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SERVIÇO SOCIAL DANIELLI DAL POZZO DOS SANTOS CASA ABRIGO “ANJOS DE OURO” NO MUNICÍPIO DE OURO VERDE DO OESTE- PR: LIMITES E POSSIBILIDADES NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO TOLEDO 2013

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  • SERVIO SOCIAL

    DANIELLI DAL POZZO DOS SANTOS

    CASA ABRIGO ANJOS DE OURO NO MUNICPIO DE OURO VERDE DO

    OESTE- PR: LIMITES E POSSIBILIDADES NA EFETIVAO DO DIREITO

    TOLEDO

    2013

  • DANIELLI DAL POZZO DOS SANTOS

    CASA ABRIGO ANJOS DE OURO NO MUNICPIO DE OURO VERDE DO

    OESTE- PR: LIMITES E POSSIBILIDADES NA EFETIVAO DO DIREITO

    Trabalho de Concluso de Curso

    apresentado ao Curso de Servio Social,

    Centro de Cincias Sociais Aplicadas, da

    Universidade Estadual do Oeste do

    Paran campus de Toledo, como

    requisito parcial obteno do grau de

    Bacharel em Servio Social.

    Orientadora: Prof. Es. Ane Barbara

    Voidelo

    TOLEDO

    2013

  • DANIELLI DAL POZZO DOS SANTOS

    CASA ABRIGO ANJOS DE OURO NO MUNICPIO DE OURO VERDE DO

    OESTE- PR: LIMITES E POSSIBILIDADES NA EFETIVAO DO DIREITO

    Trabalho de Concluso de Curso

    apresentado ao Curso de Servio Social,

    Centro de Cincias Sociais Aplicadas, da

    Universidade Estadual do Oeste do

    Paran campus de Toledo, como

    requisito parcial obteno do grau de

    Bacharel em Servio Social.

    Orientador: Prof Es. Ane Barbara

    Voidelo

    BANCA EXAMINADORA

    ____________________________

    Prof. Es. Ane Barbara Voidelo

    Universidade Estadual do Oeste do Paran

    _____________________________

    Prof. Dra. Maria Isabel Formoso Cardoso

    e Silva Batista

    Universidade Estadual do Oeste do Paran

    ____________________________

    Prof. Dra. Marize Rauber Engelbrecht

    Universidade Estadual do Oeste do Paran

    Toledo, 13 de Novembro de 2013.

  • AGRADECIMENTOS

    Pensar nos agradecimentos me faz pensar nas pessoas que estiveram ao meu

    lado nesses 04 anos de formao. So pessoas sem as quais nada disso valeria a pena;

    so pessoas que me fazem seguir em frente quando nada mais parece ter sentido; so

    pessoas que sempre estaro em meu corao.

    Primeiramente agradeo a Deus, sem O qual isso tudo no seria possvel. Ele

    que esteve sempre frente da minha vida, iluminando meus passos e me dando foras

    para seguir em frente, mesmo quando o mundo parecia pesar em meus ombros.

    minha amada famlia sem a qual no sou ningum. Em especial a minha

    mamis pela infinita dedicao que sempre teve por mim e pela minha irm.

    Ao meu esposo amado, Eli. Por ser a pessoa especial que ... pelos infinitos

    abraos ao longo do caminho... Eu amo voc!

    Universidade Estadual do Oeste do Paran/UNIOESTE. A todas as pessoas

    que fazem parte desta instituio que de uma forma ou de outra contriburam para a

    minha formao. Em especial as professoras Zelimar, Diuslene, Ester Taube, Marize e

    Maria Isabel... Professoras que marcaram minha trajetria acadmica!

    minha orientadora Ane, obrigada por todo apoio no decorrer do ano, em

    especial nos ltimos dias.

    Aos meus primos queridos, Claudia e Rivael, por sempre me apoiarem e

    incentivarem na busca dos meus sonhos.

    Aos meus queridos amigos Fbio e Silvana, pela infinita pacincia, por me

    aceitarem apesar dos meus inmeros defeitos, por estarem ao meu lado em todos os

    momentos... Aprecio muito vocs e os levarei para sempre em meu corao.

    minha amiga, parceira de nibus, Alcione. Obrigada pela amizade ao longo

    dos anos. Obrigada por ouvir meus desabafos e sempre me oferecer uma palavra de

    encorajamento!

    Aos colegas Anderson, Elisiane, Ana Laura e Jessica, obrigada pelos momentos

    partilhados!

    A toda equipe da assistncia social de Ouro Verde do Oeste. Obrigada pela

    oportunidade de estgio remunerado. Em especial minha chefinha Sirlei por toda

    compreenso nos momentos de ausncia!

  • Agradeo tambm s integrantes da equipe Maria Cilei e Vanilda... Obrigada por

    todas as conversas, por todo incentivo, por todo carinho que sempre demonstraram por

    mim! Obrigada pelos ensinamentos. Que Deus abenoe muito vocs.

    minha turma de Servio Social, pela longa caminhada juntos... Numa relao

    de amor e dio vencemos as barreiras e hoje estamos juntos nessa conquista! A vocs

    obrigada por partilharem o dia-a-dia nesses 04 anos! Sei que vou sentir saudades de

    tudo isso.

    E aos que puseram pedras no meu caminho... Para vocs s tenho uma coisa a

    dizer: EU VENCI!!!

  • A gente abriga num momento de crise, num momento de chuva, ento eu

    coloco a criana embaixo do guarda-chuva e protejo. Mas no dia seguinte, na

    semana seguinte ou no ano seguinte, eu vou ter que tir-la do guarda-chuva

    e falar: agora sol. Mas o guarda-chuva est ali. Quando voc precisar s

    abrir... Janana Medeiros, Fundao Francisca Franco

    (Depoimento de uma coordenadora de abrigo, retirado do livro Imaginar para

    encontrar a realidade: reflexes e propostas para trabalho com jovens nos abrigos,

    p.18).

  • SANTOS, Danielli Dal Pozzo. Casa Abrigo Anjos de Ouro no municpio de Ouro

    Verde do Oeste-PR: Limites e Possibilidades na Efetivao do Direito. Trabalho de

    Concluso de Curso (Bacharelado em Servio Social). Centro de Cincias Sociais

    Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paran Campus- Toledo-PR, 2013.

    RESUMO

    Este Trabalho de Concluso de Curso (TCC) tem por objetivo analisar como o servio

    de acolhimento institucional ofertado pela casa abrigo Anjos de Ouro, no municpio

    de Ouro Verde do Oeste- PR, com vistas a verificar se a entidade cumpre o que

    previsto em lei no que tange ao funcionamento da casa e recursos humanos. Para tanto,

    a pesquisa foi construda na abordagem qualitativa, onde utilizou-se os seguintes

    instrumentais: pesquisa bibliogrfica, documental e entrevista semiestrutura junto

    tcnica de gravao. Os sujeitos envolvidos com a casa foram escolhidos por meio de

    amostra intencional, com base nos seguintes critrios, funcionrios que passam mais

    tempo em contato com as crianas, equipe tcnica da casa, e setor responsvel pela

    fiscalizao, perfazendo uma amostra de 04 (quatro) sujeitos. Como fundamentao

    terica discutiu-se as instituies de assistncia/acolhimento para a infncia brasileira

    no decorrer dos sculos, iniciando em meados do sculo XVIII com a Roda dos

    Expostos, at chegar atual poltica de acolhimento institucional, onde tanto o ECA

    quanto outras resolues complementares (LOAS, NOB-RH, Plano Nacional de

    Convivncia Familiar e Comunitria, Orientaes Tcnicas: Servios de Acolhimento

    Institucional para Crianas e Adolescentes) apontam princpios norteadores para

    funcionamento de entidades de acolhimento institucional. O resultado do estudo aponta

    que a casa abrigo Anjos de Ouro no municpio de Ouro Verde do Oeste - PR cumpre

    parcialmente o que previsto em lei, tendo dois pontos favorveis e alguns que deixam

    a desejar, pontos estes que necessitam de aprimoramento para ento, possibilitar, a

    efetivao de direitos para crianas e adolescentes acolhidos.

    .

    Palavras-chave: Criana e adolescente, casa abrigo, ECA

  • LISTA DE SIGLAS

    Art. Artigo

    CBIA Centro Brasileiro para a Infncia e Adolescncia

    CEMAF Centro Municipal de Atendimento Criana, ao Adolescente e

    Famlia

    CFESS Conselho Federal de Servio Social

    CMDCA Conselho Municipal de Direitos da Criana e do Adolescente

    CNAS Conselho Nacional de Assistncia Social

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente

    CPI Comisso Parlamentar de Inqurito

    CRAS Centro de Referncia de Assistncia Social

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    FEBEM Fundao Estadual do Bem Estar do Menor

    FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    FUNABEM Fundao Nacional do Bem Estar do Menor

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social

    LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social

    MNMMR Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua

    MP Ministrio Pblico

    NOB-RH Norma Operacional Bsica- Recursos Humanos

    PIA Plano Individual de Atendimento

    PNBEM Poltica Nacional do Bem Estar do Menor

    PPP Projeto Poltico-Pedaggico

    PR Paran

    SAM Servio de Atendimento ao Menor

    SGD Sistema de Garantia de Direitos

    SUAS Sistema nico de Assistncia Social

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    TV Televiso

  • SUMRIO

    INTRODUO...............................................................................................................9

    1 INFNCIA POBRE NO DECORRER DOS SCULOS........................................12 1.1 RODA DOS EXPOSTOS: AS PRIMEIRAS INSTITUIES DE ATENDIMENTO

    INFNCIA............................................................................................................12

    1.2 O MENOR ABANDONADO GANHA DESTAQUE..............................................15

    1.3 SERVIO DE ATENDIMENTO AO MENOR: ESCOLA DE

    CRIMINALIDADE.........................................................................................................18

    1.4 FUNABEM E O CDIGO DE 1979........................................................................19

    1.5 DCADA DE 1980 E OS PRIMEIROS AVANOS...............................................21

    1.6 FASES DA ASSISTNCIA PRESTADA INFNCIA BRASILEIRA................22

    2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PS ESTATUTO DA CRIANA E DO

    ADOLESCENTE...........................................................................................................24

    2.1 O ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE E AS PRINCIPAIS

    MUDANAS..................................................................................................................24

    2.2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL FRENTE AO ESTATUTO DA CRIANA E

    DO ADOLESCENTE......................................................................................................26

    2.3 NORMATIVAS DA ASSISTNCIA SOCIAL A FAVOR DA INFNCIA..........28

    2.4 PLANO NACIONAL DE CONVIVNCIA FAMILIAR E COMUNITRIA........30

    2.5 ORIENTAES TCNICAS: SERVIOS DE ACOLHIMENTO PARA

    CRIANAS E ADOLESCENTES..................................................................................32

    3 A REALIDADE DA CASA ABRIGO ANJOS DE OURO NO MUNICPIO DE

    OURO VERDE DO OESTE- PARAN......................................................................39

    3.1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA.................................................39

    3.2 O MUNICPIO DE OURO VERDE DO OESTE- PARAN..................................41

    3.3 A CRIAO DA CASA ABRIGO ANJOS DE OURO.......................................42

    3.4 CASA ABRIGO ANJOS DE OURO DESAFIOS COTIDIANOS DIANTE DO

    CUMPRIMENTO DA LEGISLAO...........................................................................45

    3.5 ME SOCIAL: O CUIDADO QUE NO PARA....................................................45

    3.6 EQUIPE TCNICA: PROFISSIONAIS QUE PRESTAM SERVIOS

    ENTIDADE.....................................................................................................................49

    3.7 SETOR DE FISCALIZAO: A LEGISLAO SENDO COBRADA NA

    PRTICA ....................................................................................................................52

    CONSIDERAES FINAIS........................................................................................56

    REFERNCIAS.............................................................................................................59

    APNDICES

    ANEXOS

  • 9

    INTRODUO

    No Brasil, a preocupao no trato questo da infncia s se tornou relevante

    com a promulgao da Constituio Federal de 1988, que traz em seu artigo 227, um

    princpio fundamental para a rea da infncia:

    dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao

    adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,

    alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

    dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e

    comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia,

    discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. (BRASIL,

    2013, p.155).

    At ento, crianas e adolescentes eram vistos como coisa, objeto que no

    mereciam tratamento especial. No final da dcada de 1980 e incio da dcada de 1990,

    houve um movimento para transformar o artigo 227 da Carta Magna em legislao

    especfica para este segmento. Em 13 de julho de 1990, promulgaram a Lei n 8.069-

    Estatuto da Criana e do Adolescente/ECA, que inaugurou uma nova fase para a

    proteo da infncia e da juventude no Brasil, onde crianas e adolescentes passaram a

    ser reconhecidos como sujeitos de direitos, em situao peculiar de desenvolvimento;

    passam a ter direito proteo integral, com absoluta prioridade por parte da famlia, da

    sociedade e do Estado1.

    Neste sentido, o acolhimento institucional passa a ser assegurado por lei como

    uma medida de proteo integral e especial, provisria e excepcional, para crianas e

    adolescentes em situao de risco social e pessoal (GULASSA, 2010, p. 51). Logo,

    conforme o artigo 90 do Estatuto, as entidades de acolhimento devem realizar o

    planejamento, execuo e manuteno de programas em especfico de acolhimento

    institucional, de modo que garantam medidas de proteo para a rea da infncia, as

    quais esto previstas no ECA, nas Orientaes Tcnicas: Servios de Acolhimento

    Institucional para Crianas e Adolescentes e no Plano Nacional de Convivncia

    Familiar e Comunitria.

    O interesse pelo tema abrigo decorrente da experincia de Estgio

    Supervisionado I em Servio Social, realizado junto ao Centro de Referncia de

    1 Comentrios formulados com base nas aulas de Ncleo Temtico de Poltica de Direitos Humanos de

    Crianas e Adolescentes, ministradas pela Prof. Dra. Zelimar Soares Bidarra, no ano de 2012.

  • 10

    Assistncia Social/ CRAS, do municpio de Ouro Verde do Oeste- PR, no ano de 2012,

    tendo como supervisora de campo a profissional que tambm era responsvel pela casa

    abrigo do municpio, e tambm da participao das aulas de Ncleo Temtico de

    Poltica de Direitos Humanos da Criana e do Adolescente, ministradas pela Prof. Dra.

    Zelimar Soares Bidarra, no mesmo ano.

    Mediante o contato com a casa abrigo, oportunizado pelo estgio, onde foram

    possveis observaes preliminares do funcionamento da mesma, e considerando que a

    modalidade de acolhimento institucional uma modalidade nova se comparado

    trajetria de instituies para crianas e adolescentes no Brasil, surge a seguinte

    indagao: a casa abrigo Anjos de Ouro, do municpio de Ouro Verde do Oeste- PR

    efetiva o que est preconizado em lei no que tange ao funcionamento e equipe

    profissional para o acolhimento institucional, visando preservao dos direitos de

    crianas e adolescentes?

    Para responder tal questionamento foi elencado como objetivo geral da pesquisa

    analisar como o servio de acolhimento institucional ofertado pela casa abrigo Anjos

    de Ouro, no municpio de Ouro Verde do Oeste- PR, com base nos princpios do ECA,

    nas Orientaes Tcnicas: Servios de Acolhimento Institucional para Crianas e

    Adolescentes e no Plano Nacional de Convivncia Familiar e Comunitria. J os

    objetivos especficos so: contextualizar historicamente o processo de acolhimento

    institucional no Brasil; analisar a modalidade de acolhimento institucional ps ECA e

    verificar a operacionalizao/funcionamento da casa abrigo no municpio de Ouro

    Verde do Oeste, de acordo com os princpios para as entidades que desenvolvem

    programas de acolhimento institucional, conforme o artigo 92 do ECA, e com os

    critrios de recursos humanos, definidos pelas Orientaes Tcnicas: Servios de

    Acolhimento Institucional para Crianas e Adolescentes e pela Norma Operacional

    Bsica Recursos Humanos/NOB-RH.

    Para metodologia de pesquisa foram definidas as seguintes especificidades:

    pesquisa bibliogrfica, realizando para isso levantamento do material j existente para

    contextualizar historicamente o processo de acolhimento institucional no Brasil, bem

    como anlise documental, a fim de conhecer os documentos da instituio em questo,

    tais como: regimento interno da casa, atas de sua fundao, projeto pedaggico, entre

    outros. Para dar conta de verificar a operacionalizao da casa abrigo Anjos de Ouro,

    optou-se pela pesquisa qualitativa mediante entrevista semiestruturada, aplicada s

  • 11

    pessoas envolvidas direta ou indiretamente com a casa, totalizando 04 (quatro) pessoas,

    utilizando ainda da tcnica de gravao.

    O resultado da pesquisa est divido em trs captulos. O primeiro se refere ao

    processo histrico pelo qual passou o atendimento prestado s crianas e adolescentes

    no Brasil - bem como as instituies da oriundas - iniciando em meados do sculo

    XVIII, onde surgiram as Rodas dos Expostos, transcorrendo pelo Imprio at chegar

    Repblica, perpassando o Estado Novo com Getlio Vargas, a Ditadura Militar e

    finalizando com a promulgao da Constituio Federal de 1988.

    O segundo captulo trata do Estatuto da Criana e do Adolescente, ressaltando as

    normativas referentes ao acolhimento institucional na modalidade de casa-lar, com

    destaque tambm para alguns documentos legais como a Lei Orgnica da Assistncia

    Social/LOAS (1993), a Norma Operacional Bsica - Recursos Humanos/NOB-RH

    (2006), as Orientaes Tcnicas: Servios de Acolhimento Institucional para Crianas e

    Adolescentes (2009) e o Plano Nacional de Promoo, Proteo e Defesa do Direito

    Convivncia Familiar e Comunitria (2006).

    J o terceiro captulo apresenta o municpio de Ouro verde do Oeste- PR, o

    processo de implantao da casa abrigo Anjos de Ouro, bem como materializa os

    dados obtidos com a pesquisa de campo referente casa abrigo, de forma a verificar sua

    operacionalizao, tendo por critrios especficos o funcionamento da casa e a equipe

    profissional.

    O presente trabalho de concluso de curso tem por finalidade ainda contribuir

    para um melhor conhecimento do tema, tanto para os profissionais envolvidos com a

    casa abrigo Anjos de Ouro, visando melhoria dos servios prestados pela

    instituio, bem como para pessoas que se interessem pelo tema. Podendo contribuir

    tambm em futuras pesquisas na rea.

  • 12

    1 A INFNCIA POBRE NO DECORRER DOS SCULOS

    A concepo de criana e adolescente passou por vrios momentos ao longo dos

    anos, passando de menor2 at chegar a sujeito de direitos. O mesmo se deu ao

    tratamento dispensado institucionalizao desta categoria, variando de casa dos

    expostos, internato de menores, reabilitao dos menores abandonados e delinquentes

    at o atual acolhimento institucional de crianas e adolescentes (RIZZINI; RIZZINI,

    2004).

    As autoras citadas chamam ateno ao fato de que as famlias pobres3 ao

    procurarem apoio do Estado para criarem/sustentarem seus filhos tinham um destino

    quase garantido: a institucionalizao de seus filhos, como se estes no tivessem pais,

    sendo considerados rfos ou abandonados. Essa situao prevaleceu por sculos e ser

    tema deste captulo, com o intuito de desvelar o tipo de assistncia que era prestada para

    as crianas institucionalizadas.

    1.1 RODA DOS EXPOSTOS: AS PRIMEIRAS INSTITUIES DE ATENDIMENTO

    INFNCIA

    As primeiras formas de atendimento para a infncia pobre no Brasil eram feitas

    pela Irmandade da Santa Casa de Misericrdia e pelas Cmaras Municipais, mantidas

    pelo governo. No Brasil, a primeira Santa Casa foi fundada no ano de 1543, na

    Capitania de So Vicente (Vila de Santos). Estas instituies atuavam tanto com os

    doentes quanto com os rfos e desprovidos (LORENZI, 2007, s.p). Porm, com o

    aumento do abandono de crianas pelas ruas, em locais pblicos, o governo mandou

    recolh-las, instalando ento, a Roda dos Expostos (CESCO, 2007).

    2 Neste trabalho o termo menor ser utilizado em itlico, visto que era o nome designado s crianas no

    perodo histrico estudado. Com a promulgao do ECA, passou-se a utilizar os termos criana e

    adolescente. 3 A pobreza pode ser definida como um estado de carncia, de privao, que pode colocar em risco a

    prpria condio humana. Ser pobre ter, portanto, sua humanidade ameaada, [...] pela no satisfao de

    necessidades bsicas (fisiolgicas e outras) [...]. (LAVINAS, 2003, p.29).

  • 13

    A roda tinha como principal caracterstica a de deixar o expositor

    annimo, j que sua forma cilndrica, dividida ao meio por uma

    divisria, se fixava no muro ou na janela da instituio, permitia que a

    criana fosse depositada na parte externa. Assim o expositor girava a

    roda, puxava uma cordinha com uma sineta para avisar a vigilante que

    uma criana havia sido abandonada e ia embora. (SILVA, 2002, p.3).

    O sistema da Roda das Santas Casas, vindo da Europa no sculo XVIII, tinha o

    objetivo de amparar as crianas abandonadas e de recolher donativos (LORENZI,

    2007, s.p). At Independncia as rodas foram instaladas em trs cidades: Salvador

    (1726), Rio de Janeiro (1738) e Recife (1789). O recolhimento dessas crianas na Casa

    dos Expostos define as primeiras instituies de atendimento s crianas no sculo

    XVIII (MARCLIO, 2006).

    Os governantes a criavam com o objetivo de salvar a vida de recm-

    nascidos abandonados, para encaminh-los depois para trabalhos

    produtivos e forados. Foi uma das iniciativas sociais de orientar a

    populao pobre no sentido de transform-la em classe trabalhadora e

    afast-la da perigosa camada envolvida na prostituio e na vadiagem.

    (LEITE, 1991, p.99).

    De acordo com Lima e Venncio (1996 apud SILVA, 2002) as crianas eram

    abandonadas pelos prprios pais, que no tinham condies de cri-las; por mulheres da

    alta sociedade que concebiam bebs mediante o adultrio ou quando ainda eram

    solteiras; e tambm por senhores que abandonavam crianas escravas. Logo era forma

    de manter a moral da alta sociedade.

    Com o nmero elevado de bebs abandonados, uma soluo encontrada foi o

    sistema da criao externa por amas-de-leite, contratadas pela Santa Casa de cada

    cidade (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.23). Os bebs eram criados at os trs anos nas

    casas das amas, que recebiam por isso, e depois retornavam para as Casas de

    Misericrdia, onde permaneciam at os sete anos; idade em que eram colocados em

    casas de famlias, ou encaminhados para o exrcito, marinha ou seminrio, no caso dos

    meninos, e no caso das meninas, ordens religiosas. Aps os doze anos, as famlias que

    recebiam essas crianas podiam utiliz-los como mo de obra como forma de

    pagamento pelo que havia sido gasto com elas. (MARCLIO, 2006; MACHADO,

    2010).

    Muitas escravas tambm serviram de amas, alugadas por seus proprietrios. Este

    fato possibilitou ao Brasil um modo particular de utilizao do sistema dos expostos, a

  • 14

    exposio de filhos de escravas, cujos senhores buscavam receber o pagamento pela sua

    criao ou quem os criassem, indo posteriormente buscar o pequeno escravo em idade

    que pudesse ser iniciado nas atividades laborais (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.24).

    Conforme as autoras acima, os estudos da poca mostram que a taxa de

    mortalidade que era muito alta nesse sistema de expostos, havia diminudo com a

    criao dos bebs pelas amas externas. Porm, no raro, as amas que s se interessavam

    pelo salrio, eram acusadas de maus tratos aos expostos. Mas levando em conta que as

    condies das instituies eram insalubres, aglomerando crianas doentes e sadias

    juntas, era prefervel que ficassem com as amas que s visavam o benefcio do parco

    salrio (ibidem, p.24).

    Muitas Rodas de Expostos surgiram no Brasil, quando na Europa estavam

    sendo combatidas pelos higienistas reformadores, pela alta mortalidade e suspeita de

    fomentar o abandono de crianas (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.25). No Brasil, a Roda

    foi criada na Colnia, passou pelo Imprio, e chegou at Repblica, sendo extinta

    somente na recente dcada de 1950. (MARCLIO, 1997).

    Conforme Machado (2010), a problemtica da infncia comea a tomar outro

    rumo, quando em 1823, a partir de debates da Constituinte, a criana passa a ser vista

    sob a perspectiva de contribuir para a construo da nao. Para isso, era necessrio

    investir na educao/formao profissional dos meninos pobres.

    Aps ato adicional de 1834, sob a Lei n 16, cabe aos governos a instruo

    primria das crianas. Comea assim, a se criar as instituies de instruo primria e

    profissional de crianas e adolescentes das classes populares, os filhos do povo

    (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.25).

    Coube s provncias instalarem Casas de Educandos Artfices e ao governo

    imperial, Companhia de Aprendizes Marinheiros e Escolas de Aprendizes dos Arsenais

    de Guerra. (MACHADO, 2010).

    Rizzini e Rizzini (2004) chamam a ateno para a proporo com que esses

    meninos so levados para as instituies, as Companhias de Aprendizes Marinheiros

    [...] recebiam meninos recolhidos nas ruas pelas polcias das capitais brasileiras. O

    nmero de meninos enviados pelas companhias imperiais aos navios de guerra foi maior

    do que o nmero de homens recrutados (2004, p.25).

    J as meninas, rfs e desvalidas, eram recolhidas em instituies religiosas,

    sendo que foram criados asilos diferenciados para: rfs pobres, filhas de pai

  • 15

    legitimo; indigentes, filhas naturais de mes pobres; rfs brancas e as meninas de

    cor. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.26/27).

    Outros grupos sociais e tnicos povoaram os internatos, embora de forma

    tmida. Os filhos de escravas, os ingnuos (aqueles nascidos livres com a Lei do Ventre

    Livre4, de 1871) e indgenas [...]. (ibidem, p.27).

    No ano de 1888, com a abolio da escravatura, ocorreu o aumento do

    nmero de crianas abandonadas na rua. Algumas foram atendidas

    pelo Estado e encaminhadas para asilos, outras acabaram por

    perambular pelas ruas da cidade, sobrevivendo como podiam. A

    situao de abandono dessas crianas passou ento a incomodar mais

    seriamente a sociedade, em funo de arruaas, confuses e pequenos

    furtos cometidos; o estado chamado a novas aes de interveno.

    (MACHADO, 2010, p.30).

    1.2 O MENOR ABANDONADO GANHA DESTAQUE

    A Repblica herdou do Imprio 16 (dezesseis) instituies asilares para crianas

    abandonadas, que funcionavam numa aliana entre o pblico e o privado, sendo que

    resultaram de presses de higienistas, advogados, moralistas e religiosos

    (FALEIROS, 2011, p.42).

    A partir do sculo XIX, o pas passou por um processo de industrializao, que

    culminou na insero da mulher e da criana no trabalho nas fbricas. Os salrios eram

    baixssimos, e as condies penosas, porm, havia a alegao, por parte dos

    proprietrios das fbricas, que era vivel retirarem os menores desocupados das ruas,

    oferecendo-lhes uma ocupao til o que garantiria, em contrapartida, um aspecto

    melhor s cidades, e legitimaria a explorao do trabalho infanto-juvenil. (GARCIA,

    2007).

    Com essa fase de industrializao, as instituies eram criadas seguindo a lgica

    higienista, onde o

    4 A Lei do Ventre Livre, de 1871, concedia a liberdade s crianas nascidas de mes escravas [...]

    (MACHADO, 2010, p.28).

  • 16

    [...] objetivo era recolher e educar os menores viciosos5 e abandonados

    em reformatrios, escolas correcionais e institutos, oportunizando

    nestes locais a educao industrial para meninos, qualificando-os para

    o mercado de trabalho, e a educao domstica para meninas,

    preparando-as para serem empregadas domsticas ou para o

    casamento. (ibidem, p.14).

    Por presso de especialistas de vrias reas (acima mencionados), a partir da

    metade do sculo XIX a Roda dos Expostos comea a ser desativada. Nesse contexto

    insere-se a preocupao dos juristas em

    [...] resolver o problema que ora se apresentava- o do menor. De

    sujeito abandonado passa-se a perceber a criana sem assistncia

    familiar como menor infrator e do tratamento caridoso dado pela

    igreja e posteriormente pelo estado, passa-se cada vez mais a v-las

    como seres tortos a serem reformados por instituies jurdicas.

    (SILVA, 2002, p.7, grifos da autora).

    O termo menor abandonado era definido tanto pela ausncia dos pais quanto

    pela incapacidade da famlia de oferecer condies apropriadas de vida sua prole

    (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.29).

    Conforme as autoras citadas, a partir dessa definio, e da cobrana dos meios

    especializados, criado, em 1923, no Rio de Janeiro, o primeiro Juzo de Menores, que

    veio estruturar, ampliar e aprimorar o modelo, construindo e reformando

    estabelecimentos de internao (ibidem, p.30). E tambm o Cdigo de Menores,

    idealizado pelo professor, ex-deputado e juiz, Jos Cndido de Albuquerque Mello

    Mattos, sendo promulgado na forma de Decreto (17.943-A) em 12 de outubro de 1927.

    (FALEIROS, 2011).

    O Cdigo Mello Mattos, como ficou conhecido, estava estruturado em duas

    partes: parte geral, abrangendo do art. 1 a 145, e parte especial, contemplando do art.

    146 a 231. Algumas terminologias utilizadas no Cdigo so: infantes expostos, menores

    abandonados e menores delinquentes. A Lei incorporava tanto a viso higienista de

    proteo do meio e do indivduo, como a viso jurdica repressiva e moralista.

    (FALEIROS, 2011, p.47).

    5 Termo utilizado por Faleiros (2011), para outros termos ver p. 43.

  • 17

    O Cdigo de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato

    da infncia e juventude excludas, regulamentando questes como

    trabalho infantil, tutela e ptrio poder6, delinquncia e liberdade

    vigiada. O Cdigo de Menores revestia a figura do juiz de grande

    poder, sendo que o destino de muitas crianas e adolescentes ficava a

    merc do julgamento e da tica do juiz. (LORENZI, 2007, s.p).

    Pode-se afirmar que a partir de ento

    [...] a infncia de vrios segmentos passa a ser legalizada. A justia

    passa a ter a Vara da Infncia para soluo de conflitos relacionados

    criana normal, e o Juizado de Menores atendia a infncia pobre

    (abandonados, pivetes, trombadinhas, infratores, delinquentes.

    (SANTOS, 1993 apud GARCIA, 2007, p.16).

    H que se destacar a normatizao em relao ao trabalho, que fica proibido

    aos menores de 12 anos e aos menores de 14 anos que no tenham cumprido instruo

    primria. [... bem como a] durao do trabalho (seis horas). (FALEIROS, 2011, p.48).

    Quem no fica contente com esta parte em especial da lei so os industriais que,

    de acordo com Faleiros (2011) reagem ao cdigo, havendo para tanto a aplicao de

    multa a 520 (quinhentos e vinte) fbricas pelo juiz Mello Mattos, por no cumprirem a

    legislao.

    Porm, o autor relata adiante que durante a Era Vargas7, exatamente em 1932, os

    industriais conseguem alterar o Cdigo de Menores, eliminando a proibio para

    trabalhar antes dos 14 (quatorze) anos, nos casos de estabelecimentos onde eram

    empregadas pessoas de uma s famlia. A reduo passa para 13 (treze) anos. Mas

    novamente uma regulamentao, a Constituio de 1934, fixa a idade em 14 (quatorze)

    anos, ao que os industriais respondem: aplicado sem cautela, na expresso de sua letra,

    fatalmente lanar ao regao da sociedade uma nova legio de candidatos

    vagabundagem, ao vcio, ao delito. O menor de seus males ser a multiplicao de

    rufies e meretrizes (Livro de Circulares da FIESP, 1930 apud FALEIROS, 2011,

    p.51).

    O Estado Novo compreende o perodo de 1937 a 1945, e h que se destacar que

    foi nesse perodo que ocorreu a instalao do aparato executor das polticas sociais no

    6 Expresso substituda por poder familiar, pela Lei n 8.069/90, onde a responsabilidade dos filhos cabe

    aos pais, ao casal, e no mais por distino de sexo, prevalecendo o poder do pai como no perodo

    estudado. 7 Compreende o perodo de 1930 a 1945, onde esteve frente do pas Getlio Vargas.

  • 18

    pas. Dentre elas destaca-se a legislao trabalhista, a obrigatoriedade do ensino e a

    cobertura previdenciria associada insero profissional [...]. (LORENZI, 2007, s.p).

    1.3 SERVIO DE ATENDIMENTO AO MENOR: ESCOLA DE CRIMINALIDADE

    Ainda no governo de Getlio Vargas, no ano de 1941, foi criado o Servio de

    Atendimento ao Menor/SAM. Tratava-se de um rgo do Ministrio da Justia e que

    funcionava como um equivalente do sistema Penitencirio para a populao menor de

    idade. Sua orientao era correcional-repressiva. (LORENZI, 2007, s.p). Garcia (2007)

    relata que o objetivo da instituio era a recuperao do menor infrator, com vistas ao

    combate da criminalidade, bem como a funo de avaliar e ministrar o tratamento

    dispensado categoria. Porm, a instituio desenvolveu pssima reputao, sendo

    conhecida, popularmente, como universidade do crime e sucursal do inferno-

    prises onde imperavam drogas, violncia, abuso sexual e corrupo administrativa

    (CESCO, 2007, p.18).

    Havia a alegao ainda, de que

    [...] os escritrios instalados tornaram-se cabides de emprego para

    afilhados polticos, salvando-se alguns deles [... e mais] a finalidade

    de assistir os autnticos desvalidos [...] foi desvirtuada, sendo o

    rgo tomado pelas relaes clientelistas, pelo uso privativo de uma

    instituio pblica. (RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.33/34).

    As crticas ao sistema vigente tambm comeam a emergir tanto por parte de

    atores governamentais como da sociedade. Alguns juzes passam a condenar o SAM

    como fbrica de delinquentes, escolas do crime, lugares inadequados. (FALEIROS,

    2011, p.61). Somente em 1961 foi instaurada uma Comisso de Sindicncia para

    investigar denncias do atendimento do SAM (GARCIA, 2007, p.18).

    No ano de 1964 surge a FUNABEM, instalada no primeiro ano da revoluo

    de 31 de maro, a qual instaurou uma ditadura militar que perduraria por 20 anos no

    Brasil. A Fundao tinha por misso inicial instituir o Anti-SAM [...] (RIZZINI;

    RIZZINI, 2004, p.35).

  • 19

    1.4 FUNABEM E O CDIGO DE 1979

    A Ditadura Militar foi caracterizada por um perodo de

    [...] censura e represso. Os militares passam a controlar tudo, criam

    um poder centralizado, excluindo a sociedade civil organizada da vida

    poltica atravs da desmobilizao ou mesmo pelo uso da fora. A

    represso marcava presena por meio dos decretos-lei, dos atos

    institucionais e das medidas provisrias. (GARCIA, 2002, p. 18).

    Nesse contexto Rizzini e Rizzini (2004) apresentam o sustentculo ideolgico

    imbricado concepo do menor enquanto um problema de segurana nacional, sendo,

    portanto, objeto de interveno e normalizao (VEGA, 2002, p.11), onde

    [...] o Estado tinha o papel de frear os sentimentos de revolta da

    juventude resistente ao regime de governo e tambm moldar os

    jovens marginalizados para se inserirem no mercado de trabalho.

    (GARCIA, 2007, p.18).

    A autora fala da criao da Poltica Nacional do Bem Estar do Menor/ PNBEM,

    que veio para dar os respaldos legais ideologia da segurana nacional. Subordinada a

    ela, estava a ento instituda, Fundao Nacional do Bem Estar do Menor/FUNABEM,

    vinculada diretamente Presidncia da Repblica. Porm, mesmo estando vinculada

    presidncia, a Fundao possua autonomia tcnica, administrativa e financeira.

    (ibidem, p.18).

    Em nvel estadual foram instaladas vrias FEBEMs (SILVA, 2002) na dcada de

    1970, sendo que tinham por objetivo:

    [...] o abrigo, tratamento e educao dos menores, bem como a

    reintegrao, a reeducao, ou a ressocializao dos mesmos,

    considerando-se que esto fora do processo normal de sociabilidade.

    (GARCIA, 2007, p.18, grifos da autora).

    Em 1975, a Cmara dos Deputados cria uma CPI8 cujo ttulo, paradoxalmente,

    prope uma investigao sobre o problema da criana e do menor carentes no Brasil

    8 CPI: Comisso Parlamentar de Inqurito. um organismo de investigao e apurao de denncias que

    visa proteger os interesses da coletividade (da populao brasileira). A CPI uma investigao conduzida

    pelo Poder Legislativo (Cmara de Deputados Federais e Estaduais ou Vereadores) [... que] analisa a

  • 20

    [...] (FALEIROS, 2011, p.68, grifos do autor). Conforme Vogel (1995 apud

    MACHADO 2010) o resultado foi um diagnstico nada positivo sobre a situao, o que

    fez com que o Cdigo de 1927 fosse questionado e reformulado, sendo que em 10 de

    outubro de 1979, sob a Lei n 6.697, foi promulgado o novo Cdigo. (FALEIROS,

    2011).

    O Cdigo de 1979 adota a doutrina da situao irregular, sendo esta: a

    privao de condies essenciais subsistncia, sade e instruo, por

    omisso, ao ou irresponsabilidade dos pais ou responsveis; por ser

    vtima de maus-tratos; por perigo moral, em razo de explorao ou

    encontrar-se em atividades contrrias aos bons costumes, por privao

    de representao legal, por desvio de conduta ou autoria de infrao

    penal. Assim as condies sociais ficam reduzidas ao dos pais ou

    do prprio menor [...] Na prtica, consagra o que vinha fazendo a

    FUNABEM [...] (ibidem, p.70).

    A doutrina da situao irregular concentrava na mo dos juzes

    praticamente todo o poder de deciso sobre os menores em situao

    irregular, incluindo aqui tanto os carentes como os autores de

    infrao. E ambos, sem distino, eram enviados para as mesmas

    instituies, as FEBEMs, organizadas a partir da concepo de

    segregao e isolamento de seus internos. (MACHADO, 2010, p.33).

    Faleiros (2011) expe a avaliao da FEBEM, na tica da ditadura, como um

    fracasso, onde at mesmo no relatrio final de avaliao da FUNABEM (FUNABEM

    Anos 20, 1984, apud FALEIROS, 2011, p.72) consta:

    [...] os relatrios estaduais nos asseguram quanto ao fracasso dessas

    expectativas [...]. Como vimos, o sistema nacional de atendimento ao

    menor pouco, se tanto, alterou a estrutura de desigualdade que

    penaliza crianas e adolescentes de baixa renda, e menos ainda elevou

    os patamares de cidadania desses segmentos. Entretanto, a prtica

    institucional do sistema possibilitou a criao de um corpo tcnico

    crtico...

    Essa avaliao se deu no momento em que o pas vivia abertura poltica, num

    contexto de transio democracia e de uma passagem do paradigma corretivo, [...] a

    um paradigma educativo e, mais que isso, de direitos para a criana e o adolescente.

    (ibidem, p. 72).

    gesto do bem pblico e toma medidas necessrias para sua correo e punio dos culpados [...].

    (RIBEIRO, s/d, s/p.)

  • 21

    1.5 DCADA DE 1980 E OS PRIMEIROS AVANOS

    Conforme Garcia (2007), a dcada de 1980 foi de grande importncia para o

    Brasil, onde ocorreram inmeras manifestaes e movimentos organizados pela prpria

    sociedade civil, que almejava a redemocratizao do pas.

    As autoras Rizzini e Rizzini (2004), atentam que neste momento a cultura

    institucional vigente no pas, de internato de menores comeava a ser questionada.

    Foi uma dcada de calorosos debates e articulao em todo o pas (ibidem p.46).

    Nessa fase Viegas (2007) chama a ateno para os movimentos em prol dos

    direitos das crianas e adolescentes, destacando a organizao de diversos seguimentos:

    Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criana e do Adolescente; organizao no-

    governamental Pastoral do Menor, Conferncia Nacional do Bispos do Brasil/CNBB e

    Comisso Nacional Criana e Constituinte. Diante da luta poltica desencadeada por tais

    organizaes o Cdigo de Menores e a PNBEM comearam a perder fora junto com os

    demais ordenamentos do regime autoritrio.

    H que se destacar tambm que

    [...] a partir da articulao desses projetos surge o Movimento

    Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que realiza trs

    encontros nacionais (1986, 1989, 1993) em Braslia e que

    contriburam significativamente para trazer a questo da poltica para

    a infncia como debate nacional. (ibidem, p.80).

    Em 1988, tem-se a aprovao da Constituio Federal, Constituio Cidad,

    como ficou conhecida. Nela temos em especial para a rea da infncia o artigo 2279,

    cujos princpios daro base para a elaborao do Estatuto da Criana e do Adolescente

    [...] vindo a ser, no contexto latino-americano, a primeira legislao adequada aos

    princpios da Conveno das Naes Unidas sobre o Direito da Criana e do

    Adolescente. (MACHADO, 2010, p.35). A Conveno americana data de 1959, logo,

    aps 30 (trinta) anos o Brasil ratifica este documento.

    9 dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta

    prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura,

    dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de

    toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso. (BRASIL, 2013,

    p.155).

  • 22

    Faleiros (2011) relata que a FUNABEM passa a ter o nome de Centro Brasileiro

    para a Infncia e a Adolescncia/CBIA, sob a Lei n 8.029 de 12 de abril de 1990, com

    a misso de coordenar, normatizar, e formular polticas (p.82) para a rea da infncia,

    se responsabilizando inclusive, por apoiar a implantao da nova legislao.

    A partir de ento, temos a promulgao da Lei n 8.069/ Estatuto da Criana e do

    Adolescente/ECA, no dia 13 de julho de 1990, e que trouxe uma nova perspectiva sobre

    como so vistos e atendidos as crianas e adolescentes neste pas.

    1.6 FASES DA ASSISTNCIA PRESTADA INFNCIA BRASILEIRA

    Diante do exposto at ento, pode-se obervar que a assistncia infncia

    abandonada No Brasil passou por 03 (trs) fases, sendo de acordo com Marclio (2006):

    fase caritativa,

    Do perodo colonial at meados do sculo XIX [...]. De inspirao

    religiosa, [...] suas formas de ao privilegiam a caridade e a

    beneficncia. Sua ao se caracteriza pelo imediatismo com os mais

    ricos e poderosos procurando minorar o sofrimento dos mais

    desvalidos [...]. Em contrapartida, esperam receber a salvao de suas

    almas e o status de benemritos. (ibidem, p.134).

    Fase filantrpica, de meados do sculo XIX at a dcada de 1960,

    [...] propagava que a preocupao, no deveria se restringir

    unicamente ao esprito do ser humano e com a salvao de sua alma:

    preciso cuidar dos corpos igualmente. A Sade e a Educao da

    infncia surgem como prioridades [...]. (ibidem, p. 307).

    E a partir da dcada de 1960 at os dias atuais, a terceira fase, onde o Brasil

    assume o Estado de Bem-Estar Social: o Estado se tornou o grande interventor e o

    principal responsvel pela assistncia e pela proteo infncia pobre e infncia

    desviante. (ibidem, p.225).

    Em 1990 foi aprovado o Estatuto da Criana e do Adolescente/ECA, que

  • 23

    [...] representou, de fato, uma reviravolta completa, proporcionando

    condies legais para a reformulao das polticas pblicas em favor

    da infncia e da juventude. As polticas assistenciais passaram, ento,

    a ser dirigidas ao atendimento compensatrio a toda criana de que

    delas necessitem[...]. [...] as crianas deixam de ser objeto e passam a

    ser sujeitos de direito. (ibidem, p.227/228, grifos da autora).

    E mais, o Estatuto

    [...] emerge como uma legislao que aponta ruptura com os estigmas

    e as diferenciaes dominantes no trato da populao infanto-juvenil,

    ao tempo em que acompanha as projees para uma nova organizao

    scio-poltica, incorporando demandas e expectativas polticas de

    carter democrtico. (SILVEIRA, 2009, p.5).

    A Lei n 8.069 ser o tema do prximo captulo com a finalidade de apresentar

    os avanos no que tange ao atendimento prestado categoria infanto-juvenil, com

    destaque para a modalidade de acolhimento institucional.

  • 24

    2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PS ESTATUTO DA CRIANA E DO

    ADOLESCENTE

    2.1 O ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE E AS PRINCIPAIS

    MUDANAS

    Aprovado em 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criana e do Adolescente/ECA

    inaugurou uma nova fase na concepo de crianas e adolescentes, que passam a ser

    considerados sujeitos de direitos. Diante disso e pensando na antiga legislao10

    apresenta trs mudanas significativas: mudana de contedo, mudana de mtodo e

    mudana de gesto11

    . Na mudana de contedo, ele rompe com a doutrina de situao

    irregular e prope a doutrina de proteo integral,

    [...] atravs da qual as crianas e adolescentes passam a ser

    considerados a partir de novos paradigmas e concepes, isto , como

    sujeitos [...] de direitos, pessoas em condio peculiar de

    desenvolvimento e destinatrios de prioridade absoluta [...] bem como

    ressalta a no utilizao do termo menor, por carregar uma

    conotao pejorativa. (GARCIA, 2007, p.28).

    O termo menor foi substitudo conforme consta no art. 2 da referida lei, por

    criana, sendo a pessoa at doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre

    doze e dezoito anos incompletos.

    Na mudana de mtodo, altera-se o modo operativo, de como agir perante as

    situaes relacionadas s crianas e adolescentes. Visa proteo preventiva, rompendo

    com o assistencialismo e autoritarismo, recusando aes institucionalizantes

    aprisionadoras, propondo aes emancipatrias. Dessa forma,

    [...] buscou-se (re)direcionar o olhar da nao para as necessidades

    inerentes a essa populao desprotegida, deixando de lado o

    pressuposto de reformar e modelar repressivamente as crianas e

    adolescentes para se preocupar com a sua proteo integral,

    defendendo seus direitos e buscando erradicar todo e qualquer tipo de

    violao dos mesmos. (MACHADO, 2010, p.36).

    10

    Cdigo de 1979. 11

    Comentrios formulados com base nas aulas de Ncleo Temtico de Poltica de Direitos Humanos de

    Crianas e Adolescentes, ministradas pela Prof. Dra. Zelimar Soares Bidarra, no ano de 2012.

  • 25

    J na mudana de gesto a lei institui a participao popular; a responsabilidade

    passa a ser dividida entre Estado, sociedade e famlia, de forma democrtica, como

    prev a Constituio Federal de 1988, e ainda descentralizada, nos nveis municipal,

    estadual e federal. Para tanto,

    [...] prescreve um sistema participativo de formulao, controle e

    fiscalizao das polticas pblicas, estabelecendo a criao de uma

    rede de atendimento caracterizada por aes integradas. Constituem

    essa rede as organizaes governamentais e no governamentais, os

    movimentos sociais, grupos religiosos, comunidades locais, entidades

    nacionais e internacionais, trabalhadores e a prpria populao.

    (GARCIA, 2007, p.28).

    Conforme Silva (2002), a descentralizao prev ainda a instaurao dos

    Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares. O Conselho de Direitos da Criana e

    do Adolescente um rgo pblico central, criado para a deliberao e o controle da

    poltica de atendimento [...]. (MACHADO, 2010, p.38).

    J os Conselhos Tutelares so rgos autnomos e permanentes de natureza no

    jurisdicional, cujos membros so eleitos pelo voto direto da populao [...]. (ibidem,

    p.38), sendo sua atribuio reivindicar, junto ao poder pblico, servios pblicos como

    sade, educao, previdncia, trabalho, servio social, e segurana, quando esses

    direitos forem violados.

    De encontro com o ECA, a Lei n 8.242 de 12 de outubro de 1991, cria o

    Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente/CONANDA.

    A instalao do CONANDA representa o coroamento de uma

    mudana institucional, pois o Conselho vai impulsionar a implantao

    do ECA, que traz uma mudana fundamental nas polticas anteriores

    relativas infncia. (FALEIROS, 2011, p.83).

    Cabe mencionar ainda que em termos de acesso a justia o ECA prev a criao

    de varas especializadas e exclusivas da infncia e juventude (MACHADO, 2010,

    p.38), havendo diferentes instncias do poder pblico para atuar na defesa dos direitos,

    sendo: Ministrio Pblico, Defensoria Pblica e Secretaria de Segurana Pblica.

    As funes do Ministrio Pblico podem ser definidas em duas competncias

    fundamentais:

  • 26

    [...] titular das aes pblicas, ou seja, das aes que tratam da

    prevalncia do interesse da sociedade sobre o individual. [...] e Fiscal

    da Lei, competindo-lhe acionar a Justia sempre que algum direito

    fundamental da criana ou do adolescente for violado. (TEIXEIRA,

    s/d, p.12).

    J a Defensoria Pblica

    o rgo pblico que garante s pessoas carentes o acesso Justia,

    de forma que aqueles que no podem arcar com as despesas com

    advogado especializado, para orient-las e defender seus direitos, sem

    comprometer a sua subsistncia, tenham assegurado o direito ampla

    defesa [...]. (TEIXEIRA, s/d, p.13).

    Quanto Secretaria de Segurana Pblica12

    pode ser dividida nos nveis nacional

    e estaduais, sendo responsvel por formular, articular e induzir a poltica de segurana

    pblica.

    Com essas prerrogativas o ECA est estruturado da seguinte forma: dividido em

    dois livros, sendo Livro I - parte geral, que vai do artigo 1 ao 85, especifica direitos

    fundamentais das crianas e adolescentes, comprometendo a sociedade brasileira com

    sua efetivao; j o Livro II - parte especial, abrange do artigo 86 ao 267, mais

    disposies finais e transitrias, detalha os comprometimentos, a forma de

    operacionalizar os direitos.

    2.2 ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL FRENTE AO ESTATUTO DA CRIANA E

    DO ADOLESCENTE

    No Livro II - parte especial da Lei n 8.069 consta a poltica de atendimento para

    crianas e adolescentes, que consiste nas diversas formas de fazer com que os direitos

    prescritos pela lei sejam cumpridos. (VEGA, 2002, p.16).

    No artigo 90 so apresentadas as diversas modalidades de programas de proteo

    e scio-educativos, que devem ser desenvolvidos pelas entidades de atendimento, bem

    12

    Informaes disponveis em

    Acesso em 23 out.

    2013.

    http://www.consep.org.br/consep98/noticia_conteudo_consep.asp?Codigo=113

  • 27

    como so de suas respectivas responsabilidades o planejamento e execuo destes

    programas, sendo os programas:

    I- Orientao e apoio scio-familiar; II- Apoio scio-educativo em meio aberto; III- Colocao familiar; IV- Acolhimento institucional; V- Prestao de servios comunidade; VI- Liberdade assistida; VII- Semiliberdade; VIII- Internao. (BRASIL, 2012, p.44).

    Ou seja, o acolhimento institucional se classifica como modalidade de

    atendimento, se colocando no art. 98 (p.50) como medida de proteo, nos casos de

    violao ou ameaa dos direitos reconhecidos na mesma lei:

    I- Por ao ou omisso da sociedade ou do Estado;

    II- Por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsveis;

    III- Em razo de sua conduta.

    Diante disso, conforme o pargrafo 1, do art. 101,

    [...] o acolhimento institucional e o acolhimento familiar so medidas

    provisrias e excepcionais, utilizveis como forma de transio para

    reintegrao familiar, ou, no sendo possvel, para colocao em

    famlia substituta, no implicando privao de liberdade. (p. 52).

    O ECA refere-se em medida provisria no sentido de que deve-se trabalhar

    numa perspectiva de lar provisrio, de curta passagem; excepcional, visto no se pode

    aplic-la em qualquer situao, mas em casos que colocam em risco a integridade fsica,

    psquica, moral e social de crianas e adolescentes; e transitria por se colocar como um

    lugar que a criana e o adolescente iro apenas transitar, onde o objetivo a volta para a

    famlia de origem ou colocao em famlia substituta.

    Para tanto, as entidades governamentais e no governamentais que ofertam esta

    modalidade de atendimento, devem, conforme pargrafo 1, art. 90, proceder inscrio

    de seus programas, no Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do

    Adolescente/CMDCA, seguindo alguns princpios especficos para o acolhimento

    institucional (art. 92):

  • 28

    I- Preservao dos vnculos familiares e promoo da reintegrao familiar;

    II- Integrao em famlia substituta, quando esgotados os recursos de manuteno na famlia natural ou extensa;

    III- Atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV- Desenvolvimento de atividades em regime de co-educao; V- No desmembramento de irmos; VI- Evitar, sempre que possvel, a transferncia para outras entidades de crianas e adolescentes abrigados;

    VII- Participao na vida da comunidade local; VIII- Preparao gradativa para o desligamento; IX- Participao de pessoas da comunidade no processo educativo. (p. 45/46).

    As entidades que ofertam o acolhimento institucional devem cumprir estes

    princpios, a fim de oferecer um servio de qualidade, propcio para cada

    criana/adolescente acolhido.

    J no art. 95, est previsto ao Judicirio, Ministrio Pblico e Conselho Tutelar a

    fiscalizao das entidades de acolhimento institucional. No caso de descumprimento da

    lei, algumas sanes so indicadas:

    I- s entidades governamentais:

    a - advertncia;

    b - afastamento provisrio de seus dirigentes;

    c - afastamento definitivo de seus dirigentes;

    d - fechamento de unidade ou interdio de programa.

    II- s entidades no-governamentais:

    a - advertncia;

    b - suspenso total ou parcial do repasse de verbas pblicas;

    c - interdio de unidades ou suspenso de programas;

    d - cassao do registro. (p.49).

    Ou seja, atravs da fiscalizao e da constatao de irregularidades cabe aos

    rgos acima mencionados tomar as devidas providncias, variando a sano conforme

    o grau de irregularidades.

    2.3 NORMATIVAS DA ASSISTNCIA SOCIAL A FAVOR DA INFNCIA

    Em consonncia com a Constituio Federal de 1988 e posterior ao ECA, em 7

    de dezembro de 1993 aprovada a Lei n 8.742, Lei Orgnica de Assistncia

    Social/LOAS, que em seu captulo III dispe sobre a organizao e gesto da assistncia

  • 29

    social, enquanto poltica pblica, organizando-a conforme art. 6, em dois nveis de

    proteo: proteo social bsica e proteo social especial. A proteo social bsica tem

    por objetivo, atravs de suas aes, prevenir situaes de risco e vulnerabilidade social.

    J a proteo social especial, conforme inciso II consiste em um

    [...] conjunto de servios, programas e projetos que tem por objetivo

    contribuir para a reconstruo de vnculos familiares e comunitrios, a

    defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisies e a

    proteo de famlias e indivduos para o enfrentamento das situaes

    de violao de direitos. (BRASIL, 1993, p.14/15).

    Ou seja, a proteo social especial abrange situaes onde h violao de

    direitos. Desta forma est subdividida em proteo social especial de mdia e alta

    complexidade. Mdia complexidade quando ainda existem vnculos familiares, e alta

    complexidade, quando os vnculos familiares foram rompidos. Dentro da alta

    complexidade, tm-se os servios de abrigo institucional13

    , casa-lar14

    e casa de

    passagem15

    .

    Para dar conta dos servios, outra normativa que orienta o atendimento a

    Norma Operacional Bsica Recursos Humanos/NOB-RH, do Sistema nico de

    Assistncia Social/SUAS16

    , aprovada em 2006, onde destaca como equipe de referncia

    para os servios de alta complexidade (p.15):

    Coordenador: deve possuir escolaridade de nvel superior ou mdio, sendo 01 (um) profissional para at 20 (vinte) usurios

    17

    acolhidos em, no mximo, dois equipamentos.

    Cuidador: escolaridade de nvel mdio e qualificao especfica, sendo 01 (um) profissional para at 10 (dez) usurios, por turno. A

    quantidade de cuidador por usurio dever ser aumentada quando

    houver usurios que demandem ateno especfica (com deficincia,

    com necessidades especficas de sade, pessoas soropositivas, idade

    inferior a um ano, pessoa idosa com Grau de Dependncia II ou III,

    dentre outros). Para tanto, dever ser adotada a seguinte relao: a) 01

    13

    Servio de acolhimento provisrio para crianas e adolescentes afastados do convvio familiar por

    meio de medida protetiva de abrigo [...] (BRASIL, 2009, p.67). 14

    Esta modalidade de atendimento ser tratada adiante com maiores detalhes. 15

    Na resoluo conjunta n 1/2009 do Conselho Nacional de Assistncia Social/CNAS e CONANDA no

    consta definio de casa de passagem, j no site do Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate a

    Fome/MDS, (disponvel em

    Acesso em 20 out. 2013) casa de passagem refere-se casa que acolhe adultos e famlias. 16

    O SUAS um sistema pblico que organiza, de forma descentralizada, os servios socioassistenciais

    no Brasil (BRASIL, Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome, 2013, s/p). Disponvel

    em < http://mds.gov.br/assistenciasocial/suas> Acesso em 20 out. 2013. 17

    O termo usurio neste trabalho, bem como na assistncia social refere-se a usurios do servio.

    http://portal.mj.gov.br/sedh/conanda/documentos/orienta%C3%A7%C3%B5es_acolhimento_consulta_publica.pdfhttp://portal.mj.gov.br/sedh/conanda/documentos/orienta%C3%A7%C3%B5es_acolhimento_consulta_publica.pdfhttp://mds.gov.br/assistenciasocial/suas

  • 30

    (um) cuidador para cada 08 (oito) usurios, quando houver 01 (um)

    usurio com demandas especficas; b) 01 (um) cuidador para cada 06

    (seis) usurios, quando houver 02 (dois) ou mais usurios com

    demandas especficas.

    Auxiliar de cuidador: escolaridade de nvel fundamental e qualificao especfica, sendo 01 (um) profissional para at 10 (dez)

    usurios, por turno. A quantidade de cuidador por usurio dever ser

    aumentada quando houver usurios que demandem ateno especfica

    (com deficincia, com necessidades especficas de sade, pessoas

    soropositivas, idade inferior a um ano, pessoa idosa com Grau de

    Dependncia II ou III, dentre outros). Para tanto, dever ser adotada a

    seguinte relao: a) 01 (um) auxiliar de cuidador para cada 08 (oito)

    usurios, quando houver 01 (um) usurio com demandas especficas;

    b) 01 (um) auxiliar de cuidador para cada 06 (seis) usurios, quando

    houver 02 (dois) ou mais usurios com demandas especficas.

    Logo, observa-se que h indicao de 01 (um) cuidador para determinado

    nmero de crianas, levando em conta o grau de especificidades das mesmas, com a

    finalidade de no sobrecarregar o responsvel, podendo dessa forma, oferecer um

    servio condizendo com as necessidades das crianas.

    J como equipe de referncia para atendimento psicossocial, vinculada ao rgo

    gestor indica (p.15):

    Assistente Social: com nvel superior, 01 (um) profissional para atendimento a, no mximo, 20 (vinte) usurios acolhidos em at dois

    equipamentos da alta complexidade para pequenos grupos.

    Psiclogo: com nvel superior, 01 (um) profissional para atendimento a, no mximo, 20 (vinte) usurios acolhidos em at dois

    equipamentos da alta complexidade para pequenos grupos.

    Levando em conta as situaes que levam ao acolhimento de crianas e

    adolescentes, o documento indica como equipe minimamente necessria assistente

    social e psiclogo, para que o servio de acolhimento possa ofertar um trabalho que vise

    superao das situaes violadoras de direitos.

    2.4 PLANO NACIONAL DE CONVIVNCIA FAMILIAR E COMUNITRIA

    Machado (2010) sinaliza que o ECA norteado pelo princpio da mxima

    preservao dos laos familiares naturais, e como forma de estabelecer parmetros

    nacionais que vo de encontro com os demais princpios do ECA foi aprovado no ano

  • 31

    de 2006, um plano de proteo e promoo que contempla o pblico infanto-juvenil

    em carter absolutamente prioritrio [...]. (ibidem, p.45).

    O Plano Nacional de Convivncia Familiar e Comunitria veio reforar

    premissas contidas no ECA, com o intuito de orientar a formulao de polticas para

    assegurar os direitos contidos na lei , onde priorizado o direito a convivncia familiar

    e comunitria. (BRASIL, 2006).

    O documento sinaliza que independentemente da nomenclatura utilizada todas as

    modalidades de acolhimento institucional devem seguir os princpios do art. 92 do

    ECA, explicitados anteriormente, bem como devem prestar plena assistncia criana

    e ao adolescente, ofertando-lhes acolhida, cuidado e espao para socializao e

    desenvolvimento. (BRASIL, 2006, p.40).

    Ressaltando que tais servios devem:

    estar localizados em reas residenciais, sem distanciar-se

    excessivamente, do ponto de vista geogrfico, da realidade de origem

    das crianas e adolescentes acolhidos;

    promover a preservao do vnculo e do contato da criana e do

    adolescente com a sua famlia de origem, salvo determinao judicial

    em contrrio;

    manter permanente comunicao com a Justia da Infncia e da

    Juventude, informando autoridade judiciria sobre a situao das

    crianas e adolescentes atendidos e de suas famlias;

    trabalhar pela organizao de um ambiente favorvel ao

    desenvolvimento da criana e do adolescente e estabelecimento de

    uma relao afetiva e estvel com o cuidador. Para tanto, o

    atendimento dever ser oferecido em pequenos grupos, garantindo

    espaos privados para a guarda de objetos pessoais e, ainda, registros,

    inclusive fotogrficos, sobre a histria de vida e desenvolvimento de

    cada criana e cada adolescente;

    atender crianas e adolescentes com deficincia de forma integrada

    s demais crianas e adolescentes, observando as normas de

    acessibilidade e capacitando seu corpo de funcionrios para o

    atendimento adequado s suas demandas especficas;

    atender ambos os sexos e diferentes idades de crianas e

    adolescentes, a fim de preservar o vnculo entre grupo de irmos;

    propiciar a convivncia comunitria por meio do convvio com o

    contexto local e da utilizao dos servios disponveis na rede para o

    atendimento das demandas de sade, lazer, educao, dentre outras,

    evitando o isolamento social;

    preparar gradativamente a criana e o adolescente para o processo de

    desligamento, nos casos de reintegrao famlia de origem ou de

    encaminhamento para adoo;

    fortalecer o desenvolvimento da autonomia e a incluso do

    adolescente em programas de qualificao profissional, bem como a

    sua insero no mercado de trabalho, como aprendiz ou trabalhador

    observadas as devidas limitaes e determinaes da lei nesse sentido

    - visando preparao gradativa para o seu desligamento quando

  • 32

    atingida a maioridade. Sempre que possvel, ainda, o abrigo deve

    manter parceria com programas de Repblicas, utilizveis como

    transio para a aquisio de autonomia e independncia, destinadas

    queles que atingem a maioridade no abrigo. (BRASIL, 2006, p.

    41/42).

    Essa ressalva frisa que a entidade de acolhimento institucional deve funcionar de

    tal forma que as crianas/adolescentes acolhidas sigam sua vida normalmente, para que

    se sintam acolhidas em famlia, num ambiente semelhante ao de qualquer outra famlia,

    convivendo em comunidade, estabelecendo vnculos com vizinhos, amigos, sendo

    inseridos em atividades prprias para cada idade e tambm mantendo seu histrico de

    vida.

    2.5 ORIENTAES TCNICAS: SERVIOS DE ACOLHIMENTO PARA

    CRIANAS E ADOLESCENTES

    O Conselho Nacional de Assistncia Social/CNAS e o CONANDA aprovaram

    no dia 18 de junho de 2009 a resoluo conjunta n 1, intitulada Orientaes Tcnicas:

    Servios de Acolhimento para Crianas e Adolescentes, que tem como finalidade

    regulamentar, no territrio nacional, a organizao e oferta de Servios de Acolhimento

    para Crianas e Adolescentes, no mbito da poltica de Assistncia Social. (BRASIL,

    2009, p.17).

    O documento indica elementos que visam contribuir para a qualidade dos

    servios nas entidades que ofertam acolhimento institucional, dentre eles, destaca-se

    estudo diagnstico prvio ou ps-acolhimento, que consiste em avaliar os riscos a

    que esto submetidos a criana ou o adolescente e as condies da famlia para

    superao das violaes de direitos observadas e o provimento de proteo e cuidados.

    (p.29), levando em conta a proteo e segurana dos mesmos a longo prazo.

    importante que a cada nova criana acolhida a equipe tcnica do servio

    elabore um plano de atendimento individual e familiar com objetivo de propor

    estratgias e aes a serem desenvolvidos tendo em vista a superao dos motivos que

    levaram ao afastamento do convvio e o atendimento das necessidades especficas de

    cada situao. (p.32).

  • 33

    Outro fator essencial o acompanhamento da famlia de origem, onde a

    interveno profissional fundamental, pois atravs do acompanhamento que

    proporciona de modo construtivo, a conscientizao da famlia sobre os motivos que

    levaram ao afastamento da criana e das consequncias que da resulta, possvel

    contribuir para a superao de situaes adversas ou padres violadores. (p.36).

    Indica-se ainda a articulao intersetorial, visando que os servios de

    acolhimento institucional devem ter uma atuao baseada no princpio da

    incompletude institucional, no devendo ofertar em seu interior atividades que sejam da

    competncia de outros servios. (p.43). Ou seja, a proteo integral deve ser

    viabilizada por equipamentos comunitrios e da rede de servio local. (p.43). Dessa

    forma, deve haver articulao entre as polticas pblicas de assistncia social, sade,

    educao, entre outras.

    Cada entidade deve possuir um projeto poltico-pedaggico, com vistas a

    garantir a qualidade do servio prestado e atendimento adequado, que deve orientar a

    proposta de funcionamento do servio como um todo (p.49) abrangendo

    funcionamento interno, articulao com a rede local, famlias e comunidade. A

    elaborao deve ser feita por todos os envolvidos no processo: equipe do servio, as

    crianas, adolescentes e suas famlias. (p.49).

    Destaca-se tambm a gesto do trabalho e educao permanente, por

    reconhecer que todos os profissionais que atuam no servio de acolhimento

    desempenham o papel de educador, exigindo para tanto a seleo, capacitao e

    acompanhamento de todas as atividades por eles executadas. A seleo criteriosa

    essencial para a garantia de contratao de pessoal qualificado e com perfil adequado

    ao desenvolvimento de suas funes. (p.61). No caso de servios de acolhimento

    governamentais, frisa-se a contratao via concurso pblico. J a capacitao

    indispensvel para se alcanar qualidade no atendimento [...]. Para tanto importante

    que seja oferecida capacitao inicial de qualidade e formao continuada [...]. (p.63).

    Juntamente com as indicaes, o documento aponta parmetros para a

    organizao do servio de acolhimento institucional, ressaltando que deve-se levar em

    conta a realidade e cultura local, sem, todavia, acarretar perda da qualidade dos

    servios de acolhimento [...]. (p.66).

    Dentre as modalidades de acolhimento o presente trabalho norteia-se por casa-

    lar, definida pela resoluo como:

  • 34

    O Servio de Acolhimento provisrio oferecido em unidades

    residenciais, nas quais pelo menos uma pessoa ou casal trabalha como

    educador/cuidador residente - em uma casa que no sua- prestando

    cuidados a um grupo de crianas e adolescentes afastados do convvio

    familiar [...], em funo de abandono ou cujas famlias ou

    responsveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de

    cumprir sua funo de cuidado e proteo, at que seja viabilizado o

    retorno ao convvio com a famlia de origem ou, na sua

    impossibilidade, encaminhamento para famlia substituta. (p.74).

    A casa-lar visa estimular o desenvolvimento das relaes mais prximas do

    ambiente familiar, promover hbitos saudveis e atitudes de autonomia e de insero

    social com as pessoas da comunidade. (ibidem, p.74).

    Deve possuir estrutura semelhante a uma residncia privada, localizada em reas

    residenciais da comunidade e seguir o padro socioeconmico da comunidade em que

    estiver inserida. Devendo ainda organizar o ambiente de forma que se assemelhe a uma

    rotina familiar, proporcionar vnculo estvel entre educador/cuidador residente e

    crianas/adolescentes acolhidos, primar pelo uso de equipamentos e servios

    disponveis na comunidade local e favorecer o convvio familiar e comunitrio,

    seguindo todas as premissas contidas no ECA.

    Os parmetros apontados pela resoluo para atendimento tm definido como

    pblico alvo crianas e adolescentes de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos. Ressalta-se que no

    deve haver discriminao ou segregao por motivos de sexo, doena, deficincia, bem

    como no adotar faixa etria muito estreita. Havendo particular indicao para

    atendimento de grupos de irmos, e crianas e adolescentes com perspectiva de

    acolhimento de mdia ou longa durao. Sendo permitido nmero mximo de 10 (dez)

    crianas/adolescentes por entidade.

    A principal diferena da casa-lar em relao ao abrigo institucional consiste no

    fato do educador/cuidador residir juntamente com os acolhidos, sendo responsvel pelos

    cuidados e organizao da casa. Recomenda-se que tal profissional tenha autonomia

    para reger a rotina da casa, inclusive as despesas. recomendvel ainda que crianas e

    adolescentes participem das decises acerca da rotina da casa, com intuito de

    reconhecerem-se como parte integrante do grupo.

    A presena do cuidador tem por objetivo proporcionar relao estvel com os

    acolhidos, ocupando lugar de referncia afetiva, acompanhando-os em atividades

    comunitrias (reunies escolares, festas, eventos), e propiciar rotina mais flexvel na

  • 35

    casa, menos institucional e prxima a uma rotina familiar, adaptando-se s necessidades

    da criana/adolescente (p.75).

    A tarefa de cuidador residente uma funo de

    [...] elevada exigncia psquica e emocional, o que torna necessria

    uma ateno especial na seleo, capacitao e acompanhamento deste

    profissional. Alm disso, de fundamental importncia a existncia de

    equipe tcnica especializada, para acompanhamento constante [...].

    (p.75).

    O residente deve dispor de condies dignas de trabalho e remunerao, bem

    como de privacidade e possibilidade de construo de projetos pessoais, havendo para

    tanto, perodos livres dirios e um esquema de folgas semanais, alm de frias anuais.

    Anteriormente a esta resoluo o termo designado para educador/cuidador

    residente era me social, funo que foi regulamentada em dezembro de 1987, por meio

    da Lei n 7.644, referindo-se mulher que trabalhava no sistema de casa-lar e que

    residia juntamente com as crianas/adolescentes, na poca ainda concebidos como

    menores. Hoje, as orientaes tcnicas para os servios de acolhimento institucional

    recomendam a substituio do termo me/pai social por educador/cuidador, a fim de

    evitar a ambiguidade de papeis, visto que ao residente cabe a funo de fortalecer os

    vnculos familiares e no ocupar o lugar da me ou da famlia de origem.

    Quanto aos aspectos fsicos, a casa-lar deve localizar-se em reas residenciais,

    sem se afastar do ponto de vista geogrfico e socioeconmico dos acolhidos, devendo

    evitar estruturas que agreguem vrias casas-lares num mesmo terreno, visto que isso

    dificulta a integrao dos acolhidos com a vizinhana, bem como no deve dispor de

    placas indicando a natureza da instituio.

    Pensando no critrio de recursos humanos, para alm do que est definido como

    equipe de referncia pela NOB-RH, as orientaes tcnicas ressaltam as atribuies de

    cada membro que trabalha na casa-lar, sendo pertinente ao coordenador:

    Gesto da entidade; elaborao, em conjunto com a equipe tcnica e

    demais colaboradores, do projeto poltico-pedaggico do servio;

    organizao da seleo e contratao de pessoal e superviso dos

    trabalhos desenvolvidos; articulao com a rede de servios e

    articulao com o Sistema de Garantia de Direitos. (p.77).

    Deste modo, o coordenador se coloca como profissional responsvel por

    administrar e direcionar os trabalhos da casa, bem como por acompanhar as atividades

  • 36

    desenvolvidas, articulando para tanto, os servios que se fizerem necessrios para

    garantir os direitos dos acolhidos.

    J equipe tcnica (assistente social e psiclogo) com indicao de carga

    horria mnima de 30 (trinta) horas semanais cabe:

    Elaborao, em conjunto com o/a educador/cuidador residente e,

    sempre que possvel com a participao das crianas e adolescentes

    atendidos, de regras e rotinas fundamentadas no projeto poltico

    pedaggico da entidade; acompanhamento psicossocial dos usurios e

    suas respectivas famlias, com vistas reintegrao familiar; apoio na

    seleo dos cuidadores/educadores e demais funcionrios; apoio e

    acompanhamento do trabalho desenvolvido pelos

    educadores/cuidadores; capacitao e acompanhamento dos

    cuidadores/educadores e demais funcionrios; encaminhamento,

    discusso e planejamento conjunto com outros atores da rede de

    servios do SGD18

    das intervenes necessrias ao acompanhamento

    das crianas e adolescentes e suas famlias; organizao das

    informaes das crianas e adolescentes e respectivas famlias, na

    forma de pronturio individual; elaborao, encaminhamento e

    discusso com a autoridade judiciria e Ministrio Pblico de

    relatrios semestrais sobre a situao de cada criana e adolescente

    apontando: I- possibilidades de reintegrao familiar; II- necessidade

    de aplicao de novas medidas; ou III- quando esgotados os recursos

    de manuteno na famlia de origem, a necessidade de

    encaminhamento para adoo; preparao da criana/adolescente para

    o desligamento (em parceria com o (a) cuidador (a)/educador(a)

    residente); mediao, em parceria com o educador/cuidador residente,

    do processo de aproximao e fortalecimento ou construo do

    vnculo com a famlia de origem ou adotiva, quando for o caso. (p.78).

    Portanto, a esses profissionais compete alm do trabalho na casa de acompanhar

    as crianas e os cuidadores, o trabalho com as famlias, se responsabilizando, inclusive,

    por encaminhar os relatrios autoridade judiciria sobre a situao da criana e da

    famlia.

    Vale ressaltar que as atividades desenvolvidas pela equipe interprofissional

    devero respeitar as atribuies privativas de cada profisso definidas pelos respectivos

    conselhos da profisso (p.70).

    J ao educador/cuidador residente indica-se:

    18 Sistema de garantia de Direitos. Consiste num sistema que envolve [...] todos os atores sociais, no sentido de se trabalhar em rede, de forma sistemtica, integrada e em parceria, em prol dos interesses de

    crianas e adolescentes. [...] cujo modelo estabelece uma ampla parceria entre o Poder Pblico e a

    sociedade civil para elaborar e monitorar a execuo de todas as polticas pblicas voltadas para o

    universo da infncia e adolescncia. (TEIXEIRA, s/d, p.1).

  • 37

    Organizao da rotina domstica e do espao residencial; cuidados

    bsicos com alimentao, higiene e proteo; relao afetiva

    personalizada e individualizada com cada criana e/ou adolescente;

    organizao do ambiente (espao fsico e atividades adequadas ao

    grau de desenvolvimento de cada criana ou adolescente); auxlio

    criana e ao adolescente para lidar com sua histria de vida,

    fortalecimento da auto-estima e construo da identidade; organizao

    de fotografias e registros individuais sobre o desenvolvimento de cada

    criana e/ou adolescente, de modo a preservar sua histria de vida;

    acompanhamento nos servios de sade, escola e outros servios

    requeridos no cotidiano. Quando se mostrar necessrio e pertinente,

    um profissional de nvel superior (psiclogo ou assistente social)

    dever tambm participar deste acompanhamento; apoio na

    preparao da criana ou adolescente para o desligamento, sendo para

    tanto orientado e supervisionado por um profissional de nvel superior.

    (p. 79).

    Percebe-se que a maior responsabilidade do cuidador residente promover as

    relaes na casa. Ele deve criar situaes para que as crianas estabeleam relaes com

    ele, com outras crianas, auxiliando no processo de fortalecer a auto-estima e de

    preservar o histrico de vida da criana.

    J o auxiliar de cuidador/educador oferece apoio s funes do cuidador;

    cuidados com a moradia (organizao e limpeza do ambiente e preparao dos

    alimentos, dentre outros). (p.79).

    No quesito infraestrutura h a indicao de cmodos e medidas mnimas

    necessrias para a qualidade do servio prestado, onde aponta-se: quarto para as

    crianas - at 04 (quatro) crianas por quarto-, quarto para o cuidador residente, sala de

    estar, sala de jantar, ambiente para estudo, banheiro para as crianas - at 06 (seis)

    crianas por banheiro-, banheiro para os funcionrios, onde pelo menos 01 (um) dos

    banheiros da casa deve ser adaptado para pessoas com deficincia, cozinha, rea de

    servio, rea externa, todos com espaos que comportem tanto as crianas como os

    funcionrios.

    Indica-se tambm que alguns espaos devem funcionar fora da casa-lar, em rea

    especfica para atividades tcnico-administrativas sendo: sala para equipe tcnica, sala

    de coordenao/atividades administrativas e sala/espao para reunies com as famlias

    das crianas/adolescentes acolhidos.

    Com base nestas informaes pode-se afirmar que o abrigo hoje, diferentemente

    das instituies do passado, deve ser um espao que oferea condies para a criana se

    desenvolver, que disponha de profissionais qualificados para trabalhar com as elas e

    suas respectivas famlias, que tenha um espao adequado, com pequenos grupos,

  • 38

    oferecendo atendimento personalizado, enfim, que propicie criana se desenvolver

    plenamente.

    E uma vez que esto estabelecidos os parmetros nacionais que regem os

    servios de acolhimento institucional, em especial a modalidade casa-lar, parte-se agora

    para o estudo do municpio de Ouro Verde do Oeste-Pr, em especfico da casa abrigo

    Anjos de Ouro.

  • 39

    3 A REALIDADE DA CASA ABRIGO ANJOS DE OURO NO MUNICPIO DE

    OURO VERDE DO OESTE- PARAN

    3.1 ASPECTOS METODOLGICOS DA PESQUISA

    Com a finalidade de verificar a operacionalizao da casa abrigo Anjos de

    Ouro no municpio de Ouro Verde do Oeste-Pr, faz-se necessrio expor a metodologia

    e tcnicas utilizadas no decorrer do processo.

    De acordo com Minayo (1994), delimita-se a metodologia como caminho e

    instrumental, prprios da abordagem da realidade. Para a pesquisa em questo optou-se

    pela abordagem qualitativa que

    [...] responde a questes muito particulares. Ela se preocupa, nas

    cincias sociais, com nvel de realidade que no pode ser quantificado.

    Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

    aspiraes, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais

    profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem

    ser reduzidos operacionalizao de variveis. (ibidem p. 21/22).

    Elencou-se ainda para analisar como o servio de acolhimento institucional

    ofertado pela casa abrigo Anjos de Ouro, a pesquisa bibliogrfica, a anlise

    documental, e a entrevista semiestruturada, junto tcnica de gravao.

    Com a finalidade de aprofundar aspectos relativos ao tema, e assim possibilitar

    um conhecimento que v para alm da aparncia, a pesquisa bibliogrfica pressupe

    (...) um conjunto ordenado de procedimentos de busca por solues, atento ao objeto

    de estudo, e que, por isso, no pode ser aleatrio. (LIMA; MIOTO, 2007, p.38), deve

    ser contnuo de forma a possibilitar uma reflexo crtica da realidade. Sendo que para a

    contextualizao do processo pelo qual passou o atendimento direcionado a crianas e

    adolescentes no Brasil, foram estudados livros, revistas, legislaes, e publicaes

    diversas.

    A anlise documental pode se constituir numa tcnica valiosa de

    abordagem de dados qualitativos, seja complementando as

    informaes obtidas por outras tcnicas, seja desvelando aspectos

    novos de um tema ou problema. (LUDKE; ANDR, 1986, p.38).

  • 40

    Neste caso ser utilizada para contextualizar a casa abrigo Anjos de Ouro,

    atravs de atas, regulamento interno da casa, entre outros.

    Aps a elaborao do quadro terico partiu-se para a pesquisa de campo que,

    conforme Minayo (1994) nos possibilita conhecer a realidade em que os sujeitos esto

    inseridos, podendo assim, analisar a totalidade do processo em que os mesmos se

    encontram.

    Neste trabalho a pesquisa de campo se deu da seguinte maneira: entrevista

    semiestruturada - com perguntas abertas e fechadas - com formulrios de questes

    diferentes para cada setor (apndice I, II e III) e tambm um formulrio diferenciado

    para resgatar o processo de implantao da casa abrigo (apndice IV). As entrevistas

    foram aplicadas com a tcnica de gravao, visto que essa tcnica tem a vantagem de

    registrar todas as expresses orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para

    prestar toda a sua ateno ao entrevistado. (LUDKE; ANDR, 1986, p.37), mediante

    autorizao dos entrevistados (apndice V, VI e VII), nos meses de agosto e setembro

    de 2013.

    O universo da pesquisa inicialmente era composto por 09 (nove) pessoas, porm,

    alguns funcionrios foram afastados da casa, e uma pessoa no consentiu com a

    realizao da pesquisa, sendo entrevistadas, portanto, 04 (quatro) pessoas. Os

    entrevistados foram escolhidos por meio de amostra intencional, com base nos seguintes

    critrios: profissionais que respondem legalmente pela casa; setor de fiscalizao; e

    funcionrios que passam mais tempo em contato com a casa.

    Para manter sigilo dos entrevistados, conforme consta no Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido/TCLE, e no Captulo V, artigo 16, do Cdigo de

    tica Profissional dos Assistentes Sociais19

    (1993), os mesmos sero identificados por

    cdigos (D1, D2, D3 e D4), e apresentados aleatoriamente, apresentando os seguintes

    perfis:

    Sexo masculino, 34 (trinta e quatro) anos; profissional responsvel pela

    fiscalizao.

    Sexo feminino, 45 (quarenta e cinco) anos, profissional que respondeu

    legalmente pela casa por 03 (trs) anos;

    19 O sigilo proteger o usurio em tudo aquilo de que o assistente social tome conhecimento, como

    decorrncia do exerccio da atividade profissional (CFESS, 2006, p.22).

  • 41

    Sexo feminino, 23 (vinte e trs) anos, profissional que responde pela casa

    atualmente;

    Sexo feminino, 33 (trinta e trs) anos, profissional que trabalha diariamente

    com as crianas;

    Aps a realizao das entrevistas, as mesmas foram transcritas e sero

    apresentadas no decorrer deste captulo, com vistas a apontar como se d o

    funcionamento da casa, e os profissionais que a ela esto ligados, bem como as

    atividades que desempenham.

    3.2 O MUNICPIO DE OURO VERDE DO OESTE-PARAN

    Ouro Verde do Oeste est localizado no 3 Planalto Paranaense, na regio Oeste

    do Paran, na regio Sul do Brasil, a uma distncia de 571 km da capital, Curitiba, e

    apresenta rea territorial de 293, 042 km, com uma populao de 5.692 habitantes20

    .

    Conforme dados do ndice Brasileiro de Geografia e Estatstica/IBGE, censo

    2010, em 1965 fica estabelecido Distrito criado com a denominao de Ouro Verde,

    pela lei estadual n. 5078, subordinado ao municpio de Toledo, sendo emancipado em

    12 de junho de 1989, pela Lei estadual n 9009, surgindo ento no mapa, o municpio de

    Ouro Verde do Oeste.

    De acordo com dados do Plano Municipal de Assistncia Social de 2013, o

    municpio de Ouro Verde do Oeste essencialmente agrcola, tendo como principais

    atividades rurais: agropecuria, avicultura, suinocultura e agricultura (soja, milho, trigo

    e fumo). Dispe de poucas indstrias, consequentemente apresenta poucas fontes de

    gerao de renda. Diante disso, muitas pessoas buscam trabalho nas localidades

    vizinhas (Toledo, Palotina, entre outras), e muitos tambm no possuem qualificao

    profissional, sendo trabalhadores volantes.

    Por conta disso, parte da populao passa a viver em situao de

    vulnerabilidade, permanecendo meses sem trabalho. Fatores estes que aumentam a cada

    dia o nmero de crianas/adolescentes, idosos e famlia em situao de risco pessoal e

    20

    Informaes acessveis na pgina do IPARDES, disponvel em <

    www.ipardes.gov.br/cadernos/Montapdf.php?Municipio=85933> Acesso em 29 set. 2013.

    http://www.ipardes.gov.br/cadernos/Montapdf.php?Municipio=85933

  • 42

    social. Tendo como consequncia, violao de direitos de crianas e adolescentes,

    implicando assim, na criao da casa abrigo Anjos de Ouro.

    3.3 A CRIAO DA CASA ABRIGO ANJOS DE OURO

    No ano de 2010, foi instalada a casa abrigo Anjos de Ouro, no municpio de

    Ouro Verde do Oeste-Pr. As informaes a seguir foram