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- GUIA DE LEITUR A -PA R A O P R O F E S S O R
Senhor G.
Gustavo RoldánIlustrações Gustavo RoldánTradução Graziela R. S. Costa PintoSérie Branca (leitor iniciante)Ciclo escolar 1º - 2º anos40 páginas
o livro O senhor G. vive em um povoado mergulhado no
silêncio de um árido deserto. Considerado um homem
gentil, cumprimenta a todos, sem distinção. No entanto,
sua amabilidade não o torna um sujeito conformado. O
silêncio o inquieta e ele entende que é preciso agir para
que algo mude. Decide, então, deixar o povoado, atitude que
surpreende os demais moradores. Algum tempo depois, ele
retorna munido de ferramentas, um pacote de sementes e
um plano: plantar uma árvore que dê música para alegrar a
todos. Fazer nascer uma planta em pleno deserto? E ainda por
cima musical? Para os vizinhos, o senhor G. não está muito
bem da cabeça. Ele, porém, não desanima nem dá ouvidos
à opinião alheia. A persistência em seu ideal em nome de
um bem comum e, sobretudo, a ação para concretizá-lo
são atitudes transformadoras que surpreenderão a todos.
Mas como? Com criatividade, iniciativa e dedicação, nada
é impossível — essa é a resposta do senhor G.
o autor e ilustrador Gustavo Roldán nasceuem 1965, em Córdoba, Argentina. Estudoudesenho e pintura com Julio Pagano e RobertoPáez e litografia e técnicas de impressão naFree Academy, de Haia, Holanda. Desde 1985tem exposto suas obras em vários países. Filhodos renomados autores de literatura infantilGustavo Roldán e Laura Devetach, logoentendeu que imagem e texto são inseparáveis.Assim, somou às artes plásticas a vocação paraa escrita dirigida ao público infantil, recheadade poesia e humor. Seus livros, publicadosem países como México, Bélgica, Espanha,Coreia e Brasil, renderam-lhe várias distinções,entre elas a indicação de seu nome para a can-didatura ao Prêmio Octógono (CIELJ, Paris), paraa Lista de Honra da ALIJA (braço argentino doIBBY) e para o White Ravens Catalogue,da Biblioteca Internacional da Juventude deMunique. Pela SM também publicou O ouriço(coleção Barco a Vapor), selecionado para o PNBEe PNAIC (2012). Vive em Barcelona, Espanha.
TEMAS Desejo / Superação / Natureza / Comunidade / Humor
2
S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
INTERPRETANDO O TEXTO
n o t e r r i t ó r i o da na r r at i va
“Que é uma personagem senão um determinante da ação? Que
é a ação senão a ilustração da personagem?” Essas questões,
propostas pelo escritor norte-americano Henry James (1843-
-1916) em seu livro A arte da ficção, colocam-nos diante da
ligação intrínseca entre dois dos elementos constituintes de
uma narrativa: personagem e ação. É claro que não se espera
dos leitores iniciantes que tratem desses termos analiticamente,
mas vale a pena o professor estar atento a eles na apresentação
do texto, conforme descrito a seguir.
O senhor G., protagonista que dá nome ao livro, “nasceu,
cresceu e viveu a vida toda num povoado” (p. 6), então sabemos
que ele é adulto. Também “cumprimentava a todos amavel-
mente” (p. 10), o que demonstra ser bom vizinho e dá pistas
de sua gentileza e bom caráter. Contudo, na narrativa, essas
características são apontadas por um narrador que observa o
protagonista em sua relação com o mundo exterior, e não por
acesso à interioridade dele.
Ao longo do livro, acompanhamos os gestos e as atitudes
do senhor G. sempre no contato com os outros. Portanto, esta-
mos diante de um dos tipos de narrativa: a “apsicológica”, em
que a ação vale por si mesma. Ter essa característica em mente
é importante não apenas para explorar a relação entre ação e
personagem do ponto de vista da análise narrativa, mas para
demonstrar aos alunos como cada ação é decisiva ao desfecho da
história, ou seja, de que maneira as atitudes pessoais podem
construir uma narrativa maior, que é a vida em comunidade.
Não sabemos qual é a profissão do protagonista, nem como
ele se chama exatamente, uma vez que G. é uma abreviatura. No
entanto, nesse caso o anonimato não pressupõe invisibilidade,
ao contrário, faz sobressair suas atitudes proativas e seu caráter
comunitário, os quais independem de uma assinatura que o
distinga, de um sobrenome mais ou menos importante que abra
os caminhos para seu agir no mundo.
tipos de narrativa
Se não há personagem fora da ação nem ação sem personagem, um será mais determinante que o outro segundo o tipo de narrativa. Por exemplo, na narrativa psicológica a ação é considerada via de acesso à personalidade da personagem, enquanto na apsicológica a ação importa por si mesma, não sendo resultado de traços de caráter.Em ambas as narrativas, observam-se ao menos duas modalidades de ação: exterior (em que a personagem se move no tempo e no espaço) e interior (em que o conflito se dá na consciência dela). É importante destacar, porém, que em uma mesma obra essas duas formas de ação podem coexistir e o predomínio de uma delas não significa a anulação da outra.
Para saber mais JAMES, Henry. A arte da ficção. São Paulo: Novo Século, 2011.WOOD, James. Como funciona a ficção. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Mergulhando na temática
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S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
o d e s e rto n o m a pa d e ca da u m
Neste livro, o espaço não é mero pano de fundo. Adentramos
a história por meio dele, do local em que o senhor G. passou a
vida e cuja aridez típica de alguma forma desencadeará a ação:
“Um povoado cercado de grande silêncio” (p. 6), “[...] pequeno
e seco, em meio a um deserto mais seco ainda” (p. 9). Esse deser-
to não é nomeado, nem localizável no mapa, de modo que ele
pode estar em qualquer lugar muito próximo dos leitores. Essa
indefinição geográfica favorece a identificação com o enredo e,
de certa maneira, convoca as crianças, pelo imaginário, a agir
no próprio “deserto”; ou seja, em sua vida, em sua família, em
sua casa, em seu bairro...
ag i r pa r a c o n s t r u i r u m m u n d o m e l h o r
Certa manhã, dois moradores deparam com o senhor G. esca-
vando a terra. “O que o senhor está fazendo?” (p. 18), pergunta-
-lhe um deles. “Estou plantando”, é a resposta, para surpresa
de todos, que se intrigam ainda mais diante da explicação:
“[...] O deserto é muito silencioso. E nosso povoado também.
Com esta planta, vou trazer um pouco de música para cá”.
Nesse ponto da história, o senhor G. confronta seu desejo de
transformação com o senso comum de realidade, manifestada
na incredulidade de seus vizinhos. Entretanto, nenhuma das
críticas que recebe o faz desistir.
Em vez disso, ele cuida de sua planta com muita dedicação e
atitudes ecológicas: aproveita cascas de frutas para adubar o solo,
usa a água de modo consciente, abrindo mão de parte do que
consome para regar sua muda... Esses pequenos gestos individuais
e revolucionários rendem frutos surpreendentes: “... nasceu uma
planta. Uma planta como nunca se tinha visto no deserto” (p. 26).
Ao tomar uma iniciativa inusitada, o senhor G. colhe algo
inédito, capaz de transformar a comunidade onde mora, ins-
pirando os outros a romper o silêncio com alegria, a perseguir
seus sonhos e a superar as dificuldades. Isso leva os pequenos
leitores a refletir sobre participação social, estimulando o pro-
tagonismo infantil.
espaço
A importância assumida pelo espaço geográfico em uma narrativa varia bastante de obra a obra. Algumas vezes, o cenário é um local qualquer; outras,tem como função ser a extensão dosestados de alma de uma personageme até o lugar de projeção dos desloca-mentos do tempo, de modo que estarconsciente do momento em que sevive é também saber onde se vive.
Para saber maisPOULET, Georges. O espaço proustiano. São Paulo: Imago, 1992.TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2008.
protagonismo infantil
O reconhecimento do protagonismo infantil é algo recente, que tem se transformado pouco a pouco. Isso porque, na construção social do conceito de infância, a criança sempre foi vista como ser incompleto. Não à toa, etimologicamente, o termo infante significa “aquele que não fala”. Estimular a participação infantil em processos decisórios, levando em conta a noção de autonomia responsável (que pressupõe compromisso com o outro) e criando oportunidades para que as crianças possam agir no mundo, é uma forma de aproximá-las dos adultos no compartilhamento de responsabilidades e na participação efetiva em projetos sociais.
Para saber maisBRANCO, Angela Uchoa; PIRES, Sergio Fernandes Senna. “Protagonismo infantil: co-construindo significados em meio às práticas sociais”. Paideia, v. 17, n. 38, p. 311-20, set.-dez. 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/paideia/v17n38/v17n38a02.pdf>.Acesso em: abr. 2015.
S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
d e m o n s t r a r e i l u s t r a r
Em Senhor G., a relação entre texto e imagem é decisiva. Afinal,
aquele que narra a história não é apenas um narrador obser-
vador, mas um ilustrador, cujos desenhos funcionam como
texto, ampliando os sentidos da narrativa e incentivando a
leitura de imagens.
Outro ponto que chama a atenção são as legendas das ilustra-
ções: “Este é o senhor G.” (p. 6), “E este é o povoado” (p. 8), “Estes
são alguns vizinhos do senhor G.” (p. 11). O uso do pronome
demonstrativo “este” aponta o que está perto da pessoa que fala,
de maneira que a situação é próxima no espaço e presente no
tempo. Assim, como leitores, somos linguisticamente aproximados
daquele ou daquilo para o que é chamada nossa atenção, como
se estivéssemos também participando das cenas narradas. Celso
Cunha e Lindley Cintra, em sua Nova gramática do português
contemporâneo (Rio de Janeiro: Lexikon, 2010, p. 350), assinalam
o valor afetivo dos demonstrativos, caracterizando-os como
verdadeiros “gestos verbais”, dado que aproximam ou distanciam
as pessoas e as coisas no espaço e no tempo.
Nessa conjugação entre texto e imagem, o narrador-ilustrador
também propõe um exercício de imaginação auditiva, de sonho.
Escreve e ilustra: “Este é o concerto” (p. 34-5), mas o que está
diante dos olhos não pode ser escutado, apenas imaginado pela
reprodução de notas musicais.
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S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
CONVERSANDO COM OS ALUNOS
a n t e s da l e i t u r a
Reconhecer o território
Peça aos alunos que contem o que sabem sobre o deserto:
a. De quais desertos ouviram falar?
b. Que tipos de plantas e animais vivem no deserto?
c. De que forma os homens vivem nesses ambientes: como são
suas roupas e casas?
d. Quais as semelhanças e diferenças do deserto com o lugar
onde moram?
e. Qual a importância da água para a vida?
Para enriquecer a conversa, exiba, se possível, a reportagem da
Agence France-Presse (AFP) “Crianças beduínas atravessam
deserto para estudar”. Disponível em: <http://noticias.terra.
com.br/mundo/videos/criancas-beduinas-atravessam-deserto-
-para-estudar,450426.html>. Acesso em: abr. 2015.
Proponha uma pesquisa, na biblioteca ou em casa, de imagens
do deserto e da água que ilustrem os aspectos anteriormente
discutidos e, com a ajuda do professor de Artes, sugira que
montem um painel sobre o tema.
d u r a n t e a l e i t u r a
Ganhar voz
Faça uma leitura em voz alta até a página 23, dando pausas
para comentar o texto e as ilustrações. Peça, então, que um ou
mais alunos repitam o mesmo trecho, com o objetivo de que
uns prestem atenção aos outros para que possam comentar o
que leram e ouviram. Seguem algumas questões para estimular
a participação da turma:
1 Nas páginas 6 a 9, leve-os a observar os aspectos físicos
ilustrados e o que é dito sobre o senhor G. e seu povoado:
a. O senhor G. carrega um guarda-chuva, enquanto os outros
moradores não. Todos se vestem de preto, menos o senhor G.
Por quê? Além de chamar a atenção dos alunos para a ousadia,
a criatividade e o protagonismo da personagem, vale a pena
Indicações de filmes e livros
Para o professor
• Crianças: protagonistas da produçãocultural. Produção: Ministério daEducação. Brasil, 2011. 25 min.
Esse episódio da série Letra viva trazalgumas propostas de oficinas em que ascrianças são as protagonistas do processode aprendizagem.Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=47216>.Acesso em: abr. 2015.
• Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia).Direção: David Lean. Estados Unidos,1962. 216 min.
O sonhador Thomas Edward Lawrence,grande admirador do deserto, se oferecepara ajudar tribos árabes a se libertar dadominação turca como parte do esforçobritânico na Primeira Guerra Mundial paraderrotar a Alemanha.
• LÍSIAS, Ricardo. A sacola perdida.São Paulo: DSOP, 2014.
Durante um apagão, um grupo de criançasvivencia acontecimentos marcados pelaconscientização social que vão resultar embenefícios para todos, como economia deágua e luz e reciclagem.
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S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
explorar a imagem do guarda-chuva. O objeto simboliza a
persistência do senhor G. em tornar realidade seu sonho,
pois, ao carregá-lo para todo lado, ele parece estar sempre
à espera de chuva no deserto, ou seja, de vida que alegre a
monotonia do povoado.
b. Destaque o fato de o lugar ser muito silencioso e instigue os
alunos a formular hipóteses para isso. Essa é uma boa opor-
tunidade para explorar os sentidos metafóricos do silêncio e
do deserto na narrativa.
2 Nas páginas 12 a 17, um bom exercício de formulação de
hipóteses e compreensão do enredo é convidar os alunos a
se colocar ao lado dos moradores do povoado, imaginando
o que está acontecendo com o senhor G:
a. Por que ele anda cabisbaixo, murmurando?
b. Por que deixou o povoado?
c. Para que servirão as ferramentas que o senhor G. trouxe e o
que haverá no pacote?
3 Nas páginas 18 a 23, introduza as crianças ao sonho do
senhor G. e colha delas suas impressões:
a. Como é possível o senhor G. realizar o sonho de plantar uma
árvore que dê música no deserto?
b. O senhor G. deve insistir em seu sonho?
c. O que elas acham das opiniões dos vizinhos nesse caso?
Saber ouvir
A leitura das páginas 24 a 37 pode ser feita também em voz alta,
mas sem interrupções, para que a resposta às ações do senhor G.
seja ouvida e apreciada como música e só ao final debatida.
a p ó s a l e i t u r a
1 O deserto, a despeito de sua esterilidade física, é um dos
símbolos mais férteis nas histórias e mitos, visto como
lugar propício a revelações. O deserto do senhor G. não é
diferente. Converse com os alunos sobre as inspirações que
a determinação da personagem provocou neles:
Para o aluno
• KERVEN, Rosalind. Aladim e outroscontos de As mil e uma noites. São Paulo:Companhia das Letrinhas, 1999.
Transmitidas oralmente por adultos,as histórias de As mil e uma noites sóganharam versões escritas em árabe bemmais tarde. Nessa obra, a autora mostracomo a força desses relatos vindos dodeserto se incorpora à cultura infantil.
• ORTHOF, Sylvia. Maria vai comas outras. São Paulo: Ática, 2008.
A ovelha Maria sempre vai aonde asoutras ovelhas vão, até que todo orebanho acaba no deserto e sofre deinsolação. Depois de muito se darmal ao se deixar levar pelos outros,Maria descobre a importância decada um seguir o próprio caminho.
• SOBRINO, Javier. Dunas de água.São Paulo: Edições SM, 2012.
Zohra, uma menina tuaregue, viveno deserto e deseja conhecer o mar.Para realizar seu sonho, conta coma ajuda do pai, que é mercador desal, mas, sobretudo, com a crençano próprio sonho.
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S e n h o r G . • G u S t a v o r o l d á n
a. Quem deseja mudar algo no lugar onde mora?
b. O que transformaria e que ações poderia tomar para que esse
desejo virasse realidade?
c. O que os outros pensariam disso?
Um bom complemento a essa atividade é sugerir às crianças
que, divididas em grupo, criem projetos ecológicos ou sociais
para seu bairro ou escola. Ajude-as a detectar um problema e
formular hipóteses de ação para que então possam elaborar
projetos comunitários criativos e eficientes.
2 O Brasil não tem deserto, mas muitas regiões sofrem com
falta de água. Assim como o senhor G. levou música a seu
povoado, grandes artistas populares também compuseram
inspirados pelo drama da seca. Ouça com os alunos:
a. “Asa branca” (1947), de Luiz Gonzaga.
b. “Tenho sede” (1976), de Dominguinhos, também cantada
por Gilberto Gil.
c. “Segue o seco” (1993), de Carlinhos Brown, interpretada por
Marisa Monte.
Aproveite a ocasião para explicar o que é um concerto e, se pos-
sível, ouça com eles parte de uma sinfonia clássica. Apresente
também diferentes cantos de pássaros. Um professor de música
poderá auxiliá-lo nessa atividade.
Proponha então que imaginem como seria o concerto da
árvore do senhor G. Eles podem descrever os sons ou entoá-los.
Essa também é uma boa oportunidade para falar sobre o
problema da seca, a importância da água para a vida e as medi-
das possíveis para economizá-la em casa, na escola e no bairro
onde moram ou estudam.
3 Tomando como exemplo a atividade com este livro des-
crita na página <http://tercero3deprimaria.blogspot.com.
br/2010/03/el-senor-d.html> (em espanhol; acesso em: jun.
2015), proponha que cada aluno crie o próprio senhor G. (com
a inicial de seu nome), tomando como base o enredo da histó-
ria, as principais características da personagem, o contexto do
deserto e a ação criativa para beneficiar sua comunidade. Além
de aprofundar o entendimento dos principais elementos da
narrativa, essa atividade põe em destaque o senso comunitário
e o protagonismo.
elaboração do guia Luciana Araujo
(mestre em Teoria Literária e Literatura
Comparada pela usp e doutoranda
em Teoria e História Literária pela
Unicamp); edição Graziela R. S. Costa
Pinto; preparação Marcia Menin;
revisão Carla Mello Moreira.