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Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
DIREITOS HUMANOS NA PERSPECTIVA DA DISPUTA POR TERRAS
ENTRE INDÍGENAS E LATIFUNDIÁRIOS NA AMÉRICA LATINA COM
ÊNFASE NO SUL DA BAHIA
Antônio Gabriel Oliveira Araújo1
Florisvaldo de Jesus Silva2
RESUMO
O presente artigo visa traçar um paralelo entre a história da colonização europeia
nas Américas e a atual luta por terras no Brasil, com foco na tribo Tupinambá Serra do
Padeiro, da cidade de Buerarema, sul do Estado da Bahia, região onde graves violações
aos Direitos Humanos são registradas constantemente. Diferente dos absurdos no que
diz respeito à exploração de recursos, a questão indígena não é exclusiva do Brasil,
afinal, imensas cidades com culturas e conhecimentos muito além de muitas regiões
europeias foram destruídas. No Brasil, os europeus trataram logo de catequizar os
índios, já que os consideravam bárbaros e povos “sem alma”. Com o passar dos anos e a
sede cada vez maior por ouro e outros recursos naturais, os portugueses foram
adentrando as matas, invadindo tribos e dizimando povos, culturas, línguas e
conhecimentos diversos apenas pela ganância por poder. Hoje, a situação da população
indígena no Brasil se resume às lutas por terra, por reconhecimento e pelo simples
desejo de existir enquanto tal.
PALAVRAS CHAVE: Indígena; dignidade humana; conflitos.
1 Graduando do V Semestre em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected].
2 Graduando do V Semestre em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected]
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico tal qual como está estruturado na realidade da sociedade
brasileira, por vezes, demostra pouca preocupação com a razão de ser da sociedade, ou
seja, a pessoa humana. O próprio discurso do processo legal dominado pela técnica
parece não estar tratando da pessoa e sim de volumes de papeis. A letra da lei ainda tem
ocupado com prioridade o dia-a-dia de nossos tribunais e dos nossos legisladores. Uma
questão fundamental que precisa ser arguida neste debate é a condição da pessoa
humana como tal. Longe de desprezar a importância do direito positivo, é preciso
compreendê-lo a luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
Um grande equívoco da ordem sócio-jurídica está em, não poucas vezes, reduzir
a personalidade humana à técnica e, na frieza do legislador e do julgador, vidas serem
decididas sem que se levem em conta aqueles direitos inerentes à personalidade que,
indubitavelmente, precisam da máxima proteção do Estado. O presente trabalho
pretende analisar a questão indígena na perspectiva dos direitos humanos. Com isso
fazer entender de que a essência da discussão não é a etnia ou o grupo em que essa ou
aquela pessoa está inserida, e sim, a sua condição como tal: ser humano.
Constantemente se verifica notícias sobre conflitos entre fazendeiros, agricultores,
quilombolas e povos indígenas, sendo que entre fazendeiros/agricultores e povos
indígenas as tensões têm sido maior. Neste trabalho nos concentraremos na questão
indígena, como dito antes, com o olhar voltado à humanidade de cada pessoa.
Uma vez levada à base da discussão o tema então proposto, - direitos humanos
– tanto o legislador quanto o julgador da realidade concreta, terão um caminho claro e
definido para guiar suas decisões, seja em abstrato ou no caso concreto. Muito se debate
no seio da sociedade sobre a possibilidade dessa ou daquela pessoa ser descendente
indígena ou se se trata de alguém que se aproveita dessa condição para obter
determinados benefícios destinados àqueles povos, são as injustas e constantes
criminalizações das causas indigenistas. O contato de perto com aquele povo permite
perceber a fundo suas lutas e conquistas, a realidade vista e vivida pessoalmente é mais
vantajosa do que o conhecimento adquirido pela mídia, que possui outras prioridades.
Cada cidadão, cada membro dessas comunidades tem o direito de ver do Estado os seus
direitos garantidos e efetivados e a integral proteção contra toda forma de preconceito,
discriminação, violência física ou moral etc., ao passo de ver garantido o direito à terra,
ao trabalho, à alimentação, à saúde, à segurança, à distribuição igualitária de renda, à
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garantia de moradia digna dentre outros direitos fundamentais e essenciais à existência
humana. Urge do Estado uma solução viável a questão das demarcações e concretização
do direito à terra aos povos indígenas, porém toda essa temática não pode se dissociar
da condição de dignidade de que dispõe cada ser humano.
1. OS DIREITOS HUMANOS COMPREENDIDOS PARA ALÉM DA
LINGUÍSTICA
O que são direitos humanos? Este trabalho não tem a pretensão de responder a
pergunta, porém propor uma análise sobre o tema e reconhecer que toda pessoa humana
precisa ser respeitada e vista como tal e que é dever do Estado garantir que todos
tenham acesso à vida, à liberdade, à segurança pessoal, o espaço para o
desenvolvimento próprio e dos seus. Humanos são os seres dotados de razão que vivem
em sociedade, relacionam-se entre si, possuem necessidades física, espiritual,
intelectual, moral, cultural etc. Para tanto as respostas serão sempre inúteis enquanto as
perguntas forem acidentais ao passo que deveria tratar da essência.
As mulheres, as crianças, os idosos, os índios, os homoafetivos, os negros dentre
outros, não devem ser respeitados simplesmente pelo fato se representarem classes
oprimidas, excluídas. Precisam sim é serem respeitadas como pessoas. As leis serão
inúteis se se tratarem dessas classes sem que se considerem a sua vocação humana
dotada de direitos e deveres. Nos termos da Declaração:
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra
qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra
qualquer incitamento a tal discriminação.
A condição humana de um ser, que tacitamente o dota de direitos, sem os quais
não se pode reconhecer como tal, precisa pautar os questionamentos a fim de que se
obtenha respostas fortes e capazes de despertar as consciências individual e coletiva
para a promoção e proteção da vida como um todo. Mais que violar direitos, quando se
priva alguém de algo que lhe é essencial e pertencente por natureza, nega-se a sua
condição ontológica de ser humano. Os inúmeros casos de violações de direitos
humanos que se verifica, seja por parte de pessoas e grupos, seja por parte do Estado, é
tão somente fruto do total despreparo para se lidar com o tema. À medida que as
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relações são mercantilizadas o capitalismo selvagem conduz as discussões para a
proteção dos bens e esquecer-se a personalidade dos seus possíveis possuidores.
Nessa conjuntura, valerá quem tem. Aqueles que não têm posse de bens, que
fazem parte da maioria esmagadora de miseráveis, ou aqueles que, não tendo, procuram
adquirir por meios ilícitos, verão, violentamente, retirada a sua dignidade como pessoa.
Repita-se exaustivamente que a condição humana dota o ser de um direito intrínseco
que não pode lhe ser retirado. Essa é a questão fundamental: garantia absoluta da
personalidade humana. Isso não significa proteção deficitária, sob pena de infligir-se a
princípio da proporcionalidade. O fato de que existe um direito intangível e inalienável,
indisponível ao próprio possuidor, não quer significar a ausência de reprovação à
conduta indesejável e injusta que alguém venha a praticar, a reprovação deve limitar-se
ao necessário para prevenir e conter a tal ação sem com isso exceder aos limites do
razoável, despersonificando a humanidade dos seres.
E é nesse cenário que os direitos humanos estão inseridos e, consequentemente,
mal interpretados. Isto significa dizer que se tem dado outro tom, diferente de sua
essência, a tais direitos. Os avanços por que vem passando a humanidade não se têm
mostrado eficazes quando o assunto é reconhecimento e valorização da dignidade das
pessoas humanas. O sistema de leis duras para impedirem a prática de crimes não é a
opção salvadora, como pensam alguns. A lei para ser eficaz precisa partir de baixo para
cima, isto é, estar antes na consciência do povo. O respeito à mulher, v.g., já
oportunamente afirmado, deve passar pelo seu reconhecimento enquanto pessoa
humana. Se assim não for é ineficaz a princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana elencado no parágrafo terceiro do Reitor Diploma Legal de 1988.
Ali a norma tem por fundamento o respeito e a garantia do ser humano como tal.
E propõe que, sem essa condição sine qua nom o Estado Democrático de Direito, ora
implantado, perde o seu fundamento. A não garantia da liberdade e igualdade de
condição entre as pessoas humanas nega a existência do Estado, posto que a democracia
e o direito lhe pertencem e, sem que se perceba a humanidade de outrem, não há que se
falar em demo-crascia, tampouco em direito. Direitos humanos é assim a base de um
ordenamento jurídico e da sociedade como um todo. A indisponibilidade de tais direitos
é o liame que permite viver em comunidade. Deste modo, antes mesmo de se discutir o
direito à propriedade, por exemplo, é necessário focar o pensamento na necessidade que
tem o ser humano de possuir o mínimo possível de espaço a fim de sustentar a si e aos
seus. Basta pensar no tema da reforma agrária: o que justifica a concentração de
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milhares de hectares de terra ao passo que do outro lado vê-se pequenos produtores,
trabalhadores rurais, comunidades indígenas (tema que trataremos com maior
pormenorização neste trabalho) mendigarem, expor suas vidas, na luta pela conquista de
uma porção de terra?
Tal objetivo, - reforma agrária, por exemplo - só será eficazmente alcançado
quando o tema da pessoa humana pautar nossos discursos. O tom patrimonialista ainda é
predominante. Quem tem direito a terra, tem por quê? Quem determinou que tivesse?
Haveria um grau de humanidade mais acentuado em um determinado grupo em
detrimento de outro? Óbvio que não. O princípio fundador da democracia, do Estado de
Direito, de uma civilização passa, fundamentalmente pela igualdade de condições, pela
justiça plena e não excludente, aliás, se exclui não se está diante da justiça, como
também da democracia. A proposta de discutir neste trabalho deve, a priori, ser
trabalhada a luz dos direitos humanos. Direitos estes já percebidos aqui como aqueles
inerentes à pessoa e que, independente de posição sociocultural, religiosa, antropológica
precisam ser garantidos e respeitados. A temática não passa, necessariamente, pela
questão de os índios terem precedidos à terra, também, mas sobretudo pela condição de
humanidade que lhes é própria, não diferente de uma comunidade quilombola, de um
grupo LGBT, da mulher sofrida, da criança indefesa, do idoso vulnerável etc.
Como dissemos no início, o tema dos direitos humanos, infelizmente, ainda é
mal interpretado e com isso posto de lado, as grades curriculares dos cursos de
especialização precisam explorá-los mais, assim como os livros didáticos da educação
básica precisam tratar a realidade como tal e não sob a alegoria do folclore. Aliás, a
Comunidade Tupinambá – Serra do Padeiro, município de Buerarema, sul da Bahia -,
altamente organizada tem um projeto de um livro que trata as questões indígenas na
suas realidade, porém tal proposta fora censurada pelo poder público ao se levar à
impressão. É um tema que precisa ser encarado na sociedade por todos, não só por um
grupo de ativista, ditos, por alguns, como ‘loucos’ e outras coisas mais. É à medida que
ganha espaço que o tema pode ser melhor compreendido e levado a sério. Por certo se
assim o for, muitas questões, levadas a efeito pela força impositiva do direito, serão
resolvidas pelo bom senso e pelo ideal de justiça de que dispõe cada um em sua
individualidade e chegando a atingir o coletivo. Merece análise detida a questão
indígena com um ideal de humanidade formada e que cada um, cada uma, possa
persuadir-se da condição dos direitos próprios e dos de outrem que não precisam estar
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escritos para serem valorizados e efetivados na ordem sócio-jurídica a qual estão
(estamos) inseridos.
2. A QUESTÃO ANTROPOLÓGICA DOS POVOS E CULTURAS INDÍGENAS
Tendo em vista a grandiosa obra arquitetônica, estudos e legado deixados, que
milhares de anos antes de Portugal e Espanha iniciarem as navegações às Américas,
grupos como os Incas (resultado de uma sucessão de civilizações andinas e que se
tornou o maior império da América pré-colombiana) na região onde hoje é o Peru, os
Maias (cultura mesoamericana pré-colombiana, notável por sua língua escrita e
conhecimentos em áreas diversas) na América Central e os Astecas (grupo que se
destaca pela rica organização política dos territórios) no México, já avançavam em
diversos sentidos, tais como as grandes civilizações europeias. Tudo o que dizia respeito
ao conhecimento e à cultura de tais povos foi destruído, restando poucos escritos e
algumas ruínas de suas fantásticas organizações urbanas que hoje servem apenas como
pontos turísticos. Estes povos não se resumiam ao que os europeus classificaram como
bárbaros, primitivos e desprovidos de alma. Além das cidades gigantescas, já citadas, e
mais ricas que muitas regiões europeias, os americanos possuíam uma organização
social sem igual. Tudo isto, tendo em vista o Direito, que mesmo primitivo, já
estabelecia regras de convivência e de conduta.
2.1. A SITUAÇÃO ATUAL DOS GRUPOS INDÍGENAS NO BRASIL
Muito depois do início da degradação dos povos indígenas no Brasil, já na
segunda metade do século XX, mais especificamente no ano de 1967, no governo
militar do presidente Costa e Silva, foi criada, através da lei nº 5.371, a Fundação
Nacional do Índio (Funai), que visa
[...] promover a educação básica aos índios, demarcar, assegurar e
proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o
desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos
indígenas.3.
Segundo dados desta instituição, em parceria com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a atual população indígena no Brasil é de 817.963 mil
pessoas, representando 305 diferentes etnias com 274 línguas distintas. De acordo com a
3 FUNAI – Fundação Nacional do Índio.
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Constituição Federal vigente, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto
exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
[...] A União poderá estabelecer, em qualquer parte do território
nacional, áreas destinadas a posse e ocupação pelos povos indígenas,
onde possam viver e obter meios de subsistência, com direito ao
usufruto e utilização das riquezas naturais, garantindo-se as condições
de sua reprodução física e cultural4.
Após a criação da Funai e a promulgação da Constituição em vigor, o Estado
brasileiro vem demarcando diversas terras indígenas, o que cria diversos conflitos com
latifundiários e empresários do agronegócio. No sul da Bahia, a situação tem tomado
proporções internacionais, de forma que diversos estudiosos e antropólogos europeus e
americanos tem visitado a região de Buerarema, na Serra do Padeiro, para conhecer e
estudar a situação. De um lado, a tribo indígena vem ganhando espaço e se
consolidando de forma mais eficaz na terra, com toda uma estrutura para o cultivo e
extração do cacau, meio principal de subsistência daquele povo, além de investimentos
em educação e na própria cultura através de subsídios do Governo Federal.
Porém, a situação real é outra, conforme o relatório “Violência contra os povos
indígenas no Brasil”, feito pelo Conselho Indigenista Missionário,
[...] fica evidenciada a falácia existente na tese propagandeada pelo
governo brasileiro, junto à sociedade nacional e internacional,
segundo a qual o “desenvolvimento” econômico do Brasil estaria
beneficiando indistintamente toda a população do país. Ao contrário
disso, o que efetivamente vem ocorrendo é que o “desenvolvimento
brasileiro” resulta da violação de Direitos Humanos, econômicos,
políticos, sociais, culturais e ambientais de populações amplas e
diversas no Brasil, especialmente das comunidades tradicionais e dos
povos indígenas5.
Para a maioria dos brasileiros que não conhecem a realidade dos povos
indígenas no Brasil, os números que são divulgados que dizem respeito ao crescimento
da população indígena e ao crescente número de terras demarcadas são suficientes para
acreditar que está tudo bem, de forma que eles reproduzem os discursos introduzidos
desde o século XVI: de que os índios são preguiçosos e aproveitadores. Porém, não é de
4 Índios no Brasil: Reservas Indígenas. 5 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil. Brasília: 2013.
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interesse da mídia ruralista e das Fundações que tem como objetivo preservar estes
povos, divulgar os números que dizem respeito ao massacre histórico dessas sociedades.
2.4. A DISPUTA POR TERRAS ENTRE INDÍGENAS E LATIFUNDIÁRIOS
Difícil, mas sim, parte das populações indígenas resistiram à história de
massacres e de violações a direitos. Porém, como se já não bastasse, mais um problema
surgiu desde o início das demarcações das terras indígenas: as disputas por territórios
entre índios e grandes latifundiários. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai),
em seu site oficial,
[...] Atualmente existem 462 terras indígenas regularizada que
representam cerca de 12,2% do território nacional, localizadas em
todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal.6.
É fácil dizer que existem essas 462 terras indígenas demarcadas, mas em que
parte que este órgão oficial cita os conflitos e o quase “estado de sítio” em que essas
populações vivem? Em lugar nenhum. Assim como a escravidão no Brasil não se
encerrou com a assinatura da Lei Áurea, os problemas dos povos indígenas não
acabaram com a promulgação da Constituição ou com a lei que instituiu a Funai. O
absurdo das violações aos Direitos Indígenas e principalmente aos Direitos
Fundamentais destes povos enquanto seres humanos apenas mudaram de figura. Nos
séculos passados, com a máxima da expansão econômica interior adentro, os massacres
eram visíveis e realizados com a conivência estatal, o que não mudou nos dias atuais, já
que a grande maioria dos parlamentares e dos integrantes do judiciário e do executivo
são ruralistas, além dos absurdos cometidos pelas próprias forças armadas deste país. A
situação atual é tão drástica que a aldeia Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay
enviou uma carta ao governo brasileiro solicitando a morte coletiva de seu povo e de
sua cultura, pelo fato de estarem cansados de serem tratados como “resíduos humanos”:
“Solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós
todos aqui. (...) Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa
dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar
um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Decretem a
nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e
enterrem-nos aqui”7. (CIMI, 2013).
6 FUNAI. Terras Indígenas: O que é?.7 Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil. Brasília: 2013.
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E não é por mero “achismo” que nos propomos a discutir a conivência, ou pior, a
participação marcante do Estado nos massacres aos povos indígenas. Em 7 de novembro
de 2012, o povo da aldeia Munduruku, no estado do Pará, sofreu um ataque sem
precedentes. Segundo relatos do jornalista Ruy Sposati8, homens da Polícia Federal, na
oportunidade, invadiram a aldeia e, sem qualquer possibilidade de defesa por parte das
vítimas, iniciaram uma operação de guerra, ceifando a vida de diversas lideranças
indígenas, ferindo crianças, mulheres e outros integrantes da comunidade, além de
roubar objetos de valor e de destruir toda a estrutura da aldeia, como barcos e canoas de
pesca, carros, construções e outros. Somente quase dois anos após o acontecido, o
Ministério Público Federal resolveu oferecer denúncia contra o delegado Antônio
Carlos Moriel Sanches, chefe da operação e suspeito de participar do assassinato do
índio Adenilson Kirixi.
Em resumo, utilizando-se da máquina pública, a Polícia Federal agiu de forma
violenta e extremamente arbitrária, descumprindo com quaisquer preceitos de Direitos
Humanos expressos na Constituição ou nos tratados em que o Brasil é signatário. As
forças coercitivas do Estado vêm se mostrando verdadeiras milícias, e não instituições
garantidoras dos bens jurídicos fundamentais dos cidadãos. Dizer que é preciso
reflexões já se tornou um discurso defasado: são necessárias ações urgentes para parar
essa barbárie absurdamente legitimada.
3. A QUESTÃO INDÍGENA NA TRIBO TUBINAMBÁ SERRA DO PADEIRO
3.1. O COTIDIANO NA TRIBO TUPINAMBÁ
Com costumes e crenças que se mantém ao longo dos séculos e a cultura
arraigada em seus corações, os, aproximadamente, 900 moradores da tribo Tupinambá
Serra do Padeiro consideram aquele lugar abençoado, conforme relatos do pajé da tribo.
E não são só os índios que acreditam nas “bênçãos” que foram derramadas sobre aquele
local, afinal, só para citar um exemplo, em uma visita coletiva à localidade, com nossa
participação, não houve uma só pessoa entre estudantes de Direito, de História,
antropólogos brasileiros e estrangeiros, advogados e magistrados, que não se
maravilhou com a riqueza cultural dos índios e natural da Serra.
Os índios sobrevivem, além dos subsídios repassados pelos Governos Federal e
Estadual, da agricultura familiar e principalmente do extrativismo do cacau,
8 SPOSATI, R. Operação Eldorado: Selvageria estatal contra o povo Munduruku. In.: Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no Brasil. Brasília: 2013.
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monocultura sobre a qual construíram toda uma estrutura que vai desde o plantio da
muda do cacaueiro, até a fermentação e secagem das sementes, que são repassadas à
cooperativa local e vendidas para o sul do Brasil e para o exterior. A extensão do
território que ocupam hoje é de cerca de 17 mil hectares, onde se incluem a área de
plantio do cacau (quase totalidade), a sede da tribo e as áreas para outras culturas. Além
do cacau, outro meio de sobrevivência dos índios é a produção da farinha de mandioca,
e mesmo com uma estrutura industrial feita com recursos governamentais, as mulheres
ainda mantém a tradição de se reunir em uma roda para descascar a mandioca e jogar
conversa fora, processo que é seguido da moeção, desidratação e torrefação do que irá
se transformar em uma farinha de gosto característico do processo artesanal.
A educação na tribo também é algo muito característico. A comunidade dispõe
de creche, escolas primárias e ensino técnico, todas guiadas conforme a cultura
tupinambá. Com publicações literárias próprias, as crianças aprendem a ler e a escrever,
em português, além da matemática comum, mas quando chegam nas matérias naturais, a
resistência em não ceder às pressões da organização política externa é notável. Quando
se estuda ciências, geografia e história, as crianças e os adolescentes aprendem
conforme o costume e as crenças da própria tribo e não do que foi imposto por uma
matriz curricular que desvaloriza a própria história de seu país e da diversidade dos
povos nele existentes. Os Encantados, os seres místicos como a caipora e outros e a
história da composição da tribo, desde a chegada dos primeiros ancestrais àquela
localidade, são elementos que se aprende na escola tupinambá.
O cacique, mesmo sem ter cursado o ginásio, dispõe de atitudes e de um
conhecimento político que se assemelha aos grandes líderes deste país. Babau, numa
fala que se transformou em palestra para quem o ouvia, na visita citada, impressionou
até os mais reconhecidos magistrados presentes. Utilizando-se da máxima “o povo
segue o exemplo de seu líder”, o homem simples, mas de um conhecimento grandioso,
explicou o porquê de suas atitudes, demonstrando o ataque aos direitos humanos que os
povos indígenas sofrem desde a colonização, e explicando o motivo de certas condutas
como o consumo de álcool, tabaco e drogas serem abominadas na comunidade, já que,
segundo ele, retiram o foco do que realmente importa para aquele povo. Babau não é
apenas um líder de uma comunidade, é um cientista político que ainda tem muito a
acrescentar a este país.
3.2. A DISPUTA POR TERRAS E AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS
HUMANOS NO SUL DA BAHIA
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Desde pouco tempo após o descobrimento do Brasil, a região sul da Bahia se
destacou pelas condições propícias ao cultivo do cacau. O clima semelhante ao
amazônico fez com que grandes investimentos para tal chegassem à região e o número
de latifúndios aumentasse. E como em toda a história da “civilização” humana, alguém
cai para que o outro ascenda, foi isso que aconteceu na região: os índios tupis
(tupinambás e tupiniquins) foram expulsos da terra para que o cultivo do fruto fosse
introduzido.
Séculos depois, mais precisamente no ano de 2004, os tupinambás “invadiram”
290 hectares da Fazenda Futurama, de propriedade de Gildro Lisboa, situada na região
da Serra do Padeiro, que impulsionou inúmeras outras invasões, cuja motivação era
pressionar a Fundação Nacional do Índio a concluir o processo de demarcação, processo
que só veio a ser concretizado em 2009, após diversas articulações da tribo Tupinambá,
juntamente com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e com outros setores, algo
que gera, até hoje, conflitos diversos junto aos grandes latifundiários da região, já que
diversas fazendas se encontram dentro da área demarcada.
Tendo em vista essa situação, os índios da tribo Tupinambá, lideradas pelo
cacique Rosivaldo Ferreira dos Santos Tupinambá, o Babau, tem realizado diversos
movimentos por eles denominados como “retomadas”, o que, conforme relatos do
CIMI, já fez com que Policiais Federais e agentes das Forças Armadas entrassem em
conflito com representantes dessa tribo e devolvessem a posse das terras consideradas
“invadidas” pelos índios: uma ironia sem tamanho. É por conta dessa resistência que se
destaca internacionalmente, que o cacique Babau e seus familiares têm sido alvo de
diversos ataques, tanto do Governo Federal que esconde sua arbitrariedade atrás das
instituições coercitivas, quanto dos fazendeiros, que, covardemente, querem, através da
força, burlar um direito adquirido pelos índios.
Desde então a tribo tupinambá tem mantido sua luta em busca do
reconhecimento, tanto por parte do Estado quanto dos empresários do agronegócio, de
que a terra os pertence. E não é só para proteger a que já tem e retomar as terras que
lhes são de direito que os Tupinambás da Serra do Padeiro têm se mobilizado: é,
também, para que uma condição, no que diz respeito à infraestrutura de saúde, educação
e saneamento, direitos fundamentais do ser humano, seja oferecida.
O ataque aos direitos humanos é evidente em cada relato que se houve dos
indígenas e dos adeptos da causa. Prisões arbitrárias, depredações de patrimônio e
desassistência dos órgãos governamentais são exemplos desta situação. Qualquer
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brasileiro que se desprende, o mínimo que for, das amarras egoístas impostas pelo
modelo capitalista ocidental e que se sensibilize pela causa indígena, tem vergonha de
se considerar integrante dessa maioria que esmaga, com atitudes diretas ou indiretas, as
minorias a exemplo destes povos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história brasileira dá conta da brutalidade de como os povos indígenas foram
tratados no passado e são, ainda hoje, criminalizados, seja pela sociedade, seja pelo
próprio poder judiciário. Esse ultimo, nas suas decisões descompassadas e que estão
longe de perceber a importância de cada palmo de chão para os povos originários. Mais
que o direito à terra, é a vida de um povo que se põe em questão e que precisam ser
valoradas pelo poder judiciário bem como protegidas pelo Ministério Público, guarda
constitucional dos povos indígenas.
Como dito no início, a proposta é chamar ao discurso a pessoa humana,
demostrado ao longo do trabalho, provado pela história, acima descrita, pelo relato dos
casos de violações, as invasões de terras, os genocídios que são temas que se faz
questionar qual o conceito de humanidade que se dispõe. Quem é o outro? Qual a
essência dos conflitos de terra que assolam o Brasil e que dizimam comunidades
indígenas, as poucas delas que ainda restam? A atitude egoísta do “homem branco” o
“colonizador” ainda impera na sociedade atual não obstante todo avanço do Estado
Democrático de Direito com consequente fortalecimento dos poderes públicos como
mecanismo de conter a própria ação arbitrária do Estado.
É inegável a insensibilidade com que a causa em questão é tratada, sob a falácia
de que “não existem mais índios” e que são aproveitadores que buscam lucro às custas
alheias, falácias. Como se bastasse retirar o direito à terra, pretende-se também retirar a
etnia, a origem de um povo que há séculos vem sofrendo a opressão e, em flagrante
desrespeito à ordem constitucional eliminando o que restou de um povo. Não se pode
olvidar da invasão in terris brasillis como um dos maiores horrores de que estiveram
expostas as comunidades indigenistas e se lutar em repúdio de práticas semelhantes na
atualidade. Esse trabalho é também uma ação denunciadora dos casos bárbaros de
violações dos Direitos Humanos cometidos, principalmente, pelos Poderes da
República.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 1988.;
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Polícia Federal invade aldeia
Tupinambá da Serra do Padeiro e leva criança de dois anos. Disponível em: <
http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7356>. Acesso em:
14 jul. 2014.;
Conselho Indigenista Missionário. Violência contra os povos indígenas no
Brasil. Brasília: 2013.;
FUNAI – Fundação Nacional do Índio. Disponível em:
<http://ambientes.ambientebrasil.com.br/indios/funai/funai_-
_fundacao_nacional_do_indio.html>. Acesso em: 10 jul. 2014.;
ONU. A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948.;
Os povos indígenas no Brasil. Disponível em: <
http://www.mundoeducacao.com/historiadobrasil/os-povos-indigenas-no-brasil.htm>.
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