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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE DANIEL CAMILO MARQUES DE REZENDE Significação, discurso e relevância: uma análise da construção dos sentidos e da persuasão em anúncios publicitários São Paulo 2016

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

DANIEL CAMILO MARQUES DE REZENDE

Significação, discurso e relevância: uma análise da

construção dos sentidos e da persuasão em

anúncios publicitários

São Paulo

2016

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DANIEL CAMILO MARQUES DE REZENDE

Significação, discurso e relevância: uma análise da construção dos sentidos e da persuasão em

anúncios publicitários

Dissertação apresentada à banca de defesa

como requisito parcial para obtenção do grau

de Mestre em Letras, no Programa de Pós-

Graduação em Letras do Centro de

Comunicação e Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie.

Orientador: Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista

São Paulo

2016

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R467s Rezende, Daniel Camilo Marques de. Significação, discurso e relevância : uma análise da construção

dos sentidos e da persuasão em anúncios publicitários / Daniel Camilo Marques de Rezende – São Paulo , 2016.

102 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.

Orientador: Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista Referência bibliográfica: p. 96-100

1. Discurso publicitário. 2. Cenas de enunciação. 3. Teoria da

relevância. I. Título.

CDD 401.41

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DANIEL CAMILO MARQUES DE REZENDE

Significação, discurso e relevância: uma análise da construção dos sentidos e da persuasão em anúncios

publicitários

Dissertação apresentada à banca de defesa como

requisito parcial para obtenção do grau de Mestre

em Letras, no Programa de Pós-Graduação em

Letras do Centro de Comunicação e Letras da

Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Aprovado em: __ /__ /__, São Paulo.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Profa. Dra. Regina Helena Pires de Brito

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. Luciano Magnoni Tocaia

Universidade Federal de Minas Gerais

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A meus pais (Lester e Arlete) e a

meus irmãos (Augusto e Levi). A

cada dia, aprendo mais com vocês.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Senhor do meu viver, que me capacita, sustenta e conduz.

Agradeço a minha família, constante fonte de apoio e encorajamento. Essa

conquista também é de vocês.

Agradeço aos meus amigos, cujas companhias trazem alegria e prazer à

caminhada. Vocês são irmãos para mim.

Agradeço ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista, a quem

muito admiro, quem tanto me ensinou, e em quem me espelho como profissional.

Sem sua orientação, desde a graduação, não chegaria onde estou.

Agradeço a tantos outros professores, fundamentais na minha formação. Em

especial, ao Prof. Dr. Luciano Magnoni Tocaia, por tão atenciosos comentários e

generosa contribuição para o desenvolvimento da pesquisa, em banca de

qualificação. À Prof. Dr. Regina Helena Pires de Brito, pela amabilidade com que

nos recebeu no início da graduação, e por aceitar fazer parte, agora, da conclusão

deste ciclo.

Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a execução deste

trabalho, dividiram esses momentos comigo e se alegram com o resultado.

Agradeço à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo),

pelo financiamento da pesquisa, inscrita sob o processo nº 2014/07446-7.

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Então, vi que a sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia,

quanto a luz traz mais proveito do que as trevas. (Salomão)

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RESUMO

Esta pesquisa, financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de São Paulo), sob o nº 2014/07446-7, tem como objetivo observar como se

dá a produção dos sentidos e a busca pelos efeitos de persuasão no discurso

publicitário. A partir de duas linhas teóricas distintas, da Análise do Discurso e da

Pragmática, buscou-se analisar as peças publicitárias televisivas – objeto de estudo

adotado –, observando de que forma a sua elaboração (a linguagem empregada, o

processo de construção das suas cenas, as informações implicitadas) e sua forma

de transmissão das mensagens são pensadas de modo a levar seu público a

realizar o que está sendo proposto. Por meio de conceitos como cenas enunciativas,

ethos, relevância, inferência, foi possível evidenciar como cada campanha adota

procedimentos específicos em função da audiência que pretende persuadir,

explorando tanto os elementos típicos da organização discursiva – como interação

verbal entre os sujeitos usuários da linguagem, inseridos em situações e contextos

específicos de práticas comunicativas, ancoradas em uma dimensão social, histórica

e ideológica – quanto os procedimentos cognitivos de compreensão, guiados pela

relevância, e os cálculos inferenciais dedutivos.

Palavras-chave:

Discurso publicitário; cenas da enunciação; teoria da relevância.

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ABSTRACT

This research, financed by FAPESP (São Paulo Research Foundation), under No.

2014/07446-7, has as its main goal the observation of the production of meaning and

the search for effects of persuasion in the advertising discourse. Based on two

distinct theoretical streams, Discourse Analysis and Pragmatics, we sought to

analyze television advertisements – adopted as study object –, observing how its

elaboration (the language used, the process of construction of the scenes of

enunciation, the implicated information) and its way of transmitting the messages are

designed in order to make your audience attend to what is being proposed. Through

concepts like enunciation scenes, ethos, relevance, inference, it was possible to

demonstrate how each campaign adopts specific procedures depending on the

audience it wants to persuade, exploring both the typical elements of discursive

organization – seen as verbal interaction between the language users, inserted in

specific situations and contexts of communicative practices, anchored in a social,

historical and ideological dimension – and the cognitive procedures of

comprehension, guided by relevance, and the deductive inferential calculations.

Key-words:

Publicity discourse; scenes of enunciation; relevance theory.

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Lista de Ilustrações

Figura 1: Cena (1) do comercial da campanha "Março Imbatível". 24

Figura 2: Cena (1) do comercial da campanha "Dueto". 25

Figura 3: Cena (1) do comercial da campanha "Revoluções". 26

Figura 4: Exemplos de gêneros discursivos contidos na Cena Englobante Política. 35

Figura 5: Exemplos do gênero receita médica. 37

Figura 6: Cena (2) do comercial da campanha “Março Imbatível”. 44

Figura 7: Cena (2) do comercial da campanha "Dueto". 50

Figura 8: Cena (2) do comercial da campanha "Revoluções". 57

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SUMÁRIO

Introdução

10

1. 1. Discurso publicitário, cenas da enunciação e ethos 2.

31

2.1. 1.1 A prática discursiva 2.2.

32

2.3. 1.2 Cenas da enunciação e Ethos 2.4.

34

2.5. 1.3 A linguagem publicitária: cenas englobante e genérica 2.6.

39

2.7. 1.4 As cenografias das peças publicitárias 2.8.

44

3. 2. Discurso publicitário, cognição e relevância 4.

64

4.1. 2.1 Uma abordagem pragmática da linguagem 4.2.

65

4.3. 2.2 A Teoria da Relevância 4.4.

75

4.5. 2.3 As peças publicitárias e seus sentidos pela Teoria da 4.6. Relevância 4.7.

83

Conclusão

90

Referências

95

Anexo 100

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INTRODUÇÃO

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Esta pesquisa se debruça sobre o tema da construção dos sentidos e da persuasão,

especificamente no discurso publicitário, abarcando em seu paradigma conceitual os

processos de significação, a cognição humana, o conceito de relevância e a

dimensão discursiva de nossas práticas comunicativas. Para tal, nosso objeto de

análise são peças publicitárias veiculadas na mídia televisiva. Esse material será

analisado na perspectiva dos estudos da pragmática, mais especificamente a partir

de algumas das proposições de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2005) reconhecidas

como Teoria da Relevância, e dos estudos do discurso, na perspectiva adotada por

Dominique Maingueneau (1998, 2004, 2008a,b) e sua proposta teórica de Cenas da

Enunciação.

O problema central da pesquisa pode ser configurado na seguinte indagação: De

que modo o discurso publicitário elabora e constrói suas mensagens para persuadir

o seu destinatário e o levar a realizar o que o discurso propõe?

Esse questionamento possibilitou que as seguintes hipóteses fossem consideradas:

a) práticas discursivas são organizadas como cenas, nas quais os enunciados

situam-se em domínios discursivos que legitimam nossa interação verbal, ao mesmo

tempo em que orientam nossas escolhas de linguagem para a produção de sentidos;

b) o discurso publicitário (pertencente a um domínio discursivo e a um gênero

especificamente elaborado tendo em vista uma interação específica) centra-se na

persuasão, sendo assim, a elaboração de uma peça publicitária deve levar em conta

o convencimento do destinatário; c) o processo comunicativo, concretizado por meio

do discurso e seus usuários, é orientado não só por elementos sociais, linguísticos,

ideológicos, mas também por procedimentos cognitivos específicos, pois os

interlocutores tendem a selecionar na interação verbal aquilo que consideram como

mais relevante.

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A partir dessas hipóteses, considerou-se que a construção discursiva das

mensagens publicitárias leva em conta o realce de elementos e fatores que possam

de forma otimizada atrair a atenção do destinatário das mensagens.

A linguagem humana, pela sua própria complexidade, pode ser descrita, analisada e

interpretada pelos pesquisadores que a tomam como objeto privilegiado de

observação científica por meio de diferentes pontos de vista e perspectivas teóricas.

Essa diversidade vem dando corpo a uma história de longa data, configurando o que

hoje podemos nomear como a história do conhecimento linguístico ou a história dos

estudos sobre a linguagem (BATISTA, 2013). Desde o início das reflexões dos

homens sobre a linguagem, os olhares que foram lançados para os fenômenos

linguísticos, na tentativa de compreendê-los, acabaram por definir diversos

caminhos para os estudos sobre a linguagem. Essa trajetória, portanto, é constituída

de continuidades e descontinuidades de teorias e métodos, colocando em destaque

ora a forma linguística, ora as funções que essas formas linguísticas executam

quando inseridas em contextos de uso das línguas.

Nesse desenrolar de uma corrente histórica plural, pode-se observar o

desenvolvimento de diferentes visões sobre a linguagem, muitas das quais

interessadas na língua como elemento abstrato e específico da espécie humana,

que deveria ser analisado apenas em sua constituição estrutural ou mesmo mental e

biológica. De fato, essa perspectiva foi dominante em boa parte da linguística

contemporânea pós-Saussure, que só veria descontinuidades nesses modos de

tratamento da linguagem quando o falante e o contexto de uso das línguas seriam

recolocados em posto de observação científica, a partir do momento em que

rupturas na ciência da linguagem passaram a observar o homem, a enunciação, a

sociedade, o texto e os discursos (ALLAN, 2013; KOERNER & ASHER, 1995;

NERLICH & CLARKE, 1996).

Essa virada do pensamento linguístico do século XX começou a se configurar a

partir da década de 1960, que testemunhou o início dos Estudos do Discurso, como

a Análise de Discurso de Linha Francesa, e da Pragmática como campo de estudos

na ciência da linguagem, áreas nas quais se insere o referencial teórico principal

desta pesquisa.

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Este estudo, então, leva em conta as diretrizes teórico-metodológicas que tomam o

discurso publicitário como objeto de análise, especificamente as propostas por

Dominique Maingueneau (1998, 2004, 2008a,b) e seus conceitos de cenas da

enunciação e ethos1.

A partir dessa visão discursiva da linguagem, discurso é visto como resultado e, ao

mesmo tempo, elemento instaurador da prática social de produção de textos, ou

seja, ele é gerado num contexto de interação social entre falantes, no qual as falas

são encenadas, regidas por normas socialmente estabelecidas.

Maingueneau (2004, 2008a,b) afirma que, para compreender o sentido de um

discurso, o ouvinte deve antes reconhecer as cenas da enunciação em que ele se

insere. Essas cenas se dividem em três – cena englobante, cena genérica e

cenografia –, uma hierarquicamente contida na outra, e regulam a organização dos

discursos em relação aos seus tipos, gêneros e imagens simbólicas criadas.

Ainda dentro dessa perspectiva, o conceito de ethos se configura como a imagem do

enunciador no próprio enunciado. Segundo Maingueneau (2004, 2008a,b), toda

fala/discurso pressupõe a existência de uma voz que a enuncia, e que exerce a

função de fiador do que é dito. Essa imagem do orador é apreendida pela forma com

a qual ele elabora seu discurso, os argumentos usados, a entonação e o ritmo

empreendidos, a escolha das palavras, entre outros elementos.

Primeiramente elaboradas, na tradição dos estudos textuais e discursivos, para

análise da linguagem verbal, propostas de análises discursivas se ampliaram

consideravelmente em direção ao exame de outros tipos de discurso, como aqueles

que se configuram em linguagem sincrética. Desse modo, como já de certo modo

insinuava Maingueneau em algumas de suas análises2, considera-se pertinente que

1 Considerando a produtividade e a presença do conceito de ethos nos estudos discursivos em língua

portuguesa no Brasil, e a recorrência do uso do termo teórico, a grafia utilizada neste trabalho será sem destaque para a palavra. 2 Maingueneau (2004, p. 91; 97) inclui em sua análise outros elementos além do verbal, como a

apontar que sua análise também se aplica a outros sistemas de significação que não exclusivamente o da linguagem verbal. Em especial, no emprego da categoria de análise ethos, Maingueneau se vale, em sua análise, de elementos além dos verbais. Além disso, no tratamento do discurso literário, os conceitos de cronografia e topografia, em que a consideração de coordenadas discursivas amplia consideravelmente as possibilidades de seleção de materiais de análise, englobando outras semióticas (cf. a concretização dessa possibilidade analítica no texto de Mussalim (2015)). Ainda nesse sentido, é importante frisar a seguinte passagem, na qual Maingueneau aponta a possibilidade do uso de seu aparato conceitual e metodológico para outras linguagens além da verbal (o destaque na citação é nosso): “Também não consideramos a dimensão icônica (fotos, desenhos, esquemas,

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diretrizes teórico-metodológicas de estudos do discurso sejam aplicadas também

para análise de outros modos de expressão, como a linguagem visual, a linguagem

gestual, a linguagem das cores e dos sons (cf., por exemplo, a abordagem de uma

peça musical feita por MUSSALIM, 2015). Dialogando com esse posicionamento,

este trabalho adota o referencial teórico assumido por Maingueneau, inicialmente

elaborado para estudos discursivos da linguagem verbal, também para observar

como outras linguagens atuam em paralelo com a linguagem verbal para a produção

de sentidos em contextos específicos de interação verbal. Nesse sentido,

entendemos que, na formulação teórica de cenas da enunciação, o conceito de

cenografia pode incluir a análise de outros elementos que não aqueles

exclusivamente expressos na linguagem verbal, seguindo caminho aberto pelas

palavras de Maingueneau:

E compreensível que os linguistas resistam a semiotica; de fato, o exemplo do estruturalismo mostrou que um esforço para aproximar a analise da linguagem verbal e os domínios semioticos não verbais conduziram facilmente a perda de vista das propriedades específicas das línguas naturais. A AD não tem o mesmo problema, na medida em que ela trabalha sobre textos que são realidades sempre plurisemioticas. Seja no texto oral, em que é preciso, em particular, prender por completo a dimensão gestual, ou no escrito, cuja materialidade tem sempre algo a ver com uma imagem. De toda maneira, o analista do discurso não pode jamais tratar da língua “pura”. O analista do discurso que estuda a publicidade, por exemplo, é obrigado a apelar aos conhecimentos da semiotica da imagem, mas no interior de um quadro que foi definido pela AD. (Trecho de resposta de Dominique Maingueneau a uma entrevista concedida à Revista Virtual de Estudos da Linguagem - Revel, v.4, n. 6, março de 2006).

A base teórica desta pesquisa também está alicerçada na Pragmática, que estuda a

linguagem em uso, observando a relação entre a estrutura da língua e os processos

de enunciação que colocam essa estrutura em funcionamento (ARMENGAUD, 2006;

BATISTA, 2012; HUANG, 2007; LEVINSON, 2007). Dentre os fenômenos

linguísticos de interesse dos estudos da Pragmática estão os enunciados

performativos, os constatativos e os atos de fala resultantes do uso desses

enunciados (AUSTIN, 1990; SEARLE, 1981); o princípio de cooperação, que rege as

trocas conversacionais e as máximas que garantem a eficácia da interação verbal

paginação...) dos textos, de forma a nos concentrar unicamente na matéria verbal. Mas trata-se apenas de uma escolha didática: um texto publicitário, em particular, é fundamentalmente imagem e palavra; nele, até o verbal se faz imagem” (MAINGUENEAU, 2004, p. 12).

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(GRICE, 1989). Esses objetos e pressupostos teóricos constituem, por assim dizer,

uma feição clássica da Pragmática, que tomou forma pelas contribuições de Austin,

Searle e Grice, principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Na década de 1980,

essa dimensão clássica do campo pragmático de estudos sobre a linguagem

testemunhou a presença de rupturas e a proposição de novas miradas teórico-

metodológicas. Nesse recorte histórico, a Teoria da Relevância (SPERBER &

WILSON, 1986, 1995, 2005) foi proposta como uma revisão das contribuições de

Grice e seu Princípio de Cooperação3.

A Teoria da Relevância, desenvolvida em 1986 por Dan Sperber e Deirdre Wilson,

teve por base as ideias do filósofo Paul Grice e, delas se distanciando, estabeleceu

uma descontinuidade teórica dentro dos estudos pragmáticos. Para a Teoria da

Relevância, a interação verbal não funciona baseada unicamente em um sistema de

codificação e decodificação, o modelo clássico de comunicação por código, mas em

um sistema inferencial de comunicação, em que o falante emite evidências (inputs)

sobre o significado que pretende transmitir, e cabe ao ouvinte participar ativamente

para captá-las e transformá-las em significação. Diferentes críticas e revisões foram

feitas para a proposta inicial de Sperber e Wilson, em geral destacando a ausência

de um componente social na teoria. Comentaremos sobre essas críticas no capítulo

em que se fará a análise a partir da Teoria da Relevância.

As considerações teóricas da Teoria da Relevância têm implicações práticas para

uma análise pragmática do uso da linguagem em diferentes contextos, com a

utilização de diferentes gêneros discursivos em variados domínios institucionais em

que se coloca em funcionamento a interação verbal, pois a perspectiva teórica

adotada compreende o processo comunicativo e a produção de sentidos a partir de

uma visão que considera a troca de linguagem como uma complexa relação entre

falantes e interlocutores, entre contextos e expectativas criadas em torno da busca

pela significação.

3 Há diferentes estudos realizados no âmbito da Teoria da Relevância, como afirmam Rauen e

Silveira (2005, p. 9), na apresentação de um volume especial do periódico Linguagem em (Dis)curso: “Hoje é objeto de estudos e pesquisas em artigos, livros, revistas e periodicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, seminários, cursos, palestras, em diversas áreas, especialmente as da Linguística, Literatura, Psicologia e Filosofia”.

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Também não se deve considerar que a Teoria da Relevância se limite a análises

apenas da linguagem verbal4. Como o posicionamento teórico aponta para a

observação de diferentes pistas e evidências produzidas para que os interlocutores

possam captar as informações mais relevantes transmitidas nos processos

comunicativos, diferentes linguagens, em ação em gêneros específicos, precisam

ser consideradas em uma análise linguística. Não estamos isolados nesse

posicionamento, pois já há um número considerável de trabalhos que colocam no

escopo de uma análise em Teoria da Relevância linguagens que não

exclusivamente a verbal, como fazem, por exemplo, ao analisar o discurso

publicitário, Silveira & Ibaños (2014), Xu & Zhou (2013), Pérez (2000). Ainda a

reforçar nossa escolha, cabe mencionar que o manual didático, de introdução à

Pragmática pela perspectiva da Teoria da Relevância, escrito por Blakemore (2003),

aponta a possibilidade da proposta de Sperber e Wilson ser empregada em análises

de textos literários, da poética, da linguagem metafórica e também da linguagem

visual.

Dentro dessa dimensão teórica, a associação entre a análise discursiva, a

observação pragmática e o discurso publicitário justifica-se, pois, ainda que o

discurso publicitário possa ser visto apenas como máquina de venda e produção de

lucro, parte-se também do pressuposto, com Lara (2011), de que a publicidade é um

espelho do mundo contemporâneo, atuando, portanto, como uma espécie de olho

comum de uma sociedade que determina o que lhe é relevante ou não.

Assim, as peças publicitárias tornam-se um exemplo da linguagem em uso, fazendo

delas material adequado para uma análise demonstrativa da aplicação e utilização

da Teoria da Relevância, tendo como objetivo colocar em destaque o poder

explicativo da proposta teórica de Sperber e Wilson, sem deixar de considerar que

essas peças se constituem como discurso, materializado especificamente em peças

publicitárias, que pertencem a um domínio e a um gênero discursivos específicos,

elaboradas tendo em vista seus objetivos persuasivos a partir da produção e difusão

de imagens simbólicas (cenas da enunciação e ethos, de acordo com as propostas

de Maingueneau).

4 “Sperber e Wilson apresentam sua teoria como um modelo geral capaz de explicar qualquer tipo de

comportamento ostensivo e não apenas a comunicação verbal.” (ANDRADE, 2001, p. 165, ênfase adicionada)

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Pelo que foi exposto, esta análise propõe uma complexa configuração teórico-

metodológica, ao associar, como instrumentais de análise, elementos de uma

análise discursiva na perspectiva de Maingueneau e elementos de uma análise

pragmática. A polêmica concentra-se, essencialmente, na conhecida distinção que

se costuma postular entre análise discursiva e análise pragmática, tendo em vista o

papel do sujeito da linguagem que cada um dos campos teóricos delimita.

Para uma certa análise do discurso (raiz do pensamento de Maingueneau) o sujeito

da linguagem é assujeitado, um efeito de sentido. Nessa mirada não há

possibilidade de considerar uma autonomia desse produtor de linguagem em torno

de intencionalidades, por exemplo. Já para uma análise pragmática, esse sujeito

enunciador da linguagem possui uma competência comunicativa que lhe possibilita

transitar nos processos comunicativos com certa autonomia, no sentido de que lhe é

facultada a possibilidade de imprimir a seus discursos intencionalidade5.

Dessa maneira, como analisa Possenti (1996), a quem seguimos para justificar

nosso posicionamento teórico-metodológico, haveria entre esses dois campos de

análise uma incomensurabilidade6. No entanto, na linha de reflexão de Possenti

5 “Se definirmos a pragmatica pela sua via mais classica, relembrando Morris, falar da relevância de

fatores pragmáticos será postular a necessidade de levar em conta o papel do próprio falante na análise de fatos da linguagem. De uma certa maneira, poder-se-ia dizer que a AD faz a mesma coisa, e, por isso, ela nem deveria distinguir-se da pragmática. De fato, há análises de discurso que se distinguem da pragmática basicamente porque tomam textos como seus objetos de análise, ao invés de enunciados mais simples. Mas, há uma análise do discurso que quer distinguir-se, e se distingue efetivamente da pragmática – teórica e ideologicamente -, em grande parte como decorrência de uma diferente concepção desse mesmo falante – pela diferença de discurso sobre o sujeito. A AD, por ser marcada pelo estruturalismo, pela psicanálise e pelo marxismo [...], se caracteriza, em sua relação com a pragmática, por uma recusa total de determinados ingredientes que são fundamentais para essa última. Sumariamente: para a pragmática, a relação do falante com a língua é postulada de forma não só a permitir, mas a exigir que o falante individual (falante ou ouvinte) seja concebido como detentor de um certo conhecimento em relação à língua e às circunstâncias de utilização da língua, sendo, por isso mesmo, capaz de realizar, na posição de ouvinte/leitor, cálculos relativamente sofisticados (e relativamente conscientes) a partir dos quais, por exemplo, seleciona, dentre os fatores do contexto, aqueles que são relevantes para interpretar adequadamente uma certa sequência linguística e, simetricamente, na função de falante/autor, sendo capaz de realizar um cálculo semelhante, para escolher as formas mais adequadas para obter os efeitos que deseje da forma mais eficaz possível, em função de suas intenções.” (POSSENTI, 1996, p. 76) 6 “Tal incomensurabilidade pode ser facilmente atestada. Dou exemplos: ao falar de texto ou de

discurso os analistas de discurso tematizam o interdiscurso, a polifonia, o processo histórico de produção; os ‘pragmaticistas’ tematizam a coesão, a coerência, o processo interpessoal de produção e compreensão. Categorias relevantes para os analistas do discurso são o pré-construído, a memória discursiva; para os ‘pragmaticistas’, a memoria de curto ou longo prazo, o conhecimento partilhado. A pergunta que me faço é se cada um dos programas pode, sem perdas relevantes, dispensar-se de considerar as propriedades do acontecimento discursivo que o outro campo considera constitutivas.” (POSSENTI, 1996, p. 74)

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(1996), esse limite extremo entre uma certa análise de discurso e uma certa análise

pragmática pode ser ultrapassado, em nome de uma abordagem que procure de fato

identificar aspectos analíticos em textos e discursos, sem que se corresse o risco da

criação de um aglomerado sem sentido de teorias e métodos. Como afirma o

linguista aqui citado, “se os objetos são complexos, as teorias não podem ser

simples e que teorias locais (ou teorias auxiliares) são uma tradição na história das

ciências” (POSSENTI, 1996, p. 71).

Ainda nesse sentido, cabe mencionar que há já uma destacada tradição de estudos

pragmáticos que se constituem em diálogo com os estudos do discurso. Veja-se, por

exemplo, a publicação organizada por Louis de Saussure e Peter J. Schulz para o

periódico Pragmatic Interfaces, editado pela prestigiosa editora holandesa John

Benjamins. No volume 15 ha textos como os de Ruth Wodak (“Pragmatics and

Critical Discourse Analysis: A cross-disciplinary inquiry”) e de Louis de Saussure

(“Procedural Pragmatics and the Study of Discourse”) que nos indiciam a

produtividade do diálogo entre as áreas7. Além disso, também podemos apontar a

publicação do volume 8 da série, publicada pela mesma John Benjamins,

Handbooks of Pragmatics Highlights, editado por John Zienkowski, Jan-Ola Ostman

e Jef Verschueren. O volume aponta para a produtividade dos estudos que se

inserem em região de interface entre a Pragmática e a Análise do Discurso, além

dos diálogos com a Análise Conversacional, a Análise Crítica do Discurso e outras

perspectivas de análise textual-discursiva.

Ainda nesse sentido, lembramos que Maingueneau (2004) nos oferece outra

abertura para o diálogo quando em Análise de textos de comunicação trata do que

ele denomina como leis do discurso, retomando, para isso, a proposta pragmática de

Grice e suas máximas conversacionais. Ampliando essa perspectiva, se a Teoria da

Relevância se constrói a partir do desenvolvimento de um dos pontos elencados por

Grice em seu princípio de cooperação – a máxima da relevância – por que não

colocar a proposta de uma teoria da relevância em diálogo com essas leis do

7 “[...] a theory of context combined with a theory on the semantic-pragmatic interface should prove

sufficient to explain discourse, in whichever sense, along the idea that discourse should be viewed as a process, not as a whole, following the claims of a number of scholars in the field.” (SAUSSURE, 2007, p.139). Em uma tradução livre: “uma teoria do contexto associada a uma teoria na interface (intersecção) da semântica com a pragmática deve se mostrar suficiente para explicar discurso, em qualquer que seja o sentido, tendo em vista a ideia de que discurso deve ser visto como um processo, e não algo terminado, de acordo com as asserções de diversos pesquisadores da area.” (tradução nossa).

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discurso dimensionadas por Maingueneau, que, em sua análise discursiva, trata

também da polidez, outro tópico clássico dos estudos pragmáticos.

Partindo, portanto, desse posicionamento, consideramos que a configuração de

nosso corpus de análise é complexa, e essa complexidade deve ser tomada em sua

globalidade, tendo em vista alcançar, o máximo possível, uma análise que possa

evidenciar os efeitos de sentido gerados pela presença dos discursos nas práticas

comunicativas. De outro modo não poderia ser, pois, continuando com Possenti, “é

especialmente em teorias que consideram constitutiva a ideia da dispersão dos

discursos que seria estranho que as teorias dos outros ou as outras teorias não

pudessem ser consideradas e, mesmo, parcialmente apropriadas” (POSSENTI,

1996, p. 72).

Na seleção do referencial teórico que sustenta nossa proposta de análise, essa

junção entre Análise do Discurso e Pragmática nos é possível, pois consideramos a

existência de uma competência comunicativa do falante/ouvinte (alicerçada no

conhecimento linguístico, no conhecimento enciclopédico e no conhecimento das

relações intertextuais e interdiscursivas), de caráter cognitivo, linguístico e

discursivo.

Essa competência comunicativa está, a nosso ver, necessariamente ancorada em

uma dimensão social e ideológica de uso da linguagem, da qual faz parte,

possibilitando a interação verbal entre os sujeitos usuários da linguagem, inseridos

em situações e contextos (textuais, discursivos, cognitivos, sociais, históricos)

específicos de práticas comunicativas. Se há intenções nos atos de fala dos

falantes, essas estão, também necessariamente, inseridas em um complexo de

natureza social que permite que elas sejam consideradas e elaboradas pelos

interlocutores envolvidos em interações específicas de práticas discursivas. Desse

modo, o conhecimento de mundo que alicerça uma competência comunicativa

(elemento que podemos associar ao âmbito dos estudos pragmáticos) é,

fundamentalmente, interdiscursivo, heterogêneo e social (elementos que podemos

associar ao âmbito dos estudos do discurso). E ainda para alicerçar teoricamente

essa nossa opção, citamos Possenti:

Seria uma perda para uma teoria da linguagem se ela desprezasse esta estreita conexão entre um falante individual e sua língua pela invocação do fato irrefutável de que a língua é social e histórica...

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Como se, para invocar um papel ativo para o sujeito falante, fosse necessário supor que então ele estivesse fora da história. Penso que as oposições relevantes (e baseadas em boa lógica) são oposições do tipo “o sujeito faz vs. o sujeito não faz”, “sabe vs. não sabe”, “é individual vs. é social”, e não, por exemplo, “o sujeito sabe vs. é social”, como se o fato de alguém ser social implicasse em que não pode conhecer; ou se o fato de atribuir-se uma ação a alguém devesse implicar que ele não é social. Qual a incompatibilidade entre ser social e ser ativo? Qual a incompatibilidade entre ser “clivado”, dividido, e poder conhecer, ter experiências relevantes? (POSSENTI, 1996, p. 81)

Colocar em diálogo uma perspectiva discursiva e uma perspectiva pragmático-

cognitiva vai ao encontro de nosso interesse de analisar uma peça publicitária nas

diferentes dimensões que ela implica. Há uma dimensão discursiva dos anúncios

publicitários, pois são discursos que funcionam em práticas interacionais

específicas, mobilizando nossa memória discursiva, nossos arquivos textuais,

nossos valores diante dos sentidos que apreendemos e legitimamos pela nossa

atividade de leitor/espectador da linguagem. Do mesmo modo, há uma dimensão

pragmática desses anúncios, uma vez que eles agem nas interações verbais com

propósitos persuasivos, executando atos de fala que demandam atitudes

responsivas daqueles que são destinatários dos enunciados. Além disso, há também

uma dimensão pragmático-cognitiva, no sentido de que enunciadores desses

anúncios buscam elaborar seus discursos considerando conhecimentos

compartilhados no processo comunicativo, em um jogo que implica a presença de

pistas, de evidências que dirigem os coenunciadores para interpretações desejadas

em situações específicas de prática comunicativa.

A junção teórica que propomos procura lançar mão de elementos que, em conjunto,

podem contribuir para uma análise mais abrangente da produção de sentidos e dos

efeitos persuasivos nos anúncios publicitários. Desse modo, de uma análise

discursiva colocamos em funcionamento os conceitos e métodos que enfatizam o

aspecto social, histórico e ideológico das práticas discursivas, sempre circunscritas a

contextos específicos de interação verbal, em meio a domínios discursivos e

gêneros apropriados para as práticas de linguagem que possibilitam a ação humana

em toda sua multiplicidade e complexidade. Já a abordagem da pragmática em torno

do conceito de relevância, a partir da perspectiva essencialmente cognitiva de

Sperber & Wilson, contribui para que possamos analisar a produção de implícitos na

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linguagem e de que modo essa prática de uso linguístico realça informações no

processo comunicativo.

Assim, queremos insistir que a prática discursiva não é apenas uma atividade

localizada social, cultural, ideológica e socialmente, mas também está articulada a

uma série de conhecimentos de natureza cognitiva. Esses conhecimentos são

empregados pelos falantes em todas as situações comunicativas. Temos, portanto,

um ciclo que se fecha com a proposta de um posicionamento teórico-metodológico

que se define em dois caminhos que entendemos como complementares, pois

ambos apelam para uma noção ampla de conhecimentos que devem ser

compartilhados (seja em relação ao conceito de interdiscurso nas análises

discursivas, seja em relação ao conceito de compartilhamento cognitivo e relevância

na abordagem pragmática da Teoria da Relevância).

Sendo assim, cenas da enunciação e a relevância são elementos que dirigem a

análise aqui estabelecida, colocando em diálogo, como proposta de pesquisa, uma

teoria que se ancora no social e no discursivo e uma outra teoria que se ancora na

prática de linguagem como atividade cognitiva. Na base dessa proposta, nossa

hipótese de que esse diálogo entre teorias pode revelar diferentes aspectos dos

anúncios publicitários, para, por fim, evidenciar que a produção de sentidos se dá

por diferentes e complexas vias.

As orientações introdutórias para conduzir o leitor no caminho adotado por esta

pesquisa não se encerram apenas nos aspectos anteriormente apontados, pois se

faz necessário destacar que, no âmbito dos estudos linguísticos, ainda é preciso

reforçar o lugar das abordagens que privilegiam, como objeto de descrição e análise,

não apenas a langue no sentido saussuriano ou a competence no sentido

chomskiano. Desde as rupturas teóricas da década de 1960, que asseguraram

pluralidade à Linguística, a outra face da linguagem, ignorada por uma série de

estudos de natureza estrutural e cognitiva, passou a ser considerada como objeto

legítimo de pesquisa e ensino. Desse modo, a parole saussuriana e a perfomance

chomskiana saíram de seus obscuros locais epistemológicos e passaram a ganhar

nova configuração teórica por meio dos estudos do texto, do discurso e dos

elementos pragmáticos da linguagem. Associado a essa nova mirada, muitas

perspectivas cognitivas sobre a linguagem também passaram a observar o processo

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comunicativo em nova chave, aliando estudos do uso a estudos de cognição (como

faz a Teoria da Relevância).

Sendo assim, a execução deste trabalho encerra uma justificativa mais ampla em

sua realização, pois também pretende contribuir, nos limites de sua execução, para

uma série de estudos linguísticos que colocam no ponto principal de observação o

falante e a produção de sentidos, ambos contextualizados social, histórica e

ideologicamente.

E essa justificativa se coloca de forma destacada, uma vez que, se os estudos

linguísticos ainda precisam lutar por seu espaço e legitimidade em meio às ciências

naturais e exatas, em igual intensidade os estudos pragmáticos, outrora

considerados como a lata de lixo dos estudos linguísticos (em expressão já

tradicional), também ainda estão, em certa medida, em busca de reconhecimento da

validade de suas propostas descritivo-analíticas. Muito já se caminhou, como se

pode perceber, por exemplo, pela influência da Pragmática nos estudos gramaticais,

no ensino de língua e na produção de material didático, mas a construção de um

campo de saber é lenta e laboriosa. De modo compatível com sua caracterização e

seus limites, esta pesquisa procurou situar-se no panorama de desenvolvimento dos

estudos pragmáticos na linguística brasileira, colocando, para isso, o foco de

observação no comportamento humano, nas práticas comunicativas, na produção de

sentidos, que em última instância possibilitam aos falantes perceberem os mistérios

e poderes da linguagem.

Sendo assim, a partir das propostas teórico-metodológicas da Teoria da Relevância,

tal como apresentada por Sperber e Wilson (1986, 1995, 2005), e da Análise do

Discurso de Dominique Maingueneau (1998, 2004, 2008a,b) propôs-se uma análise

de peças publicitárias veiculadas na mídia televisiva para observar de que modo se

dá a produção de sentidos e a busca pelos efeitos de persuasão. Tendo em vista

esse objetivo geral, definiram-se os objetivos específicos da pesquisa:

a) analisar, a partir da observação das peças publicitárias escolhidas, como se

dá a formação de sentidos, à luz das propostas de Dominique Maingueneau a

partir dos conceitos de cenas da enunciação e ethos, procurando evidenciar a

construção dos efeitos persuasivos em cada peça;

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b) analisar, a partir da observação das peças publicitárias escolhidas, como se

dá a formação de sentidos, à luz da Teoria da Relevância, procurando

evidenciar a construção dos efeitos persuasivos em cada peça;

c) em termos de síntese, apresentar uma interpretação analítica da elaboração

dos sentidos e sua transmissão em práticas discursivas tendo em vista uma

perspectiva que coloque em diálogo as duas análises propostas em (a) e (b).

O método utilizado na execução desta pesquisa pode ser caracterizado em duas

perspectivas complementares: a) uma de natureza geral, comum a diversos

procedimentos científicos; b) outra de natureza mais específica, situada no âmbito

dos estudos linguísticos e suas diferentes propostas metodológicas para o

tratamento da linguagem.

Em termos gerais, no sentido apontado em (a), o método pode ser caracterizado

como hipotético-dedutivo, no sentido de que foi a partir de premissas teóricas da

Análise do Discurso (a partir das propostas de Dominique Maingueneau) e da Teoria

da Relevância que se fez a observação de discursos e processos comunicativos, ou

seja, de um conjunto de proposições teóricas partiu-se para a busca de dados que

pudessem evidenciar elementos presentes na configuração epistemológica de um

campo de estudo.

Já em termos de uma configuração metodológica mais específica para a pesquisa,

como apontado em (b) acima, este trabalho situa-se metodologicamente em uma

configuração de natureza qualitativa, e procurou, como característico nas

abordagens discursivo-analíticas de textos e discursos, observar a linguagem e seus

fenômenos em dois percursos, tais como apontados por Baxter (2010). Um deles

caracteriza-se como uma abordagem microanalítica, que examina aspectos

linguísticos do objeto. O outro é uma abordagem macroanalítica, que tem como

função situar observações analíticas de caráter mais formal, por assim dizer, em um

contexto mais amplo de uso da linguagem. O trabalho se desenvolveu tendo em

vista a correlação permanente entre essas duas dimensões, a micro e a

macroanalítica, que não são, em nenhum sentido, consideradas como separadas,

estanques, mas necessariamente implicadas uma na outra.

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Como objeto de análise para a pesquisa, foram selecionados três anúncios8

publicitários veiculados em rede nacional de televisão aberta, de três diferentes

campanhas publicitárias, com não mais do que um ano entre as datas de veiculação

dos anúncios.

A seleção optou por campanhas que anunciassem uma mesma categoria de

produto, para que se mantivesse uma certa regularidade quanto às características

apresentadas, motivo pelo qual todas as peças selecionadas fazem anúncio de

veículos automotivos urbanos. As peças, entretanto, apresentam uma diferença em

relação ao público-alvo da campanha, uma vez que os modelos de carros

apresentados são de classes econômicas diferentes: um modelo popular, um

modelo de classe média, e um modelo de classe alta.

Os comerciais escolhidos foram a peça da campanha “Março Imbatível”, da

montadora automotiva Volkswagen, estrelada por Leandro Hassum; a peça “Dueto”,

da campanha de lançamento do Novo Honda Fit, da montadora automotiva Honda; a

peça “Revoluções”, da campanha de lançamento do modelo HR-V, também da

montadora automotiva Honda. Cenas dos comerciais, com as respectivas fichas

técnicas dos filmes estão listadas abaixo:

1ª Peça:

Figura 1: Cena (1) do comercial da campanha "Março Imbatível".

8 O material de análise desta pesquisa será nomeado como anúncio publicitário televisivo e como

comercial publicitário televisivo – cada um com suas respectivas formas reduzidas (anúncio/comercial publicitário, anúncio/comercial televisivo e anúncio/comercial) –, ambos relacionados ao mesmo gênero discursivo específico, e peças publicitárias televisivas (e suas formas reduzidas), referindo-se ao mesmo objeto. A variação obedece apenas a um caráter estilístico de produção textual, para evitar recorrências demasiadas de itens e expressões lexicais.

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Ficha Técnica – “Março Imbatível”

Anunciante: Volkswagen Título: Março Imbatível Duração: 30” Produto: Varejo Diretor Geral de Criação: Luiz Sanches Diretor Executivo de Criação: Bruno Prosperi Criação: Ricardo Chester Produtora: Cine Cinematográfica Produtor executivo: Raul Doria e Waldemar Tamango Direção: Clovis Mello Fotografia: Jean Benoit Montador / Editor: João Branco / Clovis Mello Finalizadora: Cine X Rtvc: Vera Jacinto, Elisa Mello, Rafael Azevedo, Diego Villas Boas Trilha / Locutor: Equipe Raw / Edu Muniz Atendimento: Filipe Bartholomeu, Christiano Bock, Johana Quintana e Henrique Espíndola Planejamento: Cintia Gonçalves, Sergio Katz, Marcus de Freitas e Rodrigo Friggi Mídia: Brian Crotty, Fabio Urbanas, Peterson Fernandes, Yatan Cenciales, Marina Campanatti e Patricia Pillan Aprovação: Axel Schroeder, Leandro Ramiro e Fabio Souza

2ª Peça:

Figura 2: Cena (1) do comercial da campanha "Dueto".

Ficha Técnica – “Dueto”

Agência: F/Nazca Saatchi Saatchi Título: Dueto Cliente: Honda Produto: Honda Fit Categoria: Televisão 1ª Veiculação: 9 de Agosto de 2014 Duração: 30"

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Direção Geral de Criação: Fabio Fernandes | Eduardo Lima Direção de Criação: Rodrigo Castellari | Pedro Prado Criação: Fabio Fernandes | Rodrigo Castellari | Pedro Prado Atendimento: Marcello Penna | Marco Piza | Florencia Lear | Valéria Coutinho Planejamento: José Porto | Dorian Dack | Douglas Nogueira | Caio Felipe Mídia: Fábio Freitas | Maurício Almeida | Luana Gallizzi | Henrique Fogaça | Vanessa Higueras RTV: Victor Alloza | Renato Chabuh | Gisele Campos | Maira Massullo | Rafael Paes Produtora do Filme: Paranoid Direção de Cena: Dulcidio Caldeira Direção de Fotografia: Marcelo Durst Direção de Arte: Muriel Rani Montagem: Alex Lacerda Produção Executiva: Egisto Betti Atendimento: Marcel Weckx Finalizador: Thiago Abe | Rui Fontes Pós Produção/Finalização: ClanVFX Produtora de Som: Tentáculo Produtor: Equipe Tentáculo Locutor: Deto Montenegro Atendimento: Equipe Tentáculo Aprovação Cliente: Sergio Bessa | Diego Fernandes | Odair Dedicação Junior | Wellington Queiroz | Wellinton Ribeiro

3ª Peça:

Figura 3: Cena (1) do comercial da campanha "Revoluções".

Ficha Técnica – “Revoluções”

Agência: F/Nazca Saatchi & Saatchi Cliente: Honda Automóveis Produto: Honda HR-V Título: “Revoluções” 1a Veiculação: 10/04/2015 Direção Geral de Criação: Fabio Fernandes | Eduardo Lima Direção de Criação: Rodrigo Castellari | Theo Rocha Criação: Eduardo Lima | Rodrigo Castellari | Theo Rocha | Toni Fernandes | Leandro Claret Atendimento: Marcello Penna | Marco Piza | Deborah Lia | Valéria Coutinho | Beatriz Altafini Mídia: Fabio Freitas | Mauricio Almeida | Luana Gallizzi | Vanessa Higueiras | Henrique Fogaça | Gabriela Guedes | Luiz Fernando

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Planejamento: José Porto | Guilherme Pasculli | Douglas Nogueira RTV: Victor Alloza | Renato Chabuh | Fernanda Sousa | Maira Massullo | Rafael Paes Produtora do Filme: Killers Direção de Cena: Claudio Borrelli Direção de Arte Cena: Paulo Ribeiro Direção de Fotografia: Ted Abel Produção Executiva: Julia Tavares Pós Produção/Finalização: Casablanca Produtora de Som: Tentáculo Áudio Maestro: Tentáculo Áudio Atendimento: Dani Scalice, Lígia Grammont e Luisa Paiva Gerente de Projetos: Aline Veríssimo | Junior Souza | Marcelo Silva | Patrizia Fiorentino Tecnologia: Jota Russo / Ariadne Gomes / Marcelo Arteiro UX: Ricardo Grego Produtora do Site: Slikland Creative Development Produtora de Áudio do Site: Satélite Áudio Conteúdo: Renato Pazikas Art Buyer: Edna Bombini Fotografia: Rafael Costa Ilustrações em 3D: Big Studio e Boreal Produção Gráfica: Jomar Farias / Leandro Ferreira / Guilherme Gaggl Aprovação Cliente: Roberto Akiyama | Tiago Mendes | Wellington Queiroz | Rodrigo Mejias | Wellinton Ribeiro

Sendo a linguagem em uso o escopo dos estudos pragmáticos e discursivos, a

seleção de material feita para o desenvolvimento da pesquisa teve, como critério

principal, a escolha de um objeto representativo dessa interação humana. Assim,

considerando Lara (2011), constatou-se ser a publicidade um produto prototípico da

comunicação humana, por funcionar como um reflexo das interações comunicativas

de uma sociedade, e o discurso publicitário como fonte adequada de pesquisa para

os estudos linguísticos discursivos e pragmáticos, por conter diversos mecanismos,

processos e funções da comunicação que interessam ao pesquisador dessa área.

Por esses motivos, foram adotadas como material de análise peças publicitárias.

Procurou-se ainda selecionar peças publicitárias recentes, de preferência veiculadas

durante o período de desenvolvimento da pesquisa, a fim de, dessa forma,

assegurar a atualidade e fidelidade da linguagem posta em prática nesses textos,

garantindo uma análise pertinente à comunicação contemporânea.

As peças publicitárias selecionadas são analisadas de acordo com o método

indicado, seguindo etapas de realização, como explicitadas a seguir. Após a

descrição do conteúdo das peças e da leitura da bibliografia teórica e de trabalhos

que tenham feito análises linguísticas com os mesmos referenciais teóricos, os

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objetos de análise foram observados, em termos de resultado final, tendo em vista

os seguintes aspectos:

a) Como os discursos são organizados em função das cenas da enunciação nas

quais eles se inserem (MAINGUENEAU, 2004, p. 86), verifica-se que o discurso

publicitário constrói diferentes cenografias, a fim de atingir os seus objetivos

persuasivos;

b) Como há uma tendência universal para maximizar a relevância nas trocas

comunicativas (WILSON & SPERBER, 2005, p. 227), verifica-se que os produtores

das peças publicitárias predisseram e manipularam estados mentais dos receptores,

no sentido de que eles tiveram de fazer escolhas para realçar os poderes

persuasivos do discurso publicitário;

c) Como há diferenças entre compreender e acreditar (WILSON & SPERBER, 2005,

p. 228), observa-se de que modo foram elaboradas e utilizadas estratégias

linguísticas, visuais e sonoras que possam indicar ao destinatário o que se quer

comunicar em essência por meio do discurso publicitário, ou seja, de que maneira o

discurso foi construído para fazer com que o destinatário captasse o que os

produtores da mensagem consideraram como essencial a ser transmitido. Essa

análise trata dos estímulos ostensivos utilizados pelo comunicador para atrair a

atenção de uma audiência e também leva em conta a série de inferências presentes

no processo comunicativo, que também contribuem para que o efeito persuasivo se

concretize;

d) Como o comunicador constrói sua mensagem atento a sua audiência, para que

ela perceba o que é relevante no processo comunicativo e o que merece ser

processado cognitivamente (WILSON & SPERBER, 2005, p. 229), analisa-se de que

modo foram empregadas estratégias linguísticas, visuais e sonoras para garantir nas

mensagens e na sua transmissão uma relevância ótima, tal como entendida pela

Teoria da Relevância (WILSON & SPERBER, 2005);

e) Como todo discurso institui um ethos enunciativo (MAINGUENEAU, 2004, p. 95),

que é a imagem do enunciador evidenciada no próprio enunciado, observa-se como

esse enunciador molda e se utiliza dessa imagem, construindo para si a imagem de

um fiador confiável, conferindo-lhe um maior poder persuasivo.

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Esses cinco aspectos conduzem a pesquisa em um procedimento metodológico, em

termos gerais, que parte da observação do material e, a partir desse primeiro passo,

executa as etapas necessárias para que o discurso publicitário (em sua

complexidade linguística, visual e sonora) – concretizado nas peças definidas como

material de observação e análise – possa ser visto e examinado à luz do referencial

teórico definido.

A execução da pesquisa seguiu o cumprimento de etapas de análise descritas a

seguir:

a) Estudo da linguagem publicitária e de seus objetivos e descrição das peças

publicitárias, dos elementos que a compõem e das condições que

possibilitaram sua criação e veiculação;

b) Análise das peças em relação a seus aspectos linguísticos e discursivos,

procurando apontar a circunscrição social desse discurso e seus valores

comunicativos e ideológicos;

c) Análise da produção de sentidos em cada peça publicitária selecionada,

levando em conta aspectos verbais e não verbais envolvidos nos processos

comunicativos relacionados à atuação do discurso publicitário quando

efetivamente colocado em funcionamento, a partir do momento em que as

peças são veiculadas na mídia televisiva. Essa análise, de acordo com a

teoria adotada, observará o que foi colocado em jogo em cada peça nos

processos comunicativos de codificação-decodificação e nos processos

comunicativos ostensivo-inferenciais.

O interesse geral desta pesquisa centra-se em apresentar um estudo de caso

ilustrativo da aplicação das teorias adotadas a todos os pesquisadores e

acadêmicos interessados na construção do pensamento, bem como na aplicação

prática do saber teórico fornecido pelos campos de estudo da Análise do Discurso e

da Pragmática.

O leitor vai perceber que optamos, neste trabalho, por uma apresentação teórica

conjunta à análise, em vez da separação de capítulos específicos de referencial

teórico e capítulos específicos de análise.

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O primeiro capítulo apresenta uma revisão teórica das propostas de análise

discursiva, segundo a perspectiva de Dominique Maingueneau (1998, 2004,

2008a,b), dando ênfase ao conceito de cenas da enunciação e ethos, por meio dos

quais se abordam os objetos de investigação selecionados. Em seguida, é feita uma

caracterização do discurso publicitário e suas cenas, observando-as no próprio

material de análise. Por fim, elabora-se uma descrição das cenografias criadas por

essas peças publicitárias, analisando seu papel nas estratégias persuasivas

adotadas em cada uma.

O segundo capítulo apresenta uma revisão teórica no campo da Pragmática,

começando por uma introdução à área, passando por uma de suas teorias mais

influentes, chegando, por fim, à apresentação e exposição da Teoria da Relevância,

de Sperber e Wilson (1986, 1995, 2005), e seus conceitos. Em sequência,

apresenta-se uma análise da produção dos sentidos nas peças publicitárias

escolhidas, com base nesse constructo teórico da relevância.

A conclusão apresenta uma síntese entre as análises feitas a partir das duas

perspectivas adotadas, procurando observar como as análises e as teorias foram

pertinentes no desenvolvimento dos objetivos propostos inicialmente.

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CAPÍTULO I

Discurso publicitário, cenas da enunciação e ethos

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1.1 A prática discursiva

A grande popularização, no meio acadêmico, do emprego do termo “discurso” se

deve em grande parte a uma alteração na concepção de linguagem influenciada por

“diversas correntes das ciências humanas reunidas frequentemente sob a etiqueta

da pragmatica”. E o que diz Dominique Maingueneau em Análise de textos de

comunicação (2004, p.52).

De fundamental importância para o desenvolvimento geral dos estudos em Análise

do Discurso, as contribuições e propostas teóricas de Maingueneau se mostram

úteis e oportunas para a análise de materiais diversos, justamente por trabalharem

com essa visão sócio-comunicativa da linguagem. Dessa forma, o autor aborda o

discurso como sendo uma prática social de produção de textos, destacando como

características essenciais o fato de ele: ser uma organização para além da frase; ser

orientado; ser uma forma de ação; ser interativo; ser contextualizado; ser assumido

por um sujeito; ser regido por normas; e ser considerado no bojo de um interdiscurso

(MAINGUENEAU, 2004).

Todos esses atributos derivam, primordialmente, da ideia de discurso como produto

da interação social. Como tal, ele implica necessariamente um sujeito, o

enunciador/falante, “fonte de referências pessoais, temporais, espaciais”

(MAINGUENEAU, 2004, p. 55), a quem se associam as marcas da enunciação EU-

AQUI-AGORA. Por consequência, estabelece-se o coenunciador dessa interação, o

TU (que pode ser tanto real quanto virtual, estar implícito ou explícito no texto), a

quem se dirige o discurso, e sobre quem o enunciador tenta agir por meio de seu

discurso (toda fala constitui “não apenas uma representação do mundo”, mas uma

forma de ação que “visa produzir uma modificação nos destinatarios”

(MAINGUENEAU, 2004, p. 53)). E ambos têm de existir em um contexto social,

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dentro do qual se estabelecem as normas que regem a construção do discurso, e

dentro do qual também é possível reconstruir o seu sentido.

Esse sujeito, sendo necessariamente social e histórico, é imbuído de ideologias, as

quais orientam, direta ou indiretamente, seu discurso. Faz-se, por isso, necessário

considerar os diversos discursos que o rodeiam e com os quais ele se relaciona

(quer contratualmente, quer polemicamente), que constituem o interdiscurso.

Na tentativa de definir discurso, Helena Brandão (in FIGARO, 2013) aponta três

características constitutivas desse objeto de estudo. Primeiramente, “ele ultrapassa

o nível puramente gramatical, linguístico” (BRANDÃO, 2013, p.19). O discurso se

estabelece não apenas em cima desses elementos linguísticos concretos, mas

também em aspectos extralinguísticos, que afetam diretamente sua produção e seus

efeitos.

Em segundo lugar, discurso “diz respeito a enunciados concretos, a falas/escritas

realmente produzidas (e não idealizadas, abstratas, como as frases da gramatica)”

(BRANDÃO, 2013, p.19). Ou seja, o discurso é uma manifestação do funcionamento

da língua e seu uso efetivo, pondo em jogo os usuários, situados social e

historicamente, e a produção de efeitos de sentidos entre eles.

Em terceiro lugar, ela afirma que:

No nível do discurso, portanto, o falante/ouvinte, escritor/leitor devem ter conhecimentos linguísticos, isto é, dominar a língua, suas regras, sua organização no nível fonológico, sintático e lexical e também conhecimentos extralinguísticos, necessários para produzir discursos adequados aos diferentes contextos de comunicação. (BRANDÃO, 2013, p. 20, grifo nosso)

Ou seja, o discurso deve, dessa forma, se adequar a esses diferentes contextos de

comunicação.

Observe como a autora, ao buscar estabelecer o que é discurso, não se propõe a

dar uma definição sólida de sua substância, mas, antes, o qualifica, classifica e

adjetiva, e, assim, vai delimitando sua natureza. E talvez seja esse mesmo o

caminho mais apropriado para definir um objeto tão fugaz, tão variável, e de tão

difícil apreensão.

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O discurso é o espaço onde língua e ideologia se conectam. Como uma espécie de

conceito obscuro, ele é, ao mesmo tempo, uma ação e um objeto, uma prática

social, que descreve a realidade, ao mesmo tempo que a constrói. Conforme

Maingueneau (1998, p.43), “esse termo designa menos um campo de investigação

delimitado do que um certo modo de apreensão da linguagem” (linguagem como

“atividade de sujeitos inscritos em contextos determinados”). Ele não é dado, mas

deve ser construído, a partir dos elementos pelos quais o percebemos (a

textualidade, os elementos extratextuais, a organização e o valor do gênero do

discurso, etc).

Nesse enquadramento, o texto é determinado como a materialidade linguística do

discurso, dotado de duas características constitutivas: sua unidade, ou seja, por

constituir-se de forma unificada, integrada e tecida, por meio dos processos de

coesão e coerência textual; e sua completude, ou seja, por apresentar-se como um

todo de sentido, capaz de expressar uma intenção comunicativa.

O texto funciona como uma espécie de vidro translúcido, através do qual

procuramos observar o discurso. Quando olhamos para o que está além do texto,

vemos a imagem refratada por meio da linguagem e de suas instituições próprias (o

que o texto diz e como ele faz para dizer). Dessa forma, o texto estará sempre no

meio, sempre entre o observador e o discurso, como uma barreira permeada de

sentidos, que se deve decifrar para chegar ao discurso.

A partir dessas considerações, Maingueneau define texto como sendo “[...] o rastro

deixado por um discurso em que a fala é encenada” (MAINGUENEAU, 2004, p. 85),

introduzindo, em sequência, o conceito de cenas da enunciação, o qual

adotaremos em nossas análises dos materiais selecionados.

1.2 Cenas da enunciação e Ethos

O conceito de cenas da enunciação propõe que os discursos, de modo geral, se

organizam em três tipos de cenas, as quais se compreendem hierarquicamente, nas

quais o ouvinte é inserido, e somente dentro das quais é possível interpretá-lo. São

elas a cena englobante, a cena genérica e a cenografia.

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A cena englobante é aquela que filtra a realidade dentro da qual o falante deve se

situar para interpretar um discurso, e é determinada pelo tipo de discurso ao qual ela

se associa. Uma produção pode estar associada, para dar exemplos, ao discurso

religioso, ou ao discurso publicitário, ou ao discurso político, etc. Ao analisar um

discurso de posse do presidente, um panfleto de candidato (os chamados

“santinhos”) ou um adesivo de carro (de campanha política), imediatamente

reconhecemos que estes são abarcados pela mesma cena englobante, a do

discurso político.

Figura 4: Exemplos de gêneros discursivos contidos na Cena Englobante Política.

Por ser a mais lato, a cena englobante é a mais fácil de se identificar. Assim, ao

receber, por exemplo, uma conta de luz em sua casa, o falante deve

automaticamente reconhecer que ela pertence ao tipo de discurso financeiro, e que,

portanto, é nessa cena englobante que ele deve se situar para interpretá-la.

Entretanto, apenas saber que a cena da enunciação de um enunciado financeiro é a

cena englobante financeira não significa muito. É necessário, também, ao falante,

reconhecer qual o gênero de discurso9 com o qual ele se depara, identificando sua

finalidade, suas características, os papéis que ele envolve, etc.

O conceito de gênero do discurso pode ser apresentado em uma dupla asserção:

gênero é tanto forma quanto conteúdo. Como aponta Francisco Alves Filho (2011),

por meio de uma metáfora, o gênero não deve ser visto apenas como um copo vazio

(forma), no qual se coloca o líquido que melhor lhe parecer; antes, mais apropriado

9 É importante notar que não nos deparamos com um discurso na realidade. O discurso é virtual, não

apreensível, como um objeto etéreo. O que encontramos são os gêneros discursivos, que apresentam conteúdo temático, estrutura composicional e estilo, e que são utilizados para manifestar um discurso.

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seria pensar nos gêneros como copos de suco, copos de água, copos de leite, etc,

os quais já trazem em si um valor, um conteúdo. Ele, no entanto, completa:

[...] é claro que podemos misturar um copo de suco com um copo de leite para produzir uma nova bebida e é isso que também se faz com os gêneros quando operamos misturas entre eles. (ALVES FILHO, 2011, p. 18)

Assim, depreendemos outra característica importante dos gêneros. Eles são

“mutaveis, variaveis, dinâmicos, as vezes até contraditorios e irregulares” (2011,

p.20). Por serem formas reguladoras por meio das quais os indivíduos interagem

entre si, os gêneros são tão diversos quanto as formas de interação humana, e

igualmente suscetíveis a mudanças.

Em síntese, Alves Filho diz que gêneros podem ser vistos como “formas de

organizar dinamicamente a comunicação humana e de expressar diversos

significados de modo recorrente” (2011, p.21), cujo funcionamento “inclui, além da

forma e dos conteúdos, valores, situações, ideologias e papéis sociais

representados por sujeitos interagindo através dos gêneros” (2011, p.27), isto é,

todas as condições de circulação e autoridade de determinado gênero.

São esses aspectos que determinam a cena genérica estabelecida pelo enunciado.

No caso – apresentado anteriormente – da conta de luz, é preciso que o falante

perceba que se trata de uma carta de cobrança, que implica um “prestador de

serviço” se dirigindo a um “consumidor”, com um contrato de prestação de serviço,

com dados de consumo, valor de pagamento, data de vencimento, etc.

A junção, então, dessas duas cenas, englobante e genérica, constitui o quadro

cênico de um texto – o tipo e o gênero do discurso no qual ele se insere, “no interior

do qual o enunciado adquire sentido” (MAINGUENEAU, 2004, p.87).

Entretanto, como aponta Maingueneau, não é diretamente com o quadro cênico que

o ouvinte se depara, mas sim, com a chamada cenografia. Cenografia é a situação

de enunciação que é proposta pelo próprio enunciado. Uma piada, por exemplo,

está dentro da cena englobante cômica, da cena genérica de piada (em vez da

charge, ou da sátira, ou do stand-up, etc), mas apresenta sua cenografia à medida

que é enunciada – por exemplo, “dois homens estavam em um bar”. O ouvinte passa

a imaginar então essa situação de dois homens dentro de um bar, e todos os outros

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elementos que vão sendo introduzidos. E essa cena de enunciação, apesar de ser

suposta desde início, é legitimada e validada progressivamente à medida que o

enunciado se apresenta. Como descreve Maingueneau:

[...] a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, estabelecendo que essa cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar como convém [...]. (MAINGUENEAU, 2004, p. 87-88)

A construção da cenografia, portanto, serve sempre à finalidade do discurso, sendo

cuidadosamente escolhida de modo a persuadir, por meio de uma cena convincente.

Há gêneros discursivos que não admitem grande variação em sua cenografia, como

é o caso de uma receita de médico, ou de um formulário, por exemplo. Nesses

casos, a cenografia se limita basicamente aos padrões da cena genérica.

Observemos esses dois exemplos do gênero receitas médicas, de prescrição de

medicamento a pacientes:

Figura 5: Exemplos do gênero receita médica.

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Embora as duas receitas sejam de médicos diferentes, em hospitais diferentes, de

áreas de especialização diferentes, receitando remédios diferentes, a pacientes

diferentes, registradas de modos distintos (uma digitada e outra escrita à mão), e em

épocas diferentes (2009 e 1988), elas seguem basicamente a mesma cenografia,

pautada nos padrões da sua cena genérica, o gênero receita médica. Ambas trazem

o nome do paciente a que a receita se destina, são divididas em tópicos (seja por

modo de uso – externo/ interno –, seja por princípio ativo, ou ainda por indicação de

uso), apresentam o nome do remédio, sua posologia, a indicação de uso, a data,

carimbo e assinatura do médico, etc. Todos esses elementos são definidos pelo

gênero do discurso, a cena genérica, e a cenografia – praticamente sem variação –

os adota.

Por outro lado, há tipos de gêneros que oferecem uma variedade tão grande de

cenografias que dificilmente permitem prever qual efetivamente será empregada.

São os casos do discurso literário, publicitário, político, etc.

Nesta pesquisa, trabalharemos especificamente dentro da cena englobante do

discurso publicitário, em função do material de análise selecionado.

Outro conceito importante que iremos analisar, dentro da construção das

cenografias, é o de ethos.

Qualquer discurso – quer oral, quer escrito – implica um ethos, como uma

representação de seu responsável, a imagem do enunciador (uma vez que um

discurso pressupõe o seu produtor). A essa imagem, atribui-se um tom (a entonação

da voz, sua dimensão vocal), um caráter (conjunto de traços psicológicos) e uma

corporalidade (conjunto de traços físicos e indumentários) (MAINGUENEAU, 1998,

p.60).

O termo ethos, que vem da Retórica aristotélica, aponta para a imagem de si que é

construída e comunicada implicitamente pelo enunciador por meio do próprio

enunciado.

Elimina-se, assim, qualquer associação da imagem do enunciador a um indivíduo,

suas ações, seus costumes ou suas características pessoais. É feita essa distinção

entre o caráter real e o caráter oratório, de modo que um sujeito, ainda que

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moralmente censurável, pode construir seu discurso com marcas que lhe confiram

uma boa imagem.

Um aspecto importante nessa definição de ethos é o fato de ele não ser dito

explicitamente: “O que o orador pretende ser, ele o da a entender e mostra: não diz

que é [...] honesto, mostra-o por sua maneira de se exprimir” (MAINGUENEAU apud

Eggs, 2008, p. 31).

Assim, não é por dizer “eu sou honesto” que um orador confere a sua imagem essa

característica. Na realidade, é provável que isso lhe confira a imagem de prepotente

ou arrogante. Ou seja, como aponta Ducrot, ethos “não se trata das afirmações

elogiosas que o orador pode fazer sobre sua própria pessoa no conteúdo de seu

discurso, [...] mas da aparência que lhe conferem o ritmo, a entonação, [...] a escolha

das palavras, dos argumentos...” (apud Maingueneau, 2004, p.107).

Há de se notar que a construção que o enunciador faz da sua imagem está

diretamente ligada à imagem que ele tem de seu enunciatário (páthos). Ambas as

imagens “apoiam-se em estereótipos valorizados ou desvalorizados na coletividade,

em que se produz a enunciação” (MAINGUENEAU, 1998, p.60).

Além disso, o seu discurso é sempre elaborado em função de sua audiência,

buscando conferir-lhe um ethos que o legitime em sua intenção persuasiva. Dessa

forma, a imagem do ethos (e suas qualidades) funciona como um “fiador, cuja figura

o leitor deve construir com base em indícios textuais de diversas ordens”

(MAINGUENEAU in AMOSSY, 2008b, p.72).

1.3 A linguagem publicitária: cenas englobante e genérica

O termo propaganda tem sua origem, confirmada no dicionario inglês Webster’s, em

um título de uma congregação romana, de 1622, segundo apresenta Antônio

Sandmann (2001, p. 9). A Congregatio de propaganda fide tinha por objetivo –

literalmente – a propagação da fé cristã católica. A partir desse emprego, formou-se

o sentido atual tanto de propagação de ideias quanto de venda de produtos ou

serviços – associando-se também ao termo publicidade.

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O objetivo central do discurso publicitário é, naturalmente, a persuasão, que visa

gerar uma mudança de comportamento em seu público-alvo/consumidor. É

destacado, também, por Bussmann (apud SANDMANN, 2001, p. 12), como a

linguagem publicitária vale-se de princípios estabelecidos pela arte retórica clássica,

que buscava convencer e levar a ação pela palavra. As escolhas feitas na

construção do discurso publicitário são conscientemente tomadas de forma a

favorecer sua capacidade persuasiva.

Entretanto, como aponta Sandmann, um dos maiores desafios da publicidade é não

simplesmente convencer sua plateia, mas, primeiramente, conseguir atrair a atenção

de seu destinatário, uma vez que ele está constantemente sendo bombardeado por

estímulos de todos os lugares. Em suas palavras, “tendo conseguido que o

comunicatário se ocupe com determinado texto, convencê-lo ou levá-lo em

consequência a ação possivelmente são tarefas ou desafios menores”

(SANDMANN, 2001, p.12).

Assim, distingue-se: à ideia que se deseja fixar na mente do consumidor, dá-se o

nome de afirmação básica; e à forma pela qual se fará fixar essa mensagem,

conceito criativo (FIGUEIREDO, 2005). É por esse motivo que o publicitário tem de,

incansavelmente, buscar formas criativas de apresentar sua mensagem, de forma

que o ouvinte se sinta atraído o suficiente para dar-lhe sua atenção.

Esse esforço desempenhado para atrair a atenção do telespectador fica evidente

nas peças selecionadas. O uso de cenas inusitadas, como um comediante famoso

trabalhando em uma concessionária, ou um carro moderno passeando em meio a

participantes da Revolução Francesa, ou ainda uma música cantada com duas letras

diferentes ao mesmo tempo, tem o objetivo de causar estranhamento, instigando o

telespectador a prestar atenção ao anúncio.

É possível, dessa forma, verificar como o material de análise selecionado se

enquadra nessas características. As peças procuram, cada uma com sua estratégia

particular (que serão melhor detalhadas à frente), persuadir o ouvinte, tentando levá-

lo a adquirir o produto anunciado – ou, no mínimo, atribuir-lhe alguma valorização

positiva.

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Cabe, aqui, fazer uma distinção entre o ato de persuadir e o ato de convencer.

Convencer implica uma mudança de opinião, implica a suplantação de conceitos já

existentes, o que é trabalhoso, e pode ser muito demorado. Ja a persuasão “tem

mais a ver com concordar com algo que o consumidor já pensa e, por meio dessa

concordância, trazê-lo para o produto que se quer anunciar” (FIGUEIREDO, 2005,

p.53). Ela ainda envolve um direcionamento de atitude – uma vez que o consumidor

deve ser levado a ‘comprar’ a ideia proposta –, mas de forma mais prática.

O filósofo Aristóteles, na Grécia Antiga, foi quem desenvolveu o mais antigo

processo de persuasão, cujo modelo é aplicável até hoje, na proposta persuasiva da

publicidade. O esquema é dividido em quatro partes, a saber, exórdio, narração,

provas, peroração. Como explica Figueiredo (2005, p.54):

O exórdio tem por função chamar a atenção do consumidor; a narração objetiva envolver a pessoa em determinada história ou situação. As provas vêm logo em seguida à narração e são responsáveis por confirmar tecnicamente que o produto oferecido é bom. Depois, apresenta-se a peroração, que visa confirmar a mensagem que está sendo transmitida e reforçar a marca anunciante.

Outra ferramenta que também é utilizada no Discurso Publicitário para a construção

do sentido e da persuasão é a emulação, processo em que se aproxima as

qualidades do produto aos valores do consumidor. Ao apresentar uma cena

desejável, dentro dos ideais do consumidor, associada com um produto, o

consumidor é levado a tentar atingir essa cena, por meio da aquisição do produto

anunciado: “a forma inconsciente de busca dessa situação idealizada é tentar

aproximar ao maximo a cena real da ideal, comprando [aquele produto]”

(FIGUEIREDO, 2005, p. 62).

Esse processo de emulação, pelo qual passa o telespectador do anúncio, consiste

na atribuição de valores ao produto (ou ao anúncio) com os quais a audiência se

identifica. Ele se baseia na imagem que o anunciante tem de seu público-alvo

(pathos), e que o dirige na construção de seu próprio ethos.

O humor, o estranhamento, o horror, o amor, o sexo, são todos temas que fazem

parte dos mecanismos utilizados pelo Discurso Publicitário para chamar a atenção

de seu público. De igual forma, as necessidades de diversas ordens (fisiológicas, de

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segurança, sociais, de ego e de autorrealização) também são exploradas, como

forma de seduzir a audiência.

Todos esses aspectos do discurso publicitário constituem a cena englobante

publicitária, na qual inserimos a cena genérica das peças publicitárias televisivas,

material de análise adotado.

A organização discursiva de um anúncio televisivo é moldada em grande parte em

função de seu meio de veiculação. Cores, sons, movimentos, enquadramentos,

cortes, closes, são todos características da televisão, exploradas pela propaganda

na criação desses anúncios.

Um fator que consideravelmente determina a construção da cena de uma peça

publicitária televisiva (e as características do gênero) é a questão do custo monetário

envolvido. Transmissoras de televisão podem cobrar dezenas de milhares de reais

por poucos segundos de transmissão, a depender do horário em que a propaganda

será exibida. Por esse motivo, os publicitários dificilmente chegam a ter mais do que

30 segundos para transmitir a mensagem desejada.

Outra questão a se considerar é o chamado zapping, prática do telespectador de

ficar trocando de canal, em busca de uma programação que lhe interesse,

frequentemente adotada durante a exibição dos comerciais. Dessa forma, “o desafio

da publicidade nesse meio [televisivo] não é apenas chamar a atenção do

consumidor no início do comercial, mas mantê-lo ligado, atento, seduzido, em cada

segundo de duração da mensagem publicitaria” (FIGUEIREDO, 2005, p. 118).

Além disso, pelo fato de a televisão, de modo geral, ser um meio de entretenimento,

um gênero discursivo que se proponha a anunciar nesse meio deve, em um nível

maior ou menor, apresentar algum caráter semelhante, a fim de alcançar a atenção

do telespectador, e mantê-lo atraído.

A presença de celebridades, por exemplo, é uma ferramenta muito usada e quase

sempre eficaz (se a construção do ethos for feita adequadamente). Ao expor um

famoso apresentando o produto, ou como ator na cena do comercial, consegue-se

cativar a concentração, conferir credibilidade, ou gerar empatia pela marca.

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Outra possibilidade de exploração do meio na constituição desse gênero é o uso da

musicalidade. Segundo o “famoso ditado publicitario: [...] When you have nothing to

say, sing it.” (FIGUEIREDO, 2005, p. 121), a música pode ser uma saída eficiente

para a elaboração de comerciais, não apenas no rádio (como se imaginaria), mas

igualmente na televisão.

Em função do meio de veiculação, é também característica desse gênero a

apresentação das informações de forma sincrética, como nos textos verbo-visuais. O

publicitário se utiliza tanto de aspectos linguístico-textuais, como imagéticos e

sonoros, visando transmitir as informações necessárias da melhor forma, nesse

curto espaço de tempo de que ele dispõe, reforçando os elementos mais

importantes.

As peças com as quais trabalharemos certamente se inserem nessa cena genérica

do anúncio televisivo, uma vez que são concebidas como vídeos midiáticos

veiculados em rede televisiva. Por sua natureza fílmica, essas cenas apresentam as

informações de forma sincrética, se utilizando de imagens, sons, escritos, para

transmitir a mensagem pretendida. Observa-se, também, o curto tempo de duração

de cada uma das propagandas – cada uma das três dura apenas 30 segundos –

como característica própria dos anúncios televisivos, conforme apontado.

Nota-se, ainda, como cada uma das peças se propõe a entreter o telespectador,

aliando, por meio de músicas, trilhas sonoras e piadas, um caráter prazeroso ao seu

objetivo persuasivo, estratégia típica das propagandas televisivas, o que confirma a

cena genérica na qual o material se insere.

É evidente que não se podem determinar regras muito delimitadas para a construção

das cenografias, em especial no meio publicitário. Como afirma Maingueneau, o

discurso publicitario admite “cenografias variadas na medida em que, para persuadir

seu coenunciador, devem captar seu imaginário e atribuir-lhe uma identidade”

(MAINGUENEAU, 2004, p.90). Ou seja, a depender do público-alvo da propaganda,

diferentes cenografias podem se fazer mais úteis na busca pela persuasão.

Uma última observação a ser feita apresenta-se na afirmação de Geoffrey Leech,

linguista inglês que se dedicou ao estudo da publicidade na televisão, que considera

que, minimamente, o que é desejavel de uma propaganda é que faça com que “[...] a

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audiência ao menos guarde o nome do produto anunciado, e possivelmente também

alguma frase-chamariz que o acompanha” (LEECH, 1966, p. 86).

1.4. As cenografias das peças publicitárias

Neste tópico, faremos uma apresentação e descrição das peças publicitárias

televisivas selecionadas para esta pesquisa, seguida de suas respectivas análises

da cenografia, ethos e estratégias de persuasão.

1ª peça:

Descrição:

Figura 6: Cena (2) do comercial da campanha “Março Imbatível”.

A primeira peça com a qual trabalharemos será o comercial da campanha Março

Imbatível, da indústria automotiva Volkswagen, que foi ao ar, em rede televisiva

nacional, no dia 4 de março de 2015.

A propaganda começa com o enquadramento de um casal se dirigindo ao balcão de

atendimento de uma concessionária, em meio a diversos carros parados. Nota-se o

logotipo da Volkswagen fixado no balcão, atrás da atendente, e o som de um

telefone tocando ao fundo.

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Com a câmera em close no casal, apos ambos dizerem “oi”, o homem aponta para

sua direita (em direção a um dos carros que estavam parados) e diz a atendente: “A

gente queria fazer um test-drive”. Ao fundo, esta o logotipo da Volkswagen, fixado

em uma parede, atrás do casal.

Com a câmera de volta à primeira perspectiva, focalizando o balcão, a atendente

responde, enquanto se aproxima dela, atrás do balcão, um outro funcionário da

empresa: “Claro, o Leandro vai acompanhar vocês”. A câmera agora focaliza esse

funcionário, apresentado como Leandro, revelando à audiência que se trata do

conhecido comediante brasileiro Leandro Hassum. Trajando a camisa da empresa

(camisa branca com o logotipo da Volkswagen) e um crachá de funcionário, ele

convida o casal: “Vamo la?”. O casal, reconhecendo se tratar da referida

celebridade, se entreolha confuso, mas concorda, na voz do homem, meio afônico:

“Vamo la”.

A cena seguinte já mostra o carro, modelo Fox, andando na rua, com o som do

motor. Em seguida, a câmera, no interior do veículo, enquadra o funcionário no

banco dianteiro, do passageiro, indagando o motorista: “Ta sentindo o motor?”. Com

a câmera focalizando o volante, com as mãos do motorista, e o painel do carro,

ouve-se a resposta onomatopeica: “uhum”. E o funcionario continua: “E a posição de

dirigir? Perfeita, né?”. Durante esse dialogo, aparece uma pequena tarja azul, na

parte inferior da tela, escrita em amarelo: “MOTOR POTENTE”. Observa-se também

o emblema da Volkswagen no volante do carro.

Logo após a segunda pergunta, a câmera passa a focalizar o interior do carro, de

uma posição frontal, revelando a mulher no banco traseiro, à direita do vídeo. O

homem, dirigindo, faz sinal de “ok” com uma das mãos enquanto responde,

confirmando: “Perfeita”. O funcionario agora passa a falar, se dirigindo ao motorista:

“Você sabe o que faz a diferença num Volkswagen?”, ao que o homem inclina a

cabeça (sem tirar os olhos da estrada) demonstrando interesse. Ao mesmo tempo,

aparece uma nova tarja azul, com a escrita, em amarelo, “TECNOLOGIA ALEMÔ. O

funcionario então continua: “A tecnologia alemã, o baixo custo de manutenção, e a

maior rede de concessionarias do país”. À medida que ele apresenta cada item, a

tarja mostrada muda, passando por “BAIXO CUSTO DE MANUTENÇÃO” e “MAIOR

REDE DE CONCESSIONÁRIAS DO BRASIL”. Esses itens são apresentados com

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intercalações de cenas do exterior do carro, em movimento, na rua, sempre com o

emblema da marca a mostra. O Leandro Hassum concluí dizendo: “Bom negocio

quando compra, melhor ainda quando usa”.

Quando o funcionário parece ter terminado de apresentar tudo o que ele tinha para

falar, o motorista, com um riso discreto no rosto (ao fundo, percebe-se também a

mulher com um sorriso), pergunta ao Leandro Hassum, tocando-lhe com a mão para

chamar-lhe a atenção: “Vai fazer nenhuma piadinha, não?”. Ao fundo, sua mulher ja

começa a rir.

O Leandro Hassum, então, parecendo surpreso, se volta para o motorista com

(suposta) seriedade e diz: “Piada, com seu dinheiro, aqui na Volkswagen? Jamais!”.

Imediatamente ouve-se uma música animada e, enquanto o casal dentro do carro

demonstra estranheza em suas feições, o narrador começa a falar vibrantemente:

“Março imbatível! Toda linha com doze mil de entrada e mensais a partir de

quatrocentos e oitenta reais. Aproveite!”.

Enquanto o narrador profere seu discurso, a câmera passa a focalizar o carro

externamente, em movimento na rua, e diversas informações vão sendo

apresentadas por escrito acima e abaixo do carro. Os valores ditos pelo narrador são

destacados acima do carro, em tarjas amarelas, com os dizeres: “Entrada a partir de

R$12 mil” + “Mensais a partir de R$480”, com os valores em fonte maior.

Abaixo do carro aparecem também outras informações escritas com tamanho de

fonte muito pequeno: “Oferta valida para Gol Special 2P (cod. 5U3BN4) a partir (sic)

de R$ 29.650,00 ou entrada de R$ 12.000 + 60 parcelas de R$ 480,00 com taxa

1,53% a.m Ano/modelo 15/15”.

Análise:

Observando a estratégia de persuasão adotada na peça, verificamos como a

cenografia é construída de forma a primeiramente cativar a atenção da audiência.

Logo aos 3 segundos de vídeo, a personagem representada pelo ator Leandro

Hassum, o funcionário da concessionária, chamado para guiar o casal no test-drive,

é inserida na cena. A presença de um ator reconhecidamente famoso por seus

trabalhos humorísticos é, certamente, um forte artifício nessa tarefa de conseguir a

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atenção do telespectador, justificando a escolha por sua introdução à composição da

cenografia tão prontamente, logo no começo do comercial.

O segundo desafio, o qual a elaboração da cenografia se propõe a vencer, é a

manutenção dessa atenção, conquistada nas primeiras cenas. O funcionário da

concessionária, responsável por conduzir o casal de clientes no test-drive, passa a

conduzir a sequência da cenografia. Fazendo perguntas, esclarecendo as

vantagens, apresentando o produto, as falas do funcionário se mantêm dentro da

normalidade esperada para a situação. É justamente esse recurso que mantém o

ouvinte cativo ao comercial. Pela presença tão marcadamente evidente do

comediante Leandro Hassum, o público – tanto quanto o casal – fica esperando

alguma fala cômica, algum elemento de humor, o que o segura concentrado na

peça, até o final da propaganda, momento em que finalmente é saciada essa

expectativa.

Outro fator importante de composição da cenografia é o fato de o logotipo da

empresa anunciante aparecer em todas as cenas do comercial. Atrás do balcão da

atendente, na parede da concessionária, na camisa e crachá do funcionário, na

parte dianteira e traseira do veículo, no volante do carro, o símbolo da Volkswagen

não deixa de ser mostrado nem por um segundo, durante toda a propaganda. Mas

isso é feito de forma natural, respeitando-se um padrão de verossimilhança do

comercial, ao posicioná-lo em lugares coerentes, onde ele, na prática, poderia ser

encontrado. Dessa forma, o telespectador é constantemente lembrado do

anunciante, sem, no entanto, criar qualquer tipo de antipatia pela insistência, mas,

sim, habituando-se ainda mais com a marca.

O que podemos perceber, pelas escolhas feitas na construção da cenografia, é que

o anúncio se apoia na marca “Volkswagen” (e suas qualidades, que devem fazer

parte do conhecimento de mundo e cognitivo do telespectador), e na presença do

ator, como argumentos de autoridade que constroem e legitimam a imagem de

fiador, assegurando a sua fidedignidade, para elaborar sua estratégia persuasiva. O

símbolo da marca – constante no anúncio – evoca no telespectador um

conhecimento interdiscursivo sobre a empresa, por ser uma companhia conhecida,

de tradição, reconhecida pelo moto de fazer carro “bom e barato” (note que essa

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percepção da empresa é especialmente forte em um segmento social específico, o

setor de classe média/média-baixa, público-alvo da campanha).

Esses, e diversos outros elementos, nos permitem reconstruir a imagem de um

enunciador específico, o que, por sua vez, possibilita a construção de uma outra

imagem, a do coenunciador, possível cliente. Ao inserir a figura de um casal como

clientes na cenografia, o anunciante propõe o ethos de família como consumidor, o

que revela a imagem do público-alvo que ele busca atingir. Além disso, observa-se

que os dois estão trajados de forma casual, usam calças jeans, o homem está de

tênis, a mulher carrega uma bolsa discreta, eles chegam andando à concessionária,

se dirigem aos funcionarios de forma coloquial (com o uso do “a gente”, do “Vai fazer

nenhuma piadinha, não?”), são tratados também sem cerimônias, utilizam uma

construção gramatical característica, com a conjugação do verbo no futuro do

pretérito (“queria”) para fazer um pedido ou solicitação a atendente; todos esses

elementos constroem o ethos dessas personagens, conferindo-lhes a imagem

simbólica de um casal típico consumidor do produto.

Outra característica dessa cenografia é o fato de ela ser elaborada, em sua maioria,

na forma de uma narração. A escolha desse tipo de organização se dá em função do

público-alvo, que é mais familiarizado com essa tipologia textual, a mesma

encontrada nas telenovelas, por exemplo. O anúncio, construído nos moldes de

novela, produz também uma identificação do público com o produto. De igual forma,

é feita a escolha por um ator popular, que teve grande projeção na rede aberta de

televisão, em programas humorísticos (informalmente, os “pastelões”), e que é

facilmente identificado por esse público alvo, por hipótese da classe média ou

média-baixa. Igualmente, a voz do locutor, pronunciando em alto som, com um tom

gritado, cheio de entusiasmo. Essas opções constroem a legitimação do enunciador

na cenografia, que procura atingir e persuadir o coenunciador que corresponda a

essa imagem da família de classe média ou média-baixa, a esse público que vê

novela, que reconhece aquele ator, que atende a esse tipo de conclamação.

A nominalização, ou encapsulamento, acompanhada de adjetivos, é mais um

recurso da linguagem verbal empregado nessa cenografia, com objetivos

persuasivos. Anunciando as qualidades do produto, o ator enuncia: “[o que faz a

diferença em um Volkswagen é] o baixo custo de manutenção, a maior rede de

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concessionarias do país”, por exemplo. Ao contrario da forma predicativa (‘o custo

de manutenção é baixo’ ou ‘a rede de concessionarias é a maior do país’), conforme

afirmam diferentes estudos de linguística textual, que é muito mais suscetível a

contestações ou rejeições, a maneira como a informação é apresentada, pela

nominalização, é mais firme e concisa, garantindo maior credibilidade aos dados

(apesar de eles serem extremamente genéricos).

De modo geral, o cenário criado pela organização da cenografia é, obviamente, do

momento de test-drive de um carro, com uma série de procedimentos normalmente

adotados – e recomendados, a fim de que se faça uma boa compra – que precedem

a decisão pela compra de um veículo. O casal, na concessionária, se interessa por

um carro em especial, deseja fazer um test-drive, procura conhecer e ouve

atentamente sobre as vantagens do produto, explicadas pelo funcionário que os

acompanha.

Essa cenografia representa os procedimentos normalmente adotados antes da

decisão pela compra ou não de um produto. Após a apresentação de diversos

fatores, todos contribuindo para o enaltecimento do produto e para a aprovação da

compra, o último fator apresentado pelo vendedor é o preço (“Piada, com seu

dinheiro, aqui na Volkswagen? Jamais!”), que também é anunciado como favorável.

Ou seja, a forma como a cenografia é construída propõe que o telespectador não

precisa mais passar por todos os procedimentos mostrados no comercial, nem

ponderar sobre todos esses fatores novamente, pois isso já foi feito na propaganda,

e foi aprovado. Basta agora, ao consumidor, adquirir o produto.

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2ª peça:

Descrição:

Figura 7: Cena (2) do comercial da campanha "Dueto".

A segunda propaganda com a qual trabalharemos será o comercial do Novo Honda

Fit 2015, intitulado “Dueto”, da montadora Honda, que teve sua primeira veiculação

em rede televisiva nacional aberta no dia 9 de agosto de 2014.

A propaganda se inicia com a tela dividida ao meio, verticalmente. Do lado esquerdo,

vê-se a metade direita do rosto de um jovem, com uma praia ao fundo; do lado

direito, vê-se a metade esquerda do rosto de um outro jovem, com cubículos de

escritório ao fundo. As faces de ambos os jovens se alinham na intersecção dos

lados da tela, completando uma à outra, formando o que dá a impressão de ser um

só rosto, apesar das diferenças físicas evidentes – o rapaz da esquerda é ruivo, de

olhos castanhos e com bigode e cavanhaque, enquanto o rapaz da direita tem o

cabelo castanho, um pouco mais curto, olhos claros, usa óculos, e não tem barba. É

possível perceber também que o moço da esquerda está vestindo uma camiseta,

enquanto o da direita veste camisa e terno.

Os jovens então começam a cantar, acompanhados por um mesmo fundo musical –

composto por instrumentos musicais e sons e bipes eletrônicos –, entretanto, as

letras cantadas diferem em algumas palavras específicas:

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1ª voz (rapaz da esquerda)

Eu compro carro pela emoção

Dou muito valor à alegria

Não quero me ocupar com chateação

Um carro onde eu sinta taquicardia

Que combine com a minha felicidade

É bom dirigir e acelerar

Um mundo que funcione com

modernidade

Um carro para me apaixonar

2ª voz (rapaz da direita)

Eu compro carro pela razão

Dou muito valor à engenharia

Não quero me ocupar com manutenção

Um carro onde eu sinta simetria

Que combine com a minha versatilidade

É bom dirigir e relaxar

Um mundo que funcione com

praticidade

Um carro para me transportar

Enquanto a música é cantada, o enquadramento dos rostos se alterna com

imagens diferentes apresentadas em cada parte da tela. A proposta de

complementariedade, no entanto, se mantém, de forma que cada figura

apresentada em ambos os lados se encontra na intersecção da tela, dando

uma forma simétrica aos elementos mostrados.

Os primeiros objetos que são exibidos aparecem no momento em que os

cantores pronunciam “pela emoção/razão”, e são, do lado esquerdo, um picolé

de cor vermelha, segurado de lado por uma mão, com gotas de seu

descongelamento caindo; e, do lado direito, uma placa eletrônica de circuito de

computador, em cima de uma mesa, com outros elementos como alicate,

chave Philips, pinça, multímetro, fios, outra placa de computador, etc.

É importante ressaltar que todas as imagens mostradas do lado esquerdo

apresentam cores quentes, vibrantes, enquanto que as imagens do lado direito

apresentam um tom mais frio, mais sóbrio.

As proximas imagens são mostradas quando os jovens cantam “valor a

alegria/engenharia”. Do lado esquerdo, vê-se, de frente, o modelo de carro

anunciado, na cor azul, andando por uma estrada à beira da praia. No lado

direito, o carro é também representado, de frente, desta vez em uma estrada

com mato à volta, pinheiros ao fundo, e com postes simples de condução de fio

da rede elétrica, aparentando um ambiente mais interiorano. No entanto, o

carro é apenas delineado em linhas desenhadas, na cor branca, como em um

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sketch, inclusive com uma linha de medição de altura ao lado do carro, e com o

escrito “Nova transmissão CVT”, no meio do para-brisas do desenho. As únicas

partes que aparecem como reais são as peças do motor e o emblema da

Honda, na frente do carro.

Em seguida, antes de voltar à cena os rostos dos jovens, aparece, do lado

direito, uma barra informática de carregamento (loading), com sua

porcentagem de conclusão aumentando, enquanto que, do lado esquerdo, o

efeito de aumento da porcentagem é obtido por um pincel que pinta uma faixa

de tinta azul, num fundo vermelho.

Após a volta do enquadramento dos rostos, são exibidas novas imagens,

enquanto eles terminam de cantar o trecho “com chateação/manutenção”. Do

lado esquerdo, é mostrado um toca-discos, com um long-play girando; do lado

direito, um monitor de radar, completando a circunferência do disco.

Aos doze segundos, quando o trecho “sinta taquicardia/simetria” é cantado,

aparecem duas estradas, semelhantes às apresentadas anteriormente, mas,

dessa vez, o enquadramento faz com que elas convirjam para o meio da tela,

encontrando-se, e os carros de cada lado são mostrados de uma posição

traseira-lateral, espelhada em relação uma com a outra. Apesar de ambos os

carros serem azuis, a estrada da esquerda, à beira-mar, tem cores quentes,

tendendo para o alaranjado; já a da direita, com uma montanha ao fundo,

apresenta um tom azulado, mais frio.

Na sequência, as imagens mudam para uma bexiga de aniversário vermelha,

do lado esquerdo, e um marcador de balança antropométrica analógica, à

direita. No lado da bexiga, ao fundo, é possível ver outras bexigas amarradas

juntas, e luzes pisca-pisca acesas. Enquanto essas imagens estão sendo

mostradas, a bexiga é inflada ainda mais, ao mesmo tempo em que o ponteiro

do marcador da balança sobe.

As proximas imagens são mostradas acompanhando o trecho “com minha

felicidade/versatilidade”. O carro aparece de lado, virado para a esquerda, em

ambas as imagens. Entretanto, na esquerda, o carro está mais uma vez na

estrada, com a praia ao fundo, enquanto que, na direita, o carro aparece

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apenas desenhado, novamente como um sketch, desta vez com traços na cor

azul, e em papel quadriculado, sem nenhum fundo. No topo da folha

quadriculada, é possível observar uma pequena tabela com alguns dados, bem

como outros pequenos desenhos do carro em perspectivas diferentes. O banco

traseiro está marcado com linhas de medição de altura, e pode-se ver uma

bicicleta, com a roda da frente desmontada, encaixada nesse espaço do banco

traseiro. Além disso, o escrito “Sistema de bancos ULTR” aparece abaixo do

desenho.

Logo após, a imagem do lado esquerdo focaliza, de perfil, a boca de um

homem, posicionada no bocal de um trompete, pronta para tocar; do lado

direito, alinhado com o trompete, é mostrado o parafuso de regulagem de um

micrômetro, instrumento utilizado para aferir medidas métricas muito pequenas,

sendo ajustado por uma mão.

Aos dezoito segundos, juntamente com o trecho cantado “e acelerar/relaxar”,

mais uma vez a imagem da estrada aparece. Desta vez, de dentro do carro,

focalizando o volante com as mãos do motorista, o painel do carro e a estrada

a frente. Na mão do lado esquerdo, vê-se uma pulseira de tiras de couro,

enquanto que na mão do lado direito, vê-se a manga do paletó e da camisa.

Aproximando-se do final da propaganda, mais uma dupla de imagens é

apresentada, ao mesmo tempo que é cantado “com modernidade/praticidade”.

O carro é focalizado por trás em ambos os lados da tela. Na esquerda, ele

aparece andando em uma estrada, ladeada de mato rasteiro, com arvores ao

fundo. Já no lado direito, o carro aparece como um modelo 3D

computadorizado, em um fundo preto. Na parte do porta-malas, entretanto, vê-

se imagens reais de cinco malas de viagens perfiladas.

A cena seguinte é a primeira do vídeo que não está dividida ao meio. Vê-se, de

perfil, o automóvel apresentado, na cor azul, andando por uma estrada cercada

de vegetação rasteira; ao fundo, vê-se uma montanha de grande extensão,

também coberta de vegetação.

Logo apos os versos “me apaixonar/transportar” serem ditos, com os rostos

ainda divididos na tela, a divisão novamente desaparece da tela, e passa a ser

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mostrada a imagem do carro, com um enquadramento frontal-lateral, andando

numa estrada à beira da praia, com o mar ao fundo. O narrador então enuncia

“O lado da emoção e o lado da razão foram atendidos”.

Enquanto o narrador termina sua fala, a cena muda para um fundo preto,

mostrando um pequeno cérebro no meio da tela. Há um foco de luz

primeiramente apenas sobre seu hemisfério esquerdo, e depois apenas sobre

seu hemisfério direito. O narrador por fim anuncia, enquanto o logotipo e o

nome da marca Honda são mostrados: “Novo Honda Fit”.

Análise:

A principal ferramenta utilizada na construção da cenografia desse comercial é

a musicalidade – com exceção das últimas duas frases, do narrador, toda a

propaganda é cantada, acompanhada de uma música. Uma das vantagens

dessa abordagem é o fato de ela naturalmente cativar a atenção do ouvinte. O

telespectador, uma vez fisgado pelo ritmo e pela sonoridade, tende a ouvir a

música até o fim, buscando um efeito de fechamento ou a sensação de

conclusão, o que, por hipótese, o prende ao comercial durante toda a sua

duração.

Outro benefício da elaboração da cenografia com esse recurso é o fato de ele

permitir que se apresente um texto de grande extensão, sem fazê-lo de forma

cansativa. A letra da música dificilmente seria veiculada integralmente – e em

suas duas versões (da razão e da emoção) – por meio da fala de algum

personagem, ou por meio de um texto verbal, em um comercial televisivo, por

conta do excesso de informação. Já no caso da música, essas informações

ficam diluídas, associadas também ao fator prazeroso da musicalidade.

Além disso, caso as duas letras fossem enunciadas simultaneamente em um

contexto de fala, isso constituiria uma quebra das normas reguladoras da

conversação, em relação ao respeito aos turnos. Já no âmbito da música, os

atores podem, sem qualquer prejuízo, cantar duas letras diferentes

sobrepostas, utilizando o artifício da divisão de vozes, recurso estilístico muito

usado no contexto musical.

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A própria escolha de uma música como forma de anunciar já evidencia a

imagem do público que o anunciante pretende atingir. Com uma música

animada, composta não apenas por instrumentos musicais, mas também por

sons e bipes tecnológicos, o anunciante propõe uma imagem de si associada

ao moderno. A presença dos atores jovens também contribui para a construção

desse ethos, especificamente direcionado à persuasão de um público jovem,

que se considera moderno, “descolado”, que busca um “carro para jovens”.

A elaboração da letra da música, também visando à persuasão, é feita em

torno de jargões frequentemente usados pelos consumidores para justificar as

suas escolhas na aquisição de um produto. Eles envolvem, em sua maioria,

necessidades ligadas à segurança (proteção, ordem, estabilidade) e ao social

(afeição, afiliação), como “Não quero me ocupar com ...” e “Dou muito valor a

...”.

Essa escolha pela similaridade com uma pesquisa de opinião é adotada por

conta do público-alvo do anúncio. Diferentemente da peça anterior (1ª peça),

esse público, a julgar pela imagem simbólica elaborada na cenografia, não está

interessado apenas no preço e na confiabilidade da marca, mas em buscar

outras vantagens no produto oferecido. Especificamente no caso dos jovens, a

opinião de outro jovem (expressa nesse anúncio por meio do modelo da

pesquisa de opinião) tem muito peso, por conta da necessidade social de

pertencer a um grupo, muito presente nessa fase da vida. Por isso, o

anunciante se utiliza dessa estratégia na construção da cenografia,

apresentando dois perfis de jovens, representantes de dois grandes grupos em

que o consumidor pode se encaixar (esses dois grupos foram

propositadamente divididos de maneira polarizada, de forma que o ouvinte

acaba se encaixando em um deles), cada um dando as suas razões pelas

quais eles compram um carro.

Os dois modelos, portanto, assumem ethos um pouco diferentes. O da

esquerda – por conta do ambiente informal (de praia), das suas roupas (mais

casuais), dos valores que ele considera importantes (na letra da música) –,

representa o grupo que toma as decisões com base na emoção, com um ethos

mais descontraído, impulsivo, despreocupado. Já o jovem da direita – em um

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ambiente formal (de escritório), usando terno, com valores mais objetivos –

projeta um ethos de jovem mais sério, trabalhador, organizado, representando

o grupo dos racionais. Esses dois ethos propostos nas personagens têm a

função de representar os ouvintes, possíveis consumidores, fazendo com que

eles se identifiquem com algum dos dois. Dessa forma, o “vendedor” molda a

sua imagem em função de seu “comprador”, para assegurar a imagem de

fiador confiável, como um valor de persuasão.

O anúncio, por meio do ethos que propõe, vai revelando, à medida que é posto

em funcionamento na situação de interação, ser voltado para um público

jovem, que se identifica com a música moderna tocada; por hipótese (a

considerar as imagens simbólicas elaboradas na cenografia) de classe

média/média-alta, que trabalha de terno, viaja frequentemente para regiões

praianas; de nível universitário, capaz de reconhecer os diversos elementos

apresentados (em especial na ala dos racionais), como uma placa de circuitos,

ferramentas eletroeletrônicas, um micrômetro, assim como culturalmente

atentos, reconhecendo instrumentos clássicos como o trompete, valorizando o

ato da pintura (óleo em tela), que saibam inglês (“loading”), atentos também a

tendências de modas e estilos (pelos óculos usados, pela pulseira de tiras de

couro, pelo cavanhaque).

Em suma, o anúncio constrói a cenografia de uma pesquisa de opinião, em que

os dois participantes são levados a apresentar os fatores que os guiam na

escolha de compra de um carro. Cada um apresenta os elementos que eles

levam em consideração, quais valores os norteiam, as finalidades esperadas.

Essa apresentação, no entanto, se dá de forma musicada. Por meio de uma

mesma canção, eles apontam paralelamente os atributos desejados no

produto.

A construção da cenografia é feita de forma a conceber e apresentar dois perfis

de consumidores, os que escolhem pela emoção, e os que escolhem pela

razão. Entretanto, apesar dos diferentes fatores que levam cada um dos

consumidores-modelo a escolher um carro para comprar, a escolha dos dois é

a mesma: a aquisição do modelo anunciado. Portanto, o que a propaganda

propõe é que não importa se o telespectador se encaixa no grupo dos que

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optam pela emoção ou dos que optam pela razão, a melhor escolha em ambos

os casos é sempre o Novo Honda Fit 2015, que atende e satisfaz a ambos.

A estratégia empregada para ressaltar esse valor de unanimidade na escolha

do carro foi a construção da cenografia em paralelo. Dessa forma, mostra-se

que, independentemente do grupo de consumidores que está avaliando, os

valores do carro são inquestionáveis, universais, reforçando a ideia de que o

carro anunciado é a melhor escolha, tanto para os racionais, quanto para os

emotivos.

3ª peça:

Descrição:

Figura 8: Cena (2) do comercial da campanha "Revoluções".

A terceira propaganda com a qual trabalharemos será o comercial da

campanha de lançamento (em sua versão de 30 segundos) do novo modelo

SUV da indústria automotiva Honda, o HR-V, veiculado pela primeira vez em

rede nacional no dia 10 de abril de 2015.

O comercial começa com uma música, que serve de trilha sonora para todo o

vídeo. Com percussão bem marcada e sons ecoantes, a música começa com

um tom sombrio, que aos poucos se desenvolve em tons mais eufóricos. Ainda

que se mantenha um aspecto denso e nebuloso, ela eclode, no refrão, com

lampejos de esperança e entusiasmo.

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Na cena de abertura, vê-se diversos homens e mulheres, bradando com braços

levantados e punhos cerrados, agitando bandeiras da França. As roupas

usadas são de um período histórico mais antigo, estão sujas e amassadas, os

cabelos estão despenteados, e alguns estão de chapéus e cartola. Mais atrás,

nota-se alguns soldados trajados caracteristicamente com uniformes do século

XVIII, montados a cavalo. Vê-se também uma grande labareda de fogo no meio

da confusão.

Toda a primeira parte do comercial (os primeiros 15 segundos) se passa nesse

cenário, facilmente identificável como sendo a Revolução Francesa, de 1789.

Nas cenas seguintes, são focalizados os cavalos e, em sequência, os soldados

cavaleiros. Nesse ponto é possível observar melhor os uniformes, nas cores da

bandeira da França, as ombreiras de infantaria, os chapéus usados, com o

emblema estampado em cada um, etc.

Em seguida, a câmera focaliza, de trás de alguma obstrução não-identificável –

que aparece como um borrão no canto superior-esquerdo da cena –, o

surgimento do modelo anunciado do automóvel (HR-V), enquadrando apenas o

farol dianteiro, seguindo até parte da porta dianteira, mostrando-o de perfil. Ao

fundo, vê-se, de forma embaçada, a multidão e alguns soldados.

As próximas cenas continuam focalizando o carro, primeiro de frente,

movendo-se em direção à câmera, em meio a bastante fumaça, e seguido pela

multidão esbravejante; e, depois, enquadrando a roda dianteira, com um ponto

de vista bem próximo ao chão.

Antes de continuar com as cenas focadas no carro, a câmera enquadra um dos

homens participantes da revolução. Ofegante, ele mantém um olhar fixo

(provavelmente voltado para o carro, que não está enquadrado na cena), com

uma expressão de espanto. Suas roupas estão sujas, seu cabelo loiro também

está sujo e bagunçado, e sua barba está por fazer. É possível observar, preso

ao seu agasalho, o mesmo emblema estampado nos chapéus; e, ao fundo,

bandeiras da França e algumas labaredas de fogo.

Voltando o enfoque ao veículo novamente, o carro é focalizado por trás, agora

afastando-se da câmera, em direção a guardas, e em meio a revolucionários

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correndo. Nesse momento, o narrador começa a proferir seu enunciado: “O

Honda HR-V conquistou os consumidores e os prêmios de melhor SUV e

melhor compra do ano entre todos os seguimentos”. E enquanto o narrador fala

seu discurso, outras cenas vão sendo apresentadas.

Agora focalizando o monitor touchscreen, o dedo indicador do motorista é

mostrado regulando a temperatura do ar-condicionado, tocando no desenho de

uma seta apontada para baixo, enquanto o marcador do monitor muda de “18”

para “17”.

Em seguida, o carro é mostrado de lado, passando em frente a uma barricada,

e saindo de cena pela esquerda. Os três homens, participantes da revolução,

que estavam sentados em cima dos entulhos da barricada, levantam-se para

observar o veículo passando, seguindo-o com o olhar. Nesse ponto, em que o

narrador está fazendo referência aos prêmios ganhos pelo modelo (melhor

SUV e melhor compra do ano), aparecem, no canto superior-direito os selos

conferidos como reconhecimento, pela revista responsável pela avaliação (a

revista Quatro Rodas). No canto inferior-direito, aparecem as informações de

referência dos prêmios, em letras pequenas: “Fonte: Revista Quatro Rodas –

Edição Jul/2015”.

Na cena seguinte, é mostrada, em frente a um grande edifício com arquitetura

representativa da época, uma enorme barricada, de cadeiras, rodas de carroça,

móveis de madeira, com várias bandeiras da França, com homens e mulheres

revolucionários em cima, comemorando.

Voltando a focar o carro em seu interior, a câmera enquadra, desta vez, o

painel frontal e parte do volante. No monitor do painel, observa-se um mapa de

vias, e uma seta (representando o carro, no sistema de GPS) se movendo. Na

cena seguinte, é feito um close-up no monitor, e a mão do motorista amplia a

visualização do mapa por meio de um comando no touchscreen com o dedo

polegar e o indicador (o gesto tradicional de ampliação de imagem em sistemas

multi-touchscreen).

A primeira parte termina com o carro, visto de trás, se afastando da câmera e

fazendo uma curva à direita, em frente a vários revolucionários. Nesse

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momento, a música chega ao seu refrão – composto apenas de poucas

palavras –, que começa a ser cantado, em inglês: “Revolution again

(revolution)/ Revolution again (revolution)”.

Na cena seguinte, veem-se alguns homens, de terno, gravata, alguns com

sobretudo, chapéu, óculos. A câmera os focaliza de dentro de algum

estabelecimento, para dentro do qual todos estão olhando, atentamente, diante

do vidro da vitrine. Como plano de fundo aparecem alguns prédios, que cobrem

toda a paisagem, e, no primeiro plano, dentro do estabelecimento, pode-se

observar uma televisão de tubos antiga. A imagem que está sendo transmitida

pela televisão é a da aterrisagem do homem na Lua, em 1969, com a descida

do primeiro astronauta. É possível também ouvir uma voz como de uma

transmissão de rádio ao fundo. Na sequência, a câmera focaliza, muito próximo

ao chão, o momento em que a bota do traje astronauta toca o solo lunar, no

primeiro passo do homem na Lua.

As cenas seguintes mostram novamente o interior do carro, focalizando,

primeiramente, o câmbio de marchas e, no enquadramento seguinte, o grid de

entradas de conectividade do painel do carro, em close. É possível identificar

duas das entradas como sendo portas de conexão USB, pelo símbolo marcado

em suas tampas; uma das entradas como sendo porta de conexão de cabo

HDMI, pela sigla marcada na tampa; e uma das portas como sendo uma fonte

de energia elétrica, pelo escrito power outlet, na tampa. Nesse momento, o

narrador profere mais um enunciado: “Venha fazer parte dessa revolução”.

Enquanto o narrador termina de fazer seu convite, a próxima cena mostra uma

estrada simples, no meio de um campo aberto, praticamente sem vegetação,

com o céu cheio de nuvens cinza. De frente para a câmera, do lado oposto da

estrada, está o módulo lunar pousado e o astronauta, vestindo o traje espacial,

ao seu lado. O modelo do carro anunciado vem andando pela estrada, da

esquerda, e freia antes de chegar ao astronauta.

Em seguida, é feito um close, dentro do carro, no botão de acionamento do

freio-de-mão. Uma pequena aba com a inscrição “P” é puxada pelo motorista,

ativando o sistema. Abaixo dessa aba, ha a indicação “Brake Hold”.

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Mais uma vez, o narrador fala: “Honda HR-V, a revolução na sua garagem”,

que é o slogan da campanha. Enquanto isso, a cena mostrada enfoca o

capacete do astronauta, no qual é refletida a imagem do carro, e o brilho do

sol.

Por fim, o carro é mostrado parado naquela mesma estrada, sendo enquadrado

pela câmera em direção diagonal, de baixo para cima. No canto superior-direito

da tela, aparecem três linhas de escritos, na cor branca: “Chegou o Honda”,

“HR-V”, “A revolução na sua garagem.”. A segunda frase, no entanto é

apresentada com um tamanho de fonte maior, e com traços mais grossos.

Análise:

Um primeiro aspecto que pode ser facilmente notado, principalmente em

contraste com os outros anúncios (1ª e 2ª peças), é o tom escuro adotado no

comercial. A música, as cores, a voz do locutor, todos esses elementos são

apresentados em tons sombrios, fechados. Essas escolhas conferem à

cenografia um caráter de sobriedade, de importância e seriedade, valores

desejáveis para atingir a proposta persuasiva do anúncio, de apresentar o

lançamento do carro como sendo um evento histórico, de grande importância,

além de procurar como alvo um consumidor tipicamente mais sóbrio, de nível

social e cultural mais elevado, considerando as imagens simbólicas tipicamente

reconhecidas em nossa sociedade.

A cor preta é associada, dentro de um segmento socioeconômico específico,

de classe alta, a uma posição de prestígio, de exclusividade, como no caso de

cartões de crédito black, dos trajes blacktie, etc. Note, novamente, como a

seleção dos elementos compositores da cenografia é feita sempre com base no

público-alvo do anúncio (na imagem que o anunciante tem dele, o pathos), de

forma a transmitir uma imagem do enunciador (ethos) que seja persuasiva a

essa audiência, que funcione como fiador do anúncio. Ou seja, a escolha da

utilização da cor preta revela o público a quem o anúncio se destina (quem ele

pretende persuadir, seu possível cliente), pois essa opção só confere ao ethos

do anunciante os valores desejados na interação com esse coenunciador

específico.

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A personagem que dirige o veículo no anúncio também tem sua imagem

projetada de forma a fazer o ouvinte se identificar com ela. O homem quase

não aparece (apenas suas mãos, perna, e braço chegam a aparecer em

alguma cena, mas sempre de forma discreta), nem pronuncia nenhuma fala.

Entretanto, quando ele passa em seu carro, os olhares das outras personagens

se voltam para ele. O seu ethos é elaborado de forma a representar esse

cliente de classe alta, que gosta de discrição e impessoalidade no tratamento,

ao mesmo tempo em que procura vantagens exclusivas, status e prestígio.

Outro aspecto persuasivo empregado na construção da cenografia são as

informações apresentadas pelo locutor. A voz traz dados oficiais de avaliação

do produto (os prêmios recebidos), por uma fonte reconhecida e respeitada

(uma revista especializada), com imagens dos selos dos prêmios. O fato de

essas informações serem usadas como argumento na proposta persuasiva

dessa cenografia aponta para um público-alvo que se preocupa com uma

avaliação certificada, com prêmios de instituições notáveis, que atribuam

valores singulares e distintivos ao produto.

O uso de eventos históricos internacionais também revela a imagem de um

consumidor mais sofisticado, que tem um conhecimento da história mundial,

que é capaz de reconhecer esses elementos, e fazer a associação proposta

pelo anúncio entre eles e o produto.

A estratégia persuasiva do anúncio, então, se baseia na apresentação de um

extremamente breve panorama histórico das revoluções modernas (embora na

versão de 30’ sejam mostradas apenas a Revolução Francesa e a aterrisagem

do homem na Lua, nas versões maiores são apresentados também o festival

de Woodstock, a destruição do Muro de Berlim e a Marcha sobre Washington,

de Martin Luther King), colocando o lançamento do carro anunciado em

posição análoga.

A construção da cenografia dessa forma visa evidenciar como diversas

revoluções em períodos históricos diferentes (todas a partir do fim da Idade

Moderna, no entanto) foram importantes e marcantes para suas respectivas

épocas e sociedades, sendo motivo de grande orgulho para os indivíduos que

participaram. De igual forma, o telespectador é convidado a participar da mais

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nova revolução, o lançamento do novo modelo HR-V da Honda, adquirindo o

produto anunciado, o que lhe fará viver uma revolução em sua garagem.

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CAPÍTULO II

Discurso publicitário, cognição e relevância

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2.1 Uma abordagem pragmática da linguagem

A Pragmática, área de pesquisa na qual este trabalho se insere, é um ramo,

dentro do campo da Linguística, de certo modo recente, quando comparado

com perspectivas como os estudos estruturalistas, por exemplo. Com seu

surgimento por volta de 1940, e introdução no país apenas em 1970, ela tem,

desde os anos 1980, passado por um forte processo de institucionalização de

seu campo de estudo, deixando a posição marginalizada em que era posta, a

princípio, para tomar lugar fundamental na compreensão de linguagem que se

tem hoje.

Voltada para a análise da linguagem em uso, isto é, de todos os componentes

que regulam a forma como falantes interagem socialmente ao porem as

estruturas da língua em funcionamento, a Pragmática tem sido cada vez mais

valorizada cientificamente justamente por considerar em suas análises

elementos extralinguísticos, próprios da situação interacional, antes relevados

pelos estudos linguísticos.

Assim, no que se chamaria um estudo ‘puramente gramatical’, no qual a

interação verbal é tratada simplesmente como sistema de codificação e

decodificação, os fatores extralinguísticos inerentes ao processo de

enunciação, como a noção de interlocutores, com intenções comunicativas

diversas, conhecimentos de mundo particulares, e em contextos específicos de

produção, são deixados de lado, desconsiderados. Essa posição desatinada

com tais elementos incapacita a acertada percepção do funcionamento da

linguagem numa situação sócio-comunicativa, somente possível adotando-se

uma perspectiva pragmática de observação.

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É o caso, por exemplo, de construções linguísticas hiperbólicas como:

(a) Eu mato alguém se tiver que preencher mais algum formulário.

Fosse a interação verbal esse simples codificar de informações, no qual cada

unidade significante tem o seu correspondente entre as unidades semânticas,

numa relação biunívoca, seria natural compreender que o enunciador na

situação acima irá, de fato, cometer um assassinato caso lhe seja pedido que

preencha mais um formulário. Como não é esse o sentido depreendido por

nenhum falante protótipo da língua portuguesa, fica evidente que, para

compreender essa construção, é necessário que se observe mais do que o

próprio enunciado.

Para comparação, observe-se este outro enunciado:

(b) Isso é um assalto. Ninguém se mexa, ou eu mato alguém.

Como explicar o fato de que a mesma expressão, gramaticalmente idêntica,

empregada nas duas frases exemplo acima, pode ter significações diferentes?

Tentando-se, então, remontar as cenas enunciativas, reconstruindo os

elementos de ordem pragmática que poderiam levar à correta interpretação do

enunciado em cada situação, pode-se facilmente imaginar, na primeira, um

cidadão tentando realizar, há tempo, um processo que considere simples, para

o qual começa a ser-lhe exigido o preenchimento de diversos formulários.

Considerando não dispor de mais tempo para as exigências da burocracia,

emprega a referida expressão como forma de externalizar sua insatisfação. Já

na segunda, imagina-se um assaltante armado que, adentrando o

estabelecimento alvo de sua ação, anuncia aos presentes o risco que correm

caso não colaborem conforme as suas exigências.

Percebe-se, dessa forma, como a alteração do enunciador (cidadão ou

assaltante), do contexto de produção (sendo atendido ou assaltando), das

intenções comunicativas (expressar insatisfação ou ameaçar), e mesmo do

conhecimento de mundo ativado (a exaustividade da burocracia ou o risco em

assaltos a mão armada) alteram também a significação de um enunciado, ou

expressão, ou palavra.

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Surge então a primeira, e principal, tensão que a Pragmática busca

compreender, o embate entre forma e função. Fica claro, pelo exemplo, que

mesmo a rigorosa manutenção da forma não resulta sempre na produção do

mesmo sentido, podendo apresentar, assim, diferente função.

Em todos os casos, portanto, em que o que se diz é diferente daquilo que se

quer dizer – o problema do significado não convencional, em que a forma é

utilizada com uma função diferente da prescrita –, a Pragmática se faz útil e

necessária, permitindo a análise dos elementos extralinguísticos, sem os quais

não é possível a devida explicação dos processos de apreensão do sentido.

Outro caso no qual a gramática balda em fornecer explicações adequadas se

verifica ao analisar a relação entre sintaxe e semântica que se estabelece na

inversão de frases. Em conforme com a semântica tradicional, é correto afirmar

que a disposição dos sintagmas na frase pode ser alterada sem haver

alteração do sentido. Assim,

(c) Eu estou te dando o dinheiro.

(d) O dinheiro, eu estou te dando.

(e) Te dando10 o dinheiro, estou eu.

significam, dentro do rigor gramatical, a mesma coisa. Entretanto, empregando-

as em um contexto conversacional, não é difícil perceber que cada enunciado

dá enfoque a uma das três informações contidas na frase. Na (c), o fato de ser

“eu” (o proprio enunciador) o agente da ação, e de a ação ser o “ato de dar”

são considerados informações conhecidas, temas. A informação nova, rema, é

o fato de ser “dinheiro”, e não outra coisa, o objeto que o enunciador esta

dando. Na (d), o enfoque é colocado no fato de a ação realizada ser o “ato de

dar”, e não emprestar, por exemplo. E na (e), o enfoque é dado sobre a pessoa

que realiza a ação, o “eu”, e não outra pessoa.

Essa posição formalista, desconsiderando a interação social (a função), é

rejeitada pelo posicionamento pragmático de análise. Assim, observa-se que a

ordem sintática dos elementos numa frase não é livremente intercambiável,

10 Registrado de acordo com a variedade oral mais popular da língua, com o uso da próclise,

mesmo no início da frase.

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mesmo mantendo-se as funções de cada elemento. Numa situação de uso da

linguagem, essas alterações representam significações diferentes, a depender,

é óbvio, dos outros fatores pragmáticos em jogo no processo enunciativo,

sendo cada uma mais adequada ao que se pretende transmitir. E é dentro da

perspectiva de análise da Pragmática que se possibilita abarcar também esses

fatores para se chegar a uma visão mais completa do processo de significação.

Vale ressaltar o fundamental papel que tem a entonação nessa questão

apresentada. Este é outro fator de grande influência sobre o sentido criado,

também fora dos alcances de uma análise estritamente textual.

Um último caso, ainda relevante para a reflexão aqui suscitada, compreende

uma questão intrínseca a língua, sendo ela um sistema representativo: a

referencialização. Assim, entende-se que, de um ponto de vista

sociointeracionista, compreender uma proposição não depende unicamente da

compreensão semântica das palavras que a compõe, a recuperação de

significados, mas também de identificar a que objeto ou ação específicos do

mundo essa palavra se refere. Ou seja, se a palavra “oculos” é empregada em

(f) Você pode me dar os meus óculos, por favor?

o interlocutor deve não só recuperar os seus conhecimentos para entender o é

um “oculos”, este objeto que ele deve entregar ao enunciador, mas também

identificar, por exemplo, se o enunciador está precisando ler alguma coisa ou

se está incomodado com a claridade do ambiente. Dependendo do caso,

“oculos”, neste enunciado, pode representar tanto o oculos de grau quanto o de

sol. Ou seja, não basta que se saiba o significado de “oculos”, é preciso que se

identifique o objeto ao qual essa palavra está se referindo naquele contexto.

Mesmo tendo instituída uma representação dialógica (significante/significado)

para os signos utilizados para referir o mundo, decodificar e depreender o seu

significado apenas pode não ser suficiente para o êxito na comunicação. É

preciso que se estabeleça também a relação concreta que aquele signo está

instaurando com a realidade naquela situação concreta de uso.

O mesmo ocorre no caso dos dêiticos, classe de palavras indispensáveis para

a comunicação em qualquer língua. Em:

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(g) Comprei esta calça ontem.

não basta que se tenha a definição teorica estéril de “ontem” como o dia que

precede o dia em que se fala. Se não for possível observar as marcas no

processo enunciativo que revelam a relação efetivamente firmada com o

mundo nesta situação específica, ou seja, se não for possível determinar o dia

em que se fala, para assim compreender a que dia se refere o “ontem”, não

será possível captar e interpretar a totalidade das implicações da mensagem

transmitida.

Mais uma vez, percebe-se que, na comunicação social humana, compreender

o significado (semântico) não garante a compreensão do sentido (pragmático).

Por essa razão, novamente, ressalta-se a importância das contribuições dos

estudos da Pragmática para a compreensão da interação verbal.

Desvalorizando-se esse campo de estudo e seu aporte para uma concepção

global de linguagem e de emprego da língua, diversas questões importantes

ficariam sem aclaramento devido.

Por fim, constata-se como, ao observar-se apenas a forma, limita-se o estudo

da língua a um sistema descontextualizado, autônomo e fechado em si mesmo,

enquanto que, por meio da observância da função, é possível compreender,

considerando-se o papel do contexto e da interação social, o uso social da

língua.

Dentro desse vasto campo da pragmática, diversas teorias já foram

desenvolvidas, empenhando-se em explicar como a linguagem é posta em

prática e por quais mecanismos ou princípios ela é regida. Uma, entretanto, é

de fundamental importância para o desenvolvimento do pensamento das

relações comunicativas entre falantes, a do filósofo inglês Paul Grice, proposta

nas décadas de 1960 e 1970, introduzindo o chamado Princípio de

Cooperação.

Em suas considerações teóricas, Grice (1982, 1989) aponta para o fato de que

a comunicação verbal humana não é – e não pode ser – constituída de

enunciados soltos, com constatações desconexas, centrados em apenas um

dos interactantes da cena comunicativa, e lógicos apenas para ele, mas, antes,

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é composta por esforços cooperativos entre as partes da interação verbal, em

que ambas reconhecem ao menos um objetivo ou uma direção comum – ainda

que seja simplesmente o de manter uma relação social cortês, como numa

conversa de elevador.

E seria uma falta de racionalidade que fosse diferente; nenhum falante

depreenderia esforço para comunicar algo se não fosse sua intenção

estabelecer uma relação com seu interlocutor. Assim, essa relação se baseia

em que os falantes cooperem um com o outro, fazendo “sua contribuição

conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo

propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está

engajado.” (GRICE, 1982, p.86). Esse propósito pode tanto ser pré-

estabelecido e estrito, como numa reunião regida por uma pauta de assuntos,

quanto pode ser indefinido e ir sendo concebido ao longo da interação, como

numa conversa casual.

Entretanto, mesmo no caso de uma conversa casual entre amigos, por

exemplo, a cada escolha concretizada no decorrer da interação comunicativa,

certas opções se tornam incompatíveis com a direção em que a conversação

está seguindo. Certos assuntos, ou certas maneiras de falar, ou diferentes

possibilidades antes aceitáveis passam a ser excluídos do paradigma

conversacional esperado naquela situação. Ou seja, quer por uma

predefinição, quer pelo combinado acertado ao longo da situação comunicativa,

as contribuições conversacionais de cada falante devem seguir algumas

normas, que as qualificam como “tais como requeridas”, ou esperadas – sendo

assim aceitas e compreendidas como um esforço cooperativo no processo de

interação verbal –, ou não.

Sendo assim, o Princípio de Cooperação seria uma espécie de contrato

estabelecido socialmente e pressuposto em cada interação verbal em que os

falantes se engajam, a fim de que a comunicação se estabeleça de forma

satisfatória.

Outro conceito introduzido por Grice, de papel central em todas as suas

observações, é o de implicaturas. Imaginemos a seguinte situação: uma

criança entra em uma loja de jogos, com cinco reais que acaba de ganhar de

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seus pais para ‘comprar o que quiser’. Ao aproximar-se do balcão, pergunta ao

atendente: “Que videogame eu posso comprar com esse dinheiro?”,

entregando-lhe a nota. Ao que o atendente responde: “Volte quando tiver cem

dessas”. Até mesmo a inocente criança compreenderia, pela resposta do

atendente, que o dinheiro que ela possuía não era o suficiente para comprar

nenhum videogame que fosse, mesmo o atendente nunca tendo dito isso. Sim,

ao observar a resposta com frieza, nota-se que o que foi dito pelo atendente

nada tem a ver com o que entendemos do que foi dito. A conclusão de que não

seria possível comprar nenhum videogame com aquele dinheiro é, na verdade,

uma inferência, deixada pelo falante para que seu interlocutor a depreenda

(neste caso, provavelmente com o intuito de não magoar o garoto, dizendo

explicitamente que ele não tinha condições de fazer a aquisição desejada) – e,

apesar disso, não se faz necessário que se explique o que se quis dizer, pois

essas inferências são sempre claras e precisas, dentro daquele contexto

comunicativo específico.

É importante que se note, neste momento, a diferença entre o que é dito e o

que se quis dizer. Como Grice esclarece: “No sentido em que estou usando a

palavra dizer, o que alguém disse está intimamente relacionado ao significado

convencional das palavras (da sentença) que esta usando” (GRICE, 1982,

p.84). Assim, tudo o que se pode entender que um falante quis dizer, que não

está dito, é o que Grice chama de implicatura, ou o que foi implicitado.

Como neste outro exemplo, mais sutil. “Vou embora mais cedo, pois ainda

tenho que passar no mercado”. Não há dúvidas de que o que está sendo

comunicado aqui é que o motivo para o falante ir embora mais cedo é o fato de

ter de passar no mercado e que, se não o tivesse de fazer, ficaria. No entanto,

apesar de encadear essas duas ideias (ir embora mais cedo e passar no

mercado) de modo a transmitir essa mensagem, o falante, na realidade, não

disse (no sentido aqui adotado) que ir embora mais cedo é consequência de ter

de passar no mercado, mas sim o implicitou – nesse caso, por meio da

conjunção.

A diferença de proporção ou de sutileza entre os dois exemplos dados aponta

para uma diferença de classificação conceitual entre as respectivas

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implicaturas. Esta última, mais sutil, que um falante ordinário da língua muitas

vezes talvez nem perceba como ‘não dita’, representa as chamadas

implicaturas convencionais, e o que as determina como tais é o fato de elas

serem depreendidas de um âmbito semântico, ou seja, de relações lógicas

entre o significado das palavras, sua significação convencional, levando o

ouvinte a concluir, ou inferir, informações que não foram explicitamente ditas –

como demonstrado. Já a implicatura que aparece mais evidentemente, pelo

manifesto desalinhamento entre o que foi dito e o que se quis dizer, faz parte

das chamadas implicaturas conversacionais, assim classificadas por ser

possível sua inferência somente pela observância do âmbito pragmático, isto é,

da cena enunciativa, composta pelos falantes, inclusive com seus cargos

sociais hierárquicos, pelo momento e local da enunciação, pelo cotexto e

conhecimento de mundo compartilhados, etc. É sobre este tipo específico, as

implicaturas conversacionais, que se desenvolvem os estudos com base no

Princípio de Cooperação (sendo esta uma teoria pragmática).

As implicaturas conversacionais, mesmo sendo, teoricamente, opções que não

poderiam ser consideradas como aceitáveis para determinado momento da

interação comunicativa específica, podem ser empregadas – em condições

favoráveis –, sem causar obstrução na comunicação ou prejuízo à

compreensão do interlocutor. Isso é possível justamente por conta do papel

desempenhado pelo Princípio de Cooperação, na relação comunicativa entre

falantes. Assumindo o princípio de cooperação, e assumindo que o enunciador

está também respeitando o princípio, o ouvinte, ao se deparar com uma

aparente violação das normas esperadas, passa pelo seguinte cálculo

(resgatando o exemplo da criança na loja de jogos): “O meu interlocutor não

respondeu minha pergunta, logo sua contribuição não foi cooperativa como

esperado. Ele, porém, não deu indicações de que não estava tentando ser

cooperativo, pois, se fosse o caso, poderia simplesmente não ter se engajado

na interação, ou deixar clara sua indisposição. Devo, portanto, supor que ele

está respeitando o Princípio de Cooperação, e que sua contribuição tem um

sentido pertinente (útil, na posição assumida por Grice sobre o propósito do

dialogo como ‘troca de informações maximamente efetiva’) neste momento

específico da situação interacional. Devo, então, procurar inferir o que o falante

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quis implicitar com o que ele disse, buscando atribuir sentido para o enunciado

neste contexto comunicativo”. Logico que, para qualquer falante prototipo, esse

cálculo funciona como algo intuitivo, o que permite que mesmo a criança o

realize.

Tendo o Princípio de Cooperação como essa espécie de contrato

conversacional a que os falantes se submetem, Grice identifica quatro

subcategorias interiores, as quais também se subdividem, no que ele nomeia

máximas. São elas:

QUANTIDADE – associada à quantidade de informação fornecida:

1. Faça com que sua contribuição seja tão informativa quanto for

requerido

2. Não faça sua contribuição mais informativa do que o requerido

QUALIDADE – associada à veracidade da informação fornecida:

1. Não diga o que você acredita ser falso

2. Não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência

adequada

RELAÇÃO – associada à relevância da informação fornecida:

1. Seja relevante.

MODO – associada à forma como a informação é fornecida:

1. Seja claro

2. Evite obscuridades

3. Evite ambiguidades

4. Seja breve (não seja prolixo desnecessariamente)

5. Seja ordenado, etc.

Assim, seriam essas as normas responsáveis por regular a comunicação entre

falantes sob o Princípio de Cooperação, determinando que tipo de contribuição

seria, de imediato, considerada um esforço cooperativo. Porém, como as

implicaturas já fazem parte dos processos comunicativos e das interações

entre falantes na aplicação da linguagem em uso, exemplos de situações em

que significados são gerados a partir da desobediência de alguma dessas

máximas são criados a todo momento, por meio dos desrespeitos às máximas.

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É necessário ressaltar que certas condições são determinantes para o sucesso

na utilização (exploit, nos termos de Grice) de uma máxima para implicar o que

se pretende de forma eficiente. Essas condições se revelam em cinco itens,

descritos por Grice, que o ouvinte deverá levar em conta:

I. O significado convencional das palavras empregadas, assim como a

identificação de qualquer referente relevante;

II. O Princípio de Cooperação e as máximas conversacionais;

III. O contexto e o cotexto da enunciação;

IV. Conhecimentos anteriores, de background;

V. A condição de que os itens especificados de I a IV são acessíveis a

ambos os interactantes, e que eles sabem que isso ocorre.

A condição V mostra-se de fundamental importância, uma vez que, se o falante

não tem à sua disposição os itens I a IV, que são fundamentais para a

inferência de uma determinada implicatura, não há porque o ouvinte inferir que

ele esteja implicitando aquilo. E, se o ouvinte não os tem a sua disposição, não

há porque o falante implicitar algo que dependa deles, uma vez que seu

interlocutor não será capaz de inferi-lo. Como demonstra Grice, em seu modelo

padrão de inferência de implicaturas:

Ele disse que p; não há nenhuma razão para supor que ele não

esteja observando as máximas ou pelo menos o Princípio de

Cooperação; ele não poderia estar fazendo isso a não ser que

ele pense que q; ele sabe (e sabe que eu sei que ele sabe)

que posso ver que a suposição de que ele pensa que q é

necessária11; ele não deu qualquer passo para impedir que

eu pensasse que q; ele tem a intenção de que eu pense, ou

pelo menos quer deixar que eu pense que q; logo, ele

implicitou que q. (GRICE, 1982, p. 93, grifo e nota de rodapé

nossos)

Segundo Grice (1989), a capacidade de expressar e reconhecer intenções é

uma das principais características da comunicação humana (pensada dentro

de um contrato social, sendo, portanto, constituída socialmente). No entanto,

11 Necessária para que se mantenha o pressuposto de que ele está respeitando o contrato

(princípio de cooperação).

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nas proposições de Sperber e Wilson, essa propriedade da interação verbal faz

parte da natureza biológica da espécie humana, colocando as tentativas de

compreensão da interação verbal e da produção de sentidos em uma outra

chave, de base cognitiva.

Outro ponto em que as propostas teóricas se opõem é no papel da relevância

dentro da comunicação. De acordo com o Princípio de Cooperação, relevância

é apenas uma das máximas (deixada em aberto, inclusive12) que devem ser

observadas na elaboração de um enunciado; nessa proposta, a relevância é

dada, é uma condição intrínseca ao enunciado (o texto já era relevante). Já

para Sperber e Wilson, a relevância (que assume papel central na teoria) é um

valor que deve ser construído, através de cálculos inferenciais, pela audiência,

e atribuído a um input.

A partir dessas e outras rupturas (que chegam até ao questionamento da

necessidade da existência de um contrato social como o princípio de

cooperação), Sperber e Wilson formulam uma nova proposta de modelo de

compreensão inferencial, gerando assim, um distanciamento entre a Teoria da

Relevância e a teoria de Grice.

2.2 A Teoria da Relevância

A proposta cognitiva de abordagem da comunicação humana, desenvolvida na

década de 1980 por Dan Sperber e Deirdre Wilson (1986, 1995, 2005),

conhecida como a Teoria da Relevância (TR), destaca-se pela revisão do

conceito de comunicação por (de)codificação, sugerindo um modelo

basicamente inferencial.

Tradicionalmente, a comunicação humana foi vista como uma forma de

compartilhar um pensamento ou uma ideia por meio de um código (a língua),

sobre o qual ambos, ouvinte e falante, tivessem domínio. Assim, essa interação

12 “Sob a categoria da RELAÇÃO, coloco uma única maxima, a saber “Seja relevante”. Embora

a máxima seja muito concisa, sua formulação oculta vários problemas que me preocupam muito [...]. Considero o tratamento de tais questões excessivamente difícil e espero retornar a elas em um trabalho posterior.” (GRICE, 1982, p.87).

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se tratava basicamente de processos de codificação e decodificação de

enunciados, para a apreensão das mensagens transmitidas.

Com a abordagem ostensivo-inferencial, proposta por Wilson e Sperber, essa

mensagem codificada passa a ser considerada como apenas um dos inputs

que o ouvinte processará a fim de inferir o significado pretendido pelo falante.

Ou seja, o falante fornece, no processo comunicativo, diversos estímulos –

incluindo, é claro, estímulos linguísticamente codificados – à sua audiência,

com o objetivo de, ostensivamente, indicar o que ele “quer dizer”. A garantia de

que o ouvinte será capaz de inferir acertadamente o que foi comunicado

constitui a afirmação central da TR: a de que expectativas de relevância

geradas por um enunciado são precisas e previsíveis o suficiente para guiar o

ouvinte na direção do significado do falante (WILSON & SPERBER, 2005,

p.222).

De acordo com a teoria, relevância é, em suma, uma propriedade atribuída aos

inputs pelos próprios falantes, que se deduz da razão entre o esforço de

processamento requerido e o efeito cognitivo alcançado. Em outras palavras,

quanto maior o esforço depreendido na compreensão de um input, menos

relevante ele se torna. Por outro lado, quanto mais efeitos cognitivos positivos

forem produzidos pelo seu processamento, mais relevante ele se torna.

E essa atribuição de relevância é feita em termos comparativos, em vez de

termos absolutos. Ou seja, um mesmo input pode ser considerado relevante

para um indivíduo em determinado contexto, enquanto que, em contexto

diferente, no qual outros estímulos mais relevantes estejam à sua disposição,

pode ser considerado pouco relevante. É importante notar que existem dois

tipos de inputs: estímulos, que são inputs para processos perceptuais; e

suposições, que são inputs para processos inferenciais. Enquanto o primeiro é

encontrado no ambiente externo ao organismo (sistema cognitivo), o segundo é

interno.

Entretanto, independentemente da origem dos inputs, o resultado do

processamento de um input só pode ser considerado relevante para um

indivíduo se seu processamento conduzir a ganhos cognitivos. A afirmação

pode parecer redundante, mas ao considerar-se que um sistema cognitivo (um

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indivíduo qualquer) possui crenças (informações que o indivíduo toma como

verdadeiras – quer por experiências anteriores, quer por suposições, etc.) e

objetivos cognitivos próprios, naturalmente restringe-se a atribuição de

relevância a inputs que, de alguma maneira, relacionam-se e interferem com

informações de background do indivíduo, seja para “responder uma questão

que ele tinha em mente, aumentar seu conhecimento em certo tópico,

esclarecer uma dúvida, confirmar uma suspeita, ou corrigir uma impressão

equivocada” (WILSON & SPERBER, 2005, p. 223). Define-se, então, o

conceito de Relevância para um indivíduo:

Uma suposição é relevante para um indivíduo em um dado momento se

e somente se ela tem efeito cognitivo positivo em um ou mais contextos

acessíveis a ele nesse momento.

Outra discussão importante dentro desse tópico é a veracidade ou falsidade

dos inputs. Uma vez que relevância só é atribuída a efeitos cognitivos que

contribuem “positivamente para o preenchimento de funções ou objetivos

cognitivos” (SPERBER & WILSON, 2005, p.187), espera-se que esses efeitos

sejam verdadeiros, caso contrário, eles acarretariam crenças falsas, que não

são posses vantajosas ou informações valorosas, mas, ao contrário, levam à

diminuição da eficiência cognitiva.

A partir de todas essas considerações acerca da relevância, os autores

chegaram à formulação de um dos princípios fundamentais da teoria, o Primero

Princípio de Relevância, ou Principio Cognitivo, que afirma:

A cognição humana tende a ser dirigida para a maximização da

relevância

Esse princípio parte da ideia de que o sistema cognitivo, como qualquer outra

função biológica, surgiu (quer pelo design inteligente, quer por fenômenos

naturais) e sofreu naturalmente adaptações em direção ao melhor desempenho

do organismo.

Melhorias no desempenho podem ser de ordem qualitativa, em que as

variantes fornecem benefícios de diferentes ordens (nesse caso, a eleição de

uma em detrimento da outra varia muito em função de alterações no ambiente

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e no genótipo – uma variante benéfica tal qual a respiração cutânea pode

deixar de desempenhar satisfatoriamente caso o ambiente, então úmido, se

torne seco, acarretando a seleção de outra variante concomitante que satisfaça

mais eficientemente as necessidades do organismo.); ou podem ser de ordem

quantitativa, em que as variantes fornecem o mesmo benefício ao custo de um

consumo energético menor (de modo geral, sob condições idênticas, é sempre

mais vantajoso obter mais benefícios com menor custo energético,

assegurando que os processos de evolução gerados pelas pressões em

direção ao melhor desempenho produzam um mecanismo biológico eficiente,

isto é, com ótimo balanceamento custo x benefício).

O exemplo dado pelos próprios autores da TR é o do funcionamento de um

músculo. Espera-se que sua “estrutura, localização e modo de operação [...]

tenderão a minimizar os custos de energia na execução de um movimento

corporal, pois é sua função produzi-lo” (SPERBER & WILSON, 2005, p.182).

De igual forma, espera-se do sistema cognitivo humano que seus diversos

mecanismos operem de forma a maximizar a eficiência, garantindo que seus

recursos de processamento (que são finitos) sejam alocados a fim de

“maximizar a probabilidade de que a informação disponível mais relevante sera

processada de maneira mais relevante” (SPERBER & WILSON, 2005, p.183).

Em termos práticos, a cognição humana tende automaticamente a selecionar

inputs potencialmente relevantes:

[...] nossos mecanismos perceptuais tendem automaticamente

a escolher estímulos potencialmente relevantes; nossos

mecanismos de recuperação de memória tendem

automaticamente a ativar suposições potencialmente

relevantes; e nossos mecanismos inferenciais tendem

espontaneamente a processá-los em um modo mais produtivo.

(WILSON & SPERBER, 2005, p.227)

O outro princípio proposto pela TR é o chamado Segundo Princípio de

Relevância, ou Princípio Comunicativo:

Todo estímulo ostensivo comunica a presunção de sua própria

relevância ótima.

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É nesse princípio que a TR se baseia para explicar como se dá a comunicação

de forma ostensivo-inferencial, introduzindo outros dois conceitos

fundamentais: o de ostensividade, e o de relevância ótima.

Para que a comunicação ostensivo-inferencial ocorra, é necessário que um

estímulo ostensivo seja produzido. Por exemplo, suponha que um falante

está andando pela cozinha de sua casa, com uma garrafa de vinho na mão,

procurando nas gavetas e armários o saca-rolhas, que seu cônjuge sabe onde

está. O cônjuge, notando que o falante está procurando pelo saca-rolhas, diz

“Esta na segunda gaveta”. Nesse caso, não houve o estabelecimento de uma

comunicação inferencial, pois nenhum estímulo ostensivo foi produzido com o

intuito de transmitir uma mensagem, mas, ao andar com a garrafa na mão, o

falante explora a natural tendência cognitiva humana de maximização da

relevância, pretendendo que seu cônjuge conclua que ele pode querer saber

onde está o abridor de garrafas. A comunicação inferencial, no entanto, requer

um grau extra de intenção:

Intenção informativa: intenção de informar algo a uma audiência

Intenção comunicativa: intenção de informar uma intenção informativa

a uma audiência

Ou seja, não basta que se tenha a intenção de transmitir uma mensagem à sua

audiência. É preciso deixar claro à audiência que se está tentando transmitir a

mensagem.

Em termos práticos, caso o falante, enquanto procurava na cozinha, tivesse se

dirigido ao cônjuge ostensivamente fazendo sinal de ‘abrir uma garrafa’, ou

tivesse dito “Preciso abrir essa garrafa”, então estaria configurado um caso de

comunicação ostensivo-inferencial. Seu cônjuge reconheceria que o gesto ou a

fala era, na verdade, um indicador de que ele queria transmitir uma mensagem

– intenção comunicativa –, e seus processos cognitivos (entraremos em

detalhes mais a frente) infeririam que o que ele queria era saber onde estava o

saca-rolhas (e não simplesmente informar sobre sua necessidade de abrir a

garrafa) – intenção informativa.

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Visto isso, ainda de acordo com o Princípio Comunicativo, tem-se que esse

estímulo ostensivo produz uma presunção de relevância ótima, ou seja, sua

audiência pode esperar que o estímulo seja otimamente relevante, cumprindo

obrigatoriamente as seguintes exigências:

É relevante o suficiente para merecer esforço de processamento da

audiência;

É o mais relevante compatível com as habilidades e preferências do

comunicador.

Esta primeira cláusula da relevância ótima reafirma a relação esforço/efeito,

discutida anteriormente; a ideia de que um input apenas será considerado

relevante caso o esforço de seu processamento não ultrapasse os ganhos

cognitivos por ele gerados. Pondo na perspectiva do falante, isto é, da

produção de inputs, ao invés da sua recepção (e atribuição de relevância) por

um ouvinte, analise-se esta situação: um indivíduo, ao perguntarem-lhe as

horas, na rua, observa que seu relógio marca 12:28. Imediatamente, ele

responde: “12:30”.

A imprecisão em sua resposta justifica-se pela cláusula primeira da relevância

otima, de modo que, ao ‘arredondar’ o horario, o falante esta diminuindo o

esforço de processamento que seria exigido de sua audiência, tornando o input

mais relevante naquele momento. Note-se que o ganho cognitivo gerado por

ambos os inputs possíveis (12:28 ou 12:30), neste caso, seria o mesmo –

independentemente da aproximação ou não do valor. Caso o falante

considerasse que, por algum motivo, a informação mais precisa traria algum

benefício a mais para o ouvinte, ele muito provavelmente escolheria essa

informação para transmitir a sua audiência, atingindo assim maior relevância.

A segunda cláusula, por outro lado, leva em conta o esforço de produção

exigido do falante, bem como suas intenções ou preferências. Assim, ao

mesmo tempo em que o falante procura, produzindo inputs de fácil

compreensão para sua audiência ou que gerem maiores efeitos cognitivos

positivos, obter relevância ótima, ele considera também o esforço que ele

próprio terá que depreender nessa produção. Ou seja, pode haver

potencialmente um input que seria mais relevante do que o que ele de fato

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produziu, mas que ele não está disposto a elaborar (por questões de esforço),

ou mesmo está satisfeito, dento de suas intenções, com os efeitos alcançados

pelo input ‘menos’ relevante (lembrando que o input, tendo sua relevância

definida comparativamente, só seria menos relevante caso o outro input tivesse

sido de fato produzido; na sua ausência, permanece esse como mais

relevante). A teoria propõe que ha, entre os falantes, certas “regras de etiqueta”

que gerenciariam quanto esforço cada parte deve empenhar.

Há também casos em que o falante simplesmente não detém a habilidade para

produzir qualquer input mais relevante, seja pela falta de informação, pela

incapacidade momentânea de produzir o estímulo eficientemente, etc.

Outra possibilidade de exploração dessa cláusula seria por meio da adição de

informações ‘extras’, sem importância particular para o falante, mas

consideradas relevantes por sua audiência, com o objetivo de assegurar que a

mensagem que o falante de fato deseja passar alcance a relevância

necessária. Por exemplo, imaginemos duas pessoas que estão indo para um

congresso na cidade de São Paulo e pretendem se encontrar durante a estada.

Uma delas é aficionada por futebol, especialmente pelo time do Palmeiras,

enquanto a outra não se interessa por esportes, em geral. Quando a aficionada

pelo Palmeiras pergunta a outra em que hotel ela vai ficar, esta responde: “Um

hotel na Av. Francisco Matarazzo, perto do estadio do Palmeiras”.

Podemos assumir que o falante não tem interesse no estádio do Palmeiras

(dado seu desinteresse em esportes), mas, ainda sim, ele o cita em sua

reposta. A explicação é a de que, sabendo que a informação seria relevante

para sua audiência (o fanático por futebol), o falante a adiciona ao seu

estímulo, esperando assim garantir que a informação que ele deseja transmitir

(a localização de seu hotel) seja mais bem assimilada, dada a relevância que o

enunciado atingiu para o ouvinte.

Outra consideração de grande importância que se depreende da relevância

ótima é a presunção de relevância que ela gera. Todo falante, querendo se

fazer compreender, tende a produzir o estímulo o mais relevante possível para

sua audiência (dentro de suas próprias capacidades e preferências). Assim, é

justificável à audiência esperar uma grande relevância do input. Essa

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presunção pode levar o ouvinte a (ter de) extrair conclusões mais fortes do que

naturalmente faria. Retomando o exemplo do abridor de garrafas, quando a

audiência processa o estímulo ostensivo oferecido – a frase “Tenho que abrir a

garrafa” –, ela poderia entender que a intenção do falante era simplesmente de

informar que tinha a necessidade de abrir a garrafa. Entretanto, essa conclusão

não traria efeitos cognitivos suficientes para justificar o esforço de

processamento (considerando, neste caso, que não haveria nenhum ganho

significativo na representação de mundo do ouvinte com essa informação) do

input. A audiência, então, continua buscando mais conclusões plausíveis que

satisfaçam sua presunção de relevância, chegando, por fim, à mensagem que

o falante queria transmitir – a de que ele queria saber onde estava o saca-

rolhas, que possibilitaria a ele atender sua necessidade de abrir a garrafa.

Esse processo de ‘aferição’ da relevância compõe parte do chamado

procedimento de compreensão à luz da relevância, que se delineia da

seguinte forma:

Siga um caminho de menor esforço no cômputo de efeitos cognitivos:

teste hipóteses interpretativas (desambiguações, resolução de

referências, implicaturas, etc.) em ordem de acessibilidade.

Pare quando suas expectativas de relevância forem satisfeitas.

Assim, a teoria conclui que a compreensão verbal se daria “com a recuperação

de um significado da sentença codificado lingüisticamente, que pode ser

enriquecido contextualmente em uma variedade de formas para gerar o

significado pleno do falante. Pode haver ambigüidades e ambivalências

referenciais para resolver, elipses para interpretar, e outras indeterminâncias

de conteúdo explicito para tratar. Pode haver implicaturas para identificar,

indeterminâncias ilocucionárias para resolver, metáforas e ironias para

interpretar. Tudo isso requer um conjunto apropriado de suposições

contextuais, que o ouvinte também deve suprir.” (WILSON & SPERBER, 2005,

p. 232). Esse procedimento então apontaria à audiência a mais provável

hipótese do significado que o falante pretendeu transmitir.

Em notas finais, reconhecemos que a Teoria da Relevância não é uma

proposta isenta de críticas, sobretudo no que diz respeito ao que alguns críticos

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apontam como sua postura reducionista. Ao considerar a mente humana como

um mecanismo de processamento de informações, que busca exclusivamente

alcançar ganhos nos níveis de conhecimento e de representação do mundo,

deixa-se de lado uma dimensão social da comunicação humana e as relações

sociais.

A despeito disso, as suas propostas ainda constituem nitidamente um dos mais

pertinentes modelos de sistema formal de deduções, dentro do campo da

Pragmática, que possibilita a interpretação e análise dos estímulos ostensivos

e do processo de comunicação inferencial, sendo, portanto, de grande valia no

desenvolvimento desta dissertação, tendo em vista os objetivos estabelecidos

para o trabalho.

Nossa proposta de associação da TR com uma análise discursiva procura,

desse modo, recuperar elementos positivos da TR para a análise da produção

e recepção de inferências sem deixar de considerar o componente social e

discursivo de toda manifestação linguística.

2.3 As peças publicitárias e seus sentidos pela Teoria da Relevância

1ª Peça:13

O primeiro aspecto que pode ser observado, à luz da Teoria da Relevância, no

comercial da Volkswagen é a escolha pela utilização de um comediante como

ator no comercial. A presença de uma personalidade famosa reconhecida por

seus trabalhos cômicos funciona como um input, ostensivamente apresentado

– pelo modo como a câmera enquadra o ator, em close, no momento de sua

introdução à cena, e pelo fato de os outros personagens (o casal)

demonstrarem surpresa ao reconhecê-lo –, que automaticamente gera uma

expectativa de relevância para o telespectador, a de que o enunciado contém

algum caráter humorístico. É essa expectativa de relevância que guia o

telespectador a entender a última fala do Leandro Hassum como uma piada,

apesar de ele próprio estar negando qualquer piada (“Piada [...]? Jamais!”).

13 As análises das três peças aqui apresentadas são elaboradas a partir da observação

descritiva já feita nas páginas 44-63, no primeiro capítulo.

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Perceba-se que o casal de atores, a quem Leandro dirige esse enunciado, não

ri, pois tomam (atuando conforme seus papéis) a interdição como séria.

Outra informação que é implicitada, ou implicada, com a presença do ator

famoso é a confiabilidade do produto. O fato de o Leandro Hassum participar

do anúncio leva o telespectador, a partir de seus conhecimentos prévios, a

realizar o seguinte calculo: “um ator de qualidade esta apresentando esse

produto, logo a qualidade do produto deve ser equivalente à do ator, caso

contrario, ele não se associaria ao produto”. Dessa forma, o ator transfere ao

produto a sua própria credibilidade, funcionando como argumento de

autoridade que assegura a confiabilidade do que é anunciado.

A imagem do casal é outra informação que leva a audiência a um processo de

inferência, na busca de depreender a mensagem que foi implicitada. O input da

figura do casal como cliente, no anúncio, gera a expectativa de relevância de

que aquele é o consumidor modelo ideal para o produto. O público-alvo

prototipo do comercial é levado pelo seguinte percurso cognitivo: “se o falante

(nesse caso, o anunciante) escolheu a imagem de um casal como input

(informação) para colocar na função de comprador (no anúncio), essa

informação provavelmente é relevante. O que o anunciante está querendo

implicitar, então, é que o produto anunciado (o carro) é destinado idealmente a

consumidores conforme a figura do casal (e suas características)”. Esse calculo

inferencial, aliado aos elementos já analisados a partir do constructo teórico da

Análise do Discurso (cf. capítulo 1 desta dissertação), permite ao ouvinte

compreender a informação que foi transmitida por meio do implícito, de que, se

ele se assemelha ao modelo de consumidor apresentado no comercial, ele

deve, assim como fez o casal, comprar o carro.

Outro momento no qual a relevância é explorada se dá na apresentação do

veículo, constituído como objeto do anúncio. No momento em que são

informados os valores da compra, de forma sincrética (pela fala do narrador e

pela placa escrita na parte superior da tela), é também apresentado o produto

que está sendo oferecido por aquele preço. Entretanto, são dadas duas

informações diferentes, de formas diferentes, e cabe ao ouvinte inferir qual

delas é a referida pelo anunciante. É feito manifesto ao telespectador,

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visualmente – a imagem central na tela –, um carro, modelo Fox (carro no qual

os atores estavam fazendo o test-drive), enquanto que é também feito

manifesto, textualmente – as letras miúdas no inferior da tela –, um carro,

modelo Gol (duas portas).

Ou seja, dois inputs são oferecidos ao ouvinte, e fica a cargo dele inferir qual

deve ser tomado como parte do sentido que o falante pretendeu transmitir.

Guiado pelos princípios da relevância, o ouvinte será levado a computar o input

que demande menor esforço de processamento. Não é difícil perceber como

uma imagem centralizada, ocupando grande parte da tela, requer menor nível

de esforço em seu processamento do que uma informação linguisticamente

codificada, exibida em letras minúsculas, no rodapé da tela. Dessa forma, o

telespectador é levado a inferir que o carro que está sendo anunciado pelo

preço informado é o modelo Fox, quando, na verdade, a oferta anunciada é

válida apenas para o modelo Gol (duas portas).

2ª Peça:

No comercial do Honda Fit, verificamos como a primeira frase da música

automaticamente chama a atenção especificamente dos telespectadores que

se encaixam no público-alvo da propaganda – consumidores jovens, de classe

média-alta, com poder aquisitivo, pensando na compra do primeiro carro. Isso

se dá porque a sentença se conecta com informação de background do

indivíduo para “responder uma questão que ele [possivelmente] tinha em

mente” (cf. item 2.2 desta dissertação, p. 77), maximizando a sua relevância.

Assim, ao enunciar “eu compro carro por [motivo]”, o comercial prenuncia uma

resposta para a pergunta que o jovem consumidor/telespectador estaria se

fazendo (como escolher seu carro, que critérios avaliar etc), fazendo-o atribuir

maior relevância à propaganda.

Outro fator a ser notado é como a escolha pela utilização da música se baseia

no processo de atribuição de relevância, em acordo com a teoria. A música, em

si, é um estímulo de mais fácil apreensão e, consequentemente, requer menos

esforço de processamento, por conta da presença de um padrão no qual ela é

elaborada – em função da repetição de uma sequência de acordes, da

composição dentro de um mesmo campo harmônico, de uma linha melódica

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orientadora. Dessa forma, esse input musical tem potencialmente uma maior

relevância, enquanto que, caso todas essas informações fossem transmitidas

na forma de um texto, ou mesmo da fala, o nível de esforço de processamento

subiria, reduzindo a relevância atribuída pela audiência ao input.

Além disso, esse input (a música) posto em evidência, leva o telespectador a

inferir a quem o anunciante está se dirigindo (informação para a qual o

anunciante deseja que seja atribuída relevância, pois isso leva o possível

cliente a se identificar com o produto). Se a forma adotada para transmitir a

mensagem foi uma música, infere-se que aquela mensagem é destinada a um

público que ouve (e gosta de) música. Em especial, por ser uma música

moderna, atual, meio eletrônica, ela tem um apelo maior a um público jovem.

Essa conclusão é reforçada pela presença dos atores jovens no comercial.

Os objetos apresentados também funcionam, cada um, como um estímulo

ostensivo, transmitindo à audiência a sua intenção de comunicar uma

mensagem, o que leva o ouvinte a realizar suposições e inferências do

significado pretendido. A princípio, a imagem de um picolé ou de uma barra de

carregamento do computador não apresentam nenhuma informação relevante

para a venda de um veículo. Entretanto, a expectativa de relevância gerada

(pela ostensividade do input) é suficiente para levar o ouvinte a buscar sentidos

nelas (sentidos e informações implicitados pelo enunciador).

Dessa forma, ao ser defrontado com a imagem de uma bexiga vermelha, por

exemplo, o telespectador procura atribuir ao estímulo um sentido que satisfaça

a expectativa de relevância criada pelo falante. Uma vez que a figura aparece

no lado esquerdo da tela, associado ao lado da emoção, um balão sendo

inflado passa, pelo processo de inferência, a comunicar euforia, empolgação,

ou taquicardia, como verbalizado na música. Note-se que a cor da bexiga –

vermelha, cor vibrante, viva, associada a emoções fortes – também foi

escolhida propositalmente com o objetivo de transmitir essa mensagem.

Dificilmente essa cor seria escolhida se a bexiga aparecesse no lado direito da

tela (o lado da razão). Possivelmente, esta seria uma bexiga de cor fria, menos

vibrante, mais calma – azul frio, por exemplo –, e conduziria o telespectador à

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inferência de conceitos como pressão, precisão e equilíbrio, provavelmente,

satisfazendo a essa outra expectativa de relevância gerada.

Por fim, a própria disposição do vídeo, com a tela dividida ao meio, e dois

estímulos diferentes sendo apresentados simultaneamente, pode ser analisada

na perspectiva da Teoria da Relevância. Isso porque, a depender da audiência,

um lado vai chamar mais atenção que o outro, à medida que nossos

mecanismos perceptuais tendem automaticamente a escolher estímulos

potencialmente relevantes (cf. p. 78 desta dissertação). Logo, o lado que se

conectar mais relevantemente a informações de background de determinado

telespectador será de maior relevância para este indivíduo, pois produzirá

maiores efeitos cognitivos positivos.

Pensando do ponto de vista da persuasão, isso é desejável, uma vez que,

dessa forma, o indivíduo guiado mais pelo lado da razão atribui

automaticamente maior relevância ao respectivo lado da tela, onde são

apresentados os argumentos que melhor se aplicam e melhor convencem esse

público – e vice-versa. A propaganda explora tanto a tendência humana à

maximização da relevância, quanto a atribuição de relevância

comparativamente, para persuadir a audiência mais eficientemente.

3ª Peça:

O primeiro aspecto que queremos destacar na 3ª peça publicitária analisada

(Honda HR-V) é como o ouvinte é capaz de corretamente apreender, de

imediato, a que esta se referindo o locutor quando profere “O Honda HR-V...”,

dado que esta é a primeira informação verbal que lhe é apresentada, e essa

relação não foi linguisticamente codificada em seu enunciado.

À luz da Teoria da Relevância, devemos observar os diversos inputs

comunicativos que são dados ao ouvinte, a fim de que ele infira o sentido

pretendido na interação, e as implicações que eles geram. Ao mencionar o

nome “Honda”, o locutor automaticamente remete o ouvinte (protótipo, dentro

do público-alvo estabelecido) à montadora automobilística, o que o direciona a

supor que a montadora é a responsável pela propaganda, e que se trata de um

comercial de carro – apesar de todos os outros elementos distintos

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apresentados (representativos da revolução francesa), pois, em meio a inputs

mais relevantes, estes são deixados de lado, até que atinjam relevância ótima

para serem processados (o que só acontecerá com a última frase da

propaganda).

Com esses conhecimentos recuperados, e as diversas imagens do veículo

(inclusive da traseira do carro, com o emblema da montadora e a inscrição HR-

V) que vão sendo apresentadas até o momento em que o locutor inicia sua

fala, o ouvinte é capaz de inferir que “HR-V”, na fala do locutor, refere-se ao

modelo do carro anunciado, e reconhecer que o veículo mostrado nas imagens

(input acessível a ele no momento, com menor esforço de processamento do

que qualquer outro) é o referido carro.

Outra questão que ressaltamos são esses inputs inicialmente deixados de lado.

Durante a propaganda, vários elementos (bandeiras, cavalos, manifestantes,

barricadas, transmissões de televisão, etc.) são apresentados ostensivamente,

porém o seu sentido só poderá ser completamente reconstruído pelo ouvinte

com o conhecimento da última frase do vídeo. Esses inputs são dados

propositadamente de forma que o telespectador não os consiga compreender,

e estabelecem, por serem apresentados ostensivamente, a presunção de sua

relevância ótima. Isso cria uma expectativa de relevância, que só é satisfeita

com o enunciado final “Honda HR-V, a revolução na sua garagem”, do qual o

ouvinte é levado a “extrair conclusões mais fortes do que naturalmente faria”

(cf. p. 82 desta dissertação), para atribuir sentido aos inputs previamente

apresentados. A partir desse input, o ouvinte reconstrói o que o falante

pretendia comunicar com as imagens apresentadas, concluindo que aqueles

itens estão sendo tratados como representativos das várias revoluções pelas

quais a humanidade passou, e que mudaram o curso da história em direção ao

avanço e ao progresso, gerando admiração por aqueles que participaram

nelas. Por inferência, o ouvinte assume que o mesmo está sendo sugerido

quanto aos que participarem, com a compra do carro apresentado, dessa

revolução na garagem.

Apontamos ainda mais uma situação em que a relevância foi explorada de

modo a fortalecer os efeitos persuasivos do anúncio. Ao enunciar sua fala, o

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locutor afirma: “O Honda HR-V conquistou os consumidores e os prêmios de

melhor SUV e melhor compra do ano entre todos os seguimentos”. Dois selos

de reconhecimento da premiação (melhor SUV e melhor compra do ano)

aparecem, juntamente com a legenda “Fonte: Revista Quatro Rodas – Edição

Jul/2015”, indicando a instituição responsável por atribuir os prêmios. Esses

dois inputs (os selos e a legenda) – apresentados como estímulos ostensivos –

atribuem ao pronunciamento do locutor um caráter oficial (com confiabilidade),

pois o ouvinte infere que as conquistas mencionadas foram certificadas pela

revista especializada. Entretanto, o primeiro item anunciado (“conquistou os

consumidores”) não é uma condecoração feita pela Quatro Rodas, mas sim

uma afirmação do próprio anunciante do produto. A mensagem, todavia, é

elaborada de forma a levar o ouvinte a inferir sentidos mais fortes do que

deveria, em busca da satisfação da expectativa de relevância: “se os dois

objetos, [os consumidores] e [os prêmios], foram subordinados, dentro da

construção sintática, ao mesmo verbo, [conquistou], e os inputs [selos] e

[legenda] asseguram a oficialidade da conquista d[os prêmios], os inputs

asseguram também a oficialidade da conquista d[os consumidores]. Caso

contrário, eles não seriam conjugados associadamente. Dessa forma, o

anunciante leva a audiência a creditar à revista especializada uma afirmação

sua, fortalecendo o efeito persuasivo da proposição.

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CONCLUSÃO

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Esta pesquisa, delineada sob o tema da produção dos sentidos e da

persuasão, procurou demonstrar de que forma o discurso publicitário elabora e

constrói suas mensagens, a fim de fortalecer seus efeitos persuasivos sobre

seu destinatário.

A partir de uma observação descritiva do conteúdo das peças selecionadas,

procedimento que permitiu perceber e identificar diversos elementos

significativos em sua organização, passamos à análise desses dados,

pautados nos aspectos definidos na introdução desta dissertação.

Um primeiro ponto analisado foi a disposição do discurso publicitário em propor

diferentes cenografias, situadas em uma dimensão social e ideológica da

prática discursiva, moldadas visando o cumprimento dos objetivos persuasivos

do anúncio. Pudemos verificar que os diferentes anunciantes optam por

apresentar seu produto por meio de cenografias muito distintas, apesar de se

tratar de uma mesma classe de produtos (carros). Cada cenografia adotada

põe em destaque aspectos diferentes, que se adaptam melhor aos propósitos

persuasivos específicos do vendedor. O comercial do Honda Fit (2ª peça), por

exemplo, se organiza de forma semelhante ao que seriam as respostas de um

cliente a uma pesquisa de opinião. Isso se dá porque o seu público-alvo é um

público, por hipótese, mais criterioso, quer saber mais sobre as vantagens que

o produto pode oferecer, quer ter mais informações para decidir pela compra

(em comparação com o público da 1ª peça, por exemplo). Elaborada dessa

forma, a mensagem tem maior influência sobre esse telespectador, e maior

probabilidade de atingir os efeitos de persuasão desejados.

Outra questão analisada foi o fato de os produtores das peças serem capazes

de predizer e manipular os estados mentais dos receptores, para fazer

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escolhas que realçassem os poderes persuasivos do comercial. Assim,

observamos como informações foram selecionadas, para serem colocadas em

evidência no anúncio, com base na tendência universal de maximização da

relevância, intrínseca à audiência. É o caso da exploração da imagem do

comediante Leandro Hassum, no comercial da Volkswagen (1ª peça), em que,

ao escolher colocar esse input (informação) em evidência, produz-se um

estado mental no telespectador fazendo-o mais propenso ao riso. Esse tipo de

previsão é necessário para guiar os produtores na elaboração da piada, ao final

do comercial, por exemplo, por meio da qual conquista-se a simpatia dos

consumidores, potencializando a influência persuasiva do anúncio.

Um terceiro aspecto que procuramos analisar diz respeito aos estímulos

ostensivos utilizados pelos produtores da mensagem com o intuito de chamar a

atenção do destinatário para uma informação implicitada, que ele deseja que a

audiência infira. Esse tópico tem estreita relação com o anterior, uma vez que o

processamento desses estímulos depende (e ocorre em função) da tendência

humana a maximizar a relevância. Entretanto, ele tem uma possibilidade de

exploração mais forte, como pudemos observar nas análises. No comercial do

Honda HR-V (3ª peça), tanto os selos de premiação quanto a legenda de

referência da fonte funcionam como estímulos ostensivos, levando o ouvinte a

realizar os processos de inferência necessários para buscar compreender a

informação implicitada. Porém, a tendência à maximização da relevância leva o

telespectador a depreender desses estímulos ostensivos informações que o

anunciante sabe não serem verdadeiras (v. p. 89 para detalhamento da

falsidade da informação). Esses estímulos são explorados pelo enunciador, de

forma a levar o ouvinte a inferir conclusões que reforçam a persuasão do

anúncio, ainda que sejam falsas (a rigor, a conclusão falsa foi tirada pelo

consumidor, isentando o anunciante).

O quarto ponto que procuramos analisar foram as estratégias empregadas na

elaboração e transmissão da mensagem, garantindo que elas atinjam uma

relevância ótima. Dentro deste objetivo, verificamos tanto a opção pela redução

do esforço de processamento do input quanto a opção pelo aumento dos

efeitos cognitivos alcançados com sua assimilação. No comercial do Honda Fit

(2ª peça), a mensagem é inteiramente transmitida por meio da música, de

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forma a reduzir os custos de processamento do input, assegurando-lhe uma

relevância ótima. Já no comercial do Honda HR-V (3ª peça), a escolha foi por

amplificar os efeitos cognitivos atingidos, ao satisfazer a expectativa de

relevância de diversos estímulos (todos os elementos que representam as

revoluções) em um mesmo input (a frase no final, slogan do anúncio). Dessa

forma, o anunciante garante uma atribuição de relevância maior a essa

informação, gerando maiores ganhos cognitivos, fazendo-a otimamente

relevante.

A última questão que nos propusemos a analisar foi como o enunciador molda

e se utiliza da imagem de si evidenciada no próprio enunciado (ethos), para

configurar-se, perante a audiência, um fiador fidedigno, intensificando seu

poder persuasivo. O anunciante se vale de elementos diversos inseridos na

construção da cenografia a fim de legitimar a imagem de si que ele pretende

passar a seus ouvintes. No anúncio do Honda Fit (2ª peça), o enunciador

transmite seu ethos apoiando-se na figura dos jovens (atores), na música

moderna, nos itens de vestuário, etc. Esses valores conferem a ele uma

legitimidade para se dirigir ao seu público-alvo (jovens, classe média-alta, etc),

colocando-o na posição de fiador confiável das informações e propostas feitas

pelo anúncio (ele – ou essa imagem dele – é que assegura que os apelos feitos

no comercial “valem a pena”, conferindo-lhe um maior poder persuasivo).

Os anúncios publicitários adotados como material de análise se mostraram um

adequado objeto de estudo, por constituírem rico exemplo da interação e dos

processos presentes na comunicação humana, permitindo-nos observar,

analisar e evidenciar aspectos pertinentes sob o escopo das teorias abarcadas

na pesquisa.

De igual forma, as teorias escolhidas foram de fundamental importância para o

desenvolvimento do trabalho, a partir de um rigor científico. Seus constructos

teóricos forneceram bases e ferramentas para analisar o material desejado de

forma satisfatória, examinando-o em sua complexidade de práticas e recursos.

Por meio da teoria discursiva, do campo da Análise do Discurso, dentro das

proposições de Maingueneau (1998, 2004, 2008a,b) – mais especificamente

com os conceitos de cenas da enunciação e ethos –, pudemos observar como

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o discurso publicitário se constitui como uma prática social, organizada na

forma de cenas enunciativas, propostas e legitimadas pelo próprio discurso, à

medida que ele vai sendo posto em funcionamento (sendo enunciado). A

organização dessas cenas, assim como a orientação geral do domínio

discursivo da publicidade, voltado para a persuasão, regula e direciona as

escolhas da linguagem para a produção dos sentidos.

Por meio da Teoria da Relevância, como proposta por Sperber e Wilson (1986,

1995, 2005), dentro do campo da Pragmática, foi possível observar e verificar

como os estímulos e informações transmitidos por meio do discurso são

articulados cognitivamente pelos falantes no processo comunicativo, em busca

da compreensão. Os interlocutores, por meio de cálculos inferenciais

específicos, tendem a selecionar na interação verbal aquilo a que eles atribuem

maior relevância, que lhes pode geram um maior ganho cognitivo,

processando-os da maneira mais eficiente possível.

O que pudemos observar por meio da utilização conjunta dessas duas teorias

foi que a construção discursiva das peças publicitárias se inscreve num âmbito

social, histórico e ideológico, com suas marcas e elementos específicos, mas

que, dentro dessa organização, depende de um mecanismo cognitivo de

depreensão de sentidos e de inferência de informações, estando também

articulada a uma série de conhecimentos de natureza cognitiva.

Por esse motivo, julgamos ter sido benéfica e produtiva a conjugação teórica

proposta, ultrapassando-se a referida “incomensurabilidade” entre os dois

ramos de pesquisa, em prol do estabelecimento de uma base conceitual que

permitisse uma abordagem analítica suficientemente abrangente, de forma a

compreender a vastidão de aspectos constituintes do material adotado, e, ao

mesmo tempo, específica, de forma a tratar satisfatoriamente das suas

particularidades e articulações internas.

Caso tivéssemos optado por uma abordagem apenas cognitivo-pragmática do

material, a análise não seria capaz de englobar as dimensões sócio-ideologico-

discursivas da produção linguística, fator fundamental para uma apropriada

elaboração das peças publicitárias, como demonstrado na pesquisa. De igual

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modo, não seria possível fazer uma análise das escolhas do enunciador

cognitivamente direcionadas em função de uma intencionalidade, tomando por

base apenas uma teoria sócio-discursiva.

Os dois constructos teóricos foram conjugados de forma a se

complementarem, fornecendo a possibilidade de se analisar essa

competência/conhecimento do falante em relação à língua e à situação de sua

utilização, aliada ao processo social de produção do discurso, à sua

organização em cenas da enunciação e o direcionamento que elas

estabelecem na produção dos sentidos.

Dessa forma, consideramos as escolhas teórico-metodológicas apropriadas (e

necessárias) tendo em vista a análise que se tencionou fazer nesta pesquisa,

justificando a junção das propostas teóricas adotadas, mostrando-se produtiva.

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REFERÊNCIAS

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Revoluções. Direção: Fabio Fernandes; Eduardo Lima. Produção: Killers, 2015.

Online. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZwkdLZ_8N9g> Acesso

em 09/05/2016.

Dueto. Direção: Fabio Fernandes; Eduardo Lima. Produção: Paranoid, 2014. Online.

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=A3IFsP6W0oE> Acesso em

09/05/2016.

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ANEXO

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ANEXO A - mídia física contendo os arquivos de vídeo das peças publicitárias

selecionadas como material de análise.