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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS SEDIMENTAÇÃO AUTIGÊNICA NEOPROTEROZÓICA E MINERALIZAÇÕES ASSOCIADASUM REGISTRO NÃO UNIFORMITARISTA Paulo César Boggiani Tese apresentada ao Concurso de Livre Docência junto ao Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, na Área de Conhecimento de Geologia Sedimentar. SÃO PAULO 2010

SEDIMENTAÇÃO AUTIGÊNICA NEOPROTEROZÓICA E … · SEDIMENTAÇÃO AUTIGÊNICA NEOPROTEROZÓICA E MINERALIZAÇÕES ... preservação de extensas áreas com esteiras microbianas,

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE GEOCINCIAS

    SEDIMENTAO AUTIGNICA NEOPROTEROZICA E MINERALIZAES

    ASSOCIADAS UM REGISTRO NO UNIFORMITARISTA

    Paulo Csar Boggiani

    Tese apresentada ao Concurso de Livre

    Docncia junto ao Departamento de Geologia

    Sedimentar e Ambiental do Instituto de

    Geocincias da Universidade de So Paulo, na

    rea de Conhecimento de Geologia Sedimentar.

    SO PAULO

    2010

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    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcila deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Ficha catalogrfica preparada pelo Servio de Biblioteca e Documentao do

    Instituto de Geocincias da Universiade de So Paulo

    Boggiani, Paulo Csar

    Sedimentao Autignica Neoproterozica e Mineralizaes Associadas

    Um registro No Uniformitarista / Paulo Csar Boggiani So Paulo, 2010.

    Xiv, 136 p. :il

    Tese de Livre Docncia: IGC/USP-

    1. Geologia Sedimentar 2. Neoproterozico I. Ttulo

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    s minhas filhas Helena e Camila

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    Agradecimentos

    At a finalizao da presente tese, contou-se com o apoio, discusso, trabalho e

    idias de muitas pessoas, s quais desejo expressar meus agradecimentos.

    O trabalho desenvolvido em Mato Grosso do Sul, dcadas atrs, no teria iniciado

    sem o aceite, para orientao de projeto de mestrado, por parte de Thomas Rich Fairchild,

    com o qual tenho a satisfao de continuar trabalhando. A ele agradeo no s como

    orientador, j que assim o foi desde minha graduao, atravs de projeto de iniciao

    cientfica, quando essa prtica era pouco comum ainda no Instituto, mas tambm pelo apoio,

    amizade e exemplo de pessoa.

    Outro professor que aproveito para agradecer o Benjamim Bley de Brito Neves,

    com quem pude tambm discutir aspectos presentes nesta tese, mas no tivemos ainda a

    oportunidade de estarmos l, no campo em Mato Grosso do Sul, o que pretendo para breve.

    Outra pessoa fundamental para esse trabalho foi o Prof. Alcides Nbrega Sial, da

    UFPE, que sempre esteve disposio, com seu Laboratrio de Istopos Estveis (NEG-

    LABISE), para fornecer pronta e rapidamente as anlises de istopos de C e O. A ele devo

    no apenas a presente tese, assim como a de doutorado, numa poca que no era fcil a

    obteno dessas anlises.

    Devo meus agradecimentos ao Cludio Gaucher (Facultad de Ciencias, Instituto de

    Geologa y Paleontologa Uruguai), no somente pela amizade e apoio, mas

    fundamentalmente por ter me proporcionado participar do IGCP-478 Neoproterozoic to

    Early Palaeozoic Paleogeographic, Palaeoclimatic, Palaeobiologic and Tectonomagmatic

    events within the Framework of SW-Gondwana, do qual foi coordenador, quando tive a

    oportunidade de conhecer as sucesses neoproterozicas da frica do Sul e Nambia.

    Agradeo ao Ginaldo Ademar da Cruz Campanha, que passei a ter mais contato

    apenas nos ltimos anos, pelo trabalho conjunto ao longo da Faixa Paraguai e ao Paulo

    Csar Fonseca Giannini, j antigo amigo, pelo apoio e cuidadosa reviso do texto.

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    Agradeo aos funcionrios e demais docentes do Instituto de Geocincias da USP

    por todo apoio que sempre recebi como aluno e agora como professor. Prefiro no

    relacionar nomes, j que teria que listar todos, e a todos sou muito agradecido, no apenas

    pelo sempre prestativo trabalho e ajuda, mas principalmente pela amizade, cordialidade e

    ateno que recebi nesses ltimos 31 anos.

    Sou agradecido aos rgos financiadores de pesquisa dos quais obtive apoio

    financeiro para a presente pesquisa: FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado

    de So Paulo, CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico,

    Pr-reitoria de Pesquisa da USP e tambm pelas bolsas de iniciao cientfica e de ps-

    graduao dos alunos envolvidos, assim como pela bolsa de produtividade em pesquisa do

    CNPq que venho recebendo nos ltimos anos.

    Grande parte do trabalho apresentado resulta de projetos de iniciao cientfica,

    trabalhos de formatura e de ps-graduao de Bernardo T. Freitas, Thiago Piacentini,

    Gabriella T. Fontaneta, Cynthia Simon, Viviane Shimizu e Lucas V. Warren aos quais

    expresso meus agradecimentos.

    Devo meus agradecimentos tambm s empresas de minerao que permitiram o

    acesso s reas de lavras e, em especial, s pessoas que alm de me receberem de forma

    prestativa deram grande apoio, como o Mauro Carvalho da Mina Laginha (Cimento Ita) ao

    Kazuto Horii da Minerao Horii, ao gelogo Joo Mller, cujo conhecimento da geologia da

    rea contribuiu muito com esse trabalho, geloga Alini Mancio, da Empresa Vale e aos

    amigos Jos Tomaz Pontara Jr (Vale) e Rosangela Pontara (UFMS).

    Antes de finalizar, desejo agradecer minha esposa Ana Lcia pelo apoio e ajuda

    nas discusses do presente trabalho e, por fim, agradecer, em memria, ao Armando Mrcio

    Coimbra que, infelizmente, nos deixou precocemente, ao qual s no dedico a presente tese

    porque me lembro dele sempre ressaltar a importncia de dedicar a tese aos filhos, e assim

    o fiz.

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    BOGGIANI, P.C. 2010. Sedimentao autignica neoproterozica e mineralizaes

    associadas um registro no uniformitarista. Tese de Livre Docncia apresentada ao

    Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias,

    Universidade de So Paulo, So Paulo, 136 p.

    Resumo

    discutido, na presente tese de livre docncia, um modelo no uniformitarista para a

    sedimentao neoproterozica, tendo como exemplo unidades da Faixa Paraguai Meridional

    e cobertura cratnica adjacente, caracterizada por depsitos anmalos de formaes

    ferrferas, ocorrncia de capas carbonticas, presena de espessas e contnuas camadas

    de dolomitos, interpretados como primrios (organognicos) e associados a fosforitos, e

    calcrios com registros de istopos de C caracterizados por incurses de valores negativos

    e positivos (13CPDB variando de 5 a + 5 0/00). O modelo evolutivo proposto estaria

    associado evoluo de bacias do tipo rifte sujeitas a intensos processos de surgncias

    marinhas. Essas surgncias marinhas seriam responsveis pelo aporte episdico de

    nutrientes e ferro dissolvido, os quais poderiam ser intensificados devido restrio da faixa

    ocenica ao longo do Equador (modelo Slushball Earth) e no necessariamente a eventos

    de glaciao total do globo terrestre (modelo Snowball Earth). Na poro sul da Faixa

    Paraguai, as evidncias de sedimentao glacial no so to evidentes, ao contrrio do que

    se observa nas exposies da Formao Puga ao Norte, onde os diamictitos foram

    originalmente definidos como Grupo Jangada. O resultado da conjuno de fatores

    geotectnicos e, principalmente, biticos, com intensa proliferao microbiana e formao e

    preservao de extensas reas com esteiras microbianas, devido inexistncia de

    organismos causadores de bioturbao, teria influenciado nos ciclos geoqumicos

    associados sedimentao o que explicaria o padro de sedimentao anmalo e sem

    anlogos modernos, que uma caracterstica marcante dos grupos Corumb e Jacadigo.

    Essa situao sistmica poderia ter sido uma das causas para o surgimento dos

    metazorios, ao final do Ediacarano, atestada pela abundante ocorrncia de Cloudina e

    Corumbella (Formao Tamengo), e posterior irradiao evolutiva cambriana e talvez tenha

    sido nica na histria do planeta e por isso sem anlogos modernos, ou seja, no

    uniformitarista.

    Palavras-chaves: Neoproterozico, dolomitos, istopos de C, fosforitos, formaes

    ferrferas.

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    BOGGIANI, P.C. 2010. Sedimentao autignica neoproterozica e mineralizaes

    associadas um registro no uniformitarista. Tese de Livre Docncia apresentada ao

    Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias,

    Universidade de So Paulo, So Paulo, 136 p.

    Abstract

    In this thesis, it is discussed a non-uniformitarianist model for the Neoproterozoic

    sedimentation, of which examples are the units of the Southern Paraguay Belt and its

    corresponding cratonic cover, characterized by anomalous deposits of iron formations,

    occurrence of cap carbonate and thick and continuous beds of dolomites, interpreted as

    primary (organogenic) rocks and associated with phosphorites and calcareous with carbon

    isotope data showing negative and positive excursions (13CPDB ranging from 5 to + 5 0/00)).

    The evolutive model proposed here would be associated with the evolution of rift-type basins

    combined with intense processes of ocean upwelling, which could be intensified or have had

    a greater nutrient load due to the restriction of the marine belt along the Equator (Slushball

    earth model), and would not necessarily be related to the worldwide glaciation of the Earth

    (Snowball Earth model), provided that, at least for the units of the Southern portion of the

    Paraguay Belt, the evidences of glacial sedimentation are not so clear, differently from what

    is seen in the exposures of the Puga Formation in the Northern portion, where the diamictites

    were originally defined as the Jangada Group. The result of the combination of geotectonic

    factors and, mainly, biotic factors, with intense microbial proliferation and formation and

    preservation of large areas with microbial mats, due to the absence of organisms that cause

    bioturbation, would have influenced the geochemical cycles associated with sedimentation,

    which would explain the anomalous sedimentation pattern that has no modern analogy and

    is a distinguishing feature of the Corumb and Jacadigo Group. This systemic situation could

    have been one of the causes of the appearance of metazoans at the end of the Ediacaran

    period, which is confirmed by the abundant occurrence of Cloudina and Corumbella

    (Tamengo Formation), and posterior Cambrian evolutive radiation that may have been

    unique in the Earth's history and, therefore, has no modern analogy, that is, it was a non-

    uniformitarianist event.

    Key words: Neoproterozoic, authigenesis, dolomites, isotopes of C phosphorites, iron

    formations.

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    Sumrio

    ndice de figuras ....................................................................................................... 17

    ndice de tabelas ...................................................................................................... 19

    1. Introduo ............................................................................................................ 21

    1.1. Sobre o uso do termo autignese ...................................................................... 22

    1.2. No uniformitarismo na sedimentao autignica Neoproterozica ............... 22

    1.3. Objetivo ......................................................................................................... 26

    1.4. Materiais e mtodos ...................................................................................... 26

    2. Sedimentao autignica no Neoproterozico ...................................................... 27

    2.1. Formaes ferrferas ..................................................................................... 29

    2.2. Fosforitos ....................................................................................................... 33

    2.3. Sedimentao carbontica no Neoproterozico ............................................. 35

    2.3.1. Capas carbonticas ............................................................................. 38

    2.3.2. O Problema Dolomito e organognese .............................................. 47

    2.3.3. Aplicao do estudo de istopos de C e O e de razes de Sr ............. 52

    3. Sedimentao autignica nas unidades da Faixa Paraguai Meridional ................. 57

    3.1. Estratigrafia da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica .................. 59

    3.1.1. Grupo Cuiab e sua relao com a Formao Puga ............................ 61

    3.1.2. Grupo Jacadigo .................................................................................... 62

    3.1.3. Grupo Corumb .................................................................................... 63

    3.1.4. Grupo Araras ........................................................................................ 66

    3.2. Correlaes e idades das unidades da Faixa Paraguai ................................ 66

    3.3. Formaes ferrferas do Grupo Jacadigo e da Formao Puga ..................... 70

    3.4. Capas carbonticas da Formao Puga ........................................................ 74

    3.5. Fosforitos da Formao Bocaina ................................................................... 79

    3.6. Dolomitos da Formao Bocaina ................................................................... 81

    3.7. Istopos de C e O e razes de Sr do Grupo Corumb. .................................. 84

    3.7.1. Istopos de C e O da Capa Carbontica do Morro do Puga .................. 84

    3.7.2.Variao dos istopos de C na Formao Tamengo .............................. 88

    4. Discusso sobre a sedimentao autignica nas unidades da Faixa Paraguai .. 114

    5. Concluso .......................................................................................................... 117

    6 Referncias Bilbiogrficas ................................................................................... 119

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    ndice de figuras

    Figura 1. Distribuio dos depsitos de formao ferrfera no Pr-Cambriano com abundncia relativa estimada com base no volume de Hamersley (organizado por Piacentini et al. 2007 a partir de Klein 2005 e Trendall 2002). .................................. 30

    Figura 2 Esquema da sedimentao carbontica carbontica moderna comparado com o do Pr-Cambriano onde, no primeiro caso (A e B), a reduo do nvel do mar no implica diminuio da acumulao de carbonato de clcio, compensada pelo acmulo das carapaas dos organismos planctnico. J no Pr-Cambriano (C e D), o rebaixamento do nvel do mar implica diminuio das zonas nerticas e, na ausncia de organismos planctnicos, ocorreria supersaturao em carbonato das guas ocenicas (extrado de Ridgwell et al. 2003). ........................................................... 37

    Figura 3. Detalhe dos ciclos: precipitatos de aragonita - mudstone laminado mudstone macio da Mina Sambra (base da Formao Sete Lagoas Grupo Bambu). .......... 41

    Figura 4 Tubestones da Formao Buschmannsklippe (Nambia), seo longitudinal (esquerda) e transversal (direita). ............................................................................. 44

    Figura 5 Esquema geolgico da Faixa Paraguai e cobertura cratnica. ............................ 58 Figura 6- Relaes estratigrficas entre as unidades da poro norte e sul da Faixa

    Paraguai com representao no considerando os dobramentos e falhamentos inversos que ocorrem a leste. ................................................................................... 60

    Figura 7 Valores de Elementos de Terras Raras normalizados para condrito (Taylor & McLennan 1985). O padro obtido para as formaes ferrferas de Bodoquena (Depsito da Fazenda So Manoel) refere-se mdia dos resultados obtidos. O padro das formaes ferrferas e manganesferas de Urucum (Grupo Jacadigo) de Klein & Ladeira (2004); e os de Rapitan de Klein & Beukes (1993) e o PAAS (Post Archean Shale Composite) de Taylor & McLennan (1985) figura extrada de Piacentini 2008. ........................................................................................................ 73

    Figura 8 Estruturas tubulares observadas em dolomitos da base da Formao Bocaina em Porto Morrinhos (Corumb, MS). .............................................................................. 76

    Figura 9 Estruturas tubestones associadas a estromatlitos em Morraria do Sul (Serra da Bodoquena) posicionados diretamente sobre o embasamento................................. 77

    Figura 10 Estruturas tubestones observada em dolomitos expostos no Forte de Coimbra, s margens do Rio Paraguai, a Sul de Corumb (MS). ............................................ 78

    Figura 11 Seo levantada na Fazenda Ressaca, principal ocorrncia de fosforito, com identificao das fcies sedimentares do topo da Formao Bocaina (Fontaneta 2008). ....................................................................................................................... 80

    Figura 12 Cristais de dolomita autignica ao redor de filmes orgnicos de ooid grainstones da Formao Bocaina. ............................................................................................. 81

    Figura 13 Ooid grainstones da Formao Bocaina sem formao de dolomita, devido a preservao da matria orgnica dos filmes envoltrios. ......................................... 82

    Figura 14 Estruturas globulares em fosforitos da ocorrncia da Fazenda Ressaca, interpretadas como microbianas (Formao Bocaina Grupo Corumb). Imagem de MEV, eltrons secundrios. ...................................................................................... 83

    Figura 15 Distribuio dos valores de istopos de C e O da Capa Carbontica do Morro do Puga (Boggiani et al. 2003), figura superior, comparada com nova coleta em mesma seo (figura inferior), o que demonstra a homogeneidade da composio isotpica ao longo de toda seo, com valores de 13CPDB ao redor de -5

    0/00. ....................... 86 Figura 16 Possvel capa carbontica no domnio da Serra da Bodoquena (Anticlinal da

    Fazenda Santa Terezinha): A) detalhe do diamictito da Formao Puga; B) bloco mtrico de gnaisse no diamicitito e C) detalhe da laminao milimtrica dos dolomitos da base da sucesso. ............................................................................................... 87

    Figura 17- Esquema da distribuio das unidades do Grupo Corumb com representao da posio das sees levantadas para a Formao Tamengo. ................................... 88

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  • 19

    Figura 18 Mina Laginha em sua a frente de lavra da poro oeste, mais completa. Notar as camadas com mergulho para sudeste tendo ao centro pacote de ritmitos (mudstones/folhelhos grafitosos), e a base da seo levantanda localizada no canto direito da fotografia. Do lado direito da fotografia, observa-se a brecha basal, com detalhe na figura 19. ................................................................................................. 90

    Figura 19 Detalhe da brecha sedimentar basal da Formao Tamengo na Mina Laginha. 91 Figura 20 - Seo da Mina Laginha (lado oeste), sendo que a da esquerda um

    detalhamento da parte basal (Formao Tamengo). Nessa figura, foram includos os dados de Velsquez et al. (2008). ............................................................................ 93

    Figura 21 Distribuio dos valores de istopos de C e O do lado leste da Mina Laginha (Formao Tamengo). .............................................................................................. 94

    Figura 22 Blocos de mudstones, provenientes da Formao Tamengo, imersos em siltitos da base da Formao Guaicurus (Diamictitos Laginha). .......................................... 95

    Figura 23 Concentrao de carapaas de Cloudinas na Formao Tamengo (Grupo Corumb). ................................................................................................................ 98

    Figura 24 Fssil de Corumbella werneri da Formao Tamengo (Grupo Corumb).......... 99 Figura 25 Intercalao de material piroclstico ou vulcanoclstico em grainstones da

    Formao Tamengo na Mina Corcal, de onde foram obtidos zirces para dataes geocronolgicas. ...................................................................................................... 99

    Figura 26 Exposio da Formao Tamengo na Mina Corcal (Corumb, MS), com ocorrncias de cinzas vulcnicas associadas a nveis de concentrao de Cloudina. O esquema abaixo demonstra o estilo de dobramento, cujo levantamento foi necessrio para levantamento da seo estratigrfica e coleta das amostras. ....... 102

    Figura 27 Distribuio dos valores de istopos de C e O da Mina Corcal (Formao Tamengo). .............................................................................................................. 104

    Figura 28 Mina Horii, com exposio de calcrios (ooids grainstones) da Formao Tamengo no domnio da Faixa Paraguai (Bodoquena,MS). ................................... 106

    Figura 29 Fotomicrografia de wackestone da Mina Horii. ................................................ 106 Figura 30 Distribuio dos valores de istopos de C e O da seo da Mina Horii

    (Formao Tamengo), na Serra da Bodoquena. .................................................... 108

    ndice de tabelas

    Tabela 1- Valores de istopos de C e O de carbonatos intercalados formao ferrfera obtidos de amostra do Morro Mutum. ....................................................................... 72

    Tabela 2 Dados de istopos de C e O da capa carbontica do Morro do Puga ............... 85 Tabela 3 Valores de istopos de C e O de dolomitos da base de seo sobre diamictitos

    expostos no Anticlinal Fazenda Santa Terezinha (Serra da Bodoquena). ................ 87 Tabela 4 Valores de Istopos de C e O da Mina Laginha ................................................. 92 Tabela 5 Valores de istopos de C e O do lado leste da Minha Laginha e dados

    geoqumicos ............................................................................................................. 96 Tabela 6 Valores de istopos de C e O da seo Saladeiro. ......................................... 101 Tabela 7 Valores de istopos de C e O das sees da Mina Corcal .............................. 103 Tabela 8 Valores de istopos de C e O da seo da Fazenda Baa das Garas ............ 105 Tabela 9 Valores de istopos de C e O da seo da Mina Horii ..................................... 107 Tabela 10 Valores de istopos de C e O da Formao Tamengo na Mina Calbon ......... 111

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  • 21

    1. Introduo

    O presente texto refere-se tese de livre docncia, submetida ao Departamento de

    Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geocincias (USP), cujo objetivo o

    estudo da sedimentao autignica no Neoproterozico, tendo como exemplo as unidades

    da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica adjacente, levando-se em considerao

    as discusses dos modelos propostos para mudanas globais no Neoproterozico.

    O termo autignese tem sido empregado, comumentemente, para minerais

    diagenticos formados aps a deposio siliciclstica, ou seja, para minerais neoformados

    nos poros de sedimentos epiclsticos. Ultimamente, porm, o termo autignese tem tido sua

    aplicao estendida para a formao sedimentar de minerais primrios de forma mais

    ampla, no restrito a minerais tipicamente diagenticos e empregado para formaes

    ferrferas, fosforitos, dolomitos e sedimentos carbonticos (Glenn et al. 2000).

    O registro sedimentar autignico neoproterozico tem-se demonstrado anmalo se

    comparado com demais intervalos do tempo geolgico, com destaque para as formaes

    ferrferas, capas carbonticas, abundncia de dolomitos com estruturas originais

    preservadas e fosforitos, o que conduz interpretao de que os processos geoqumicos e

    sedimentares no Neoproterozico foram distintos, muitos sem equivalentes modernos ou

    mesmo no Fanerozico, ou seja, com caractersticas no uniformitarista.

    Como contribuio ao conhecimento geolgico sobre o tema, so apresentados

    dados e informaes obtidos de levantamentos e investigaes recentes realizados nas

    unidades da Faixa Paraguai Meridional, com resultados e interpretaes inditos e j

    publicados, em sua maioria relacionados a projetos de iniciao cientfica, trabalhos de

    formatura e de ps-graduao, orientados ou com participao direta do autor.

    A Faixa Paraguai Meridional foi escolhida para este estudo em funo da presena

    de capas carbonticas sobre diamictitos da Formao Puga, formaes ferrferas e

    manganesferas do Grupo Jacadigo e calcrios, dolomitos e fosforitos do Grupo Corumb,

    conjunto este que representa a clssica sucesso sedimentar observada em demais sees

    neoproterozicas, associada ocorrncia de fsseis metazorios, entre eles a primeira

    expresso que se conhece de organismo com esqueleto (Cloudina), o que possibilita

    discutir, de forma ampla porm integrada, os inmeros modelos e hipteses propostos para

    os diferentes tipos de sedimentao autignica neoproterozica.

  • 22

    1.1. Sobre o uso do termo autignese

    O termo autignese foi introduzido por Kalkowsky (1880 apud Bates & Jackson 1980)

    e vem sendo empregado tanto para minerais formados in situ em ambiente diagentico

    como para minerais de origem bioqumica ou puramente qumica, independente de serem

    ou no diagenticos, em contraposio aos essencialmente terrgenos/epiclsticos.

    Inicialmente, o termo era restrito a minerais diagenticos (Krumbein & Sloss 1963)

    relacionados formao de novos minerais aps a sedimentao (neomorfismo). Existia

    uma forte tendncia de o termo ser restrito a gnese de minerais exticos, ou seja, distintos

    dos arcabouos onde se originaram, tendo como exemplos os argilominerais neoformados

    (Fairbridge 1967). Essa tendncia ainda forte no Brasil (Suguio 2003) e empregada em

    publicaes internacionais recentes (Flgel 2004), onde os minerais autignicos so

    entendidos como os formados aps a deposio e durante a diagnese, incluindo tanto

    aqueles precipitados em poros, na forma de cimento, como os originados por substituio de

    minerais preexistentes.

    No incio da dcada de 1990, o termo autignese passou a ser empregado com mais

    freqncia para sedimentos bioqumicos e no apenas para minerais de origem ps-

    deposicional, como argilominerais neoformados e sobrecrescimentos de quartzo. Nesse

    perodo foi organizado o projeto IGCP UNESCO (Internacional Geological Correlation

    Programme) 325 "Correlation of Paleogeography with Phosphorites and Associatade

    Authigenic Minerals", voltado principalmente ao estudo da formao de fosforitos.

    A partir do mencionado IGCP, foi criado um grupo de trabalho na SEPM (Society for

    Sedimentary Geology) intitulado Marine Authigenesis com a organizao do simpsio

    Formation of Authigenic Marine Minerals ocorrido em maio de 1997, a partir do qual foi

    organizado o livro Marine Authigenesis: from global do microbial (Glenn et al. 2000).

    Apesar do enfoque principal sobre rochas fosfticas, o referido grupo trabalhou tambm com

    minerais glauconticos, dolomitos, crostas ferromanganesferas, depsitos de barita e BIFs,

    o que demonstra a nova tendncia de uso do termo autignese de forma mais ampla, o qual

    vem sendo empregado at para sedimentos continentais, como os calcretes.

    1.2. No uniformitarismo na sedimentao autignica Neoproterozica

    Os termos uniformitarismo e atualismo tm sido utilizados como sinnimos, mas

    apresentam significados diferentes. O uniformitarismo, como utilizado por James Hutton e

    Charles Lyell, seria aplicado no sentido de que os mesmos processos geolgicos que

    ocorrem no presente teriam ocorrido no passado, pensamento esse expresso pela clssica

    frase O presente a chave do passado. J o termo atualismo teria significado diferente e

  • 23

    restrito s leis fsicas e qumicas, sendo que apenas essas teriam permanecidas as

    mesmas, desde a origem do Planeta Terra, mas a forma e, principalmente, a intensidade

    dos processos geolgicos teria sido distinta ao longo do tempo geolgico, ou seja, atualista

    mas no uniformitarista.

    Nesta tese, procura-se demonstrar que a sedimentao autignica neoproterozica

    teria ocorrido de forma no uniformitarista, porm sob as mesmas condies fsicas e

    qumicas do presente, portanto, de forma atualstica. O que se pretende demonstrar que,

    no Neoproterozico, teria ocorrido uma conjuno de fatores tectnicos e biticos que

    influenciaram os ciclos geoqumicos, o que resultou num padro distinto, se no nico, de

    sedimentao autignica ao longo da histria da Terra.

    Entre os sedimentos autignicos neoproterozicos, destacam-se as ocorrncias

    anmalas de formaes ferrferas (Trendall 2002, Klein 2005, Bekker et al. 2010), sem

    correspondentes fanerozicos e diferentes, em termos sedimentares, das formaes

    ferrferas arqueanas e paleoproterozicas. Outro exemplo de sedimentao anmala

    neoproterozica so as capas carbonticas, associadas a depsitos interpretados como

    glaciais, com assinaturas isotpicas atpicas e sucesses de estruturas sedimentares que se

    repetem em diferentes partes do globo terrestre, o que evidencia estarem relacionadas a

    mudanas globais e, por isso, so uma das bases de discusso da hiptese Snowball Earth

    (Hoffman & Schrag 2002).

    Depsitos sedimentares neoproterozicos autignicos anmalos so tambm os

    dolomitos (Ronov, 1964; Given & Wilkinson 1987, Warren 2000), cuja origem, face ao fato

    de no serem sintetizados em laboratrio, sob as mesmas condies geoqumicas dos

    ambientes marinhos, e praticamente ausncia de formao em ambientes modernos apesar

    da supersaturao em dolomita nas guas marinhas - conhecida como The Dolomite

    Problem (McKenzie 1991). O fato de no se ter exemplos modernos de formao de

    dolomitos, em grande escala, tem sido colocado como um desafio para o princpio

    uniformitarista de que o presente a chave para o passado (Roberts et al. 2004).

    As diferenas marcantes entre a sedimentao carbontica pretrita e moderna j

    eram destacadas na dcada de 1990, quando os sedimentlogos consideravam que o

    uniformitarismo no poderia ser aplicado em muitos aspectos da sedimentao carbontica

    (Tucker & Wright 1990).

    Segundo Neumann & Land (1975), para os calcrios, o princpio do Uniformitarismo

    seria melhor se fosse reescrito como The present is the key to perhaps the Pleistocene.

    Esses autores mencionam ainda que, para as rochas carbonticas, a forma de estudo seria

  • 24

    inversa, ou seja, o passado seria o guia para entendimento de sedimentos mais novos.

    Nessa linha de raciocnio, a anmala concentrao de crostas carbonticas (sea floor

    crusts) e microbialitos precipitados em sucesses carbonticas do final do Permiano, como

    o do complexo recifal de Guadalupe (oeste do Texas, EUA), viria a ser explicada a partir do

    estudo de incrustaes semelhantes mesoproterozicas e das capas carbonticas

    neoproterozicas, uma vez que a idia de crescimento dos recifes, a partir de acreso

    biolgica de formas esqueletais bnticas, no se aplica para esse conjunto permiano

    anmalo, o que requer a busca de anlogos somente encontrados no Pr-Cambriano

    (Grotzinger & Knoll 1995).

    A discusso sobre uniformitarismo na sedimentao carbontica centrada na

    necessidade de conhecer os processos que ocorrem na sedimentao carbontica moderna

    mas tendo em mente as mudanas na evoluo biolgica e geolgica da histria da Terra

    ou, como R. N. Ginsburg afirmou carbonate building are like Shakespeare: the plays go on

    only the actors change. Nessa comparao, deve-se destacar, porm, que o autor fez

    referncia mudana dos agentes biolgicos ao longo apenas do Fanerozico e no do

    Pr-Cambriano, quando no existiam as formas biolgicas esqueletais que tiveram grande

    influncia na sedimentao carbontica e responsveis por mudanas fundamentais entre

    padro de sedimentao carbontica pr-cambriana e fanerozica (Flgel 2004).

    No somente a sedimentao autignica teria sido anmala no Neoproterozico. As

    variaes geoqumicas bruscas e extremas nas guas ocenicas teriam reflexo no registro

    tambm anmalo de istopos de C nos carbonatos precambrianos, em especial os

    neoproterozicos, comparado ao registro fanerozico, ao ponto de virem a ser empregado

    para subdiviso do Neoproterozico (Knoll et al. 2004).

    Em alguns trabalhos, como o de Eriksson et al. (2001) e Donaldson et al. (2002),

    considera-se que a sedimentao pr-cambriana teria ocorrido de maneira uniformitarista,

    porm destacada a ocorrncia de diferenas nas taxas e intensidade dos processos, como

    os que controlam o intemperismo, eroso, transporte, deposio, litificao e diagnese e

    subestimam, apesar de mencionar (Eriksson et al. 2005), a importncia das diferenas na

    sedimentao em funo do predomnio da atividade microbiana e ausncia de bioturbao.

    Nesses trabalhos, o enfoque dado sobre a sedimentao siliciclstica, o que

    justificaria, em parte, a interpretao uniformitarista, contrria a da presente tese. Mas

    mesmo a sedimentao siliciclstica precambriana foi distinta da fanerozica em funo da

    influncia anmala de filmes microbianos sobre os sedimentos siliciclsticos (Shieber 1998;

    2004).

  • 25

    Mesmo no Pr-Cambriano, o tipo predominante de sedimentao carbontica variou

    ao longo do Arqueano, Paleoproterozico e Neoproterozico, o que seria um reflexo das

    variaes tectnicas, mudanas ambientais e evolutivas desde as primeiras acrees

    continentais at o advento das primeiras biomineralizaes (surgimento do esqueleto), ao

    final do Neoproterozico. Carbonatos arqueanos e paleoproterozicos comumente contm

    abundantes precipitados de fundos marinhos, caracterizados pela presena marcante de

    cristais de aragonita, enquanto que os neoproterozicos so predominantemente clsticos

    (aloqumicos), com abundncias de ooid grainstones e mudstones (lamas calcrias) e

    caracterizados pela presena de trombolitos na transio para o Cambriano. Carbonatos

    mesoproterozicos so transicionais entre os dois tipos e marcados pela abundncia das

    enigmticas estruturas molar-tooths. Precipitados aragonticos semelhantes aos cimentos

    marinhos arqueanos, reaparecem no Neoproterozico na forma de capas carbonticas, em

    condies interpretadas como ps-glaciais (Hoffman & Schrag 2002).

    As mudanas de tipo de sedimentao carbontica fanerozica tambm so

    abruptas e marcadas claramente por pulsos evolutivos de organismos secretores de

    carbonatos, como a radiao ordoviciana e surgimento de seres planctnicos esqueletais no

    Jurssico, porm a intensidade dessas mudanas aparenta no ser to contrastante quanto

    as observadas no Pr-Cambriano (Grotzinger & James 2000).

    Apesar dessa perspectiva no-uniformitarista, no se pode negar o progresso no

    entendimento da autignese obtido a partir do estudo de ambientes modernos para a

    formao de dolomitos, como o estudo da Lagoa Vermelha no Rio de Janeiro, Brasil

    (Vasconcelos et al. 1995) e da Lagoa Coorong na Austrlia (Wright 2000) e de atividades

    microbianas em fontes termais modernas para entendimento da origem de formaes

    ferrferas bandadas (Konhauser 2000).

    Os modelos anlogos acima so, porm, restritos e localizados, de tal forma que os

    estudos de sedimentao autignica tm por base ainda a investigao das prprias

    sucesses neoproterozicas, considerado ainda o nico caminho vivel para entendimento

    de processos que se modificaram atravs do tempo ou que foram nicos na histria da

    Terra (Grotzinger & James, 2000).

  • 26

    1.3. Objetivo

    O objetivo desta tese o estudo da sedimentao autignica marinha

    neoproterozica, com base nos recentes modelos e aplicao dessas hipteses na

    investigao de unidades da Faixa Paraguai Meridional e cobertura cratnica, com estudo

    tambm da origem das mineralizaes associadas, como dolomitos, fosforitos e formaes

    ferferas.

    1.4. Materiais e mtodos

    Grande parte desse trabalho uma sistematizao das informaes recentemente

    produzidas e hipteses formuladas para as mudanas globais neoproterozicas, para as

    quais os sedimentos autignicos, tais como os carbonatos, formaes ferrferas e fosforitos

    tm siginificativa importncia ao registrarem as modificaes biogeoqumicas nas guas dos

    oceanos.

    A elaborao da tese teve por base o estudo dos modelos vigentes de sedimentao

    marinha autignica de carbonatos, em especial capas carbonticas, dolomitos, fosforitos e

    formaes ferrferas e comparao com as informaes sedimentolgicas, principalmente

    petrogrficas, e de istopos de C e O para as unidades estratigrficas da Faixa Paraguai e

    cobertura cratnica, predominantemente em sua poro meridional. Grande parte das

    informaes sistematizadas est relacionada a trabalhos desenvolvidos pelo autor

    juntamente com alunos de graduao e ps-graduao em parte j apresentados em

    eventos cientficos e artigos publicados, acrescidas de resultados e interpretaes inditos.

    Os mtodos empregados consistiram, alm da pesquisa bibliogrfica, do

    levantamento de sees estratigrficas com coleta de amostras para estudos petrogrficos e

    anlises de istopos de C e O realizadas no Laboratrio NEG-LABISE da UFPE e no

    laboratrio de Istopos Estveis do CPGeo do Instituto de Geocincias da USP, cuja

    descrio dos mtodos analticos empregados so os mesmo descritos em Boggiani et al.

    (2010).

  • 27

    2. Sedimentao autignica no Neoproterozico

    O estudo paleontolgico da transio do Neoproterozico com o Fanerozico tem

    demonstrado que num curto intervalo de tempo, inferior a 50 Ma, ocorreu o surgimento dos

    metazorios, seguido de bruscas e explosivas modificaes faunsticas, com amplo

    desenvolvimento de animais com esqueleto (Brasier & Callow 2007). O que chama a

    ateno para este intervalo de tempo que, alm das modificaes nas biotas, elas

    ocorreram aps 4 bilhes de anos de extrema monotonia evolutiva, com predomnio apenas

    de formas microbianas, notadamente procariontes microscpicos unicelulares e coloniais,

    tais como cianobactrias, acritarcas e microalgas (Knoll & Bambach 2000).

    A intensificao dos estudos de unidades neoproterozicas, principalmente as que

    abrangem a transio com o Fanerozico, resulta principalmente da tentativa de se explicar

    o surgimento e extino de grupos faunsticos to distintos e diversificados como a Fauna

    de Ediacara, os pequenos fsseis esqueletais do Tommotiano, e a Exploso Cambriana, a

    partir da qual, ao longo do Fanerozico, no surgiu nenhum novo filo animal. Desse estudos,

    vem surgindo a formulao de hipteses, como as de glaciaes globais, as quais poderiam

    ter funcionado como filtros ambientais da evoluo ou gargalos evolutivos (Runnegar 2000).

    Os sedimentos autignicos carbonticos tm recebido especial ateno em funo

    de registrarem as modificaes nos ciclos biogeoqumicos, com interesse primordial na

    investigao das variaes dos istopos de C e de Sr. De uma certa forma, as bruscas

    mudanas ambientais ocorridas, principalmente no Ediacarano, teriam reflexo na

    sedimentao autignica atpica que caracteriza esse perodo.

    A facilidade relativa de obteno de valores de istopos de C e O de rochas

    carbonticas possibilitou ampla aplicao ao longo de sucesses carbonticas, ao ponto de

    vir a ser um dos critrios para delimitao da base do perodo Ediacarano (Knoll et al. 2004).

    Estudos mais refinados de outros istopos, como de S, Ca e Mo, e investigaes de

    elementos de terras raras ETR tm possibilitado tambm novas interpretaes

    paleoambientais sobre as condies geoqumicas dos oceanos precambrianos.

    Entre os modelos apresentados para o Neoproterozico, principalmente na tentativa

    de explicar as mudanas faunsticas ocorridas antes da diversificao cambriana, o que

    mais tem sido discutido o do Snowball Earth, originalmente proposto por Kirschvink (1992),

    e posteriormente detalhado e difundido por Hoffman et al. (1998) e Hoffman & Schrag

    (2002).

  • 28

    Com base na teoria do Snowball Earth, a concentrao das massas continentais na

    faixa do Equador, com a formao do Rodnia no incio do Neoproterozico, teria propiciado

    a intensificao dos processos de intemperismo. O aumento do intemperismo teria

    conduzido diminuio da taxa de dixido de carbono na atmosfera e conseqente

    diminuio da temperatura global (Hoffman & Schrag 2002).

    Evidncias paleomagnticas (Evans 2000, Trindade & Macouin 2007), em especial

    na Formao Elatina, na Austrlia (Sohl et al. 1999), no deixam dvidas quanto

    ocorrncia de glaciaes de baixas latitudes, porm se essas chegaram a cobrir totalmente

    o planeta o que tem sido mais debatido, com surgimento de hiptese alternativa, segundo

    a qual, uma faixa no equador teria permanecido sem gelo, denominada como Slushball

    Earth (Hyde et al. 2000, Kaufman 2007).

    H ainda o questionamento se realmente as glaciaes seriam globais, com a

    interpretao alternativa de que os diamictitos interpretados como glaciais seriam produto de

    fluxos gravitacionais sem influncia de glaciao (Eyles & Januszczak 2004, 2007).

    A intensa dinmica geotectnica do Neoproterozico (Torsvik et al. 1996) teria sido

    tambm responsvel por mudanas nos padres das correntes ocenicas, com a possvel

    alternncia entre perodos de estagnao e de circulao ocenica. Durante o perodo de

    estagnao haveria estratificao das guas ocenicas e separao de pores anxicas

    profundas de pores oxigenadas, restritas s zonas fticas. Nos perodos de vigorosas

    circulaes ocenicas, haveria o desenvolvimento intenso de ressurgncias marinhas -

    upwellings (Kaufman & Knoll 1995, Kaufman et al. 2003, Grotzinger & Knoll 1995), das quais

    teriam sido originados depsitos de rochas fosfticas, como as do Grupo Corumb (Boggiani

    et al. 1993), e formaes ferrferas bandadas, como as do Grupo Jacadigo e as associadas

    Formao Puga (Piacentini et al. 2007).

    No Neoproterozico, tem sido tambm registrado a formao anmala de dolomitos

    com evidncias sugestivas de formao primria, relacionada a processos organognicos, o

    que demonstra certa interrelao entre esses diversos sedimentos autignicos, ou seja,

    carbonatos, fosforitos e formaes ferrferas, os quais podem relacionados a processos

    glaciais globais como a intensos processos de rifteamento que teriam marcado a segunda

    metade do Neoproterozico, na transio com o Fanerozico.

    Segue discusso conceitual sobre os principais tipos de sedimentao autignica

    abordados na presente tese, a fim de oferecer um contexto inicial mais geral, com retomada

    de discusso mais aprofundada e especfica nos itens relativos aos depsitos estudados na

    Faixa Paraguai Meridional e respectiva cobertura cratnica.

  • 29

    2.1. Formaes ferrferas

    As formaes ferrferas, em especial as bandadas (BIFs), com a caracterstica

    alternncia de camadas ricas em ferro (hematita ou magnetita) e slica (chert) tm sido,

    entre os demais sedimentos autignicos, os mais enigmticos e de difcil entendimento

    gentico, apesar de sua ampla utilizao como recurso mineral.

    Apesar das inmeras controvrsias quanto gnese, algumas caractersticas em

    comum podem ser traadas: 1) as formae ferrferas so mais abundantes no intervalo de

    2,5 a 1,8 Ga (Paleoproterozico) e aparecem novamente apenas no neoproterozico; 2)

    existem claras diferenas entre as formaes ferrferas arqueanas-paleoproterozicas e as

    neoproterozicas, o que sugere diferenas no processo sedimentar e na fonte do Fe, com

    tendncia generalizada de associar as neoproterozicas a glaciaes ou a eventos

    hidrotermais, associados sejam a rifteamentos sejam a maior atividade de plumas

    mantlicas.

    Existem ocorrncias de formaes ferrferas no Paleozico, mas essas so menos

    abundantes e geralmente ocorrem na forma de ooids e associados a glauconita (Van

    Houton & Bhattacharyya 1982), como as descritas na Bacia do Parnaba e Amazonas em

    unidades do Devoniano Mdio, em especial na Formao Pimenteiras da Bacia do Parnaba

    (Dardenne & Schobbenhaus 2001).

    H registros de formaes ferrferas relativamente muito antigas, como as de Isua no

    Oeste da Groenlndia, com 3,8 Ga, e as presentes em crtons arqueanos, em intervalos de

    3,5 a 2,5 Ga. No entanto, no intervalo de 2,5 a 1,8 Ga que se concentram os principais

    depsitos, como os da Bacia de Hamersley do Oeste da Austrlia (Klein 2005), alm dos

    depsitos neoproterozicos, entre os quais se destacam os de Rapitan (Canad) os da

    Plataforma de Yangtze (China) e os do Grupo Jacadigo (Macio de Urucum, Mato Grosso

    do Sul), estudados na presente tese (figura 1).

    As formaes ferrferas mais antigas so as relacionadas aos greenstones belts, as

    quais tendem a ser relativamente menos espessas e lateralmente restritas e geralmente

    associadas a vulcanismo, identificadas como do Tipo Algoma, na classificao de Gross

    (1980). Os depsitos de ferro gigantes, como os de Hamersley (Austrlia), Formao

    Kuruman Iron Supergrupo Transvaal (frica), Formao Mulaingiri Bacia Bababudan

    (ndia), Formao Cau - Grupo Itabira (Quadriltero Ferrifero) e Formao Carajs (Grupo

    Gro Par) teriam se formado ao redor de 2,6 Ga. Esses so conhecidos como formaes

    ferriferas gondwnicas, os quais se contrapem a um grupo relativamente mais novo,

    representado pelas formaes ferrferas de Circum-Ungava do Canad e EUA, nas quais se

  • 30

    inserem as do Lago Superior, caracterizadas pela predominncia de tipos granulares

    (granular iron formations - GIFs) (Trendall, 2002, Trendall & Blockley 2004).

    As formaes ferrferas gondwnicas e as do Circum-Ungava (Canad e EUA) so

    relativamente maiores e mais extensas em rea, e geralmente classificadas como do tipo

    Lago Superior e no teriam relaes diretas e claras a eventos vulcnicos, como observado

    nas mais antigas, arquenas e paleoproterozicas (tipo Algoma). As do tipo Lago Superior

    estariam relacionadas a ambientes plataformais estveis e associadas a dolomitos,

    quartzitos e folhelhos pretos.

    Aps 1,8 Ga no h registro siginificativo de formaes ferrferas, o que vem a

    ocorrer apenas ao final do Neoproterozico.

    Abundncia

    re lativa

    dos depsitos

    com

    referncia ao

    volum e

    de Ham ersley

    Isua

    Grupo

    N ova Lim a

    C arajs Grupo

    Itabira

    H am ersley

    S upergrupo

    Transvaal

    Lago

    S uperior

    Grupo Jacadigo

    (U rucum )

    Grupo

    R apitan D epsito de S o M anoel

    Form ao P uga

    4,5 4,0 3,0 2,5 2,0 1,0 0,5 0

    Tem po (Ga)

    Figura 1. Distribuio dos depsitos de formao ferrfera no Pr-Cambriano com abundncia relativa estimada com base no volume de Hamersley (organizado por Piacentini et al. 2007 a partir de Klein 2005 e Trendall 2002).

    As formaes ferrferas neoproterozicas teriam tido origem distinta das do final do

    Arqueano e incio do Paleoproterozico, mas o que chama ateno o fato de no se ter

    registro desses depsitos aps 1,8 Ga e os mesmos virem a ser encontrados apenas ao

    final do Neoproterozico, em sucesses possivelmente glaciognicas, o que tem conduzido

    construo de modelos associados a mudanas climticas globais, entre elas a do

    Snowball Earth.

    No modelo clssico para origem das formaes ferrferas de Cloud (1968, 1973), a

    precipitao de ferro teria ocorrido a partir do aumento progressivo de oxignio atravs da

    atividade fotossintetizante de cianobactrias, at atingir o nvel mximo de oxigenao.

    Pensava-se, tambm, ser a fonte do ferro dissolvido nas guas ocenicas a eroso das

  • 31

    reas emersas. Posteriormente, com a descoberta de sistemas hidrotermais de fundo

    ocenico, ao final da dcada de 1970, passou-se a considerar as guas ocenicas

    profundas como principal fonte do ferro (Isley 1995).

    Estudos desenvolvidos posteriormente na Bacia Animikie, na regio do Lago

    Superior (formaes ferrferas Gunflint e Biwabake), estudados anteriormente por Preston

    Cloud (Cloud 1968), demonstraram que as formaes ferrferas ali presentes originaram-se

    aps o mximo evento de oxidao, tido como ocorrido por volta de 2,4 Ga (Bekker et al,

    2004) e que a precipitao de ferro teria ocorrido pela atividade de bactrias ferro-oxidantes

    e no pela produo de oxignio gerado pela fotossntese realizada por cianobactrias,

    como interpretado originalmente.

    Outra questo ainda controvertida a respeito da origem do ferro das formaes

    ferrferas, para a qual quatro hipteses so colocadas: poeira trazida por tempestades de

    vento, ferro dissolvido nos continentes e carregado pelos rios at os mares, fontes

    vulcnicas nas proximidades e, por fim, o prprio oceano (Trendall & Blockley 2004). As

    duas primeiras hipteses tm sido descartadas, em funo da ausncia de evidncias

    conclusivas e a origem vulcnica tem sido colocada apenas como possvel para alguns

    depsitos, como o de Hamersley (Austrlia), sem nenhuma comprovao direta, apenas a

    presena de anomalias positivas de Eu (Klein 2005, Trendall & Blocley 2004), o que coloca

    como possibilidade mais provvel a origem ocenica, mas com inlfuncias hidrotermais.

    Beukes & Gutzmer (2004) caracterizam as formaes ferrferas como depsitos de

    plataformas famintas formados durante grandes transgresses e cujo suprimento de ferro e

    slica deve ter sido controlado pelo aumento da atividade de plumas hidrotermais. Desse

    modo, a escassez de formaes ferrferas em seqncias mais jovens que 1,8 Ga seria

    conseqncia de uma menor atividade de plumas hidrotermais, cada vez mais restritas aos

    ambientes marinhos profundos, em funo do contnuo espessamento da crosta, o que

    poderia ser uma explicao para ausncia de formaes ferrferas no Fanerozico.

    Existe uma tendncia de relacionar os BIFs arqueanos-paleoproterozicos a

    sistemas hidrotermais, enquanto os neoproterozicos teriam maior afinidade com as guas

    ocenicas. No se descarta, porm, a contribuio hidrotermal para as ferrferas

    neoproterozicas, mas essa seria indireta, com contribuio relativamente mais distante do

    stio deposicional. Essas interpretaes tm por base a presena de anomalia positiva de Eu

    nos primeiros e ausncia dessa anomalia nos neoproterozicos (Klein 2005), acompanhada

    pela diminuio do teor de Ni (Pecoits et al. 2009). Foi formulada tambm a hiptese de

    origem diferenciada para a Si e o Fe, com base em estudos geoqumicos de testemunhos

  • 32

    de sondagem de Hamersley, onde a slica seria derivada do intemperismo das massas

    continentais e o Fe de origem hidrotermal (Hamade et al. 2003).

    Formaes ferrferas bandadas (BIF) de idade neoproterozica tm sido descritas,

    geralmente associadas a depsitos glaciognicos, como as do Grupo Rapitan, no noroeste

    canadense, (Young, 1976), Grupo Umberatana, no cinturo Adelaide, no sul da Austrlia

    (Trendall, 1973), Supergrupo Damara da Nambia (Beukes, 1973), Supergrupo Hufq em

    Oman (Kilner et al. 2005) e as do Grupo Jacadigo, no Macio de Urucum (Urban et al.

    1992), entre outros (Klein & Beukes 1993, Klein 2005, Trendall 2002), o que tem sido

    utilizado como evidncia da Hiptese Snowball Earth (Kirschvink 1992, Klein & Beukes

    1993; Hoffman et al. 1998).

    Na Amrica do Sul, os BIFs neoproterozicos mais conhecidos so os do Grupo

    Jacadigo no Macio de Urucum, mas h meno de ocorrncias em outras localidades na

    poro norte da Faixa Paraguai e no Uruguai, nas unidades siliciclsticas inferiores do

    Grupo Arroyo Del Soldado (Gaucher et al. 2003, 2004), onde no foram observadas

    evidncias de sedimentao glacial.

    Possvel modelo anlogo moderno para origem das formaes ferrferas bandadas

    foi apresentado por Konhauser (2000), relacionado a fontes termais e vents submarinos,

    onde foram observadas concentraes microbianas com incrustaes de minerais de ferro e

    slica, o que conduz interpretao de que a atividade microbiana teria papel preponderante

    como stios de nucleao para as mineralizaes primrias de ferro e slica. No Arqueano e

    Paleoproterozico, a atividade biolgica seria restrita s margens planas dos

    microcontinentes, onde os microorganismos cresciam na forma de esteiras bnticas, sendo

    provalmente mais populosas em reas de ressurgncia marinha ou de plumas hidrotermais.

    Sob presena de ferro dissolvido e demais nutrientes, haveria a formao de hidrxidos de

    ferro e sob condies empobrecidas de ferro dissolvido, devido a sua precipitao, ocorreria

    a preciptao de slica amorfa sob condies evaporticas. Com base em valores de

    istopos de C relativamente muito negativos ( 13CPDB entre 2,8 e 19,8 0/00) de

    carbonatos intercalados aos BIFs do Grupo Hamersley (Austrlia), Baur et al. (1985)

    interpretaram que teria ocorrido intensa atividade de fermentao metablica de

    microorganismos e La Berge (1973) identificou como possveis estruturas orgnicas a

    concentrao de estruturas esfricas com dimetros entre 5 e 40 m em formaes

    ferrferas e que o tpico aspecto bandado seria resultado de alterao diagentica posteior.

  • 33

    No Mar Vermelho, tm sido observadas exalaes hidrotermais com altas

    concentraes de ferro dissolvido que rapidamente oxidado, resultando em preciptados

    oxidados de ferro em sedimentos proximais (Pecoits et al. 2009).

    Estudos desenvolvidos por Freitas (2010) sobre o Grupo Jacadigo, sob orientao do

    autor desta tese, tm demonstrado a possibilidade da gnese das formaes ferrferas ali

    presente serem relacionadas apenas a atividade hidrotermal, como j mencionado por

    Dardenne (1988), o que estaria associado evoluo da bacia rifte e no necessariamente

    associada a eventos glaciais, como discutido adiante.

    2.2. Fosforitos

    Uma das caractersticas dos depsitos de fosforitos tambm sua ocorrncia

    episdica no tempo geolgico (Cook & McElhinny 1979, Glen et al. 1994; Compton et al.

    2000), geralmente relacionadas a glaciaes e eventos orogenticos, aos quais estaria

    associado o aumento do aporte de fsforo dissolvido para os oceanos atravs dos rios.

    Outra caracterstica a freqente associao com rochas carbonticas, em especial

    dolomitos, na forma de intercalaes ou alternncia de camadas, o que sugere variaes

    bruscas nas condies ambientais, ora propcias s rochas carbonticas e ora aos fosforitos

    (Lucas & Prvt-Lucas 2000).

    A maioria dos depsitos de fosfato sedimentar ocorrem na transio do Pr-

    Cambriano para o Cambriano (Cook & Shergold 1986, Notholt et al. 1989, Shields et al.

    2000), com uma fase fosfognica associada com a Glaciao Sturtiana (Criogeniana

    Inferior) ou posterior (Shergold & Brasier 1986), tendo como exemplos os depsitos na

    Austrlia e os de Irec no Brasil (Misi & Kyle 1994). Outra fase mais expressiva estaria

    associada a eventos ps-marinoanos (Crigeniana Superior), como os depsitos da

    Formao Doushantuo na China, ou mesmo os da Formao Bocaina (Grupo Corumb),

    discutidos na presente tese, e uma terceira fase associada ao Cambriano, sem relao

    direta com eventos glaciais.

    Os trs eventos fosfogenticos apontados para o intervalo do final do

    Neoproterozico e Cambriano encontram-se tambm relacionados a fases de elevao dos

    valores de razes de Sr observadas nos carbonatos marinhos (Shields et al. 2000). As

    elevaes dos valores das razes de Sr estariam associadas ao aumento dos processos

    erosivos nos continentes, o que poderia ser causado pela formao de cadeias de

    montanhas, associadas a eventos de aglutinao continental, ou a perodos ps-glaciais, o

    que explicaria tambm o aumento de aporte de fsforo dissolvido para os oceanos.

  • 34

    Por outro lado, o carter episdico dos depsitos de fosfato tem sido relacionado no

    apenas a variaes do aporte de fsforo dissolvido nos oceanos, mas tambm a mudanas

    episdicas na conjuno de fatores locais que teriam favorecido as complexas e restritas

    condies ambientais necessrias formao de fosforitos (Lucas & Prvt-Lucas 2000).

    A associao de processos de fosfognese a zonas de correntes marinhas

    ascendentes (upwellings), originalmente proposto por Kazakov (1937), tem por base a

    presena de ndulos fosfticos modernos na costa do Peru e Chile (Burnett 1977) e da

    Nambia (Baturin 2000). Atravs de correntes marinhas ascendentes, guas profundas frias

    e ricas em fosfato dissolvido atingem zonas mais rasas, onde a precipitao de apatita e de

    outros minerais de fosfato se daria atravs de complexos processos sedimentares e

    diagenticos, geralmente associados presena abundante de matria orgnica e intensa

    atividade microbiana (Lucas & Prvt-Lucas 2000).

    A presena de microbialitos fosfticos foi descrita em unidade proterozica da ndia,

    na regio de Udaipur (Banerjee 1971, 1986, Chauchan 1978), atribuda substituio

    progressiva dos carbonatos por fosfato. No Brasil, foram identificadas jazidas de fosfato

    associadas a estromatlitos fosfticos do Grupo Una em Irec - Bahia (Bonfim 1986) e as

    ocorrncias de fosforitos da Formao Bocaina (Grupo Corumb) tambm se encontram

    associadas a estromatlitos.

    Misi & Kyle (1994), em estudos sobre os fosforitos estromatolticos de Irec (Bahia),

    do Grupo Una, demonstraram, com base em estudos petrogrficos e isotpicos, que estes

    sedimentos sofreram complexa evoluo diagentica e que as concentraes primrias de

    fosfato formaram-se durante o primeiro estgio da diagnese, antes da dolomitizao.

    Relacionaram as concentraes primrias de fosfato a processos biognicos em ambientes

    anxicos, porm no encontraram evidncias que possibilitassem identificar se a apatita

    teve origem primria ou se formou por substituio do carbonato preexistente.

    Na tentativa de entender a freqente associao entre sedimentos carbonticos e

    fosforitos, estudo realizado por Lucas & Prvt-Lucas (2000) demonstrou que os dois

    processos genticos so independentes mas complementares. Os processos de

    sedimentao carbontica e fosftica no seriam competitivos entre si, em virtude de no

    dependerem do mesmo material de origem, e tambm por no ocorrerem na mesma fase do

    ciclo sedimentar. A alternncia dos tipos de sedimentos seria resultado das mudanas de

    tipo dominante de bioprodutividade na coluna de gua, onde a precipitao da calcita e

    aragonita seria resultado de processos bioinduzidos enquanto que a apatita resultaria da

  • 35

    formao associada a lenta degradao microbiana da matria orgnica nos sedimentos,

    processo esse que ocorreria alguns centmetros abaixo da interface sedimento/gua.

    Apesar de tanto a calcita como a apatita serem minerais que se formam por efeito da

    atividade biolgica, os processos de formao so distintos, o que explicaria a ausncia de

    apatita disseminada nos carbonatos. A explicao para a alternncia entre formao de

    calcita e apatita estaria relacionada a modificaes no aporte de nutrientes, ora favorecendo

    a proliferao de organismos responsveis pela preciptao de calcita, ora favorecendo a

    acumulao de matria orgnica, a qual seria necessria para formao posterior da apatita,

    aps a degradao da matria orgnica.

    2.3. Sedimentao carbontica no Neoproterozico

    Marcantes diferenas so constatadas se compararmos a sedimentao carbontica

    neoproterozica com a arqueana e paleoproterozica, mas as diferenas so relativamente

    maiores quando comparadas com a fanerozica. Destaque dado pela presena das capas

    carbonticas e abundncia de dolomitos nas sucesses neoproterozicas, alm de

    marcantes e bruscas variaes nos valores de istopos de C.

    Carbonatos arqueanos e paleoproterozicos comumente contm abundantes

    precipitados de fundo marinho (sea-floor precipitates), enquanto que o registro

    neoproterozico dominado por fcies de texturas clsticas e abundncia de mudstones,

    tendo os carbonatos mesoproterozicos como formas transicionais entre os dois tipos.

    Apesar da predominncia de termos clsticos no Neoproterozico, destaca-se a ocorrncia

    anmala de capas carbonticas, as quais, de uma certa forma, seriam semelhantes aos

    sea-floor precipitates arqueanos, com seus cristais arborecentes de aragonita (Grotzinger &

    James 2000).

    Outra diferena apontada seria no tipo de textura das laminaes de estromatlitos o

    que aponta para distintos processos de formao. Nos estromatlitos arqueanos e

    mesoproterozicos, predominam texturas relacionadas a precipitao in situ de aragonita e

    incrustaes calcticas. J nos estromatlitos neoproterozicos, predominam texturas

    microbianas de aprisionamento e cimentao de sedimentos inconsolidados. Essas

    diferenas so interpretadas como reflexo do decrscimo de fatores abiticos e

    concomitante aumento da atividade de esteiras microbianas no controle do crescimento

    estromatoltico o que daria lugar, ao final do Neoproterozico, a ocorrncia de trombolitos

    (formas estromatolticas grumosas, sem laminao interna) associados aos primeiros

    metazorios com esqueletos carbonticos - Cloudina e Nammacalatus (Grotzinger & James

    2000).

  • 36

    A expanso evolutiva de seres planctnicos com esqueletos carbonticos no

    Fanerozico teria sido uma das principais causas de modificao na sedimentao

    carbontica e, consequentemente, no ciclo geoqumico do Carbono (Ridgwell et al. (2003).

    No Pr-Cambriano, a sedimentao carbontica era essencialmente nertica,

    associada atividade de seres microbianos que viviam restritos zona euftica (em

    profundidades inferiores a 100 m) das plataformas continentais. Com o rebaixamento do

    nvel do mar em uma centena de metros, possivelmente devido s glaciaes, haveria

    apenas uma estreita faixa de plataforma sob condies fticas, o que teria restringido a

    sedimentao carbontica por parte dos microorganismos bentnicos. Sob essas condies,

    o rebaixamento do nvel do mar teria conduzido saturao das guas neoproterozicas em

    carbonato dissolvido, ao contrrio do que deveria acontecer no Fanerozico quando, aps o

    surgimento dos foraminferos e demais organismos com esqueletos, a diminuio da

    sedimentao carbontica nertica seria compensada pela sedimentao pelgica,

    relacionada ao acmulo das carapaas carbonticas dos organismos planctnicos (figura 2).

    A drstica reduo da sedimentao carbontica, com a diminuio do nvel do mar

    durante as glaciaes, poderia ser tambm, ao mesmo tempo, causa e efeito da severidade

    das glaciaes neoproterozicas (Ridgwell et al. 2005). Por outro lado, a ausncia ou

    presena restrita de glaciaes antes do Neoproterozico seria explicada pela inexistncia

    de situao fisiogrfica no globo terrestre como um todo, que gerasse brusca mudana no

    padro de sedimentao carbontica como resposta a qualquer incio de rebaixamento do

    nvel do mar. No Mesoproterozico, no teriam existidos as inmeras reas plataformais ao

    redor de massas continentais, o que teria ocorrido apenas no Neoproterozico.

    Nesse modelo reforada a relao da supersaturao em carbonato de clcio da

    gua dos oceanos ao rebaixamento global relativo do nvel do mar e no a intensa lixiviao

    dos continentes sob atmosfera de efeitos estufa (greenhouse), imediatamente aps os

    perodos glaciais, como causa da formao das enigmticas capas carbonticas, como

    porposto por Hoffman et al. (1998).

  • 37

    A re a in ic ia l d e d e p o s i o

    e m g u a s ra s a s

    o c e a n o a b e rto

    in te m p e ris m o

    p la ta fo rm a

    s o te rra m e n to

    n e rtic o

    s o te rra m e n to d e Ca CO

    e m m a r p ro fu n d o

    3

    se

    dim

    en

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    1 0 0 m

    l is o cl in a

    r ic o e m C a C O 3

    p o b re e m C a C O 3

    C

    o c e a n o a b e rto

    in te m p e ris m o

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    n e rtic o

    1 0 0 m

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    B re a d e d e p o s i o

    re d u zid a e m g u a s ra s a s

    in te m p e ris m o

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    n e rtic o

    s o te rra m e n to d e Ca CO

    e m m a r p ro fu n d o

    3

    l is o cl in a

    1 0 0 m

    q u e d a n o

    n v e l d o m a r

    Potenciais estados iniciais do sistem a no N eoproterozico

    in te m p e ris m o

    s o te rra m e n to

    n e rtic o

    a m b ie n te s d e d e p o s i o e m

    g u a s ra s a s m a is e x te n s o s

    (m a re s in tra c ra t n ic o s , b a c ia s tip o ) r ift

    D

    R esposta m oderna do sistem a a quedas no nvel do m ar

    Figura 2 Esquema da sedimentao carbontica carbontica moderna comparado com o do Pr-Cambriano onde, no primeiro caso (A e B), a reduo do nvel do mar no implica diminuio da acumulao de carbonato de clcio, compensada pelo acmulo das carapaas dos organismos planctnico. J no Pr-Cambriano (C e D), o rebaixamento do nvel do mar implica diminuio das zonas nerticas e, na ausncia de organismos planctnicos, ocorreria supersaturao em carbonato das guas ocenicas (extrado de Ridgwell et al. 2003).

  • 38

    2.3.1. Capas carbonticas

    A presena de rochas carbonticas sobre diamictitos sempre foi uma questo

    intrigante entre os pesquisadores que trabalhavam com sucesses pr-cambrianas e

    documentadas em diversas regies do globo terrestre (Schermerhorn, 1974; Deynoux &

    Trompette 1976, Williams 1979, Walter & Bould 1983, Tucker 1986b).

    Tal fato conduziu ao questionamento da origem glacial da maioria destes depsitos,

    os quais foram interpretados sob o contexto de sedimentao de tectnica ativa, associados

    a fluxos gravitacionais de sedimentos em bacias do tipo rifte (Schermerhorn 1974, Hambrey

    & Harland 1985), resultantes de retrabalhamento de depsitos carbonticos pr-glaciais

    (Fairchild 1993), e at mesmo a possibilidade dos diamictitos terem sido originados a partir

    de impactos de meteoritos (Oberbeck et al. 1993).

    Mas a possibilidade das capas recobrirem depsitos glaciais demonstraria que

    seriam registro de bruscas mudanas ambientais (Williams 1979) e at a base para a

    comprovao da hiptese Snowball Earth (Kirschvink 1992, Hoffman et al. 1998).

    Os carbonatos que recobrem diamictitos receberam denominaes diversas, tais

    como cap dolostone (Williams 1979), pink-dolomites, tepee dolomites, e geralmente

    apresentam cores avemelhadas e caractersticas sedimentolgicas semelhantes, como

    cristais arborescentes de calcita (pseudomorfos de aragonita), laminaes milimtricas, por

    vezes fenestrais, estruturas que lembram tepees, estromatlitos, estruturas tubulares

    (tubestones), presena de barita, textura peloidal e marcante ritimicidade (Peryt et al. 1990,

    Fairchild 1993, Kennedy 1996, James et al. 2001, Hoffman & Schrag 2002, Nogueira et al.

    2003).

    As capas carbonticas so tambm caracterizadas pela presena de valores

    negativos de istopos de C, geralmente com valores de 13CPDB ao redor de 5 0/00.

    A distribuio das capas carbonticas entre as mais diferentes sucesses

    neoproterozicas e reunio de distintas e atpicas caractersticas sedimentares indicam que

    esses carbonatos representam conjuno de circunstncias globais no usuais, que teriam

    levado supersaturao em carbonato de clcio das guas ocenicas. Hipteses

    formuladas agrupam-se na interpretao de congelamento seguido de rpido

    descongelamento do planeta (hipteses Snowball Earth - Hoffman & Schrag 2002, ou

  • 39

    Slushball Earth - Kaufman 2007) ou por intenso e rpido descongelamento de clatratos

    metano congelado (Kennedy et al. 2001b, Jiang et al. 2003).

    As capas carbonticas so restritas s sucesses glaciais neoproterozicas, por sua

    vez amplamente distribudas por todos os continentes na sua configurao atual (Evans,

    2000), no sendo encontradas nos raros registros glaciais paleoproterozicos, como o da

    Formao Gowganda (2,3 Ga) do Canad (Young & Nesbitt, 1999) e nem nas unidades

    glaciais fanerozicas. J depsitos semelhantes so observados em sucesses arqueanas

    e paleoproterozicas, como os precipitados radiais de aragonita dos Subgrupos

    Campbellrand-Malmani da frica do Sul (Sumner & Grotzinger 2000).

    Dada a ampla interpretao da origem ps-glacial e seu carter global, a base da

    capa carbontica da Formao Nuccaleena (Enorama Creek Section - Flinders Range, Sul

    da Austrlia) foi definida pela IUGS como GSSP Global Stratotype Section and Point do

    Perodo Ediacarano, criado em 2004 (Knoll et al. 2004). A escolha do registro de um evento

    climtico/geoqumico para marcar a base de um perodo, ao invs de registro fossilfero,

    como tem sido a prtica para a subdiviso do Fanerozico, deve-se escassez de registro

    fossilfero do Pr-Cambriano e ao fato de no se ter ainda uma idade precisa para a primeira

    ocorrncia conhecida de fsseis da Fauna de Ediacara. Apesar de existirem controvrsias

    quanto ao tipo de processo que teria dado origem excurso negativa de valores de

    istopos de C das capas carbonticas (Hoffman & Schrag 2002, Jiang et al, 2003), existe

    relativa unanimidade de seu carter global relacionado a registro de rpida deglaciao.

    2.3.1.1. Pseudomorfos de aragonita

    Estrutura marcante das capas carbonticas so as arborescncias de pseudomorfos

    de aragonita, as quais tm como exemplo brasileiro as observadas em abundncia na capa

    carbontica da Mina Sambra em Sete Lagoas (MG), estudadas em detalhe, inicialmente, por

    Peryt et al. (1990).

    As estruturas arborescentes da Mina de Sambra (figura 3) foram originalmente

    interpretadas como cristais de gipsita calcitizados (Cassedane, 1984), porm as

    investigaes petrogrficas de Peryt et al. (1990) demonstraram que se tratava,

    originalmente, de cristais de aragonita fibrosa que foram substitudos por calcita,

    interpretao reforada pela presena de teores elevados de Sr (ao redor de 3 000 ppm),

    que teriam precipitado diretamente da gua do mar. J sob influncia da hiptese Snowball

    Earth, esses carbonatos foram interpretados como capa por Kaufman et al. (2001) e Vieira

  • 40

    et al. (2007) e datados, pelo mtodo Pb-Pb, em 740 Ma (Babinski et al. 2007). Esta capa

    posiciona-se na base da Formao Sete Lagoas (Grupo Bambu) e no foi observado seu

    contato inferior, sendo apenas suposta a ocorrncia de diamictitos do Grupo Jequita,

    atribudos Glaciao Criognica Inferior (Sturtiana).

    Depsitos semelhantes, de idade arqueana, so observados nos subgrupos

    Campbellrand-Malmani da frica do Sul, nos greenstones belts Belingwe e Bulawayo

    (Zimbaue) e no Grupo Steeprock (Ontrio, Canad), entre outros, associados a

    estromatlitos (Sumner & Grotzinger (2000). Curiosamente, os primeiros estudos desses

    leques de cristais levaram a interpretao de constiturem pseudomorfos de gipsita,

    associados a ambientes evaporticos. A ausncia de evidncia de outras formas

    evaporticas, presena de elevados teores de Sr (acima de 3 000 ppm) e caracterizao

    petrogrficas conduziram a reinterpretao como pseudomorfos de aragonita.

    A reinterpretao desses depsitos como sendo originalmente de aragonita (Sumner

    & Grotzinger 2000, Winefield 2000) foi fundamental para a formulao de novos modelos de

    composio qumica dos oceanos arqueanos, uma vez que se os cristais fossem

    originalmente de gipsita, o teor de HCO3- teria que ser inferior a duas vezes o teor de Ca2+,

    para que ocorresse disponibilidade de clcio para formao dos cristais de sulfato de clcio.

    Por outro lado, a abundncia de cristais de aragonita implica oceanos com abundncia de

    HCO3-, porm no em quantidade superior quantidade de Ca2+, como seria de se esperar

    para a situo de soda ocean, quando as guas seriam predominante bicarbonatadas, ao

    invs de cloratadas, e o pH entre 9 e 11, sob pCO2 atmosfrico baixo (Kempe & Degens

    1985, Kempe & Kazmierczak 1990). Porm, o modelo de soda ocean implica baixos teores

    de Ca2+, para justificar elevados teores de HCO3- na gua, o que seria incompatvel com o

    grande volume de rochas carbonticas do final do Arqueano. Esta incoerncia conduziu

    formulao de modelo alternativo onde o pH seria entre 6,5 e 7,5, prximo ou levemente

    inferior ao atual, e o teor de HCO3- aproximadamente igual ou pouco superior a duas vezes

    o teor de Ca2+ (Grotzinger & Kasting 1993).

    Os precipitados aragonticos arqueanos e paleoproterozicos poderiam ter se

    formado durante surgncias marinhas episdicas, aps condies de guas anxicas

    profundas de elevada alcalinidade, que promoveriam o contato daquelas com guas

    superficiais ricas em clcio (Grotzinger & Knoll 1995, Winefield 2000). Essas condies

    seriam possveis em condies de guas ocenicas estratificadas, o que no teria ocorrido

    no mesoproterozico e explicaria a ausncia dos depsitos aragonticos anmalos nesse

    intervalo de tempo.

  • 41

    O registro anmalo de formaes ferrferas no Neoproterozicas tambm poderia

    estar associado quebra de estratificaes ocenicas (Beukes & Klein 1993) e tem sido

    empregado como um dos argumentos para explicar a hiptese Snowball Earth por

    Kirschvink (1992), com a interpretao de que o enriquecimento de ferro dissolvido, em

    guas profundas, seria resultante do recobrimento do oceano por gelo por milhes de anos.

    A formao dos cristais de aragonita, ao invs da formao de micrita, teria

    explicao na presena de ons de Fe2+ e Mn2+ que funcionariam como inibidores da

    nucleao carbontica e formao da micrita (Sumner & Grotzinger 1996). Essa associao

    interessante para a capa carbontica de Sambra (figura 3), uma vez que nos ciclos

    precipitados aragonticos/mudstone laminado, as lamas micrticas apresentam cor

    avermelhadas, o que indicaria que a concomitante retirada do ferro das guas, atravs da

    precipitao da hematita, teria fornecido as condies para nucleao e deposio da

    micrita. Laminaes milimtricas, geralmente de cor mais escura, apresentam-se de forma

    ondulada, acompanhando o topo dos leques de pseudomorfos de aragonita, o que fornece

    aspecto estromatoltico. Nessas pores de mudstones laminados, h continuidade

    cristalogrfica dos cristais de aragonita, processo esse que teria ocorrido aps a

    sedimentao, mas que no alterou a laminao original. Sobre os mudstones laminados,

    ocorrem mudstones macios (figura 3).

    0

    5 cm

    Figura 3. Detalhe dos ciclos: precipitatos de aragonita - mudstone laminado mudstone macio da Mina Sambra (base da Formao Sete Lagoas Grupo Bambu).

    Os critrios petrogrficos utilizados para interpretar a constituio primria dos

    cristais como aragonita so a natureza fibrosa e terminao reta e abrupta dos cristais

  • 42

    (Peryt et al. 1990) e a elongao dos cristais internos paralelos elongao dos

    pseudomorfos indicam que so primrios e no foram originados pela dissoluo de cristal

    precursor (gipsita) e posterior precipitao, o que implicaria a ocorrncia de estruturas de

    colapsos, as quais no foram observadas. Se tivessem sido originados por esse processo, o

    mosaico calctico apresentaria caractersticas de preenchimentos de vazio e no

    apresentaria cristais alongados e paralelos ao alongamento dos pseudomorfos. A

    possibilidade de recristalizao dos cristais tambm descartada, j que seria de se esperar

    a presena de mosaicos calcticos opticamente orientados. O que ocorre so mosaicos sem

    orientao cristalogrfica, como observado tambm nos preenchimentos de cristais de

    estruturas arborecentes tanto arqueanas como nas demais capas carbonticas

    neoproterozicas. As terminaes retas de cada cristal so tambm consideradas

    caractersticas distintivas de aragonita (Winefield 2000 e referncias citadas), j que os

    cristais de gipsita teriam terminaes pontiagudas

    2.3.1.2. Estruturas tepee-like

    As estruturas que lembram tepees, comumente encontradas nas capas carbonticas,

    foram inicialmente interpretadas como associadas a ambiente de supramar, como as

    estruturas tepees clssicas do Fanerozico (Assereto & Kendall 1977, Kendall & Warren

    1987). Porm, Hoffman & Schrag (2002) e Allen & Hoffman (2005) interpretaram estas

    estruturas como produto de fluxo oscilatrio provavelmente em guas profundas, o que

    muda totalmente o contexto paleoambiental inicialmente interpretado como de guas rasas

    e sujeitas s exposies subareas para parte das capas carbonticas.

    H ainda a interpretao de Pratt (2002), que atribui a sismos a suposta deformao

    que geraria essas estruturas, consideradas como de origem ps-deposicional. Desta forma,

    seriam diagenticas e formadas alguns metros abaixo da interface sedimento-gua, atravs

    do aumento do volume pela cristalizao do cimento dolomtico microcristalino e migrao

    de fluidos, os quais seriam a explicao para a presena de sheet veins na Capa

    Carbontica da Formao Nuccalena em Flinder Ranges, Sul da Austrlia (Gammon et al.

    2005).

    2.3.1.3. Estruturas tubulares

    Comumente so observadas tambm estruturas tubulares (tubestones) cuja origem

    atribuda, por Kennedy et al. (2001a,b), a exalaes de metano resultantes da

    desestabilizao de clatratos, o que tambm interpretado como a causa da deglaciao,

    por aumento de metano na atmosfera, e razo dos valores negativos de istopos de C nas

    capas carbonticas (Jiang et al. 2003, Kennedy et al. 2008).

  • 43

    Essas estruturas so tambm interpretadas como relacionadas ao crescimento

    estromatoltico (Hoffman et al., 2002 e Corsetti & Grotzinger, 2005) e o que chama ateno

    o fato delas geralmente no ocorrerem no contato com os diamicitos, e sim alguns metros

    acima deste contato, como na Capa Carbontica de Mirassol do Oeste (Nogueira et al.

    2003), sem nenhuma associao direta com possveis corpos capazes de produo de

    gases, o que descarta a possibilidade de serem estruturas de escape, como as descritas por

    Murphy & Sumner (2008) para dolomitos arqueanos associados a microbialitos.

    Estruturas semelhantes aos tubestones de capas carbonticas foram descritos em

    sucesses carbonticas neoproterozicas no diretamente posicionadas sobre diamictitos.

    o caso do Membro Bildah da Formao Buschmannsklippe aflorante na regio de

    Gobabis, a oeste de Windhoek (Nambia). A Formao Buschmannsklippe posiciona-se no

    topo do Grupo Witvlei, subjacente ao Grupo Nama. Essa formao encontra-se posicionada

    em discordncia angular e erosiva sobre arenitos da Formao Court e alm dos

    tubestones, associados a estromatlitos, ocorrem tambm as arborescncias de

    pseudomorfos de aragonita em nveis superiores aos de estruturas tubulares (figura 4). Os

    tubestones so verticais e paralelos entre si, com 2,5 cm de dimetro e at 2 metros de

    altura. Encontram-se vazios com as paredes de slica ou quartzo e interpretados como

    originados por escape de gs ou gua resultantes da compactao, em contexto sedimentar

    de plancie de mar (Hegenberger 1993).

    A observao de afloramentos da Formao Buschmannsklippe, por ocasio da

    reunio anual do IGCP-478, permitiu constatar que no h descontinuidade entre as

    paredes dos tubestones e as laminaes (figura 4), o que implica em no constiturem

    estruturas de escape de gases. Essas estruturas so semelhantes s observadas na Serra

    da Bodoquena, na regio de Morraria do Sul no contexto do Grupo Corumb, e sugerem

    estarem relacionadas ao crescimento estromatoltico, com discusso mais detalhada no item

    3.4 (pg. 74).

  • 44

    Figura 4 Tubestones da Formao Buschmannsklippe (Nambia), seo longitudinal (esquerda) e transversal (direita).

  • 45

    2.3.1.4. Pelotilhas

    As pelotilhas so definidas como gros arredondados homogneos de micrita, com

    dimenses entre 10 e 60 m (Adams & Mackenzie 2004). So muito comuns nas capas

    carbonticas neoproterozicas, onde ocorrem formando extensos e espessos depsitos. No

    Paleozico, ocorrem camadas expressivas de pelotilhas em recifes do Triassico, Jurssico e

    Permiano, mas geralmente restritas a pequenos espaos, como cavidades esqueletais,

    segundo reviso de Bosak et al. (2004).

    As pelotilhas modernas so originadas como excrementos de animais. Pelotilhas

    semelhantes s pr-cambrianas apresentam raros anlogos modernos, associadas a

    incrustaes nos mucos de cianobactrias. As pelotihas de sedimentos antigos so

    interpretadas como originadas em diferentes condies ambientais, como variaes na

    composio qumica da gua, remoo de inibidores cinticos e ou aumento da

    temperatura, entre outras possibilidades genticas, de tal forma que no podem sem

    empregadas como indicativas de condies ambientais ou processos biolgicos especficos

    (Bosak et al. 2004)

    J as pelotilhas comumente observadas nas capas carbonticas podem estar

    associadas supersaturao em carbonato de clcio atribuda ao ambiente formador, j que

    experimentos em laboratrio, conduzidos por Bosak et al. (2004), demonstraram a formao

    dessas partculas em condies abiticas, porm supersaturadas, com ndices de saturao

    muito superiores aos dos mares modernos. Segundo os mencionados autores, apesar da

    formao de pelotilhas ser possvel sob condies abiticas, no se pode destacar a

    influncia microbiana indireta como na nucleao e precipitao do carbonato na formao

    da pelotilha, tais como mudana do pH ou da alcalinidade da soluo, introduo ou retirada

    de inibidores cinticos e isolamento dos ons de clcio e magnsio.

    2.3.1.5. Consideraes genticas sobre as capas carbonticas

    Uma das primeiras interpretaes a respeito das capas carbonticas deve-se a

    Grotzinger & Knoll (1995), relacionada quebra de estratificao de guas ocenicas e

    asceno de guas anxicas hiperalcalinas. Estariam, assim, relacionadas a significativo

    evento transgressivo sobre superfcies previamente trabalhadas pela glaciao (Knoll &

    Walter 1992), o que explicaria sua ampla distribuio pelo globo terrestre, no restrita

    apenas ao recobrimento de depsitos glaciognicos. Toma-se o exemplo da Capa

    Carbontica de Sambra (Minas Gerais) e de Morraria do Sul (Mato Grosso do Sul), onde as

    capas encontram-se sobre o embasamento, ou mesmo em situaes estratigrficas sem

  • 46

    nenhuma relao com depsitos glaciognicos, como tambm a situao da da Formao

    Buschmannsklippe (Grupo Witvlei) na Nambia (Hegengerger 1993).

    A formao das capas carbonticas tem sido considerada como um processo

    relativamente rpido, resultante do intemperismo ps-glacial de rochas siliciclsticas e

    carbonticas (Hoffman & Schrag 2002), o que seria ainda mais intensificado pela dissoluo

    das plataformas carbonticas expostas com o rebaixamento do nvel do mar durante as

    glaciaes.

    No modelo Snowball Earth (Hoffman et al. 1998), a diminuio do intemperismo das

    reas continentais, devido cobertura por gelo, teria levado ao aumento dos nveis de CO2

    atmosfrico para 12 000 ppm (atualmente aproximadamente 366 ppm), o que teria

    causado condies extremas de efeito estufa com rpido degelo, sob condies de chuvas

    cidas, o que teria levado extrema alcalinidade das guas ocenicas, como conseqncia

    da intensa lixiviao das reas continentais, e relativamente rpida formao das capas

    carbonticas.

    Explicao alternativa, para origem das capas carbonticas, seria a de que o efeito

    estufa e alta alcalinidade das guas ps-glaciais seriam devido ao aumento do gs metano

    na atmosfera devido ao descongelamento de clatratos, ocasionada pela subida do nvel do

    mar global (Kennedy et al. 2001b). Grande parte do metano exalado seria oxidado na

    interface sedimento-gua, com gerao da alcalinidade necessria para formao das

    capas carbonticas e no pelos intensos processos de lixiviao continental supostos no

    modelo Snowball Earth de Hoffman et al. (1998). O modelo de descongelamento de

    clatratos no explica, no entanto, como se daria o incio do degelo (Jacobsen 2001), o qual

    poderia estar associado aos processos de rifteamento.

    Durantes os ciclos glaciais, tem sido interpretado que a concentrao de gs

    carbnico na atmosfera teria sofrido amplas variaes, porm a relao com a

    sedimentao carbontica no to clara assim. Estudos recentes em oceanos modernos

    tm demonstrado interpretaes contrrias quanto ao efeito da sedimentao carbontica

    frente s variaes de concentrao de gs carbnico (Elderfield 2002). A resposta da

    sedimentao carbontica como processo de seqestro de carbono no to rpida como o

    processo de sedimentao de matria orgnica, em virtude dos ons C envolvidos no

    processo de sedimentao virem do nion HCO3- presente nos oceanos. Dois mols de

    HCO3- reagem com um mol de Ca 2+ para precipitar um mol de CaCO3, liberando um mol

    extra de C na forma de CO2, de tal forma que a precipitao de carbonato de clcio, de

    imediato, mais uma fonte de CO2 para a atmosfera do que um sumidouro de C, o que

  • 47

    somente passa a ser numa escala de tempo maior, na casa de milhes de anos, com a

    formao e soterramento contnuo de expressivos depsitos de rochas carbonticas.

    2.3.2. O Problema Dolomito e organognese

    Os dolomitos so abudantes no Pr-Cambriano e incio do Paleozico e

    praticamente inexistentes no Negeno e Palegeno (Given & Wilkinson 1987).

    Outra caracterstica intrigante o fato de no se conseguir obter precipitao

    inorgnica de dolomita, sob condies de presso e temperatura esperadas no ambiente

    sedimentar (Land 1998), o que conduziu Fairbridge (1957) a criar a expresso dolomite

    question mais tarde modificada para dolomite problem (McKenzie 1991), devido sua

    gnese em ambientes naturais ser um dos enigmas das Geocincias, que apenas comeou

    a ser desvendado dez anos atrs, atravs da formulao de modelos organognicos de

    dolomita primria (Vasconcelos et al. 1995, Wright 1997, 2000, Wright & Wacey 2005).

    Apesar de no se conseguir sintetizar dolomita em laboratrio, em condies

    normais de presso e temperatura, qualquer slido de carbonato de clcio, sob essas

    condies, dolomitizado. Porm, essa dolomitizao ocorre atravs de processos de

    substituio, no por preciptao direta, primria (Lippmann 1973). Outra questo

    enigmtica o