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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ
UNESPAR/FAFIPA
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO
EDUCACIONAL – PDE
SILVANA RODRIGUES ROSSI DA MATA
DANÇA NA ESCOLA: por que o desinteresse?
PARANAVAÍ
2012
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ
UNESPAR/FAFIPA
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
SILVANA RODRIGUES ROSSI DA MATA
DANÇA NA ESCOLA: por que o desinteresse?
Artigo apresentado à Universidade Estadual do Paraná UNESPAR/FAFIPA, à Secretaria de Estado de Educação do Paraná (SEED) e para o programa de formação continuada intitulada Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Alexandre Molena Fernandes.
PARANAVAÍ
2012
2
DANÇA NA ESCOLA: por que o desinteresse?
Autora: Silvana Rodrigues Rossi da Mata1
Orientador: Carlos Alexandre Molena Fernandes2
Resumo
Com o intuito de verificar quais motivos tem levado nossos alunos ao possível desinteresse pela dança, após a verificação de problemas constatados na aplicação efetiva desse conteúdo dentro do contexto escolar é que houve a necessidade de realizar tal pesquisa. Sabe-se a relevância que a dança tem em diversos aspectos, dentre eles a autoestima, autoexpressão e autoconfiança. Nesse sentido o referido estudo é resultado de uma pesquisa descritiva do tipo transversal realizada com dezenove alunos do período da tarde no Colégio Estadual Malba Tahan, onde foi aplicado um questionário semiestruturado (instrumento de avaliação) buscando verificar possíveis causas do desinteresse pela dança, na sequência desenvolveu-se um trabalho de intervenção onde dados foram levantados na busca de melhor entender o que acontece no interior da escola, relacionado ao conteúdo da Dança.
Palavras-chave: Dança; escola; desinteresse; autoconfiança.
1 Introdução
Tem-se observado na Educação Física escolar há alguns anos um interesse
dos alunos bem maior pelos esportes quando comparado a outros conteúdos, como
a dança, por exemplo. Diante deste cenário, o professor de Educação Física escolar
tem enfrentando dificuldade em trabalhar com esse conteúdo, principalmente pelo
preconceito da maioria dos alunos.
1 Docente da Rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná. Sua formação na Educação Física inclui Licenciatura
(UNIOESTE) e Pós – Graduação em Educação Física Escolar (UEM). Email: [email protected] 2 Docente da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Campus FAFIPA – Paranavaí. Mestre em Ciências da
Saúde (UEM) e Doutor em Ciências Farmacêuticas (UEM). Email: [email protected]
3
Neste sentido, Barreto (2005) e também Brasileiro (2003) afirmam que, além
do preconceito por parte dos alunos quanto ao conteúdo dança, há também um
despreparo por parte do professor de Educação Física em ministrar esta atividade e,
ressaltam ainda, que existe uma carência nas universidades em formar profissionais
de Educação Física realmente habilitados para trabalhar com a dança no contexto
escolar.
Importante destacar que a dança faz parte dos conteúdos estruturantes da
Educação Física, portanto obrigatório na escola. Através de estudos percebe-se que
a rejeição em relação ao conteúdo dança se dá de forma generalizada nas escolas
brasileiras (MARQUES, 2005).
Diante então da dificuldade apresentada justifica-se a realização deste
estudo, que buscou por meio de uma intervenção, respostas que possam trazer
novas possibilidades para sua efetivação no contexto escolar. Fatores históricos têm
influenciado de forma marcante a dança no Brasil, a relação feita entre a dança e o
fato de expressar sentimentos, levou durante anos, em uma sociedade machista, a
formação de padrões de pensamentos de uma imagem da dança como “coisa de
mulher” (MARQUES, 2005, p. 20). Hoje esses padrões de pensamento vêm se
modificando, mas ainda existe resistência com relação à dança na escola.
Outro fator gerador de conflito no trabalho com a dança refere-se ao ritmo
abordado principalmente quando os alunos não estão familiarizados a ele, pois o
incentivo cultural destinado a eles parecem não ser suficiente. No município de
Altônia – PR esta situação parece ainda mais explicita, pois praticamente não há
eventos culturais na cidade, muito raramente aparece algum grupo com
apresentações de teatro (de outra cidade), dificilmente há apresentações de danças
folclóricas ou de qualquer outra categoria. Os jovens, assim como os adultos não
estão habituados a espetáculos/shows culturais. Algumas apresentações
esporádicas são promovidas na própria escola por grupos religiosos ou pelos
próprios alunos quando há festival de dança e festa junina. As reações são diversas,
às vezes gostam muito, outras vezes vaiam e ignoram. Mas, em geral, pode-se
observar que os festivais são bem aceitos pelos alunos, mas a participação dos
rapazes ainda é muito restrita, assim como participações em duplas.
Nesta direção Lara (2008) destaca em seus estudos sobre dança da cultura
popular brasileira que
4
[...] na consolidação do arcabouço cultural, identidades são criadas, sendo únicas, mas ao mesmo tempo facetadas, originárias das formas pelas quais as comunidades constroem sua simbologia, seus conhecimentos, sua representatividade e significação (LARA, 2008, p. 7).
A cultura a que um povo está inserido determina suas atitudes, sua forma
de pensar e agir.
Percebe-se também que o constrangimento durante atividades que exigem a
dança é bastante acentuado. Os motivos são variados: obesidade, dificuldade
motora, por não saber dançar, timidez, falta de entrosamento com a turma,
vergonha, devido à religião, medo de ser rejeitado, entre outros.
A dança conquistou seu espaço na escola, [...] busca o desenvolvimento não
apenas das capacidades motoras das crianças e adolescentes, como de suas
capacidades imaginativas e criativas (STRAZZACAPPA, 2001, p. 72).
Saraiva et al. (2005, p.70) relatam que “a dança constitui-se numa rica
experiência corporal, a qual possibilita compreender o contexto ao qual estamos
inseridos [...] ampliando a sensibilidade no modo de perceber o mundo”.
Na obra de Soares et al. (1993) a dança é considerada
Uma expressão representativa de diversos aspectos da vida do homem. [...] como linguagem social que permite a transmissão de sentimentos [...] nas esferas da religiosidade, do trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da guerra, etc. (SOARES, 1993, p. 82).
No decorrer da história da dança, ela sempre fez parte da vida do ser
humano com diferentes significados, foi usada como forma de expressão e de
representação dos momentos históricos pelos quais a humanidade percorreu em
seu processo de evolução.
A dança faz parte de um tipo de conhecimento/arte construído culturalmente
pela humanidade. O fato de trabalhar com o corpo e a expressão corporal por muito
tempo foi “presa nos porões e escondida nas senzalas: foi banida do convívio de
outras disciplinas na escola” (MARQUES, 2005). A autora ainda refere-se ao
trabalho com dança na escola como algo assustador para alguns professores pelo
seu caráter imprevisível e criativo.
5
Não há dúvidas que preconceitos marcaram essa forma de expressão
cultural. A Dança sobreviveu ao homem primitivo e passando por mudanças mostrou
sua plasticidade a cada período histórico, chegando ao século XXI com uma
roupagem nova. Barreto (2005) ao falar de arte contemporânea afirma que:
[...] dentro do conceito de arte contemporânea, que identifica a obra como a representação da vida cotidiana, é considerada revolucionária a arte capaz de representar o tempo espaço do homem contemporâneo, que é o das vivências, não o das experiências (BARRETO, 2005, p. 122).
Diante da relevância desse conhecimento na história da humanidade,
inserida na escola como conteúdo, surge à necessidade de compreender qual
entendimento o aluno tem desse conteúdo e o que o leva (ao que parece) ao
desinteresse. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi verificar as possíveis causas
do desinteresse dos alunos de um Colégio Estadual de Altônia - PR pela dança na
escola, nas aulas de Educação Física.
2 Materiais e métodos
Dezenove alunos do segundo ano, do período da tarde, do Ensino Médio no
Colégio Estadual Malba Tahan, na cidade de Altônia – PR, foram submetidos a uma
intervenção pedagógica abaixo descrita.
A primeira ação foi uma conversa com os alunos sobre o objetivo dessa
pesquisa, o que se pretendia com ela e o conteúdo a ser trabalhado. Após essa
conversa foi aplicado um questionário semiestruturado aos alunos buscando
respostas ao objetivo traçado.
Durante a intervenção os espaços utilizados para as aulas práticas foram: a
quadra poliesportiva e a “sala de vídeo”, composta por uma caixa de som, cadeiras,
ar condicionado, computador com internet, data show, janelas com vidros pintados
de preto e cortinas. Esse espaço facilitou muito a realização das atividades pela
privacidade que ele proporciona.
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Materiais diversos foram usados durante as aulas práticas como: bolas
grandes de circo, de pilates, pequenas de borracha, colchonetes, cortinas grandes
para atividades com a técnica do teatro de sombras, luz negra, luvas brancas,
maquina fotográfica, filmagens, música, bastões, vídeos e um net book com as
músicas selecionadas para realização das atividades.
Houve a preocupação durante as aulas práticas de inicialmente realizar
jogos e brincadeiras como aquecimento, para um maior entrosamento entre os
participantes, depois gradativamente atividades de contato corporal, imitativas,
mímica e de expressão corporal (com e sem música) e finalmente trabalhou-se com
a proposta de criação de pequenas coreografias dirigidas pela professora, com o
intuito de que pudessem posteriormente criar sozinhos suas coreografias e
apresentá-las ao grupo todo, além da criação de coreografias foi trabalhado também
o forró universitário.
Os conteúdos teóricos foram abordados da seguinte forma: leitura de textos
do material didático, discussão com o grupo todo e em pequenos grupos,
visualização de vídeos, encenações, produção de slides e vídeos (pelo aluno e pelo
professor) e realização de atividades (questionários, relatórios, resumos). Os temas
abordados foram: A influência e a força cultural da dança, cultura e costumes de
alguns povos, história da dança, a dança e a expressão corporal e os diversos tipos
de dança.
Todo o trabalho foi desenvolvido de Agosto a Novembro de 2011, uma vez
por semana e cada encontro com duração de duas horas. Durante todo o processo
de intervenção um material diversificado foi construído juntamente com os alunos:
slides, fotografias, vídeos, apresentações, depoimentos, comentários e relatórios. Os
resultados alcançados foram apresentados em frequência e percentual em forma de
tabelas.
3 Resultados e discussão
O instrumento de avaliação (questionário) foi aplicado antes da intervenção
e outros dados foram levantados ao longo da implementação para observar o
impacto da proposta.
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A primeira questão analisada foi: “Quando se fala em dança o que vem a
sua mente”?
Tabela 1. Conhecimento dos alunos a respeito da dança.
Respostas f %
Curtição, diversão e alegria. 09 47
Vergonha, vontade, mas prefere ver os outros dançando. 07 36
Música 04 21
Observa-se na tabela 1 que a maioria dos alunos (47%) entende a dança
como alegria/diversão, ficando evidente um conhecimento apenas na cultura do
lazer, este entendimento parece ser comum em alunos que não passaram por
trabalhos pedagógicos de dança na escola que tenham sido significativos.
Analisando um estudo feito por Silva (2010) percebe-se a mesma postura de alunos
e professores em Londrina. A autora manifesta sua preocupação afirmando que “é
certo que a dança não é somente lazer, diversão e prazer, pois ela tem grande
potencial educativo que pode torná-la uma forte aliada no processo educacional”
(SILVA, 2010, p. 46). A dança precisa ser vista pelo nosso aluno não apenas como
lazer, mas como conteúdo cheio de significados da cultura corporal na história da
humanidade.
É necessário também proporcionar ao aluno condições para que aprofunde
seus conhecimentos dentro da dança para melhor compreendê-la enquanto saberes
pedagógicos.
Segundo Marques (2005):
[...] poderíamos introduzir em nossas salas de aula momentos de reflexão, pesquisa, comparação, desconstrução das danças de que gostamos ou não e, assim, podermos agir crítica e corporalmente em função da compreensão, desconstrução e transformação de nossa sociedade (MARQUES, 2005, p. 58).
O processo de desconstrução da dança refere-se ao resignificado
necessário às danças propostas pela mídia, onde o aluno possa refletir e discutir tais
práticas.
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Durante a intervenção houve a preocupação nesse sentido e também a de
envolver positivamente os alunos nas atividades direcionadas à dança, onde podiam
sentir liberdade em criar ao mesmo tempo em que eram orientados em suas
atividades. Constatou-se que a ideia de dança apenas como forma de
diversão/alegria e para o lazer foi sendo superada aos poucos; conforme relatos dos
alunos:
“A dança é de grande importância, para nós alunos, no papel de instruir-nos
sobre seu contexto histórico e cultural, de uma maneira mais lúdica, onde ao mesmo
tempo em que absorvemos o conhecimento, fizemos na prática, variando os estilos”
(aluna do Colégio Estadual Malba Tahan, 2011).
“Dança é cultura, a dança ajuda muito, pois ela exige atenção com a
música. Só que a música, a dança e outras atividades desse gênero deviam ser
mais incentivadas. [...] a dança tinha que ser mais trabalhada nas aulas” (aluno do
Colégio Estadual Malba Tahan, 2011).
“Aprendi que temos que ouvir as opiniões dos outros também [...]”. (aluna
do Colégio Estadual Malba Tahan, 2011).
Ao perceber as vantagens das atividades desenvolvidas durante o trabalho,
novos conceitos foram formados, mesmo que de forma rudimentar.
É importante destacar também que na mesma tabela um percentual
representativo (36%) dos alunos afirmou ter vergonha de vivenciar a dança.
Para Ferreira e Moreira (2007)
“Esse sentimento se manifesta em ocasiões em que o sujeito receia se encontrar em uma situação de inferioridade e não pode evitar essa ameaça. [...] O indivíduo que sente vergonha teme perder o amor e o respeito dos outros [...]” (FERREIRA; MOREIRA, 2007, p.5)
Ao compreender que a adolescência é uma fase permeada por
acontecimentos diversos, por vezes conflituosos, com muitos questionamentos,
dúvidas, inseguranças, mudanças, bem como a busca pela sua identidade, pelo seu
espaço e por valores próprios, sentimentos como a vergonha e a timidez acabam
surgindo naturalmente. “Nessa fase o jovem está descobrindo sua identidade, sua
9
sexualidade, inserido em uma cultura que valoriza o corpo e a aparência” (SARAIVA;
PICCININI, p.5).
Na questão dois os alunos foram questionados sobre o porquê do
desinteresse em aprender a dança na escola.
Tabela 2. Motivos do desinteresse pela dança na escola.
Motivos f %
Porque esse conteúdo é pouco trabalhado na escola 09 47
Porque os alunos tem receio de se expor diante dos colegas 16 84
Porque não faz parte de nossa cultura 01 05
Outro motivo 02 10
O resultado revelado na tabela 2 demonstra que a maior preocupação dos
adolescentes é o medo de se expor, com 84% das respostas.
O medo expresso pelos adolescentes se justifica ao analisarmos o contexto
atual em que os mesmos estão inseridos. Uma sociedade consumista e sem
identidade própria, influenciada fortemente a seguir padrões de beleza impostos pela
mídia. “Os estereótipos atuais contra gordos, idosos e outras figuras que fogem do
padrão do corpo ideal, têm efeito estigmatizado e excludente” (ORTEGA, p. 65).
Estão acostumados a ver pela televisão e internet “a cultura corporal como
espetáculo, a obsessão pela beleza e a uniformidade das imagens, sujeitando o
corpo ao consumo” (SARAIVA E PICCININI, P. 5). Essa dança midiática veiculada
pelos meios de comunicação, dançadas muitas vezes por mulheres seminuas, tem
construído um conceito de dança onde tanto para meninos quando para meninas
tem um efeito bloqueador em fazer a dança. Para eles porque passa a ideia de que
dança é coisa para mulheres, como se fosse mercadoria exposta a ser vendida, e
para as meninas bloqueia a “fruição a capacidade de sentir outros ritmos e outras
formas” (SARAIVA 2009, p.166).
Cabe ao professor então um trabalho pedagógico de mediação na
desconstrução de estereótipos impostos pela mídia.
Na escola o ensino da dança deve visar o processo criativo, sendo
primordial um trabalho responsável, bem planejado e com estratégias bem traçadas,
pois outro motivo apontado pelos alunos do desinteresse pela dança na escola é o
fato de ser muito pouco trabalhado na escola (47%). Os dois fatores indicados se
10
entrelaçam no decorrer do percurso pedagógico, aulas mal trabalhadas
desestimulam, provocam o medo, e o possível desinteresse apresentado pelo aluno
assusta o professor e a dança fica em segundo plano no âmbito escolar enquanto
conteúdo.
Ao realizar um trabalho bem elaborado com abordagens significativas
podemos possibilitar a formação do cidadão com uma visão mais crítica, autônoma e
segura na tomada de decisões, tanto na escola, quanto no meio social a que está
inserido. Marques (2005) sugere que para fazer escolhas significativas, torna-se
interessante levar em conta o contexto dos alunos, respeitando suas escolhas,
opiniões e criações.
Após a intervenção vários alunos em seus relatórios deixaram evidente o
desejo de ter mais atividades com música e dança, como as que foram trabalhadas
durante esse processo, na escola. O medo de se expor foi deixado de lado conforme
as aulas foram desenvolvidas, o envolvimento de todos os deixaram a vontade para
experimentar:
“No começo quando foi falado sobre fazer aulas de dança na escola, não
gostei muito da ideia, pois tinha vergonha de me ‘expor’ em público mesmo
gostando de dançar. Mais depois vendo que todos os alunos faziam as aulas percebi
que não tinha o porque da vergonha, pois se eu estava passando vergonha o resto
dos alunos também estavam, e assim comecei a me interessar mais pelo assunto e
gostando ainda mais de dançar e agora ate mesmo na escola sem vergonha alguma
[...] foram aulas que qualquer aluno gostaria de repetir” (aluna do Colégio Estadual
Malba Tahan, 2011)
“Teve bastante coisas criativas, as pessoas perderam a vergonha de se
expor na frente dos outros, e essas atividades tem que entrar em nosso dia-a-dia,
tem que continuar sendo praticado nas escolas” (Aluna do Colégio Estadual Malba
Tahan, 2011).
Ao perceber os pedidos dos alunos ficou claro para mim que o medo que
eles têm pode ser superado quando conseguimos atingir seus interesses
envolvendo-os com propostas criativas e próximas da sua realidade tornando
possível um trabalho com a participação de todos. Na verdade não há um
desinteresse latente pela dança na escola. O que há são mitos que precisam ser
derrubados, como “os meninos não gostam de dançar”, “os alunos não tem interesse
pela dança”, “estão desmotivados e desinteressados por qualquer tipo de trabalho”,
11
na verdade a abordagem dirigida aos alunos é que deve ser cuidadosa para não
assustá-los, porque o medo de se expor é real, mas não impede a realização de um
excelente trabalho com dança na escola.
Na questão três foi solicitado aos alunos para que citassem quatro motivos
que justificam a importância de se trabalhar dança na escola.
Tabela 3. Importância da dança na escola segundo os alunos.
Respostas f %
Faz bem para o corpo por exercitá-lo 14 73
Para divertir-se e distrair-se 12 63
Para se soltar, se expressar, perder a vergonha, para ter
coragem, forma de inclusão social e interação.
16 84
Ao colocarem, na questão anterior (tabela 2), seu maior medo na
possibilidade de serem ridicularizados por meio da exposição que a dança
proporciona é interessante dizer que 84% dos alunos entrevistados entendem a
dança como sendo importante justamente como um antídoto para perder tal medo,
veem nela um meio para se soltar, perder a vergonha e adquirir coragem para
interagir melhor com seus pares. Pude perceber a preocupação que demonstram em
ser aceito no grupo, de não serem ridicularizados, de ter condições de estabelecer
bons relacionamentos onde quer que estejam além de necessitarem de certa
popularidade.
As relações interpessoais foi tema frequente nos relatórios dos alunos
durante a intervenção:
“A gente conseguiu interagir mais uns com os outro, quem não sabia dançar
conseguiu se soltar mais e aprender a dançar” (aluna do Colégio Malba Tahan,
2011).
Em uma entrevista Lucila Ruppi Magalhães (2004) cita Piaget ao afirmar
Que existe uma matriz cognitiva que possibilita o desenvolvimento da inteligência e esta matriz é comum a espécie humana, mas para que esse desenvolvimento ocorra é imprescindível a ação, torna-se inquestionável a exigência das relações interpessoais. [...] O processo de aprendizagem está atrelado as relações interpessoais.[...] É preciso lembrar que o processo de
12
construção cognitiva e de personalidade ocorre em um tempo e espaço com
relações que se determinam e interfluenciam (MAGALHÃES, 2004, p.1).
Constatada a importância das relações interpessoais (positivas) na vida do
ser humano, podemos dizer que as relações estabelecidas, vividas em um grupo ao
realizarem atividades significativas, onde a criatividade, a liberdade e a
espontaneidade são permitidas através da dança são imprescindíveis no espaço
escolar como estratégia educativa na busca de um cidadão melhor preparado para a
convivência social.
O aluno R em um de seus relatórios fez o seguinte comentário:
“Cada aula que passa a gente aprende mais trabalhar em grupo e isso é
importante no nosso dia-a-dia, faz todos do grupo se aproximar mais, [...] serem
amigos, [...] nos exercitamos, ajudando no nosso bem estar e perdendo mais a
vergonha de se expor para as pessoas” (aluno do Colégio Estadual Malba Tahan,
2011).
O Aluno B, também faz referência nesse sentido:
“As atividades melhoram a convivência em grupo na sala”(Aluno do Colégio
Malba Tahan, 2011).
Mesmo sem saber de toda argumentação teórica que envolve a importância
de atividades que possibilitam a interação do grupo e as relações interpessoais,
puderam sentir e experimentar na prática tal valor.
Não poderia deixar de citar Isadora Duncan, “O que alguém nunca
experimentou, nunca entenderá em uma obra impressa”, ao enfatizar a
necessidade da vivência da dança. Por meio da vivência o aluno pode descobrir seu
potencial e sua capacidade criativa.
Na questão quatro os alunos responderam os motivos que pensam justificar
a ausência da dança como conteúdo na escola.
13
Tabela 4. Motivos que justificam a ausência da dança enquanto conteúdo da
Educação Física escolar.
Respostas f %
Preconceito. 04 21
Religião. 02 10
Timidez, vergonha, medo. 14 73
Complicado, difícil. 06 31
Desinteresse e falta de vontade, preguiça. 07 36
Falta de tempo. 04 21
Mais uma vez o maior índice de rejeição à dança na escola indica a timidez,
a vergonha e o medo, como podemos observar na tabela, com 73% das respostas.
Interessante verificar que 36% dos alunos entrevistados pensam que as pessoas
não querem aprender a dançar por falta de vontade, desinteresse e preguiça, o que
pode estar ligado ao fato de não saber dançar. Tal pensamento encontra base na
literatura quando relacionamos o prazer com aquilo que sabemos fazer
é claro que ele (a autora quando diz “ele” refere-se ao estilo de cada um em reagir mediante situações impostas pela vida) pode mudar mediante aprendizagens. Mas as aprendizagens só ocorrem quando o indivíduo se predispõe a concretizá-las. Isso porque aprendizagem é mudança de comportamento (MAGALHÃES, 2004, p. 3).
.
Enquanto o aluno não havia passado pela intervenção, pela experiência e
experimentação, o medo pelo novo, respostas como:
“Tenho preguiça em aprender, prefiro outro tipo de atividade física. Porque
tenho um pouco de vergonha” (aluno do Colégio Estadual Malba Tahan, 2011), são
aceitáveis. Porém, após a intervenção reposta como, “a dança tinha que ser mais
trabalhada na escola”, mostra que podemos mudar essa realidade.
O trabalho com a dança na escola é possível e viável, desde que as
experiências sejam positivas. “Quanto mais elaboradas, conscientes e respeitosas
as relações interpessoais sejam, maior será a extensão das conquistas em
estruturas de pensamento” (MAGALHÃES, 2004, p. 1).
Na questão cinco puderam dizer se gostam ou não de dançar.
14
Tabela 5. Alunos que gostam ou não de dançar.
Respostas f %
Sim 12 63
Não 05 26
Depende do estilo 01 05
Não respondeu ao questionário 01 05
Ao verificar esse percentual podemos observar que dos dezenove alunos
entrevistados doze gostam de dançar (63%), cinco (26%) que não gostam, um não
respondeu e outro disse que depende do estilo abordado. É pertinente dizer também
que os 63% que afirmaram gostar de dançar são meninas e que os outros 26% são
meninos. Mais uma vez nos deparamos com a dificuldade que os rapazes têm
quando se fala em dança, conforme já foi discutido anteriormente, porém algo muito
interessante foi constatado durante a análise na tabela a seguir.
Na questão seis os alunos que disseram não gostar de dançar tiveram que
justificar suas respostas, verifique o resultado.
Tabela 6. Porque os alunos não gostam de dançar.
Não gostam f %
Porque tem vergonha 2 40
Porque não tem interesse 1 20
Porque não sabem 2 40
Dos cinco alunos que disseram não gostar de dançar como já foi
mencionado são do sexo masculino, 40% disse que não gosta porque tem vergonha,
20% porque não tem interesse e os outros 40% porque não sabem. Verifique na
íntegra suas respostas:
“Não porque não acho interessante, pois sou tímido.”
“Não muito. Porque eu tenho um pouco de vergonha.”
“Não, porque não é minha praia.”
“Não gosto, mas quero aprender e passar a gostar.”
“Não, porque não sei.”
Ao analisar os relatórios dos rapazes durante e após a intervenção, ficou
uma sensação de “dever cumprido”. Todos foram unânimes em afirmar que no início
15
não queriam participar por não saberem, por vergonha, timidez ou medo de se
expor, mas que com o desenrolar das aulas foram percebendo que tinham
condições para realizá-las e que foram perdendo a vergonha. Os relatos abaixo são
dos rapazes (Alunos do Colégio Estadual Malba Tahan, 2011):
“A dança tinha que ser mais trabalhada na escola.”
No início de todas as aulas não queria participar, mais a professora insistia e
eu fazia, isso foi bom aprendemos coisas novas, tirou um pouco da timidez e vai
ajudar muito daqui pra frente.”
“Acho que sempre deve ter um espaço na escola para nós fazermos isso,
todos gostam, mas acho que tem vergonha mesmo em se ‘expor’, eu mesmo
sempre tive, e tenho as vezes, e nem sei porque, é algo tão simples, mais muito
legal.”
“É bom a gente fazer isso para nós perdermos a vergonha e nós estamos
gostando disto é muito legal essas aulas.”
“E suas atividades melhoram a convivência em grupo na sala.”
“No começo eu achei a proposta ousada e até achei que não daria certo, por
não haver colaboração dos alunos, (...). Com o passar das aulas era uma surpresa
atrás da outra eu não via a hora de chegar novamente suas aulas.”
“Eu tive com essas aulas uma experiência muito boa, não tinha vontade de
fazer, mas até que consegui (...). Ajudou fazer coisas que eu nem sabia.”
“ Foi muito divertido eu não tive vergonha (...) sendo que eu tenho vergonha
de dançar (...) legal expressar os sentimentos.”
“No começo eu fiquei nervoso. Ao longo dos ensaios vou ficando mais calmo
e também perdendo a timidez. Com esse trabalho eu vou me soltando.”
A partir de tais depoimentos posso afirmar que a rejeição inicial se dá devido
a pré-julgamentos que fazem das aulas de dança, adicionado a isso tem a vergonha,
o medo por não saber, o medo de não aprender e o medo de ser ridicularizado,
porém deixaram claro o quanto gostaram das atividades de expressão corporal e da
dança.
Durante todo o trabalho de intervenção dificuldades foram vencidas aos
poucos, novos caminhos descobertos juntamente com os alunos, experiências
marcantes foram vivenciadas, uma sensação muito boa a cada atividade realizada
com sucesso, o estreitamento de relacionamentos, união do grupo, amizade... Não
posso deixar de mencionar que a ansiedade foi grande devido a sensação que
16
temos de incapacidade ao realizar um trabalho novo e desafiador, mas incentivo
outros professores que assim como eu gostam e sabem da importância desse
conteúdo a prepararem-se e arriscarem-se, pois os resultados podem ser
surpreendentes. Faço as seguintes sugestões para um início de sucesso: ouvir os
alunos e desafiá-los, aproveitar o que eles trazem para a escola, suas músicas, suas
vivências, levá-los a reflexões, discussões e análise da dança dentro e fora do
contexto escolar.
4 Conclusão
Ficou evidente que um dos problemas que nos leva a pensar que os alunos
não gostam ou não tem interesse pela dança é justamente o medo que têm de se
expor, a vergonha e a timidez.
Outro fator é simplesmente o fato de não saber dançar, por nunca terem tido
a oportunidade em desenvolver atividades de expressão corporal e de dança na
escola ou fora dela.
É interessante destacar que uma das atividades que mais elogiaram e que
gostariam que fosse inserida nas aulas de Educação Física com bastante frequência
foi a dança com a técnica do teatro de sombras. O fato de ter um pano entre eles e o
público deu certa segurança e mais liberdade de movimento, foram muito criativos e
espontâneos.
As atividades propostas os levaram a um estado de segurança e confiança,
mesmo com vergonha permitiram-se experimentar, ousar e a gostar de dançar.
Na verdade, não há desinteresse, há falta de oportunidade, experiência,
muita timidez, vergonha e medo.
Nossos alunos estão dispostos a dançar, basta acharmos um caminho de
comunicação que seja suficientemente interessante e ao mesmo tempo desafiador e
possível, ao perceberem que são capazes, a barreira do preconceito é derrubada e
a participação do grupo é garantida.
Os resultados obtidos nesse trabalho apontam para a relevância da dança
no contexto escolar no desenvolvimento das relações interpessoais, da
17
expressividade, da criatividade, autoconhecimento, autoestima e principalmente na
autoconfiança.
Referências
BARRETO, Débora. Dança... Ensino, sentidos e possibilidades na escola. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.
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