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feminismo
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XV Congresso Brasileiro de Sociologia (26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR))
Grupo de Trabalho: GT 10: Geraes e Contemporaneidade
Ttulo do Trabalho: A SOCIOLOGIA DA INFNCIA E O SISTEMA GNERO-GERAO:
UMA ANLISE PRELIMINAR
Nome completo e instituio do(s) autor(es): Ana Claudia Delfini Capistrano de Oliveira
UFSC; Luzinete Simes Minella UFSC
A Sociologia da Infncia e o sistema gnero-gerao: Uma anlise preliminar
Introduo
A Sociologia1 descobriu novas maneiras de pensar as infncias e as
crianas ao final do sculo XX, graas aos debates ocorridos em vrios
congressos europeus, na criao de vrios grupos de estudo, revistas
cientificas e obras como a de Chris Jenks, The Sociology of Childhood:
Essential readings, publicada sem muito alarde em 1982 e reeditada 10 anos
depois porque, como diz o autor, alguma coisa parecia ter mudado em relao
nossa percepo colectiva da infncia durante aquela dcada. (JENKS in
CHRISTENSEN e ALLISON, 2005, p.58) Estava-se diante de um novo campo
da Sociologia que representaria uma grande mudana paradigmtica nos
estudos sociolgicos sobre as infncias e as crianas. De fato, h um certo
amadurecimento terico e emprico no trato sociolgico com o tema, que o
presente artigo dispe-se a analisar.
Na primeira parte deste texto, discorro sobre as principais contribuies
dos referenciais da Sociologia da Infncia (doravante,SI) e esclareo, de
antemo, que estes referenciais so nomeados e classificados de forma
distinta por vrios/as autores/as da SI que disputam seus saberes neste
campo. Na segunda, discuto o revisionismo terico da SI a respeito da teoria
da socializao infantil e do conceito de geraes, buscando dialogar com a
categoria gnero.
1.A Sociologia da Infncia: Estudos europeus
O surgimento das primeiras pesquisas da SI deu-se pela influncia da
Sociologia Interacionista norte-americana ao final da dc. de 1960, cuja noo
do retorno do ator foi decisiva para marcar o reencontro da criana e da
infncia no discurso e no campo sociolgico. Porm, o desenvolvimento da SI
tomou maior impulso, de acordo com Alan Prout, graas ao ressurgimento do
estruturalismo e do construtivismo social nas dcadas de 1980-1990, dcadas
de grande avano das legislaes internacionais a respeito dos direitos da
1 Refiro-me Sociologia da Infncia desenvolvida na Europa, sobretudo na Inglaterra e Frana, que
recebe o nome de estudos sociais da infncia. (CHRISTENSEN, Pia e JAMES, Alisson 2005)
criana e do adolescente como sujeitos de direitos, a exemplo da promulgao
do Estatuto da Criana e do Adolescente no Brasil (1990).
Cleoptre Montandon tambm reconhece que, desde 1984, a Sociedade
para o Estudo do Interacionismo Simblico, composta por socilogos norte-
americanos, foi responsvel pelo interesse dos socilogos ingleses sobre as
crianas, que resultou em 1986, na organizao da Revista Sociological
Studies of Child Development, posteriormente chamada de Sociological Studies
of Children. Da para frente, o progresso foi visvel, em 1990, o Congresso
Mundial de Sociologia reuniu um grupo de socilogos da infncia e em 1992 a
Associao Americana de Sociologia criou a seo de estudos Sociologia das
Crianas.(MONTANDON, 2001, p.34)
Assim, a infncia emerge ao final do sc. XX como um novo campo de
estudos devido, em parte, insatisfao dos socilogos com o tratamento que
a Sociologia dava infncia e criana, (simples variveis de estudo no
mbito da famlia e/ou da escola, por vezes invisveis nos estudos sobre a
socializao e totalmente subjugadas hierarquia das relaes geracionais), e
em parte pela nova condio social, poltico-econmica e cultural das infncias
e das crianas no mundo globalizado.
Mas, o que caracteriza a proposta da SI? De acordo com a reviso de
literatura que tenho efetuado sobre o tema, dois paradigmas caracterizam a
proposta deste campo: 1) o reconhecimento da existncia de culturas infantis,
da aptido cultural das crianas e da sua qualificao como atores/agentes
sociais e 2) o entendimento da infncia como construo scio-histrica. Estes
paradigmas correspondem, nas palavras de Manuel Sarmento, a uma nova
gramtica das culturas da infncia. (SARMENTO, 2005) Por sua vez, Rgine
Sirota afirma que a infncia emerge como um novo campo de estudo cujo
objetivo maior romper a cegueira das Cincias Sociais e acabar com o
paradoxo da ausncia das crianas na anlise cientfica da dinmica social
com relao a seu ressurgimento nas prticas consumidoras e no imaginrio
social. (SIROTA, 2001, p.11)
notrio que a infncia esteja amadurecendo sociologicamente com as
crianas saindo do limbo da teoria social para o centro da pesquisa
sociolgica. Antes consideradas como simples apndice da sociedade dos
adultos, a SI trouxe a preocupao de pensar as crianas como interlocutores
centrais e a infncia como uma construo social do tipo geracional, cujos
contextos e problemas levam compreenso de diferentes infncias vividas
por diferentes crianas. Assim, convm conhecer um pouco dos referenciais
tericos da SI e suas contribuies para o tema, especialmente em relao
categoria gnero uma vez que interessa-me indagar se esta tem sido
mobilizada no debate sociolgico da infncia.
1.1 Construtivismo
Desenvolvido nas dcadas de 1980-90, este referencial incluiu
definitivamente a infncia como categoria de anlise na investigao
sociolgica ao lado das categorias clssicas como ao, estrutura, ordem,
linguagem etc... As primeiras discusses deste referencial foram feitas pelo
socilogo Chris Jenks na obra The Sociology of Childhood: Essential readings,
mas seus princpios tericos e metodolgicos foram lanados em 1990 na obra
Constructing and reconstructing childhood: Contemporary issues inte
sociological study of childhood, da antroploga Alisson James e do socilogo
Alan Prout. Nesta obra encontram-se os seis princpios deste referencial assim
resumidos por Montandon(2001,p.51):
1.A infncia uma construo social. 2. A infncia varivel e no pode ser inteiramente separada de outras variveis como classe social, o sexo ou o pertencimento tnico. 3.As relaes sociais das crianas e suas culturas devem ser estudadas em si. 4. As crianas so e devem ser estudadas como atores na construo de sua vida social e da vida daqueles que as rodeiam. 5.Os mtodos etnogrficos so particularmente teis para o estudo da infncia. 6. A infncia um fenmeno no qual se encontra a dupla hermenutica das cincias sociais evidenciadas por Giddens, ou seja, proclamar um novo paradigma no estudo da infncia se engajar num processo de reconstruo da criana e da sociedade.
As duas principais contribuies deste referencial so, na verdade, os
paradigmas fundadores da SI, i.e., a criana como ator social e a infncia
como construo social, nos quais o primeiro valoriza as crianas como atores
sociais e o segundo, deixa de pensar a infncia como categoria natural/
biolgica e universal. Este referencial toca numa problemtica central na
Sociologia que a relao entre natureza e cultura, relao que foi, durante
muito tempo, privilegiada em relao natureza, fazendo a Sociologia observar
a infncia a partir de suas caractersticas bio-psicolgicas. Todavia, a partir da
reviso paradigmtica das dc. de 1960-70, que no somente trouxe a
compreenso do indivduo como ator social mas incorporou as noes de
representao, discurso e construo social como novos paradigmas de
anlise, permitiram que as infncias e as crianas fossem sociologicamente
desconstruidas pela pluralidade. Porm, esta pluralidade no significa apenas
somar ou colocar um s ao final da palavra, significa que a Sociologia deve
olhar para a infncia como um fenmeno sociologicamente duplo: natural e
social, biolgico e cultural, universal e particular, individual e coletivo, enfim, a
infncia como categoria profundamente relacional, como o gnero to bem
explicita e que raramente observado entre os/as autores/as deste referencial.
Questiono, assim, a ausncia terica e emprica do gnero ao mesmo
tempo que vejo nela um grande paradoxo: se lembrarmos que os processos de
desnaturalizao e desconstruo marcaram os estudos feministas e os de
gnero acerca da condio social da mulher e dos papis ligados ao feminino
na cultura ocidental, como no centralizar a categoria gnero nestes mesmos
processos observados na infncia?
1.2 Estruturalismo
Este referencial foi desenvolvido a partir da pesquisa do socilogo
dinamarqus Jens Qvortrup, A infncia como fenmeno social: Implicaes
para as futuras polticas sociais, entre 1987-1992 realizada em 16 pases
pelo Centro Europeu para a Investigao e a Poltica Social de Viena. Ao tratar
a infncia como um componente estrutural da sociedade, este projeto props-
se a responder a seguinte pergunta: qual a posio da infncia na estrutura
social da sociedade moderna? Para respond-la, Qvortrup desenvolveu as
nove teses que orientam o enfoque estruturalista da SI, resumidos por Gaitn
(2006, p.65-67):
1.A infncia uma forma particular e distinta da estrutura social de qualquer sociedade; 2.A infncia , sociologicamente falando, no uma fase transitria mas uma categoria social permanente;3.A idia da criana como tal problemtica dado que a infncia uma categoria de varivel histrica e cultural;4.A infncia uma parte integral da sociedade e sua diviso do trabalho;5.As crianas so elas mesmas co-construtoras da infncia e da sociedade; 6.A infncia est exposta s mesmas foras (sociais) que os adultos, ainda que de forma particular;7.A dependncia das crianas tem conseqncias em sua invisibilidade nas descries histricas e sociais, assim como em seus direitos e recursos ao bem-estar; 8.No os pais, mas a ideologia da famlia constitui barreira contra os interesses e o bem-estar das crianas; 9.A infncia uma categoria clssica minoritria, objeto de tendncias marginalizadoras e paternalistas.
O conceito forte para o estruturalismo, como em quase toda a literatura
de SI, continua sendo o de geraes. Para Qvortrup, este conceito assume o
mesmo estatuto sociolgico que classe, gnero e etnia, e permite desvendar as
relaes hierrquicas que existem entre as crianas e entre elas e os adultos
nas estruturas macro-sociais. O autor assevera que se os novos estudos
sociais da infncia no vencerem o desafio de diferentes nveis de realidade
ligados dialecticamente, numa conjuntura, no iro amadurecer, tornando-se
num membro domstico da comunidade cientfica. (QVORTRUP in
CHRISTENSEN e JAMES, 2005, p.91)
Este referencial problematiza as pesquisas sobre as crianas ao mostrar
que elas ainda esto direcionadas pela posio do grupo majoritrio, os adultos
(sobretudo a posio dos pais), ou seja, apesar da crtica adultizao das
pesquisas sociolgicas sobre a infncia, Qvortrup considera que este, ainda,
o ponto de partida mais comum nas pesquisas. Penso que o mesmo ocorre
com as pesquisas de gnero e infncia, que indagam primeiramente sobre o
papel da mulher na estrutura familiar para depois pensar as relaes de gnero
que so construdas entre as crianas. Apesar de levar em conta as
desigualdades de gnero, este referencial tambm no trata o gnero como
uma categoria central da estrutura social, sendo considerada apenas mais uma
varivel de anlise.
Apesar da hegemonia destes referenciais no debate da SI, existem outras
abordagens que lanam novos enfoques que permitiriam, em meu entender,
serem reconhecidos como um outro referencial. o caso do enfoque relacional
discutido pela sociloga Berry Mayall na obra Towards a Sociology for
Childhood: thinking from childrens lives (2002). A nica autora que encontrei
que considera este enfoque como um terceiro referencial da SI Lourdes
Gaitn e ela quem me orienta na anlise a seguir.
1.3 Enfoque Relacional: O gnero na infncia
Professora de Estudos da Infncia no Instituto de Educao da Univ. de
Londres, Berry Mayall tem vrios trabalhos publicados ao longo de seus 20
anos de estudos sobre a infncia, como as obras Childrens Childhoods
Observed and Experienced, de 1994 e Children, Health and the Social Order,
de 1996. Ela faz parte do programa ESRC Children 5-16 que resultou nas
obras Negotiating Childhoods e Towards a Sociology for Childhood, em 2002,
na qual desenvolveu seu enfoque relacional que me ocuparei nesta anlise.
Curiosamente, esta autora pouco citada entre os/as autores/as da SI, os
referenciais anteriores parecem dialogar mais entre si, ainda que defendam
posies divergentes, do que apresentar qualquer aproximao com este
enfoque2.
Mayall utiliza a expresso sociologia relacional aplicada aos estudos
da infncia, considerando que as infncias so construdas de vrios modos,
atravs da explorao da designao de algumas pessoas como crianas em
contradio com outras, designadas como adultas.(MAYALL,2002,p.44)
Inspirada no referencial estruturalista, nos debates da sociologia histrica e no
dilogo com Leena Alanen, Mayall parte dos paradigmas da criana como
grupo minoritrio, no qual se manifesta as relaes de dependncia e
subordinao geracionais, e da infncia como elemento permanente da
estrutura social, mas acrescenta que seu conceito de criana no parte da idia
de ator mas de agente social, conceito que para ela expressa melhor a
capacidade de negociao e de agenda das crianas nas relaes sociais.
Acompanhando a longa trajetria dos estudos feministas, Mayall afirma
que o gnero uma categoria chave para compreender as relaes sociais
entre mulheres e homens, assim como a gerao uma categoria chave para
compreender as relaes entre adultos e crianas. A autora parte de sua
prpria experincia com pesquisas sobre o contato das mes com os servios
de sade ofertados nas pr-escolas, relatando que elas no tinham poder para
mudar as estruturas que definiam e controlavam estes servios mas que
negociavam o status de seu conhecimento e de seus relacionamentos com
enfermeiras e professoras de berrios. (MAYALL, 2002, p.11)
Assim como as mulheres so definidas em oposio aos homens, so
as crianas definidas em oposio aos adultos e ainda mais, as meninas em
relao aos meninos. Neste sentido, este enfoque entende ser necessrio
pensar a infncia como categoria relacional a partir de trs princpios apoiados
na perspectiva feminista: 1) Desenvolver um pensamento sociolgico
2Sarmento chama este enfoque de estudos de interveno ou estudos crticos pois defendem uma viso
emancipatria da infncia em trs acepes: a infncia como construo histrica, como um grupo social
oprimido e como uma condio social. (SARMENTO, 2008, p. 32)
fundamentalmente relacional, `a semelhana do que o gnero fez sobre as
relaes entre os sexos e a gerao fez sobre as relaes entre crianas e
adultos; 2) Precisamos levar em conta as experincias das crianas e o modo
como entendem suas vidas e suas relaes sociais manifestos em seus pontos
de vista e 3) O conhecimento baseado na experincia das crianas um
ingrediente fundamental em qualquer esforo para o reconhecimento dos
direitos das mesmas. (MAYALL, 2002, p. 24,25)
De fato, os estudos feministas ensinam que as experincias so
fundamentais na compreenso das diferenas de gnero e estas, por sua vez,
explicam as assimetrias das experincias masculina e feminina na sociedade.
Para Mayall, isto bastante apropriado para os estudos sociolgicos sobre a
infncia uma vez que a experincia da criana tambm explica a sua infncia e
vice-versa. A este respeito, Alanen (2001,p. 87) afirma que as experincias das
crianas devem fazer parte da crtica sociolgica sobre o saber:
Considerando que o saber sempre situado, isto , ele construdo a partir de uma posio particular, cabe ao socilogo tomar essa posio como ponto de partida e construir o conhecimento dentro de suas estratgias tericas e metodolgicas. Assim, possvel uma pesquisa centrada no ponto de vista da criana. Isso significaria examinar, analisar e explicar os mundos que as crianas conhecem porque vivem ai dentro; e ligar as vidas das crianas organizao cotidiana habitual das relaes sociais.
O ponto de vista das crianas remete ao reconhecimento de que elas
produzem suas prprias culturas apoiadas nas e pelas relaes de gnero e de
poder. Deste modo, a estrutura de geraes permite colocar a criana como
sabedora de seu gnero. Isto fica especialmente visvel nos estudos da vida
cotidiana pois as duas estruturas, gnero e gerao, ajudam a visualizar as
posies diferentes que adultos e crianas ocupam nos espaos privados,
afinal, a vida de mulheres e de crianas tm aspectos de gnero e aspectos
de gerao. (Alanen, 2001, p.83) Ela mostra, ainda, que as relaes de gnero
tambm so criadas pelas crianas, afinal:
As crianas tambm tm gneros, claro, mas a utilidade da noo de gnero est alm disso. Pois gnero essencialmente um conceito de relao mas infncia tambm o . Num sentido sociolgico, crianas e adultos so nomes dados a duas categorias sociais que esto posicionadas entre si dentro de uma relao de geraes. Assim, aqui o aperfeioamento da lgica da relao de gnero, conforme est desenvolvida dentro dos Estudos Feministas, proporciona inspirao tambm para se repensar as crianas em termos deste relacionamento.
Gaitn lembra que os estudos feministas somente avanaram quando
passaram dos estudos sobre a condio da mulher em relao dominao
masculina para os estudos sobre os processos relacionais por meio dos quais
esta condio e dominao eram estabelecidas e modificadas. (GAITAN, 2006,
p.96) Neste sentido, a SI deve fazer a mesma denncia que fizeram os estudos
feministas sobre a excluso das mulheres na Sociologia pois ocorre o mesmo
com as crianas e a infncia, da a necessidade do enfoque relacional para
evitar este esquecimento atravs do sistema gnero-gerao que depreendo
das leituras de Mayall, Alanen e Gaitan. Segundo Gaitan (2006, p.96) este
sistema permite compreender:
Existe por lo tanto un sistema de gnero por debajo de nuestras relaciones sociais cotidianas. La infancia es tambin um concepto relacional: existe solo em relacin con la adultez. (...) Esto leva a la sugerencia de que, en paralelo al sistema de gnero, funciona un sistema generacional, un orden particular que organiza las relaciones de los nios con el mundo, les atribuye posiciones desde las cuales actuar, as como una visin y un conocimiento acerca de ellos mismos y de sus relaciones sociales.(...) la relevancia de la sociologia de la infancia no es slo una manera de llenar los vacos de conocimiento sobre los nios y sus modos de vida sino que se extiende tambin a los estudios y teoras de la vida adulta.
Ao equiparar os conceitos gnero e gerao, este sistema ajuda a entender
os processos pelos quais as posies sociais dos grupos (crianas e adultos)
so constitudas, reproduzidas e transformadas. A anlise do sistema gnero-
gerao na infncia revela muitos pontos em comum com os estudos sobre a
condio feminina, por ex., a relao de subordinao das crianas ao
patriarcalismo, s relaes de poder, suas dificuldades no reconhecimento de
seus direitos e no respeito aos seus pontos de vista, alm de contribuir para
temas em comum, como por ex., as crianas e a diviso do trabalho em vrios
mbitos (escola, casa, sociedade).
Para Alanen, o que o conceito de gerao representa para o estudo
sociolgico da infncia, o de gnero representa para o feminismo.Sendo assim,
pergunto: Por que no juntar os dois? Considerar o sistema gnero-gerao
perceber a existncia de uma relao dialtica entre eles, ou seja, uma
gerao hegemnica tambm possui um gnero hegemnico. Os estudos
feministas ensinam que as experincias sociais ajudam a explicar as diferenas
e assimetrias de gnero. Porm, penso que no basta reconhecer que o
gnero faz parte do mundo infantil, necessrio perceber como o gnero
acontece nele e na sua relao com o mundo adulto. necessrio reconhecer
que meninas e meninos so capazes de estabelecer relaes estruturais e
simblicas que resultam, por sua vez, em prticas sociais diferenciadas e
mediadas pelo gnero-gerao. Desta compreenso, resulta sua analtica das
geraes cujos componentes so:
Quadro 1
GENERO GERAO
1. Como formao estrutural, o gnero corresponde a uma estrutura de
poder;
1. Corresponde a um conjunto ordenado de estruturas de geraes tanto da infncia
quanto da vida adulta ligados numa interdependncia recproca e em relaes de
poder;
2. Como estrutura de poder, o gnero implica em processos de
estruturao que efetuam a regulao, a organizao e o posicionamento
(separao) dos gneros nas relaes sociais, que, por sua vez, resulta em um
acesso diferenciado na sociedade;
2.Corresponde a uma srie de processos sociais, econmicos, polticos e culturais nos
quais as crianas e os adultos interagem constantemente em suas atividades coletivas e
individuais que resulta numa reestruturao contnua das geraes;
3. O gnero nomeia os sistemas de smbolos e significaes que
constituem a dimenso cultural das hierarquias (separaes) de gneros.
3.A estrutura geracional proporciona as significaes, smbolos e semntica que nomeiam
seus significados culturais.
(quadro elaborado por mim a partir do esquema de Alanen( 2001,p.83))
Mais do que aliar o gnero gerao, este sistema mostra a importncia
de se analisar sociologicamente a infncia em trs acepes: 1) como uma
estrutura social na qual se materializam as relaes de poder, 2) como
possibilidade de reestruturar as relaes entre as geraes, j que as relaes
intrageracionais no so naturais ou fixas e 3) como auxlio no desvelamento
dos significados, smbolos e na semntica entre as geraes. Cada uma destas
acepes pressupe novas leituras sobre dois temas preponderantes neste
campo, a saber, a teoria da socializao e o conceito de geraes, que passo a
discutir.
2. O revisionismo da SI sobre a socializao e o conceito de geraes
Os conceitos que haviam dominado o debate das Cincias Sociais sobre
a socializao infantil eram, em grande parte, oriundos das pesquisas sobre o
desenvolvimento infantil elaboradas pela Psicologia e Pedagogia no comeo do
sc. XX, cincias com as quais a Sociologia da Educao, principalmente em
Emile Durkheim. Ora, estas cincias possuam um discurso monopolizador
sobre a infncia desde o sc. XVIII, com a hegemonia do discurso iluminista e
seu projeto cientfico em torno do privilgio da razo calculativa e a
supremacia csmica da cincia ocidental, presentes nas teorias da
competncia que cercam os discursos sobre a socializao, como o cuidado e
a educao das crianas. (JENKS in CRHISTENSEN e JAMES, 2005, p.60)
Neste sentido, as verdades cientificas sobre a socializao infantil
eram ditas pela boca dos psiclogos e pedagogos e corroboradas pelo discurso
sociolgico, que orientava-se segundo o modelo de desenvolvimento infantil de
Jean Piaget a partir da noo, nas palavras das antroplogas Silva, Nunes e
Macedo, de um crescimento natural e em etapas, da simplicidade
complexidade, do irracional para o racional, noo que servia perfeitamente a
um modelo de racionalidade adulta que, de to confortvel para os adultos,
obviamente no dava margem para se explorarem novas alternativas.3
(SILVA, NUNES e MACEDO, 2002, p.19)
3 importante salientar que o revisionismo da teoria da socializao pela SI, deve-se, em grande parte, aos
estudos crticos da Antropologia por meio de sua reviso dos conceitos de socializao, cultura (inata ou
adquirida), sociedade, estrutura, agncia, e a prpria noo de criana como sujeito social. Um exemplo
destes estudos o papel desempenhado pela escola estrutural-funcionalista representada pelo ingls
Radcliffe-Brown, escola que teve o mrito de superar a viso psicologizante dos estudos centrados na
personalidade para dar lugar aos estudos sobre o processo de socializao dos indivduos. (Cohn, 2005)
No entanto, a retomada do tema da socializao marcou os estudos da Antropologia nas dcadas de 1970-
90, como os trabalhos de Mackay(1973), Richards (1974), Denzin3(1977), Schildkrout (1978), Toren
(1990, 1993), Pelissier (1991) e Caputo (1995) (SILVA, NUNES e MACEDO, 2002). Em outro trabalho,
as antroplogas Angela Nunes e Maria R. de Carvalho problematizam os conceitos de agncia social das
crianas, enquanto atores competentes, mostrando que estes conceitos implicam em questes
metodolgicas e epistemolgicas nem sempre fceis de visualizar na prtica das pesquisas com as
crianas. Alm disso, nem sempre estas pesquisas resultam em reflexes tericas que permitam um
debate interdisciplinar nas Cincias Sociais, sobretudo entre a Antropologia e a Sociologia. Este foi um
dos pontos levantados na discusso que participei do GT Antropologia: Que contributo aos estudos
interdisciplinares acerca da infncia? do IV CONGRESSO DA ASSOCIAO PORTUGUESA DE
ANTROPOLOGIA, realizado em setembro de 2009 em Lisboa. As principais crticas que integraram as
pesquisas ali apresentadas (2 pesquisas sobre Portugal, 2 sobre frica e 5 sobre Brasil) foram: de um
lado, o fato de que a Antropologia e a Sociologia seguem seus estudos sobre a infncia e as crianas de
modo independente e autnomo que acaba por impedir um dilogo mais sistemtico sobre seus resultados
empricos e tericos; de outro o fato de que, apesar destas cincias afirmarem que usam os novos
paradigmas da SI, nem sempre eles so utilizados nas pesquisas de campo que continuam por perpetuar
os mesmos interesses e olhares dos adultos sobre as crianas, que via de regra, continuam sendo
estudadas em seu papel de escolares. Na fala da pesquisadora portuguesa Manoela Ferreira, as crianas
continuam marginalizadas nos trabalhos mais recentes da Antropologia a despeito de serem consideradas,
teoricamente, atores sociais plenos. As questes levantadas por Ferreira foram: at que ponto estamos
dando um passo a frente nas questes metodolgicas que colocam a criana como ator principal nas
pesquisas? At que ponto estamos superando o paradigma da criana-aluno/a e da criana filho/a? At
que ponto estamos enxergando a criana como o outro da relao pesquisador-pesquisado? Ferreira
discute em sua tese A gente aqui o que gosta mais de brincar com os outros meninos!As crianas como
atores sociais e a reorganizao social do grupo de pares no quotidiano de um Jardim da Infncia (2002),
a respeito do risco destes paradigmas da criana-ator e da infncia-construo social virarem um slogan
vazio (FERREIRA apud MARCHI, 2007, p.82)
Se a tradio sociolgica sobre a socializao devedora destas
cincias, o nome que representa esta tradio o prprio fundador da
Sociologia - mile Durkheim. Ele a entendia como um processo de integrao
entre as geraes, caracterizado, de um lado, pela ao dos adultos e das
instituies sociais sobre as crianas e, de outro, pela apropriao deste
processo pela ao das crianas4. Este conceito de socializao partia da ao
dos adultos sobre as crianas e tinha como objetivo primordial a socializao
adequada da criana, de acordo com as regras do convvio social, ou nas
palavras de Durkheim, ao exercida pelas geraes adultas sobre as que
ainda no esto maduras para a vida social. (DURKHEIM, 1978, p.38, 41) A
socializao, entendida deste modo, atesta a falta de capacidade de agncia
da criana, vista apenas como um receptculo sobre o qual o adulto deposita o
seu saber (e poder) numa sistemtica de geraes, na qual a gerao dos
adultos exerce a capacidade da agncia, da ao social, e a gerao das
crianas, jovens e adolescentes encontra-se incapacitada para tal,
despreparadas para a vida social. Como aponta o socilogo portugus
Sarmento5, este conceito tratava as crianas como seres pr-sociais, como
objectos manipulveis, vtimas passivas ou joguetes culturalmente neutros
subordinados a modos de dominao ou de controlo social. (SARMENTO,
2002, p.9)
Assim, os principais pontos revisitados pela SI a respeito da teoria da
socializao dizem respeito superao da idia de passividade infantil e da
institucionalizao como condio-chave para que a criana se socialize,
principalmente em relao ao papel hierrquico e autoritrio das instituies
como a famlia e a escola, principais responsveis por esta socializao.
Ao deixar de fora uma compreenso mais particularizada da criana e da
infncia, a Sociologia subordinava seu estudo aos campos tradicionais da
Sociologia da Famlia e Sociologia da Educao. A SI veio, pois, emancipar a
infncia e a criana como categorias com especificidades particulares e
distintas daquelas que definiam estes campos, alm de mostrar que outros
4 Na obra Educao e Sociedade, que rene os principais ensaios de Durkheim sobre o tema, Durkheim
fala dos humores das crianas em sua discusso sobre o entroncamento da educao e da moral que
resulta nos trs elementos principais da educao moral das crianas e/ou, das novas geraes - o esprito
de disciplina, o esprito de abnegao e o esprito de autonomia. (DURKHEIM, 1978, p.21) 5 Sarmento indica a reviso da literatura sociolgica sobre a socializao a partir destes autores: JENKS,
1996;CORSARO, 1997; MONTANDON, 1998; SIROTA, 1998. (SARMENTO, 2002a, p.9)
temas, e no apenas a socializao, precisam ser estudados no universo
infantil.
o que defende Suzanne Mollo-Bouvier ao afirmar que a SI francesa
no soube explorar todo o potencial analtico contido neste revisionismo,
principalmente no que diz respeito ao entendimento da criana como ator social
que participa diretamente de sua prpria socializao. Para superar esta
dificuldade, a autora considera quatro abordagens fundamentais no estudo
sociolgico da infncia: a) a segmentao social das idades e a incerteza
quanto ao perodo da infncia; b) a tendncia a favorecer a socializao em
estruturas coletivas fora da famlia; c) a transformao e as contradies das
concepes da infncia e por fim, d) o interesse generalizado por uma
educao precoce. Mollo-Bouvier tambm destaca o papel da perspectiva
interacionista, no caso da tradio francesa, na superao da tradio
durkheimiana do conceito de socializao enquanto um processo de
assimilao e inculcao da criana para uma viso mais abrangente que
entenda este processo como resultado de uma dinmica das interaes na
aquisio de know-hows e insiste no vnculo entre conhecimento de si e
conhecimento do outro, construo de si e construo do outro. (MOLLO-
BOUVIER,2005, p.392)
Assim, o revisionismo da SI sobre a teoria da socializao, sobretudo as
pesquisas anglfonas e francesas6, tem auxiliado na problematizao de trs
aspectos: 1) a viso passiva da criana cuja socializao regida por
instituies e pelos adultos; 2) os estudos centrados exclusivamente na criana
enquanto aluno/a ou na criana-problema (infrator); e 3) a hegemonia do
discurso adultocntrico nas pesquisas com crianas. Esta problematizao
sugere uma compreenso mais ampla da criana como ator social, como
aquela que participa, a seu modo, de sua prpria socializao, que no se
restringe ao nico papel de estudante ou de criana-problema e ainda, como
aquela que pode ser tratada como interlocutor principal, e no apenas mero
respondente ou informante, nas pesquisas que tratam sobre suas prprias
6 Sobre a produo da Sociologia da Infncia nos pases de lngua inglesa e francesa ver, respectivamente,
os artigos de MONTANDON, Cloptre. Sociologia da infncia: balano dos trabalhos em lngua inglesa.
Cadernos de Pesquisa. So Paulo, n.112, mar. 2001, p.91-118 e SIROTA, Rgine. Emergncia de uma
sociologia da infncia: evoluo do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa, So Paulo, n. 112, mar.2001,
p.7-31.
vidas.7 notrio que a SI rompeu com a tradio dos estudos sociolgicos
sobre a socializao que pensavam as crianas como pessoas incompletas,
inacabadas e, portanto, imperfeitas, pessoas regidas por uma socializao
imposta hierarquicamente pela famlia e pela escola e que, por sua vez,
limitava o entendimento da gerao apenas como grupo etrio. aqui que o
conceito de gerao ganha especial destaque nas crticas da SI.
Existem vrias interpretaes deste conceito na literatura da SI, mas
todas partem do entendimento do socilogo alemo Karl Mannheim (1893-
1947) na obra Ensaios de Sociologia do Conhecimento, especialmente o
captulo O problema das geraes, publicado em 1928. A partir deste ensaio,
seu conceito de geraes tornou-se central nos estudos da Sociologia da
Juventude. Em relao infncia, Mannheim refere-se a ela ao abordar o
processo de inculcao e socializao das regras sociais que, na sua viso,
ocorre de modo no-problemtico porque a criana no interfere neste
processo devido ao fato de no constituir um ser pronto, acabado, como o
caso do jovem. A criana, este germe novo, sob o qual ainda no se atingiu
sua forma prpria, no tem condies intelectuais e espirituais para o
questionamento, conforme Mannheim (1982, p.82):
A possibilidade de que ele realmente questione e reflita sobre as coisas surge apenas no ponto onde comea a experimentao pessoal com a vida, por volta dos 17 anos de idade, as vezes um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde. Somente ento, que os problemas da vida comeam a ser localizados em um presente e so experienciados como tais. (...) pela primeira vez, vive-se no presente.
Para o autor, a infncia no tem valor sociolgico uma vez que nela a
criana no se d conta do presente, ou dos problemas da vida. Somente
quando sai da infncia, quando deixa de ser criana, que o individuo passa a
ter um valor sociolgico, tendo conscincia de si e do meio social, o que leva
idia da criana como o nada, como incapaz do questionamento e da reflexo,
incapaz at de viver no presente, como afirma na citao acima. Superar a
idia da imaturidade biolgica e racional foi a primeira tarefa da SI ao resgatar
o conceito. Mannheim afirma que pertencer a uma mesma gerao significa
7 Na viso da cientista social portuguesa Maria Manuela Martinho Ferreira, este discurso no est de todo
superado pela atual SI, que continua privilegiando os interesses e a fala dos adultos em suas pesquisas
com crianas. (FERREIRA in SARMENTO e GOUVEIA, 2007, p.143-189).
compartilhar os fatores histricos que a demarcam, isto , o seu eixo temporal,
com as experincias sociais, superando a idia biolgica do conceito que o
restringe questo da idade, contrariando a tendncia da sociologia positivista
em deduzir os fenmenos sociolgicos diretamente dos fatos naturais.
(MANNHEIM, 1982, p.71) Como mostra a pesquisadora Marialice Foracchi, "o
conceito sociolgico de gerao no se baseia exclusivamente na definio
social da idade, mas encontra no conflito sua categoria constitutiva"
(FORACCHI, 1982, p. 16). Para Mannheim,(1982, p.73), gerao corresponde:
a um tipo particular de identidade de situao, abrangendo grupos etrios relacionados, incrustados em um processo histrico-social. Enquanto a natureza da posio de classe pode ser explicada em termos de condies econmicas e sociais, a situao etria determinada pelo modo como certos padres de experincia e pensamento tendem a ser trazidos existncia pelos dados naturais da transio de uma para outra gerao.
No recente artigo sobre A atualidade do conceito de geraes de Karl
Mannheim, Wivian Weller (2010) discute a precariedade de algumas tradues
desta obra que dificultou o seu entendimento na sociologia brasileira, razo que
a fez propor, no referido artigo, uma reconstruo do conceito de geraes e
sua releitura contempornea. Weller esclarece que a contribuio de
Mannheim foi superar a abordagem comteana que entendia o ritmo da histria
e do progresso da humanidade a partir dos ciclos biolgicos de uma gerao
(em torno de 30 anos), pela abordagem histrico-romntica presente no
pensamento alemo, preferencialmente em Dilthey e Pinder, que privilegiava
os aspectos qualitativos do tempo interior de vivncia e o fenmeno da
contemporaneidade/simultaneidade no lugar da nfase quantitativa e
meramente cronolgica de Comte e os positivistas. (WELLER, 2010, p.209)
Nas palavras de Mannheim (1982, p.74), a nossa cultura desenvolvida
por indivduos que entram de maneira diferente em contato com a herana
acumulada entre as geraes, e exatamente esta a segunda tarefa da SI em
sua apropriao do conceito, i.e., perceber como as crianas desenvolvem
experincias diferentes diante de seu contato com a herana das geraes que
as precederam, e como a partir disso, desenvolvem suas prprias culturas
infantis. Influenciado pelo historiador da arte, Pinder, Mannheim utiliza o
conceito de entelquia que significa a expresso do sentimento genuno do
significado da vida e do mundo, de seus objetivos internos ou de suas metas
ntimas que esto relacionadas ao esprito do tempo de uma determinada
poca ou ainda, sua desconstruo (...) De acordo com Weller, o problema
sociolgico das geraes em Mannheim est diretamente ligado a seu
entendimento da entelquia geracional e do fenmeno da contemporaneidade.
(MANNHEIM apud WELLER, 2010, p.209)
Para Mannheim, o problema sociolgico das geraes comea somente
onde a relevncia sociolgica desses dados prvios forem realadas isto , os
dados referentes situao de classe e a situao geracional dependem da
posio ocupada pelo individuo no mbito scio-histrico. (MANNHEIM apud
WELLER, 2010, p.211) Como explica Jean-Claude Forquin, a situao de
gerao no basta para estabelecer a existncia de um conjunto de gerao
real. Este pressupe que um vnculo concreto aparea(...) e este vnculo, por
sua vez, fundamenta uma unidade de gerao que corresponde a contedos
comuns de conscincia, representaes, crenas, engajamentos (...) o que
Mannheim chama de princpios estruturantes, termo este que o tradutor
francs Grard Mauger aproxima da noo de habitus tal como ela foi
introduzida por Pierre Bourdieu. (FORQUIN, 2003, p.4) Assim, a estrutura
bsica do conceito compe-se dos elementos relacionados situao de
classe, situao geracional, grupos concretos e unidade geracional8.
Cabe, ainda, observar que a SI aproxima-se da concepo de Mannheim
apenas em alguns pontos, como por ex, a noo de experincia ou vivncia,
8 Mannheim afirma que a situao de classe e a situao geracional ajudam a compreender
como o indivduo situa-se a um determinado campo de ao ainda que esteja apenas ocasionalmente vinculado a um grupo concreto que significa a unio de um nmero de indivduos atravs de laos naturalmente desenvolvidos ou conscientemente desejados. Estes grupos possuem um certo modo caracterstico de pensamento e experincia e a um tipo de ao historicamente relevante, que no entanto, relativa dinmica de sua insero no processo histrico-social. (MANNHEIM, 1982, p.70 e 72). Todavia, o interesse do autor no est no grupo em si mas nas tendncias formativas e intenes primrias incorporadas que, por sua vez, estabelecem um vnculo com as vontades coletivas que definem as unidades geracionais. Estas unidades caracterizam-se no apenas pela participao livre de diferentes indivduos e suas vivncias coletivas mas sobretudo pela reao homognea dos indivduos vinculados a uma gerao, pelas intenes manifestas nas aes e expresses dos grupos.Sendo assim, o que importa o modo como estes elementos geracionais permitem compreender a interferncia dos indivduos no processo social e histrico por eles vivenciado, na qualidade de atores sociais coletivos. Na opinio de Weller, nisto reside a atualidade do pensamento mannheimiano ao considerar que o foco da anlise sociolgica deve estar voltado para as intenes primrias dos atores envolvidos no contexto geracional do que propriamente caracterizar as especificidades dos grupos. (WELLER, 2010, p.220)
que , na opinio de Mannheim (1982, p.79-80), aquilo que diferencia os
indivduos na condio de pertencerem mesma gerao, no envolvendo:
por si s uma similaridade de situao.O que realmente cria uma situao comum elas estarem numa posio para experienciar os mesmos acontecimentos e dados etc...e especialmente que essas experincias incidam sobre uma conscincia similarmente estratificada.
Na opinio de Cleopatre Montandon, os socilogos que estudaram de
perto as crianas e se declararam insatisfeitos com as teorias da socializao
foram os mesmos que, ironicamente, durante muito tempo conceituaram as
crianas como objetos da ao dos adultos. Para ela, a releitura crtica s foi
possvel, no caso da tradio anglo-sax, graas ao impulso das perspectivas
interacionistas, interpretativas e etnometodolgicas.(Montandon, 2001,p.36-39).
Todavia, como ela afirma, no h consenso nas pesquisas:
De um lado, h os que sustentam a idia de uma uniformizao crescente e que por isso no vem a utilidade de uma sociologia da infncia. Por outro lado, h os que pensam que as diferenas tornaram-se mais sutis e o importante hoje considerar no somente as diferenas entre geraes, mas tambm entre crianas de idade diferentes. Por outro lado, ainda, a multiplicidade das dimenses que marcam as diferenas deve ter mais preciso. (...) De maneira geral, os trabalhos, que estudam as relaes entre geraes destinam lugar importante s crianas, so amparados por uma abordagem unilateral da socializao. Entretanto, h hoje trabalhos que adotam perspectivas menos tradicionais.
Para Leena Alanen (2001, p.12), o uso do conceito segundo a
perspectiva mannheimiana representaria, para a SI:
um sistema de relaes entre posies sociais construdo do ponto de vista social, no qual as crianas e os adultos detm posies sociais especficas, definidas relativamente a cada uma e constituindo, por sua vez, estruturas (neste caso, geracionais) especficas.
J para Sarmento, a infncia emerge como categoria geracional na qual
se exprime com toda intensidade a crise social da infncia em quatro espaos
estruturais distintos: o espao da produo (trabalho), o espao domstico
(famlia e socializao), o espao da cidadania (escola e esfera poltica) e o
espao comunitrio (relaes de pares e as culturas infanto-juvenis).
(SARMENTO, 2002, p.268-269) No artigo sobre Geraes e Alteridade:
Sarmento critica Qvortrup por este entender o conceito apenas como uma
varivel independente, trans-histrica, prioritariamente ligada aos aspectos
demogrficos e econmicos da sociedade. Neste sentido, geraes
entendida como uma estrutura reiteradamente preenchida ou esvaziada de
seus elementos constitutivos concretos e no apenas como um grupo etrio.
(SARMENTO, 2005, p. 364)
Assim entendido, o conceito de gerao em Sarmento afasta-se de
Mannheim, pois para Sarmento o conceito deve ser entendido sob dois planos
coincidentes: O primeiro, o plano sincrnico, corresponde gerao-grupo de
idade, que se referem s relaes estruturais e simblicas dos atores sociais
de uma certa faixa etria, ou seja, a SI recupera o conceito de gerao neste
plano conforme Sarmento (2005, p.364):
uma categoria estrutural relevante na anlise dos processos de estratificao social e na construo das relaes sociais.(...) O resgate do conceito de gerao impe a considerao da complexidade dos factores de estratificao social e a convergncia sincrnica de todos eles; a gerao no dilui os efeitos de classe, de gnero ou de raa na caracterizao das posies sociais, mas conjuga-se com eles, numa relao que no meramente aditiva nem complementar, antes se exerce na sua especificidade, activando ou desactivando parcialmente esses efeitos.
O segundo, o plano diacrnico, corresponde gerao-grupo de um
tempo historicamente definido, que se refere aos estatutos, papis sociais e
prticas sociais diferenciadas de uma certa faixa etria num dado perodo
histrico. (SARMENTO, 2005, p.367) Neste plano, a SI:
prope-se a interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma as crianas como objecto de investigao sociolgica por direito prprio, fazendo acrescer o conhecimento, no apenas sobre infncia, mas sobre o conjunto da sociedade globalmente considerada. A infncia concebida como uma categoria social do tipo geracional por meio da qual se revelam as possibilidades e os constrangimentos da estrutura social.(...) H outras dimenses estruturais que se cruzam com a categoria social da infncia e que colocam cada ser social numa topografia complexa de relaes.
De qualquer forma, ao revisitar estes conceitos e ao propor o sistema
gnero-gerao, a SI colabora na compreenso da sociedade a partir do
fenmeno social da infncia enquanto uma categoria geracional, ajudando na
superao da prpria Sociologia como cincia adultocntrica, desatenta ao
universo infantil e s crianas como sujeitos ativos cujos pontos de vista eram
ignorados ou secundarizados nas pesquisas.
Consideraes Finais
Diante do exposto, pode-se dizer que a SI reatualizou o debate sobre
as infncias e as crianas no mundo contemporneo, lanando sobre ele novos
paradigmas que redefinem seu estatuto terico, tanto no que diz respeito aos
paradigmas da criana como ator social, da infncia como grupo minoritrio,
como nas releituras do processo de socializao infantil e do conceito de
geraes. Os referenciais terico-metodolgicos da SI colaboram no estudo da
pluralidade das infncias/crianas em seus mais variados contextos e papis
sociais. Cada uma, sua maneira, auxilia no entendimento dos significados da
infncia e do ser criana na sociedade contempornea.Todavia, os referenciais
da SI aqui analisados raramente consideram as relaes de gnero, como se
elas pudessem estar ausentes dos paradigmas da criana como ator social e
da infncia como construo social. No basta acrescentar as crianas
cincia da mesma forma como as mulheres o foram, preciso questionar as
interpretaes narrativas que consolidam uma forma de ser criana e/ou
menino e menina. preciso observar se a SI ocupa-se mais em legitimar
cientificamente esta insero das crianas como atores sociais e menos em
observar como operam as relaes de gnero neste conceito.
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