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1 Semiologia de Oftalmologia, Otorrinolaringologia, e Cirurgia da Cabeça e Pescoço RCG 0314 Coordenador da disciplina da Oftalmologia - Prof. Dr. Jayter Silva de Paula Coordenador de Graduação da Oftalmologia Prof. Dr. Jayter Silva de Paula Coordenador do Serviço de Oftalmologia Prof. Dr. Eduardo Melani Rocha Roteiro para Avaliação oftalmológica Anamnese dirigida Identificação Nome: Idade: Gênero: Profissão: Procedência: Queixa e duração Caracterizar os sintomas: forma de aparecimento (agudo/insidioso), duração e evolução Perda visual: uni/bilateral, escurecimento, embaçamento, perda de campo Dor/hiperemia ocular: localização, associação com o piscar, ou com a perda visual Cefaléia: associação com a perda visual, período do dia, áurea, localização, etc. Antecedentes Investigar antecedentes com possível repercussão direta no quadro clínico Uso de óculos / lente de contato (paciente ou familiares) Cirurgias / traumas / doenças oculares Diabetes Mellitus / Hipertensão arterial / outras doenças sistêmicas Glaucoma ou cegueira na família Exame oftalmológico Exame funcional da visão Acuidade visual: Com tabela de medida, a 5 m: mono-ocular, com correção óptica. Com cartela de medida para perto: mono/bi-ocular, com e sem correção óptica.

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Semiologia de Oftalmologia, Otorrinolaringologia, e Cirurgia da

Cabeça e Pescoço – RCG 0314

Coordenador da disciplina da Oftalmologia - Prof. Dr. Jayter Silva de Paula

Coordenador de Graduação da Oftalmologia – Prof. Dr. Jayter Silva de Paula

Coordenador do Serviço de Oftalmologia – Prof. Dr. Eduardo Melani Rocha

Roteiro para Avaliação oftalmológica

Anamnese dirigida

Identificação

Nome: Idade:

Gênero: Profissão:

Procedência:

Queixa e duração

Caracterizar os sintomas: forma de aparecimento (agudo/insidioso), duração e evolução

Perda visual: uni/bilateral, escurecimento, embaçamento, perda de campo

Dor/hiperemia ocular: localização, associação com o piscar, ou com a perda visual

Cefaléia: associação com a perda visual, período do dia, áurea, localização, etc.

Antecedentes

Investigar antecedentes com possível repercussão direta no quadro clínico

Uso de óculos / lente de contato (paciente ou familiares)

Cirurgias / traumas / doenças oculares

Diabetes Mellitus/ Hipertensão arterial / outras doenças sistêmicas

Glaucoma ou cegueira na família

Exame oftalmológico

Exame funcional da visão

Acuidade visual:

Com tabela de medida, a 5 m: mono-ocular, com correção óptica.

Com cartela de medida para perto: mono/bi-ocular, com e sem correção óptica.

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Campo visual de confrontação

A aproximadamente 1 m, mono-ocular, testar a detecção dos dedos do examinador durante a

exposição nos quatro quadrantes do campo visual, mantendo fixação olho do examinador –

olho do paciente (anotação em quadrantes).

Reflexos pupilares

Em sala escura, com lanterna: testar reflexos diretos, consensuais e alternados.

Em sala clara, com tampa de caneta, testar reflexo de aproximação.

Exame ocular

Anexos oculares:

Pálpebras: posição, simetria, movimentação (ptose, medir a MRD)

Cílios: posição, secreções, contato com o globo (triquíase)

Vias lacrimais: inspeção do ponto lacrimal (oclusões, secreções)

Simetria e posição do globo na órbita (proptose, enoftalmo, desvios)

Globo ocular

Conjuntiva: hiperemia, secreção, corpos estranhos

Córnea: brilho, transparência, coloração com fluoresceína

Câmera anterior: profundidade, transparência, regularidade pupilar

Teste do reflexo vermelho, com oftalmoscópio direto, a 30cm de distância. Verificar o reflexo

da retina pela pupila bilateralmente (documentar diminuição do reflexo e/ou manchas ou opacidades).

Motilidade ocular

Provocar ducções e versões e documentar suas amplitudes e simetria.

Investigar presença de desvio ocular durante fixação (longe e perto) com teste de Hirschberg.

Documentar diplopia e em quais posições do olhar.

Fundo de olho

Com oftalmoscópio direto em midríase: identificar o nervo óptico, vasos e mácula

(documentar a visibilidade e simetria dos achados):

Nervo óptico: coloração, presença ou não de hemorragias/lesões

Vasos: Tortuosidade, presença de hemorragias/exsudatos/lesões

Mácula: Brilho, coloração Média periferia: detecção de lesões na retina

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Conteúdo

I) Exame ocular externo dos anexos oculares

II) Exame ocular externo bulbar

III) Exame da pupila

IV) Exame elementar do sentido visual e do equilíbrio oculomotor

I) Exame ocular externo dos anexos oculares

Anexos oculares são as estruturas que estão relacionadas ao olho sem fazerem

parte do bulbo ou globo ocular propriamente dito. Os principais anexos são: pálpebras, todo

o conteúdo orbitário e as vias lacrimais. Teoricamente a conjuntiva bulbar é um anexo, mas

o exame dessa estrutura é comumente feito no exame externo bulbar. O exame externo

anexial envolve a avaliação de vários músculos faciais, listados na tabela abaixo.

Tabela: Principais músculos faciais avaliados no exame externo dos anexos oculares

Músculo Ação Inervação

Frontal Eleva os supercílios VII nervo (facial

Corrugador Deprime e medializa a cabeça do supercílio

VII nervo (facial

Piramidal ou Procerus Deprime a cabeça do supercílio

VII nervo (facial

Dlevador (levantador) da pálpebra superior

Elevação da pálpebra superior

III nervo (oculomotor)

Müller Elevação da pálpebra superior

Simpático Cervical

Tarsal inferior Retração da pálpebra inferior

Simpático Cervical

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1) EXAME ANEXIAL ESTÁTICO

a) Fenda palpebral - A fenda palpebral é definida como o espaço formado pelas duas

pálpebras quando o indivíduo está em estado de alerta e fixando algo em frente (posição

primária do olhar).

A fenda normalmente tem uma pequena angulação com o canto externo sendo cerca

de 4 a 5 mm mais alto que o interno (Figura 1).

Figura 1- Fenda palpebral normal: notar angulação do canto externo em relação ao interno, posição da palpebral superior e inferior, sulco palpebral superior

Angulações inversas (canto externo mais baixo) são anômalas e denominadas de

"anti-mongolóide". A dimensão horizontal da fenda é de 25 a 30 mm. Aumento da distância

entre os dois cantos internos devido a anomalias do tendão cantal medial caracteriza o

telecanto (Figura 2). O telecanto deve ser diferenciado do hipertelorismo que traduz o

aumento entre as duas órbitas. É comum nos telecantos a presença de uma prega que

partindo da pálpebra dirige-se para a superior cobrindo parcialmente o canto interno. Ë o

epicanto.Enquanto que no telecanto a estrutura óssea orbitária é normal, no hipertelorismo

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o arcabouço ósseo da órbita é anormal havendo um afastamento anômalo entre as

paredes mediais (Figura 3).

Figura 2- Telecanto e epicanto em criança com a síndrome da blefarofimose. Notar a ptose, orientação anômala da fenda e arqueamento de supercílios (ver abaixo)

Figura 3- Encefalocele frontal e grande hipertelorismo (distância anômala entre as paredes mediais da órbita)

a) Supercílio: Elevação uni ou bilateral indica hiperação frontal, mecanismo comum de

compensação de ptoses palpebrais. Supercílios rebaixados sugerem paralisia do ramo

fronto-temporal do nervo facial.

b) Pálpebra superior. Modernamente, a posição da pálpebra superior é medida em relação

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ao centro da pupila (Figura 4). Como o centro pupila pode ser clinicamente evidenciado

solicitando-se ao paciente que fixe uma luz e observando-se a posição do reflexo corneano

da luz, essa medida é denominada na literatura americana de Margin Reflex Distance ou

MRD. Usa-se uma régua e registra-se o resultado em milímetros. Os valores normais

variam de 2.5 a 5.0mm. Valores menores que 2.5mm caracterizam as ptoses e maiores que

5.0mm as retrações.

MRD

Figura 4 - Medida do posicionamento palpebral superior

As anomalias do posicionamento palpebral superior incluem as blefaroptoses (ou

simplesmente ptoses) (Figura 5) e as retrações palpebrais, das quais a mais comum é a da

orbitopatia de Graves (Figura 6).

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Figura 5- Ptose congênita bilateral, assimétrica (maior à esquerda). Notar a hiperação do músculo frontal com elevação compensatória dos supercílios

Figura 6- Retração palpebral superior bilateral assimétrica (maior à direita), na orbitopatia de Graves. Notar hiperação do músculo corrugador (sulco vertical entre os supercílios) comum nessa condição

c) Pálpebra inferior. Procede-se da mesma maneira. Valores normais variam de 5.5 a

7.0mm. Não é usual o termo ptose para a pálpebra inferior. Já o termo retração inferior é

usado para designar valores maiores que 7.0mm (ou assimétricos) (Figura 7). As causas

mais freqüentes de retração palpebral inferior são: orbitopatia de Graves, traumas e pós-

operatórios de blefaroplastia inferior.

Figura 7- Retração palpebral inferior na orbitopatia de Graves. De novo, notar a grande hiperação do músculo corrugador

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d) Margem palpebrais - Normalmente estão sobre o olho de maneira que os cílios dirigem-

se para fora sem tocar a superfície ocular. As anomalias mais comuns do posicionamento

da margem palpebral são o ectrópio (quando a margem está evertida) e o entrópio quando

ocorre o inverso, isto é, a margem está invertida (Figuras 8 e 9).

Figura 8- Ectrópio palpebral superior e inferior na ictiose lamelar

Figura 9- Entrópio palpebral inferior (não se vê a margem que está rodada para dentro). Condição comum em pacientes idosos

e) Cílios

Triquíase: Em margens bem posicionadas ou não, os cílios podem perder o

direcionamento normal e tocar a superfície ocular. Essa condição é denominada de

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triquíase (Figura 10).

Figura 10- Cílios tocando a superfície ocular: Triquíase.

Distiquíase: essa condição designa uma dupla fileira de cílios, anormalmente posicionada

atrás da linha cinzenta, usualmente, nos orifícios das glândulas de Meibomius. Poucas

palavras em oftalmologia são mais deturpadas que a distiquíase. Ela é freqüentemente

confundida com triquíase e, às vezes, pronunciada erroneamente como “distriquíase”. Parte

dessa confusão certamente advém do fato de o prefixo da palavra não ser o latino dis

(dificuldade), mas, sim, o grego di (duplo). O sufixo grego stichos completa a palavra,

significando fileira. Para alguns, como Duke-Elder, o termo deveria ser aplicado unicamente

para casos congênitos. Modernamente, no entanto, usa-se a expressão distiquíase

adquirida para designar o crescimento de neocílios na lamela posterior em pacientes com

seqüelas de patologia indutora de metaplasia das glândulas de Meibomius, como

tipicamente ocorre na síndrome de Steven-Johnson. Os termos “tristiquíase e

tetrastiquíase” são usados para designar condições congênitas caracterizadas pela

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presença de, respectivamente, três e quatro fileiras anômalas de cílios.

Poliose: perda da melanina ciliar levando à descoloração ou mesmo embranquecimento do

cílio. Pode ser congênita ou adquirida, superior ou inferior.

Madarose: perda ou queda de cílios, levando à diminuição do número de cílios na

pálpebra. Tem o mesmo significado de alopécia ciliar quando a madarose é total. Quando

parcial, o termo madarose é mais utilizado. A madarose é usualmente a expressão de um

problema orgânico, entretanto, há casos funcionais nos quais a perda de cílios decorre de

auto-agressão. É a tricotilomania.

f) Sistema lacrimal

O sistema lacrimal é formado pela glândula lacrimal principal e acessórias (sistema

de produção das lágrimas) e de um conjunto de estruturas que drenam a lágrima

continuamente da fenda palpebral para o meato médio nasal (Figuras 10 e 11).

Figura 10- Glândula lacrimal principal: localizada no quadrante súpero-externo da órbita. As glândulas lacrimais acessórias estão espalhadas na conjuntiva (palpebral e bulbar)

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Figura 11- Vias lacrimais: estruturas de drenagem. Localizadas no ângulo interno da fenda palpebral: pontos lacrimais (2), canalículos lacrimais (5), saco lacrimal (6 e 9), ducto ou canal lácrimo-nasal (12)

Os pontos lacrimais são visíveis ao exame desarmado. Podem estar ausentes ou

serem anômalos.

Há duas situações que levam a excesso de lágrima na fenda palpebral. Obstruções

lacrimais levam a epífora. Excesso de produção (lesões irritativas, emoção) produzem o

lacrimejamento propriamente dito.

Tumefações no canto interno da fenda podem traduzir dilatação do saco lacrimal.

Fala-se em dacriocistite crônica quando não há sinais flogísticos e aguda quando a

dilatação sacular vem acompanhada dos sinais e sintomas clássicos da inflamação (Figura

12).

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Figura 12- Dilatação do saco lacrimal esquerdo por obstrução do ducto naso-lacrimal

g) Posicionamento do olho na órbita

Avaliar o grau de anteriorização do globo ocular. Proptose ou exoftalmia é o termo

que descreve o sinal caracterizado pela projeção anormal do olho para frente.

Enoftalmalmia ou enoftalmo é o contrário, ou seja, o olho está posicionado anormalmente

para trás. Enoftalmo e proptose refletem diferentes relações entre o volume da órbita

(continente) e o do conteúdo orbitário. Sempre que houver aumento do conteúdo ou

dimininuição do continente ocorre proptose. O contrário (diminuição do conteúdo ou

aumento do continente) causa enoftalmo.

A principal causa de proptose uni ou bilateral em adultos é a orbitopatia de Graves

(Figura 13)

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Figura 13- Proptose simétrica e retração palpebral superior na orbitopatia de

Graves

A melhor maneira de se detectar anomalias posicionais do globo no sentido ântero-

posterior é comparar a posição ocular com o paciente olhando para cima e o médico

observando os olhos por baixo (Figura 14).

Figura 14- Enoftalmo à esquerda por fratura de órbita (aumento do continente)

2- EXAME ANEXIAL DINÂMICO

a) Verificar motilidade frontal (avaliação da função do músculo frontal) - Pedir ao paciente

para "enrugar a testa".

b) Verificar a oclusão da fenda (avaliação da função orbicular) - Solicitar que o "paciente

feche os olhos". Quando a pálpebra superior não desce completamente há o denominado

lagoftalmo, que pode ser paralítico ou cicatricial (Figura 15).

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Figura 15- Esquerda: paciente contraindo o frontal. Notar ausência de elevação do supercílio direito. Direita: oclusão voluntária da fenda: lagoftalmo paralítico direito.

c) Medir a excursão palpebral superior (avaliação da função do músculo elevador

palpebral). Pedir ao paciente para olhar para baixo e em seguida para cima. Medir o

movimento palpebral com régua milimetrada. É importante impedir com uma das mãos a

ação do frontal.

d) Eversão plpebral - Manobra necessária para o exame da conjuntiva tarsal superior.

II) EXAME OCULAR EXTERNO BULBAR

1) Observar sinais de hiperemia e secreção conjuntival

2) Transparência e dimensões da córnea

3) Aspecto da íris.

Existe uma miríade de sinais e sintomas que podem ser diagnosticados com esses

exames simples. Anomalias das dimensões corneanas. O diâmetro corneano horizontal é

12mm. Valores diferentes são anormais. Opacidades corneanas. Segundo o grau de

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opacidade distingue-se: leucomas (opacidade de todas as camadas), nébulas e

nubéculas (parciais).

Hiperemia predominantemente ao redor da córnea é dita perilimbar ou pericerática.

Esse tipo de hiperemia geralmente não é causado por conjuntivite e deve funcionar como

sinal de alerta que algo interno está ocorrendo no olho.

III- Exame da pupila

Verificar tamanho e forma das pupilas. Qualquer opacidade na área pupilar é

denomindada de leucocoria e significa opacidade dos meios oculares (geralmente cristalino

ou vítreo).

A diferença de tamanho pupilar é denominada anisocoria. Igualdade é isocoria.

Reflexos fotomotores: direto e consensual

Um teste importante é o exame do fenômeno de Marcus Gunn ou do defeito pupilar

aferente (Figura 16). O exame é dito positivo quando ao se iluminar sucessivamente os dois

olhos, uma das pupilas dilata com a iluminação. No caso da figura 16 o teste é positivo à

esquerda. O teste é feito na penumbra e só tem valor se as pupilas forem isocóricas. A

positividade do teste indica disfunção de condução óptica.

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Figura 16- Exame do defeito pupilar aferente ou pupila de Marcus Gunn

III - EXAME ELEMENTAR DO SENTIDO VISUAL E DO EQUILÍBRIO OCULOMOTOR

Harley E. A. Bicas

I) CONCEITOS BÁSICOS NO ESTUDO DO SISTEMA OCULOMOTOR

1) O olho, praticamente equiparado a uma esfera, fica acondicionado na órbita, envolto por

gordura. Assim, movimentos em que ele se desloca como um todo (translações) são

quase nulos, mas os de rotação (em torno de seu centro) chegam a amplitudes de

cerca de 40o.

2) Essas rotações oculares são providas por músculos oculares externos, seis em cada

olho: os retos medial, superior, inferior e o oblíquo inferior (inervados pelo III nervo

cranial, o motor ocular comum), o reto lateral (inervado pelo VI nervo cranial, o motor

ocular externo, ou abducente) e o oblíquo superior (inervado pelo IV nervo cranial, o

troclear, ou patético).

3) Várias outras estruturas do sistema nervoso central acionam esses núcleos, por meio

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de comandos voluntários (córtex frontal), ou reflexos (córtex occipital, núcleos

vestibulares, cerebelo).

4) Um dos mais importantes mecanismos de controle do sistema oculomotor é o da fusão

binocular pelo qual os eixos visuais são automática e simultaneamente ajustados ao

ponto de fixação, mesmo que os comandos para as rotações oculares a esse ponto não

estejam perfeitamente adequados.

5) Em tal condição, a de desvio dos eixos visuais para um mesmo ponto de fixação, mas

compensado pelos mecanismos de fusão binocular, dá-se o nome de heteroforia.

6) No caso de o desvio dos eixos visuais não estar compensado, o desvio é chamado

heterotropia ou estrabismo.

II) SEMIOLOGIA DOS MOVIMENTOS

7) Para o estudo dos movimentos oculares, solicita-se ao examinado que fixe em objeto

enquanto se o desloca em várias direções e sentidos. Crianças, mesmo as bem

pequenas, tendem a fixar automaticamente o examinador, ou um objeto em sua mão,

tornando o exame igualmente possível. Os movimentos de um olho, ou duções, são:

A) Horizontais, em torno do eixo vertical: o de adução, para o lado nasal (medial), para

o qual o principal agente é o reto medial; e o de abdução, para o lado temporal

(lateral), principalmente produzido pelo reto lateral.

B) Verticais, em torno do eixo transversal (ou látero-medial): o de sursundução, ou

elevação, para o qual o principal agente é o reto superior; e o de deorsundução, ou

abaixamento, para o qual o músculo mais importante é o reto inferior.

C) Torcionais, em torno do eixo longitudinal, ou ântero-posterior: o de inciclodução, ou

inciclotorção, em que o pólo superior do olho gira para o lado nasal, produzido

principalmente pelo oblíquo superior; e o de exciclodução ou exciclotorção, em

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que o pólo superior do olho gira para o lado temporal, movimento esse produzido

principalmente pelo oblíquo inferior.

Diferentemente dos movimentos horizontais e verticais, que podem ser volitivamente

obtidos, os torcionais são apenas reflexos (por exemplo, ao se inclinar a cabeça para um

dos lados), de pequena amplitude e dificilmente observáveis. Por isso, os músculos

oblíquos são testados por suas ações horizontais e verticais, combinadamente aos

músculos retos.

8) Os movimentos dos dois olhos num dado sentido são chamados binoculares

conjugados, ou versões:

A) Para a direita (dextroversão): o de adução do olho esquerdo (OE) e o de abdução

do olho direito (OD);

B) Para a esquerda (levoversão): o de adução do OD e de abdução do OE.

C) Para cima (sursunversão, ou elevação binocular): a sursundução dos dois olhos.

D) Para baixo (deorsunversão, ou abaixamneto binocular): a deorsundução dos dois

olhos.

E) A dextrocicloversão: a exciclodução do OD e a inciclodução do OE; involuntária,

como ambas que a compõem.

F) A levocicloversão: a exciclodução do OE e a inciclodução do OD; também

involuntária.

9) Os movimentos dos dois olhos em sentidos opostos são os binoculares disjuntivos, ou

vergências; das quais a única para a qual a natureza provê meios de execução normal

é a convergência (adução dos dois olhos), útil nas fixações binoculares para perto.

SEMIOLOGIA DO EQUILÍBRIO OCULOMOTOR ESTÁTICO (POSIÇÃO RELATIVA DOS OLHOS)

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10) O eixo visual, ou seja, a linha reta entre o objeto para o qual se dirige a atenção visual

(“objeto de fixação”) e a fóvea (o ponto da retina com maior discriminação visual) não é

perfeitamente coincidente ao eixo geométrico (ou seja, a linha de simetria passando

pelo meio da pupila e pelo centro geométrico do olho). A discrepância é, entretanto,

muito pequena: o reflexo de um ponto luminoso fixado pela fóvea fica normalmente a

cerca de 0,5 mm do lado nasal do centro da pupila.

11) Ainda que descentrações pouco maiores do que esta possam ser ainda normais, elas

devem levantar a suspeita de desvios dos eixos visuais (estrabismos). A comprovação

do estado de desvio não pode, portanto ser feita por simples observação (a não ser que

a descentração desse reflexo seja de dois ou mais milímetros) mas por um teste

específico, chamado teste de cobertura.

12) O teste de cobertura simples consiste em se ocluir o olho fixador. Se o outro olho

(desviado) tiver também capacidade de fixação, movimentar-se-á para dirigir seu eixo

visual ao objeto para o qual a atenção é requerida. Com esse simples movimento fica

comprovado o estado de desvio (estrabismo).

13) O desvio será classificado pela posição à qual o olho (desviado) estava direcionado, isto

é, pela posição de onde ele se movimenta, para fixar o objeto:

A) Eso (ou endo) desvio, se o olho se movimentar a partir do lado nasal;

B) Exodesvio, se vier desde o lado temporal (para fixar “em frente”);

C) Hiperdesvio, se se movimentar de cima para baixo (“em frente”);

D) Hipodesvio, se se movimentar de baixo para cima (“em frente”).

14) Na desoclusão do olho antes fixador, duas coisas podem ocorrer:

a) Esse olho volta a fixar (como antes) e o que fixava (quando não havia alternativa,

pois o primariamente fixador estava ocluido) volta a se desviar (cedendo a fixação

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ao primariamente fixador). Diz-se haver um estrabismo monocular (o do que

estava antes desviado e retorna, após a desoclusão do outro, à posição inicial).

Nesse caso fala-se em, por exemplo, esotropia do olho direito (ETOD) se o olho

direito for o que se desvia (para dentro), exotropia do olho direito (XTOD), ou do

esquerdo (XTOE), etc.

b) O olho descoberto permanece desviado. Fala-se, nesse caso, de um estrabismo

alternante.

15) Caso o estrabismo não seja evidente, a ponto de tornar fácil a identificação de qual seja

o olho fixador (para oclui-lo), deve-se ocluir o olho de melhor visão. Se também não

houver diferença de acuidade visual, é indiferente começar-se o teste pelo OD, ou pelo

OE.

16) Em casos em que o estrabismo é inconspícuo ou inexistente, esse teste de cobertura

simples (cobertura de um dos olhos por alguns instantes, seguida de seu

descobrimento), enquanto o examinado fixa um determinado ponto é de interpretação

mais complicada, devendo ser deixado a especialistas.

17) Para um não-especialista, ou em levantamentos populacionais (triagens), recomenda-

se o teste de cobertura alternada. Por ele, os olhos são alternadamente ocluidos e, ao

se passar o oclusar de um lado para o outro, deve-se observar se há, ou não,

movimento do olho (recém descoberto) para fixar (olhar) o objeto para o qual a atenção

é requerida. Se houver movimento é porque, sob o oclusor, o olho estava desviado. A

interpretação, portanto, é a de desvio dos eixos visuais, de desequilíbrio do sistema

oculomotor.

18)Para terminar o teste, na desoclusão, poderá ser percebido se o desvio então

eventualmente observado se compensa (heteroforia) ou permanece (heterotropia).

Entretanto, a detecção do desvio (seja ele uma esoforia ou uma esotropia, uma

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hiperforia ou uma hipertropia, etc.) já basta para o conhecimento de que o sistema

oculomotor apresenta desequilíbrio.

19) Se não houver desvio, o examinado é dito possuir ortotropia, posição adequada dos

olhos para o ponto de fixação (paralelos no olhar para longe, ou em perfeita

convergência na fixação para perto).

20) O exame da convergência é feito pela aproximação gradativa de um objeto (fixado

binocularmente) à base do nariz. O ponto próximo de convergência (P.P.C.) que é

aquele em que se nota o desvio de um dos olhos para o lado temporal (“quebra” da

convergência) é normalmente encontrado a distâncias de 10cm ou menos.

21) Um quadro muito comum é o de ortotropia na fixação para objetos distantes e exoforia

nas fixações para perto. Dependendo da magnitude da exoforia e, principalmente, se ela

estiver associada a um P.P.C. “afastado” (relativamente aos olhos) esse desvio (exo),

embora compensado (foria) pode ser causador de sintomas.

22) Certos quadros neurológicos podem impedir o movimento de um dos olhos (dução) ou o

do olhar conjugado (versão) em um ou mais sentidos, ou a convergência.

23) Movimentos oculares rítmicos e involuntários são chamados nistagmos.

ROTEIRO PARA EXAME (ELEMENTAR) DA VISÃO

1) A função visual apresenta várias modalidades, das quais as que se mostram mais

freqüentemente examinadas em clínicas oftalmológicas são as de discriminação de

formas e a de percepção periférica de estímulos.

Exame do campo visual

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2) A de percepção periférica de estímulos é testada pela campimetria, apresentando-se

principalmente comprometida em glaucomas, doenças da retina e afecções das vias

visuais (por exemplo, hemianopsias).

3) O campo visual correspondente a cada olho é determinado por meio de instrumentos

apropriados e disponíveis num consultório oftalmológico. Por eles são possíveis os usos

de estímulos (círculos luminosos) com tamanhos e intensidades luminosas diferentes.

4) Um teste grosseiro, mas eventualmente útil na constatação de grandes perdas

campimétricas pode ser feito por comparação do campo visual do examinado com o do

examinador (assumido como normal) pela prova de confrontação.

5) A prova de confrontação consiste em que examinado e examinador fiquem frente a

frente a, aproximadamente, 50 cm um do outro, o olho esquerdo de um fixando

diretamente o direito do outro (e vice-versa). Um objeto (por exemplo, uma caneta) é

posto de um lado (direito, esquerdo, acima, abaixo), afastado do eixo que une os dois

olhos (o do examinado e o do examinador) e a meia distância entre ambos.

6) Para certificação de se o examinado percebe o objeto, com sua visão “periférica”, ele

deve informar o momento em que o objeto é balançado (pelo examinador).

7) A não percepção do objeto pelo examinado e a necessidade de que ele seja trazido a

posições mais centrais (próximas ao eixo imaginário que une o olho do examinado ao do

examinador) denota perda de campo visual; tanto mais extensa quanto mais próxima do

centro do campo se der a percepção.

8) A prova deve ser feita em quatro posições para cada olho: à direita, à esquerda, acima e

abaixo.

Exame de acuidade visual

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9) A prova de discriminação de formas é a da acuidade visual, realizada com os

chamados optotipos (figuras, letras, números, símbolos).

10) Toma-se como normal a capacidade resolutiva de estímulos diferentes separados pelo

intervalo angular equivalente a um minuto de arco. Esse ângulo corresponde a um

intervalo de 1,454mm a cinco metros de distância.

11) Uma letra E (com três traços, correspondentes às barras horizontais escuras sobre

fundo branco e dois intervalos claros entre elas, todos supostamente de mesma largura)

terá então o tamanho (lado, altura) de 1,454 mm x 5 (elementos) = 7,27 mm de modo

que cada parte corresponda ao ângulo de 1’ de arco.

12) Bastariam apenas dois traços escuros separados por um claro (tamanho total de 1,454

mm x 3 = 4,362 mm) para, também, compor um optotipo ainda mais simples. Ou

construir um com mais barras escuras e claras, constituindo uma “grade”. O que importa

é a “largura” de cada uma.

13) O examinado deve então informar corretamente a posição para a qual se apresentam as

aberturas da letra, mostrada (aleatoriamente) para cima, ou para a esquerda, ou para a

direita, ou para baixo.

14) A proporção de acertos sobre a de apresentações deve ser, pelo menos em torno de

50%. Havendo uma possibilidade entre quatro de que a informação seja certa mesmo

sem discriminação do optotipo, proporções de 25% ou mesmo pouco superiores devem

ser descartadas como válidas.

15) Uma das possibilidades de teste é a de apresentação de grupos desses optotipos, à

distância de cinco metros (correspondentes, pois, à visão normal, designada como

“1,0”).

16) Se o examinado não conseguir discriminar corretamente pelo menos metade das

apresentações, as letras lhe são aproximadas, até que ele possa vê-las. A medida da

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acuidade visual é, então, dada pela razão da distância para a qual o tamanho da letra

é preparado (para que corresponda à visão “normal”, igual a 1,0) e a distância à qual se

deu a discriminação (de pelo menos metade das letras).

17) No caso de os optotipos terem sido preparados para que suas partes constituintes

correspondam a 1’ à distância de 5 metros, a medida da acuidade visual (V) é dada pela

fórmula V = d/5 onde d é a distância à qual se dá a discriminação. Por exemplo, se d=

3,5 metros, V= 3,5/5 = 0,7. Se d = 2 m, então V= 2/5 = 0,4.

18) Esse modo de aferição da acuidade visual (tomada como a fração da distância à qual o

optotipo preparado para ser discriminado a uma distância d se torna, enfim, percebido) é

bem simples, requer apenas um pequeno cartão com os optotipos (oferecido como

anexo) mas suscita, pela aproximação deles ao examinado, o uso da acomodação, um

ajustamento óptico do olho.

19) Outra possibilidade é a de preparar optotipos de tamanhos diferentes, tais que

correspondessem à visão normal a distâncias maiores, isto é, por exemplo, 10

metros, 20 metros, etc. Obviamente o optotipo normalmente visto a 10 metros (V= 1,0)

quando testado à metade da distância (5 metros) corresponderá à metade da acuidade

visual normal: V= 5/10 = 0,5. O optotipo que seria visto normalmente a 20 metros,

corresponderá, à distância de 5 metros, a V = 5/20 = 0,25. Dessa forma são construídas

tabelas para uso a uma determinada distância (geralmente 5 ou 6 metros).

20) A tomada de acuidade visual em tabelas é a preferida por oftalmologistas.

21) O cartão anexo (grupo de nove optotipos com a letra E em várias posições) corresponde

à acuidade visual normal (V = 1,0) para cinco metros.

22) Se a acuidade visual for mais baixa do que a normal, sua medida deve ser repetida, com

o olhar dirigido através de um pequeno orifício, o estenopeico. A melhora dos valores,

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quando significativa, indica que a redução de V se deve a uma ametropia (miopia,

hipermetropia, astigmatismos).

23) A acuidade tomada em tabelas ou com a aproximação dos optotipos, mas com eles

agrupados, é dita ser com interação de contornos. Se o valor de V melhorar quando a

medida for feita com um único optotipo (acuidade visual chamada “angular”) o

diagnóstico é de ambliopia.

24) Assim, a medida da acuidade visual pode requerer três provas: a de optotipos em uma

tabela (com interação de contornos), a deles tomada com o orifício estenopeico; e a de

optotipos apresentados isoladamente, um de cada vez (em cartões em que cada

optotipo aparece em apresentação única).

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