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Seminário URBFAVELAS 2016 Rio de Janeiro - RJ - Brasil EXPERIÊNCIAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA UTILIZAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE NO INTERIOR DE SÃO PAULO ALICE NOHL VIANNA (uerj) - [email protected] mestranda em direito da cidade Priscilla Marques Rodrigues - [email protected] pos graduada em habitação e cidade

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Seminário URBFAVELAS 2016Rio de Janeiro - RJ - Brasil

EXPERIÊNCIAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA UTILIZAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DEDEMARCAÇÃO URBANÍSTICA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE NO INTERIOR DE SÃO PAULO

ALICE NOHL VIANNA (uerj) - [email protected] em direito da cidade

Priscilla Marques Rodrigues - [email protected] graduada em habitação e cidade

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EXPERIÊNCIAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

Utilização dos instrumentos de demarcação urbanísti ca e legitimação de posse no interior de São Paulo

RESUMO

A demarcação urbanística e a Legitimação de posse são instrumentos da política urbana e da regularização fundiária que têm o escopo de constituírem título de propriedade hábil ao registro do projeto de regularização e titular os ocupantes nas suas posses para fins de moradia.Além de qualificar a posse e a característica da ocupação, a demarcação urbanística possibilita a regularização de áreas cuja base fundiária demonstra-se complexa ou desconhecida. A Legitimaçãopossibilita a posterior titulação dos ocupantes, reconhecendo política e juridicamente o direito à moradia de famílias. Tais instrumentos contribuem para a efetivação da regularização fundiária e devem caminhar junto à implementação de políticas públicas próprias ao planejamento urbano integrado, assim como à estratégias de gestão que viabilizem o acesso à terras às todas as camadas sociais, bem como visem conjuntamente a promoção da reforma urbana.

Palavras-Chave: Direito à Moradia, Regularização Fundiária, Demarcação Urbanística, Legitimação da Posse.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 3

1 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL ................................................... 3

2 O INSTRUMENTO DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA ............................................................ 9

2.2 LEGITIMAÇÃO DE POSSE ...................................................................................................... 11

3 CASOS CONCRETOS DE APLICAÇÃO DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE .............................................................................................................. 13

3.1 EXPERIÊNCIA DO MUICÍPIO DE BRAÚNA....................................................................... 17

3.2 EXPERIÊNCIA DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA ..................................................... 19

4 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 22

5 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 23

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INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo, está na análise de dois casos concretos referentes ao procedimento de regularização fundiária de interesse social, ocorridos em cidades do interior do Estado de São Paulo, mediante a aplicação dos instrumentos da Demarcação Urbanística e da Legitimação de Posse, como meios de viabilizar a regularização fundiária.

Estes instrumentos foram trazidos pela Lei federal nº 11.977/2009 e previstos com o escopo de viabilizar a regularização fundiária dos assentamentos informais.

O instrumento da regularização fundiária existe há algum tempo no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo previsto em normas municipais. Contudo, tomou força em âmbito nacional com a edição do Estatuto da Cidade – Lei nº 10.251/2001 e com a edição da Lei federal do Programa Minha Casa Minha Vida, Lei nº 11.977/2009, alterada pela Lei nº 12.424/2012, quando passou a ser concebida como instrumento eficaz da política urbana capaz de contribuir para o reconhecimento do direito à moradia e a efetivação da função social da propriedade urbana.

No âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – Lei federal nº 11.977/2009, além da previsão da produção de novas unidades habitacionais para beneficiários que se enquadrem nos requisitos constantes da Lei, o conceito, diretrizes e procedimentos referentes à regularização fundiária urbana são trazidos a partir do artigo 47 da Lei, com o escopo primordial de promover o reconhecimento jurídico e a consolidação de inúmeras moradias implantadas de maneira informal, consoanterealidade habitacional existente na maioria das cidades brasileiras.

Diante da nova ordem jurídico-urbanística, sobre o viés mais público do que privatista, diversos atores já trabalham em prol de tornarem eficazes os novos instrumentos de planejamento urbano e regularização fundiária, utilizando-se dos permissivos legais e novos mecanismos facilitadores que até então não existiam.

Anteriormente à nova ordem jurídico-legal, as moradias implantadas à revelia da legislação vigente, assim permaneciam durante décadas tendo em vista a dificuldade de se promover a regularização, pois os procedimentos permaneciam presos às formalidades excessivas impostas pela Lei, bem como muitas vezes se deparavam com o esquecimento e inércia diante das dificuldades impostas pelos órgãos e serviços públicos.

Nos dias atuais esse novo ordenamento legal, se apresenta de forma positiva diante dos impasses outrora existentes, no tocante á promoção e efetivação do reconhecimento ao direito à moradia, que no presente estudo se manifesta através da implementação da regularização fundiária de interesse social.

1 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL

O instituto da regularização fundiária nasce da necessidade de se reconhecer formalmente o direito à moradia de famílias que, diante da cultura da desigualdade que também rege o instituto da propriedade no Brasil, ocupam áreas, de menor valor imobiliário, que não sofreram processo formal de parcelamento do solo urbano.

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Essas moradias informais podem ser resultado de ocupação de terras públicas ou particulares, ou até mesmo parcelamentos realizados pelo proprietário da área, sem as aprovações legaisexigidas pelos órgãos competentes, ou que,mesmo após as aprovações e devido registro, implantam o parcelamento de modo diverso àquele previsto no projeto, originando o parcelamento irregular.

A Constituição de 1988, através da emenda constitucional editada em 14 de fevereiro de 2000,e tendo como alicerce a Declaração Universal de Direitos Humanos, passou a prever o direito à moradia como direito fundamental previsto no artigo 6º, como direito social, vejamos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.1

Após a recepção do direito à moradia como norma constitucional, um ano depois é editado o Estatuto da Cidade - Lei federal nº 10.257/2001, tido como instituto de suma importância para concretização do direito à moradia no Brasil e que regulamenta os artigos 182 e 183 da constituição, regentes da política urbana. Essa Lei federal traz ao arcabouço jurídico brasileiro, norma de vital importância para a promoção da justiça social urbana, pois considera os aspectos sociais e políticos das cidades, e dispõe sobre as diretrizes, princípios e os instrumentos de política urbana, de modo a disciplinar o regime da propriedade urbana assegurando o direito à moradia e à cidades sustentáveis.

O artigo 182 da Constituição de 1988 traz consigo a disciplina da política urbana que será executada pelos municípios conforme as diretrizes da função social das cidades e bem estar dos seus habitantes, prevendo para tanto instrumentos que viabilizarão este cenário. Já o artigo 183 traz de forma explícita o intuito da norma pública sobre o reconhecimento do direito à moradia através da usucapião urbana que é um dos instrumentos da regularização fundiária.

Verifica-se que o conjunto de normas relacionadas à proteção do direito à moradia emerge da junção de pactos, convenções e tratados internacionais que dispõem sobre direitos humanos,assim como, posteriormente, da normativa oriunda da Constituição Federal de 1988 e Legislação federal posterior, cujas diretrizes estão totalmente pautadas pelo cumprimento desse direito.

Com base nestes dispositivos e normas, podemos afirmar que o direito à moradia é direito fundamental, dotado portanto de segurança jurídica e política, consistente em norma de aplicação imediata, fomentadorado princípio constitucional da função social da propriedade, disposto no inciso XXIII, do artigo 5º da Constituição de 1988.

Assim como o direito à moradia, o princípio constitucional da função social da propriedade, também é alicerce sobre o qual está pautado o estudo dapolítica urbana e sobre o qual se baseia oDireito Urbanístico.

1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.Acesso em2 nov. 2013.

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Com base na Constituição, toda e qualquer propriedade deve atender à função social, poisconforme leciona José Afonso da Silva2, essa é pautada na perspectiva pública, ou seja, não sendo mais disciplinada pelo direito civil, que passa a normatizar tão somente as relações civis a ela pertinentes, valendo dizer que após a Constituição de 1988, as normas de direito privado sobre toda e qualquer propriedade, deverão ser compreendidas em conformidade com a ordem constitucional imposta.

Esta funcionalização da propriedade é algo que ao longo dos tempos toma novas formas, de acordo com o retrato da sociedade, costumes, regimes de governo, normas vigentes e que diante das mudanças trazidas pelos tempos, molda-se de acordo com as questões relevantes do presente, ou pelo menos assim deveria ocorrer. Desta forma, a funcionalização da propriedade pode acarretar colisões de interesse entre os direitos do proprietário de um imóvel e o interesse público que pode vir a representar direitos de toda uma coletividade.

Através do ramo autônomo do Direito Urbanístico, originado pelas demandas oriundas do crescimento desordenado das cidades, consequente escassez de moradia, conflitos e problemas decorrentes do uso e ocupação do solo urbano sem planejamento, são criados novos instrumentos pensados a partir da necessidade de se repensar as cidades, planejando e gerindo o solo urbano.

Dentre estes novos instrumentos que concretizaram-se a partir do advento do estatuto da Cidades, Lei federal nº 10.257/2001, o instituto da Regularização Fundiária é introduzido no ordenamento jurídico brasileiro como um meio viabilizador da promoção da justiça social através das garantias do direito social à moradia.

O pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se relacionam diretamente com o reconhecimento da consolidação que se coloca nas cidades, e cada dia mais presente, compondo o cenário urbano e demonstrando que, na maioria das vezes,se apresenta descabido o encaminhamento de desfazer ocupações irregulares, demonstrando a necessidade de viabilizar a regularização integrada dessas áreas.

Nesse sentido, o direito subjetivo que um indivíduo tem de impor uma vontade, de legitimar seu direito frente à outro também sujeito de direitos, relativiza-se à preponderância de direitos, ou seja, traduz-se a ideia da análise fundamental daquilo que é individual, frente àquilo que é coletivo e que representa o interesse de toda a sociedade, como se manifesta o direito à moradia e a função social da propriedade.

A utilização do solo urbano relativiza-se às determinações de leis urbanísticas e do plano diretor, conforme disciplina a constituição, e é em relação à propriedade urbana que a função social como preceito jurídico-constitucional plenamente eficaz (SILVA, 2012), tem seu alcance mais intenso de atingir o regime de atribuições do direito e o regime de seu exercício.

Segundo Edésio Fernandes3, como resultado do processo de urbanização voraz ao longo de poucas décadas, a América Latina é hoje a região mais urbanizada do 2SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. Editora Malheiros. São Paulo, 2012. P. 71. 3FERNANDEZ, Edésio. A Nova ordem Jurídico-urbanística no Brasil. In: FERNANDEZ, Edésio; ALFONSIN, Betânia (coordenadores). Direito Urbanísticos: Estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 4 e 5.

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mundo em desenvolvimento, com 75% de sua população vivendo em cidades. Tal dinâmica acarreta novos processos de exclusão social, crise habitacional, segregação espacial, violência urbana e degradação ambiental.

Segundo seus entendimentos (FERNANDES, 2006) acerca da nova ordem jurídico-urbanística brasileira, a compreensão do processo de segregação sócioespacial demanda esforço multidisciplinar e articulado,e a analise sob as múltiplas dimensões, desde o final da década de 1960, demonstrando que:

“Esse processo de segregação sócio espacial deve-se à uma combinação histórica de diversos fatores como as dinâmicas formais e informais do mercado de terras; centralização político-institucional; autoritarismo político-social; burocratização político-administrativa; e corrupção endêmica. De especial importância também tem sido a sobrevivência da estrutura fundiária concentrada e privatista do país. A natureza elitista da incipiente tradição de planejamento urbano; a renovação das práticas seculares de clientelismo político, etc.”

Este fenômeno ocorrido ao longo dos anos dá origem ao desenho do espaço urbano que vivenciamos atualmente, retrato da diferença social, segregação territorial e preços exorbitantes da terra que ocasiona a ocupações desordenadas por aqueles que não acessam o mercado formal.

Como resultado, temos ocupações em áreas de risco, em áreas de preservação ambiental, áreas não edificantes, traduzidas na prática, na maioria das vezes em ocupações de praças, ruas, jardins, beira de córregos e encostas de morros. São áreas muitas vezes impróprias à ocupaçãoe que dão causa a outros fenômenos de consequências negativas como os “desastres urbanos”por vezes originados pela falta de saneamento básico, e de acesso aos itens essenciais de infraestrutura e equipamentos urbanos que garantem qualidade de vida à população.

Sobre a necessidade de se reconhecer jurídica e politicamente a cidade informal, a regularização fundiária tem sua previsão e definição no artigo 46 da 11.977/2009, vejamos:

“Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”

ALei federal trouxe a regulamentação de um instrumento anteriormente previsto no Estatuto da Cidade, com o escopo de enfrentar a irregularidade urbanística e dominial, frente às situações em que o possuidor ocupa área pública ou privada sem título legal e que lhe conceda segurança jurídica na sua posse.Via de regra, a regularização fundiária plena tem como última etapa a entrega de título de posse ou propriedade que garanta juridicamente moradia dos ocupantes.

No tocante à conceituação do instituto, Betânia Alfonsin4 ensina que:

4ALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito à moradia: Instrumentos e experiências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro, p.24. Observatório de Políticas Urbanas: IPPUR: FASE, 1997.

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“Regularização Fundiária é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária.”

A dimensão urbanística da regularização,objetiva verificar a existência de infraestrutura básica e equipamentos suficientes à conferir aos moradores da área a ser regularizada, acesso às mais valias que a urbanização pode oferecer. Ademais, com a regularização pretende-se criar parâmetros e índices urbanísticos específicos para àqueles parcelamentos que foram implantados à revelia das leis e sem o devido licenciamento por parte dos órgãos competentes.

Vale apontar que, apesar da informalidade destas moradias, principalmente nos assentamentos precários, ao contrário do que se estabelece o senso comum, estas formas de apropriação do espaço possuem em seu cunho informal e irregular, certa regulação na qual se articulam Direito Estatal e Direito da Comunidade, conforme Alex Magalhães demonstra em sua obra.

“Muito embora tenhamos identificado a existência de uma aspiração a faculdades construtivas que muitas vezes não são admitidas pelo ordenamento estatal, isto não se desdobra num campo marcado por uma caótica ausência de regulação ou pelo crescimento desordenado, tomando no sentido de isento de qualquer forma de controle ou limitação de ordem social. Ao contrário, além dos controles propriamente jurídicos, interagem outros de diversas ordens, ditos extrajurídicos, que muitas vezes se revelam mais decisivos e determinantes das decisões individuais do que s normas estatais ou comunitárias.”5

A partir das análises do autor verificamos que, embora a população cuja moradia é obtida através dos procedimentos informais de parcelamento do solo urbano e à margem da ordem jurídico-urbanística estatal, certa normatividade nascida de práticas comuns e locais, permeiam as transferências das posses, ao exemplo de que em algumas comunidades, há imposição de regras urbanísticas locais de parcelamento do solo respeitando-se por exemplo, o limite de vias de circulação e alinhamento das construções.

Já como aspecto social da regularização fundiária, verifica-se que a regularização fundiária de interesse social, contribui para possibilitar o acesso das camadas sociais mais frágeis, que pelas vias legais existentes, não acessam o mercado formal imobiliárioe às mais valiasque a urbanização oferece, reconhecendo a identidade cultural dos moradores com o local de moradia e afirmação do direito coletivo à participação popular na gestão da cidade.

A regularização fundiária de interesse social, trazida no inciso VII do art. 47 da referida Lei, é o marco fundamental para reconhecer o direito à moradia das camadas sociais mais frágeis economicamente, pois a norma viabiliza que o poder público possa instituir o procedimento, através de mecanismos simplificados, e de

5MAGALHÃES, Alex Ferreira. O Direito das Favelas. Rio de Janeiro: Letra Capital. 2013. p. 457 e 458.

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forma que não tragam ônus à população desfavorecida. Segundo esse artigo, a regularização fundiária de interesse social ocorre quando:

a) em que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, cinco anos; b) de imóveis situados em ZEIS; ou c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social.6

Dentre as inovações da Lei nº 11.977, podemos destacar a regularização em áreas de preservação permanente, mediante realização de estudo técnico ambiental,comprovando que a situação da área após a regularização, trará melhorias e equilíbrio ao ambiente. Através do artigo 54, há o reconhecimento de que as ocupações irregulares, principalmente nas regiões de maior adensamento urbano, ocorrem muitas vezes nas áreas de preservação ambiental, onde em tese, seriam vedados novos licenciamentos para construção.

Verifica-se que o novo diploma legal, demonstra a possibilidade de se resguardar o meio ambiente junto ao direito à moradia de pessoas que ocupam áreas informalmente. O artigo 53 acrescentado pela Lei 12.424, reconhece aos municípios a capacidade de licenciar em matéria ambiental caso tenham órgão capacitado, ou seja, que possuam em seus quadros ou à sua disposição, profissionais com atribuições para análise do projeto e decisão sobre o licenciamento ambiental. Caso contrário o licenciamento continua sendo feito pelos Estados.

Frente aos avanços trazidos pela Lei federal, há que se destacar o instrumento da Demarcação Urbanística, previsto no inciso III do artigo 47. Este instrumento além de inovar em matéria de regularização, possibilita regularizar parcelamentos originados através de ocupações desordenadas, tão presentes no Brasil, que são os assentamentos humanos informais ou favelas. O Instituto prevê que, uma vez demarcadaa área a ser regularizada, os ocupantes serão legitimados na posse, sem a exigência da comprovação da cadeia dominial, fato que muitas vezes no passado, apresentava-se como óbice à regularização.

A demarcação urbanística permite a regularização em áreas de proprietários distintos, em contramão à lógica de aprovação de parcelamentos urbanos sob a ótica da Lei federal 6.766/1979. Além disso, uma de suas características é a possibilidade de se demarcar área cujo domínio é desconhecido.

Sem dúvida alguma, a desjudicialização dos processos de regularização fundiária apresenta-se como avanço diante da cultura convencional e conservadora das instituições, sejam do poder público, seja do judiciário como órgão julgador das questões fundiárias.

6BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanase dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em: 06 dez. 2013.

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Diante das presentes inovações legislativas, sobretudo pela Lei 11.977/2009, verificamos que a base legal existe, os instrumentos também, bastando para sua aplicação, coragem e vontade (Nalini, 2014).

Por isso as políticas de regularização fundiária são essenciais, como forma de reconhecer e legalizar situações consolidadas de moradia, visando trazer para a legalidade, àquilo que por anos foi negado como legítimo, ou seja, o direito de determinado grupo de pessoas a fazerem parte da cidade formal, à usufruir dos benefícios pela urbanização trazidos, como saúde, emprego, direito ao meio ambiente equilibrado e à um título que lhe garanta o direito de moradia. A informalidade das moradias não mais pode ser tratada como algo que não faz parte das cidades, como uma anomalia social que contaminassem o espaço urbano e que devesse ser expurgada, pois através da nova normativa, os assentamentos informais são entendidos como um fenômeno contemporâneo, que faz parte da história do país e que podem ser reconhecidos como fruto de anos de políticas adotadas pelo poder público, no tocante à economia e consequentemente, ao ordenamento urbano que se configurou de forma excludente e desigual.

2 O INSTRUMENTO DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA

A demarcação urbanística como instrumento da regularização fundiária está prevista no artigo 47, III da Lei federal 11.977/2009. Este mesma inclui a demarcação no Estatuto da Cidade, como instrumento jurídico e político da política urbana (artigo 4º).

Vale lembrar que a Lei nº 11.481 de 31 de maio de 2007, já dispunha no artigo 6º que, nas áreas urbanas, em imóveis possuídos por população carente ou de baixa renda para sua moradia, onde não for possível individualizar as posses, poderia ser feita a demarcação da área, cadastrando-se o assentamento, para posterior outorga de título de forma individual ou coletiva.

Referida Lei somente dispunha sobre a regularização fundiária em imóveis da união. Ademais, o PL 3.057/2000, que revogaria a Lei de parcelamento do solo urbano 6.766/79, ainda não aprovado até a presente data, e que ensejou muitos artigos da Lei federal 11.977, também prevê a demarcação urbanística como instrumento da regularização.

Como podemos observar a demarcação é instrumento já há algum tempo observado pelo legislador como meio eficaz que possibilitaria a regularização de muitas áreas e que finalmente foi claramente prevista, conceituada em forma, conteúdo e procedimento pelos artigos da Lei 11.977/2009 alterados posteriormente pela Lei 12.424/2011.

Segundo o artigo 47, inciso III da Lei de Regularização federal:

“Demarcação urbanística é o procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses.”

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É notório perceber que o legislador, ao incluir a demarcação como instrumento da regularização fundiária tinha o escopo de possibilitar a regularização fundiária de áreas, anteriormente impossíveis de se regularizar, cujos limites perimetraispermaneciam desconhecidos, como em muitos assentamentos humanos presentes nas grandes cidades.

Demarcar é estabelecer o limite de uma área, definindo-se o perímetro de uma ocupação, que na maioria das vezes foi estendendo-se e sobrepondo-se sobre outras áreas, ora de domínio desconhecido, ora de titularidades distintas, ou até mesmo sobre área cuja descrição tabular não permite localização espacial precisa.

Apesar da demarcação em muitos estados,ser aplicada para ocupações desordenadas, favelas e áreas bastante adensadas, não há impeditivos para a sua aplicação em municípios que não possuem favelas, e que demandem para regularização, de instrumento hábil a possibilitar a resolução da questão fundiária de interesse social.

Como veremos, a demarcação prescinde de um conjunto de atos e encaminhamentos de diversos órgãos, envolvendo atividade multidisciplinar, contanto com o apoio de grupos sociais para realizarem o cadastro, advogados e de urbanistas, que irão analisar e realizar a planta do perímetro, a planta de sobreposição de áreas e ainda o memorial descritivo, itens exigidos no parágrafo 1º do artigo 56 da Lei federal 11.977.

Cabe ressaltar que a população deve participar de todas as fases da regularização, pois sua iniciativa constitui-se fator de legitimidades para a prática dos atos que envolverão todos os ocupantes da área, e que por fim,deverão receber o título de legitimação de posse ou outro título de reconhecimento de suas posses.

Além do poder público e população, o Serviço de Registro de Imóveis é agenteessencial para o andamento do procedimento de demarcação, uma vez que, diante dadesjudicialização do procedimento, todos os atos ocorrem no Cartório de Registros de Imóveis, onde o oficial praticará a qualificação do título, a busca pelos títulos de propriedade atingidos pelo auto de demarcação, a notificação de proprietários e confrontantes, e a abertura de matrícula para a área demarcada, que possibilitará o registro do projeto urbanístico de regularização.

Analisando a Lei de regularização vemos através do artigo 56, que o poder público é o único ente legitimado a lavrar o auto de demarcação urbanística. Entre poder público compreendem-se Município, Estado e União. Desta forma não podem os loteadores particulares, associação ou outros agentes valerem-se deste instrumento para fins de regularização.

Além do Auto de demarcação urbanística que deverá ser assinado pelo poder público, este deverá ser instruído e protocolado no Serviço de Imóveis competente acompanhado dos seguintes documentos arrolados nos incisos do parágrafo 1º do artigo 57:“I - planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, nos quais constem suas medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente georreferenciadas dos vértices definidores de seus limites, número das matrículas ou transcrições atingidas, indicação dos proprietários

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identificados e ocorrência de situações mencionadas no inciso I do § 5o; II - planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do registro de imóveis e, III – certidão da matrícula ou transcrição da área a ser regularizada, emitida pelo registro de imóveis, ou, diante de sua inexistência, das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes.”

A planta e o memorial descritivo do perímetro da área demarcada será resultado de levantamento topográfico atualizado que demonstrará a situação física e real implantada pela ocupação. Com o resultado deste levantamento será elaborada planta delimitando todo o perímetro da área a ser demarcada.Os itens que comporão a planta do parcelamento serão demonstrados especificamente apenas em momento posterior, quando do requerimento de registro do projeto de regularização.

A demarcação urbanística é o instrumento que viabilizará a constituição de título de propriedade hábil ao registro do projeto urbanístico de regularização.

Os incisos do parágrafo 5º do artigo 57, da lei 11.977/2009, incluídos pela Lei 12.424/2011, explicitam bem as situações nas quais este instrumento poderá ser utilizado:

“§ 5o O auto de demarcação urbanística poderá abranger parte ou a totalidade de um ou mais imóveis inseridos em uma ou mais das seguintes situações: I - domínio privado com proprietários não identificados, em razão de descrições imprecisas dos registros anteriores; II - domínio privado objeto do devido registro no registro de imóveis competente, ainda que de proprietários distintos; ou III - domínio público.”

Com o registro do projeto, o oficial do cartório abrirá a matrícula dos lotes, passando-se à etapa da legitimação de posse em favor dos ocupantes dos lotes ou à outorga de outros títulos jurídicos que assegurem o direito real dos ocupantes na área demarcada.

2.2DA LEGITIMAÇÃO DE POSSE

Assim como a demarcação urbanística, a legitimação de posse também está prevista no PL 3.057/2000. Sua redação não aprovada ensejou os artigos que dispõem sobre a legitimação de posse na Lei 11.977/2009 e que por sua vez, incluiu este instituto também no Estatuto da Cidade.

Anteriormente à legislação atual de regularização fundiária, a legitimação de posse já vinha sendo previstano ordenamento desde a “Lei de Terras” – Lei nº 601/1850 – que tratava a questão das terras devolutas do império brasileiro. Antigamente, na vigência desta Lei, o título de legitimação de posse era conferido ao posseiro, como título definitivo de domínio, cumprindo requisitos mínimos tidos como manter na terra sua morada atual e cultura efetiva, lógica advinda do regime de sesmarias.

Com a promulgação da Lei de terras de 1850, foram previstas formas de reconhecimento da propriedade que dava-se por doação, legitimação de posse e a

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revalidação das cartas de sesmarias quando comprovado o cultivo da terra. As terras devolutas originavam-se quando as cartas de sesmarias não eram revalidadas e quando as pessoas não eram legitimadas na posse. Em 1891 as terras devolutas passam a ser propriedade dos Estados.

Sobre o assunto, ThanyelleGalmacci7 a tratar do tema legitimação de posse afirma que “ao legitimar a posse do particular sobre as terras devolutas, ainda que preenchidas as condições para tanto, o Estado cria uma esfera privada que até então não existia. [...] A legitimação de posse traz a pessoa que se encontra em situação irregular, precária no tocante à sua terra, para o mundo da certeza, da previsibilidade no ordenamento jurídico. [...] É imperioso afirmar que a legitimação da posse foi o primeiro instrumento de regularização fundiária criado e aplicado no Brasil que se tem notícia em nossa história.”

A legitimação de posse no atual Direito Urbanístico, trazida pela Lei nº 11.977/2009,respeitou a forma histórica de origem, porém possuicunho diverso, ao pretender transformar a área ocupada para fins de moradia em propriedade, mediante o preenchimento dos requisitos legais, transcorridos 5 anos de seu registro. Vejamos o que diz o artigo 60:

“Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.”

Apesar do título de legitimação ser registrado na matrícula do imóvel, segundo o Código Civil de 2012, este não se configura como direito real, pois não é previsto no rol taxativo do artigo 1225.

Como característica da legitimação de posse da lei 11.977, está a sua equiparação à aquisição da propriedade mediante usucapião especial urbano, previsto no artigo 183 da Constituição Federal de 1988.

Diante da restrição legal e da sua equiparação a usucapião urbana constitucional, entende-se que a legitimação de posse da Lei 11.977/2009 apenas se dará sobre imóveis particulares, sendo sua vedação sobre imóveis públicos de cunho constitucional.

Todavia há entendimentos doutrinários de que, considerando que a origem do instituto da legitimação de posse ter sido sobre imóveis públicos estaduais e de que não há vedação expressa na Lei federal sobre a legitimação de posse sobre áreas públicas, poderia esta incidir também sobre as áreas públicas.

Sem dúvida a legitimação de posse tem o mesmo cunho social e constitucional do reconhecimento da posse/propriedade para fins de moradia, sob a ótica da função social da propriedade. Nesse sentido, assim como a demarcação urbanística, a legitimação é instrumento de regularização fundiária que viabiliza a titulação dos ocupantes, e que possibilita o poder publico garantir juridicamente a posse

7 GALMACCI, Thanyelle. A Demarcação Urbanística e a Legitimação da Posse como instrumentos da Regularização Fundiária de interesse social. São Paulo, 2012. Dissertação de mestrado – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

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principalmente quando o possuidor do lote particular não possui a cadeia dominial no ato do registro, procedimento que é exigido para a transferência de propriedade perante o serviço imobiliário, e que fica dispensado através da legitimação.

3CASOS CONCRETOS DE APLICAÇÃO DA DEMARCAÇÃO URBANÍS TICA E LEGITIMAÇÃO DE POSSE

Com a edição da Lei federal 11.977/2009, diversos atores sejam do poder público, sejam do judiciário, cartórios, promotoria de justiça, defensoria pública entre outros, tiveram que se adequar à nova ordem jurídico-urbanística, para colocar em prática os instrumentos, diretrizes e conceitos introduzidos pela Lei.

Apesar da previsão dos instrumentos da política urbana através do Estatuto da Cidade, a regularização fundiária, assim como outros novos instrumentos, como a operação urbana consorciada, o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, outorga onerosa do direito de construir, entre outros, constituem-se mecanismos disponíveis aos aplicadores do direito e aos planejadores urbanos, cuja aplicação demanda esforço conjunto de todos os atores, sobretudo dos municípios.

Sob este prisma, o Tribunal de Justiça de São Paulo, através da Corregedoria Geral,editou provimentos a partir do ano de 2012, que modificaramo capítulo XX das normas que regem as atividades dos Serviços de Registro, no tocante à regularização fundiária, com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos de regularização que pela Lei 11.977/2009, passaram a serem processados principalmente nos cartórios imobiliários.

Apesar da publicação desta Lei em 2009, muitos instrumentos e principalmente a demarcação urbanística causaram certa insegurança aos serviços registrais, quanto sua aplicação e respectivos procedimentos a serem seguidos, pois estes trabalharamsempre sob da ótica das normas de aprovação de parcelamentos, sobretudo com a Lei 6.766/79.

A edição dos provimentos foi de suma importância para a aplicação dos instrumentos e dos procedimentos trazidos pela Lei federal de regularização, no Estado de São Paulo.

Com essas normas, os aplicadores do Direito e todos os atores envolvidos no procedimento de regularização fundiária podem valer-se dos itens esclarecedores sobre os quais pairam a certeza do cumprimento da Lei 11.977, sobretudo pela uniformização de entendimentos e dos procedimentos que deverão ser instaurados no tocante à regularização fundiária no Estado de São Paulo.

Devido aos avanços das normas, a regularização nãodemonstra-semais como barreira instransponível enfrentada pelos atores promotores da regularização, pois as inovações romperam paradigmas ao interpretar a Lei, em prol das diretrizes e princípios atrelados ao instituto.

Através dos provimentos que alteraram as Normas de Serviço,diversas espécies de regularização foram acolhidas, como exemplo a regularização de condomínios por frações ideais;o procedimento de abertura de matrícula para a área pública em

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parcelamento não registrado; a abertura de matrícula de imóvel público do Estado e a regularização dos conjuntos habitacionais não registrados; e principalmente normatizou de forma simples e eficaz os procedimentos relativos à demarcação urbanística e ao registro do projeto de regularização fundiária.

Para a obtenção de celeridade no procedimento, foi fixado o procedimento uno para o registro da regularização fundiária de interesse social, dispensando-sea apuração de remanescente, quando a área objeto da regularização está contida em gleba maior, bem como dispensou-se a necessidade de procedimento autônomo de retificação do título de propriedade, devendo o oficial do cartório, no ato do registro do parcelamento, realizar as alterações necessárias na descrição do imóvel da matrícula.

Quanto à formalização documental exigida, dispensou-se o reconhecimento de firma para os requerimentos e projetos apresentados pelos Municípios, Estado e União, permitindo que os ocupantes dos lotes registrassem o domínio das unidades mediante a simples apresentação dos compromissos de compra e venda quando acompanhados da prova de quitação, independente de escritura definitiva.

Para o procedimento da demarcação urbanística, os provimentos acrescentaram diversos itens que dispõem sobre todo o curso da demarcação nos Cartórios, como o procedimento e forma da abertura de matrícula para a área demarcada, e que sem os quais, este instrumento teria seu curso impedido, ou dificultado pela falta de normatização que instruíssem os encaminhamentos dentro dos Cartórios.

Através dos procedimentos de demarcação urbanística que se têm conhecimento, podemos aduzir que, muito têm contribuído para a regularização fundiária em diversos municípios paulistanos.

No Estado de São Paulo, através da criação do programa de regularização Cidade Legal, promovido pela Secretaria de Habitação do Estado8, e através dos próprios programas municipais, muitas demarcações foram protocoladas perante os Cartórios de todas as regiões do Estado.

Até o presente momento, algumas foram concluídas, resultando na abertura de matrícula específica para a área objeto da regularização e procedendo-se à titulação através da legitimação de posse.

Através do Programa Estadual de Regularização, o procedimento da regularização fundiária se inicia através dolevantamento de toda documentação existente da área objeto de regularização.

8O Programa “Cidade Legal” foi criado em agosto de 2007 com o objetivo de implementar, agilizar e desburocratizar as ações e os processos de regularizações fundiárias de núcleos habitacionais. Por meio do programa, a Secretaria de Estado da Habitação, através de um Convênio de Cooperação Técnica, oferece orientação e apoio técnico às prefeituras para a regularização de parcelamentos do solo e de núcleos habitacionais, públicos ou privados, para fins residenciais, localizados em área urbana ou de expansão urbana. Disponível em:<http://www.habitacao.sp.gov.br/secretariahabitacao/graprohab/cidade_legal.aspx>. Acesso em 08 dez 2013.

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De posse dos dados levantados é formulado um diagnóstico urbanístico, ambiental jurídico e social completo sobre a área a ser regularizada.

Deve-se promover o cadastro das famílias que serão beneficiadas com a regularização e incluí-las no processo assegurando-lhes a participação popular em todas as fases da regularização.

A análise da legislação municipal se faz essencial para a decisão sobre os encaminhamentos que se farão necessários, caso o município possua legislação. Caso contrário, consoante artigo 49 da Lei 11.977, a ausência da regulamentação sobre o procedimento de regularização, não obsta a implementação da regularização fundiária.

Após o levantamento de todas as informações e dados necessários sobre a área a ser regularizada, sobretudo os títulos de propriedade sobre os quais foi implantado o parcelamento/ocupação, importante se faz realizar o levantamento topográfico da área com base na implantação de fato da ocupação, acompanhado da identificação física dos lotes, apuração de eventual sobreposição de áreas, dados que irão resultar no projeto urbanístico de regularização.

Elaboradas todas as peças que instruem a solicitação de averbação do auto de demarcação, como planta do perímetro, planta de sobreposição, o Registrador imobiliário poderá deparar-se com as seguintes situações fundiárias relativas à área: 1 – demarcação sobre áreas de proprietários particulares distintos; 2 – demarcação sobre áreas de proprietários públicos distintos; 3 – demarcação sobre área pública e particular simultaneamente; 4- demarcação sobre área de origem desconhecida (quando não é identificado o título de domínio da área no registro de imóveis atual e circunscrições anteriores); 5 - demarcação sobre área cujo título de propriedade não traz elementos descritivos suficientes para a identificação do imóvel.

Além dos casos apontados, nada obsta que existam outras formas de situação dominial configurada e que possa ser objeto de demarcação, resultando em desenho fundiário diverso daqueles acima mencionados, uma vez que a questão fundiária nas cidades apresenta-se de maneira complexa, principalmente quando se trata de áreas irregulares.

Nesse sentido, após o protocolo da solicitação de averbação do auto de demarcação, após o cumprimento das exigências legais sobre as busca dominial, notificações necessárias e publicação do edital, não havendo demais formalidades a serem satisfeitas, o oficial do cartório abrirá a matrícula para a área demarcada, cumprido os dispostos nos artigos 56 e seguintes da Lei 11977.

O registro da demarcação urbanística importará na abertura de matrícula única cujo registro anterior indicará todos os títulos abarcados pelo auto, assim como no campo “proprietário” serão indicados todos aqueles constantes dos títulos de propriedade demarcados ou com a indicação “proprietários indicados na matrícula de origem”.

Nos casos cujo título de propriedade para a área demarcada não foi encontrado, mesmo após as buscas realizadas pelo oficial de Cartório e nas comarcas imobiliárias anteriores, tal fato não obstará a abertura de matrícula apta ao registro da regularização, sendo o título originado conforme a descrição do memorial

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descritivo produzido através do levantamento topográfico e nos campos “proprietário” e “registro anterior” poderá conter a expressão: “Não identificado”.

Neste título será averbado o auto de demarcação e o posteriormente o projeto de regularização, que indicará as áreas dos lotes para as quais serão abertas matrículas individualizadas também sem proprietários, mas indicando o nome daquele ocupante que será legitimado na posse.

A demarcação de área cuja descrição do título de propriedade apresenta-se imprecisa, impossibilitando a identificação da área exata correspondente, também poderá ocorrer,principalmente em imóveis objetos de transcrições antigas,cujos indicadores reais baseavam-se em elementos físicos imprecisos como, de forma exemplificativa, a cerca de madeira, a casa de telhas, a linha de divisa do córrego da década de 30, ou ainda, identificavam o imóvel através de indicadores nominais.

Em todos os casos conforme acima previstos, a forma de transmissão dos lotes se dará através da legitimação de posse, em áreas particulares, ou quando área pública, através do instrumento legal que o poder público proprietário do imóvel entender cabível, seja a alienação gratuita ou onerosa (mediante política de subsídios para a população de interesse social),ou a concessão de uso especial para fins de moradia prevista na MP 2220/019.

Com relação à Legitimação de Posse, as Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, itens 241 e 241.3 permitem que a legitimação de posse seja utilizada mesmo em áreas que não foram objeto de demarcação:

Na regularização fundiária iniciada por demarcação urbanística e nas hipóteses em que esta é dispensada, nos termos dos itens 239.6 e 241.3 , após a regularização das unidades imobiliárias, com a abertura das matrículas respectivas, nelas serão registrados os títulos de direito real ou de legitimação de posse apresentados e aptos a registro.

Quando o Poder Público dispensar a demarcação urbanística em decorrência de a área já se encontrar adequadamente demarcada e especializada no Registro Imobiliário, o título de legitimação de posse poderá ingressar no fólio real observados os requisitos desta Subseção.

Verifica-se que a Corregedoria de Justiça de São Paulo neste caso, previu situação diversa daquela trazida no artigo 47 inciso IV da lei federal 11.977/2009, que conceitua a legitimação de posse como o ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística.

Estima-se que a intensão da redação dos itens mencionados, foi a de estender a aplicabilidade da legitimação, dispensando a demarcação urbanística nos casos em que esta não se faz necessária para a obtenção da base fundiária apta ao registro, nos termos das leis anteriores à Lei 11.977/2009.

9A Medida Provisória 2.220/2001disciplina a concessão de uso especial para fins de moradia em área públicas, sobre a mesma diretriz do reconhecimento do direito à moradia daqueles que ocupam áreas particulares para fins habitacionais e preenchem os requisitos da usucapião urbana, vide artigo 183 da Constituição.

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Vale destacar que as normas da corregedoria acima citadas, produzem efeito nos Municípios do Estado de São Paulo, onde os Serviços Registraisdevem considera-las para orientar os procedimentos e o registro da regularização fundiária.

Nada obsta que em outros estados brasileiros o procedimento da demarcação urbanística ocorra de forma diversa àquela trazida neste estudo, com base em normas editadas pela Corregedoria de outros Estados, ou na ausência destas, com base nos entendimentos formados através das interpretações diversas acerca da redação trazida pela legislação federal.

3.1EXPERIÊNCIA DO MUICÍPIO DE BRAÚNA

Dentre as áreas indicadas para a Regularização Fundiária no Município de Braúna, destacamos a experiênciado núcleo denominado “Centro de Lazer”, área esta que passou por todo o processo de Regularização Fundiária, findando com a legitimação de posse de todos os lotes contidos no perímetro delimitado para a intervenção.

Fig.3.1 – Foto aérea do núcleo “Centro de Lazer”

O trabalho foi estruturado em duas etapas principais, viabilizando a identificação da irregularidade e toda a leitura da área à ser regularizada, bem como a identificação dos encaminhamentos pertinentes à levar o núcleo habitacional Centro de Lazer à regularidade plena.

A primeira etapa do trabalhoconsistiu na Busca Documental,onde foram obtidos toda a caracterização da área, realizando vistorias, coletando documentos e informações junto ao município de Braúna.

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Com a Busca Documental, foi levantada toda a legislação municipal, título de propriedade, histórico da ocupação, base cartográfica do município e certidões referentes à infraestrutura implantada.

Não foram localizadas quaisquer peças gráficas que indicassem o parcelamento da área por qualquer ente, seja ele público ou particular.

Na segunda etapa do trabalho, referente aAnálise e Diagnóstico do núcleo, com base em toda a documentação levantada, iniciamos uma análise minuciosa para identificar os motivos de irregularidade que permearam a ocupação da área, bem como condicionantes para a regularização, levando-se em consideração a situação urbanística e possíveis incidências ambientais, face às exigências legais e os mecanismos de regularização.

Neste caso prático a Análise e Diagnóstico identificou que o núcleo habitacional Centro de Lazer estava inserido no perímetro urbano, em zona de uso residencial, tratando-se de um loteamento predominantemente de interesse social, conforme declarado pelo Município, com área estimada de 4.700,00m2, parcelada em 25 lotes.

O título de propriedade apresentado como sendo da área em questão, estava em nome da Prefeitura Municipal de Braúna e possuía apenas 2.212,50m², divergente da área total indicada à regularização, e este não possibilitava a representação gráfica da área, devido à precariedade na descrição perimétrica e a omissão de elementos técnicos consistentes. Porém o Município afirmava que,o título relacionava-se ao imóvel indicado à regularização, apesar das informações e documentação levantadas indicarem incertezas.

A área foi ocupadade forma espontânea, sem qualquer figura de loteador. Não foram encontradas incidências ambientais eera dotada de toda a infraestrutura, demonstrando que não havia a necessidade de obras de urbanização, e que demandava apenas de regularização registraria.

O diagnóstico concluiu que a demarcação urbanística seria um instrumento que melhor se aplicaria o caso, tendo em vista que o título de propriedade indicado para a área, poderia não guardar qualquer relação como imóvel, o que se configurou como área com titularidade desconhecida, sobretudo pela afirmação do serviço imobiliário que também não certificou a titulação da área.

Diante dos encaminhamentosidentificados para a área, foi necessário realizar Levantamento Topográfico, elaboração de elementos técnicos para proceder com a Demarcação Urbanística, cadastro social e coleta de documentos dos responsáveis por cada lote do parcelamento, elaboração e aprovação de projeto de regularização e confecção dos títulos de legitimação de posse.

Fig.3.2 – Planta de demarcação urbanística do núcleo “Centro de Lazer”

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Com o registro do projeto de regularização sobre a nova matrícula aberta para área em virtude do procedimento de demarcação urbanística, foram abertas matrículas individualizadas para cada lote integrante do parcelamento, e averbados os títulos de legitimação em nome dos detentores da posse.

3.2 EXPERIÊNCIA DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA

Dentre as áreas indicadas para a Regularização Fundiária no Município de Araçatuba, destacamos a experiência do núcleo denominado “Engenheiro Taveira”, área onde iniciou-se o processo de regularização e foi paralisada após a etapa de plano de regularização, com a execução de alguns encaminhamentos indicados.

Fig.3.3 – Foto aérea do núcleo “Engenheiro Taveira”

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O trabalho foi estruturado em três etapas principais, viabilizando a identificação da irregularidade e elaborando-se estudos da área indicada, com vistas a indicação dos encaminhamentos pertinentes à levar o núcleo habitacional Engenheiro Taveira à regularização plena.

Na primeira etapa denominada “busca documental”,foi obtida toda a caracterização da área, realizando-se vistorias e coletando documentos e informações junto ao município de Araçatuba.

Com a busca documental, levantou-se a legislação municipal, títulos de propriedade incidentes sobre a área, histórico da ocupação, base cartográfica do município, projeto de parcelamento e certidões referentes à infraestrutura implantada.

A segunda etapa de trabalhos, denominada “análise e diagnóstico”, com base em toda a documentação levantada, iniciou-se análise minuciosa para identificar os motivos de irregularidade que permearam a ocupação da área, bem como condicionantes para a regularização, levando-se em consideração a situação urbanística e possíveis incidências ambientais, face às exigências legais e os mecanismos de regularização.

Neste caso prático, o diagnóstico identificou que o núcleo habitacional Engenheiro Taveira estava inserido no perímetro urbano, em área Especial de Interesse Turístico e Histórico. Tratava-se de um loteamento predominantemente de interesse social com área estimada de 300.000,00m2, parcelada em 450 lotes.

O título de propriedade apresentado para a área estava em nome de particulares e totalizava uma área de 1.149.500,00m2, e este não possibilitava a representação gráfica de suas medidas, devido à precariedade na descrição perimétrica e a omissão de elementos técnicos consistentes.

Concluímos que se tratava de caso clássico em que a área objeto de regularização era uma parte de gleba maior. Além do título de propriedade que dava origem a área, foram levantados em Cartório diversos títulos abertos através de ações de

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usucapião bem como registros de compromissos de compra e venda realizados anteriormente a lei de registros públicos.

Obtivemos acesso à planta de parcelamento, que embora não houvesse qualquer aprovação pelo poder público, foi utilizada pelo loteador para dar início à comercialização dos lotes. Tratava-se então de um loteamento, que após a implantação irregular, com o passar do tempo sofreu outros parcelamentos ocasionando o desdobro de muitos lotes.

Não foram encontradas incidências ambientais e quanto à infraestrutura urbana, estavam implantados rede de distribuição de água, rede de distribuição de energia, coleta, afastamento e tratamento de esgoto, porém o sistema viário carecia de implantação de pavimentação de todo o leito carroçável, bem como implantação de guias e sarjetas.

O diagnóstico referente à área demonstrou que a demarcação urbanística seria um instrumento que melhor se aplicaria ao caso, tendo em vista que o título de propriedade da área tratava-se de transcrição cuja descrição impossibilitava a identificação física perimétrica da gleba onde foi implantado o loteamento, assim como a configuração de multiplicidade de títulos de propriedade levantados para os diversos desdobros de lote havidos na área de intervenção.

Fig.3.4 – Planta de Sobreposição para demarcação do núcleo “Engenheiro Taveira”

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Neste sentido, os encaminhamentos identificados para a área, consistiram narealização delevantamento topográfico; elaboração de elementos técnicos para proceder com a demarcação urbanística; cadastro social e coleta de documentos dos responsáveis por cada lote; elaboração e aprovação de projeto de regularização e confecção dos títulos de legitimação de posse.

Para o caso específico do núcleo Engenheiro Taveira, o procedimento de regularização fundiária não foi finalizado, permanecendo as peças referentes à demarcação arquivadas em cartório, face a ausência de andamento ao processo por parte do Município, razão pela qual não efetivada a regularização, tampouco a titulação dos moradores.

4 CONCLUSÃO

A edição das normas sobre a regularização fundiária, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida, se propôs a trazer um avanço à remediação de política habitacional no país. Não que esta se coloque a solucionar os problemas habitacionais existentes, resultantes de mais de 500 anos de histórias pautadas no sistema colonial de utilização da terra como meio de produção de riquezas e favorecimentos de determinadas camadas sociais detentoras do poder econômico.

Contudo, viabiliza a implementação de instrumentos da politica urbana trazidos pela Constituição Federal de 1988 e Estatuto da Cidade, normas que sofreram modificações positivas resultados das lutas democráticas pelo direito à moradia e pelo cumprimento da função social da propriedade.

Nesse sentido, os processos obsoletos e extremamente burocráticos de regularização fundiária, passam a ocorrer de forma mais simplificada, inclusive com a desjudicialização dos procedimentos, que contribuem com a celeridade e eficiência de se promover o reconhecimento do direito à moradia e colocar em prática o princípio constitucional da função social da propriedade urbana.

Como difundido no decorrer deste artigo, a regularização fundiária possui essência curativa e não pode ser vista dissociada de conjunto mais amplo de políticas públicas e estratégias de gestão urbana com a finalidade de reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano (Fernandes, 2006).

A ampliação do mercado imobiliário formal às camadas desfavorecidas da sociedade, sobretudo os grupos de renda baixa e média, com a oferta de subsídios públicos configura-se como medida prioritária para contribuir com a reforma urbana, no sentido de democratizar o acesso à terra, através de intervenções diretas e investimentos por parte do poder público

Enquanto isso, os agentes envolvidos na regularização fundiária, vão se valendo dos novos instrumentos trazidos pela Lei, como a demarcação urbanística e a legitimação de posse que até então, apresentam-se como meio de viabilizar a regularização e garantir a moradia juridicamente dos ocupantes das áreasirregulares.

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A legislação avançou e uma nova mentalidade tenta se apropriar das relações e procedimentos que correm perante os órgãos envolvidos, pautando-se na diminuição da burocracia e celeridade.

A experiência é válida, e com o passar do tempo, as práticas vão se consolidando e e passam a fazer parte das relações institucionais e sociedade em geral.

Importante sempre é atentar-se às diretrizes e aos princípios que devem nortear as interpretações e aplicação dos instrumentos de regularização fundiária com vistas a promover a ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, assegurando o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental.

Resta ainda aos municípios, se apropriarem de sua autonomia como ente federativo responsável pelo planejamento local, e promover a articulação com as políticas setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis de governo, e com as iniciativas públicas e privadas e a participação popular em todas as etapas do processo de regularização.

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