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Nota: Este livro foi escaneado e corrigido por Norman P. J. Davis Jr., em agosto de 2005, para o uso exclusivo de pessoas com alguma deficiencia visual e sua distribuição ao público em geral, bem como para fins comerciais é extritamente proibida pela lei brasileira de direitos autorais. As notas do texto foram postas entre colchetes para facilitar sua identificação. Para ir direto para o texto localize ***. ANTONIO GERALDO DE AGUIAR SERVIÇO SOCIAL E FILOSOFIA DAS ORIGENS A ARAXÁ Antonio Geraldo de Aguiar é professor da Faculdade de Serviço Social de Lins, onde coordena os trabalhos de Conclusão de Curso e chefia o Departamento de Formação e Cultura. É também professor e Chefe do Departamento de Educação na Faculdade de Ciência de Bauru. Tem atuado de maneira singular na área de Serviço Social, participando de encontros, reuniões, congressos e simpósios, destacando-se por sua postura comprometida e comprometedora na linha da reconceituação e da prática junto aos marginalizados. "Serviço Social e Filosofia - das origens a Araxá" é o resultado final, publicado em livro, de "Serviço Social no Brasil - ensaio crítico ao Documento de Araxá", que deu ao professor Geraldo o Título de Mestre em Filosofia da Educação. O livro possui três capítulos, interligados pela seriedade no trato das questões pertinentes ao Serviço Social e suas origens no Brasil: o primeiro aborda o aparecimento da profissão, o segundo apresenta a questão do Desenvolvimento, assumido pelos profissionais como ideologia a nível nacional e o terceiro analisa os pressupostos do Documento de Araxá. SERVIÇO SOCIAL E FILOSOFIA DAS ORIGENS A ARAXÁ Copyright © do Autor Co-edição CORTEZ EDITORA / EDITORA UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba) Conselho editorial: Elyeser Barreto César José Luiz Sigrist Elias Boàventura Hugo Assmann - editor executivo Capa: Jeronimo Oliveira Copidesque: Lenice Bueno Produção: Helen Diniz Revisão: Renato Nicolai Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do Autor e dos editores. Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA / UNIMEP Rua Banira, 387 - Tel.: (011) 864-0111 CEP 05009 - São Paulo - SP Impresso no Brasil 1982 ANTONIO GERALDO DE AGUIAR Prof. das Escolas de Serviço Social em Lins e Bauru; mestre em Filosofia da Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. SERVIÇO SOCIAL E FILOSOFIA DAS ORIGENS A ARAXÁ CORTEZ EDITORA EDITORA Àw IMEP CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação Câmara Brasileira do Livro, SP Aguiar, Antônio Geraldo de. A227s O serviço social no Brasil: das origens à Araxá / Antonio Geraldo de Aguiar. - São Paulo: Cortez: Piracicaba Universidade Metodista de Piracicaba, 1982. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado à Universidade Metodista de Piracicaba. Bibliografia. 1. Serviço social - Brasil 2. Serviço social - Brasil - História I. Título. - 82-1428 C D D-361.981

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Nota: Este livro foi escaneado e corrigido por Norman P. J. Davis Jr., em agosto de 2005, para o uso exclusivo de pessoas com alguma deficienciavisual e sua distribuição ao público em geral, bem como para fins comerciais é extritamente proibida pela lei brasileira de direitos autorais.As notas do texto foram postas entre colchetes para facilitar sua identificação.Para ir direto para o texto localize ***.

ANTONIO GERALDO DE AGUIAR

SERVIÇO SOCIALE FILOSOFIA

DAS ORIGENS A ARAXÁ

Antonio Geraldo de Aguiar é professor da Faculdade de Serviço Social de Lins, onde coordena os trabalhos de Conclusão de Curso e chefia o Departamento deFormação e Cultura. É também professor e Chefe do Departamento de Educação na Faculdade de Ciência de Bauru. Tem atuado de maneira singular na área de Serviço Social,participando de encontros, reuniões, congressos e simpósios, destacando-se por sua postura comprometida e comprometedora na linha da reconceituação e da práticajunto aos marginalizados. "Serviço Social e Filosofia - das origens a Araxá" é o resultado final, publicado em livro, de "Serviço Social no Brasil - ensaio crítico ao Documento deAraxá", que deu ao professor Geraldo o Título de Mestre em Filosofia da Educação. O livro possui três capítulos, interligados pela seriedade no trato das questões pertinentes ao Serviço Social e suas origens no Brasil: o primeiro abordao aparecimento da profissão, o segundo apresenta a questão do Desenvolvimento, assumido pelos profissionais como ideologia a nível nacional e o terceiro analisaos pressupostos do Documento de Araxá.

SERVIÇO SOCIAL E FILOSOFIA DAS ORIGENS A ARAXÁ

Copyright © do Autor

Co-edição CORTEZ EDITORA / EDITORA UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba)

Conselho editorial: Elyeser Barreto César José Luiz Sigrist Elias Boàventura Hugo Assmann - editor executivo

Capa: Jeronimo OliveiraCopidesque: Lenice BuenoProdução: Helen DinizRevisão: Renato Nicolai

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ouduplicada sem autorização expressa do Autor e dos editores.

Direitos para esta ediçãoCORTEZ EDITORA / UNIMEPRua Banira, 387 - Tel.: (011) 864-0111CEP 05009 - São Paulo - SP

Impresso no Brasil1982

ANTONIO GERALDO DE AGUIARProf. das Escolas de Serviço Social em Lins e Bauru; mestre em Filosofia da Educação pela UniversidadeMetodista de Piracicaba.

SERVIÇO SOCIAL E FILOSOFIADAS ORIGENS A ARAXÁ

CORTEZEDITORA

EDITORA Àw IMEP

CIP-Brasil. Catalogação-na-PublicaçãoCâmara Brasileira do Livro, SP

Aguiar, Antônio Geraldo de.A227s O serviço social no Brasil: das origens à Araxá / Antonio Geraldo de Aguiar. - São Paulo: Cortez: Piracicaba Universidade Metodista de Piracicaba, 1982. Originalmente apresentada como dissertação de mestrado à Universidade Metodista de Piracicaba. Bibliografia. 1. Serviço social - Brasil 2. Serviço social - Brasil - História I. Título. -82-1428 C D D-361.981

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Índices para catálogo sistemático:1. Brasil: Serviço social 361.9812. Brasil: Serviço social: História 361.981

SUMÁRIO

PREFÁCIO ......... 11INTRODUÇÃO ....... 13CAPÍTULO I - A IGREJA, O TOMISMO E O SERVIÇO SOCIAL ..........17A Igreja Católica no Século XX . .......... 17 A Igreja Universal ................... 17 A Ação Católica .................... 19

A Igreja no Brasil ............................................... 20 A Formação do Laicato ........ 21 A Ação junto aos intelectuais e universitários. Fundação das Faculdades Católicas ................... 24 As relações Igreja-Estado. A Liga Eleitoral Católica ........... 25

O Serviço Social no Brasil - Fundação das Primeiras Escolas de Serviço Social e Formação dos Assistentes Sociais ............. 28 Fundação das Primeiras Escolas de Serviço Social ......... 29 Escola de Serviço Social de São Paulo 29 Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro 29

A Formação dos Assistentes Sociais e suas características ............ 31A Formação dos Assistentes Sociais e os Congressos de Serviço Social 35A Formação do Assistente Social e a ABESS ........... 37

Pressupostos Filosóficos - Neotomismo ........ 39 Renascimento do Tomismo ....................... 39 A Filosofia de Santo Tomás: Alguns Aspectos ................. 41 Código de Malinas ................................... 43 Neotomismo no Brasil ......................... 44 Leonardo Van Acker ............................. 45 Alexandre Correa ..................... 46 Pe. Roberto Sabóia de Medeiros - S. J. ................... 46 Pe. Leonel Franca - S. 1. ............................... 48 Pe. Eduardo Magalhães Lustosa - S. J. .......................... 50 Pe. Pedro Cerrutti - S. J. ............. 50

Jacques Maritain e o Humanismo Integral ...................... 51 Jacques Maritain e sua presença entre nós .................. 51 O Ideal Histórico .................. 53A Presença Norte-Americana no início do Serviço Social Brasileiro através do Neotomismo e Funcionalismo ............... 57 Programa de Bolsas de estudos ........... 57 A convivência entre os postulados cristãos e neotomistas e as técnicas norte-americanas 60 A presença cristã e os processos de Caso, Grupo e Comunidade 61 O Serviço Social de Grupo e o neotomismo . .. ... .. . . ... 64

CAPÍTULO II - SERVIÇO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO ........... 67Introdução ................. 67ONU - A Organização das Nações Unidas e o desenvolvimento ............... 69O Desenvolvimento de Comunidade de 1945 a 1953 ................... 71 O Desenvolvimento e os Governos de Dutra (1945-1950) e o de Vargas (1950-1954) 71 O Serviço Social nos Governos Dutra e Vargas 74

Desenvolvimento de Comunidade de 1954 a 1967 ............. 76 Período de 1954 a 1960 ............ 76 Final do Governo de Vargas e o Governo de Café Filho 76 O Governo de Juscelino Kubitschek e o Desenvolvimentismo 78 O Serviço Social de 1954 a 1960 ........... 86Período de 1960 a 1967 .......... 91 Governo de Jânio Quadros, João Goulart e o Golpe de 1964 .......... 91 Governo de Jânio Quadros .......... 91 Governo de João Goulart .......... 93 Golpe de 1964 ............ 97O Serviço Social de 1960 a 1967 ............. 98 O Desenvolvimento de Comunidade após 1967 ......... 105 Algumas Características do Regime Militar de 1964 .......... 106 O Serviço Social depois de 1967 ........... 109

CAPITULO III - DOCUMENTO DE ARAXÁ: SEUS PRESSUPOSTOS 110

Apresentação e Síntese do Documento de Araxá ......... 110 Apresentação do Documento de Araxá ......... 110 Síntese do Documento de Araxá .......... 110

Fatos e acontecimentos da história brasileira e a do Serviço Social na época do Documento de Araxá .......... 117 Fatos e acontecimentos da história brasileira na época do Documento de Araxá - Governo Castelo Branco ................ 117 Fatos e acontecimentos do Serviço Social na época do Documento de Araxá - A reconceituação do Serviço Social ........ 119 Anna Augusta de Almeida .......... 121 Ezequiel Ander-Egg ....... 121 Herman Kruse .......... 123

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Myrtes de Aguiar Macedo ....... ........ 123 Teresa Porzecanski ......... 124 José Paulo Neto ..................... 124

Documento de Araxá: Análise Crítica ......................... 125 Visão de Homem ................ 128 Necessidade de conhecer a realidade .............. 129 O Desenvolvimento e os conceitos de Participação, Conscientização Promoção e Desenvolvimento 131 Conscientização e Desenvolvimento 133 Integração e Desenvolvimento 134 Participação e Desenvolvimento ................. 136 Proposta de Modelo de Desenvolvimento ........... 138 Natureza do Serviço Social 140CONCLUSÃO ..................................... 144BIBLIOGRAFIA ........... 147

A José e Rosa, meus pais.

A Giselda, minha esposa, pelo apoio, presença e incentivo para que este trabalho se concretizasse.

A Carolina, Virgínia e Janaína, minhas três meninas.

A todos que foram e são meus alunos na Faculdade de Serviço Social de Lins.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho, originalmente, foi apresentado à Universidade Metodista de Piracicaba, como dissertação de Mestrado em Filosofia da Educação, fruto do incentivoe da colaboração de muita gente a quem quero agradecer. Ao Prof. Dr. José Luiz Sigrist, pela orientação e amizade manifestada durante todo o tempo em que convivemos, bem como pelo incentivo para que publicássemosnosso trabalho. Ao Dr. Hugo Assmann e Dra. Nobuco Kameyama pela análise e críticas feitas ao nosso trabalho como membros da Banca Examinadora. Aos professores do Centro de Pós-Graduação da Universidade Metodista de Piracicaba: Prof. Dr. Dermeval Saviani, Prof. Dr. Geraldo de Oliveira Tonaco, Prof.Dr. Antonio Joaquim Severino e Prof. Dr. José Luiz Sigrist, pela maneira estimulante com que desenvolveram suas aulas. Aos professores da Faculdade de Serviço Social de Lins pelo apoio e pela disponibilidade em assumir em 1979 tarefas nossas para que pudéssemos mais de pertonos dedicar ao trabalho. De modo particular à Profa. Maria Stela Lemos Borges. Ao Pe. José Oscar Beozzo pela colaboração e sugestões. À Faculdade de Serviço Social da PUC de São Paulo, à Cúria Arquidiocesana de São Paulo, à Faculdade de Serviço Social de Lins e Associação Brasileira deEnsino de Serviço Social - ABESS, por nos possibilitarem acesso a seus arquivos. Ao CBCISS pelo acesso à sua biblioteca e pela colaboração manifesta pelos seus funcionários. A todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para a elaboração do presente trabalho.

***

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se originou de questionamentos feitos por nossos alunos na Faculdade de Serviço Social de Lins, que constantemente nos solicitavam umareflexão que pudesse ajudá-los numa melhor compreensão de sua própria profissão. A partir desses questionamentos decidimos analisar o Documento de Araxá. Explicitaros seus pressupostos básicos, contribuir com os assistentes sociais através de um instrumento crítico sobre um dos documentos que embasam sua teoria e prática econtribuir para a reflexão de nóssos alunos da Faculdade de Serviço social de Lins, foram os objetivos que assumimos. Nossa preocupação central sempre foi a análise do Documento de Araxá, buscando explicitar em que bases ideológicas se assenta o Documento e a que realidadea proposta atende. Partimos do pressuposto de que o Documento de Araxá tem por base o neotomismo e o desenvolvimentismo. O primeiro, marcando a visãode hómem do documento e o segundo justificando sua intervenção num dado momento histórico de nossa política e economia. Tendo em vista avisão de sociedade homogênea - onde deve prevalecer a união das classes e não as contradições - e a percepção de um homem ideal,universal e a-histórico como medida de aferição do real, vemos que o documento se insere dentro de uma ideologia liberal. Para realizarmos essa análise, sentimosnecessário retomar os fatos e acontecimentos que marcaram a vida do Serviço Social brasileiro, bem como as conexões desses fatos com a história brasileira. Essabusca no passado, para que melhor pudéssemos explicitar os pressupostos do documento, acabou ampliando os horizontes iniciais de nossa pesquisa. Analisando o ServiçoSocial desde a década de 30 até 1967, chegamos à análise do documento. Para encontrar respostas às nossas indagações, realizamos umapesquisa bibliográfica. As fontes básicas de consulta foram textos escritos: artigos de revistas, anais de congressos, relatórios, livros e outras publicações. Realizamostambém, informalmente, entrevistascom várias assistentes sociais que vivenciaram etapas importantes da vida do Serviço Social. A partir do material levantado, procuramosbuscar as conexões dos fatos vivenciados pelos assistentes sociais protagonistas da história da profissão, buscando sua significação. O resultado de nossa reflexão é apresentado em três capítulos. No primeiro capítulo, A Igreja, o Tomismo e o Serviço Social, a preocupação p. 15

foi mostrar o surgimento do Serviço Social brasileiro atrelado ao projeto de reforma social da Igrëja Católica, bem como a presença doneotomismo, marcando sua visão de hómem e de sociedade; e o Humanismo Integral de Jacques Maritain, que dará suporte ideólógico à suaprática social no sentido de reconstruir a ordem social. Analisamos também a influência européia e norte-americana no ServiçoSocial brasileiro. No segundo capítulo, Serviço Social e Desenvolvimento, buscamos mostrar o atrelaménto do Serviço Social à ideologiadesenvolvimentista. Veremos que o assumir dessa ideologia pelo Serviço Social se deu através da ação desenvolvida pela Organizaçãodas Nações Unidas e pelas posições de diferentes governos brasileiros. Essa ideologia se caracterizará por intervenção deliberada do Estado, no sentido de buscar o crescimento econômico, rompendoos quadros do subdesenvolvimento. Éssa ação deve processar-se de forma gradual e equilibrada, isto é, sem romper as bases da civilizaçãoocidental e cristã e conseqüentemente desenvolver o sistema capitalista. Procuraremos mostrar nesse capítulo como se deu a articulaçãoentre o projeto global da sociedade brasileira e a ação do Serviço Social, no sentido de colocar-se a serviço dessa ideologia. Os doisprimeiros capítulos servem para mostrar, através do fazer-se da história do Serviço Social, os pressupostos que o Documento de Araxáassume. No terceiro capítulo, Documento de Araxá: seus pressupostos, buscamos situar o documento dentro do processo de reconceituaçãodo Serviço Social e o momento histórico que era o da implantação do regime militar, oriundo do golpe de 1964, bem como procuramosrealizar uma análise interna e uma crítica do próprio documento. Quando da escolha do tema deste trabalho, uma preocupação esteve presente: qual o sentido de abordarmos hoje o tema que escolhemos? Qual a sua contribuição?Hoje constatamos a presença de assistentes sociais e escolas de Serviço Social manifestando uma crescente preocupação no sentido de buscar um instrumental de intervenção

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que possibilite um Serviço Social mais comprometido com as classes populares nas instituições - local tradicional do trabalho dos assistentes sociais - e principalmentenos trabalhos comunitários. Essa busca implica um questionamento dos pressupostos que até hoje nortearam a prática e a teoria do Serviço Social. Vemos hoje váriostrabalhos no sentido de explicitar esses pressupostos, na caminhada da profissão em sua curta história entre nós. Há trabalhos concentrando sua preocupação numaanálise teórica desses elementos básicos, outros buscando uma análise a partir da prática desenvolvida pelo Serviço Social. Gradativamente se consolida uma Teoriado Serviço Social. Acreditamos que nosso trabalho possa ser uma contribuição no sentido de clarificar alguns aspectos dessa caminhada do Serviço Social, motivaro debate crítico dos diferentes documentos, como o de Araxá, que serviram ou servem de base para muitos profissionais do Serviço Social. p. 16

CAPÍTULO I

A IGREJA, O TOMISMO E O SERVIÇO SOCIAL

A IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XX

A IGREJA UNIVERSAL

Para entendermos o surgimento das escolas de Serviço Social no Brasil - que está ligado à ação da Igreja Católica - parece-nos importante uma colocação rápidasobre as posições da Igreja em nosso século, e, em particular, nas primeiras décadas. De maneira especial, suas posições com relação à questão social. São colocaçõesque terão por base os documentos do Magistério Eclesiástico que, no final do século passado e início deste, foram respostas aos problemas vividos essencialmentepela Europa. Essas posições serão mais tarde assumidas pelas igrejas dos demais continentes. No século XIX, na Europa, os operários viviam, em grau extremo, a miséria e a exploração decorrentes da industrialização e desenvolvimentodo capitalismo. Essa situação dá uma grande dimensão à questão social, 1, levando a Igreja a se posicionar. Esta via a épocacomo de grande crise, de decadência da moral e dos costumes cristãos. Essa situação decorre - segundo a Igreja - do liberalismo e docomunismo. Tendo em vista sua missão - encaminhar o homem à conquista da felicidade eterna - ela intervém na situação que é dedesordem e que impede as pessoas de cumprir sua tarefa de dar glória a Deus, dadas as condições em que viviam. [ 1. A questão social decorre do problema social. E este, no dizer de Van Gestel, "se refere às perturbações que agitam o corpo social, isto é, aos diversosproblemas concretos suscitados pela evolução e os desequilíbrios da vida social. Neste sentido, o problema social diz respeito à patologia da vida social". G. VanGestel, A Igreja e a Questão Social, p. 20. ] A Igreja, a partir do final do século XIX, começa uma intervenção mais clara e definida no social. De início, tem-se a promulgação p. 17

da Encíclica Rerum Novarum, que vai chamar a atenção da Igreja Universal e do mundo 2 sobre a situação operária e mostrar sua tarefa e contribuição. E o faz afirmando"... que, a não se apelar para a religião e para a Igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz". E "é a Igreja, efetivamente, que haure do Evangelhodoutrinas capazes ou de pôr termo ao conflito ou ao menos de o suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero ..." 3. [ 2. A Encíclica é dirigida à Igreja Universal, mas responde aos problemas europeus. 3: Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum, nº 10, p. 15. ] E Leão XIII, em sua encíclica, aponta como causa da situação trágica e decadente o liberalismo e o socialismo. E preconiza a intervenção do Estado como soluçãopara o problema operário. Afirma o Papa: "Assim, como, pois por todos os meios, o Estado pode tornarse útil às outras classes, assim também pode melhorar muitíssimoa sorte da classe operária, e isto em todo rigor do seu direito, e sem ter a temer a censura de ingerências; porque, em virtude mesmo do seu ofício, o Estado deveservir o interesse comum". 4. [ 4. Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum, nº 20, p. 29. ] Contrapondo ao socialismo, o Papa afirma que o que deve existir é a concordância das classes e não a luta entre elas. Diz Sua Santidade: "O princípio primeiroa pôr em evidência, é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição; é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível". E continuaafirmando: "O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobrespara se combaterem mutuamente num duelo obstinado". Após a condenação desse erro, o Pontífice diz: "... as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-seharmonicamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio". 5. [ 5. Ibid., nº 11, p. 16-17. ] Dentro de uma ação de Igreja, o Papa pede aos operários católicos que se associem. E diante da situação, afirma: "lembrem-se todos de que a primeira coisaa fazer é a restauração dos costumes cristãos ..." 6. [ 6. Ibid., nº 37, p. 51. ] Restauração dos costumes, reforma social, estas idéias serão bandeiras dos cristãos nessa época e também tema da Encíclica de Pio XI, quarenta anos apósa Rerum Novarum, isto é, em 1931. O subtítulo do referido documento é "Sobre a Restauração e Aperfeiçoamento da Ordem Social em conformidade com a lei evangélica".Após analisar vários pontos, como direito à propriedade, relação capital e trabalho, liberação do proletariado, salário justo, passa a falar a respeito da restauraçãoda ordem social. E afirma: "Já alguma coisa se faz neste sentido; para realizar o muito que ainda está por p. 18

fazer e para que a família humana colha vantagens melhores e mais abundantes, são de absoluta necessidade duas coisas: a reforma dasinstituições e a emenda dos costumes". 7. [ 7. Pio XI, Encíclica Quadragesimo Anno, nº 77, p. 33. ] É preciso erradicar o individualismo gerado pelo tipo de economia liberal e impedir o crescimento do comunismo, que foi condenado solenemente por Pio XIna Encíclica Divini Redemptoris, de 1937. É preciso reconstruir a sociedade. Essa reconstrução implica mudança da moral, dos costumes. É preciso recristianizar asociedade. Respondendo aos apelos dos diferentes pontífices, os católicos, através de determinados grupos e, de início muito mais na Europa, organizam-se para umaluta contra 'a situação operária, procurando através de sua ação reconstruir a sociedade'. Trata-se de reconstruir, pois as bases fundamentais da sociedade nãoeram questionadas, hajam vista todas as diretivas de obediência à autoridade 9 e todas as afirmações referentes à harmonia entre as classes. [ 8. Antes mesmo da Rerum Novarum, muitos prelados e cristãos tinham uma ação social. Por exemplo: na Alemanha, D. Ketteler, que era chamado "o bispo combativo",escreveu a grande obra A Questão Operária e o Cristianismo. Na Suíça, vamos encontrar D. Mermillod e um estadista, Gaspar Decutins. D. Mermillod foi atuante, viajoumuito e presidiu a Comissão de Estudos criada em 1882, por Leão XIII. Dessa comissão surgiu a União de Friburgo. Os estudos da referida comissão ajudaram muito naelaboração da Rerum Novarum. Na França, encontramos Léon Harmel, Tour da Pin, Albert de Mun. Na Inglaterra, o cardeal Henry-Edward Manning. Na Holanda, Schaepman,Ariens, Alberse, Poels. Na Bélgica, Edouard Ducpétiaux, Helleputte e Pe. Pottier. (Cf. Van Gestel, G., A Igreja e a Questão Social, p. 85-99.) 9. Encontramos referências ao respeito à autoridade nos documentos Immortale Dei (1885), Sapientia Christiana (1890) e Quod Apostolici (1878), de Leão XIII;Mirari' (1832), de Gregório XVI e Divini Illius Magistri (1829), de Pio XI. ] Apesar dessa postura de não questionamento das estruturas (por parte da igreja institucional), foi grande a repercussão dos documentos papais e do episcopadoe da ação organizada pelos cristãos, a ação voltada para a organização operária e luta por uma legislação social. A ação da Igreja se desenvolve de maneira criativa na Holanda, França, Áustria, Alemanha, Bélgica e outros países. A ação da Igreja resulta nas SemanasSociais; nas organizações católicas para operários, agricultores, profissões liberais, escolas. Várias personalidades surgem dentro do episcopado, do magistério,dos advogados etc.

A AÇÃO CATÓLICA

Dentro da ação da Igreja, a Ação Católica é outro movimento. Mas um movimento fundamental. Um movimento de leigos. A Ação Católica no dizer de Pio XI "...é a participação do laicato no apostolado p. 19

hierárquico da Igreja"10. A Ação Católica tem como missão a divulgação da doutrina da Igreja em vista à reforma social. Com relação a isto, ouçamos Pio X: "Veneráveisirmãos, o caráter, o objeto e as condições da Ação Católica, considerada em sua parte mais importante, qual é da solução da questão social, digna de que a ela todas as forças católicas se congreguem com denodo e constância grandíssimos". 11. E Pio XI: "Além do apostolado individual, quase sempre oculto, mas sobremaneira

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útil e eficaz, cabe à Ação Católica fazer, com a propaganda oral e escrita, larga difusão dos princípios fundamentais que sirvam para a constituição duma ordem socialcristã, de acordo com os documentos pontifícios". 12. [ 10. PIO XI, "Discurso às Associações Católicas de Roma", in SALIM, Emílio, Justiça Social, p. 32. 11. PIO X, Encíclica II Formo Proposito, p. 19, p. 15. 12. PIO XI, Encíclica Divini Redemptoris, nº 66, p. 34. ] Portanto a A.C., como baluarte do apostolado da Igreja, deve engajar-se seriamente na reconstrução da sociedade (sem participar da política partidária enquantomovimento). Um dos instrumentos que a Igreja utilizou para propagar sua doutrina social foi a escola católica. Pio XI, entre suas encíclicas, dedicou uma delas àquestão da educação. Nessa encíclica, diz: "Tudo o que fazem os fiéis para promover e defender a escola católica para seus filhos, é obra genuinamente religiosa,e por isso especialíssimo dever da "Ação Católica", pelo que são particularmente caras ao nosso coração paterno e dignas de grandes encômios aquelas associaçõesespeciais que, em várias nações, com tanto zelo, se dedicam a obra tão necessária". 13. [ 13. PIO XI, Encíclica Divini Illius Magistri, nº 85, p. 34. ] Dessas rápidas colocações, da Igreja Universal, inclusive da Ação Católica, percebemos que a preocupação da Igreja se coloca na perspectiva de uma reformada sociedade (retorno ao ideal da Idade Média), dada a decadência da moral e dos costumes, produzida pelo liberalismo e comunismo.

A IGREJA NO BRASIL

O Serviço Social no Brasil, como veremos, é fruto da ação desenvolvida pela Igreja no campo social. Para que possamos entender as posições iniciais do ServiçoSocial brasileiro, é que apresentaremos agora, numa síntese, as posições assumidas pela Igreja no Brasil, principalmente nas primeiras décadas do nosso século. A Igreja brasileira aos poucos coloca em prática as diretrizes dos Papas Leão XIII, Pio X e Pio XI. Constatamos nos documentos papais vindos à luz no final do século passado e início deste, que a preocupação fundamental da Igreja concentra-se na reformasocial, na restauração da sociedade cristã, e essa será a preocupação do episcopado brasileiro. Dentro do p. 20

episcopado nacional, salientamos o Cardeal Arcoverde, no Rio de Janeiro, D. Duarte Leopoldo e Silva, em São Paulo, D. Becker, no Rio Grande do Sul e de maneiraespecial o Cardeal Leme, no Rio de Janeiro - primeiro como administrador apostólico e depois como cardeal-arcebispo. Nesse período, será marcante a atuação e a presençade D. Leme, dada a sua capacidade de liderança e a de ser bispo na então capital da República. Terá papel relevante na organização do catolicismo no Brasil, bemcomo na atuação junto ao governo civil. Irmã Maria Regina do Santo Rosário, em seu livro O Cardeal Leme, mostra-nos D. Leme numa doação total à causa da Igreja, uma fidelidade sem vacilação aoPapa, um profundo amor à Pátria e uma visão muito grande de seu tempo. Brasilidade e catolicismo vão andar sempre juntos na atuação do cardeal. Dentro da preocupação da recristianização da sociedade, D. Leme se preocupará com a formação do laicato, a conquista dos intelectuais, a criação da UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro e aproximação com o governo. Essa aproximação merecerá toda uma estratégia, pois desde a proclamação da República há separação entre Igrejae Estado. Centraremos nossas colocações em torno de D. Leme, dado o papel relevante que desempenhou na Igreja Católica brasileira. D. Leme inicia uma ação marcante, podemos dizer, com sua Carta Pastoral de 1916, quando de sua posse no Arcebispado de Olinda, apesar de seus trabalhos jádesenvolvidos como padre em São Paulo e como bispo-auxiliar no Rio. Na referida carta, analisa a situação do Brasil do ponto de vista religioso. Mostra a ignorânciae acomodação por parte dos católicos, a ausência da religião nas instituições, a ignorância religiosa dos intelectuais brasileiros, a falta de organização temáticadas homilias e outros pontos. Após salientar a situação, propõe um plano de ação que procurará concretizar durante toda sua vida.

FORMAÇÃO DO LAICATO

D. Leme - como outros bispos - se preocupa em formar o laicato. De início, essa formação se dará pela Confederação Católica. D. Leme a fundará em Olindae no Rio de Janeiro. Mas, antes dessas duas, a Confederação Católica já existia em São Paulo, fundada por D. José Camargo de Barros e dinamizada por D. Leme, quandopadre na capital paulista. Essa Confederação terá apoio e incentivo de D. Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo de São Paulo e que organizou em 1911 o 1º Congressoda Confederação Católica. No Rio de Janeiro, a fundação da Confederação Católica se dá em 08/12/1922 (Reunião inaugural a 27 de janeiro de 1923), tendo como objetivo coordenar e disciplinaro apostolado da Igreja. D. Leme "via nela a promessa de uma solução de um problema vital: a transformação dos nossos católicos, sinceros mas inoperantes, num exército p. 21

conquistador, que sob as ordens da hierarquia, se lançasse ao combate pelo reino de Cristo". 14. No momento inicial a preocupação estará concentrada na formaçãodos chefes. [ 14. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do, O Cardeal Leme, p. 144. ] A Confederação cresce e, para comemorar os 5 anos de fundação, realiza a Semana de Ação Católica, de 7 a 22 de outubro de 1928. Essa realização teve, numprimeiro momento, a preocupação de formação e revisão dos trabalhos e, num segundo momento, colocações sobre a Ação Católica onde D. Leme a define, com Pio XI, como"a co-participação do laicato no apostolado sacerdotal, pelo reinado de Jesus Cristo". 15. E também nessa semana mostra que para reformar a sociedade é preciso sersanto. [ 15. Ibid., p. 196. ] O trabalho desenvolvido junto à juventude feminina levou à realização de um curso de 1º de julho a 12 de agosto de 1932, ministrado por Mademoiselle Cristinede Hemptine, Presidente Internacional da Juventude Feminina Católica. Do curso constavam assuntos de Doutrina Social da Igreja e sobre Ação Católica. Mostrou o "esforçotitânico dos católicos europeus pela recristianização da sociedade em perigo - esforço expresso em atividades de toda ordem: culturais, familiares, pedagógicas,econômico-sociais e parapolíticas". 16. O referido curso terá uma participação intensa, em cujo período temos a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo,e que repercutirá sobre o ânimo dos seus participantes. Mademoiselle Hemptine terá papel marcante no início de nosso serviço social. [ 16. Ibid., p. 306. ] Esse curso terá sua repercussão com o surgimento do primeiro agrupamento de Ação Católica, no Rio de Janeiro, sob o título de Juventude Feminina Católica. Todo esse trabalho, da Confederação, da Juventude Feminina Católica, bem como o que desenvolveu junto aos intelectuais e universitários e outros tantos queD. Leme vai desenvolvendo como bom estrategista, é a antecipação da Ação Católica preconizada por Pio XI. Sentindo já em Pio X a semente da Ação Católica, o cardealpercebe a importância da colaboração dos leigos com a hierarquia e cria todos esses movimentos que produzem uma ação concreta na sociedade brasileira. Pio XI, comojá vimos, através de suas encíclicas, entre elas Ubi Arcano Dei e Qua Primas "denunciava o que se poderia chamar o estado de "beligerância moral" do mundo contemporâneo:inimizades entre os povos, discórdias intestinal das nações, luta de classes e, por fim, a própria célula da sociedade contaminada pela paulatina desagregação daFamília". 17. E a causa fundamental é a exclusão de Deus. O Papa via a Igreja como única força capaz de salvar o mundo. Dentro dessa situação e à luz de alguns teólogos p. 22

da época, descobre-se a tarefa dos leigos dentro do apostolado hierárquico. E esta é a característica básica da A.C.: apostolado dos leigos. [ 17. Ibid., p. 299. ] Pio XI, através das encíclicas dirigidas à Igreja Universal, bem como das dirigidas a vários países, exige a criação da Ação Católica. A D. Leme e ao episcopadobrasileiro, Pio XI dirige a Carta Apostólica Quamvis Nostra. No Brasil, a oficialização da Ação Católica dar-se-á a 9 de junho de 1935, Domingo de Pentecostes. Nessedia, os bispos brasileiros promulgam em suas dioceses os estatutos da Ação Católica Brasileira que têm por base o modelo italiano. A Ação Católica tem uma organização que compreende: Homens da Ação Católica (H.A.C.) para maiores de 30 anos e os casados de qualquer idade; Liga Feminina de Ação Católica (L.F.A.C.) para maiores de 30 anos e casadas; Juventude Católica Brasileira (J.C.B.); Juventude Feminina Católica (J.F.C.).

Onde a Confederação Católica estivesse presente, os movimentos nela congregados passariam a ter ligações com a Ação Católica Brasileira. Na direção, a AçãoCatólica contará com a Comissão Episcopal da Ação Católica, Junta Nacional da Ação Católica e Conselho Nacional da Ação Católica. O cardeal impulsiona a Ação Católica em sua diocese, bem como orienta o nascimento da Ação Católica Brasileira. Nos comentários dos estatutos da A.C.B.,explicita: "À organização ou quadro oficial - da participação dos leigos no apostolado hierárquico dá-se o nome de Ação Católica Brasileira. Seu objetivo imediatoé formar o laicato católico para colaborar na missão sublime da Igreja - salvar as almas pela cristianização dos indivíduos, da Família e da Sociedade. Formar consciências"primorosamente cristãs", diz Pio XI, "é o primeiro esforço. da Ação Católica que, antes de mais nada, é educativa". 18. A preocupação de formação da Ação Católicacentrar-se-á nas elites. Na medida em que estas estiverem preparadas, serão capázes de influenciar na vida social. A reforma da sociedade viráatravés das elites, logo, decima para baixo. As-elites devem cristianizar o povo.

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[ 18. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R, do, O Cardeal Leme, p. 338. ] Haverá mais tarde a inclusão de seções da J.E.C. (Juventude Estudantil Católica) e J.O.C. (Juventude Operária Católica), na Juventude Feminina Católica eda J.E.C., J.O.C. e J.U.C. (Juventude Universitária Católica), na Juventude Católica Brasileira. A Ação Católica também se desenvolverá em São Paulo. Assim como no Rio de Janeiro, vários organismos antecedem a Ação Católica. Em 1932, sob a direção deD. Duarte Leopoldo e Silva, nasce o CEAS, Centro de Estudos e Ação Social. O grupo dirigente do p. 23

CEAS é que terá a tarefa de organizar na capital paulista a Ação Católica. O desenvolvimento da Ação Católica também foi uma preocupação de D. José Gaspar, quando bispo-auxiliar de São Paulo e depois comoarcebispo. Essa preocupação de D. Gaspar é apresentada por V. S. Vasconcelos em sua obra História da Província Eclesiástica. Essa preocupação encontramos também numa circular do arcebispo e dos bispos sufragâneos de 1942, em que se dá ciência dacriação da Comissão Provincial da Ação Católica e se afirma a respeito da mesma: "A organização oficial da Ação Católica em nossaprovíncia é grave dever que nos incumbe, falou a Santa Sé em termos claros e peremptórios". E sobre a Ação Católica diz: "A.C. é arregimentaçãodas forças católicas para campanha espiritual da cristianização do mundo". 19. [ 19. PROVINCIA ECLESIÁSTICA DE SÃO PAULO, Circular do ArcebispoMetropolitano e Bispos Sufragâneos 26/11/1942, p. 28. ] Conforme outra circular de 25/03/1943, constatamosa programação de semanas de estudos sobre Ação Católica previstas para maio e junho do referido ano. A circular inicialmentecritica aqueles que apenas falam sobre a Ação Católica e nada fazem. E, em seguida, apresenta o esquema das semanas de estudos. O temacentral será "Urgência e Necessidade da Ação Católica". O esquema básico: [ 19. PROVINCIA ECLESIÁSTICA DE SÃO PAULO, Circular do Arcebispo Metropolitano e Bispos Sufragâneos 26/11/1942, p. 28. ] "a) Para a solução da nossa ordem social os antigos métodos são insuficientes. Prova-se pelos documentos pontifícios e pela experiênciaquotidiana no exercício do apostolado. b) A instalação da Ação Católica, em todas as paróquias, é uma questão de zelo e obediência, não é facultativa, masobrigatória". 20. [ 20. ARCEBISPADO DE SÃO PAULO, Circular do Sr. Arcebispo Metropolitano sobre as próximas Semanas de Estudos da AçãoCatólica, 25/03/1943. ]

AÇÃO JUNTO AOS INTELECTUAIS E UNIVERSITÁRIOS. FUNDAÇÃO DAS FACULDADES CATÓLICAS

Um outro trabalho desenvolvido por D. Leme e que terá repercussão nacional é o desenvolvimento junto aos intelectuais e universitários. Existiam alguns nomes,mas ele desejava gente mais nova que pudesse entender seu tempo. Jackson Figueiredo será o primeiro com quem D. Leme conta. Este, em 1921, funda a revista A Ordemque "visava o combate de toda forma de rebelião, quer esta se manifestasse no campo filosófico ou literário, no da ética ou das instituições (...) Tinha umafinalidade de formação religiosa e uma intenção política, não propriamente partidária, mas prática, como diria mais tarde Tristão de Ataíde". 21. [ 21. SANTO ROSÁRIO, irmã Maria R, do, O Cardeal Leme, p. 180. ] Em 1922, Jackson, com Perilo Gomes e Hamilton Nogueira, funda o Centro D. Vital, destinado a penetrar no meio intelectual p. 24

através de bibliotecas e publicação de livros selecionados. Após a morte de Jackson, o centro será dirigido por Alceu Amoroso Lima. Este grupo foi crescendo. Além de estudos, debates e ação, rezavam juntos. Tanto a revista como o Centro D. Vital exercem influência fundamental em seu tempo, quer através do engajamento, quer na conquista da intelectualidadebrasileira. D. Odilão Moura afirma: "A obra cultural católica do Centro D. Vital foi, em nossa Pátria, a maisfecunda e a mais extensa realizada nos meios intelectuais, jamais ultrapassada por outra;D. Leme pôde, com exatidão, escrever mais tarde: "O Centro D. Vital é a maior afirmação da inteligência cristãno Brasil". 22. E o próprio D. Odilão, em seu livro Idéias Católicas no Brasil, informa-nosque, em 1942, havia filiais do Centro D. Vital nas seguintes cidades: São Paulo, Recife, Porto Alegre, Aracaju,Fortaleza, Juiz de Fora, São João del Rey, Itajubá, Ouro Preto, Diamantina e Campos. [ 22. MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 119. ] Dentro dessa trilha, temos em 1929, com Tristão de Ataíde, a Fundação da Ação Universitária Católica - AUC. Com essa fundaçãotemos "sangue novo presente no laicato católico. Nos diversos debates nas faculdades, os aucistas se posicionam claramente numaperspectiva religiosa. Enfrentam sérios debates com os estudantes comunistas. De 1932a 1933, circulará a revista A Vida, dos universitários. No desenrolar da vida e da ação do Centro D. Vital, teremos em 1932 a fundação do Instituto Católico de Estudos Superiores,com cursos de Filosofia e Sociologia. Este instituto contará entre outros com Pe. Leonel Franca e Tristão de Ataíde e será a sementeda futura universidade católica, preocupação de D. Leme desde o início de seu episcopado,o que se concretiza na década de 40. A 1º de janeiro de 1940, com Alceu Amoroso Lima e Pe. LeonelFranca, iniciam-se os preparativos. A 30 de outubro do mesmo ano, sai o decreto autorizando a Faculdade de Direito e Filosofia e,em 15/03/1941, dá-se a instalação solene das faculdades católicas. A criação de uma universidade católica também foi a preocupação de D. Duarte Leopoldo e Silva que deseja a instalaçãode uma universidade em São Paulo. Essa preocupação era compartilhada pelo episcopado nacional, que no Concílio Plenário Brasileiro de 1938aponta a criação da universidade católica como uma necessidade.

AS RELAÇÕES IGREJA-ESTADO. A LIGA ELEITORAL CATÓLICA

Dentro da recristianização da sociedade, uma questão fundamental para a Igreja no Brasil será o das relações com o Estado. Tendoem vista a separação Igreja-Estado desde a Proclamação da República, p. 25

o episcopado nacional procura formas de aproximação. Essa é também uma preocupação de D. Leme, que vai estar presente na Revolução de 1930. Embora a posição ao episcopadonão fosse unànime com relação à revolução e a Vargas, a Igreja se depara com um dever: aproveitar a mudança de regime para conseguir que se dessem à vida nacionalmoldes cristãos, como afirma Irmã Maria Regina do Santo Rosário. É no fundo uma preocupação de definir o lugar da Igreja dentro da nova ordem. D. Leme aproveitará todos os momentos para mostrar a importância dos católicos na vida do país. Fará isto nas reuniões, nos congressos etc. Vejamos, entreoutros, alguns exemplos. No Congresso Eucarístico da Bahia, D. Leme enfatiza a importância da ação dos católicos, no sentido da construção de uma pátria cristã.Em 1935, quando da intentona comunista, D. Leme "via que a urgente obra recristianizadora exigia não só a intensificação do movimento religioso em geral e da AçãoCatólica em particular ..." E "era da autoridade dos Pastores, da unidade e eficiência de sua ação, do seu contactocom o povo cristão que poderiam vir as normas salvadoras da tormenta". 23. [ 23. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do, O Cardeal Leme, p. 359-360. ] Nessa perspectiva de recristianização da sociedade, o episcopado se utilizará de grandes concentrações, que terão também a finalidade de buscar uma aproximaçãocom o governo. Diz Pe. José Oscar Beozzo que o cardeal e o episcopado utilizarão de grandes concentrações populares "a fim de pressionar o Governo Provisório nosentido de atender as reivindicações católicas e impedir que o mesmo se incline para a esquerda". 24. D. Leme foi sempre um respeitador da ordem e da autoridade.Independente do regime ou do tipo de presidente, um contato sempre foi procurado, visando a influenciar para fazer uma ordem social cristã. E muitas realizaçõesaconteceram, dada a organização do seu exército laical. [ 24. BEOZZO, Pe. José Oscar, A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização, p. 28. ] Vejamos alguns movimentos desenvolvidos em caráter nacional e a tentativa de aproximação que se busca a todo custo com o governo. Em 1922, quando pesam ameaças contra a vida do presidente Epitácio Pessoa, o Cardeal intervém até conseguir salvá-la; chegando a desfilar de carro abertocom o presidente, para demonstrar a relação de apoio à autoridade civil. Em 1924, quando da comemoração do Jubileu Sacerdotal do Cardeal Arcoverde, realizou-se a Páscoa das Classes Armadas, que D. Leme preparou com carinho. Oobjetivo era homenagear o cardeal Arcoverde. Mas "além da homenagem prestada ao Cardeal, tinha ela um duplo fim: começar, pela aproximação de uma das classes maisrepresentativas do País, a cristianização do Brasil 'temporal', e dar p. 26

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mais um passo na sonhada arregimentação dos homens católicos". 25. Dentro dos festejos, o Cardeal Arcoverde recebe em seu palácio o presidente Artur Bernardes.No dia 5 de maio, o governo oferece um banquete ao cardeal e ao episcopado, e a saudação aos ilustres prelados foi feita pelo Ministro das Relações Exteriores que,entre outras coisas, afirma: "O Brasil precisa do concurso de todas as outras forças vivas da Nacionalidade para se refazer na disciplina, no respeito da autoridade,na prática das virtudes, na obediência à Lei, na lealdade aos deveres políticos, no trabalho útil e na independência responsável e sem ódios. Entre essas forçasvivas a que aludo, e indispensável ao trabalho urgente de reconstrução geral do País, nenhuma maior que a Igreja". 26. [ 25. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do, O Cardeal Leme, p. 163. 26. Felix Pacheco, "Discurso no Itamaraty em homenagem ao Cardeal Arcoverde", in SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do,O Cardeal Leme, p. 169. ] Em 1931, quando Nossa Senhora Aparecida é proclamada Padroeira do Brasil, há grandes solenidades, dias de estudos. Além dos motivos religiosos, há os deordem política, dada a Revolução de 30. Esta redundaria em uma renovação "dos moldes políticos e legislativos, em que a Igreja deveria influir, em nome da imensamaioria católica do País". 27. Uma concentração seria uma demonstração de força. Uma concentração com características religiosas e cívicas. O presidente da República,ministros e diplomatas estiveram presentes. O convite ao corpo diplomático foi feito pelo Itamarati. [ 27. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do, O Cardeal Leme, p. 227. ] No mesmo ano foi inaugurado o Cristo Redentor no Corcovado, após uma oposição dos não-católicos e livres pensadores. Também aqui estiveram presentes as maisaltas autoridades. D. Leme aproveitou da Festa do Redentor e da presença de arcebispos e bispos, para entregar a Vargas as "Reivindicações Católicas em nome do episcopado".Diz Pe. José Oscar Beozzo: "Depois de quarenta anos (desde a República) o Episcopado reaparece unido perante o governo, para discutir o estatuto da Igreja dentroda Nação e perante o Estado". 28. [ 28. BEOZZO, Pe. José Oscar, A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a Redemocratização, p. 35. ] A luta maior será na Constituinte. Com as eleições marcadas para maio de 1933, os católicos terão outra forma de atuação: procurar influir nas eleições edepois na Constituinte, para que seus postulados estivessem presentes. A idéia de um partido católico é rechaçada por D. Leme. Propõe a criação da Liga Eleitoral Católica - LEC, que apoiaria os candidatos de qualquer partidoque se comprometessem a lutar pelos postulados defendidos pela Igreja. Há postulados essenciais e secundários. O compromisso deve ser com os essenciais: indissolubilidadedo casamento, ensino religioso facultativo e assistência eclesiástica facultativa às classes armadas. Posições referentes à próblemática social estarão no nívelsecundário. p. 27

A LEC, que foi apoiada de maneira geral pelo episcopado, conseguiu eleger um grande número de constituintes. O cumprimento do acordo terá uma vigilância,através da colaboração das bancadas de Pernambuco e São Paulo. D. Leme convidava deputados para almoçar e contava com o trabalho de Alceu A. Lima. Os postulados essenciais passam a fazer parte da Constituição. Dos postulados secundários, os referentes à lesgislação social foramaprovados. Conseguem os católicos que sejam introduzidos os seguintes postulados: "assistência religiosa às forças armadas, hospitais epenitenciárias (art. 113, § 6º); a livre prática do culto religioso nos cemitérios (árt. 113, § 7º); autonomia e pluralidade sindical (art.119, § 12º); direito dos trabalhadores conforme a justiça social (art. 120); a família constituída pelo casamento indissolúvel (art. 114);casamento religioso com efeitos civis (art. 146); ensino religioso nas escolas (art. 153). Estes postulados e sua luta interessaram à hierarquiae às elites, mas não ao povo. [ 29. MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 88. ] Referindo-se a esses acontecimentos, Irmã Maria R. do Santo Rosário afirma: "Em 1934, venceram os católicos em toda a linha e o laicismo estatal recebeuum golpe mortal. Criou-se para a Igreja uma situação sem precedentes na história do Brasil. Após um tão longo período de inaceitação, a verdade de Cristo podia enfimmarcar com seu cunho a comunhão nacional, levando-o a reencontrar a 'fisionomia de brasilidade' que estava perdendo. Humanamente, devia-se tamanha conquista à visãocriadora de D. Leme e à disciplina de um povo católico bem formado". 30. [ 30. SANTO ROSÁRIO, Irmã Maria R. do, O Cardeal Leme, p. 321. ]

O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL - FUNDAÇÃO DAS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL E FORMAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS

É dentro da visão da Igreja até aqui apresentada, que surgem as primeiras escolas de Serviço Social no Brasil. Como já observamos, a questão social - a lutacontra a desigualdade social - é uma preocupação assumida pela Igreja dentro de uma luta contra o liberalismo e o comunismo. O problema social no começo do séculoXX começa a ser assumido pelos católicos brasileiros, o que é feito pela ação da hierarquia e organização do laicato. Da necessidade de uma ação mais coerente e organizada, surgem grupos, associações que por sua vez organizam cursos, semanas de estudos para formação de seusquadros. No Brasil, constatamos a realização de cursos de formação social e de semanas sociais, entre outros. p. 28

Muitas das escolas de Serviço Social nascem de grupos que participaram dos cursos de formação social e das semanas sociais. Entre elas as de São Paulo, Riode Janeiro, Natal e Porto Alegre.

FUNDAÇÃO DAS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL

Escola de Serviço Social de São Paulo

A Escola de Serviço Social de São Paulo nasceu do Centro de Estudos e Ação Social - CEAS. O Centro surge de um grupo de moças preocupadas com a questão sociale que participaram ativamente no Curso de Formação Social organizado pelas cônegas regulares de Santo Agostinho, de 1º de abril a 15 de maio de 1932. O curso foidirigido por Mademoiselle Adèle de Loneaux, professora da École Catholique de Service Social de Bruxelas. E a finalidade básica do CEAS é "o estudo e a difusão dadoutrina social da Igreja e a ação social dentro da mesma diretriz". 31. [ 31. Relatório do Centro de Estudos e Ação Social, São Paulo. 1932/34, in YASBECK, Maria Camerlita. Estudo da Evolução Histórica da Escola deServiço Social de São Paulo no período de 1936 a 1945. p. 28. ] O CEAS é que coordenará a instalação da Ação Católica em São Paulo, sob a orientação de D. Duarte Leopoldo e Silva. Porlógica, as militantes do centro passam também a participar da Ação Católica e dela recebem toda a sua formação característica. Após a organização da Ação Católica, o CEAS como entidade - como nos relata Carmelita Yasbeck - deixa a direção da Ação Católica para preocupar-se com aorganização da Escola de São Paulo. Em vista disso, o CEAS envia para a Bélgica duas sócias, para cursarem a escola de Serviço Social e, quando voltam ao nosso país,ultimam os preparativos para o surgimento da primeira escola de Serviço Social no Brasil, que se instala em 15 de fevereiro de 1936. Um dos motivos básicos paraa fundação da escola foi a necessidade sentida de uma melhor preparação para a ação social dos quadros militantes da Ação Católica.

Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro - embora por caminhos diferentes - mas sob o mesmo pano de fundo, em 1937, temos a segunda escola de Serviço Social do país. A escolado Rio se tornou realidade pelo impulso do Cardeal Leme, Stela de Faro e Alceu Amoroso Lima. Este enfatiza a necessidade da formação social. Para que exista vocaçãosocial, é preciso formação social. É baseada nesta idéia que "a Ação Católica desenvolveu uma programação de 'Semanas Sociais', cursos p. 29

de formação e outras atividades baseadas na Doutrina Social da Igreja". 32. [ 32. LIMA, Arlete Alves, A Fundação das Duas Primeiras Escolas de Serviço Social no Brasil, p. 40. ] No Rio de Janeiro salientamos a realização, entre outras, de Semanas de Ação Social de 16 a 19/08/1936 e de 08 a 14/11/1937. As Semanas Sociais nasceramna Europa. Foi um dos instrumentos utilizados para a formação social dos católicos. Elas servem à difusão da doutrina social da Igreja para grandes massas. ConformeVan Gestel, esse movimento iniciou-se na França, em 1904, alastrando-se pela Bélgica, Holanda, Itália, Canadá, Inglaterra e outros países. Entre nós, as SemanasSociais nasceram no Rio de Janeiro, promovidas pelo Grupo de Ação Social do Rio de Janeiro, fundado em 15 de junho de 1936. Esse grupo originou-se de uma sériede conferências pronunciadas por Pe. Valere Fallon, economista social belga. Além das semanas já citadas, foram organizadas mais as seguintes: Recife (1939), São

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Paulo (1940), Salvador (1946), Recife (1948), Belo Horizonte (1949 ou 1950) e Curitiba (1951). 33. [ 33. Cf. SOUZA, Pe. José Coelho, Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, S.J., p. 84-88. ] Emjunho de 1937, funda-se no Rio de Janeiro o Instituto de Educação Familiar e Social, com os seguintes objetivos: "formar entre as mulheres, não de umaclasse, mas de todas as classes sociais, uma consciência de comunidade cristã que venha substituir o individualismo liberal mas sem cair na socialização inumanae estatal. Para isso forma assistentes sociais, educadores familiares e donas de casa que venham ser no meio em que vivam e trabalham, nos institutos em que ensinamou nos ambientes sociais em que atuam, como elementos de correção das anomalias sociais, verdadeiros elementos de renovação pessoal e católica". 34. [ 34. Relatório do Instituto Familiar e Social, Rio, 1938, in LIMA, Arlete Alves, A Fundação das Duas Primeiras Escolas de Serviço Social no Brasil,p. 66. ] A fundação da escola do Rio de Janeiro contou com uma equipe da Congregação das Filhas do Coração de Maria, chegada ao Brasil em abril de 1937. Vindas daFrança, ligadas à experiência social cristã no seu país, influenciaram o desenvolvimento da escola nessa perspectiva. A exemplo das escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro, a maioria das escolas até 1950 terá a influência direta da Igreja Católica, tais como: Natal, BeloHorizonte, Porto Alegre, Escola Masculina do Rio e de São Paulo. 35. [ 35. No início, o Serviço Social era destinado só para as mulheres. Depois surgem escolas masculinas, no período noturno. Só com o tempo é que teremos escolapara rapazes e moças. ] p. 30

A FORMAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS

Como constatamos, o Serviço Social nasce ligado à atuação da Igreja Católica, a serviço de sua ideologia. Além da ligação de sua prática, há sua ligaçãodo ponto de vista teórico. Toda visão de homem se dará sob os quadros católicos, tendo como sustentação filosófica o neotomismo. Dada essa postura, teremos um tipode formação marcadamente clara e definida. Mostraremos agora como se processava a formação do Assistente Social nesse período. Numa primeira fase do Serviço Socialno Brasil, o que importa é a formação doutrinária e moral; o aspecto técnico só passará a ter significação com a influência americana.Retomando, a ideologia que fundamentará essa formação doutrinária é a reconstrução da sociedade em bases cristãs. É que no fim doséculo passado e início do século XX, os católicos, respondendo aos apelos dos papas, engajam-se na ação social com a finalidade dereconstruir a sociedade em bases cristãs. Dizendo não a o laicismo, ao liberalismo, ao comunismo, os católicos pretendem uma novaordem onde a família, o Estado, a economia, a política e os costumes tenham por base o evangelho e que a sociedade seja organizada embases corporativas. Nessa linha, por exemplo, se colocam os discursos de Stela de Faro e Alceu Amoroso Lima, na abertura do 2º CongressoPan-Americano de Serviço Social, em 1949, no Rio de Janeiro. Porém não se fala em reforma radical, pois a autoridade é intocável.Vemos num artigo de Urbina Telles o seguinte: "Assistentes Sociais irão trabalhar para o restabelecimento da ordem social, condicionadapor certo pelo respêito à autoridade. Mais do que respeito, deles se pode reclamar a simpatia à autoridade no sentido de compreender suasdificuldades antes de criticá-las, de maneira a prejudicar a sua ação". 36. [ 36. URBINA TELLES, Guiomar, "Formação Moral do Assistente Social", Serviço Social, 2 (14): 4. ] Servem também de sustentação ideológica para os assistentes sociais, as diretrizes e atividades da UCISS - União Católica Internacional de Serviço Social.É um organismo que se pauta pela doutrina da Igreja. É ele que dará nessa época as perspectivas do serviço social católico. Foi fundado em 1925. Em 1949, realizou-seem São Paulo uma Sessão Internacional de Estudos promovida pelo Secretariado Latino-americano dá UCISS. Nessa sessão são reafirmados todos os princípios que atéentão orientaram a formação do Assistente Social, no Brasil e na América Latina. Nesse ano, dez eram as escolas brasileiras (quase a totalidade) filiadas a esseorganismo, e que, portanto, assumiam na prática a doutrina católica. Importa situar neste momento alguns conceitos básicos. Na Europa, antes de surgir o Serviço Social, nasce a Ação Social. O Serviço Social vai constituirparte, instrumento da Ação Social. p. 31

A Ação Social: "é uma ação mais ampla (do que o Serviço Social), exercida sobre a estrutura mesma da sociedade, visando transformarou adaptar os quadros existentes de acordo com a época, o lugar, a civilização. É mais um movimento de idéias, um trabalho legislativono qual os políticos e os juristas desempenham um papel preponderante". 37. O Serviço Social atua mais em relação ao indivíduoe em pequenas comunidades. Ádèle de Loneaux assim define o Serviço Social: "Conjunto de esforços feitos para adaptar o maiornúmero possível de indivíduos à vida social, ou para adaptar as condições de vida social às necessidades dos indivíduos". 38. O ServiçoSocial é, portanto, uma parte da Ação Social. O Assistente Social - o agente do Serviço Social, da Ação Social - é assimdefinido: "pessoa metodicamente formada numa escola de Serviço Social, cuja atividade e devotamento, ligando-se a determinada engrenagemda sociedade, tende a regularizar o seu andamento, integrando-a normalmente na marcha em conjunto de toda a sociedade". 39. [ 37. FERREIRA RAMOS, Albertina, "A Formação de Assistentes Sociais", Serviço Social, 2(23):21. 38. PAULA FERREIRA, Lelian de, "Serviço Social", Serviço Social, 2(14):6. 39. FERREIRA RAMOS, Albertina, "A Formação de Assistentes Sociais", Serviço Social, 2(23):21. ] Em 1949, na Sessão Internacional da UCISS, o Serviço Social católico é assim definido: "uma forma de ação social (no- sentido moderno e técnico da palavra)que, por métodos técnicos apropriados, baseados em dados científicos, quer contribuir para a instauração ou manutenção da ordem social cristã favorecendo, a criaçãoou o bom funcionamento dos quadros sociais necessários ou úteis ao homem". 40. [ 40. UCISS, "O Conceito Cristão de Serviço Social", in Resumo da Sessão internacional de Estudos promovida pelo SecretariadoLatino-americano da UCISS, de 12-14/jul./1949, p. 11-12. ] Para realizar a tarefa que se propõe, na ajuda da restauração da ordem social cristã, o Serviço Social não pode ter uma postura neutra na formação dos futurosassistentes sociais. E o Serviço Social, nessa época, não esconde e nem camufla sua postura, ao contrário, encontra formas pedagógicas ou técnicas de fazer com quea ideologia assumida seja comunicada aos alunos. Para isso, um dos requisitos era de que o corpo docente assumisse a doutrina social católica, ou melhor, fosse constituídopor católicos praticantes. Porém não basta que sejam piedosos, mas também competentes. Este assunto foi objeto de debates na reunião da UCISS, em 1949. Dada a relevânciado tema, foi analisada também a questão das escolas que não tinham uma orientação católica, ficando acertado como estratégia que professores católicos deviam penetrarnessas escolas. Aylda Faria da Silva Ferreira, no artigo "Escola de Serviço Social", de 1944, mostra que uma escola de Serviço Social, no preparo p. 32

profissional dos futuros assistentes sociais, deve levar em conta 4 pontos: formação científica, técnica, prática e pessoal. A formação Científica se dará através das disciplinas científicas como a Sociologia, Psicologia e Biologia e também da Moral. E deve proporcionarum conhecimento "exato do homem e da sociedade, de todos-os problemas que dele se originam e neles se refletem", bem como dar-lhes condições para que possam utilizaro saber recebido como instrumentos de trabalho. A formação deve levar em conta vários aspectos da vida do homem, tais como vida física, mental e moral, econômica e jurídico-social. A formação técnica é a formação específica do Assistente Social. Consiste no estudo das teorias do Serviço Social então existentes e sua adaptação à nossarealidade. O Assistente social deve combater os desajustamentos individuais e coletivos. Daí a formação técnica ensinar "como" fazê-lo. É a formação técnica quevai dar, ao Assistente Social, conhecimento sobre o Serviço Social e dar-lhe condições de colocá-lo em prática. A formação técnica compreende o estudo da naturezado Serviço Social, noções de técnicas auxiliares e da moral profissional. A formação prática é a aprendizagem do "como fazer" na realidade das diferentes instituições com que os futuros assistentes sociais mantinham contatos. Nofinal da década de 40 é que começam as organizações de estágios. Nadir Kfouri, no 2º Congresso Pan-Americano, em 1949, afirmou: "De início a parte prática giravaexclusivamente em torno de visitas realizadas a obras sociais e a famílias necessitadas. Atualmente percebe-se que a preocupação maior, para bom número de escolas,reside em organizar os estágios, nas obras e a supervisão". 41. [ 41. KFOURI, Nadir, "Dificuldades e Soluções Encontradas na Formação de Assistentes Sociais", in Anais do II CongressoPan-Americano de Serviço Social, 1949, p. 437. ] A formação pessoal: A escola deve se preocupar com o desabrochar da personalidade integral do aluno. Deve dar ao futuro Assistente Social uma formação moralmuito sólida. Diz Aylda Faria: "Sem uma formação moral solidamente edificada sobre uma base de princípios cristãos, a atividade da assistente será falha, porquelhe faltarão os elementos que garantem uma ação educativa, que é visada pelo Serviço Social". 42. [ 42. PEREIRA, Aylda Faria S., "Escola de Serviço Social", Serviço Social, 4:85. ] Essa formação pessoal será um dos aspectos importantes na formação doutrinária dos alunos. Além das atividades normais da escola, existem alguns meios específicos:os círculos de estudo e a orientação individual. p. 33

Os círculos de estudos são reuniões, onde estão os alunos e os orientadores de curso. 43. Nessas reuniões, são discutidos pontos das várias disciplinas,

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bem como ajudar a "desenvolver o raciocínio e despertar o sentido social". Para a realização deste último ponto, são discutidos e analisados os problemas da realidade,e as soluções possíveis dentro da visão cristã. Utiliza-se o método da Ação Católica: ver, julgar e agir. [ 43. PEREIRA, Aylda Faria S., no artigo em que aborda a questão, faz referência "às alunas" e "às orientadoras docurso", uma vez que o Serviço Social era praticado apenas pelas mulheres. ] A orientação individual será o contato pessoal com o encarregado da formação. Para a formação doutrinária, serão básicas aulas de Doutrina Católica e de Moral. Para que uma escola de Serviço Social possa realizar bem sua tarefa, requeruma formação doutrinária definida. A formação doutrinária é importante, pois toda ação requer normas, princípios, diretrizes. Requer uma ideologia. Urbina Tellesenfatiza que essa formação deve impregnar toda a formação e não ser coisa à parte. Deve preponderar mesmo sobre a formação técnica.A autora em questão afirma: "Parte primordial na formação dos Assistentes Sociais - a doutrinária - não deverá jamais ceder-lugarà técnica". 44. E Ferreira Ramos, sobre o assunto, nos diz: "A exclusão, no preparo social, de toda a ideologia, reduzindo-se a um simples preparo técnico, conduzirá certamenteà estreiteza de vistas, à ação fruto das oportunidades, muitas vezes parcial, ineficaz senão prejudicial". 45. [ 44. URBINA TELLES, Guiomar, "Formação Moral do Assistente Social", Serviço Social, 2(14):4. 45. FERREIRA RAMOS, Albertina, "A Formação de Assistentes Sociais", Serviço Social, 2(23):23. ] O aspecto doutrinário era enfatizado na formação do profissional, pois este deveria ter uma concepção de vida que "deve ser fruto de princípios doutrináriosfundados na Verdade". Daí que a escola não podia ter uma postura eclética, correndo o risco de conduzir à incerteza, ao erro. Diz Aylda Faria: "Excluir completamentedo ensino toda ideologia, isto é, apenas dar as noções sem fundamentá-las, não é realizar trabalho educativo, de verdadeira formação, que esclareça o espírito eoriente atos". 46. [ 46. PEREIRA, Aylda Faria S., "Escola de Serviço Social", Serviço Social, 4:99. ] Em que bases deve assentar a formação doutrinária? Urbina Telles nos responde, dizendo: "Doutrina que não se confunda nem com o individualismo, nem com ocoletivismo, mas que fique no meio termo, considerando a eminente dignidade da pessoa humana e a necessidade da sociedade para seu desenvolvimento. (...) Uma só p. 34

doutrina, com princípios que são imutáveis porque perfeitos, encontraremos - a CATÓLICA". 47. [ 47. URBINA TELLES, Guiomar, "Formação Moral dos Assistentes Sociais", Serviço Social, 2(14):4. ] Escrevendo sobre o assunto, o Prof. Hanns Lippmann mostra que o Assistente Social deve estar livre dos interësses de grupos econômicos e políticos.Mas esse princípio não vale para a Religião, pois "... se tornaria 'incompreensível' e desprovido de seu nexo de sentido mais profundo, se nós tivéssemos a insensatezde querer afastar do plano assistencial as soluções fornecidas pela doutrina social da Igreja Católica, Apostólica, Romana, ou não querer informar o espírito dosalunos das Escolas de Serviço Social com a Doutrina e a Moral Católica, base da doutrina social dos Soberanos Pontífices". 48. [ 48. LIPPMAN, Hans L., "A Formação dos Assistentes Sociais em face das exigênciàs da hora presente", Serviço Social, 9(54):41. ] Nas perspectivas até aqui colocadas, o Serviço Social era assumido como uma vocação. Para que haja essa formação adequada e que se assuma como vocação, énecessário que o ambiente da escola seja um ambiente adequado, quer materialmente, quer psicologicamente. É preciso professores que sejam exemplos a serem seguidos;a escolha dos professores está ligada com sua orientação doutrinária; que sejam competentes em suas áreas e possibilitem a interrelação entre as disciplinas. Quanto ao corpo discente, necessita ser selecionado. Os candidatos precisam ter o "mínimo de devotamento, de critério e de senso prático. E não serem nervososem excesso". Para que os alunos pudessem ser selecionados, as escolas tinham - no início - no programa, um "período de provação" que antecipava o exame de admissão.Esse período de provação era feito em forma de curso.

A FORMAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL E OS CONGRESSOS DE SERVIÇO SOCIAL

A formação dos profissionais em Serviço Social, bem como a organização dos cursos, foi objeto de análise e debates nos congressos panamericanos. Salientaremosaqui os dois primeiros - o do Chile, em 1945, e o do Brasil, em 1949. Nesses-dois congressos é marcante a posição católica através da presença e desempenho das escolasque seguem essa orientação, porém começa a estar presente também a influência norte-americana, através da valorização das técnicas e de certos pressupostos funcionalistas. O primeiro congresso realizado em Santiago, no Chile, em 1945, foi em comemoração ao 20º Aniversário de Fundação da Escola de Serviço Social de Santiago, a pimeirada América Latina. A questão formação foi tratada, e traça as normas gerais para Ao ensino de Serviço p. 35

Social, tais como: critérios para admissão de candidatos, disciplinas, seriação e a função do Assistente Social. No seguudo Congresso realizado no Rio de janeiro, em 1949, um dos temas foi: "Dificuldades e soluções encontradas na formação de Assistentes Sociais". Comreferência ao tema, foram apresentados os seguintes trabalhos: Preparación Profesional del Asistente Social, por Emma G. Ureta (Argentina); Dificuldades e soluçõesencontradas na formação de Assistentes Sociais, por Nadir Kfouri (Brasil); A Formação dos Trabalhadores Sociais, pela Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworthda Prefeitura do Distrito Federal (Brasil) e Dificultades para la Formación Práctica de Asistentes Sociales y Algunas Soluciones Aplicadas por Augusta Schroeder(Uruguai). É a partir deles, e principalmente dos brasileiros, que completaremos a questão sobre a formação do Assistente Social. Com relação à formação, Nadir Kfouri afirma: "A formação teórica fundamenta-se no conceito do homem e da sociedade, em função do qual os princípios filosóficosse assentam. Na maioria de nossas escolas, as bases morais e sociológicas do serviço social são informadas pela conceituação cristã de vida que tem suas fontes nadoutrina social católica. Dentro desse espírito se procura estabelecer a convicção de que o Serviço Social se prende a um plano de reestruturação da sociedade ede formação dos quadros sociais, requerendo, conseqüentemente, a ação social. Firma-se, assim, o princípio de que o trabalho social lança suas raízes na justiça,sobreelevada pela caridade cristã, sem o que é impossível se atingir o bem comum e viver-se numa sociedade realmente democrática". 49. Essa preocupação será básicanas cadeiras do primeiro ano e nos círculos de estudos. [ 49. KFOURI, Nadir, "Dificuldades e Soluções encontradas na Formação de Assistentes Sociais", in Anais do II Congresso Pan-Americano de Serviço Social,Rio de Janeiro, 1949, p. 436. ] No trabalho da Escola-Técnica de Assistência Social da Prefeitura do Distrito Federal, salientamos, dentro do que estamos abordando, o aspecto referenteà formação ético-profissional. Nesse tópico, o trabalho chama a atenção para a importância da ética para o Serviço Social. Sem uma perspectiva moral, não existe prática profissional. Diza autora: "Quanto à formação moral propriamente dita terá que se basear nos princípios cristãos ... "E: "Os ensinamentos cristãos representam a fonte onde os trabalhadoressociais irão abeberar-se; a moral cristã é aceita e reconhecida mesmo pelos não-cristãos, no sentido religioso da palavra. Por outro lado, impossível seria dissociar-sea Assistência Social do Cristianismo, pois este foi, na expressão feliz de Delgado de Carvalho, "o movimento que revelou a verdadeira caridade entre os homens". 50. [ 50. Escola Técnica de Assistência Social Cecy Dodsworth, da Prefeitura do Distrito Federal (RJ), "A Formação dos Trabalhadores Sociais", in Anais do 11Congresso Pan-Americano de Serviço Social, Rio de Janeiro, 1949, p. 456. ] p. 36

E essa formação não pode ficar apenas a cargo da disciplina de Ética, mas "todas as disciplinas, incluindo uma determinada filosofia, devem concorrer parareforçar os ensinamentos ministrados na cadeira de Ética, de modo que o próprio ambiente da Escola seja, através de seus professores sobretudo, um exemplo vivo darealização da moral preconizada. Para tanto, logo se conclui da importância que há em coordenar e articular programas, não levando em conta somente o aspecto de"informações necessárias porque terão utilidade na prática, mas de unidade de doutrina indispensável a uma boa formação moral". 51. [ 51. Ibid., p. 461-462. ] Como percebemos, o Serviço Social católico tem uma maneira própria de ver os homens e o mundo. Essa percepção é advinda, como já constatamos, dos documentospapais e dos diferentes episcopados.

A FORMAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL E A ABESS

Na formação do Assistente Social brasileiro e na organização das Escolas de Serviço Social, foi preponderante a atuação da Associação Brasileira de Ensinode Serviço Social - ABESS. Esteve presente nos diferentes momentos do Serviço Social: em sua fase inicial católica, nas discussões em torno do desenvolvimento ena intervenção do Serviço Social, na reconceituação e outros. Sua atuação aconteceu e acontece por intermédio de suas convenções, da assessoria que sempre deu àsescolas espalhadas pelo Brasil e dos cursos de aperfeiçoamento de docentes. - Nascida sob a orientação católica, sua fundação se deu em 1946, por assistentes sociais católicas, sob a liderança de D. Õdila Cintra Ferreira, da Escola

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de Serviço Social de São Paulo e, durante muito tempo, a concepção católica se fez presente. Tendo em vista seus objetivos iniciais, de troca de experiências e degarantir um certo padrão de ensino, a Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social "exerceu um papel extremamente relevante no sentido de imprimir unidade noensino das Escolas de Serviço Social, na discussão dos currículos e dos grandes temas". 52. Sob a ótica católica é que devemos entender a contribuição dada com relaçãoà formação dos assistentes sociais até a década de 60. A formação cristã do profissional em Serviço Social foi objeto de estudos, análises e pesquisas em algumasconvenções da ABESS. Até 1967 - data em que temos o Documento de Araxá - foram realizadas 14 convenções. Mesmo quando os temas eram específicos de Serviço Social,o pano de fundo era a doutrina católica. As convenções normalmente iniciavam-se com p. 37

missa solene e durante certo tempo havia um dia de recolhimento, para quem desejasse, um dia antes da convenção. [ 52. KFOURI, Nadir, in: YASBECK, Maria Carmelita, Estudo da Evolução Histórica da Escola de Serviço Social de São Paulo no período de 1936 a 1945, p.97. ] Dentre as convenções realizadas pela ABESS, vejamos algumas, em cujo temário encontramos a questão da formação cristã em suas dimensões moral e espiritual. Em 1954, tivemos em São Paulo a IV Convenção da ABESS. O tema foi "A Formação Cristã para o Serviço Social e a Metodologia do Ensino de Serviço Social deGrupo e Organização de Comunidade". Com relação ao tema "formação cristã", foi enviado um questionário para todas as escolas e a maioria respondeu. Quando da análisedos resultados, foi enfatizada a importância de saber como se encontra a formação, pois "... se a mentalidade cristã for reinante nas Escolas Católicas, estãoatuando bem, mas se não for é porque estão fracassando". 53. Pelas respostas ao questionário, o relator do tema constatou "que todas as Escolas acham que a FormaçãoCristã para o Serviço Social deve ser como o espírito e a vida que informa a alma das Escolas e de todo trabalhador social"54 Dos relatórios referentes à questãoformação, vemos reafirmados os princípios da Doutrina Católica, da Filosofia Tomista, o significado do Serviço Social cristão, a Reforma Social e a importânciada aula de Religião, da escolha dos professores e supervisores, do estudo da ética Profissional. [ 53. ABESS, A Formação Cristã para o Serviço Social - Manifestações dessa formação através da atuação dos assistentes sociais, IV Convenção Nacional daABESS, São Paulo, 1954, p. 1. 54. MONTE, Nivaldo, A Formação Cristã para o Serviço Social, IV Convenção Nacional da ABESS, São Paulo, 1954, p. 1. ] Em 1959, em julho, realizou-se em Porto Alegre a IX Convenção. O tema foi "Renovação do Currículo das Escolas de Serviço Social e Estudos dos Programas deAlgumas Cadeiras mais Importantes no Ensino do Serviço Social (Sociologia, Psicologia, Direito, Higiene e Medicina Social, Serviço Social)". Dentro do estudo dasvárias disciplinas, as de Religião, Doutrina Social da Igreja e Ética Profissional, também foram analisadas e reafirmadas como importantes para a formação integraldo assistente social. No encerramento da convenção, a Diretora da Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, salientou amissão dos assistentes sociais: o cristianismo humanizante para a conquista da paz. E que a exemplo de Maria, os assistentes sociais têm a tarefa de "Anunciar aRedenção". Em 1960, aconteceu, de 7 a 14 de julho, em Fortaleza, a X Convenção da ABESS, com o tema: "Formação da Personalidade do Assistente Social em todos os Aspectos".Os aspectos analisados foram a formação psicológica, moral e espiritual. Quanto à formação moral, ficou claro que deve ser assumida por todos os membros da escola,que os programas de ética devem conter uma maior fundamentação p. 38

metafísica e que devem ser melhorados para que possam provocar maior reflexão dos alunos. Quanto aos aspectos espirituais,enfatizou-se que o assistente social deve buscar a perfeição, que essa busca de perfeição seja iluminada pelo espírito comunitário e pela doutrina do Corpo Místicode Cristo e que as aulas de religião não tenham o carater apologético e que valorizem as práticas tradicionais, a oração, o retiro etc. Quanto ao aspecto psicológico,salientou-se: que o aluno seja acompanhado no processo de maturação e que ganhe maior conhecimento de si e que se dê maior participação dos alunos na vida da escola.

PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS - NEOTOMISMO

O Serviço Social - como explicamos até agora - fundamenta-se na Doutrina Social da Igreja. Do ponto de vista filosófico, terá por base o neotomismo. Os princípiosde dignidade da pessoa humana, do bem-comum, entre outros, hauridos em Santo Tomás, iluminaram a teoria e prática do assistente social, desde 1936 até 1960, demaneira preponderante. A partir de 1960, começa a haver uma ruptura por parte daqueles que começam a assumir uma postura na visão dialética, inclusive na sua versãomaterialista. É a partir da década de 60 que vemos o movimento chamado de reconceituação de Serviço Social. Sabemos que não existe a filosofia do Serviço Social,mas que no decorrer de sua história e em contextos diferentes, embasa sua teoria e sua prática em diferentes filosofias. Uma delas foi o neotomismo. Toda a vida das escolas estava impregnada dessa maneira de ver, mas de maneira explícita, a Doutrina da Igreja e, por conseqüência, a doutrina do Santo Angélicoera apresentada, entre outras, nas disciplinas Moral, Ética, Doutrina Social ou Doutrina Católica.

Apresentaremos o neotomismo da seguinte forma:

- Renascimento do Tomismo; - A Filosofia de Santo Tomás; - O Código de Malinas; - Neotomismo no Brasil; - Jacques Maritain e o Humanismo Integral.

RENASCIMENTO DO TOMISMO

O neotomismo consiste numa retomada da filosofia expressa por Santo Tomás de Aquino,. no século XII. A filosofia de Santo Tomás,a partir deste século, marcará por muito tempo a história da filosofia e do homem. Terá seu apogeu e irradiará sua luz por um longoperíodo. No século XVIII, a filosofia tomista - apesar de uns poucos filósofos, continuarem a ensinar a doutrina do filósofo dominicano -podemos dizer, está esquecida. Ela começa a ser retomada com toda p. 39

força no final do século XIX, tendo sua presença atuante nas primeiras décadas do século XX. Faremos aqui uma retomada sintética dessa restauração, pois existe ligaçãoentre ela e o surgimento do Serviço Social no Brasil. Será Leão XIII que, através da encíclica Aeterni Patris, proporá a restauração da filosofia tomista. Procurará imprimir "... à nova escolástica o duplocaráter que faz a sua força: o da tradição e do progresso..." O Papa coloca "... dois pontos essenciais: 1) necessidade de fazer uma escolha nas teorias arestaurar; 2) necessidade de acolher o progresso científico e de ser do seu tempo no que ele tem de bom...". 55. [ 55. THONNARD, F. J., Compêndio de História de Filosofia, p. 949-950. ] Essa restauração de Santo Tomás tinha uma intenção clara, segundo Thonnard: "Unir os pensadores católicos para a conquista do pensamento moderno tal é, aoque parece, o propósito da Igreja ressuscitando o tomismo...". 56. [ 56. Ibid., p. 953. ] Mas o desenvolvimento dessa corrente filosófica não se fará de maneira uniforme. Vemos diferentes posições. Um grupo voltará sua preocupação a apenas comentarSanto Tomás, sem uma preocupação de enriquecimento da doutrina do mesmo. Um outro grupo - corrente progressista - "deseja enriquecer o thomismo; aplicando-o aosnossos problemas, admitindo uma crítica thomista do conhecimento e assimilação das ciências modernas". 57. Desse grupo, salienta-se Mercier, Sertillanges e Maritain.O chefe da restauração da filosofia de Santo Tomás e na perspectiva progressista foi o Cardeal Mercier. Ainda quando padre, recebe de Leão XIII a tarefa de ser responsávelpela cadeira de Filosofia Tomista na Universidade de Lovaina. E será através dessa universidade que o tomismo vai irradiar sua força. [ 57. SANTOS, Lúcio José dos. "O Thomismo e as Várias Correntes Neo-Thomistas". A Ordem. 20(23):423. ] O jovem padre percebe sua árdua tarefa, dado o preconceito com relação ao tomismo, "a restauração escolástica não era a simples exumação de uma múmia antigaa ser colocada nos museus modernos. Era um pensamento vivo como o espírito, que devia ser repensado em toda a juventude de sua atualidade". 58. Segundo Pe. Franca,para realizar essa tarefa, era preciso: reabilitar historicamente a filosofia de Santo Tomás; confrontá-la com a ciência moderna e estabelecer contatos com a filosofiamoderna. [ 58. FRANCA, Leonel, "Alocução sobre Mercier", in Alocuções e Artigos, p. 107. ] Mercier não realiza essa tarefa sozinho, mas aglutina em torno de si discípulos, criando uma equipe onde cada um estabelecia contato com o Doutor Angélico,conforme sua especialidade. A presença dessa filosofia restaurada não servirá apenas na formação dos padres, mas se estenderá também aos leigos. Thonnard afirma: "... na Universidadede Lovaina onde se juntava o

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escol do catolicismo belga, leigo, maioria (sem contar os estrangeiros), o tomismo devia ir além do círculo eclesiástico e formar, nãosó padres, mas também magistrados, homens políticos, diretores de obras sociais, numa palavra chefes em todos os domínios... " 59. [ 59. THONNARD, F. J., Compêndio de História de Filosofia, p. 959. ] A presença da filosofia de Santo Tomás no campo social também se dará através do Cardeal Mercier, na elaboração do Código de Malinas. Thonnard, referindo-sea esse fato diz: "... durante a guerra de 1914 e depois esforçou-se por resolver, à luz de Santo Tomás. os graves problemas sociais que se apresentavam e podedizer-se que a sua última obra filosófica foi em grande parte ativa na redação do 'Code sóciâl chrétien' composto pelos sociólogos da União Internacional de EstudosSociais, associação fundada em 1921, sob sua presidência". 60. [ 60. Ibid., p. 960. ]

A FILOSÕFIA DE SANTO TOMÁS: ALGUNS ASPECTOS

Santo Tomás estará presente no Serviço Social através do neotomismo. É necessária uma colocação sintética de alguns pontos da filosofia do Doutor Angélicoque penetrou o pensamento dos assistentes sociais. E como já vimos, a presença do grande filósofo do século XII virá até o Serviço Social, através da Igreja Católica.É difícil separar aspectos de uma filosofia tão unitária e harmônica, mas podemos destacar a visão de pessoa humana, conceitos de sociedade e bem-comum e questãoética como pressupostos básicos presentes na formação- do assistente social, que ora explicitamos. Santo Tomás, em sua filosofia, partirá da reflexão feita por Aristóteles e a trará sob nova luz ao cenário filosófico de sua época. Vivendo seu tempo histórico,Santo Tomás tratará em sua reflexão de questões vitais para sua época, tais como: as relações entre Deus e o mundo, fé e ciência, teologia e filosofia, conhecimentoe realidade. Estas questões e outras mereceram tratamento e soluções dentro do pensamento tomista. Buscando elaborar um pensamento coerente e harmônico, toma por fundamento o princípio seguinte: "Tudo é inteligível pelo Ser, idéia análoga, realizando-seno ato e na potência". 61. A partir desse princípio, mostra que a primeira realidade a ser explicada deve ser Deus, que é a fonte de todos os seres. [ 61. Ibid., p. 364. ] Dentro da hierarquia dos seres, Santo Tomás, após analisar a existência de Deus, analisa o homem, a pessoa humana. E assim a define: "Uma pessoa é a substânciaindividual (indivisa) de uma natureza racional". 62. A pessoa humana é composta de duas substâncias incompletas: a alma e o corpo. A união dessas duas substâncias p. 41

numa substância única, embora composta, nos dá o ser humano. Thonnard expondo Santo Tomás assim define o homem: "um composto substancial de matéria-prima e formasubstancial". 63. Segundo a definição de pessoa de Santo Tomás, este é um ser distinto de qualquer outro ser. Mas o que realmente, distingue a pessoa é sua racionalidade,é ser dotado de inteligência. E é nesta distinção que radica a dignidade da pessoa humana. Por ser racional, é capaz de escolha, de saber, de vontade. Porque inteligente,diz Santo Tomás, "a pessoa significa o que há de mais perfeito em todo o universo". 64. E a pessoa é o ser mais perfeito no seu aspecto físico e espiritual. Vemosa análise desses dois aspectos no artigo "A pessoa humana em Santo Tomás" de Pedro Dalle Nogare. O corpo humano é o mais perfeito, o mais funcional e o mais complexo.Deus criou "o corpo a serviço da alma e para com ela formar o composto humano, cria-o de tal forma que possa desempenhar seu papel da melhor forma. Ora, a alma humanaespiritual tem natureza e funções superiores a qualquer outro ser criado. Logo, o corpo humano é superior, em perfeição, a qualquer outro corpo". 65. [ 62. AQUINO, Tomás de, Summa Tbeológica. P. 1, q. Art. I, Ad. I. Apud COOK. Terence I., "La Filosofia Tomista en los Princípios delServicio Social de Grupo'. Servicio Social. 9(9):41. 63. THONNARD, F. J., Compêndio de História de Filosofia, p. 377. 64. AQUINO, Tomás de, Summa Theológica. P. I, Q. 29, A.3. Apud NOGARE, Pedro Dalle, "A Pessoa Humana em Santo Tomás",Presença Filosófica (1, 2 e 3):101. 65. NOGARE, Pedro Dalle, "A Pessoa Humana em Santo Tomás", Presença Filosófica (1, 2 e 3):102-103. ] A pessoa humana tem também uma perfeição espiritual que se manifesta através da racionalidade. Essa dimensão racional produz, como conseqüência, o princípioda consciência em si e da liberdade. Através da reflexão intelectual, o homem tem consciência do seu eu e é capaz de situar-se como distinto dos outros seres. Aliberdade, a capacidade de escolha é também manifestação da inteligência do homem. Mas o homem é também dotado de vontade e, por isso, pode escolher os seus caminhos.A inteligência, conhecendo os caminhos, tenderá a busca da virtude, do bem, tenderá a alcançar o fim último: Deus. Mas isto depende de uma escolha do homem, nãoé uma vontade determinada. A questão da escolha é fundamental, pois sem liberdade é impossível colocar a dimensão da moralidade. O outro ângulo da racionalidadedo homem é que esta faz a pessoa humana imagem de Deus, cria no homem a exigência de Deus, capacita a pessoa ao conhecimento de Deus. A dignidade e a perfeição da pessoa humana nos mostram seu valor absoluto. Pedro Nogare diz que "dizer que a pessoa tem um valor absoluto é o mesmo quedizer: a pessoa deve ser considerada sempre como fim e nunca como meio. Ela é sempre meta, nunca instrumento". 66. [ 66. Ibid., p. 109. ] Pela capacidade intelectiva, o homem transformou-se em autor de desenvolvimento, de progresso. Isso nos remete a uma outra dimensão p. 42

da pessoa humana que é o homem como ser social. Da própria natureza da pessoa humana decorre seu aspecto social. "Santo Tomás repete com Aristóteles:"o homem é naturalmente um animal social". 67. O desenvolvimento humano depende dos outros, demonstra claramente que o homem necessita viver em sociedade. Podemosdizer como Santo Tomás: "é, portanto, evidente que se considera o homem uma natureza animal, uma natureza sensitiva e uma natureza racional, é necessário que vivacomo membro de uma multidão". 68. É na construção da sociedade que o homem não pode esquecer que o fim da mesma é a felicidade geral. Na vida social as leis devemservir para norteá-la. As leis que têm por base a lei eterna, devem servir ao bem-comum e não ao indivíduo como tal. Diz Gilson: "é mister que a lei viseprincipalmente à felicidade comum e ao bem-estar da coletividade". 69. [ 67. COOK Terence J., "La Filosofia Tomista en tos Princípios del Servicio Social de Grupo", Servicio Social, 9(9):31. 68. AQUINO Tomás de, Summa Theológica, vol. 27. De Rege et Regno IV, cap. 3. Apud COOK, Terence J. "La Filosofia Tomista en tos Princípios del ServicioSocial de Grupo", Servicio Social, 9(9):34. 69. BOEHNER, Philotheus e GILSON, Etienne, "S. Tomás de Aquino", in História da Filosofia Cristã, p. 420. ] Ligada à definição de pessoa como ser social está também a de sociedade. Santo Tomás diz que a sociedade é "a união de homens com o propósito de efetuaralgo comum". E essa sociedade deve visar ao bem-comum que Santo Tomás define como "o bem-estar da sociedade, quando seus benefícios são distribuídos a todos". 70. [ 70. COOK, Terence J., "La Filosofia Tomista en tos Princípios del Servicio Social de Grupo", Servicio Social, 9(9):44. ] Santo Tomás mostra que existem três espécies de leis que dirigem a comunidade ao bem-comum: a lei natural, a lei humana e a lei divina. Por decorrência danatureza humana, o homem, por ser um animal social é um "animal político", logo, para que haja o bem-comum é necessário o Estado. Estado supõe autoridade. E "todaforma de autoridade deriva de Deus, respeitá-la é respeitar a Deus; toda forma de governo, desde que garanta os direitos da pessoa e o bem-estar da comunidade éboa...". 71. O Estado deve respeitar a Igreja. Assim não existe conflito entre fé e razão, e se cada um procura realizar sua tarefa não há conflito entre Igrejae Estado. [ 71. SCIACCA, Michele Federico, História da Filosofia, tomo I, p. 228. ] Essa visão com relação à autoridade e ao Estado justifica a posição inicial do serviço social brasileiro de não questionamento da ordem vigente até suasraízes e de buscar sempre apenas reformar a sociedade, melhorando conseqüentemente a ordem vigente.

CÓDIGO DE MALINAS

A filosofia de Santo Tomás, bem como a doutrina social da Igreja, está presente no "Código Social de Malinas", elaborado pela p. 43

"União Internacional de Estudos Sociais", fundada em Malinas, em 1920, sob a presidência do Cardeal Mercier. Este influenciou arestauração do neotomismo e marcará sua presença na ação social desenvolvida pelos cristãos. Este código iluminou a ação dos cristãosna chamada questão social e marcará também os assistentes sociais católicos brasileiros. Um dos objetivos da União era "o estudo dosproblemas sociais à luz da moral católica". 72. A União realizou vários encontros para estudo dos problemas na ótica cristã. Na Assembléiade 1924, o Cardeal Mercier, afirma que, apesar do valor dos estudos e debates, os mesmos têm ficado restritos a um grupo de escol. Enfatizaa necessidade de que as reflexões feitas penetrem as massas. E sugere como instrumento uma espécie de catecismo, com essas reflexõese com diretrizes sobre diferentes questões sociais. Referindo-se a esse trabalho, afirma: "... dedicar-se-iam primeiro e principalmenteem destacar das nossas crenças e da nossa filosofia, princípios positivos capazes de ditar lei ao apostolado social, à ação política... " 73. [ 72. UNIÃO INTERNACIONAL DE ESTUDOS SOCIAIS, Código Social, p. 1. 73. Ibid., p. VI. ]

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O código é dividido em introdução e em cinco capítulos: a vida familiar, a vida cívica, a vida econômica, a vida internacional e a vida sobrenatural. Emtodos os itens, encontramos os ensinamentos emanados do magistério da Igreja e do Doutor Angélico. Na Introdução 74 é que constatamos, com clareza, os princípios referentes ao homem, dos quais salientamos os seguintes:

1. o homem é criado à-imagem e semelhança de Deus; 2. o homem é um ser social, não se basta sozinho; 3. o filósofo cristão distancia-se do individualismo e do coletivismo: "... atém-se fortemente às duas extremidades da cadeia, isto é, à eminente dignidadeda pessoa humana e à necessidade da sociedade para seu desenvolvimento integral"; 4. "o homem, tendo um destino pessoal, a sociedade é para ele o meio necessário que o ajuda a atingir seu próprio fim"; 5. a economia e a moral estão ligadas. Daí se deduz: "A Igreja, guarda da moral, exerce uma fiscalização legítima sobre a vida econômica". [ 74. Ibid., p. 11-13. ]

NEOTOMISMO NO BRASIL

Apresentaremos os principais representantes - explicitando suas posições - do neotomismo no Brasil que marcaram a formação dos assistentes sociais brasileiros,principalmente os que exerceram em determinados períodos o magistério nas escolas de Serviço Social. Os primeiros assistentes sociais foram marcados pela filosofiade Santo Tomás, recebendo sua doutrina através das disciplinas: Doutrina p. 44

Social, Moral, Ética, Doutrina Católica, entre outras, bem como através dos círculos de estudos. Entre os nomes que registramos, salientamos em São Pauïo:Alexandre Correia, Leonardo Van Acker; no Rio de Janeiro: Pe. Roberto Sabóia, que depois se transferiu para São Paulo, Pe. Pedro Cerrutti, Pe. Eduardo Lustosa, Pe.Hélder Câmara, Pe. Leonel Franca e outros das mais diferéntes ordens religiosas. O neotomismo em São Paulo está ligado a um dos discípulos do Cardeal Mercier - Mons.Sentroul - que trouxe para o Brasil a visão renovada do tomismo, através da Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo, fundada em 1908, no Mosteiro de SãoBento. 75. Essa Faculdade será um foco de irradiação do tomismo, em São Paulo e no Brasil, formando grandes nomes da filosofia e da cultura brasileira. Houve casosde assistentes sociais que antes de freqüentarem a escola de Serviço Social fizeram o curso de filosofia no Mosteiro de São Bento, a exemplo de Helena Junqueira.Outro foco de irradiação será o Rio de Janeiro, através do Centro D. Vital, dos jesuítas, e depois através das faculdades católicas, fermento da futura PUC do Riode Janeiro. Em São Paulo, a escola de Serviço Social surgiu marcada pelo Serviço Social belga; também ao nível da filosofia, a presença da posição belga se faráatravés dos professores Leonardo Van Acker e Alexandre Correia. Esses dois nomes tiveram como fonte, em seus estudos, a Universidade de Lovaina e as posições deMercier. [ 75. A Faculdade de Filosofia de São Paulo, depois Faculdade de São Bento, foi fundada em 15 de julho de 1908, por iniciativa de D. Miguel Kruse, abadedo Mosteiro de São Bento. Contou com o apoio do arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva. Essa faculdade foi depois agregada àUniversidade de Lovaina e, mais tarde, incorpora-se à PUC de São Paulo. Podem-se salientar quatro fases da faculdade: 1) 1908 a 1917, marcada pelapresença de Mons. Sentroul; 2) 1922 a 1935, presença de Leonardo Van Acker; 3) 1936 a 1945, reestruturação em face da legislação brasileira e busca doreconhecimento oficial; 4) 1946 em diante, com a criação da Universidade Católica de São Paulo. (Cf. CAMPOS, Fernando Arruda de, Tomismo e Neo-tomismono Brasil, p. 70-71.) Referindo-se à Faculdade, D. Odilão Moura afirma: "A Faculdade de Filosofia e Letras de São Bento foi pioneira, entrenós, dos estudos superiores de Filosofia e Letras e, para os leigos católicos, abriu os caminhos da Filosofia pura. Daí o seu significado importantíssimo na históriada educação universitária no Brasil e a sua inapreciável contribuição para o pensamento católico". C. MOURA, D. Odilão. Idéias Católicas no Brasil, p. 62.) ]

Leonardo Van Acker

Van Acker nasceu na Bélgica, em 1896, doutor em Filosofia e Letras pela Universidade de Lovaina. Arruda diz: "O professor Leonardo Van Acker dedicou todaa sua vida ao serviço da filosofia. Filósofo, no sentido pleno da palavra, discípulo de Santo Tomás, Van Acker conserva, em sua longa carreira de pensador escolástico,a sólida formação filosófica, haurida nos anos universitários, através p. 45

dos mestres Mercier, Maritain, Hugon, aos quais ele se refere, com saudosa gratidão". 76. Veio para o Brasil, em 1921, e ocupou a cadeira de Filosofia na faculdadede Filosofia de São Bento. Van Acker, fiel às suas origens filosóficas, busca sempre um diálogo da filosofia tomista com o pensamento moderno. Assim procura fazercom que o neotomismo se firme entre as várias correntes do momento atual. A respeito dessa posição, afirma: "sempre permaneci fiel à minha formação lovainense: repensara filosofia aristotélica-tomista em contato com a Filosofia e a Ciência vigentes no ambiente". 77. O pensador em questão divide o tomismo em três correntes: a dostradicionalistas, dos restauradores e dos reformuladores. Ele se coloca entre os restauradores. Van Acker foi professor de Princípios da Doutrina Social na Escolade Serviço Social de São Paulo. Realizou várias palestras, entre as quais salientamos a pronunciada em fevereiro de 1941 sobre "As Bases do Serviço Social". [ 76. CAMPOS, Fernando Arruda, Tomismo e Neotomismo no Brasil, p. 126. 77. VAN ACKER, Leonardo, in MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 165. ]

Alexandre Correia

Outro nome é o de Alexandre Correia que nasceu em 1890. Recebeu sua formação na Faculdade de São Bento. É doutor em Filosofia pela Faculdade de São Bentoe pela Universidade de Lovaina. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi aluno da 1ª turma de São Bento,onde em 1922 virá lecionar. "Foi dos leigos católicos que mais contribuiu para o pensamento filosófico nesta terra (São Paulo), dedicando-se toda a vida aos estudosmetafísicos e jurídicos". 78. Em 1944, traduziu a Suma Teológica de Santo Tomás. Uma de suas preocupações foi a de sempre buscar nos próprios textos do Doutor Angélico,sua filosofia em vez de se servir de comentadores. Segundo D. Odilão, Alexandre Correia é "objetivo na crítica da filosofia moderna, desta soube aproveitar o quehavia de verdadeiro e assimilável pelo tomismo". 79. Junto com Van Acker, foi professor na escola de Serviço Social em seus primórdios. Segundo Carmelita Yasbeck,Alexandre Correia foi professor de Princípios de Filosofia Moral. [ 78. MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 166. 79. Ibid., p. 167. ]

Pe. Roberto Sabóia de Medeiros

Outro nome que precisamos salientar é o do jesuíta Padre Roberto Sabóia de Medeiros, chamado Apóstolo da Ação Social. Nasceu em 1905, no Rio de Janeiro,e morreu em São Paulo, em 1955. Seu trabalho concentrou-se em São Paulo e no Rio de Janeiro. p. 46

Pe. Sabóia desenvolveu um trabalho intenso junto às mais diferentes categorias de pessoas. Trabalhou junto aos patrões e operários. Deu sua contribuição ao ServiçoSocial, quer por suas posiçoes teóricas, quer pela sua ação penetrante no campo social. No campo da filosofia sua postura foi "na direção da metafísica clássica,com algumas aberturas para o pensamento moderno". 80. Fez estudos sobre Descartes e foi, no Brasil, um dos estudiosos e divulgadores de Blondel, com quem mantevecorrespondência sistemática. Fernando Arruda, referindo-se a Pe. Sabóia, afirma: "... defendendo as doutrinas tradicionais da metafísica clássica, ao mesmo tempoque se abre ao diálogo com o pensamento moderno, coloca-se na mesma linha de pensamento de Leonel Franca, sendo, desta forma, um dos mais expressivos representantesdo neotomismo no Brasil". 81. Desenvolveu estudos na área social subordinados à sua visão filosófica e à doutrina social da Igreja. A chamada "questão social" foiuma preocupação constante do Pe. Sabóia. Conhecedor profundo da doutrina social da Igreja, coloca sua vida em função da restauração da sociedade, buscando semprea harmonia entre as classes. Além de dirigir de maneira especial seu trabalho junto aos patrões e operários. enfatizou sempre a necessidade de se colocar em práticaas diretrizes papais. E, neste sentido, conseguiu entusiasmar inúmeros leigos, levando-os ao engajamento. Partindo do livro Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, do Pe.José Coelho de Souza, podemos destacar, entre as realizações do Pe. Sabóia as que seguem. Atuou nas Semanas Sociais e passou a presidi-las a partir da 5ª sessãorealizada em Porto Alegre. Da 4ª Sessão das Semanas Sociais realizada em São Paulo, em 1940, nasceu a "Comissão Permanente de Ação Social". Esta entidade nasceucom o objetivo de "estudar, fomentar e aplicar toda espécie de trabalho social, inspirado nas diretivas da doutrina social da Igreja". 82. A partir de 1944, passoua chamar-se apenas "Ação Social". Enquanto esta entidade estava mais voltada para a ação, o Instituto de Direito Social, fundado em 1939, tinha como finalidade oestudo e a divulgação das idéias no campo social. Em 1941, os membros do Instituto fizeram estudos sobre o Código de Malinas. Na "Ação Social" nasceram várias unidades:

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Escola Superior de Administração "Pandiá Calógeras"; Escola de Desenho Técnico São Francisco de Borja; Faculdade de Engenharia; Instituto Superior de Estudos Sociais,Políticos e Econômicos; Centro Técnico do Trabalho; Clínica Santo Inácio; Tipografia Canísio e várias publicações. O Serviço Social recebeu também o impulso do Pe.Sabóia, através da "Ação Social" e da revista Serviço Social. Vejamos a importância dada pelo Pe. Sabóia ao Serviço Social e sua maneira de ver a ação p. 47

do Assistente Social, num relato seu ao Pe. Provincial, datado de 1941 e apresentado por Pe. José Coelho de Souza. Diz o Pe. Sabóia que a "Ação Social", por intermédioda Divisão de Moral Social, 83, "ocupa-se no momento com uma intensa campanha entre os industriais paulistas para que cada um tome para sua fábrica um assistentesocial. A medida é de alcance, porque os conflitos de trabalho que se amiúdam e que às vezes são propositadamente provocados, subindo às Juntas de Conciliação eJulgamento, têm recebido, na maior parte das vezes, soluções indesejáveis. O suborno vai de mãos dadas com a petulância. Aceitando tiradas ocas sobre a misériade classes proletárias, vai-se espalhando entre os operários a persuasão de que sempre têm direito contra os patrões, e se vai solapando o princípio da autoridade.Quando não, o dinheiro do patrão há de intervir para ter ganho de causa. Ora, não foi este o caminho seguido pela Espanha? Se há remédio parece este consistir emque o assistente social, penetrando na fábrica, eduque o operário, apazígüe os ânimos, seja intermediário nos conflitos, e os encaminhe a um Círculo Operário, ondeele possa achar o equilíbrio entre as suas exigências e as possibilidades sociais". 84. Dentre suas publicações destaca-se a revista Serviço Social, que começoua circular em 1939, sob a direção de um grupo de assistentes sociais da LBA. Por falta de verba e outros problemas, corria o risco de sair de circulação. É quandoo Pe. Sabóia a assume e passa a ter a sua direção a partir do nº 31, de 1943. [ 80. Ibid., p. 162. 81. CAMPOS. Fernando Arruda, Tomismo e Neotomismo no Brasil, 82. SOUZA, Pe. José Coelho de. Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, p. 93. 83. A "Ação Social" tinha 5 setores: a Divisão de Moral Social, a Divisão de Cultura Profissional, a Divisão de Medicina Social, a Divisão Trabalhistae a Divisão de Economia Social. CF. SOUZA, Pe. José Coelho de, Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, p. 90. 84. Carta do Pe. Sabóia ao Provincial em 1941, apud SOUZA, Pe. José Coelho de, Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, p. 90. ]

Pe. Leonel Franca

Há um nome que se destaca no Rio de Janeiro, pelo papel que exerceu junto à intelectualidade e, por conseqüência, na presença do neotomismo: Pe. Leonel Franca.Nasceu em 1893 e morreu em 1948; doutorou-se em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Viveu a maior parte de sua vida de trabalho no Rio deJaneiro. Foi um dos grandes colaboradores do Cardeal Leme. Nos textos que fazem referência ao Pe. Franca - os que conseguimos pesquisar - nem sempre existem posiçõesunânimes. Mas um ponto há em comum: embora o Pe. Franca não tenha sido um filósofo no sentido técnico, exerceu grande influência também no campo filosófico. Istoatravés de alguns de seus escritos e muito mais pela sua ação educacional e cultural. Referindo-se ao padre, Luís Castagnola diz: "contribuiu de um modo decisivopara a vitória da filosofia tomista p. 48

no Brasil...". 85. Lidia Acerboni, falando do Pe. Leonel Franca, afirma: "Se considerássemos a contribuição de Leonel Franca ao neotomismo de um ponto de vistaestrito", considerando somente aquilo que ele diretamente trouxe para a redescoberta e a compreensão do tomismo no Brasil, deveríamos talvez concluir com um balançopobre ... Se, pelo contrário, consideramos Leonel Franca de um ponto de vista mais amplo, o do renascimento da cultura católica do Brasil (ou como dizia Jacksonde Figueiredo, da 'recatolização das inteligências') colocando-o no posto que lhe cabe, 'no centro de sua geração', então seu papel aparece como determinante, peloque concerne ao impulso dado à filosofia 86. É nessa perspectiva que vemos seu trabalho no sentido de criação e concretização das faculdades católicas, futura UniversidadeCatólica do Rio, desejo de Pio XI e do Cardeal Leme. E também o seu trabalho junto aos intelectuais que fez através do Centro D. Vital, com cursos, palestras e seusescritos. Diz D. Odilão: "Atuou Pe. Franca multiforme e eficientemente nos meios culturais brasileiros. Diretor espiritual de universitários e intelectuais, estesencontravam nele o orientador prudente e sábio". 87. E sua presença se deu também quando da Constituinte de 1934. Com referência à sua produção filosófica, temoslivros e artigos. Sua primeira obra e que chegou a mais de 20 edições foi Noções de História da Filosofia, escrita em 1918, revista e ampliada nas primeiras edições.Escreveu-a para os jovens, para que tivessem um instrumento de como dar os primeiros passos no campo da Filosofia. No artigo "Caracteres Fundamentais do Tomismo",de 1929, elenca as seguintes características do tomismo: coesão doutrinal, plenitude, docilidade ao real, respeito à tradição, aberto à possibilidade de progresso.Dadas essas características, afirma em relação à restauração do tomismo: "A restauração moderna da escolástica e, de modo particular, no tomismo, não representa,pois, um movimento fictício e superficial que pretendesse, por instantes, galvanizar um cadáver. É apenas um retomar o fio partido da grande tradição intelectualda humanidade. É o lançar no campo de luta do pensamento moderno a vitalidade de uma síntese do que lhe há de assimilar sem dificuldades, os elementos sadios e salvá-loda dissolução da anarquia ou da catástrofe de um suicídio". 88. Dentre as várias posições do tomismo, em que corrente podemos situar o Pe. Franca? D. Odilão afirma:"Não é muito fácil descobrir qual a linha tomista que segue Pe. Franca". 89. No seu livro Noções de História da Filosofia, Pe. Franca distribui as correntes neotomistasem três, sendo uma mais conservadora, outra p. 49

mais progressista e finalmente a mais compreensiva. Parece situar-se nesta terceira corrente sobre a qual afirma: "Nem tudo é para rejeitar depois de Descartes.A fidelidade, não tanto à letra quanto ao espírito de Santo Tomás, impõe o dever de repensar as questões modernas, em função de sua problemática atual". 90. Sertillanges,Rousselot e Marechal assumem essa posição segundo Franca. Van Acker, dentre as correntes que distinguem o neotomismo, coloca o Pe. Franca dentro da corrente tradicionalista.Na análise das várias correntes filosóficas e na relação que estabelece com o tomismo, o Pe. Franca sempre se preocupou em discernir o sistema verdadeiro dos errôneos.E acreditava na existência de uma filosofia verdadeira, pois "a existência de uma filosofia única e certa é a conseqüência óbvia da aptidão natural das potênciascognoscitivas para a consecução da verdade"91'. Esta posição do Pe. Leonel Franca não o impediu de estabelecer contato com correntes mais progressistas. Mas, mesmoaberto ao seu tempo e ao diálogo com outras correntes filosóficas, Franca situou-se dentro de uma perspectiva mais ortodoxa do tomismo. Sua maior preocupação centrou-semais na relação Filosofia e Teologia do que Filosofia e Filosofia, posição esta do núcleo de São Bento, em São Paulo. No início da restauração do tomismo, Francavê como grandes centros a Universidade Gregoriana e a Universidade de Lovaina. Entre o tomismo lovainense e romano preferiu este último. Tendo em vista seu papelde liderança intelectual no Rio de Janeiro e sua ligação com as faculdades católicas, exerceu influência na Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro. [ 85. PADOVANI, Humberto, e CASTAGNOLA, Luís, "O Pensamento Filosófico no Brasil", in História da Filosofia, p. 555. 86. ACERBONI, Lidia, A Filosofia Contemporânea no Brasil, p. 142-144. 87. MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 138. 88. FRANCA, Pe. Leonel, "Caracteres Fundamentais do Tomismo", in Alocuções e Artigos, p. 27. 89. MOURA, D. Odilão, Idéias Católicas no Brasil, p. 139. 90. FRANCA, Pe. Leonel, Noções de História da Filosofia, p. 259. 91. CAMPOS, Fernando Arruda, Tomismo e Neotomismo no Brasil, p. 100. ]

Pe. Eduardo Magalhães Lustosa S.J.

Pe. Eduardo foi professor de Ética, Diretor da Faculdade Católica de Direito do Rio de Janeiro e primeiro redator da Revista Verbum. Segundo o Anuário dasFaculdades Católicas do Rio de Janeiro, foi diretor da Escola de Serviço Social, em 1944, bem como professor de Doutrina Social e Moral Social. Escreveu várias monografiasjurídico-sociais. Pe. Lustosa nasceu em 1905 e morreu em 1945. 92. [ 92. Cf. ibid., p. 172. ]

Pe. Pedro Cerrutti S.J.

Pe. Pedro foi professor da Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro logo no seu início, quando da fundação pelo Instituto Social. Publicou Caminho da VerdadeSuprema. Apresenta nesse livro a teologia p. 50

da Igreja. Na parte preliminar aborda problemas filosóficos, mostrando ser fiel seguidor da doutrina do Angélico. 93. [ 93. Cf. ibid., p. 114. ]

JACQUES MARITAIN E O HUMANISMO INTEGRAL

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Jacques Maritain e sua presença entre nós

Não podemos encerrar esta nossa rápida abordagem sobre o neotomismo sem uma referência explícita sobre Jacques Maritain. Foi ele o grande filósofo cristãodo século XX que retomou com propriedade o legado de Santo Tomás. A sua obra escrita foi vasta, seu testemunho cristão foi marcante em várias gerações e suas idéiasfilosóficas e políticas influenciaram a muitos em todo o mundo e no Brasil. Viveu intensamente seus 91 anos. A busca da verdade foi uma constante em sua existência. Sua longa vida, no dizer do próprio Maritain, pode ser divididaem 6 fases. Em uma entrevista concedida a Antonio Carlos Villaça. quando completava 90 anos, apresentou-nos essas seis fases. Vejamos suas colocações. A primeirafase vai do nascimento a 1910. Esse período é vital, pois descobre Raïssa, Bergson e Leon Bloy. Converte-se ao catolicismo e descobre Tomás de Aquino. A segundafase, de 1910 a 1939, o período de Magistério em Paris, da crise da Action Française e 'a fase intensa do humanismo integral, que se inicia em 1934. A terceirafase, de 1939 a 1945, seu exílio em Nova York. A quarta fase, de 1945 a 1948. Nesse período foi embaixador do governo francês junto à Santa Sé. Nessa época escreveu*94 Existência e o Existente, fruto de seus estudos sobre o existencialismo. A quinta fase é a do magistério nos Estados Unidos, de 1945 a 1960. É nessa estada nosEstados Unidos que escreveu A Filosofia Moral. E, finalmente, a sexta fase, de 1960 até sua morte, em 1973. Este período é marcado pela morte de sua grande companheiraRaïssa e de sua entrada na Fraternidadedos Irmãozinhos de Foucauld *94. [ 94. Cf. VILLAÇA, Antonio Carlos, "Jacques Maritain, 90 Anos", Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11/12/1972, p. 4. Caderno B. ] Dissemos acima da influência exercida por Jacques Maritain. Um de seus grandes discípulos, Alceu Amoroso Lima, em um artigo publicado em 1972, analisou "Ainfluência de Maritain na América Latina". Nesse artigo, Alceu Amoroso Lima mostra que no final do século passado e começo do atual, havia uma separação entre osintelectuais e a religião, no conjunto da América Latina, e, conseqüentemente, no Brasil, por influência do evolucionismo naturalista, do positivismo e do agnosticismo.A conversão de Jacques e seus escritos possibilitaram um reencontro entre a intelectualidade e a Igreja. Suas idéias penetraram sem muitas discussões, pois se deu p. 51

na perspectiva religiosa. Alceu Amoroso Lima afirma: "A princípio a obra religiosa e filosófica de Maritain agiu num plano estritamente espiritual e intelectual,no sentido de uma conversão dupla das gerações jovens, ou melhor, de certas mentes da geração jovem ... A obra de Maritain, portanto, antes do Humanismo Integral,foi recebida, por assim dizer, sem discussão, como a obra de um mestre que nos reconduziu a nossas raízes espirituais históricas e ao mesmo tempo disciplinou nossasinteligências jovens em desordem, mas ansiosas por uma nova ordem que não se constituísse em retorno ao passado, mas uma abertura para o futuro. Seu brilho foi,por isso, limitado, mas decisivo, e acima de tudo, indisputável. Do ponto de vista filosófico, agiu como uma terra de ninguém sem contraditores. Do ponto de vistasocial, representou uma certa reconciliação entre a inteligência, que perdera suas raízes religiosas, e o povo que as conservara". 95. [ 95. LIMA, Alceu Amoroso, "A influência de Maritain na América Latina", Jornal do Brasil, 18/dez./1972, p. 4, C. B. ] Mas sua presença não se limita à esfera religiosa, suas posições filosóficas não ficaram apenas na Metafísica, mas foram colocadas no campo prático, no camposocial e político. Um marco dessas posições vemos em aulas ministradas em 1934 que depois se transformaram no livro Humanismo Integral, publicado em 1936. Diferentede suas posições filosóficas e religiosas, que foram aceitas sem contestações, suas posições no campo social e político provocaram posições e debates contraditóriosna América Latina e no Brasil. A reação foi violenta, pois os que detinham o poder percebem uma pregação doutrinária que enfatiza uma ação prática que leva a Igrejaa mudar de posição e, ao invés da relação Igreja-Estado, começa a delinear uma relação Igreja-Povo, conforme nos diz Alceu A. Lima. Analisando esse fato, Tristãode Ataíde assim se expressa: "Antes de atingir os interesses econômicos e políticos e, sobretudo, as instituições do status quo tradicional, suas idéias eram recebidascom reverência ou, pelo menos, com respeito mesclado a uma admiração à distância. Mas quando começou a esbarrar nas instituições ou nas convicções pessoais erigidasno espírito da burguesia dominante, ou nas tradições dos feudalismos existentes, Maritain desceu de seu paraíso metafísico às arenas de combate das idéias e dosmais sangrentos preconceitos". 96. [ 96. Ibid., p. 4. C. B. ] No Brasil, podemos encontrar repercussões concretas das posições de Maritain, no movimento de legislação social e na Constituição de 1934. A luta por umalegislação social emerge em toda a América Latina e as posições de Maritain se fazem presentes. No Brasil, os seguidores de Maritain, em sua geração inicial, estarãounidos em torno do Centro D. Vital e da revista A Ordem. Em 1946, temos um número especial de A Ordem, sobre Maritain. Veríamos p. 52

os nomes de alguns discípulos do grande mestre: Alceu Amoroso Lima, Afrânio Coutinho, Edgar de Godói da Mata Machado, Gustavo Corção, João Camilo de Oliveiraforres, Ye. Orlando Machado, Pe. Juvenal Arduini e outros. Em 1936, Maritain passou pelo Brasil, tomou posse de membro correspondente da Academia Brasileira de Letrase pronunciou conferência no Centro D. Vital, no Rio de Janeiro. Suas idéias políticas marcarão os partidos democrata-cristãos que surgem pela América Latina. Esse movimento democrata-cristão nasce. entre 1947 e 1949.Em 1949, temos um documento assinado por' Dardo Regulas, do Uruguai, Eduardo Frei, do Chile, Manuel Ordonez, da Argentina, Alceu Amoroso Lima, do Brasil e representantesda Colômbia e do Peru, dando início ao movimento. Desse movimento político, tivemos duas experiências concretas por dois discípulos de Maritain. Trata-se de EduardoFrei, no Chile e Rafael Caldera, na Venezuela. As idéias políticas e sociais de Jacques Maritain, a ideologia do Humanismo Integral exerceram influência também junto à Juventude Universitária Católica(JUC). A partir da década de 50, o movimento precisava de unidade e de um instrumental teórico. No dizer de José Luiz Sigrist, a JUC encontrou esse instrumentalno Ideal Histórico, tendo em vista que os assistentes eclesiásticos eram conhecedores da obra de Jacques Maritain e, em particular, do Humanismo Integral: Uma visãonova da Ordem Cristã. E mostrando a importância desse fato para o movimento, Sigrist afirma: "Impulsionado pelo Ideal Histórico o movimento ganha impulso e experimentamomentos de grande dinamismo e força". 97. [ 97. SIGRIST, José Luiz, Fenomenologia da Consciência Universitária Cristã no Brasil, p. 39. ] No Serviço Social brasileiro, o grande filósofo cristão esteve presente através das aulas de Filosofia, Ética, Moral, Doutrina Católica desenvolvidas noscursos de Serviço Social. Suas posições virão também até o Serviço Social pela Ação Católica, pelo movimento de reforma que marca a Igreja após Leão XIII e Pio XI.

O Ideal Histórico

Maritain não limitou sua filosofia à Metafísica, mas apresentou também uma reflexão dentro da filosofia prática. Como vimos, suas idéias, quer religiosas,quer políticas e sociais, foram encarnadas por muitos no decorrer deste século. A nível da filosofia prática, das idéias políticas e sociais, propôs o humanismointegral. Diante de um mundo marcado pela mediocridade e pelo humanismo liberal-burguês, Maritain questiona o papel dos cristãos e diz que a tarefa destes é de suscitar"... uma força cultural e temporal de inspiração cristã p. 53

capaz de agir na história e ajudar os homens ... Trabalhariam eles então para substituir, ao regime inumano que agoniza aos nossos olhos, um novo regime de civilizaçãoque se caracterizaria por um humanismo integral...". 98. O empenho de fazer surgir esse humanismo deve passar por uma mudança da sociedade em que vivemos. Necessáriose faz construir uma nova cristandade. Esta é uma exigência, face às tensões vividas entre o mundo moderno e a Igreja. Sua proposta foi também uma resposta, faceao empenho da reforma social assumida por muitos militantes católicos, inclusive assistentes sociais. O projeto de Maritain propõe uma nova cristandade, a exemploda Idade Média, só que não mais sacral, mas profana. Essas suas idéias foram pronunciadas, em 1934, na Universidade de verão de Santander e publicadas em 1936. Apresentaremos,em seguida, as idéias básicas de sua proposição, tendo por base seu livro: Humanismo Integral - Uma visão nova da Ordem Cristã. [ 98. MARITAIN, Jacques, Humanismo Integral - Uma visão nova da Ordem Cristã, p. 7. ]

Noção do Ideal Histórico

"Que entendemos por 'ideal histórico concreto'? É uma imagem prospectiva que significa o tipo particular, o tipo específico de civilização ao qual tendecerta era histórica. Quando um Tomás Morus ou um Fénelon, um Saint-Simon ou Fourier construíam uma utopia, era um ser de razão que construíam, isolado de toda existência datada,e de todo clima histórico particular, exprimindo um máximo absoluto de perfeição social e política, e da arquitetura do qual a minúcia imaginária é levada tão longequão possível, por isto que se trata de um modelo fictício proposto ao espírito no lugar da realidade. Ao contrário, o que chamamos ideal histórico concreto não é um ser de razão, porém uma essência ideal realizável (mais ou menos dificilmente, mais ou menosimperfeitamente é outro caso, e não como uma obra feita, mas como obra que se está fazendo), uma essência capaz de existência e chamando a existência para um dadoclima histórico, correspondendo por conseqüência a um máximo relativo (relativo a este clima histórico) de perfeição social e política, e apresentando somente -precisamente porque implica uma ordem efetiva à existência concreta - as linhas de força e os esboços ulteriores determináveis de uma realidade futura". 99. [ 99. Ibid., p. 101-102. ]

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Noção de cristandade

"Ademais, é do ideal histórico de uma nova cristandade que trataremos ... Lembremos que essa palavra cristandade (tal como a p. 54

entendemos) designa certo regime comum temporal cujas estruturas denotam, em graus e segundo modos de resto muito variáveis, a marca da concepção cristã da vida.Só existe uma verdade religiosa integral; só há uma Igreja católica: pode haver várias civilizações cristãs, cristandades diversas. Falando de uma nova cristandade, designamos pois um regime temporal ou uma era de civilização cuja forma animadora seria cristã e corresponderia ao climahistórico dos tempos em que entramos". 100. [ 100. Ibid., p. 106. ]

A cidade temporal e suas características

Constatamos que três são as características básicas de qualquer ordem temporal: comunitária, personalista e peregrinal. Dimensão comunitária - Enfatiza o bem-comum material e moral, como fim próprio e especificador, não se identificando com a soma dos bens individuais, sendosuperior, pois os indivíduos fazem parte do todo social. Dimensão personalista - Os fins supratemporais da pessoa humana devem prevalecer. "Em outros termos, o bem-comum temporal é fim intermediário ou infravalente:tem sua especificação própria, pela qual se distingue do fim último e dos interesses eternos da pessoa humana; mas em sua especificação mesma está envolvida suasubordinação a este fim e a estes interesses, dos quais recebe suas medidasdirigentes". 101. [ 101. Ibid., p. 110. ] Dimensão peregrinal - A cidade temporal é um momento na caminhada do homem para chegar ao seu fim último. E a sociedade é constituída não de pessoas instaladas,mas a caminho. Mas, isto não dispensa o homem de fazer a terra um lugar onde a pessoa humana se sinta bem através de uma estrutura social boa e apta a ser vividapor todos.

O princípio de Analogia

Para falarmos em nova cristandade é preciso termos claro um princípio fundamental: o da analogia. A Idade Média concretizou os caracteres da cristandade dentro de seu tempo histórico. É possível falar de uma nova cristandade, que não consiste em repetira Idade Média, mas em fazer acontecer dentro de nosso tempo os ideais do cristianismo. As características que nortearam a cidade temporal na Idade Média: a comunitária,a personalista e peregrinal devem estar presentes na nova cristandade, mas de maneira diferente. E isto podemos entender pelo princípio de analogia. "Não variamos princípios, nem as supremas regras p. 55

práticas da vida humana: mas se aplicam segundo maneiras essencialmente diversas, que só correspondem a um mesmo conceito segundo uma Similitude de proporções".Daí qUe "...deVe uma cristandade nova, nas condições da era histórica em que entramos, encarnando os mesmos princípios (analógicos), ser concebida segundo um tipoessencialmente (especificamente) distinto daquele do mundo medieval... Pensamos que uma nova era do mundo permitirá aos princípios de toda civilização vitalmentecristã realizarem-se segundo um novo 'analogado' concreto". 102. [ 102. Ibid., p. 110. ]

Cristandade Medieval

O ideal histórico da Idade Média era dirigido por duas forças: "de um lado a idéia (...) da força ao serviço de Deus, de outro lado, esse fato concretode que a própria civilização temporal era de alguma sorte uma função do sagrado, e implicava imperiosamente a unidade da religião". 103. [ 103. Ibid., p. 114. ] A concepção cristã sacro-temporal da Idade Média continha 5 notas típicas: tendência para uma unidade orgânica qualitativamente máxima; predomínio do papelministerial do temporal em relação ao espiritual; emprego do aparelho temporal para fins espirituais; diversidade de "raças sociais" e obra comum: um império deCristo a edificar.

Nova Cristandade

O ideal de uma nova cristandade, tendo por base os princípios da Idade Média (por analogia), fundamenta-se numa concepção profana cristã e não sacral cristãdo temporal. A nova cristandade tem 5 notas características: Pluralismo: a sociedade será marcada por um pluralismo social, econômico e jurídico. Haverá a busca de uma unidade mínima "seu centro de formação e de organizaçãosendo situado na vida da pessoa, não ao nível mais elevado dos interesses supratemporais desta, mas ao nível do plano temporal ele próprio. E é em virtude distoque esta unidade temporal ou cultural não requer de si mesma a unidade de fé e de religião ..." 104. Haverá portanto uma unidade mínima com base nos princípioséticos comuns. [ 104. Ibid., p. 136. ] Autonomia do temporal: existe uma autonomia do temporal a título de fim intermediário ou infravalente. "Desembaraça-se destarte e se precisa a noção de cidadeleiga vitalmente cristã ou de Estado leigo cristãmente constituído, isto é, de um Estado em que o profano e o temporal possuem plenamente seu papel e sua dignidadede fim e p. 56

de agente principal - porém não de fim último nem de agente principal, mas elevado". 105. [ 105. Ibid., p. 140. ] Liberdade das pessoas: ao invés da força ao serviço de Deus (Idade Média) temos a conquista da liberdade. Não a liberdade do liberalismo e nem do poder doEstado "mas, sim, da autonomia das pessoas, que se confundem com sua perfeição espiritual". 106. [ 106. Ibid., p. 141. ] Unidade de raça social: dentro da nova cristandade deve-se respeitar a igualdade fundamental das pessoas e assumir uma democracia personalista. Obra comum: uma comunidade a realizar: a construção da sociedade não seria obra divina a ser realizada pelo homem, mas uma tarefa humana marcada pelo divino.E a cidade temporal deve ter por base a dignidade da pessoa humana, sua vocação espiritual e amor fraternal. A construção da nova sociedade é uma tarefa de todos e é através da concretização do ideal histórico que o cristianismo poderá salvar a nossa civilização.Trata-se de reconstruir totalmente a sociedade como diz Maritain: "A civilização moderna é uma vestimenta muito usada, não se podem colar nela novos pedaços, éuma reconstrução total e como que substancial que está em causa, uma subversão dos princípios da cultura, pois se trata de atingir a um primado vital da qualidadesobre a quantidade, do trabalho sobre o dinheiro, do humano sobre a técnica, da sabedoria sobre a ciência, do serviço comum das pessoas humanas sobre a ambição individualde enriquecimento indefinido ou a vontade estatista de poder ilimitado". 107. [ 107. Ibid., p. 164. ]

A PRESENÇA NORTE-AMERICANA NO INÍCIO DO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO ATRAVÉS DO NEOTOMISMO E DO FUNCIONALISMO

PROGRAMA DE BOLSAS DE ESTUDOS

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Na década de 40, um fato novo vai marcar a vida do Serviço Social brasileiro: o Serviço Social norte-americano, cuja presença será marcante nas décadas seguintes.Nesse período, a presença européia ainda é muito significativa, mas gradativamente o eixo de influência mudará. A presença norte-americana se fará através de técnicaspara o agir profissional, técnicas essas que terão como pressuposto teórico o funcionalismo. Na segunda metade da década de 40 e no início da de 50, constatamosa presença da filosofia tomista aliada às técnicas norte-americanas. Nesse período não haverá ruptura radical da ideologia católica, pelo contrário haverá uma convivênciadas duas p. 57

posições: o Serviço Social permanece na base dos princípios católicos e neotomistas, inclusive via Estados Unidos e ao mesmo tempo incorpora as técnicas norte-americanas.Maria de Lourdes Medeiros falando da presença americana afirma: "Assim como a Europa nos abrira às idéias e aos princípios filosóficos, os EUA nos despertarampara a práxis". 108. [ 108. MEDEIROS, Maria de Lourdes, e CASTILHO, Lúcia G., O Serviço Social e suas perspectivas face o progresso de desenvolvimento, p. 4. ] O intercâmbio do Serviço Social norte-americano com o latinoamericano e conseqüentemente com o brasileiro é marcado pelo convite formulado pelo governo dosEstados Unidos da América do Norte aos diretores das escolas de Serviço Social da América Latina para participarem da Conferência Nacional de Serviço Social quese realizou em Atlantic City, promovida pela American Association of Schools Work, em 1941. Entre outras, uma das conclusões dessa conferência "foi a decisão de instituições norte-americanas de oferecer bolsas de estudos a assistentes sociais sul-americanos,para aperfeiçoamento e especialização em escolas de Serviço Social norte-americanas". 109. Esse programa de bolsas de estudos se intensificará após a ida das primeirasbolsistas e chegará ao seu fim em 1957. Odila Cintra, numa conferência em 1958, afirma que, após o primeiro contato em 1941, "O largo programa de bolsas de estudos,posteriormente instituído pelo governo americano, intensificou fortemente esse intercâmbio. (No ano passado (1957), tendo o Brasil colocado o Serviço Social em 28ºlugar na escala de prioridades, as bolsas de estudos para o Serviço Social foram cortadas do programa do Ponto IV)". 110. [ 109. YASBECK. Maria Carmelita, Estudo da Evolução Histórica da Escola de Serviço Social de São Paulo no período de 1936 a 1945. p. 56. 110. FERREIRA. Odila Cintra, "Serviço Social no Brasil de Ontem, de Amanhã", in PINOTTI, M. et al. O Serviço Social no Brasil, p. 54. ] Apresentaremos a seguir um quadro que contém as primeiras bolsistas do Brasil. Salientamos que uma das preocupações das referidas bolsistas - dada sua formaçãono Brasil - era procurar nos Estados Unidos as escolas de Orientação Católica. Utilizaremos o quadro apresentado por Arlete Lima. 111.

QUADRO

Assistentes Sociais do Rio e de São Paulo Ano de ingresso na ESS Universidades ou instituições americanas Período

Maria Josefina Rabello Albano (RJ) 1936 New York Shool of Social Work 1941/43Marília Diniz Carneiro (RJ) 1938 Fordhan University School of Social Service 1942/44Nadir Kfouri 1936 Universidade de Washington National Catholic School of Social Service 1942/43Balbina Ottoni Veira (RJ) 1941 National Charities Nova York 1943/43Maria Helena Correia de Araujo (RJ) 1942 National Catholic School of Service Washington 1944/46Helena Iracy Junqueira (SP) 1936 Universidade de Pittsburg, Pensilvânia 1944/45 [ 111. LIMA, Arlete Alves, A Fundação das Duas Primeiras Escolas de Serviço Social no Brasil, p. 123. ] O programa de bolsas de estudos não é um fato isolado nas relações com os Estados Unidos. Insere-se num quadro maior de intervenção dos Estados Unidos daAmérica do Norte na América do Sul e coloca-se dentro da política de Boa-Vizinhança de Washington. Até o início da 2ª Guerra, o Brasil mantinha um maior relacionamentocom os países europeus e, em particular, com a Alemanha e a Inglaterra. Essas relações sempre foram cultivadas pelo governo de Vargas, pois a maioria de seus ministrosnutriam simpatia pela posição nazista alemã. Os Estados Unidos procuram aproximação com o Brasil e encontram no Ministério das Relações Exteriores, p. 58

Osvaldo Aranha, um aliado. Em 1939, em missão aos Estados Unidos, o ministro consegue resolver o problema cambial e faz acordos militares. Seguem-se outros cincoacordos. Carone diz: "À aproximação militar, desejada pelos americanos, seguem-se cinco acordos, assinados em 09 de março de 1939 ...". 112.[ 112. CARONE, Edgar, O Estado Novo, p. 100. ] Dentro dessa políticade aproximação do Brasil por parte dos Estados Unidos, o governo norte-americano, em 1940, coloca à disposição do Brasil empréstimos a longo prazo em troca de garantiaspara suas bases militares. Dentre esses empréstimos, temos o de 20 milhões de dólares para a Companhia Siderúrgica Nacional. Analisando esse fato, Skidmore afirma:"Esse apoio ao investimento público na indústria básica, em um país subdesenvolvido, refletia uma mescla de motivos, do ponto de vista norte-americano. Por um lado,demonstrava o desejo da administração New Deal, de Roosevelt, de dar substância econômica à política de Boa-Vizinhança. Ao mesmo tempo, representava uma tentativade realizar antigas ambições americanas de maior penetração comercial na América Latina. Através das novas e heterodoxas medidas de ajuda governamental dos Estadosaos programas de industrialização dirigidos pelo Estado. A boa vontade americana era, indubitavelmente, acrescida pelo conhecimento de que Vargas p. 59

havia negociado ativamente, com a Alemanha nazista, a ajuda para a montagem de uma indústriasiderúrgica". 113. Em continuação à política de Boa-Vizinhança, em 1942,o governo de Washington enviou a Missão Cooke que fez um levantamento dos recursos brasileiros em função do planejamento de mobilização brasileira. Nessemesmo ano, em vista das necessidades norte-americanas de matérias-primas, em virtude da 2ª Guerra e da política de aproximação, foram celebrados os famosos Acordosde Washington. Assim como houve os acordos na área financeira, aconteceram os da área cultural. Em termos de Serviço Social, esses acordos significaram a mudançana sua prática com a importação de técnicas de Serviço Social de Casos de início, depois de Serviço Social de Grupo e de Comunidade. Quando os assistentes sociaisforam estudar nas universidades ãmericanas, o chamado Serviço Social de Casos era o mais desenvolvido. O Serviço Social de Caso recebeu, de início, uma influênciada Sociologia, mas é a Psicologia que fundamentará esse método; há preocupação com o indivíduo, suas emoções e sua personalidade. Isso sefez possível dado o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, o que não era e não é o caso do Brasil. Mas, como o Serviço Socialbrasileiro carecia de um aparato instrumental, o Serviço Social norte americano aparece como solução. E essa influência virá até nós pelasbolsistas, que foram estudar na América do Norte. Referindo-se a esse período, assim se expressa Carmelita Yasbeck: "A influêncianorte-americana está relacionada neste início, principalmente aos aspectos de instrumentação para o Serviço Social". 114. E acrescenta -mostrando a passagem da fase franco-belga para a americana - "E, em contraposição a um período pleno de conteúdos filosóficos, começaa impor-se uma fase de conteúdo técnico e metodológico. Um grande esforço, no sentido de racionalização da ação do Serviço Socialcomeça a se fazer notar". 115. [ 113. SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 68. 114. YASBECK, Maria Carmelita, Estudo da Evolução Histórica da Escola de Serviço Social de São Paulo no períodode 1936 a 1945, p. 58. 115. Ibid., p. 60. ] Com a vinda do Serviço Social americano vem para o Serviço Social brasileiro a perspectiva funcionalista. Essa perspectiva marca preponderantemente até hojeo Serviço Social no Brasil. O funcionalismo marcará sua presença através das Ciências Sociais com Durkheim, Malinovisk, Parsons e mais recentemente Merton. -

A CONVIVÊNCIA ENTRE OS POSTULADOS CRISTÃOS E NEOTOMISTAS E AS TÉCNICAS NORTE-AMERICANAS

De início, nas relações Brasil-Estados Unidos em termos de Serviço Social, teremos a importação das técnicas. A fundamentação do método e das técnicas nãoera lida e analisada. O que se buscava, p. 60

conforme depoimentos verbais de assistentes sociais que viveram esse período, era uma fundamentação em autores neotomistas ou de doutrina social da Igreja.Ainda segundo os depoimentos, havia traduções de livros referentes aos processos de caso, grupo e comunidade, mas nem sempre eram traduções do livro inteiro,mas apenas dos capítulos referentes às técnicas. É claro que gradativamente vai entrando também a visão funcionalista presente nos métodos e na maneira de empregaras técnicas. Embora gradativamente o funcionalismo ganhe corpo, constatamos, ao analisar os programas de filosofia de 48,6% das 37 escolas

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existentes no período de 1936 a 1970, a presença marcante do neotomismo até início da década de 60. A presença do neotomismo atéesse período se justifica pelo desenvolvimento que ele vai ter entre nós, no período de 50, com a influência de Jacques Maritain, pelapresença da UCISS e pela elaboração do tomismo nos Estados Unidos e Canadá, articulando seus pressupostos de Caso, Grupo e Comunidade. Para o desenvolvimento dotomismo na América do Norte, foi fundamental a presença de Maritain, que viveu longos anos nos Estados Unidos. Acreditamos que a influência funcionalista não foia única herdada dos Estados Unidos - embora possa ser predominante - recebemos também e concomitantemente uma influência neotomista fundamentando as técnicas encontradaspelo Serviço Social norte-americano. Para análise do neotomismo e da presença católica nesse período, utilizamos, entre outros, os seguintes artigos: "La nature et les príncipes fundamentauxdu Social Case-Work", de Swithum Bowers, O.M.L; "O ensino e a prática do Serviço Social de Casos em face do espírito cristão", de Nadir Kfouri (1956); "Serviço Socialde Grupo", de A. Izquierdo (1956) e "Serviço Social de Comunidade", de Helena Iracy Junqueira (1956) e a Tese de Doutoramento do Pe. Terence J. Cook sobre "A FilosofiaTomista en los princípios del Servicio Social de Grupo", publicada pela Revista de Servicio Social, Lima, em 1951.

A presença cristã e os processos de Caso, Grupo e Comunidade

Utilizaremos neste tópico os artigos de Nadir Kfouri, A. Izquierdo e Helena Junqueira, escritos para relatar uma pesquisa feita. a respeito do ensino, métodoe da prática em caso, grupo e comunidade. Nessa pesquisa, um aspecto fundamental foi analisar os três métodos e o espírito cristão. Cada uma das assistentes sociaisacima enviou um questionário para as escolas de Serviço Social. Os artigos que ora utilizamos foram publicados na Revista Serviço Social, nº 78, de 1956. Utilizamosa análise das questões que se referem aos métodos em face do espírito cristão. Quanto ao Serviço Social de Caso, vejamos alguns pontos. Inicialmente, Nadir Kfouri mostra que algumas escolas não aceitavam p. 61

o título dado ao método, pois argumentavam que "caso" estaria ligado ao anonimato e reduziria a pessoa a "coisa"; contrariando dessa forma os objetivos e intençõesdo Serviço Social de Caso. A autora acredita que essa argumentação é que fez com que os assistentes sociais canadenses dessem o título de "service social personnel"ao método. Sobre a questão dos "princípios em que a conceituação do método se assenta", vemos o seguinte: "O conjunto de escolas reconhece que o serviço social de casos,dentro de uma concepção cristã, tem por princípio primeiro o respeito à personalidade do cliente, enquanto este é uma pessoa e dotado de um destino sobrenatural.Logo, enquanto ser inteligente, livre e detentor de uma alma espiritual e destinado a uma transcendência da ordem temporal". 116. Com referência ao respeito à personalidadeque constitui o "embasamento do método de casos" e dos princípios que dele decorrem, existem escolas que "destacam os formulados pelo Padre SWITHUM BOWERS, O.M.L,em seu estudo "A Natureza e os Princípios do Serviço Social de Casos" e a saber: individualização, autodeterminação, não julgamento, aceitação, relacionamento".117. Com referência a esses princípios, os professores utilizam e orientam-se pelos escritos de Padre FELIX BIESTEX. [ 116. KFOURI, Nadir, "O Ensino e a Prática do Serviço Social de Casos em face do Espírito Cristão", Serviço Social, (78):110. 117. Ibid., p. 111. ] Com relação à bibliografia utilizada, Nadir Kfouri salienta o seguinte: "O livro de HAMILTOM GORDON, Theory and Pratice of Social Case Work, é reputado básicopelos professores na parte do ensino da técnica. Para a sua fundamentação, recorre-se ultimamente à série de publicações já citadas, dos Padres SWITHUM BOWERS eFELIX BIESTEX...". 118. O Serviço Social de Caso foi o primeiro a ser ensinado no Brasil, passando pela corrente sociológica e chegando à psicológica. A tarefade ligar as técnicas aos princípios cristãos, no dizer de Nadir Kfouri, não foi difícil, dado que o Serviço Social nos Estados Unidos se baseava em princípios democráticos,contudo "foi excelente a acolhida aos estudos realizados por pensadores católicos que - através da análise crítica e construtiva dos elementos constitutivos do métodoà luz dos princípios cristãos - ensejaram maior segurança ao trabalho paulatinamente elaborado pelos professores de nossas escolas". 119. [ 118. Ibid., p. 115. 119. Ibid., p. 111. ] Concluindo, Nadir Kfouri mostra que a maioria das escolas no Brasil eram de orientação católica e que, portanto, é possível afirmar que no Brasil - em 1956- o Serviço Social de Casos é aplicado dentro do espírito cristão. E partindo da colocação de Santo Tomás, que afirma ser preciso um mínimo indispensável de condições,afirma: p. 62

"que o emprego do método de serviço social de casos deve ser concebido como parte integrante de um amplo trabalho social em que as demais técnicas sejam utilizadashaja vista aquelas que contribuam para a organização social da comunidade. E se possa, destarte, desenvolver uma atuação realmente eficaz em benefício da criaturahumana, cujo bem-estar constitui em última análise a finalidade de todo trabalho social". 120. [ 120. Ibid., p. 115. ] Com relação ao Serviço Social de Grupo, A. Izquierdo, em seu trabalho sobre o assunto e na questão referente à relação entre o Serviço Social de Grupo eos princípios cristãos, constatou dois grupos de resposta: "Um que assimila osprincípios gerais da caridade e Justiça que informam todo trabalho social católico e outro respondeu referindo-se ao trabalho do Revdo. Pe. Cook no qual orientaos princípios cristãos. desta técnica por pontos absolutamente concordantes com a filosofia de Santo Tomás". 121. [ 121. IZQUIERDO, A., "Serviço Social de Grupo", Serviço Social, (78): 152. ] Outro ponto interessante incluído no questionário foi a relação do método de grupo com os princípios sobrenaturais do Corpo Místico de Cristo 122 e da Comunhãodos Santos. No dizer da autora "esses princípios podem ser para o Serviço Social de Grupo um estímulo fecundo e um símbolo maravilhoso e podem contribuir poderosamentepara levar o homem a obter a realização nesta terra do Reino de Deus". 123. [ 122. A autora enfatiza a importância da Doutrina do Corpo Místico de Cristo para o Serviço Social de Grupo. Esta posição da autora é de 1956, data em quepodemos perceber ainda a ênfase católica no Serviço Social. Essa doutrina parte da analogia com o corpo humano que tem uma cabeça e vários membros. Assim o CorpoMístico de Cristo tem muitos membros: os cristãos. Cristo é a Cabeça da Igreja, pois é seu fundador. É Ele que a sustenta e a faz caminhar. Ele dá a vida atravésdos Sacramentos. E na sua vida visível, a Igreja, esse corpo, é governado e dirigida pelo Papa, Vigário de Cristo. E esse corpo é Místico, porque contém a marcada natureza divina, pois Cristo-Deus é que a constituiu e santificou com seu Espírito. Dentro da Igreja, a presença de cada membro é considerada vital: o que cadamembro faz repercute no corpo todo. Daí seu caráter eminentemente comunitário. Dada essa dimensão comunitária é que essa doutrina é vista como básica para o ServiçoSocial de Grupo, pois no trabalho em grupo todos os elementos são importantes e devem cooperar para o seu bom funcionamento. A Doutrina do Corpo Místico de Cristoencontra em nosso século uma sistematização através da Encíclica Mystici Corporis Christi, de Pio XII. A encíclica foi escrita durante a 2ª Guerra Mundial, quandovárias nações estavam em luta e o Papa chama a atenção para os cristãos dessas nações que são membros de um mesmo corpo: a Igreja. 123. IZQUIERDO, A., "Serviço Social de Grupo", Serviço Social, p. 152. ] Vejamos agora o sentido cristão no Serviço Social de Comunidade, analisado por Helena I. Junqueira. Os princípios com relação ao conceito de Serviço Socialde Comunidade são: A doutrina da pessoa humana, da comunidade e do bem-comum. Princípios com relação ao método: algumas escolas não vêem distinção entre católicos p. 63

e não católicos. Outras salientam que o trabalhador social "deverá animar seu trabalho pela justiça social e caridade social, além da responsabilidade profissionale de cidadão". 124. [ 124. JUNQUEIRA, Helena I, "Serviço Social de Comunidade", Serviço Social, (78):171-172. ] A comunidade é vista como meio para o desabrochar, para o desenvolvimento da pessoa humana, a fim de que ela possa atingir seu fim sobrenatural. E para quea comunidade melhore, é importante que se viva a doutrina do Corpo Místico de Cristo. E a Igreja é vista como modelo de comunidade. Os cristãos no Serviço Socialde Comunidade devem empenhar-se para que se concretize a "doutrina social da Igreja no esforço de reforma social". Devem assumir um trabalho de vanguarda, bem como"respeitar as tradições e convicções de um povo", quando este é de formação cristã e trabalhar para o crescimento deste processo de Serviço Social "à base da paróquia". E finalmente Helena Junqueira mostra que, no exercício do Serviço Social de Comunidade, em face de doutrinas contrárias à visão cristã, os assistentes sociaisdevem orientar-se da seguinte forma: "- Tomada de consciência dos problemas e da posição do católico. - Estudo mais profundo da doutrina social da Igreja em face dos problemas básicos da vida econômica e política, bem como o conhecimento seguro das realidadesda sua comunidade, procurando viver com ela. - Aperfeiçoamento dos métodos e técnicas de ação. - Reforçar a vida paroquial colaborando com o desenvolvimento do serviço social paroquial". 125. [ 125. Ibid., p. 173. ]

O Serviço Social de Grupo e o neotomismo

O trabalho que aborda a relação Serviço Social de Grupo e Filosofia Tomista - e que serviu de orientação para muitos profissionais - foi a tese de doutoramento

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do Pe. Terence J. Cook. Este autor levantou alguns princípios básicos de Serviço Social de Grupo, em seguida testou-os através de entrevistas com grupos de assistentessociais e depois analisou esses princípios à luz de Santo Tomás. O primeiro princípio: "Todos os indivíduos têm necessidades humanas comuns que tratam de satisfazer em grupo". Este princípio se clarifica com o principiotomista "O homem é naturalmente um animal social". O homem necessita viver para os outros e não somente para si. O segundo princípio: "O objetivo primário do Trabalho Social de Grupo é o desenvolvimento do indivíduo por meio do grupo em p. 64

que algumas das necessidades são satisfeitas e. o desenvolvimento do indivíduo e do grupo". Este princípio só foi entendido após a análisedos conceitos tomistas de "pessoa humana, da natureza da sociedade e a natureza do bem-comum tal como se aplica no grupo social". O grupo social está acima do indivíduo,ele existe primeiro para o bem-estar de todos os membros do grupo e em segundo lugar para o bem do indivíduo. O terceiro princípio: "No processo de Trabalho de Grupo a dinâmica interação entre os membros do grupo e o trabalhador e o grupo é o meio primário de crescimentopessoal, mudança e desenvolvimento". Com relação a este princípio foi a "teoria da matéria e da forma, a metafísica de relações e a perfeição da personalidade humana"que ajudou a entendê-lo melhor, bem como perceber o essencial do Trabalho de Grupo. A filosofia tomista nos esclarece que o membro do grupo é fator de mudança dogrupo e, por conseqüência, das mudanças sociais. E finalmente Pe. Cook analisa o "programa e assistência voluntária. O conceito tomista de grupo social como unidade de ação reafirma plenamente a importânciado programa". 126. [ 126. Os princípios apontados foram todos transcritos do trabalho do Pe. Terence J. Cook, "La Filosofia Tomista en los Princípios del Servicio Social delGrupo", Servicio Social, 9(9):103-109. ] Pe. Cook, num longo trabalho e através de uma vasta bibliografia, demonstrou a ligação entre "a filosofia tomista e os princípios do Serviço Social de Grupo".E na bibliografia utilizada, além dos livros de Santo Tomás, dos comentadores da filosofia em pauta, encontramos livros que articulam a psicologia, a educação eo trabalho social e o tomismo. O que demonstra a fecundidade do tomismo nesse período da história americana. Indicamos em nota abaixo alguns desses livros. 127. [ 127. Aqui colocamos apenas os dados bibliográficos. No seu trabalho, Pe. Cook faz uma pequena resenha de cada um. BRENNAN, O. P. Robert Edwar, Thomistic Psychology, Nova York, Macmillan Company, 1941. COX lohn F. A., A Thomistic Analysis of The Social Order, Wash., D. C., Catholic University of America Press, 1943. DUZY, Brote Stanislaus E., Philosophy of Social Change According to the Principies of Saint Thomas, Wash., D. C., Catholic University of America Press, 1944. FISKER, S. A. Luke Francis, A Study in Social Philosophy, Wash., D. C. HOBAN, James Henry, The Thomistic Concept of Person and Some of its Social Implications, Wash., D. C., Catholic University of America Press, 1939. MURPHY, E. F., Saint Thomas Political Doctrine and Democracy, Wash., D. C., Catholic University of America Press, 1921. WOLFE, Sister Mary of Are., The Problem of Solidarism in St. Thomas, Wash., D. C., Catholic University of America Press, 1939. SMITH, O. P. Ignatius, Saittt Thomas Aquinas and Human Social Life, Wash., D. C. Catholic University of America Press, 1945.Classnotes from Social Philosophy of St. Thomas Aguinas, 1947-48, National Catholic School of Social Service. ] p. 65

Com relação a esse estudo de Pe. Cook, concluímos com palavras suas: "A sabedoria que flui da perene filosofia de Santo Tomás tem sido de imenso valor nesteestudo. A filosofia social tomista é um guia para o trabalho e a prática do Trabalho Social de Grupo". 128. [ 128. COOK, Pe. Terence J., "La Filosofia Tomista en los Princípios del Servicio Social del Grupo", Servicio Social, 9(9):103. ] p. 66

CAPÍTULO II

SERVIÇO SOCIAL E O DESENVOLVIMENTO

INTRODUÇÃO

No primeiro capítulo deste trabalho, abordamos as relações entre o Serviço Social e a ideologia católica, a influência do tomismo e do Serviço Social europeu.Ficou evidente que o Serviço Social no Brasil se fez sob a inspiração e controle da Igreja Católica e que o neotomismo foi o inspirador de sua visão de pessoa humanae de mundo, que permanece até hoje, não com a mesma intensidade. Neste 2º capítulo, vâmos estudar um novo elemento de conotação ideológica no Serviço Social, que é o desenvolvimentismo. Esta ideologia marcou e marcanossa história brasileira e, conseqüentemente, o Serviço Social. Este se ligará ao movimento de desenvolvimento de comunidade através do Serviço Social de Comunidade(que teve outros nomes: Organização de Comunidade, Ação Comunitária, Desenvolvimento de Comunidade e Desenvolvimento e Organização de Comunidade), que também veiodos Estados Unidos. Neste capítulo, vamos procurar basicamente mostrar a presença dessa nova perspectiva ideológica no Serviço Social, procurando articular fatose acontecimentos de nossa história e a do Serviço Social. Aspecto que nos parece relevante para o entendimento do objeto de nosso trabalho. Para entendermos o Desenvolvimento de Comunidade no Serviço Social, necessário se faz caracterizar algumas posturas, bem como precisar algumas datas limite.Quanto ao surgimento e à evolução do "Desenvolvimento de Comunidade" no Serviço Social, o Documento de Araxá a divide em 4 fases: a) experiências de Organizaçãode Comunidade em moldes norte-americanos; b) experiências isoladas voltadas apenas para melhoria imediata das condições de vida; c) reconhecimento de atender asproblemáticas estruturais; d) participação popular no processo de desenvolvimento através de programas p. 67

vinculados com o governo'. Precisando essas etapas em termos de datas, podemos ver acontecer em nossa história as duas primeirasfases, no período de 1945 a 1955. Em 1945, ainda na implantação do processo de "Serviço Social de Caso ", começam já pequenasexperiências em comunidade, e o mais importante é que o governo toma certas medidas que levarão mais tarde à implantação deDesenvolvimento de Comunidade. A terceira fase aconteceu entre 1956 e 1964, para sermos mais precisos, no final da década de 50 até 1964. 1956 é o início do governo de Juscelino Kubitschek, que vai deliberadamente assumir a postura desenvolvimentista e, em 1964, háruptura da mobilização popular, com o golpe militar. A quarta fase vai acontecer após 1964 e, com mais ênfase, a partir de 1968. Existemoutras formas de periodizar a questão do Desenvolvimento de Comunidade em Serviço Social. Salientamos aqui a divisão feita por MariaDulce de Moura Beleza, em sua Dissertação de Mestrado sobre "Tendências atuais do Ensino de Serviço Social de Comunidade no Brasil". [ 1. Debates Sociais, "Documento de Araxá", 3(4):21-22. ]Ela assim divide: 1) 1944 a 1953: nesse período temos a introdução da disciplina de Organização de Comunidade no currículo da Escolade Serviço Social de São Paulo e, conseqüentemente, no Serviço Social brasileiro. Nesse momento, a influência norte-americana émarcante. 2) 1954 a 1967: nessa fase, os assistentes sociais começam a tomar consciência da realidade brasileira e realizam um esforço deintegração no processo de desenvolvimento nacional. Discussão em torno de como denominar sua intervenção em comunidade:Desenvolvimento de Comunidade? Desenvolvimento e Organização de Comunidade? Serviço Social de Comunidade? Em 1954 aconteceu umaConvenção da ABESS onde essa discussão aconteceu. Nos acontecimentos brasileiros, temos o fim de nossa experiência fortementenacionalista com a morte de Vargas e o início do chamado modelo associado. Temos também a presença do desenvolvimentismo comJuscelino Kubitschek. Em termos de Serviço Social, inicia-se o chamado movimento de reconceituação com o Seminário de Teorizaçãodo Serviço Social, em Araxá. 3) 1968 em diante: fase de reconceituação no Serviço Social brasileiro e o engajamento dos assistentes sociaisna política social do governo. Colocaremos agora, para maior clareza, definições de Organização de Comunidade (OC), Desenvolvimento deComunidade (DC), Desenvolvimento e Organização de Comunidade (DOC) e Serviço Social de Comunidade (SSC). No decorrer dosanos, várias definições foram sendo elaboradas, mas acreditamos não ser útil explicitá-las aqui. Limitamo-nos a apresentar asdefinições assumidas pelo Documento de Araxá. Vejamos: Organização de Comunidade: "OC é o processo no qual uma comunidadeidentifica suas necessidades ou objetivos, as ordena e hierarquiza, desenvolve a confiança e vontade de trabalhar sobre essas necessidades p. 68

ou objetivos, encontra os recursos internos ou externos para tratá-los e estimula novas atitudes e práticas de cooperação mútua". Desenvolvimento de Comunidade:"processo através do qual os esforços do próprio povo se unem com os das autoridades governamentais, com o fim de melhorar as condições econômicas, sociais e culturaisdas comunidades, integrar essas comunidades na vida nacional e capacitá-las a contribuir plenamente no progresso do país". Desenvolvimento e Organização de Comunidade:"processo que consiste na intervenção deliberada e metódica de um agente técnico (uma equipe) que utiliza o processo natural de mudança, provocando-o, acelerando-o,orientando-o, visando a obter a melhoria de vida e amadurecimento da comunidade, mediante ativa participação e trabalho cooperativo de seus membros". Serviço Social,

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de Comunidad: "processo que consiste na mobilização, articulação e orientação dos esforços dos indivíduos e grupos de uma comunidade para dotá-la dos recursosindispensáveis ao bem-estar e progresso de seus próprios membros, mediante ação cooperadora". 2. Temos diferentes posturas dos assistentessociais nesses períodos. A primeira postura, que sempre esteve presente, é a que tem uma visão acrítica da realidade, que vê acomunidade como uma unidade consensual, onde não há lugar para as contradições. Esta posição está alinhada com o grupo dominanteda sociedade. Historicamente aconteceu desde o início do Desenvolvimento de Comunidade no Serviço Social até nossos dias. A segundapostura é marcada por uma visão mais ampla das questões do desenvolvimento por mudanças estruturais da sociedade. Mas as mudançassão no sentido de melhorar o próprio sistema capitalista. Essa postura aconteceu à partir de 1960. A terceira postura é assumida poralguns profissionáis que se comprometeram com as classes subalternas e se colocaram a seu serviço. Percébém os antagonismos dentro dasociedade e assumem a luta de transformação das estruturas. Esta postura basicamente aconteceu de 1960 a 1964. E hoje, com oprocesso de mobilização popular, os assistentes sociais têm condições de novamente rever suas posições. [ 2. Debates Sociais, "Documento de Araxá", 3(4):48-50. ]

ONU - A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O DESENVOLVIMENTO

A questão do desenvolvimento entre nós como nos outros países subdesenvolvidos, passou Ja ter uma significação maior a partir dosurgimento da ONU - Organização das Nações Unidas. Ao surgif em 1945, nasce voltada principalménte para resolver os problemasdos países arruinados pela guerra. Trata-se de desenvolver um trabálho de reconstrução e de resolver os problemas de abastecimentodesses países. Ao mesmo tempo, foram necessárias medidas para p. 69

reorganizar e vitalizar o sistema econômico internacional, sobre a base do pleno emprego nos países industrializados. Dois ou três anosapós a criação da ONU, os problemas das nações pobres começam a aparecer nas assembléias gerais, bem como essas nações começama perceber que os problemas dos países subdesenvolvidos não estão na reorganização dos países industrializados. Nesse período, há umesforço por parte dos diferentes organismos da ONU -- de oferecerem aos países subdesenvolvidos assistência técnica e financeira. Ao ladodessas colaborações, temos o surgimento de programas dos países desenvolvidos no sentido de ajuda aos países pobres, entre eles: oPrograma Ponto IV dos Estados Unidos e o Plano Colombo na Inglaterra. Esses programas, bem como o trabalho da ONU, inserem-se na perspectiva de "preservar o mundo livre" de ideologias não democráticas. Partem do pressupostode que as populações pobres têm maior receptividade ao comunismo. Então é preciso melhorar e desenvolver o sistema capitalista. Daí a busca de estratégias, umadas quais será a implantação de programas de Desenvolvimento de Comunidade. Na década de 50, a ONU cria vários organismos que irão assumir com clareza a questão do desenvolvimento. Entre eles, temos a criação da "Divisão de AssuntosSociais" e a "Unidade de Desenvolvimento de Comunidade", já em 1950, data em que a "Comissão de Assuntos Sociais do Conselho Econômico Social" incluiu em seu programade trabalho temas como "A Organização de centros rurais para motivar a própria comunidade" e "As contribuições oferecidas pelas Organizações de comunidade locaispara ajudar a seus habitantes na solução de seus problemas". Além de estudos, a ONU deu assistência técnica aos governos que a solicitaram, no sentido de como incentivara participação nos programas, nas áreas de educação fundamental, informação agrícola, saúde e organização de cooperativas por parte da população a ser atingida.Segundo Maria Lúcia de Carvalho, a década de 50 será o período "de criação e implantação, em escala internacional e de forma sistemática, dos primeiros planos eprogramas de desenvolvimento de comunidade". 3. Nesse momento, várias são as conceituações de desenvolvimento. A ONU assim o define: "Esforços da população aliadosaos do governo, para melhorar a situação econômica, social e cultural das comunidades, integrá-las na vida da nação e torná-las capazes de contribuir decisivamentepara o progresso nacional. Esta maneira de proceder se compõe de dois elementos essenciais: participação do povo para elevação de seu nível de vida, baseada na suaprópria iniciativa e fornecimento de assistência técnica e de outros serviços para desenvolver esta iniciativa; a ajuda mútua e a assistência podem ser p. 70

expressas em programas visando grande variedade de campos de melhoramentos". 4. É também durante essa década que a ONU volta-se para o Serviço Social como instrumentono processo de Desenvolvimento de Comunidade. Essas relações entre Desenvolvimento de Comunidade e ONU e Serviço Social e ONU farão com que "a preoculpação do ServiçoSocial brasileiro com Desenvolvimento de Comunidade atrele-se a um movimento de âmbito internacional. [ 3. SILVA, Maria Lúcia de Carvalho da, Evolução do Conceito de Desenvolvimento de Comunidade no período de 1965/1970, na Sub-Região do Cone Sul da AméricaLatina, p. 49. 4. ONU, 20º Relatório da Comissão Administrativa. Apud VIEIRA, Balbina Ottoni, História do Serviço Social, p. 118-119. 5. AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 33. ] Na América Latina, as proposições da ONU serão assumidas e repercutirão através da CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina.

O DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE DE 1945 A 1953

DESENVOLVIMENTO E OS GOVERNOS DE-DUTRA (1945-50) E O DE VARGAS (1950-54)

A industrialização brasileira começa a se impor de maneira hegemônica a partir de 1930, mas será a partir da década de 50 que seu crescimento se acelérará.Nesse período, industrialização e desenvolvimento econômico se equivalem. A questão do desenvolvimento social é colocada em plano secundário. No final da décadade 40 e início da de 50, começam as discussões sobre as fórmulas em relação ao desenvolvimento e qual delas seria melhor para o Brasil. Três fórmulas estavam emdiscussão: 1) neoliberal: "baseava-se na suposição de que os mecanismos de preços deveriam ser respeitados como a determinante principal da economia. 6. Esta correnteera seguidora dos princípios ortodoxos. O capital estrangeiro é bem-vindo. O representante desta corrente é o economista Eugênio Gudin; 2) desenvolvimentista-nacionalista:esta corrente postula a industrialização, através de uma economia mista, para romper os pontos de estrangulamento. Aceitam o capital estrangeiro, mas com severocontrole. Recebeu influência da CEPAL. Foi a posição mais disseminada; 3) nacionalismo radical: preconiza uma mudança radical da sociedade. Aponta os países desenvolvidoscomo causa dos subdesenvolvidos. Industrialização sob forte controle estatal. Essas discussões que começam no final do governo Dutra se devem, entre outros fatores,à "industrialização espontânea" e ao Relatório Abbink. A industrialização de 1947 a 1950 se deveu à política cambial assumida por Dutra para resolver outros aspectosda economia. E o Relatório Abbink é fruto da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, criada dentro da política de "ajuda" dos norte-americanos. Em 1948, essa p. 71

comissão é instalada e recebeu poderes para análise da economia brasileira, visando a descobrir quais as variáveis que ajudam ou atrasam o desenvolvimento econômico.Em 1949, vem a público o relatório da Comissão com posições neoliberais, refletindo as posições dos chefes da Comissão Abbink e Bulhões. O Relatório foi contestadopor jovens economistas - entre eles Celso Furtado - o que deu abertura para polêmicas futuras entre monetaristas e estruturalistas. No início de 1947, o GovernoDutra cria um programa de controle de gastos públicos: o Programa SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). [ 6. SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. I 18. 7. WIRTH, John D., A Política do Desenvolvimento na Era de Vargas. p. XVII. ] Uma questão 'que marcará o período final do Governo de Dutra é a do petróleo. A discussão do petróleo reavivará um aspectopresente na política brasileira a partir de 30 e que será determinante no Governo Vargas em 1951: o nacionalismo. Este influenciaráfortemente os debates em torno do petróleo e do capital estrangeiro em nossa economia, apesar da presença norte-americana na vidabrasileira. Em fevereiro de 1947, o presidente Dutra designa uma Comissão para elaboração de um novo plano de petróleo. Em outubroestava pronto o projeto que implicava a participação de concessionárias estrangeiras. Houve reação da opinião pública. Criou-se oslogan: "O petróleo é nósso". As discussões tãmbém aconteceram no Clube Militar entre os generais Júlio Caetano Horta Barbosa eJuarez Távora. Horta Barbosa, profundamente nacionalista, conseguiu catalisar as opiniões. Criaram-se Centros de Estudos e Defesado Petróleo (CEDEP), a favor do monopólio estatal, e outras várias organizações. Esta pressão levou à queda do Estatuto proposto pelogoverno. No governo Vargas, a questão da criação da Petrobrás congrega todos os segmentos da sociedade em função de uma soluçãonacionalista em detrimento do capital estrangeiro. Vargas, apesar de ver com bons olhos o capital estrangeiro, manteve uma posiçãonacionalista. Esta posição aparece também na ênfase que dá à industrialização. Seu apoio à indústria vem desde o Estado Novo, onde oEstado se torna-instrumento da burguesia nacional. Em 1951, com Vargas novamente no poder, "decisão básica de industrializar o paísse mostrou inequívoca, passando o nacionalismo econômico a exercer importante influência sobre os programadores e a funcionar comoelemento central na cultura política do povo"'. A questão do nacionalismo implica também o problema do capital' estrangeiro. Vargasnesse ponto soube utilizar-se da opinião pública que nutria sentimentos contrários ao capital estrangeiro para atacá-lo. Em janeirode 1952, temos um decreto de limite na remessa de lucros. A mudança de governo norte-americano, de Truman para Eisenhower,

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também criou problemas de relacionamento, pois o novo presidente não via necessidade de medidas especiais para a América Latina. p. 72

Essa posição internamente fortaleceu o nacionalismo radical. Também as críticas dos Estados Unidos pela alta do café, em 1953, irritaram os brasileiros. E a políticade Vargas com relação ao petróleo tornou as relações mais drásticas. Dentro dessa perspectiva nacionalista, estão o Estado e as massas envolvidas na instalação da Petrobrás, bem como na criação de diretrizes do Comércio Exterior,da Eletrobrás, do BNDE etc. A nacionalização dos recursos e a criação de indústrias de base mostram a política independente de Vargas. E esse processo de desenvolvimentose dá sob rupturas parciais com o setor externo. A relação com o operariado contará com as bases que Vargas havia montado no Estado Novo. E a classe operária continuaráa ser explorada pelo paternalismo de Vargas. Nesse período houve uma "consciência de massa" e não "consciência de classe". Vargas procurou sempre a conciliação onde o consenso prevalecia sobre o conflito. Teve uma política de ambigüidade. Essa ambigüidade esteve presente na políticainterna e na externa. No início de seu governo, teve uma postura ortodoxa com relação ao desenvolvimento econômico, utilizando-se das análises feitas pela MissãoCooke e Abbink e do Plano SALTE. É no caminhar de seu governo que o caráter nacionalista foi sendo assumido. Entre as três fórmulas para o desenvolvimento, a posiçãode Vargas, no início de sua gestão, aproxima-se da neoliberal, caminhando depois para o desenvolvimentismo-nacionalista. Diante dos problemas, Vargas procurou sempreatacar os de solução a curto prazo e não foi um grande inovador, mas soube aproveitar cada momento. A respeito dessa colocação, Wirth afirma: "raramente propunhanovas questões, como a construção de uma siderúrgica, a salvaguarda de recursos naturais, a proteção ao trabalho e conseqüente solução do "problema social", a conquistado interior ou a implantação de uma indústria petrolífera. Mas identificava prontamente sua personalidade política com as idéias correntes e irradiava uma confiançano futuro econômico do Brasil..." 8. [ 8. Ibid., p. XVII. ] No início da década de 50, surge um conceito, para explicar a existência de países desenvolvidos e subdesenvolvidos, chamado "Conceito Linear". Esse conceitoexpressa que os países se acham num continuum, isto é, os diversos países encontram-se em linha, e a diferença entre eles é quantitativa. Uns estão num estágio maisavançado e outros mais atrasados. A questão é de tempo, todos alcançarão o desenvolvimento pleno. O indicador básico para demonstrar a posição no continuum é a rendaPer capita. O desenvolvimento, portanto, é processo de crescimento. Este conceito não explica o fenômeno da existência de uns desenvolvidos e muitos subdesenvolvidos, p. 73

pois não mostra a origem da renda e nada diz da sua distribuição, pois no fundo é um artifício estatístico. Este conceito dá a entender que os países, hojedesenvolvidos, foram subdesenvolvidos e chegaram ao desenvolvimento, e, portanto, os atuais países subdesenvolvidos poderão superar os estágios de subdesenvolvidose chegarem ao desenvolvimento. É uma questão de tempo, e mais, de trabalho e esforço. E esta visão reforça, para os países subdesenvolvidos, a ideologia de que épreciso tudo fazer para crescer e assim chegar a um estágio de capitalismo maduro como o dos Estados Unidos ou dos países da Europa Ocidental. Ela mascara a "ajuda",a "proteção" dos países ricos para os pobres. Fala-se em "bem-estar", sem que haja uma definição clara e precisa. Essa ausência de clareza esconde a dominação dospaíses desenvolvidos sobre os subdesenvolvidos, bem como esconde a dominação e exploração a nível interno do país, das classes dominantes sobre as dominadas.

O SERVIÇO SOCIAL NOS GOVERNOS DUTRA E VARGAS

É dentro da discussão sobre as fórmulas de desenvolvimento e do processo de industrialização que o Serviço Social, no seu processo de intervenção com a comunidade,ganha corpo na profissão do assistente social. O trabalho- do Serviço Social na área de Desenvolvimento de Comunidade no Brasil foi conseqüência dos programas da ONU, bem como dos vários acordos feitosentre o Brasil e Estados Unidos. Por conseqüências de acordos no primeiro qüinqüênio da década de 40, assistentes sociais foram estudar nos Estados Unidos e entreelas Helena Junqueira. Voltando, começa a trabalhar na área e introduz, em 1944, na Escola de Serviço Social de São Paulo a cadeira de Organização de Comunidade.A autora, em entrevista para Carmelita Yasbeck, afirma: "Desenvolvimento de Comunidade foi introduzido depois que eu fiz o meu curso nos Estados Unidos da América.Não existia no currículo. E assim fomos introduzindo e verificando o seguinte: tínhamos uma base satisfatória do ponto de vista filosófico, concepção, mas estavammuito defasadas quanto à instrumentação. Então neste período a metodologia representou algo fundamental na evolução do Serviço Social". 9. Em 1946, começa a existirOrganização de Comunidade, na Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro. E, em 1948, a ABESS em convenção propõe a introdução de Organização de Comunidade nas escolasfiliadas. Outro acordo, em 1945, sobre educação rural entre o Ministério da Agricultura e a Inter-American Educacional Foundation, Inc., é um marco da presença doDesenvolvimento de Comunidade no Brasil. Dele surgiu a p. 74

Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais - CBAR. Outro acordo é celebrado com o Ministério da Educação visando à educação industrial; delenasceu a CBAI. 10. [ 9. JUNQUEIRA, Helena Iracy, in YASBECK, Carmelita, Estudo e Evolução Histórica da Escola de Serviço Social de São Paulo no período de 1936 a 1945, p. 77. 10. Cf. AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 30-31. ] No início do governo de Vargas, temos o começo de uma experiência em desenvolvimento de comunidade na zona rural, que foi a Missão Rural de Itaperuna, noRio de Janeiro. É um marco importante. Nasceu da realização, em 1949, do "Seminário Interamericano de Educação de Adultos". Essa experiência de Itaperuna contoucom assistentes sociais, os quais partiram da ótica de que as populações eram "desajustadas" e era preciso "integrá-las", "adaptá-las" à sociedade. Vemos na época,em programas das escolas de Serviço Social, "referências a conceitos de "normalidade" e "anormalidade", "ajustamento" e "desajustamento". 11. Essa visão de integraçãonão levava em conta as contradições e desiguáldádes da sociedade. Ela conota uma visão acrítica e aclassista. Os assistentes sociais não puderam perceber as contradições,uma vez que sua formação nessa época enfatizava que a sociedade é harmônica e que existem apenas alguns "desajustes". E era a visão sustentada por Vargas que semprebuscou o consenso entre as classes. Apesar dessa experiência, a maioria dos assistentes sociais eram ainda insensíveis aos programas de Organização de Comunidade.A realização de atividades da UPA - União Pan-Americana - conseguiu sensibilizá-los. Vários seminários e conferências realizaram-se nesse período. Podemos salientaros seguintes: em 1951, tivemos em Porto Alegre um seminário sobre Desenvolvimento de Comunidade promovido pela O.E.A. - Organização dos Estados Americanos, poisesta adere e assume as recomendações da ONU; em 1952, em, Madras, na índia, aconteceu a Conferência Internacional sobre Desenvolvimento e, em 1953, a ONU realizouo Seminário de Bem-Estar Social, na Universidade Rural do Brasil. Nesse seminário começa-se a discussão em torno da criação do Serviço Social rural, embora sua presençamarcante ocorra a partir de 1960. Antes do surgimento do Serviço Social rural, tivemos a presença da intervenção a nível de comunidade na zona rural, através dasMissões Rurais. Essas Missões partiam do pressuposto de que uma "educação de base" seria a forma de integrar os "marginalizados" e suprir o "atraso cultural" dopovo da zona rural e, como o Serviço Social rural, esqueceram-se dos antagonismos de classe: para discutir os problemas das comunidades, reuniam-se latifundiários,diaristas e meeiros etc. 12. O trabalho com o. povo da zona rural era no sentido de integrá-lo ao sistema, pois como um setor "disfuncional", coloca em risco a harmoniae o equilíbrio da sociedade. Esta ótica é enfatizada p. 75

pelos técnicos dos organismos internacionais e esta preocupação está presente no governo de Vargas, no sentido de superar os "setores atrasados". É a partirdo trabalho com as populações rurais que teremos a primeira obra em Desenvolvimento de Comunidade publicada no Brasil em 1952. Trata-se de uma publicação do Ministérioda Agricultura em que analisa uma experiência de trabalho em comunidades rurais. Até essa data toda literatura utilizada pelos profissionais era dos Estados Unidos.A partir daí outras publicações virão na década de 50. A obra do Ministério da Agricultura foi escrita a partir da experiência de Itaperuna, e está voltada paraanálise da comunidade local sem a perspectiva de uma visão mais ampla de comunidade. Segundo Safira Ammann, os pressupostos dessa primeira obra se assentam no positivismocomteano. [ 11. VIEIRA, Balbina Ottoni, História do Serviço Social, p. 144. 12. Cf. AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 55. ]

DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE DE 1954 A 1967 PERÍODO DE 1954 A 1960

Final do Governo de Vargas e o Governo de Café Filho

Colocamos já as características básicas do governo de Vargas. Salientaremos aqui apenas alguns pontos do final de seu governo. Já na metade de 1954, as tensõessociais são grandes, decorrentes da inflação, da política nacionalista e das críticas da oposição. Em 1954, esses aspectos se acentuam. A política nacionalista deVargas inquietava a classe média, membros das Forças Armadas e outros setores da sociedade. A oposição, marcadamente a UDN, assumiu uma campanha frontal contra Vargas,denunciando aliança com os peronistas, seu desejo de continuar no poder através de um golpe e responsabilizando-o pela inflação do país. Além da UDN tinha contrasi toda, a grande imprensa. Em 1953, nomeou um ministério que pudesse elaborar e executar uma política de estabilidade. Buscou nesse período cortejar a classe trabalhadorae para isso nomeou João Goulart para o Ministério do Trabalho. Em 1954, as tensões aumentam, existem greves, os coronéis e tenente-coronéis lançam manifesto pedindo

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equipamentos e salários e aumenta a desconfiança das Forças Armadas e da burguesia nacional. Nesse período Vargas radicaliza sua posição nacionalista; seus discursosnessa perspectiva aumentam, buscando com isso encontrar apoio nas medidas antiinflacionárias que vinha tomando. Mas as saídas de Vargas não resolviam os problemase o conseqüente aumento das tensões, as pressões, fazem com que ele se suicide em agosto de 1954. É nesse período que o Serviço Social, através da Lei nº 1.889, de 13/06/1953, tem seu ensino regulamentado e as prerrogativas dos portadores de diplomasde assistentes sociais explicitadas. Em 1954, o governo de Vargas, através do Dec. 35.311, de 08/04/1954, regulamentou a Lei nº 1.889/53. Nesse período, como vimos,há uma p. 76

série de conflitos na vida nacional. No dizer de Walderez Miguel, "esses elementos podem participar na explicação da expectativa do puder político' em face da instituiçãoeducacional - instrumento de manipulação: criar ambiente esclarecido que proporcione a solução adequada dos problemas sociais, propagando os conhecimentos e técnicasrelativas ao Serviço Social. Assim os valores inculcados viriam criar as condições favoráveis ao controle dos conflitos que estão trazendo 'disfuncionalidade' nosistema nesse momento da historia brasileira". 13. [ 13. MIGUEL, Walderez Loureiro, O Serviço Social e a Promoção do Homem - Um Estudo de Ideologia, p. 60. O grifo é da autora. ] Após a morte de Vargas teremos um período de transição até a posse de Juscelino Kubitschek. No período de 1954 a início de 1956, tivemos três presidentes:Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos. Café Filho, ao assumir a presidência, viu seu governo "como um regimeinterino, que tinha a responsabilidade primordial de continuar a estabilidade econômica e presidir à eleição de seu sucessor constitucional". 14. Do ponto de vistada economia, o governo tinha dois problemas a enfrentar: a inflação e déficits de pagamentos externos. [ 14. SKIDMORE. Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 182. ] Café Filho montou um ministério para dar continuidade ao programa de estabilidade de Vargas. Seus membros assumiam uma postura marcadamente ortodoxa. OMinistro da Fazenda foi Eugênio Gudin, representante da postura neoliberal. O presidente da SUMOC foi Octávio Gouveia de Bulhões. O Ministro da Fazenda esteve nosEstados Unidos em reunião do Banco Mundial e do FMI e procurou convencê-los do programa antiinflacionário que pretendia desenvolver. Depois de um tempo à frentedo Ministério, renunciou devido a concessões feitas por Café Filho, prejudicando sua política de estabilidade. Apesar de toda a característica de transitoriedadedo governo nesse período, uma medida de longo alcance foi tomada no início de 1955: um decreto favorecendo o capital estrangeiro. Foi o fim da postura nacionalista.A partir desse momento, o caráter de dependência aumenta. Tratou-se da abertura "dos portos às nações amigas". Essa decisão veio através da instrução 113 da SUMOC,"favorecendo os investidores estrangeiros, aos quais seria permitido importar equipamentos industriais para produção de bens, sendo dada uma classificação prioritáriapelo governo. Essa abertura ao capital estrangeiro foi o resultado da firme convicção do Ministro da Fazenda, Gudin, sempre defendida no passado, de que o Brasil tinhagrande necessidade de investimentos estrangeiros e deveria ser complacente dando aos mesmos incentivos especiais". 15. Essa atitude irritou aos nacionalistas. [ 15. Ibid., p. 202. ] p. 77

O Governo de Juscelino Kubitschek e o Desenvolvimentismo

Como já apresentamos até aqui, o Serviço Social vem assumindo gradativamente sua presença no projeto de desenvolvimento nacional. Mas será a partir do finaldo governo de Juscelino Kubitschek e principalmente de 1960 a 1964, que o Serviço Social ocupará significativa presença no projeto nacional assumindo a ideologiadesenvolvimentista. Para isto, contribui fundamentalmente a postura assumida pelo governo de Juscelino Kubitschek. Para entendermos a posição do Serviço Social brasileiroa partir dos anos 60, apresentaremos agora as características básicas do referido governo. Juscelino Kubitschek assume a presidência em 1956 e inicia um período marcante na história brasileira, pois pela primeira vez um governo assume deliberadamentea tarefa de ser instrumento da industrialização. A campanha política de Juscelino tinha-se pautado na ênfase sobre desenvolvimento com industrialização. É com Juscelinoque o desenvolvimento econômico acelerado teve início. Esse fato se dá dentro do contexto internacional e da ideologia desenvolvimentista de evitar nos países subdesenvolvidosa presença do comunismo. Segundo Bresser Pereira, três fatos explicam a intervenção deliberada na industrialização: 1) Juscelino Kubitschek foi eleito pelas mesmasforças de 30 e que tinham como posições gerais o nacionalismo, o industrialismo e eram intervencionistas moderados; 2) a personalidade do presidente; 3) o presidentesoube atrair uma equipe de economistas e outros técnicos que tinham recebido influência da CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e que receberam comotarefa elaborar o Plano de Metas. Juscelino Kubitschek, em matéria de desenvolvimento econômico, assumiu a postura do nacionalismo-desenvolvimentista, tendo também já perspectivas do desenvolvimentoassociado. A fase de Juscelino Kubitschek será uma nova etapa no processo de substituições de importações, dando incentivo às indústrias de bens de consumo, às indústriasautomobilísticas. [ 16. Cf. PEREIRA, L. C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil. p. 49. ] A grande meta de Juscelino foi o desenvolvimento. E para concretizá-la, criou um clima de confiança, fez apelo aos capitais nacional e estrangeiro, deu aeste incentivos especiais e procurou eliminar os pontos de estrangulamentos estruturais através de programas de investimentos, principalmente nas áreas de transportee energia. Escolheu como símbolo de seu governo a construção de Brasília que serviu também para encobrir problemas agudos como os da reforma agrária e universitária.Juscelino Kubitschek, segundo Skïdmore, foi capaz de mobilizar cada classe para seu projeto desenvolvimentista, o que conseguiu através de uma postura conciliatóriaem que evitava a emergência de problemas a nível de debates. Os p. 78

industriais apoiavam o presidente, pois este soubera motivá-los para investirem e lhes deu condições. Os fazendeiros - os plantadores de café - não temiam o governode Juscelino Kubitschek, pois este não estava preocupado em intervir na questão da terra. Com aumentos salariais e com a estrutura sindical montada por Vargas, oPresidente procurou conciliar os operários, contando este trabalho com o Vice-Presidente Goulart. A classe média também estava contente, pois recebia benefíciosdo crescimento econômico, mas a partir de 1959, motivada pela inflação, começa a intranqüilizar-se. Finalmente, conseguiu atrair muitos intelectuais nacionalistas,ligados ao ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, em sua maioria. 17. E o fundamental: JK conseguiu contar com o apoio das Forças Armadas, pois procurouatender sempre a seus reclamos e ainda pôde contar com a fidelidade do Gal. Lott. Mas, nem tudo foi confiança e alegria. Juscelino Kubitchek encontrou oposiçãopor parte da UDN e das esquerdas. Estas criticavam a postura do Presidente em relação ao capital estrangeiro e por deixar de lado problemas cruciais como o da terra.Procurou neutralizar as oposições. Aos primeiros mostrava sua postura anticomunista e aos segundos procurava mostrar que sem o capital estrangeiro era impossívelhaver desenvolvimento. Também tomou algumas atitudes concretas para mostrar que não aceitaria posições que considerava radicais: em junho de 1956, fechou o Sindicatodos Trabalhadores Portuários e a Liga de Emancipação Nacional, ambos de orientação comunista; em agosto, fechou a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda. Outra formade ação contra a oposição era acusá-la de ser contra o desenvolvimento do Brasil. Qualquer tipo de oposição era enquadrada na categoria de "inimigos da p. 79

Nação"; "quem não estiver com o Governo estará, sem dúvida, entre os que não desejam que a Nação vá em frente". 18. [ 17. O ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, foi criado durante o governo de Café Filho, em 1955. Serviu para elaborar as diretrizes do pensamentobrasileiro, durante o governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. De maneira geral seguiu a linha da CEPAL, que enfatizava ser o subdesenvolvimento conseqüênciada dependência cultural em relação aos países desenvolvidos. O desenvolvimento implica o subdesenvolvimento. O rompimento desta situação se daria através de umatransformação das estruturas, através do modelo escolhido. De início parte de seus integrantes, assumem a concepção dualista de subdesenvolvimento. Esta teoria analisaa presença numa mesma sociedade de dois setores: o setor atrasado e o setor moderno. Não chega à percepção da dependência. O ISEB, partindo da premissa de que parahaver desenvolvimento é preciso uma ideologia, procurou contribuir para criar uma ideologia global do desenvolvimento. E esta implica o nacionalismo. A posiçãodos isebianos, com relação ao nacionalismo e à ideologia do desenvolvimento, nunca foi homogênea; havia, sim, uma grande heterogeneidade dentro do grupo. Foi estaheterogeneidade que serviu de matéria para que os reacionários dividissem o ISEB, gerando sérias crises, sendo que uma delas foi a cisão entre os que defendiam apostura de Juscelino e os que eram favoráveis à mudança estrutural, colocando em xeque a dependência externa. Essa crise se processou por volta de 1958 e refletiua grande crise por que passava a sociedade brasileira. O iSEB desenvolveu suas atividades através de cursos e publicações. Teve seu fim com o Golpe de 1964, pelomedo característico dos militares golpistas ao pensamento, à cultura, ao intelectual e ao povo. 18. CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK e JQ, p. 223. ] A preocupação fundamental de Juscelino foi o desenvolvimento econômico. Salientaremos agora alguns aspectos que explicitam a ideologia da sua proposta dedesenvolvimento. Para as colocações que se seguem, utilizaremos o texto de Miriam Limoeiro Cardoso, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK e JQ. Nessa análise,alguns conceitos são chaves, tais como: desenvolvimento, ordem, segurança, transformação, prosperidade, soberania, subversão, capital estrangeiro, nacionalismo,trabalho. Desenvolvimento - A base da política do governo de Juscelino Kubitschek é o desenvolvimento econômico. E para tê-lo, é preciso crescer e, crescendo, a naçãopode prosperar. É pelo crescimento econômico, fruto da industrialização, que se superará o subdesenvolvimento. Referindo-se à industrialização, o Presidente afirma:"Acentua-se (...) a fase de transição de nossa economia, do estágio predominantemente agropecuário, para o estágio de industrialização intensiva, quando já seimpõe evoluir na prática, quase exclusivamente, das simples indústrias de transformação, para as indústrias de base". 19. Podemos explicitar as seguintes característicasfundamentais da política econômica: 1) perspectiva da possibilidade de um desenvolvimento autônomo; 2) a crise em que passava a sociedade era de transição e a soluçãoestá no desenvolvimento; 3) para que o desenvolvimento aconteça, é preciso ajuda temporária do capital estrangeiro; 4) a base do crescimento é a iniciativa privada,

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o Estado tem papel supletivo e como a meta fundamental é o desenvolvimento, nada pode atrapalhar este caminhar. Miriam Limoeiro diz: "O desenvolvimento é o grandemóvel da ação, é ele o grande objetivo explícito dos esforços em todos os níveis - o político, o ideológico, o social, o cultural, o econômico". 20. [ 19. KUBITSCHEK, Juscelino, Mensagem de 1956. Apud CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK e JQ, p. 93. 20. CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK e JQ, p. 224. ] Pobreza - A pobreza, a miséria é vista como perigo, uma ameaça à democracia e a única forma de extirpá-la é com o desenvolvimento. É possível superar a pobrezana medida em que evoluímos para um estágio diferente de desenvolvimento. Desta forma acabar com a pobreza, alcançando o progresso, passa a ser uma necessidadedo ponto de vista da segurança nacional, continental e ocidental. Apesar do significado político da pobreza dentro do discurso juscelinista, não se analisa oporquê e de que tipo de pobreza se está falando. Ordem e Transformação - Nos discursos juscelinistas, um dos elementos básicos é a ordem. Juscelino defende que o desenvolvimento p. 80

deve ser feito dentro da ordem, e ordem significando o sistema vigente. A ordem não é má, não é preciso mudar, mas apenas melhorar. Os conflitos não vêm àtona, nem as diferenças de classe. Juscelino compreende a sociedade "como um todo harmônico e bem integrado, cuja diferenciação atende aos requisitos da produção,a qual por sua vez corresponde aos interesses do bem-comum. Com isso podemos ver que a suposição em que a postura juscelinista assenta é a da plena funcionalidadedo Social, a diferenciação interna da sociedade não sendo devida senão à atribuição de papéis, ela mesma feita de forma harmônica e equilibrada". 21. [ 21. Ibid., p. 278. O grifo é nosso. ] De outro lado, para que haja desenvolvimento, é preciso que se processe uma certa transformação. Transformação não significa mudançasradicais, mas sim a passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento. Essa transformação não abala nem a ordem e nema democracia. Transformação entendida como aqueles aspectos "que se referem ao que fazer no presente para apressar a chegada ao grandedestino". 22. Daí que mudanças devem acontecer "nos termos estritamente postos pela ordem, promovendo a integração mais efetiva emais completa ao sistema global e contribuindo para que se mantenha". 23. Ao mesmo tempo que enfatiza a ordem e a transformação,o programa de Juscelino Kubitschek é eminentemente conservador e Progressista. [ 22. Ibid., p. 123. 23. Ibid., p. 122. ] Capital estrangeiro - Juscelino Kubitschek defende que a pobreza é um mal, ela é ameaça à ordem. Daí sustentar a necessidade do crescimento, da presençado capital estrangeiro particular e da ajuda dos governos dos países desenvolvidos. Esta ajuda Juscelino a vê como vital para a salvação da democracia no ocidente.Se os países subdesenvolvidos não conseguirem sair de sua situação, corre-se o risco de colocar em xeque a democracia, pois as massas mais miseráveis são presasfáceis das ideologias contrárias. Juscelino crê firmemente nessa idéia e a única saída que vê é o desenvolvimento. O Presidente conclama os investidores estrangeirospara que façam seus investimentos em nosso país. Para isto o governo também investe nas obras de infra-estrutura. Aos que criticam que os investimentos externosnos levarão à dependência, Juscelino responde que somos uma nação livre, apenas somos atrasados e estamos apelando às nações do mundo democrático. E o Presidentecoloca a questão do capital sob a ótica técnica e não na perspectiva ideológica. O que constatamos é que "a ideologia política está centrada no desenvolvimento (finalidade)e que para ela todo o mal se contém na pobreza do país (situação atual); estamos vendo que a dificuldade mais fortemente enfatizada para superar o estado em quenos encontramos é p. 81

entendida como sendo o capital (meio)". 24. O capital é necessário de onde vier, quer nacional, quer estrangeiro. E é natural que o capitalestrangeiro ganhe com seus investimentos, mas a nação também lúcra. Tendo em vista esta postura é que no governo de Juscelino nãoexistem atitudes antiamericanas, pelo contrário, há atitudes anticomunistas. O capital estrangeiro tem entrada fácil graças à Instrução 113 da SUMOC. [ 24. Ibid., p. 184. ] Nacionalismo e internacionalismo - O governo de Juscelino Kubitschek é marcado por uma ambigüidade: internamente tem uma postura nacionalista e, externae economicamente, é dependente do capital estrangeiro. Em outras palavras, governa com o modelo internacionalista em termos econômicos e politicamente continuaem termos populistas. Juscelino tinha uma visão particular de nacionalismo. Nacionalismo (segundo ele) é ajudar o Brasil a desenvolver-se; é colocá-lo, em relaçãoa outras nações, em condições de falar de igual para igual, não sendo subserviente para com elas; é livrá-lo da miséria, fazendo-o rico. Além disso, o nacionalismode Juscelino desliga o vínculo exploração e subdesenvolvimento, é racional e não emocional, não permite a animosidade com os estrangeiros e coloca o aspecto emocional(no sentido de amor à pátria) e o aspecto técnico como patriotismo. 25. [ 25. Cf. Ibid., p. 193-198. ] Relação Capital Trabalho - Um outro ponto importante é a visão de relação entre capital e trabalho. A harmonia e não o conflito de classes é a postura deJusçelino Kubitschek. O máximo de percepção dos conflitos na sociedade é o da relação empregado e empregador. JK procura resolver isto dentro de uma visão de harmoniaentre as classes. Para o Presidente, trabalho é uma ação produtiva, daí, fator de união. JK afirma: "Tenho sempre comigo dois objetivos: 1) a utilização das nossasriquezas para a emancipação econômica do Brasil; 2) a dignidade de tratamento e de condições de vida para os trabalhadores brasileiros; e isto significa harmoniaentre capital e trabalho. Para o capital, desejo a expressão que crie o desenvolvimento e a produtividade; para o trabalho, exijo a justiça que cria a dignidadeda pessoa humana e a valorização social dos operários". 26. E comentando esse discurso, Limoeiro afirma: "Todos colaboram para o desenvolvimento, e a colaboraçãoé diferente de acordo com a posição de cada um: uns com o trabalho, outros com o capital, todos se beneficiam com o desenvolvimento e os benefícios são diferentesde acordo com a diferença de colaboração: os que colaboram com o capital recebem capital acrescido com o desenvolvimento e produtividade; os que colaboram com otrabalho recebem maior valorização social e humana. No entanto, apesár dessa diversidade, a ideologia, não que o desenvolvimento aproveita a todos, sem maiores p. 82

cogitações sobre as desigualdades sociais que ela mesma indica que o permeiam". 27. [ 26. KUBITSCHEK, Juscelino, Discurso em 1956. Apud CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK e JQ, p. 254. 27. CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento Brasil: JK e JQ, p. 138. ] Segurança e Subversão - Já vimos que para Juscelìno Kubìtschek a ordem vigente deve ser mantida, que a pobreza do povo pode ser causa de intranqüilidadee subversão, e que esta subversão pode vir por ideologia contrária à democracia. Então se faz necessário desenvolver. O desenvolvimento acaba com a miséria, logo,ela passa a ser uma questão de segurança. Fala-se em segurança interna (acabar com a miséria) e segurança externa (salvar os valores democráticos e cristãos) nosentido de lutar contra o comunismo. Dentro dessa ótica a ajuda dos países desenvolvidos é uma questão de racionalidade. Nesse período o Brasil levanta a bandeira"Segurança pelo Desenvolvimento". E procura assumir uma liderança continental. Para salvaguardar o Ocidente propõe a criação da Operação Pan-Americana - OPA paraque se possa fortalecer a América através de uma política global de desenvolvimento. No dizer de Juscelino a "Operação Pan-Americana parte, assim, da premissa doconceito de segurança coletiva e constitui a condição necessária de salvaguarda de nossa liberdade". 28. [ 28. Ibid., p. 138. ] Salientamos também que a formação cristã do Presidente marcou profundamente toda sua vida e seus conceitos. Resumindo alguns pontos:

1. Juscelino deseja o desenvolvimento econômico como forma de superação do subdesenvolvimento; 2. a ajuda do capital estrangeiro é vital ao processo de desenvolvimento; 3. este desenvolvimento deve ser feito dentro da ordem, isto é, do sistema vigente; 4. as diferenças de classe não aparecem no discurso juscelinista; 5. o combate à miséria é importante para a democracia; 6. dentro do- tema iniciativa privada, a posição de Kubitschek é de um estado seletivo; 7. a relação governo/povo é vista como identidade; 8. o desenvolvimento dentro do desenvolvimentismo tem como objetivo o desenvolvimento do sistema capitalista; 9. as bases políticas do desenvolvimentismo se assentam no populismo. 29. [ 29. Populismo. De 1930 a 1964, tivemos o fenômeno do populismo com o nacionalismo desenvolvimentista, convivendo a partir da metade da década de 50 como início do desenvolvimento associado, que se define com o Golpe de 1964. Este aprofunda o desenvolvimento associado sob a égide da doutrina de Segurança Nacional. Vejamos algumas características do populismo que no Brasil está ligado com o varguismo. Este fenômeno também aconteceu em outras nações latinoamericanas.O populismo possui três elementos que lhe são essenciais: nacionalismo desenvolvimentista, o pacto das classes e a intervenção do Estado. No Brasil, o populismo está de maneira marcante presente após a II Guerra Mundial, embora já estivesse em formação a partir de 1930. É a partir dessa dataque vemos a ascensão da burguesia industrial. Esta, para desenvolver sua política econômica - a industrialização - procura conseguir uma maior intervenção do Estado.É através de um conflito dentro da classe dominante e do tenentismo que a Revolução de 30 se faz. De 1930 a 1937, vemos as reações contra o centralismo do GovernoFederal. O Governo centralizado se impõe e com ele a burguesia industrial através do Estado Novo. É através do Estado, como instrumento da burguesia nacional, que vemos o desenvolvimento da indústria. A partir de 1937, Vargas assume plenamente as causasda industrialização, criando condições para seu desenvolvimento e também no seu governo de 1950-54, o Estado propiciará o desenvolvimento industrial. Esta perspectiva de industrialização, bem como o controle do Estado em matéria de comércio externo, é possível, porque é marcado por um forte nacionalismo.

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Nacionalismo que também é um instrumento da burguesia industrial e que com ela emerge. A luta pela nacionalização dos recursos naturais e criação de indústrias de base mostra a política externa independente do varguismo. Esse processo do desenvolvimentoem Vargas se processou sob rupturas parciais, com o setor externo e com a presença do capital nacional - quer do setor privado, quer do setor público. Este projeto de "industrialização autônoma" com uma política independente sob a égide da burguesia industrial, através de um Estado forte e centralizado,teve também, como exigência de realização, uma aliança com as massas populares e com o movimento operário que cresce a partir de 1930 e que atua de maneira marcanteem toda a fase populista. Dentro da nova divisão de forças que advém a partir de 1930 na sociedade brasileira a cooperação de classe será vital para o populismo. E esta cooperaçãovem no bojo da ideologia corporativista do Estado Novo com seu controle sobre os sindicatos via Ministério do Trabalho, da CLT, do sindicato único por categoria,da lei do salário mínimo. É evidente que houve conflitos entre as classes e principalmente da liderança operária, mas a massa trabalhadora como um todo assumiu essapostura de cooperação entre as classes. Esta política de massas não possibilitou a explicitação de uma "consciência de classe", mas sim uma "consciência de massa". Para que possamos entender esta política de massas e o controle do operariado, importa lembrar de um lado que o intercâmbio entre as classes operária e patronale o Estado se processa pelo "peleguismo" e de outro é preciso ver a composição desse operariado, que a partir de 1945 não possui nenhuma tradição de luta. Como vimos, o varguismo se inicia em 1930 e se consolida no período de 1950-54. O populismo continua presente nos governos de JK e JQ e de Goulart. É a partir do governo de Vargas, principalmente no seu final, que vemos nascer as contradições do populismo. De início cresceu o antagonismo entre as forçasque desejam o desenvolvimento associado com os que desejam continuar com o desenvolvimento independente. Esse antagonismo levou Vargas ao suicídio. Nesse períodocomeça a infiltração americana na América Latina e o suicídio de Vargas não foi um fato isolado; outros governos nacionalistas também caem. Esta interferência externacomeça no governo de Café Filho com a Instrução 113 da SUMOC e se amplia no governo de JK. O governo de Juscelino Kubitschek é marcado pelo desenvolvimentismo. Este desenvolvimentismo se caracterizou ao nível da política externa de internacionalizaçãode nossa economïa e internamente do ponto de vista político continuou com o esquema montado por Vargas. Conjugou os dois setores e conseguiu mobilizar as massaspara seu projeto desenvolvimentista; mas só consegue um grande surto industrial com a maciça entrada' de capital estrangeiro. Os governos de Jânio Quadros e Goulart tentaram recuperar a dimensão econômica independente do modelo getuliano. Goulart tentou através do Plano Trienal. O antagonismo existente termina com o Golpe de 1964 que coloca o desenvolvimento sob a perspectiva do modelo associado internacional. ] p. 83

Queremos, para finalizar, explicitar o conceito de subdesenvolvimento vigente nesse período. Além do conceito linear já colocado no Item"O Desenvolvimento e os governos de Dutra e de Vargas", temos a presença do conceito "Estrutural Dualista". Este conceito parte da constatação de que ospaíses desenvolvidos jamais foram subdesenvolvidos, pois estes têm uma série de características estruturais que os diferenciam daqueles. A característica estruturalé o dualismo. Os países p. 84

subdesenvolvidos convivem com um setor tradicional e um setor moderno. Exemplo no Brasil: o Sul e o Nordeste, setor moderno e atrasado respectivamente. Elias Gannagéassim se expressa quanto à teoria, dualista: "definimos um país subdesenvolvido como um país caracterizado pela coexistência de dois sistemas econômicos e sociais,Totalmente diferentes, cuja interação dos elementos estruturais é o comportamento normal. Tal é o dualismo, traço fundamental dos países em via do desenvolvimentoeconômico". 30. Celso Furtado que também foi um dos teóricos do dualismo diz que um dos setores tem a tendência de comportar-se como capitalista e o outro permanecedentro da estrutura já existente. E "esse tipo de economia dualista constitui, especificamente, o fenômeno do subdesenvolvimento contemporâneo..." 31. Jacques Lambert,um dos teóricos mais conhecidos da teoria dualista, nos mostra que, além do atraso econômico, há o atraso cultural de uma parte da população em relação à outra.O desenvolvimento de um setor faz com que se transforme, em todos os sentidos, e o outro setor fica totalmente à margem. Ele nos diz: 'A mesma cultura nacional comporta,assim, duas facies: uma evoluída e outra arcaica, que podem ser muito diferentes e que tanto mais se diferencia, quanto a difusão do progresso técnico é mais rápidae menos geral; essa modalidade de atraso e de avanço cultural é habitualmente designada pelo nome de "sociedade dualista". 32. [ 30. GANNAGÉ, Elias. Économie du Développment. Apud PEREIRA, Luiz, Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento, p. 55. 31. FURTADO, Celso, "Desenvolvimento e Subdesenvolvimento", in PEREIRA, Luiz, Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento, p. 56. 32. LAMBERT, Jacques, "Obstáculos ao Desenvolvimento Decorrentes da Formação de uma Sociedade Dualista", in PERROUX, François et al. Sociologia doDesenvolvimento, p. 66. ] Segundo Lambert, uma das causas do dualismo está no fato de que o setor p. 85

moderno se desenvolve através da industrialização importada, e esta não se introduz gradativamente, bem como é imposta pronta eacabada. E o setor moderno não é capaz de distribuir rapidamente o que importou, acentuando as diferenças. E o dualismo não é um fenômenodo subdesenvolvimento, mas "a maneira pela qual se luta atualmente pelo desenvolvimento". 33. Obstáculos que impedem a expansão dosetor moderno para o atrasado: estilo de povoamento, certas condições de estrutura social, regiões com vastas zonas rurais e poucocrescimento demográfico. O setor moderno tem infra-estrutura em todos os sentidos, as cidades são mais urbanizadas, e é onde se concéntramaior parte do mercado, onde os fluxos de idéias são inovadores, onde o capital se concentra e atrai o pouco capital gerado nosetor atrasado. O setor atrasado é onde há fluxo de idéias tradicionais; os investimentos que recebe do centro são sempre em função dopróprio setor moderno. Essa intervenção é normalmente feita pelo governo para equilíbrio do sistema. Esta estrutura dualista que acontecedentro de cada país e se repete a nível internacional.

O Serviço Social de 1954 a 1960

É dentro do governo de JK que o Serviço Social assume no Brasil a postura desenvolvimentista. Esse assumir do Serviço Social se dará mais claramente no finaldo governo de Juscelino. Também os assistentes sociais sensibilizam-se com a confiança que o Presidente irradia. Além do mais, em termos de formação religiosa emoral, a do Presidente e da maioria dos assistentes sociais se identificam. É na década de 50 que vemos surgir os primeiros escritores em Desenvolvimento de Comunidadeno Brasil e entre eles assistentes sociais. Isto acontece porque "As frações das sociedades civil e política do Brasil - bem como os organismos estrangeiros - interessadosna difusão do Desenvolvimento da Comunidade tratam de estimular a emergência de intelectuais autóctones dessa disciplina, a partir dos anos 50". 34. Em 1952, tivemosuma publicação do Ministério da Agricultura. Em 1957, o trabalho de José Arthur Rios, com o título de Educação dos Grupos. E finalmente a obra de Balbina Vieira,o livro Introdução à Organização Social de Comunidade. Essas obras, bem como esses intelectuais, marcaram profundamente o Serviço Social da época. A obra de Balbinaestá voltada para a análise da comunidade local. Não há perspectiva mais ampla, isto é, não insere a comunidade local dentro da região e da nação. Enquanto issoa obra de Rios já apresenta uma amplitude maior de análise, embora de maneira geral essas obras não levem em conta as contradições da sociedade. Segundo Safira Ammann,os pressupostos da obra de Balbina são os do positivismo comteano. E Rios tem por base o funcionalismo de Parsons. [ 33. Ibid., p. 60. 34. AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 37. ] p. 86

Estudando cada uma das obras, a referida autora, entre outros pontos, analisa os conceitos de integração e participação e conclui, afirmando: "consideramos que aconcepção da participação inferida nas três obras analisadas se traduz pela contribuição que as lideranças e o povo, diretamente, ou através de suas organizações,concedem aos técnicos no estudo dos problemas, na elaboração, execução e interpretação de programas de 'melhoria de vida local". 35. Essa atitude, por parte dostécnicos, contribui "para que as classes subordinadas permaneçam à margem do processo decisório da sociedade global e que, mediante o acesso a decisões adjetivaslocais tenham a ilusão de estarem de fato participando". 36. Essa ilusão de "participação", bem como a socialização pelo processo de integração na perspectiva funcionalistaque leva a sociedade a vivenciar o consenso social, fazem parte da ideologia desenvolvimentista, ideologia esta que estará presente a partir de Juscelino Kubitschek. [ 35. Ibid., p. 47. 36.: Ibid., p. 47. ]É para essa ideologia que as análises de Balbina e Rios contribuem. Essa busca de consenso social através da socialização pode ser percebida na ideologia desenvolvimentista,como assinala Walderez, nos seguintes momentos: "o apelo pelo desenvolvimento aglutina a todos, levando a pensar não enquanto grupo ou classes mas enquanto coletividade;clama a todos a colaborarem já que todos desfrutarão dos benefícios do desenvolvimento". 37. Em 1957, realizou-se em Porto Alegre um seminário sobre "Educação deAdultos como processo de Desenvolvimento de Comunidade", promovido pela UCISS e UNESCO. A discussão centrou-se na tarefa educativa dentro do trabalho de Desenvolvimentodas Comunidades. O Seminário foi dirigido pela Assistente Social Helena Iracy Junqueira na qualidade de vice-presidente da UCISS para a América Latina. O Semináriofoi subdividido em três temas: 1) Programas em Execução (Informação) onde foram apresentados os programas realizados ou em realização pela ONU, UNESCO e Ponto IV;2) Conceitos e Objetivos da Educação de Adultos no Desenvolvimento das Comunidades (Fundamentos). Aqui percebemos presente os pressupostos católicos e da filosofia

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tomista. As colocações de Martha Ezcurra foram nessa linha. Após as colocações houve trabalhos em grupo e depois plenário. Das conclusões salientamos a do" GrupoA, que quanto aos conceitos fundamentais considerou: Quanto ao Homem: "a) que é um ser composto de corpo e alma, com direitos e deveres individuais e sociais; b)com um destino temporal e com direito ao bem-estar e à felicidade naturais; c) com um destino sobrenatural e eterno e com os seus conseqüentes direitos e deveres". [ 37. MIGUEL, Walderez Loureiro, O Serviço Social e a "Promoção do Homem" - Um Estudo de Ideologia, p. 37. ]E quanto a Educação, entre outros pontos, "que não é possível educar sem dispor as mentes para a busca da Verdade, sem p. 87

dispor os corações para o apreço do Belo e do Bom ou sem animar a vontade e escolher o Bem que corresponde à natureza da Pessoa Humana". 38. José Arthur Rios, emsua apresentação, baseou-se, entre outros, em Jacques Maritain e Pe. Lebret. Nos debates foi explicitada a importância da Educação de Adultos para as elites operáriase de outros grupos (administradores, políticos etc.) para evitar as tensões sociais, bem como por que são as elites que terão condições de fazer a reforma social;3) Métodos e Técnicas de Educação de Adultos no Desenvolvimento da Comunidade (Metodologia). Com relação a este tema foram programadas diversas "Sessões de Estudos".Uma delas foi sobre: "Contribuição do Serviço Social e dos Assistentes Sociais na Educação de Adultos e nos programas de Desenvolvimento das Comunidades". Dentrodessa Sessão de Estudos constatamos a discussão em torno da nomenclatura e conteúdo da intervenção do Serviço Social no processo de comunidade. A discussão foi emtorno de Organização de Comunidade, Desenvolvimento da Comunidade, Organização e Desenvolvimento da Comunidade e Serviço Social de Comunidade ou Organização Socialda Comunidade. Outro ponto analisado com ênfase foi o trabalho na zona rural. Nos debates ficou enfatizado o despreparo dos assistentes sociais e a urgência de ummelhor desempenho das escolas de Serviço Social no preparo de profissionais para a referida área. O representante da ONU informou que o referido organismo tem interesseem colaborar com as escolas no que tange à questão de melhores condições e treinamento da formação no setor comunidade. E disse que estava "programada uma Reuniãoa se realizar em Montevidéu, justamente para examinar, com os Diretores das Escolas de Serviço Social da América Latina, as modificações a serem introduzidas nosprogramas de Serviço Social, a fim de que os assistentes sociais pudessem ocupar melhores posições nos organismos que estão patrocinando ou executando programasde desenvolvimento de comunidades". 39. Concluiu-se também da inadiável divulgação do que se faz em termos de Serviço Social no campo de Desenvolvimento de Comunidade.Assistentes sociais também participaram da Conferência Internacional de Serviço Social sobre o tema "Mobilização dos recursos para atender às necessidades sociais",em Tóquio. O Serviço Social para indicar sua intervenção na área de comunidade passa da chamada "Organização de Comunidade" para "Desenvolvimento de Comunidade"e "Desenvolvimento e Organização de Comunidade". Essa passagem se dá a partir das discussões feitas no âmbito acadêmico e das contribuições de Helena Iracy Junqueira.Em 1954, participando da Convenção da ABESS, Helena Junqueira introduz o uso "de nova nomenclatura, com o Curso p. 88

de Introdução ao Serviço Social de Comunidade, considerado básico para maior dinamismo do processo e tentativa de sua sistematização". 40. [ 38. Anais do Seminário Regional de Educação de Adultos, Porto Alegre, 1957, p. 74-75. 39. Ibid., p. 233. ] 40. BELEZA, Maria Dulce de Moura, Tendências Atuais do Ensino de Serviço Social de Comunidade no Brasil, p. 9. ] No período que estamos analisando tivemos também a presença marcante da ONU em relação ao Serviço Social. Nos anos 1950, 1955, 1958 e 1962 a ONU realizouestudos sobre o ensino de Serviço Social. "O primeiro e o segundo ocupam-se principalmente dos cursos organizados em Serviço Social para graduados. No terceiro estudosão analisados os problemas de formação para o Serviço Social e os métodos aplicados no seu ensino. O quarto estudo destinava-se a ressaltar as tendências importantesna formação para o Serviço Social em todos os níveis de ensino: graduação, pós-graduação, treinamento em serviço e auxiliares em Serviço Social". 41. Os estudosforam na América do Norte, América Latina, Ásia e África. Em 1956, a ONU definiu Desenvolvimento de Comunidade, tendo por base teórica os conceitos de harmonia e equilíbrio,como "processo através do qual os esforços do próprio povo se unem aos das autoridades governamentais, com o fim de melhorar as condições econômicas, sociais e culturaisdas comunidades, integrar essas comunidades na vida nacional e capacitá-las a contribuir plenamente para o progresso do país". 42. Em 1959, um- grupo de especialistasinternacionais, ligados à ONU, reafirma novamente a importância do Serviço Social para o Desenvolvimento de Comunidade e apresenta novo conceito de Serviço Social.Este "se define como uma atividade organizada, cujo objetivo é contribuir para a adaptação recíproca dos indivíduos e de seu meio social. Este objetivo se atingeatravés da utilização de técnicas e métodos destinados a fazer com que indivíduos, grupos e comunidades possam satisfazer suas necessidades e resolver seus problemasde adaptação a um tipo de sociedade em processo de mudança, assim como através de uma ação cooperativa destinada a melhorar as condições econômicas e sociais". 43.Nesse período a presença da ONU continua marcando o caráter internacionalista do novo Serviço Social. [ 41. SILVA, Maria Lúcia Carvalho da, Evolução do Conceito de Desenvolvimento de Comunidade no período 1965/1970,na Sub-Região do Cone Sul, da América Latina, p. 69. 42. Definição pela ONU, in AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 32. 43. SILVA, Maria Lúcia Carvalho da, Evolução do Conceito de Desenvolvimento de Comunidade no período de 1965/1970, na Sub-Região do Cone Sul, da AméricaLatina, p. 67. ] Em 1955, tivemos a criação do Serviço Social Rural, que já vinha sendo discutido desde 1950. Através da Lei nº 2.631, de 23/09/1955, criou-se o ServiçoSocial Rural que se vai organizando e começa suas atuações a partir de 1959. Sua presença marcante será a partir de 1960. Este serviço receberá apoio do governoe de vários programas internacionais, bem como de órgãos patronais da área. p. 89

Sua atuação implicará processar o desenvolvimento capitalista no campo. Em que consistiu a pratica do Serviço Social na década de 50? O trabalho se inicia com a coordenação de Serviço e Obras Sociais. Utiliza-se também dos CentrosSociais, quer na zona rural, via Serviço Social rural, quer na zona urbana. Os Centros Sociais estavam ligados aos problemas locais e procuravam resolvê-los atravésda mobilização do povo. Os referidos Centros tiveram tanta importância que a ONU, através de uma resolução, faz uma recomendação expressa para sua utilização. Eassim concebe o Centro Social: "a instituição local em que as pessoas pertencentes a uma mesma coletividade, coordenando seus esforços e com a ajuda de técnicosdirigentes, empreendem e executam projetos e atividades, destinados a satisfazer suas necessidades particulares e a melhorar suas condições de vida". 44. Tiveramem alguns lugares outros nomes como Centro de Comunidade ou Centro Social de Comunidade. Os "Centros Sociais" no Brasil, de início, nascem ligados à Igreja Católicae ao Serviço Social e passarão a ter apoio oficial com a criação em 1952 e implantação em 1956 da Campanha Nacional de Educação Rural - CNER. Esses centros ilustrama prática do processo de "desenvolvimento e organização de comunidade" realizando trabalhos nas pequenas comunidades, trabalhos imediatos e ligados mais às necessidadesmateriais. Esse trabalho não se integra em atividades mais amplas, quer municipais, quer regionais. Safira Ammann, analisando os trabalhos dos Centros Sociais, assimse expressa: "Alfabetizando as populações rurais, modernizando a agricultura, criando pequenas obras de infraestrutura urbana, sem ônus para os cofres públicos,ofereciam os Centros Sociais sua parcela de contribuição a uma política de Governo interessada em expandir o sistema capitalista no Brasil". 45. É, pois, a partirdo governo de Juscelino Kubitschek, principalmente no seu final, que o Serviço Social entra incisivamente no trabalho de comunidade, e assume a postura desenvolvimentista.Até a década de 60, o Serviço Social possuía basicamente uma postura: desenvolver seu trabalho em plena consonância com os governos então no poder. Era partidáriode reformas que viessem racionalizar melhor o sistema capitalista e que pudessem inserir as populações do setor atrasado ao moderno. Essa posição recebeu a baseideológica do Governo Juscelino Kubitschek e terá o apoio de Jânio Quadros que, em discurso, manifesta expressamente a importância do Serviço Social junto ao processode desenvolvimento e mobilização popular. [ 44. ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL, Rio de Janeiro, 1961, p. 248. 45. AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 52. ] No período do Governo de Juscelino, o conceito de subdesenvolvimento está na perspectiva "estrutural-dualista", como já abordamos. p. 90

Esse enfoque é assumido pelos assistentes sociais. Faleiros, falando da intervenção do Serviço Social na década de 50, assim se expressa: "O Desenvolvimentode Comunidade' começou a existir na América Latina na década de 50 já com uma visão dualista da sociedade, a modernização, a industrialização, a administração dobem-estar, a planificação como solução para o subdesenvolvimento". 46. [ 46. "El desarollo de comunidad" empezó a existir en América Latina en la década del 50 ya con una visión dualista de la sociedad, la modernización, laindustrialización, la administración del bienestar, la planificación como solución para el subdesarollo". FALEIROS, Vicente de Paula, Trabajo Social - Ideologiay Método, p. 24. ]

PERÍODO DE 1960 A 1967

Governo de Jânio Quadros, João Goulart e Golpe de 1964

Jânio Quadros

Jânio Quadros, que sucede a Juscelino Kubitschek na Presidência da República, estava também preocupado com o desenvolvimento brasileiro. Ele inicia seu governo

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dentro do modelo neoliberal, assumindo depois posições do nacionalismo-desenvolvimentista. Jânio Quadros, eleito pela UDN, que tinha posição liberal, mostra em campanhapolítica essa posição. Dentro de sua plataforma "Prometia uma democracia honesta e digna, mas também se comprometia a assegurar uma rápida taxa de desenvolvimentoeconômico que atingiria setores anteriormente negligenciados, como a agricultura, educação e saúde. Tudo isso seria feito paralelamente ao controle da inflação epreservando a independência do Brasil como nação soberana. Quanto à questão em debate, em relação ao tipo de estratégia que um Brasil nacionalista deveria ter parao desenvolvimento econômico, Quadros endossava a fórmula neoliberal. Defendia um orçamento equilibrado e insistia na necessidade de criar condições favoráveis aosinvestidores estrangeiros". 47. Quadros inicia sua gestão com o combate à inflação através de um compacto programa antiinflacionário. Devido a seu programa de combateà inflação conseguiu rapidamente apoio dos credores estrangeiros. E contou também com interesse de Kennedy. O programa começa a repercutir internamente: aumentodo pão, dos transportes. Reação por parte de vários setores industriais, operários e consumidores. Essa grita leva o Presidente a pensar na validade de seu programa,isto no final do 1º semestre de 1960. Outro fator que levou o Presidente a rever seu programa foi a aproximação a um grupo nacionalista, salientando-se a presençade Cândido Antônio Mendes de Almeida, pertencente ao ISEB e tendo uma postura nacionalista moderada. Os nacionalistas argumentam "que as medidas de combate à inflação,embora necessárias, eram inadequadas se tomadas em separado, visto que as causas p. 91

mais profundas da inflação jaziam no desequilíbrio estrutural da economia brasileira. Qualquer programa de estabilização tornar-se-ia, portanto, ineficaz, se nãofizesse parte de um plano mais amplo de prosseguimento da industrialização e aumento dos investimentos públicos". 48. Em agosto, o Presidente dá mostras de estarconvencido, pois a 5 de agosto cria a Comissão Nacional de Planejamento para preparação de um Plano Qüinqüenal. [ 47. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 235-236. 48. Ibid., p. 242. ] Um acontecimento de âmbito americano acontece no governo de Quadros: a Aliança para o Progresso. Este fato é importante também para a história do ServiçoSocial, pois como diz Herman Kruse, a partir da Aliança para o Progresso "se realizou a nível continental uma pluralidade de projetos que tiveram participação doServiço Social. Neles a profissão canalizou suas frustrações anteriores e reencontrou a inquietude pela reforma social que havia perdido desde os pioneiros". 49. [ 49 ... se realizaron a nível continental una pluralidad de proyectos que dieron participación el servicio social. En ellos la profesión canalizó sus frustraciones anteriores y reganó la inquietud por la reforma social que se habia perdido desde los pioneiros". KRUSE, Herman, Filosofia del Siglo XX y Servicio Social, p. 20. ]A Aliança para o Progresso nasceu a partir da concretização da Revolução Cubána. O perigo do comunismo fez com que os Estados Unidos realizassem projetos paradiminuir a miséria, voltando-se para os países subdesenvolvidos. Esta percepção, já a tivera Juscelino Kubitschek, pois enfatizara que o desenvolvimento era amelhor maneira de combater a miséria e a subversão, pois, para ele, era claro que a opção do Brasil e da América Latina deveriam ser os valores cristãos e ocidentais.A consciência desses valores e a necessidade de combater o comunismo, diminuindo a miséria, é que fez com que Juscelino propusesse aos Estados Unidos a realizaçãoda Operação Pan-Americana - OPA. Era uma proposta de país subdesenvolvido numa perspectiva econômica com a finalidade política, ao passo que a Aliança para o Progressoera uma proposta de país capitalista "voltada principalmente para as garantias políticas, consideradas como elementos indispensáveis à manutenção e expansão do poderioeconômico ocidental" ". A Aliança para o Progresso passou a ter existência a partir de 17 de agosto de 1961 através da "Carta del Este". Na "Declaração aos povosda América", os países da América se comprometeram a realizar programas para atacar os problemas sociais, bem como "acelerar o desenvolvimento econômico e social,a fim de conseguir aumento substancial e contínuo da renda per capita, para, no menor prazo possível, aproximar o nível de vida dos países latino-americanos dosníveis dos países industrializados". 51. [ 50. CARDOSO, Míriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento Brasil: JK e JQ, p. 133. 51. ALIANÇA PARA O PROGRESSO, "Declaração aos povos da América", in O. E. A. e Comissão Brasileira da Aliança para o Progresso, III Jornadas Brasileirasda Aliança para o Progresso, p. 246. ] p. 92

O objetivo da Aliança para o Progresso era: "unir todas as energias dos povos e governos das Repúblicas americanas, a fim de desenvolver um magno esforço cooperativoque acelere o desenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos participantes, para que se consiga alcançar o máximo grau de bem-estar com iguais oportunidadespara todos, em sociedades democráticas adaptadas aos seus próprios desejos e necessidades" 52. A Aliança para o Progresso se baseia nos conceitos linear e dualistade subdesenvolvimento, que já explicitamos em páginas anteriores. E a Aliança para o Progresso, concretizou-se através de projetos que, na sua maioria, envolveramtécnicas de trabalho em comunidade, absorvendo o empenho dos assistentes sociais. [ 52. ALIANÇA PARA O PROGRESSO, "Carta de Punta del Este", in O. E. A. e Comissão Brasileira da Aliança para o Progresso, III Jornadas Brasileiras da Aliançapara o Progresso, p. 249. ] Jânio Quadros, eleito por uma maioria de votos, e iniciando um governo com apoio da opinião pública, renuncia em agosto, antes de completar um ano de mandato.

Governo de João Goulart

João Goulart foi eleito vice-presidente pela segunda vez, quando da eleição de Quadros, que em agosto de 1961 renunciou. Após marchas e contramarchas, Goulartassume a Presidência da República, dentro do sistema parlamentarista. Goulart tinha sobre si sérias suspeitas por parte dos militares e da direita; procurou de iníciodar mostras de respeitabilidade, quer interna, quer externamente. Começa um governo de estabilidade, buscando conter a inflação. Mas não conseguiu por muito tempolevar à frente esse programa, dadas as pressões internas dos operários, da classe média e outros segmentos da sociedade. Em 1962, em discurso, a 1º de maio, pediuampla reforma agrária. Sua posição política começou a voltar-se para a esquerda. Durante 1962 Goulart se preocupou em trabalhar por reformas de base e para pôr fimao parlamentarismo. O Presidente assumiu seus plenos poderes em janeiro de 1963 e governou o país até março de 1964. Como se encontravam os quadros partidários eas demais forças, quando Jango assume o poder em 1963? Qual sua posição quanto ao desenvolvimento? No início de 1963, havia motivações de golpes e desejo de conduzir o País por via não democrática, quer pela direita, quer pela esquerda. A direita encontravam-seos anti getulistas tradicionais, alguns líderes militares como Dennys e Eiéch, o civil Júlio Mesquita Filho. E os grupos como Frente Patriótica Civil-Militar eIPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais de homens de negócios. À esquerda estavam: CGT, Pacto Sindical de Unidade de Ação, Ligas Camponesas, Frente ParlamentarNacional, UNE, PCB, os chamados p. 93

jacobinos - Brizola, Arraes, intelectuais, líderes operários e Ação Popular AP. O que levou a uma radicalização foram as leis deremessa de lucros, expropriação de firmas estrangeiras e a questão da terra. Mas, apesar da radicalização dos extremos, a maioria aindatinha uma posição de centro e desejava uma economia mista. Embora os do centro temessem os radicais, de maneira geral eram simpatizantesa uma reforma social. 53. [ 53. Cf. SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 273-282. ] Havia também os partidos - UDN, PSD e PTB - estes, os que tinham maior expressão nacional. Dentro do quadro do governo Goulart, as eleições, realizadas em1962 para governadores em 11 estados, mostram-nos alguns pontos, segundo Skidmore: 1) no âmbito nacional, a tendência geral não era nem para a esquerda e nem paraa direita; 2) o PTB cresceu, mas estava dividido em duas facções: San Thiago e Brizola e 3) não havia nenhum partido que representasse a opinião de centro. Também partilhavam as posições do centro de um governo democrático com reforma de base a ala do PTB liderada por Dantas e que era minoritária - e a alaprogressista da Igreja Católica. A CNBB se manifestara em documento favorável às reformas de base. Goulart tentou duas experiências básicas em sua gestão. E as duasexperiências voltaram-se "para corrigir as distorções estruturais do País, numa linha que visava a conjugar o desenvolvimento nacional com a mudança sócio-política". 54. [ 54. JAGUARIBE, Hélio, Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial Facismo, p. 31. ]As duas experiências foram chamadas por Dantas, experiências de "esquerda positiva" e "esquerda negativa". A primeira experiência foi de janeiro a junho de 1963.Esta é a chamada experiência positiva e foi auxiliada pela esquerda moderada. Para sua equipe de trabalho requisitou Celso Furtado para o Ministério do Planejamentocom a tarefa de preparar e executar o "Plano Trienal"; San Thiago Dantas para o Ministério da Fazenda - que se empenhou num programa de estabilização, para que pudessehaver um maior desenvolvimento - e Almino Afonso para o Ministério do Trabalho, para o fortalecimento do dispositivo sindical. Desta forma Jango mostrava que queriafazer "duplo jogo político". Com relação ao Exército colocou militares nacionalistas em postos chave. O Plano Trienal de Furtado tinha como objetivos o combate àinflação, recuperar alto índice de crescimento e realizar reformas de base. Segundo Skidmore, "o governo de Jango empenhou-se num programa mais ambicioso do quequalquer outro regime brasileiro de após-guerra: manteria um ritmo de crescimento ao nível dos melhores anos de Juscelino (7 por cento), reduzindo ao mesmo tempoo aumento dos preços a um nível nunca igualado desde Dutra (10 por cento). Concomitantemente, empreenderia reformas de base - para p. 94

cujo caráter ou propósito não havia ainda consenso claro - nem na esquerda, nem no centro". 55. Quais os objetivos das reformas? Havia 3 objetivos: "1) eliminar um novo tipo de "engarrafamento no processo do desenvolvimento econômico"; 2) distribuiçãomais eqüitativa dos frutos do crescimento econômico e 3) alteração do equilíbrio político". 56. O Plano de Furtado enfatizava o primeiro objetivo e o Presidente o segundo.

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[ 55. SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 288. 56. Ibid., p. 289. ] Para que qualquer programa como plano pudesse se concretizar, era preciso diminuir os déficits do setor público e manter a capacidade de importar e um vigorosoprograma de exportação. O que também diferencia o programa de Jango dos outros é que a inflação devia ser atacada dentro de um planejamento global. Dantas e Furtadocomeçam a trabalhar para criar condições para realização do plano. Havia medidas que dependiam de posições internas, como reforma fiscal e uniformizar as taxas cambiais,o que foi feito, e medidas dos credores externos. Dantas foi aos Estados Unidos, para negociar grande ajuda do governo americano. Outros passos seguintes seriamrenegociação com os devedores europeus e acordos comerciais e financeiros com a URSS. Quando Dantas voltou dos Estados Unidos, havia pressões quer da esquerda, querda direita, contra a política inflacionária. O governo aprendia que era impossível conciliar um programa inflacionário com uma satisfação interna, tendo em vistao crescimento dos preços. Isto já havia sido tentado por Getúlio, Café Filho, JK e JQ. Outra questão que pressionava era a questão salarial, e a mais grave: haviadescontentamento entre os militares. Esse descontentamento era motivado por dois outros problemas: a compra de concessionárias estrangeiras e a reforma agrária.A questão das compras das concessionárias estrangeiras provocou grandes debates de cunho nacionalista. E também trouxe radicalização das posições, quer da esquerdaquer da direita. A reforma agrária, dentro do projeto de reforma de base, era parte importante do Plano Trienal. A discussão no Congresso foi violenta, pois erao reduto dos grandes donos da terra; dentro da Igreja Católica o projeto encontrou apoio, bem como radical oposição. O setor agrário, sempre deixado de lado pelosgovernos de 1930 em diante, não poderia mais ser esquecido. Nesse período, temos a organização de movimentos sindicais no Nordeste. Grupos de esquerda e a Igrejaorganizam os camponeses. Em 1963, temos o Estatuto do Trabalhador Rural. A preocupação no fundo é de modernizar o setor atrasado. É uma preocupação dentro dapolítica da O. E. A.. O trabalho no campo encontra apoio em alguns projetos da Aliança para o Progresso. A discussão da legislação no campo é tardia em relação aosoperários na cidade, tendo em vista a penetração tardia do capitalismo no campo. Esta situação levou à destituição de Dantas. A demissão do ministério p. 95

em junho, motivada pelas agressões internas da direita e da esquerda radical e, por questões pessoais do Presidente, pôs um ponto final na experiência "positiva".Começa a segunda experiência: a da "esquerda negativa". Aqui não se encontra presente um plano. Goulart deixara de lado o programa de estabilização e o desejo decrescimento econômico. Essa experiência, no dizer de Jaguaribe, "orientou-se no rumo de mudança social revolucionária: redistribuição de terras e rendas, nacionalismoeconômico, mobilização política das massas urbanas e rurais, extinção do controle do Estado exercido pela atual classe dominante e neutralidade e desengajamentointernacionais eram entre outros objetivos preconizados". 57. Após a reforma do Ministério a crise começa a acentuar-se. A esquerda radical procura fazer com queo Presidente se aproxime e adote suas posições. Jango queria reformas. Contaria com o "centro" se não chegasse à posição radical. As esquerdas acreditavam que erao momento de uma revolução, porém estavam divididos e superestimavam a organização do povo. A exemplo de governos anteriores, não tinham organizado a massa, ou melhor,aqui havia uma incipiente organização. Mas as forças da reação foram mais fortes. [ 57. JAGUARIBE, Hélio, Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial Fascismo, p. 33. ] A 13 de março, Jango realizou o famoso comício da Central do Brasil, onde assinou decretos de nacionalização dás refinarias e reforma agrária. Em 15/03 enviamensagem ao Congresso onde diz: "Optei pelo combate aos privilégios e pela iniciativa das reformas de base, por força das quais se realizará a substituição de estruturase instituições inadequadas à tranqüila continuidade do nosso progresso e à instauração de uma convivência democrática plena e efetiva". 58. [ 58. GOULART, João, Mensagem ao Congresso Nacional. Apud SKIDMORE, Brasil: de Getúlio a Castelo, p. 351. ] Em 31 de março aconteceu o golpe militar. Saindo do nacionalismo desenvolvimentista, o Governo de Goulart constituiu uma tentativa socialista no Brasil, frustrada pela própria divisão das esquerdase pela ação dos militares. Diz Jaguaribe: "Enquanto a primeira experiência do governo Goulart, sob a direção de San Thiago, foi pelo próprio Presidente impedida de entrar efetivamenteem execução, no tocante à sua segunda experiência política, foi o golpe militar de 1º de abril de 1964 que lhe não permitiu levá-la a termo. No primeiro caso, umaalta sofisticação foi posta a serviço do desenvolvimento nacional e da reforma social sem lhe ter sido dada a oportunidade de real experimentação. No segundo, tornou-seuma revolução social do topo para p. 96

baixo, sem a formação prévia dos quadros revolucionários e sem a participação efetiva das massas"

Golpe de 1964

O Governo de Goulart terminou com o golpe militar em abril de 1964. De novo os militares intervêm na política brasileira, como já o fizeram em 1937, 1945,1954, 1961. Somente que, desta vez, a intervenção foi diferente das outras. Os militares de "linha dura" queriam o poder e não devolvê-lo aos civis, pois alegavamincapacidade destes de dirigir a nação. Depois do golpe, os civis que deram seu apoio - Magalhães Pinto, Mesquita, Bilac Pinto - se viram colocados em segundo plano.E as esquerdas se desmoronaram. Nos primeiros dias do golpe, os congressistas agiram como se tudo fosse igual às outras vezes. O Congresso não declarou o impedimentode Goulart. Os políticos do PSD e UDN elaboraram um projeto de emergência. Os militares percebem a posição do Congresso, baixam o Ato Institucional nº 1, dandomais poderes ao Executivo e determinam eleições para Presidente e Vice. No dia 11 de abril, Castelo Branco foi eleito e o Congresso, para mostrar que ainda existia,elegera José Maria Alkimim como vice-presidente. Castelo Branco na vigência do Ato Institucional puniu 378 pessoas, embora os de linha dura quisessem umas 5.000.Castelo Branco, entre outras coisas, procurou demonstrar que o golpe não era reacionário e de direita. Assumiu a postura econômica de Bulhões e Roberto Campos, queimplicava uma política anti-inflacionária. Logo em 1966 houve eleições para prefeitos e governadores. Muitos foram considerados inelegíveis. O governo interveio no sistema eleitoral para ter maior controle. Entre as medidas: ex-ministros de Goulart após o plebiscito não podiam se candidatar e criava-se novo estatuto de partidospolíticos. Nas eleições de 1965, no Rio e em Minas Gerais, foram eleitos candidatos ligados às antigas forças e que não tinham simpatia dos militares. Conseqüênciadisso: Ato Institucional nº 2, de 27/10/65, e a dissolução dos partidos. A partir de outubro de 1966, verifica-se um endurecimento do regime. A justificativa eraque o governo precisava continuar com o seu programa de combate à inflação e este era impopular. Segundo Skidmore, três são os fatores que podem ajudar o crescimentodo autoritarismo: 1) a atitude dos militares que se constituem como censores da política brasileira; 2) a desorganização dos políticos, ao mesmo tempo seu adesismo,inclusive o da oposição e 3) descrença do povo em geral pelo oportunismo dos políticos. [ 59. JAGUARIBE, Hélio, Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial Fascismo, p. 32. ] E a oposição? Oposição depois de 1964 eram, os estudantes universitários e o clero, católico progressista. E alguns grupos de esquerda, que apesar da profundarepressão conseguem sobreviver na p. 97

clandestinidade. O regime, após 1964, deixa de lado o projeto "nacionalista-desenvolvimentista" e assume o "desenvolvimento associado". No dizer de Luiz Pereira,"a revolução de 1964, independentemente do nível de consciência dos seus líderes quanto às funções desse movimento, foi objetivamente a contra-partida política dodesenvolvimento econômico 'associado', ao buscar a compatibilização entre o plano econômico e o plano político desse 'modelo'. Esse plano político realiza-se emdois âmbitos: o das relações 'externas' e o das relações 'internas' da sociedade brasileira". 60. As relações "externas" se definem como doutrina de interdependência.Significa ressaltar a opção do Brasil para o sistema democrático ocidental. Essa doutrina surge da coincidência dos interesses do Brasil com a América Latina, continenteamericano e ocidente. As palavras do Presidente Castelo Branco demonstram o espírito da relação Brasil-Estados Unidos da América: "Temos a convicção de que o Brasile a grande nação norte-americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais do plano de uma digna política e de uma amizade recíproca". 61. As relações "internas"em consonância com as relações "externas" manifestam-se numa "estrutura de poder autocrática, que, ao combater o que se tem denominado "comuno-nacionalismo", subversãoe corrupção acaba objetivamente se constituindo num instrumento de liquidação das expressões políticas do nacional-desenvolvimentismo". 62. Este modelo leva o paísà total dependência dos credores externos e a estabilização é buscada para que haja desenvolvimento, segundo porta-vozes do novo sistema. [ 60. PEREIRA, Luiz. Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento, p. 154. O grifo é do autor. 61. Ibid., p. 155-156. 62. Ibid., p. 156. ]

O Serviço Social de 1960 a 1967

Salientaremos agora alguns aspectos do Serviço Social brasileiro no período de 1960 a 1967. A década de 60 foi considerada a "Década do Desenvolvimento",decisão essa tomada em 1961 na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas. O Desenvolvimento, a partir desse período, é entendido não só como crescimento,mas crescimento e mudança. É nesse período que o Presidente Kennedy propõe a Aliança para o Progresso. É no começo da década de 60 que o Serviço Social assume apostura desenvolvimentista com clareza. Explicitaremos essa posição a partir dos Anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social, organizado pelo CBCISS, realizadoem 1961, na cidade do Rio de Janeiro. O Congresso teve como tema central "O Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social". Podemos perceber pelo temário doCongresso os pontos de maior preocupação dos assistentes sociais; entre eles salientamos: A Previdência Social para o Desenvolvimento, O Desenvolvimento e Organização p. 98

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de Comunidade no setor urbano e rural, A Formação e Treinamento de Pessoal para o Desenvolvimento e Organização de Comunidadee outros. O Congresso acontece sob o eco das palavras do Presidente Quadros, que em discurso apresenta de maneira explícitae formal a importância do Serviço Social no processo de desenvolvimento. O Presidente em sua mensagem presidencial afirmou: "Oprocesso de desenvolvimento a que almejamos enseja a participação do homem na solução de seus problemas, tornando-o agentede seu próprio bem-estar. É por aí que o Serviço Social se transforma num instrumento da democracia, ao permitir a verdadeiraintegração do Povo em todas as decisões da comunidade". 63. Apresentaremos alguns pontos importantes desse Congresso. Está em seus anais: [ 63. QUADROS, Jânio, Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional, apud ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇOSOCIAL, Rio de Janeiro, 1961, p. 33. ] "Cumpre, pois, vincular estreitamente o Serviço Social ao processo de desenvolvimento nacional e dar aos assistentes sociais, na a área desua estrita competência, as atribuições que lhe são próprias e que ainda não foram devidamente definidas. Neste sentido, tanto o ServiçoSocial como os profissionais dessa atividade devem desempenhar na sociedade brasileira um papel pioneiro e relevante no que toca aodesenvolvimento nacional". 64. Aylda Reis nesse Congresso também enfatiza o acima exposto, afirmando em suaconferência: "Ao meu ver, é a hora do Assistente Social estar presente, junto a outros técnicos, pondo a serviço do desenvolvimento nacional toda asua capacidade profissional". 65. [ 64. ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL. Rio de Janeiro, 1961, p. 19-20. O grifo é nosso. 65. REIS, Aylda Pereira, "O Desenvolvimento para o Bem-Estar Social em Face da Realidade Brasileira". ANAIS DO 11 CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL,Rio de Janeiro, 1961, p. 65. ] A autora salienta também que o processo "desenvolvimento e organização de comunidade" pode influenciar "na reformulação da Política Social, na reforma das estruturase procedimentos administrativos e na vitalização e ordenação da atividade privada em benefício do bem-estar social". 66. Os participantes do Congresso insistiram muitona importância da formação do assistente social e de sua tarefa, tendo em vista o processo de desenvolvimento por que passa o país. Nos referidos Anais, lê-se: "Odesenvolvimento econômico confere novas dimensões e importância à função do assistente social. O economista pode indicar as medidas gerais que facilitem o desenvolvimento.A aceitação destas e a disposição de colaborar deverá ser obtida em outro nível: neste as técnicas de organização de comunidade constituem o grande instrumento detrabalho". 67. [ 66. Ibid., p. 67. O grifo é da autora. ] 67. MAGALHÃES, João Paulo de Almeida, ---0 Desenvolvimento e Z1 Organização da Comunidade e o Planejamento Regional". Apnd ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRODE SERVIÇO SOCIAL, Rio de Janeiro, 1961, p. 102. ] p. 99

A partir de Juscelino Kubitschek e nesse momento da Aliança para o Progresso, a maioria dos assistentes sociais assumiram o conceito dualista de subdesenvolvimento,assim como se colocarão depois a serviço do modelo de dependência. Mostraremos, a partir do II Congresso, o assumir da postura dualista pelo Serviço Social. Percebe-seo "dualismo" na conferência de Aylda Reis. Quando da análise da realidade e no item "condições econômicas", assim se expressa "...está ainda nosso país, infelizmente,formando entre os que apresentam áreas e um contingente significativo de sua população, em situação de subdesenvolvimento. Estudos já efetuados e outros em andamentovêm comprovando não só a acentuada desproporção entre os níveis de vida nas diversas regiões do país, como a existência de populações vivendo em situação infra-humana,tanto mais injusta e injustificável, quando se verifica nas vizinhanças dos centros mais desenvolvidos". 68. Ainda no II Congresso, no relatório da Comissão que analisoua questão da Formação e Treinamento do Pessoal para o Desenvolvimento e Organização de Comunidade, expressa-se claramente a perspectiva dualista de análise, quandoafirma: "No Brasil o progresso da industrialização é recente e seu desenvolvimento não é uniforme nem contínuo. Somos um país de áreas subdesenvolvidas e de áreasdesigualmente desenvolvidas. Jacques Lambert, em Os Dois Brasis, traça com uma propriedade o perfil dos dois países que somos: do Brasil arcaico e do Brasil novo- duas estruturas coexistentes, indissoluvelmente ligadas, que se contrastam e onde se inserem subculturas numerosas". 69. Como vemos, a obra clássica Os Os DoisBrasis, traça com propriedade o perfil dos dois países A concepção de subdesenvolvimento é o dualismo e a nível das ciências sociais a base teórica desses assistentessociais é o funcionalismo. Este dá aos profissionais em questão uma visão de comunidade como uma unidade harmônica. As pessoas que estão fora e que, portanto, são"disfuncionais" ao sistema devem a ele ser integrados. Trabalhar com as "disfunções" é uma exigência uma vez que o equilíbrio das tensões é fundamental, pois cadaum tem seu papel, sua função. Dentro da perspectiva dualista o setor atrasado é disfuncional ao setor moderno. Nesse período de nossa história o Serviço Social épartidário de reformas e transformações que devem melhorar a vida em sociedade. Mas, no fundo, o desejo de mudança se insere na melhoria do sistema. Diz VicenteFaleiros: "Em um plano aparente se pode verificar a aceitação de mudança da planificação da nacionalidade. Esta nacionalidade é uma modernização e uma busca de p. 100

eficiência para que o sistema funcione melhor em seu conjunto". 70. A ação do assistente social não se dirige aos problemas que nascem nas relações sociais de produção,mas aos problemas efeitos, ou problemas ligados à vida da cidade como luz, água, melhoria de ruas etc. Diríamos que o desejo de mudança nasce mais do medo- em relaçãoàs massas do que de um comprometimento com essas mesmas massas. Nos anais do II Congresso Brasileiro de Serviço Social, lê-se: "Num momento em que as massas perplexase miseráveis se politizam irreversivelmente, ou as promovemos à condição de povo esclarecido, espiritual ou economicamente elevado, ou sofremos a tirania de seuódio e de sua revanche". 71. Há um outro problema que impede o Serviço Social de chegar às causas: o seu método. Existe em seu método a visão positivista, como afirmaFaleiros: "... o método que tem (...) é totalmente positivista, ou seja, relaciona os problemas de uma maneira estática e mecânica, por exemplo, fazendo dependero alcoolismo quase que exclusivamente do desequilíbrio psicológico. Então passa a tratar o desequilíbrio psicológico sem um enfoque global da sociedade que permitedescobrir as contradições fundamentais, o ir do particular ao geral. A negação da contradição tem levado o Serviço Social a ver sua própria contradição: pretendeservir a um homem abstrato em uma sociedade que destrói o homem concreto". 72. [ 68. REIS, Aylda Pereira, "O Desenvolvimento para o Bem-Estar Social em Face da Realidade Brasileira". Apud ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇOSOCIAL, Rio de Janeiro, 1961, p. 60. 69. ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL, Rio de Janeiro, 1961, p. 171. 70. "En un plano aparente se puede verificar la aceptación del cambio de la planificación de la racionalidad. Esta racionalidad es una modernización yuna búsqueda de eficiencia para que el sistema funcione mejor en su conjunto". FALEIROS Vicente de Paula, Trabajo Social - Ideologia y Método, p. 43. 71. MANCINI, Luiz Carlos, "A posição do Serviço Social no Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social". Apud ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DESERVIÇO SOCIAL, p. 132. O grifo é nosso. 72... el método que tiene (...) es totalmente positivista, o sea, relaciona los problemas de una manera estática y mecánica, por ejemplo, haciendodepender el alcoholismo casi exclusivamente del desiquilibrio psicológico. Entonces pasa a tratar al desequilíbrio psicológico, sin un enfoque global de la sociedadque permita descobrir las contradicciones fundamentales, o el ir del particular al general: La negación de la contradicción ha llevado al Servicio Social a ver supropia contradicción: pretender servir a un hombre abstracto en una sociedad que destruye al hombre concreto". FALEIROS, Vicente de Paula. Trabajo Social - Ideologiay Método, p. 26. ] Outro ponto importante dentro da teoria nacional-desenvolvimentista e que foi abordado por Aylda Reis, no II Congresso Brasileiro de Serviço Social, é aimportância do Estado no desenvolvimento. O Estado é o propulsor do desenvolvimento, fornecendo diretrizes e atuando na prática. Eis que o Estado deve batalhar paraimpedir os conflitos. Isto não quer dizer que não aceita a mudança e as transformações. Aceita-se o conflito, porém institucionalizado e controlado. O Serviço Socialdeve fazer com que a população aceite o desenvolvimento proposto pelo Estado. Este assunto foi tratado por Faleiros a partir das conclusões do V Congresso Pan-Americano,em 1965. Entre outras coisas afirma: "Ao imputar ao Estado a força dinamizadora, p. 101

se exclui a luta de classes, aceitando o Estado existente como neutro. O ator-indivíduo é isolado de seu contexto de produção e desua classe, quer dizer da sociedade como totalidade e estrutura". 73. [ 73. "Al imputarse el Estado la fuerza dinamizadora, se excluye la lucha de clases aceptándose al Estado existente como neutral. EI actor-indivíduo es aisladode su contexto de producción y de su clase, es decir, de la sociedad como totalidad o estructura". FALEIROS, Vicente de Paula, Trabajo Social Ideologia y Método,p. 42. ] Em 1960 tivemos, promovido pelo Serviço Social Rural, o "Seminário Nacional sobre Ciências Sociais e o Desenvolvimento de Comunidade Rural no Brasil". SegundoSafira Ammann, nesse seminário temos a presença de várias posturas. Os que defendiam a necessidade de mudanças estruturais profundas, os que salientavam a necessidadede um trabalho de conscientização dos problemas e uma mudança cultural e outros que encaravam a necessidade de mudanças, mas no sentido de diminuir os conflitos.É sob essa ótica que colocavam a reforma agrária. Além, é claro, da melhor racionalização de produção. E os assistentes sociais assumiam em sua maioria essa últimaposição. Também essa posição era a da burguesia nacional. Esta desejava a modernização das estruturas, modernização entendida como um assumir de valores e caracteresdas sociedades desenvolvidas, sem no entanto mudar a estrutura econômica e social. Em 1961, de 12 a 14 de maio, aconteceu um encontro da'União Católica Internacional do Serviço Social sobre o tema geral "Perspectivas Cristãs de uma PromoçãoHumana e Social" e um dos temas foi a "Teoria do Desenvolvimento em face das exigências cristãs". Nas conclusões do encontro vemos enfatizado o desenvolvimento segundoo humanismo cristão na "...perspectiva de desenvolvimento integral e harmonioso das potencialidades humanas, e que envolve, necessariamente, a idéia de valores,identificando-as com a noção do bem-comum". 74. Nas conclusões, temos a sugestão de que o Serviço Social acompanhe com interesse os Movimentos de Educação de Base

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(MEB) da CNBB e que esse movimento só se realizará com o apoio do Serviço Social. [ 74. UNIÃO CATÓLICA INTERNACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, Perspectivas Cristãs de uma Promoção Humana e Social, p, 46. ] Em 1962, tivemos, em Petrópolis, a XI Conferência Internacional de Serviço Social sobre o tema "Desenvolvimento de Comunidades Urbanas e Rurais", de 19 a25 de agosto. Essa Conferência foi antecedida pela Pré-Conferência, na semana anterior, em Recife, e foi importante por analisar e conceituar Desenvolvimento deComunidade. Também salienta que o desenvolvimento econômico só tem sentido cem o desenvolvimento social. O relatório dos brasileiros a essa Conferência mostra aintervenção que é feita na realidade urbana. Mostra a ação do Serviço Social na criação de "Centros Sociais Urbanos" junto às favelas, no sentido de removê-las outransformá-las, p. 102

bem como continuam com trabalhos junto aos menores, prostitutas, delinqüentes etc. Também, em 1962, foi criado em São Paulo o "setor de Comunidade" no ex-Serviço Social do Estado de São Paulo da Secretaria de Saúde Pública e AssistênciaSocial. Esse setor promoveu um Encontro de Técnicos em Desenvolvimento e Organização de Comunidade, realizou cursos e seminários para assistentes sociais do Estadoe de outras instituições e realizou um projeto-piloto em desenvolvimento e organização de comunidade. 75. [ 75. Cf. SILVA, Maria Lúcia Carvalho da, Evolução do Conceito de Desenvolvimento de Comunidade no período de 1965/1970, na Sub-Região do Cone Sul da AméricaLatina, p. 143-144. ] No setor acadêmico, temos em 1960 a introdução da nomenclatura "Desenvolvimento e Organização de Comunidade" e que foi consagrada no II Congresso Brasileirode Serviço Social. Foi a Escola de Serviço Social da PUC do Rio de Janeiro que começou a utilizar essa expressão. Em 1963, tivemos uma Convenção da ABESS que analisoua realidade brasileira e suas relações com Desenvolvimento e Organização de Comunidade. Em 1963 e 1964, realizaram-se encontros das escolas de Serviço Social doNordeste. E as colocações e posições foram num sentido de maior comprometimento com as lutas do povo e a necessidade de reformulação do Serviço Social em vista dessasnovas exigências. Em 1965, temos em São Paulo a realização do Seminário: A Dimensão Regional e o Processo de Desenvolvimento e a Presença do Serviço Social", organizadopelo Instituto de Serviço Social. Nesse Seminário, José Carlos A. S. Queirós e José Guy Siegl abordando o tema "As Faculdades de Serviço Social e o Processo do Desenvolvimento"enfatizam que "o Serviço Social, através de um de seus processos, ou seja, o Serviço Social de Comunidade, tem importantíssimo papel na atual conjuntura sócio-econômicabrasileira, que se caracteriza (...) pelo despertar nacional para o desenvolvimento"; 76; bem como salientam o papel preponderante das faculdades de Serviço Socialno preparo de técnicos, com capacidade de darem sua contribuição ao desenvolvimento nacional. [ 76. QUEIRÓS, Carlos A. S., e SIEGL, José Guy, As Faculdades de Serviço Social Face às Mudanças Sociais na AméricaLatina, p. 19. ] Em 1965, tivemos a realização do Seminário Regional em Porto Alegre. Seminário sobre o "Serviço Social face às mudanças sociais na América Latina". O Seminárioenfatizou a importância da inserção do Serviço Social no processo de desenvolvimento e a necessidade de um Serviço Social latino-americano. Os participantes desseSeminário ficaram conhecidos como "geração 65". Foram conferencistas no Seminário: Herman Kruse, José Lucena Dantas, Jorge Furtado, Maria Lúcia de Carvalho Silva.Entre as conclusões salientamos: "1) O Serviço Social, pela sua natureza, deve atuar sobre as causas dos problemas sociais; 2) É necessária a participação do ServiçoSocial nas equipes governamentais de planejamento econômico e de bem-estar p. 103

social; 3) O Serviço Social deve preocupar-se com a mudança de mentalidade do povo e das cúpulas, procurando melhor formação do cidadão e maior aproximação entrepovo e governo; 4) Os princípios do Serviço Social e suas técnicas são universais, mas sua aplicação prática exige habilidade e adequação às situações, o que precisaser mais desenvolvido no Serviço Social latino-americano". 77. O Seminário se realizou sob a perspectiva do desenvolvimentismo. [ 77. CONCLUSÕES E SUGESTÕES do SEMINÁRIO REGIONAL sobre "O Serviço Social Face às Mudanças Sociais na América Latina", Porto Alegre, 1965, p. 1-2. ] No período de 1960 a 1964, constatamos a presença de várias posturas no trabalho do Serviço Social em Comunidade. A partir de 1960, vemos a presença de assistentessociais que continuam dentro de uma visão acrítica que sempre tiveram. Outros são partidários de reformas, de mudanças equilibradas dos problemas da sociedade. Assumemuma postura reformista, não colocam em xeque a ordem social estabelecida. Procuram, para isso, adequar o Serviço Social para essa tarefa, buscando novas técnicase querendo impor-se como científico. Como vimos, essa posição foi analisada e ressaltada em vários congressos e seminários, bem como marcou profundamente a práticadesses profissionais. Esse grupo continuará após 1964 e atrelando-se a partir de 1968 ao modelo de dependência. Os assistentes sociais que assumem essa posição -a do desenvolvimentismo - não conseguem enxergar as contradições da sociedade: 1) Porque a prática do Serviço Social tem sido eminentemente ideológica. E nessalinha sempre serviu às classes dominantes. 2) Seu método, que separa sua ação junto ao indivíduo, grupo e comunidade. O trabalho com o indivíduo se dá isoladamente,fora da classe social. Ao nível de trabalho de grupo e comunidade enfatizam a necessidade de resolverem os problemas comuns, busca-se o consenso, camuflando assimas contradições existentes dentro da realidade e a luta de classes. 3) Esta separação dos métodos tem por base o funcionalismo. A integração e o ajuste e não o conflitosão pontos de chegada. E por muito tempo os assistentes sociais, no dizer de Herman Kruse, encontraram no desenvolvimentismo e na Aliança para o Progresso a justificaçãode sua profissão, não percebendo que o desenvolvimentismo implica o desenvolvimento do sistema capitalista e não a solução para os países subdesenvolvidos. Tivemos no período de 60 a 64 uma outra experiência de Serviço Social. A experiência de um pequeno grupo de assistentes sociais que partem de uma análisecrítica da sociedade, percebendo as contradições e a necessidade de mudanças radicais. E gradativamente assumem um compromisso com as mudanças estruturais, colocando-sea serviço do povo. No Nordeste, esse posicionamento terá apoio das escolas de Serviço Social. Em dois encontros de escolas salientou-se a importância de um engajamentoprofundo das escolas na mobilização popular. Nesse período, os assistentes sociais comprometidos, muitos p. 104

partindo do posicionamento dos cristãos de esquerda, engajaram-se no MEB - Movimento de Educação de Base, organizado pela CNBB, que inicialmente empreende um trabalhode alfabetização, passando depois para animação popular e para um trabalho de sindicalização; bem como no trabalho de Cultura Popular de Paulo Freire. Nessa fase,exercerá também uma influência marcante nos estudantes de Serviço Social, a posição da Juventude Universitária Católica - JUC. Esse trabalho assumido por parte dosprofissionais em Serviço Social terá fim com o golpe de 1964. Queremos salientar aqui, de maneira sintética, por falta de material, a presença das posições da Igreja Católica no Serviço Social no que tange ao desenvolvimento.Assim como a Igreja marcou o início do Serviço Social, continua nessa fase, e mesmo hoje, a marcar o Serviço Social. Na primeira fase do Serviço Social a presençados pressupostos católicos era única, a partir da década de 60 temos assistentes sociais cristãos que continuam assumindo a visão tradicional da Igreja e os queassumem uma posição mais progressista. O Serviço Social receberá nesse período a influência da JUC, dos bispos mais progressistas, das encíclicas papais Mater etMagistra, Pacem in Terris e Documentos do Conselho Episcopal Latino-Americano - GELAM - sobre a questão do desenvolvimento. Temos também em 1967 a Encíclica PopulorumProgressio. Em 1962, a CNBB lançou seu Plano de Emergência. Um Plano de Pastoral para o Brasil. Na parte econômico-social temos na "Declaração da Comissão Central daConferência Nacional dos Bispos do Brasil" um apoio às chamadas reformas de base. Dizem os bispos: "Daí saudarmos com alegria as Reformas de Base que passaram aser anseio de todos os responsáveis - Poderes da República, Partidos Políticos, Classes Dirigentes. Em breve sugeriremos a propósito de Reformas tidas, com razão,como inadiáveis - Reforma Agrária, Reforma Tributária, Reforma Bancária, Reforma Universitária, Reforma Eleitoral, Reforma Administrativa - não indicações técnicasque nos escapam - mas diretrizes doutrinárias, aplicadas a nosso tempo e a nosso meio". 78. Em 30 de abril de 1963, temos outro pronunciamento dos bispos, dandoapoio às reformas de base. Teremos nesse período também a presença do Jornal Brasil Urgente. [ 78. CNBB, Plano de Emergência para a Igreja do Brasil, p. 48. ]

O DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE APÓS 1967

Faremos aqui uma caracterização rápida do regime militar, bem como uma pequena colocação do Serviço Social após 1967. Limitar-nos-emos a uma análise superficial,pois nossa preocupação se concentra no Documento de Araxá, que veio a lume em 1967. p. 105

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO REGIME MILITAR DE 1964

A partir de 1964 temos a presença em nossa história do regime militar, fruto da chamada Revolução de 1964. Temos no poder, além dos militares, os tecnocratas.A classe política foi alijada do poder. Com esse regime, temos o fim do nacional-desenvolvimentismo e a nossa dependência passa a ser total. O regime está a serviçodo capital internacional e procura internamente criar condições para o crescimento desse capital através da modernização de nossas estruturas. Explicitaremos algumas características do Regime pós-64. 1. Controle Integral do Estado. Para poder governar e impor sua ideologia, os militares assumem o controle total do Estado e o fazem e se legitimam atravésdos Atos Institucionais. Entre eles o que marcou a total imposição do poder foi o Ato Institucional nº 5. Esse controle do Estado e dos Atos Institucionais constituiu"o mais formidável recurso do poder político central jamais experimentado no Brasil, resultando em haver equipado o governo com meios coercitivos dificilmente igualadosnos regimes mais autocráticos". 79. [ 79. JAGUARIBE, Hélio, Brasil: Estabilidade Social pelo Colonial Facismo, p. 34. ]

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2. Engajamento do Brasil com os Estados Unidos e com o Ocidente. Esse engajamento foi proclamado e constantemente buscado. E se fez sob a ótica da Geopolíticado Gal. Golbery do Couto e Silva. Vejamos suas idéias. Através da análise da situação geográfica em que nos encontramos, tenta elaborar seus conceitos para defesado País e do Ocidente da ação comunista. Mostra a significação do Brasil para o Ocidente e vice-versa. Diz da vocação democrática do Ocidente; é preciso defendê-lada ação do eixo Moscou-Pequim. Para tal é necessário maior relacionamento Brasil-América Latina, bem como com os Estados Unidos. Importante também é a defesa daÁfrica. E mostra a necessidade de se combater o subdesenvolvimento como arma para não ação dos países do Oriente. Afirma: "Combater o subdesenvolvimento nas áreasnacionais retardadas e no restante do continente, cooperar também na imunização dos jovens países africanos à infecção fatal do comunismo, estar vigilante e atentoa qualquer progressão soviética na direção dessa África Atlântica onde se situa a fronteira avançada e decisiva da própria segurança nacional, colaborar por todosos meios e mantê-la livre totalmente do domínio comunista - eis aí, mais ou menos bem delineada, numa tentativa de ordem de prioridade decrescente, as diretrizesque nos afiguram indeclináveis de uma geopolítica brasileira adequada à atual época agitada e cataclísmica, ante um mundo que se debate e agoniza no mais brutalencontro de civilização antagonista". 80. Quando fala da dependência dos Estados Unidos, afirma: "Que por outro lado, o Brasil essencialmente depende - e quanto!- do restante do Ocidente e, p. 106

em particular, dos Estados Unidos para seu comércio, ou seu desenvolvimento econômico, o seu progresso técnico e cultural, até parasua própria segurança, é fato que para nós brasileiros de hoje, não existe discussão maior". 81. A partir das colocações acima, podemos perceber a filosofia do governo.Parte do princípio de que Oriente e Ocidente estão em guerra. O Brasil, dada a sua situação geográfica, cultural, histórica, política e econômica, está situado noOcidente, que tem como sistema o capitalismo e como líder os Estados Unidos. Não é possível uma situação neutra. É necessário optar. Dada a sua situação, só lheresta a defesa do Ocidente. [ 80. SILVA, Gal. Golbery do Couto e, Geopolítica do Brasil, p. 137. 81. Ibid., p. 247. ] Para demonstrar essa opção, podemos ver a frase do Presidente Castelo Branco que já citamos, bem como o Tratado de Garantia de Investimento com os EstadosUnidos assinado pelo referido Presidente e as frases pronunciadas por Juracy Magalhães: "O que é bom para o Brasil é bom para os Estados Unidos" e a de Leitão Pinto:"Não existe mais dependência, mas interdependência". 3. Ênfase ao capital privado. Por decorrência desses três pontos, passamos a receber e a incentivar a entrada de grandes contingentes de capital estrangeiro,para o crescimento da produção industrial brasileira. Celso Furtado nos diz: "A alta de crescimento da produção industrial brasileira, alcançada a partir de 1968,foi obtida através de uma política governamental muito bem sucedida que visa a atrair as grandes empresas internacionais e fomentar a expansão das subsidiárias destasjá instaladas no país". 82. Como conseqüência dessa presença de capital estrangeiro a dependência se reforça. A economia do País passa a ser determinada pelas multinacionais.Ela absorve as nacionais, ou as coloca no plano secundário. Também o Estado encontra-se a serviço das mesmas. Tem que manter condições para que as empresas internacionaispossam investir. No Brasil, além da estabilidade social, econômica e política, as multinacionais contam com mão-de-obra barata, pela transferência de mão-de-obrado setor de subsistência para o setor moderno. E essa presença do capital estrangeiro é mostrada como ajuda aos países subdesenvolvidos. O que podemos constataré que dentro desse tipo de economia os países periféricos financiam os cêntricos. Toda "ajuda" visa apenas a sugar os países subdesenvolvidos. Os países cêntricospermitem um certo crescimento para assim impedir as tensões sociais. O que eles nos "emprestam" levam de volta. [ 82. FURTADO, Celso, O Mito do Desenvolvimento, p. 103. ] 4. Por conseqüência dessa internacionalização política e econômica e para que o regime se mantenha, temos uma profunda concentração de renda e, para isso,tem-se um arrocho salarial que redundará em transferência do capital da classe trabalhadora ao empresariado. Esses aspectos evidenciam que apesar de todo discursopatriótico, a política econômica não beneficia a população brasileira. Era p. 107

constante, principalmente no auge do "milagre brasileiro", a idéia de que primeiro deve fazer o bolo crescer para depois dividir. Vemos isto claro numa das afirmaçõesdo ex-ministro Simonsen: "O Governo firmou-se na filosofia produtivista, recusando-se a promover melhoria da distribuição de renda por medidas de prodigalidadessalariais, ou quaisquer outras que pudessem comprometer o futuro crescimento da economia. O problema distributivo evidentemente preocupa o Governo, mas o elencode providências tomadas nesse sentido procura solucionar o problema a médio e longo prazos sem comprometer a taxa de poupança e as possibilidades de crescimento". 83. [ 83. SIMONSEN, Mário Henrique, e CAMPOS, Roberto de Oliveira, A Nova Economia Brasileira, p. 20-21. ] 5. Utiliza-se nesse período e dentro da ótica da Geopolítica do Gal. Golbery a Ideologia da Segurança Nacional. Ela passa a ser mais privilegiada que o Desenvolvimento.Temos aqui o binômio "Segurança e Desenvolvimento". 6. Dada a concentração de renda e pauperização da maior parte da população temos um crescimento da Política Social. O governo criará uma série de saláriosindiretos para poder manter a reprodução da força de trabalho. 7. Ênfase na exportação do que produzimos. Vejamos uma afirmação do ex-ministro Simonsen: "Desde 1964 firmou-se a convicção de que o Brasil precisava extrovertero seu modelo de desenvolvimento, dando especial atenção ao problema da expansão das exportações. Duas razões fundamentam essa preocupação. Primeiro, a crença deque dificilmente o país poderia continuar reduzindo o seu coeficiente de importações. Segundo, porque o crescimento das vendas ao exterior era condição imprescindívelpara que o país pudesse continuar absorvendo capitais estrangeiros". 84. [ 84. Ibid., p. 16-17. ] 8. Vimos que as características ideológicas do regime "são: autoritarismo (governo forte e centralizado), elitismo (ao nível econômico e técnico), o liberalismo,o individualismo (ênfase na possibilidade individual de ascensão social), internacionalização econômica, política e cultural e concentração do capital". 85. [ 85. KAMEYAMA, Nobuco, Anotações de Aula do Curso de Especialização em Desenvolvimento de Comunidade. ] Dentro da expansão do regime temos a desarticulação das oposições, das organizações populares, dos sindicatos, dado o caráter repressivo a partir de 1968e principalmente durante o Governo Médici. A partir de 1978, depois de ter passado pelo milagre brasileiro, tendo em vista as pressões do povo, dos operários e de várias instituições da sociedadecivil e por uma estratégia do próprio regime, temos um período de "Abertura Democrática". p. 108

"Em verdade, o golpe de 1º de abril de 1964 é o fecho de longo processo de transição do Brasil da esfera da libra esterlina para a esfera do dólar". 86. [ 86. IANNI, Octávio, Colapso do Populismo no Brasil, p. 145. ]

O SERVIÇO SOCIAL DEPOIS DE 1967

Após o Golpe de 1964 e até 1967, temos ainda no discurso do Serviço Social a presença da linguagem do nacional-desenvolvimentismo.As experiências mais comprometidas se desarticulam. Continua a postura de que é preciso reformas, mas não estruturais. Nesse períodoe a partir de 1968, o Serviço Social assume um caráter assistencialista, apesar de todo "rigor técnico e científico". Através da inserçãona Política Social do Governo assumem um compromisso com a classe dominãnte. O projéto de desenvolvimento é de dependência.Para que o sistema funcione, é preciso integrar toda a população no projeto governamental. E os assistentes sociais o farão, a partir de1968, participando da execução da Política Social que tem como função, no dizer de Safira: "de eliminar os obstáculos ao crescimentoeconômico - tais como a resistência cultural às inovações - à criação de condições imprescindíveis à eficácia do mesmo". 87. Elatem a função de fazer a economia funcionar dentro dos padrões capitalistas. [ 87. AMMANN, Safira Bezerra, Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 105. ] Em 1967, tivemos a realização do Seminário de Teorização do Serviço Social em Araxá. É ao mesmo tempo a presença do desenvolvimentismo e o início de umanova fase: da reconceituação que se fez necessária, para que pudesse adequar o Serviço Social ao contexto econômico, político e social da sociedade nacional. Istoserá objeto de análise do 3º capítulo. A partir da "Abertura Democrática", temos de novo a rearticulação do Serviço Social comprometido com as lutas populares,por parte de um pequeno grupo de profissionais. p. 109

CAPÍTULO III

DOCUMENTO DE ARAXÁ: SEUS PRESSUPOSTOS

APRESENTAÇÃO E SÍNTESE DO DOCUMENTO DE ARAXÁ

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APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO DE ARAXÁ

A realização do 1º Seminário de Teorização do Serviço Social foi, no Brasil, uma tentativa significativa, de maneira conjunta e intencional, de estudare teorizar a Metodologia do Serviço Social. Até então esse trabalho era feito pelos congressos e seminários realizados no Brasil ou em outro país das Américas, comopor exemplo o 1º Congresso de Serviço Social, em 1947, que adotou um novo conceito para o Serviço Social. O tema da Metodologia do Serviço Social também foi objetode estudo pelas escolas de Serviço Social através das convenções da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social - ABESS. O 1º Seminário de Teorização do ServiçoSocial foi promovido pelo CBCISS - Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais, que convocou um grupo de 38 assistentes sociais para uma semanade estudos sobre "Teorização do Serviço Social". Esse encontro aconteceu de 19 a 26 de março de 1967, em Araxá, Minas Gerais. Tendo havido uma preparação para oSeminário através de 05 documentos elaborados pela Escola de Serviço Social da PUC de São Paulo. Os documentos são os seguintes: Doc. I - Componentes Universaisdo Serviço Social; Doc. II - Metas do Serviço Social; Doc. III - O Serviço Social face ao processo de formulação e implantação da Política Social; Doc. IV Papeldo Serviço Social. Funções do Serviço Social; Doc. V Serviço Social. Níveis de atuação. Funções. Ótica e Metodologia. O CBCISS por sua vez preparou OS roteiros dediscussões para os trabalhos dos seminaristas. Os roteiros são: I. Roteiro para discussão sobre o conceito de Serviço Social; II. Roteiro para discussão de ServiçoSocial de Caso; III. Roteiro para discussão de Serviço Social de Grupo; IV. Roteiro para discussão de Desenvolvimento de Comunidade p. 110

(DC) e V. Roteiro para discussão de Administração de Programas. Os participantes do 1º Seminário de Teorização do Serviço Social optaram por "discutirem,todos, o mesmo roteiro sobre conceitos básicos e estudar a metodologia sob um prisma genérico, ao invés da dinâmica dos processos". 1. Após o Seminário houve a publicaçãodo que se chama Documento de Araxá. Os participantes do Seminário vieram de várias regiões do País e estavam assim distribuídos conforme as escolas em que se formaram: 10 formados pela Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP; 09 formados pela Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ; 08 formados pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG; 02 formados pela Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS; 02 formados pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, RJ; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Pará, Belém, PA; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Católica de Salvador, Salvador, BA; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social de Santa Catarina, Florianópolis, SC; 01 formado pela Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. [ 1. DEBATES SOCIAIS. "Documento de Araxá", 3(4):10. ]

Os participantes na sua quase totalidade tiveram uma formação em escolas de fundação e orientação católica. Dessas escolas 09 tiveram seu nascimento ligadocom a Igreja Católica. E, como constatamos, a maioria dos assistentes sociais presentes em Araxá foram formados pelas escolas de São Paulo, Rio de Janeiro e BeloHorizonte. Esse Seminário se insere dentro de um momento de questionãmento por parte do Serviço Social e de busca de uma metodologia mais adequada de inserção aodesenvolvimento. Balbina Ottoni, analisando esse momento histórico, afirma: "No início dos anos 60, vários p. 111

fatores levaram os assistentes sociais a questionar a natureza e operacionalidade do Serviço Social 1) O aparecimento de ideologias novas focalizando a inadequação das estruturas políticas e sociais para o desenvolvimento e a necessidade de união dos interessadospara trabalhar em cooperação em vista das mudanças desejadas; 2) A concretização dessas ideologias em movimentos culturais ou de educação popular, cuja finalidade era "conscientizar para agir"; 3) A criação de movimentos de assistentes sociais na América Latina, contestando a validade da metodologia atualmente empregada e estudando a reconceituaçãodo Serviço Social. Um desses exemplos é o movimento "Geração 65", nascido no Sul do Brasil, que inaugurou a série de Seminários Latino-Americanos. Alguns AssistentesSociais eram levados a considerar o Serviço Social não mais como uma "intervenção", mas como um meio de "conscientização"; 4) A preocupação dos Assistentes Sociais em conceituar o Serviço Social em face das exigências do desenvolvimento, o que os obrigou a reconhecer a necessidadede uma teorização". 2. [ 2. VIEIRA, Balbina O., História do Serviço Social, p. 158. ]

SÍNTESE DO DOCUMENTO DE ARAXÁ

O resultado do 1º Seminário de Teorização do Serviço Social consubstanciou-se no chamado DOCUMENTO DE ARAXÁ. Apresentaremos em seguida uma síntese do documento,salientando os aspectos que julgamos importantes face o objeto de nosso trabalho. Utilizamos a publicação do Documento de Araxá feita pela revista Debates Sociais,órgão do Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais - CBCISS. O Documento apresenta-se com uma introdução, três capítulos e uma nota final; e é dividido em parágrafos. 3. [ 3. Nesta síntese do Documento de Araxá e no item "Documento de Araxá: Análise e Crítica", faremos a citação do parágrafo analisado ou transcrito diretamentedo Documento e dispensaremos sua indicação no rodapé. ] Na introdução, salientamos os seguintes pontos: O Serviço Social no Brasil surge na década de 1930 (§ 1). "Na sua evolução, o Serviço Social, como prática institucionalizada, caracterizou-se pelo desempenho de papéis relacionados com disfunções manifestadas nonível do indivíduo sob formas de desajustamentos sociais e ao mesmo tempo identificadas ao nível das estruturas sociais" (§ 2). Percebem-se claramente dois objetivos para esse esforço de teorização. O Serviço Social deve integrar-se no processo de desenvolvimento p. 112

e para isso deve redefinir os objetivos, as funções e a metodologia e a tentativa de adequação do Serviço Social "ao contexto econômico-social da realidadebrasileira" (§ 3 e § 4). O seminário buscou também uma "análise e uma síntese dos componentes universais..." do Serviço Social, bem como uma análise e síntese "dos seus elementosespecíficos e de sua adequação ao contexto econômico-social da realidade brasileira" (§ 4). E finalmente: "...desde a instalação dos trabalhos, sentiu-se maior interesse dos participantes em discutirem todos o mesmo roteiro, sobre conceitos básicose estudar a metodologia sob um prisma genérico, ao invés da dinâmica dos processos" (§ 9). O capítulo I "analisa os objetivos remotos e operacionais do Serviço Social, sua natureza e funções, com base em sua evolução histórica, projetando-se, noentanto, para o futuro, em perspectiva de mudança social" (§ 12). É composto de 25 parágrafos e vai do 17 ao 41. Salientamos o seguinte:

I - Quanto à natureza do Serviço Social

1) Nos parágrafos 17 a 20, a preocupação é mostrar que até agora a "posição teórica do Serviço Social não alcançou, até o momento, uma definição satisfatóriano quadro dos conhecimentos humanos" (§ 17). O Serviço Social é ciência, é arte? Há várias posições: uns dizem que é uma "Ciência Social Aplicada", outros que elatem condições de se afirmar independentemente como ciência e outros que o "Serviço Social é uma ciência quando sintetiza as ciências psicossociais". Com relaçãoà arte há divergências. No § 20, diz: "Parece haver, porém, um certo consenso em caracterizar o Serviço Social no plano do conhecimento especulativo-prático, enquantose coloca ao nível da aplicação de conhecimentos próprios ou tomados de outras ciências. Justifica-se, também, considerá-lo como uma técnica social, porquanto influenciao comportamento humano e o meio, nos seus inter-relacionamentos". 2) Nos parágrafos 20 a 36, o documento fâla da conceituação, de sua evolução histórica e da necessidade de uma reformulação. a) Nos parágrafos de 21 a 23, lemos o seguinte: "A evolução dos conceitos de Serviço Social e sua sistematização como disciplina permitem afirmar a existência de componentes essenciais e que podem sersistematizados como instrumento de intervenção na realidade social. Nesta intervenção, o Serviço Social atua à base das inter-relações do binômio indivíduo-sociedade.

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Sua teorização se processa a partir da práxis, isto é, o Serviço Social pesquisa e identifica os princípios inerentes à sua prática e sistematiza sua teoria." "Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracteriza pela atuação junto a indivíduos com desajustamentos familiares p. 113

e sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas sociais inadequadas." Observa-se que a absorção dos profissionais do Serviço Social no plano prático prejudica, por vezes, a reflexão sobre as experiências realizadas e retardaas oportunidades de análise e desenvolvimento de um quadro de referências que permita a definição de sua natureza, dificultando, também, sua colocação no quadrodas ciências técnicas." b) Com relação aos caracteres corretivo, preventivo e promocional são uma peculiaridade do Serviço Social, porém não específicos. E não se trata de optarpor um aspecto mas atuar numa linha de simultaneidade. "O caráter corretivo se define como intervenção na realidade para fins de remoção de causas que impedem ou dificultem o desenvolvimento do indivíduo, grupo,comunidade e populações (§ 29)". "O caráter preventivo do Serviço Social se define como um processo de intervenção que procura antepor-se às conseqüências de um determinado fenômeno (§ 30)." "O caráter promocional ... o Serviço Social promove quando atua para habilitar indivíduos, grupos, comunidades e populações, fazendo-os atingir a plenarealização de suas potencialidades. Destaca-se, quanto à promoção humana, a importância do processo de conscientização como ponto de partida para fundamentação ideológicado desenvolvimento global (§ 32)." É necessário uma reformulação do Serviço Social "em novas linhas de teoria e de ação para melhor servir a pessoa humana e a sociedade (§ 34)". A consciênciado desenvolvimento vem exigindo do Serviço Social novos papéis, daí a necessidade também de sua reformulação. "A partir desse novo enfoque o Serviço Social deveráromper o condicionamento de sua atuação ao uso exclusivo dos processos de Caso, Grupo e Comunidade, e rever seus elementos constitutivos, elaborando e incorporandonovos métodos e processos" (§ 36).

II - Quanto aos objetivos

Os objetivos são apresentados nos parágrafos 37 a 40. O Documento apresenta uma distinção entre objetivo remoto e objetivos operacionais. Objetivo remoto: "...valorização e melhoria das condições do ser humano (...) tendo como um quadro de valores a Declaração Universal dos Direitos doHomem, das Nações Unidas..." (§ 38 e 39). Objetivos operacionais: "a) identificar e tratar problemas ou distorções residuais que impedem indivíduos, famílias, grupos, comunidades e populações dealcançarem padrões econômico-sociais p. 114

compatíveis com a dignidade humana e estimular a contínua elevação desses padrões; b) colher elementos e elaborar- dados referentes a problemas ou disfunções queestejam a exigir a reforma das estruturas e sistemas sociais; c) criar condições para tornar efetiva a participação consciente de indivíduos, grupos, comunidadese populações, seja promovendo sua integração nas condições decorrentes de mudanças, seja provocando as mudanças necessárias; d) implantar e dinamizar sistemas eequipamentos que permitam a consecução dos seus objetivos" (§ 40).

III - Funções do Serviço Social

No parágrafo 41 lemos: "Da natureza do Serviço Social decorrem suas funções nos diferentes níveis de atuação: a) Política Social; b) Planejamento; c) Administraçãode Serviço Social e d) Serviços de atendimento direto, corretivo, preventivo e promocionala indivíduos, grupos, comunidades, populações e organismos". O capítulo II "estuda a metodologia do Serviço Social, confrontando-se as concepções atuais acerca dos processos básicos ao mesmo tempo que procura identificaros elementos constitutivos de cada um. Levando, ainda, a problemática da maior rentabilidade na utilização da sua instrumentalização metodológica" (§ 13). É composto de 61 parágrafos. Vai do § 42 até 104. Salientamos o seguinte: I - Metodologia de Ação do Serviço Social Nos parágrafos 42 a 47, o documento fala dos princípios e postulados que fundamentam a metodologia do Serviço Social. Os participantes- do Seminário entendempostulados "...pressupostos éticos e metafísicos..." e princípios operacionais "aqueles norteadores da a ação do agente profissional e as normas de ação devalidade universal à prática de todos os proçessos do Serviço Social". No § 45, lemos: "Dentre os postulados, conclui-se que pelo menos três se acham, explícita ou implicitamente, adotados como pressupostos fundamentadores daatuação do Serviço Social: a) postulado da dignidade da pessoa humana: que entende como uma concepção do ser humano numa posição de eminência ontológica na ordemuniversal e ao qual todas as coisas devem ser referidas; b) postulado da sociabilidade essencial da pessoa humana: que é o reconhecimento da dimensão social intrínsecaà natureza humana, e, em decorrência do que se afirma, o direito de a pessoa humana encontrar, na sociedade, as condições para sua auto-realização; c) postuladoda perfectibilidade humana: compreende-se como o reconhecimento de que o homem é, na ordem óntológica, um ser que se auto-realiza no plano da historicidade humana,em decorrência do que se admite a capacidade e potencialidades naturais dos indivíduos, grupos, comunidades e populações para progredirem e se autopromoverem". p. 115

No § 46, encontramos os princípios operacionais: "... a) estímulo ao exercício da livre escolha e da responsabilidade das decisões; b) no respeito aosvalores, padrões e pautas culturais; c) ensejo à mudança no sentido de autopromoção e do enriquecimento do indivíduo, do grupo, da comunidade, das populações; d)atuação dentro de uma perspectiva de globalidade na realidade social".

II - Adequação da metodologia às funções do Serviço Social

1. A metodologia utiliza-se de vários processos. Até essa época, os utilizados eram Caso, Grupo e Desenvolvimento de Comunidade. 2. O trabalho com indivíduos, grupos, comunidades e populações não é exclusivo do Serviço Social "... o que lhe é peculiar é o enfoque orientado por umavisão global do homem, integrado em seu sistema social" (§ 49). 3. Tendo em vista as funções explicitadas no 1º capítulo, a atuação do Serviço Social é de duas categorias: a) nível de microatuação; b) de macro-atuação(§ 51). O documento no § 52 diz: "O nível de micro-atuação é essencialmente operacional, compreendendo as funções de Serviço Social aos níveis de administração eprestação de serviços diretos" e § 53: "O nível de macro-atuação compreende a integração das funções do Serviço Social ao nível de política e planejamento para odesenvolvimento. Essa integração supõe a participação no planejamento, na implantação e na melhor utilização da infra-estrutura social". 4. Nos parágrafos 61 a 95, fala-se dos três processos: Caso, Grupo e Comunidade. Colocando os objetivos gerais, operacionais e enfatizando a necessidadede adaptá-los à realidade brasileira (§ 61 e 83). Nos parágrafos 96 a 99, fala-se da "integração do Serviço Social", que consiste na utilização simultânea dos três processos. Nos parágrafos 100 a 104, aborda a "Utilização da Administração em Serviço Social". O capítulo III "...examina a adequação à realidade brasileira do Serviço Social, tal como foi conceituado e visualizado em sua dinâmica operacional" (§ .14).É composto de 18 parágrafos. Do 105 ao 122.

Salientamos o seguinte:

1) O documento mostra a importância do conhecimento da realidade nacional. E diz que esse conhecimento "... é pressuposto fundamental para que o ServiçoSocial nela possa inserir-se adequadamente, neste esforço atual de reformulação teórico-prática" (§ 105). O conhecimento da realidade é importante "para a implantação das necessárias mudanças". 2) No § 106, diz que desenvolvimento deve ser entendido "como um processo de planejamento integrado de mudanças nos p. 116

aspectos econômicos, tecnológicos, sócio-culturais e político-administrativos". 3) Modelos de ação são necessários para a intervenção do Serviço Social: O documento nos apresenta um modelo. No § 112, lemos: "Supõe esse modelo os seguintes

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elementos: - Ideologia do desenvolvimento integral; - Planejamento; - Mobilização de forças organizadas; - Capital; - Técnica." Nos parágrafos 113 a 119, o documento explicita cada um dos elementos básicos do modelo do Serviço Social de intervenção na realidade brasileira. Na Nota Final, nos seus dois parágrafos, os participantes do seminário "reconhecem a importância do momento histórico deste encontro", bem como mostram queo documento está aberto a análises, críticas, para que haja uma reformulação do Serviço Social no Brasil.

1 FATOS E ACONTECIMENTOS DA HISTÓRIA BRASILEIRA E DO SERVIÇO SOCIAL NA ÉPOCA DO DOCUMENTO DE ARAXÁ

FATOS E ACONTECIMENTOS DA HISTÓRIA BRASILEIRA NA ÉPOCA DO DOCUMENTO DE ARAXÁ - GOVERNO CASTELO BRANCO

Na primeira parte deste trabalho - nos dois primeiros capítulos - procuramos analisar o Serviço Social através dos fatos e acontecimentos que antecederamao Documento de Araxá. Fatos e acontecimentos referentes ao contexto econômico e político do Brasil e os da própria história do Serviço Social, onde salientamosdois pontos: a influência do neotomismo' e a presença do desenvolvimentismo com ênfase na formação técnica. Analisaremos agora o momento histórico em- que surgiuo Documento de Araxá, como em seguida apresentaremos elementos da caminhada do Serviço Social nesse mesmo momento. Queremos lembrar que o Documento de Araxá surgiuno momento em que no Brasil se efetivava o Golpe de 1964, mais especificamente no Governo de Castelo Branco,, do qual apresentamos alguns elementos ideológicos,tendo por base a obra Desenvolvimento e Crise no Brasil, de Bresser Pereira. Os militares sempre estiveram presentes na História do Brasil, mas, em muitos dos acontecimentosem que intervieram foi por pouco tempo; em 1964 eles "vieram para ficar". A partir do referido golpe temos um governo de militares e tecnocratas, sendo aqueles nasua maioria provenientes da classe média. Segundo Bresser Pereira, os ausentes do governo foram os políticos, os sindicatos, a velha aristocracia brasileira e osempresários industriais. Segundo o autor em questão, o Governo Castelo Branco foi idealista do ponto de vista filosófico. p. 117

Idealista aqui no sentido de crer mais nas idéias do que na realidade, realidade esta que negava ou não conseguia captá-la. Idealista no centido de que antes demudar as estruturas era necessário mudar a mentalidade, a "consciência". Outro aspecto desse idealismo "estava na crença de que o desenvolvimento econômico podeser feito basicamente através de leis. Poucos governos foram tão prolíferos em leis". 4. Exemplos: pensava-se que pela lei de habitação se resolveriam os problemashabitacionais como por encanto, ou que a lei sobre o mercado de capitais produziria participação imediata do público. Esta perspectiva decorre do fato de os militares,profissionais liberais e funcionários públicos não estarem diretamente no processo produtivo. Além de idealista era "um governo economicamente imobilista e anti-industrializante". 5. [ 4. PEREIRA, L. C. Bresser, Desenvolvimento e Crise no Brasil, p. 164. 5. Ibid., p. 164. ]Imobilista, visto colocar em primeiro lugar a estabilização monetária e anti-industrializante porque queria moralizar o ganho de lucros. Os elementos do Governoachavam que os lucros eram demais e viam os industriais como aproveitadores. Outros aspectos desse governo: era conservador, moralista e anticomunista. Conservador,porque não queria mudanças no status quo. Moralista, no sentido de que a honestidade dos políticos é que podia salvar o Brasil. Anticomunista, porque o comunismoera visto como o mal que desejava subverter a ordem. Na perspectiva externa, esse governo era colonialista porque colocou o país na dependência dos Estados Unidose acreditava que o Brasil só podia desenvolver-se com o auxílio externo. "O conservadorismo, anticomunismo paranóico e o colonialismo não são posições ideológicasexclusivas da classe média tradicional. Mas, sem dúvida, são ideologias que ela, em geral, adota. E o moralismo é ideologia essencialmente da classe média tradicional". 6. [ 6. Ibid., p. 165. ]Quanto ao desenvolvimentismo, diz Bresser Pereira que três ideologias capitalistas podiam transformar-se em ideologia do governo: neoliberalismo clássico, liberalismointervencionista tecnocrático-militar e o nacional-desenvolvimentismo. O Governo de Castelo Branco assumiu a segunda: liberalismo-intervencionista-tecnocrático-militar.Esta ideologia, que dominou entre 1964 e 1967, "baseia-se numa contradição: é ao mesmo tempo intervencionista e liberal". 7. Possui ela determinadas características:idealismo, moralismo e conservadorismo. Os tecnocratas e militares "caracterizam sua atuação política pelo idealismo, no sentido de alienação da realidade, e depretenderem mudar o mundo através de leis e decretos; pelo moralismo, no sentido de personalizar os problemas, atribuí-los a responsabilidades individuais ou mesmocoletivas, mas sempre de caráter moral, e não às estruturas vigentes; e pelo conservadorismo, definido por uma política aparentemente reformista, mas cujas reformasforam sempre p. 118

epidêmicas". 8. Além dessas características, existe a de ser uma ideologia capitalista. Diz Bresser: "Trata-se, porém, de uma ideologia capitalista que não tem comoautores e principais defensores os próprios empresários capitalistas, que foram excluídos do poderpela Revolução de 1964, e sim os militares e tecnocratas. Ora, para estes, o capitalismo não é algo de intrínseco, de vïvencïal. O Capitalismo é um rótulopara opor ao comunismo, que os apavora, na medida em que são conservadores. Nesses termos, seu capitalismo é muito pouco autêntico e cheio de contradições. Dizem-secapitalistas, mas têm horror ao lucro privado, do qual não participam. Defendemliberalismo, mas estabelecem um sistema rígido de controle das empresas, com características inclusive policiais, como jamais se viu no Brasil. Afirmam em todosos documentos que pretendem fortalecer o setor privado em detrimento do público, mas nacionalizam empresas hidrelétricas estrangeiras e aumentam de maneira progressivaa participação do Estado na economia". 9. [ 7. Ibid., p. 200. 8. Ibid., p. 200. 9. Ibid., p. 165. ] É dentro desse contexto histórico e ideológico que surge o Documento de Araxá.

FATOS E ACONTECIMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL NA ÉPOCA DO DOCUMENTO DE ARAXÁ - A RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

O Documento de Araxá nasce num momento em que acontecimentos importantes marcam a vida do Serviço Social latino-americano. Nesse período histórico, temoso chamado movimento de reconceituação do Serviço Social. É o que de maneira sintética explicitaremos em seguida, limitando-nos à análise de aspectos que situam oCBCISS e o Documento de Araxá dentro do movimento. No início da década de 60, grupos de assistentes sociais passam a questionar o Serviço Social quanto à sua natureza e operacionalidade. Esse questionamentoé o da validade do corpo teórico do Serviço Social em face à realidade da América Latina. No Brasil esse questionamento se fez por um número significativo de assistentessociais, quer pelos que estavam comprometidos com os programas do governo mas que desejavam reformas, quer por aqueles mais ligados com o povo. Esse questionamentocomeça a consolidar-se com os chamados seminários regionais promovidos por assistentes sociais latino-americanos. O primeiro foi realizado em 1965, em Porto Alegre,com profissionais da Argentina, Uruguai e Brasil. 10. Os participantes desse seminário passaram a preconizar um Serviço Social latino-americano. Nesse Seminário HermanKruse afirma p. 119

entre outras coisas "que o marco filosófico do início não serve mais e é preciso elaborar uma cosmovisão válida para nossa profissão". E afirma que um dos aspectos"da reconceituação é o de sistematizar nossas experiências, para reelaborar a nível latinoamericano uma teoria própria de Serviço Social". 11. Esse grupo de assistentessociais passou a ser conhecido como "geração 65". Esse movimento nasceu na perspectiva de adequar o Serviço Social para a América Latina e tinha como referênciaideológica o desenvolvimentismo. E isto vemos através de uma citação do Dr. Cornely, por intermédio da palavra de Herman Kruse, quando de sua palestra nesse seminário.Ele afirmou: "Quero finalizar com (outra) citação de Dr. Cornely: É necessário que todos nós despertemos do micro-serviço social para a realidade desenvolvimentista,que nos engajemos na implantação de uma mentalidade de desenvolvimento, de uma filosofia do desenvolvimento autêntico, e que propaguemos em nossas esferas de influênciaesta ideologia, que é do século 20". 12. A preocupação de adequar a metodologia para nossa realidade é também a colocação de Lucena Dantas nesse mesmo Seminário.Dentre o material mais sério produzido por elementos da "geração 65", salientamos o Documento de Araxá.

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[ 10. Outros seminários foram realizados. Vejamos: 1966 - MontevidéuUr-uguai; 1967 - General Roca-Argentina; 1968 - Concepción-Chile; 1970 Cochabamba-Bolíviae 1972 - Porto Alegre-Brasil. Cf. VIEIRA. Balbina Ottoni, História do Serviço Social, p. 186-187. 11 . KRUSE, Herman, O Serviço Social diante da Mobilidade Social e as Mudanças Sociais na América Latina, p. 11. 12. Ibid., p. 14. ] Mas o que vem a ser a reconceituação do Serviço Social? Em que bases é ela feita? Existe uma única posição? No início, que significado tem a reconceituaçãono Brasil? Reconceituar significa "conceituar de novo", e isto supõe a existência de conceitos "velhos" ou que precisam ser revistos ou substituídos. De início a reconceituaçãonasceu do desejo de superar o Serviço Social tradicional, que foi transplantado da Europa e dos Estados Unidos, e adequá-lo à realidade latino-americana. Realidadede um continente subdesenvolvido e dependente. Nesse começo o trabalho era de descobrir instrumentos de acordo com a nossa realidade sem chegar a um questionamentodas estruturas e continuando a ter como referencial teórico o funcionalismo. Mais tarde é que surgirão posturas de reconceituação na perspectiva dialética. SegundoAnder-Egg, o movimento de reconceituação em termos de América Latina nasceu de dois fatores: esforço de integrar a profissão na problemática da América Latina eevolução das ciências sociais, que gradativamente vão se desvinculando do caráter colonial. Os dois fatores são decorrentes do momento crítico em que passava a AméricaLatina. A reconceituação decorre também da rebelião estudantil e do questionamento da profissão nas Escolas de Serviço Social. 13. Como referimos, o desenrolar doprocesso de reconceituação se fez através de diferentes posturas. Myrtes de Aguiar Macedo p. 120

nos diz que a reconceituação "não se apresenta como um bloco unitário de idéias; pelo contrário, manifesta-se através de diferentes orientações teóricas que originamconcepções distintas e, às vezes, antagônicas de Serviço Social". 14. Há varias correntes e entre elas a assumida pelos redatores do Documento de Araxá. Como entãose processou no Brasil a reconceituação? E como se situa o Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais - CBCISS dentro dela? E, conseqüentemente,o Documento de Araxá? Explicitaremos algumas posições a partir das colocações de Ana Augusta de Almeida, José Paulo Neto, Tereza Porzencanski, Myrtes de AguiarMacedo, Ezequiel Ander-Egg e Herman Kruse. [ 13. Cf. ANDER-EGG, Ezequiel, Diccionario de Trabajo Social, p. 214. 14. MACEDO, Myrtes de Aguiar, Proposições Diagnósticas no Quadro de Reconceituação do Serviço Social, p. 20. ]

Ana Augusta de Almeida

Em seu artigo, "O Movimento de Reconceptualização no Brasil", Ana Augusta nos mostra como elementos propulsores da reconceituação noBrasil o CBCISS e a ABESS. E salienta a ação do CBCISS como uma ação deliberada. A autora diz: "Podemos, pois, atribuir a esse esforçoconscientemente planejado do CBCISS o mérito e a responsabilidade de desencadear o processo que envolve o ponto de partida e odesenvolvimento do movimento de reconceptualização no Brasil". 15. E o CBCISS inicia o movimento com o lançamento da Revista Debates Sociais,em outubro de 1965. Mas vai surgir com toda a ênfase com o Documento de Araxá. É ainda Ana Augusta que nos diz: "No Brasil, o movimento dereconceptualização surgiu da preocupação com o enfoque teórico. O 1º Seminário de Teorização do Serviço Social, realizado em Araxá, em marçode 1967, é o evento que marca, de forma mais significativa, a presença deste movimento entre nós". 16. Além da presença marcante do CBCISS, háa presença da ABESS - Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social - que através de encontros regionais deu respaldo acadêmico às propostasde reconceituação. Com referência a participação da ABESS, assim se expressa Ana Augusta: "...foi exatamente nesse contexto nacionaluniversitário que os temas de reconceptualização ganharam e continuam a ganhar rigor científico, poder explicativo e/ou compreensão muito maior". 17. [ 15. ALMEIDA, Ana Augusta de, "O Movimento de Reconceptualização no Brasil: Perspectivas ou Consciência?", Debates Sociais, 11(21):44. 16. Ibid., p. 44. O grifo é da autora. 17. Ibid., n. 44. ]

Ezequiel Ander-Egg

Segundo Ander-Egg, a reconceituação nasceu num momento determinado, marcado por forte desejo de inserir o Serviço Social no p. 121

contexto latino-americano. Para o autor em questão, várias são as tendências do movimento de reconceituação. Em sua obra Historia del Trabajo Social, o autor apresentaas várias tendências da reconceituação até o início da década de 70. A questão mais enfatizada pelas diversas posições foi o critério básico para a classificaçãodas diferentes tendências. Estas são: 1. Enfoque com ênfase científico; 2. Enfoque com ênfase no tecnológico-metodológico; 3. Enfoque com ênfase no ideológico-político; 4. Enfoque com ênfase na profissionalização; 5. Enfoque com ênfase na prática; 6. Enfoque com ênfase no compromisso existencial.

Dentre esses enfoques salientamos o "tecnológico-metodológico", que tem como preocupação central o aspecto "metodológico". Aqui existem várias tendências,entre elas a do CBCISS, manifestando-se nos Documentos de Araxá e Teresópolis; bem como José Lucena Dantas, que teve participação na elaboração dos documentos referidose que escreveu uma obra marcante dentro dessa tendência: A teoria metodológica do Serviço Social - uma abordagem sistemática. 18. [ 18. Cf. ANDER-EGG, Ezequiel, Del Ajuste a la Transformación: Apuntes para una Historia del Trabajo Social, p. 300-308. ] Analisando o Documento de Araxá, Ander-Egg diz que esse documento é o mais sério que foi sistematizado pela "geração 65". E como o movimento, o documentotem como marco ideológico o desenvolvimentismo. Ander-Egg, referindo-se ao processo de reconceituação e ao documento, assim se expressa: "... este processo dereconceituação se propôs e iniciou desde e a partir dos marcos ideológicos do 'desenvolvimentismo' e, em tal sentido, fácil é advertir a primazia de tal marco ideológicono documento de referência". 19. Continuando sua análise, nos mostra que o grupo iniciador - geração 65 - se subdivide, após Araxá, em dois, da seguinte forma: a)"Os que consideram o documento mencionado como a base fundamental, sagrada e inviolável, sobre a qual tem que se construir tudo o que venha posteriormente...";b) os que vêem o documento como sistematizador das idéias até então elaboradas e executadas e que desejam a partir daí "... iniciar um salto essencialmente qualitativo p. 122

no que diz respeito à superação das idéias desenvolvimentistas..."20. [ 19. "... este proceso de re-conceptualización se propuso e inició desde y a partir de los marcos ideológicos del 'desarrollismo' y, en tal sentido, faciles advertir la preeminencia de tal marco ideológico en el documento de referencia". ANDER-EGG, Ezequiel, Del Ajuste a la Transformación: Apuntes para una Historiadel Trabajo Social, p. 270. ] 20. "Los que consideran al Documento de meción como la base fundamental, sacra e inviolable, sobre la que time que construise todo cuanto venga posteriormente...; b) ... iniciar un salto esencialmente cualitativo en lo que respecta a la superación de las ideas desarrollistas... " ANDER-EGG, Ezequiel, Del Ajustea la Transformación: Apuentes para una Historia del Trabajo Social, p. 270. ]

Herman Kruse

Explicitaremos a posição de Herman Kruse, tendo por base o trabalho "Proposições diagnósticos no quadro da Reconceituação do Serviço Social", de Myrtes deAguiar Macedo. A autora nos mostra que Herman Kruse analisa a reconceituação através de "temas fundamentais". Dentro de cada tema há vários contínuos. Limitar-nos-emosaqui ao contínuo "Teoria do Serviço Social". Dentro desse contínuo, inclui-se o aspecto da "criatividade metodológica". Neste há duas linhas: uma interna e outraexterna. A linha interna se preocupa com a "cientificidade do Serviço Social" e se concretiza em três caminhos: a) "um, representado pelo CBCISS no Brasil, atravésdos trabalhos de José Lucena Dantas e Tecla Machado Soeiro, no documento de Teresópolis"; b) "outro, que tem como centro a Escola de Serviço Social da UniversidadeCatólica do Chile. Essa escola teve como ponto de partida a integração de métodos, isto é, a aplicação conjunta do caso, grupo e comunidade"; c) "enfoca o estudodos métodos tradicionais, avaliando suas possibilidades e tentando uma adaptação destes à realidade latino-americana. Entre os representantes temos: Natálio Kisnerman,Arlete Braga, Maria Lúcia de Carvalho e Helena Iracy Junqueira". 21.

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Myrtes de Aguiar Macedo

A Assistente Social Myrtes de Aguiar Macedo, em sua dissertação de Mestrado sobre "Proposições Diagnósticos no quadro da Reconceituação do Serviço Social",após apresentar todo um quadro referencial, mostra que existem várias tendências no movimento de reconceituação e que cada uma delas possui sua epistemologia e analisavários autores e propostas a nível da reconceituação do Serviço Social. Entre outros-analisou a presença do CBCISS, através dos Documentos de Araxá e Teresópolis.E diz que o Serviço Social é entendido. a partir de "um enfoque orientado por uma visão global do homem, integrado em seu sistema social" e que a perspectiva deanálise dos documentos é "a realidade setorializada: modelo de análise funcionalista". 22. [ 21. MACEDO, Myrtes de Aguiar, Proposições Diagnósticos no Quadro de Reconceituação do Serviço Social, p. 23-24. 22. Ibid., p. 73. ] p. 123

Teresa Porzecanski

Analisando a reconceituação, Teresa Porzecanski diz que a mesma se divide em três caminhos: o tecnicismo-positivista, as correntes da educação conscientizadorae o método dialético. 1) O tecnicismo-positivista procura a integração entre o método científico e o método profissional (do Serviço Social). E o "Serviço Socialse concebe como Tecnologia Social, aplicados de Teorias das Ciências Sociais". 23. Apresenta-se como Teoria Neutra e com uma visão harmônica da sociedade. Esta posiçãoassenta-se nos autores: Merton, Nadel, Parsons e outros. 2) Educação conscientizadora - os que assumem a reconceituação nesta perspectiva enfatizam o papel educativodo Serviço Social. Dentro dessa posição, o Assistente Social "contribuirá para formar o homem livre, de preferência através de uma função educadora, capacitadorae conscientizadora". 24. 3) Método dialético: "Trata-se de incorporar a dimensão histórica da realidade ao método profissional". 25. Analisando os três caminhospodemos situar o CBCISS no primeiro, bem como a própria autora ao nosso ver. [ 23. PORZECANSKI, Teresa, Novos Enfoques sobre Objetivos e Filosofia do Serviço Social, p. 3. O grifo é da autora. 24. Ibid., p. 8. 25. Ibid., p. 9. ]

José Paulo Neto

Utilizaremos o artigo "La Crisis del proceso de reconceptualización del Servicio Social" para explicitarmos a posição de José Paulo Neto. A revolução de1964, como se patenteou, coloca ponto final na mobilização popular e cala as oposições, bem como a universidade brasileira. A revolução passou a enfatizar o aspectotécnico, levou à burocratização, à modernização empresarial. Segundo José Paulo Neto, estes pontos relativos à Revolução de 64 colocaram em xeque o Serviço Socialtradicional que era assistencialista e idealista. Podemos concluir (por essa colocação) que a Revolução de 64 levou o Serviço Social a reconceituar, mas na perspectivametodológica a circunscrever-se a problemas internos. Diz o autor que "no Brasil o processo de reconceituação se concentrou primeiramente na tarefa de adequar a profissãoàs exigências institucionalizadas do Estado autoritário e da grande empresa que é seu corolário econômico. Mais exatamente: o processo de reconceituação aceita comodado o quadro político vigente e procura justificar sua existência, executando da maneira mais perfeita tecnicamente os passos necessários para a consecução de finalidadesque são propostas por quem monopoliza p. 124

o poder". 26. Com a Revolução, diz Neto, o Serviço Social brasileiro deixou de fazer incursões mais amplas e se concentrou no aspecto científico-profissional.A reflexão cai para o aspecto técnico e o "fetiche de uma teoria metodológica invade os círculos institucionalizados, se transfere para os seminários profissionaise se estende para as atividades docentes". 27. Esta perspectiva de Serviço Social chegou a grandes construções, mas na linha do estrutural-funcional e do discursológico no neopositivismo, segundo José Paulo Neto. [ 26. "Aqui en el Brasil el proceso de reconceptualización se concentró primariamente en la tarefa de adecuar la profesión a las exigencias institucionalizadasdel Estado autoritario y de la gran empresa que es su corolario economico: Más exactamente: el proceso de reconceptualización acepta como dado el cuadro políticovigente y trata de justificar su existência ejecutando de la maneira más perfecta técnicamente, los pasos necesarios para la consecución de finalidades que le sonpropuestas por quines monopolizan el poder". (PAULO NETO, José, "La Crisis del Proceso de Reconceptualización del Servicio Social", in ALAYÓN, N. et al. Desafioal Servicio Social, p. 95.) 27. "...fetiche de una teoria metodológica invade los círculos institucionalizados, se transfiere a los seminarios profesionales y cunde en las atividadesdocentes". (PAULO NETO, José, "La Crisis del Proceso de Reconceptualización del Servicio Social", in ALAYÓN, N. et al. Desafio al Servicio Social, p. 93. Grifo doautor.) ] Explicitamos algumas das análises do movimento de reconceituação e que situam o CBCISS e seus documentos dentro de uma perspectiva metodológica, tendo porbase uma abordagem funcionalista' Mesmo tendo colocações divergentes, os vários autores concordam que o Documento de Araxá foi um marco do Serviço Social brasileiro.Diante disso, passemos à sua análise.

DOCUMENTO DE ARAXÁ: ANÁLISE E CRÍTICA

Levantaremos, neste item, alguns dos pontos para análise e crítica ao Documento de Araxá. Levamos em conta as diferentesanálises feitas após a divulgação do Documento, entre elas a da "Síntese" dos encontros regionais promovidos pelo CBCISS para estudo do Documento. Explicitaremos na análise que faremos do Documento de Araxá a posição assumida pela maioria dos participantes do Seminário de Teorização, bem como a dosassistentes sociais nesse momento. Para maior clareza histórica, queremos afirmar que essa posição não foi a única assumida, pois existiram "vozes discordantes"em relação a ela. Como já salientamos em nosso trabalho, a partir de 1960 um pequeno grupo de assistentes sociais vai gradativamente se colocando a serviço das classespopulares. No período de 60-64, no dizer de Safira Ammann, ao lado da postura tradicional "emergem e se difundem movimentos que concebem a participação numa perspectivacrítica e que-postulam- mudanças estruturais na sociedade brasileira. Alguns desses movimentos evoluem e seus intelectuais tentam estabelecer vínculos com as classessubordinadas, incorporando-se aos p. 125

seus interesses, reivindicações e ações políticas". 28. Esse grupo de profissionais vai revendo suas posições e rompendo gradativamente com a visão tradicional doServiço Social. Essa situação leva a uma reflexão sobre a prática profissional, questionando a serviço de quem ela está, do poder ou do povo, levando por sua veza uma análise política da prática. Nessa análise a dimensão política da prática profissional torna-se explícita, ocorrendo uma subordinação da prática profissionalà prática política. Essa prática política se processou fora do contexto das instituições tradicionais de intervenção do Serviço Social, principalmente às ligadasao Estado. Esse grupo de profissionais "tenta afirmar um vínculo orgânico com as classes subalternas e só lhes interessam as mudanças que resultem em liberação dasmesmas. Não abordam, pois, a comunidade como um todo único e harmônico, senão como uma realidade constituída de formas antagônicas, regidas por relações sociaisde dominação". 29. Essa posição continua pós-65, apesar do grande impacto sofrido com o golpe de 64, marcando, ainda que precariamente, a prática de alguns profissionais.Essa posição encontramos também no Documento de araxá. [ 28. AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do Desenvolvimento de Comunidade no Brasil, p. 84. 29. Ibid., p. 98. ] Apesar de constatarmos a presença de "vozes discordantes" no documento, optamos por não analisá-las tendo em vista não ser a posição preponderante do documento.A grande maioria dos assistentes sociais presentes em Araxá assumiam a posição de integração e não de transformação das estruturas e estavam de acordo com o projetopolítico vigente, apesar de muitas vezes desejarem mudanças - mudanças no sentido de melhorar o sistema. Na análise a que agora- procederemos, nossa preocupação será demonstrar que o Documento se insere numa perspectiva liberal" 30 p. 126

e que a partir dela o Serviço Social aceita, justifica e legitima, na prática e na teoria, uma sociedade capitalista: reconhece as imperfeiçõesda ordem social vigente, tanto que pretende melhorá-la; sua teoria e prática se colocam no sentido de aperfeiçoamento dessa ordem em que assistencialismo,tomismo, funcionalismo e desenvolvimentismo nada mais são que referências ideológicas das mudanças sociais que marcam em cada época a busca da cientificidade ouracionalidade que confiram respeito. Procuramos demonstrar no 1º capítulo a influência da filosofia neotomista no Serviço Social em seus princípios no Brasil. Eesta filosofia continua presente no Serviço Social como nos mostra-o Documento de Araxá, pois seus postulados básicos refletem a visão neotomista. Diz Balbina O.

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Vieira: "O documento não oferecia nenhuma idéia nova e isto foi uma das críticas mais severas que lhe foi feita. Apresentou, porém, uma síntese do que, no momento,se pensava do Serviço Social, visto dentro de uma visão científica e num quadro de referências da filosofia neotumista". 31. Vemos o neotomismo nos postulados metafísicosque são apresentados no parágrafo 45 - postulado da dignidade humana, da sociabilidade essencial da pessoa humana e da perfectibilidade humana. No 2º capítulovimos que o S.S. brasileiro desenvolveu-se a partir dos processos de caso, grupo e comunidade importados dos Estados Unidos, enfatizando o caráter científico. Vimosprincipalmente a presença do Serviço Social, inserindo-se no desenvolvimentismo através do Serviço Social de comunidade. E aqui vemos a presença das ciências sociaisatravés de suas técnicas, dos pressupostos funcionalistas e da ideologia desenvolvimentista. Ana A. Almeida diz o seguinte, em relação às colocações acima: "A leiturado 'Especial Documento de Araxá' desvendou a totalidade significativa do modelo brasileiro. A linguagem filosófico-científica nele empregada conscientizou vivamentea dimensão teórica e suas implicações: modo próprio da construção de nossa teoria, assim como o instrumento de comunicação deste modo próprio. Revelou nossas colocaçõesem dois mundos culturais. O mundo do pensamento metafísico, aristotélico-tomista, construindo nossos conceitos, nossa lógica, nossas categorias. A intervençãoconstruída em termos científico-técnicos, numa abordagem estrutural inserida num contexto econômico e político, com instrumental emprestado das ciências sociais". 32.Procederemos à análise do Documento de Araxá, procurando investigar os conceitos que não estão "explícitos" ou que estão "omissos", bem como através das "tensões"existentes no Documento. [ 30. Como qualquer ideologia, o Liberalismo possui uma concepção "correta" da realidade, que se contrapõe com a existente. Essa concepção serve"como uma 'unidade de aferição', por meio da qual o curso dos acontecimentos concretos pode ser teoricamente- avaliado". (MANNHEIM, Karl, Ideologia eUtopia, p. 243.) No liberalismo essa "unidade de aferição" parte de uma postura idealista. Enfatiza a consciência intelectual, vê o homem como ser abstrato,como ser ideal e não como ser existente em um contexto histórico, pois a autêntica realidade é a que nasce da consciência. Daí falar-se em ideais eternosde perfeição, supervalorizando os bens espirituais. O liberalismo opõe-se ao totalitarismo e conseqüentemente assume o individualismo. A partir do princípiodo individualismo "a doutrina liberal não só aceita a sociedade de classes, como fornece argumentos que legitimam e sancionam essa sociedade". (CUNHA, LuizAntonio, Educação e Desenvolvimento Social no Brasil, .p. 29.) No Serviço Social a ideologia liberal vê a realidade de maneira fragmentária (os problemasexistem separadamente: a marginalização do menor, o alcoolismo, a prostituição, a doença etc.). Assume uma posição a-histórica decorrente da visão ideal debem-estar, bem como salienta um humanismo ideal, pois parte de uma ordem natural, de uma igualdade neutra entre os homens. (Cf. Vicëntede Paula, "Trabajo Social - Ideologia y Método, p. 41-45.) A partir dessas colocações é que se deve entender a "perspectiva liberal" em nosso trabalho. 31. VIEIRA, Balbina Ottoni, História do Serviço Social, p. 159. 32. ALMEIDA, Ana Augusta de, "O Movimento de Reconceptualização no Brasil: Perspectiva ou Consciência?", Debates Sociais. 11(21):45. ] p. 127

VISÃO DE HOMEM

Uma questão a ser analisada no Documento é a da visão de homem que assume, pois o homem 33 foi sempre considerado razão de ser do Serviço Social. E a visãoassumida pelo Documento é a que se insere na perspectiva neotomista. Essa posição salienta: 1. o homem como um ser composto de matéria e espírito; 2. o corpo e a alma constituindo uma unidade substancial; 3. o homem dotado de razão. Sua racionalidade é que nos mostra sua perfectibilidade e, conseqüentemente, sua dignidade. Esta sua capacidade o coloca no centroda criação; 4. o homem - essa unidade substancial - fazendo parte de um todo que é a unidade social. O homem como um ser social; 5. o homem com um duplo destino: o temporal e o eterno. Até que chegue a eternidade, o homem deve construir a sociedade, buscando realizar o bem-comum; dessaforma é capaz de hierarquizar o natural e o sobrenatural. A tarefa do homem é lutar contra todos os desajustamentos que impeçam a ordem querida por Deus; 6. o homem deve chegar à plena posse de Deus e para isso deve, durante sua vida, buscar sua perfeição, seu constante aperfeiçoamento intelectual e moral.E para que o homem caminhe nessa trilha é importante uma educação moral. Esses pressupostos marcam a visão de homem presente no Documento de Araxá. Esta visão estáexplicitada no § 45, onde fala dos três postulados: a dignidade humana, a sociabilidade essencial e a perfectibilidade humana. O § 45 diz: Dentre os postulados,conclui-se que pelo menos três se acham explícita ou implicitamente adotados como pressupostos fundamentadores da atuação do Serviço Social: a) postuládo da dignidadeda pessoa humana: que se entende como uma concepção do ser humano numa posição de eminência ontológica na ordem universal e ao qual todas as coisas devem ser referidas;b) postulado da sociabilidade essencial da pessoa humana: que é o reconhecimento da dimensão social intrínseca à natureza humana e, em decorrência do que se afirma,o direito de a pessoa humana encontrar, na sociedade, as condições para a sua auto-realização; c) postulado da perfectibilidade humana: compreende-se como o reconhecimentode que o homem é, na ordem ontológica, um ser que se auto-realiza no plano da historicidade humana, em decorrência do que se admite a capacidade e potencialidadenaturais dos indivíduos, grupos, comunidades e populações para progredirem e se autopromoverem". E a visão do homem também está presente através da Declaração Universaldos Direitos do Homem, das Nações Unidas, conforme § 39. A perspectiva de homem do Documento é de um ser ideal e não existencial. Esta visão a-histórica escondeuma recusa inconsciente do homem concreto. O que vemos é a busca da universalidade e no § 38 lemos: [ 33. A partir desta página os grifos existentes são nossos. ] p. 128

"O objetivo do S.S. pode ser considerado como o provimento de recursos indispensáveis à melhoria de condições do ser humano, pressupondo o atendimento dosvalores universais.. " § '39v "Na ausência de uma teorização suficientemente formulada sobre a universalidade da 'condição humana', aceita-se, como quadro de valores,a Declaração Universal dos Direitos do Homem..."; mesmo os princípios operacionais da metodologia se colocam como "validade universal à prática de todos os processosdo S.S." (§ 44). Luiza Erundina, analisando a questão dos valores do Serviço Social, referindo-se sobre os quadros de valores do Documento de Araxá, assim se expressa:"Estes pressupostos éticos, como se vê, se colocam num nível tal de abstração e idealização que chegam a não atentar para o caráter histórico e temporal dos valoreshumanos. Disto resulta a desvinculação entre teoria e prática, entre ideologia e ciência, que tem se manifestado com evidência no plano da prática profissional". 34.Esta visão a-histórica do homem impede um engajamento dos assistentes sociais numa perspectiva de historicidade. A visão de homem se insere no quadro da metafísica.É a preocupação do ser enquanto ser, deixando de lado a dimensão da existência do homem inserida no seu mundo com a tarefa de transformação permanente desse mundoe de si mesmo. Como adequar o Serviço Social ao homem latinoamericano e, em particular, ao homem brasileiro, conforme § 4: "Um esforço de teorização do Serviço Socialera imperativo, inadiável, nesta fase da sua evolução no Brasil. Esse esforço compreenderia a busca de análise e síntese dos seus componentes universais, dos seuselementos de especificidade e de sua adequação ao contexto econômico-social da realidade brasileira", se o documento não consegueexplicitar uma visão de homem a partir de nossa história? O documento não explicita uma visão de homem brasileiro, a partir denossa formação marcada pelo colonialismo e neocolonialismo. A necessïdáde de uma mudança na sua metodologia e o rompimento coma classe dominante não seriam os motivos da recusa da análise do homem brasileiro numa perspectiva histórica? Esta dimensão históricaé fundamental, se se quer reconceituar tendo em vista o homem latino-americano. Luiza Erundina afirma: "A atuação profissional doserviço social tem-se ressentido da falta de uma concepção de homem como sujeito da história e de sua própria realização como agenteque transforma, pela práxis, a realidade em que vive". 34. [ 34. SOUZA, Luiza Erundina de, Valores em Serviço Social, p. 3. 35. Ibid., p. 4. ]

NECESSIDADE DE CONHECER A REALIDADE

Conhecer a realidade é um dos aspectos que o Documento coloca como necessário, mas a realidade brasileira é um dos aspectos omissos do Documento. Vejamoscomo ele aborda a questão: p. 129

a) no item Serviço Social de Caso, no § 61, lemos: "... torna-se urgente, no momento, focalizar alguns aspectos referentes à sua utilização adequada, à realidadebrasileira..."; b) quando aborda Desenvolvimento de Comunidade, no § 83, lemos. baseando-se num melhor conhecimento da realidade nacional e regional quanto, principalmente,ao instrumental disponível e à dinâmica de comportamento da população"; c) na afirmação mais importante, vemos: "A necessidade do conhecimento da realidade brasileira é pressuposto fundamental para que o Serviço Social possainserir-se adequadamente, neste seu esforço atual de reformulação teórico-prática. Ressalta-se que este conhecimento deve ser consubstanciado em termos de diagnósticoda realidade nacional, diagnóstico indispensável a um planejamento para a intervenção na realidade brasileira, com vistas à implantação das necessárias mudanças"(§ 105). O Documento de Araxá, apesar de salientar a necessidade do conhecimento da realidade,' de um indispensável diagnóstico, não apresenta, nem sintéticamente,

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uma análise da referida realidade, muito menos as contradições nela existentes, circunscrevendo-se a apresentar aspectos de "imperfeições" dessa realidade. Os assistentessociais que participaram dos encontros após Araxá, para análise do documento com relação ao aspecto da realidade, apresentam as seguintes críticas: 1) "O Documentode Araxá levanta a necessidade de conhecimento da realidade, mas não oferece subsídios que propiciem seu diagnóstico"; 2) "apesar de muito comentada, a realidadeé pouco conhecida"; 3) "para que a intervenção tenha realmente um caráter científico o diagnóstico da realidade regional e local é essencial e fundamental". 36. [ 36. DEBATES SOCIAIS "Análise do Documento de Araxá e Síntese dos 7 Encontros Regionais", CBCISS, p. 100-101. ] Outro aspecto ligado à questão da realidade é o da sociedade. No § 34, lemos: "Impõe-se esta reformulação do Serviço Social em novas linhas de teoria e deação para melhor servir à pessoa humana e à sociedade". Que sociedade? Qualquer sociedade? Sociedade universal? Ou sociedade brasileira? Dentro da sociedade, a queclasse serve o Serviço Social? À classe dominante ou à dominada? Acreditamos que a ausência de explicitação da realidade brasileira e da sociedade parte da visão de que esta é perfeita, harmônica, homogênea e, por isso,não é necessário explicitá-la. O Serviço Social não questiona a ordem vigente e sim aceita-a pacificamente, pois a teoria do Serviço Social serve de base a uma práticaque aja dentro das estruturas e não sobre as estruturas. No § 4, a preocupação de teorização do Serviço Social se coloca no horizonte de "... adequação ao contextoeconômico-social da realidade brasileira". Dentro dessa adequação, trata-se de potencializar (dinamizar) a p. 130

ordem vigente e não de mudá-la. Isto vemos no § 116: "... a) a inserção consciente das populações no planejamento através do conhecimento de suas potencialidadese dos meios de transformá-los em instrumentos dessa integração" (integração no desenvolvimento) e no § 118 "... e) valorização dos recursos humanos, visando asuperar resistências aos programas e projetos a serem implantados..."

O DESENVOLVIMENTO E OS CONCEITOS DE PARTICIPAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, PROMOÇÃO E INTEGRAÇÃO

Outro aspecto omisso no Documento é a conceituação clara do que os participantes do Seminário entendem por Desenvolvimento. O documento se insere na perspectivadesenvolvimentista e, ao apresentar um modelo do desenvolvimento integral, não explicita com clareza o conceito de desenvolvimento, nem questiona o processo de desenvolvimentoentão vigente. Os autores do Documento tentam conceituar desenvolvimento no § 106, mas a conceituação feita parece-nos insuficiente para proporem em seguida um modelode atuação do Serviço Social. Vejamos o que nos diz o documento: § 106: "O esforço do S.S. nesta perspectiva tem em mira uma contribuição positiva ao desenvolvimento,entendido este como um processo de planejamento integrado de mudança nos aspectos econômicos, tecnológicos, sócio-culturais e político-administrativos" e no § 107:"Nesta conotação de desenvolvimento, entende o S.S. que o homem deve ser, nele, simultaneamente, agente e objeto, em busca de sua promoção humana, num sentido abrangedor,de modo que os benefícios não se limitem a frações de populações, mas atinjam a todos, propiciando o pleno desenvolvimento de cada um". Procuraremos mostrar a questão"desenvolvimento" no Documento de Araxá. Veremos também como se articulam os conceitos de Promoção, Participação, Integração e Conscientização à abordagem do Desenvolvimento.

Promoção e Desenvolvimento

O trabalho do Assistente Social com relação às populações, tendo em vista o desenvolvimento, é no sentido de promovê-las. Isto vemos afirmado no § 107, acimacolocado, bem como no § 32, onde se lê: "O caráter promocional do S.S. acha-se consubstanciado na afirmação de que promover é capacitar. Diante dessa colocação,conclui-se que o Serviço Social promove, quando atua para habilitar indivíduos, grupos, comunidades e populações, fazendo-os atingir a plena realização de suaspotencialidades". Essa tarefa de promoção é afirmada por Lucena Dantas no Seminário de Porto Alegre, em 1965. Ele afirma: "... promoção social representa, assim,um instrumento básico para a intervenção deliberada no processo do desenvolvimento social com vistas a atingir certos objetivos de progresso p. 131

social ..."37. A Revolução de 1964 forçou a modernização e tecnificação do Serviço Social. Essa modernização e tecnificação leva o S.S.a não mais "assistir" aspessoas, mas sim "promovê-las". Pe. José Oscar Beozzo, em discurso aos formandos de 1979, da Faculdade de Serviço Social de Lins, analisando o período que estamosabordando, mostrou que o lema que passou a dirigir os trabalhos dos assistentes sociais foi "Não vamos dar o peixe, vamos ensinar a pescar". Vamos promover. É precisoensinar a pescar para que não retorne sempre a pedir o peixe. Afirma Pe. Oscar: "O único defeito desta teoria é o de saber se além de aprender, o pobre poderá tertambém o instrumento necessário para pescar, se há rios, e se há peixes, e em havendo, se o acesso e a livre prática da pesca estarão facultados àqueles que nadatêm. Basta olhar nosso lavrador. Ninguém precisa ensinar-lhe a plantar. Como explicar estes sete milhões de bóias-frias só aqui no Centro-Sul do país? Terra existe,saber plantar eles sabem. Mas eles foram expulsos da terra e a ela só podem retornar sob a forma de volante rural, do trabalhador diarista e precário, desprotegidonuma doença e num acidente, sem trabalho quando chove ou quando passa a colheita. Como promovê-lo? Ensinando-o a pescar? Isto ele sabe melhor do que nós". 38. Esseconceito de promoção - que envolve o capacitar, o ensinar a pescar - está dentro da política de promoção social que é uma intervenção deliberada do Estado na realidadesocial. O questionamento mais profundo dos programas, para, que servem e a serviço de quem está, não é feito pelo Serviço Social. Dessa forma a ação dos assistentessociais será no sentido de melhorar as condições materiais da população. Para muitos assistentes sociais, promoção, segundo pesquisa de Maria José de Oliveira,significa: "Integração na sociedade global, Desenvolvimento econômico, Elevação a cargo ou categoria superior, Auxiliar os poderes públicos na resolução dos problemas,Bem-estar, Mudanças intencionais controladas, Cooperar com aumento de produtividade, etc." 39. Essa maneira de ver supõe uma relação de dependência entre o agente,o técnico e a clientela. É o técnico quem caracteriza a clientela, quem detecta os problemas e 'quem apresenta soluções através de programas de atividades. Na intervençãocom a população, os técnicos possuem um discurso de participação, mas, na prática, esses programas impedem uma efetiva participação, pois as decisões não são tomadaspelo povo. Na posição assumida pela maioria dos profissionais "... a atuação do agente tem como 'meta' a promoção daquela população, sendo a promoção entendidacomo a modificação de sua maneira de ser para identificar-se à maneira p. 132

julgada certa na concepção do agente". 39. Nessa perspectiva não há questionamento, pois além da relação "agente" e "clientela", arealidade é vista tecnïcamente. Conseqüentemente, não há promoção verdadeira. Esta só acontece quando de fato o povo tem autonomia para questionar, decidir os caminhosa seguir. Aqui o técnico deve não ditar caminhos, mas estar a serviço da caminhada do povo. No Documento de Araxá, promoção não tem esta última conotação, pois aideologia que assume é de promover para integrar no desenvolvimento nacional e este não permite a presença de homens questionadores e participantes. [ 37. DANTAS, José Lucena, Perspectivas do Serviço Social na América Latina, p. 6. 38. BEOZZO, José Oscar, Discurso Pronunciado aos Formandos da Faculdade de Serviço Social de Lins, 1979, p. 2. 39. OLIVEIRA, Maria José de, Serviço Social: Um Estudo dos seus Elementos Teórico-Práticos, p, 60. ]

Conscientização e Desenvolvimento

Mas, como promovê-los? O próprio Documento nos responde: através da conscientização. Este é o outro conceito que ele deixa sem explicitar. Vejamos onde odocumento nos fala da conscientização: No § 32, que no início fala da importância da promoção como acima colocamos, continua: "Destaca-se, quanto à promoção humana,a importância do processo de conscientização como ponto de partida para fundamentação ideológica do desenvolvimento global". O Documento, quando analisa a questãodo Desenvolvimento de Comunidade, coloca quais seriam as funções do Serviço Social nesse processo, afirmando no § 95: "As funções do Serviço Social em DC são principalmenteorientadas para a deflagração dos processos de conscientização, motivação e engajamento de lideranças individuais, de grupos, e instituições no sentido do desenvolvimento".E vemos também no § 114 o seguinte: "Na IDEOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL, a micro-atuação do Serviço Social seria o processo direto de conscientização de indivíduos,grupos e organização de base..." Tendo em vista o conjunto do documento, pode-se afirmar que conscientização aqui não implica uma percepção causal da realidadee de uma intervenção no sentido de transformá-la. E nem assume conscìentização "como um processo pelo qual os grupos passam a compreender as relações sociais quese estabelecem em uma sociedade historicamente determinada e a atuar criticamente ao nível dessas mesmas relações". 41. Conscientização e libertação não se inseremno quadro do Documento. Normalmente, como diz Ander-Egg, assistentes sociais e educadores vêem a conscientização como "tomada de consciência" do valor da pessoahumana, mas sem ligar com os elementos concretos que essa dignidade manifesta. O Documento não se coloca na perspectiva de mobilização do povo e sim das- consciências.Na direção de mobilização das p. 133

consciências, o trabalho será no sentido de capacitar (cf. § 32) para acabar com a ignorância. Conscientizar será também no sentido de impedir os bloqueios à modernização,conforme parágrafos 117 e 118. [ 40. MEDINA, C. A. de, Participaçãoe Trabalho Social: Um Manual de Promoção Humana, p. 58. 41. AMMANN, Safira Bezerra, Participação Social, p. 34. ]

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Integração e Desenvolvimento

Mas promover, conscientizar, para quê? Para integrar as pessoas, os grupos e as comunidades no processo de desenvolvimento.O projeto do Serviço Social vai além da promoção do indivíduo, é necessário integrar as populações no processo de desenvolvimento.Esta é a palavra de ordem do Serviço Social, a partir principalmente da década de 1960. Integração é uma palavra-chave no Documentoe na prática do S.S. nesse período, além de ser profundamente carregada de uma perspectiva ideológica. Essa integração é tãomarcante no Documento, que aparece cerca de 10 vezes. Vejamos essas citações: Na introdução do Documento, no § 3 lemos o seguinte:"No seu dinamismo intrínseco, desafiado pelas exigências do processo de desenvolvimento, o S.S. vem buscando integrar-se nessarealidade em mudança..."; no § 15, lê-se: "Ressaltando como fundamental a integração do Serviço Social no processo de desenvolvimento,propõe uma abordagem técnica operacional em função do modelo básico de desenvolvimento..." No capítulo I, temos o § 41que fala das funções do Serviço Social e entre outras vemos as seguintes: "... contribuir para capacitar a comunidade a integrar-se.no processo de desenvolvimento através de ação organizada, com vistas ao atendimento de suas necessidades e realizações de suasaspirações" e "trabalhar com organizações, visando a adequação de seus objetivos e métodos às exigências da realidade social e suaintegração numa perspectiva de desenvolvimento". Este parágrafo salienta que para integrar-se, as organizações precisam mudar seus objetivose seus métodos ... No capítulo II, § 62, quando fala do papel do S.S. de Caso, mostra que mesmo o trabalho junto às pessoas deveser no sentido "de integrá-las no proCèsso de desenvolvimento"; no § 63, mostra quais as implicações para o S.S. de Caso, o fato deatuar na perspectiva de comunidade. E entre as implicações salientamos a seguinte: "a) o Serviço Social de Caso deve ser aplicado deforma a capacitar o cliente a integrar-se na sua comunidade e no processo de desenvolvimento"; no § 84, os participantes do Seminárioassim definem Desenvolvimento de Comunidade: "D.C. é um processo interprofissional que visa capacitar a comunidade paraintegrar-se no desenvolvimento através de ação organizada, para atendimento de suas necessidades e realizações de suas aspirações". No§ 89: "Por outro lado, focalizando o papel do Serviço Social na integração da comunidade no processo de desenvolvimento, suapresença é requerida em todas as fases da ação metódica e da dinâmica do processo"; no § 90, onde está presente a contribuição específicado S.S., nas equipes interprofissionais, lemos: "e) dinamizar a comunidade p. 134

para integração no processo de desenvolvimento". No capítulo III (§ 117), quando aborda um dos itens - Mobilização de Forças Organizadas - do modelo dedesenvolvimento apresentado, vemos: "a) identificação, mobilização e articulação de indivíduos, grupos e organizações para participação no processo de desenvolvimento"e, finalmente, queremos salientar um parágrafo presente no capítulo I que nos mostra claramente esta preocupação do S.S. de integração no processo de desenvolvimento.Trata-se do § 34, que afirma: "Impõe-se esta reformulação do S.S. em novas linhas de teoria e de ação para melhor servir à pessoa humana e à sociedade. O ServiçoSocial, agente que intervém na dinâmica social, deve orientar-se no sentido de levar as populações a tomarem consciência dos problemas sociais, contribuindo tambémpara o estabelecimento de formas de integração popular no desenvolvimento do país". Este último parágrafo apresentado nos mostra com clareza que, para atuar dentro do processo de desenvolvimento do País, o Serviço Social precisa reformular-se.Reformular-se em vista de uma tarefa que é a "de levar" as populações à integração no desenvolvimento. É o único parágrafo que ressalta a "integração no desenvolvimentodo País". Reformular o Serviço Social não implica questionar o tipo de sociedade e de desenvolvimento mas implica melhorar suas técnicas, pois, quanto ao projetonacional este está de acordo, como assinala o § 32 que afirma: "O caráter promocional do Serviço Social acha-se consubstanciado na afirmação de que promover é capacItar.Diante dessa colocação, conclui-se que o Serviço Social promove quando atua para habilitar indivíduos, grupos comunidades e populações, fazendo-os atingir a plenarealização de suas potencialidades. Sob este prisma, a ação do Serviço Social insere-se no processo de desenvolvimento, tomado este em sentido lato, isto é, aqueleque leva à plena utilização dos recursos naturais e humanos e, conseqüentemente, à uma realização integral do homem. Destaca-se, quanto à promoção humana, a importânciado processo de conscientização como ponto de parada para fundamentação ideológica do desenvolvimento global". Nesse parágrafo, ao abordar pessoa e sociedade, pode-se perguntar: a que tipo de pessoa o documento se refere - à que pertence à classe dominante ou aosmarginalizados? E a que tipo de sociedade? A que domina? O mesmo parágrafo apresenta uma colocação no sentido de se "criar formas de integração" e não no sentidode mudanças radicais da sociedade. Propondo integração no Serviço Social, conseqüentemente o Documento se insere na perspectiva funcionalista. Esta vê a sociedadeharmônica, onde não há contradição, apenas algumas "disfunções". Daí que integração "será a ação de trazer à unidade os fatores diferenciados e diferenciais". 42.Nessa maneira p. 135

de ver a sociedade, o consenso e o controle são essenciais para perpetuar a forma de organização da sociedade. [ 42. BIROU. A., Dicionário das Ciências Sociais, p. 210. ] Quanto à integração Ander-Egg assim se expressa: "Para o Serviço Social e Trabalho Social, o conceito adquire singular importância, pois se trata de umadas categorias fundamentais do Serviço Social desenvolvimentista (...). Para o Trabalho Social latino-americano, o conceito de integração, tal como se usa, expressaa estratégia da classe dominante para 'integrar' a classe trabalhadora ao sistema capitalista, impondo-lhe os valores burgueses". 43. [ 43. "Para el Servicio y Trabajo Social, el concepto adquiere singular importancia, pues se trata de una de las categorias fundamentales de un ServicioSocial desarrollista. (...) Para el Trabajo Social latinoamericano, el concepto de integración, tal como se lo usa, expressa la estrategia de la clase dominantepara 'integrar' a la clase trabajadora al sistema capitalista, imponiéndole los valores burgueses". (ANDER-EGG, Ezequiel, Diccionario de TrabajoSocial, p. 140.) ] A integração deve reintroduzir as classes marginalizadas no processo de desenvolvimento, ou melhor, na sociedade que aí está. Comointegrar o povo, ou as classes marginalizadas, numa sociedade que as marginalizou, marginalização essa decorrente do projeto que aclasse dominante assume? Estas questões foram deixadas de lado pelos assistentes sociais. Hoje, essa é uma questão que é crítica paramuitos profissionais, levando-os a um questionar da ideologia desenvolvimentista. No dizer de Pe. Oscar, "aqui reside o nervo da crisedo S.S. apoiado na ideologia desenvolvimentista das camadas dominantes e no projeto de promoção humana desvinculado de umareflexão econômica e política". 44. Essas indagações estiveram preséntes nos encontros regionais, após Araxá. Levem-se em conta asseguintes questões: "O desenvolvimemto não está sendo feito no sentido da consolidação do status quo, ou de um determinado sistema- que no nosso caso é o capitalista?" e "Até que ponto o S.S. não se comprometerá com a manutenção da estrutura vigente quando daexecução de planejamentos desligados de uma realidade já identificada?". 45. [ 44. BEOZZO, -Pe. José Oscar, Discurso Pronunciado aos Formandos da Faculdade de Serviço Social de Lins, 1979, p. 3. 45. DEBATES SOCIAIS. "Análise do Documento de Araxá e Síntese dos 7 Encontros Regionais", CBCISS, p. 97. ]

Participação e Desenvolvimento.

Outro conceito básico no Documento e que de certa forma está ligado com o de integração é o de participação. Uma vez integrada, a pessoa deve participarno processo de desenvolvimento para que participe de seus frutos. O Documento salienta a participação no processo de desenvolvimento, nos parágrafos 83 e 117. Vejamos(§ 83): o Desenvolvimento de Comunidade na etapa atual (a do p. 136

documento) "procura enfatizar a criação de mecanismos de participação no processo de desenvolvimento..." e no § 117: temos a mesma colocação. O Documento mostratambém a participação no planejamento. Isto está presente nos parágrafos 41 e 58. No § 41,falando das funções do S.S., observamos no item b: "... contribuir para a criação de condições que permitam a participação popular no processo de planejamento".No § 58: "O processo de D.C. é igualmente empregado em ambos os níveis. No nível de macro-atuação, este processo se insere em sistemas nacionais ou regionais deplanejamento como um instrumento para estabelecer canais de comunicação com a população e promover a sua participação no processo de planejamento". A questão é amesma da integração. Como participar da sociedade que aí está, se a própria sociedade impede essa participação nas questões fundamentais da convivência social? Participaçãono planejamento? Se nem o próprio Serviço Social tem participação junto a decisões maiores? A idéia de participação passou a ganhar corpo dentro da profissão, sendoamplamente difundida no início da década de 60. Os programas de Desenvolvimento de Comunidade vêem como necessidade essa participação, embora numa visão "restritivada participação, porque mantém intactas as estruturas de decisões, onde em última instância 'se decide' acerca das questões substanciais". 46. Há participação nasprogramações do Serviço Social na fase de execução, como por exemplo, participação na construção de moradias num programa de habitação. Onde fazer as casas, comofazê-las, seu orçamento, como pagá-las etc., isto não depende da decisão da população. Nos diferentes programas, "os 'clientes' deviam fazer o decidido pelo técnico,que além disso não só programava o que se deveria fazer, mas em alguns casos também decidia como se fazer e, no fundo, ainda que ele mesmo não suspeitasse o 'paraque' se devia fazer". 47. A participação só existe quando a população "toma parte na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma sociedade historicamente determinada".De outro lado, "se a população apenas produz e não usufrui, dessa produção, ou se ela produz e usufrui, mas não toma parte na gestão, não se pode afirmar que elaparticipe verdadeiramente". 48. E no caso brasileiro, já vimos, pela análise dos fatos e acontecimentos de nossa história, que o povo não participou nem participa. [ 46. "(es una concepción) restrictiva de la participación, porque mantiene intactas las estructuras de decisión, en donde en última instancia 'se decide'

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acerca de las cuestiones sustanciales". (ANDER-EGG, Ezequiel, Diccionario de Trabajo Social, p. 187.) 47. "Los 'clientes', debían hacer lo decidido por el técnico, quien además no sólo programaba lo que debía hacerse, sino en algunos casos también decidiacomo debía hacerse y, en el fondo, aunque él mismo no lo supiese, estaba el para quê debía hacerse". (ANDER-EGG, Ezequiel, Diccionario de Trabajo Social, p. 188.) 48. AMMANN, Safira Bezerra, Participação Social, p. 61-62. ] p. 137

Proposta de Modelo de Desenvolvimento

Os autores do Documento de Araxá não questionam o tipo de desenvolvimento e até propõem no capítulo III - Serviço Social e a Realidade Brasileira - um modelode desenvolvimento. Nessa época, o Serviço Social brasileiro assumia a concepção dualista de desenvolvimento, conforme demonstramos no 2º capítulo e como encontramosnum dos documentos preparatórios do Seminário de Araxá. No Documento III - O Serviço Social face ao processo de formulação e implantação da política social - constatamoso seguinte: "A formulação de suas diretrizes (da política social) - bem como subseqüente implantação - representa verdadeiro desafio face à complexa problemática oriundade um desenvolvimento caótico, descontínuo e que responde pela ocorrência de uma dualidade estrutural". 49. Da concepção Estrutural Dualista, a maioria dos profissionaispassaram a assumir a concepção de dependência. O § 106 mostra-nos o pensamento dos autores sobre "desenvolvimento", mas na perspectiva do "como" e não do "o quê".Lê-se no referido parágrafo: "o esforço do Serviço Social nesta perspectiva tem em mira uma contribuição positiva ao desenvolvimento, entendido como um processo deplanejamento integrado de mudanças nos aspectos econômicos, tecnológicos, sócio-culturais e político-administrativos". E, ainda no § 32, "Sob este prisma (o da promoção)a ação do Serviço Social insere-se no processo de desenvolvimento, tomado este em sentido lato, isto é, aquele que leva à plena utilização dos recursos naturais ehumanos e, conseqüentemente, a uma realização integral do homem". Ainda no § 106 o documento fala em "mudança" e em outros de "transformações das estruturas".Vejamos: no § 33, após mostrar que são válidos os caracteres corretivo, preventivo e promocional do Serviço Social, tendo em vista a inserção no processo dedesenvolvimento, afirma: "... não deve o agente do Serviço Social colocar-se numa perspectiva puramente estática de aceitação, mas desempenhar um papel que conduzaà modificação desse contexto". No § 40, quando fala dos objetivos operacionais, afirma: "b) colher elementos e elaborar dados referentes a problemas ou disfunçõesque estejam a exigir reformas das estruturas e sistemas sociais". E no § 119, quando analisa a TÉCNICA dentro do Modelo de Desenvolvimento, lê-se: "utilização deformas operacionais no sentido de transformação das estruturas," Como se coloca essa perspectiva de mudança quando a ênfase de integração é marcante? De fato,quando fala em mudança, o documento não se refere à mudança global da sociedade, nem da infra-estrutura. Mudanças devem ocorrer nos setores que bloqueiam o desenvolvimentoproposto e assumido pela classe dominante. A Revolução de 1964 veio para superar a ordem má, o caos, colocar ordem, sem mexer na infra-estrutura que p. 138

é boa. Trata-se de melhorar a ordem que aí está. Para isto é preciso mudanças na superestrutura. Daí a proliferação de leis, por exemplo, no Governo de Castelo Branco.Trata-se de modernizar as estruturas para que assim possam servir melhor o projeto que se tem. Um exemplo são as mudanças na agricultura: não significammudança estrutural, com distribuição da terra e condições para seu desenvolvimento, mas apenas modernização, isto é, mecanização da agricultura para que melhor produza. [ 49. DEBATES SOCIAIS. "Documento de Araxá", p. 71. ] Voltando à questão do modelo, importa salientar que o Documento não propõe um modelo alternativo, mas um diferente de outros propostos dentro da atuaçãono social. Este modelo dá um caráter de cientificidade ao Serviço Social, legitimando sua atuação de promoção e não de mera assistência. O Documento, no § 109, afirma:"Para a instrumentalidade da intervenção do Serviço Social no Desenvolvimento, faz-se mister a elaboração de modelos que sistematizem a programação global e/ou setorial".Outra questão é que o modelo se insere num trabalho com as "idéias", com a "consciência" e não numa perspectiva de intervenção na realidade no sentido de mudá-la.Temos dois pontos importantes nos parágrafos 114 e 117. Primeiro, vemos claramente como o Serviço Social se coloca na perspectiva de assumir a ordem vigente: "Naideologia do desenvolvimento integral... enquanto a macro-atuação do Serviço Social seria o estabelecimento de uma política e/ou medidas que impliquem um amploprocesso de conscientização dos centros de poder de decisão da sociedade..." (§ 114); trata-se portanto de conscientizar o poder e não de mudar o poder. Conscientizaro Estado de quê? Se significar que, por intermédio da ação do Serviço Social, o poder possa perceber a necessidade de uma profunda mudança, a postura parece-nosingênua, uma vez que o poder no Brasil existe para manter o status quo e não para provocar mudança. Se conscientizar for em função de melhorar as condições da sociedade,modernizando-a não é necessário, pois o Estado já o faz com eficiência e contando para isso entre outros com o próprio Serviço Social. O próprio Documento traz colocaçõesque mostram essa tarefa de ajudar o processo de desenvolvimento e, portanto, de modernizar nossas estruturas. A sua tarefa, o Serviço Social a realiza nas seguintesformas: 1) sendo canal entre o governo e o povo: Desenvolvimento de Comunidade "constitui um canal para mútua comunicação entre governo e povo" (§ 86); 2) participandodos programas do governo, no § 83, lemos: "Saliente-se que a maioria desses programas está vinculada a planos governamentais e operam-se em algumas regiões do país";3) na tarefa de impedir os bloqueios à mudança e ao desenvolvimento. Vejamos os parágrafos 95, 114 e 118. No § 95, "... cabe-lhe, portanto, aplicar técnicas, atualmente,em diferentes graus de elaboração, tais como a de abordagem individual e de grupo, de capacitação de lideranças, de nucleação e organização de grupos, de utilizaçãoconstrutiva de situações de conflito e tensões sociais", e no p. 139

§ 114, dentro da Ideologia do Desenvolvimento Integral "a invalidação dos processos que, implícita ou explicitamente, sejam contrários aos instrumentos ou estímulospropulsores e aceleradores do desenvolvimento" e no § 118, dentro da macro-atuação com relação ao capital (recursos humanos e materiais); na letra e) "valorizaçãodos recursos humanos, visando a superar resistências aos programas e projetos a serem implantados". O segundo ponto-chave é a "mobilização das consciências" e não "mobilização do povo". Esta não se enquadra dentro dos horizontes do Documento. A categoria"povo" é uma das ausentes. A "mobilização das consciências" se dá através da conscientização, entendida como "tomada de conhecimento da realidade". Diz o § 114:"Na ideologia do desenvolvimento integral, a micro-atuação do Serviço Social seria o processo direto de conscientização de indivíduos, grupos e organizações de base...". No § 117 lê-se: "Mobilização de forças organizadas", mobilização que não consiste na tarefa de organização do povo, tendo em vista mudanças estruturais, massim no propósito de integrá-las no processo de desenvolvimento em curso. Essa mobilização não chega à contestação, pois uma das tarefas do Serviço Social é impediros bloqueios ao desenvolvimento, como ressalta o próprio parágrafo 117. A mobilização se coloca em vista de formação das lideranças, tendo em vista a capacitaçãode inserção no processo de desenvolvimento. Esta é a redação do § 117: "Na MOBILIZAÇÃO DAS FORÇAS ORGANIZADAS, a microatuação do Serviço Social seria: a) identificara participação no processo de desenvolvimento; b) incentivo à formação de novos quadros de liderança, visando habilitá-las a atuar no processo de desenvolvimento.A macro-atuação do Serviço Social seria: a) valorização e estímulo às instituições para que se capacitem e estabeleçam sistemática de coordenação e usem outros processosdinâmicos que as tornem propulsoras de mudanças; b) introdução de sistemas de transformação para aquelas instituições que se constituem em freios e/ou bloqueiosà mudança".

NATUREZA DO SERVIÇO SOCIAL

Um ponto crucial no Documento, a nosso ver, é a questão da natureza do Serviço Social. No fundo, essa questão é a de definição da profissão. Essa questãose coloca num momento em que no Brasil na Revolução de 64 se processava. E é em referência à classe dominante, ao projeto nacional de dependência, que os profissionaisem questão têm que se definir. Definir-se para que possam ser aceitos como interlocutor. Daí a busca da ciência, pois ela é vista como necessária na sociedade etem credibilidade. A- eficiência técnica não era fundamental no início do Serviço Social. Essa questão da adequação ao momento, em termos de sintonia com os gruposde decisão, já salientamos no início deste capítulo, com citação de José Paulo p. 140

Neto. E agora chamamos atenção para uma abordagem de Vicente Faleiros que, partindo de um estudo sobre "Serviços Sociais no Brasil", feito por uma Comissão Nacionalde Organismos Governamentais de Serviço Social, publicado em 1968, "assinala como solução à problemática do Serviço Social a modernização e o desenvolvimento. Estesfatores se traduziriam em plãnejamento, metodologia do planejamento, investigações, treinamento de pessoal, com a transformação da política de assistência em umapolítica de promoção social e a aplicação dos serviços em atenção às novas necessidades emergentes. Pode-se claramente verificar que os projetos dereforma do sistema têm como marco referencial glóbál o próprio sistema, com a idéia de eficiência e técnica. O respeito à eficiênciase manifesta como outra forma de esconder o problema ideológico da dominação, deiXando de lado outros fatores da transformação emudança social". 50. Essa questão, se o Serviço Social é uma ciência ou não, o Documento de Araxá discute sem chegar a um consenso.E o mesmo ocorreu na síntese dos encontros regionais, após Araxá. Esse assunto foi várias vezes abordado em Debates Sociais, pelo Prof.Átila Barreto, Pe. Leopoldo Van Liempt e outros. No capítulo I, do Documento de Araxá, que trata das "Considerações sobre anatureza do Serviço Social", encóntrámos a discussão em torno do que seja o S.S. E o § 17 do capítulo assim se expressa: "A posiçãoteórica do Serviço Social não alcançou, até o momento, uma definição satisfatória no quadro dos conhecimentos humanos". O S.S. éuma ciência? É arte? É uma técnica? Com relação a cada pergunta o Documento de Araxá assim responde (§ 18): "É o Serviço Socialuma ciência autônoma? Uma corrente o define como 'Ciência Social Aplicada', por se utilizar dos conhecimentos da Sociologia, Antropologia,

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Psicologia, Economia, Política etc., para intervir na realidade social. Outros defendem posições de interdependência para o Serviço Social,no quadro das ciências, afirmando possuir um sistema de conhecimentos científicos, normativos e transmissíveis, em torno de um objetocomum. Há ainda os que asseveram que o S.S. é uma ciência, quando sintetiza as ciências psicossociais". No § 19: "Quanto ao componentearte, originariamente incluído nas definições de Serviço p. 141

Social, verificam-se divergências, ficando, por este motivo, a questão em aberto". E finalmente o § 20: "Parece haver, porém, um çerto consenso em caracterizaro S.S. no plano do conhecimento especulativo-prático, enquanto se coloca ao nível da aplicação de conhecimentos próprios ou tomados de outras ciências. Justifica-se,também, considerá-lo como uma técnica social, porquanto influencia o comportamento humano é o meio, nos seus inter-relacionamentos". O Documento assume ora a posturado S.S. como uma técnica (§ 48), ora como ciência (§ 28). O que constatamos é uma "indefinição quanto à natureza do S.S.". Os participantes do Seminário não conseguemchegar a um consenso. - Embora o documento afirme que existe uma especificidade na Ação do Serviço Social e que possui técnicas específicas, verificamos de outrolado a utilização de técnicas e instrumentos que são comuns a outras atividades humanas. No § 28, quando fala dos caracteres corretivo, preventivo e promocional,diz: "são (os caracteres) peculiaridades do Serviço Social, não lhe sendo, no entanto, específicos, uma-vez que comuns a outras ciências teórico-práticas"; se sãocomuns a "outras ciências", logo Serviço Social é ciência. Eis a indefinição, pois também se afirma como técnica. No § 49: "A intervenção na realidade, atravésde processos de trabalho com indivíduos, grupos, comunidades e populações, não é característica exclusiva do Serviço Social: o que lhe é peculiar é o enfoque orientadopor uma visão global do homem, integrado em seu sistema social". Com referência ao § 49, encontramos a seguinte afirmação na Síntese dos Encontros Regionais: "Oenfoque da visão global do homem não é específico do S.S. (6 vezes). Todas as profissões humanistas têm esse enfoque. Outros grupos também o possuem, como por exemploa Igreja". 51. No § 100: "A Administração não é um processo específico de Serviço Social". O que é específico em Serviço Social? Dentro dessa análise, um ponto básicoé que os próprios postulados que o Serviço Social assume no Documento de Araxá não lhe são próprios. Os princípios básicos de "autodeterminação, a individualização,o não julgamento e a aceitação, enunciados que orientam a aplicação da metodologia de ação do S.S., em seus três processos (§ 43), são princípios que podem embasarqualquer atividade humana. Na Síntese dos Encontros Regionais, lemos: "Admite-se a apresentação dos postulados isoladamente por motivos didáticos. Esses postuladossão comuns a todas as profissões". E "Se os postulados são comuns a todas as profissões, em que momento se apresentaria a especificidade do S.S. como profissão?Na sua adequação à metodologia? Ao objeto?". 52. O Documento afirma no § 21 que a teorização parte da "práxis". Essa "práxis" é vista numa visão de harmonia e nãode contradição, isto é, não se percebem as contradições p. 142

existentes na realidade, pois como já assinalamos, a perspectiva é idealista. Por se colocar na linha de "harmonia da práxis", O Documento, em sua tentativa de teorização,cai numa perspectiva da lógica aristotélica e assume um caráter de normatividade. No curso de formação de docentes da ABESS, realizado em 1967, na disciplina deFundamentos Filosóficos, foi salientado que a experiência não é fonte dos princípios, mas pode ajudar em sua elaboração. "Logo, toda a atenção do Assistente Socialdeve ter sua base nos postulados do ser e do dever ser". 53. E Átila Barreto, no artigo "S.S. Arte ou Ciência", afirma que Serviço Social é uma ciência normativaque se ocupa em estabelecer princípios, normas e procedimentos universalmente válidos para ajudar os indivíduos, grupos e comunidades na solução de suas dificuldades".54. O Documento de Araxá aponta uma série de "normas", de "dever ser". E muitas vezes normas com caráter de validade universal, a dimensão histórico-concreta nãose coloca na visão do documento. É o que constatamos no § 44: "Entende-se, assim, como princípios operacionais da metodologia aquelas normas de ação de validadeuniversal à prática de todos os processos do Serviço Social". Na medida em que se estabelece o caráter de normatividade para o Serviço Social fica evidente que seudiscurso se coloca na perspectiva do dever ser. Dessa forma será que a discussão se o Serviço Social é ciência, arte ou técnica não está camuflando o desafio decomprometimento com o real? Pelo que analisamos até aqui, pudemos perceber que o Documento se coloca nos horizontes da ontologia, da lógica, do reformismo, do dever ser, de uma perspectivateórica e estática, ao invés da historicidade, da dialética, da revolução, do que é ser, de uma perspectiva de prática e dinâmica. [ 50. "Se señala como solución a la problemática del Servicio Social la modernización y el desarrollo. Estos factores se traducirían en planificación, metodologiade planificación, investigaciones, entrenamiento de personal, con la transformación de la política de asistencia en una política de promoción social y la aplicaciónde los servicios para atención a nuevas necesidades emergentes. Se puede claramente verificar que los proyectos de reforma del sistematienen como marco referencial global al sistema mismo, con la idea de eficiencia ytécnica. Respecto de la eficiencia ésta se manifiesta como otra forma de esconder el problema ideológico de la dominación, dejando de lado otros factores de latransformación o del cambio social". (FALEIROS, Vicente de Paula, Trabajo Social - Ideologia y método, p. 45.) 51. DEBATES SOCIAIS, "Análise do Documento de Araxá e Síntese dos 7 Encontros Regionais" CBCISS, p. 68. 52. Ibid., p. 62-63. 53. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DE SERVIÇO SOCIAL - ABESS, Fundamentos Filosóficos do Serviço Social, p. 32. 54. . BARRETO, Átila, "Serviço Social Arte ou Ciência?", Debates .Sociai.s. 3(5):33. ] p. 143

CONCLUSÃO

Nossa preocupação primeira foi demonstrar que os pressupostos básicos do Documento de Araxá, fruto do 1º Seminário de Teorização de Serviço Social, sãoo neotomismo e o desenvolvimentismo. E para isso procuramos, nos-dois primeiros capítulos, mostrar como se deram os fatos da história, do Serviço Social, com referênciaàs duas posturas ideológicas: o neotomismo e o desenvolvimentismo. No primeiro capítulo pudemos mostrar as relações entre o Serviço Social e a ideologia católica, a influência do tomismo e do Serviço Social europeu. Ficou,evidente que o Serviço Social, no Brasil, se fez sob à inspiração e controle da Igreja Católica e que o neotomismo foi o inspirador de sua visão de homem e de mundo,que permanece até hoje, não, porém, com a mesma intensidade. A ideologia católica enfatiza a reforma social, tendo em vista a chamadaquestão social, a decadência dos costumes e o desenvolvimento do liberalismo e comunismo. Trata-se de reconstruir a sociedade, decurar as imperfeições da ordem social. Para desenvolver esse trabalho, a Igreja arregimentará o laicato, formando vários organismos,entre eles a Ação Católica. E, nesse trabalho, o Serviço Social será mais uma estratégia da Igreja. A posição do Serviço Social no Brasilera clara e definida: assumir sob todos os aspectos a doutrina (ideologia) católica. Os princípios básicos do neotomismo' são assumidospelo Serviço Social. E a ideologia da reforma social encontrará fundamentação no Humanismo Integral de Jacques Maritain. O (neotomismocomo seu) Humanismo Integral é a ideologia que unifica, organiza, dirige a ação social da Igreja, nessa época, e estrutura asinstituições que cria. A partir da metade da década de 40, passamos a ter também a influência do Serviço Social norte-americano. Essainfluência trará para o Serviço Social, no Brasil, a presença de novas técnicas, sob a perspectiva funcionalista. Mas, ao nosso ver, nãopodemos falar da influência americana apenas na postura funcionalista, por não corresponder aos fatos históricos como demonstramos.A influência americana se dará também pela presença tomista. Apenas com o assumir da ideologia desenvolvimentista é que o funcionalismoterá sua presença determinante, portanto não podemos falar de um modelo belga e americano de funcionalismo e neotomismo p. 144

como realidades estanques, mas sim como realidades que se interpenetram. Nesse período, as relações com o Estado se farão via Igreja. Esta buscará gradativamenteum estatuto dentro da sociedade, tendo em vista a separação (Igreja-Estado) desde a República, e para isso fará alianças com o Estado. E portanto através das relaçõesque a Igreja busca manter com a cúpula governamental que o Serviço Social servirá à ordem vigente. No segundo capítulo, pudemos mostrar as relações entre o Serviço Social e a ideologia desenvolvimentista. Com o surgimentoda Organização das Nações Unidas e sua ação em função do desenvolvimento, o Serviço Social brasileiro, a partir do final da décadade 50 e na década de 60, assume essa postura ideológica. Essa ideologia enfatiza que é preciso crescer, modernizar, desenvolver-seeconomicamente, tirar as regiões atrasadas de sua situação, fazendo-as alcançar o estágio do desenvolvimento. Esse período marcou-se porexplicar a relação entre os setores desenvolvidos e subdesenvolvidos pelo dualismo. A ordem social era boa, tendo em vista nossa formaçãodemocrática e católica, mas era preciso acabar com algumas imperfeições, buscando o desenvolvimento. No fundo, esse desenvolvimentoimplicou o desenvolvimento do sistema capitalista, acentuando as relações de dependência entre os países desenvolvidos esubdesenvolvidos. A ideologia desenvolvimentista teve sua formulação mais clara no Governo de Juscelino Kubitschek. E o ServiçoSocial assumirá com clareza essa posição no II Congresso Brasileiro de Serviço Social, em 1961. A partir daí, o Serviço Social coloca demaneira explícita sua teoria e sua prática a serviço do projeto nacional de desenvolvimento. É sua tarefa nesse período - e podemosdizer ainda hoje - é de reduzir as condições de conflitos, procurar institucionalizar a mudança e motivar nas populações atitudes positivasface ao desenvolvimento nacional. Em toda sua história (a que analisamos, de 1936 a 1967) o Serviço Social viu a sociedade comohomogênea e sendo que a harmonia entre as classes deve ser buscada a todo custo, isto quer na ideologia católica, quer na ideologiadesenvolvimentista. Nesse período e mais precisamente entre 1960 e 1964, percebemos a presença de alguns poucos assistentes sociaisque buscam uma outra postura: a de compromisso com o povo.

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Após demonstrarmos a presença do neotomismo e do desenvolvimentismo, no fazer-se da história do Serviço Social brasileiro,procuramos, no terceiro capítulo, analisar o Documento de Araxá, buscando encontrar em seu interior a presença das posições acimaexplicitadas. E pudemos perceber, na análise interna do Documento, a presença do neotomismo nos postulados em que se baseia odocumento e que são o da dignidade da pessoa humana, da sociabilidade essencial da pessoa humana e da perfectibilidade humana. Odesenvolvimentismo encontramos nos objetivos da realização do Seminário de Teorização do Serviço Social, em sua metodologia e nomodelo de desenvolvimento que propõe. Isto se confirma com a p. 145

análise do contexto em que surge o Documento e dos diferentes estudos sobre o mesmo que apresentamos no terceiro capítulo. O Seminário de Teorização aconteceu nomomento em que se instala o regime militar nascido do golpe de 1964 e que, em termos de Serviço Social, se fala na necessidade de reconceituar, para melhor atendera nossa realidade e a latino-americana. No Brasil, o Documento de Araxá será o marco inicial desse processo de reconceituação. E a reconceituação se deu, no Brasil,no sentido de melhorar a tecnologia profissional e de buscar uma racionalidade científica,, mas continuando tendo por base e por referência a ordem vigente. Levandoem consideração o que colocamos nos dois primeiros capítulos, na análise do Documento de Araxá, que apresentamos no terceiro capítulo, podemos concluir que o Documentose insere dentro da visão neotomista de pessoa humana e da ideologia desenvolvimentísta. E que, a partir daí, podemos dizer que o mesmo se insere numa perspectivaliberal (entendida como a ideologia que vê a sociedade perfeita, uma ordem natural e- um homem ideal, uma concepção harmônica e a-histórica da sociedade) e que partindodela: 1. o Serviço Social aceita, justifica e legitima na prática e na teoria uma- sociedade capitalista; 2. reconhece as imperfeições da ordem social vigente, tanto que pretende melhorá-la; 3. sua teoria e prática se colocam no sentido de aperfeiçoamento da ordem e que assistencialismo, tomismo, funcionalismo e desenvolvimentismo nada mais sãoque referências ideológicas das mudanças sociais que marcam em cada época a busca de cientificidade ou racionalidade que lhe confira respeito; 4. o Documento se coloca nos horizontes da' ontologia, da lógica, do reformismo, do dever ser, de uma perspectiva teórica e estática, ao invés da historicidade,da dialética, da revolução, do que é ser, de uma perspectiva prática e dinâmica. p. 146

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Podemos acrescentar que o autor analisa, no primeiro capítulo, OS problemas advindos quando a FILOSOFIA é introjetada na pessoa doprofissional, desencarnando-a da realidade e tornando o profissional um idealista que mascara e massacra a prática. Neste capítulo se desnudamalgumas considerações históricas já feitas, que tentam esconder a realidade: o Serviço Social foi (é?!) mesmo uma necessidade históricados poderosos para a manutenção do status quo. E nasceu daí! Quanto ao segundo capítulo, ao abordar "Serviço Social e Desenvolvimento", o autor nos coloca a par de "palavras de ordem" daprofissão que são utilizadas ainda hoje por muitos que se dizem "reconceituados" e que nada mais são que "atualizados" na linguagem dodesenvolvimento. E há o terceiro capítulo. Nele, o autor analisa o tão falado e (des) conhecido "Documento de Araxá", que deu origem a um movimento que,esperamos, termine com o "Documento de Sumaré", já bem mais conhecido e muito menos falado. Que o conhecimento de nossa história nos auxilie amudá-la!

Matsuel Martins da Silva