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    TECNOLOGIA, TRABALHO E FORMAO NAREFORMA CURRICULAR DO ENSINO MDIO1

    MONICA RIBEIRO DA SILVAProfessora do Departamento de Planejamento de

    Administrao Escolar da Universidade Federal do [email protected]

    RESUMO

    O trabalho investiga o modo pelo qual as proposies relativas a tecnologia, trabalho e formao,na reforma curricular do ensino mdio, foram incorporadas pelas escolas. O estudo dos documentosoficiais, em especial das Diretrizes e Parmetros Curriculares para esse nvel de ensino, indicoucomo proposies principais a associao entre saberes e suas tecnologias e a organizao docurrculo com base na prescrio de competncias. Foi encaminhado s escolas de ensino mdioda cidade de Curitiba (PR) um instrumento para obter informaes sobre quais dessas proposiesas escolas tomaram como referncia, que alteraes buscaram fazer em resposta a elas e deque forma incorporaram os dispositivos normativos em suas propostas pedaggicas. A anlisedas respostas confirma a hiptese que a apropriao da poltica curricular oficial no linearevidenciando distintos processos de incorporao que conferem reforma um alcance relativo.TECNOLOGIA TRABALHO ENSINO MDIO REFORMA DO ENSINO

    ABSTRACT

    TECHNOLOGY, WORK AND EDUCATION IN HIGH SCHOOL CURRICULUM REFORM. Thisarticle analyzes how proposals related to technology, work and education in the high schoolcurriculum reform have been incorporated by schools. An analysis of official documents, especiallythe Curriculum Guidelines and Parameters for this level of teaching, indicates that the main

    proposals are the association between knowledge and its technologies and the organization of thecurriculum based on the prescription of competencies. A questionnaire was sent to high schoolinstitutions in the city of Curitiba (state of Paran) to discover which of these proposals the schoolstook as references, which changes they tried to introduce as a response to those proposals, andhow they have incorporated the regulatory directives into their pedagogical proposals. Analysisof the answers supports the hypothesis that the appropriation of the official curriculum policy isnot uniform and there is evidence of different incorporation processes which give the reform onlya limited reach.TECHNOLOGY LABOR HIGH SCHOOL EDUCATION REFORM

    Artigo oriundo de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico eTecnolgico CNPq.

    Cadernos de Pesquisa, v.39, n.137, p.441-460, maio/ago. 2009

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    A principal inteno deste trabalho discutir as relaes entre a formu-lao de polticas educacionais e sua apropriao pelas instituies educativas,ou seja, analisar os modos pelos quais as escolas se apropriam dos dispositivos

    normativos oficiais, especialmente os que se estabelecem em momentos dereformas educacionais. Para isso, toma como objeto de anlise a reforma cur-ricular do ensino mdio empreendida a partir da dcada de 90 e analisa comoas proposies em torno das relaes entre tecnologia, trabalho e formao

    foram incorporadas pelas escolas. O estudo das propostas oficiais indicou a cen-tralidade da associao de saberes e suas tecnologias e o currculo organizadosegundo a prescrio de competncias. Entende-se que as duas proposies

    aglutinam a intencionalidade, nos textos da reforma curricular de relacionara educao de nvel mdio s mudanas ocorridas no mundo do trabalho. Aanlise dos textos normativos evidenciou equvocos conceituais nas formulaesoficiais, propiciando distintas formas de interpretao pelas escolas.

    A partir do estudo das prescries normativas, encaminhou-se s 99escolas de ensino mdio da cidade de Curitiba (PR) um instrumento com ainteno de conhecer quais das proposies oficiais essas instituies tomaramcomo referncia, que alteraes buscaram fazer em resposta a elas e de que

    forma ocorreu a incorporao dos dispositivos normativos em suas propostas/projeto poltico pedaggico PPP. Essa base emprica buscou dimensionar osprocessos pelos quais as escolas interpretaram os textos oficiais e como seorganizaram em resposta a eles. Tomou-se por hiptese que o movimentode apropriao da poltica curricular no reproduz linearmente a formulaooficial original.

    Considerou-se, para efeito de anlise, que das representaes postas aos

    educadores por meio da normatizao curricular oficial resultam aceitaoe/ou resistncia, e, com frequncia, um hbrido dessas duas modalidades.Investigar como os dispositivos normativos so lidos e interpretados peloseducadores permite uma aproximao das prticas mediante as quais a escolaproduz determinadas representaes de si mesma e do fazer com relao ao educativa. O movimento, de apropriao e de representao que aescola como instituio faz, no uniforme. Isso porque o processo de trans-

    ferncia do texto curricular de um contexto para outro evidencia-se por ummovimento de recontextualizao, por meio do qual se opera uma seleo eum processo de deslocamento dos significados tericos em direo prtica.

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    Segundo Bernstein (apud Lopes, 2002), a passagem do discurso instrucional(discurso especializado das cincias de referncia a ser transmitido na escola)para um discurso regulativo (discurso associado aos valores e aos princpios

    pedaggicos institudos) implica um movimento de recontextualizao que geraa produo de um novo discurso pedaggico.

    As proposies de mudana curricular presentes na reforma educa-cional produzem alteraes no discurso pedaggico, e mesmo que as escolasreinterpretem e reelaborem esse discurso, ele adquire legitimidade, seja aoassumir o carter de inovao, seja ao se valer da disseminao de um ideriopedaggico j legitimado. Desse modo, os dispositivos normativos de uma

    reforma educacional causam impactos sobre a cultura escolar, ainda que estalhes imprima um alcance relativo. Assim, compreende-se que,

    O fracasso ou no das reformas educativas no pode, de forma alguma, ser

    buscado ou explicado apenas pela maior ou menor eficcia das mesmas em

    resolver os problemas que atacar, mas, sobretudo, por sua capacidade de des-

    locar ou no os eixos das culturas escolares de seus lugares e, nesse processo,

    de criar oportunidades para a produo de novos sentidos e significados daescolarizao. O estudo desse fenmeno, no passado e no presente, um

    das tarefas dos investigadores das culturas escolares. (Faria Filho, 2005, p.248)

    A NORMATIZAO DA REFORMA: CURRCULO E COMPETNCIAS/SABERES E SUAS TECNOLOGIAS

    Em virtude da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao LDB

    n. 9.394/96 (Brasil,1996), que estabelece, no artigo 26, a necessidade de umabase curricular nacional comum, entre 1997 e 1998 foram elaboradas, peloConselho Nacional de Educao, as Diretrizes Curriculares Nacionais para oEnsino Fundamental e Mdio DCNEM (Brasil, 1998). Desde o incio dos anos90, no entanto, o Ministrio da Educao j vinha produzindo os ParmetrosCurriculares Nacionais PCNEM (Brasil, 1999), com o intuito de alcanaruma padronizao curricular no pas, em todos os nveis da educao bsica.

    A justif icat iva anunciada para esse conjunto de aes, no mbito doprocesso de reforma educacional, foi a necessidade de adequar a educaobrasileira s mudanas ocorridas no cenrio econmico mundial e local, que

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    trariam como imperativo a extenso da escolaridade obrigatria. Em muitos dosdispositivos legais, em particular no que se refere s proposies curricularespara o ensino mdio, constata-se o seu atrelamento sexigncias postas pelo

    mundo do trabalho.Os princpios ticos, polticos e estticos, estabelecidos para a organiza-

    o curricular no ensino mdio, convergem, nas diretrizes e parmetros curri-culares, em torno do desenvolvimento das competncias necessrias vidaem sociedade e insero no trabalho. Prope-se que o currculo das escolasmdias seja organizado em torno de competncias a serem desenvolvidas/adquiridas. O conceito de competncias vem associado ao de tecnologias,

    que, juntos, condensam o ideal de formao na reforma curricular, qual seja,o da adaptao da escola e da formao humana s demandas decorrentes doprocesso de reestruturao social e produtiva. Por essa razo, tecnologias,competncias e habilidades e adequao ao mundo do trabalho so cate-gorias centrais nas proposies da reforma curricular, bem como na anlise deseus impactos sobre as prticas educacionais.

    Nos Parmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais prescreve-se queo currculo do ensino mdio se distribua em trs grandes reas: Linguagens,

    Cdigos e suas Tecnologias, Cincias da Natureza, Matemtica e suas Tecno-logias e Cincias Humanas e suas Tecnologias.

    Qual o sentido que adquire o termo e suas tecnologias? As DiretrizesCurriculares Nacionais para o Ensino Mdio, Parecer 15/98 (Brasil, 1998) aoprescrever a incluso de suas tecnologias em cada macrorea explicita umaconcepo reducionista de tecnologia, enunciada como tcnica a ser aplica-da. A relao entre tecnologia e conhecimento cientfico tomada de forma

    limitada e pragmtica, resultado da inteno de adequao da educao escolara demandas do mercado de trabalho. A tecnologia, concebida como aplicaode determinado conhecimento, no conduz proposio de que se discuta arelao social que media a produo da tecnologia, marcada, principalmente,por razes de ordem econmica. A compreenso dos fundamentos cientfico-

    tecnolgicos dos processos produtivos, proposta na LDB, torna-se restrita,no Parecer 15/98 e nos Parmetros Curriculares Nacionais, ao aprendizadodo emprego da tecnologia por meio de atividades prticas. A possibilidade de

    uma formao capaz de compreender e questionar os fundamentos cientficose tecnolgicos circunscritos aos processos produtivos v-se, assim, subtradae, em seu lugar, tem origem uma formao que prima pelo carter utilitrio

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    dos saberes. Tais formulaes, controversas, so geradoras de um discursoinstrucional fluido e ambguo, que produz interpretaes igualmente fluidas eambguas por parte das instituies escolares.

    Quanto noo de competncias, que na reforma curricular apareceassociada de tecnologia, firma-se, inicialmente, no campo das tendncias de

    formao profissional com vistas a formar o trabalhador contemporneo. Acompetncia, definida pelas necessidades de qualificao profissional, po-deria ser sintetizada segundo a Organizao Internacional do Trabalho OIT(1997) como a capacidade produtiva de um indivduo, possvel de ser medidae definida emtermos de seu desempenho real. No se configuraria, portanto,

    na justaposio de um conjunto de conhecimentos, mas na capacidade decombin-los, integr-los e utiliz-los de modo a atender ao que requeridopelo contexto do trabalho e da produo no capitalismo contemporneo.

    As anlises acerca da adoo do modelo de competncias apontam para aslimitaes de sua generalizao para as esferas do currculo que ultrapassamos objetivos da educao profissional, e, mesmo para esta, circunscreve umaconcepo limitada de formao.

    ...os mtodos, os procedimentos e as noes que caracterizam o modelo

    pedaggico em definio encontram no ensino tcnico e profissionalizante sua

    primeira realizao. ...Assim, a configurao das noes organizadoras desse

    modelo pedaggico objetivos, competncias, saber, savoir-faire, projeto, con-

    trato encontra sua expresso completa no ensino tcnico e profissionalizante,

    em que a centralizao sobre as aprendizagens e sobre sua avaliao nas tarefas

    dadas no disputada pela fora de uma tradio centrada sobre a transmisso

    de um patrimnio cultural. (Tanguy, Rop, 1997, p.51)

    As proposies em torno de um currculo organizado com base emcompetncias a serem desenvolvidas compem uma perspectiva funcionalistados processos de escolarizao, que em muito se assemelha pedagogia porobjetivos em voga nos anos 60 e 70 (Macedo, 2002). As teorias da competn-cia, formuladas por autores de campos distintos, como a psicologia cognitivista

    de Piaget, a sociolingstica de Chomsky e antropologia estruturalista de LvyStrauss, esto na origem das proposies contemporneas, e so portadoras deconcepes reducionistas da formao humana, na medida em que entendem

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    a relao indivduo-sociedade desprovida de sua dimenso histrico-cultural(Bernstein, 1996).

    Na definio das competncias pretendidas, os textos oficiais produzem

    listagens de competncias e, com isso, recaem em uma proposta de organiza-o do currculo em bases demasiadamente genricas, que conduzem a umaconfuso quanto ao sentido, finalidade e natureza da educao escolar e osentido, finalidade e natureza de outros espaos de formao. A esse respeito,Kuenzer exemplifica:

    A competncia analisar, interpretar e apl icar os recursos expressivos das lin-

    guagens relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, funo,organizao, estrutura das manifestaes, de acordo com as condies de pro-

    duo e recepo (DCNEM, Res. 03/98/CNE, Lngua Portuguesa) encerra um

    programa educativo para toda a vida. [...] Ou traduzir os conhecimentos sobre

    a pessoa, a sociedade, a economia, as prticas sociais e culturais em condutas de

    indagao, anlise, problematizao e protagonismo diante de situaes novas,

    problemas ou questes da vida pessoal, social, poltica, econmica e cultural

    (DCNEM, Res. 03/98/CNE, Cincias Humanas e suas Tecnologias), pareceextrapolar de longe as finalidades e a capacidade dos alunos do Ensino Mdio,

    e provavelmente de muitos dos alunos da Ps-graduao. (2000, p.18-19)

    A autora ainda observa que essas proposies induzem a uma concepodo processo pedaggico escolar que se limita a aes voltadas para a produ-o de comportamentos individuais, em que at mesmo o que produzidosocialmente tido como resultado de aes isoladas, culminando em umprocesso no qual as desigualdades e divergncias so acomodadas sob umapretensa unidade, dissolvem-se as relaes de poder e a poltica desaparecesob a racionalidade tcnica (Kuenzer, 2000, p.21).

    Nos textos da reforma curricular, quando se associa a noo de com-petncia necessidade de atribuio de sentido aos saberes escolares, ela

    tomada em sentido restrito e uti litarista. A experincia limitar-se-ia apl icabi-lidade prtica dos conhecimentos adquiridos, ao exercitar o que aprendido

    na escola em situaes da vida cotidiana. Por essa forma de pensar, a expe-rincia formativa no se concretiza. Uma vez reduzida aplicao, cria-seno aluno a ideia de que o conhecimento se limita a dar respostas imediatas s

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    situaes-problema do dia a dia, e se restringe a possibilidade de que se tomeo conhecimento como objeto da experincia que leva reflexo, crtica.Reproduz-se, em outras bases, os limites do currculo disciplinar e sequencial,

    pois no realiza a inverso necessria, ou seja, no permite o aprendizado eo exerccio da reflexo com a profundidade que a formao humana exige.

    A multiplicidade de origens e signif icados atribudos noo de com-petncias, bem como a fluidez com que tratada no mbito dos PCNEM eDCNEM, conduz a uma variedade de interpretaes e impe limites tentativadas escolas em tom-la como conceito norteador da organizao curricular,conforme pretendem os dispositivos normativos oficiais.

    Como aparecem descritas, possvel afirmar que, a par da multiplicidadee diversidade de conceituaes, h pelo menos um fator comum que confereorganicidade reforma: a noo de competncias e a associao entre sabe-res e tecnologias so tomadas como expresses que comportam a finalidadede adequao do ensino s mudanas ocorridas na sociedade. No que dizrespeito a essas mudanas, o discurso dos reformadores busca disseminar aideia, aparentemente consensual, de que seus fundamentos primeiros estona revoluo tecnolgica que estaria pressionando por transformaes no

    processo de escolarizao para produzir uma convergncia de interesses entremudanas econmicas e formao humana.

    A perspectiva de currculo proposta ope-se, segundo se afirma nosPCNEM, a um ensino descontextualizado, compartimentalizado e baseadono acmulo de informaes. A proposta curricular em pauta seria capazde dar significado ao conhecimento escolar, mediante a contextualizao;evitar a compartimentalizao, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar

    o raciocnio e a capacidade de aprender. A contextualizao dos saberes ea interdisciplinaridade,estariam, desse modo, compondo uma nova prticapedaggica, capaz de dotar de sentido o conhecimento escolar e capaz tambmde desenvolver nos alunos as competncias de que necessitariam, tendo em

    vista adequar-se ao mundo contemporneo, seja como cidados, seja comotrabalhadores, instituindo-se, assim, uma ptica de educao tecnolgicaque se alega necessria.

    Segundo as disposies da LDB consideradas no parecer 15/98 a forma-o geral reconhecida como finalidade do ensino mdio devendo no entanto

    vir associada ao mundo do trabalho por meio da oferta de conhecimento

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    acerca das tecnologias prprias das transformaes tcnico-cientficas ocorridas,principalmente, entre o final do sculo passado e incio deste. Nessa direo,esse documento tece consideraes a respeito da superao, no plano legal,

    da dualidade historicamente presente nesse nvel de ensino. Segundo o Parecer15/98, a dualidade estaria sendo superada pela incorporao do ensino mdiocomo etapa final da educao bsica, bem como pela prescrio de seu carterno profissionalizante. A preparao bsica para o trabalho, presente no Artigo35 da LDB, compreendida nas DCNEM como base para a formao de

    todos e para todos os tipos de trabalho. Nesse sentido dispe que:

    Por ser bsica, ter como referncia as mudanas nas demandas do mercadode trabalho, da a importncia da capacidade de continuar aprendendo; no

    se destina apenas queles que j esto no mercado de trabalho ou que nele

    ingressaro a curto prazo; nem ser preparao para o exerccio de profisses

    especficas ou para ocupao de postos de trabalho determinados. [...] Assim

    entendida, a preparao para o trabalho fortemente dependente da capacidade

    de aprendizagem destacar a relao da teoria com a prtica e a compreen-

    so dos processos produtivos enquanto aplicaes das cincias, em todos oscontedos curriculares. A preparao bsica para o trabalho no est, portanto,

    vinculada a nenhum componente curricular em particular, pois o trabalho deixa

    de ser obrigao ou privilgio de contedos determinados para integrar-se

    ao currculo como um todo. (Brasil, 1998)

    A par dessa compreenso, o trabalho se converte em referncia privi-legiada para as proposies seguintes. levado em considerao ainda o queestipula o Artigo 36 da LDB, quando afirma que ao concluir o ensino mdio oaluno dever ter pleno domnio dos princpios cientficos e tecnolgicos quepresidem a produo moderna. Nada mais oportuno em um contexto em quese tem firmado um discurso segundo o qual a formao para o trabalho nopode prescindir da complementaridade mencionada, sobretudo a da disposiopara se adaptar s mudanas.

    A reforma curricular do ensino mdio teve muitas de suas justif icati-

    vas formuladas com base em pretensas mudanas ocorridas no mundo dotrabalho, associadas de modo mecnico e imediato a inovaes de cartertecnolgico e organizacional. A inteno de adequao da escola a mudanas

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    no setor produtivo levou os propositores do discurso oficial ao encontro domodelo de competncias.

    O trabalho, bem como os requisitos de formao da esfera produtiva,

    so considerados nos textos da reforma curricular, como elementos pertinen-tes formao. No so alvo de uma anlise mais acurada, e muito menosda crtica sua condio de portadores de uma determinada razo que limitaa formao humana ao imperativo da adaptao. A centralidade da noo decompetncias no currculo, especialmente porque justificada e proposta pela

    via unidimensional do mercado, produz uma formao administrada, aoreforar a possibilidade de uma educao de carter instrumental e sujeita

    ao controle.

    A ESCOLA PBLICA DE ENSINO MDIO EM CURITIBA 1998-2006

    O campo utilizado para esta investigao foi a rede de ensino mdio dacidade de Curitiba. O Estado do Paran foi escolhido para anlise porque oPrograma de Expanso, Melhoria e Inovao no Ensino Mdio Proem foidesencadeado em 1996 e direcionado reforma curricular em 1998. Em

    virtude dessa precedncia, tornou a poltica de reformulao curricular desseestado uma referncia para a reforma nacional.

    A Secretaria de Estado da Educao lanou o Proem antes mesmo daatual LDB ter sido sancionada. Trata-se de um programa decorrente de con-

    vnio entre esta Secretaria e o Banco Interamericano de Desenvolvimento BID. Como primeira medida na implementao dessa poltica, a Secretaria deEducao encaminhou o fechamento de todos os cursos tcnico-profissionais,

    medida na qual incluiu, equivocadamente, os cursos de formao para o ma-gistrio (Curso Normal). As justificativas para as mudanas esto descritas noDocumento sntese,que anuncia as finalidades e aes do Proem, guiadas pelopropsito de aumentar a eficincia, eficcia e eqidade da educao mdia(Paran, 1996). No que diz respeito relao entre educao geral e formaoprofissional, o programa manifesta a inteno de adaptar o ensino mdio smudanas ocorridas nos processos produtivos, o que implicaria a extino do

    ensino tcnico-profissional, bem como a promoo de um ensino que visasseao desenvolvimento de competncias bsicas:

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    A eficcia tambm pressupe nveis de formao profissional mais exigentes do

    que os ofertados pelas habilitaes hoje existentes no Ensino Mdio. A disperso

    das habilitaes, o tempo insuficiente para a aquisio de competncias cogniti-

    vas e sociais bsicas, dificultam uma formao cientf ica slida e comprometemtanto os objetivos de formao geral como a aquisio de habilidades adequadas

    ao desempenho tcnico em mercados de trabalho dinmicos e competitivos.

    A focal izao na formao geral de qualidade e a concentrao da formao

    profissional em nveis posteriores ao Ensino Mdio pode ser uma soluo que

    otimiza os recursos e compatibiliza os objetivos mencionados. (Paran, 1996)

    J em sua proposio inicial, o Proem recebeu inmeras crticas. Estasdecorriam, dentre outros fatores, de seu carter excludente e seletivo, aoretirar do nvel mdio de ensino a possibilidade de profissionalizao, e tam-bm por estar, conceitualmente, na contramo da histria. As discusses em

    torno da nova LDB que tratavam da relao entre educao geral e profissio-nal, indicavam para a necessidade de uma formao integral, que articulasseconhecimentos cientficos e tecnolgicos a uma formao scio-histrica, decarter unitrio. A separao, portanto, no tempo e no espao, entre forma-o geral e profissional, contrariava as intenes de se produzir, no mbito donvel mdio de ensino, essa formao de carter unitrio. Sobressaa, ainda,nos debates, a defesa de uma educao que ultrapassasse os limites do atendi-mento s exigncias e necessidades imediatas da base produtiva. O quadro dereferncia conceitual no qual se situava o Proem trazia, no entanto, como umade suas justificativas, a proposta de adequao da escola mdia s mudanasno mercado de trabalho.

    Decorridos dois anos das primeiras iniciativas, em 1997, o Proem enca-minha a viabilizao de um de seus propsitos, o incentivo oferta de cursosps-mdio, tcnico-profissionais, normatizados por meio do Decreto n. 2208,de 17 de abril de 1997, da Presidncia da Repblica (Brasil, 1997) e da Delibe-rao n. 14/97, do Conselho Estadual de Educao do Paran (Paran, 1997).

    Outro subprograma do Proem Melhoria da Qualidade do EnsinoMdio visava reformulao curricular:

    Com a reestruturao curricular pretende-se diminuir a fragmentao do conhe-

    cimento, com a reduo do nmero de disciplinas existentes no atual quadro

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    curricular, as quais devero ser trabalhadas de forma articulada para garantir

    aprendizado de habilidades bsicas e de conhecimentos cientfico-tecnolgicos.

    (Paran, 1996)

    A reforma curricular buscava direcionar o ensino mdio para a educaogeral e explicitava os seguintes objetivos, dentre outros:

    Definir competncias cognitivase sociaisnorteadoras de propostas curriculares

    concernentes com a poltica estadual para o Ensino Mdio de Educao Geral;

    Elaborar proposta curricular orientada para a aquisio de competncias cogniti-

    vas e sociais, de acordo com as inovaes concebidas para o Proem, e validadasatravs da participao da comunidade educacional;

    Elaborar diretrizes de implementao dos contedos curriculares atualizados, de

    forma a gerar nas escolas capacidade de traduzir esses contedos em propostas

    pedaggicas e didticas adequadas s necessidades de seus alunos e capacidades

    de seus professores, aos recursos didticos disponveis, s suas instalaes fsicas

    e ao termo de aprendizagem que pode oferecer. (Paran, 1996)

    A partir do segundo semestre de 1998 o programa voltou-se, prepon-derantemente, para o reordenamento curricular. A Secretaria de Estado daEducao implementou um conjunto de medidas com vistas a levar as escolasa organizarem seus currculos com base no referencial de competncias. Asmedidas se compuseram de determinaes para a elaborao de novas gradescurriculares compostas pela definio de competncias e habilidades para cada

    disciplina, bem como de registros de avaliao das competncias e habilidadesdesenvolvidas. A partir de 1999, j com base nos Parmetros e DiretrizesCurriculares para o Ensino Mdio, formulados pelo governo federal, as esco-las passaram a realizar um movimento no sentido de atender s postulaesoficiais, uma vez que estas so apresentadas com carter de obrigatoriedadee vinculadas, ainda, ao financiamento.

    Com o fim de orientar as escolas nas mudanas curriculares, a Secretariade Estado da Educao encaminha, em 2000, o documento Novos paradigmas

    curriculares e alternativas de organizao pedaggica na educao bsica bra-sileira, produzido sob consultoria de Guiomar Namo e Mello, Maura Chezzi

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    Dallan e Vera Grellet (Paran, 2000). Este afirma que o direito de aprenderse concretiza quando conseguimos desenvolver no aluno um conjunto decompetncias, e que a nfase em competncias desloca o trabalho peda-

    ggico doensino para a aprendizagem. Ao definir competncias assevera:Competncia a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos(saberes, capacidades, informaes etc...) para solucionar com pertinnciae eficcia uma srie de situaes, e conclui: O contedo, portanto, no mais um fim em si mesmo, mas um meio para desenvolver competncias. As

    justificativas para essa mudana, estariam, segundo o Documento em tela, nanecessidade de se associar cidadania e trabalho:

    Descarta-se assim, tanto no ensino fundamental como no ensino mdio, a aqui -

    sio de conhecimentos enciclopdicos que s levam erudio e no preparam

    para a vida. Educar para a vida significa contextualizar, relacionar a teoria com

    a prtica, mostrando ao aluno o que aquele contedo tem a ver com a vida

    dele, porque importante e como aplic-lo numa situao real. (Paran, 2000)

    Aliadas a essas proposies, o documento indica que o trabalho educativodeve se dar a partir da interdisciplinaridade e da contextualizao e, em

    face dessa compreenso, acrescenta:

    Para desenvolver competncias preciso, antes de tudo, trabalhar por pro-

    jetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar

    seus conhecimentos e, em certa medida, complet-los. Isso pressupe uma

    pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja nazona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar o curso

    o cerne da profisso. Ensinar hoje, deveria consistir em conceber, encaixar

    e regular situaes de aprendizagem, seguindo princpios pedaggicos ativos

    construtivistas. (Paran, 2000)

    As propostas acima, convergentes em larga medida com as proposies

    nacionais, comportam, igualmente, os limites discutidos anteriormente. Caberia,nesse caso, investigar que impacto estariam gerando no interior das escolas,em seus modos de pensar e de fazer em sua cultura.

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    Essas consideraes instigadoras foram as referncias em torno dasquais se procedeu anlise das mudanas ocorridas nas escolas por meio daimplantao da reforma curricular. Entende-se que a poltica de reforma pode

    ser compreendida, e suas contradies e perspectivas explicitadas, quandose toma como objeto de investigao a constituio do discurso oficial. Noentanto, esse procedimento insuficiente se quisermos avaliar o impacto queas proposies podem causar nas escolas. Uma aproximao desses prov-

    veis impactos pode ser obtida por meio da anlise dos modos pelos quais ostextos normativos adentram os espaos escolares. Esse procedimento permitecompreender a complexa operao mediante da qual os conceitos, ideias e

    intenes podem adquirir significados distintos no interior das escolas e, aomesmo tempo, consolidar um processo de atribuio de novos sentidos sprticas educativas. A cultura escolar no se institui privada dessas prticas.Como captar esse movimento? Uma possibilidade investigar de que modoos dispositivos, normas, prescries, esto sendo apropriados pelas escolaspor meio de leituras e incorporaes que deles tm sido feitas. O que sediscutir, a seguir, o movimento de apropriao das instrues normativas,seus impactos sobre os discursos e prticas pedaggicas, e os movimentos de

    adeso e resistncia com relao s determinaes oficiais.

    IMPACTOS SOBRE AS ESCOLAS: INCORPORAO FORMAL,ADESO E RESISTNCIA

    Com base nos dados obtidos nas 52 escolas que responderam ao instru-mento enviado, reforou-se o pressuposto de que existe um duplo movimento

    gerado na e pela reforma educacional, qual seja, a produo de um conjuntode prescries sustentadas em conceitos definidores da formao que se pretendee como estes conceitos so apropriados e adaptados pela cultura escolar, somovimentos distintos e complementares, a partir dos quais a apropriao dasprescries novas, ao se confrontar com discursos e prticas j consolidados,gera movimentos de incorporao que se diferenciam de escola para escolae constituem mltiplas referncias para a realizao do trabalho escolar, ora

    distanciando-se, ora aproximando-se das formulaes normativas originais.Dentre as iniciativas da reforma curricular que foram tomadas comoreferncia no perodo pelas escolas, a pesquisa evidenciou que 95% delas

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    Monica Ribeiro da Silva

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    tomaram por base orientaes presentes nos Parmetros Curriculares para oEnsino Mdio, 82% se nortearam tambm pelas Diretrizes Curriculares Na-cionais (Parecer 15/98 do CNE), 67% mencionam o Documento Bsico para

    o Exame Nacional do Ensino Mdio Enem (Brasil, 1998a) como referncia,alm de documentos da Secretaria de Estado da Educao e/ou do ConselhoEstadual de Educao que normatizaram a reforma curricular (67%). Algumasescolas indicaram que alm dos documentos nacionais e estaduais, se basearam,

    tambm, nos conceitos da Unesco, adotando os quatro pilares aprender aser, aprender a aprender, aprender a fazer e aprender a viver juntos comosuporte para a organizao de seu trabalho (Unesco, 1999).

    Quando solicitado que relatassem algumas das mudanas feitas em seuprojeto poltico-pedaggico com base nas propostas oficiais, obtiveram-secomo respostas que as principais alteraes se deram na reviso curricular enos registros dos processos de avaliao. No que se refere s mudanas curri-culares, afirmaram que foi dada especial nfase a projetos interdisciplinares, aos

    temas transversais e formao bsica para o trabalho. Dentre as mudanasrealizadas no texto do projeto Poltico Pedaggico ou Proposta Pedaggica daescola, foram indicadas as seguintes proposies: 82% das escolas utilizaram

    as definies de habilidades e competncias em seus currculos; 78% men-cionam as relaes entre os saberes (contedos) e suas tecnologias; e 55%explicitam a preocupao com a formao para o trabalho, caracterizando umprocesso de incorporao das proposies oficiais.

    Apenas 15% das escolas informaram que no tiveram como inteno aadoo desses referenciais, e explicitaram outras finalidades para o ensino m-dio, tais como, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento

    crtico do aluno. O texto dessas escolas evidencia uma aproximao com aantiga proposta da Secretaria Estadual de Educao do Paran O currculobsico (Paran, 2000) , fundamentado na Pedagogia Histrico-Crtica, e, se-gundo as afirmaes, possvel inferir que estas escolas optaram por alguma

    forma de resistncia s mudanas:

    O nosso PPP organiza-se a partir de dois princpios: os alunos aprendem em

    tempos e formas diferentes; o conhecimento social porque produzido na epelas relaes de trabalho. Entendemos que o acesso cultura, sociedade e

    ao trabalho se d pelo domnio do conhecimento, o qual tambm est presente

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    nas reas do conhecimento enquanto ferramenta necessria para problematizar

    a prtica social, para ento poder transform-la. (Declarao de uma escola)

    As respostas obtidas das escolas que afirmam ter procedido reela-borao de suas propostas para atender normatizao oficial, conduzem interpretao de que 63% delas procederam a uma incorporao apenas

    formal das proposies isto , do a entender, explcita ou implicitamente, quereformularam seus propostas/projeto poltico-pedaggico estruturando-os combase na definio de competncias e habilidades e/ou na relao entre saberese suas tecnologias, mas no produziram alteraes nas prticas pedaggicas.

    Algumas das escolas justificam essa situao afirmando que os professores noentenderam que seria necessrio por em prtica as alteraes. Outras atribuemessa incorporao formal a dificuldades de interpretao das proposies ofi-ciais, ou a dificuldades de organizao das prprias escolas:

    Percebeu-se que a escrita da proposta tem novos elementos: habilidades,

    competncias, tecnologias... No entanto, no houve incorporao na prtica.

    Os PCNs trazem uma linguagem formal/tcnica de difcil entendimento. Paraarticular esse trabalho pedaggico seria necessrio um coordenador de rea.

    Portanto, continuamos trabalhando por disciplina, selecionando os contedos a

    partir de uma seqncia, relao de saberes, dando possibilidades para o ingresso

    na graduao, cursos tcnicos, de aperfeioamento do exerccio da cidadania.

    Dentre as escolas que afirmaram ter produzido alteraes em suas pr-

    ticas com o fim de adequ-las aos propsitos da reforma, verificam-se algumasconvergncias em torno da ideia de vinculao entre os saberes disciplinares eos saberes do cotidiano, o que aproxima as mudanas feitas das formulaesdos textos oficiais. Observa-se, no entanto, um deslocamento de sentidoquando as escolas atribuem especial nfase vinculao dos saberes escola-res aos saberes pessoais, em detrimento dos saberes originados em prticassociais e culturais. A explicao para esse deslocamento pode se sustentar emduas hipteses, no necessariamente excludentes: ou o texto normativo no

    suficientemente claro, produzindo ambiguidades em sua interpretao, ouos sujeitos que o interpretam optam pelo sentido mais pragmtico, que tornamais tangvel a mudana das prticas.

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    Monica Ribeiro da Silva

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    Observa-se ainda no texto de algumas escolas uma confuso, isto ,a fuso de mltiplos discursos:

    Na organizao curricular est citado no subitem ensino fundamental e mdio

    como exemplo: a prioridade nesta organizao a formao tica e o de-

    senvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtico dos alunos,

    deseja-se que os estudantes desenvolvam competncias bsicas que lhe permi-

    tam aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser .

    Das escolas que fazem meno explcita tentativa de por em prticaas relaes entre saberes e tecnologias, quase a metade delas manifesta oentendimento dessa relao como possibilidade de o aluno ter acesso ao usoda tecnologia, isto , ao computador ou a outra tecnologia da informao e co-municao, e associam essa ideia necessidade de preparao para o trabalho.Das apropriaes feitas pelas escolas analisadas possvel afirmar a presena deuma concepo reducionista da relao entre educao e trabalho, que resulta,provavelmente, da forma pragmtica com que prescrita e compreendida a

    relao entre tecnologia, competncias e formao humana nos documentosoficiais. Tal reducionismo limita as possibilidades de que se ultrapasse a finali -dade da educao tomada exclusivamente no sentido da adaptao da escolas mudanas gestadas no mundo do trabalho. Uma concepo de educaomdia tecnolgica que supere essa perspectiva reducionista deveria sercapaz de produzir, ao mesmo tempo, o domnio instrumental do aparato tc-nico, bem como a compreenso crtica dos condicionantes histrico-culturais

    da produo de tecnologia (Ferreti, 1997; Kuenzer, 2002).

    CONSIDERAES FINAIS

    Foi possvel averiguar que nem todas as escolas pesquisadas se voltarampara o cumprimento das prescries oficiais, ainda que muitas realizassem umaincorporao apenas formal dessas proposies, foi possvel dimensionar o

    peso atribudo ao discurso oficial: a quase totalidade das instituies pesquisadasrealizou algum tipo de incorporao das propostas presentes nos documentosque visaram reforma curricular. Foram poucas as que, intencionalmente, ofe-

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    receram resistncia incorporao das proposies normativas e explicitaramisso em suas respostas.

    Como as escolas interpretaram as proposies oficiais? Algumas estabe-

    leceram uma relao direta entre saberes, tecnologias e mercado de trabalho,e verbalizaram essa vinculao em suas propostas. Desenvolver competnciase habilidades, para a maioria delas, algo decorrente da associao entre ossaberes/contedos e o cotidiano dos alunos. As poucas escolas que reorga-nizaram seu fazer pedaggico com essa finalidade informaram que o trabalhocom projetos foi destacado como possibilidade de produzir a relao entresaberes escolares e sua utilizao/aplicao no dia a dia dos alunos. Dessas

    informaes possvel inferir a ocorrncia de atribuio de um sentido prag-mtico ao conhecimento, valorizado principalmente em sua dimenso utilitria.A apropriao da noo de competncias associada relao entre sabe-

    res e tecnologias tem como consequncias alteraes na realizao do trabalhopedaggico, ao redefinir os tempos, espaos e saberes com base nos quaisele se realiza. Essa reconfigurao necessita ser problematizada, indagando-se,por exemplo, em que medida a vinculao mecnica dos saberes ensinadosna escola a saberes do cotidiano no estaria gerando um empobrecimento

    dos saberes de referncia que caracterizam as reas especficas de formaoe atuao docente.

    Ainda que para a maioria das escolas a incorporao dos dispositivosnormativos oficiais tenha ocorrido apenas de maneira formal, isso no signi-

    fica que houve um movimento intencional de resistncia s propostas oficias.Algumas das escolas informaram que a mudana em suas prticas dependeriade condies estruturais mais favorveis a trabalhos interdisciplinares. Outras

    afirmaram que as inovaes no ocorreram porque os professores no com-preenderam o sentido das proposies. Verifica-se, de qualquer modo, nessasescolas, a adeso ao discurso oficial, que se legitima e redimensiona o significadodas prticas consolidadas, bem como questiona os modos de constituio do

    trabalho pedaggico, tidos como tradicionais, enciclopdicos e/ou tecnicistas.Foi possvel perceber, ainda, que as interpretaes das proposies

    oficiais se diferenciam de escola para escola. A profuso de interpretaesdeve-se, em parte, s ambiguidades e confuses do prprio discurso curricu-lar oficial, e se deve tambm ao movimento de recontextualizao produzidonos momentos de leitura e interpretao dos textos normativos, atrelados s

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    Monica Ribeiro da Silva

    458 Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009

    condies institucionais. possvel inferir dessas consideraes que entre a pro-duo de instrues normativas com vistas reforma curricular e a apropriaodessas instrues pelas escolas opera-se um movimento de recontextualizao

    mediante o qual as instituies educativas atribuem significados prprios aosdispositivos normativos oficiais, e que estes, por vezes, se distanciam de suas

    formulaes originais.Em sntese, a anlise das respostas emitidas pelas escolas evidencia que

    em muitas delas houve uma incorporao apenas formal do discurso nor-mativo; algumas delas optaram por resistir incorporao desse discurso; eoutras, buscaram implementar mudanas em suas prticas como decorrncia

    das prescries oficiais. Observa-se, assim, que o processo de produo dodiscurso oficial e sua implementao pelas escolas instituem-se como movimen-tos complementares, porm distintos, dos quais resulta um deslocamento dossignificados conceituais. Essas distintas formas de posicionamento em relao poltica curricular mostram que as escolas procedem a leituras particulares econtrastantes, gerando um movimento de apropriao que permite concluirque os impactos da reforma educacional produzem mudanas, porm, seualcance sempre relativo.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    Tecnologia, trabalho e formao...

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    Monica Ribeiro da Silva

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    Recebido em: maio 2006

    Aprovado para publicao em: janeiro 2009