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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas. Setembro 2007 Problemas Nacionais Conferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio 630 v. 53 Sumário Observações sobre o Protesto Cambial ................ 3 Theophilo de Azeredo Santos Colômbia – Uma Nova Realidade ................ 16 Ricardo Vélez Rodríguez A Exportação do Álcool Brasileiro ...................... 57 Jaime Rotstein Uma Teoria do Tributo ................................. 81 Ives Gandra da Silva Martins Síntese da Conjuntura O Vôo do Besouro ........................................... 89 Ernane Galvêas

Setembro 2007 630 Problemas Nacionais v. 53 · No mesmo sentido opinaram os mais notáveis comercialistas, bas- ... O Professor J.M. Othon Si dou, ... Já dissemos9 que a letra de

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidosnas conferências aqui publicadas.

Setembro2007

Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniõessemanais do Conselho Técnico daConfederação Nacional do Comércio

630v. 53

Sumário

Observações sobre o Protesto Cambial ................ 3Theophilo de Azeredo Santos

Colômbia – Uma Nova Realidade ................16Ricardo Vélez RodríguezA Exportação do Álcool Brasileiro ......................57Jaime RotsteinUma Teoria do Tributo .................................81Ives Gandra da Silva Martins

Síntese da ConjunturaO Vôo do Besouro ...........................................89Ernane Galvêas

Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.

As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente,desde que citada a fonte.

A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis noendereço www.portaldocomercio.org.br, no link Produtos e Serviços -Publicações - Periódicos.

Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio – v. 1, n. 1 (1955) –Rio de Janeiro: CNC, 1955-

100 p.MensalISSN 0101-4315

1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional doComércio. Conselho Técnico.

Confederação Nacional do Comércio

v. 53, n. 630, Setembro 2007

BrasíliaSBN Quadra 01 Bloco B n o 14, 15 o ao 18 o andarEdifício Confederação Nacional do ComércioCEP 70041-902PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501E-mail: [email protected]

Rio de JaneiroAvenida General Justo, 307CEP 20021-130 Rio de JaneiroTels.: (21) 3804-9341 | 3804-9241Fax (21) 2544-9279E-mail: [email protected]

Web site: www.portaldocomercio.org.br

Publicação MensalEditor-Responsável : Gilberto PaimProjeto Gráfico :Serviço de Documentação e Informação/Unidade de Programação VisualImpressão : Gráfica Ultraset

3Car t a Men s a l . Rio de Janeiro, v. 53, n . 630, p. 3-15, set. 2 0 0 7

Theophilo de Azeredo SantosProfessor do Doutorado e Mestrado da UniverssidadeEstácio de Sá e Presidente da Comissão de Direito Comercialdo Instituto dos Advogados Brasileiros

Observações sobre oProtesto Cambial

A partir da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, confir- mou-se o novo conceito de protesto: é o ato público e solene,

impondo-lhe a lei a forma escrita ad substantiam, mediante a qual setraduz a prova da apresentação, pelo credor, de títulos de crédito,contratos ou documentos de dívida, opportuno tempore et loco, certifi-cando o descumprimento ou negativa das obrigações neles declara-das e a falta ou recusa do aceite.

A Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o art.236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais ede registro, em seu art. 11, ao fixar a competência privativa dostabeliões indica: “Inciso I – protocolar de imediato os documentos dedívida, para a prova do descumprimento da obrigação” (os grifossão nossos).

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Parece-nos que documentos de dívida são todos aqueles em que há,inequivocamente, a indicação de relação de débito e crédito entreinstituições financeiras, sociedades empresariais ou simples, indus-triais, agrícolas ou de serviços, entidades civis e seus clientes (mu-tuários, compradores ou usuários), pessoas físicas e órgãos públicos.

Assim, a Lei nº 9.492 deixou margem para que outros documentosque vierem a ser criados pelos usos ou costumes (v.g., faturas decartões de crédito, contratos de factoring) ou por leis posteriores,sejam agasalhados pelo citado art. 1°.

É inválida qualquer limitação que se pretenda impor à norma legal,pois a Constituição Federal de 1998, entre os direitos e deveres indi-viduais, assegura, no art. 5°, inc. 11, que “ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O cheque é ordem de pagamento, em dinheiro, à vista a um Bancoou instituição financeira (sacado), por alguém (emitente) que temfundos disponíveis, resultantes de depósito ou contrato.

Discutiram-se, na doutrina e jurisprudência, sobre a validade doserradamente chamados “cheques pré-datados”, pois são emitidoscom a data posterior à da sua verdadeira emissão.

Em agosto de 1993, o Presidente Itamar Franco baixou MedidaProvisória, cortando três zeros da moeda e conferindo novo nomepara o dinheiro do país – o cruzeiro real.

Nesse momento, o Banco Central do Brasil, ignorando a hierarquiadas leis, fixou prazos inexeqüíveis para a validade dos chamados“cheques pré­datados”.

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Em estudo publicado pela Associação Nacional de Factoring, afir-mei: “Daí, em decorrência de interpretação do Presidente do Ban-co Central do Brasil, indiscutivelmente competente economista,Paulo César Ximenes, ao autorizar que apenas poderiam ser com-pensados cheques em cruzeiros emitidos até 31 de julho (Carta-Circular nº 2.387, de 30 de julho de 1993), baseando-se na MedidaProvisória nº 336, foram devolvidos cerca de três milhões de che-ques, gerando problemas que só se venceriam meses depois”.

Na verdade, houve completo desconhecimento da Lei nº 7.357, de2 de setembro de 1985, que dispõe sobre o cheque, e se alegavaque o art. 32 impedia a validade de cheque que não fosse à vista,pois o art. 32 exige: “O cheque é pagável à vista. Considera-se nãoescrita qualquer menção em contrário.”

Esqueceram do parágrafo único, que esclarece: “O cheque apre-sentado para pagamento antes do dia indicado como data de emis-são é pagável no dia da apresentação” e, ainda, do § lº, do art. 4°:“A existência de fundos disponíveis é verificada no momento daapresentação do cheque” e, portanto, pode não ser o dia da suaemissão.

Depois de longas discussões, o Banco Central revogou aquela me-dida, graças à intervenção do Presidente Itamar Franco, a pedidode seu ex-consultor-geral da República, José de Castro Ferreira.1

Sempre defendi que o cheque “É de vida brevíssima, mas título decrédito, 2 baseado no conceito de Vivante, que perfilhei ao redigir oart. 899 do Projeto de Código de Obrigações, de cuja ComissãoRevisora participei ao lado do Ministro Orosimbo Nonato (Presi-dente), Caio Mário da Silva Pereira (Relator Geral), Sylvio Marcon-

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des, Orlando Gomes e Nehemias Gueiros:3 “O título de crédito,documento necessário ao exercício do direito literal e autônomonele contido, somente produzirá efeitos quando encerre os requisi-tos da lei”, que mereceu o apoio do Mestre João Eunápio Borges.4

No mesmo sentido opinaram os mais notáveis comercialistas, bas-tando lembrar Vivante, J.X. Carvalho de Mendonça, Otávio Men-des, Waldemar Ferreira, João Eunápio Borges e Rubens Requião,que depois de afirmar que esse título, quando emitido em favor deterceiro, transfigura-se, adquire aspecto novo, conclui: “tem-se,então, no cheque, em toda a amplitude do conceito, título de crédi-to a exercitar função subsidiária da moeda e como tal resguardadaou protegida pela lei”.5

O Professor J.M. Othon Si dou, Presidente da Academia de LetrasJurídicas6, após dizer que “o cheque não é título de crédito”, consi-dera que ele é um “título de crédito impróprio”, tendo em vista suacondição circulatória.

Com razão, lembra Rubens Requião7 ao acentuar que “exerce, ocheque, importante função econômica, pois substitui vantajosamen-te a mobilização de valores monetários no meio comercial e social.Sua precípua função é de ‘meio de pagamento’, constituindo pelacompensação um ‘meio de liquidação’ de débitos e créditos posto acircular, opera como ‘título de crédito’.”

Embora o Código Civil- Lei nº 10.400, de 10 de janeiro de 2002 –trate, no seu Título VIII, capítulos I a IV, dos Títulos de Crédito(arts. 887 a 926), na verdade, apenas estabeleça disposições gerais,com algumas alterações e outras importantes, que iremos comen-tar, mas preservou a “lei especial”, no art. 903.

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O Brasil aderiu à Lei Uniforme de Genebra (LUG), relativa às Le-tras de Câmbio e Notas Promissórias, que sofreu grande contesta-ção entre os juristas brasileiros, com destaque para o Professor JoãoEunápio Borges,8 mas o Supremo Tribunal Federal pôs fim à con-trovérsia, ao admitir que a LUG estava incorporada no direito in-terno brasileiro pelo Decreto nº 57.663, de 24 de janeiro de 1966(Recursos Extraordinários nº 70.356, Relator Ministro Bilac Pintoe nO 71.154, Relator Ministro Oswaldo Trigueiro).

O Brasil apresentou reserva a alguns dispositivos, notando-se quea Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, no art. 2°, nº 1,conceitua “a reserva”: “declaração unilateral, seja qual for o seuenunciado ou a sua denominação, feita por um Estado ao assinar,ratificar, aceitar, e aprovar o efeito jurídico de algumas de suas dis-posições na aplicação ao mesmo”.

Portanto, inexiste dúvida sobre a afirmação no sentido de que aLUG não afastou os dispositivos objetos de “reservas” e os identi-ficados em “leis especiais”, segundo a regra do nosso Código Civil,em seu art. 903.

É evidente a conclusão da permanência de regras do Decreto nº2.004, de 1908, em decorrência de reservas ou de matérias nãoreguladas pela LUG e, também, as do Código Civil, desde que nãodisciplinadas em nossa legislação especial.

Já dissemos9 que a letra de câmbio é título de crédito corresponden-te “a ordem de pagamento”, em dinheiro, à vista ou a prazo, aopasso que a nota promissória é “promessa de pagamento”.

Na letra de câmbio podem surgir duas ou três pessoas diversas: a

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que dá a ordem de pagar – o sacador (credor); contra quem a ordemé passada – o sacado (devedor) e a favor de quem a ordem é dada:beneficiário, favorecido­terceiro ou o próprio sacador.

É pacífica a afirmação no sentido de que a letra de câmbio é umtítulo “abstrato”, vale dizer, não depende, legalmente, para sua emis-são, de causa certa e determinada, podendo estar vinculada a qual-quer obrigação, o que confere maior segurança e tranqüilidade aossucessivos adquirentes desse título.

Tal não ocorre com os títulos “causais”, vinculados, legalmente, auma causa, como sucede com as duplicatas, constituindo “crime” asua emissão se não decorrer de uma compra e venda ou prestaçãode serviço e, também, com conhecimento de depósito, warrant, co-nhecimento de transporte, cédulas de crédito rural, comercial ouindustrial, certificado de depósito bancário (CD8), cédula de crédi-to bancário, nota comercial (“commercia/paper”) e outros.

O Governo brasileiro acolheu a reserva do art. 16 do anexo 11,aprovada pela Convenção de Genebra que reza: “A questão de sa-ber se o sacador é obrigado a constituir provisão à data do venci-mento e se o portador tem direitos especiais sobre essa provisãoestá fora do âmbito da Lei Uniforme.”

“O mesmo sucede relativamente a qualquer outra questão respei-tante às relações jurídicas que serviram de base à emissão da letra.”

A regra, no direito cambiário brasileiro, é no sentido de que a au-sência de “requisito essencial”, desfigura a letra de câmbio comotítulo de crédito, princípio acolhido no art. 2° da LUG.

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Assim, não há obrigatoriedade de prévia provisão para dar legitimi-dade à letra de câmbio.

Não encontramos, na jurisprudência nacional, nenhuma decisão queimponha a antecipada provisão de fundos.

Chega-se, sem qualquer dificuldade, à conclusão segundo a qual aletra de câmbio nasce em virtude de um direito creditício de qual-quer natureza.

Note-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Súmulanº 299, considera que “É admissível a ação monitória fundada emcheque prescrito, pois, na lição do Ministro Carlos Alberto Mene-zes Direito, 10 “A prescrição do título executivo não acarreta o can-celamento do protesto”. Se o título não tem vício e o débito não foipago, se mantém o protesto, pois o credor pode fazer a cobrançapor outros meios, dentro dos quais a ação monitória” e – acrescen-tamos – também pelo saque de letra de câmbio.

Cumprir-se-á, então, o disposto no art. 21, da Lei nº 9.492: “Oprotesto será tirado por falta de pagamento, aceite ou de devolu-ção”, a fim de o credor inadimplido, que persegue a satisfação deseu crédito, qualquer que seja o documento de dívida que gerou aobrigação de pagar, receba o valor que lhe é devido.

Daí concluir Hélia Márcia Gomes Pinheiro:11 “Em suma, não háóbice em se protestar qualquer documento de dívida, desde que ofim do protesto seja a comprovação da falta de cumprimento dasobrigações assumidas pelo devedor, possibilitando que o credorexerça outro tipo de direito.”

Caberá ao tabelião o exame dos documentos apenas sobre o aspec-

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to de seus “caracteres formais” e “terão curso se não apresentaremvícios” (Lei nº 9.492). Conseqüentemente, somente qualquer “irre-gularidade formal” impedirá o registro do protesto.

No caso de saque da letra de câmbio tendo como sacado o devedorque não honrou sua dívida em outro título de crédito ou documen-to de dívida, constituiu-se em exercício regular de direito, com basena legislação em vigor e em farta manifestação doutrinária.

E juridicamente cabível a indicação, pelo sacador da letra de câm-bio, de lugar para pagamento diferente do local do domicílio dosacado, de acordo com o que melhor lhe aprouver?

Trata-se, no caso, da chamada “letra domiciliada”, que confere aosacador o direito de apresentar o título em lugar à sua escolha, aten-dendo, é evidente, às suas conveniências.

Em País com dimensões continentais – como é o caso do Brasil –essa escolha confere ainda maior razão prática para a sua legitimida-de.

Com a internacionalização da economia e a concentração de mer-cados essa opção do sacador tornou-se ainda mais necessária.

Daí, em obra premiada pelo Centro Francês de Direito Comparadoe pela Universidade de Dijon, PASCALE BLOCH expor “La domi-ciliation permet au porteur de connaître à l’avance Ia localité où il pourrarecevoir le montant de l’effet de comnerce sans être à Ia merci d’un changementd’adresse du tiré12.”

Nas relações comerciais internas surge a domiciliação como fatorde assegurar maior eficiência na cobrança dos títulos de crédito,

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dificultando a inadimplência, pela identificação correta do lugar paraa efetiva liquidação da dívida contraída.

O art. 27 da LUG acolheu, registram todos os comercialistas, a“letra domiciliada”, pois a primeira alínea assegura ao sacador indi-car “na letra um lugar de pagamento diverso do domicílio do saca-do”. Se esse direito não é exercido, poderá o sacado, no ato do acei-te, indicar, para ser efetuado o pagamento, outro domicílio no mes-mo lugar (segunda alínea).

Bem esclarece e simplifica essa questão Rosa Júnior:13 “Em resumo,na letra domiciliada a apresentação deve ser feita no lugar designa-do pelo sacador e no aceite domiciliado a apresentação deve ocor-rer no domicílio indicado pelo sacado.”

Reza o art. 35 da LUG: “O vencimento de uma letra a termo de vistadetermina-se, quer pela data do aceite, quer pela do protesto”.

Assiste total razão ao Prof. João Eunápio Borges14 quando ensina:“A lei cambial é, aliás, de meridiana clareza, dando ao portador odireito, a faculdade de apresentar a letra para o aceite e só excep-cionalmente lhe impondo a obrigação, ou melhor, a necessidade detal apresentação.”

Mas, na hipótese de o devedor (sacado) não aceitar o título, deveráo credor (sacador) proceder ao seu protesto por falta de aceite (art.22, § 10 c/c o art. 44 da LUG).

É válida a remessa postal da letra de câmbio, agilizando o procedi-mento, a fim de o protesto ocorrer no prazo de 10 (dez) dias da datada respectiva postagem.

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Na prática, pode não se efetivar a devolução do título, com ou semaceite do devedor. Nesse caso, poderá o credor sacar uma segundavia da letra e encaminhá-la ao Cartório de Protesto de sua preferên-cia, que será o do lugar identificado como o do pagamento, obser-vando-se o vencimento de 30 (trinta) dias de vista, a contar daapresentação.

Esse procedimento está arrimado na legislação citada, portanto, écorreto, não podendo, validamente, ser contestado.

É possível ao Cartório de Protesto a objeção do título, por algumacircunstância relacionada ao protesto da letra de câmbio, nos limi-tes ora delimitados?

Essa indagação não encontra divergência na doutrina ou jurispru-dência, em face da precisão e clareza do art. 9 da Lei nº 9.492, de1997. “Todos os títulos e documentos de dívida protocolizados serãoexaminados em seus caracteres formais” e – esclarece o parágrafoúnico, que apenas “qualquer irregularidade formal observada pelotabelião obstará o registro do protesto”.

Corretamente, a lei limitou o exame do título sobre outros aspectosjurídicos que uma vez que não integram as funções do oficial doprotesto. Cabe-lhe verificar se letra de câmbio, obedeceu às exigên-cias do art. 10 da Lei Uniforme de Genebra. Nada mais.

Não poderia ser outra a responsabilidade do tabelião, pois “O acei-te é a declaração unilateral, facultativa, pela qual o sacado assumea obrigação de realizar o pagamento da soma indicada no título,dentro do prazo ali especificado, tornando-se, assim, responsáveldireto pela execução de obrigação incondicional15.”

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Mas, no direito brasileiro, entre os requisitos essenciais da letra decâmbio não está à exigência do aceite.

O art. 9º, da Lei nº 9.492/97 não autoriza ao tabelião de protesto“investigar a ocorrência de prescrição ou caducidade”.

O título prescrito está sujeito a protesto, desde que inexistam ví-cios formais no documento apresentado. O protesto extrajudicialde qualquer documento de dívida deverá ser necessário e útil pa-ra o credor, pois comprovará a falta de cumprimento das obriga-ções assumidas pelo devedor.

Se o atual Código Civil, no art. 119 declara que “O juiz não podesuprir, de ofício a alegação de prescrição, salvo se favorece a abso-lutamente incapaz”, com muito mais razão não poderá o tabeliãoimpedir a efetivação do protesto porque notou a ocorrência da pres-crição. E já vimos, anteriormente, que – por exemplo – o chequeprescrito pode ser protestado, desde que não lhe falte requisito es-sencial, estabelecido em lei.

Conclusão

O tabelião de protesto ao protocolizar uma letra de câmbio neces-sita, somente, verificar seus caracteres formais, independentemen-te de prescrição ou decadência, consoante o art. 90 da Lei nº 9.492/1997. Ou seja, se o título apresentado é letra de câmbio ou não. Oscaracteres formais da letra de câmbio estão previstos no art. 10 daLei Uniforme de Genebra. Destaque-se, que o lançamento de acei-te não está previsto no mencionado dispositivo como um item obri-gatório para que se caracterize um título como letra de câmbio.

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Notas

1 Vide Itamar, o Homem que Redescobriu o Brasil. Rio de Janeiro: Edito-ra Record, 1995, p. 145.

2 O Cheque – Doutrina e Prática. Jurisprudência. Legislação. Rio de Janei-ro, 1992, n. 1, p. 3.

3 Projeto de Código de Obrigações. editado pelo serviço de Reforma deCódigos, da Comissão de Estudos Legislativos do Ministério daJustiça e Negócios Interiores, Departamento de Imprensa Nacio-nal, concluído em 24 de setembro de 1965, p. 75.

4 Obra cit., p. 11 e nota nº 2.

5 Tratado de Direito Comercial. Brasileiro no mesmo sentido: WaldirioBulgarelli, Títulos de Crédito – Direito Comercial III. São Paulo: Edito-ra Atlas, 1979, p. 265.

6 O Cheque. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 27, nº 8, tese quemanteve na 4ª Edição, publicada em 1998, p. 9, nº 4.

7 Curso de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, 22aEdição, 20 volume, nº 618, p. 432 e 433.

8 Títulos de Crédito. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971, nº 41 e 4ª, p.44 a 46. Vide, ainda, “O Conteúdo das Reservas Formuladas sobrea Lei Uniforme relativas às Letras de Câmbio e Notas Promissóri-as”, Revista de Direito Mercantil, Industrial Econômico e Financeiro, nº 8,Nova Série, 1972, p. 21 a 44

9 Manual dos Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Editora Palias, 1975,p. 123.

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10 Julgado em 8/3/2005, vide “Informativo de Jurisprudência do STJ238, 07 a 11/03/2005.

11 “Aspectos Atuais do Protesto Cambial”, Editora Lumen Juris, Rio deJaneiro, 2001, p. 22, n. 3.2.1.

12 “Le Lettres de Change et Billets à Ordre dans Les Relations Commer-ciales Internacionales”,

Paris: Editora Econômica, 1986, p. 100, n. 132.

13 Rosa Júnior, Luiz Emygdio Franco de, Títulos de Crédito. Rio deJaneiro: Renovar, 2000, p. 352.

14 Obra cit., p. 63, n. 59.

15 Theophilo de Azeredo Santos, Do Aceite, Rio de Janeiro: Forense,1962, p. 16, n. 1. O Código Comercial Brasileiro, Lei n. 556, de 25de junho de 1850, tornava-o obrigatório, quanto o saque tivessesido autorizado por escrito.

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Ricardo Vélez RodríguezCoordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soaresde Sousa”, da UFJF.

Colômbia – Uma NovaRealidade

Este trabalho foi escrito ao ensejo da Missão Empresarial à Co- lômbia, realizada pela Confederação Nacional do Comércio

entre 29 de julho e 3 de agosto de 2007 e que levou ao país vizinhouma delegação de 24 pessoas (15 empresários presidentes das Fe-derações de Comércio de vários Estados e diretores da CNC, umjornalista de O Globo, um representante da Secretaria de SegurançaPública do Estado do Rio de Janeiro, seis técnicos do CNC – Siste-ma Fecomércio/RJ e um representante do Conselho Técnico daCNC). A Missão, chefiada pelo vice-presidente da CNC e presiden-te da Fecomércio do Rio Janeiro, Orlando Santos Diniz, visitou trêscidades: Bogotá, Medellín e Cartagena de Índias, tendo tido entre-vistas com ministros de Estado, conselheiros presidenciais, líderesempresariais das Câmaras de Comércio, prefeitos e ex-prefeitos, aUniversidade EAFIT de Medellín e representantes dos movimen-

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tos sociais “Bogotá como vamos”, “Medellín como vamos” e “Car-tagena como vamos”. Foram visitadas as principais realizações so-ciais do Município de Medellín, nas outrora áreas mais violentas dacidade, como a Comuna Santo Domingo (equivalente ao “Complexodo Alemão” do Rio de Janeiro).

A Colômbia, literalmente, deu a volta por cima. Isso, após seis anosde mau desempenho econômico e social, ensejado pelo não equa-cionamento da problemática da segurança interna, decorrente doconflito causado pelo narcotráfico e pela atividade das Forças Ar-madas Revolucionárias da Colômbia – FARC. No final dos anos 90e até o início de 2003, o panorama era de crescimento econômiconegativo ou muito modesto, beirando 2% anual. Mas, a partir daspolíticas públicas anunciadas e postas energicamente em execuçãopelo governo do Presidente Uribe Vélez, passou a ser contornadaessa difícil situação para, progressivamente, ir se firmando um cons-tante crescimento econômico (o índice calculado para este ano é de6%), que tem acompanhado à progressiva pacificação do país. Essesurto de crescimento tem permitido atender a demandas sociaisurgentes, aumentadas por décadas de conflito armado.

A finalidade precípua deste artigo consiste em informar aos leitoresacerca das linhas mestras das políticas públicas hoje vigentes naColômbia, especialmente no que tange ao equacionamento das ques-tões de segurança. Pretende-se, outrossim, traçar um pano de fun-do claro da recente história do país andino, a fim de divulgar osaspectos característicos da evolução social colombiana. Busca-se,também, detalhar a colaboração dos Grêmios econômicos na con-cretização das soluções que hoje estão sendo postas em marcha,tanto no terreno da segurança pública, quanto no que tange ao de-

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senvolvimento econômico e social. Pretende-se, por último, identi-ficar os pontos mais marcantes das atuais relações econômicas,políticas e culturais entre o Brasil e a Colômbia, tanto em níveloficial (convênios e tratados), quanto no terreno das relações entreorganizações do setor privado.

Serão desenvolvidos os seguintes itens: 1) Papel da economia co-lombiana na superação da insegurança causada pela luta armada ea criminalidade. 2) O “Plano Colômbia” – Aspectos jurídicos e po-líticos. 3) Empreendimentos culturais dos municípios, como meiopara consolidar a pacificação. 4) O papel dos empresários. 5) Opapel da Igreja. 6) Riscos e perspectivas.

Papel da economia colombiana na superação dainsegurança causada pela luta armada e a criminalidade

Há um ponto central que convém destacar: tanto o setor produtivoquanto o governo chegaram a um acordo, no sentido de que a me-lhor solução para os desafios sociais consiste em incrementar o cres-cimento econômico, não em formular políticas assistencialistas.Dentro desse grande consenso devem ser enquadrados os aspectosque mostraremos a seguir.

Os indicadores mostram que na Colômbia ocorre, hoje, o melhormomento para os nossos vizinhos ingressarem no caminho do de-senvolvimento sustentado. O quadro geral da economia pode serilustrado assim: o país possui um PIB de 130 bilhões de dólares,com uma população de 42,1 milhões de habitantes, com um PIB/per capita um pouco superior a US$ 3 mil, com um comércio exteriorpróximo dos US$ 50 bilhões, equivalentes a 40% do PIB, sendo

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que a inversão produtiva representa, aproximadamente, 25% doPIB. Aspecto relevante da dinâmica econômica é constituído pelofato de que os bons resultados de crescimento são acompanhadospor significativas transformações estruturais, orientadas à produti-vidade.

No que tange ao crescimento, a taxa, para 2007, está prevista em6%, tendo o país alcançado extraordinários 8% nos três primeirosmeses deste ano. A tendência expansiva foi observada nos anosrecentes (do segundo trimestre de 2003 para cá) e caracteriza-sepor se alicerçar na dinâmica do mercado e não em políticas econô-micas expansivas ou bonança circunstancial de determinado setor,ao contrário do que tinha acontecido em outras épocas. Esse fato éobservável por meio da generalização do crescimento em todos ossetores econômicos. De outro lado, o fenômeno apontado explica-se não apenas pelo mercado interno, mas – cada vez com maiorênfase – pela abertura da economia colombiana aos mercados ex-ternos. Outro ponto a ser destacado nesse panorama de incrementodo crescimento consiste em que ele decorre, em boa medida, dainversão nacional e estrangeira, o que tem conduzido a Colômbia ase aproximar dos parâmetros internacionais, no que tange à relaçãoentre inversão e PIB.

As transformações da economia colombiana orientam-se no senti-do de melhorar as condições competitivas do país. Há um notávelincremento das exportações de bens com maior valor agregado. Hoje,aproximadamente 40% das exportações industriais correspondema bens de alta e meia tecnologia (contrastando com os 20% querepresentava esse segmento no início da década passada). Outratransformação importante consiste na maior competitividade in-

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terna das empresas, mediante a racionalização de custos, a melhorade serviços prestados aos clientes, o desenvolvimento de novaslinhas de produção, o fortalecimento da pesquisa na procura de novosmercados e a preocupação, já apontada, em produzir bens de maiorvalor agregado. Aos anteriores itens somam-se estes outros: avançona melhor gestão das empresas, incremento da capacidade de res-posta às exigências do mercado, desenho de sistemas de produçãomais flexíveis e uso mais intensivo da informática.

Os analistas destacam que está ocorrendo, hoje, na Colômbia, umprocesso de reindustrialização, consistente em adaptar o parqueindustrial de forma a que responda, de modo cada vez mais eficien-te, aos desafios da competitividade internacional. O crescimento,na década anterior, centrava-se no privilégio, concedido pelo Go-verno, ao setor da construção. Na evolução recente, são as condi-ções de mercado e a dinâmica industrial, que puxam direta ou indi-retamente as outras atividades produtivas. Essa integração exerceum papel fundamental na nova visão, de empresários e governan-tes, no sentido de estimular o surgimento de cadeias produtivasque ganham mais força a cada dia. A competitividade de qualquerproduto é determinada pela ação conjunta de todos os setores queparticipam de sua produção. A boa dinâmica econômica incremen-ta a demanda por melhores insumos. A confiança na economia esti-mula o consumo de bens duráveis, de serviços financeiros e comer-ciais etc. Essa dinâmica da indústria colombiana decorre, em parte,da assinatura do Tratado de Livre Comércio com os Estados Uni-dos (que deve ser referendada definitivamente pelo Congresso Norte-americano em fevereiro de 2008, tendo chegado os parlamentaresmais importantes dos dois partidos a um consenso nos aspectosfundamentais). Sem dúvida que na concretização desse panorama

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favorável contribuíram, em muito, a decidida ação do Governo doPresidente Uribe Vélez, no sentido de acelerar a negociação do Tra-tado com os Estados Unidos, bem como a posição favorável doempresariado colombiano.

O processo de reindustrialização está baseado na competitividade.Isso implica na formulação de medidas econômicas favoráveis aessa nova realidade. No terreno social, esse modelo oferece melho-res perspectivas para a população, já que exige altos níveis de pro-fissionalização, melhores condições de saúde, infra-estrutura maisadequada e mais moderna, instituições mais eficientes etc. Se der-mos uma olhada para os índices das realizações obtidas, observare-mos que o desempenho industrial é bastante sólido. A produção eas vendas totais crescem em níveis superiores a 7%, o mercadointerno tem um crescimento acima de 5%, a utilização da capacida-de instalada atingiu em 2006 um promédio de 81,1%, bem próximodo grau considerado ótimo pelos empresários (de 88%). Ora, estavariável tem aumentado constantemente a partir de 2001 (quandoo índice foi de 71,5%).1

A economia colombiana vem demonstrando excelente desempe-nho ao longo dos últimos anos. Em 2003, a taxa de crescimento foide 3,9%; em 2004, de 4,9%; em 2005, de 5,2% e, em 2006, de6,4%. Esse crescimento sustentado deve-se manter em 2007, le-vando em consideração que a dinâmica da economia decorre, comofoi mostrado anteriormente, de uma adequação do sistema produ-tivo ao mercado no plano internacional, bem como de uma moder-nização dos processos produtivos, na busca de uma maior eficiên-cia. Os Quadros 1 e 2, que aparecem a seguir, mostram exatamenteessa realidade.

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O “Plano Colômbia” – Aspectos jurídicos e políticos

A eleição do Presidente Uribe Vélez para o período 2002-2006,representou uma mudança significativa da atitude do Estado co-lombiano em face da guerrilha das FARC, bem como diante da vio-lência desatada pelos narcotraficantes. O novo mandatário recebeuampla votação, em decorrência do fato de se ter posicionado demaneira clara, com um programa de Governo que fazia da luta frontalcontra o crime organizado e contra os guerrilheiros, o ponto inicialda sua administração. Os colombianos chegaram à conclusão deque sem derrotar os narcotraficantes e os guerrilheiros, tornar-se-iaimpossível retomar o crescimento econômico, praticamente parali-sado no decorrer dos anos 90 e apresentando, no final da década,índices negativos.

A plataforma de Governo de Uribe Vélez contemplava dar conti-nuidade ao denominado “Plano Colômbia”, que tinha sido conce-bido no final da gestão Pastrana, mas cuja implementação foi bas-tante tímida nesse Governo. Lembremos que, quando foi cogitadaa ação internacional de apoio militar à Colômbia, no início da déca-da de 1990, os governantes do vizinho país tentaram obter, inicial-mente, apoio da Organização dos Estados Americanos. As coisasnão prosperaram por esse caminho, devido ao generalizado temordos países latino-americanos de se verem arrolados em um conflitoque não era deles. O governo colombiano, ainda na gestão de An-drés Pastrana viu-se, assim, obrigado a aceitar a ajuda norte-ameri-cana, que foi oferecida inicialmente pelo Presidente Clinton.

Uma vez empossado, o Presidente Uribe Vélez deu continuidadeao “Plano Colômbia”, de forma bastante decidida. A ajuda norte-

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americana (cujo montante ascendia à significativa soma de US$ 6bilhões) foi canalizada, inicialmente, para profissionalizar o exérci-to colombiano, cujos efetivos, no início da década de 1990, chega-vam aproximadamente aos 117 mil homens, arregimentados sob amodalidade de recrutamento. Os analistas consideravam que parainiciar uma ofensiva significativa contra a bem armada guerrilhadas FARC, que contava com 15 mil combatentes muito bem treina-dos por mercenários sul-africanos e irlandeses, tornava-se necessá-rio formar um exército profissional e dotá-lo de moderno arma-mento que lhe desse capacidade de tomar a iniciativa, na complica-da geografia dos Andes colombianos, se adiantando às ações daguerrilha. Os subversivos, a partir da zona de distensão de “El Ca-guán” (uma área de aproximadamente 40 mil km2, no sudeste daColômbia, mais ou menos do tamanho do Estado do Rio de Janei-ro), planejavam dividir o país em dois, a fim de consolidar o seupoder na metade sul, a partir da qual poderiam conquistar as ricaszonas ocidentais e centro-orientais, onde se encontram as princi-pais cidades e os mais importantes núcleos produtivos. Lembremosque o movimento guerrilheiro contava ainda com os cinco mil ho-mens do Exército de Libertação Nacional, distribuídos em cincoblocos, que se subdividiam em 32 frentes rurais e oito urbanas.

Mas a situação da Colômbia, no final do Governo de Pastrana, em2002, revelava-se pior, na medida em que o que estava ocorrendoera uma balcanização do país em três áreas de influência: a coman-dada pelas Auto-Defesas Unidas da Colômbia (AUC) – que conta-vam com sete mil combatentes –, na parte noroeste, a controladapelo Estado colombiano, na parte central, ao redor de Bogotá, e aárea de influência guerrilheira, situada na parte sul do país. A estra-

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tégia das FARC (que, como já foi frisado, contavam com 15 milhomens, distribuídos em 62 frentes de luta concentradas em seteblocos), visava ao aumento de sua área de influência, encurralandoo Governo de Bogotá e entrando em atrito com os paramilitaresdas AUC (surgidos da reação de criadores de gado ricos contra aextorsão das guerrilhas), a fim de expulsá-los de sua área de influ-ência e consolidar, assim, o domínio dos guerrilheiros, que dariamensejo a uma República comunista, que se situaria imediatamentesob a influência de Cuba e que já contava com a simpatia de setoresimportantes da imprensa internacional e de organizações políticasde esquerda, tanto na América Latina, como nos Estados Unidos ena Europa.

O desafio militar que se apresentava ao Governo de Uribe Véleznão era pequeno. É verdade que durante os três governos anterio-res, de César Gaviria, de Ernesto Samper Pizano e de Andrés Pas-trana, tinha havido um esforço significativo de modernização daPolícia Nacional, que deu como resultado o desmonte dos dois gran-des cartéis das drogas, o de Medellín, que culminou com a morte dePablo Escobar, em 1993, e o de Cali, que se concretizou com aprisão dos principais capos, em meados da década passada. Nesseesforço de modernização da Polícia Nacional, foi de capital impor-tância a ajuda norte-americana, através da DEA, bem como a des-temida e eficaz liderança do General Rosso José Serrano, perten-cente aos quadros da força pública colombiana2. O efeito mais im-portante das reformas policiais consistiu em estruturar a colabora-ção entre prefeitos e chefes da polícia, com a finalidade de equaci-onar a segurança pública nas cidades.

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É importante mencionar, também, os esforços desenvolvidos, aolongo da década passada e durante os anos recentes, pelo Congres-so e pelo Judiciário colombianos, no sentido de dotar ao Poder Exe-cutivo de uma legislação adequada, que lhe permitisse fazer frenteaos inimigos da sociedade. No seio do Congresso houve extensosdebates acerca da legislação mais conveniente. Seria longo demaisrelatar aqui todas as medidas relativas a políticas de segurança, queforam aprovadas pelo Legislativo do país vizinho nos últimos 15anos. Importa mencionar aqui, apenas, a mais eficaz delas, que pos-sibilitou ao Governo de Uribe Vélez fazer frente ao crime organiza-do, desarticulando as suas lideranças: refiro-me, especificamente,ao Tratado de Extradição de chefes do narcotráfico, assinado entreo Governo de Bogotá e o de Washington. Os principais líderes docrime organizado da Colômbia terminaram sendo acusados de trá-fico internacional de drogas para os Estados Unidos, tendo sidoenquadrados, assim, dentro do mencionado instituto legal. Hojeamargam longas penas em presídios estadunidenses, não significandomais perigo para a sociedade colombiana, em geral, e para o siste-ma penitenciário, em particular. Imaginemos o que representaria,para o Brasil, em termos de paz nos presídios e nas nossas cidades,a vigência de uma medida parecida. Como dizia recentemente ovice-presidente da Colômbia, se Fernandinho Beira-Mar fosse pri-sioneiro colombiano, já estaria estudando inglês (para sempre) emuma prisão federal americana, tendo sido poupados imensos recur-sos aos cofres da União e salvando inúmeras vidas que, ao longo daúltima década, foram ceifadas por ordem desse perigoso meliante.

O Judiciário da Colômbia deu também a sua valiosa contribuição,após ter sofrido em carne própria a violência do narcoterrorismopraticado por traficantes e guerrilheiros. Insatisfeitos com os rumos

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que a administração de Justiça estava tomando, no sentido de umendurecimento significativo das penas para traficantes e guerrilhei-ros (lembremos que as FARC e os demais grupos guerrilheiros vira-ram cartéis de narcóticos após a derrubada do Muro de Berlim),houve uma associação entre guerrilheiros e cartéis da cocaína paradeter a aplicação, pela mais alta corte de Justiça da Colômbia, dasmedidas legais aprovadas. Foi assim como, no final de 1985, guerri-lheiros e traficantes tomaram o Palácio da Justiça, em Bogotá, nosanguinolento episódio de que resultou o assassinato de pratica-mente toda a Corte Suprema e uma parte do Conselho de Estado.Após esse terrível golpe contra as instituições, os magistrados co-lombianos não se deixaram amedrontar e passaram a reformar osinstitutos jurídicos, com a finalidade de dar maior celeridade aojulgamento de terroristas e narcotraficantes, mediante a adoção dealgumas medidas que já tinham dado bons resultados na Itália, comoa instituição dos “juízes sem rosto”.

De outro lado, com a ajuda dos fundos do “Plano Colômbia” foramconstruídas prisões de segurança máxima (aonde não entram celu-lares nem há visitas íntimas, tendo os advogados dos réus concor-dado em se submeterem a medidas preventivas para impedir a cri-minosa prática dos pombos-correio). O Presídio de Cómbita, noDepartamento de Boyacá, é um desses centros de reclusão, quecertamente serve de exemplo para os países que quiserem de fatocombater o crime organizado. Traficantes e líderes dos grupos ar-mados morrem de medo diante do fato de serem presos em umdesses presídios de segurança máxima e, também, em face da possi-bilidade de serem extraditados para os Estados Unidos. Já purgampena em presídios federais americanos alguns chefões das FARC edos outros grupos insurgentes, em relação aos quais foi comprova-

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da a participação em quadrilhas que exportam narcóticos.

O “Plano Colômbia” traduziu-se, no terreno da modernização dasForças Armadas, na criação da “Fuerza de Despliegue Rápido” (FU-DRA), que constitui a ponta de lança do Exército na sua luta con-tra os guerrilheiros. É uma unidade criada em 1999 e integrada ini-cialmente por quatro mil soldados profissionais divididos em trêsbrigadas móveis e uma brigada de forças especiais dotadas do quede mais moderno há em armamento para luta antiguerrilha terrestree aérea, com helicópteros Black Hawk e MI da aviação do Exérci-to, e aviões de asa fixa de transporte e de combate da Força AéreaColombiana. Em relação ao que significa a FUDRA no contextodas Forças Armadas colombianas, vale a pena citar a apresentaçãoque desta força faz o Exército colombiano na sua página na Internet:

“Su misión es la de realizar operaciones ofensivas de combate con-trainsurgente, en forma muy rápida en cualquier lugar del territoriocolombiano donde se presente una acción de la guerrilla o de cual-quier otro grupo armado ilegal en contra del pueblo colombiano ode sus fuerzas del orden. La Fuerza de Despliegue Rápido es unaunidad entrenada y preparada para actuar en las selvas o los llanos,en el páramo o en el desierto, tal como lo reza su lema: Cualquiermisión, en cualquier lugar, a cualquier hora, de la mejor manera, listos paravencer. Con esta nueva Unidad Operativa Mayor se complementa laestrategia militar operativa del Ejército y se optimizó la capacidadde reacción que ha permitido desde el momento de su creación unamayor eficiencia en los resultados operacionales, fortaleciendo deesta manera la voluntad y capacidad de lucha de nuestras FuerzasMilitares.”

A ajuda da “Fuerza de Despliegue Rápido” foi fundamental para as

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Forças Armadas da Colômbia começarem a reverter o panorama doconflito interno, em favor do Governo. O Exército colombiano estáintegrado, atualmente, além da FUDRA, por sete Divisões, umaBrigada de Apoio Logístico, uma Brigada de Aviação e uma Briga-da contra Narcóticos, constituindo, atualmente, a força terrestremelhor treinada na América Latina na luta contrainsurgente. A ex-periência colombiana já começa a se tornar presente no terreno in-ternacional. Nos campos do Afeganistão os oficiais colombianosajudam, hoje, no treinamento das forças afegãs. O “Plano Colôm-bia” garantiu a cobertura do espaço aéreo do país com uma rede deproteção satelital que contou, evidentemente, com o auxílio técni-co norte-americano. Com sede no sul do país, na região conhecidacomo “Três Esquinas”, o Exército começou a monitorar, via satéli-te, os movimentos das FARC, a fim de se antecipar, mediante oenvio da FUDRA, aos lugares aonde se dirigissem os insurgentes,evitando o desfecho de golpes que surpreendessem as Forças Ar-madas e a população civil. Foi assim como, a partir de 2003, a guer-ra começou a pender favoravelmente para as forças da ordem. Aestratégia do Governo de Uribe Vélez consistiu em dar golpes for-tes nos guerrilheiros das FARC, a fim de obrigá-los a negociar, como,aliás, já fizeram outros grupos insurgentes menores (Exército deLiberação Nacional – ELN, por exemplo). O panorama que se de-senha para um futuro próximo é o de uma negociação em que osguerrilheiros que não tenham cometido crimes de lesa humanidadeterminarão aceitando as condições de reinserção na vida civil pro-postas pelo governo.

Com a finalidade de absorver os elementos provenientes da guerri-lha e das autodefesas que depuseram as armas, bem como paradesinchar as cidades que na última década foram literalmente inva-

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didas pelo exército de deslocados pela guerra (que, em 2000, che-gavam ao número de 1.900.000 refugiados), o Governo de UribeVélez elaborou, com assessoria das Universidades EAFIT, de Me-dellín, e de Los Andes, de Bogotá, ousado plano de desenvolvi-mento agrário, o denominado “Proyecto Vichada”, que se concreti-zará na região que leva este nome, na parte sudeste do país, entreos territórios de Meta, Guaviare, Guainía e Casanare, perto das fron-teiras com o Brasil e a Venezuela, na bacia do Rio Orenoco. Omencionado projeto, orçado em US$ 235 milhões e que conta como apoio das Nações Unidas, visa a ocupar produtivamente 6,3 mi-lhões de hectares do Vichada e parte do Departamento de Meta.

O Projeto em apreço busca o desenvolvimento sustentado da área,mediante o reflorestamento com espécies autóctones e a explora-ção agrícola, visando à recuperação dos recursos hídricos bem comoà produção de biodiesel, a partir de plantas nativas como a palmaafricana, o pinho caribe, o marañón e o jatropha. Seriam montadasindústrias não contaminantes que venderiam créditos de carbono aprodutores europeus e norte-americanos que se somassem ao Pro-jeto. A iniciativa do Governo colombiano centralizar-se-á na fun-dação de uma nova cidade, uma espécie de “capital ecológica” quelevará o nome de “Marandúa” e que, com 60 mil habitantes, terá acapacidade de gerar 12 mil empregos. A proposta de Uribe Vélez jáconta com apoio do Brasil (através de empréstimo concedido peloBNDS) e de multinacionais como o Morgan Chase, Cargill, Accio-na, etc.

Um último aspecto a ser lembrado na política de pacificação deUribe Vélez. Foi adotado o modelo brasileiro do “Bolsa Escola”, afim de tirar da pobreza os 10 milhões de colombianos mais pobres.

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A experiência colombiana completou de forma admirável os pro-pósitos da iniciativa brasileira. Foram efetivamente cadastradas to-das essas pessoas, mediante o auxílio da computação (cada moni-tor do programa cataloga, no seu palm, 100 famílias, que são moni-toradas uma vez a cada mês). Para a família se tornar beneficiáriada continuidade do programa, deve preencher 54 condições, quesão rigorosamente testadas pelos respectivos monitores. O dinhei-ro é depositado na conta da mulher responsável de cada família.Quem não se adaptar – e esses casos são a minoria – sai do sistemade auxílio. Os itens obrigatórios vão desde enviar as crianças todosos dias à escola, ter em dia as vacinas, até (o adulto chefe de famí-lia) freqüentar algum curso ou atividade de capacitação. O progra-ma está desenhado para durar quatro anos. A finalidade é estimulara saída dessas pessoas da linha de pobreza. Algo muito diferente doassistencialismo fácil que não exige nada dos beneficiários, tornan-do-os simples dependentes do favor oficial. Impressionaram aosmembros da Missão a claridade conceitual e as respostas do AltoConselheiro Presidencial para Ação Social, Luis Alfonso HoyosAristizábal, sob cuja responsabilidade está este programa.

Empreendimentos culturais dos municípios, como meiopara consolidar a pacificação

O Governo de Uribe Vélez enfrentou sérias restrições dos paíseseuropeus ao se acolher ao “Plano Colômbia”. No entanto, a posi-ção dos governantes colombianos terminou gerando, no terrenointernacional, um “círculo virtuoso” de políticas públicas inteligen-tes, na área social, ao deixar claro, para a opinião pública mundial,que as políticas adotadas não pretendiam a repressão pura e sim-

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ples contra os narcotraficantes, os paramilitares e as guerrilhas, masque buscavam, ao mesmo tempo, equacionar a aguda problemáticahumanitária, com ações que não acabassem no assistencialismo decurto prazo, mas que integrassem as populações carentes ao ciclodo desenvolvimento e da participação cidadã.

Os governos municipais das cidades mais atingidas pela violência(Bogotá, Medellín, Cali, Cartagena e outras), partiram para a reali-zação de políticas públicas preventivas da violência, na área cultu-ral. Há uma nova geração de governantes municipais, que mal ul-trapassa a casa dos 35 anos, a maior parte deles não filiados aospartidos tradicionais. Em Bogotá foram criadas cinco grandes bi-bliotecas populares, nas regiões mais violentas da cidade. Os índi-ces de criminalidade caíram visivelmente ao longo dos últimos seisanos. Essa grandiosa obra contou com o apoio do Banco Mundial edo BID. A Biblioteca Virgílio Barco, no parque El Salitre, em Bogo-tá, por exemplo, é uma verdadeira instituição de democratização dacultura. O prédio, do tamanho do Maracanãzinho, no Rio de Janei-ro, foi encomendado ao grande arquiteto colombiano Rogelio Sal-mona, que realizou um arrojado projeto inspirado na arquiteturacolonial espanhola. A Biblioteca El Salitre, servida pelo sistema deônibus integrado (Transmilênio), pode atender, de graça, em qual-quer dia da semana, mas especialmente aos domingos e feriados,mais de cinco mil pessoas. Há belíssimas salas de leitura, além debrinquedotecas para as crianças, salas de multimídia, grande espa-ço reservado aos serviços de internet banda larga, lanchonete, res-taurante, tudo em um grande campo verde onde as pessoas maispobres podem ter lazer de qualidade (com lago para barcas, alame-das para passear e quadras de esporte emolduradas pela bela paisa-

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gem do altiplano andino). Isso em um país mais pobre que o Brasil.

Nas últimas semanas de março de 2007, os governadores do Rio deJaneiro e de Minas Gerais viajaram à Colômbia, a fim de observar aforma em que as autoridades do vizinho país estão ganhando a guerracontra a criminalidade, notadamente a de menores. (Recordemosque em Medellín, cidade rudemente castigada pela violência dasgangues de jovens a serviço do narcotráfico, das milícias ou da guer-rilha, havia perto de 500 dessas organizações criminosas no finaldos anos 80.) Empolgado com os resultados observados, o gover-nador do Rio fez declarações à imprensa, no sentido de que poriaem execução políticas públicas semelhantes às adotadas no paísandino, especialmente no que diz respeito ao transporte massivoem áreas faveladas. Ele ficou empolgado, e com razão, com o siste-ma de metrocable, um bondinho (com tecnologia francesa) que co-munica as áreas mais carentes das comunas (ou comunidades fave-ladas) do oriente da cidade, com o belo e moderno metrô que servea Medellín. Vale a pena lembrar o que os governantes locais, comapoio do Governador do Departamento de Antioquia e do Gover-no Nacional, conseguiram em termos de democratização da cultu-ra, de forma semelhante ao que foi realizado em Bogotá.

O Prefeito de Medellín, Sergio Fajardo (um jovem professor uni-versitário que nunca tinha participado de política partidária) fez daeducação o centro da sua gestão. Sob o princípio de “Medellín, la(ciudad) más educada” dirige obstinadamente a administração, afim de criar uma rede de ensino de primeiro mundo no seu municí-pio. É evidente a preocupação do prefeito para dotar a cidade deparques e jardins em todos os bairros, a fim de que a população

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possa desfrutar da cidade como do seu melhor espaço. Uma dasregiões mais deprimidas de Medellín, o Jardim Botânico (que ficavavizinho à zona de prostituição, no lugar conhecido como “Lovai-na” e “La curva del bosque”, onde há 10 anos era corriqueiro en-contrar cadáveres desovados pelos traficantes e guerrilheiros), tor-nou-se, hoje, cartão postal de Medellín. Foi criado um belíssimoespaço onde acontece a feira das flores e a exposição nacional deorquídeas. Convênio entre a administração do Jardim Botânico e asescolas do município, permite às crianças conhecer as espécies deplantas nativas e terem as suas aulas de ciências naturais ao ar livre.

Já foram postas em serviço, em Medellín, as três primeiras Bibliote-cas Populares. No decorrer deste ano, serão inauguradas outras duas.Parece que o governo desta cidade não mede esforços financeirospara bancar essas obras de grande envergadura. É uma aposta polí-tica decidida: combater a violência com a efetiva democratizaçãoda cultura. Essas obras são financiadas mediante parcerias entre osGovernos Departamental, Nacional e Municipal, com empresasnacionais e ajuda de governos estrangeiros (o da Espanha, princi-palmente). Há também, como no caso de Bogotá, contrapartidasdo Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimen-to. Artistas de renome, como Fernando Botero, têm dado uma con-tribuição inestimável: o grande pintor colombiano doou, há cincoanos, um museu inteiro, repleto com as suas obras, à cidade deMedellín. É o famoso Museu Botero, que funciona em um beloprédio público, art déco , que durante décadas serviu de sede à prefei-tura municipal. Diríamos, portanto, que a decisão de combater aviolência com cultura, é uma opção da sociedade colombiana, nãoapenas do Governo.

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A primeira grande biblioteca, em Medellín (nos moldes da VirgílioBarco de Bogotá), foi inaugurada há sete meses. Fica situada nobairro San Javier (na região ocidental da cidade), incrustado na pe-rigosíssima “Comuna 13” (núcleo de bairros de classe média e po-pular, bem como de incontáveis favelas, algo assim como o “Con-junto da Rocinha”, no Rio), onde, há seis anos atrás, as forças ar-madas e a polícia travaram uma batalha que durou várias semanas,até que expulsaram as milícias das FARC, bem como os paramilita-res, que se tinham infiltrado e que aterrorizavam a população.

Testemunhos dos moradores do bairro San Javier, em Medellín, re-gistram que as comunidades situadas nos arredores do Centro Cul-tural mudaram os hábitos de lazer, no sentido de abrir espaço paraatividades do espírito (apreciação musical, teatro, cinema, concer-tos de música clássica, leitura, oficinas de criação literária etc.). Jáas estatísticas policiais mostram que houve uma forte queda nastaxas de criminalidade, não apenas por força do policiamento os-tensivo e porque foram presos os líderes das gangues urbanas, mastambém porque os jovens encontram um espaço bem atendido paradesenvolver a sua curiosidade intelectual.

No final de fevereiro foi inaugurada, em Medellín, a segunda Bi-blioteca Popular, nos moldes da Virgílio Barco de Bogotá. Trata-seda Biblioteca e do Centro Cultural e Esportivo de La Ladera, cons-truídos onde antes havia uma penitenciária, desativada na décadade 1970. As reações dos moradores dos bairros beneficiados pelanova biblioteca são semelhantes às que tiveram os vizinhos da bi-blioteca San Javier: sentem-se orgulhosos por terem conquistadoum espaço comunitário amplo e bonito, que possam freqüentar comas suas famílias, ao longo da semana e nos feriados.

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Acaba de ser colocada em serviço a terceira grande obra, o ParqueBiblioteca Espanha, situada, como as outras duas, em uma áreapobre, o bairro Santo Domingo, outrora controlado pelas FARC.Os Reis da Espanha inauguraram essa magnífica Biblioteca, queconstitui uma verdadeira jóia arquitetônica. A Missão Empresarialteve a oportunidade de visitar essa grandiosa obra. Impressiona alimpeza das instalações, o caráter moderno das mesmas (dotadasdo que de mais avançado há em computação, com terminais debanda larga para os leitores, que são em sua maioria crianças dobairro, bem como mães de família que comparecem à bem sortidabriquedoteca para acompanhar os filhos menores). Os membros daMissão ficaram impressionados e comovidos ao observar a alegriadas crianças na saída do colégio, todas bem uniformizadas e comexpressão de satisfação pela qualidade da educação que recebem.

O sistema de bibliotecas de todas estas comunidades está integra-do, em Medellín, à Biblioteca Pública Piloto, que possui uma basede dados completa acerca dos acervos das 38 bibliotecas popularesda cidade, de forma a melhor servir às comunidades, mediante umsistema eficiente de empréstimo de livros entre as várias unidades.Cada morador pode levar, para consulta, até três obras. Impressio-nou aos membros da Missão, outrossim, observar as crianças emidade escolar, fazendo os seus deveres na Biblioteca Pública dobairro, com a ajuda dos bibliotecários e dos monitores.

Uma última observação em relação às políticas culturais. As Uni-versidades colombianas estão definitivamente engajadas na discus-são das propostas efetivadas pelos governos nacional, departamen-tais e municipais, em face da procura da paz e do desenvolvimentoeconômico. As publicações das pesquisas realizadas são hoje leitu-

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ra obrigatória, nos centros de estudos internacionais pelo mundoafora. Basta dar uma olhada na prateleira de uma grande livrariacomo a Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro, para ver que, dentreas publicações internacionais relativas a esses assuntos, sobres-saem as edições de obras colombianas, ao lado dos trabalhos deestudiosos norte-americanos e europeus. Hoje os principais centrosde estudos sobre as questões da paz e da construção da sociedadecivil nas cidades são constituídos pelas seguintes Universidades:Nacional da Colômbia (Bogotá e Medellín), Javeriana (Bogotá,Medellín e Cali), Externado (Bogotá), de Los Andes (Bogotá), deAntioquia (Medellín), Bolivariana (Medellín), EAFIT (Medellín ePereira) e El Rosário (Bogotá). Vale a pena mencionar, outrossim,o avanço que a Colômbia tem experimentado, ao longo dos últimoscinco anos, no que tange à estruturação do ensino a distância, namodalidade on-line (de cursos de graduação e de pós-graduação).Exemplo dessa nova realidade é a Universidade Católica del Norte,sediada em Santa Rosa de Osos (Antioquia), que constitui um cen-tro equiparável aos de melhor nível a escala mundial, nessa formade ensino, que constitui uma verdadeira revolução no que tange àdemocratização do conhecimento.

Podemos tirar algumas conclusões em relação a estas realizaçõesdos governos de Bogotá e Medellín, não nos circunscrevendo ape-nas à questão da democratização da cultura, mas colocando esteitem no contexto, mais amplo, da construção de um ambiente deestímulo ao trabalho, à produtividade e à segurança cidadã, quepressupõe o combate ao crime organizado:

a) É necessário enfrentar com coragem a violência praticada peloscriminosos, nas nossas cidades, inclusive a efetivada por menores,

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de forma a punir quem efetivamente cometeu crimes. Para isso,torna-se imperativo revisar a velha legislação, que não se adaptamais às agressivas condições das sociedades contemporâneas. EmMedellín e em Bogotá, a criminalidade de menores foi rigorosa-mente atacada, segregando do convívio social as lideranças maisperigosas. Os padres salesianos estão dando uma ajuda preciosaaos governos municipais, com a manutenção dos seus talleres (ofici-nas), que recuperam e capacitam jovens infratores3.

b) Como a violência, nos nossos países, não se circunscreve apenasà criminalidade dos menores, mas encontra-se inserida no círculomaior da criminalidade ensejada pelo narcotráfico e outras modali-dades de crime organizado, é necessário passar à opinião pública,por parte das autoridades, a sensação de que a lei é aplicada comrigor e que abarca, sem exceções, a todos os cidadãos. Os ex-prefei-tos de Bogotá, Antanas Mockus e Enrique Peñalosa, bem como oatual prefeito de Medellín, Sergio Fajardo, deram aos membros daMissão Empresarial um testemunho muito objetivo da forma emque agiram para colocar término às ações criminosas. Escolheram,de entrada, no início das suas gestões, os lugares mais conturbadosdas respectivas cidades, a fim de expulsar deles os traficantes e oscontatos que os guerrilheiros e as autodefesas tinham ali inserido.Em Bogotá foram ocupados, em operativos eficientes da ForçaPública e do Exército, os perigosos enclaves de “El Cartucho”4 e de“San Victorino”. Os meliantes foram colocados atrás das grades eos guerrilheiros que opuseram resistência foram mortos. Uma vezdesarmados esses lugares, procedeu-se à ocupação cívica, median-te a construção das bibliotecas, de colégios e dos parques recreati-vos. Algo igual aconteceu na perigosa “Comuna 13” de Medellín.Um dado interessante foi ressaltado pelos administradores públi-

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cos entrevistados: todas as obras de caráter social passaram a serexecutadas em tempo recorde, com prazo de até 120 dias, com afinalidade de que as comunidades percebessem que a presença doEstado veio rapidamente para ficar. Junto com as Bibliotecas e osParques recreativos, foram instaladas cabines permanentes da Polí-cia Nacional em todas essas localidades. No plano nacional, umdos pontos-chave da administração do Presidente Uribe tem sido apreocupação com tornar presente e operativa a Polícia Nacionalem 100% dos municípios colombianos. Até o início da gestão doatual presidente, a polícia estava ausente de, pelo menos, 40% dosmunicípios colombianos, dando à população a grave sensação deabandono por parte do Estado.

c) Paralelamente à ocupação do espaço público pela cultura, pelaeducação e pela polícia, em todas as comunas mais pobres de Me-dellín foram instaladas agências do Mega-Banco, um banco popularfinanciado pela municipalidade e pelos empresários, que tem comofinalidade estimular o surgimento da pequena empresa entre os ha-bitantes dessas localidades. Os empréstimos, de forma rápida, sãoaprovados com juros brandos (de 11% ao ano). O sucesso desseempreendimento é evidente: no conjunto Santo Domingo são visí-veis os pequenos comércios, bem como a satisfação das pessoas.Os membros da Missão tiveram oportunidade de dialogar longamen-te com os habitantes desses bairros e de constatar a firmeza das açõesempreendidas pela iniciativa privada e pelo poder público.

d) Nos lugares mais ermos foram feitas obras de infra-estrutura, afim de garantir o fácil acesso das comunidades ao sistema de trans-porte público. O caso mais marcante, neste item, é o do metrocable,

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um bondinho com tecnologia francesa que transporta rapidamenteos habitantes do conjunto Santo Domingo, do alto do morro até aestação mais próxima do metrô, num percurso de quatro quilôme-tros. Os membros da Missão tiveram oportunidade de viajar nesseveículo limpo e ágil. O preço das passagens é cobrado, dos morado-res, de forma a não onerá-los demais. Existe um preço subsidiadodas passagens para esse trecho do percurso. O metrocable começa afuncionar às 4 horas da manhã, a fim de que os primeiros passagei-ros possam tomar o metrô, que inicia atividades às 4:30 horas. Operíodo de funcionamento estende-se até 11 horas da noite. Lem-bremos que esta obra foi bancada integralmente pelo Município deMedellín, mediante o sistema de Parcerias Público Privadas, com acolaboração dos empresários locais.

e) Deve ser revisada a legislação em torno à progressão penal. As-sassinos não podem ser libertados antes de terem cumprido a tota-lidade da pena. É um acinte, para a sociedade, ver criminosos queestupraram e mataram, serem libertos após cumprirem 1/6 da pena.Essa legislação precisa ser mudada. Não fazê-lo é desacreditar todoo edifício da lei e da governabilidade. A adoção de um regime pri-sional eficaz, que torne os criminosos de alto nível praticamenteincomunicáveis, é necessária. É evidente o conforto que a socieda-de colombiana experimenta, após a adoção de uma legislação penalmais rigorosa.

f) É imperativa a adequada preparação das forças policiais, a fim deque possam enfrentar, com inteligência e armamento moderno, ocrime organizado e prender os grandes chefes. Sem fazer isso, qual-quer ação social é fadada ao fracasso. Deve-se discutir, com clari-dade e abrangendo as forças vivas da sociedade, o papel das Forças

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Armadas em face desse novo desafio. Hoje, na Colômbia, está cla-ro que, quando o crime organizado põe em perigo as instituições(como no caso do narcoterrorismo), é dever das Forças Armadasintervir, a fim de dar apoio às forças policiais, as quais, por sua vez,possuem unidades especializadas no combate ao crime de grandesproporções.

g) Por último, os governantes devem entender que investimento emeducação e cultura é algo diretamente relacionado com a procurada paz. Deveriam ser visados amplos projetos de criação de centrosde cultura e lazer nas áreas mais perigosas das cidades. No caso dasBibliotecas Públicas colombianas, esses projetos estiveram, desdeo início, em íntima vinculação com os serviços de transporte massi-vo urbano. No Brasil, é pena ver que, nestes tempos de cinismoburocrático, o primeiro item a ser contingenciado na execução orça-mentária, é o relativo à educação e à cultura. De outro lado, obser-vamos que, em cidades como Rio de Janeiro, por exemplo, são pou-cos os investimentos para humanizar o sistema de transporte mas-sivo urbano: se os trens dos subúrbios tivessem experimentado todaa dedicação que os planejadores urbanos tiveram para com a cons-trução de viadutos e obras na Zona Sul, haveria, certamente, me-nos violência na cidade.

O papel dos empresários

É evidente, na nossa tradição patrimonialista latino-americana, queviu surgir o Estado como hipertrofia de um poder patriarcal origi-nário, a presença todo-poderosa do governo na formulação das po-líticas econômicas. Raramente são escutados, na elaboração e reali-

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zação das políticas econômicas, os Grêmios de industriais, produ-tores rurais e homens de negócios. Isso no Brasil tornou-se moedacorrente, ao ensejo da modernização do Estado no contexto autori-tário do getulismo. O “equacionamento técnico dos problemas” peloExecutivo hipertrofiado, confinava a sociedade a ser um simplesator passivo, que recebia as políticas públicas formuladas de cimapara baixo. A tradição positivista da segunda geração castilhista, àqual pertencera Getúlio, pesou muito nessa realidade.

Na Colômbia, a forte presença, já desde o século XIX, das idéiasliberais,5 levou a que os Grêmios fossem consultados pelo governo,no momento de definir políticas econômicas, em que pese a evi-dente hipertrofia do Executivo sobre os outros poderes, típica danossa tradição ibero-americana. A respeito da forte presença dosempresários na formulação e gestão das políticas econômicas, es-creve o historiador colombiano Carlos Dávila:

“O desempenho econômico colombiano sobressai no contexto la-tino-americano pelo controle prudencial da economia por parte deum grupo de empresários e tecnocratas bem qualificados que, aolongo do século XX, evitaram as hiperinflações, os profundos défi-cits fiscais e o excessivo endividamento externo.”6

O modelo de modernização do Estado, no terreno da formulaçãode políticas econômicas, foi de cunho não autoritário, e se concre-tizou nas reformas desenvolvidas pelo Partido Liberal, ao longodos anos 30 do século passado, notadamente na gestão de AlfonsoLópez Pumarejo (entre 1934 e 1938). Essa tradição se manifestouem uma constante reivindicação dos Grêmios empresariais para to-mar parte na formulação das políticas econômicas, o que, de praxe,

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passou a se denominar de “concertación”. A propósito desse fe-nômeno, escrevia o estudioso Daniel Pécaut: “Entre os empresá-rios, na Colômbia, bem como entre os outros grupos econômicos,observa-se a tendência a reivindicar uma forte autonomia de deci-são e a defender o esquema liberal de desenvolvimento.”7

Há na Colômbia, atualmente, perto de 200 Grêmios econômicos.Mas os principais deles são os seguintes: Asociación Nacional deIndustriales y Empresarios (ANDI), Federación Nacional de Co-merciantes (FENALCO), Asociación Bancaria y de InstitucionesFinancieras (ASOBANCARIA) e Sociedad de Agricultores de Co-lombia (SAC). Estas quatro entidades representam 60% da produ-ção colombiana. Agrupam-se, hoje, no Consejo Gremial Nacional,que toma parte ativa, junto ao governo, na negociação do Tratadode Livre Comércio com os Estados Unidos e com o Canadá, bemcomo nas negociações que dizem relação à posição dos Grêmiosnos diálogos de paz com a guerrilha e as autodefesas.

Os restantes Grêmios são menos poderosos, mas não por isso dei-xam de ter importância. Alguns deles têm-se caracterizado pela suacapacidade de negociação e de reivindicação em face do Estadocolombiano. Podem ser mencionados os seguintes: Federación Na-cional de Avicultores (FENAVI), Federación de Ganaderos (FA-DEGAN), Asociación Nacional de Exportadores (ANALDEX),Federación Nacional de Cafeteros, Sindicato Antioqueño, ComitéIntergremial del Atlántico etc.

Tem sido muito atuante, portanto, o papel dos Grêmios, no quetange à busca de soluções para o conflito armado, tanto no que serefere à participação dos empresários nos grupos de negociação com

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as partes em pugna, quanto no relativo à efetivação de estudos so-bre a problemática da violência. São vários os Grêmios (como, porexemplo, a ANDI e FENALCO), que possuem centros de pesquisae de monitoramento das ações do Governo e dos grupos armados,e que oferecem subsídios aos negociadores oficiais e da sociedadecivil.

A atitude ativa dos Grêmios econômicos tem-se traduzido nas ini-ciativas civis em prol de estimular a participação cívica a nívelmunicipal. Os movimentos “Bogotá como vamos”, “Medellín comovamos” e “Cartagena como vamos” são expressão dessa dinâmicasocial. Cada um desses movimentos é apoiado pelos empresáriosvinculados à respectiva Câmara de Comércio, pela Imprensa, pelasUniversidades e pelos intelectuais e profissionais liberais. O movi-mento “Como vamos” visa a informar regularmente à sociedadeacerca dos problemas mais fortes que a municipalidade enfrentanos terrenos de violência, de transporte, de educação, de saúde etc.Como tem o apoio da imprensa local, os resultados são divulgadospor esse veículo. Nos 10 anos de funcionamento do movimento“Bogotá como vamos”, os estudos do mesmo são praticamentepautas de ação para os atuais mandatários municipais, e consti-tuem um roteiro para os programas dos candidatos às futuras elei-ções. Algo semelhante ocorre em Medellín.

O papel da Igreja.

É tradicional o papel de moderação exercido pela Igreja Católicaem face do conflito armado. Distanciada das benesses do poder,em decorrência da reforma da Concordata entre o Estado colom-

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biano com a Santa Sé, ocorrida ao ensejo da nova Constituição de1991, a Igreja Católica permaneceu como reserva moral dos co-lombianos, tendo-se distanciado, de maneira prudente, ao mesmotempo da corrente da “Teologia da Libertação”, como daqueles seg-mentos tradicionalistas, saudosos do antigo clericalismo. A Igrejatem atuado, junto com os Grêmios econômicos, como mediadorano conflito. Em decorrência da agressividade que, nos últimos anos,passou a praticar a guerrilha, seqüestrando inúmeros empresários,aumentou a participação mediadora da Igreja. Hoje ela representapeça-chave na pacificação, sendo respeitada a sua presença tanto pelogoverno, quanto por parte da sociedade civil e pelos atores armados.

Prova desse grande valor moral da Igreja na sociedade colombianaé a carta endereçada por um dos grupos guerrilheiros mais antigos,o ELN, à Conferência Episcopal, em 2004: vale a pena citar a partecentral desse documento:

“Nos hacemos presentes en este importante evento para manifes-tar nuestro reconocimiento a la Iglesia por la labor desempeñada ysu disposición a construir salidas a la crisis humanitaria que pade-cen los pobladores de la Sierra Nevada de Santa Marta, así comopor su preocupación en obtener la liberación de los extranjeros re-tenidos. Resaltamos también la contribución de la iglesia en la bús-queda de la paz a través de la participación en organismos de con-ciliación y facilitación, de carácter permanente y/o temporales parala solución del conflicto, como son la Comisión de ConciliaciónNacional, la Comisión Episcopal de seguimiento del proceso con elELN, la participación en la Comisión de Facilitación Civil, la Co-misión para la búsqueda de un acuerdo humanitario con las FARC,

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entre otras. El ELN valora altamente la postura en contra de lasguerras que ha asumido la Iglesia Católica en el mundo, como man-dato del Papa y su valioso aporte en la consecución de la paz. En laconstrucción de la paz la Iglesia enseña cuando reconoce sus erro-res pasados y se propone rectificar sus comportamientos futuros.”8

A posição das autoridades eclesiásticas tem sido clara, no sentidode mostrar o caráter evangelizador da Igreja, bem como o seu com-promisso inarredável com os direitos humanos e o respeito às insti-tuições de direito. Recente mensagem do Presidente da Conferên-cia Episcopal Colombiana, Dom Augusto Castro, com motivo dareunião do CELAM em Aparecida – São Paulo, não deixou dúvidasa respeito dessa posição pastoral e moderada. Frisou o arcebispocolombiano em 15 de maio deste ano:

“O continente latino-americano vai crescendo economicamente.Mas este crescimento não se traduz em desenvolvimento que in-clua, integral e eqüitativo. Portanto, é indispensável que reafirme-mos nossa opção pelos pobres. Mas esta opção não basta. Deve-mos optar também pela evangelização do mundo político, do mun-do empresarial, do mundo dos capitais para que nestes mundospenetre o sentido ético como solidariedade com o outro em neces-sidade. A Igreja na Colômbia trabalha sem descanso, não a partir dapolítica, mas do Evangelho, para alcançar a paz nos corações, nasfamílias, na Nação toda. Esperamos da Aparecida uma luz solidá-ria que nos guie.”9

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Riscos e perspectivas

O panorama da colaboração entre o Brasil e a Colômbia é altamen-te positivo. Em matéria de violência protagonizada pelo narcotráfi-co e na tentativa de superá-la, os nossos vizinhos têm experiênciabastante aprofundada que, sem dúvida, ajudar-nos-á a encontrarcaminhos para vencermos um desafio semelhante. A guerra do nar-cotráfico não chegou ao Brasil ao acaso. Foi operação friamenteplanejada pelos que financiam, em nível global, o comércio de es-tupefacientes que é, depois do mercado do petróleo, o que maisdinheiro movimenta no mundo, sendo calculado o montante dastransações por conceito de narcóticos, em uma soma que se aproxi-ma dos US$ 500 bilhões anuais.

A partir do final da década de 1980, em decorrência do combateque começaram os governos andinos a dar contra o narcotráfico, amáfia italiana, que tinha investido somas vultuosas no ciclo de pro-dução e comercialização de narcóticos, decidiu deslocar o eixo deprodução para a costa leste da América do Sul, com as conseqüên-cias que todos conhecemos: progressivo estabelecimento, no Bra-sil, de laboratórios para refino de cocaína – o mercado do crack nascidades brasileiras cresceu na medida em que o refino foi se expan-dindo – e consolidação das redes de distribuição de estupefacientespara os Estados Unidos e a Europa, a partir dos portos e aeroportosbrasileiros. O encastelamento dos traficantes cada vez mais arma-dos, nos morros cariocas, recebeu uma ajuda expressiva do popu-lismo ensejado no “socialismo moreno” apregoado por Leonel Bri-zola, no Rio de Janeiro, que impedia à polícia de entrar nos santuá-rios do crime organizado. Daí para a organização dos exércitos da

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morte que peitam as autoridades foi só um passo. Etapas seme-lhantes, ao amparo do populismo irresponsável, deram-se em SãoPaulo, onde a simples contravenção do bicho ensejou o apareci-mento das empresas do crime organizado, centralizadas no Primei-ro Comando da Capital, com os resultados que são sobejamenteconhecidos de desgarramento do tecido social e império do crime,que encurrala cada vez mais os cidadãos honestos.10

Qual seria o maior risco que hoje corre a Colômbia, em face da lutatravada pela sociedade e o Estado contra guerrilheiros, narcotrafi-cantes e paramilitares? A pior coisa que poderia acontecer seriauma recaída no vício do populismo fácil, do qual já foi refém ovizinho país. Passar a considerar o Estado como quintal da própriacasa para beneficiar amigos e apaniguados, sem levar em conside-ração a perspectiva do bem comum, nisso consiste o pior risco quepode assombrar aos colombianos. Risco que parece afastado, demomento, dados os índices de aprovação que os cidadãos do vizi-nho país dão ao Presidente Alvaro Uribe Vélez, um governante quedecidiu fazer o dever de casa, em matéria de segurança cidadã e dedesenvolvimento econômico.

Indaguemos, para terminar, quais seriam as perspectivas de cola-boração entre o Brasil e a Colômbia, na luta que preocupa a ambosos países contra o crime organizado e em prol do amadurecimentodas instituições democráticas. O ponto central que poderíamos des-tacar seria o da institucionalização da troca de experiências entreos dois países, não apenas no plano governamental, mas tambémgarantindo essa troca entre instituições da sociedade civil, notada-mente aquelas voltadas para a pesquisa, a cultura e a educação.

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Ora, nesses terrenos, já foi bem mais aberto o panorama. Na déca-da de 1970 havia convênios de intercâmbio cultural e educativoentre o Brasil e a Colômbia, que garantiam aos nossos estudantes apossibilidade de cursarem os seus estudos no vizinho país, de for-ma semelhante como colombianos podiam fazer os seus cursos noBrasil.11 Dessa colaboração surgiram múltiplas iniciativas, não ape-nas nos terrenos dos intercâmbios culturais e educativos, mas tam-bém no que concerne à transferência de tecnologia. Apenas paracitar dois exemplos, o modelo de corredores de ônibus estabelecidoem Curitiba, nos anos 80 do século passado, inspirou o modernosistema de transmilênio hoje vigente em Bogotá. E a experiência bra-sileira na construção dos metrôs do Rio e São Paulo foi de grandevalor para a adoção desse sistema de transporte massivo em Mede-llín. Deveria ser revitalizado um tratado de troca de experiências,nos terrenos da ciência, tecnologia, cultura e educação entre osnossos dois países. Isso nos possibilitaria compreendermos melhora experiência colombiana em áreas específicas, como a relativa aocombate à violência. Lembremos que, neste ponto específico, asinstituições colombianas contam com excelentes centros de pes-quisa, tanto nas Universidades quanto nos Grêmios econômicos.12

A situação de violência experimentada hoje nas grandes cidadesbrasileiras, assemelha-se muito às circunstâncias já vividas peloscolombianos nas décadas de 1980 e 1990. O combate à ação doscartéis da droga ganhará uma orientação firme, no Brasil, se levar-mos em conta os passos que foram dados pelos governantes colom-bianos, na sua luta de decênios contra os narcoterroristas. Notada-mente pela preocupação que tem sido uma constante entre os nos-sos vizinhos: como combater a criminalidade preservando as insti-

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tuições democráticas e um modelo de desenvolvimento liberal, ali-cerçado no mercado. 13 É muito importante o que está acontecendohoje, no Brasil, com os novos governadores dos Estados do Rio deJaneiro e Minas Gerais visitando in loco as cidades colombianas, afim de ver de que forma os nossos vizinhos conseguiram derrotar ocrime organizado e garantir para os cidadãos condições de vida maisseguras. A iniciativa da Confederação Nacional do Comércio, nosentido da Missão que organizou para visitar algumas cidades co-lombianas, insere-se nesse esforço patriótico em prol da busca desoluções realizáveis, porquanto efetivadas no estudo de um con-texto semelhante ao brasileiro.

O ponto mais concreto em que se pode dar a colaboração entre oBrasil e a Colômbia, em matéria de pacificação das nossas cidades,centra-se, sem dúvida, na experiência municipal de “Como vamos”.O movimento “Bogotá como vamos”, bem como o seu homólogode Medellín, está inspirando iniciativas semelhantes em cidadesbrasileiras, como Rio e São Paulo. Muito haverá, certamente, aaprender das experiências colombianas a respeito. Afinal de contas,a Colômbia é o nosso vizinho e as soluções ali ensaiadas são muitomais fáceis de adaptar à realidade brasileira, do que as soluçõestentadas em outros continentes.

Notas

1 Cfr. ANDI, Balance del 2006 y perspectivas para el 2007. Bogo-tá: ANDI, 2007.

2 Cf. SERRANO, Rosso José, Jaque mate, Bogotá: Editorial Norma,

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1999. A reforma da polícia ocorreu em três etapas: reestruturaçãocívica (1993), contra-reforma ensejada pela reação da cúpula poli-cial (1995) e consolidação das mudanças ao ensejo do Plano deSegurança Democrática do Governo de Uribe Vélez (2003). Cf. Apropósito, CASAS DUPUY, Pablo, “Reformas y contrarreformasen la policía colombiana”. In: RANGEL SUÁREZ, Alfredo (orga-nizador), Seguridad urbana y policía en Colombia, Bogotá: FundaciónSeguridad y Democracia, 2005, p. 1-80.

3 É importante destacar que, tanto a Constituição de 1991 como asreformas dos corpos policiais efetivadas entre 1993 e 2003, atri-buem aos Prefeitos (Alcaldes) as responsabilidades de preservaçãoda ordem pública nos seus municípios, sendo eles os chefes natu-rais da Polícia Nacional nas suas circunscrições.

4 A partir de “El Cartucho”, vizinho do Palácio Presidencial, nocentro de Bogotá, os guerrilheiros das FARC dispararam morteiroscontra o Presidente Uribe Vélez, no dia de sua posse, em 7 de agos-to de 2002. Esse lugar era um perigoso enclave de guerrilheiros enarcotraficantes, aonde a polícia não entrava, como acontece emnão poucos lugares das nossas grandes cidades.

5 Cf. TIRADO MEJÍA, Alvaro. Introducción a la historia económica deColombia. 2a. Edição. Bogotá: Universidad Nacional, 1972.

6 Cit. por CEPEDA ULLOA, Fernando. In: “Fatores de força naColômbia”, Diplomacia, Estratégia e Política . Brasília, (janeiro/março2007), p. 68.

7 PÉCAUT, Daniel. Política y sindicalismo en Colombia, Bogotá: LaCarreta, 1973, p. 34.

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8 In:http://www.eln-voces.com/Correo_del_Magdalena/mensajeELN.html (Consultado em 8/7/2007).

9 In: http://br.celam.infoindex2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=204 (Consultado em 8/7/2007).

10 A respeito das etapas percorridas pelo narcotráfico no Rio deJaneiro, cfr. os nossos estudos: “Violência e narcotráfico no Rio deJaneiro: Perspectivas e impasses no combate ao crime organizado”.In: Carta Mensal, Rio de Janeiro, vol. 49, no. 586 (janeiro 2004),p. 7-70, e “The Sociological Dimension of the Drug Traffic in theFavelas of Rio de Janeiro”. In: Else VIEIRA (organizadora), City ofGod in several voices – Brazilian Social Cinema as Action. Eastbourne-England: CCCP – Nottingham University Press, 2005, p. 166-173.

11 Entre 1970 e 1990 foi publicada, em Medellín, com apoio doCônsul Honorário do Brasil nessa cidade, da Embaixada brasileiraem Bogotá e de empresas colombianas e brasileiras, a Revista tri-mestral Brasil-Colômbia, que era distribuída em centros de estudo eentidades empresariais em ambos os países. Essa é uma iniciativaque poderia ser revitalizada.

12 Vale a pena mencionar os centros de pesquisa sobre a violênciaexistentes nas Universidades Nacional de Bogotá, de Los Andes(Bogotá), Externado de Colombia (Bogotá), EAFIT (Medellín) ede Antioquia (Medellín). No terreno empresarial, não pode deixarde ser mencionado o Centro de Estudios Económicos de la ANDI,em Bogotá.

13 Cf., a respeito deste ponto, a importante publicação da ANDI

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intitulada: Balance del 2006 y perspetivas para el 2007. Bogotá: ANDI-Centro de Estudios Económicos, 2007.

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Palestra pronunciada em 25 de setembro de 2007

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Jaime RotsteinEngenheiro

A Exportação do ÁlcoolBrasileiro

Introdução

O entendimento de uma apresentação está condicionado a al-guns fatores básicos:

I – Conhecimento das qualificações do autor da apresentação, par-ticularmente com referência ao assunto tratado.

II – Entendimento da justificativa básica dos raciocínios desenvol-vidos.

No particular do tema “Exportação de Álcool” cabe destacar que omesmo é objeto de conferências, artigos em jornais e revistas, li-vros, em que o autor defende a tese, discute alternativas e apresen-

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ta sugestões objetivas. No livro Conspiração Contra o Álcool, reúne aessência dos seus trabalhos relativos à exportação de álcool. O re-ferido livro foi prefaciado pelo então Embaixador dos EstadosUnidos, Sérgio Corrêa da Costa, constando da contracapa:

Também mereceram destaque as adesões do general e diplomatanorte-americano Vernon Walters, cujo prefácio, em seu livro Mis-sões Silenciosas, foi oferecido como resposta à indagação de comodemonstrar o seu apoio ao projeto de exportação de álcool para osEstados Unidos da América.

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Ainda em 1980 recebeu do então Ministro de Minas e Energia, CezarCals, resposta a sua comunicação sobre entendimentos que vinhamantendo visando à exportação de álcool, conforme se segue:

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Quanto ao entendimento do tema abordado, o princípio fundamen-tal tem como base o gráfico que se segue:

Como o rendimento do álcool como combustível é cerca de 30%inferior ao da gasolina, existe uma relação íntima entre o seu preçoe a gasolina. Em termos comerciais o mesmo não pode ultrapassar70% do preço da gasolina. Atualmente, considerando os preços dopetróleo e o custo do álcool, a sua taxa interna de retorno é alta-mente favorável.

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O Mundo Ocidental e o Petróleo

A exportação de álcool está na ordem do dia. Desde setembro de1980, quando apresentei tese sobre o tema no II SIMPÓSIO IN-TERNACIONAL SOBRE ENERGIA DO HEMISFÉRIO OCI-DENTAL, consolidei a convicção de que o álcool como produtode exportação também era importante para os países tropicais —particularmente o Brasil. Diversos fatores contribuíram para tanto:a condição de disponibilidade econômica do petróleo em funçãodos caprichos da geologia, tanto em termos de horizonte quanto desua localização, a sua disponibilidade política tendo em conta osconflitos de toda a ordem que provoca, alguns com sérias implica-ções militares.

Houve uma receptividade contida para o que poderia chamar-se dea luta pelo álcool, tanto para consumo interno quanto para exporta-ção. Como o álcool não tinha e não conseguiu carteira de identida-de como combustível — sendo função do açúcar — servindo, comoé o caso do milho nos Estados Unidos até recentemente, comoregulador da produção e do mercado agrícola. A cana-de-açúcar

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vive o mesmo drama, e se o petróleo voltasse a custar algo comoUS$ 20 ou US$ 25 o barril, o álcool de cana brasileiro teria proble-mas, porque não pode ser subsidiado com a mesma determinaçãodo que ocorre com o álcool de milho norte-americano.

Não é provável que os preços de petróleo venham a despencar.Basta considerar que as reservas comprovadas de petróleo são decerca de 1,2 trilhão de barris, sendo 63% localizados no Golfo Pér-sico, com um horizonte de 41 anos. As referidas reservas caíram6% desde 1989, apesar do crescimento das mesmas em 12,5%, en-golidas pelo aumento de consumo de 20%. O aumento entre 1993e 2003 ocorreu de forma desigual em diferentes regiões: Japão esta-bilizado; Europa 8%; Estados Unidos 18%; América do Sul e Cen-tral 20%; Brasil 40% e Argentina com redução de 10%.

Tomando em conta que o crescimento do consumo de petróleo nomundo, no mesmo período de 1993 a 2003, foi de cerca de 16%,fica evidente o progressivo desbalanceamento provável entre pro-dução e consumo de petróleo. Considerando apenas o crescimentoeconômico da China e da Índia, ter-se-ia um acréscimo significati-vo de demanda global em poucos anos. A previsão é de que osreferidos países consumirão, em 2015, mais petróleo do que ospaíses membros da OCDE.

A capacidade mundial de refino e o consumo atual giram em tornode 80 milhões de barris/dia. É fácil avaliar o impacto do aumentode demanda, tanto no que se refere à redução provável de reservasquanto na expansão obrigatória do refino. Portanto, há necessidadede um importante ciclo de construção de refinarias. De outra parte,os preços do petróleo tendem a se manter elevados.

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Como o quadro descrito afeta o Brasil? Sendo o País produtor depetróleo pesado, cuja produção atinge apenas 10% do total mun-dial, o preço do mesmo é facilmente fragilizado. Entre 1994 e 1999,a média de desconto entre o petróleo leve e o petróleo pesado foide US$ 3,77, e o petróleo estava em torno de US$ 15,00. Na épocado quarto choque do petróleo, quando seu preço ultrapassou verti-ginosamente os US$ 30,00 atingindo cerca de US$ 54/barril, o di-ferencial em desfavor do petróleo pesado atingiu US$ 10,00. Ouseja, o aumento do preço do petróleo afeta diretamente os preçosde venda da produção brasileira. Hoje é de cerca de US$ 17,00.

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Toda a infra-estrutura de produção de petróleo e derivados se apóiaem vultosos investimentos em pesquisas, exploração e refino. Cu-riosamente, a busca com empenho de alternativas energéticas le-vou o Secretário-Geral da OPEP a advertir que tal procedimentocontribuía significativamente para a contenção de investimentos e,conseqüentemente, para a elevação de seus custos.

É o caso clássico da afirmação popular de que “se parar o bichocome e se correr o bicho pega...”. Registra-se daí uma disputa ferozpor jazidas economicamente viáveis ao preço atual do petróleo, apar de um inusitado entusiasmo pelo álcool, sem sombra de dúvidaa melhor alternativa ao petróleo, visando a “reduzir” o seu consu-mo. Outras alternativas energéticas, capazes de reduzir sensivel-mente o consumo de petróleo, são as células fotovoltaicas (energiasolar), o hidrogênio e a fusão nuclear – na medida em que a fissãonuclear continua amplamente controvertida.

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A raça humana, que registrou notável desenvolvimento noséculo XX, se adentra no século XXI com gigantescos desafios paraa redução significativa do consumo de petróleo e controle da polui-ção ambiental, com graves riscos de atravessar o point of no returnsem ao menos identificá-lo a não ser depois de atingido.

O ser humano, que tradicionalmente tinha o seu corpo dividido emcabeça, tronco e membros, agregou rodas ao seu corpo e dificil-mente vai reduzir a sua dependência às mesmas. Aparentemente aconta a ser apresentada à espécie será alta e todos pagarão pelolaissez faire, laissez passé.

De toda a forma, o etanol é um componente importante tanto paraenfrentar a redução paulatina da oferta de petróleo, quanto para apoluição ambiental. Por isso, o álcool — seu nome de guerra —mobiliza as atenções, principalmente o produzido com base na cana-de-açúcar, que devolve 12% da energia solar que absorveu.

O petróleo com horizonte restringido e os conflitos para a produ-ção de biomassa (de cultivos: reais – redução de área de utilizaçãopara alimentação, flutuações de mercado internacional de commodi-ties, receio de queda dos preços de petróleo – possível? etc.) desa-parece a segurança — que existiu ao longo do século XX — de quea civilização do petróleo oferecia a oportunidade de melhores pa-drões de vida, criando a brutal ambivalência entre países desenvol-vidos, os países emergentes e os países subdesenvolvidos.

Quanto aos conflitos sociais, políticos, econômicos e militares, oséculo XX já foi palco de numerosos exemplos, que se adentrampelo século XXI de forma mais sofisticada. Com as informações

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disponíveis os mesmos devem tornar-se mais complexos na medidada redução do horizonte RR/P1.

Petróleo e Metanol x Etanol

O álcool que surgiu como combustível para veículos ao longo dasprimeiras décadas do século XX tem tido de enfrentar obstáculos,às vezes mantidos, violando critérios de otimização e racionalida-de. Quanto ao petróleo, os interesses envolvidos foram e são de talordem que qualquer competição é vista com restrição e deve serrepelida. As majors pretendem reconhecer a falência do modelo apoi-ado no petróleo o mais tarde possível e representam um gigantescopoder, pois o petróleo é sinônimo de segurança nacional e, de algu-ma forma, de controle da economia mundial.

1RR - Reservas recuperáveis / P - Produção

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A sua preservação e utilização são objetivos nacionais permanen-tes das nações ricas e das nações pobres — que não pretendem sê-lo ad-eternum. Daí, ao longo de décadas o álcool ter sido apresenta-do como o “patinho feio” como combustível complementar ao pe-tróleo. Até a década de 1980, o álcool era essencialmente um com-bustível pouco utilizado .

Além da competição do petróleo, o etanol sofria também a compe-tição do metanol, da GTBA e do MTBE. O metanol sofria restri-ções sérias, mas como tinha sua origem no gás natural e no petró-leo, tinha adeptos poderosos. Entre outros problemas o metanol,líquido extremamente volátil, apresenta riscos elevados de infla-mação, explosão e intoxicação. Isso exige cuidadosos sistemas deproteção e segurança de instalações e de pessoas.

Alternativa Energética Brasileira

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As décadas de 1980 e 1990, perdidas pelo Brasil, têm um nome:crise do petróleo. Em 1973, o Brasil tinha um débito externo deUS$ 12 bilhões e reservas de US$ 7 bilhões. Em 1994, a dívidaexterna era de US$ 100 bilhões e reservas próximas de zero. O Bra-sil foi atingido por um trinômio perverso, verdadeiro “tsunami”:

• Preço de petróleo que em menos de 10 anos, mais do que dupli-cou.

• Reciclagem dos petrodólares, com aumento dos preços dos ma-nufaturados e queda de preço das matérias-primas.

• O aumento dos juros da dívida externa que tinha obrigatoriamen-te de crescer para poder importar petróleo.

Muitas falácias foram defendidas, inclusive a do custo inferior dopetróleo e seus derivados em relação ao álcool produzido no País.Um exercício simples, agregando ao petróleo o prime rate america-no, após o primeiro choque do petróleo, levou o seu custo nominalde US$ 11 para US$ 33. Já após o segundo choque do petróleo, omesmo raciocínio eleva o custo do petróleo, comprado a US$ 29,70,em 1979, para algo como US$ 120 em 1985, somente pela capitali-zação da dívida assumida.

Já passou da hora de reverter o processo. O álcool atende bem atodos os interesses internos. Por sua vez, o mundo rico consomemuita gasolina. Existem dois estágios de atuação para penetrar nomercado, conforme já assinalavam na década de 1980:

1o) Misturar álcool anidro à gasolina, reduzindo a dependência aopetróleo importado de regiões geopoliticamente não confiáveis.

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2o) Induzir ao uso de veículos movidos a álcool, pelo exemplo e pelosucesso, reduzindo a dependência aos países conturbados do GolfoPérsico e, assim, transformando petrodólares em alcooldólares.

O caminho do Brasil sempre foi o da “Mobilização Nacional”, emtermos de aceitação de um “estado de guerra” que passou a existirdesde 1973, com o primeiro choque do petróleo. O resto, interna eexternamente, são conseqüências. Vencer o lobby dos produtores deálcool — etanol e metanol — americanos, que se contrapõem etaxam o álcool brasileiro será fácil, quando forem vencidos oslobbies e as inseguranças que têm transformado o nosso Programade Álcool em um sucesso, visto de longe, e em um “parto da mon-tanha”, se visto à luz das lentes poderosas da imaginação criativa ecorajosa. Basta enfocar o atraso no seu uso para substituir o óleodiesel, conforme tecnologia desenvolvida em laboratório oficial naSuécia.

Estudos sérios que fiz realizar delimitam milhões de hectares apro-veitáveis para cana-de-açúcar, em um polígono que abrange partedos estados de Goiás, Mato Grosso, Pará, Bahia, Minas Gerais eMaranhão. E se trata de produção de cana-de-açúcar — primeiroestágio da produção de álcool —, sem gastos extraordinários emirrigação que podem onerar a produção. Isso exige um Plano Dire-tor para uso interno e outro para a exportação de álcool, considera-das as diferentes variáveis quanto os custos de transporte, confor-me os centros de consumo ou os portos de embarque. Os sistemasdutoviário e hidroviário têm de ser estabelecidos tomando-se emconta estas variáveis.

O povo brasileiro vem pagando caro pelas hesitações e imprevi-dência de seus dirigentes. Só recentemente está havendo a adoção

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da tese de que a exportação de álcool é um item significativo napauta do País. Apesar disso, existem fundadas dúvidas quanto aoêxito das iniciativas de exportação significativa de álcool brasileiro.Para torná-lo realidade não basta vender a idéia no exterior — oque é importante — mas é preciso consolidar as fundações de suaprodução e venda de forma confiável e permanente. Há muito oque fazer — desde zoneamento agrícola até a produção indepen-dente de álcool para exportação. Recentemente isso foi reconheci-do pelo próprio presidente da UNICA, representante dos produto-res de açúcar e de álcool.

O aumento dos preços do petróleo e a restrição da capacidade derefino mundial para atender à demanda de derivados têm efeitocontundente para a viabilização econômica do uso de álcool, tantoanidro quanto hidratado.

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Como aditivo à gasolina, hoje na proporção de 25%, o álcool ani-dro tem a viabilidade garantida pelos preços da gasolina. Mesmoque isso não ocorresse entre os grandes consumidores de gasolina— Estados Unidos com 20 milhões de barris/dia e a União Euro-péia com 10 milhões de barris/dia — a influência no custo da gaso-lina aditivada com 5% ou 10% não seria expressiva, pois, em umdiferencial do preço do álcool e o da gasolina de 20%, representariaum acréscimo de 1% ou 2% no preço de venda da gasolina aditiva-da, já considerada a diferença de poder energético do álcool (70/100). Cabe ressaltar a importância do álcool como fator de desen-volvimento do hemisfério ocidental, apoiado na sua complementa-ridade energética – primeiro passo para a criação efetiva do seuMercado Comum.

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De outro lado, a mistura de álcool no óleo diesel de 8% a 95%(tecnologia sueca) não tem sido tratada com o necessário empenho.

Álcool para Exportação

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Existem, por sua vez, numerosos estudos sobre as vantagens doálcool de cana-de-açúcar sobre outros com base em milho (EUA) eoutros produtos vegetais (União Européia, inclusive álcool de vi-nho na Espanha). Na verdade, os Estados Unidos taxaram o álcoolimportado do Brasil, sem fazê-lo em relação aquele produzido naEspanha ou importado da América Central, porque pretendem de-fender os produtores de milho americanos. Tentei inclusive, comconhecimento do Dr. Tancredo Neves, convencer a Archer DanielsMidland, líder absoluta no mercado de milho e de álcool de milho,a representar o álcool brasileiro nos Estados Unidos. Para tantoviajei para New York exclusivamente para almoçar com o Sr. DwaineAndréas, presidente da referida empresa. Na época, a produção deálcool dos Estados Unidos era pouco significativa, variando emfunção da produção de milho, absorvendo eventuais sobras paramanter a sua cotação e os interesses dos produtores, politicamentefortes. Apesar disso, a ADM não manifestou interesse na proposta.

O programa brasileiro que propunha e que apresentei oficialmentenos Estados Unidos no Seminário “Álcool Brasileiro na GasolinaAmericana”, promovido pelo Centro de Estudos Estratégicos In-ternacionais (CSIS) da Universidade de Georgetown, em 1/12/1983,incluía o estudo de pré-viabilidade de um empreendimentoamericano-brasileiro, independente do PROÁLCOOL, obtendototal apoio do CSIS. Apenas para ilustrar o que foi o estudo de pré-viabilidade citado, que está a disposição dos interessados, o póloprodutor, previsto para operar em conjunto particularmente comum sistema dutoviário, seria:

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A área exigida para a produção proposta de 500.000 barris/dia paraexportação, sem previsão de irrigação, era de 1 milhão de hectares,empregando técnicas agrícolas de nível médio e uma produçãoanual de 60 t/ha.

São necessários cuidados especiais para evitar o conflito de culti-vos, particularmente o zoneamento agrícola rigoroso.

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A própria Petrobras, hoje engajada no programa de biocombustí-veis, tem um planejamento para um sistema dutoviário para aten-der a exportação de álcool produzido em São Paulo, região que, porcerto, terá a preferência natural dos produtores.

Do Investimento e da Previsão de Resultados

O investimento admitido era da ordem de US$ 20 bilhões. Toman-do em conta estudo realizado pelo BIRD em 1981 e adaptando osseus critérios à situação atual, verifica-se:

• Que ao preço do petróleo da época, mais custo do refino —considerado o investimento na produção de álcool, no Brasil, a taxainterna de retorno seria da ordem de 18%.

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• Que ao preço médio de US$ 42 o barril de petróleo — admitidauma vida útil de 20 anos da parte industrial — a taxa interna deretorno ultrapassa 30% a.a. nas condições de custo de produção decana-de-açúcar.

A Figura 1 apresenta a viabilidade econômica do etanol de cana-de-açúcar como combustível alternativo – caso brasileiro.

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Iniciativas Pioneiras

Chile

EUAAlemanha

Antes de encaminhar o assunto exportação de álcool para a gasoli-na americana, tive a oportunidade de tratar detalhadamente da ex-portação de álcool para o Chile, cujo Ministro de Energia me pro-curou algumas vezes no Brasil, entusiasmado com o Programa. Omesmo ocorreu com a Alemanha, tendo participado de comitiva queviajou para Bonn com o Presidente João Batista Figueiredo, ondetive a oportunidade de apresentá-lo, com o apoio e participação da“Verbidungstelle Landwirtshaftt Industrie” (Associação de Indústri-as, Bancos e Empresas Agrícolas do Vale do Ruhr), só não se concre-tizando devido à oposição da Companhia de Petróleo Veba Oel.

Tanto os entendimentos com o Chile e Alemanha, quanto com osEstados Unidos, estão detalhadamente descritos no livro Conspira-

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ção Contra o Álcool, prefaciado pelo meu amigo, companheiro de lu-tas — o então Embaixador nos Estados Unidos da América, SérgioCorrêa da Costa.

Ao mesmo tempo em que promovia o Seminário no CSIS, mantivecontatos com o Senador Charles Percy, presidente da Comissão deEnergia do Senado Americano, eleito pelo Illinois, estado que é oprincipal produtor do milho. Na mesma oportunidade pronuncieiuma conferência na OEA sobre “Complementaridade Energéticano Hemisfério Ocidental”.

Conclusão

É fundamental assinalar que o Brasil também é vítima de si mesmona demora do entendimento sobre a exportação de álcool. Nos Es-

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tados Unidos existem e atuam os lobbies para influenciar o Congres-so, em uma atividade regulamentada oficialmente.

Em 1983 encontrei, em Washington, uma pessoa que recebiaUS$ 10 mil por mês, do IAA, para fazer o lobby do açúcar e doálcool brasileiros. Na época, vem a falecer e o seu contrato com oIAA foi repassado para o seu vizinho de porta de escritório...

A atuação brasileira na era dos joint ventures de lobbies me pareceu —à época — usar arco e flecha.

Parece óbvio que a reformulação do uso dos derivados de petróleo,introduzindo o consumo de outros combustíveis, vai alterar sensi-velmente o atual quadro de uso da mão-de-obra na agricultura. In-dependente disso, vultosos investimentos serão exigidos num bommomento, em que o capital procura aplicações promissoras.

As diferentes soluções que contribuirão para substituir o uso dosderivados de petróleo, provavelmente associadas, terão em algunssegmentos — como no caso de combustíveis oriundos da biomas-sa, o álcool etílico em particular —, significativa repercussão nodesenvolvimento socioeconômico dos países tropicais. Basta ob-servar que a produção de cada bilhão de litros de álcool envolvecerca de 50 mil empregos diretos e 100 mil empregos indiretos,gerados nos diferentes setores da economia.

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Caso o álcool venha a ganhar um lugar de destaque no mercadointernacional, não há dúvida de que isso poderá significar a geraçãode 15 a 30 milhões de empregos, no Terceiro Mundo em especial,com todas as conseqüências previsíveis.

Os países ricos e os países pobres se beneficiarão da vulgarização douso do álcool, visto que hoje os países produtores de petróleo, emsua maioria, têm baixo índice populacional, associado a um nívelcultural deprimido, em relação a países que já estavam em fase detake off, no seu desenvolvimento, quando dos choques do petróleo.

Gostaria de concluir com uma frase de Bismarck:

“É preciso legar aos nossos filhos o mínimo de problemas não re-solvidos.”

Palestra pronunciada em 17 de Julho de 2007

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Ives Gandra da Silva MartinsProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFI-EO e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEMEe Superior de Guerra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direitoda Fecomercio-SP e do Centro de Extensão Universitária – CE; Sócio-fundador da Advocacia Gandra Martins e Rezek.

Uma Teoria do Tributo

No século XX, o homem começou a explorar os espaços exte-riores à atmosfera e a desvendar o Universo, ainda que de

forma superficial e com falhas consideráveis nos diagnósticos e con-clusões. A cada nova descoberta, deslumbra-se com novidades ob-servadas na imensidão sidérea e modificam-se afirmações apressa-das, a maior parte delas formuladas ao tempo das investigaçõespossíveis apenas por telescópios.

A teoria do “Big-Bang”, ou seja, da grande explosão que originou oUniverso ainda permanece. De certa forma, o “Big-Bang” já eraconhecido, metaforicamente – na palavra revelada do Velho Testa-mento – pelo povo judaico, sem maior cultura astronômica, como o“Fiat Lux” do Gênesis.

Também o povo judaico não desconhecia a ordem da evolução so-frida pelo planeta Terra, depois de seu surgimento há cinco bilhões

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de anos, que correspondem, em números temporais fantásticos, aosseis dias da criação, até o aparecimento do homem, ainda na lingua-gem poética própria do inspirado autor do Velho Testamento.

Discute-se hoje, se a teoria formulada na década de 1970 seria con-sistente, ou seja, que a explosão lançara os diversos corpos sidéreosna imensidão vazia do Universo, o qual ainda se encontraria emexpansão, havendo a possibilidade de uma inflexão em milhões oubilhões de anos, com a atração destes corpos novamente para ocentro da explosão por força da gravidade inerente aos entes sidé-reos.

Hoje, já se admite que o Universo continuará em expansão, indefi-nidamente, não havendo força gravitacional suficiente para rever-ter o processo. Este, possivelmente, esgotar-se-á nas sucessivasexplosões, formação de novas estrelas, surgimento de quasares,estrelas novas, galáxias, absorções em buracos negros, até que aenergia originada do “Big-Bang” tenha findado, quando tudo retor-nará, novamente, à imensa solidão de um vazio sem limites, queseria o Universo antes do “Big-Bang”.

Tal teoria, como a anterior – ou outras que certamente virão a serformuladas –, carece, ainda, de prova científica cabal, visto que ohomem engatinha, em suas especulações, em um modestíssimo pla-neta, de um modesto sistema solar, dentro de uma das bilhões degaláxias existentes no Universo, galáxia esta da qual o homem se-quer consegue definir o contorno, corpos internos e dimensão, to-dos os dias surgindo novidades sobre os elementos que a compõem.

O pioneiro e já superado Carl Sagan, costumava usar a imagem deque há mais corpos sidéreos no Universo que grãos de areia naspraias da terra, para mostrar a infinitude do que se pretende explo-

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rar e a insignificância de nossa existência.

Hoje, ainda se tem por mais seguro – embora não seja o mais certo– que o “Big-Bang” teria ocorrido em torno de 15 bilhões de anosatrás, muito embora especule-se que alguns dos sistemas explora-dos podem ter mais de 17 bilhões de anos. Carl Sagan chegou acolocar uma possível diferença de 5 bilhões de anos para mais, daocorrência do “Big-Bang”. Vale dizer, na década de 1970, tinhamos idealizadores – entre os quais encontrava-se o admirável CarlSagan – das naves espaciais “Voyager” – que já deixaram o sistemasolar, mas continuam a enviar mensagens para a Terra, na sua aven-tura pelo Universo – uma pequena dúvida sobre se o “Big-Bang”teria ocorrido há 15 ou 20 bilhões de anos! Uma modesta diferençade cinco bilhões de anos, na determinação do momento do “Big-Bang”. Uma insignificante dúvida de cinco bilhões sobre a origemdo Universo!!! Hoje, inclusive, admite-se que o “Big-Bang” tenhaocorrido há 13 bilhões de anos e não há 15 bilhões.

O que não suscita dúvida, todavia, é que o Sol em, no máximo,cinco bilhões de anos, deverá explodir quando consumir os ele-mentos que o compõem, explosão que absorverá os planetas próxi-mos, certamente Mercúrio e possivelmente Vênus e Terra. Comisso, a imagem de São Pedro – que também não era especialista emassuntos espaciais – na segunda epístola, é possivelmente correta,ao dizer que a Terra será consumida pelo fogo, no fim dos tempos.

O certo é que, em face da imensidão do Universo, da ignorânciahumana na confirmação de seus aspectos periféricos e da absolutafalta de dados sobre as causas do “Big-Bang”, a razão de ser, oporque do Universo e o sentido de seu desaparecimento, é de seadmitir que a aventura humana é fantasticamente pequena, insigni-ficante, sem qualquer expressão.

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Saindo da casa dos bilhões de anos para a dos milhões e dos milha-res, no ano 2004, levantou-se a tese de que o primeiro homem, istoé, a primeira espécie do homo sapiens não teria surgido há 160 milanos, mas há 190 mil, muito embora, espécies de animais seme-lhantes ao homo sapiens tenham sua origem bem mais remota.

A vida poderia ter surgido na Terra entre 3,5 a 4 bilhões de anos,sendo que apenas a espécie dos dinossauros dominou o planeta por150 milhões de anos, tendo desaparecido há 65 milhões de anospor causas ainda hoje inexplicadas. Várias teorias foram aventadassobre o desaparecimento dos dinossauros, inclusive a do choque deum corpo sidéreo, no Golfo Pérsico, que teria gerado as correntesquentes de água existentes até hoje, e provocado um inverno nu-clear, responsável pela extinção da espécie jurássica, em pouco tem-po, por falta de alimentos.

O certo é que, nesta escala fantástica de anos multiplicados aosmilhares, milhões e bilhões, as primeiras manifestações artísticas eculturais do homem datam de 20 mil anos (cavernas de Lescault ouAltamira), as ruínas de Jericó datam de nove mil anos e a histórianarrada, propriamente dita, começa há modestíssimos seis mil anos.

Em outras palavras, tudo o que valorizamos, na aventura humana,é de uma insignificância brutal, mesmo admitindo o conjunto detodas as manifestações concernentes ao homem. O que vale dizer:a história do ser humano, em dimensões galáticas, não tem qual-quer expressão. E sua única expressão, a meu ver -mas não é objetodeste estudo- de dimensões específicas, está no mistério da alma eda metafísica, ou seja, nas relações do homem com Deus, únicahipótese não materialista, a dar significado ao ser humano, vistoque, no aspecto mental, sua superação é infinita, e como o Univer-

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so, o pensamento não tem limites.

É neste ponto que reduzo à expressão quase nenhuma o significadodo ser humano, individualmente, e em sociedade.

Em outras palavras, a insignificância da história humana, enquantoapenas em sua fantástica e minúscula aventura no Universo, à luzdos acontecimentos, demonstra que, no momento em que o ho-mem se tornou um ser social, isto é, no momento em que teve cons-ciência de sua racionalidade, surgiram quatro classes diferentes depessoas, a saber: os governantes – ou aqueles que exerciam o podere que se consideravam superiores ao povo –; os produtores de ri-queza, em um segundo patamar inferior, antes das democracias mo-dernas e sujeitos aos humores dos detentores do poder; o povo, emgeral, subordinado a governantes e produtores de riquezas, e osescravos.

A formação dos pequenos núcleos organizados, há dezenas de mi-lhares de anos, leva, necessariamente, a esta repartição social, quepermanece, de rigor, até hoje, exceção feita aos escravos, com umamultiplicação de áreas para os produtores de riquezas, inclusive de“natureza imaterial”. Em grandes linhas, entretanto, a sociedade édividida entre os detentores do poder e o povo, este servindo muitomais de tema para as campanhas políticas da modernidade do queexercendo o papel de real destinatário das grandes conquistas dacivilização moderna.

No mundo moderno, mesmo em relação aos países mais desenvol-vidos, a maior parcela do povo continua sendo a das pessoas que,na realidade, têm direitos reduzidos. Embora seus direitos sejamdecantados, nas leis e Constituições, o povo está fadado a servir ea obedecer e a prestar-se, como massa de manobra, para os que

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ambicionam o poder e procuram iludi-lo com suas promessas, rara-mente cumpridas.

Os produtores de riquezas, no Estado moderno, elevaram, consi-deravelmente, seu status em relação aos detentores do poder, hojeganhando dimensão relevante para influir no destino dos que que-rem ou exercem o Governo.

Não estão mais naquela condição de terem que, habilmente, convi-ver com o absolutismo do poder, em todos os tempos e todas ascivilizações.

O certo, todavia, é que a vida em sociedade, quando o Estado seforma, não esconde a realidade – mais monotonamente detectadade que o Poder e os seus detentores continuam sendo, nas diversascategorias sociais, os mais importantes, estando os outros setores –mais ou menos subordinados – na condição de permanentes gera-dores de recursos para a manutenção daqueles.

Ainda hoje, como o era nos tempos primitivos, quem governa équem determina os destinos de um povo – ou, no concerto dasnações, aqueles que, por governarem os países mais fortes, deter-minam não só o destino de seu povo como o das demais nações.

E, neste contexto – hoje incomensuravelmente mais sofisticado nadefinição de políticas e de ambições de poder, do que nos temposprimitivos – os candidatos são menos preparados que, em face dosdesafios da época, era a classe dirigente primitiva. O poder, hoje,obtém-se independentemente da aptidão do candidato, de sua com-petência, de seu talento ou de sua habilidade. Os estadistas conti-nuam raros e viscejam os políticos e os burocratas – ou, no dizer deTofler –, os integradores do poder, formatados por mestres da pu-

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blicidade e “marketing”.

É nesta perspectiva, portanto, que a manutenção da ordem social –sempre tripartida em governantes, produtores de riqueza e povo –dá suporte e nutre o poder como nutrira, no curso da história. Otributo, torna-se, portanto, o mais relevante instrumento de domí-nio, desde o alvorecer da sociedade organizada.

Apesar da análise do tributo, pelas diversas ciênciais sociais, nãoter sido realizada de forma a revelar a sua relevância, o certo é que,para efeitos do domínio e do poder, trata-se do mais importanteelemento, com reflexos em cada uma delas.

Sua análise conjunta está a demonstrar que, para a categoria dosindivíduos da primeira. classe da escala social, ou seja, os gover-nantes, o poder é que os distingue e lhes dá força. O poder só semantém por força do tributo, que, certamente, é relevantíssimo paraque os governantes, que dele usufruem, alimentem seus planos pre-sentes e futuros de governo. Mesmo quando prestam serviços pú-blicos, o retorno em serviços à comunidade é menor do que deveriaser, pois seu ideal maior é o poder pelo poder.

Nesta escala social tripartida, as duas outras classes sociais são asprincipais responsáveis pela geração de recursos para a primeira. Otributo, pela primeira classe social usado em seus desígnios maioresde governo (são os governantes), é também utilizado, em seu efeitocolateral, em serviços públicos no Estado moderno, em nível míni-mo possível para que os produtores de riqueza e o povo não che-guem a explodir, como, algumas vezes, ocorreu na história.

Relembrando Kant (“A paz perpétua”), embora a realidade destesúltimos dois séculos de sua teoria não ter trazido grande evolução

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na participação das segunda e terceira classes sociais na formula-ção de políticas tributárias e na geração da paz, convenço-me deque começamos a entrar em uma era em que a convivência comu-nitária entre as nações e a disputa por mercados poderá gerar ainflexão necessária para que o nível impositivo destinado, funda-mentalmente, à manutenção dos detentores do poder no poder, prin-cipie a exteriorizar elemento de desequilíbrio na competitividadeentre as nações. Tal fato poderá provocar, por uma questão de so-brevivência, pela primeira vez na história, uma tentativa de se fazerdo tributo um instrumento de justiça fiscal e social e de desenvol-vimento econômico, mais destinado às segunda e terceira categori-as que à primeira.

Enfim, por enquanto, o tributo ainda é uma norma de rejeição so-cial, com destinação maior à manutenção dos detentores do poder,e grande instrumento de exercício do poder por parte destes, comalguns efeitos colaterais positivos a favor do povo, quando há al-gum retorno de serviços públicos. Por enquanto, serve mais aosdetentores e aos seus amigos, do que aos produtores da riqueza eao povo. No futuro, todavia, a globalização da economia poderálevar a ter uma função social maior, não por mudança de perfil dosgovernantes, mas por força da necessidade de sobrevivência.

Como dizia Bobbio (“A era dos direitos”), o século XX foi o séculodo reconhecimento dos direitos; o século XXI poderá ser aquele daefetividade dos mesmos, quando os contribuintes possivelmentepoderão ter um tratamento mais digno por parte dos controladorese uma carga tributária mais justa e mais adequada a prestação deserviços públicos, entre os quais o de ações sociais efetivas.

Até lá, mantenho a minha teoria de que o tributo é apenas um fan-tástico instrumento de domínio, por parte dos governantes.

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Ateoria econômica anda um tanto desacreditada, nos últimos tempos, porque não acontecem as coisas que deveriam acon-

tecer, segundo os postulados da Ciência Econômica. Por exemplo,há vários anos que se prevê a “quebra” dos Estados Unidos, devidoà persistência dos “twins” déficits, o déficit orçamentário e o dobalanço de pagamentos; esses déficits continuam atingindo níveisestratosféricos, mas a economia americana continua firme, para de-sencanto dos analistas. Os países ricos estão sendo financiados pe-los países pobres, ditos emergentes. Outro exemplo é o da China,que se sustenta na base de capitais estrangeiros, que não tem água,tem déficit de energia, importa a metade do petróleo que consome,não tem matérias primas, nem alimentos nas quantidades necessá-rias. Prevêem os analistas que a economia chinesa não agüenta sus-

Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda

Síntese da ConjunturaO Vôo do Besouro

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tentar, por muito tempo, um crescimento anual de dez por cento. Ofato, porém, é que a China há mais de quinze anos vem exibindoesse fantástico crescimento, sem tomar conhecimento das previ-sões pessimistas. E acumula, atualmente, mais de um trilhão e tre-zentos bilhões de dólares de reservas cambiais.

E o Brasil? O Brasil “não pode dar certo”, com os juros e a cargatributária mais altos do mundo. A economia brasileira não tem con-dições de crescer, com uma taxa baixa de poupanças e investimen-tos de 17% do PIB, quando o necessário seriam 25%. Com umdéficit orçamentário permanente e uma expansão de crédito anualde cerca de 25%, a economia brasileira não tem como escapar dainflação; do mesmo modo, com a valorização cambial de cerca de50% nos últimos cinco anos, a economia brasileira não se sustentae é previsível uma crise no balanço de pagamentos, sem chances deatingir um crescimento sustentado. O fato, porém, é que a econo-mia brasileira cresceu 3,7% no ano passado e, ao que tudo indica,vai crescer mais de 4% este ano e, possivelmente, no ano próximo,acumulando cerca de 150 bilhões de dólares, em reservas cambiais.

Estaríamos convivendo com uma “bolha”, tanto na economia na-cional, como na internacional, prestes a estourar? Não perguntemaos economistas, porque eles não têm a resposta. O mesmo acon-tece na área política e, pelo que dizem os analistas, os sucessivosescândalos vão tornar o País ingovernável pela desmoralização dosPartidos, do Congresso Nacional e, em certo grau, do Judiciário. Omesmo efeito teria o desrespeito generalizado às autoridades, à leie à ordem, representado pelas greves no serviço público, o apagãoaéreo, a invasão da Reitoria da USP, o Estado paralelo administra-

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do pelos traficantes de drogas, as invasões da propriedade privadapelo subversivo e intocável MST.

O Brasil não pode caminhar sem fazer, urgentemente as reformaspolítica, tributária e fiscal, previdenciária social, trabalhista,agrária e outras, consideradas essenciais e inadiáveis. Nada disso,porém, acontece, nem vai acontecer a médio prazo. É incrível ima-ginar que qualquer economia possa funcionar com 53% da força detrabalho no submundo da economia informal. Mas funciona.

Pelas leis da Física e da aerodinâmica, o besouro não pode voar.Mas voa. Assim é o Brasil.

Reformas de Base

Estão em curso as propostas do Governo visando implementar asreformas de base, consideradas essenciais à sustentação do desen-volvimento econômico: reforma trabalhista/sindical, tributária,previdenciária, além de outras com maiores dificuldades de apro-vação no Legislativo.

Visivelmente, o Governo procura ganhar tempo e, de algum modo,“empurrar com a barriga” problemas para os quais não tem umasolução preparada e, por isso, leva a discussão para Fóruns triparti-tes (Governo, trabalhadores e empresários).

Na área trabalhista, fica claro que o objetivo visado foi conseguidopelas centrais sindicais, que ganharam legalidade, maiores poderese recursos financeiros. A partir daí, é evidente não haver espaçopara alterar nada e, como diz o Presidente Lula, os “empresários

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querem rasgar a CLT e os sindicalistas só pensam em aumentarseus privilégios”.

A reforma tributária só teria um sentido prático com a federaliza-ção do ICMS, mas encontra a obstrução cega dos governadores.Em verdade, ninguém quer perder receita e a reforma não sai dolugar, para decepção dos contribuintes, que vão continuar supor-tando a maior carga tributária do mundo. Os tributos arrecadadospelo setor público continuam aumentando e, lamentavelmente, nãose vê qualquer iniciativa do Executivo ou do Legislativo para detera escalada, embora todos reconheçam que é da maior importância eurgência reduzir a carga tributária e simplificar o sistema fiscal. Pelocontrário, nos três Poderes da República e nos três níveis da Fede-ração, sobram iniciativas para aumentar continuamente os gastospúblicos.

Não é diferente a situação da reforma em debate no Fórum da Pre-vidência Social. É evidente a necessidade de uma mudança radicalno sistema de aposentadorias e pensões, menos no setor privado doque do lado dos servidores públicos, mas isso está fora das cogita-ções do Governo, pelas dificuldades políticas que oferece. Ninguémtem coragem suficiente para cortar privilégios do Legislativo e doJudiciário, sem falar na “delicada” questão militar, cujas peculiarie-dades não são alcançadas pelo sistema geral de previdência social.

Sobre o sistema privado, do chamado Regime Geral da PrevidênciaSocial (RGPS), pode-se dizer que praticamente nada há para mu-dar, a não ser dar transparência às contas do INSS. Isso significatransferir automaticamente recursos da arrecadação da COFINS eda CSLL, no quantum satis para cobrir os programas de responsabili-

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dade do Governo, representados por renúncias fiscais e subsídiosno campo da assistência social. Em realidade, o RGPS não é defici-tário. O pseudo déficit de R$ 42 bilhões resulta, basicamente, dasrenúncias fiscais e programas assistenciais de responsabilidade di-reta do Governo, que devem ser cobertos pela COFINS e pela CSLL.

O resumo de toda essa história é que o Brasil está “brincando” defazer reformas de base, para as quais não há a menor vontade polí-tica, nem a compreensão dos responsáveis sobre o que isso repre-senta para “destravar” o desenvolvimento econômico. Isso sem fa-lar na reforma política ou na reforma agrária.

Atividades Econômicas

Pode-se afirmar, com segurança, que a expansão do comércioexterior – exportações + importações - nos últimos 36 meses, foi oprincipal responsável pelo aumento da renda real dos trabalhadoresque, acrescido da expansão do crédito, inclusive com recursos ex-ternos, desencadeou o aumento do consumo e, consequentemente,o crescimento das atividades econômicas. Apenas para endossaressa afirmação, registre-se que as vendas da indústria automobilís-tica no mercado interno cresceram 9,5% em 2006 e vêm crescendoem 2007, à taxa recorde de 20%. Com tudo isto, faz sentido preveruma expansão do PIB nacional acima de 4%, em 2007, repetindoas performances dos anos 2000 (+4,3%) e 2004 (+5,7%).

Agora, cabe perguntar se essa situação tem condições de se manterao longo de 2008 e 2009, e a resposta é duvidosa. A taxa de cresci-mento das exportações está se reduzindo, mas situa-se, ainda aoredor de 15%.

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A continuidade desse crescimento vai depender, em boa parte, doingresso de capitais estrangeiros para investimentos em projetosindustriais e de infra-estrutura. Até junho, entraram no Brasil US$18,6 bilhões de IED, contra US$ 9,5 bilhões no mesmo período doano passado.

Além dos significativos investimentos em usinas hidrelétricas e ter-moelétricas, estão programados, para breve, maciços investimen-tos na produção de biocombustíveis (etanol) e biodiesel, em grandeparte voltados para a exportação. Não será surpresa se, dentro detrês ou quatro anos, as exportações brasileiras de etanol atingiremcerca de US$ 10 bilhões, no mesmo nível das exportações de miné-rios ou de soja, três vezes mais que as exportações de café.

Em junho último, a dívida externa (inclusive empréstimos inter-companhias) atingiu US$ 235,1 bilhões, US$ 35,7 bilhões a mais doque em dezembro/06, enquanto as reservas cambiais subiram deUS$ 85,8 bilhões, em 31/12/06, para cerca de US$ 155 bilhões,em julho do corrente ano.

Em todo esse cenário, o fator negativo mais evidente continua sen-do a atuação do setor público, sobrecarregado pela pesada e cres-cente dívida interna, maior obstáculo à redução da carga tributária.Nesse caso, será difícil manter o ritmo da expansão do crédito pormuito tempo, sem desencadear perturbadoras pressões inflacioná-rias.

Indústria

Segundo a CNI, o setor industrial brasileiro continua em expansão,

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não só nas grandes empresas, mas também nas médias e pequenas.Dos 27 setores pesquisados, 21 cresceram no 2º trimestre, contra 8em 2006. Foram destaque: bens de capital (17,4%), álcool, petró-leo, indústria automobilística. Sofreram queda: calçados, madeira,couros e artefatos.

Em São Paulo, a FIESP indica que a indústria cresceu 4%, comdestaque para o setor de máquinas e equipamentos, com 10,5% deexpansão.

A indústria automobilística, carro-chefe da indústria, vem quebrandotodos os recordes de produtividade e pode chegar a 2,87 milhõesno final do ano. O destaque do setor são as máquinas agrícolas,cujas vendas, de janeiro a maio, cresceram 33,9%, face à pequenabase do ano anterior, com expansão de 14% nas exportações e147,8% nas importações.

Comércio

Segundo o IBGE, de janeiro a maio, o comércio varejista teve ex-pansão de 9,5%, com destaques para lojas de departamentos e ele-troeletrônicos (23,6%), informática e comunicação (21,7%) e mó-veis e eletrodomésticos (+16,5%). No ramo dos não duráveis so-bressaem os supermercados (+6,7%), os artigos farmacêuticos ecosméticos (+6,3%), livrarias (+5,6%) e combustíveis (+5,3%).

Os Estados do Norte-Nordeste foram os que apresentaram maiortaxa de crescimento, acima de 11%. Na base desse crescimentoestão a expansão do crédito (+ 12,2%) e dos rendimentos dotrabalho (+ 5,1%).

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Pelos dados da Abras, o faturamento dos supermercados aumen-tou 7,04%, no 1º semestre.O faturamento do pequeno varejo regis-trou queda de 1,3%, no acumulado do ano, até junho (Fecomércio-SP).

Agricultura

A produção brasileira de grãos, leguminosas e oleaginosas atingiu117,3 milhões de tons., em 2006, 4,1% acima de 2005.

No primeiro quadrimestre de 2007, o PIB do agronegócio cresceu1,29% segundo a CNA, o que significa a menor taxa de crescimentocomparada com a indústria e o comércio. Entretanto, as compras demáquinas agrícolas cresceram 33,9% nos primeiros cinco meses doano e as vendas de fertilizantes aumentaram 62%, no 1º semestre.

A expectativa da CNA é de que o PIB do agronegócio cresça 4,5%em 2007. Em 2006, o valor da safra agrícola teve queda nominal de15,1%. A valorização do real está reduzindo a renda do setor agrí-cola e ocasionando a redução da área plantada.

Por conta da falta de chuvas e do desestímulo ao plantio trazidopelos preços baixos, a área cultivada de grãos diminuiu 5,2% (ou2,5 milhões de hectares) em relação a 2005. A queda interrompeuuma seqüência de crescimento da área plantada iniciada em 2001.

Algumas culturas, porém, compensaram a queda da área com altade produtividade. É o caso da soja, cuja safra de 2006 foi a maiorda história do país, com 52,5 milhões de toneladas, alta de 2,5%ante 2005.

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A safra de milho, segundo produto agrícola mais importante do país,subiu 21,5%, recuperando-se dos efeitos das estiagens que afeta-ram o Sul.

Mercado de Trabalho

O índice de desemprego apurado pelo IBGE nas seis principaisregiões metropolitanas do País recuou para 9,7% em junho, apóstrês meses de estabilidade em 10,1%.

Dos 268 mil postos de trabalho abertos em junho, 184 mil foramcriados em São Paulo.

O aumento na contratação de empregados, a maioria informais ecom salários mais baixos, causou queda de 0,5% no rendimentomédio do trabalhador em junho. Frente a junho do ano passado, orendimento avançou 2,7%. Por outro lado, a massa de rendimentoem junho cresceu 1% ante maio e 4,6% frente ao mesmo mês de2006. O rendimento médio caiu em junho, porque há mais gente nomercado de trabalho ganhando menos.

A taxa de desemprego recuou para 15,9% em junho em seis regiõesmetropolitanas do País, de acordo com o DIEESE. O aumento de4,7% deu-se no índice de ocupação na indústria e de 2,2% no setor deserviços, caiu 0,6% no comércio e 0,9% no grupo “outros setores”.

O número de assalariados cresceu 2,7% entre maio e junho, puxa-do pela elevação de 4,1% do emprego com carteira assinada. Osempregos sem carteira assinada caíram 2,2% no período. O empre-go no setor público aumentou 0,6%.

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Segundo o Ciesp, no acumulado no ano, o nível de emprego em SãoPaulo cresceu 4,39% e nos últimos 12 meses 2,14%.

Inflação

A inflação medida pelo IPCA-15 subiu 0,24% em julho, ante avan-ço de 0,29% em junho. Nos últimos 12 meses, o indicador acumulaalta de 3,71% no ano.

A inflação medida pelo IGP-M de julho ficou em 0,28%, pratica-mente igual a junho (+0,26%), acumulando no ano 1,75% e 4% em12 meses.

A inflação medida pelo IGP-10 subiu 0,22% em julho ante a alta de0,15% no mês anterior. No ano, elevação de 1,69% e de 4,09% em12 meses. O IPC-Fipe desacelerou para 0,38% na segunda quadris-semana de julho, após subir 0,48% no período anterior.

Segundo a Fecomércio-RJ, o custo da cesta básica no município doRio de Janeiro subiu pela quarta vez consecutiva, com alta de 0,45%na segunda semana de julho, ante 0,02% no período anterior.

Setor Fiscal

A arrecadação no primeiro semestre deste ano chegou a R$ 282,4bilhões, 10% a mais do que nos seis primeiros meses de 2006, emtermos reais.

Em junho, a arrecadação somou R$ 49 bilhões, um crescimentoreal de 6,22% em relação a junho/2006, e de 7,7% na comparação

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com maio deste ano. A principal contribuição para o aumento foi oIRPF, cuja arrecadação cresceu 31,7%, seguida da CPMF, mais11,32% reais.

O resultado da Previdência Social, no ano, atingiu R$ 63,3 bilhões,um aumento de 10% com relação ao primeiro semestre de 2006. Asdespesas somaram R$ 84,26 bilhões, alta de 9%. O déficit acumu-lado é de R$ 20,95 bilhões.

A carga tributária em 2006 atingiu 34,5%, contra 33,7% em 2005,com expansão pelo terceiro ano consecutivo. Para 2007, estima-se35,7%. Uma lástima.

A dívida pública interna aumentou R$ 100 bilhões no 1º semestre,atingindo R$ 1,198 trilhão, 9,63% acima de dezembro/06. Apesarda redução da taxa Selic, o Governo pagou R$ 11, 1 bilhões dejuros, em junho.

O Tesouro Nacional cancelou o último leilão de títulos, face àsincertezas do mercado.

Setor Externo

Em junho, com exportações de US$ 13,1 bilhões e importações deUS$ 9,3 bilhões, observa-se um ritmo anual de expansão de 19,9%para exportações e 26,6% para importações. Estima-se que as ex-portações fechem o ano com US$ 158 bilhões (+14,9%) e as im-portações com R$ 114 bilhões (+ 24,7%). Em 12 meses, regis-tra-se aumento de 11,3% no preço das exportações e 7,4% no vo-lume.

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No setor de calçados, as exportações cresceram 3% (US$ 935 mi-lhões) e as importações 57% (US$ 96 milhões). No setor movelei-ro, foram mais 45% em importações e 4,7% em exportações.

No setor viagens/turismo, entraram US$ 2,4 bilhões e saíram US$3,5 bilhões.

No acumulado de janeiro/junho, as remessas de juros e dividendosforam praticamente iguais às do mesmo período de 2006. Nesseperíodo, o ingresso de investimentos diretos atingiu a cifraimpressionante de US$ 18,6 bilhões.

A economia mundial continua sem problemas, apesar da alta dopetróleo que subiu de US$ 52,00/barril (média de janeiro) para US$78,00 em 31/7. A economia americana está sob o peso da criseimobiliária, que registrou, no semestre, uma queda de 22% nas tran-sações com novas casas, mas a economia está crescendo à taxaanual da ordem de 3,4%. A China cresceu 11,9% no 2º trimestre. Aprodução mundial de aço continua em expansão, com aumento de5,7% sobre junho/06.