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SEBRAE ENTRE A FOICE E O MARMELO: UMA DISCUSSÃO SOBRE A METAMORFOSE DOS TRABALHADORES EM
EMPRESÁRIOS - MENCHISE, Rose
Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 697-717
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SEBRAE ENTRE A FOICE E O MARMELO: UMA DISCUSSÃO
SOBRE A METAMORFOSE DOS TRABALHADORES EM
EMPRESÁRIOS
MENCHISE, Rose
Mestrado do PPGSD da UFF
RESUMO
Esse artigo tem como objeto o Sistema Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas - SEBRAE – e o Micro Empreendedor Individual – MEI - e tem como problemas de
conhecimento saber se esta instituição, o SEBRAE, e seus programas têm contribuído para o
que vem sendo chamado pela opinião pública de “nova classe média”. Esse artigo também tem o objetivo de verificar se o empreendedor individual não está inserido na noção geral de
trabalhadores vinculados à “economia informal” que apenas vende sua força de trabalho. O
Sebrae – MEI, apesar de todas as mudanças de nome e de organização que fizeram, manteve-se
no propósito de auxiliar micro e pequenas empresas de todo o país e fomentar seu desenvolvimento. A intenção é analisar as questões relativas do papel do Sebrae como órgão de
liderança e de aglutinação desses segmentos dentro da estrutura da economia brasileira. O
estudo enfrenta indagações quanto ao Sebrae: É paternalista? Concorre com o Estado? É passageira? É filantropia? É um modelo intermediário entre privado e público? Estrutura o
capitalismo? Transforma de fato parte desse segmento de trabalhadores?
Palavras chave: Sebrae, empreendedor individual e capitalismo contemporâneo.
ABSTRACT The present work has the object the Suport for Brasilian Sistem of Micro and Small Enterprises (Sistema Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas - SEBRAE) and the Micro
Individual Entrepreneur (Micro Empreendedor Individual - MEI). The objective is to test the
hipoteses if the SEBRAE and its support programs have make the contribuition for the formation of what the brazilian's public opinion has called the "New Midian Class". Also has
the objective to annalise if the Micro Individual Entrepreneur it's a larger notion of worker's
class connected to informal economy.The SEBRAE and the MEI, although a very many name's
and organizations chages they have made, they have keeping the propose to help micro and small enterprises in the whole country to make their business grow and develop. The idea of the
present work is to analyse the issues related to SEBRAE's paper as leadership and the
agglutinator of this segment into the Brazilian's economics structure. This study faces same questions about SEBRAE: Is it paternalistic? Give it a privilege for some sectors in the society?
Is it a model between public and private economic structure? Help it to the development?
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Pintura Reprodução de Diego Rivera - Vendedor de Copo de Leite. A realidade dura da população
indígena com seu passado asteca. A pintura de Diego Rivera é a revelação dos humildes e a celebração da
raça.
INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como objeto o Sistema Brasileiro de Apoio às Micros e
Pequenas Empresas - SEBRAE – e o Micro Empreendedor Individual – MEI - e tem
como hipótese saber se esta instituição, o SEBRAE, e seus programas têm contribuído
para o que vem sendo chamado pela opinião pública de "nova classe média”. Também
tem o objetivo de analisar se o empreendedor individual é uma noção ampliada da
classe trabalhadora que vende sua força de trabalho.
A intenção também é verificar o papel do SEBRAE como órgão de liderança e
de aglutinação de vários segmentos - micro e pequenas empresas, média empresas,
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empreendedor individual, cooperativas e associações - dentro da estrutura da economia
brasileira.
Analisaremos os ganhos de renda destes empreendedores individuais, o capital
social, econômico e cultural.
Pierre Bourdieu1 aborda o capital cultural e o econômico como indispensáveis
para dar conta da desigualdade social. O autor indica que é o acesso pessoal ao capital
econômico e cultural que verdadeiramente hierarquiza e reproduz os privilégios de uma
classe.
A ideia de capital econômico e cultural de Bourdieu ainda se mantém útil para
compreensão desse fenômeno da “nova classe média”. O autor indica que é o acesso
pessoal ao capital econômico e cultural que verdadeiramente hierarquiza e reproduz os
privilégios de uma classe.
Quanto à abordagem do Estado, utilizamos a teoria de Gramsci sobre elaboração
do conceito de hegemonia e bloco hegemônico na análise da instituição Sebrae. O autor
desenvolve principalmente a elaboração do conceito de hegemonia e bloco hegemônico,
e, também, por focar o estudo dos aspectos culturais da sociedade, como elemento, a
partir do qual, se poderia realizar uma ação política que é uma das formas de criar e
reproduzir a hegemonia do Estado.
Com este conceito é possível perceber que: o poder das classes dominantes sobre
o proletariado e todas as classes dominadas dentro do modo de produção capitalista, não
reside simplesmente no controle dos aparatos repressivos do Estado. Este poder é
garantido fundamentalmente pela “hegemonia” cultural que as classes dominantes
logram exercer sobre as dominadas, através do controle do sistema educacional, das
instituições e dos meios de comunicação. Assim se forma um “bloco hegemônico” que
reúne todas as classes sociais em torno de um projeto de Estado burguês. O poder
hegemônico combina e articula coerção e consenso.
Penso que a ideia de Gramsci que o poder é garantido pela “hegemonia cultural”
ainda se mantém útil para compreensão dessa instituição Sebrae.
1 O Capital Social -1980
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O fim de um mundo
A única possibilidade de encontrar trabalho aqui é abrir-se uma
pequena empresa. Antigamente não era problema ingressar numa
fábrica. Por que a gente ia para fábrica? Porque sabíamos que havia
admissão todos os anos, ingressavam 300 ou 400 pessoas”. (Sindicalista da região de Longwy).2
BASES PARA COMPREENSÃO DO EMPREENDEDORISMO
Se revirmos as propostas de alternativas ao capitalismo que emergiram com a
crise mundial a partir do final do século XX, é possível diferenciá-las em duas vertentes.
Uma primeira consiste na investigação latino-americana acerca da questão da
marginalização. Esta vertente foi a primeira a assinalar, a partir de 1966, que o
capitalismo processava novas tendências na relação capital-trabalho, e que elas
excluíam um número crescente de trabalhadores do emprego estável. O termo
encontrado para designar esse fenômeno foi marginalização, embora não se defendesse
que esta população estaria fora do capitalismo (QUIJANO, 2002, pag. 483).
Uma segunda vertente resultou da crise mundial capitalista a partir de meados de
1973, com o aumento da “marginalização” dos trabalhadores em todo mundo e, muito
especialmente, nas áreas periféricas e dependentes3. Foi nesse contexto que rapidamente
se tornou universal o conceito de estratégias de sobrevivência4 da imensa massa de
trabalhadores que estava excluída do emprego assalariado e, consequentemente,
engrossava a população empobrecida.
Nesse quadro surge com maior força o empreendedorismo5 que ganha maior
evidência e investe-se de novos significados, em meio a um conjunto de transformações
inter-relacionadas, quais sejam:
a) O declínio dos níveis de emprego e a apologia do auto-emprego
concomitantemente à ascendência da ideologia neoliberal de redução
do Estado (nem sempre levada a termo, sobretudo nos países de
economia avançada), representando a flexibilização não só dos
[1] In Bourdieu, Pierre, O fim do mundo. A Miséria do Mundo, Vozes, 2001. [2] Quijano refere-se à America Latina. 4 Expressão de Joaquim Duque, “estratégias de sobrevivência”, 1973. 5 Empreendedorismo refere-se aqui à criação e ao desenvolvimento de novos e pequenos negócios,
tipicamente dirigidos por proprietários-gerentes ou empreendedores-proprietários, como forma alternativa
de inclusão social, de geração de trabalho e renda no combate ao desemprego e à pobreza, em meio ao
desmonte do Estado do bem estar social.
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aparatos técnico-produtivos, mas também do trabalho (REDESIST,
Capital social e empreendedorismo, 2002, pag.3)
b) Nesse contexto, observa-se nova ênfase, no âmbito das políticas públicas, na promoção dos empreendedores individuais e das micro e
pequenas empresas, por sua capacidade de geração de emprego e
renda (REDESIST, Capital social e empreendedorismo, 2002, pag.4).
O reconhecimento das condições locais do empreendedorismo vem sendo,
crescentemente, incorporado no âmbito das políticas de desenvolvimento para
incrementar a dinâmica e a capacidade empreendedora local. O empreendedorismo é
incorporado nas políticas de desenvolvimento econômico e de competitividade,
particularmente voltado para empresas iniciantes.
SEBRAE:
Sebrae: Indagações a serem enfrentadas: É paternalista? Concorre com o Estado?
É passageira? É filantropia? É um modelo intermediário entre privado e público?
Estrutura o capitalismo? Transforma de fato parte desse segmento de
trabalhadores?
Partimos da hipótese de que o Sebrae não é paternalista6, age com interesses
mercadológicos (grandes empresas) e políticos na sua liderança. O papel do Sebrae
sempre foi de privilegiar e liderar os micros e pequenos empreendimentos, atuando
em quatro áreas consideradas chaves para o crescimento dos micros e pequenos
empreendimentos, que são: articulação de políticas públicas que criem um ambiente
institucional mais favorável, acesso a novos mercados, acesso a tecnologia, inovação,
facilitação e ampliação do acesso aos serviços financeiros.
Esta instituição tem uma atuação política, com associações de maiores
empresários do Brasil, com força junto ao governo, instituições de pesquisas e
universidades. O Sebrae serve como canal entre as empresas e os demais órgãos
públicos. Não concorre com o Estado está mais para parceria com o governo. No
entanto, segundo o técnico do Sebrae, este órgão recebe recursos, também do
6 No sentido estrito, o paternalismo é uma modalidade de autoritarismo, na qual uma pessoa exerce o
poder sobre outra combinando decisões arbitrárias e inquestionáveis, com elementos sentimentais e
concessões graciosas.
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Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Porém, não se encontra nenhuma
informação, sobre os recursos do FAT no site do SEBRAE e nem nos boletos
informativos referentes a este órgão.
Portanto, como podemos observar, o Sebrae vem do setor público desde 1972
(CEBRAE), passando a ser uma instituição privada financiada por grandes empresários.
Não é passageira. Cada vez mais forte, e significativa na organização das micros e
médias empresas e nos empreendedores individuais. É difícil surgir outra instituição
como a história do SEBRAE.
O Sebrae é um modelo intermediário entre privado e público (já que recebe
recurso do FAT): a sua liderança nas micros e pequenas empresas e nos
empreendedores individuais, atuando como articuladora de políticas, que criam um
clima favorável para sustentação destes segmentos.
Penso que o Sebrae estrutura o capitalismo, das micros e pequenas empresas e
dos empreendedores individuais, ao liderar, aglutinar, organizar de forma
mercadológica esses segmentos sociais no capitalismo contemporâneo. O Estado delega
para o setor privado, SEBRAE, o papel de liderar o desenvolvimento econômico, social,
tecnológico e político desses segmentos (empreendedores individuais, micros, pequenas
e médias empresas, cooperativas e associações).
A pesquisa parece indicar que no contexto do desenvolvimento econômico do
Brasil, o Estado delega a instituição, SEBRAE, para cumprir o seu papel dentro do
“bloco hegemônico”. Segundo Gramsci este poder é garantido fundamentalmente pela
“hegemonia” cultural que as classes dominantes logram exercer sobre as dominadas,
através do sistema educacional, das instituições e dos meios de comunicação. O Sebrae
financia ou facilita crédito para os centros de pesquisas das maiores universidades
brasileiras e, também, lidera e aglutina os empreendedores individuais e as micros e
pequenas empresas.
No capitalismo contemporâneo brasileiro, as micros e pequenas empresas,
sustentam um sólido crescimento de emprego e postos de trabalho remunerado. Em
2011, do universo de empresas no Brasil, são 93,2% de micros empresas, 5,7% de
pequena, 0,7% de média e 0,5% de grande (MET/RAIS, 2011).
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Total – Brasil
Indústria Comércio Serviço Agro. Total %
Micro 926.181 3.014.760 2.953.263 451.407 7.345.611 93,2%
Pequena 70.499 173.327 186.146 19.784 449.756 5,7%
Média 14.680 12.995 22.143 1.810 51.628 0,7%
Grande 2.819 7.642 26.656 1.324 38.441 0,5%
TOTAL 1.014.179 3.208.724 3.188.208 474.325 7.885.436 100,0%
12,9% 40,7% 40,4% 6,0% 100,0% ₋
MTE/RAIS 2011
MICRO EMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) AS METAMORFOSES NO MUNDO DO
TRABALHO
Quanto ao MEI-Sebrae ao ajudar legalizar com o CNPJ o empreendedor
individual, cria uma proteção social e uma política de crédito para o sucesso do
empreendimento, ajudando a dar condições melhores, estimulando a cidadania, trazendo
um pouco mais segurança para esses trabalhadores sem proteção alguma. Entretanto, é o
SEBRAE que lidera todos os processos desses empreendedores individuais. É o setor
privado, que faz o papel de liderar e organizar a estrutura da economia brasileira.
Entre 2001 e 2009, o número de pessoas que trabalhavam por conta própria
(empreendedores individuais) passou de 17 milhões para cerca de 19 milhões, uma
expansão de 2 milhões de novos por conta própria7 (Gráfico I).
7 Fonte: nomenclatura do IBGE, conta própria, que é a mesma descrição do empreendedor individual
usada pelo Sebrae. A partir de 2014 o Sebrae pesquisa o empreendedor individual formalizado.
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Se forem somados esses dois contingentes (empregadores e conta própria) e seu
total utilizado como do número de empreendedores no país, verifica-se que esse total
passou de 20,2 milhões para aproximadamente 23 milhões.
AS METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO
A década de 1980 presenciou profundas transformações no mundo do trabalho,
nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação
econômica e política. Vou desenvolver alguns pontos de discussão em torno das
dimensões e significados dessas mudanças e de algumas consequências dessas
metamorfoses no mundo do trabalho, principalmente em relação ao empreendedor
individual.
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A partir da década de 80 houve um grande salto tecnológico: a automação, a
robótica e a microeletrônica invadiram o universo fabril. O "fordismo" e o "taylorismo"
já não são únicos no capitalismo contemporâneo e mesclam-se com outros processos
produtivos (neofordismo, neotaylorismo, pós-fordismo), decorrentes da “Terceira
Itália”8, do Vale do Silício9, nos EUA, em regiões de Arranjos Produtivos10 na
Alemanha e França, entre outras.
Observa-se no mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo uma
desproletarizacão do trabalho industrial. Houve uma diminuição da classe operária
industrial tradicional; mas, paralelamente, efetivou-se uma expressiva expansão do
assalariamento no setor de serviços. Verificou-se uma significativa hetererogeneizacão
do trabalho11, expressa também através da crescente incorporação do contingente
feminino no mundo operário. Vivencia-se também uma subproletarização intensificada,
presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado,
“terceirizado”, vinculados à “economia informal” que marca o capitalismo atual. O mais
brutal resultado dessas transformações é a expansão sem precedentes na era moderna do
desemprego estrutural que atinge o mundo da escala global. (ANTUNES, pag. 41,
1999).
Pode-se constatar hoje que a sociedade contemporânea presencia um cenário
crítico, que atinge não só os países chamados Terceiro Mundo, como o Brasil, mas
também os países capitalistas centrais.
No meu estudo procuro entender quais as mutações e metamorfoses no mundo
do trabalho que vêm ocorrendo no capitalismo contemporâneo, bem como quais são
seus principais significados e suas mais importantes consequências.
8 Terceira Itália: são distritos industriais de pequenas e médias empresas 9 Vale do Silício: Califórnia, EUA, é uma região na qual está situado um grupo de empresas com o
objetivo de gerar inovações científicas e tecnológicas. 10 Arranjos produtivos: é um conjunto de fatores econômicos, políticos e sociais localizados no mesmo
território. 11 Terminologia usada por Ricardo Antunes.
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TRABALHO CONCRETO EM TRABALHO ABSTRATO E O
EMPREENDEDOR INDIVIDUAL NO MOMENTO ATUAL
Quando se tematiza a crise da sociedade do trabalho, parece decisivo recuperar a
distinção de Karl Marx12 feita entre o trabalho concreto e abstrato:
Todo trabalho, é, de um lado, dispêndio de força humana de trabalho,
no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato, cria o valor das mercadorias. Todo trabalho, por outro lado, é
dispêndio de força humana de trabalho, sob forma especial, para um
determinado fim, e nessa qualidade de trabalho útil e concreto, produz
valores de uso.
Afirma Ricardo Antunes que de um lado se tem um caráter útil do trabalho,
relação de intercâmbio entre o homem e a natureza, condição para produção de coisas
socialmente uteis e necessárias. É o momento que se efetiva o trabalho concreto, o
trabalho em sua dimensão qualitativa. Deixando de lado o caráter útil do trabalho, sua
dimensão concreta, resta-lhe apenas ser dispêndio de força humana produtiva, física ou
intelectual, socialmente determinada. (ANTUNES, pag. 76, 1999)
Aqui afora sua dimensão abstrata onde “ao desaparecer o caráter útil dos produtos
do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhos neles corporificados,
desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se
distinguem, umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma espécie de trabalho, o
trabalho humano abstrato” (MARX, pag. 45, volume I, livro I, 1971).
Isto porque “o trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é
indispensável à existência do homem – quaisquer que sejam as formas de sociedade -, é
necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a
natureza, e, portanto, de manter a vida humana” (MARX, pag. 50, 1971).
Para Antunes a esfera do trabalho concreto é ponto de partida sob a qual se
poderá instaurar uma nova sociedade. O momento da omnilateralidade13 humana (que
tem como formas mais elevadas a arte, a ética, a filosofia, a ciência etc.) que transcende
evidentemente e muito a esfera do trabalho (a realização das necessidades), mas deve
encontrar neste plano a sua base de sustentação. Nesse sentido, a automação, a robótica,
12 MARX, Karl, O capital, livro I, volume I, pag. 54 13 Diz-se de um pensamento marxista que defende que o homem deve se sentir completo a partir de sua
convivência em sociedade e de seu trabalho.
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a microeletrônica, enfim, a chamada revolução tecnológica tem um evidente significado
emancipador, desde que não seja regida pela lógica destrutiva do sistema produtor de
mercadorias, mas sim pela sociedade do tempo disponível e da produção de bens
socialmente úteis e necessários. (ANTUNES, pag. 85, 1999)
A presença do “Terceiro Mundo” no coração do “Primeiro Mundo”, através da
brutal exclusão social, das explosivas taxas de desemprego estrutural, da eliminação de
inúmeras profissões no interior do mundo do trabalho em decorrência do incremento
tecnológico voltado exclusivamente para criação de valores de troca, são apenas alguns
exemplos mais gritantes e diretos das barreiras sociais que obstam, sob o capitalismo, a
busca de uma vida cheia de sentido e dotada de dimensão emancipada para o ser social
que trabalha. (ANTUNES, pag. 91, 1999).
É necessário assinalar, ao contrário das formulações que preconizam o fim das
lutas sociais entre classes, é possível reconhecer a persistência dos antagonismos entre o
capital social total e a totalidade do trabalho, ainda que particularizados pelos inúmeros
elementos que caracterizam a região, país, economia, sociedade, cultura, sua inserção na
estrutura produtiva global.
Para Ricardo Antunes, no momento atual, temos que ter uma noção ampliada da
classe trabalhadora que inclui todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho
em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial, dos assalariados do
setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o
capital. Essa noção incorpora o proletariado precarizado, subproletariado moderno,
part time, os trabalhadores terceirizados e os trabalhadores assalariados da
“economia informal”, o trabalhador por conta própria14. (ANTUNES, pag. 103,
2000).
A chave analítica para definição de classe trabalhadora hoje é dada pelo
assalariamento e pela venda da sua força de trabalho. E o empreendedor individual que
seria o “sonho ilusório” de ser uma espécie de empresário, apoiado pelo Sebrae, pode
ser pensado como diferente expressão do processo da expansão da acumulação desse
capital. O empreendedor individual seria uma noção ampliada da classe trabalhadora,
que vende sua força de trabalho, vinculada à “economia informal”.
14 Trabalhadores por conta própria, que prestam serviços de reparação, limpeza, manutenção, eletricidade,
eletrônicos e comércio etc. São os empreendedores individuais.
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MICRO EMPREENDEDOR INDIVIDUAL15 (MEI) E SEBRAE: CONCEITO,
LEIS, POLÍTICAS PÚBLICAS IMPLEMENTADAS DO EMPREENDEDOR
INDIVIDUAL E O PERFIL DO MEI.
O MEI – Sebrae - é um programa composto de soluções que tratam de temas
básicos para gestão e fortalecimento dos negócios dos novos empreendedores
individuais.
A Lei complementar 128/2008, veio regularizar o empreendedor individual com
o CNPJ, com pagamento de 11% sobre o salário mínimo para INSS, acidente trabalho e
salário maternidade. Mesmo assim os custos da legalização contribuíram para manter a
maioria dos pequenos empreendedores individuais na informalidade.
O Empreendedor Individual é aquele que trabalha por conta própria, sem
sócios, e faz da sua profissão um negócio, que sustenta a família.
O fato de ter um CNPJ permitirá ao empreendedor negociar, em condições de
igualdade, com outras empresas e com o governo. A legalização favorece as relações do
empresário com os bancos, principalmente o acesso a financiamentos. Já há linhas
especiais para esses negócios nos bancos federais.
Também contribui para aqueles empreendedores mais estruturados, que já
amadureceram um pouco mais, participe de vendas para as prefeituras e programas
tecnológicos.
Observadas as regras da prefeitura, o empreendedor individual pode instalar-se
em sua própria residência, reduzindo ou eliminando os custos com aluguéis, IPTU,
energia elétrica etc. A prefeitura poderá admitir a utilização de áreas irregulares ou com
documentação precária, reduzindo ou eliminando exigências quanto ao local do
negócio16.
Além da isenção de taxas de formalização, o empreendedor formalizado terá
direito à redução de seus impostos, com pagamento fixo mensal bem reduzido. A
burocracia também foi bastante enxugada, com a dispensa de contabilidade e
preenchimento de documentos fiscais. Só é exigido o controle mensal de tudo o que
comprou, que pode ser feito num caderninho. Ele está dispensado de emitir notas fiscais
15 Dados colhidos em entrevistas com os técnicos do Sebrae e publicações desse órgão. 16 Informação do técnico do Sebrae.
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para pessoas físicas, mas deve guardar as notas das compras feitas junto a seus
fornecedores.
O Sebrae disponibiliza assistência técnica e muitos cursos feitos para
empreendimentos desse porte. Além disso, realiza visitas técnicas para apoiar esses
empreendimentos por meio de agentes de orientação empresarial - Programa Negócio a
Negócio. Quem preferir pode procurar também um os postos de atendimentos, com
técnicos especializados.
Segundo dados do Sebrae, até o fim do ano de 2011, dois milhões e seiscentos e
sessenta e cinco de empreendedores já se formalizaram. Muito pouco, optantes da
formalização, em relação ao total de empreendedores individuais, que era
aproximadamente de dezenove milhões em 2009. Desses formalizados cerca de 103 mil
são beneficiários do Bolsa Família.
LEI GERAL DA MICRO E PEQUENA EMPRESA
Segundo o técnico do Sebrae poucos se formalizaram a partir da Lei 128/ 2008.
Entretanto em 2011, com a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, passou-se a garantir
a formalização desses empreendedores individuais, sem custos ou burocracia, com
muito apoio, e também a diminuição da contribuição para 5% do salário mínimo, para
se ter um grande número de formalizados.
No sistema criado pela lei, o empreendedor obtém o registro na Junta Comercial,
a inscrição no CNPJ, o Alvará de Funcionamento Provisório e a inscrição na
Previdência Social na hora, sem qualquer custo e de forma simples, tudo pela internet.
O empreendedor individual, com o CNPJ, pagará somente 5% sobre o salário
mínimo, mantendo sua situação regularizada, entre R$ 32,00 até R$ 37,00 ao mês,
dependendo de sua atividade, para o ano de 2013. Com esta diminuição do pagamento
para 5%, teve um grande aumento das regularizações do empreendedor individual.
Estão recentes as mudanças na modificação da Lei, para regulamentação dos
empreendedores individuais. Ainda não temos dados estatísticos concretos. Sabemos,
somente, que há grande procura para a legalização, devidos aos grandes benefícios, tais
como: previdência social, assistência técnica gratuita do Sebrae, linhas de crédito,
treinamentos e pagamento de 5% sobre o salário mínimo.
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SEBRAE17
Sebrae como resposta institucional às pequenas e médias empresas, aos
empreendedores individuais, aos arranjos produtivos locais e as cooperativas.
O Sebrae existe como instituição desde 1972, mas sua história começa quase
uma década antes. Em 1964, o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), criou o programa de Financiamento à Pequena e Média Empresa (Fipeme) e o
Fundo de Desenvolvimento Técnico-Cientifico (Funtec), atual Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep).
Sebrae com “C”
Em 17 de julho de 1972, por iniciativa do BNDE e do Ministério do
Planejamento, foi criado o Centro Brasileiro de Assistência Gerencial à Pequena
Empresa (CEBRAE). O Conselho Deliberativo do Cebrae com “C” contava com a
Finep, a A ssociação dos Bancos de Desenvolvimento (ABDE) e o próprio BNDE. O
início dos trabalhos se deu com credenciamento de entidades parceiras nos Estados,
como Ibacesc (SC), o Cedin (BA), o Ideg (RJ), Ideies (ES), o CDNL (RJ) e o CEAG
(MG).
A partir de 1982, o Cebrae passou a ter também uma atuação política. Nessa
época, surgem as associações de empresários com força junto ao governo e as micro e
pequenas empresas passam a reivindicar mais atenção governamental. É também deste
ano que ocorre a criação dos programas de desenvolvimento regional. Investiu-se muito
em pesquisa para elaboração de diagnósticos setoriais que fundamentassem a ação nos
estados.
Nascimento do Sebrae e o Decreto 99.570
Em 1990, o Brasil passa a ser governado pelo presidente Fernando Colllor de
Mello que promove a abertura comercial por meio da extinção de barreiras não tarifárias
17 Site e publicações do Sebrae
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e das alíquotas de importação (Boito Jr., 1999). Instalou-se o neoliberalismo no país e a
dissolução do CEBRAE.
Em março de 1990, foi editada a Medida Provisória 151 que promoveu a
desvinculação de vários órgãos do governo. E entre eles o CEBRAE. Isto significava a
extinção desse órgão que dependia de recursos do orçamento.
A essa situação que ainda não estava fechada, pois dependia do aval do
Congresso Nacional. A extinção do CEBRAE gerou uma mobilização junto aos
empresários do segmento, com realização de manifestações públicas para a revogação
da medida pelos deputados e senadores que se viram pressionados.
Assim, em maio de 1990, a MP 151 é revertida no Congresso Nacional. Em 09
de outubro do mesmo ano, o Decreto 99.570 muda a denominação do CEBRAE para
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio ás Micro e Pequenas Empresas.
A Lei 8.029, além de transformar o SEBRAE em serviço autônomo, também
determina recursos para entidade, autorizando o acréscimo em três décimos por cento
das contribuições, calculadas sobre a folha de salários das empresas e destinadas ao
SENAI, SENAC, SESI E SESC18.
EMPREENDEDORISMO
Ao longo das transformações nas sociedades capitalistas procuramos desenvolver
a compreensão desse empreendedorismo a partir da crise do capitalismo
contemporâneo.
Com a pesquisa realizada, temos condições de estabelecer algumas conclusões
ainda preliminares e provisórias. Percebemos que, com vistas a restabelecer o sistema
capitalista, um conjunto de ações foram e estão sendo postas em curso com o intuito de
solucionar a presente crise. As mudanças no capitalismo com suas altas taxas de
desemprego, bem como a precarização do mundo do trabalho, fazem parte do
metabolismo do capital para adquirir sobrevida excluindo contingentes de pessoas das
condições de existência.
18 Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, Serviço
Social da Indústria e Serviço Social do Comércio.
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Neste contexto, a noção de empreendedorismo se apresenta bastante adequada,
uma vez que infere nas pessoas a busca do “auto emprego”, tornando-se “patrão de si
mesmo”. Essa noção enfatiza que o indivíduo construa a sua “atividade remunerativa”,
já que o número de vagas de emprego está gradativamente diminuindo por conta das
mudanças do capitalismo contemporâneo. Além de atender, no formato do
empreendedor individual as terceirizações de algumas tarefas nas relações trabalhistas.
Nesse sentido, o discurso de empreendedorismo para constituição do micro
empresário individual ou das micros e pequenas empresas revela-se altamente
necessário aos interesses do capital, pois satisfaz a demanda das grandes empresas pela
via das terceirizações e, também, essas pequenas empresas passarem a desempenhar o
papel de fornecedoras de serviços e produtos para o grande capital.
Tem-se também a questão da segurança para a classe dominante, pois na medida
em que mais e mais pessoas vão sendo impossibilitadas de satisfazer suas necessidades,
uma insatisfação coletiva é gerada fazendo com que as pessoas não mais respondam a
ordem colocada pela classe dominante, e quando isso ocorre, observa-se revoltas sociais
as propriedades privadas.
Nesse sentido o Sebrae tem a missão da promoção do empreendedorismo
individual e das micros e pequenas empresas, atendendo aos projetos dominantes das
classes capitalistas.
Como observa Gramsci, o poder das classes dominantes sobre o proletariado e
todas as classes dominadas dentro do modo de produção capitalista não reside
simplesmente no controle dos aparatos repressivos do Estado. Este poder é garantido
fundamentalmente pela “hegemonia” cultural que as classes dominantes logram exercer
sobre as dominadas através do controle do sistema educacional, das instituições e dos
meios de comunicação.
A associação entre a suposta “nova classe média” e os empreendedores
individuais ignora que essa parcela da população tem acesso limitado aos direitos
sociais de uma cidadania plena.
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Uma boa parte desses empreendedores individuais segundo a pesquisa feita pelo
SEBRAE19 nas favelas cariocas depois das UPPs tem uma renda média em torno de R$
700,00. Uma boa parte recebe bolsa família.
Marx utilizou a expressão “classe média” mais no sentido de “pequena burguesia”
correspondente àquela classe ou camada social situada entre a burguesia e a classe
operária. Desse modo, ele tomou o surgimento e crescimento de distintos segmentos de
classes médias com um fenômeno típico do processo de desenvolvimento do
capitalismo e passou a criticá-las por serem aliadas naturais das classes proprietárias dos
meios de produção e dotadas de um papel revolucionário apenas quando ameaçadas de
pauperização.
A “antiga classe média” seria os artesãos, pequenos produtores, agricultores,
camponeses, profissionais independentes; e a “nova classe média” os técnicos,
supervisores, trabalhadores de escritório, funcionários do governo, professores etc.
Houve um processo de mobilidade social nos últimos dez anos, contudo esses
indivíduos ainda estão muito mais próximos das classes trabalhadoras do que da classe
média na medida em que o nível de rendimento pelo perfil e atributos pessoais do
grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios que possam ser
identificados como classe média.20
O processo de mobilidade social proposto pelos que delineiam a “nova classe
média” prioriza apenas o consumo e a renda de R$ 441,00 (classe média baixa), R$
641,00 (classe média média) e R$ 1.019,0021 (classe média alta) per capita, inaceitáveis
aos direitos sociais de uma cidadania plena.
Já as formulações propostas por Jessé de Souza,22 que rejeita também como
Pochamann a classificação de “nova classe média”, mostra que o que ocorre com este
grupo social é a ausência de “privilégios de nascimento”, ou seja, do “capital familiar”,
diferentemente do que ocorre nas classes médias e alta. Tal segmento também não
desfruta do acesso ao capital cultural valorizados pelas classes médias “autênticas”.
Nos estudos de Bourdieu, o capital econômico está na raiz de todos os outros tipos
de capital e constitui a casa para qual toda acumulação eventualmente retorna. Mas
19 Pesquisa dos empreendedores individuais nas favelas cariocas depois das UPPs, 2012. 20 POCHAMANN, Marcio. Nova classe média? SP, Boitempo, 2012, pag 28 21 Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) 2013 22 SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? BH,
2010, pag. 26
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apesar da primazia do econômico, Bourdieu estende fortemente seu trabalho empírico e
teórico sobre o capital cultural tão valorizado pelas classes médias.
Vê-se que com os estudos e pesquisas nas favelas cariocas23 sobre o
empreendedor individual nos mostra a precariedade desses trabalhadores que tem renda
média inferior ao salário mínimo.
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23 SEBRAE: Pesquisa dos empreendedores individuais nas favelas cariocas depois das UPPs, 2012.
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