha onde estive] não havia [droga], não havia um pobre, eu não vi um pobre, sabe o que é que é? Eu não vi uma pessoa a pedir... na rua, não vi um papel nem um cigarro no chão, era de uma organização completa, não havia, não havia drogas (...)” (Cristina, F19)
Tal como a prisão, este terreiro ideal é uma instituição completa e austera, exaustiva (Foucault, 1975, p. 273) na exclusão de todos as formas de poluição.
113
O trabalho e o regime da comunidade caracterizam-se por ser duas categorias complementares, mas com funções participatórias diversas: o trabalho é visto como indispensável e componente da vida do dia-a-dia – eventualmente, as pessoas mais próximas do momento de exclusão extrema (num passado recente) são as que falam do trabalho de forma mais distante. O trabalho ocorre também como categoria da componente institucional, isto é, é tudo o que se faz que ultrapassa as tarefas e ocupa o tempo livre, tal como ele é delimitado nos horários e através do regime da comunidade. O trabalho assume assim uma dupla importância, externa e interna à instituição, na autonomização do agente bem como na sua colocação e deslocação no espaço social (Bourdieu, 2001, p. 58), constituindo-se em si mesmo como um capital simbólico.
7.5. A instituição total
Como vimos, o regime na comunidade, cruza-se com a categoria trabalho, mas responde a pressupostos de organização social diversos, relacionados com a organização do tempo e da coabitação (Brito, 1990), embora recupere neste caso a noção de uma sequência de tarefas que procura não deixar à solta a imaginação desregrada (Foucault, 1975, p. 279).
“(...) isto tem as suas regras, (...) já estou habituado, (...) o outro era tão restrito que (...) não podias fumar, não podias beber, (...) aqui pode-se fumar, embora também não se possa beber... tem as suas regras, mas dentro das regras não é uma coisa tão restrita como aquela... (Óscar, N9)
O monitor e a sua comunidade, são elementos centrais, no sentido em que organizam a perspectiva e o controlo social entre os membros da communitas (Turner, 1989, p. 132), tal como exprimem quer o José, quer o António, como monitor.
“(...) uma ideia que eu até dei ao António, porque o António ainda não estava assim muito... não tinha muita experiência de estar a lidar assim com os utentes (...)” (José, 27)
“(...) na altura do Rodrigo eu bastantes vezes tinha chocolates e essas coisas, a minha família vinha cá todas as semanas, traziam-me sempre montes de chocolates, eu metade partilhava com todos, e a outra metade guardava para mim (risos) (...) O que é certo é que a metade que
114
guardava para mim, nem metade da metade eu comia (risos) (...) Acabava tudo por desaparecer (risos)...ah... pronto... hoje em dia, até se estragam lá na gaveta... e toda a gente sabe que lá tenho... “vai lá e tira, come”...” (António como monitor, P15)
Na definição de resistência, Scott deixa transparecer a fluidez do conceito, acorrendo a uma definição lata que compreende à partida a necessidade de lidar com significados, intencionalidade mas também consequências (Scott, 1985, p. 295). No entanto, o Autor defende a inclusão daquilo a que chama actos de auto-indulgência no conjunto das estratégias de resistência, sob o nome de registo escondido. A questão que se põe, então, é esta: que limites se colocam às resistências e o registo escondido, podemos encontrá-los na comunidade? Acredito que sim, pois tal como afirma Machado Pais, no quotidiano “encontramos condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria ruptura.” (Pais, 2002, p. 30). Mais, algumas manifestações transparecem no discurso:
“(...) fazer a mesma coisa que faz lá fora mas fazê-lo aqui de outra maneira... há sempre uma maneira... “ (Jaime, B21)
Fugir ao trabalho (que ao caso, completa o regime da comunidade) dizer que sim, fazer que não:
“Por um lado são bons, há aí dois ou três que são bons... agora o resto (...) “Fogem”[no sentido de não trabalharem] de vez em quando! Ou estão doentes, ou estão isto, ou estão aquilo... a pessoa já está habituada a isto... eu já estou... ao principio eles marcavam sempre quem fazia as limpezas, agora não... agora deixam estar, cada um que faça a sua...”(Mário, L15); “[Eu dantes fazia o trabalho de outros] levantava-me cedo, limpava os quartos...” (Mário, L16)
Ultrapassar a escala, não a cumprir:
“(...) há falta de organização... há falta de organização, as pessoas às vezes... não tem uma escala... não fazem as coisas com as pessoas que está lá... isso também prejudica muito... e depois, se tivesse cada um que fazer com escala, com... por exemplo coisas programadas, não tem uma programação certa... “ (Dário, J3)
Expressar o não, virar a mesa:
115
“[a rotina diária da comunidade] não é difícil, mas... por vezes leva (...) a certos sentimentos... pelo menos a mim leva... leva-me a... a questões, leva-me a... às vezes a virar a mesa, e.... lá está... uma ajuda que a gente realmente precisa... tenho... tenho estes momentos, mas depois tento ter a capacidade de dar a volta a isso... “ (Jaime, B20)
O santuário – o que dizer, sobre uma instituição total em que o fechamento voluntário se projecta para o exterior. Na realidade, os limites face ao exterior (Goffman, 1974, p. 15) não são ultrapassados logo que a entidade se desloca para fora, e protagoniza essa exterioridade?
“É...às vezes peço ao António [monitor] para ir comigo lá à minha mãe...” (Mário, L39); “Então, pois... se a gente não tem confiança na gente mesmo, tem que pedir a alguém que vá com a gente... e eles não levam a mal...” (Mário, L40); “(...) não tenho é confiança em ir para fora, não é... para a rua, andar sozinho, isto é como tudo...”(Mário, L43)
7.6. Palcos e comunicação
Questiona-se que desempenho se protagoniza, quais as máscaras, uma vez que “(...) a maior parte das acções humanas tem por princípio uma coisa completamente diferente da intenção, (...) disposições adquiridas (...)” (Cohen, 1996, p. 126). Existe, ocorre uma divisão entre a zona de ensaio e a zona de fachada, onde se procede ao desempenho (Goffman, 1993, p. 279), quer se implique uma mudança de cenários e a expressão da identidade pessoal (Goffman, 1975, p. 573), olhando para as causas (na comunidade) do regresso à comunidade,
“Aqui é mais sossegado, e a gente prontos... não estamos aí ao pé das pessoas...dos amigos, mas não são amigos (...)” (Mário, L19)
Procurando a distância da família à comunidade,
“o G. [filho] (...) não sei se ele tem vergonha de... de eu ser bêbedo... de eu gostar de beber, não sei se é isso (...) mas..., deve ser (...) também não percebo porquê... (...) em relação à minha filha... a C.... tem 22 anos, (...) é... raro telefonar-me, veio cá duas vezes... não, uma... “ai gosto
116
muito de si, e tal, veja lá o que é que faz..”. ia dizer-lhe “está bom”, e desliguei o telefone...” (Carlos, A16; 17)
A comunicação entre os agentes, na communitas, recorrendo a um pressuposto interaccionista que faz equivaler comunicação a comportamento a interacção: nós e os outros (comunicação na comunidade), que facilmente se mistura com a categoria de nós e os outros (conflitos, antagonismos).
“(...) a conversa deles, o tema deles de conversa é sempre a mesma, a droga é aquela conversa... vão ao fim do mundo, vão aqui, vão ali, às Marianas, vão aqui, vão ali (...)” (Carlos, A6).
“(...) no Natal, a minha mãe faleceu... e... então a minha família não me disse nada, eu estava aqui... passei cá o Natal, passei o fim do ano, e não havia meio de me dizerem, ninguém me dizia nada, e eu tanto chateava o Rodrigo [monitor], “eh pá, deixa-me telefonar para casa, quero saber como é que está a minha mãe, os meus filhos, eh pá”... “oh pá hoje não telefonas, não podes telefonar”, depois... ah... começou-me aquilo a... moer, “eh pá, não me deixas telefonar porquê?” ... tanto o massacrei, que ele... “eh pá, deixa-me telefonar, pá”... “está bem”, ele já sabia...” (Carlos, A13)
Na communitas, “(...) os agentes distribuem-se segundo o volume global do capital, (...) segundo a estrutura desse capital; (...) segundo a evolução no tempo do volume e da estrutura do seu capital.” (Bourdieu, 2001, p. 16). Mas é nítida a consciência de que o indivíduo passa informações falsas quer através do que transmite (símbolos) quer através do que emite (expressões). (Goffman, 1993, p. 12-13).
“(...) uma pessoa vem habituada a... a certos tipos de hábitos... e de manhas, e de mentiras... e de encobrimentos, e de manipulações... [as pessoas quando chegam à comunidade] vêm com... vêm com esse jogo todo... e já de anos nisso...” (Jaime, B18)
E os que saem? Sair é interdito, a não ser para ficar... trabalhando.
117
“(...) não entendo, não entendo... [aquela que entrou] já está naquela de que quer-se ir embora sexta-feira, quer dizer, veio para cá domingo, sexta feira já... dois dias, só... já se sente melhor, já.... já está, quer-se ir embora...” (Carlos, A8)
O trabalho lá fora (enquanto interno).
“(...) estive seis meses parado, seis meses no tempo do Rodrigo, e também afectou-me muito porque agora posso contar, o meu documento caducou e o meu patrão não queria renovar-me porque não está a fazer descontos...” (Dário, J7)
7.7. O tempo social
O tempo social é a forma de impor o pensamento hegemónico, logo a mera existência de diferença na vivência do tempo indicia a revolta face à hegemonia... e o trabalho é o sinal disso. Foucault refere que “o emprego do tempo é uma velha herança” (Foucault, 1975, p. 175, trad. livre). A organização social implica a organização do tempo (Goody, 1977, p. 329-330); as communitas normativas onde “sob a influência do tempo é necessário mobilizar e organizar recursos” (Turner, 1989, p. 132).
A roda enuncia um princípio de equidade que, no caso, estrutura a ideologia da comunidade, incluindo o aspecto de confirmação da vigilância de uns elementos pelos outros (Brito, 1990, p. 539).
Ocupar o tempo, assim, é trabalhar, o trabalho interno que estabelece a relevância com a noção associada ao trabalho da pré-carreira.
“Faço, quando há para ai qualquer coisa, faço... tenho andado a limpar os telhados (...) coitados, também não têm quase nada para a gente fazer [materiais]... eu estou a desmanchar o telhado, limpar o telhado agora, mais logo pinto, (...) isto é uma grande obra que está aí... isto está podre, para quem anda aí nos telhados, pode de repente aquilo cair, e a gente vem cá parar a baixo (...) já lá estive (...) tem que se andar, mas com cuidado... eu sou o mais leve deles todos, tenho que ir lá cima (...) a gente tem que andar com cuidado, é andar no tecto... meio solto (...) e pedras... tem muita coisa lá em cima... está aí... agora tenho que ir lá cima, tapar umas coisas, telhas que estão partidas (...)” (Mário, L14)
118
Mas é preciso ocupar o corpo e o espírito, pois é necessário arrastar o tempo, quando o corpo e o relógio não estão sincronizados (Hall, 1983, p. 131). A mudança, assim, ocorre todos os dias, dia após dia (Bates, 2006, p. 155)
“(...) há duas semanas (...) foi num sábado (...) fiz as tarefas de casa... e digo assim, “ai jesus, mas isto é tão cedo (...) eu não posso estar aqui parada”... e ao sábado, nós limpamos a casa, e temos depois o resto para... para ver televisão... o dia é nosso... comecei a olhar para as escadas, “oh pá, isto não pode ser assim... “, [fui] buscar o balde, buscar o sabão, o esfregão, a escova.... comecei a limpar aquilo... a escadaria toda (...) “ó Maria, o que é que tu estás a fazer, tu estás maluca?” (...) e então é o que eu digo, “estou stressada! Não digas nada... ”(...)” (Maria, E26; 30)
Os espaços ocupam-se e transtornam-se em função do protagonismo e dos recursos, da imposição do outro e das relações de poder.
“(...) parecia um infantário, aqui em baixo, o jardim ficou cheinho de brinquedos, de carros...de bonecos, de tudo, a entrada da porta estava toda cheia de bonecos, parecia um infantário...” (Nela, M37)
7.8. A dimensão de memórias do consumo
Integra um conjunto de categorias em que se analisa a atribuição de causalidade do consumo, feita pelas pessoas e, por outro lado, a que se pode associar também a relação da família com o consumo das substâncias.
O consumo é tão social como simbólico (Appadurai, 1996, p. 115-117), e também se consome na festa.
“(...) já na altura [os meus amigos consumiam] heroína... começaram pelo axis... essas coisas, depois... já na altura, heroína... não era assim grandes consumos, era aqueles consumos esporádicos.. festas (...) só que havia muitas festas... o problema é que havia muitas festas....” (António, D2)
119
A festa tem múltiplas formas,
“Foi quando soube que a minha mulher estava grávida, e era uma menina... e eu deu-me um pensamento...e comecei outra vez... depois já estava...” (Mário, L33)
O estigma compõe a capacidade de reflexão e tradução de símbolos dos outros (Yun-Hee, 2004. p. 251):
“E lá fui... isto parece que... eu costumo dizer que as pessoas têm um iman... não é... e... e... neste aspecto eu devo ter tido... assim que cheguei à A.[País] conheci logo um turco (...) Prontos... estragou-se tudo (...) O turco (...) lá deve ter olhado para mim, lá deve (...) ter visto (...) o passado que andava aqui... (Maria, E8)
7.9. As omissões
São notadas algumas omissões: a omissão de referência às doenças infecto-contagiosas, embora alguns dos elementos entrevistados tivessem uma experiência de acompanhamento anterior na comunidade, em que como técnica os havia acompanhado, tendo conhecimento das patologias.
A escassez de raciocínios contrafactuais ou ucronias (se eu tivesse feito assim, agora seria de outra forma...), embora não a total ausência.
A notável ausência de referências ao consumo (no sentido lato do termo), na comunidade. O consumo interno reduz-se, aparentemente, à passagem de roupa para os dois elementos na comunidade que têm, presentemente, um rendimento.
“(...) há dois rapazes que falaram comigo se eu queria ganhar algum dinheiro, para que lhes passasse a roupa a ferro, eles estavam à procura de uma mulher, lá fora na rua, para pagar a uma mulher, o António [monitor] falou comigo, porque era melhor dar-me o dinheiro a mim para que eu lhe passasse a roupa a ferro, preferia dar-mo a mim do que a alguém lá fora... e agora também como estamos à espera que tratem dos trâmites, e não temos dinheiro, não temos nada, estamos mesmo sem dinheiro, e depois eu disse “sim, sim, sem problema, para mim é melhor”, e então também passo a ferro a roupa do António [monitor] e do Dário. O António [monitor] e o
120
Dário são os dois rapazes a quem passo a roupa a ferro, e a quantidade, dez euros, cinco euros, não me importa... a quantidade põem eles...” (Nela, M18)
O consumo é também referido pelos dois elementos cuja passagem pela comunidade se restringe (pelo menos previsivelmente) ao período de desintoxicação, a Cristina e o João Miguel.
Por fim, a omissão do percurso criminal, ocorrendo apenas uma discreta referência ao contexto do mercado criminal da distribuição (Rocha, 1999, p. 185)
““tenho que arranjar dinheiro, senão vou passar mal”, e depois arranjam-se aquelas artimanhas, roubar não, isso nunca andei a roubar, mas pronto, ia muito à Cova da Moura, que é que eu fazia... tinha um amigo, (...) que tem carro, entrar lá a pé é um bocado complicado, porque há assaltos, (...), e nós tínhamos lá um conhecimento, uma pessoa que vendia, nós íamos de carro... os outros, (...) queriam a droga, (...), trazíamos e levávamos o dinheiro de todos, íamos lá de carro, comprávamos, e eles, como era alguma quantidade, ofereciam um bónus, (...) esse bónus dava para eu consumir, e para o outro... e trazíamos para as pessoas, pronto... aí já tirava [a ressaca]...” (Rogério, Q16)
“Os homens ricos já não estão rodeados por outros homens, mas por objectos” (Baudrillard, 1994, p. 362, trad. livre). Será este o medo que Miller refere, dos objectos suplantarem as pessoas? (Miller, 1998, p. 169) Pelo contrário, os homens muito pobres (serão assim tão pobres?), como os desta communitas, rodeiam-se – escassamente – de outros homens. Será esse o sinal de que retornam, a pouco e pouco, à sociedade de consumo?
123
A abordagem do tempo como questão central deste trabalho tem um carácter flutuante, associado à pesquisa da referência simbólica essencial para o conjunto de pressupostos em análise, isto é, a que mais claramente se expressa no discurso mas, também, nas práticas observadas na comunidade. Existe uma componente de senso comum? Tal seria eventualmente mensurável, se se recorresse a uma técnica como a da análise de conteúdo, que permitisse quantificar referências. No entanto, a essência dos objectivos do presente trabalho é muito mais compreender a communitas, explorá-la, do que quantificá-la. Na realidade, não pode ser quantificada. Portanto, assumida a categoria da ressaca, como o transporte dos limites da acção para o interior da comunidade, terá ela um equivalente de preponderância, no tempo na comunidade, ao que tem no tempo do percurso de consumo? Parece ter. Parece assumir um duplo papel de transição e conversão, algo que liberta o tempo, como se este estivesse preso ao habitus transformado, de consumo. Este habitus existe? Também parece existir, e derivar da concretização de conversões e da manifestação de capitais que antes não são manifestos, da assumpção de resistências que derivam de um pressuposto de grupo novo, no sentido em que não é o grupo da socialização primária, mas que até pode derivar daí. Senão, vejamos, dois dos consumidores afirmam ter iniciado o seu percurso de consumo com doze anos. Assim, a ressaca na comunidade simboliza um duplo – será apenas um duplo? – processo de conversão, de um percurso de consumo em tempo, e de um conteúdo de poluição em conformidade. A intocabilidade manifesta este aspecto simbólico e é expressa no discurso. No exterior, a ressaca conserva a mesma conversão de consumo em tempo, mas já não o liberta. Prende-o ao momento de ressaca seguinte. Aqui, dupla conversão manifesta-se na transformação da desordem (associada ao craving ou à poluição do consumo injectável, por exemplo) numa forma de ordem que pode ser associada a rituais – como os da festa.
A coincidência do trabalho como uma categoria de elevado valor simbólico é curiosa, porque dir-se-ia que a exclusão de um circuito de consumo reduziria o seu impacto. Mas parece o contrário, o trabalho e o conjunto de capitais que se lhe podem associar, a conversão que Weber refere partindo das noções de Benjamin Franklin, está patente aqui: trabalhar, a par das tarefas (o regime da comunidade) implica a aceitação e é nesta conformidade com a norma que se denotam sinais de resistência, leves sinais de um registo escondido de difícil apropriação mas que parece lá estar, porque transparece do discurso.
124
Externamente, a própria dissociação de um percurso de consumo e de um percurso institucional não são uma forma de registo escondido? Podemos considerar que sim, se atribuirmos um peso mais consistente às declarações – plausíveis – do monitor, quando este refere um conjunto de elementos que têm interesse na passagem pela comunidade, os próprios, a família, os patrões, e cujas regras não serão forçosamente as mesmas que a comunidade estipula. Portanto, quantos objectivos transporta cada indivíduo, inerentes a uma lógica posicional diversa, oculta, mas não forçosamente menos consistente: a conformidade, ou compatibilidade material. A reinserção no mercado. A reinserção no contexto familiar e o cumprimento de expectativas associadas, eventualmente, ao desempenho das comunidades. A reinserção no contexto de trabalho, no qual estas pessoas são esperadas. Tudo isto não vincula os indivíduos ao abandono do consumo, vincula-os à paragem. Por isso, as paragens estão tão claramente delineadas no discurso (as recaídas não). De forma ideal (no sentido dos ideais-tipo de Weber), a paragem materializa-se através de uma ressaca, numa ilha isolada, onde a poluição não entra, a ordem é imaculada e onde se vai... para trabalhar.
Em que medida os discursos dos informantes coincidem com os discursos de temperança e proibição, ou de redução de riscos e danos? Bem, através dos estereótipos certamente, a referência à toxicodependência e as intencionalidades todas se encaminham para a proibição, e a noção de consumo afasta-se da contenção de riscos, mas não das noções de limpo e sujo, de poluição e pureza. No entanto, as práticas na diacronia apontam outros recursos, que recuperam a noção de carreira, de trajectória, de percurso mas, sobretudo, as práticas da manutenção de um mercado que se adapta aos seus clientes. Com efeito, a dissociação não interessa ao mercado, que procura assegurar os rendimentos que efectivam o consumo. Levar ao limite não originaria carreiras de consumo tão longas, se não houvesse uma compatibilidade crescente entre as formas de procura, e os mecanismos de apropriação de recursos subjacentes, e as formas de oferta. Não nos parece que seja apenas a perspectiva micro que confirme este aspecto, mas também a das grandes políticas.
Parti para este trabalho com o pressuposto de que encontraria um conjunto de pessoas que tinham rehierarquizado a sua pirâmide de capitais em função do tempo, e que se encontravam neste contexto de passagem a recolocar os capitais no seu devido lugar – devido, porque implícito a um contexto social predominante, hegemónico. Mas o que encontrei foi, isso sim, um conjunto de pessoas, uma communitas, que se encontra temporariamente excluída do mercado – ou dos mercados. Um conjunto
125
de pessoas que sai fora da lógica capitalista do consumo, e se exclui totalmente dos circuitos de consumo em que todos nos encaixamos, todos os dias e a todas as horas. Com efeito, a característica de não-consumidores suplanta o detalhe do não-consumo de substâncias, e impera sobre todas as coisas. À excepção de um tour diário em que se deslocam ao café e compram o tabaco e a bica, estas pessoas não consomem mais nada.
127
Bibliografia • Addi, Lahouari (2002): Sociologie et anthropologie chez Pierre Bourdieu. Paris: La Découverte. • Agar, Michael & Reisinger, Heather Schacht (2002). A tale of two policies: the french connection,
methadone and heroin epidemics, Culture, Medicine and Psychiatry, 26, pp. 371-396. • Agar, Michael (2006, Agosto). An Ethnography By Any Other Name …, Forum Qualitative
Sozialforschung/ Forum: Qualitative Social Research [On-line Journal], 7(4), Art. 36, http://www.qualitative-research.net/fqs-texte/4-06/06-4-36-e.htm, [23.03.2007].
• Agra, Cândido & Matos, Ana Paula (1997). Droga-crime. Trajectórias desviantes. Lisboa: Ministério da Justiça, Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga.
• Agra, Cândido (1995). Da rapsódia à sinfonia-epistema. Os modos elementares do pensamento das drogas, Toxicodependências, 1(3), pp. 47-49, referido por Valentim, Artur (1998). Droga, dependência e sociedade: uma incursão (crítica) no campo do pensamento sobre as drogas, Revista Crítica de Ciências Sociais, 51 (Junho de 1998). Coimbra: Centro de Estudos Sociais, pp. 137-166.
• Agra, Cândido da (2002). The complex structures, processes and meanings of the drug/crime relationship, in Serge Brochu, Cândido da Agra, & Marie-Marthe Cousineau (Ed.). Drugs and crime deviant pathways. Aldershot: Ashgate, pp. 9-32.
• Alexander, Bruce K. (2001). The roots of addiction in free market society. Vancouver: Canadian Centre for Policy Alternatives, http://www.cfdp.ca/roots.pdf, [Consultado a 11.02.2007]
• Antonio, Robert J. (Ed.) (2003) Marx and modernity. Key readings and commentary. Malden, Oxford, Victoria: Blackwell Publishers Ltd.
• Archambault, J.-C. & Mormont, C. (1998). Déviances, délits et crimes. Paris: Masson. • Atkinson, Paul (1999). Review essay: voiced and unvoiced, Sociology, 33 (1), pp. 191-197. • Attias-Donfut, Claudine (1988). Sociologie des générations. L'empreinte du temps. Paris: PUF. • Augé, Marc (1998, 2001). Les formes de l'oubli. Paris: Payot & Rivages • Bagagem, Maria da Purificação (1999). Droga. A desintegração familiar e social dos jovens.
Lisboa: Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões, Universidade Nova de Lisboa. • Barker, Chris & Galasinski, Dariusz (2001). Cultural studies and discourse analysis. A dialogue on
language and identity. London, Thousand Oaks, New Delhi: Sage. • Bates, Stephen (2006). Making time for change: on temporal conceptualizations within (critical
realist) approaches to the relationship between structure and agency, Sociology, 40 (1), pp. 143-161.
• Baudrillard, Jean (1994). The consumer society, in VVAA, The polity reader in social theory. Cambridge: Polity Press, pp. 362-366.
128
• Bellamy, Richard (1994). The social and political thought of Antonio Gramsci, in VVAA, The polity reader in social theory. Cambridge: Polity Press, pp. 32-37.
• Berridge, Virginia & Mars, Sarah (2004). Glossary. History of addictions, Journal of Epidemiology and Community Health, 58, pp. 747-750, http://www.jech.bmj.com, [Consultado a 16.2.2007].
• Bertaux, Daniel (2006). L’ênquete et ses méthodes: le récit de vie, 2e édition. S.l. : Armand Colin. • Bourdieu, Pierre ( 2001). Razões práticas. Sobre a Teoria da Acção. Lisboa: Celta. • Bourdieu, Pierre (1989). O poder simbólico. Lisboa: Difel. • Boyne, Roy (1996). Estruturalismo, in Bryan S. Turner (Ed.), Teoria Social. Algés: Difel, pp. 195-
221. • Brito, Joaquim Pais de (1990). As rodas de Rio de Onor: um princípio estrutural e estruturante,
Análise Social, 3ª série, vol. XXV (108-109) (4º-5º), pp. 511-543. • Brochu, Serge & Parent, Isabelle (coord. de recherche) (Janvier 1999). Quand les trajectoires
toxicomanes et délinquantes se rencontrent: dix toxicomanes se racontent. Montréal: RISQ. • Bruun, Kettil, Pan, Lynn & Rexed, Ingemar (1975). The gentleman's club. International control of
drugs and alcohol. Chicago and London: The University of Chicago Press. • Burgess, Robert G. (1997). A pesquisa de terreno. Uma introdução. Oeiras: Celta. • Cabral, João de Pina (2000). A difusão do limiar: margens, hegemonias e contradições, Análise
Social, XXXIV (153). Lisboa: ICS, pp. 865-892. • Calvez, Marcel (1992). Les accusations de contagion comme argument d’exclusion, Ethnologie
française, 1992/ 1, Corps, maladie et societé. Paris: Armand Colin, pp. 56-59. • Central Intelligence Agency, CIA (2006). The World factbook,
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/2086.html, [Consultado a 18.5.2007].
• Cohen, Ira J. (1996). Teorias da acção e da praxis, in Bryan S. Turner (Ed.), Teoria Social. Algés: Difel, pp. 111-142.
• Collins, Randall (1994). Erving Goffman on ritual and solidarity in social life, in VVAA, The polity reader in social theory. Cambridge: Polity Press, pp. 71-78.
• Comunidades Europeias (1995-2007 [07.04.2005]). Luta contra a droga: introdução, Actividades da União Europeia : sínteses da legislação, http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l33111.htm, [Consultado a 12.2.2007]
• Comunidades Europeias (1995-2007 [27.07.2006]). Programa de acção comunitária no domínio da saúde pública (2003-2008), http://europa.eu/scadplus/leg/pt/cha/c11503b.htm, [Consultado a 12.2.2007].
• Coslin, Pierre G. (1996). Les adolescents devant les déviances. Paris: PUF. • Dhunpath, Rubby (2000). Life history methodology: “narradigm” regained, Qualitative Studies in
Education, 13 (5), pp. 543-551.
129
• Dias, Fernando Nogueira (2001). Droga e toxicodependência na imprensa escrita. Discurso e percurso. Lisboa: Instituto Piaget.
• Dory, Daniel & Roux, Jean-Claude (1998). De la coca à la cocaïne : un itineraire bolivien, in Eric Léonard (Ed.), Drogue et reproduction sociale dans le tiers monde. Bondy: Orstom, pp. 21-46.
• Douglas, Mary (s.d.). Pureza e perigo. Ensaio sobre as noções de poluição e tabu. Lisboa: Ed. 70. • Duarte, Danilo Freire (2005). Uma breve história do ópio e dos opióides, Revista Brasileira de
Anestesiologia, 55 (1), pp. 135-146, http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n1/en_v55n1a15.pdf, [Consultado a 18.5.2007].
• Durkheim, Émile (1989). A divisão do trabalho social (vol. I e II). Lisboa: Presença. • Ehrenberg, Alain & Mignon, Patrick (1992). Tableau d’une diversité, in Alain Ehrenberg & Patrick
Mignon (Ed.) Drogues. Politique et société. Paris: Le Monde Editions et Éditions Descartes, pp. 9-35.
• Escohotado, Antonio (2004). História elementar das drogas. Lisboa: Antígona. • Fernandes, Luís & Carvalho, Maria do Carmo (2000). Por onde anda o que se oculta: o acesso a
mundos sociais de consumidores problemáticos de drogas através do método de snowball, Toxicodependências, 6 (3), Lisboa: SPTT, pp. 17-28.
• Fernandes, Luís & Neves, Tiago (2002). Ethnographic space-time: culture of resistance in a “Dangerous Place”, in Serge Brochu, Cândido da Agra & Marie-Marthe Cousineau (Ed.). Drugs and crime deviant pathways. Aldershot: Ashgate, pp. 71-81.
• Fernandes, Luís (1998). O sítio das drogas. Etnografia das drogas numa periferia urbana. Lisboa: Editorial Notícias.
• Fernandes, Teresa Sousa (1993). Modernidade e geometrias. A representação da ordem na obra de Emile Dukheim, Cadernos de Ciências Sociais, 12/13. Porto: Afrontamento, pp. 107-148.
• Ferreira, Pedro Eugênio M. & Martini, Rodrigo K. (2001). Cocaína: lendas, história e abuso, Revista Brasileira de Psiquiatria, 23 (2), pp. 96-99, http://www.scielo.br/pdf/rbp/v23n2/5583.pdf, [Consultado a 18.5.2007].
• Ferry, Luc (2002). Qu’est-ce qu’une vie réussie? S.l.: Grasset & Fasquelle. • Franzosi, Robert (1998). Narrative analysis – or why (and how) sociologists should be interested in
narrative, Annual Review of Sociology, 24, pp. 517-554. • Gennep, Arnold Van (1978 [1908]). Os ritos de passagem. Petrópolis: Editora Vozes. • Godinho, Paula (2001). Memórias da resistência rural no Sul. Couço (1958-62). Oeiras: Celta. • Goffman, Erving (1974 [1961]). Asylums. Essays on the social situation of mental patients and
other inmates. Middlessex: Pelican Books. • Goffman, Erving (1981 [1963]). Stigma. Notes on the management of spoiled identity. New Jersey:
Prentice-Hall.
130
• Goffman, Erving (1993 [1959]). A apresentação do eu na vida de todos os dias. Lisboa: Relógio d’Água.
• Goffman, Erving (1975). Frame analysis. An essay on the organization of experience. Norwich: Penguin Books.
• Goody, Jack (1977). Tiempo. Aspectos sociales, in David L. Sills, Enciclopedia internacional de las ciencias sociales, vol. 10. Madrid: Aguilar, pp. 329-340.
• Gramsci, Antonio (sd). Textos de los cuadernos posteriores a 1931, www.gramsci.org.ar/index.htm, [Consultado a 20.4.2005].
• Halbwachs, Maurice (1968). La mémoire collective. Paris: PUF. • Halbwachs, Maurice (1994 [1925]). Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Albin Michel. • Hall, Edward T. (1983). The dance of life. The other dimension of time. New York: Doubleday. • Holton, Robert J. (1996). Teoria Social Clássica, in Bryan S. Turner (Ed.), Teoria Social. Algés:
Difel, pp. 23-50. • Hulbert, Ryan J. & Lens, Willy (1988). Time perspective, time attitude and time orientation in
alcoholism: a review, The international journal of the addictions, 23 (3), pp. 279-298. • Hunt, Geoffrey & Barker, Judith (2001). Socio-cultural anthropology and alcohol and drug research:
towards a unified theory, Social Science & Medicine, 53, pp. 165-188, http://www.elsevier.com/locate/socscimed, [Consultado a 11.08.2006]
• Inciardi, James A. (1993). Introduction. A response to the war on drugs, in James A. Inciardi (Ed.). Drug treatment and criminal justice. Newbury Park, London, New Delhi: Sage Publications, pp. 1-4.
• Jodelet, Denise (Ed.) (1997). Les répresentations sociales. Paris: PUF. • Jones, Maxwell (1962). Social psychiatry in the community. Springfield, IL: Charles C. Thomas. • Klein, Étienne (1995). O tempo. Lisboa: Instituto Piaget. • Klingemann, Harald & Schibli, Daniela (2004). Times for healing: towards a typology of time-frames
in Swiss alcohol and drug clinics, Addiction, 99, pp. 1418-1429, http://www.sciencedirect.com, [Consultado a 11.8.06].
• Klingemann, H & Gmel, G. (Ed) (2001). Mapping the social consequences of alcohol consumption. Dordrecht: Kluwer Academy Publishers, referido por WHO [OMS] (2004). WHO Global status report on alcohol 2004. Geneva: World Health Organization/ Organização Mundial de Saúde, www.who.org [Consultado a 19.5.2007].
• Kokoreff, Michel & Faugeron, Claude (2002). Drug addiction and drug dealing - from trajectories to careers: the status of the question in social sciences in France, in Serge Brochu, Cândido da Agra & Marie-Marthe Cousineau (Ed.). Drugs and crime deviant pathways. Aldershot: Ashgate, pp. 51-69.
• Lahire, Bernard (2005). Patrimónios individuais de disposições: para uma sociologia à escala individual, Sociologia, problemas e práticas, 49, Lisboa: CIES-ISCTE, Celta, pp. 11-42.
131
• Layton, Robert (1997). Introdução à teoria em Antropologia. Lisboa: Edições 70. • Lechner, Elsa (2006). A face do outro face ao outro: ética e representação etnográfica, in Antónia
Pedroso de Lima & Ramon Sarró (Ed.), Terrenos metodológicos. Ensaios sobre produção etnográfica. Lisboa: ICS, pp. 97-109.
• Léonard, Éric (1998). Introduction, in Éric Léonard (Ed.), Drogue et reproduction sociale dans le tiers monde. Bondy: Orstom, pp. 5-18.
• Lima, Antónia Pedroso de & Sarró, Ramon (2006). Introdução. Já dizia Malinowski: sobre as condições da possibilidade da produção etnográfica, in Antónia Pedroso de Lima & Ramon Sarró (Ed.), Terrenos metodológicos. Ensaios sobre produção etnográfica. Lisboa: ICS, pp. 17-34.
• Lopes, Sérgio (1975 [1973]). Ideologia e prática social, Análise Social, 10, (40) 1973 – 4º, pp. 656-677.
• Macedo, Tice de (2000). Contributo das neurociências para a toxicodependência, Toxicodependências, 6 (3), pp. 3-16.
• Magura, Stephen et al. (1998). Temporal patterns of heroin and cocaine use among methadone patients, Substance use and misuse, 33 (12), pp. 2441-2467.
• Mapril, José (2006). Passageiros de Schengen: a dialéctica entre fluxo e encerramento no trabalho de campo, in Antónia Pedroso de Lima & Ramon Sarró (Ed.), Terrenos metodológicos. Ensaios sobre produção etnográfica. Lisboa: ICS, pp. 53-71.
• Marx, Karl (sd). The Metamorphoses of capital and their circuits. Chapter 5: The time of Circulation, in Capital. Volume Two. Part I, http://www.marxists.org/archive/ marx/ works/ 1867-c1/ch03. htm#S2a, [Consultado a 20.4.2005].
• Miller, D. (1998). Coca-cola: a black sweet drink from Trinidad, in Miller, D. (Ed.) Material cultures: why some things matter. London: University of Chicago Press, pp. 169-187.
• Morel, Alain, Hervé, François & Fontaine, Bernard (1998). Cuidados ao toxicodependente. Lisboa: Climepsi.
• Mosher, James F. & Yanagisako, Karen L. (1991). Public health, not social welfare: a public health approach to illegal drug policy, Journal of Public Health Policy, 12 (3), pp. 278-323, referido por Valentim, Artur (1998). Droga, dependência e sociedade: uma incursão (crítica) no campo do pensamento sobre as drogas, Revista Crítica de Ciências Sociais, 51 (Junho de 1998). Coimbra: Centro de Estudos Sociais, pp. 137-166.
• Nan Lin (2001). Social capital: a theory of social structure and action. Cambridge: Cambridge University Press.
• Nowlis, Helen (1979). A verdade sobre as drogas. Lisboa: Gabinete Coordenador do Combate à Droga, referida por Valentim, Artur (1998). Droga, dependência e sociedade: uma incursão (crítica) no campo do pensamento sobre as drogas, Revista Crítica de Ciências Sociais, 51 (Junho de 1998). Coimbra: Centro de Estudos Sociais, pp. 137-166.
132
• OEDT [EMCDDA] (2001). Capítulo 3. Cocaína e cocaína ‘base/ crack’, in Relatório anual sobre a evolução do fenómeno da droga na UE., http://ar2001.emcdda.europa.eu/pt/chap3/cocaine.html, [Consultado a 18.5.2007].
• OEDT [EMCDDA] (2006). Relatório anual 2006: a evolução do fenómeno da droga na Europa, http://ar2006.emcdda.europa.eu/download/ar2006-pt.pdf, [Consultado a 18.5.2007].
• OEDT [EMCDDA] (2007). EMCDDA literature reviews - Treatment of problem cocaine use: a review of the literature. Lisboa: EMCDDA, http://www.emcdda.europa.eu/, [19.5.2007].
• Pais, José Machado (1995). Durkheim: das Regras do Método aos métodos desregrados, Análise Social, vol. XXX (131-132), (2º-3º). Lisboa, ICS, pp. 239-263.
• Pais, José Machado (2001). Jovens “arrumadores de carros” – a sobrevivência nas teias da toxicodependência, Análise Social, XXXVI (158-159). Lisboa: ICS, pp. 373-398.
• Pais, José Machado (2002). Sociologia da vida quotidiana. Lisboa: ICS. • Pallarés, Joan (1995). El plácer del escorpion: antropologia de la heroína y los yonquis. Bobalá:
Milénio, referido por Vasconcelos, Luís Almeida (2003). Heroína: Lisboa como território psicotrópico nos anos noventa. Lisboa: ICS.
• Parker, Howard & Egginton, Roy (s.d). Managing local heroin-crack problems: hard lessons about policing drug markets and treating problems users. Final report from the Derbyshire Drug Market Project. S.l.: S.Ed.
• Patrício, Luís (1995). Droga de vida, vidas de droga. Venda Nova: Bertrand. • Pernanen, Kai (2002). Foreword, in Serge Brochu, Cândido da Agra & Marie-Marthe Cousineau
(Ed.). Drugs and crime deviant pathways. Aldershot: Ashgate, pp. ix-xii. • Plummer, Ken (1996). O interaccionismo simbólico no séc. XX: a emergência da teoria social
empírica”, in Bryan S. Turner (Ed.), Teoria Social. Algés: Difel, pp. 225 – 254. • Poirier, J., Clapier-Valladon, S. & Raybaut, P. (1983). Les récits de vie. Théorie et pratique. Paris:
PUF. • Rapport, Nigel & Overing, Joanna (2004). Social and cultural anthropology. The key concepts.
London: Routledge. • Ridenour, Ty A. et al. (2005). Factors associated with the transition from abuse to dependence
among substance abusers: implications for a measure of addictive liability, Drug and Alcohol Dependence, 80 (2005), pp. 1-14, http://www.elsevier.com/locate/drugalcdep, [Consultado a 11.8.06].
• Rocha, João Moraes (2001). Princípio da igualdade em direito penal – tráfico internacional de droga – o cartel – correio de droga. Comentário, in IPDT (ed.). Droga. Decisões de tribunais de primeira instância, 1998-1999. Lisboa: Ministério da Saúde, pp. 179-186.
• Scott, James C. (1985). Weapons of the weak.. Everyday forms of peasant resistance. New Haven and London: Yale University Press.
• Silva, Augusto Santos (1988), Entre a razão e o sentido. Porto: Afrontamento.
133
• Sperber, Dan (sd). O saber dos antropólogos. Lisboa: Edições 70. • Taug, Jan (2003). Intangibles and capital conversion, presented in Hamilton, Canada, January
2003, http://www.taug.no/article/articleview/92/1/4/, [Consultado a 20.4.2005] • Touraine, Alain (2000). Du système à l'acteur, in Jean Baechler, François Chazel & Ramine
Kamrane (Ed.) (2000). L'acteur et ses raisons. Mélanges en l'honneur de Raymond Boudon. Paris: Presses Universitaires de France, pp. 113-129.
• Turner, Victor (1989 [1969]). The ritual process. Structure and anti-structure. Ithaca, New York: Cornell University Press.
• Vala, Jorge (1997). Representações sociais e percepções intergrupais, Análise Social, vol. XXXII (140), (1º). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, pp. 7-29.
• Valentim, Artur (1996). Percepção social do consumo de drogas ilícitas: inquérito às paróquias, Sociologia, problemas e práticas, 21, pp. 165-196.
• Valentim, Artur (1998). Droga, dependência e sociedade: uma incursão (crítica) no campo do pensamento sobre as drogas, Revista Crítica de Ciências Sociais, 51 (Junho de 1998). Coimbra: Centro de Estudos Sociais, pp. 137-166.
• Valentim, Artur (2000). O campo da droga em Portugal: medicalização e legitimação na construção do interdito, Análise Social, XXXIV (153). Lisboa: ICS, pp. 1007-1042.
• Vasconcelos, Luís Almeida (2003). Heroína: Lisboa como território psicotrópico nos anos noventa. Lisboa: ICS.
• Walton-Moss, Benita & McCaul, Mary E. (2005). Factors associated with lifetime history of drug treatment among substance dependent women, Addictive Behaviours, 31 (2006), pp. 246-253, http://www.sciencedirect.com [Consultado a 11.8.06].
• Weber, Max (s.d.). A ética protestante e o espírito do capitalismo. Lisboa: Presença. • Weinberg, Darin (2002). On the embodiment of addiction, Body & Society, 8 (4). London, Thousand
Oaks, New Delhi: Sage, pp. 1-19. • WHO [OMS] (2004). WHO Global status report on alcohol 2004. Geneva: World Health
Organization/ Organização Mundial de Saúde, www.who.org [Consultado a 19.5.2007]. • Yin, Robert K. (1994). Case study research: design and methods. Thousand Oaks, London, New
Delhi: Sage. • Yun-Hee Jeon (2004). The application of grounded theory and symbolic interactionism,
Scandinavian Journal of Caring Sciences, 18, pp. 249-256.
• Zheng Yangwen (2005). The social life of opium in China. New York: Cambridge University Press.
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
1
Dim
ensõ
es
Cate
goria
s Un
idad
es
Corp
o
1. Cr
ises,
ac
onte
cimen
tos
simul
tâne
os ao
co
nsum
o
2005
•
“(...)
aqu
ela c
asa
[que
alugu
ei] n
ão ti
nha
cond
ições
... e
ague
ntámo
-nos
(...)
ma
s... d
epois
a c
asa
tinha
pr
oblem
as d
e es
gotos
... aq
uilo
ench
eu m
esmo
(...)
com
a g
ente.
.. an
dava
águ
a (..
.) na
cas
a de
ban
ho d
e cim
a, e
aquil
o (..
.) ia
para
r à d
e ba
ixo (.
..) u
m dia
, entr
ou lá
senh
ora
[e dis
se q
ue] o
u eu
ia a
rranja
r aqu
ilo o
u ch
egou
a diz
er qu
e eu t
inha m
esmo
, mes
mo de
sair d
e lá..
. e pr
onto
eu fu
i falar
com
amigo
(...)
é tra
fican
te (..
.) a c
oisa n
ão co
rreu n
ada [
bem]
...” (D
ário,
C1)
• “(.
..) c
ompr
ei um
a mo
ta, (.
..) a
ntes
do a
ciden
te (..
.) an
dava
de
mota.
.. no
s co
pos,
não
é (..
.) es
tava
com
uns
copo
s... f
omos
(...)
a a
ndar
em
senti
do co
ntrár
io...
“ (Dá
rio, C
30);
“(...)
and
ei un
s metr
os...
para
o la
do d
ireito
, pa
ra o
lado
esq
uerd
o... e
m ve
z de
volt
ar p
ara
a dir
eita
pass
ei pa
ra a
esq
uerd
a... b
ati d
e fre
nte n
o ca
rro (.
..)
depo
is nã
o saí
do ac
idente
(...)
só ac
orde
i no h
ospit
al... d
ois di
as de
pois.
..” (D
ário,
C31
) 20
06
• “(.
..) p
or e
xemp
lo no
ban
co, à
s vez
es já
tive
algun
s pro
blema
s (...)
por
que..
. não
sei, e
u ter
razã
o, es
tar-lh
e a
expli
car u
ma co
isa à
pes
soa,
meu
gere
nte d
e ba
nco,
(...)
ele n
ão m
e co
nseg
uir d
ar a
volta
, não
me
cons
eguir
de
mons
trar q
ue e
u nã
o ten
ho ra
zão,
(...)
não,
pá, é
ass
im, c
oisas
estú
pidas
, que
eu
vejo
que
são
estúp
idos
porq
ue, p
á, de
vem
pens
ar a
ssim
“ah,
coita
dinha
, é to
xicod
epen
dente
, não
sei
quê,
não
sei q
ue m
ais” (
...)”
(Cris
tina,
F27;
28)
• “(.
..) e
ntreta
nto d
epois
apa
nhei
um p
roble
ma d
e do
ença
... foi
um.
.. um
tumo
r (...)
depo
is pá
restr
ingiu-
me m
ais,
e fui
obr
igado
mais
a fic
ar a
qui p
or e
stas b
anda
s... d
eriva
do a
faze
r o tr
atame
nto d
e qu
imiot
erap
ia (..
.) fiz
um
ano s
eguid
o qua
se de
quim
ioter
apia
(...)
estiv
e ago
ra um
ciclo
para
do, d
uran
te se
is me
ses (
...)” (
José
, G2;
46)
• “(.
..) aq
ui na
comu
nidad
e, (..
.) co
mece
i-me a
senti
r muit
o mal,
a al
imen
tação
que
entr
ava d
entro
do or
ganis
mo,
o or
ganis
mo re
jeitav
a, (..
.) en
tretan
to fui
faze
r ras
treio
(...),
não
era
de
estóm
ago,
então
(...)
foi q
uand
o ele
s no
taram
que e
u tinh
a um
tumor
no có
lon (.
..)” (
José
, G3)
• “(.
..) h
ouve
uma
vez
que
fui o
pera
do a
este
bra
ço, i
a fic
ando
sem
o b
raço
(...)
Por
que
eu fi
z he
matom
a... e
an
tes d
e re
benta
r par
a for
a, nã
o, re
bento
u pa
ra d
entro
... e
eu fe
ito p
arvo
, com
uma
faca
, fur
ei...
corte
i a ve
ia...
claro
... fui
ope
rado
de
urgê
ncia,
esti
ve v
inte
e qu
atro
hora
s à
espe
ra, i
a fic
ando
sem
o b
raço
(...)
Sem
ele
estav
a de
sgra
çado
da
vida
(...)
Não,
porq
ue a
s do
res
eram
tão
gran
des,
tão g
rand
es, q
ue e
u pe
nsei
que
furan
do re
benta
va, m
as n
ão, p
erdi
muito
sang
ue, e
era
m um
as d
ores
muit
o ho
rríve
is na
cabe
ça, à
s oito
hor
as
da m
anhã
a m
inha
tia fo
i lá
a mi
nha
casa
, já
estav
a na
quilo
, [ela
] tev
e qu
e ch
amar
uma
amb
ulânc
ia de
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
2
Corp
o (co
nt.)
Cr
ises,
acon
tecim
entos
sim
ultân
eos a
o con
sumo
(co
nt.)
urgê
ncia,
fui o
pera
do de
urgê
ncia,
fui a
qui a
o B[lo
cal] e
depo
is fui
para
Lisb
oa, p
ara S
ão Jo
sé...”
(Már
io, L2
1)
• “[E
stou]
Com
melho
r asp
ecto,
qua
ndo
entre
i aqu
i par
ecia
uma
cave
ira...
estav
a mu
ito m
agrin
ho...
o mé
dico
disse
-me l
ogo “
Hum,
não d
eves
ague
ntar m
uito t
empo
”, de
pois
tinha
prob
lemas
do pu
lmão
... do
peito
, já nã
o
• co
mia
nada
... só
beb
ia líq
uidos
, águ
a, ág
ua (.
..) ti
ve u
m qu
isto
de u
m pu
lmão
... e
isto
come
çou
a inf
ectar
tud
o... e
stava
tudo
infec
tado,
garg
anta,
tudo
... (M
ário,
L41
); “(.
..) fo
i aqu
i den
tro é
que
eu
soub
e qu
e tin
ha
aque
les pr
oblem
as...
do pu
lmão
... ma
s têm
-me a
judad
o muit
o, aq
ui...”
(Már
io, L4
2)
• “(.
..) f
iquei
gráv
ida [d
esta
crian
ça] e
já c
onsu
mia,
dura
nte o
s trê
s me
ses
sabe
ndo
já de
cer
teza
que
estav
a gr
ávida
, nos
três
ou
quatr
o pr
imeir
os m
eses
esti
ve a
con
sumi
r, (..
.) eu
falei
na
mater
nidad
e, co
m a
minh
a mé
dica,
falei
que
estav
a a
cons
umir
e qu
e dr
ogas
, e e
la dis
se-m
e qu
e pa
ráss
e o
mais
rápid
o po
ssíve
l, pe
lo me
nos
com
a co
caína
que
par
ásse
, por
que
podia
ter d
ificuld
ades
em
ter o
beb
é na
sces
se c
om...
o fe
to se
de
senv
olves
se...
que
nasc
esse
com
defe
itos,
e en
tão p
arei
com
a co
caína
, e e
les p
user
am-se
em
conta
cto
rápid
o, ma
ndar
am u
ma c
arta
urge
nte, p
user
am-m
e em
con
tacto
com
o CA
T (..
.), p
ara
come
çar
com
a me
tadon
a, e
no m
omen
to em
que
me
marca
ram
cons
ulta
eu fa
lei lá
no
CAT
e pu
sera
m-me
com
a me
tadon
a, nu
m pa
r de s
eman
as m
ais ou
men
os, e
pare
i o m
ais rá
pido q
ue pu
de, c
om a
metad
ona..
.”(Ne
la, M
8)
• “(.
..) a
que
stão
é qu
e co
meçá
mos a
cons
umir
outra
vez,
drog
a, os
dois
[o p
ai do
meu
prim
eiro
filho
e eu
], e
eu
ingre
ssei
numa
clini
ca, (
...) pa
ra m
e de
sabit
uar,
com
tratam
ento
por c
ausa
do b
ebé,
estiv
e trê
s mes
es ta
mbém
co
mo a
gora
, com
o es
ta gr
avide
z, foi
mes
mo ig
ual,
(...)
e ele
fico
u lá,
fico
u lá
fora
à mi
nha
espe
ra...
na c
asa,
com
tratam
ento
també
m, co
m pa
stilha
s, tra
nquil
izante
s, pa
stilha
s par
a do
rmir,
mas n
ão co
nseg
uiu, q
uand
o eu
sa
i aos
vint
e cin
co d
ias, e
le es
tava
ainda
pior
... de
com
o eu
o ti
nha
deixa
do. N
ão a
pare
cia e
m ca
sa, f
icava
tod
os o
s dia
s na
rua,
os (.
..) d
ias q
ue e
steve
sem
mim
ficav
a na
rua,
tinha
mais
bar
ba, e
stava
... pff
f... e
stava
pio
r aind
a do q
ue co
mo eu
o tin
ha de
ixado
...” (N
ela, M
27)
• “(.
..)...
eu c
om o
beb
é es
tava
preo
cupa
das
nos
prim
eiros
mes
es, a
o pr
incipi
o es
tava
preo
cupa
da, a
ndav
a a
cons
umir,
e and
ava..
. e de
sde o
s prim
eiros
mes
es qu
e che
gou a
o beb
é... fo
i hor
roro
so...e
agor
a, ou
vir da
boca
do
s méd
icos (
...) q
ue e
stá tu
do a
corre
r bem
, que
o b
ebé
está
a cre
scer
, que
o b
ebé
está
todo
forma
do...
está
a cor
rer t
udo b
em...”
(Nela
, M35
)
Corp
o
2. Re
ssac
a
2005
•
“(...)
qua
ndo
eu e
stou
aqui
[na co
munid
ade]
sou
eu q
ue fa
ço a
ress
aca
às p
esso
as...
acom
panh
o as
pes
soas
qu
e entr
am aq
ui... e
u é qu
e as e
ncam
inho,
eu é
que e
stou s
empr
e ao l
ado d
elas..
.” (Ja
ime,
B16)
20
06
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
3
Corp
o (co
nt.)
Ress
aca (
cont.
)
• “(.
..) a
s ou
tras
[veze
s qu
e vie
mos
para
a c
omun
idade
] for
am p
or n
ão te
r con
segu
ido a
prim
eira
vez,
porq
ue
são
(...)
curto
s es
paço
s de
temp
o, (..
.) o
temp
o qu
e nó
s es
tamos
a re
ssac
ar, e
por
tanto
é um
boc
ado
difíci
l, po
rque
vir…
com
o nó
s es
tivem
os, p
or e
xemp
lo, d
ez d
ias, a
o fim
de
dez
dias
estam
os m
uito
debil
itado
s, (..
.) nã
o é ao
fim d
e dez
dias
que s
e apa
ga um
a vida
…” (
Crist
ina, F
2)
• “(.
..) e
u fui
par
a lá
[para
a il
ha] a
ress
acar
, apa
nhei
o av
ião, f
umám
os a
s últ
imas
(...)
[pas
sas?
] ante
s de
em
barca
r no
aviã
o, ch
egám
os (
...) n
o se
gund
o dia
, es
távam
os a
res
saca
r co
mplet
amen
te a
frio,
sem
comp
rimido
s sem
nada
, (...)
eu sa
i à ru
a esta
va u
m ge
lo (..
.) e n
ós a
ress
acar
mos,
e (...)
nós
andá
mos n
a rua
, ho
ras e
hora
s (...)
à pr
ocur
a de a
lguém
que v
ende
sse,
que n
os co
nseg
uisse
iden
tifica
r se a
quela
pess
oa po
dia
ter al
gum
conta
cto co
m... d
roga
s (...)
, e nã
o enc
ontrá
mos u
ma ún
ica pe
ssoa
.” (C
ristin
a, F2
0)
• “(.
..)...
eu n
essa
altu
ra só
cons
umia
um b
ocad
inho
(...)
para
aí u
ma v
ez p
or d
ia...
à no
ite, s
aia d
o tra
balho
, ia
comp
rar,
fumav
a e
pron
to...
ele c
omeç
ou a
que
rer
fumar
, tam
bém,
(...)
, aga
rrámo
-nos
os
dois.
.. qu
ando
de
ixámo
s de c
ompr
ar, c
omeç
ámos
a re
ssac
ar, c
laro..
. tanto
eu (.
..) co
mo el
e...”
(Cris
tina,
F35)
• “M
as e
u es
tou m
ais [a
balad
o] de
sta v
ez, d
o qu
e da
s ou
tras
duas
vez
es...
muito
mais
(...)
Não
sei,
talve
z a
medic
ação
, há
aí qu
alque
r cois
a... o
u vim
os m
ais d
ebilit
ados
, não
sei...
sinto
... qu
e es
tá a
custa
r muit
o ma
is...
estou
no
quar
to dia
e a
inda
estou
todo
par
tido..
. nos
outro
s já..
. ao
terce
iro d
ia, já
and
ava
aí na
boa (
...) ta
lvez
a ida
de, ta
lvez..
. tamb
ém po
ssa s
er [r
azão
]...” (
João
Migu
el, H
12)
• “(.
..) s
ofrim
ento.
.. os
qua
tro d
ias, p
elo m
enos
, até
agor
a (..
.) so
frimen
to fís
ico (.
..) p
rincip
almen
te fís
ico...
por
enqu
anto.
.. men
tal nã
o é ta
nto...
mas m
ais fís
ico, p
or en
quan
to... m
ental
se ca
lhar v
em m
esmo
a se
guir..
. mas
ma
is fís
ico (
...) te
nho
altur
as q
ue m
e sin
to me
lhor..
. só
que..
. é a
quele
can
saço
, uma
pes
soa
não
está
ha
bitua
da...
talve
z a
abs
tinên
cia d
a dr
oga..
. po
ssive
lmen
te, n
ão é
(...)
aqu
ilo é
... me
lhor
do q
ue u
m me
dicam
ento,
aquil
o...”
(João
Migu
el, H
18)
• “(.
..) .
.. nã
o se
i, par
ece
que
me sa
be tu
do à
mes
ma co
isa, a
comi
da....
não
sei s
e....
se se
rá d
e mi
m...
talve
z se
ja, a
inda
(...)
eu n
ão te
nho
muita
vonta
de d
e co
mer..
. mas
se ca
lhar d
evido
à m
edica
ção
(...)
mesm
o as
sim
tento
lá ir,
come
r (...)
Que
é p
ara
não
tomar
os
comp
rimido
s se
m na
da (.
..) e
par
a ar
rebit
ar...“
(Joã
o Mi
guel,
H1
9)
• “(.
..) só
que
aqui
é dif
eren
te, e
m [pa
ís na
tal] a
dro
ga é
dife
rente
de
cá, b
om é
dife
rente
, não
, ven
dem
a co
ca já
fei
ta,
aqui
têm q
ue p
repa
rá-la
, tem
que
se
comp
rar o
amo
níaco
, tem
que
se
prep
arar
a c
ocain
a pa
ra s
er
fumad
a, e
lá nã
o, lá
já há
pre
para
da, e
mist
urad
a co
m a
hero
ina, a
s dua
s cois
as ju
ntas m
istur
adas
, e ve
ndem
as
“pap
elina
s”, a
s dua
s cois
as ju
ntas,
tudo
junto
por u
m...
por s
eis e
uros
, pro
nto, e
cá n
ão (.
..) S
im, p
elo q
ue
conh
eço
de [p
aís n
atal] [
é ma
is fác
il fum
ar],
porq
ue a
qui s
empr
e qu
e tiv
emos
que
comp
rar f
oi um
a qu
antid
ade
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
4
Corp
o (co
nt.)
Ress
aca (
cont.
)
maior
, por
qua
rtas,
meias
qua
rtas,
quinz
e eu
ros,
vinte
euro
s, ma
is qu
antid
ade,
e lá
por s
eis e
uros
uma p
esso
a tira
a re
ssac
a, a
ress
aca
de m
anhã
, ess
a re
ssac
a tira
-se co
m se
is eu
ros,
e à
parte
isso
a co
ca a
qui, v
ende
m-na
crua
, não
a ve
ndem
já fe
ita co
mo a
cons
umim
os, e
entã
o aq
ui o
que
é qu
e eu
fazia
... tin
ha q
ue m
eter p
ela
veia,
não
tính
amos
temp
o pa
ra n
os e
ntrete
r, pa
ra tir
ar...
para
tirar
a re
ssac
a (..
.) Po
is (ri
sos).
.. a
coca
ina p
ara
ficar
feita
dem
ora
um te
mpo,
não
é mu
ito te
mpo
que
demo
ra, p
ronto
, dem
ora
um b
ocad
inho
a faz
er...
tem q
ue
se m
eter o
amo
níaco
, que
imá-
la po
r baix
o, se
cá-la
e d
epois
picá
-la b
em p
ara
cons
umir,
metê-
la nu
m pa
pel d
e alu
mínio
par
a se
r fum
ada,
ou se
não
é a
garra
fa, m
uitas
veze
s o q
ue fa
zia o
Ósc
ar [m
arido
] era
a g
arra
fa, o
u se
não
crua,
crua,
direc
tamen
te co
m a
hero
ína p
ela v
eia, q
uase
sem
pre
era
a ma
ioria
das
veze
s as
sim, p
ela
veia.
..” (N
ela, M
16)
• “(.
..) na
altur
a era
difer
ente,
era d
roga
drog
a, ag
ora n
ão...
sei lá
, dois
, três
gram
as, p
asse
i um
mês e
pico
s sem
do
rmir..
. até
o mo
nitor
que
esta
va d
izia
“como
é q
ue a
guen
tas?”
, é q
ue n
ão d
ormi
a, me
smo,
vinte
e qu
atro
hora
s, e
eu fa
zia v
inte
e qu
atro
hora
s ac
orda
do...
eu s
entav
a-me
no
sofá,
ao
pé d
o fog
o, nã
o do
rmia,
ca
bece
ava
um p
ouco
, mas
eu
não
cons
egui.
.. pa
ssei
um m
ês e
pico
s se
m fec
har o
lho...
não
cons
egui.
.. nã
o co
nseg
uia fe
char
os
olhos
... ne
m po
r boc
adinh
os, n
em n
ada..
. ao
fim d
e um
mês
e p
icos
é qu
e co
mece
i a
dorm
ir um
a ho
rita, d
uas,
e a
partir
dai
é qu
e já
fui g
anha
ndo
o so
no a
té qu
e co
mece
i a d
ormi
r bem
...”(Ó
scar
, N1
5)
• “(.
..) d
esde
a ú
ltima
vez
que
você
cá
estev
e eu
esta
va a
qui p
ara
aí há
um
mês (
...) n
em ta
nto. S
e ca
lhar e
ra
naqu
ela a
ltura
em
que
a ca
beça
esta
va a
inda
cheia
de
confu
são…
só se
sente
é co
nfusã
o, nã
o se
sente
mais
na
da…
a p
artir
daí o
temp
o já
pass
a, as
ideia
s vão
com
eçan
do a
ficar
mais
clar
as, t
orna
-se…
torn
a-se
mais
fác
il, me
smo a
form
a com
o se s
ente
o dia
a dia,
não t
em na
da a
ver (
...)” (
Antón
io, P
1)
• “(.
..) le
mbro
-me
que
acor
dei c
onsti
pado
, eu
pens
ava
que
estav
a co
nstip
ado,
cons
tipad
o, co
m do
res n
o co
rpo,
pens
ava
eu, e
u co
mente
i “be
m, e
stou
cons
tipad
o, qu
e é
isto,
pron
to, te
nho
que
ver o
que
é q
ue s
e pa
ssa”
, fal
ei co
m um
ami
go m
eu, q
ue ta
mbém
já a
ndav
a há
mais
temp
o e
disse
-me
“tu n
ão e
stás c
onsti
pado
, pá,
tu es
tás é
aga
rrado
já a
isso
” e e
u dis
se, “
não
acre
dito”
, “en
tão o
lha, v
ai ex
perim
entar
, vais
com
prar
, vais
ex
perim
entar
, não
, vais
com
prar
, e v
ês s
e iss
o nã
o te
pass
a log
o”, e
ass
im fo
i. Pa
ssou
, e n
o dia
seg
uinte
a me
sma c
oisa,
outra
vez c
om do
res,
e mais
não s
ei qu
ê, co
m do
res n
o cor
po, v
i logo
, “já
estou
”. (R
ogér
io, Q
7)
• “(.
..) e
u nã
o me
tinha
ape
rcebid
o qu
e er
a fal
ta de
her
oina,
que
o or
ganis
mo e
stava
a se
ntir,
pens
ava
que
era
gripe
, esta
va co
m os
sinto
mas,
são
pare
cidos
, são
idên
ticos
, é o
ping
o no
nar
iz, é
os a
rrepio
s, es
pirro
s, es
sa
coisa
toda
, as
dore
s no
cor
po, o
mal
estar
ger
al, p
ronto
, é u
ma c
oisa
que..
. por
que
é es
quisi
ta, m
esmo
, e
pens
ava q
ue er
a grip
e, ma
s não
era..
.” (R
ogér
io, Q
8)
• “(.
..) d
epois
tive
aqu
i uma
s ida
s pa
ra Á
frica,
em tr
abalh
o, em
ser
viço,
aí pa
ssei
um b
ocad
o ma
l, po
r exe
mplo
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
5
Corp
o (co
nt.)
Re
ssac
a (co
nt.)
estiv
e um
mês
e ta
l em
[país]
, a m
ontar
ante
nas
lá, e
a p
rimeir
a se
mana
foi u
m bo
cado
com
plica
do, p
orqu
e re
ssaq
uei a
frio,
e n
ão ti
nha,
não
tinha
hipó
tese,
ali n
ão c
onhe
cia n
ingué
m...
ainda
hav
ia gu
erra
, aind
a ha
via
guer
ra, (
...) e
eu nã
o tinh
a hipó
tese..
.” (R
ogér
io, Q
10)
• “(.
..) s
ão d
ias q
ue s
ão u
m bo
cado
com
plica
dos,
porq
ue te
mos
que
arra
njar d
inheir
o, po
r cau
sa d
a re
ssac
a, pr
onto
é a
pess
oa d
eitar
-se, c
onsu
miu,
ness
e dia
não
ress
aca,
mas
deita
-se já
a p
ensa
r com
o é
que
vai s
er
aman
hã, o
dia d
e ama
nhã (
...)” (
Rogé
rio, Q
15)
Cor
po
3. Te
mpo
da r
ecaíd
a
2005
•
“... e
u qu
ando
reca
i meti
baix
a (..
.) sa
í daq
ui em
Fev
ereir
o... r
ecaí
em J
ulho..
. esti
ve re
caído
Julh
o, Ag
osto,
Se
tembr
o... O
utubr
o... N
ovem
bro..
.e De
zemb
ro...
vim em
Jane
iro, c
á par
a o C
entro
... “ (
Jaim
e, B3
)
• “(.
..) d
uran
te do
is an
os, c
onsu
mimo
s os
dois
[o m
eu ir
mão
e eu
](...)
ao
final
de u
m an
o... e
le (..
.) já
quer
ia pa
rar..
. ago
ra e
u é
que
não
quer
ia pa
rar..
. era
nov
inho,
estav
a-me
a s
aber
bem
.... n
em m
e pa
ssav
a pe
la ca
beça
o p
roble
ma q
ue e
ra...”
(Antó
nio, D
6); “
(...)
na a
ltura
tinha
ou
vinte
e um
(...)
o m
eu p
ai fal
eceu
qua
ndo
eu tin
ha vi
nte e
um,
eu
pass
ado
pouc
os m
eses
... co
mece
i a co
nsum
ir...co
nsum
i dep
ois a
té ao
s vint
e e
três..
.” (A
ntónio
, D8)
• “(.
..) m
ais u
m an
o e
tal (.
..) co
m co
nsum
os...
não
eram
ass
im m
uito
regu
lares
, esp
orád
icos..
. fum
ava
um d
ia...
três,
quatr
o dias
.. fum
ava o
utro..
. ah..
. um
mês,
fumav
a, ou
tra ve
z...”
(Antó
nio, D
15)
• “(.
..) es
tive m
ais...
dois
anos
, na h
eroín
a outr
a vez
... “ (
Antón
io, D
17)
• “E
ntreta
nto...
estou
dois
anos
a co
nsum
ir... m
as a
cons
umir m
uito..
.” (M
aria,
E14
) 20
06
• “(.
..) h
ouve
uma
altu
ra e
m (..
.) es
tive
dois
anos
e m
eio p
arad
a, en
tretan
to, (.
..) q
uand
o re
come
cei n
ovam
ente,
nã
o vo
ltei a
pen
sar
na s
ering
a, pe
nsei
que
seria
mais
indic
ado
fumar
, e p
ortan
to re
come
cei a
fuma
r...”
(Cris
tina,
F14)
• “(.
..) é
o p
ouco
temp
o é
que
nos
faz v
oltar
à v
ida q
ue le
vamo
s... a
pes
soa
sai m
uito
debil
itada
, aqu
ilo é
um
choq
ue m
uito g
rand
e (...)
” (Jo
ão M
iguel,
H11
a)
• “E
u co
nhec
i-a e
m 96
... 96
, ela
traba
lhava
tamb
ém n
o re
staur
ante
també
m, q
uand
o eu
a c
onhe
ci...
depo
is de
sde
aí co
meçá
mos
a an
dar,
mais
ou m
enos
em
97, e
m 98
talve
z ten
ha c
omeç
ado
a co
nsum
ir co
m ela
, de
pois
foi se
mpre
a ab
rir, a
té...
[ri]...
até 20
06.”(
João
Migu
el, H
16)
• “(.
..) e
logo
des
sa ve
z es
tivem
os se
is me
ses a
mor
ar so
zinho
s, no
s F.[lo
cal],
e foi
ond
e re
caím
os (.
..)” (
Nela,
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
6
Corp
o (co
nt.)
Temp
o da r
ecaíd
a (co
nt.)
M6)
• “(.
..) s
ó co
nsum
i ago
ra a
qui [
em P
ortug
al](..
.) Aq
ui há
cois
a de
uns
cinc
o me
ses
ou s
eis...
eu e
stava
-lha
a diz
er o
ito, m
as n
ão, s
eis m
eses
... a
gente
che
gou
aqui
em J
aneir
o, es
tamos
em
Agos
to...
a ge
nte [e
u e
a Ne
la] já
leva
dois
mes
es p
arad
os c
om m
etado
na, c
om u
m mê
s aq
ui, tr
ês...
estiv
emos
con
sumi
ndo
cinco
me
ses,
nem
tanto.
.. “ (Ó
scar
, N24
)
Corp
o
4. Si
tuaç
ões
dire
ctam
ente
as
socia
das a
o co
nsum
o
2005
•
“(...)
não
vejo
qual
é o
goz
o de
esta
r-se
a inj
ectar
... pa
ra já
é u
ma co
isa q
ue m
e faz
uma
confu
são..
. dep
ois o
sa
ngue
, eu v
ejo sa
ngue
e... (
...) a
pess
oa es
tar-se
a inj
ectar
, não
....” (
Carlo
s, A7
)
• “(.
..) nã
o... fi
z... n
ão do
rmia,
não t
omav
a ban
ho, n
ão...
não m
e ves
tia, n
ão...”
(Car
los, A
14b)
• “(.
..) ch
egou
uma
altu
ra e
m qu
e pr
onto,
(...)
entr
egue
i-me
à beb
ida ta
mbém
... co
mo vo
cê sa
be, s
ou a
lcoóli
co...
e
pron
to, fiq
uei a
beb
er d
esco
ntrola
dame
nte...
e a
casa
não
tinha
águ
a, ne
m tin
ha lu
z, ne
m tin
ha...
higien
e de
pr
imeir
a ne
cess
idade
, higi
ene
... nã
o co
nseg
uia fa
zer b
anho
, e n
ão s
ei qu
ê... c
hegu
ei a
uma
situa
ção
(...)
mesm
o pés
sima..
.” (D
ário,
C2)
• “(.
..) h
oje...
eu d
igo q
ue é
des
gasta
nte p
orqu
e eu
sab
ia o
mal q
ue e
stava
a fa
zer a
mim
pró
prio.
.. eu
esta
va
como
que a
casti
gar-m
e, nã
o sei
porq
uê...
porq
ue aq
uilo d
esga
stava
-me d
uma f
orma
...” (A
ntónio
, D18
)
• “[a
minh
a ca
beça
já n
ão fu
ncion
a] [te
nho
]aque
la se
nsaç
ão d
a ge
nte q
uere
r (...)
pen
sar,
(...)
focar
-se, e
não
co
nseg
uir fo
car n
ada..
. por
exe
mplo,
aind
a há
boc
ado
vi no
jorn
al...
e vi
lá na
par
te de
trás
(...)
aqu
ela c
oisa
nova
dos
núm
eros
[SUD
OKU]
... se
foss
e aq
ui há
dois
ano
s atr
ás, e
u olh
ava,
e ao
fim d
e cin
co m
inutos
tinha
aq
uilo t
udo r
esolv
ido...
agor
a, só
de ol
har p
ara a
quilo
... en
joa-m
e log
o, só
de ol
har..
.”(An
tónio,
D26
)
• “(.
..)...
estar
mal
é (..
.) é
a de
terior
ação
comp
leta..
. fisi
came
nte (.
..) o
lha p
ara
mim
agor
a... e
eu
quan
do e
ntrei
aqui
pesa
va p
ara
aí un
s qua
renta
quil
os...
psico
logica
mente
, é e
ntrar
... co
mece
i-me
a pr
ostitu
ir... c
omec
ei...
a pe
rder
o m
eu a
mor
próp
rio, c
omec
ei...
para
mim
era
-me
igual.
.. ch
ega-
se a
o po
nto d
e... t
odas
aqu
elas
prec
auçõ
es q
ue e
u ho
je tom
o....
na a
ltura
era
... er
a-me
igua
l toma
r...”
(Mar
ia, E
16);
“(...)
deix
ei de
dor
mir e
m ca
sa...
come
cei a
dor
mir e
m (..
.) ca
rros,
em ca
sas a
band
onad
as...”
(Mar
ia, E
17);
“... d
eixei
de te
r os c
uidad
os
que..
. pro
ntos,
minim
amen
te pe
ssoa
is (..
. de h
igien
e, de
ixei d
e ter
isso
tudo
...” (M
aria,
E18
; 19)
• “(.
..)…
che
guei
aqui
com
perto
de
quar
enta
quilo
s, eu
não
com
ia na
da (.
..) e
u nã
o me
con
segu
ia as
senta
r…
eu d
oía-m
e o
rabo
… s
ó tin
ha o
ssos
, não
tinh
a na
da…
rigo
rosa
mente
nad
a… e
u dig
o qu
aren
ta qu
ilos,
porq
ue…
pron
tos, n
a volt
a se e
u me f
osse
a pe
sar a
inda p
esav
a men
os…
“ (M
aria,
E32
)
• “(.
..) e
u nã
o me
olha
va, a
o es
pelho
… a
ssim
… e
u tin
ha ve
rgon
ha d
aquil
o qu
e via
(...)
eu
chor
ei mu
itas v
ezes
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
7
Corp
o (co
nt.)
Situa
ções
dire
ctame
nte
asso
ciada
s ao c
onsu
mo
(cont.
)
em m
inha
casa
, a o
lhar p
ara
o es
pelho
e a
dize
r, “M
as M
aria,
no
que
é qu
e tu
te tor
naste
?” (.
..) q
uer d
izer j
á es
tava
sepa
rada
do
pai d
os m
eus
filhos
… m
as e
le (..
.) viv
ia lá,
e a
inda
vive
(...)e
u ía
para
a c
asa
de b
anho
pa
ra ve
stir o
pijam
a, (..
.) eu
tinha
verg
onha
…” (
Maria
, E33
) 20
06
• “[C
onsu
mo] A
fuma
r... j
á ho
uve
algum
temp
o qu
e me
injec
tei, m
as d
epois
par
ei [de
pois
de u
ma p
arag
em d
e do
is an
os e
meio
], po
rque
ach
ei qu
e nã
o va
lia a
pen
a, po
rque
com
ecei
a ve
r que
a d
egra
daçã
o er
a mu
ito
maior
, e...
apes
ar d
a pe
dra
ser m
uito
maior
tamb
ém...
só q
ue a
cho
que..
. pá,
só o
acto
de
me e
star a
es
picaç
ar a
mim
pró
pria,
ach
o qu
e me
meti
a um
pou
co d
e co
nfusã
o, e
porta
nto d
eixei
de fa
zer i
sso
(...)”
(C
ristin
a, F1
3)
• “(.
..) ac
ho qu
e tod
os os
regr
esso
s são
cons
ciente
s (...)
” (Cr
istina
, F15
)
• “(
...) q
uand
o eu
and
ava
na ru
a (..
.) qu
ando
eu
anda
va m
esmo
no
fundo
na
toxico
depe
ndên
cia, (
...) e
ssa
equip
a [de
rua]
(...)
pass
ou p
or m
im (.
..) fa
lou c
omigo
, e e
u es
tava
de a
cord
o, pr
ontos
, (...)
a v
ida q
ue e
u lev
ava e
ra de
mais
, já er
a um
sofrim
ento.
.. em
últim
o gra
u... p
ronto
... nã
o tem
palav
ras..
.” (Jo
sé, G
14)
• “(.
..) eu
ao sa
ber q
ue (.
..) tin
ha es
ta do
ença
[o tu
mor],
jama
is ia-
me vi
rar n
ovam
ente
para
a tox
icode
pend
ência
, en
tão, s
e um
a pe
ssoa
que
r fica
r boa
, não
vai
entra
r nov
amen
te na
toxic
odep
endê
ncia
para
se
acab
ar d
e ma
tar...”
(Jos
é, G4
7)
• “(.
..) te
nho
um g
rupo
de
amigo
s até
por
reirin
ho...
uns
enten
dem
isto,
outro
s nã
o en
tende
m (..
.) alg
uns
sabe
m...
outro
s, se
calha
r... te
ntam
perce
ber o
que
é que
se pa
ssa,
o qu
e é q
ue n
ão se
pas
sa...
mas m
uitos
... alg
uns s
abem
... os
mais
cheg
ados
sabe
m (..
.) cri
ticam
... ma
s muit
os ta
mbém
já tê
m... u
m pr
oblem
a de d
roga
s dif
eren
te (..
.) de
outr
as d
roga
s... u
ns q
ue e
stão
bem,
ago
ra (.
..) p
astilh
as, e
cstas
ys...
haxix
e... é
mais
isso
(...)
co
caína
, esp
orad
icame
nte, ta
mbém
(...)
nunc
a con
sumi
com
eles..
.” (Jo
ão M
iguel,
H22
)
• “C
om a
coc
aina
pare
i, co
m a
hero
ina c
ontin
uei,
até q
ue m
e pu
sera
m co
m a
metad
ona,
quan
do m
e pu
sera
m co
m a m
etado
na co
rtei...
corte
i eu,
mas e
le [Ó
scar
, mar
ido] a
inda c
ontin
uou a
ress
acar
, a e
le pu
sera
m-no
com
a me
tadon
a ta
mbém
mais
rápid
o po
r minh
a ca
usa,
porq
ue e
stava
ao
pé d
e mi
m [gr
ávida
], mo
rava
comi
go, e
eu
ia lá
toma
r a m
etado
na e
cheg
ava
a ca
sa e
enc
ontra
va-o
a co
nsum
ir (..
.) e
então
, se
não
fosse
ass
im e
le ter
ia es
tado à
espe
ra do
is ou
três
mes
es po
rque
tinha
que f
azer
análi
ses,
e vár
ias co
isas a
ssim
...” (N
ela, M
9)
• “(.
..) e
u ten
ho o
fíga
do d
estro
çado
(...)
, com
ecei
com
doze
ano
s... f
oi qu
ando
eu
come
cei c
om a
her
oína,
foi
logo
hero
ína (.
..) n
a es
cola
(...)
na P
repa
ratór
ia (..
.) [C
omeç
ou] C
om a
s mo
tas, (
...) p
ara
aqui
e pa
ra lá
, com
un
s cha
rritos
, e n
ão se
i quê
, dep
ois o
s cha
rritos
já n
ão fa
ziam
nada
... va
i-se
busc
ar co
isas m
ais fo
rtes e
era
m,
com
treze
anos
já an
dava
m ag
arra
dos,
não é
...”(Ó
scar
, N21
)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
8
Corp
o (co
nt.)
Si
tuaçõ
es di
recta
mente
as
socia
das a
o con
sumo
(co
nt.)
• “(.
..)...
fui e
u qu
e ch
egue
i a u
ma a
ltura
em
que
já es
tava
num
esta
do, f
ísico
e p
sicoló
gico,
estav
a me
smo
de
rasto
s, já.
.. já
não
comi
a, co
mia
uma
refei
ção
por d
ia, q
uer d
izer,
não
é qu
e em
minh
a ca
sa...
felizm
ente
em
casa
tinha
... tin
ha co
mida
(...)
” (Ro
gério
, Q17
)
Corp
o 5.
Estig
ma
20
05
• “(.
..)…
agor
a [de
pois
de en
trar n
a co
munid
ade e
engo
rdar
] não
tenh
o ver
gonh
a de m
e olha
r ao e
spelh
o… m
as
també
m qu
ero v
er se
não p
asso
disto
...” (M
aria,
E34
; 35)
20
06
• “(.
..) a
ctualm
ente
deve
m pe
nsar
que
eu
cons
umo,
pelo
meu
aspe
cto d
evem
sab
er q
ue “e
stá a
con
sumi
r”...”
(C
ristin
a, F2
5);
• “(.
..) s
e olh
ar p
ara
mim
não
diz q
ue e
u so
u tox
icode
pend
ente?
(...)
Fica
a sa
ber q
ue é
uma
das
minh
as
para
noias
, o Jo
ão M
iguel
també
m já
diz q
ue à
s vez
es q
ue é
par
anoia
minh
a, e
eu a
cho
que
não
é, eu
ach
o qu
e às
vez
es a
s pe
ssoa
s ide
ntific
am q
ue a
s pe
ssoa
s sã
o tox
icode
pend
entes
, ou
que
são
adict
as d
e alg
uma
coisa
...” (C
ristin
a, F2
6)
• “(.
..)...
essa
mar
ca [d
a tox
icode
pend
ência
] eu
acho
que
é u
ma fe
rida
que
não
se co
nseg
ue sa
rar,
nós p
rópr
ios
é que
a tem
os de
sara
r aqu
i na n
ossa
cabe
ça, o
u seja
, com
muit
a for
ça de
vonta
de (.
..)” (
José
, G10
; 11)
• “(.
..) e
u de
itar-m
e a
pens
ar n
isso,
levan
tar-m
e a
pens
ar n
isso,
e... t
entar
adq
uirir
a tod
o o
custo
, de
qualq
uer
das
mane
iras,
(...)
porq
ue n
ingué
m ne
m me
que
ria a
trab
alhar
... co
m o
aspe
cto q
ue e
u tin
ha, e
ra im
poss
ível
(...)”
(Jos
é, G1
4a)
• “E
u se
i que
dan
tes n
ão m
e olh
avam
com
o me
olha
m ag
ora..
. já
me o
lham
difer
ente,
esto
u ma
is for
te,
acha
vam-
me co
iso, n
otava
m log
o, qu
alque
r pes
soa v
ia log
o... q
ue eu
anda
va na
drog
a...”
(Már
io, L2
4)
Auto
-imag
em
1. Pa
rage
ns
2005
•
“(...)
org
anize
i a m
inha
vida,
eu ti
nha..
. alug
uei c
asa,
comp
rei c
arro
... tin
ha a
minh
a vid
a or
ganiz
ada,
tinha
o
traba
lho, ti
nha a
minh
a vida
... e m
ais um
a vez
...” (J
aime,
B5; 2
8)
• “(.
..) e
u er
a o
único
que
aind
a es
tudav
a na
altu
ra...
dizia
para
eles
[os
meus
ami
gos].
.. eu
sem
pre
fui m
uito
desp
ortis
ta (..
.) e
tinha
o q
uarto
che
io de
não
à d
roga
(...)
todo
ess
e tip
o de
cois
as, e
ra c
omigo
... os
meu
s am
igos c
onsu
miam
dro
gas,
e eu
and
ava
semp
re d
e vo
lta d
eles..
. “eh
pá,
é pá
não
faça
m iss
o, pá
, (...)
[é] d
e
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
9
Auto-
imag
em
(cont.
)
Para
gens
(con
t.)
matar
, o qu
e é qu
e voc
ês an
dam
aqui
a faz
er”..
. “ (A
ntónio
, D1)
• “(.
..) m
as e
stive
bem
. Con
quist
ei o
meu
espa
ço, a
rranje
i o m
eu tr
abalh
o, (..
.) pu
s-me
numa
relaç
ão a
h...
espe
ctacu
lar...
tinha
tudo
... tin
ha c
ondiç
ões
para
ir b
usca
r os
meus
filho
s, e..
. de
repe
nte...
deite
i tud
o po
r ter
ra, tu
do...
e eu j
á sab
ia o q
ue er
a...”
(Mar
ia, E
5)
2006
•
“(...)
foi a
ssim
[que
come
cei a
cons
umir],
dep
ois fo
i ter q
uerid
o pa
rar,
vária
s vez
es, c
onse
gui p
arar
dois
ano
s e
meio
(...)
p’rai
quan
do ti
nha
vinte
e cin
co a
nos,
e de
pois
també
m já
cons
egui
um a
no e
meio
a s
eguir
…”
(Cris
tina,
F9)
• “(.
..) [E
stive
num
sitio
ond
e] Nã
o ha
via [d
roga
s], (.
..) n
as ilh
as (.
..) e
ntre
Fran
ça e
a In
glater
ra (.
..) e
entã
o aí
ness
a ilha
não t
inha d
roga
, (...)
” (Cr
istina
, F18
; 22)
;
• “(.
..) pa
rámo
s sem
pre o
s dois
(...)
um po
der p
arar
e o o
utro n
ão...
não p
ode s
er, e
ntão (
...) co
mo é
que e
stá um
pa
rado
e o o
utro a
o lad
o a da
r (...)
” (Cr
istina
, F37
)
• “(.
..) d
essa
vez [
que
estiv
e cá
] não
esta
va co
m o
João
Migu
el...
o Jo
ão M
iguel
ficou
em
casa
a re
ssac
ar, e
eu
fique
i aqu
i (...)
Não
resu
ltou
nada
... re
sulto
u o q
uê, r
esult
ou o
nde!.
.. não
, por
que
a ge
nte e
stamo
s tão
peg
ados
um
com
o outr
o, (..
.)” (C
ristin
a, F4
5)
• “(.
..) q
uatro
dias
foi o
máx
imo,
tenho
a im
pres
são
(...)
nesta
com
unida
de (.
..) já
nou
tras
não,
nas
outra
s (..
.) es
tivem
os a
qui tr
ês ve
zes,
já es
tivem
os m
ais tr
ês ve
zes n
outro
s sitio
s, sã
o cur
as de
dez
dias
, e qu
ando
entra
s nã
o po
des
sair
(...)
Eu p
refiro
este
[sist
ema]
(...)
se p
udes
se (.
..) fi
cava
mais
temp
o de
boa
von
tade
(...)”
(C
ristin
a, F4
7)
• “T
em s
ido u
ma lu
ta (..
.) en
tre m
im e
a to
xicod
epen
dênc
ia, n
ão é
(...)
e e
u ten
ho ti
do m
uita
força
de
vonta
de,
senã
o... n
ão es
taria
aqui,
não é
...” (J
osé,
G1a)
• “(.
..) fu
i-me
cons
eguin
do a
fastar
gra
dualm
ente
(...)
das
pess
oas
com
quem
eu
conv
ivia
(...)
dos
grup
os c
om
quem
eu co
nvivi
a (...)
” (Jo
sé, G
13)
• “(.
..) a
brim
os u
m ca
fézito
, sna
ck b
ar, n
ão é
, ond
e dá
vamo
s alm
oços
, e ja
ntare
s, (..
.) foi
bon
ito, e
foi b
om, m
as
ao m
esmo
temp
o foi
mau
, por
que
eu fu
i mais
um
sócio
, mon
támos
... mo
ntei a
quilo
mais
um
sócio
, e q
uand
o eu
me
aper
cebi
que
ele m
e an
dava
a e
ngan
ar, (
...) tiv
e qu
e....
mesm
o... f
echa
r aqu
ilo...
mas a
inda
sobr
evive
u do
is an
os, (
...) fo
i par
a aí
dos
vinte
e no
ve a
os tr
inta
e um
... qu
e eu
esti
ve a
trab
alhar
...foi
na fa
se, q
ue....
pr
ontos
... eu
junte
i-me
com
uma
moça
, e e
ntreta
nto d
epois
abr
i o e
stabe
lecim
ento,
com
outro
rapa
z... q
uand
o fec
hei o
estab
elecim
ento,
foi n
essa
fase
que e
u... q
ue eu
me m
eti na
toxic
odep
endê
ncia.
..” (J
osé,
G36;
37)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
10
Auto-
imag
em
(cont.
)
Para
gens
(con
t.)
• “(.
..) é
a te
rceira
des
intox
icaçã
o qu
e eu
faço
, aqu
i nes
te ce
ntro..
. foi
por i
nterm
édio
(...)
de u
ma se
nhor
a qu
e tra
balho
u co
m o
[dire
ctor
da
comu
nidad
e qu
e] tiv
emos
co
nhec
imen
to...
e en
trámo
s pa
ra
esta
co
munid
ade..
.(...)
A p
rimeir
a ve
z qu
e vim
, vim
com
a C
ristin
a...
estiv
emos
cá
cerca
de
quatr
o dia
s, de
pois.
..(...)
Fom
os e
mbor
a... d
epois
volt
ámos
outr
a ve
z pa
ssad
o, sa
lvo e
rro, s
eis m
eses
... só
volt
ei eu
... es
tive q
uase
uma s
eman
a, de
pois
saí o
utra v
ez, d
epois
viem
os ag
ora o
utra v
ez...(
...)”(J
oão M
iguel,
H1)
• “..
. têm
um
empr
ego,
pron
to, vã
o pa
gand
o, vã
o an
dand
o co
m aq
uele
dinhe
iro a
comp
rar a
dro
ga q
ue fa
z falt
a, e
têm m
il e u
ma d
escu
lpas..
. e d
epois
é a
ssim
, apa
nham
um
perío
do d
e fér
ias, u
ma se
mana
ou
duas
que
têm
de fé
rias..
. “vo
u... v
ou-m
e tra
tar” (
...) e
u já
fiz is
so ta
nta ve
z tam
bém!
(...)
tudo
bem
, está
s aq
ui un
s dia
s, va
is pa
ra c
asa,
se ti
vere
s lá
em c
asa
algué
m qu
e te
contr
ole, d
e um
a ce
rta fo
rma,
com
um a
ntagó
nico,
com
uma
coisa
do g
éner
o, an
das a
li... t
rês o
u qu
atro
mese
s... d
epois
come
ças a
inve
ntar d
escu
lpas..
. “ah
, já e
stou b
om,
não p
recis
o do a
ntagó
nico”
e tal
(...)
é um
a for
ma de
regr
essa
r par
a ao p
é da f
amília
, “ah
agor
a des
ta é q
ue é”
, qu
em já
não
lhe
dava
dinh
eiro
já va
i com
eçar
a d
ar o
utra
vez,
vão
dar p
ara
um m
aço
de ta
baqu
ito, já
ajud
a, um
a pe
ssoa
que
tenh
a qu
inze
ou v
inte
euro
s pa
ra g
astar
, se
não
tiver
que
com
prar
taba
co, s
e só
tive
r que
co
mpra
r a do
se, m
eter-s
e no c
arro
...” (A
ntónio
, P17
)
• “M
as e
ntreta
nto, f
az-se
par
te do
... d
o es
quem
a... p
arte
do e
sque
ma o
u po
rque
... pr
onto,
já n
ão te
m sa
ida, a
pe
ssoa
já n
ão sa
be o
que h
á-de
faze
r, “o
nde é
que
vou
arra
njar d
inheir
o”, “
olha,
vou f
azer
uma
para
gem.
.. vou
faz
er um
a par
agen
zita!”
...” (A
ntónio
, P20
)
Auto-
imag
em
2. As
pect
os
mat
eriai
s
2005
•
“(...)
dep
ois a
vida
finan
ceira
tamb
ém n
ão e
stá...
nada
boa
...” (D
ário;
C15
a); “
... fui
leva
r o ca
rro p
ara
a ofi
cina,
não é
... e
depo
is o
patrã
o tiro
u-o
da o
ficina
... er
a pa
ra p
agar
ao
patrã
o (...)
como
deix
ei lá
de ir
traba
lhar..
. que
eu
não
deix
ei...
e nã
o ac
abou
de
paga
r aind
a (..
.) ce
nto e
tal e
uros
par
a pa
gar(.
..), o
patr
ão fi
cou
lá co
m o
carro
... ma
s... e
stá gu
arda
do...”
(Dár
io, C
32)
• “(.
..) [e
u] er
a mes
mo ve
rdinh
o naq
uilo..
. o di
nheir
o não
falta
va...
drog
a tam
bém
não..
.” (A
ntónio
, D7)
• “(.
..) a
gente
(...)
tínha
mos v
ários
negó
cios e
m co
mum
(...)
além
de se
rmos
irmão
s, ér
amos
sócio
s (...)
ficám
os
com
os ne
gócio
s que
eram
do no
sso p
ai..”
(Antó
nio, D
10)
• “(.
..) m
as s
empr
e na
retr
anca
, nun
ca q
uis a
brir
o jog
o... p
orqu
e as
pes
soas
ah..
. com
o o
sítio
era
de
resp
onsa
bilida
de, e
pun
ham-
me m
uito
dinhe
iro n
as m
ãos,
traba
lhava
com
quinz
e mi
l con
tos d
iariam
ente
(...)
“ (A
ntónio
, D21
; D22
)
• “(.
..) e
o m
eu p
ai (..
.) co
meço
u-me
a in
fluen
ciar,
e a
acha
r... “
Maria
, vai
para
a A
. [Pa
ís], p
orqu
e lá
ganh
as
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
11
Auto-
imag
em
(cont.
)
Aspe
ctos m
ateria
is (co
nt.)
bem”
...e n
ão s
ei qu
ê... e
eu,
como
sem
pre,
deixe
i-me
ir (..
.) po
rque
é a
ssim
... eu
dep
ois e
ntreta
nto s
oube
o
que
é qu
e ia
ganh
ar (.
..) m
il eur
os...
duze
ntos c
ontos
(...)
eu po
uco
meno
s tira
va o
nde
estav
a (..
.) eu
não
sei o
qu
e é qu
e me l
evou
a... a
... da
r tal
pass
o, ou
porq
ue nã
o quis
desa
utoriz
ar o
meu p
ai (..
.)” (M
aria,
E6a
)
• “E
com
(...)
a bra
nca,
com
a coc
aína p
ior ai
nda..
. qua
ndo c
hegu
ei cá
traz
ia din
heiro
...” (M
aria,
E10
) 20
06
• “(.
..) s
alaria
lmen
te, a
tabe
la é
mais
baixa
[par
a] Um
a pe
ssoa
que
não
tenh
a o
curso
… e
u po
r aca
so n
o me
u ga
binete
não
tenh
o es
se p
roble
ma, p
orqu
e so
u um
a da
s pe
ssoa
s qu
e ga
nha
mais
(...),
por
que
fui u
ma d
as
últim
as a
entr
ar. E
com
o fui
uma
das
últim
as a
entr
ar, e
eles
pre
cisav
am m
uito
de m
im, e
u dis
se a
eles
…
foram
eles
que
me
conv
idara
m pa
ra e
u ir
para
o g
abine
te (..
.) Eu
esta
va a
trab
alhar
, e e
u de
sped
i-me
de u
m ou
tro g
abine
te pa
ra ir
par
a aq
uele
gabin
ete, p
ortan
to eu
diss
e-lhe
s “se
voc
ês q
uiser
em d
ar x
is, e
u ac
eito,
venh
o-me
emb
ora,
e fic
amos
todo
s, se
você
s não
quis
erem
, eu
não
venh
o…” e
foi a
ssim
, eles
conc
orda
ram,
ele
s qu
isera
m, e
eu
ganh
o ma
is do
que
qua
se to
das
as p
esso
as, e
xcep
to p’r
ai du
as o
u trê
s, (..
.). S
em e
las
sabe
rem,
por
que
paga
m-me
um
xis p
or fo
ra, o
utro
xis, (
...) s
enão
hav
ia co
nfusã
o…po
rtanto
eu
no re
cibo
rece
bo um
xis,
no ba
nco d
epos
itam-
me um
ypsil
on.”
(Cris
tina,
F11)
• “T
enho
dívi
das,
(...)
que
cons
igo ir
pag
ando
(...)
até
que
há-d
e ch
egar
um
dia e
m qu
e, se
conti
nuar
na
minh
a sit
uaçã
o, (..
.) há
-de
have
r um
a ru
ptura
…es
pero
que
não
aco
nteça
iss
o, nã
o é
(...)
eu t
enho
que
pa
rar…
”(Cris
tina,
F49)
• “O
que
é q
ue já
per
di!...
Já p
odia
ter ta
nta c
oisa!
Já p
odia
ter a
minh
a ca
sa p
aga,
já po
dia te
r um
bruto
Me
rcede
s (...)
, uma
casa
no
Alga
rve (.
..) o
u no
Nor
te, (.
..) d
esde
os m
eus d
ezas
seis
anos
que
eu
traba
lho, p
or
isso,
veja
bem
o que
é qu
e eu j
á nã
o pe
rdi…
não t
enho
nada
, só t
enho
uma
casa
(...)
nem
está
toda p
aga (
...)”
(Cris
tina,
F50)
• “(.
..) p
or is
so é
que
eu
cheg
uei a
pon
tos q
ue n
ão a
dianta
va [v
iver f
ora
daqu
i, faz
er o
s tra
tamen
tos, t
raba
lhar],
en
tão e
u co
m o
dinhe
iro q
ue e
u ga
nhav
a, ne
m ch
egav
a tão
pou
co p
ara
anda
r aq
ui tod
os o
s dia
s no
s tra
tamen
tos ...
moro
ali, [
zona
em Li
sboa
] (...)
(Jos
é, G6
b)
• Eu
falo
um b
ocad
o po
r mim
.... n
ão fo
i um
muito
, muit
o... [
a pa
rte e
conó
mica
que
me
troux
e aq
ui] (.
..) m
as se
ca
lhar c
om o
s an
os a
dec
orre
rem,
já le
va a
ess
e ca
mpo,
porq
ue o
que
falo
com
os o
utros
, pen
so q
ue s
eja
essa
parte
...” (J
oão M
iguel,
H3)
• “P
enso
que
se a
drog
a fos
se...
sei lá
, ou..
. dad
a não
digo
mas
... a u
m pr
eço
mais
redu
zido
nas f
armá
cias..
. se
lá ho
uves
se...
acho
que
se ca
lhar..
. os t
oxico
depe
nden
tes n
ão a
larg
avam
, muit
os se
calha
r não
a la
rgav
am...
pens
o eu..
.”(Jo
ão M
iguel,
H4)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
12
Auto-
imag
em
(cont.
) As
pecto
s mate
riais
(cont.
) •
“Ten
ho q
ue tr
abalh
ar, p
ara
paga
r as
des
pesa
s qu
e te
mos..
. as
casa
s...(.
..) T
em s
ido s
empr
e tra
balho
...
semp
re no
mes
mo sí
tio...
e ela
també
m, gr
aças
a De
us...”
(Joã
o Migu
el, H
15)
• “(.
..) [E
stou
a pla
near
ir e
m Ma
io ao
meu
País
] ao
pass
o qu
e an
tes s
e ca
lhar a
inda
não
estou
mes
mo b
em
prep
arad
o, po
rque
tenh
o a
familia
, ten
ho m
ãe, t
enho
pai,
tenh
o qu
e lev
ar a
lgum
dinhe
iro, e
no
caso
vou
ver
qu
anto
é qu
e ia
arra
njar..
.. pa
ra fa
zer u
ma ca
sa lá
, talv
ez co
mo a
que
os m
iudos
estã
o, e
pron
to pa
ra in
iciar
qu
alque
r tra
balho
, par
a de
ixar q
ualqu
er tr
abalh
o ini
ciado
... po
rque
ali
para
o m
ês d
e Ma
io já
estou
mais
pr
epar
ado..
.” (D
ário,
J19)
• “(.
..) a
gente
comp
rámo
s cas
a (...)
Mas
ficou
ela c
om a
casa
, eu n
ão qu
is na
da...
para
a me
nina..
.”(Má
rio, L
36)
• “(.
..) n
ós e
stive
mos
a mo
rar,
dois
ou tr
ês m
eses
(...)
no
princ
ipio,
quan
do v
iemos
de
[país
estra
ngeir
o], p
ara
cá, P
ortug
al, e
stive
mos e
m ca
sa d
ela [s
ogra
] dois
ou
três m
eses
, ele
enco
ntrou
trab
alho
de e
stafet
a, co
meço
u a
traba
lhar,
e alu
gámo
s um
a ca
sa n
os F
.[loca
l] os
três
soz
inhos
, mas
a re
nda
da c
asa
era
muito
car
a, er
a qu
inhen
tos e
uros
, tod
os o
s me
ses
quinh
entos
eur
os m
ais o
com
er, a
águ
a, tud
o, pr
onto.
.. ma
s ele
, com
o
orde
nado
que e
stava
a ga
nhar
, che
gava
, mas
ficáv
amos
tamb
ém co
m mu
ito po
uco (
...)” (
Nela,
M5a
)
• “..
.o An
tónio
[mon
itor]
disse
-me
que
não
me p
reoc
upe
com
nada
, tod
a a
familia
[dele
] e u
ma se
nhor
a, (..
.) qu
e é d
o se
rviço
socia
l aqu
i (...)
SG
[loca
l], (..
.) e
falar
am co
m o
padr
e (...)
já tê
m ro
upinh
a, já
têm u
m ca
rrinh
o, (..
.) e
o Ós
car [
marid
o] (..
.) es
tava
mesm
o em
baix
o(...)
por
que
estav
a à
espe
ra (.
..) m
as a
inda
não
tem n
ada
de
dinhe
iro, e
sab
er q
ue o
beb
é es
tá qu
ase
para
nas
cer,
que
não
tem ro
upinh
as, n
ão te
nho
nada
(...)
e u
m dia
de
stes q
uand
o me
nos e
sper
ar, a
pare
ce p
ela p
orta,
pois
, nou
tro d
ia tro
uxer
am a
o J[f
ilho]
um sa
co e
norm
e de
br
inque
dos..
.”(Ne
la, M
36)
• ““t
enho
que
arra
njar d
inheir
o, se
não
vou
pass
ar m
al”, e
dep
ois a
rranja
m-se
aqu
elas
artim
anha
s, ro
ubar
não
, iss
o nu
nca
ande
i a ro
ubar
, mas
pro
nto, ia
muit
o à
Cova
da
Mour
a, qu
e é
que
eu fa
zia...
tinha
um
amigo
, (...)
qu
e tem
car
ro, e
ntrar
lá a
pé
é um
boc
ado
comp
licad
o, po
rque
há
assa
ltos,
(...),
e n
ós tí
nham
os lá
um
conh
ecim
ento,
uma
pess
oa qu
e ven
dia, n
ós ía
mos d
e car
ro...
os ou
tros,
(...)
quer
iam a
drog
a, (..
.), tr
azíam
os e
leváv
amos
o d
inheir
o de
todo
s, íam
os lá
de
carro
, com
práv
amos
, e e
les, c
omo
era
algum
a qu
antid
ade,
ofere
ciam
um b
ónus
, (...)
ess
e bó
nus
dava
par
a eu
con
sumi
r, e
para
o o
utro..
. e tr
azíam
os p
ara
as p
esso
as,
pron
to... a
í já tir
ava [
a res
saca
]...” (
Rogé
rio, Q
16)
Auto-
imag
em
3. Di
scur
so so
bre o
pr
óprio
2005
•
“(...)
eu
era
uma
pess
oa m
uito
agita
da, u
ma p
esso
a... s
ei lá.
.. eu
era
uma
pes
soa..
. que
por
vez
es, r
eagia
me
smo m
al às
situa
ções
... e e
u apr
endi
aqui
a ser
uma p
esso
a mais
pond
erad
a (...)
“ (Ja
ime,
B9; 1
0)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
13
Auto-
imag
em
(cont.
) Di
scur
so so
bre o
próp
rio
(cont.
) •
“[Na
outra
com
unida
de](.
..) a
pren
di a
ser u
ma p
esso
a ed
ucad
a, (..
.) ap
rend
i a re
speit
ar o
esp
aço
das
outra
s pe
ssoa
s (...)
apre
ndi a
dar-m
e com
as pe
ssoa
s, (..
.) po
r mais
confu
sões
que t
ivess
e com
a pe
ssoa
(...)
apre
ndi
a nã
o cri
ar am
biente
s adv
erso
s par
a nin
guém
... ne
m co
migo
pró
prio
nem
com
ningu
ém (.
..) ap
rend
i a se
r uma
pe
ssoa
resp
eitad
ora e
resp
eitad
a... (
...) fu
i talve
z apr
ende
r o qu
e era
realm
ente
a con
fianç
a de p
arte
a par
te...”
(Ja
ime,
B24)
• “(.
.. ) e
u nã
o fal
to nin
guém
ao
resp
eito,
não..
. ten
ho a
minh
a po
stura
... até
gos
to de
pou
ca co
nver
sa, s
abe..
.” (D
ário,
C25
)
• “[T
enho
] Trin
ta e
cinco
[ano
s]...
já es
tá na
altu
ra d
e co
meça
r a te
r juíz
o... c
omeç
ar a
... a
ser e
u a
tomar
conta
da
minh
a vida
... nã
o é a
ela a
tomar
conta
de m
im...”
(Mar
ia, E
4)
• “(.
..) m
as q
uestõ
es (.
..) co
mo a
confi
ança
, com
o... a
minh
a pr
ópria
dign
idade
... os
meu
s prin
cípios
, ape
sar d
e nu
nca..
. os
ter
per
dido
totalm
ente.
.. ma
s mu
ita c
oisa,
acab
a po
r ar
rasta
r [co
m o
cons
umo].
.. eu
tinh
a co
nsciê
ncia
disso
tudo
... po
is fui
cair o
utra v
ez no
mes
mo er
ro...”
(Mar
ia, E
13)
2006
•
“Uma
pess
oa na
vida
tem
que t
er pl
anos
, tem
que t
er de
cisõe
s... s
e fica
r só n
a mes
ma ro
tina,
na m
esma
rotin
a me
smo e
sque
cido..
. ach
o que
não é
....”(D
ário,
J20)
• “[o
meu
mar
ido] e
le ag
arro
u-se
à B
iblia,
e a
gora
tamb
ém, t
odas
as
noite
s tem
a s
ua B
iblia
e lê
a Bi
blia
(...)”
(N
ela, M
33)
• “(.
..) e
eu
sou
uma
pess
oa q
ue, m
eu D
eus,
gosto
de
traba
lhar,
gosto
de
anda
r sem
pre
a tra
balha
r par
a aq
ui e
para
lá, m
as se
me d
izem
uma c
oisa,
gosto
que a
cump
ram.
..” (Ó
scar
, N7)
• “(.
..) eu
gera
lmen
te se
mpre
fui u
ma pe
ssoa
que g
ostei
de co
ntar c
om o
dia de
aman
hã...”
(Ósc
ar, N
14)
• “(.
..) n
ão n
os p
odem
os re
fugiar
na
drog
a... q
uand
o no
s pas
sam
estes
pro
blema
s, a
últim
a co
isa q
ue p
odem
os
fazer
é re
fugiar
na
drog
a...re
fugiar
na
drog
a nã
o no
s aju
da a
nad
a... a
juda
naqu
ele m
omen
to, m
as...
logo
no
outro
dia t
e lev
antas
, e te
ns o
mesm
o pro
blema
...” (Ó
scar
, N35
)
• “(.
..) a
quela
pes
soa,
aque
la pe
ssoa
que
a g
ente
tinha
per
dido
há…
mais
atrá
s, va
i com
eçan
do a
vir
ao d
e cim
a, e i
sso s
ente-
se, à
med
ida qu
e vam
os fa
zend
o retr
ospe
ctiva
s, va
i apa
rece
ndo,
muita
vez…
” (An
tónio,
P2)
Au
to-im
agem
4. Ra
zões
de
entra
da n
a co
mun
idad
e
2005
•
“[vim
par
a a
comu
nidad
e] pa
ra m
e se
para
r um
boca
do d
o álc
ool.
Porq
ue c
ause
i muit
os p
roble
mas
à mi
nha
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
14
Auto-
imag
em
(cont.
)
Razõ
es de
entra
da na
co
munid
ade (
cont.
)
família
, o ál
cool
e iss
o... ”
(Car
los, A
2)
• “(.
..) e
u já
estiv
e no
prin
cípio
disso
[um
a pe
ssoa
que
fica
mes
mo
depe
nden
te d
o álc
ool,
(...)
não
faz
nada
, rig
oros
amen
te n
ada,
nem
com
ele,
nem
com
os
outro
s], p
or is
so é
que
eu
pedi
para
... eu
não
ped
i par
a vir
pa
ra e
ste c
entro
, eu
pedi
a um
ami
go m
eu, o
MCM
lá d
e do
HC,
eu
disse
“olha
lá, a
rranja
-me..
. um
sitio
qualq
uer,
para
eu
ir... é
pá,
mas
o ma
is lon
ge a
qui p
ossív
el de
C. [
terra
ond
e viv
e], p
orqu
e aq
ui eu
saio
...”
(Car
los, A
12)
• “[d
epois
da
morte
da
Fátim
a e
da re
caída
]... a
ndei
na c
orda
bam
ba...
a pe
nsar
o q
ue é
que
que
ria fa
zer..
. e
então
... de
cidi v
ir viv
er p
ara
aqui
nova
mente
... en
tre o
utras
dec
isões
que
pod
ia ter
toma
do...
decid
i vir..
.” (Ja
ime,
B7)
• “(.
..) à
s ve
zes
o ra
paz
[amigo
trafi
cante
] che
gava
a c
asa
fecha
va a
por
ta...
tinha
dois
três
dias
fora
... e
eu
dorm
ia às
vez
es n
a ru
a, ou
não
sei
quê,
em c
asa
dos
amigo
s... p
ronto
, tam
bém.
.. co
m álc
ool t
ambé
m...
cheg
uei a
uma s
ituaç
ão qu
e tinh
a de p
edir s
ocor
ro...”
(Dár
io, C
3)
• “(.
..) d
epois
[de
tentar
a m
etado
na, e
não
resu
ltar]
fui te
r com
os m
eus
patrõ
es...
isto
há u
m an
o atr
ás (.
..), e
dis
se a
eles
“Eh
pá, o
lha...
eu já
não
agu
ento
mais.
.. já
ando
num
des
gaste
, já
... já
ando
a fi
car m
aluco
... e
vou
abrir
o jo
go...”
, “en
tão o
que
é q
ue se
pas
sa?”
... “e
h pá
, pas
sa-se
...” (.
..) e
les sa
biam
que
eu tin
ha tid
o um
pr
oblem
a co
m dr
ogas
(...)
ante
s de
ir pa
ra lá
(...)
“pá,
eu h
á do
is an
os p
ara
cá q
ue a
ndo..
. que
and
o ou
tra ve
z a
cons
umir..
.“...
“é, e
u sa
bia, e
stáva
-te fa
rto d
e...”,
aqu
ela c
onve
rsa d
o co
stume
... “p
á, ma
s só
que
isto
está
numa
altur
a, qu
e eu..
. (...)
ou pa
ro ag
ora,
ou en
tão (.
..) do
u cab
o de m
im, p
orqu
e eu (
...) já
não t
ou be
m, (.
..) já
nã
o and
o bem
, a m
inha c
abeç
a já n
ão fu
ncion
a (...)
” (An
tónio,
D25
)
• “(.
..) e
[o cl
iente
conh
ecido
] falo
u-me
.... fa
lou-m
e no
Rod
rigo
[mon
itor]
(...)
“o R
odrig
o ...
é pá
ele
está
à fre
nte
de u
m Ce
ntro,
e nã
o se
i quê
....”,
minto
ele
prim
eiro
diz-m
e as
sim...
“oh
Maria
, tu
(...)
nunc
a pe
nsas
te em
ir
para
um C
entro
?”...
“Pá j
á, po
r aca
so já
... já
estiv
e na
quela
de ir
para
a R
ETO,
ou pa
ra a
REMA
R... e
h pá m
as
é as
sim....
eu
fazer
… e
u faz
er (.
..) u
ma c
ura
a frio
, não
me
ague
nto...
quer
dize
r, eu
ach
o qu
e....
não
me
ague
nto (.
..) m
as ol
ha, e
m últ
imo c
aso e
u esto
u a ve
r que
…”(M
aria,
E20
) 20
06
• “P
orqu
e es
tou d
e fér
ias, e
que
ria-m
e (..
.), p
ura
e sim
plesm
ente
deixa
r de
me d
roga
r, (..
.) po
rque
cada
vez e
u ten
ho m
enos
(...)
cad
a ve
z as
cois
as s
ão m
ais c
aras
, cad
a ve
z há
men
os d
inheir
o, (..
.) ca
da ve
z ten
ho m
ais
dívida
s, (..
.)” (C
ristin
a, F2
8a)
• “P
ortan
to eu
(...)
and
ava
na to
xicod
epen
dênc
ia, e
atra
vés (
...) d
uma
institu
ição
que
está
ali p
ara
C. [lo
cal],
(...)
uma
equip
a de
rua
, (...)
falar
am c
omigo
, e p
ergu
ntara
m-me
se
eu n
ão e
stava
inter
essa
do e
m faz
er a
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
15
Auto-
imag
em
(cont.
) Ra
zões
de en
trada
na
comu
nidad
e (co
nt.)
desin
toxica
ção,
e eu
diss
e qu
e “co
ncer
teza
que
sim, e
ntão,
estou
farto
des
ta vid
a..”.
(...)
um...
mexe
u os
co
rdeli
nhos
par
a eu
dar
entr
ada
aqui
no c
entro
... fiz
as
análi
ses,
o ra
io x,
as c
oisas
toda
s, pr
onto,
a v
er s
e tin
ha al
gum
prob
lema,
e ass
im qu
e hou
ve va
ga, e
ntrei
(...)
em 20
04 (.
..) eu
prati
came
nte es
tou cá
desd
e 200
4, en
trei e
m Ju
nho
de 2
004,
(...)
não
me te
nho
distan
ciado
da
comu
nidad
e (..
.) vo
u só
a ca
sa, e
vou
lá às
veze
s qu
inze d
ias ou
um m
ês, m
as re
gres
so se
mpre
.” (Jo
sé, G
1)
• “E
u ach
o (...)
que o
que l
eva o
toxic
odep
ende
nte a
cura
r-se,
norm
almen
te, é
a par
te ec
onóm
ica...
pens
o que
...
pouc
a ge
nte d
eve
falar
niss
o, ma
s ach
o qu
e re
sume
-se q
uase
semp
re a
isso
... pe
nso
que
seja
isso..
.” (Jo
ão
Migu
el, H
2)
• “(.
..) n
ão g
ostav
a da v
ida q
ue le
vava
(...)
” (Jo
ão M
iguel,
H4b
); [A
Cris
tina
com
quem
vivo
] tem
um fil
ho o
que
é co
mplic
ado,
em ca
sa...
tínha
mos m
esmo
de no
s cur
ar...”
(Joã
o Migu
el, H
6)
• “A
gen
te mo
rava
no
B[loc
al]...
agor
a vim
mor
ar a
qui p
ara
a mi
nha
tia, p
ara
o me
u tio
, têm
-me
ajuda
do, m
as
desta
vez v
im m
esmo
faze
r a cu
ra p
orqu
e já
estav
a qu
ase
no fim
... foi
por
ess
e mo
tivo..
. se
não
me tr
atass
e ag
ora,
já nã
o hav
ia na
da a
fazer
...”(M
ário,
L5)
• “(.
..) n
ós e
stáva
mos
a mo
rar n
a ca
sa d
a mi
nha
sogr
a, en
tão h
avia
chati
ces,
ela n
ão s
e da
va b
em c
omigo
, dis
cutia
mos s
empr
e e el
a tinh
a cium
es, e
ela n
ão m
e que
ria em
casa
, não
gosta
va de
mim
. Entã
o eu f
alei c
om
a as
sisten
te so
cial d
o CA
T, s
e po
dia a
rranja
r-nos
uma
com
unida
de, t
ambé
m an
dáva
mos
com
a me
tadon
a, es
távam
os h
á um
mês
sem
as d
roga
s, en
tão p
edim
os e
apr
oveit
ámos
a o
portu
nidad
e de
vir p
ara
aqui
para
a
comu
nidad
e (..
.)” (N
ela, M
1); “
(...)
quan
do a
conte
ceu
a dis
cuss
ão [c
om a
minh
a so
gra],
mete
ram-
nos
numa
pe
nsão
até
que
na q
uarta
-feira
, o d
ia qu
e tín
hamo
s ma
rcado
par
a qu
e vié
ssem
os p
ara
cá, a
té qu
arta-
feira
tiv
emos
que
esp
erar
par
a ing
ress
ar n
a co
munid
ade,
e es
tivem
os u
ma se
mana
em
duas
pen
sões
dife
rente
s...”
(Nela
, M10
)
• “(.
..) a
gora
a m
ãe [d
o Ós
car]
em ci
ma d
e tud
o [es
tar a
faze
r a su
bstitu
ição
com
a me
tadon
a], e
stava
lá to
dos
os d
ias a
cha
tear-n
os, e
eu
falei
com
ele [o
mar
ido, Ó
scar
], ela
aga
rrou-
me e
tudo
, foi
uma
ques
tão d
e lut
a, me
smo,
cheg
ámos
a lut
ar, m
esmo
, ela
marco
u-me
todo
o co
rpo,
e eu d
ecidi
sair d
a cas
a (...)
” (Ne
la, M
4; M5
)
• “P
ronto
s, a
minh
a fin
alida
de fo
i con
segu
ir lar
gar a
s dr
ogas
. Foi
atrav
és d
e um
a pe
ssoa
ami
ga, q
ue e
ra o
Ro
drigo
[mon
itor],
pro
nto, h
ouve
um
dia q
ue e
u fal
ei co
m ele
e e
le dis
se-m
e pa
ra e
u vir
, mes
mo, v
im, e
cá
estou
...” (R
ogér
io, Q
1)
Auto-
imag
em
5.
Papé
is na
co
mun
idad
e
2005
•
“(...)
então
actua
lmen
te so
u a pe
ssoa
abaix
o do R
odrig
o, (..
.) ele
é o m
onito
r, é r
espo
nsáv
el po
r isto,
e eu
tento
aju
dar n
outra
s situ
açõe
s, em
que
ele
não
pode
esta
r pre
sente
(...)
ger
ir a
casa
, e g
erir
o am
biente
da
casa
...“
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
16
Auto-
imag
em
(cont.
) Pa
péis
na co
munid
ade
(cont.
) (Ja
ime,
B14)
; “...
a ge
rir, n
o se
ntido
de
have
r bom
amb
iente,
não
hav
er c
onflit
os, n
ão h
aver
... ou
seja
, é...
pron
to, m
aus a
mbien
tes, m
ais is
so...
não h
aver
confu
sões
, não
...”(Ja
ime,
B15)
20
06
• “(.
..) e
u ap
rend
i atra
vés
da v
ida, (
...) v
árias
cois
as, e
u aq
ui de
ntro
dese
mpen
ho v
ários
pap
eis, (
...) c
omo
já re
paro
u (...)
agor
a actu
almen
te es
tou a
fazer
a co
zinha
(...)
[mas
] faço
tudo
....pin
to... p
intur
as....
” (Jo
sé, G
25)
• “[o
meu
filho
faz a
nos e
] eu
próp
rio é
que
estu
dei a
saída
... co
mbine
i com
o A
ntónio
, e e
le dis
se “e
h pá
ó Jo
sé
tu va
is qu
ando
te a
petec
er, e
ntão,
tens d
ireito
aos
fins d
e se
mana
todo
s...”,
e e
u dis
se “e
h pá
, olha
, é a
ssim
, pa
ra tu
ficar
es m
ais d
esca
nsad
o, é
assim
, o o
utro
não
está
cá, o
Fra
ncisc
o, nã
o ten
s aí n
ingué
m qu
e te f
aça
a co
zinha
, e é
ass
im, i
sto ta
mbém
mex
e um
boc
ado
comi
go, (
...) a
coz
inha
está
segu
ra, e
nqua
nto e
u cá
es
tiver
... qu
ando
eu
for a
cas
a ou
num
fim
de s
eman
a ou
qua
lquer
cois
a, ne
ssa
altur
a, eh
pá,
olha..
. de
senr
asqu
em-se
...” (J
osé,
G44)
• “(.
..) é
que
nós
aqu
i tem
os t
ratad
o da
cas
a...
muita
cois
a, mu
ita c
oisa,
havia
muit
a co
isa q
ue e
stava
es
traga
da...”
(Nela
, M20
)
• “(.
..) P
ara m
im é
mais
fácil
lidar
com
muita
gen
te, do
que c
om po
uca g
ente.
Ach
o… po
rque
é as
sim, s
e tive
r cá
pouc
a ge
nte, e
u dif
icilm
ente
cons
igo d
ividir
a m
inha
resp
onsa
bilida
de p
elos o
utros
, por
que
há p
ouco
s, nã
o dá
, as
sim q
uanto
mais
gen
te tiv
er,
divido
as
minh
as r
espo
nsab
ilidad
es t
ambé
m…”(A
ntónio
, P1
1);
“(...)
, a
manu
tençã
o da
casa
, a p
arte
ali d
a ho
rta, o
s anim
ais, e
m ve
z de
ter u
ma p
esso
a… re
pare
, aten
ção,
tem q
ue
se fa
zer,
tem qu
e se a
ndar
semp
re a
dizer
, “va
is faz
er…
”, as
sim to
rna-
se m
ais fá
cil, “
olha t
u…”(A
ntónio
, P12
)
• “N
os p
rimeir
os d
ias, a
s pes
soas
que
cá e
stão,
estão
sem
obrig
açõe
s, pa
ra já
estã
o em
per
íodo
de a
dapta
ção,
e du
rante
ess
e pe
ríodo
é q
ue u
ma p
esso
a mo
stra-
se, s
em q
uere
r vai-
se m
ostra
ndo…
entã
o de
pois,
a p
artir
daí a
gente
expe
rimen
ta (ri
sos)
…”(A
ntónio
, P13
) Au
to-im
agem
6. Sa
ída d
a co
mun
idad
e
2005
•
“(...)
se
me d
er n
a ca
beça
, daq
ui a
boca
do p
ego
na m
ala, p
asse
m be
m e
vou-
me e
mbor
a... s
ó qu
e eu
sei
que..
. não
me
sinto,
par
a já
não
me si
nto p
repa
rado
, por
que
não..
. não
... nã
o vo
u be
nefic
iar e
m na
da e
m sa
ir já,
e de
pois
se sa
ísse d
aqui,
bom.
..[ia]
arra
njar d
inheir
o par
a ir p
ara o
alco
ol...”
(Car
los, A
9)
• “(.
..) an
dava
aqui
(...)
ia pa
ra o
meu t
raba
lho, s
aía, v
inha c
á... p
ronto
, de v
ez em
quan
do to
mava
uns c
opinh
os,
às ve
zes c
om u
m ch
eirinh
o, nã
o se
i quê
... e
depo
is se
ntiam
... aq
uele
cheir
inho,
e nã
o se
i quê
... de
pois.
.. e..
. co
meça
ram
a tel
efona
r [ao
dire
ctor d
a co
munid
ade],
e n
ão se
i quê
, que
eu
anda
va...
anda
va a
ssim
... bo
m,(..
.) fiz
eram
isso
[uma
s] trê
s ou
qua
tro v
ezes
... até
que
... pr
onto,
che
gara
m a
uma
conc
lusão
... qu
e eu
sen
ti-me
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
17
Auto-
imag
em
(cont.
) Sa
ída da
comu
nidad
e (co
nt.)
mesm
o per
segu
ido, n
ão se
i quê
... qu
e tinh
a que
sair(
...) eu
não m
e sint
o bem
aqui.
.. saí.
(Dár
io, C
18)
2006
•
“(...)
agor
a ima
gine,
eu sa
ir da
qui, n
o dia
trinta,
cheg
o no d
ia trin
ta, vo
u tra
balha
r no d
ia trin
ta e u
m, de
ste m
ês,
dia tr
inta
quan
do fo
r ao
banc
o já
lá ten
ho o
meu
ord
enad
o, nã
o é?
E...
o qu
e é
que
me v
ai ap
etece
r faz
er?
...(Cr
istina
, F32
)
• “N
ão d
á po
rque
olhe
, que
m é
que
vai t
raba
lhar p
or m
im?
Ning
uém.
Que
m é
que
me v
ai pa
gar a
cas
a, nin
guém
. Por
tanto,
vou
ter m
esmo
que
ir tr
abalh
ar, P
orqu
e se
não
não
vou
ter d
inheir
o pa
ra p
agar
as m
inhas
co
isas,
(...)
“ah
se ca
lhar m
ais va
lia n
ão tr
abalh
ar, d
o que
ir lá
dar
na
drog
a…”,
eh p
á mas
o q
ue é
certo
é qu
e eu
conti
nuo a
dar n
a dro
ga e
conti
nuo a
ter a
s minh
as co
isas,
não é
...”(C
ristin
a, F4
8)
• “(.
..) n
o no
sso
caso
é co
mplic
ado
porq
ue n
ós tr
abalh
amos
... no
rmalm
ente
não
temos
baix
a... n
ós e
stamo
s de
férias
, ago
ra, a
prov
eitám
os pa
ra vi
r... o
[dire
ctor d
a com
unida
de] a
té no
s deu
baixa
, a m
im, m
as eu
não q
uis a
baixa
... ma
s é
comp
licad
o (..
.) Vo
u fic
ar a
té...
até d
ia trin
ta, d
ia um
tenh
o qu
e ir
traba
lhar..
. a b
aixa
é só
du
rante
os m
eses
, doz
e dia
s... q
ue e
ra p
ara
depo
is po
der t
er a
s fér
ias o
utra
vez (
...) P
refer
i não
por
a b
aixa..
. nã
o, nin
guém
tem
que s
aber
que e
u esto
u doe
nte...”
(Joã
o Migu
el, H
10)
• “(.
.. ) t
enho
que
ir à
minh
a mé
dica
de fa
mília
, por
cau
sa d
a ba
ixa (.
..), a
baix
a é
mais
para
o fu
ndo
de
dese
mpre
go, p
ara n
ão fa
zer u
ma po
ssíve
l con
voca
ção..
.” (Jo
sé, G
45)
• “(.
..) j
á es
tive
para
ir-m
e em
bora
, ma
s o
Antón
io [m
onito
r] dis
se-m
e log
o “va
is pa
ra a
rua
, va
is-te
desg
raça
r...”(
Mário
, L28
)
• “(.
..) e
u qu
ando
sai d
aqui
da o
utra
vez e
les d
isser
a-me
logo
“olha
Rog
ério,
tu va
is-te
embo
ra, m
as o
s dias
que
es
tives
te cá
não
são
sufic
ientes
...tu,
os a
nos q
ue a
ndas
te nis
so, e
stive
ste cá
este
temp
o só
, tu
mais
cedo
ou
mais
tarde
vais
lá ca
ir... ”
, e fo
i ver
dade
...” (R
ogér
io, Q
19);
“Ach
ei qu
e não
... es
tava c
onve
ncido
que c
hega
va lá
for
a, e
que..
. não
, aliá
s, qu
ando
sai d
aqui
pens
ei “n
ão, n
ão vo
u toc
ar e
m na
da....
vou..
.”, e
stava
-me
a en
gana
r a m
im pr
óprio
...” (R
ogér
io, Q
20)
Carre
ira m
oral
1. In
evita
bilid
ade d
o co
nsum
o
2005
•
“(...)
por
que
há
uma
coisa
que
eu..
. que
é is
so q
ue m
e faz
con
fusão
... é
as p
esso
as s
erem
men
tirosa
s co
m ela
s... e
u nã
o so
u me
ntiro
so c
omigo
, eu
sei, e
u se
i, eu
digo
isto
na fr
ente
deles
e ch
oco-
os, e
u dig
o-lhe
s [às
ou
tras
pess
oas
na c
omun
idade
]: eu
, qua
ndo
sair
daqu
i, eu
vou
beb
er, p
orqu
e eu
sei
que
vou
bebe
r (...)
” (C
arlos
, A10
)
• “(.
..) e
eu
estav
a co
nscie
nte (.
..) d
o er
ro q
ue e
stava
a fa
zer..
. eu
sabia
de
tudo,
eu...
sabia
que
ia c
omeç
ar a
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
18
Carre
ira m
oral
(cont.
) Ine
vitab
ilidad
e do c
onsu
mo
(cont.
) so
frer o
utra
vez,
que
ia po
r em
risco
aqu
ilo tu
do q
ue e
u tin
ha c
onqu
istad
o... e
que
me
custo
u... e
que
me
custo
u (...)
não m
e esto
u a re
ferir s
ó a be
ns m
ateria
is (..
.)” (M
aria,
E12
) 20
06
• “(.
..) a
cois
a an
da n
a po
pulaç
ão e
m ge
ral...
“oh,
pá, i
sso
é mu
ita d
ificil”.
.. “is
so n
unca
mais
eles
sae
m de
ssa
vida”
, “en
tão e
o n
ão-se
i-qua
ntos..
. ele
este
ve n
ão-se
i-ond
e, es
teve
não-
sei-o
nde..
.”...
o pr
oblem
a é
que
as
pess
oas..
. há
uma
altur
a qu
e re
sulta
, e re
sulta
com
todos
, por
que
há a
altu
ra e
m qu
e a
próp
ria p
esso
a diz
“eh
pá, e
sta vi
da...
esta
vida c
hega
”...”
(Antó
nio, P
19)
• “(.
..) d
epois
não
sabia
o q
ue e
ra e
star a
garra
do a
quilo
, eu
via o
s outr
os e
lemb
ra-m
e de
come
ntar e
stes g
ajos
são
parvo
s, sa
bem
o qu
e ist
o faz
, pro
ntos,
via a
quela
hist
ória
do e
stado
a q
ue a
s pes
soas
cheg
avam
, a p
arte
física
, e
tudo,
e de
rep
ente
dizia
semp
re,
“não
eu
comi
go is
to nã
o va
i aco
ntece
r”, q
ue e
u nã
o vo
u...
expe
rimen
tei, m
as se
mpre
naq
uela,
não
isto,
eu
expe
rimen
to ho
je ma
s lar
go, e
aca
bou,
quan
do d
ei po
r ela,
já
estav
a, (..
.)” (R
ogér
io, Q
6a)
Carre
ira m
oral
2. To
xicod
epen
den-
tes e
alco
ólico
s
2005
•
“(...)
eu
quan
do m
e re
fugio
no á
lcool,
(...)
nor
malm
ente
é pa
ra e
sque
cer
qualq
uer
coisa
... qu
ando
and
o ch
atead
o, nã
o vo
u ter
com
ami
gos
nem
com
ningu
ém, é
logo
par
a o
alcoo
l, e
é log
o pa
ra o
whis
ky, q
ue é
a
bebid
a que
eu go
sto m
ais (.
..).”
(Car
los, A
4)
• “(.
..) u
m álc
oolic
o é
um in
dividu
o....
eu já
fui,
já pu
de u
ltrapa
[ssar
]... ch
egue
i mes
mo a
o lim
ite, u
m álc
oolic
o é
uma
pess
oa q
ue fi
ca m
esmo
dep
ende
nte d
o álc
ool,
não..
. não
faz
nada
, rigo
rosa
mente
nad
a, ne
m co
m ele
, ne
m co
m os
outro
s, na
da...
só...
só be
be ál
cool,
não é
... nã
o vê m
ais na
da...”
(Car
los, A
11)
• “(.
..)…
um
drog
ado
torna
-se u
m me
ntiro
so n
ato!…
isto…
a g
ente
conv
ence
-se d
as p
rópr
ias m
entira
s (..
.) [qu
ando
nos
con
venc
emos
das
pró
prias
men
tiras]
pass
amos
a s
er a
quilo
que
som
os re
almen
te… é
uma
mu
danç
a mu
ito m
uito…
inclu
sivam
ente,
é a
ssim
… e
u es
tou fa
rta d
e diz
er is
to aq
ui, e
… to
das a
s pes
soas
que
an
dara
m a
cons
umir
dizem
o m
esmo
, … n
ós q
uand
o es
tamos
dep
ende
ntes…
nós
temo
s um
a im
agina
ção
para
arra
njar d
inheir
o, qu
e é
(...)
uma
coisa
impr
essio
nante
… n
ós n
ão te
mos
verg
onha
de
nada
, a g
ente
inven
ta… e
u nã
o se
i ond
e é
que
vamo
s ar
ranja
r (...)
tanta
cois
a, tan
to pr
etexto
, tan
ta im
agina
ção…
” (Ma
ria,
E22)
• “a
gente
às ve
zes d
eturp
a um
boca
do a.
.. qua
ndo a
nda n
a vida
... de
turpa
a... a
confi
ança
é... é
... qu
em no
s dá
é que
confi
o, nã
o é...”
(Jaim
e, B2
5)
• “(.
..) fo
ra d
a dr
oga…
nós
não
cons
eguim
os fa
zer n
ada…
mas
rigo
rosa
mente
nad
a…nã
o… (.
..) a
quele
s meio
s,
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
19
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Toxic
odep
ende
ntes
e
alcoó
licos
(con
t.)
aque
les tr
uque
s, (..
.) nó
s não
faze
mos…
a n
ão se
r qua
ndo
as p
esso
as já
são
assim
por
natu
reza
, pro
nto (.
..)
quan
do so
mos o
briga
dos a
toma
r ess
as a
titude
s (...)
por
que
estam
os m
al, p
orqu
e tem
os u
ma d
epen
dênc
ia…
e pre
cisam
os d
aquil
o… nó
s arra
njamo
s sem
pre f
orma
de o
cons
eguir
… eu
por e
xemp
lo, eu
a co
nsum
ir eu s
ou
desc
arad
a… m
as so
u me
smo
desc
arad
a, nã
o ten
ho v
ergo
nha
nenh
uma,
e na
volta
qua
ndo
não
cons
umo
eu
até c
oro…
(...)
vi-m
e em
situ
açõe
s (..
.) qu
e eu
hoje
digo
ass
im, “
eh p
á, se
eu
… s
e eu
tive
sse
de fa
zer i
sso
agor
a (...)
eu ac
ho qu
e não
cons
eguia
…”(M
aria,
E23
) 20
06
• “(.
..) a
cho
que
um to
xicod
epen
dente
regr
essa
mes
mo...
reca
i mes
mo p
orqu
e go
sta d
a dr
oga..
. ach
o eu
... se
nã
o go
stass
e nã
o vo
ltava
nov
amen
te, n
ão é
? Nã
o tin
ha ló
gica,
uma
pess
oa, (
...) e
star a
faze
r uma
coisa
que
nã
o go
sta, s
ó pa
ra d
izer o
quê
? Qu
e se
dro
ga?
(...)
Uma
pess
oa (.
..) te
m qu
e ter
uma
sen
saçã
o qu
alque
r! Se
não
as p
esso
as n
ão s
ão e
stúpid
as d
e da
rem.
.. mi
lhare
s de
con
tos, p
ara
(...)
não
senti
rem
nada
, não
é?!
Para
não
se se
ntire
m be
m! P
ortan
to aq
uilo
tem q
ue te
r uma
contr
apar
tida,
tem q
ue te
r um
balan
ço...
aquil
o é
tão ca
ro, m
as se
se fu
mar,
se e
xper
imen
tar, a
quilo
dá
uma
sens
ação
de
bem
estar
, por
tanto
aquil
o é
bom
(...)
só q
ue é
bom
num
a ce
rta fo
rma,
é bo
m ma
s tam
bém
é ma
u, po
rque
pro
voca
maz
elas e
coisa
s a lo
ngo
praz
o, ma
s ach
o qu
e tod
os o
s tox
icode
pend
entes
se d
roga
m po
rque
que
rem,
e vo
ltam-
se a
dro
gar p
orqu
e qu
erem
, e
porq
ue v
ão e
star b
em, n
ão é
cá
com
desc
ulpas
de
“ah,
acon
teceu
-me
isto,
acon
teceu
-me
aquil
o”, n
ão, é
po
rque
já e
stá, m
etido
... es
tá já
mesm
o de
ntro,
não
sei,
acho
que
é d
ificil u
m tox
icode
pend
ente
recu
pera
r...
não é
impo
ssíve
l, mas
é dif
icil (.
..)” (
Crist
ina, F
16)
• “(.
..) e
x-tóx
icos
não
exist
em, p
ara
mim
não
me ve
nham
com
essa
“ah,
eu so
u ex
-tóxi”
... aq
uilo,
a pe
ssoa
fica
ma
rcada
para
toda
a vid
a (...)
” (Jo
sé, G
8; 9)
• “co
m es
sa g
ente.
..pou
co s
e po
de tr
abalh
ar (.
..) n
ós já
fomo
s tox
icode
pend
etes
e go
stamo
s da
s co
isas
do
mund
o... c
omo s
e dizi
a, e é
norm
al, va
i-se a
o cine
ma e
gosta
-se de
fuma
r um
cigar
ro...
e dep
ois o
resp
onsá
vel
dizia
que
não..
. dep
ois co
meça
va a
hav
er ta
baco
den
tro d
e ca
sa, c
omeç
ava
a ha
ver b
ebida
s, e
não
sei q
uê, e
eu
diss
e “nã
o”...”
(Ósc
ar, N
11)
Carre
ira m
oral
3. Tr
abalh
ar e
cons
umir
drog
as/
álcoo
l (lá
fora
)
2005
•
“(...)
estiv
e lá u
m an
o [a t
raba
lhar n
o res
taura
nte]...
nove
mes
es no
activ
o, e t
rês m
eses
de ba
ixa...”
(Jaim
e, B2
)
• “(.
..) tr
abalh
ava..
. não
todo
s os d
ias, a
ssim
segu
idos,
mas..
. há
dias q
ue e
u vou
, há d
ias qu
e não
vou..
. por
que
eu n
ão g
osto
de b
eber
na
obra
... be
ber..
. beb
o for
a de
obr
a... a
obr
a co
mo v
ocê
sabe
é a
ndaim
e, e
não
sei
quê..
.” (D
ário,
C4)
• “(.
..) fi
co e
mpre
gado
num
a fáb
rica,
de u
m gr
upo,
ali d
a zo
na, t
inha
uma
vida
boa,
uma
vida
estab
ilizad
a,
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
20
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Trab
alhar
e co
nsum
ir dr
ogas
/ álco
ol (lá
fora
) (co
nt.)
estav
a a
traba
lhar l
á no
s esc
ritório
s, e
tal (.
..) e
ntreta
nto, q
ue é
que
eu
faço..
. tinh
a ho
ra e
meia
de
almoç
o...
traba
lhava
em
A. [l
ocal]
meti
a-me
na..
. na
ponte
(...)
, vinh
a ao
Cas
al Ve
ntoso
... fiz
este
traje
cto d
uran
te um
an
o e
tal, u
m an
o e
meio.
.. a
esco
nder
de
tudo
e de
todo
s... (
...) e
u co
nsum
ia...
eu c
onsu
mia
em c
ima
da
ponte
... o
carro
a ce
nto e
sess
enta
à ho
ra...
as p
erna
s no
volan
te, e
vinh
a... a
cons
umir
pelo
cami
nho
(...)
não
almoç
ava..
.. os
patr
ões
pens
avam
que
eu
estav
a a
almoç
ar (.
..) a
té qu
e ch
ega
a um
a alt
ura
em q
ue o
car
ro
come
ça a
fica
r des
gasta
do, j
á nã
o se
con
segu
e faz
er n
uma
hora
e m
eia, j
á co
meça
-se a
che
gar a
trasa
do,
tem-se
a re
spon
sabil
idade
de
abrir
o e
scritó
rio, n
ão tá
lá a
hor
as...
cheg
a lá
está
os co
legas
todo
s à e
sper
a...
e com
eça a
dar b
arra
ca.”
(Antó
nio, D
20)
• “(.
..) d
epois
[de
come
çar a
con
sumi
r], fa
lei c
om o
meu
patr
ão (.
..) “Ó
Á.,
isto
assim
não
pod
e se
r, po
rque
eu
estou
a tr
abalh
ar u
ma m
édia
de ca
torze
hor
as p
or d
ia (..
.) pa
ra e
star a
gan
har d
uzen
tos co
ntos”
(...)
eu tin
ha
altur
as q
ue n
ós fe
chav
amos
a g
elatar
ia...
duas
três
da
manh
ã (..
.) Tí
nham
os u
ma h
ora
para
o a
lmoç
o, e
uma
hora
par
a o
jantar
(...)
O pe
quen
o alm
oço,
era
tomad
o na
gela
taria,
e tí
nham
os q
ue fa
lar c
om u
ma c
olega
, pa
ra...
para
ficar
no
balcã
o (..
.) no
nos
so lu
gar (
...) E
era
(...)
come
r muit
o rá
pido,
muito
dep
ress
a pa
ra d
epois
irm
os o
utra
vez..
. só
no b
alcão
está
vamo
s qu
atro
pess
oas
(...)
pron
to, a
quilo
com
eçou
a s
er...
a se
r muit
o sa
turan
te pa
ra m
im...
quer
dize
r... o
per
curso
da
gelat
aria
até a
o qu
arto
(...)
que
aquil
o er
a um
a pe
nsão
... on
de e
stava
m lá
vária
s pe
ssoa
s alo
jadas
(...)
num
a sit
uaçã
o no
rmal
era
dez
minu
tos...
e eu
‘tive
altu
ras
que
demo
rei m
eia h
ora
para
che
gar a
cas
a...po
rque
eu
já nã
o me
agu
entav
a da
s pe
rnas
, (...)
dav
a do
is ou
três
pa
ssos
ass
entav
a-me
num
lanc
il... já
não
agu
entav
a me
smo
(...)
pron
to, e
ntão
falei
com
ele e
diss
e “E
h pá
, ó
Á., i
sto n
ão p
ode
ser..
. por
que
é as
sim...
eu e
stou
a tra
balha
r da
mane
ira c
omo
estou
a tr
abalh
ar...
pá, e
os
duze
ntos c
ontos
não
cheg
am...
mil e
uros
não
cheg
am, d
e ma
neira
nen
huma
, entã
o... p
ara
isso
vou
para
(...)
Po
rtuga
l (...)
eu
sei q
ue....
nun
ca...
que
cheg
ava
a tra
balha
r as c
atorze
hor
as cá
(...)
par
a ga
nhar
[o m
esmo
]...
de m
aneir
a ne
nhum
a (..
.) Pr
onto,
aqu
ilo h
ouve
ali u
m...
confl
ito, e
ntre
mim
e ele
... ele
não
quis
ced
er...
e eu
tam
bém
não
quis
cede
r... e
entã
o pe
guei
nas
minh
as c
oisas
e v
im-m
e em
bora
(...)
Só
que
(...)
já tra
zia o
bic
ho...
eu já
tinha
o bic
ho, c
omo e
u cos
tumo d
izer,
não é
... eu
já...
já co
nsum
ia (..
.)” (M
aria,
E9)
• “(.
..) s
aíamo
s da
gela
taria,
nós
(...)
tính
amos
(...)
fard
a, qu
er d
izer,
(...)
as c
alças
era
m no
ssas
(...)
ago
ra a
ca
misa
, e o
cole
te (..
.) er
a da
cas
a (..
.) às
vez
es a
gen
te ia
a ca
sa, a
os fi
ns d
e se
mana
por
exe
mplo,
(...)
tom
ávam
os um
banh
o, e (
...) tr
ocáv
amos
de ro
upa..
. dur
ante
a sem
ana,
íamos
mes
mo co
m a f
arda
... às
veze
s tirá
vamo
s o
colet
e (..
.) ha
via s
empr
e (..
.) aq
uela
rodin
ha d
e am
igos
mais
cheg
ados
(…) a
quilo
era
m trê
s ge
latar
ias...
e es
tavam
lá ita
liano
s, qu
e ali
ás o
meu
patr
ão e
ra ita
liano
... ha
viam
lá ita
liano
s e p
ortug
uese
s (...)
for
mou-
se (.
..) d
ois g
rupin
hos..
. e e
ntão
havia
(...)
os d
as o
utras
gelt
arias
que
iam
para
a m
inha(
...) n
o fin
al do
tra
balho
, iam
-me
busc
ar, o
u en
tão (.
..) e
les s
e se
atra
sass
em, í
amos
nós
, bus
car o
s ou
tros,
e en
tão (.
..) e
ra
semp
re u
ma m
édia
de ci
nco,
seis.
.. ao
fim d
e se
mana
, entã
o é
que
ía, p
ratic
amen
te (..
.) ía
toda
a ge
nte...
às
veze
s, ou
entã
o ía
metad
e... e
dep
ois ía
a o
utra
metad
e (..
.) o
turco
esta
va lá
, na
gelat
aria
també
m...
(…)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
21
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Trab
alhar
e co
nsum
ir dr
ogas
/ álco
ol (lá
fora
) (co
nt.)
porq
ue eu
estav
a num
a ilha
(…) e
u não
estav
a em
terra
firme
...” (M
aria,
E31
) 20
06
• “C
onsu
mo a
ntes
de ir
trab
alhar
, e a
ntes
do J
oão
Migu
el ir
traba
lhar,
é qu
ando
nós
con
sumi
mos,
ou q
uand
o po
demo
s no
s en
contr
ar, (
...), p
orqu
e de
resto
ou
é de
man
hã, o
u à
hora
do
almoç
o, ou
ao
fim d
a tar
de, e
à
noite
, qua
ndo e
le ch
ega (
...). [C
hego
a co
nsum
ir] Qu
atro v
ezes
por d
ia (..
.)“ (C
ristin
a, F1
2)
• “(.
..) e
u sa
io do
trab
alho
ao m
eio d
ia e
meia,
entr
o às
dua
s da
tarde
... do
meio
dia
e me
ia às
dua
s da
tarde
eu
vou à
cova
da m
oura
, com
pro,
cons
umo,
ainda
vou c
omer
uma s
opa a
o café
...” (C
ristin
a, F3
1a)
• “(.
..) o
ano p
assa
do, r
etire
i-me a
qui u
ns te
mpos
da co
munid
ade,
(...)
a tra
balha
r (...)
como
moto
rista
de ta
xi (..
.) es
tive
prai
uns
oito
ou n
ove
mese
s, for
a da
comu
nidad
e, (..
.) ia
reve
r a m
inha
vida,
pron
to, te
ntar e
stabil
izar-
me, m
as, e
h pá
... nã
o, nã
o co
njuga
va b
em a
s co
isas,
eu e
star a
trab
alhar
lá (.
..) e
vir
quas
e qu
e dia
sim
dia
não,
aqui,
par
a o
B. [l
ocal]
, (...)
os
tratam
entos
era
a q
uase
dia
sim d
ia nã
o, (..
.) qu
e er
a pa
ra fa
zer a
quim
io inj
ectáv
el, (.
..)” (
José
, G6a
); “(.
..) re
solvi
regr
essa
r aqu
i, e n
ão te
r ten
taçõe
s, nã
o é,
que
lá for
a o
mund
o (..
.) é
assim
um bo
cado
comp
licad
o, pa
ra um
a pes
soa q
ue é
[toxic
odep
ende
nte]”
(José
, G7)
• ”(.
..) e
u a
maior
par
te da
s ve
zes
ia pa
ra o
s me
rcado
s, e
pron
to, a
ndav
a tip
o ao
s re
cado
s, as
pes
soas
me
pedia
m pa
ra a
carre
tar [s
acos
] (...)
eu
ia pa
ra o
mer
cado
do
camp
o gr
ande
, e a
i era
ond
e eu
a m
aior p
arte
das
veze
s arra
njava
o din
heiro
para
[com
prar
drog
a] (..
.)” (J
osé,
G14b
)
• “E
u es
tou a
trab
alhar
, a C
ristin
a tam
bém
també
m, e
la é
conta
bilist
a... e
u tra
balho
num
resta
uran
te, (.
..) O
tra
balho
conc
ilia be
m, at
é... s
e não
falta
r a dr
oga,
conc
ilia be
m...”
(Joã
o Migu
el, H
7)
• “(.
..) co
nsum
o an
tes d
o tra
balha
r (...)
por
volta
das
... se
is e
meia,
qua
ndo
vou
busc
á-la
ao tr
abalh
o, de
pois
só
cons
umo
quan
do s
aio d
o tra
balho
... du
as e
meia
, trê
s da
man
hã...
ague
nta-se
bem
(...)
Eu
tenho
trab
alho
à no
ite...
ela p
or e
xemp
lo já
traba
lha d
e dia
... é
um b
ocad
o... é
mais
difíc
il, ma
s pro
nto, d
á pa
ra e
star c
om e
la,
(...),
eu
vou
busc
á-la
ao a
lmoç
o, tom
amos
o a
lmoç
o jun
tos, d
epois
vou
bus
cá-lá
qua
ndo
ela s
ai do
trab
alho,
ponh
o-a e
m ca
sa e
vou t
raba
lhar (
...) es
se es
paço
que e
stou c
om el
a con
sumi
mos (
...)” (
João
Migu
el, H
7a)
• “E
ntrav
a às
sete
da
manh
ã... d
epois
oito
hor
as, a
o tra
balho
, vinh
a alm
oçar
, dep
ois v
inha
às c
inco,
estav
a ali
um
boca
do co
m ele
s, de
pois
ia bu
scar
a dr
oga (
...)” (
Mário
, L20
)
• “..
. o m
eu p
atrão
, entã
o, já
ando
com
ele h
á qu
atro
anos
, qua
tro ci
nco
anos
(...)
qua
ndo
eu sa
ir da
qui...
sair..
. qu
er d
izer,
quan
do m
e de
rem
orde
m pa
ra co
meça
r a tr
abalh
ar...
ele d
á-me
trab
alho
outra
vez..
. mas
vai s
er a
últ
ima
hipóte
se q
ue e
le va
i dar
... tem
agu
entad
o mu
ito (.
..) E
stá fa
rto d
e me
dize
r isto
... o
que
ele n
ão fa
z à
filha,
é o qu
e ele
me fa
z a m
im...
tem-m
e ajud
ado m
uito..
.”(Má
rio, L
25)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
22
Carre
ira m
oral
(cont.
) Tr
abalh
ar e
cons
umir
drog
as/ á
lcool
(lá fo
ra)
(cont.
)
• “(.
..) e
u tra
balhe
i, tra
balhe
i em
para
bólic
as...m
ontag
em d
e an
tenas
, tra
balha
va, e
o q
ue g
anha
va e
ra p
ara
cons
umo,
cons
eguia
tapa
r aqu
ilo, lá
na em
pres
a... lá
ia de
sfarça
ndo (
...)” (
Rogé
rio, Q
9)
• “(.
..) o
trab
alho,
depo
is, a
cabo
u... o
trab
alho
depo
is ch
egou
a u
ma a
ltura
que
deu
bro
nca,
eles a
caba
ram
por
se a
perce
ber,
e eu
tamb
ém n
ão q
uis e
star a
ped
ir, diz
er a
ver
dade
, e v
im-m
e em
bora
, vim
-me
embo
ra...”
(R
ogér
io, Q
14)
Carre
ira m
oral
4. Ex
periê
ncias
no
utra
s in
stitu
ições
(em
am
bulat
ório
)
2005
•
“(...)
entr
etanto
ouç
o fal
ar n
o CA
T (..
.), n
a me
tadon
a (..
.) vo
u ao
CAT
(...)
no
Barre
iro...
peço
ajud
a a
eles..
. ele
s sim
sen
hor,
(...)
metem
-me
na m
etado
na...
(...)
[o CA
T] e
stava
num
sítio
esq
uisito
, por
que
(...)
[é trê
s ba
irros
de
drog
a, ali
à v
olta
do C
AT...
para
ir a
o CA
T tem
que
pas
sar p
or u
m de
les, [
de o
utra
mane
ira] n
ão
cheg
a lá.
..só
se...
só se
vier
por
Lisb
oa, d
e ba
rco (.
..) é
que
não
pas
sa...
pelos
bair
ros d
a dr
oga,
para
cheg
ar
ao C
AT...”
(Antó
nio, D
23)
• “(.
..) na
s Taip
as nã
o hav
ia me
io de
me r
esolv
er o
assu
nto (.
..) E
u (...)
ande
i nas
Taip
as, n
a CAT
de S
intra
… de
Mi
ra S
intra
… d
uran
te trê
s an
os e
tal…
três
ano
s e
quas
e qu
atro
anos
(...)
[No
CAT
não
me fa
ziam]
nad
a…
nada
, rigo
rosa
mente
nada
… e
u che
guei
ao p
onto
de an
dar a
cons
umir e
eles
nun
ca…
nunc
a me f
azer
em u
ma
análi
se!...
eu
disse
isso
à m
inha
psicó
loga…
“eu
não
sei p
ara
que
é qu
e eu
and
o aq
ui…”,
“ah,
mas
porq
uê,
Maria
? nã
o te
estás
a se
ntir (
...) b
em?”
, “ah
, esto
u-me
a se
ntir m
uito
bem,
mas
é a
ssim
, eu
acho
que
o vo
sso
sistem
a… (.
..) pa
ra m
im nã
o peg
a, po
rque
é as
sim…
eu at
é pos
so es
tar a
qui c
om um
a gra
nda
pedr
a… a
bater
co
m a
testa
no jo
elho…
e vo
cês c
ontin
uam
(...)
com
essa
tera
pia…
par
a mi
m, n
ão m
e diz
nad
a (..
.) eu
esto
u aq
ui há
… h
á trê
s ano
s, nu
nca m
e fiz
eram
uma
aná
lise…
como
é q
ue vo
cês s
abem
se e
u an
do a
cons
umir
ou
não?
Acre
ditam
-se na
quilo
que e
u digo
?!”...”
(Mar
ia, E
21)
2006
•
“(...)
mes
mo s
em e
la sa
ber,
a ge
nte fo
i ao
CAT,
e p
user
am-n
os tu
do a
meta
dona
, e a
minh
a mã
e nu
nca
desc
onfio
u de
nad
a... j
á tín
hamo
s pa
rado
, and
ámos
com
a m
etado
na m
as n
ingué
m sa
bia d
e na
da...”
(Ósc
ar,
N25)
• “(.
..)...
já nã
o es
tava
a co
nsum
ir, já
tinha
par
ado,
com
a me
tadon
a, (..
.) fal
ei co
m a
dra.,
por
que
as c
oisas
de
vez e
m qu
ando
não
and
avam
ass
im m
uito
bem
[entre
a N
ela e
a m
ãe d
o Ós
car],
de
vir p
ara
um c
entro
, mas
es
távam
os a
trata
r, ev
idente
mente
... (..
.) en
tão q
uand
o se
pas
sou
isso
[saída
de
casa
da
mãe],
teve
que
ser
as
sim m
ais rá
pido..
. fui
lá fal
ar c
om e
la, e
diss
e “p
asso
u-se
isto,
(...)
e e
u nã
o a
vou
deixa
r dor
mir n
a ru
a, po
rque
fui e
u qu
e a
troux
e pa
ra a
qui...
por
que
eu q
uero
ficar
com
ela, e
não
a vo
u de
ixar n
a ru
a...”,
“não
, não
, Ós
car,
a ge
nte va
i já tr
atar d
o se
u ca
so”..
. man
dara
m-no
s par
a um
a pe
nsão
dois
dias
, en
tão a
gen
te foi
lá a
o
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
23
Carre
ira m
oral
(cont.
) Ex
periê
ncias
noutr
as
institu
ições
(em
ambu
latór
io) (c
ont.)
CAT
falar
com
elas
, ela
s pa
gara
m ma
is um
a se
mana
de
pens
ão,
a as
sisten
te so
cial,
e vie
mos
para
aq
ui...”
(Ósc
ar, N
26)
Carre
ira m
oral
5. Te
mpo
s de
perm
anên
cia n
a co
mun
idad
e
2005
•
“... e
u... d
e mo
mento
... [es
tou c
á há
] oito
mes
es...
[antes
] esti
ve c
á um
ano
e m
eio (.
..) d
epois
esti
ve c
á trê
s me
ses,
mas e
stava
a tra
balha
r, só
vinh
a cá d
ormi
r...”
(Jaim
e, B1
)
• “..
. [entr
ei na
comu
nidad
e] há
dois
mese
s atrá
s...”
(Dár
io, C
5)
2006
•
“(...)
eu
quer
ia de
ixar d
e me
dro
gar,
quer
ia me
smo,
mas
não
sei s
e vo
u co
nseg
uir, a
o fim
de
dez
dias
(...)”
(C
ristin
a, F2
9)
• “C
hegu
ei Sá
bado
à n
oite..
. com
ecei
a me
dicaç
ão D
oming
o... h
oje é
o q
uarto
dia
à no
ite, e
xacta
mente
(...)
” (Jo
ão M
iguel,
H1a
)
• “(
...) e
stive
aqu
i um
mês,
depo
is fui
-me
embo
ra, d
epois
torn
ei ou
tra ve
z a ca
ir na
dro
ga, e
ago
ra e
stou
cá h
á do
is me
ses..
.” (M
ário,
L1)
• “(.
..) d
esta
vez f
ui eu
que
ped
i ao
Antón
io [m
onito
r]...
para
me
ajuda
r, e
ele m
ando
u-me
vir c
á, e
o [di
recto
r da
comu
nidad
e] ma
ndou
-me e
ntrar
, e já
cá es
tou há
dois
mese
s...”(
Mário
, L7)
• “[D
a últ
ima
vez
estiv
e cá
] Um
mês,
mas
depo
is fui
-me
embo
ra...
ache
i que
esta
va b
em e
fui-m
e em
bora
... ag
ora
não,
o An
tónio
[mon
itor]
tem-m
e aju
dado
, tem
-me
dado
for
ça p
ara
eu a
guen
tar m
ais u
ns
tempo
s...”(
Mário
, L11
)
• “[E
stamo
s cá]
... há
um m
ês e
uma s
eman
a e um
dia..
.” (Ó
scar
, N33
)
• “E
stou
cá...
a pr
imeir
a ve
z esti
ve cá
doz
e dia
s, de
pois
fui-m
e em
bora
, volt
ei a
reca
ir, e
agor
a es
tou cá
há
dois
mese
s e
tal, q
uase
três
mes
es, a
seg
unda
vez
que
volt
ei já
ele [R
odrig
o, mo
nitor
] tinh
a fal
ecido
.” (R
ogér
io,
Q2)
Carre
ira m
oral
6. Pe
rcur
so d
e co
nsum
o
2005
•
“(...)
eu cá
nasc
i num
a tab
erna
(...)
” (Ca
rlos,
A19)
• “(.
..) e
ntreta
nto, a
minh
a pr
imeir
a... n
amor
ada,
(...)
tinha
-se fa
rtado
de
tanta
menti
ra [e
scon
der o
cons
umo](
...)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
24
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Percu
rso de
cons
umo
(cont.
)
assim
que
a g
ente
inter
romp
eu o
nam
oro..
. a c
abeç
a co
meça
logo
a fu
ncion
ar a
o co
ntrár
io (..
.) co
meço
a
bebe
r muit
o... e
u be
bia m
as e
ra só
... na
s refe
ições
, (...)
entre
tanto
come
ço a
beb
er m
esmo
fora
das
refei
ções
, (..
.) ch
ega
a um
a alt
ura
em q
ue o
álco
ol (..
.) já
não
me e
nchia
a ca
beça
... e
então
... eu
conh
ecia
bem
o qu
e é
que
me e
nchia
a c
abeç
a... p
or o
pção
... má
... (ri
sos)
lá fui
outr
a ve
z pa
ra a
her
oína..
. com
eço
a co
nsum
ir...
sistem
atica
mente
(...)
” (An
tónio,
D16
)
• “(.
..) p
or a
zar,
meu,
eu p
ensa
va q
ue a
meta
dona
foss
e as
sim (.
..) b
loque
asse
o si
nal d
a [dr
oga].
.. a
mim
não
me b
loque
ava,
(...)
eu d
izia
lá às
dou
toras
[do
CAT]
... “ó
dou
tora
veja
lá po
rque
eu..
. por
que
eu fu
mo, e
eu
sinto.
.. eu
sint
o a
pedr
a...”,
“ah,
não
pode
ser
, (...)
isso
é im
agina
ção
sua..
.”, “É
? Es
tá be
m....”
, and
ei, a
ndei,
pu
sera
m-me
a to
mar c
ento
e qu
inze
milig
rama
s de
meta
dona
... e
eu d
isse
a ela
, “do
utora
, aten
ção,
eu
cons
umo,
à me
sma,
e fic
o be
m....”
, (...)
“sint
o aq
uela
sens
ação
boa
na
cabe
ça”..
. e e
la “a
h, nã
o po
de se
r... “
, (..
.) “n
ão p
ode
ser?
”, “n
ão.”.
.., “e
ntão
está
bem,
olhe
, a p
artir
de a
manh
ã de
ixo d
e cá
vir..
.” de
ixei d
e lá
ir...”
(Antó
nio, D
24)
• “T
razia
dinh
eiro
e aq
uilo..
. foi
uma
festa.
.. de
pois.
.. co
ntinu
ei a
cons
umir
coca
ína...
só q
ue d
epois
aqu
ilo
també
m já
não c
hega
va...
e aca
bei p
or co
meça
r a...
cons
umir h
eroín
a tam
bém.
..” (M
aria,
E11
) 20
06
• “(.
..) co
nsum
o int
ensiv
o de
her
oína,
digam
os q
ue é
(...)
o q
ue ca
usa
mais
mal, o
que
deix
a ma
is se
quela
s (...)
é
desd
e os
meu
s vin
te an
os, t
enho
qua
renta
e d
ois, f
oram
vint
e an
os…
com
ecei…
com
ecei
a fum
ar c
harro
s (..
.)” (C
ristin
a, F3
)
• “(.
..) [P
arei
por d
uas v
ezes
] e m
ais na
da, o
resto
é co
nsum
ir, tra
balha
r e co
nsum
ir…” (
Crist
ina, F
10)
• “(.
..) e
u ia
para
lá [p
ara
o me
rcado
] às
seis
da m
anhã
, e s
aia d
e lá
à um
a e
duas
da
tarde
(...)
qua
ndo
o me
rcado
fech
ava (
...) g
anha
va un
s bon
s con
tos de
reis
mas (
...) nã
o er
a mu
ito gr
atific
ante,
(...)
ia m
etê-lo
todo
na
... na
toxic
odep
endê
ncia
(...)
quan
to ma
is ga
nhav
a ma
is eu
meti
a na
toxic
odep
endê
ncia
(...)
cons
umia
hero
ína e
coca
ína (.
..) ju
ntas o
u às v
ezes
sepa
rada
s, er
a con
forme
, mas
era t
udo f
umad
o“ (J
osé,
G15)
• “(.
..) e
u ten
ho q
uare
nta e
oito
[ano
s] (..
.) [co
mece
i a c
onsu
mir]
já um
pou
co ta
rde,
tinha
p’ra
i trin
ta an
os, o
u p’r
ai trin
ta e u
m an
os...”
(Jos
é, G1
6)
• “(.
..) sa
be co
mo é
que
é...
ao p
rincíp
io co
meça
m a
ofere
cer,
e “e
xper
imen
ta”, e
“tom
a lá”
, a p
esso
a de
pois
vai-
se vi
ciand
o, e p
ronto
s, e d
epois
já nã
o tem
por o
nde..
. não
há po
rta po
r ond
e sair
....” (
José
, G21
)
• “(
...) já
lá v
ão d
ez a
nos
(...)
come
cei [
a co
nsum
ir] ao
s vin
te e
nove
... qu
ase
dez
ano
s (..
.) ten
ho tr
inta
e (..
.) oit
o ano
s (...)
” (Jo
ão M
iguel,
H5)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
25
Carre
ira m
oral
(cont.
) Pe
rcurso
de co
nsum
o (co
nt.)
• “(.
..) e
depo
is de
sde o
s doz
e ano
s que
ando
nesta
vida
... [ag
ora t
enho
] Trin
ta e u
m...”
(Már
io, L3
)
• “(.
..) s
ó er
a bo
m qu
ando
me
case
i, qu
ando
me
case
i é q
ue e
ra b
om...
ajuda
va to
da a
gen
te...
depo
is de
sgra
cei-m
e ou
tra ve
z... a
s minh
as p
arag
ens f
oi qu
ase
semp
re u
m mê
s, do
is me
ses..
. mais
temp
o foi
ago
ra,
quan
do ca
sei...
estiv
e um
ano,
dois
anos
bem.
.. dep
ois av
ariei
...” (M
ário,
L32)
• “F
oi...
come
cei h
oje, a
manh
ã nã
o da
va d
epois
daq
ui a
dias d
ava,
depo
is co
mece
i a d
ar to
dos o
s dias
, até
ela
[a mi
nha m
ulher
] des
cobr
ir... e
depo
is ela
aind
a me a
judou
uma o
u dua
s vez
es...”
(Már
io, L3
4)
• “E
ra c
avalo
[her
oina],
só,
mais
nada
... e
depo
is er
am o
s se
rena
is...
e de
pois
era
tudo,
dorm
icons
...”(M
ário,
L3
7)
• “E
ntão
já es
távam
os h
á um
par
de
mese
s com
a m
etado
na, já
está
vamo
s há
sete
ou o
ito m
eses
a co
nsum
ir, co
caína
e dr
ogas
, (...)
havia
pouc
o tem
po qu
e tính
amos
reca
ído o
utra v
ez, e
stáva
mos h
á sete
ou oi
to me
ses a
co
nsum
ir dr
ogas
, e e
stáva
mos
há d
ois m
eses
com
a m
etado
na, a
ndáv
amos
... eu
há
dois
mese
s co
m a
metad
ona,
e está
vamo
s com
toda
a for
ça de
vonta
de (.
..)” (
Nela,
M3)
• “(.
..) e
u co
nhec
i-o n
uma
comu
nidad
e, es
távam
os n
uma
comu
nidad
e, es
távam
os n
a [no
me d
a co
munid
ade]
mas
fomo-
nos
embo
ra,
saim
os (
...),
e fiz
emos
a n
ossa
vida
num
apa
rtame
nto
em P
.[cida
de],
num
apar
tamen
to...
já es
távam
os a
vive
r jun
tos e
soz
inhos
há
um a
no...
nós
viemo
s pa
ra a
qui p
or is
so...
e aq
ui de
pois
foi is
so, v
oltam
os a
reca
ir, a m
eterm
o-no
s outr
a vez
... co
m pr
oblem
as de
drog
a (...)
” (Ne
la, M
7)
• “A
gora
, cá,
estiv
e oit
o me
ses
a co
nsum
ir co
m o
Ósca
r [ma
rido],
esta
va a
ser
fuma
da e
injec
tada
(...)”
(Nela
, M1
5a)
• “D
esde
que
nas
ceu
o J[f
ilho]
eu já
não
toqu
ei ma
is na
dro
ga, a
té ag
ora
(...)
E se
toqu
ei, to
quei
pouc
as ve
zes,
mas n
ão fo
i par
a fica
r aga
rrada
muit
o tem
po...”
(Nela
, M31
)
• “(.
..) [
a pr
imeir
a de
sintox
icaçã
o] foi
em
99...
98, p
or a
í... fo
i no
final
de 9
8, em
Dez
embr
o, ne
ssa
altur
a ain
da
era d
roga
-dro
ga...
não c
omo a
gora
(...)
[era
] her
oína,
coca
ína, e
ra tu
do...”
(Ósc
ar, N
16)
• ”(.
..) te
m qu
e se
r, en
cara
r isto
de
frente
e n
ão p
osso
volta
r atrá
s [a
entra
da n
a co
munid
ade].
..por
que
tamb
ém
já pe
rdi m
uito
tempo
(...)
[con
sumi
a] er
a a
hero
ina e
a co
caina
, (...)
junta
s, e
foram
algu
ns a
nos,
cerca
de
vinte
anos
, com
algu
mas p
arag
ens,
mas p
eque
nas,
(...)
tenho
quar
enta
e trê
s [an
os]”
(Rog
ério,
Q4)
Ca
rreira
mor
al
7. Pe
rcur
so
inst
itucio
nal
2005
•
“(...)
já e
stive
em
dois,
ante
s de
ser
cá..
. já
estiv
e em
[outr
o pa
ís], n
ão m
e lem
bro
do n
ome
daqu
ilo...
mas
calho
u-me
semp
re, p
ara o
nde e
u fui,
só ap
anhe
i dro
gado
s... é
raro
apan
har g
ajos a
lcoóli
cos (
...)” (
Carlo
s, A3
)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
26
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Percu
rso in
stituc
ional
(cont.
)
• “(.
..) s
ou u
ma p
esso
a qu
e já
vivi e
sta s
ituaç
ão...
antes
de
vir p
ara
aqui,
da
outra
vez
, já
vivia
numa
co
munid
ade,
em (.
..) n
ão ti
nha
nada
a v
er[co
m es
ta]...
levav
am tu
do a
o ex
tremo
(...)
tudo
que
voc
ê po
ssa
imag
inar,
desd
e...de
sde
pedir
par
a ata
rem
um a
tacad
or, p
edir
para
ir u
rinar
, ped
ir pa
ra fu
mar u
m cig
arro
(...)
es
tive
lá no
ve m
eses
(...)
levan
tavam
-se to
dos
às s
ete d
a ma
nhã,
era
uma
casa
de
banh
o gr
ande
(...)
todo
s faz
iam a
higi
ene
juntos
... e
não
se p
odia
falar
até
se sa
ir do
(...)
comp
artim
ento
dos q
uarto
s (...)
até
às ci
nco
da ta
rde
era
cigar
ros d
e gr
upo,
só q
uand
o o
coor
dena
dor c
hama
va é
que
todo
s fum
avam
, tinh
a qu
e se
ped
ir pa
ra a
cend
er o
ciga
rro, e
dep
ois “p
osso
apa
gar o
ciga
rro”..
. (Ja
ime,
B23;
27);
“....
estiv
e lá
nove
mes
es se
m co
ntacto
com
o mun
do...
“ (Ja
ime,
B26)
• “(.
..) co
meça
ele
[o me
u irm
ão] a
que
rer s
air...
e eu
a sa
ber-m
e be
m nã
o qu
eria,
aind
a an
dei a
ssim
mais
outr
o an
o, do
is an
os...
até q
ue a
o fim
de
dois
anos
(...)
fizem
os u
ma cu
ra (.
..) e
stive
mos a
qui [n
esta
comu
nidad
e]...
os do
is jun
tos...”
(Antó
nio, D
9)
2006
•
“[Da
prim
eira
vez]
Vim
aqui
ter à
com
unida
de p
orqu
e, nu
m do
s ba
irros
de
cons
umo,
fomos
apa
nhad
os p
ela
políc
ia, tiv
emos
uma
mult
a, e
(...)
hou
ve u
ma p
esso
a qu
e tra
balho
u co
m o
[dire
ctor d
a co
munid
ade],
que
nos
en
cami
nhou
par
a vir
mos
para
o C
entro
. Falá
mos
com
o [di
recto
r da
comu
nidad
e], a
briu-
nos
as p
ortas
par
a nó
s virm
os [e
u e o
João
Migu
el] e
nós v
iemos
…” (
Crist
ina, F
1)
• Um
a ve
z vim
sóz
inho
porq
ue...
ela q
uis fi
car e
m ca
sa, a
faze
r a d
esint
oxica
ção..
. não
resu
ltou
muito
bem
...
mas j
á es
tive
noutr
as co
munid
ades
, já e
stive
no
A.[lo
cal, c
línica
], já
estiv
e em
V. [
local,
clíni
ca],
e já
estiv
e no
P.
[clíni
ca] (
...) a
pess
oa es
tá lá
uma s
eman
a, um
a sem
ana
e pou
co...
acho
que d
evia
ser u
ma se
mana
e m
ais
um te
mpo p
ara r
ecup
erar
... ma
is um
mês
, por
exem
plo, n
ão se
i...”(J
oão M
iguel,
H9)
• “N
ão q
uero
[mete
r baix
a]...
já me
ti um
a ve
z... p
ronto
, a p
esso
a tam
bém
pode
fica
r doe
nte, n
ão é
... é
um
boca
do co
mplic
ado
(...)
a pe
ssoa
mete
baix
a, es
tá do
ente
e pr
onto
... nin
guém
tem
que
sabe
r o q
ue é
que
se
pass
a...”
(João
Migu
el, H
11)
• “T
enho
vind
o qu
ase
semp
re n
as fé
rias,
só u
ma v
ez é
que
pus
baix
a... a
cho
que
a pr
imeir
a ve
z... a
prim
eira
vez q
ue vi
m pa
ra aq
ui foi
em Ju
lho, q
ue pu
s baix
a, ex
actam
ente.
.. eu n
orma
lmen
te ten
ho fé
rias s
ó quin
ze di
as
de A
gosto
, (...)
a p
artir
de J
aneir
o, tem
os fé
rias
outra
vez
, mais
quin
ze d
ias, é
a p
arte
de In
vern
o... n
ós d
ois
conc
iliamo
s com
... co
m as
féria
s [de
Ver
ão]...
” (Jo
ão M
iguel,
H13
; 24)
• “[r
efere
seis
nom
es d
e ins
tituiçõ
es d
ifere
ntes],
esti
ve e
m tod
os e
stes
centr
os...
desd
e 97
que
com
ecei
com
a dr
oga,
até a
gora
, e p
asse
i por
ess
es ce
ntros
todo
s, e
na ve
rdad
e, aq
ui, e
aqu
i isto
é, pa
ra m
im (.
..) a
qui e
stá-
se m
uito b
em...”
(Nela
, M11
)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
27
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Percu
rso in
stituc
ional
(cont.
)
• “(.
..) e
u ten
ho v
inte
e no
ve [a
nos]
(...)
[Saí
do m
eu p
aís n
atal]
Com
deza
ssete
, dez
oito..
. a p
rimeir
a... s
ai da
mi
nha
casa
com
deza
ssete
ano
s, ma
s fui
para
uma
comu
nidad
e, pa
ra o
P[co
munid
ade],
ond
e pa
ssei
um a
no
(...)”
(Nela
, M23
)
• “(.
..) p
ois, e
u em
97
sai d
a mi
nha
casa
, ingr
esse
i no
P[co
munid
ade]
e co
nhec
i o p
ai [do
meu
filho
], ele
esta
va
lá já
há q
uatro
ano
s e
eu e
stava
há
um, e
pro
nto, c
omeç
amos
(...)
a g
ostar
um
do o
utro,
e fal
ámos
com
o
direc
tor d
a co
munid
ade,
e se
para
ram-
nos
dois
ou tr
ês m
eses
, a m
im le
vara
m-me
par
a V[
cidad
e], e
ele
ficou
me
smo
em B
[cida
de],
porq
ue e
stáva
mos
em B
. pas
sara
m-me
par
a V.
, dois
ou
três
mese
s, pa
ra tr
abalh
ar
numa
vend
a am
bulan
te ao
púb
lico,
(...)
estiv
e ai
dois
mese
s até
que
me te
lefon
aram
(...)
, e d
isser
am-m
e qu
e re
gres
sass
e par
a me j
untar
com
ele. T
roux
eram
-me d
e volt
a (...)
e fic
ámos
a viv
er ju
ntos c
omo u
m ca
sal, (
...) e
estiv
emos
uns
qua
tro o
u cinc
o me
ses j
untos
até
que
fique
i grá
vida,
(...)
sem
quer
er (.
..) [t
inha]
deza
nove
ano
s. Na
sceu
qua
ndo
eu tin
ha vi
nte, n
asce
u em
99,
tinha
eu
vinte
anos
, e q
ue...
isso,
fique
i grá
vida,
e ex
pulsa
ram-
nos,
quer
iam q
ue e
u ab
ortas
se, p
ronto
, por
que
eu tin
ha q
ue te
r fala
do c
om e
les p
ara
eles
me d
eixar
em fi
car
gráv
ida, m
as a
ver
dade
é q
ue n
ão ti
nha
feito
de p
ropó
sito
(...)
“abo
rta, f
icas,
se n
ão a
borta
s ten
s qu
e te
ir em
bora
”, nó
s dec
idimo
s, eu
falei
com
a mi
nha
mãe,
ele fa
lou ta
mbém
com
o pa
i dele
, e d
ecidi
mos i
r emb
ora.”
(N
ela, M
26)
• “(.
..) e
u es
tava
em T
.[cida
de d
a co
munid
ade]
e ele
[Ós
car,
marid
o ac
tual]
esta
va e
m B.
[cida
de d
a co
munid
ade],
(...)
ele f
oi pa
ra (.
..) pi
ntar a
casa
, (...)
onde
[o di
recto
r] ia
mora
r, (..
.) e e
ntão f
oi ai
que o
conh
eci,
(...)
falou
com
o d
irecto
r da
comu
nidad
e, se
me
podia
esc
reve
r car
tas, (
...) n
essa
com
unida
de e
ra u
ma c
oisa
muito
sér
ia, (.
..) ti
nha-
se q
ue c
asar
par
a jun
tar-se
... e
depo
is er
a log
o se
para
do, o
cas
al (..
.) ao
cab
o de
um
ano
e me
io, so
mente
pod
ia es
creve
r-se
uma
cartin
ha e
falar
por
telef
one,
um d
ia po
r sem
ana..
. e lo
go e
u qu
e já
tinha
um
par d
e an
os d
e ca
sada
(...)
mar
cámo
s, re
unim
os co
m (..
.) o
home
m qu
e ac
ompa
nhav
a os
casa
is,
falám
os c
om e
le, (.
..) E
stáva
mos
a co
nhec
er-n
os e
que
riamo
s co
nstitu
ir um
cas
al. E
ele
disse
“entã
o va
mos
dar-v
os u
m tem
po (.
..) d
entro
de
dois
ou tr
ês m
eses
volt
amos
outr
a ve
z a
ver-n
os, (
...) e
já c
ombin
amos
que
se
verã
o ca
da q
uinze
dias
, (...)
sai u
ma p
esso
a co
nvos
co, p
ara
que
se co
nheç
am” (
...) is
to foi
o q
ue e
le dis
se,
mas
(...)
havia
(...)
um
enco
ntro
de to
das
as c
omun
idade
s, lá
(...)
juntav
am-se
mon
tões
de p
esso
as, m
ais d
e tre
zenta
s ou
quatr
ocen
tas p
esso
as, e
eu
e trê
s ou
quatr
o pe
ssoa
s mais
meti
amo-
nos n
a co
zinha
, (...)
mais
um
cozin
heiro
, (...)
e p
or e
ssa
ques
tão (.
..) n
ão p
ude
ir, (..
.) ma
s a q
uestã
o é
que
(...)
o re
tiro e
ra d
os ca
sais
que
se ia
m ca
sar,
e es
tavam
lá to
dos o
s cas
ais m
enos
nós
... “ (
Nela,
M32
); “(.
..) fo
mos e
mbor
a da
li e fo
mos m
orar
jun
tos pa
ra P
.[cida
de].”
(Nela
, M34
)
• “[O
dire
ctor d
a co
munid
ade
não
quer
ia qu
e o
miúd
o vie
sse]
Por c
ausa
do
ambie
nte, (
...) a
qui c
omo
não
havia
mi
údos
, que
era u
m am
biente
um po
uco p
esad
o par
a ele,
a ge
nte ex
plico
u-lhe
porq
ue fe
lizme
nte a
Nela
desd
e qu
e o m
iúdo n
asce
u, po
is... t
em es
tado s
empr
e em
centr
os, (
Ósca
r, N3
)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
28
Carre
ira m
oral
(cont.
) Pe
rcurso
insti
tucion
al (co
nt.)
• “Q
uand
o fui
par
a lá
[País
] esti
ve n
a R.
[comu
nidad
e], in
gres
sei a
qui [
e fui
], e
depo
is es
tive
lá, s
ete a
nos,
na
comu
nidad
e...(Ó
scar
, N4)
• “E
stive
... fui
par
a B.
[cida
de d
a co
munid
ade],
esti
ve a
i em
apoio
a u
ma se
gund
a ca
sa, e
dep
ois m
anda
ram-
me
resp
onsá
vel p
ara
P.[ci
dade
da
comu
nidad
e]...
també
m er
a as
sim p
erto.
.. er
a pr
imeir
o, as
sim c
omo
o An
tónio
[mon
itor],
estiv
e lá s
ete an
os, e
ntreta
nto...”
(Ósc
ar, N
5)
• “(.
..) e
ra d
ifere
nte, d
aqui.
.. er
a já
uma
segu
nda
fase,
onde
o p
esso
al já
vinha
todo
já co
m qu
atro,
cinco
mes
es,
reab
ilitad
o da
s dro
gas,
bom
reab
ilitad
o nã
o vin
ha, m
as p
elo m
enos
com
o qu
e é
ress
aca,
e es
sas c
oisas
, (N6
-1)
bom
lá de
ntro,
tinha
mos u
ns de
zoito
ou de
zano
ve ca
miõe
s...e
era d
ifere
nte, o
pess
oal c
hega
va p
ela m
anhã
, (..
.) ha
via u
ma re
união
zita
da p
arte
deles
, falá
vamo
s tod
os o
s dias
, e d
epois
cada
um
saía
com
o se
u ca
mião
, co
m os
seus
ajud
antes
, cad
a hom
em o
seu t
raba
lho, e
u dist
ribuia
a ch
ave d
os ca
miõe
s, o t
raba
lho, c
ada u
m ia
à sua
vida
... (Ó
scar
, N6-
2)
• “(.
..) d
e inv
erno
eu
cheg
uei a
esta
r lá
três s
eman
as fe
chad
o... s
em p
oder
sair
de ca
sa, n
em p
ara
ir à
casa
de
banh
o... t
ivemo
s qu
e ma
ndar
uma
par
ede
abaix
o, po
rque
saía
mos
(...)
e as
cas
as d
e ba
nho
eram
ass
im a
o lad
o... m
as c
omo
caía
tanta
neve
, (...)
não
se
podia
sair
de
casa
... tiv
e qu
e (..
.) ma
ndar
a p
ared
e ab
aixo
e faz
er a
entra
da po
r den
tro...”
(Ósc
ar, N
13)
• “(.
..) f
ui pin
tar u
ma c
asa
onde
ela
estav
a, na
cas
a da
s ra
parig
as,
conh
ecem
o-no
s, ist
o sã
o oit
ocen
tos
quiló
metro
s, (..
.) fal
ei co
m o
pasto
r, e
isso,
e de
pois
andá
mos a
ssim
, um
ano
e pic
os (.
..) a
té qu
e eu
me
fartei
e d
isse “
não,
eu se
gund
a feir
a vou
-me
embo
ra” (
...) fo
i ass
im, fu
i bus
cá-la
, alug
uei u
ma ca
sinha
em P
.[cida
de],
(...)
ainda
hoje
estav
a ai, m
as a
minh
a mãe
cham
ou-m
e par
a aqu
i, e fo
i a pi
or co
isa qu
e eu f
iz...”
(Ósc
ar, N
17)
• “(.
..) [n
as co
munid
ades
ond
e en
trava
] não
que
ria lá
esta
r mais
... es
tava
lá do
is ou
três
dias
, com
eçav
a a
ficar
far
to e
vinha
-me
embo
ra (.
..) q
uand
o fui
par
a [o
estra
ngeir
o] foi
sem
sabe
r, nã
o foi
nad
a co
mbina
do...
não,
fui
à R.[in
stitui
ção],
tinha
um ra
paz a
migo
(...)
[que
me d
isse]
“and
a, es
tá aq
ui a c
amion
ete!”.
.. e nã
o sei,
daqu
elas
coisa
s que
te di
z “va
i, vai,
vai” (
...) su
bi, e
fui...
e esti
ve se
te an
os...”
(Ósc
ar, N
23)
Carre
ira m
oral
8. Ex
pect
ativa
s, (o
bjec
tivos
, pl
anos
, idea
is)
2005
•
“(...)
o m
eu p
rogr
ama?
... olh
e, ag
ora
quan
do e
ntrei,
(...)
prim
eiro
foi...
aman
sar o
meu
cor
ação
... es
tava
dorid
o... e
dep
ois s
erá..
. enc
arar
a v
ida, n
ovam
ente.
.. nã
o co
meter
mos..
. não
com
eterm
os o
s me
smos
erro
s qu
e já c
ometi
... um
a, e d
uas v
ezes
...” (J
aime,
B30)
• “(.
..) a
gora
o m
eu o
bjecti
vo é
[ter
] a m
inha
famí
lia...
é ter
as m
inhas
coisa
s, ter
o m
eu la
r, se
for p
ossív
el, e
se
cons
eguir
já te
r algu
ém a
o me
u lad
o, qu
e me
pos
sa a
judar
, é te
r os
meus
filho
s co
migo
, é o
obje
ctivo
que
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
29
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Expe
ctativ
as, (
objec
tivos
, pla
nos,
ideais
) (co
nt.)
qualq
uer p
esso
a...”
(Jaim
e, B3
3)
• “(.
..)....
eu te
nho v
ontad
e em
dar u
ma vi
sita [
ao m
eu P
aís]...
para
visit
ar, s
ó que
não c
onsig
o...(D
ário,
C15
a)
• “(.
..) pa
ra já
é a e
stabil
idade
... e
psico
logica
mente
... qu
e isto
anda
tudo
... an
da tu
do av
ariad
o, nã
o é...
e dep
ois
é... c
riar c
ondiç
ões
para
as
coisa
s... é
reco
meça
r a te
r uma
vida
nor
mal...
ir b
usca
r os
meus
filho
s, po
r ex
emplo
... e..
. ess
encia
lmen
te iss
o...”
(Mar
ia, E
1)
2006
•
“(...)
eu
acho
que
eu
para
me
recu
pera
r tinh
a qu
e ir
para
um
sitio
onde
não
hou
vess
e dr
ogas
, com
o já
fui u
ma
vez (
...)” (
Crist
ina, F
17)
• “[O
meu
obje
ctivo
](...)
é e
u sa
ir da
qui, m
anter
-me
limpa
até
ao fin
al do
ano
, e a
rranc
ar p
ara
os A
çore
s (...)
nos
Aç
ores
tamb
ém n
ão m
e vo
u sa
far,
por i
sso..
. não
há
lá dr
oga
(...)
Em S
anta
Maria
, não
há..
.” (C
ristin
a, F3
0; 30
a)
• “(.
..) co
mo é
que
vai s
er (.
..) va
i ser
igua
l à ..
.. co
mo e
ra...
volta
r ao
traba
lho, e
à ro
tina
da m
inha
vida..
. sem
a
drog
a, es
pero
eu,
não
é... p
or is
so n
ão...
só q
uand
o sa
ir da
qui é
que
pos
so d
izer i
sso..
. mas
em
princ
ípio,
se
ficar
bem,
espe
ro...
conti
nuar
a mi
nha r
otina
do di
a...”
(João
Migu
el, H
20)
• “(.
..)...
estou
a fa
zer t
udo
para
ir p
ara
[País
nata
l] de
férias
... qu
ando
eu
tiver
já d
inheir
o, e
logo
logo..
. vou
no
mês
de M
aio...
mês
de M
aio, p
ronto
, ach
o qu
e o
mês
de M
aio d
á tem
po p
ara
eu m
e pr
epar
ar...
vou-
me
prep
arar
, até
Maio,
e se
tudo
corre
r bem
vou..
.” (D
ário,
J8; 1
7)
• “[T
enho
que
cheg
ar à
minh
a ter
ra n
um] d
ia de
festa
, ou
um d
ia im
porta
nte...
e pe
los p
lanos
que
eu
fiz, a
té ao
mê
s de
Maio
é o
tem
po p
ara
eu e
star
prep
arad
o...
exac
to, t
enho
tem
po p
ara
pôr
as p
assa
gens
na
mão..
.”(Dá
rio, J
18)
• “É
come
çar d
epois
a tr
abalh
ar, a
rranja
r outr
a ve
z uma
vida
com
o de
ve s
er, a
rranja
r... a
rranja
r... t
er u
ma v
ida
melho
r... d
o qu
e aq
uela
que
eu tiv
e... f
ugir
um b
ocad
o de
sses
amb
ientes
, que
a g
ente
anda
va a
ntes,
de fa
cto
é um
boca
do di
ficil..
.”(Má
rio, L
23)
• “(.
..) e
ra p
ara
por a
que
stão,
ao fi
m de
um
ano
e me
io, s
e o
[dire
ctor]
me d
eixa
ficar
por
aqu
i, pa
rece
que
de
ixa, q
ue o
Antón
io [m
onito
r] dis
se qu
e sim
, (...)
mas
a ide
ia da
gente
era f
azer
isso
, com
o o D
ário
[vive
r aqu
i, tra
balha
r lá
fora].
.. po
rque
sen
ão a
lugo
uma
casin
ha p
or a
qui,
a as
sisten
te so
cial d
iz qu
e se
tive
r um
tra
balhi
nho,
que
a ca
sa n
ão h
á pr
oblem
a... q
ue e
la pa
ga, p
orqu
e foi
por
ela
que
nos m
etera
m, q
uand
o eu
vim
para
aqu
i, por
que
deixe
i de
traba
lhar..
. foi
ela q
ue m
e dis
se, “
se vo
cê te
m es
tado
a tr
abalh
ar, t
inha
cá vi
ndo
o mê
s pa
ssad
o, alu
gava
uma
cas
a e
a ge
nte p
agav
a-lhe
a re
nda..
.e es
cusa
va d
e ter
ess
es p
roble
mas
com
a
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
30
Carre
ira m
oral
(cont.
)
Expe
ctativ
as, (
objec
tivos
, pla
nos,
ideais
) (co
nt.)
sua
mãe..
. mas
não
está
a tr
abalh
ar, a
gen
te nã
o po
de fa
zer i
sso..
.”, e
tive
ram
que
nos
mand
ar p
ara
aqui.
..”
(Ósc
ar, N
34)
• “(.
..) a
minh
a ide
ia é
ficar
aqu
i um
ano
e me
io, se
pud
esse
mais
, junta
r um
dinhe
irito
e re
cupe
rar o
que
per
di...
e com
eçar
outra
vez d
e nov
o... n
unca
é tar
de pa
ra co
meça
r (...)
[tenh
o] Vi
nte e
nove
[ano
s]...”
(Ósc
ar, N
39)
Quad
ros d
e re
ferê
ncia
1. Fa
mília
2005
•
“(...)
o G
. [filh
o] tem
o 1
2º a
no, n
ão s
eguiu
por
que
não
quis.
.. foi
par
a A.
[loca
l], tem
lá u
m ba
r, (..
.) se
mpre
go
stou
de tr
abalh
ar...
lá ag
ora
de b
eber
, [nã
o]...
(...)
eu a
inda
insist
i, “ó
G., p
á se
gue..
. faz
um
curso
, com
o a
tua ir
mã e
stá a
faze
r”, e
....
“ah,
não..
. esto
u far
to da
esc
ola, 1
2º a
no e
vou..
. vou
... faz
er a
minh
a vid
a”...
não
quis
segu
ir... ”
(Car
los, A
20)
• “(.
..) te
nho
os fil
hos l
á em
[País
], pr
onto,
eu
tenho
qua
tro fil
hos,
sou
pai d
e qu
atro
filhos
... es
tão lá
, ten
ho m
ãe,
tenho
pai...
” (Dá
rio, C
15)
• “T
enho
cinc
o [fil
hos].
Dua
s me
ninas
e tr
ês ra
paze
s (..
.). A
mais
velh
a tem
cato
rze....
e o
mais
nov
o tem
...
cinco
...um
rapa
z...”
(Mar
ia, E
2)
• “(.
..) e
u ba
to o
pé, e
... so
u re
belde
, e...
mas
a mi
nha
mãe,
por e
xemp
lo, e
o m
eu p
ai...
se m
e dis
sere
m qu
e nã
o, me
smo q
ue eu
ache
que e
steja
erra
do, e
u no f
undo
até f
aço..
.” (M
aria,
E7)
• “(.
..) a
minh
a filh
a tem
cato
rze a
nos
e lev
ou u
ma p
almad
a na
vida
(...)
uma
... e
foi p
orqu
e ela
me
fugiu
de
casa
... e
confo
rme
vai a
des
cer o
deg
rau
vêm
quatr
o mo
tas...
na a
ltura
, ond
e eu
mor
ava,
aquil
o er
a um
a ru
a se
m sa
ída, e
ra u
m ba
irro
cama
rário
... um
a ru
a se
m sa
ída tin
ha se
is ca
sas,
e en
tão n
a alt
ura
vivia
lá...
ia pa
ra
lá mu
ita m
ota...
e aq
uilo
era
um fim
-de-
sema
na, a
famí
lia ia
toda
par
a o
café,
e a
minh
a filh
a na
quela
coisa
de
(...)
sair,
porq
ue ia
par
a a
rua,
não
é... a
bre
a po
rta e
sai.
.. ma
s sa
i soz
inha..
. e e
u só
me
aper
cebo
das
mo
tas...
e só
tenh
o tem
po d
e faz
er a
ssim
(...)
aos
cab
elos
dela,
que
ela
tinha
os
cabe
los c
ompr
idos..
. par
a pu
xá-lo
s, se
não
ela fi
cava
-me
ali....
deb
aixo
das
motas
(...)
e e
u pe
go, e
entr
etanto
eu
meto-
a pa
ra d
entro
, pa
rei (
...) a
o pé
da
porta
do
meu
quar
to, e
segu
ro-lh
e nu
m br
aço,
e faç
o-lhe
ass
im, p
ara
lhe d
ar u
m aç
oite,
só
que
levei
mais
força
no
braç
o do
que
dev
ia, e
a m
enina
entã
o ba
teu c
om a
testa
, por
tanto.
.. de
ste la
do (.
..)
umbr
eira,
faz ri
coch
ete e
bate
-me
com
a nu
ca a
qui,
do o
utro
lado..
. bem
, aqu
ilo fo
i um
pand
emón
io qu
e eu
en
trei e
m pâ
nico,
a me
nina
vai-s
e atr
ás d
o ch
oro,
só ve
jo a
menin
a as
sim a
cair,
pare
cia u
ma tá
bua,
come
çar
a en
cara
colar
, a
ficar
rox
a, va
lha-m
e De
us,
eu c
omeç
o ao
s gr
itos..
. (..
.) nã
o co
nsigo
rea
gir n
ada,
rigor
osam
ente
nada
.... o
meu
pai
então
com
a su
a gr
ande
calm
a é
que
pega
na
menin
a, co
meça
-lhe
a mo
lhá-
la, a
virá
-la, a
virá
-la a
o co
ntrár
io, d
á-lhe
uns
aço
ites,
e aq
uilo
pass
ou...
mas
servi
u-me
de
emen
da, n
unca
ma
is ba
ti na
minh
a filh
a... n
unca
mais
... ma
s tam
bém
é as
sim, [
os m
eus
filhos
] são
cria
nças
... qu
e eu
bas
ta
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
31
Quad
ros d
e re
ferên
cia (c
ont.)
Famí
lia (c
ont.)
olhar
os
olhos
par
a ela
s... e
aqu
eles
menin
os...
ficam
logo
em
senti
do (.
..) “o
h mã
e, pr
ontos
, des
culpa
”...”
(Mar
ia, E
29)
2006
•
“(...)
[Ten
ho tr
ês fi
lhos]
o me
u [fil
ho]...
tem
deza
nove
... va
i faz
er a
gora
no
dia v
inte
e se
is...te
nho,
mais
uma
com
deza
ssete
, e te
nho
mais
uma
menin
a co
m tre
ze (.
..) o
meu
filho
fez..
. já
termi
nou
o cu
rso, é
coz
inheir
o ”(J
osé,
G40)
• “(.
..) [q
uand
o ele
, meu
filho
, ter
mino
u o
curso
, o c
hefe
] enc
aixou
-o lo
go...
(...)
foi e
ncam
inhad
o pa
ra u
m re
staur
ante
de 1
ª, (..
.) e
então
, o p
atrão
(...)
pag
ava-
lhe q
uand
o lhe
ape
tecia,
(...)
esta
va a
usu
fruir
dema
is do
mi
údo..
. e e
ntão
a mã
e de
le...
ele co
mo vi
ve co
m a
mãe,
não
é... a
mãe
não
esta
va d
e ac
ordo
, e d
isse
“não
, pá
, tu
para
and
ares
a tr
abalh
ar(..
.) pr
efiro
que
tu e
stejas
aqu
i em
casa
, que
m te
suste
ntou
até a
gora
tamb
ém
te co
ntinu
a a
suste
ntar
(...)
mas
paga
ram-
lhe t
udo..
. de
pois
ele v
eio-se
emb
ora,
(...)
foi c
om c
arta
de
reco
mend
ação
, par
a o ho
tel (.
..) on
de já
está
(...)
há un
s cinc
o ou s
eis m
eses
... “(J
osé,
G41)
• “(.
..) a
minh
a me
nina
está
no d
écim
o... e
stá n
a es
colin
ha (
...) e
la tem
dez
asse
te, v
ai faz
er d
ezoit
o, em
Ja
neiro
... (..
.) e a
mais
novin
ha va
i faze
r cato
rze...
p’ro a
no, ta
mbém
(...)
[está
] no o
itavo
(...)
” (Jo
sé, G
42)
• “T
enho
uma f
ilha c
om oi
to an
os...c
om qu
em es
tive p
ouco
temp
o...”
(Már
io, L4
)
• “S
im, [o
Ósc
ar] n
ão te
ve pr
oblem
as ne
nhun
s, de
sde q
ue e
stá co
migo
, não
... ele
prefe
riu es
tar co
migo
, que
sou
sua
mulhe
r, e
a su
a fam
ilia, c
om a
que
ia fa
zer a
sua
vida,
à su
a mã
e qu
e tam
bém
gosta
, por
que
é su
a mã
e, ma
s de m
im g
osta
de o
utra m
aneir
a, po
rque
sou s
ua m
ulher
e vo
u ter
um fil
ho co
m ele
, e qu
er fa
zer a
sua v
ida
comi
go (.
..)” (
Nela,
M13
)
• “O
J[fil
ho] a
nda
atrás
, and
a atr
ás d
os a
nimais
, atrá
s de
um, d
e ou
tro, a
o pé
dos
pom
binho
s, do
s co
elhos
, da
horta
(...)
” (Ne
la, M
19)
• “(.
..) o
pai
do m
eu...
do J
[filho
], qu
e é
portu
guês
, tam
bém,
ele
mora
aqu
i no
B[loc
al], e
u ten
ho c
ontac
to co
m ele
, com
os
avós
e is
so, t
enho
con
tacto,
eles
às
veze
s tel
efona
m, e
falam
(...)
não
que
ria d
izer-l
he q
ue
estam
os a
qui a
mor
ar, d
efinit
ivame
nte,
“olha
esta
mos
aqui
de p
assa
gem,
viem
os p
ara
Portu
gal e
esta
mos
aqui
perto
”, se
ele
gosta
va d
e ve
r o m
enino
, “en
contr
amo-
nos n
um si
tio, e
vens
bus
cá-lo
par
a pa
ssar
o fim
de
sema
na co
m vo
cês”,
com
o pa
i e co
m a
família
, “se
lhes
dá,
e de
pois
traze
s no
domi
ngo,
para
ir se
gund
a fei
ra
à es
cola”
, e s
em p
roble
ma, f
icava
com
o m
iúdo
lá, p
assa
ndo
no b
arco
, lev
ava-
o lá
e de
pois
trazia
-o (.
..) e
ag
ora t
ambé
m nã
o sab
em qu
e esta
mos a
qui...
”(Nela
, M24
)
• “(.
..) qu
ando
nasc
eu o
J[filh
o], já
quan
do n
asce
u o J[
filho]
estav
a tod
o o d
ia me
tida
em ca
sa, lá
... nã
o, nã
o sa
ia
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
32
Quad
ros d
e re
ferên
cia (c
ont.)
Fa
mília
(con
t.)
da ca
sa p
ara
nada
... só
ia lá
fora
, com
as v
izinh
as q
ue m
orav
am lá
... er
a um
a ur
baniz
ação
, não
era
um
bairr
o, ha
via m
uito p
ouca
s pes
soas
a mo
rar,
quan
do se
via m
ais p
esso
as er
a no f
im de
sema
na (.
..)” (
Nela,
M29
)
• “(.
..) d
epois
entã
o se
pare
i-me
defin
itivam
ente
[do p
ai do
meu
prim
eiro
filho].
..sep
arei-
me d
efinit
ivame
nte d
ele
porq
ue a
últim
a [ve
z que
me b
ateu]
foi, m
esmo
... ma
rcou-
me to
da...”
(Nela
, M30
)
Quad
ros d
e re
ferên
cia
2. Fa
mília
e co
nsum
o
2005
•
“[O m
eu ir
mão
e eu
] fom
os a
cons
elhad
os, p
ara
bem
dos
dois,
por
cau
sa...
das
cump
licida
des..
. a a
fastar
mo-
nos
um b
ocad
inho..
.”Eh
pá (.
..) in
vente
m um
a for
ma...
afaste
m-se
...”, c
oisa
que
a ge
nte n
unca
fez.
Nunc
a fiz
emos
por
que
estáv
amos
tão
conv
ictos
, que
... eh
pá
que
não
ia toc
ar m
ais n
aquil
o, aq
uilo
para
mim
já
tinha
... já
tinha
basta
do...
cheg
ou...”
(Antó
nio, D
11)
• “(.
..) ía
mos
com
as m
ulher
es, c
om a
gen
te, e
tudo
... lá
arra
njámo
s um
esq
uema
qua
lquer
par
a sa
ir de
ao
pé
das
mulhe
res,
e fom
os fu
mar..
. ah,
nesta
noit
e e
foi, c
inco
dias
depo
is vie
mos
para
baix
o... d
eixám
os a
s mu
lhere
s em
casa
a pr
imeir
a cois
a que
fizem
os fo
i ir di
reitin
ho ao
Cas
al Ve
ntoso
...” (A
ntónio
, D14
)
• “(.
..) a
minh
a cu
nhad
a, an
tes d
a mi
nha
(...)
mulhe
r não
, da
minh
a na
mora
da...
se s
epar
ar d
e mi
m, a
minh
a cu
nhad
a ha
via d
esco
berto
que
a g
ente
já...
andá
vamo
s com
cons
umos
, e e
ntão..
. cor
támos
... e
o me
u irm
ão
vai p
ara a
vida
dele
e eu v
ou pa
ra a
minh
a...”
(Antó
nio, D
19)
• “T
enho
três
[filh
os] n
um c
olégio
, ten
ho o
utro
no P
orto,
em
casa
da
minh
a tia
, por
opç
ão, p
orqu
e ia
para
um
colég
io tam
bém.
.. só
que
ess
e (..
.) qu
eriam
-no
adop
tar...
mesm
o (..
.) es
tava
comp
licad
o... e
tenh
o o
mais
novin
ho c
omigo
... tem
cinc
o [an
os]...
está
com
igo, p
orqu
e eu
nes
te mo
mento
enc
ontro
-me
aqui
(...).
Por
que
assim
que e
u mete
r o pé
em ra
mo ve
rde..
. tira
m-me
logo
o me
nino t
ambé
m...”
(Mar
ia, E
3)
• “(.
..) e
entã
o [o
rapa
z co
m qu
em e
stou]
puxa
o m
eu ir
mão
para
a c
onve
rsa (
...) o
P.[ir
mão]
então
é
mund
ialme
nte co
nhec
ido n
a R.
[loca
l] (ris
os)..
. era
(...)
Já fa
leceu
(...)
ui, a
quilo
tinha
a e
squin
a de
le...
també
m er
a tox
icode
pend
ente,
tamb
ém a
cabo
u po
r fale
cer..
. ele
não..
. fale
ceu
da S
IDA.
.. ma
s tinh
a, ma
is ce
rto q
ue...
deve
ter t
ido...
e en
tão p
ronto
, con
versa
pux
a co
nver
sa...
e de
pois.
.. “e
ntão
eu s
ou ir
mã d
o P.
”(...)
” (Ma
ria,
E15)
• “(.
..) d
eixei
de lig
ar a
o me
u filh
o....”
(Mar
ia, E
16a)
; “(..
.) o
meu
filho
é qu
e....
com
o pa
i, e a
minh
a mã
e....
é qu
e me
iam
busc
ar à
estra
da...
e dep
ois eu
estav
a dois
dias
ou tr
ês em
casa
.... e
as ve
zes..
. sab
e Deu
s às v
ezes
o sa
crifíc
io qu
e eu f
azia.
.. e vá
lá qu
e eu j
á tinh
a um
pé ou
tra ve
z par
a... p
ara f
ugir..
..”(M
aria,
E17
a; 28
) 20
06
• “[R
azão
par
a eu
cons
umir](
...) fo
i a m
inha
mãe
e o m
eu p
adra
sto p
ossiv
elmen
te nã
o me
terem
dad
o a a
tençã
o
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
33
Quad
ros d
e re
ferên
cia (c
ont.)
Famí
lia e
cons
umo (
cont.
)
devid
a, foi
as c
onse
quên
cias t
odas
da
vida,
foi…
que
me
levar
am a
… a
ndar
no
liceu
, and
ar so
zinha
, a n
ão te
r ho
ras,
a nã
o ter
que
entr
ar e
m ca
sa, e
ntrav
a qu
ando
que
ria, q
uand
o me
ape
tecia,
fazia
o q
ue q
ueria
e o
que
me
apete
cia, n
ão tin
ha ni
ngué
m qu
e me c
ontro
lasse
(...)
” (Cr
istina
, F6)
• “[Q
uem
sabe
que
eu
cons
umo]:
Sab
e a
minh
a mã
e, sa
be o
meu
filho
, sab
e a
minh
a irm
ã, o
meu
pai, a
segu
ir há
mais
pes
soas
que
me
conh
ecem
... de
vem
sabe
r...”(
Crist
ina, F
24; 5
1); “
(...)
não
sabe
m do
João
Migu
el, (.
..)
bem
se o
meu f
ilho s
oube
sse d
o Joã
o Migu
el, ia
ser u
m [pr
oblem
a]” (C
ristin
a, F5
2)
• “(.
..) p
or is
so é
que
é m
ais d
ificil,
porq
ue s
e for
o c
asal,
é m
ais d
ificil d
e de
ixar [
de c
onsu
mir]
do q
ue s
e for
ind
ividu
al...”
(Cris
tina,
F36)
• “(.
..)o
meu
[filho
] dev
e ter
vinte
, ou..
. o m
eu [f
ilho]
nasc
eu e
m oit
enta
e se
is,...
foi p
ara
ai em
oite
nta e
cinc
o...
eu c
omec
ei pa
ra a
í em
oiten
ta e
cinco
, (...)
a c
onsu
mir (
...) m
ais o
u me
nos
quan
do o
meu
filho
nas
ceu..
.” (Jo
sé, G
39; 4
3)
• “N
orma
lmen
te [co
nsum
imos
] no
car
ro (
...) E
m ca
sa e
stá o
filh
o (..
.) Ou
entã
o só
... Qu
ando
ele
sai,
espo
radic
amen
te....
poss
ivelm
ente
às v
ezes
pod
e-se
con
sumi
r em
casa
... ma
s no
rmalm
ente
é no
car
ro.”
(João
Migu
el, H
17)
• [D
a outr
a ve
z que
entr
ei na
comu
nidad
e, a d
ecisã
o] Fo
i mais
da m
inha f
amilia
, ped
iu pa
ra m
e tra
tar, ta
mbém
... eu
esto
u a
perd
er a
fami
lia to
da...
por c
ausa
das
dro
gas..
. eles
já n
ão m
e qu
erem
ajud
ar m
ais...
já me
aju
dara
m mu
ito...”
(Már
io, L6
)
• “(.
..) so
fri um
boc
ado,
um b
om b
ocad
o, pe
rdi a
minh
a mu
lher,
perd
i a m
inha
filha,
não
dá...c
om is
to da
dro
ga...
tinha
tudo
e a
gora
não
tenh
o na
da...”
(Már
io, L
22);
“Já n
ão v
ejo a
minh
a filh
a há
cinc
o an
os...
deixe
i ela
com
quatr
o an
itos..
. ela
dep
ois f
oi mo
rar
para
Lisb
oa,
deixe
i de
a ve
r...
agor
a aq
ui...
isto
é qu
e me
cus
ta ma
is...”
(Már
io, L2
2a)
• “(.
..) e
dep
ois a
fami
lia d
ela [d
a mi
nha
mulhe
r] dis
se lo
go, “
não,
isto
não
é ho
mem
para
ti”...
e vim
-me
embo
ra
(...)”
(Már
io, L3
5)
• “(.
..) o
s meu
s irm
ãos t
ambé
m nã
o me
pas
sam
cartã
o (..
.) [sã
o] Ci
nco
(...)
Não
me fa
lam, s
abem
que
eu
ando
ne
sta vi
da (.
..)” (
Mário
, L30
); “(.
..) te
nho u
ns so
brinh
os, fa
z ano
s que
não o
s vejo
...” (M
ário,
L31)
• “O
J[fil
ho] s
empr
e es
teve
comi
go, p
ara
onde
eu
fui, s
empr
e es
teve
ao p
é de
mim
... os
sítio
s on
de e
stive
, se
mpre
estev
e com
igo...
e o Ó
scar
[mar
ido] n
ão te
ve pr
oblem
as...”
(Nela
, M12
)
• ““(
...) o
s an
os q
ue e
le tem
[o m
eu fi
lho],
foi n
ascid
o e
criad
o, tem
esta
do q
uase
sem
pre
em c
omun
idade
s, po
rque
cada
vez q
ue eu
me i
ntern
ava n
uma c
omun
idade
ele v
inha c
omigo
...” (N
ela, M
25)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
34
Quad
ros d
e re
ferên
cia (c
ont.)
Famí
lia e
cons
umo (
cont.
) •
“(...)
a mi
m cu
stou-
me m
uito
a sep
araç
ão co
m o p
ai do
J[filh
o], so
bretu
do p
ela un
ião qu
e tính
amos
na f
amilia
... co
m o
meu s
ogro
, e a
minh
a so
gra,
era
muito
boa
... e
com
as ir
mãs d
ele, e
tudo
, era
esp
ectac
ular,
(...)
e... e
ra
só a
nos
sa re
lação
que
não
func
ionav
a... c
om o
pai
do J
[filho
], ele
bati
a-me
... ele
bati
a, ch
egav
a ao
fim
do
mês,
todo
o din
heiro
, aga
rrava
, ia-
se e
mbor
a e
não
apar
ecia
antes
da
noite
... e
eu a
ssim
fica
va...
deixo
u a
drog
a, e m
eteu-
se no
álco
ol...”
(Nela
, M28
)
• “E
u e
a Ne
la ain
da e
stive
mos u
m an
o e
picos
os d
ois, u
m an
o e
meio,
por
ai, c
om a
Nela
e o
J[filh
o].(Ó
scar
, N8
)
• “(.
..) a
té ao
s dez
oito
semp
re co
nseg
ui es
cond
er, à
minh
a mã
e e
ao m
eu p
ai...
depo
is é
que
já nã
o co
nseg
ui...
já an
dava
m de
scon
fiado
s (..
.) a
minh
a mã
e diz
ia-me
, “nã
o se
i o q
ue te
ns, m
exes
-te ta
nto, e
par
a aq
ui (..
.) “,
“ah,
isso
é tud
o me
ntira
, com
o se
mpre
...”, a
té qu
e ela
des
cobr
iu...
come
çou
a ve
r as
prata
s em
cas
a, a
perg
untar
-me
para
que
era
, eu
na a
ltura
fuma
va, a
té qu
e eu
(...)
um
dia d
isse-
lhe a
ver
dade
... já
não
podia
es
cond
er m
ais...
mesm
o ass
im ai
nda e
scon
di cin
co an
os...”
(Ósc
ar, N
22)
• “(.
..) o
s ou
tros,
as p
esso
as q
ue e
stão
ligad
as, a
s tan
tas [p
erce
bem]
... “is
to já
não
vai a
lado
nen
hum.
..”, m
as
pron
to “e
le a
gora
já e
ngan
ou ta
mbém
os
vizinh
os, j
á ten
ho...
que
dar c
onta
aos
vizinh
os”..
. tod
a a
gente
se
enga
na...
toda a
gente
se de
ixa en
gana
r... é
, aqu
ele cí
rculo
todo,
deixa
-se en
gana
r...”
(Antó
nio, P
18)
• “(.
..) se
mpre
tive o
apoio
, da m
inha f
amilia
, mas
cheg
a a um
a altu
ra em
que a
s pes
soas
tamb
ém (.
..) co
meça
m a
ver q
ue “e
ste n
ão q
uer,
não
quer
”, e
satur
am-se
(...)
Come
cei a
sen
tir iss
o tam
bém.
.. e
tamb
ém co
mece
i a
pens
ar, e
u nã
o ten
ho d
úvida
... po
rque
sofr
e tud
o, nó
s de
sesta
biliza
mos
tudo..
. e e
u tam
bém
come
cei a
pe
nsar
, pro
ntos,
“eu
tenho
que
faze
r po
r mi
m, te
nho
que
muda
r, po
r mi
m, m
as ta
mbém
... tam
bém,
eu
dese
stabil
izo is
to tud
o...
“, qu
e es
tá aq
ui à
volta
, é
mãe,
é irm
ãos,
é tud
o, a
famí
lia t
oda..
. fic
a tud
o de
sesta
biliza
do...”
(Rog
ério,
Q18
)
Quad
ros d
e re
ferên
cia
3. Tr
abalh
o
2005
•
“[O pa
trão]
... ele
está
à esp
era..
. par
a eu..
. apa
rece
r no t
raba
lho, n
ão é.
.. “ (D
ário,
C29
; 33)
• “(.
..) fu
i trab
alhar
para
a A.
[País
], por
influ
ência
s (...)
do m
eu p
ai... e
u com
trab
alho..
. cá e
m Lis
boa,
traba
lhava
nu
ma e
mpre
sa d
e lim
peza
s, (..
.) o
supe
rviso
r ger
al...
arra
njou
uma
confi
ança
tão
gran
de e
m mi
m...
e go
stou
tanto
da m
inha
forma
de
traba
lhar (
...) q
ue já
me
dava
as
empr
eitad
as (.
..) e
u na
emp
resa
já e
scolh
ia as
mu
lhere
s qu
e qu
eria
para
esta
r ao
pé d
e mi
m...
porta
nto a
únic
a co
isa q
ue m
e es
tava
a tra
var .
... um
a ev
oluçã
o ma
is no
trab
alho..
. era
a fa
lta d
a ca
rta, p
orqu
e... t
ambé
m pu
nham
-me
uma
carri
nha
nas
mãos
(...)
” (M
aria,
E6)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
35
Quad
ros d
e re
ferên
cia (c
ont.)
Trab
alho (
cont.
) 20
06
• “E
u so
u co
ntabil
ista.
Trab
alho
em c
ontab
ilidad
e (..
.) nu
m ga
binete
de
conta
bilida
de o
nde
(...)
há u
m pa
trão,
e ex
istem
quin
ze m
ulher
es a
faze
rem
conta
bilida
de p
ara
muito
s ga
binete
s. Pa
ra x
is cli
entes
, a e
mpre
sa te
m qu
inhen
tos cl
ientes
, nós
somo
s quin
ze m
ulher
es, e
ntre
essa
s mulh
eres
têm
que
se d
istrib
uir o
s clie
ntes t
odos
. Os
clie
ntes
divide
m-se
por
toda
s as
mulh
eres
, e a
s mu
lhere
s faz
em a
con
tabilid
ade
dess
as e
mpre
sas.
Quan
do c
hega
uma
emp
resa
nov
a ao
gab
inete,
é d
ito…
“olha
, esta
emp
resa
vai
ficar
par
a ti,
pess
oa” e
ssa
pess
oa p
ega
no cl
iente,
e fic
a co
m es
sa e
mpre
sa p
ara
semp
re, e
nqua
nto o
clien
te for
nos
so cl
iente.
(...)
Não
so
u co
ntabil
ista
douto
rada
, sou
técn
ica d
e co
ntabil
idade
. Por
tanto
eu fa
ço o
mes
mo q
ue u
ma c
ontab
ilista,
só
que n
ão as
sino.
Não p
osso
assin
ar, h
á outr
a pes
soa q
ue as
sina.”
(Cris
tina,
F10;
23)
• “(.
..) ah
, por
tanto,
eu so
u moto
rista
[de tá
xi]” (
José
, G6)
• “(.
..) s
ou b
arma
n (..
.) já
há u
ns a
nos
(ri)..
. dep
ois é
um
traba
lho...
é aq
uela
histór
ia, o
trab
alho
é mu
ito (.
..)
sabe
que
aqu
ilo é
mais
resta
uran
te ba
r (...)
não
é tã
o ag
itado
... é
agita
do, m
as....
é n
a pa
rte d
e co
mida
, não
na
par
te de
cop
os...
a pa
rte d
e co
pos
també
m tem
, esp
lanad
a e
isso..
. mas
é m
ais c
omida
, peti
scos
, cop
os
não (
...)” (
João
Migu
el, H
25)
• “E
u era
serve
nte...
de pe
dreir
o...”(
Mário
, L13
)
• “(.
..) fa
zia b
iscate
s de
mec
ânico
ao
fim d
e se
mana
e e
ra e
stafet
a...”
(Ósc
ar, N
18);
“(...)
com
prei
uma
mota
quan
do v
im, c
om a
s ec
onom
ias q
ue ju
ntei (
...) e
arra
njei lo
go tr
abalh
o, no
prim
eiro
mês..
. e e
stive
sem
pre
a tra
balha
r (...)
até a
os úl
timos
três
mes
es...”
(Ósc
ar, N
19)
• “(.
..) [A
ses
ta] é
um
vicio
que
já (..
.) qu
ando
era
esta
feta
e tud
o, eu
per
gunta
va a
o pa
trão,
“mas
só
vens
às
quatr
o?!”,
era
um
vicio
que
ficou
daí,
e n
ão...
e nã
o co
nseg
uia, a
dorm
ecia
na m
ota e
tudo
... se
não
dor
miss
e aq
uele
boca
dinho
, des
de a
uma a
té às
três
e pic
os, n
ão co
nseg
uia...”
(Ósc
ar, N
29)
Quad
ros d
e re
ferên
cia
4. Co
ntro
lo
20
06
• “(.
..) [N
a ilh
a on
de e
stive
] não
hav
ia [dr
oga],
não
hav
ia um
pob
re, e
u nã
o vi
um p
obre
, sab
e o
que
é qu
e é?
Eu
não
vi um
a pe
ssoa
a p
edir..
. na
rua,
não
vi um
pap
el ne
m um
ciga
rro n
o ch
ão, e
ra d
e um
a or
ganiz
ação
co
mplet
a, nã
o hav
ia, nã
o hav
ia dr
ogas
(...)
” (Cr
istina
, F19
)
• “E
ncon
trámo
s un
s po
rtugu
eses
[na
ilha
onde
esti
vemo
s], (.
.) e
eles
disse
ram
logo,
“eh
pá, a
qui n
ão, a
qui é
mu
ito d
ificil,
porq
ue a
inda
é tud
o mu
ito c
ontro
lado,
e só
se
conh
ecer
es m
uito
bem
a pe
ssoa
, e te
m qu
e se
r um
a pe
ssoa
que
tenh
a con
hecim
entos
par
a en
trar c
om d
roga
den
tro d
a ilh
a, po
rque
não
entr
ava
(...)
na ilh
a...”
(Cris
tina,
F21)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
36
Inst
ituiçã
o to
tal
1. Re
gim
e na
com
unid
ade
2005
•
“(...)
falo-
lhe de
mim
... pr
onto,
para
já is
to tor
na-se
um há
bito,
torna
-se...
uma p
esso
a por
mais
que n
ão qu
eira,
acom
oda-
se, n
ão é
... ac
omod
a-se
à s
ituaç
ão (.
..) p
assa
a s
er u
ma a
como
daçã
o (..
.) tal
vez
porq
ue a
pes
soa
se s
inta
segu
ra a
qui...
o p
rimeir
o as
pecto
... e
depo
is ao
long
o do
temp
o va
i-se
acom
odan
do à
quilo
que
... à
hora
de
levan
tar, à
hor
a de
com
er, a
faze
r isto
, a fa
zer a
quilo
... é
um p
roce
sso..
. é u
m pr
oces
so d
iário,
de
manh
ã...”
(Jaim
e, B1
9; 32
)
• “(.
..) e
u nã
o ve
jo ist
o co
mo u
ma co
munid
ade..
. vejo
isto
como
uma
casa
de
família
, (...)
nem
a g
ente
sabe
se
isto
é um
pro
gram
a, po
rque
não
há
ningu
ém q
ue n
os e
strutu
re u
m pr
ogra
ma...
a ge
nte q
uand
o va
i par
a um
a co
munid
ade
e diz
que
tem
um p
rogr
ama
de u
m an
o... e
u pe
lo me
nos,
pess
oalm
ente,
tenh
o um
pro
gram
a de
um
ano..
. um
meu,
é o m
eu pr
ogra
ma...
“ (Ja
ime,
B29;
31)
• “(.
..) aq
ui de
ntro..
. ah,
eu fa
ço...
acor
dar d
e ma
nhã,
como
... h
oje...
de m
anhã
, às o
ito...
e... d
espe
rtar,
limpa
r a
casa
... e..
. dep
ois [d
e] lim
par a
cas
a e
cada
um
faz a
s ac
tivida
des
que
quise
r, ou
... co
mo e
u, es
tou a
qui a
pin
tar, o
s outr
os...
pode
faze
r outr
a cois
a...de
pend
e... o
que é
que é
mais
nece
ssár
io, fa
zer..
. “ (D
ário,
C6)
• “(.
..) n
ão cu
sta n
ada
uma p
esso
a lav
ar lo
uça..
. ou d
ez ou
vinte
trint
a lou
ças..
. até
é bom
par
a ter
apia,
por
que..
. nã
o es
tá pa
rado
, não
é...
o qu
e eu
não
gos
to é
de e
star p
arad
o... n
ão q
uero
sabe
r se
os o
utros
faze
m, o
u se
os
outro
s não
faze
m... d
eixam
de fa
zer..
. “ (D
ário,
C14
) 20
06
• “(.
..) p
or m
édia
é se
mpre
(...)
à m
esma
hor
a do
que
os
outro
s, qu
e é
para
não
hav
er...
ningu
ém a
dize
r “ah
, aq
uele
está
a fug
ir”, o
u “a
quele
leva
nta-se
mais
cedo
”, ou
“é e
ngra
xado
r, é
isto..
.”, n
ão se
i quê
, por
tanto
isto
é mu
ito...
isto
aqui
somo
s qu
ase
como
uma
famí
lia d
entro
, (...)
e e
ntão
se h
ouve
r um
que
faça
uma
coisa
dif
eren
te, o
s outr
os re
para
m, e
par
a qu
e nã
o re
pare
ning
uém,
bem
, vam
os le
vanta
r-nos
todo
s à m
esma
hor
a, e v
amos
todo
s com
er a
hora
s, (..
.) qu
e é p
ara n
ão h
aver
chati
ces,
nem
prob
lemas
uns
com
os o
utros
...” (J
osé,
G26)
• “(.
..) h
á fal
ta de
org
aniza
ção..
. há
falta
de o
rgan
izaçã
o, as
pes
soas
às
veze
s... n
ão te
m um
a es
cala.
.. nã
o faz
em a
s co
isas
com
as p
esso
as q
ue e
stá lá
... iss
o tam
bém
preju
dica
muito
... e
depo
is, s
e tiv
esse
cad
a um
qu
e faz
er c
om e
scala
, com
... po
r exe
mplo
coisa
s pr
ogra
mada
s, nã
o tem
uma
pro
gram
ação
cer
ta...
“ (Dá
rio,
J3)
• “(.
..) p
recis
amos
de
uma
esca
la, (.
..) p
or e
xemp
lo, “i
sto n
ão é
hor
a de
toma
r ban
ho”,
tem m
omen
to de
toma
r ba
nho,
tem m
omen
to de
tudo
, por
exe
mplo
o mo
mento
de
come
r tem
os a
s hor
as, n
ão é
... ma
s por
exe
mplo
o
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
37
Institu
ição t
otal
(cont.
)
Regim
e na c
omun
idade
(co
nt.)
mome
nto de
toma
r ban
ho, o
mom
ento
de ir
cada
um...
tem qu
e dist
ribuir
as ta
refas
a ca
da um
, tamb
ém nã
o se
perce
be a
s tar
efas,
não
tem m
uito
assim
... nã
o es
tá mu
ito p
rogr
amad
o, nã
o es
tá mu
ito e
stabe
lecido
...e o
An
tónio
també
m às
vez
es d
eixa
muita
s co
isas
pass
ar, (
...) m
as n
ão te
nho
razã
o de
que
ixa, p
orqu
e ele
é u
m bo
m co
lega,
(...)
e um
a pe
ssoa
que
tem
bom
cora
ção,
e iss
o jun
to co
nta m
uito,
para
já e
eu
gosto
muit
o do
An
tónio,
é m
eu a
migo
de
há m
uito
tempo
, eu
ajud
o a
ele n
aquil
o qu
e for
pre
ciso,
eu e
stou
do la
do
dele.
..”(D
ário,
J4)
• Nã
o mu
dou
muita
cois
a, nã
o... n
ão...
é aq
uilo
que
eu d
igo c
om o
Antó
nio [m
onito
r] co
m as
tare
fas, é
... um
a ve
z, no
temp
o do
outr
o, tin
hamo
s as
cois
as d
a ma
neira
dele
... as
pes
soas
cum
priam
as
tarefa
s da
man
eira
dele.
.. ma
s ago
ra p
ronto
, com
o A
ntónio
, não
sei s
e ele
não
liga
a mu
ita co
isa (.
..) d
evia
estar
tudo
muit
o ma
is ar
ranja
do...
“(Dár
io, J9
)
• “É
pá..
. a
gente
, se
estou
na
cozin
ha,
estou
na
cozin
ha...
depo
is se
esto
u a
varre
r, um
lava
o o
utro
varre
...”(M
ário,
L17)
• “[S
into-
me b
em n
esta
comu
nidad
e po
rque
](...)
tod
as a
s co
munid
ades
que
con
heço
são
dife
rente
s... o
u nã
o no
s de
ixam
o tab
aco,
corta
m o
tabac
o, ou
pas
sas
por s
intom
as d
e ab
stinê
ncia,
cor
tam
radic
almen
te, s
em
tratam
ento
nenh
um, e
sem
nada
, ou
també
m têm
um
proje
cto d
e re
ligião
, seu
, cris
tão, e
dep
ois p
õem-
te co
m a B
iblia,
mete
m-te
a Bi
blia,
e é
Deus
que
te cu
ra, e
a re
ligião
, em
todos
os c
entro
s que
eu
conh
eço
são
assim
, [re
fere s
eis no
mes d
e ins
tituiçõ
es di
feren
tes]”
(Nela
, M10
a)
• “D
e ma
nhã
levan
tamo-
nos,
tomam
os o
peq
ueno
alm
oço,
e de
pois
fazem
os a
s tar
efas
da c
asa,
metem
o-no
s ca
da u
m no
seu
quar
to, ca
da u
m ar
ranja
o se
u qu
arto,
limpa
-se o
qua
rto, a
mim
cabe
-me
a cas
a de
ban
ho, h
á du
as ca
sas d
e ba
nho,
há a
casa
de
banh
o da
s mulh
eres
e a
dos
hom
ens,
e co
mo e
u es
tava
sozin
ha a
ntes d
e ch
egar
este
casa
l [Cris
tina
e Jo
ão M
iguel]
, faz
ia eu
sem
pre,
mas a
gora
temo
s que
alte
rnar
, um
dia e
la, o
utro
dia e
u, ma
s com
o ela
ago
ra e
stá a
pas
sar u
m po
uco
mal, t
ambé
m [es
tá no
per
íodo
de d
esint
oxica
ção],
aind
a nã
o fale
i nad
a com
ela..
. faço
eu to
dos o
s dias
... e t
ambé
m a c
ozinh
a, a c
ozinh
a tam
bém
me ca
be na
lguns
dos
dias,
não
são
todos
os
dias,
um d
ia po
r sem
ana
cabe
-me
servi
r à m
esa,
cabe
a u
ma p
esso
a se
rvir à
mes
a, tam
bém
me en
carre
go da
lava
ndar
ia, ca
da di
a... tr
ato da
roup
a (...)
” (Ne
la, M
17)
• “(.
..) is
to tem
as su
as re
gras
, (...)
já e
stou
habit
uado
, (...)
o ou
tro er
a tão
restr
ito qu
e (...)
não p
odias
fuma
r, nã
o po
dias b
eber
, (...)
aqu
i pod
e-se
fuma
r, em
bora
tamb
ém n
ão se
pos
sa b
eber
... tem
as s
uas r
egra
s, ma
s den
tro
das r
egra
s não
é um
a cois
a tão
restr
ita co
mo aq
uela.
.. (Ós
car,
N9)
• “S
e eu
deix
ava
fumar
? [aq
ui sim
, mas
](...)
na
R.[co
munid
ade
onde
esti
ve] n
ão p
odiam
por
um
motiv
o, (.
..)
havia
pes
soas
(...)
na
prim
eira
fase
que
vinha
m tra
balha
r à s
egun
da (.
..), d
epois
con
segu
iam d
inheir
o, de
go
rgeta
s e
isso,
e log
o vo
ltava
m lá
para
cim
a pa
ra a
prim
eira
fase(
...),qu
ando
as
pess
oas
estão
a re
ssac
ar,
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
38
Institu
ição t
otal
(cont.
)
Regim
e na c
omun
idade
(co
nt.)
não
conv
ém fu
mar..
. e e
ntão
(...)C
omeç
avam
a fa
zer n
egóc
io, p
ara
comp
rar t
abac
o un
s aos
outr
os, e
por
isso
se
acab
ou o
tema d
o tab
aco (
...)” (
Ósca
r, N3
2)
• “(.
..)
o fac
to de
eu
ajuda
r [na
s tar
efas]
não
é à
toa…
é um
des
perta
r par
a ele
s, qu
e eu
ach
o qu
e re
sulta
, po
rque
eu ao
princ
ípio u
sava
mais
tipo a
força
bruta
(...)
” (An
tónio,
P4)
Institu
ição t
otal
2. O
mon
itor e
a su
a co
mun
idad
e
2005
•
“(...)
ajud
o o
Rodr
igo [m
onito
r], o
pro
blema
é q
ue e
le es
tá s
ozinh
o... .
.. nã
o é
fácil..
. tam
bém
é um
a pe
ssoa
so
zinha
(...)
tamb
ém já
esti
ve, e
sei q
ue n
ão é
fácil..
. vive
r ou c
onviv
er...
ainda
por
cima
resp
onsa
biliza
r-se p
or
(...)
todo
o gén
ero d
e pes
soas
, não
é... u
mas m
ais pr
oblem
ática
s, ou
tras m
ais...
mais
pond
erad
as (.
..)” (
Jaim
e, B1
3)
• “(.
..) co
nform
e eu
esta
va a
dize
r, tam
bém
sou
amigo
, muit
o am
igo d
ele [m
onito
r], [a
] maio
r par
te de
les, n
unca
ofe
ndeu
-me..
. e q
uand
o [o
monit
or] e
stá a
ssim
[alco
oliza
do] à
s ve
zes
fala
de u
ma m
aneir
a (..
.) ag
ress
ivo e
br
uto...
e as
pes
soas
... co
meça
m a
ficar
ass
ustad
os, n
ão s
ei qu
ê... s
ei...
como
aco
ntece
u co
m o
noss
o Ma
ndra
ke...
[estav
a na
comu
nidad
e na
prim
eira v
ez, e
m Ju
nho,
mas a
gora
já n
ão e
stava
lá]...
(...)
[era
prec
iso]
uma p
esso
a exp
erien
te, [m
ais] q
ue o
Monit
or...
“ (Dá
rio, C
22)
• “(.
..) s
im, m
as o
Mon
itor,
por e
xemp
lo, [s
e] tiv
er u
m er
ro, o
u um
a co
isa a
ssim
... qu
e é
para
cor
rigir,
ou p
ara
cheg
ar a
uma
reun
ião...
para
falar
diss
o... p
ratic
amen
te ist
o é
tipo
de...
partid
o po
lítico
(...)
com
o um
par
tido
único
, aqu
i den
tro...
” (Dá
rio, C
23) “
20
06
• “(.
..) e
u vá
rias
veze
s de
satin
ei co
m o
Rodr
igo (.
..) s
ituaç
ões
(...)
que
o Ro
drigo
per
mitia
(...)
até
iam p
ara
os
copo
s, inc
lusive
... eu
a p
rimeir
a ve
z qu
e vim
par
a cá
, pas
sar,
chate
ei-me
com
ele
ao s
egun
do d
ia, e
ao
terce
iro d
ia fui
-me
embo
ra, d
isse
a ele
“Não
pá,
desc
ulpa
lá, e
u vim
par
a aq
ui pa
ra re
ssac
ar, n
ão v
im p
ara
aqui
para
no
segu
ndo
dia tu
ires
par
a a
bebe
deira
, e e
u ter
que
esta
r à e
sper
a da
med
icaçã
o até
à m
eia-n
oite
e meia
, por
tanto
olha,
fica l
á com
a tua
med
icaçã
o, qu
e eu v
olto o
utra v
ez pa
ra a
rua..
.” (C
ristin
a, F4
3; 46
)
• “[Q
uand
o en
trei a
qui] o
mon
itor e
ra o
Toz
é e
o Ro
drigo
, que
já fa
leceu
, era
m ele
s os d
ois, p
ortan
to er
a o
Tozé
(..
.) mo
nitor
dura
nte a
sema
na, e
o Ro
drigo
(...)
de fim
de se
mana
(...)
” (Jo
sé, G
4)
• “(.
..) u
ma id
eia q
ue e
u até
dei
ao A
ntónio
, por
que
o An
tónio
ainda
não
esta
va a
ssim
muit
o... n
ão ti
nha
muita
ex
periê
ncia
de es
tar a
lidar
assim
com
os ut
entes
(...)
” (Jo
sé, 2
7)
• “(.
..) e
ele
[Antó
nio] t
em-m
e ag
rade
cido
imen
so (.
..) p
orqu
e o
tenho
esta
do a
ajud
ar, e
faço
os p
ossív
eis p
ara
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
39
Institu
ição t
otal
(cont.
)
O mo
nitor
e a s
ua
comu
nidad
e (co
nt.)
que i
sto co
rra tu
do be
m, aq
ui de
ntro,
isto é
uma
coisa
que n
ão cu
sta na
da (.
..)” (
José
, G30
)
• “F
oi po
r cau
sa d
o fal
ecim
ento,
foi o
Rod
rigo..
. mud
ámos
de
monit
or, e
senti
mos b
astan
te, p
elo m
enos
eu,
no
meu
caso
, por
que
ele e
ra n
osso
ami
go, p
ratic
amen
te, s
entim
os a
falta
dele
(...)
Foi
um b
ocad
o [co
mplic
ado],
ma
s tam
bém
a ge
nte já
esta
va p
repa
rado
, e à
esp
era
(...)
e no
esta
do e
m qu
e ele
esta
va a
gen
te já
estav
a pr
epar
ado,
já sa
bia qu
e men
os di
a ma
is dia
ele
ia mo
rrer,
tem de
ser..
. pro
nto, e
é me
nos u
m co
lega..
.” (D
ário,
J1
)
• “(.
..) e
stá d
esen
volve
r, es
tá a
corre
r bem
, o A
ntónio
[mon
itor]
també
m tem
mos
trado
que
pro
nto, é
um
bom
rapa
z, (..
.) tem
mais
um
boca
dinho
de
comp
reen
são
do q
ue o
outr
o, (..
.) co
m o
anda
mento
, pro
nto, t
ambé
m de
ixa m
uita
coisa
pas
sar p
orqu
e ain
da é
um
rapa
z jov
em e
tamb
ém a
inda
não
tem m
uita
expe
riênc
ia nis
to...”
(D
ário,
J2)
• “(.
..) e
u na
coisa
das
regr
as a
cho
que
ele te
m qu
e tra
balha
r um
boca
dinho
...mas
o re
sto e
stá tu
do b
em, m
as o
ou
tro, t
inha
as co
isas e
scrita
s não
feita
s, e
as co
isas a
ssim
, mas
ago
ra ta
mbém
não
sei n
ada
o qu
e é
que
se
pass
a...”(
Dário
, J11
)
• “(.
..) q
uand
o eu
lá ch
egue
i [à co
munid
ade
no p
aís e
stran
geiro
] era
muit
o re
strito
, não
se p
odia
sair,
todo
o dia
fec
hado
, ali e
ra só
trab
alho,
traba
lho, a
par
te de
Deu
s, tra
balho
, a p
arte
de D
eus e
trab
alho..
. e e
u ten
tei [u
m po
uco d
e abe
rtura
], mas
vi lo
go qu
e não
...”(Ó
scar
, N10
)
• “(.
..)...
sai d
e lá
já se
ndo
monit
or, e
stive
qua
tro m
eses
a re
abilit
ar-m
e, (..
.) trê
s me
ses
a aju
dar (
...) fi
quei
monit
or, e
dep
ois co
mo tin
ha ca
rta d
e co
nduç
ão e
está
vamo
s a m
il e o
itoce
ntos m
etros
de
altur
a, só
lá su
bia
um jip
e, e
eu e
ra o
únic
o qu
e sa
bia co
nduz
ir, po
r iss
o fiq
uei lá
qua
se d
ois a
nos..
. mas
no
fim d
isse
“tirem
-me
daqu
i que
eu es
tou m
eio lo
uco,
já”...”
(Ósc
ar, N
12)
• Fo
i com
plica
do [t
orna
r-me
monit
or a
qui] n
o se
ntido
de…
par
a já,
de
todas
as p
esso
as q
ue cá
esta
vam,
eu
era
o ma
is no
vo, (
...) E
ntão,
estav
a o
cozin
heiro
, o F
ranc
isco,
estav
a o
(...)
[não
conh
eci]
mais,
na
altur
a ér
amos
se
is ou
sete
, só,
estav
a um
que
dep
ois s
e foi
emb
ora,
estav
a o
Jaim
e (..
.) O
Jaim
e sa
iu an
tes (.
..) [e
] ele
já nã
o reg
ress
ou, m
ais (.
..) E
ssa s
ituaç
ão [J
aime e
Mar
ia sa
íram
juntos
], tam
bém
já nã
o volt
ou m
ais (.
..) O
Car
los
(...)
éram
os ci
nco
ou se
is na
altu
ra (.
..)Ac
ho q
ue n
ão é
mais
… e
stava
m os
outr
os d
ois q
ue e
ntreta
nto sa
íram,
po
rtanto
era
pes
soal
que
entra
va o
u sa
ía (..
.) aq
ueles
que
fica
m aí
e vã
o-se
emb
ora…
[des
intox
icaçõ
es] e
de
pois
a pa
rtir d
aí, o
lhe, f
oi tud
o um
a qu
estão
de
ir-me
hab
ituan
do, a
h, de
pois
entre
tanto
come
çou
a en
trar
pess
oal n
ovo,
ao m
esmo
temp
o, ma
s po
r aí,
pron
to, fo
i um
boca
dinho
, foi
difíci
l, nã
o é…
que
r dize
r difíc
il po
rque
era
uma
exp
eriên
cia n
ova,
uma
situa
ção
nova
, e is
to nã
o é
a me
sma
coisa
que
a g
ente
estar
mos
numa
emp
resa
, ter
mos
cinco
ou
seis
empr
egad
os, s
ob a
sua
alça
da, n
ão é
a m
esma
cois
a, é
totalm
ente
difer
ente,
p’ra
já po
rque
aqui
é mais
difíc
il dar
orde
ns, c
ontar
com
o bom
sens
o das
pess
oas…
” (An
tónio,
P3)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
40
Institu
ição t
otal
(cont.
)
O mo
nitor
e a s
ua
comu
nidad
e (co
nt.)
• “(.
..) n
o pr
incípi
o foi
com
plica
do, p
orqu
e es
tava
habit
uado
a li
dar c
om re
gras
do
Rodr
igo (.
..) p
or u
m la
do,
funcio
nava
m, m
as p
or o
utro
era
aque
la sit
uaçã
o... d
e as
pes
soas
and
arem
sem
pre
a dis
cutir
umas
com
as
outra
s, (..
.) de
um
dia p
ara
o ou
tro, [
eu] e
stava
num
lado
e (.
..) p
asse
i par
a o
outro
, e co
mo e
u nã
o so
u um
a pe
ssoa
que
gos
te mu
ito d
e me
impo
r, go
sto q
ue m
e re
speit
em, n
ão g
osto
de e
xigir
o re
speit
o ao
s outr
os, (
...)
foi c
ompli
cado
, mas
há
medid
a qu
e o
tempo
vai
pass
ando
(...)
aca
bam
mesm
o po
r me
resp
eitar
...” (A
ntónio
, P5
)
Institu
ição t
otal
3. Re
sistê
ncias
e re
gist
o es
cond
ido
2005
•
“[a ro
tina
diária
da
comu
nidad
e] nã
o é
difíci
l, ma
s... p
or v
ezes
leva
(...)
a c
ertos
sen
timen
tos...
pelo
meno
s a
mim
leva..
. leva
-me
a... a
ques
tões,
leva-
me a.
.. às v
ezes
a vi
rar a
mes
a, e..
.. lá e
stá...
uma a
juda q
ue a
gente
re
almen
te pr
ecisa
... ten
ho...
tenho
este
s mom
entos
, mas
dep
ois te
nto te
r a ca
pacid
ade
de d
ar a
volta
a is
so...
“ (Ja
ime,
B20)
• “(.
..) n
ão é
falar
mal
(...)
de n
ós...
da n
ossa
vida
de
tóxico
s, ou
de
alcoó
licos
, mas
(...)
os
tóxico
s [e]
nós
os
alcoó
licos
, e e
stou
a me
ter ta
mbém
a m
inha
parte
... é
difíci
l, ...
é um
a co
isa m
uito
difíci
l (...)
trab
alham
bo
cadin
hos
e de
pois
dizem
[que
] já
está
cans
ados
... nã
o... d
epois
esp
eram
pelo
s ou
tros..
. os
outro
s nã
o faz
em e
les ta
mbém
não
faze
m...
e é
semp
re p
roble
mas,
não
é... s
e um
lava
a lo
uça,
e o
outro
tem
que
lavar
(..
.) co
nfusõ
es (.
..)” (
Dário
, C13
)
• “(.
..) fa
zer a
mes
ma c
oisa
que
faz lá
fora
mas
fazê
-lo a
qui d
e ou
tra m
aneir
a... h
á se
mpre
uma
man
eira..
. “
(Jaim
e, B2
1)
• “(.
..) o
mon
itor à
s ve
zes..
. uma
vez
ou
outra
... [es
tá] n
um e
stado
de..
. pra
ticam
ente
embr
iagad
o, nã
o é..
. de
pois.
.. fic
a lá
em ci
ma, n
ão d
á tot
almen
te ap
oio à
s... a
os u
tentes
, não
é...”
(Dár
io, C
19; 2
0) “
... d
epois
eu
també
m so
u ami
go de
le, ...
não q
uere
r divu
lgar..
.” (D
ário,
C21
)
• “..
. dep
ois...
[a] p
rimeir
a co
isa, q
uem
tem a
cess
o ao
[dire
ctor d
a co
munid
ade]
é ele
, (...)
leva
com
aqu
ela
conv
ersa
dele
e...
se fo
r ver
dade
ou
menti
ra, p
ronto
... as
pes
soas
... qu
em s
ofre..
. som
os...
são..
. o u
tente,
é
que s
ofre,
não é
...” (D
ário,
C24
) 20
06
• “(.
..) e
sse
[Ósc
ar] t
ambé
m tem
jeito
par
a a
cozin
ha, m
as é
mais
é c
onve
rsa...
cheg
a na
coz
inha,
come
ça a
fal
ar, c
omeç
a a..
. enq
uanto
que
o Jo
sé n
ão, o
José
faz a
s cois
as q
ue e
u go
sto co
m go
sto, e
ele
não
faz...
faz
assim
, pro
nto, e
le es
tá se
mpre
a te
imar
, “eu
que
ro is
to, e
u qu
ero
isto”
... nu
nca
faz a
s cois
as co
m vo
ntade
... o
José
às ve
zes f
az co
m vo
ntade
...”(D
ário,
J12)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
41
Institu
ição t
otal
(cont.
)
Resis
tência
s e re
gisto
esco
ndido
(con
t.)
• “P
or u
m lad
o sã
o bo
ns, h
á aí
dois
ou tr
ês q
ue s
ão b
ons..
. ago
ra o
resto
(...)
“Fog
em”[n
o se
ntido
de
não
traba
lhare
m] d
e ve
z em
qua
ndo!
Ou e
stão
doen
tes, o
u es
tão is
to, o
u es
tão a
quilo
... a
pess
oa já
está
ha
bitua
da a
isto.
.. eu
já e
stou..
. ao
princ
ipio
eles
marca
vam
semp
re q
uem
fazia
as li
mpez
as, a
gora
não
... ag
ora
deixa
m es
tar, c
ada
um q
ue fa
ça a
sua..
.”(Má
rio, L
15);
“[Eu
dante
s faz
ia o
traba
lho d
e ou
tros]
levan
tava-
me ce
do, li
mpav
a os q
uarto
s...”
(Már
io, L1
6)
Institu
ição t
otal
4. Sa
ntuá
rio
2006
•
“(...)
é u
ma lu
ta, (.
..) e
u ac
tualm
ente,
só m
e sin
to be
m qu
ando
esto
u aq
ui de
ntro
do ce
ntro,
e me
smo
quan
do
vou
a ca
sa, e
u se
i lá, e
u ou
vir a
s pe
ssoa
s, vo
u lá
à zo
na, v
ou v
er a
quela
malt
a, se
i que
and
am m
etido
s na
dr
oga,
eu n
ão m
e sin
to be
m, só
de
olhar
par
a ele
s (...)
” (Jo
sé, G
22);
“(...)
tenh
o me
do, p
á, eu
ach
o qu
e ain
da
não
estou
... (..
.) pr
epar
ado a
cem
por c
ento
para
enfr
entar
... é q
ue e
sse
mund
o lá
fora
é muit
o ag
ress
ivo (.
..) a
nív
el de
drog
as, e
toxic
odep
endê
ncia,
é mu
ito ag
ress
ivo (.
..)” (
José
, G23
)
• “(.
..) e
le nã
o po
dia e
star a
qui d
entro
... en
tão...
então
ele
ia ao
fim-
de-se
mana
, cad
a ve
z qu
e ia
ao fi
m-de
-se
mana
, vinh
a aí, v
inha t
odo a
lcooli
zado
(...)
” (Jo
sé, G
33)
• “(.
..) g
osto
de e
star n
o me
u ca
nto, s
osse
gadin
ho...
já se
i com
o é
que
é, há
um
que
come
ça a
i a a
ndar
de
um
lado
para
o o
utro..
. ten
ho m
edo
é de
ir lá
par
a for
a... l
á pa
ra fo
ra, e
u ten
ho m
edo..
. não
tenh
o co
nfian
ça
nenh
uma
em m
im...
tenho
um
boca
do d
e re
ceio
(...)
a últ
ima
vez q
ue e
u es
tive
cá, c
onfor
me sa
í meti
-me
logo
na dr
oga..
.” (M
ário,
L10)
• “S
im, p
ara
mim
é... é
por
que,
pron
tos, a
minh
a fam
ilia p
ode
ser m
uito
boa
mas d
e re
pente
pod
e de
ixar d
e me
fal
ar, o
u qua
lquer
coisa
...” (M
ário,
L27)
• “É
...às
veze
s pe
ço a
o An
tónio
[mon
itor]
para
ir c
omigo
lá à
minh
a mã
e...”
(Már
io, L
39);
“Entã
o, po
is...
se a
ge
nte n
ão te
m co
nfian
ça n
a ge
nte m
esmo
, tem
que
ped
ir a
algué
m qu
e vá
com
a ge
nte...
e ele
s não
leva
m a
mal...
” (Má
rio, L
40);
“(...)
não
tenho
é co
nfian
ça e
m ir p
ara
fora,
não é
... pa
ra a
rua,
anda
r soz
inho,
isto
é com
o tud
o...”(
Mário
, L43
)
Palco
s e
com
unica
ção
1. Ca
usas
na
com
unid
ade,
do
ingr
esso
ou
regr
esso
à co
mun
idad
e
2005
•
“... p
orqu
e é
que
volto
?... p
orqu
e da
qui le
vei b
oas r
ecor
daçõ
es, e
bon
s ens
iname
ntos..
.para
mim
, ter
pas
sado
aq
ui um
ano
e m
eio n
ão fo
i em
vão..
.entre
i aqu
i com
uma
man
eira
de s
er e
sai
com
um...
talve
z nã
o tot
almen
temen
te mu
dado
, mas
muit
a cois
a mud
ou em
mim
...” (J
aime,
B8)
2006
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
42
Palco
s e
comu
nicaç
ão
(cont.
)
Caus
as na
comu
nidad
e, do
ing
ress
o ou r
egre
sso à
co
munid
ade (
cont.
)
• “A
qui é
mais
sos
sega
do, e
a g
ente
pron
tos...
não
estam
os a
í ao
pé d
as p
esso
as...d
os a
migo
s, ma
s nã
o sã
o am
igos (
...)” (
Mário
, L19
)
• “(.
..)
a as
sisten
te so
cial a
ndou
de
norte
a s
ul a
telefo
nar a
toda
s as
com
unida
des,
com
um c
atálog
o, e
nenh
uma
aceit
ava
com
filhos
, ou
casa
is, o
u gr
ávida
s, se
mpre
hav
ia um
a (..
.) Se
mpre
hav
ia um
pro
blema
, e o
[di
recto
r da
com
unida
de] f
oi, a
briu
essa
exc
epçã
o, de
ter
o J[f
ilho]
també
m aq
ui co
migo
, e g
rávid
a (..
.) ne
nhum
a co
munid
ade
aceit
ava,
eles
já iam
sep
arar
-nos
, a m
im ia
m-me
mete
r num
a co
munid
ade
que
há d
e mu
lhere
s grá
vidas
com
filhos
, no C
asal
Vento
so (.
..)” (
Nela,
M2)
• “[A
ass
isten
te so
cial]
proc
urou
de
norte
a s
ul, m
as n
ão e
ncon
trava
nen
huma
[com
unida
de],
umas
ace
itava
m gr
ávida
s ma
s nã
o ac
eitav
am m
arido
s, ou
tras
aceit
avam
mar
idos m
as n
ão a
ceita
vam
filhos
, outr
as a
ceita
vam
filhos
mas
não a
ceita
vam
gráv
idas,
tudo a
ssim
...” (Ó
scar
, N1)
Palco
s e
comu
nicaç
ão
2. A
fam
ília e
a co
mun
idad
e 20
05
• “(.
..) e
la [ex
-mulh
er] m
e ma
nda
dinhe
iro p
ara
o tab
aco,
pron
tos....
é...
dese
jar-m
e as
boa
s fes
tas, e
nata
l, ah..
. ma
s fez
-me
uma
coisa
muit
a má
.... é
muit
o ma
u pa
ra m
im, é
que
... eu
vejo
os o
utros
saire
m, e
ela.
.. nã
o me
ma
nda d
inheir
o par
a eu s
air...
não m
e dá d
inheir
o par
a eu i
r a ca
sa um
fim de
sema
na...”
(Car
los, A
15)
• “o
G. [
filho]
(...)
não
sei s
e ele
tem
verg
onha
de..
. de
eu se
r bêb
edo..
. de
eu g
ostar
de
bebe
r, nã
o se
i se
é iss
o (..
.) ma
s..., d
eve s
er (.
..) ta
mbém
não p
erce
bo po
rquê
... (..
.) em
relaç
ão à
minh
a filh
a... a
C....
tem
22 an
os, (
...)
é... r
aro t
elefon
ar-m
e, ve
io cá
duas
veze
s... n
ão, u
ma...
“ai g
osto
muito
de si
, e ta
l, veja
lá o
que é
que f
az..”
. ia
dizer
-lhe “
está
bom”
, e de
sligu
ei o t
elefon
e...”
(Car
los, A
16; 1
7)
2006
•
“(...)
ago
ra a
minh
a mã
e tem
-me
ajuda
do m
uito..
. tem
-me
dado
força
s... p
ara
ague
ntar,
senã
o já
me ti
nha
ido
embo
ra...”
(Már
io, L2
7a)
• “(.
..) vo
ltámo
s dep
ois d
e un
s dez
minu
tos a
falar
com
ele [o
dire
ctor d
a co
munid
ade],
por
caus
a do
miúd
o, qu
e tem
sete
anos
, par
a abr
ir uma
exce
pção
como
era p
eque
nito,
e ele
mand
ou pa
ra cá
... (Ó
scar
, N2)
• “(.
..)Eu
ach
o qu
e ist
o fun
ciona
um
boca
do a
ssim
., tem
os q
ue se
r nós
a q
uere
r. Nó
s mes
mos.
E nã
o foi
o ca
so,
eu v
im [d
a pr
imeir
a ve
z] po
r outr
as c
ircun
stânc
ias, m
as p
ronto
, por
... a
minh
a vid
a lá
fora
não
estav
a be
m,
prob
lemas
em
casa
, já,
e se
calh
ar fo
i uma
fuga
par
a a
frente
. E d
esta
vez
não,
desta
vez
foi m
esmo
, não
, ch
egou
a ho
ra, já
cheg
a de f
azer
asne
iras e
decid
i par
ar, p
ronto
, che
guei
a ess
a con
clusã
o.” (R
ogér
io, Q
3)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
43
Palco
s e
comu
nicaç
ão
3. Nó
s e o
s out
ros –
co
mun
icaçã
o na
co
mun
idad
e
2005
•
“(...)
falo
comi
go, n
ão de
saba
fo co
m nin
guém
...” (C
arlos
, A5)
• “(.
..) a
conv
ersa
dele
s, o
tema
deles
de
conv
ersa
é se
mpre
a m
esma
, a d
roga
é a
quela
conv
ersa
... vã
o ao
fim
do m
undo
, vão
aqui,
vão a
li, às
Mar
ianas
, vão
aqui,
vão a
li (...)
” (Ca
rlos,
A6).
• “n
o Na
tal, a
minh
a mã
e fal
eceu
... e..
. entã
o a
minh
a fam
ília n
ão m
e dis
se n
ada,
eu e
stava
aqu
i... p
asse
i cá
o Na
tal, p
asse
i o fim
do
ano,
e nã
o ha
via m
eio d
e me
dize
rem,
ning
uém
me d
izia
nada
, e e
u tan
to ch
ateav
a o
Rodr
igo [m
onito
r], “e
h pá
, deix
a-me
telef
onar
par
a ca
sa, q
uero
sabe
r com
o é
que
está
a mi
nha
mãe,
os m
eus
filhos
, eh
pá”..
. “oh
pá
hoje
não
telefo
nas,
não
pode
s tel
efona
r”, d
epois
... ah
... co
meço
u-me
aqu
ilo a
... mo
er,
“eh
pá, n
ão m
e de
ixas
telefo
nar p
orqu
ê?” .
.. tan
to o
mass
acre
i, qu
e ele
... “e
h pá
, deix
a-me
telef
onar
, pá”
... “e
stá be
m”, e
le já
sabia
...” (C
arlos
, A13
)
• “(.
..) a
ajud
a qu
e me
dão
não
é a
melh
or q
ue m
e po
dem
dar..
. na
verd
ade
eu à
s vez
es se
ntia
que
nece
ssita
va
de o
utros
tipo
s de
ajud
a... m
as n
ão é
pos
sível,
entã
o ten
ho...
tenho
que
me
ajuda
r a m
im p
rópr
io...”
(Jaim
e, B1
2)
• “(.
..) u
ma p
esso
a ve
m ha
bitua
da a
... a
certo
s tip
os d
e há
bitos
... e
de m
anha
s, e
de m
entira
s...
e de
en
cobr
imen
tos, e
de
manip
ulaçõ
es...
[as p
esso
as q
uand
o ch
egam
à c
omun
idade
] vêm
com
... vê
m co
m es
se
jogo t
odo..
. e já
de an
os ni
sso..
.” (Ja
ime,
B18)
• “..
. soz
inho
já se
i o q
ue e
u vo
u faz
er, e
deix
o de
faze
r... m
as (.
..) co
m ou
tra p
esso
a (..
.) do
u as
ideia
s, de
pois
(...)
há s
empr
e um
a ide
ia má
... ou
tra id
eia b
em, d
epois
... a
coisa
aqu
i nun
ca c
ombin
a... a
s pe
ssoa
s nã
o sã
o be
m...
profi
ssion
ais, n
ão...
outro
s nã
o têm
mes
mo...
mesm
o (..
.) vo
ntade
... de
man
eira
que,
para
trab
alhar
, [co
m] u
ma p
esso
a se
m vo
ntade
... me
lhor t
raba
lhar s
ozinh
o (..
.) ag
ora
cheg
a aq
ui um
.... u
ns d
ois m
inutos
, de
pois
já va
i... de
itar,
ou va
i par
a cas
a, ou
está
lá de
ntro..
. não
sei q
uê...”
(Dár
io, C
12)
• “(.
..) a
falar
e eu
tento
... nã
o fala
r nad
a, nã
o sei.
.. vira
r as c
ostas
... é m
elhor
...” (D
ário,
C26
)
• “..
. ele
[o Ma
ndra
ke] (
...) at
é que
falou
bem.
.. falo
u uma
s cois
inhas
que n
ão de
via fa
lar, m
as ta
mbém
... do
resto
fal
ou be
m... f
alou p
or ex
emplo
duas
verd
ades
... e f
alou t
rês m
entira
s... “
(Dár
io, C
27)
2006
•
“Sim
, sim
, e e
u tam
bém
gosto
muit
o da
minh
a pr
ivacid
ade,
comp
reen
de, é
por
que
quan
do e
stou
sozin
ho...
enqu
anto
estou
no
meio
fica-
me u
m bo
cadin
ho s
em id
eias..
. que
r dize
r, se
m mi
olos,
sem
ideias
, e...
e ele
s fic
am se
mpre
com
ideias
, (...)
” (Dá
rio, J
15);
“Não
é se
m co
nver
sa, p
rogr
amaç
ão, e
stou a
falar
da m
inha v
ida, a
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
44
Palco
s e
comu
nicaç
ão
(cont.
)
Nós e
os ou
tros –
co
munic
ação
na
comu
nidad
e (co
nt.)
prog
rama
r a m
inha
vida,
e qu
ando
eles
entr
am n
o qu
arto,
eu
estou
com
eles,
e nã
o ten
ho te
mpo
de tr
atar d
o qu
e é qu
e dist
inguir
o qu
e é qu
e é co
m a m
inha v
ida, ..
.”(Dá
rio, J
16)
• “A
gen
te sa
ía à n
oite,
na zo
na d
o café
, esta
vamo
s ali u
m bo
cadin
ho...
mas e
u so
u um
a pe
ssoa
muit
o fec
hada
, tam
bém
não
gosto
de
falar
com
ningu
ém (.
..) E
las p
uxam
por
mim
, mas
eu
não..
.”(Má
rio, L
9); “
(...)
depo
is aq
ui há
dias
fui a
li ao
café
com
o An
tónio
[mon
itor],
“eh,
estás
muit
o go
rdo,
estás
isto,
está
s aqu
ilo...”
, as p
esso
as
por u
m lad
o são
boas
, mas
por o
utro l
ado s
ão m
ás, n
ão go
stam
bem
da ge
nte...”
(Már
io, L2
9)
• “[O
meu
dia p
refer
ido] É
o sá
bado
, é m
ais so
sseg
adinh
o, nã
o está
aqui
quas
e ning
uém.
..” (M
ário,
L38)
• “(.
..) s
ão p
esso
as ig
uais
a nó
s, sã
o tox
icode
pend
entes
que
estã
o... t
ambé
m es
tiver
am m
etido
s na
dro
ga,
sabe
m o
prob
lema,
e en
tão p
ode-
se fa
lar c
om e
les, d
amo-
nos
bem,
sab
e-se
, ajud
amo-
nos
uns
aos
outro
s, sa
bemo
s de o
nde v
ieram
, sab
emos
o qu
e esti
vemo
s a fa
zer lá
fora
(...)
” (Ne
la, M
14)
• “(.
..) a
par
tir do
mom
ento
em q
ue se
i lá, a
conte
ce, q
ualqu
er co
isa, q
ue à
s vez
es a
conte
ce, e
stão
aqui
muita
s pe
ssoa
s, vê
m de
muit
as…
vêm
de
muito
s sít
ios, u
ns v
êm d
e um
sítio
, outr
os v
êm d
e ou
tro, é
natu
ral q
ue à
s ve
zes
se c
onfro
ntem
uns
com
os o
utros
, ah…
têm
que
se s
aber
ouv
ir, nã
o se
pod
e tom
ar lo
go d
ecisõ
es
prec
ipitad
as, p
orqu
e às v
ezes
nem
um di
z a ve
rdad
e nem
o ou
tro (.
..)” A
ntónio
, P8)
Palco
s e
comu
nicaç
ão
4. Nó
s e o
s out
ros –
co
nflit
os,
anta
goni
smos
2006
•
“(...)
este
ve a
qui u
m ute
nte, (
...) o
Antó
nio (.
..) n
ão ti
nha
mão
neles
,... e
les fa
ziam
o qu
e qu
eriam
e lh
es
apete
cia, e
stá a
per
cebe
r, e
então
, hou
ve u
ma v
ez ..
. um
fim-d
e-se
mana
em
que
ele fo
i a c
asa,
e ap
arec
eu
aqui
já em
briag
ado,
e o
Antón
io es
tava-
lhe a
cha
mar a
aten
ção,
a da
r-lhe
um
corre
ctivo
, e e
le co
meço
u a
alter
ar m
uito a
voz (
...) e
aí eu
inter
feri (.
..) sa
be o
que é
que e
le fez
?... a
garro
u num
a fac
a e ve
io atr
ás d
e mim
(..
.) er
a um
indiví
duo m
uito a
gres
sivo (
...) só
por e
u me t
er m
etido
no m
eio (.
..)” (
José
, G31
; 32)
• “(.
..) e
le pr
óprio
[o in
divídu
o qu
e an
dou
atrás
de
mim
com
uma
faca],
aliá
s por
que
ele n
em p
ara
ele e
ra b
om,
que
ele c
ortav
a-se
todo
aí (
...) a
liás,
ele p
recis
ava
era
mais
de...
cuida
dos
psiqu
iátric
os...
porq
ue e
le (.
..)
segu
ndo s
e con
sta el
e con
sumi
u... b
astan
tes a
nos,
coca
ína, e
aquil
o afe
ctou-
lhe a
ltame
nte o
cére
bro..
.” (Jo
sé,
G34)
• “(.
..) n
ão é
que
eu
acre
dite
que
as re
gras
tenh
am d
e se
r que
brad
as, n
ão é
por
aí,
é… à
s ve
zes
faz fa
lta u
m bo
cadin
ho d
e fle
xibilid
ade…
e a
cho
que
a pa
rtir d
aí se
torn
ou u
m bo
cadin
ho m
ais fá
cil, d
eixei
de te
r aqu
i za
raga
tas (.
..)” (
Antón
io, P
7)
• “(.
..) a
inda
há p
ouco
temp
o tiv
e... t
ive q
ue e
xpuls
ar u
ma p
esso
a de
cá,
come
çou
ai ao
soc
o, de
u ai
um s
oco
fodido
, e p
uxou
dum
a fac
a e
come
çou
a co
rrer a
trás
do J
osé,
com
a fac
a... t
ive q
ue c
hama
r a G
NR...”
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
45
(Antó
nio, P
16)
Palco
s e
comu
nicaç
ão
5. Nó
s e o
s out
ros –
os
que
saem
20
05
• “(.
..) n
ão e
ntend
o, nã
o en
tendo
... [aq
uela
que
entro
u] já
está
naqu
ela d
e qu
e qu
er-se
ir e
mbor
a se
xta-fe
ira,
quer
dize
r, ve
io pa
ra c
á do
ming
o, se
xta fe
ira já
... do
is dia
s, só
... já
se s
ente
melho
r, já.
... já
está,
que
r-se
ir em
bora
...” (C
arlos
, A8)
• “..
. vou
-lhe
conta
r... u
ma d
espe
dida
aqui,
dom
ingo
pass
ado..
. foi
um m
oço
que
eu tr
ouxe
da
CM [l
ocal]
, que
es
tava
à be
ira d
a mo
rte, e
ajud
ei-o
aqui.
.. em
tudo
, em
tudo..
. ao
ponto
.. ao
pon
to qu
e tod
a a
gente
aqu
i dizi
a qu
e eu e
ra o
pad
rinho
dele,
e eu
era
o pai
dele,
e...
ele sa
iu... e
par
a mi
m ist
o é gr
atific
ante,
pelo
men
os sa
ber
que
ele a
guen
tou a
qui s
eis m
eses
, a te
ntar p
or a
cab
eça
dele
no lu
gar..
. ao
fim d
e se
is me
ses
talve
z nã
o...
não a
chas
se qu
e era
isto
que e
le qu
eria.
..” (J
aime,
B17)
• “[O
Man
drak
e]... f
oi ex
pulso
, não
é... f
oi ex
pulso
... ma
s (...)
era u
ma bo
a pes
soa..
. enfi
m...”
(Dár
io, C
28)
2006
•
“(...)
no
grup
o [qu
ando
entr
ei], d
estes
que
estã
o aq
ui, s
ó cá
esta
va o
Fra
ncisc
o, ma
is nin
guém
, é o
únic
o so
brev
ivente
... alg
uns j
á fiz
eram
uma
pas
sage
m, d
e dia
s só,
uma
sema
na, d
uas,
a do
Rog
ério,
por
exe
mplo.
.. es
teve
cá d
oze
dias..
. foi-
se e
mbor
a, e
agor
a re
gres
sou
e es
tá cá
há
dois
mese
s (..
.) ag
ora
o re
sto é
tudo
ma
lta qu
e está
aí há
um m
ês, u
m mê
s e po
uco (
...)” (
José
, G5)
• “(.
..) [O
temp
o qu
e fic
amos
aqu
i, um
a se
mana
] é p
ouco
temp
o... e
les p
rópr
ios d
izem,
os
meus
cole
gas
aqui
dizem
, no
mínim
o do
is, tr
ês m
eses
, par
a um
a pe
ssoa
sair..
. é co
mplic
ado,
depe
nde
das v
idas q
ue se
leva
lá
fora,
quem
trab
alha,
quem
tem
obrig
açõe
s é co
mplic
ado..
.” (Jo
ão M
iguel,
H14
)
•
Palco
s e
comu
nicaç
ão
6. Tr
abalh
o lá
fora
(e
nqua
nto
inte
rno)
2006
•
“(...)
esti
ve s
eis m
eses
par
ado,
seis
mese
s no
temp
o do
Rod
rigo,
e tam
bém
afecto
u-me
muit
o po
rque
ago
ra
poss
o co
ntar,
o me
u do
cume
nto c
aduc
ou e
o m
eu p
atrão
não
que
ria re
nova
r-me
porq
ue n
ão e
stá a
faze
r de
scon
tos...”
(Dár
io, J7
)
• “(.
..) o
trab
alho
está
bom,
o m
eu p
atrão
, dou
-me
muito
bem
com
ele...
já há
muit
o tem
po q
ue e
stou
a tra
balha
r pa
ra e
le, se
mpre
... e
já a
cabe
i algu
mas o
bras
, naq
uelas
ond
e eu
lá e
stive
, o p
atrão
não
tem
obra
s defi
nidas
só
para
mim
...” (D
ário,
J13)
• “(.
..) S
im, fa
lo co
m o [
direc
tor da
comu
nidad
e], se
o [di
recto
r] me
deixa
r ir tr
abalh
ar...
e vou
...”(M
ário,
L26)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
46
Palco
s e
comu
nicaç
ão
7. Co
nsum
o na
co
mun
idad
e (o
miss
ão)
2006
•
“(...)
tenh
o a
telev
isão
a pr
eto e
bra
nco,
mas e
u pr
eciso
de u
ma, v
ou co
mpra
r uma
... um
a tel
evisã
o com
o de
ve
ser,
nova
... um
a tel
evisã
o, um
a ap
arelh
agem
, cois
a as
sim, e
ai c
omeç
o a
juntar
as m
inhas
coisa
s, aq
uilo
que
der p
ara
comp
rar e
mais
dia
meno
s dia
pos
so...
já ten
ho a
s minh
as c
oisas
org
aniza
das..
. e já
pos
so m
eter a
ca
beça
no
racio
cínio,
par
a pe
nsar
isso
aqu
i... p
ronto
, qua
ndo
eu tiv
er u
mas c
oisas
... um
a ca
sa, q
uand
o me
for
embo
ra já
tenh
o uma
s cois
as (.
..)” (
Dário
, J6)
• “(.
..) h
á dois
rapa
zes q
ue fa
laram
comi
go se
eu q
ueria
gan
har a
lgum
dinhe
iro, p
ara
que
lhes p
assa
sse a
roup
a a
ferro
, eles
esta
vam
à pr
ocur
a de
uma
mulh
er, lá
fora
na
rua,
para
pag
ar a
uma
mulh
er, o
Antó
nio [m
onito
r] fal
ou c
omigo
, por
que
era
melho
r dar
-me
o din
heiro
a m
im p
ara
que
eu lh
e pa
ssas
se a
roup
a a
ferro
, pre
feria
dar-m
o a
mim
do q
ue a
algu
ém lá
fora
... e
agor
a tam
bém
como
esta
mos à
esp
era
que
tratem
dos
trâm
ites,
e nã
o tem
os d
inheir
o, nã
o te
mos
nada
, esta
mos
mesm
o se
m din
heiro
, e d
epois
eu
disse
“sim
, sim
, sem
pr
oblem
a, pa
ra m
im é
melh
or”,
e en
tão ta
mbém
pas
so a
ferro
a ro
upa
do A
ntónio
[mon
itor]
e do
Dár
io. O
An
tónio
[mon
itor]
e o
Dário
são
os
dois
rapa
zes
a qu
em p
asso
a ro
upa
a fer
ro, e
a q
uanti
dade
, dez
eur
os,
cinco
euro
s, nã
o me i
mpor
ta... a
quan
tidad
e põe
m ele
s...”
(Nela
, M18
)
• “(.
..) n
a alt
ura
do R
odrig
o eu
bas
tantes
veze
s tinh
a ch
ocola
tes e
ess
as co
isas,
a mi
nha
família
vinh
a cá
toda
s as
sem
anas
, tra
ziam-
me s
empr
e mo
ntes
de c
hoco
lates
, eu
metad
e pa
rtilha
va c
om to
dos,
e a
outra
meta
de
guar
dava
par
a mi
m (ri
sos)
(...)
O qu
e é
certo
é q
ue a
meta
de q
ue g
uard
ava
para
mim
, nem
meta
de d
a me
tade
eu co
mia
(riso
s) (..
.) Ac
abav
a tud
o po
r des
apar
ecer
(riso
s)...a
h... p
ronto
... ho
je em
dia,
até
se e
strag
am lá
na
gave
ta... e
toda
a ge
nte sa
be qu
e lá t
enho
... “va
i lá e
tira, c
ome”
...” (A
ntónio
, P15
)
Tem
po so
cial
1. Oc
upar
o te
mpo
2005
•
“(...)
esta
rotin
a é
comp
licad
a... (
...) é
ass
im, u
ma p
esso
a (..
.) qu
ando
vive
na
toxico
depe
ndên
cia, u
ma p
esso
a va
i até
ao e
xtrem
o da
s sit
uaçõ
es...
com
tudo..
. a p
esso
a de
ixa d
e ter
sen
timen
tos, o
u se
os
tem tê
m-os
tro
cado
s... (
...) e
qua
ndo
entra
aqu
i, co
m o
tempo
os
senti
mento
s co
meça
m a
vir, c
om o
temp
o a
pess
oa
come
ça-se
a s
entir
mais
frágil
, com
o te
mpo
come
ça a
ser
mais
sen
sível.
.. e..
. tud
o iss
o me
xe c
om a
pe
ssoa
...” (J
aime,
B34)
• “(.
..) o
meu
dia
come
ça a
ssim
: leva
nto-m
e, (..
.) ar
rumo
logo
a m
inha
cami
nha..
. dep
ois vo
u tom
ar o
peq
ueno
-alm
oço..
. dep
ois q
uand
o sa
io, s
ento-
me a
qui c
inco
minu
tos, d
ez...
pron
tos, d
epen
de, f
umo
o me
u cig
arro
, de
pois
quan
do c
hega
às
nove
hor
as m
ais o
u me
nos,
então
ai c
omeç
o a
levar
as
minh
as ta
refas
... faç
o aq
uelas
que
são
minh
as, e
as q
ue n
ão fa
zem
(...)
vai tu
do a
eito
... pr
onto.
.. e
depo
is é
assim
, (...)
o b
ásico
vá
lá...
está
feito.
.. ma
s sã
o de
z da
man
hã...
ou d
ez e
meia
da
manh
ã... e
u nã
o me
vou
ass
entar
... nã
o vo
u,
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
47
Temp
o soc
ial
(cont.
)
Ocup
ar o
tempo
(con
t.)
porq
ue n
ão d
á pa
ra m
im, .
.. en
tão c
omeç
o a
anda
r pela
cas
a, ...
o qu
e é
que
há p
ara
fazer
... há
sem
pre
qualq
uer c
oisa..
. qua
nto m
ais nã
o seja
para
mim
, há s
empr
e qua
lquer
coisa
para
faze
r... “
(Mar
ia, E
25)
2006
•
“Sim
, sim
, nor
malm
ente
as p
esso
as n
ão tê
m o
sono
... es
tas p
esso
as, t
óxico
s, nã
o têm
muit
o so
no a
ssim
du
rante
a n
oite..
. às v
ezes
aco
rdam
, às v
ezes
vão
à ca
sa d
e ba
nho,
não
têm so
no, à
s vez
es...
perd
em o
sono
du
rante
a n
oite,
pron
to, e
no
mome
nto d
á pa
ra p
uxar
um
cigar
ro p
ara
fumar
... ele
s co
m ele
s nã
o faz
muit
a co
isa, m
as p
ara
mim
já é
uma
coisa
que
não
... pa
ra u
ma p
esso
a qu
e nã
o fum
a já
faz...
eu c
hego
a e
star n
a sa
la...
até n
a sa
la, im
agina
, cinc
o pe
ssoa
s a
fumar
ao
mesm
o tem
po e
um
que
não
fuma..
. já
ai é
um
boca
dinho
com
plica
do...
e tod
os fu
mam.
.. eu
que
não
fumo
, uma
pes
soa
tem q
ue s
air, n
ão v
ou d
izer a
eles
“a
qui n
ão fu
mas”,
não
pod
e se
r...e
na sa
la me
smo,
pode
m fum
ar...s
ó no
qua
rto é
que
não
... no
qua
rto n
ão, n
o qu
arto
não d
evia
fumar
... ma
s pro
nto, e
les po
dem
fumar
...” (D
ário,
J14)
• “[D
e dia
] And
o de
um
lado
para
o o
utro,
eu e
eles
, aí a
faze
r lim
peza
s...de
pois
estou
ali u
m bo
cadin
ho, e
vou
para
o me
u qua
rto, v
ou pa
ra o
meu c
antin
ho...e
u sei
como
é qu
e é a
vida l
á for
a...”(
Mário
, L12
)
• “F
aço,
quan
do h
á pa
ra a
i qua
lquer
coisa
, faç
o... t
enho
and
ado
a lim
par o
s telh
ados
(...)
coita
dos,
també
m nã
o têm
qua
se n
ada
para
a g
ente
fazer
[mate
riais]
... eu
esto
u a
desm
anch
ar o
telha
do, l
impa
r o te
lhado
ago
ra,
mais
logo
pinto,
(...)
isto
é um
a gr
ande
obr
a qu
e es
tá aí.
.. ist
o es
tá po
dre,
para
que
m an
da a
í nos
telha
dos,
pode
de
repe
nte a
quilo
cair,
e a
gente
vem
cá p
arar
a b
aixo
(...)
já lá
estiv
e (..
.) tem
que
se
anda
r, ma
s co
m cu
idado
... eu
sou
o m
ais le
ve d
eles
todos
, ten
ho q
ue ir
lá c
ima
(...)
a ge
nte te
m qu
e an
dar c
om c
uidad
o, é
anda
r no
tecto.
.. me
io so
lto (.
..) e
ped
ras..
. tem
muit
a co
isa lá
em
cima..
. está
aí...
ago
ra te
nho
que
ir lá
cima,
tapar
umas
coisa
s, tel
has q
ue es
tão pa
rtidas
(...)
” (Má
rio, L
14)
• “(.
..) é
anti
ga, u
ma c
asa
como
esta
tão
gran
de, e
a h
orta,
tamb
ém, t
ratou
da
horta
, dos
anim
ais, o
s an
imais
an
tes,
o ch
ão d
os a
nimais
esta
va c
heio
de p
orca
ria,
de p
orca
ria d
os p
atos,
e tud
o, e
estav
a tud
o de
sarru
mado
, e el
e pô
s tud
o ar
ruma
do, t
udo l
impin
ho, t
oda
a fer
rame
nta co
locad
a, as
gaiol
as to
das l
impin
has,
tudo
nos
anim
ais...
tudo
limpin
ho, a
hor
ta tam
bém,
tratá
mos
da h
orta,
pas
samo
s o
dia a
qui...
pas
sa-se
a
voar
...” (N
ela, M
22)
• “(.
..) a
qui a
té se
des
cans
a... h
á aq
uele
perio
do d
e tem
po, q
ue é
o te
mpo
livre
, até
às q
uatro
, trê
s e m
eia, o
u o
que
é, eu
esto
u se
mpre
[a d
ormi
r] até
às q
uatro
... se
mpre
um
boca
dinho
mais
(...)
Qua
se to
dos,
prati
came
nte
todo o
mun
do [fa
z a se
sta aq
ui]” (
Ósca
r, N3
0)
Temp
o soc
ial
2.
Ocup
ar o
corp
o e
o es
pírit
o 20
05
• “(.
..) é
que
eu
ando
aqu
i mas
...a m
inha
cabe
ça n
unca
está
cá..
.[está
] for
a da
qui,
eu is
olo-m
e de
sta g
ente
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
48
Temp
o soc
ial
(cont.
)
Ocup
ar o
corp
o e o
espír
ito
(cont.
)
porq
ue...
não c
onsig
o, es
tou no
utro l
ado..
. “ (C
arlos
, A1)
• “(.
..) m
as p
ara
traba
lhar,
não
é... (
...) ta
nto [f
az e
star]
fora
como
den
tro...
desd
e qu
e es
tou a
trab
alhar
, esto
u be
m...”
(Dár
io, C
10; 1
1)
• “..
. qua
ndo
estou
a tr
abalh
ar...
estou
mais
dist
raído
, mais
dive
rtido..
. o te
mpo
pass
a me
lhor..
. o te
mpo
pass
a, en
quan
to um
a pe
ssoa
... se
ntada
, ass
im, u
ma ho
ra nã
o pas
sa...
depo
is é b
om pa
ra o
corp
o, tam
bém.
..” (D
ário,
C1
6)
• “(.
..)...
e de
pois
é bo
m pa
ra a
saúd
e, pa
ra o
nos
so...
depo
is um
a pe
ssoa
está
par
ado
fica
com
o co
rpo
muito
mo
le e
pesa
do, n
ão se
i...de
pois
estam
os a
trab
alhar
e o
corp
o es
tá...
é... g
inásti
ca...
o co
rpo
está
semp
re (.
..)
semp
re em
activ
o (...)
” (Dá
rio, C
17)
• “(.
..) à
s ve
zes
(...)
ainda
sint
o aq
uele
vazio
, par
ece
que
me fa
lta q
ualqu
er c
oisa..
. mas
pro
nto, e
u aq
ui ten
ho
um si
stema
, (...)
qua
ndo
come
ço a
senti
r iss
o... p
ara
já es
tou se
mpre
a t
raba
lhar,
estou
semp
re a
mex
er-m
e, (..
.) nã
o par
o (...)
” (Ma
ria, E
24)
• “(.
..) h
á du
as se
mana
s (...)
foi n
um sá
bado
(...)
fiz a
s tar
efas d
e ca
sa...
e dig
o as
sim, “
ai jes
us, m
as is
to é
tão
cedo
(...)
eu n
ão po
sso
estar
aqui
para
da”..
. e ao
sába
do, n
ós lim
pamo
s a ca
sa, e
temo
s dep
ois o
resto
par
a...
para
ver t
elevis
ão...
o dia
é no
sso..
. com
ecei
a olha
r par
a as e
scad
as, “
oh p
á, ist
o não
pod
e se
r ass
im...
“, [fu
i] bu
scar
o b
alde,
busc
ar o
sab
ão, o
esfr
egão
, a e
scov
a....
come
cei a
limpa
r aqu
ilo...
a es
cada
ria to
da (.
..) “ó
Ma
ria, o
que
é q
ue tu
está
s a
fazer
, tu
estás
malu
ca?”
(...)
e e
ntão
é o
que
eu d
igo, “
estou
stre
ssad
a! Nã
o dig
as na
da...
”(...)
” (Ma
ria, E
26; 3
0)
• “[E
star s
tress
ada é
estar
a pe
nsar
] (...)
naqu
ilo qu
e não
devo
...” (M
aria,
E27
) 20
06
• “(.
..) e
star a
li a fa
zer c
omida
par
a do
ze, t
reze
pes
soas
, diar
iamen
te, e
esta
r uma
pes
soa
sozin
ha, é
ass
im, u
m (..
.) no
ver
ão a
quilo
é u
ma s
auna
, a p
esso
a sa
i dali
todo
par
tido,
cheg
a à
hora
do
almoç
o, eu
aca
bo d
e alm
oçar
, e se
não f
or de
scan
sar u
m po
uco n
ão se
i se a
guen
to o r
esto
do di
a, ...”
(Jos
é, G3
5)
• “A
h, po
r um
lado
é bom
, por
outr
o lad
o... te
nho q
ue e
star s
empr
e aq
ui, vi
nte e
quatr
o hor
as...
quan
do e
stive
cá
a pr
imeir
a ve
z, já
há q
uatro
ano
s, es
tava
cá o
senh
or N
é [m
onito
r], a
gen
te sa
ía, a
gen
te ia
ao ca
fé, a
gora
já
não
vamo
s ao
café
, já
não
vamo
s sa
ir... a
gora
não
, não
pod
e (..
.) de
pois
agor
a es
tá cá
este
cas
al e
a ge
nte
não p
ode s
air...”
(Már
io, L8
)
• “N
ão, n
ão é
obr
igado
... a
gente
está
à c
ozinh
a, é
à co
zinha
que
fica
... no
refei
tório
mete
as m
esas
, mas
eu
gosto
… e
u nã
o go
sto d
e es
tar p
arad
o...
estar
par
ado
també
m me
cus
ta, e
star
aí se
m sa
ber
o qu
e
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
49
Temp
o soc
ial
(cont.
)
Ocup
ar o
corp
o e o
espír
ito
(cont.
)
fazer
...”(M
ário,
L18)
• “U
m dia
de t
raba
lho, n
orma
l, lá
fora?
Lev
antas
, limp
as a
casa
, peg
as em
qua
lquer
coisa
, entr
etido
, por
que
não
é obr
igatór
io tra
balha
r....q
uem
traba
lha é
que
m qu
er...
bom,
é as
tare
fas da
casa
, a lim
peza
, eu
desd
e qu
e vim
pa
ra a
qui c
omec
ei co
m a
horta
zita,
entre
tive-
me c
om a
hor
ta, e
and
o na
hor
ta...
dá p
ara
pass
ar o
temp
o...”
(Ósc
ar, N
27);
“Gos
to [da
hor
ta]...
é on
de p
asso
o te
mpo,
ou a
i ou
a do
rmir
a se
sta...
é mu
ito ra
ro q
ue e
u ve
ja tel
evisã
o...”
(Ósc
ar, N
28)
• “(.
..) a
gen
te de
man
hã a
cord
ávam
os à
s oit
o ho
ras,
sete
e m
eia, v
á lá,
eu
por n
orma
aco
rdo
às s
ete, s
ete e
me
ia, (.
..) s
ó que
vejo
que h
á aqu
i pes
soas
que p
recis
am m
ais, te
nho p
esso
as aq
ui qu
e têm
SID
A, es
tão m
ais
debil
itado
s, ou
tros
que
têm h
epati
tes c
’s, (.
..) o
utros
têm
tumor
es c
ance
rígen
os…
enfi
m, e
as
pess
oas
é na
tural
que
se s
intam
can
sada
s, e
prec
isem
de d
esca
nsar
, (...)
não
era
por
cau
sa d
e ma
is me
ia ho
ra o
u de
me
nos
meia
hora
que
eu
me ia
and
ar a
cha
tear c
om n
ingué
m, e
entã
o re
solvi
ada
ptar,
a um
a ho
ra q
ue p
or
exem
plo n
o ver
ão, o
sol já
nas
ceu
há d
uas h
oras
ou
à trê
s, e
a pe
ssoa
sem
quer
er p
or si
só ac
orda
, (...)
oito
e
meia,
já o
sol
nasc
eu h
á du
as h
oras
, a p
esso
a ac
aba
por
acor
dar
por
si só
, par
ece
que
acor
da b
em
dispo
sta(..
.)” (A
ntónio
, P6)
Temp
o soc
ial
3. Es
paço
s
2005
•
“(...)
gos
to de
esta
r mais
cá fo
ra...
mais
cá fo
ra, [
lá] d
entro
... há
mom
entos
em
que
tenho
que
lá ir
... pa
ra ve
r tel
evisã
o “ (D
ário,
C7)
; “...
bom,
sinto
-me f
echa
do, s
into-
me (.
..) nu
m mu
ndo,
num
mund
o que
não v
ê, nã
o vejo
as
coisa
s... n
ão ve
jo ho
rizon
te...”
(Dár
io, C
8)
• “..
. a d
istân
cia lo
nge,
ali e
u... v
ejo a
pais
agem
... ve
jo os
mon
tes, f
ica m
ais...
eu vo
u ali
e m
elhor
o a
cabe
ça...
vou
lá de
ntro
e só
pen
so q
ue e
stou
lá de
ntro..
. fica
mais
... se
calh
ar n
ão se
i exp
licar
dire
ito, m
as fic
a ma
is...
indep
ende
nte, n
ão é.
... a v
ida...[
lá de
ntro]
fica u
m bo
cadin
ho m
ais fe
chad
o...”
(Dár
io, C
9)
• “(.
..) a
minh
a mã
e fic
ou e
ncan
tada
[com
a ca
pela
da co
munid
ade]…
ela
veio
aqui
ver-m
e, um
dia…
pro
nto, e
u an
dei a
mos
trar a
cas
a, aí…
e a
minh
a mã
e é
muito
aga
rrada
, a is
so (.
..) e
entã
o lev
ei-a,
sabia
que
ela
ia go
star…
mes
mo es
tando
naq
uele
estad
o (...)
e el
a fic
ou e
ncan
tada e
realm
ente
é ve
rdad
e… el
a é
bonit
a… se
es
tives
se r
ecup
erad
a, es
tando
bem
… b
em e
stima
dinha
… m
as p
ronto
, é o
que
se
pode
arra
njar,
não
é (ri
sos)…
” (Ma
ria, E
36)
2006
•
“Ach
o um
esp
aço
agra
dáve
l, bo
nito,
podia
ser
mais
apr
oveit
ado,
podia
ser
mais
bem
cuid
ado,
mas
se c
alhar
nã
o há m
ais, p
aciên
cia...”
(Cris
tina,
F40)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
50
Temp
o soc
ial
(cont.
) Es
paço
s (co
nt.)
• “(.
..) p
or e
xemp
lo, n
ão e
stou
a diz
er u
ma p
esso
a qu
e ve
m re
ssac
ada..
. esto
u a
dizer
uma
pes
soa
que
vem
para
ficar
um
ano,
dois
anos
, (...)
ao
fim d
e pa
ssar
a re
ssac
a, (..
.) a
s tar
efas q
ue e
les tê
m qu
e faz
er, n
ão é
... (..
.), p
or e
xemp
lo: a
s tor
neira
s ali
de
fora
do ja
rdim
, ping
am á
gua
cons
tantem
ente.
.. a
corre
r (...)
com
o é
a câ
mara
que
pag
a, nã
o faz
mal,
deix
a-se
cor
rer a
águ
a... a
cho
isso
um d
espe
rdíci
o... a
cho
que
isso
é go
zar
com
a falt
a de á
gua d
as pe
ssoa
s que
não t
êm um
a gota
para
bebe
r (...)
” (Cr
istina
, F41
; 42)
• “(.
..) é
pá,
(...)
não
vou
ter a
gora
a co
zinha
abe
rta, a
qua
lquer
hor
a e
qualq
uer m
inuto
lhes a
petec
e, vã
o pa
ra
dentr
o da
cozin
ha e
vão-
se se
rvind
o... is
to nã
o é
assim
, aqu
i tem
que
have
r uma
s reg
ras,
e tem
que
hav
er...”
(Jo
sé, G
28; 2
9)
• “(.
..) M
udei.
.. lá
para
cima
, por
que
enfim
, eu
não
fumo..
. e d
epois
eu
tenho
o m
eu tr
abalh
o, e
depo
is ten
ho o
s pla
nos
e os
pap
eis, p
or e
xemp
lo os
meu
s do
cume
ntos,
coisa
s do
ban
co, e
não
sei
quê,
e pr
onto,
não
fazia
se
ntido
por
exe
mplo
estar
ali c
om e
les, d
eixo
os m
eus
docu
mento
s, nã
o ten
ho lu
gar p
ara
fechá
-los..
. dep
ois
eles
como
fuma
m no
qua
rto d
uran
te a
noite
, e e
u pa
ra m
im e
ra u
m pe
sade
lo e
uma
carg
a de
trab
alhos
...
acor
dar e
esta
r com
o fu
mo, e
isto
assim
(...)
e d
epois
ped
i par
a fic
ar a
i em
cima,
e pr
onto.
.. ele
[Antó
nio,
monit
or] a
ceito
u, es
tou m
ais so
sseg
ado,
esto
u mais
tran
quilo
...” (D
ário,
J5)
• “(.
..) à
s vez
es u
mas c
oisas
, por
exe
mplo
que
eu n
ão g
osto,
(...)
uma
pes
soa
está
na co
zinha
em
tronc
o nu
... a
fazer
com
ida p
ara
come
r... m
as ta
mbém
eu
não
me v
ou m
eter
nisso
... tud
o po
rque
o A
ntónio
[mon
itor]
perm
ite...”
(Dár
io, J1
0)
• “(.
..) o
qua
rto q
uand
o nó
s che
gámo
s tinh
a as
par
edes
a ca
ir, ca
iam, t
oda
a pin
tura,
e co
mo o
Ósc
ar [m
arido
] é
forte,
(...)
ele
usa
vento
inha
à no
ite, n
ão co
nseg
ue d
ormi
r sem
vento
inha,
senã
o se
nte-se
mal,
e e
ntão
com
a ve
ntoinh
a a
dar n
a pa
rede
, solt
ava-
se m
ais p
ared
e, e
caia
em c
ima
de n
ós...
e em
cim
a da
cam
a, e
ele
arra
njou
uma
tinta,
uma
tinta
de b
orra
cha,
deu
uma
demã
o de
pint
ura
e qu
ando
seco
u fic
ou se
gura
a p
ared
e, já
não c
ai, po
rque
a tin
ta na
pare
de, a
ssim
plás
tica,
já nã
o cai.
..” (N
ela, M
21)
• “(.
..) p
arec
ia um
infan
tário,
aqu
i em
baixo
, o ja
rdim
fico
u ch
einho
de
brinq
uedo
s, de
car
ros..
.de b
onec
os, d
e tud
o, a e
ntrad
a da p
orta
estav
a tod
a che
ia de
bone
cos,
pare
cia um
infan
tário.
..” (N
ela, M
37)
• “(.
..) [m
udav
a o
que
se p
assa
na
cozin
ha] ,
o te
ma d
a co
zinha
, sem
pre
foi u
m sit
io qu
e eu
tive
por
sag
rado
, ha
ver u
m co
zinhe
iro fix
o, e n
ão en
trar n
ingué
m na
cozin
ha, is
so si
m, di
sso n
ão go
sto...”
(Ósc
ar, N
31)
• “P
refiro
o ve
rão,
não
o inv
erno
, dep
ois a
prov
eito
semp
re a
li o ta
nque
zinho
, par
a da
r uns
mer
gulho
s, e
apan
har a
li um
boca
do d
e so
l, faz
emos
semp
re gi
násti
ca, c
orre
mos..
.”(Ro
gério
, Q21
)
Mem
órias
de
cons
umo
Atib
uiçõ
es ca
usais
20
05
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
51
Memó
rias d
e co
nsum
o
1. Co
nsum
o/
Reca
ída p
or
dific
ulda
des
• “(.
..) re
volta
va-se
contr
a tud
o e
contr
a tod
os...
e aq
ui foi
o q
ue ..
. cam
inho,
para
certa
s cois
as, n
ão é
... a m
inha
mane
ira de
ser..
.” (Ja
ime,
B11)
20
06
• “(.
..) q
uand
o co
meçá
mos
a an
dar a
ssim
[dep
ois d
os p
roble
mas
entre
a s
ogra
e a
mulh
er],
come
çámo
s a
estra
gar,
logo..
. e lo
go a
Nela
... be
m, o
s do
is qu
ase
ao m
esmo
temp
o (..
.) fum
ámos
... p’r
o fim
era
injec
tada,
um p
ouco
... un
s quin
ze d
ias...
até tiv
e un
s pro
blema
s, fui
par
ar a
o ho
spita
l e tu
do, p
or ca
usa
do fí
gado
, e tiv
e qu
e deix
ar...”
(Ósc
ar, N
20)
Memó
rias d
e co
nsum
o
2. Co
nsum
o/
Reca
ída p
or
acom
panh
amen
to
do co
nsum
o
2005
•
“... j
untei
-me
nova
mente
com
a F
átima
... vo
cê c
onhe
ceu
a Fá
tima..
. a g
ente
juntou
-se...
juntám
o-no
s em
Ma
rço...
saí d
aqui
em F
ever
eiro..
. juntá
mo-n
os e
m Ma
rço...
só q
ue e
la co
nsum
ia, e
u nã
o sa
bia...
e en
tão, v
i-a
cons
umir..
. dep
ois ol
ha, e
u aca
bei p
or ir.
.. aca
bei p
or sa
ber e
acab
ei po
r... ir
, tamb
ém...”
(Jaim
e, B4
)
• “(.
..) te
nho
um ir
mão
mais
velho
, que
eu..
. que
come
çou
a co
nsum
ir... h
eroín
a (..
.) e
eu...
acha
va e
le es
tranh
o (..
.) nã
o co
nseg
uia a
lcanç
ar o
que
era
, pen
sava
que
era
por
cau
sa d
e es
tar e
m de
pres
são
por c
ausa
de
o no
sso
pai te
r fale
cido
assim
daq
uela
forma
(...)
e a
quilo
fazia
-me
confu
são,
até q
ue h
á um
dia
que
(...)
fui fa
lar
com
outro
ami
go n
osso
, fui
dizer
“eh
pá o
que
é q
ue s
e pa
ssa
com
o me
u irm
ão?”
, “En
tão n
ão e
stás
a ve
r o
que
é?” (
...) e
ele
diz-m
e “e
h pá
o te
u irm
ão a
nda-
se a
dro
gar..
. não
está
s mes
mo a
ver o
que
é?
Deve
and
ar
com
hero
ínas,
ou co
isas d
essa
s...”(
...) e
o q
ue é
que
eu
faço
... er
a um
gaia
tito, d
e vin
te an
os, n
a alt
ura..
. vou
ter
com
ele.
.. ca
ra a
car
a, só
que
ele,
é c
laro..
. é q
uase
do
dobr
o do
meu
tama
nho..
. ah,
e de
pois.
.. co
mo a
lig
ação
é m
uito
forte.
.. em
vez
de
dar p
ara
chor
ar o
u pa
ra o
utra
coisa
qua
lquer
... e
pedir
-lhe
por t
udo
para
pa
rar,
não..
. deu
-me
para
... me
aga
rrar a
ele
à pa
ncad
a a
ele (r
isos)
e ele
a p
edir
por t
udo
para
eu
estar
so
sseg
ado..
.para
esta
r sos
sega
do q
ue n
ão...
“ó A
ntónio
, está
quie
to, n
ão fa
ças
isso,
pá” (
...) “n
ão fa
ço is
so,
então
tu a
ndas
-te a
mata
r, pá
... es
tás p
arvo
”, ma
is as
sim, m
ais a
ssad
o... e
o g
ajo n
ão p
arav
a co
m aq
uilo..
. eu
todos
os
dias
em c
ima
dele,
(...)
há
um b
elo d
ia qu
e en
tro n
o qu
arto,
o n
osso
qua
rto e
ra c
omum
... en
tro n
o qu
arto
está
ele a
cons
umir
(...)
ele fu
mava
... e
eu a
ssim
: “ou
ve, o
u tu
para
s com
isso
, ou
eu co
meço
tamb
ém,
e dep
ois va
is ve
r o qu
e é qu
e te d
ói”...
foi as
sim a
prim
eira v
ez...
que e
u com
ecei
a con
sumi
r...”
(Antó
nio, D
5)
• “..
. a n
ossa
vida
era
uma
vida
de..
. o n
egóc
io er
a um
neg
ócio
que
é mu
ito d
e ba
r, de
café,
de
resta
uran
te...
a ge
nte c
ompr
ávam
os e
ven
díamo
s au
tomóv
eis b
atido
s, e
essa
s co
isas
assim
(...)
entã
o iss
o é
um n
egóc
io on
de s
e be
be m
uito
à me
sa e
com
e-se
muit
o à
mesa
... es
tá-se
três
qua
tro h
oras
... há
um
dia...
(riso
s) já.
... co
m um
a “g
anda
touc
a” (.
..) a
té fui
eu
que
olhei
para
ele.
.. e
ele o
lhou
para
mim
e d
isse-
me “n
ão, n
em p
ense
s nis
so” (
...) n
esse
dia
não
fomos
... no
dia
a se
guir
ele fa
z-me
o olh
ar e
sou
eu q
ue d
igo...
“não
não
, não
vamo
s
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
52
Memó
rias d
e co
nsum
o (co
nt.)
Reca
ída po
r ac
ompa
nham
ento
do
cons
umo (
cont.
)
não”
... ao
terc
eiro
dia, o
olha
r é d
os d
ois...
montá
mos n
o ca
rro fo
mos
direit
os a
Lisb
oa...
“ah,
é só
des
ta ve
z, pa
ra...
a gen
te (..
.) de
sanu
viar”.
.. ass
im fo
i... co
nsum
imos
esse
dia..
.” (A
ntónio
, D12
) 20
06
• “(.
..) c
omec
ei co
m am
igos
que
não…
que
fuma
vam
char
ros,
eu n
ão fu
mava
, com
ecei
por
fumar
o m
eu
prim
eiro c
harro
sozin
ha, s
em ni
ngué
m, e
depo
is foi
um ca
minh
ar…
” (Cr
istina
, F4)
• “S
e eu
con
sumo
com
o J
oão
Migu
el? (.
..) p
ratic
amen
te nã
o co
nsum
o so
zinha
... de
pois
isso
també
m é
outro
ma
l, foi
nós t
ermo
s... f
ui eu
ter p
ermi
tido
que
o Jo
ão M
iguel
quise
sse
fumar
... o
João
Migu
el nã
o qu
eria
fumar
, ao
prin
cípio.
.. nã
o qu
eria
que
eu fu
mass
e, e
para
tenta
r que
eu
deixa
sse,
ele co
meço
u ele
a fu
mar..
. a ló
gica
estúp
ida d
ele...
era
que
se e
u vis
se q
ue e
le es
tava-
se a
aga
rrar,
que
eu ia
deix
ar d
e fum
ar (.
..)” (
Crist
ina, F
33;
34)
• “(.
..) n
ós já
temo
s tan
ta cu
mplic
idade
os
dois
(...)
que
basta
(...)
nós
olhá
rmos
um
para
o o
utro
e eu
já s
ei o
que
é qu
e ele
está
a p
ensa
r, e
ele sa
be o
que
é q
ue e
u es
tou a
pen
sar,
eu já
sei s
e ele
tem
algum
a co
isa, e
le já
sabe
se eu
tenh
o algu
ma co
isa (.
..) D
e con
sumi
r...”
(Cris
tina,
F38;3
9)
• “(.
..)
há s
empr
e alg
uém.
.. à
espe
ra p
ara
ofere
cer,
“Ah,
estás
tão
baca
no”..
. é a
pala
vra b
anal,
“está
s tão
ba
cano
”... “
anda
cá,
só u
m fum
inho
não
te faz
mal”
, é s
empr
e a
conv
ersa
, é s
empr
e a
mesm
a co
nver
sa...”
(Jo
sé, G
24)
• “(.
..) o
meu
cas
o é
um c
aso
um b
ocad
o co
mplic
ado..
. já
conh
ecia
um b
ocad
o a
drog
a, nã
o de
ntro
dela.
.. de
pois
come
cei a
cons
umir q
uand
o com
ecei
a and
ar co
m a..
. com
a Cr
istina
...” (J
oão M
iguel,
H4a
)
• “(.
..) s
ozinh
o nã
o co
nsum
o... (
ri) [c
onsu
mimo
s] he
roína
(...)
Nun
ca q
uiz a
pren
der a
fuma
r, ela
é q
ue m
e dá
o
fumo..
. (ri)
(...)
talve
z com
med
o de
um
dia a
caba
sse
com
ela
e de
pois.
.. nã
o co
ntinu
asse
com
a dr
oga,
talve
z iss
o... u
m re
fúgio,
talve
z... c
omo
não
sabia
, ela
come
çou-
me a
dar
e a
cho..
. prim
eiro
expe
rimen
tei...
e só
co
nsum
o qua
ndo e
stou c
om el
a ....
(ri)..
. é um
boca
do as
sim...”
(Joã
o Migu
el, H
8)
• “(.
..) é
só co
m ela
[Cris
tina,
que
cons
umo].
.. só
os d
ois...
ela co
nsom
e so
zinha
, qua
ndo
tem d
e co
nsum
ir... e
u nã
o... q
uase
nun
ca...
uma
vez o
u ou
tra, à
s vez
es, q
uand
o nã
o po
sso
estar
... ma
s qua
se n
unca
... se
mpre
com
ela...
eu nã
o me a
jeito,
a da
r o....
não c
onsig
o (ri)
...” (J
oão M
iguel,
H21
)
• “(.
..) fo
i com
ela
que
come
cei i
sso,
não
é... c
onhe
ci-a,
ela já
era
toxic
odep
ende
nte...
eu n
ão...
sabia
e n
ão
sabia
, ma
is ou
men
os...
o pr
oblem
a...
ela f
umav
a se
mpre
ao
lado
comi
go,
no c
arro
, até
um
dia...
expe
rimen
tei...”
(Joã
o Migu
el, H
23)
• “F
oi po
r cau
sa d
e um
namo
rado
que t
inha,
o pr
imeir
o ho
mem
que c
onhe
ci, já
estav
a há m
uitos
anos
meti
do na
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
53
Memó
rias d
e co
nsum
o (co
nt.)
Reca
ída po
r ac
ompa
nham
ento
do
cons
umo (
cont.
)
drog
a, tin
ha e
stado
na
prisã
o, tam
bém,
tinha
saido
da
prisã
o, e
conh
eci-o
no
grup
o on
de p
aráv
amos
, e ju
ntei-
me e
com
ecei
a co
nsum
ir co
m ele
, prim
eiro
prov
ei, e
dep
ois d
e ter
pro
vado
já e
ra q
uase
todo
s os
dias
, fum
ando
, (...)
até
que
não
pude
deix
ar d
e pa
rar,
come
cei a
cons
umir
quas
e tod
os o
s dias
, ass
im e
stive
cinc
o an
os se
m pa
rar,
cons
umind
o her
oina e
coca
ina, fu
mada
s...”
(Nela
, M15
)
• “(.
..) se
i que
dei
por m
im e
já e
stava
a co
nsum
ir, já
estav
a ou
tra ve
z a re
ssac
ar (.
..) e
u se
i que
saim
os u
m fim
de
sem
ana
e a
partir
dai
não
me le
mbro
de
mais
nada
... am
igos
que
não
conh
ecia,
ami
gos
novo
s, ma
s sa
cara
m da
quilo
no
mome
nto, a
li na
mesa
, e c
omeç
amos
a c
onsu
mir..
. e q
uand
o eu
já q
uis c
oiso..
. já
me v
i co
m ela
, já..
. aga
rrado
, já
a re
ssac
ar...
já tin
ha c
onsu
mido
dua
s ou
três
vez
es, l
á co
m o
meu
amigo
do
traba
lho, m
as q
uand
o sa
imos
o fim
de
sema
na, e
ram
gente
... qu
e ne
m sa
biamo
s que
fuma
vam.
.. e
apar
eceu
iss
o na m
esa e
...”(Ó
scar
, N36
)
• “(.
..) d
epois
foi a
quela
s co
isas
de fi
m de
sem
ana,
e se
nti-m
e ma
l, a
prim
eira
vez
que
expe
rimen
tei, s
enti-m
e ma
l, se
nti-m
e ma
l disp
osto,
com
von
tade
de v
omita
r, as
sim c
oisas
des
se g
éner
o, e
depo
is olh
e, a
segu
nda
vez f
oi um
fim d
e se
mana
, com
uns
ami
gos,
e ex
perim
entei
outr
a ve
z, e
a se
nsaç
ão a
i já fo
i dife
rente
, foi
uma
sens
ação
assim
calm
a, as
sim ca
lmo,
relax
ado (
...)” (
Rogé
rio, Q
6)
• “(.
..) é
dific
il de
expli
car,
porq
ue d
epois
che
ga a
uma
altu
ra q
ue o
nos
so c
irculo
de
amigo
s... a
ndam
todo
s...
pron
tos, a
ndam
todo
s meti
dos n
a me
sma
coisa
... na
dro
ga, c
onso
mem
todos
... e
nós o
quê
... da
mo-n
os c
om
essa
s pes
soas
... e j
untam
o-no
s tod
os...”
(Rog
ério,
Q12
)
Memó
rias d
e co
nsum
o 3.
Cons
umo/
Re
caíd
a por
co
ntac
to co
m u
m
trafic
ante
2005
•
“E lá
fui...
isto
pare
ce qu
e... e
u cos
tumo
dizer
que a
s pes
soas
têm
um im
an...
não é
... e..
. e...
neste
aspe
cto e
u de
vo te
r tido
... as
sim qu
e che
guei
à A.[P
aís] c
onhe
ci log
o um
turco
(...)
Pro
ntos..
. estr
agou
-se tu
do (.
..) O
turco
(..
.) lá
deve
ter o
lhado
para
mim
, lá de
ve (.
..) te
r vist
o (...)
o pa
ssad
o que
anda
va aq
ui...(
Maria
, E8)
20
06
• “(.
..) po
r exe
mplo,
naqu
ela al
tura,
era u
ma p
esso
a que
vend
ia, qu
e íam
os a
casa
dess
a pe
ssoa
, com
práv
amos
e
cons
umiam
os lá
... pr
onto
a pe
ssoa
está
ali,
cheg
ava
ali, s
entáv
amo-
nos,
comp
ráva
mos
lá, fu
máva
mos
lá,
estáv
amos
ali u
m bo
m tem
po, à
s vez
es n
a co
nver
sa, .
.. pr
ontos
, e e
ra a
ssim
... sa
ia de
casa
, par
ece
que
não
tinha
sitio
nenh
um pa
ra on
de ir,
ia lo
go di
recto
ali (.
..) er
a log
o de m
anhã
!” (R
ogér
io, Q
13)
Memó
rias d
e co
nsum
o
4. Co
nsum
o/
Reca
ída p
or
caus
a de u
m
mom
ento
críti
co
2005
•
“a m
inha
ex-m
ulher
diss
e-me
, não
é...”
olha
, não
te d
isse
nada
mas
a tu
a mã
e já
falec
eu...”
(...)
saí,
e a
ssim
qu
e saí
estiv
e uma
sema
na bê
bedo
, de
dia e
de no
ite, e
stend
ido (.
..)” (
Carlo
s, A1
4)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
54
Memó
rias d
e co
nsum
o (co
nt.)
Cons
umo/
reca
ída po
r ca
usa d
e um
mome
nto
crític
o (co
nt.)
• “..
.depo
is ela
[Fáti
ma, c
om q
uem
vivia]
teve
um
avc,
falec
eu e
m De
zemb
ro (.
..) d
epois
and
ei de
svair
ado..
. de
doze
de D
ezem
bro,
até...
até ci
nco d
e Jan
eiro,
ande
i... an
dei n
a cor
da ba
mba..
. “ (J
aime,
B6)
• “a
té qu
e (...)
o me
u pai
falec
eu...
ah...
inesp
erad
amen
te (..
. ) fo
i em
três d
ias (.
..) e
dera
m-me
a no
tícia.
.. no
dia
31 d
e De
zemb
ro, e
stava
eu
numa
pas
sage
m de
ano
... for
am te
r com
igo, f
oram
-me
busc
ar...
logo
ai fo
i um.
.. fiq
uei a
ssim
um bo
cado
dese
quilib
rado
...” (A
ntónio
, D4)
20
06
• “(.
..) de
pois
dos c
harro
s foi
os m
eus p
ais te
rem-
se se
para
do (.
..)” (
Crist
ina, F
5)
• “(.
..), d
epois
de
ser o
pera
do p
ela p
rimeir
a ve
z, (..
.) ist
o foi
uma
chico
tada
psico
lógica
que
eu
levei
tão g
rand
e, tão
gra
nde,
quan
do ti
ve o
pro
blema
do
canc
ro d
o co
lon, q
ue a
pós
a op
eraç
ão, e
u tire
i os
ponto
s, nã
o é,
isto
come
çou
a cic
atriza
r, e
eu e
stava
em
casa
a re
pous
ar, n
ão a
qui n
o ce
ntro,
estav
a em
casa
da
minh
a mã
e a
repo
usar
, (...)
todo
s os d
ias e
u pe
nsav
a ne
ste p
roble
ma, d
e ter
sido
ope
rado
, que
eu
ia mo
rrer,
e pr
ontos
, foi
um tr
auma
que
eu
ganh
ei, e
eu
entre
i naq
uela,
já q
ue v
ou m
orre
r, vo
u mo
rrer m
ais d
epre
ssa..
. acre
dite,
foi
mesm
o as
sim (.
..) e
eu
ande
i par
a ai
o qu
ê, um
mês
, seg
uido,
a fum
ar n
ovam
ente
a dr
oga,
ande
i, eu
estou
a
ser s
incer
o, (..
.) ma
s de
pois
entre
i na
real,
entr
ei na
real,
com
ecei
a pe
nsar
, “eh
pá
mas
espe
ra lá
, isto
de
come
çar a
fuma
r, va
i-me
matar
, mas
realm
ente
vai-m
e ma
tar...
mas
é len
tamen
te...
eu v
ou é
sofre
r...”
(José
, G4
9)
• “E
u co
mece
i foi
quan
do o
meu
pai
morre
u... e
u tin
ha a
migo
s, ma
s os
ami
gos..
. fum
ávam
os s
ó aq
ueles
ch
arro
s... e
entã
o eu
com
ecei
por a
i, de
pois
come
cei a
fuma
r coc
a, e
depo
is co
mece
i-me
a inj
ectar
...”(M
ário,
L2
)
• “F
oi qu
ando
soub
e qu
e a
minh
a mu
lher e
stava
grá
vida,
e er
a um
a me
nina..
. e e
u de
u-me
um
pens
amen
to...e
co
mece
i outr
a vez
... de
pois
já es
tava..
.” (M
ário,
L33)
Memó
rias d
e co
nsum
o
5. Co
nsum
o/
Reca
ída c
om a
fest
a
2005
•
“(...)
já n
a alt
ura
[os m
eus a
migo
s con
sumi
am] h
eroín
a... c
omeç
aram
pelo
axis
... es
sas c
oisas
, dep
ois...
já na
alt
ura,
hero
ína...
não
era
assim
gra
ndes
con
sumo
s, er
a aq
ueles
con
sumo
s es
porá
dicos
.. fes
tas (.
..) s
ó qu
e ha
via m
uitas
festa
s... o
prob
lema é
que h
avia
muita
s fes
tas....
” (An
tónio,
D2)
• “(.
..) de
pois
já nã
o se
bas
tava s
ó as
festa
s... e
eu
acom
panh
ava
com
eles..
embo
ra n
ão co
nsum
isse..
. qua
ndo
eles c
onsu
miam
eu ia
para
ali...
afas
tava-
me....
” (An
tónio,
D3)
• “(.
..)...
fomos
faze
r a p
assa
gem
de a
no lá
par
a cim
a, pa
ra o
nor
te...
já pa
ra fu
gir d
o am
biente
, por
que
o me
u
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
55
Memó
rias d
e co
nsum
o (co
nt.)
Cons
umo/
reca
ída co
m a
festa
(cont.
) pa
i tinh
a fale
cido..
. era
... é s
empr
e uma
data
chata
(...)
por s
orte
ou po
r aza
r tav
a lá u
m ...
um ra
paz c
onhe
cido
(...)
do m
undo
(...)
que
... tin
ha tin
ha...
tinha
her
oína
com
ele. F
oi as
sim...
fizem
os lá
uma
gan
da fe
sta, n
ão é
... “E
h pá t
enho
e co
iso, e
ntão e
stão a
onde
?”, “
Eh pá
estam
os al
i na p
ensã
o” e
tal (.
..)” (
Antón
io, D
13)
• “(.
..) p
ronto
e e
ntão..
. isso
é co
mo tu
do...
enqu
anto
não
se e
stá m
al, vã
o da
ndo
(...)
ofere
cem.
.. er
a fes
tas (.
..)
era
muita
dro
ga, p
ronto
, que
é m
esmo
ass
im...
era
muita
dro
ga (.
..) s
ó... c
ocaín
a... e
nqua
nto a
quilo
foi
anda
ndo,
lá... e
ntreta
nto, c
hego
u a um
ponto
que j
á não
... nã
o dav
a...”
(Mar
ia, E
9)
Memó
rias d
e co
nsum
o 6.
Cons
umo
por
curio
sidad
e 20
06
• “(.
..)e d
epois
foi o
quer
er co
nhec
er m
ais (.
..)” (
Crist
ina, F
8)
• “(.
..) fo
i a n
ovida
de, e
eu
não
conh
ecia,
não
é, c
omo
os o
utros
, tam
bém,
que
cair
am...
porq
ue a
gen
te na
alt
ura..
. era
mos m
iúdos
(...)
” (Jo
sé, G
17)
• “(.
..) a
té qu
e ap
arec
eu e
ssa
drog
a, a
hero
ína, a
coc
aína,
e de
pois
foi u
ma n
ovida
de, d
epois
é a
quela
... a
novid
ade,
fora d
e... n
ão te
m na
da a
ver c
om a
idade
(...)
” (Jo
sé, G
19; 3
8)
• “(.
..) co
meço
u po
r cur
iosida
de, a
prim
eira
vez q
ue e
xper
imen
tei fo
i her
oina,
não
goste
i, fum
ei, a
chei
aquil
o um
sa
bor h
orriv
el, eu
até
lembr
o-me
de co
menta
r com
o é q
ue e
les co
nseg
uem
fumar
isto,
isto
tem um
sabo
r, um
a co
isa es
quisi
ta (..
.)” (R
ogér
io, Q
5)
Memó
rias d
e co
nsum
o 7.
Cons
umo
por
prox
imid
ade/
por
disp
onib
ilidad
e
2006
•
“(...)
eh
pá, a
qui, o
stre
ss d
as c
oisas
, a p
roxim
idade
dos
sitio
s... e
h pá
não
sei (
...) fa
z co
m qu
e as
cois
as se
pr
opor
cione
m, nã
o sei.
. em
dez m
inutos
meto
-me (
...) na
cova
da m
oura
....” (
Crist
ina, F
31)
• “[S
arar
a m
arca
da
toxico
depe
ndên
cia] (
...) d
epen
de d
a... d
a ge
nte m
udar
mos
de z
ona,
ou d
e sit
uaçã
o, de
vid
a, eu
acho
que i
sto te
m mu
ito a
ver..
.” (Jo
sé, G
12)
• “(.
..) eu
por a
caso
tive a
sorte
de...
come
cei c
om tr
inta e
um an
o, ma
s qua
ndo e
u com
ecei
com
trinta
e um
ano,
(...),
muit
os jo
vens
na
altur
a qu
e ela
apa
rece
u (..
.) co
meça
ram
a co
nsum
ir co
m de
zass
eis e
dez
asse
te an
os...
porq
ue fo
i na a
ltura
que e
la ap
arec
eu...
“ (Jo
sé, G
20)
• “(.
..) p
asso
u a
ress
aca,
aque
la pa
rte d
a re
ssac
a, e
mais
não
sei q
uê, e
dep
ois co
mo tr
abalh
ava,
o co
rpo
tinha
qu
e me
mex
er, e
mais
não
sei q
uê, e
pro
nto, t
ive q
ue a
guen
tar, a
té qu
e pa
ssou
... ch
egue
i cá,
jurei
para
mim
, “n
ão, n
ão vo
u toc
ar m
ais n
aquil
o”, a
ssim
que
cheg
uei c
á, no
dia
a se
guir,
tumba
, volt
ei ou
tra ve
z...”
(Rog
ério,
Q1
1)
An
álise
de di
scur
so
Santu
ário.
Tra
nsiçã
o, pe
rcurso
s e re
sistên
cia no
conte
xto de
uma i
nstitu
ição t
otal.
Diss
ertaç
ão co
nduc
ente
à obte
nção
do gr
au de
Mes
tre de
Mar
garid
a P. d
e Alm
eida S
imõe
s Car
doso
. Orie
ntado
ra P
rof. D
outor
a Pau
la Go
dinho
. An
tropo
logia,
espe
cialid
ade d
e Mov
imen
tos S
ociai
s. FC
SH-U
NL.. 2
007
56
Mem
ória
hist
órica
1.
Situ
ar o
s mot
ivos
do co
nsum
o no
co
ntex
to h
istór
ico
2006
•
“(...)
foi (
...) n
aque
la alt
ura
da in
depe
ndên
cia, q
uand
o vie
ram
muito
s… o
s ret
orna
dos,
come
çou
a ha
ver m
uitas
dr
ogas
, muit
o hax
ixe, m
uita e
rva, fo
i nes
sa a
ltura
que e
u com
ecei
a dro
gar-m
e…” (
Crist
ina, F
7)
• “(.
..) e
u co
mece
i de
miúd
o, ap
arec
eu a
í a e
rva, q
ue v
inha
do u
ltrama
r, e
a ge
nte fu
mava
, os
noss
os c
harro
s, pá
, é m
esmo
ass
im...
falan
do b
om p
ortug
uês,
a ge
nte fu
mava
os
noss
os c
harro
s... e
entr
etanto
dep
ois
apar
eceu
o a
xis, e
a g
ente
conti
nuou
a fu
mar,
não
é, aq
uilo
era
um e
stímu
lo (..
.) tal
vez
fosse
por
um
praz
er
(...)
Não e
ra o
vício,
era o
praz
er de
fuma
r...”
(José
, G18
)