4
T EC N O L O G IA SENSORIAMENTO REMOTO s agricultores brasilei- ros poderão contar no segundo semestre deste ano com um poderoso aliado pa- ra monitorar e elevar a produtividade de suas lavouras. Trata- se de uma aeronave não tripulada, autô- noma, planejada para sobrevoar as plan- tações e captar imagens que depois serão analisadas e processadas por especializados. O pequeno avião, que está em estágio final de desenvolvimen- to, tem autonomia de vôo de quatro ho- ras e capacidade para registrar 6 mil fotos por dia, voando a 100 metros do solo. “As imagens, captadas por uma câ- mera digital acoplada à aeronave, po- dem ser usadas pelos produtores rurais para detectar vários problemas no de- senvolvimento das culturas, como fa- lhas no plantio, infestação por pragas, deficiência de nutrientes, presença de doenças e de plantas invasoras, entre ou- tros”, destaca o pesquisador Onofre Trindade Júnior, coordenador do proje- to que envolve pesquisadores e técnicos da Universidade de São Paulo (USP), Embrapa Instrumentação Agropecuária, unidade da Empresa Brasileira de Pes- quisa Agropecuária e AGX Tecnologia, empresa de São Carlos focada no desen- volvimento de soluções tecnológicas para o setor agrícola. Essa empresa, que faz parte do grupo da Fazenda Campo Bom, de Mato Grosso do Sul, investiu a maior parte do R$ 1,5 milhão gasto até o momento com o projeto. Veículos aéreos não tripulados, co- nhecidos pela sigla Vants, podem ser empregados em muitas aplicações civis e militares, explica Onofre Júnior, que é professor licenciado do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP em São Carlos. As aeronaves de- senvolvidas por seu grupo integram o Projeto Arara (Aeronaves de Reconheci- mento Assistidas por Rádio e Autôno- mas), iniciado em 1998, e são dirigidas para aplicações de monitoramento agrí- cola e ecológico. Isso é feito por meio da coleta de imagens de vídeo e de foto- grafias, que são posteriormente proces- sadas para extração das informações de interesse. A maioria das imagens é coletada no espectro de luz visível, mas algumas são obtidas na região do infravermelho dis- tante (imagens termais), ideais para de- 72 MAIO DE 2006 PESQUISA FAPESP 123 Aeronaves não tripuladas podem ser usadas para aum entar a produtividade das lavouras do país O Ajuda do céu Y URI VASCONCELOS Imagem mostra a regularidade do plantio de lavoura de eucalipto

SEN SO R IA M EN TO EM OTO - Pesquisa Fapesp...tal.“O Projeto Arara cobre desde a co-leta de imagens em áreas agrícolas e florestais,com um equipamento volta-do para essa aplicação

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • TEC N O LO G IA

    S E N S O R IA M E N T O R E M O T O

    s agricultores brasilei-ros poderão contarno segundo semestredeste ano com umpoderoso aliado pa-ra monitorar e elevara produtividade desuas lavouras. Trata-

    se de uma aeronave não tripulada, autô-noma, planejada para sobrevoar as plan-tações e captar imagens que depois serãoanalisadas e processadas por softwaresespecializados. O pequeno avião, queestá em estágio final de desenvolvimen-to, tem autonomia de vôo de quatro ho-ras e capacidade para registrar 6 mil fotospor dia, voando a 100 metros do solo.

    “As imagens, captadas por uma câ-mera digital acoplada à aeronave, po-dem ser usadas pelos produtores ruraispara detectar vários problemas no de-senvolvimento das culturas, como fa-lhas no plantio, infestação por pragas,deficiência de nutrientes, presença dedoenças e de plantas invasoras, entre ou-tros”, destaca o pesquisador OnofreTrindade Júnior, coordenador do proje-to que envolve pesquisadores e técnicosda Universidade de São Paulo (USP),Embrapa Instrumentação Agropecuária,

    unidade da Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária e AGX Tecnologia,empresa de São Carlos focada no desen-volvimento de soluções tecnológicaspara o setor agrícola. Essa empresa, quefaz parte do grupo da Fazenda CampoBom, de Mato Grosso do Sul, investiu amaior parte do R$ 1,5 milhão gasto atéo momento com o projeto.

    Veículos aéreos não tripulados, co-nhecidos pela sigla Vants, podem serempregados em muitas aplicações civise militares, explica Onofre Júnior, queé professor licenciado do Instituto deCiências Matemáticas e de Computaçãoda USP em São Carlos. As aeronaves de-senvolvidas por seu grupo integram oProjeto Arara (Aeronaves de Reconheci-mento Assistidas por Rádio e Autôno-mas), iniciado em 1998, e são dirigidaspara aplicações de monitoramento agrí-cola e ecológico. Isso é feito por meioda coleta de imagens de vídeo e de foto-grafias, que são posteriormente proces-sadas para extração das informações deinteresse.

    A maioria das imagens é coletada noespectro de luz visível, mas algumas sãoobtidas na região do infravermelho dis-tante (imagens termais), ideais para de-

    72 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

    Aeronaves não tripuladas podem ser usadas para aum entar a produtividade das lavouras do país

    O

    Ajuda do céu

    YURI VASCONCELOS

    Imagem mostra a regularidade do plantiode lavoura de eucalipto

    72a75-123-pesquisa-aviao 28.04.06 0:58 Page 72

  • IMA

    GE

    NS

    E F

    OT

    OS

    US

    P/E

    MB

    RA

    PA

    PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 73

    Imagem a 600 metros de altitude permite contaras árvores de cítrus

    72a75-123-pesquisa-aviao 28.04.06 17:59 Page 73

  • tectar focos de incên-dio e a presença de ani-mais. Atualmente, ospesquisadores estão fi-nalizando a modifica-ção de uma câmera fo-tográfica digital para aobtenção de imagensna faixa do infraverme-lho próximo que per-mitem melhor identifi-cação de vários fatoresque afetam as culturas,como falta d’água, al-guns tipos de doenças,além de obter índicesde desenvolvimentocomo, por exemplo, aquantidade de biomassana lavoura.

    No caso do moni-toramento agrícola, asimagens coletadas sãoposteriormente proces-sadas, dando origem auma série de informa-ções úteis como o nú-mero de plantas porhectare, tamanho das copas das árvores,distribuição de palha no solo, fator im-portante na técnica de plantio direto, e aregularidade na plantação, que mede avariação da distância entre plantas. Nomonitoramento ecológico, as principaisinformações colhidas pela aeronave sãoo mapeamento e o acompanhamento daerosão,a detecção e previsão de incêndiosflorestais, o mapeamento de recursos hí-dricos e a contagem de animais silvestres.

    B oa resolução - Com 2,3 metros decomprimento e 3,2 de envergadura (daponta de uma asa até a ponta da outra),o avião é feito de fibra de vidro comalguns componentes madeira e alumí-nio aeronáutico e conta com um motora gasolina da marca ZDZ, normalmen-te utilizado em aeromodelos, com 40cilindradas e 4,8 cavalos-vapor (cv). Aaeronave é capaz de voar, controladapor meio de sinais de rádio como umaeromodelo, a até mil metros de distân-cia e o vôo é executado entre 100 e 300metros de altura.

    Segundo o coordenador do projeto,ela apresenta uma série de vantagens emrelação a outros dispositivos tambémutilizados no monitoramento agrícola,como os satélites. “A resolução espacial

    da imagem proporcionada pela nossaaeronave é muito mais alta, permitindoidentificar características não mensurá-veis pelo satélite, como contagem deplantas pequenas”, explica Ono-fre Júnior.“Além disso, tambémpermite a coleta de imagens aqualquer momento, enquantosatélites possuem uma janela detempo limitada (quando ao cir-cular a Terra passam no localque se quer a informação) paraaquisição das imagens.”

    Na captação de imagens,existe uma outra vantagem.Enquanto a obstrução de nu-vens pode impedir a aquisiçãode boas fotos dos satélites em determi-nados momentos, a aeronave do Proje-to Arara normalmente voa abaixo donível das nuvens, não sofrendo desseproblema. Por fim, destaca o pesquisa-dor, com o uso de satélite, há uma áreade cobertura mínima para a compra daimagem, que pode ser muito maior doque a área de interesse. Assim, com aaeronave desenvolvida em São Carlos, épossível obter imagens com menor cus-to. Aviões convencionais também po-dem ser utilizados para monitoramen-to agrícola e, nesse caso, diz Onofre

    Júnior, a principal vantagem do peque-no avião são os custos mais baixos –tanto de aquisição quanto de manuten-ção e operação.

    principal motivação para reali-zação do Projeto Arara, destacao pesquisador, veio das ativida-des de aeromodelismo desen-volvidas por insistência de umde seus filhos.“Após muitas ho-ras de envolvimento com o es-porte, surgiu a idéia da utiliza-ção das aeronaves em pesquisae desenvolvimento”, afirma. Opontapé inicial do projeto foidado com o trabalho de mes-

    trado de uma pesquisadora da Embra-pa, Nilda Pessoa de Souza, onde se pro-curou avaliar a qualidade das imagensobtidas com aeromodelos e sua aplica-bilidade na agricultura. A partir daí vá-rios outros trabalhos de mestrado foramdesenvolvidos, priorizando subsistemasda aeronave e técnicas para processa-mento das imagens.

    A aeronave utiliza uma arquiteturadistribuída de sensores e servomeca-nismos, contando com um total de 11microprocessadores a bordo. Servome-canismos são dispositivos que transfor-

    74 ■ MAIO DE 2006 ■ PESQUISA FAPESP 123

    A

    Com 2,3 metros de comprimento, o avião é produzido com fibra de vidro,madeira e alumínio aeronáutico

    72a75-123-pesquisa-aviao 28.04.06 0:58 Page 74

  • mam sinais elétricos em movimentosdos controles existentes nas asas e nocorpo da aeronave como leme, ailerons,profundor e flapes. Os microprocessa-dores englobam o processador central,sensores barométricos (altitude e veloci-dade aerodinâmica), monitor de motor(rotação, temperatura etc.), controle degerador de energia e carga de bateria,controladores de servomecanismos, sis-tema de estabilização de vôo e piloto au-tomático. Além disso, o veículo dispõetambém de equipamentos compradosno mercado, como câmera de vídeo, re-ceptor de GPS (localizador geográficobaseado em satélites), de alta precisão,câmera fotográfica digital de 8 megapi-xels e transmissores e receptores de rá-dio e de vídeo.

    Um dos desafios do Projeto Arara éconstruir aeronaves autônomas, capa-zes de tomar decisões por meio da aná-lise dos dados coletados em tempo real,como, por exemplo, seguir uma estrada,o curso de um rio ou uma linha detransmissão de energia. Para finalizar opequeno avião ainda é necessário de-senvolver o mecanismo de coleta auto-mática de imagens a bordo e o registrodas suas coordenadas, refinar os ajustesdos controladores atuais para maior

    cessamento digital dasimagens, confirmadapela sua análise visual.”Os pesquisadores tam-bém realizaram proje-tos piloto com algumasempresas dos setoresagrícola e florestal parasondar a receptividadedo mercado e avaliar autilidade do sistema. Se-gundo Onofre Júnior,para entrar em opera-ção comercial, a aero-nave vai precisar, inicial-mente, passar por umprocesso de licencia-mento que já está sen-do conduzido pelaUSP, por meio da Agên-cia USP de Inovação, epela Embrapa.

    “Como ainda nãoexiste uma regulamen-tação no país sobre aoperação de aeronavesautônomas, inicial-mente as operações po-

    derão ser remotamente pilotadas ou naforma de projetos, intermediadas poruma instituição de pesquisa junto aosagricultores interessados”, afirma oOnofre Júnior. “Independentementedisso, existem várias empresas interessa-das no equipamento no país e acredita-mos que também exista mercado paraele no exterior.” Um avião desses custa-rá entre R$ 60 mil e R$ 70 mil.

    Existem no mundo e no Brasil, emfase de operação ou em estudos, váriostipos e tamanhos de veículos aéreosnão tripulados, sendo que a grandemaioria atua na área militar. Emboraaeronaves não tripuladas não sejamnovidade, Onofre Júnior garante quenão há nenhum outro equipamentoque ofereça uma solução completapara monitoramento agrícola e flores-tal. “O Projeto Arara cobre desde a co-leta de imagens em áreas agrícolas eflorestais, com um equipamento volta-do para essa aplicação – possibilitandopouso e decolagem em áreas rurais,baixa velocidade mínima de vôo (40km/h), câmeras com alta resoluçãopara avaliação de pequenos detalhes ebaixo custo –, até o processamento di-gital das imagens, extração e exibiçãode dados para o produtor.” •

    PESQUISA FAPESP 123 ■ MAIO DE 2006 ■ 75

    precisão e desenvolver um controladorde rota que permita executar as mano-bras necessárias para obtenção de ima-gens em missões de varredura visual deáreas agrícolas.

    Quando ficar pronta, provavelmen-te no segundo semestre, ela vai funcionarassim: antes do vôo, os operadores defi-nem uma missão, contendo pontos decoleta de imagens e pontos da rota (lati-tude, longitude e altitude) a ser seguida.Esses dados são carregados no processa-dor central da aeronave, ainda em solo,e ela executa a missão autonomamente,sem intervenção do piloto. Os parâme-tros da missão podem ser modificadosem vôo por meio de comunicação derádio com a estação de controle ouqualquer outro canal de comunicaçãocomo telefonia celular ou satélite.

    Testes e regulam entação - Até omomento, foram produzidos dez pro-tótipos do veículo, que vem sendo sub-metido a testes em culturas de cana-de-açúcar, laranja, soja, milho e eucaliptodesde o início de 2004. “Estamos con-tentes com os resultados. Constatamosque o posicionamento das imagens foipreciso e houve correta identificaçãodas características de interesse no pro-

    Imagem de uma cultura de cana-de-açúcar captada a 200 metrosde altitude mostra falhas no plantio

    72a75-123-pesquisa-aviao 28.04.06 0:58 Page 75