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786 Shirley de Souza Gomes Carreira (UERJ) Na literatura, o corpo insólito adquire os contornos de um corpo transgressor, de lócus onde embates de poder são travados. A inserção desse corpo na literatura de horror traz à baila o próprio papel contestador desse tipo de narrativa. Em O horror sobrenatural em literatura (2008), Lovecraft busca definir uma vertente literária, que denomina “weird fiction” – traduzível como ficção do estranho ou literatura de horror –; vertente esta que difere dos contos góticos e histórias de fantasmas, na medida em que não contém os elementos usuais destas, mas trata de um terror causado por forças externas ignotas, pela derrogação de leis imutáveis da natureza, de um pavor cósmico em sua acepção mais pura. Nessa mesma obra, Lovecraft alude a uma novela de Arthur Machen, intitulada O grande Deus Pã, que, à época de sua publicação, em 1894, causou escândalo e rejeição por parte da crítica, não apenas por claramente contestar o materialismo científico que predominava em seu tempo, mas também por conter alusões a orgias e ao paganismo. Essa obra é considerada por Lovecraft um marco na literatura de horror, pois o crescente clima de terror que a narrativa produz deriva de menções e ações indiretas, e sua principal personagem é construída por meio de depoimentos e revelações de outras personagens, não emergindo do texto como um indivíduo distinto com voz própria.

Shirley de Souza Gomes Carreira (UERJ) · angústia. Ao ver a mãe, gritou: Ó! Mamã! Por que me deixaste ir com Helena à floresta? Espantada em ver a filha naquele estado,

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Shirley de Souza Gomes Carreira (UERJ)

Na literatura, o corpo insólito adquire os contornos de um

corpo transgressor, de lócus onde embates de poder são travados. A

inserção desse corpo na literatura de horror traz à baila o próprio

papel contestador desse tipo de narrativa.

Em O horror sobrenatural em literatura (2008), Lovecraft busca

definir uma vertente literária, que denomina “weird fiction” –

traduzível como ficção do estranho ou literatura de horror –; vertente

esta que difere dos contos góticos e histórias de fantasmas, na

medida em que não contém os elementos usuais destas, mas trata de

um terror causado por forças externas ignotas, pela derrogação de

leis imutáveis da natureza, de um pavor cósmico em sua acepção

mais pura.

Nessa mesma obra, Lovecraft alude a uma novela de Arthur

Machen, intitulada O grande Deus Pã, que, à época de sua

publicação, em 1894, causou escândalo e rejeição por parte da

crítica, não apenas por claramente contestar o materialismo científico

que predominava em seu tempo, mas também por conter alusões a

orgias e ao paganismo.

Essa obra é considerada por Lovecraft um marco na literatura

de horror, pois o crescente clima de terror que a narrativa produz

deriva de menções e ações indiretas, e sua principal personagem é

construída por meio de depoimentos e revelações de outras

personagens, não emergindo do texto como um indivíduo distinto

com voz própria.

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Este trabalho propõe a análise da construção da personagem

Helen Vaughan, bem como a implicação do insólito no contexto de

produção da obra, uma vez que o caráter transgressor de Helen é a

mola mestra da narrativa e da arquitetura do medo na novela.

No fin-de-siècle, a crença – alimentada pelos estudos

científicos de então – de que a mente humana era composta por

opostos conflitantes, gerou uma série de obras centradas nessa

dualidade, como, por exemplo, O médico e o monstro (1886), de

Stevenson.

Na obra do escritor galês Arthur Machen, essa dualidade

assume características próprias, uma vez que mistura as vertentes da

literatura de horror a descobertas científicas e à consequente

inquietação que produziram na sociedade vitoriana. Seu

envolvimento com o ocultismo levou-o a distanciar-se do modelo

gótico e a incorporar em seus textos a crença mística de que o mundo

ordinário oculta outro mundo, cujo desvelamento pode levar à

loucura e à morte.

Em O grande deus Pã, cuja primeira versão foi publicada no

periódico The Whirlwind, em 1890, Raymond, um cientista

especialista em fisiologia cerebral e praticante de medicina

transcendental, opera o cérebro de uma jovem, Mary, reorganizando

partes do mesmo, de modo que ela possa encontrar “O grande deus

Pã”, metáfora do conhecimento absoluto.

A cirurgia é feita na presença de um convidado, Clarke, que fica

atordoado ao ver que a jovem acorda com estertores de pavor, como

se tivesse experimentado o maior horror que alguém já pudesse ter

sentido, tornando-se mentalmente incapaz desde então:

De repente se ergueu o som dum suspiro, o sangue voltou a corar o rosto exangue de Maria,

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os olhos se abriram e brilharam com estranho fulgor. Uma grande admiração se espelhou na face e as mãos se estenderam como pra tocar algo invisível. E logo o espanto se converteu em horror, o rosto numa máscara abominável, e o corpo começou a tremer de tal forma que, se diria, era sua alma lutando na prisão carnal. Horrível visão! Clarke se precipitou porta afora, enquanto a jovem caía ao chão, uivando. (MACHEN, 1986, p.8)

O cérebro de Mary constitui não apenas um portal para outras

dimensões, mas também uma barreira permeável entre o mundo

espiritual e o material. A manipulação de suas células durante a

cirurgia permite que esse frágil limite entre mundos seja

ultrapassado.

O que Mary vê não é revelado ao leitor, nem tampouco às

testemunhas de sua visão, mas Raymond tem absoluta certeza de

que foi o resultado do encontro com Pã, divindade filho de Dríope e

de Hermes, o mensageiro dos deuses, que nascera com chifres e

pernas de bode. Abandonado pela mãe no nascimento, devido à sua

aparência, Pã fora, pelo mesmo motivo, proibido por Hermes de

chamá-lo de pai. Era temido por quem necessitava atravessar as

florestas à noite, pois as trevas e a solidão da travessia causavam

pavor, desprovido de causa aparente e atribuído a Pã.

Em uma aparente desconexão, após o relato da cirurgia, há um

corte na narrativa e o cenário passa a ser Londres, onde Clarke, que

tenta compilar um livro intitulado “Memórias para provar a existência

do diabo”, lê a narrativa de um amigo, Dr. Phillips, sobre estranhos

acontecimentos ligados a uma jovem, Helen Vaughan. Ao leitor é

revelado apenas o fato de que a moça fora adotada por uma família

de camponeses do País de Gales, e que tinha hábitos inusitados,

como o de embrenhar-se na floresta horas a fio.

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Todos os que dela se aproximavam passavam a ter

comportamento igualmente estranho, ora demonstrando um horror

inominável –– como ocorrera a Trevor, um menino que a vira com um

homenzinho na floresta e que, posteriormente, ao deparar-se com a

estátua de um fauno, enlouquecera –, ora em desespero e culpa,

como acontecera com a jovem Rachel, que, após revelar à própria

mãe os eventos dos quais tomara parte juntamente com Helen, em

suas incursões na floresta, desaparecera para sempre.

A floresta simboliza o inconsciente e adentrar esse mundo

pode fazer aflorar o pânico diante dos aspectos instintivos reprimidos

do homem, desencadeando a loucura.

Na passagem em que Rachel conversa com a mãe, a natureza

desses eventos permanece oculta aos olhos do leitor, sendo

substituída por reticências:

Numa noite, contudo, depois de Raquel voltar, a mãe ouviu no quarto algo que lhe pareceu um choro abafado. Entrou e encontrou a filha meio despida, sentada na cama, tomada de indizível angústia. Ao ver a mãe, gritou: Ó! Mamã! Por que me deixaste ir com Helena à floresta? Espantada em ver a filha naquele estado, senhora M. [...] a interrogou e Raquel contou uma história terrível. Disse [...] (MACHEN, 1986, p.14)

No entanto, o teor da conversa pode ser intuído a partir da

reação de Carter ante o relato de Phillips:

— Meu Deus! Pensa no que dizes! É monstruoso! Coisas como essa nesta nossa terra, onde o homem vive e morre, luta, triunfa, às vezes sucumbe, é vencido pela tristeza e sofre, vítima de estranhos destinos ao longo de vários anos, bem sei! [...] Mas isso, Philips, isso

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não! Se isso pudesse acontecer, este mundo seria um pesadelo! (MACHEN, 1986, p.15)

No capítulo seguinte, a narrativa dá novo salto temporal e

entra em cena outra personagem, Villiers, que narra a Clarke o

encontro que tivera com um velho amigo, Charles Herbert. Em plena

decadência física e mental, bem como visivelmente aterrorizado,

Herbert lhe confidenciara ter sido corrompido de corpo e alma por

sua esposa, Helen, que, em seguida, desaparecera com tudo o que

ele possuía:

Eu a vi pela primeira vez numa festa. Falava com um amigo, junto duma porta, quando, subitamente, sobre o murmúrio das conversas, se elevou uma voz que foi direto ao coração. Cantava um romance italiano. Fui apresentado nessa mesma noite e três meses depois me casei. Villiers, essa mulher, se podemos chamar mulher, corrompeu minha alma. Na noite de núpcia fiquei sentado, no quarto do hotel, a ouvindo falar com aquela voz maravilhosa. Falava sobre coisas que eu não ousaria murmurar na mais negra noite, na mais vasta solidão. Villiers, pensas que conheces a vida, Londres, e o que se passa nesta cidade de horror. E se calhar já conversaste amenamente com os piores celerados. Mas te digo que não fazes ideia do que sei. Não, teus sonhos mais fantásticos e escondidos nunca poderiam engendrar sombra daquilo que ouvi e vi. Vi, sim. Vi as coisas mais incríveis. Tão incríveis que, às vezes, no meio da rua, parava pra pensar como era possível visto e continuar vivo. Passado um ano, Villiers, eu estava arruinado, de corpo e alma [...] (MACHEN, 1986, p.18)

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Villiers mostra a Clarke um retrato da mulher de Herbert, feito

por um pintor que vivia na América do Sul, e este desconfia de que há

uma ligação entre ela e os acontecimentos ocorridos em Gales.

Também não lhe passa despercebida a semelhança física entre ela e a

jovem que fora operada pelo Dr. Raymond.

O capítulo seguinte relata que, após uma onda de suicídios de

ricos cavalheiros em Londres, Villiers descobre que todos eles

frequentavam a casa de uma tal Sra. Beaumont, recém-chegada da

América.

Investigando o paradeiro de Helen, Villiers acaba por descobrir

que ela e a Sra. Beaumont são a mesma pessoa e que, sendo, na

realidade, uma mulher dissoluta, ela frequentava os lugares mais

sórdidos da cidade, persuadindo os homens a ações que os levava à

loucura e à morte.

O fato mais extraordinário em relação à arquitetura do medo

em O grande deus Pã é o modo como o autor o constrói. À medida

que a narração evolui, o leitor é levado a crer que acontecimentos

terríveis são associados à Helen Vaughan e a reação das demais

personagens cria um clima crescente de terror. No entanto, sempre

que esses eventos estão para ser descritos, o texto os suprime por

meio de travessões e reticências, deixando ao leitor a tarefa de

concretizá-los via imaginação.

Segundo Lovecraft, uma história em que o sobrenatural esteja

presente e que revele, ao fim, os seus terrores por meio de

explicações naturais não constitui um exemplo do pavor cósmico que

caracteriza a literatura de horror. Nesse sentido, O grande deus Pã

preenche todos os quesitos de tal classificação. Helen, a personagem

sem voz, narrada por meio das impressões de outras personagens, é

construída como um corpo transgressor, que representa a violação de

leis humanas e naturais.

A associação dos fatos geradores do medo à atividade sexual é

possível não apenas pela figura de arquetípica de Pã e seu vínculo

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com os instintos primitivos do homem, como também pela reação de

algumas personagens, como na passagem a seguir, em que Villiers

mostra a Austin um manuscrito que encontrara:

Olha este belo manuscrito. Foi paginado. Estás vendo? E levei a galanteria a ponto de o atar com fita vermelha. Parecem papéis de negócio. Não parecem? Veja-os bem, Austin. Neles está a descrição das distrações que senhora Beaumont oferecia a seus hóspedes de eleição. O homem que escreveu isso conseguiu escapar vivo, mas não creio que durante muito tempo. Os médicos acham que deve ter tido um grande abalo.

Austin pegou o manuscrito, mas não o leu. Abrindo ao acaso a vista caiu sobre uma palavra, o princípio duma frase, e, com o coração saltando, os lábios brancos e a testa suada, atirou o papel ao chão.

— Toma-o, Villiers, e não me fale mais disso. Raios, homem! És de pedra? Diabos! Mesmo o medo e o horror à morte ou o pensamento dum homem que será enforcado, no momento em que ouve as sinetas tocando e fica esperando o ruído do patíbulo, nada é comparado a isso. Não quero ler, pois nunca mais conseguiria dormir. (MACHEN, 1986, p.41)

A réplica de Villiers é sugestiva:

— Está bem! Imagino o que leste e sei quão horrível é. Mas, apesar de tudo, é uma velha história, um mistério antigo recuperado em nossa época, com as ruas de Londres substituindo os antigos vinhedos e olivais. Sabemos o que acontecia a quem encontrasse o deus Pã. Os sábios acham que todo símbolo o é duma realidade e não do nada. E era, na

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verdade, um símbolo bem refinado, esse, sob o qual os antigos velavam as forças secretas e terríveis que se escondem no coração de todas as coisas, perante as quais a alma humana se desvanece e morre, enegrecida, como o corpo ficaria se atacado por correntes elétricas. Essas forças só podem ser nomeadas e concebidas através dum véu que para a maioria não mais é que uma fantasia poética e pra alguns uma história contada por idiotas e loucos. Mas nós, tu e eu, conhecemos um pouco do terror que pode habitar os reinos secretos da vida, sob a aparência da carne. Vimos o informe assumir uma forma. (MACHEN, 1986, p.41)

Nos estudos literários sobre o gótico, a palavra “inumano”61 é

frequentemente usada para designar o “corpo gótico”, ou seja, algo

que tem apenas vestígios de humanidade e está prestes a tornar-se

algo monstruoso. No caso da literatura de horror, e em particular na

constituição de Helen Vaughan, em O grande deus Pã, o conceito

pode ser igualmente aplicado.

Ao fim da novela, a filha de Pã é confrontada por Villiers e opta

pelo suicídio, enforcando-se. A morte da personagem revela, por fim,

o seu caráter abjeto, pois seu corpo passa por sucessivas mutações,

metamorfoses completas, conforme relata o Dr. Matheson, médico a

quem coube fazer a autópsia:

Se bem que atacado por uma náusea de revolta e quase sufocado pelo odor da corrupção, me mantive firme, privilegiado ou maldito, não sei, olhando o que ali estava, negro como tinta, e que se transformava perante meus olhos. Pele, carne, músculo e osso, e a firme estrutura do

61 Abhuman (de natureza não humana, em inglês), em oposição a inhuman (desumano, em português).

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corpo humano, tudo o que, até então, considerara algo permanente como o diamante, começou a se fundir e dissolver.

Sabia que agentes exteriores podiam assim devolver o corpo aos elementos mas me recusaria a crer naquilo que via porque havia ali uma força interna que eu não conhecia e que ordenara a dissolução e a metamorfose.

Ali se repetiu, em minha frente, todo o esforço que originou o homem. Vi a coisa vacilar de sexo a sexo, se dividir e se unificar de novo. Vi o corpo regredir às feras que o precederam, o que estava na coroa dos seres descer ao inframundo, ao abismo. Mas o princípio da vida, que cria o organismo, permanecia estável no meio das transformações da forma [...] Eu olhava sempre: Logo nada mais restava além duma substância semelhante a gelatina. E depois a escala foi de novo percorrida, em sentido inverso... (neste ponto são ilegíveis algumas linhas do manuscrito) [...] instante vi uma forma obscura à minha frente, que não quero descrever. Mas o símbolo pode ser encontrado nalgumas estátuas antigas e naquelas pinturas que sobreviveram à lava, demasiado infames pra que eu fale mais sobre elas... E a indizível aparência, homem e besta, retomou a forma humana. Então a morte sobreveio. (MACHEN, 1986, p.44-45)

O último fragmento, escrito pelo médico responsável pela cirurgia neurológica do início do romance, é revelador, pois nele ele reconhece o seu erro ao fazer a experiência e admite que Helen Vaughan era a filha de Mary com o deus Pã:

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O que eu disse que Mary veria, ela viu, mas me esqueci de que ninguém pode contemplar impunemente o que contemplou. E também esqueci de que uma vez que se abre a casa da vida ela fica acessível àquilo que não podemos nomear e a carne humana pode se tornar o véu do inexprimível. Brinquei com forças desconhecidas e conheces o resultado. Helen Vaughan fez bem em se atar à corda e morrer, por mais horrível que sua morte tenha sido. Aquele rosto enegrecido, aquela metamorfose que se fundia sobre o leito e que passava de mulher a homem, de homem a besta, e de besta a algo ainda pior, tudo o que testemunhaste, nada me espanta. O que o médico viu já vi, muito antes. Porque compreendi minha obra logo no dia em que a criança nasceu. Ainda tinha cinco anos e eu já a vira mais de cem vezes, brincando com o companheiro que sabes quem é. Foi, pra mim, uma angústia indescritível e constante. Alguns anos mais tarde, sentindo que não suportaria mais aquilo, mandei Helen Vaughan a outro lugar. Já sabes o que assustou Trevor no bosque. O resto da história e tudo o que foi descoberto por teu amigo eu já sabia a minha própria custa, do primeiro ao último capítulo. E agora, Helen se reuniu a seus companheiros. (MACHEN, 1986, p.48)

Segundo Jeffrey Cohen, “o monstro é a personificação de um

momento cultural” (1996, p.4). Portanto, o corpo do monstro é

culturalmente construído e, “como uma letra em uma página”, “tem

sempre um significado além de si mesmo”. Assim, é possível afirmar

que O Grande Deus Pã é uma narrativa em que a monstruosidade é

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culturalmente construída, personificando os medos inerentes à época

de sua elaboração.

O corpo insólito e transgressor de Helen Vaughn expõe as

contradições do mundo em que Machen viveu: a lacuna entre o

mundo do século XIX e as potencialidades de um outro mundo que a

ciência de então buscava conhecer; as contradições de uma

sociedade misógina, que pregava a moralidade e ocultamente se

entregava à prostituição, que se debatia entre a religião e a ciência.

Elogiada por Lovecraft, a quem não passou despercebida a

técnica do suspense cumulativo, que culmina com o horror ao final, a

novela O grande deus Pã é considerada hodiernamente uma obra que

tem o mérito de construir o pavor cósmico através do não dito.

Ao transferir para o leitor a responsabilidade de intuir o que

não é relatado, Machen também lhe concede o direito de fazer

conjeturas sobre a natureza de Helen Vaughan. A personagem sem

voz, cuja existência está atrelada aos relatos das demais personagens,

é paulatinamente construída e o seu caráter metamórfico constitui o

ápice da configuração do insólito na novela.

Concluímos, assim, que a obsessão do autor pelo ocultismo e

pelos mistérios do universo traduz-se nas personagens e

acontecimentos insólitos de seus livros, mas é, com certeza, o seu

domínio da narrativa e a sua capacidade de despertar no leitor um

misto de curiosidade e medo que conferem aos seus textos um lugar

de destaque na literatura de horror do século XIX.

COHEN, Jeffrey J. (1996). “Monster Culture (Seven Theses)”. In: Monster

Theory: Reading Culture. Minnesota: University of Minnesota Press.

ECKERSLEY, Adrian. (1992). “A Theme in the Early Work of Arthur Machen: Degeneration”.

English Literature in Transition – 1880-1920 , 35(3), 277–287.

797

LOVECRAFT, Howard Phillips (2008). O horror sobrenatural em literatura.

Tradução: Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Iluminuras.

MACHEN, Arthur (1894). The Great God Pan. The Project Gutenberg EBook.

In https://www.gutenberg.org/files/389/389-h/389-h.htm Acesso em

20.Jun.2016.

______. (1986). O grande deus Pã. Tradução: E. Leão Maia. Lisboa: Vega.