Simone Rosa Nunes Reis - Dissertacao

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Comunicao e Expresso Ps-Graduao em Estudos da Traduo

SIMONE ROSA NUNES REIS

UMA COMPARAO DO TRATAMENTO DE EXPRESSES IDIOMTICAS EM QUATRO DICIONRIOS BILNGES FRANCS / PORTUGUS E PORTUGUS / FRANCS

Florianpolis, maro de 2008

SIMONE ROSA NUNES REIS

UMA COMPARAO DO TRATAMENTO DE EXPRESSES IDIOMTICAS EM QUATRO DICIONRIOS BILNGES FRANCS / PORTUGUS E PORTUGUS/ FRANCS

Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso de Ps-graduao em Estudos da Traduo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como parte dos requisitos para a obteno do ttulo de Mestre em Estudos da Traduo. rea de concentrao nica: Processos de Retextualizao. Linha de pesquisa: Lexicografia, traduo e ensino de lnguas.

Orientador: Prof. Dr. Philippe Humbl

Florianpolis, maro de 2008

AGRADECIMENTOS

Ao Andr. Aos professores Rafael Camorlinga e Philippe Humbl pela admisso e oportunidade a mim conferida para integrar o seleto grupo de alunos do PGET. Ao professor Philippe Humbl, orientador. professora Maria Cristina Parreira da Silva por ter gentilmente enviado sua tese por e-mail. Ao professor Sven Tarp pela conversa profcua que tivemos em Aarhus e pelos artigos cordialmente cedidos. s professoras que participaram da Qualificao, Cludia Borges de Fveri e Nomia Guimares Soares, pelas correes feitas no texto e dicas de como torn-lo melhor. Ao professor Werner Heidermann pela contribuio na reviso de todo o texto escrito. professora Cludia Maria Xatara por gentilmente ter enviado por e-mail vrios de seus artigos. Aos professores que ministraram as disciplinas no PGET durante o primeiro ano do curso em 2006/1-2. Aos colegas das disciplinas cursadas no decorrer do ano de 2006. secretria do PGET, Marivone Bedin, por seus servios e pela sua ateno. MUITO OBRIGADA a todos vocs!

RESUMO

Este trabalho uma pesquisa metalexicogrfica. No presente estudo, foram pesquisadas as expresses idiomticas em quatro dicionrios escolares bilnges francs-portugus e portugus-francs. Alm disso, foi feita uma comparao da macro e da microestrutura de cada obra. O tratamento das expresses idiomticas foi analisado segundo um critrio avaliativo. Os resultados mostram que os dicionrios bilnges favorecem bem mais a parte de compreenso em lngua estrangeira do que a parte de produo. Ademais, o estudo mostra que as obras no so suficientes em si, mas que se complementam.

Palavras-chave: idiomticas.

Lexicografia.

Dicionrios

bilnges.

Macroestrutura

e

microestrutura. Compreenso e produo em lngua estrangeira. Expresses

RSUM

Ce travail est une recherche mtalexicographique. Dans la prsente tude, nous avons analys le traitment donn aux expressions idiomatiques dans quatre dictionnaires scolaires bilingues franais-portugais / portugais-franais. En outre, nous avons compar la macrostructure et la microstructure de chaque ouvrage. Le traitement donn par chaque dictionnaire aux expressions idiomatiques a t soumis une valuation critique. Les rsultats montrent que les dictionnaires bilingues favorisent davantage la partie ddie la comprhension en langue trangre que celle ddie la production. De surcroit, ltude dmontre que les dictionnaires ne sont pas complets, mais se compltent les uns les autres.

Mots-cls: Lexicographie. Dictionnaires bilingues. Macrostructure et microstructure. Comprhension et production en langue trangre. Expressions idiomatiques.

SUMRIO

INTRODUO .................................................................................................................. 9 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.5.1 1.6 1.6.1 1.6.2 1.6.2.1 1.6.2.2 1.6.2.3 1.6.2.4 1.7 1.8 2 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.1.4 2.1.5 CONCEITOS BSICOS .................................................................................. 13 Viso geral da rea de Lexicografia.................................................................. 13 Aspectos de compreenso e produo .............................................................. 16 Item lexical, lexia, lema e lxico ...................................................................... 18 Expresses Idiomticas (EIs)............................................................................ 20 Tipos de dicionrios.......................................................................................... 22 Os dicionrios bilnges.................................................................................... 23 A estrutura de um dicionrio............................................................................. 24 A macroestrutura............................................................................................... 25 A microestrutura ............................................................................................... 26 Sobre as colocaes .......................................................................................... 27 Sobre a equivalncia em dicionrios bilnges ................................................. 28 Sobre exemplos em dicionrios bilnges......................................................... 30 Sobre as expresses idiomticas (EIs) .............................................................. 32 As expresses idiomticas e suas tradues ..................................................... 33 Sumrio do captulo .......................................................................................... 35 PR-ANLISE DOS DICIONRIOS COMPARADOS ................................ 37 Descrio e Anlise dos Dicionrios Comparados ........................................... 37 Michaelis Dicionrio Escolar Francs - Francs-Portugus / PortugusDicionrio Larousse francs / portugus portugus / francs: Mni, Dicionrio Francs-Portugus / Portugus-Francs, (RNAI, 1989) Rnai . 40 Dicionrio de Francs Francs-Portugus / Portugus-Francs, (BURTINComparao quanto macroestrutura............................................................... 42

Francs, (AVOLIO, J. C. & FAURY, M. L., 2002) Michaelis ..................................... 38 (LAROUSSE, 2005) Larousse....................................................................................... 39

VINHOLES, 2006) Burtin-Vinholes.............................................................................. 40

2.1.6 2.2 3 3.1 3.1.1 3.2 3.2.1 3.2.2 3.2.3 3.2.3.1 3.2.3.2 3.2.4 3.2.4.1 3.2.4.2 3.2.4.3 3.2.4.4 3.3 3.4 4 4.1 4.1.1 4.1.1.1 4.1.1.2 4.1.1.3 4.1.1.4 4.1.2 4.1.2.1 4.1.2.2 4.1.2.3 4.1.2.4

Comparao quanto microestrutura ............................................................... 44 Sumrio do captulo .......................................................................................... 46 METODOLOGIA PARA COMPARAO DOS DICIONRIOS Passos da anlise ............................................................................................... 47 Restries adotadas para viabilizar o estudo .................................................... 48 A escolha das expresses idiomticas............................................................... 50 Descrio do corpus inicial o dicionrio PIP ................................................ 50 Consideraes de outros autores sobre o uso do Web como corpus Processo de escolha das EIs .............................................................................. 54 Escolha de um grupo de EIs candidatas............................................................ 54 Seleo de um subgrupo de EIs com grande nmero de ocorrncias ............... 55 Consideraes sobre o mtodo adotado para a seleo das EIs........................ 57 Uso de dois stios distintos................................................................................ 57 EIs com alto e baixo nmero de ocorrncias .................................................... 58 Abrangncia da internet para avaliar o nmero de ocorrncias ........................ 59 Consideraes gerais......................................................................................... 60 Critrio de anlise ............................................................................................. 60 Sumrio do captulo .......................................................................................... 62 ESTUDO DE CASO: EXEMPLOS DE ANLISE DE EIs ............................ 63 Exemplos de anlise de cinco EIs ..................................................................... 63 A expresso idiomtica rompre la glace / quebrar o gelo................................ 64 Tratamento dado pelo dicionrio Michaelis ..................................................... 64 Tratamento dado pelo dicionrio Larousse....................................................... 66 Tratamento dado pelo dicionrio Rnai............................................................ 67 Tratamento dado pelo dicionrio Burtin-Vinholes............................................ 68 A expresso idiomtica poser un lapin / dar o bolo ......................................... 70 Tratamento dado pelo dicionrio Michaelis ..................................................... 71 Tratamento dado pelo dicionrio Larousse....................................................... 73 Tratamento dado pelo dicionrio Rnai............................................................ 74 Tratamento dado pelo dicionrio Burtin-Vinholes............................................ 75

QUANTO AO TRATAMENTO DE EIs.......................................................................... 47

lingstico.......................................................................................................................... 51

4.1.3 4.1.3.1 4.1.3.2 4.1.3.3 4.1.3.4 4.1.4 4.1.4.1 4.1.4.2 4.1.4.3 4.1.4.4 4.1.5 4.1.5.1 4.1.5.2 4.1.5.3 4.1.5.4 4.2 5 5.1 5.2

A expresso idiomtica jeter lponge / jogar a toalha.................................... 77 Tratamento dado pelo dicionrio Michaelis ..................................................... 77 Tratamento dado pelo dicionrio Larousse....................................................... 79 Tratamento dado pelo dicionrio Rnai............................................................ 80 Tratamento dado pelo dicionrio Burtin-Vinholes............................................ 81 A expresso idiomtica tre dans son assiette / estar no seu dia ..................... 83 Tratamento dado pelo dicionrio Michaelis ..................................................... 84 Tratamento dado pelo dicionrio Larousse....................................................... 86 Tratamento dado pelo dicionrio Rnai............................................................ 88 Tratamento dado pelo dicionrio Burtin-Vinholes............................................ 90 A expresso idiomtica (se) casser la tte / quebrar a cabea......................... 92 Tratamento dado pelo dicionrio Michaelis ..................................................... 93 Tratamento dado pelo dicionrio Larousse....................................................... 94 Tratamento dado pelo dicionrio Rnai............................................................ 96 Tratamento dado pelo dicionrio Burtin-Vinholes............................................ 97 Sumrio do captulo .......................................................................................... 99 ESTUDO DE CASO: ANLISE GLOBAL DAS EIs ................................... 100 Comparao entre os dicionrios .................................................................... 100 Sumrio do captulo ........................................................................................ 106

CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................... 107 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................ 111 APNDICE A Lista de EIs.............................................................................................. 1 APNDICE B Tabela Avaliativa..................................................................................... 9 APNDICE C Anlise concisa das 106 EIs .................................................................. 13

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INTRODUO

O dicionrio bilnge, de modo geral, pode ser designado como um instrumento de auxlio no ensino de lnguas estrangeiras. Essa designao deixa transparecer sua relativa importncia no processo de aprendizagem de lnguas. Alm de ser um importante instrumento na compreenso e produo de uma lngua estrangeira, tambm largamente utilizado para traduo (SANTOS, 2006, p. 13). Entretanto, os dicionrios bilnges so muito criticados por apresentarem lacunas, imperfeies, escassez de dados informativos e problemas de equivalncia em sua elaborao (SANTOS 2006, p. 17-18; GIMENEZ 2005, p. 11; HFLING 2006, p. 54), o que faz o consulente muitas vezes recorrer a vrios deles, a fim de elucidar dvidas e buscar uma explicao para a melhor compreenso de um dado item lexical. Alis, conforme sabido no meio metalexicogrfico, dois dos pontos em que os dicionrios bilnges falham so o problema da equivalncia e a apresentao de verbetes contextualizados, o que dificulta o melhor uso e emprego de uma palavra. Mas no h nada mais fcil do que criticar um dicionrio bilnge, como averiguou Humbl (2006, p. 271). Assim, no intuito de tornar os dicionrios bilnges mais adequados ao uso ao que se destinam, e por isso, melhores em relao aos que j existem, preciso propor novos estudos, que visam a comparao dessas obras lexicogrficas. , no entanto, necessrio comparar os dicionrios porque eles no so iguais. Primeiro, para poder orientar os professores que, por sua vez, vo orientar os alunos. Segundo, porque s dessa maneira os dicionrios podem ser melhorados, como argumenta Humbl (2006, p. 255). Um dicionrio deve ser concebido sempre tendo em vista a sua funo, o seu uso e o seu pblico. Para cada uma dessas especificidades, o dicionrio ter um formato diferente com dados e informaes tambm determinadas. Suponha trs dicionrios sobre instrumentos musicais que tragam a definio de fagote direcionada a um pblico de leigos ou aprendizes principiantes de msica, por exemplo, um escrito na lngua chinesa, outro, em dinamarqus e o seguinte, em portugus, tero eles a mesma configurao? Certamente, os dados, ou seja, tudo o que est escrito, desde a palavra-entrada at o final de um verbete, no sero os mesmos, porm todos

10 tero a mesma informao sobre o que fagote. Ainda, o tipo de linguagem utilizada ser, nesses trs dicionrios, mais acessvel, diferente da dos dicionrios direcionados para um pblico de especialistas, que supem uma quantidade grande de termos tcnicos (TARP, 2005). Outra caracterstica importante so os dados lingsticos. No necessariamente um bom dicionrio aquele que contenha mais informaes lingsticas. Para muitos usurios, a etimologia de uma palavra tem pouca ou nenhuma importncia. Dicionrios so, ento, produtos de consumo que podem assumir uma funo dependendo do interesse do usurio, seja pela busca de vocbulos de cunho cultural, seja pela busca de itens, ou por uma busca de carter didtico, para fins de aprendizagem e/ou traduo de lnguas. Por isso conceber dicionrios considerando o seu uso, finalidade e pblico predetermina toda a configurao do mesmo. (TARP, 2004c). Nesse mbito, a Metalexicografia uma rea que visa o estudo de dicionrios. Entre os diferentes tipos de dicionrios existentes, os dicionrios bilnges so o objeto de estudo desta dissertao. O presente trabalho trata dos dicionrios bilnges impressos, que foram concebidos, pelos editores, para atingirem o mercado do ensino e da aprendizagem de francs em nvel fundamental e mdio brasileiro. Por isso assumem um propsito didtico. Sob uma perspectiva de pesquisa qualitativa e quantitativa, essa dissertao baseia-se em um estudo comparativo de quatro dicionrios bilnges nos pares de lngua francs-portugus e portugus-francs, levando em conta a presena de expresses idiomticas (EIs). EIs so expresses fixas, isso quer dizer que so unidades lexicais que no admitem insero, nem substituio por outros itens lexicais. Uma abordagem mais elaborada do conceito de EI tratada no item 1.4 dessa dissertao. A escolha de EIs contendo verbos para o estudo se deve ao fato de que as EIs so unidades lexicais impregnadas de traos culturais de uma determinada lngua. Por isso, muitas vezes, constituem grande dificuldade para o processo de traduo. Alm disso, a escolha de verbos para o estudo se fez pelo fato de os verbos apresentarem uma dificuldade maior na atividade de produo, se comparado com outros itens, para os aprendizes de lngua estrangeira (HUMBL, 2001, p. 69-74). A presena de EIs em obras lexicogrficas bilnges de aprendizagem representa um campo de estudo bastante importante em Lexicografia. Para satisfazer as necessidades de um aluno / aprendiz de fase inicial de aprendizado de lngua estrangeira, o dicionrio tem de fornecer dados que contenham EIs e informaes sobre as mesmas,

11 e que venham a suprir o interesse de cada consulente especfico. Entretanto, os dicionrios do mesmo conta de apresentar expresses idiomticas munidas de informaes necessrias? Este ponto investigado neste trabalho. Os quatro dicionrios escolares usados para a anlise comparativa so considerados como mdios por comportarem de 25.000 a 50.000 verbetes. No captulo 2, cada uma dessas quatro obras descrita com mais detalhes. A partir das especificaes feitas dos dicionrios pode-se formar uma idia de como cada obra se organiza e do que cada uma tem e pode oferecer ao usurio. O fator econmico e a disponibilidade de encontrar um dicionrio bilnge na prateleira de uma livraria so fatores determinantes que levam um aluno a adquiri-lo ou no. Na maioria dos dicionrios h falta de detalhamento em seu contedo, devido a razes seja de ordem econmica, editorial, seja por uma fundamentao terica insuficiente para a confeco dos mesmos, como salienta Silva (2002, p. 13). Alm disso, deve-se levar em conta que os dicionrios bilnges podem ser mais bem elaborados, se o tipo de pblico ao qual ser dirigido for considerado. Entre outras razes, adotar medidas que visam o pblico faz com que o espao seja melhor aproveitado, visto que ser preenchido com dados necessrios e informaes pertinentes para o pblico-alvo. O ensino, a aprendizagem e a traduo tm muito a ganhar com o aperfeioamento das obras lexicogrficas. No Brasil, ainda h poucos trabalhos publicados1 sobre o tema Lexicografia. E no que concerne a pesquisas que envolvem expresses idiomticas, Xatara (1998a, p. 176) relata que so pouco consideradas nas pesquisas em Lexicografia. Em funo disso, oportuno discorrer sobre o assunto sobre o qual se apresenta um panorama dos diferentes tipos de dicionrios para depois situar mais precisamente a pesquisa desenvolvida e apontar observaes resultantes do estudo. O objetivo desta pesquisa est em observar como as expresses idiomticas so apresentadas nos dicionrios bilnges dos pares de lngua francs-portugus e portugus-francs segundo critrios de avaliao propostos neste trabalho. O estudo proposto tem a inteno de evidenciar se as EIs aparecem nas obras estudadas e1

Sobre trabalhos que fazem referncia precariedade de estudos na rea lexicogrfica envolvendo dicionrios bilnges, principalmente no Brasil, podemos citar Carvalho (2001), Silva (2002), Duran (2004), Welker (2004), Gimenez (2005), Ferini (2006), Hfling (2006). Cabe salientar que na pgina internet do professor Herbert Andreas Welker possvel encontrar uma lista de dissertaes de mestrado e de teses de doutorado na rea de Lexicografia, produzidas no Brasil, desde a primeira at a ltima registrada no ano de 2006. Disponvel em: . Acesso em: out. 2007.

12 quando sim, se fornecem informaes necessrias para uma boa compreenso e produo. Esta dissertao composta de cinco captulos. O captulo 1 aborda os conceitos bsicos, citando tericos que contriburam para o desenvolvimento do estudo da rea lexicogrfica e que serviram de base para o tema desse trabalho. Uma breve apresentao e pr-anlise dos dicionrios estudados so feitas no captulo 2. A metodologia descrita no captulo 3, descrevendo os procedimentos adotados para a realizao do trabalho, bem como os passos adotados. No captulo 4, so mostrados exemplos de anlise detalhada do tratamento dado pelos dicionrios estudados para cinco expresses idiomticas. No captulo 5, h o estudo de caso de 106 expresses idiomticas, com a exposio e a anlise dos dados resultantes do tratamento dado pelos quatro dicionrios bilnges. As consideraes finais apresentam a concluso do estudo feito.

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1 CONCEITOS BSICOS

1.1 Viso geral da rea de Lexicografia

A Lexicografia uma cincia que se ocupa do estudo cientfico das tcnicas de elaborao de um dicionrio, levando em considerao a finalidade de uma obra lexicogrfica. A Lexicografia pode ser tanto prtica quanto terica. No primeiro caso, trata-se de uma cincia levando-se em conta a elaborao de um dicionrio. No segundo caso, tambm conhecida como Metalexicografia, trata-se do estudo de problemas ligados elaborao de dicionrios, da crtica de dicionrios, da pesquisa da histria da Lexicografia, da tipologia e da pesquisa de uso de dicionrios (WELKER, 2004, p. 11). Exposto desse modo, o lexicgrafo cuida do fazer de um dicionrio, enquanto o metalexicgrafo escreve sobre o dicionrio. Longo (2006, p. 47) resume que a Lexicografia abrange duas vertentes. A primeira trata de um conjunto de pressupostos terico-metodolgicos. E a segunda cuida da aplicao desse conjunto nas atividades de elaborao de dicionrios. Para complementar essa idia, cabe destacar Silva (2002) que afirma que a Lexicografia organiza as informaes em obras especficas: os dicionrios (p. 27). A Lexicografia uma rea de estudo recente no Brasil, com cerca de trinta anos de existncia (Humbl 2006, p. 256). Por ser relativamente nova, ela ainda no alcanou uma posio totalmente independente, sendo mesmo considerada por muitos tericos como um ramo da Lingstica Aplicada, ao invs de constituir uma disciplina inteira parte. Sobre essa questo especfica, Tarp (2003, p. 22) argumenta quela lexicographie, pour quelle se dveloppe encore sur le plan thorique et pratique, devait tre considre comme une discipline ou mme une science indpendante. Les deux disciplines (linguistique et lexicographie) ont des domaines de recherche compltement diffrents. Le domaine de recherche de la linguistique est la langue qui est quelque chose dinhrent aux tres humains et qui se dveloppa pendant dix, sinon, des centaines des milliers dannes et sans laquelle nous ne pourrions communiquer, penser, emmagasiner des connaissances, cest--dire tre des humains vivants dans des socits modernes. Le domaine de recherche de la lexicographie, quant lui, sont les dictionnaires, une chose tout fait diffrente qui constitue un produit culturel de lhomme avec les caractristiques indiques ci-dessus. (TARP, 2003, p. 22).

14 Tarp (2003, p. 22) estabelece ainda que os dicionrios so produtos de utilidade e de consumo e devem ser concebidos segundo a teoria funcional em Lexicografia. Segundo o autor, essa teoria umathorie transformative qui interagit avec la pratique lexicographique, cest--dire une thorie qui non seulement examine les dictionnaires existants mais galement donne des directives pour de nouveaux projets de dictionnaire et observe comment ces directives sont rellement mises en pratique. (TARP, 2003, p. 30).

De acordo com essa teoria, Tarp (2003, p. 30) determina que as funes constituem o princpio de base de qualquer dicionrio, porque elas formam os elementos de base da teoria e da prtica lexicogrfica. Assim, qualquer informao contida dentro de uma obra lexicogrfica deve ocupar um lugar de acordo com sua funo. Fazendo uso desse conceito, para se fazer um dicionrio o lexicgrafo deveria estudar alm do tipo de usurio e suas caractersticas especficas, os contextos de uso e as necessidades especficas de cada usurio nesses contextos tambm especficos para somente, ento, estabelecer a funo que um determinado dicionrio ter a fim de fornecer ajuda a um grupo especfico de usurios (TARP, 2003, p. 28). Alm de constituir uma obra que sinnimo de referncia para consulta de uma lngua, sabe-se tambm que um mesmo dicionrio pode ter diferentes usos dependendo de quem vai us-lo. Sobre esse aspecto, Hartmann (apud BJOINT, 2000, p. 109), identificou sete funes do general-purpose dictionary, (o mesmo que dicionrio geral em portugus):1) the dictionary as an authority on usage; 2) the dictionary as a store of (difficult) vocabulary; 3) the dictionary as a tool for improving communication; 4) the dictionary as a means of strengthening the language; 5) the dictionary as a stimulus to reflection on language; 6) the dictionary as an aid to foreign-language learning; 7) the dictionary as an ideological weapon. (HARTMANN, 1983, p. 5 apud BJOINT, 2000, p. 109).

Considerar uma das funes do dicionrio como a store of (difficult) vocabulary uma viso muito restritiva: um dicionrio muito mais do que isso. O ponto que queremos evidenciar o seguinte: uma casa feita de pedras do mesmo jeito que um dicionrio feito de palavras; mas um repositrio de palavras no um dicionrio, do mesmo jeito que um repositrio de pedras no uma casa2. Um

Essa observao parafraseia H. Poincar em La Science et lHypothse: On fait la science avec des faits, comme on fait une maison avec des pierres; mais une accumulation de faits nest pas plus une science quun tas de pierres nest une maison.

2

15 dicionrio contm colocaes, modos de uso, diferentes acepes de palavras, considerando as necessidades do usurio; tudo isso faz um dicionrio ser muito mais de que um simples repositrio de palavras. Esta idia similar idia de H. Poincar de que uma cincia feita de fatos, mas de fatos organizados. Assim, um dicionrio um repositrio de palavras, mas um repositrio organizado, preferencialmente de acordo com as necessidades do usurio. Quanto s outras funes, podem ser bastante apropriadas ainda em nossos dias. Evidentemente, tal como observa Bjoint (2000, p. 109), nenhum dicionrio comportar todas essas funes. A tarefa de especificar quais funes devem entrar na elaborao de um dicionrio cabe ao lexicgrafo sem deixar de considerar o pblico em questo. Silva (2002) argumenta que o que determina a forma de um dicionrio no apenas o resultado de estudos terico-cientficos na rea de Lexicografia, mas as restries editoriais. Muitas vezes, uma soluo para a elaborao de uma obra lexicogrfica teoricamente adequada no atende s necessidades comerciais e editoriais. (p. 29). Caberia unir da melhor forma possvel os estudos lexicogrficos que abarcam diferentes aspectos da Lexicografia, tais como: (1) o tipo de usurio, (2) a funo de um dicionrio, (3) as necessidades prticas de cada pblico interessado, (4) os interesses das editoras (TARP, 2004c, p. 229 et seq.). A considerao do conjunto desses aspectos (de (1) at (4), descritos acima) contribuiria para que se publicassem obras lexicogrficas com maior grau de qualidade. Assim, cada dicionrio concebido dessa forma tenderia a ser melhor em relao aos que j existem no mercado. Em outras palavras, o dicionrio mais profcuo e til (quanto forma e ao contedo) se na sua elaborao forem levadas em conta as necessidades do usurio. Para isso necessrio estabelecer um contexto especfico de uso e o pblico alvo que se pretende atingir. Com esse conhecimento prvio e seu uso no processo de concepo do dicionrio, possvel preencher da melhor forma as expectativas dos usurios (TARP 2004b).

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1.2 Aspectos de compreenso e produo

Em estudos de lnguas estrangeiras, o dicionrio bilnge assume um papel muito importante no aprendizado, principalmente quando o aprendiz est em estgio inicial. A importncia de um dicionrio bilnge aparece tambm em uma atividade de traduo. Para atender s necessidades, sobretudo desses dois tipos de pblicos, os dicionrios bilnges devem comportar especificaes relacionadas compreenso e produo de textos. Nesse sentido, dependendo do idioma de origem do usurio, o dicionrio assumir dois propsitos diferentes de acordo com as direes dos pares de lnguas envolvidos: lngua estrangeira lngua nativa, ou lngua nativa lngua estrangeira. Do ponto de vista do aprendiz brasileiro, a parte francs-portugus a parte da compreenso e a parte portugus-francs a parte da produo. De modo similar, se o usurio for de nacionalidade francesa, a parte portugus-francs ser para compreenso e a parte francs-portugus ser usada para produo. Esta idia ilustrada na Tabela 1.1.Tabela 1.1: Uso de dicionrios em compreenso e produo de acordo com a lngua

Direo do dicionrio Lngua francs portugus brasileiro portugus francs uso em compreenso uso em produo francs portugus uso em produo uso em compreenso

Uma tabela parecida, porm com um enfoque mais pedaggico visando dicionrios semibilnges, pode ser encontrada em Duran (2004, p. 22). No seu quadro, a autora adota, entre outras caractersticas distintas, os termos codificao, ao invs de produo e decodificao para compreenso. Os dicionrios bilnges, como tm mostrado algumas pesquisas na rea de Metalexicografia, so focados bem mais para a compreenso do que para a produo. Sobre esse assunto, Humbl (2001, p. 36) ressalta que o objetivo dos estudos lexicogrficos em lngua estrangeira ajudar aprendizes no trabalho de decodificao

17 e de codificao em um idioma estrangeiro. Ainda, o autor afirma que at recentemente, o privilgio tem sido dado bem mais compreenso. Humbl (2001, p.16) observa que os dicionrios pouco mudaram em relao ao que foram cem anos atrs, isso porque os autores no entenderam as necessidades dos usurios referente produo. Humbl estabelece a diferena entre compreenso (decoding) e produo (enconding):decoding [...] involves a few mental operations after consulting a dictionary, such as adapting a translational equivalent to the context in which the unknown word was found. This, however, is not the lexicographers concern. Encoding, on the other hand, still involves several material steps. The process consists of: translating the item, having an idea of the register of the word and its syntactical, pragmatical and other constraints. These are operations which at present still imply looking for information in different places. (HUMBL, 2001, p. 16).

Para um dicionrio atender de modo satisfatrio demanda de compreenso e de produo, seria preciso a confeco de dicionrios diferentes atendendo cada funo especfica. Isso acontece porque a organizao e a microestrutura de um dicionrio voltado para a produo bastante diferente de um voltado para a compreenso, uma vez que para produzir um texto escrito, um estudante necessita de muito mais informaes do que precisaria para a compreenso. Sobre esse propsito, Xatara & Duran (2006, p. 151) escrevem que em dicionrios bilnges para codificao, cujas entradas se encontram em lngua materna, o mais importante encontrar equivalentes para unidades lexicais cujos conceitos j conhecemos. O aprendizado de uma lngua estrangeira um processo complexo porque requer uma boa assimilao do sistema da lngua estudada, que compreende seu lxico e sua gramtica. Essa assimilao implica em compreenso de textos orais e escritos e em produo de textos. Um suporte para o conhecimento do sistema lingstico de um idioma estrangeiro o dicionrio bilnge, que apresenta pginas nas duas direes de pares de lnguas para auxiliar o aprendiz no processo de compreenso e de produo de textos escritos. A questo pertinente para a teoria lexicogrfica saber se de fato os dicionrios atendem a essas necessidades do usurio (TARP 2004c, p. 229). Com relao a esse tema, Tarp (2004c, p. 230) explica que o lxico no pode ser expresso sem a gramtica e a gramtica no existe fora do lxico de uma lngua. A propsito desse assunto, o autor escreve que para um aprendiz desempenhar um estudo consciente do lxico de uma lngua estrangeira (Tarp (2004c, p. 227), the

18 conscious learning is supposed to take place either as an individually planned or conducted study or related to a specific didactic system or text book), o aprendiz precisa de categorias como: vocabulrio, significado das palavras individuais, propriedades pragmticas e estilsticas das palavras individuais e relaes semnticas entre as palavras. J em relao assimilao do sistema gramatical de uma lngua, informaes como: flexes morfolgicas, formao das palavras, sintaxe e algumas regras formais de textos orais e escritos tais como a pronncia, a ortografia e a pontuao, seriam necessrias (TARP, 2004c, p. 235). No que tange s flexes morfolgicas, Tarp (2004c, p. 231) argumenta que no basta apenas aprender os princpios gerais de flexes de substantivos, verbos e adjetivos, preciso tambm saber como esses princpios so empregados em um nvel individual de cada palavra, por exemplo, se so regulares ou irregulares. Com relao sintaxe, cada idioma tem seu princpio geral de combinao de palavras, como se pode notar atravs de colocaes, de expresses idiomticas e de provrbios. Quanto aos dicionrios bilnges, os dados lexicogrficos que eles contm, ao menos parcialmente, satisfazem as necessidades de compreenso e de produo de textos do usurio aprendiz de lngua estrangeira.

1.3 Item lexical, lexia, lema e lxico

Antes de prosseguir, convm explicitar alguns termos de uso corrente neste trabalho: unidade ou item lexical, lema, lexema e lxico. Segundo Silva (2006, p. 17), uma unidade lexical uma unidade de sentido, que corresponde a uma acepo de uma palavra (lexema em outras terminologias), cujo conjunto forma ou pode corresponder a uma palavra. A autora ressalta que o termo unidade lexical largamente aceito em meio terico, enquanto o termo palavra impreciso. Essa impreciso pode ser causada por vrios motivos, tais como: algumas unidades lexicais so palavras compostas (ex: embaixo versus em cima), outras podem ser flexionadas em gnero e grau, ou mesmo conjugadas. O leitor interessado pode consultar Silva (2002, p. 20-23) e Welker (2004. p. 17-19) para mais detalhes.

19 Lexia, conforme Silva (2002), uma unidade lexical usada em um contexto (p. 25). H a lexia simples, que uma unidade ou palavra com um sentido nico e h a lexia complexa, que um conjunto de unidades com um sentido mais ou menos cristalizado. Conforme o grau de cristalizao, pode ser classificada como combinatria, locuo ou expresso idiomtica (p. 25). No estudo aqui presente usaremos o termo lexia com o significado de um conjunto de itens lexicais que adquire um sentido prprio. Este sentido observado no PIP (2002, p 57), onde expresses idiomticas so definidas como lexias complexas. O lema tambm conhecido como entrada ou palavra-entrada e corresponde ao item lexical usado na catalogao do dicionrio. A Figura 1.1 mostra o verbo cantar tal qual aparece no dicionrio Michaelis. O lema, ou entrada, ou palavra-entrada a primeira palavra que aparece na ocorrncia especfica: cantar, no caso da Fig. 1.1. Normalmente, toma-se como lema a forma cannica de um item lexical; por exemplo, o infinitivo dos verbos e o singular masculino dos substantivos e dos adjetivos. Por exemplo, considere o conjunto de palavras moo, moa, moos, moas. A forma encontrada como entrada no dicionrio Larousse moo, a, ou seja, o singular masculino moo, seguido da partcula designante do feminino. O conjunto do lema com as informaes que seguem normalmente chamado de verbete. Assim, o contedo completo da Fig. 1.1 forma o verbete cantar no dicionrio Michaelis.

cantar [API] vt chanter. cantar certo chanter juste. cantar errado chanter faux.Figura 1.1: Verbo cantar no dicionrio Michaelis

O lxico pode ser entendido, grosso modo, como o conjunto de palavras de uma determinada lngua. Segundo Hfling (2006a), o lxico o saber partilhado que existe na conscincia dos falantes de uma lngua, constitui-se do acervo do saber vocabular de um grupo scio-lingstico e cultural (p. 32). Ainda de acordo com a autora, o lxico constitui uma forma de registrar o conhecimento e se relaciona com o processo de nomeao e cognio da realidade (p. 32). Hfling (2006a) conclui que o lxico pode ser identificado como um patrimnio vocabular de uma dada comunidade lingstica ao longo de sua histria (p. 34). Desse modo, por exemplo,

20 uma expresso idiomtica que se lexicalizou, significa que a mesma entrou para o lxico de uma lngua. Em uma perspectiva similar, Silva (2006) considera o lxico como uma estrutura lingstica pouco sistematizada, porque ele depende da realidade extralingstica. Para a referida autora, o lxico identifica e unifica uma comunidade, alm de ajudar a preservar sua histria (SILVA, 2006, p. 15). Note que as definies aqui apresentadas so suficientes para uso neste estudo. Diferentes autores podem oferecer definies ligeiramente diferentes para os termos aqui introduzidos. Um estudo mais detalhado e abrangente de como cada autor define estes termos pode ser encontrado em Welker (2004), e vai alm dos objetivos deste trabalho.

1.4 Expresses Idiomticas (EIs)

As expresses idiomticas (EIs) so expresses fixas, isso quer dizer que so unidades lexicais que no admitem insero, nem substituio por outros itens lexicais. Na concepo de Hfling (2006a, p. 47), a expresso idiomtica definida como um sintagma (no sentido de: expresso, lexia, conjunto de palavras) cristalizado, de valor metafrico, que no se flexiona. Considere por exemplo a EI a vaca foi para o brejo, que significa que algo deu errado. O sentido figurado deriva da combinao exata de palavras, que no pode ser mudada. Assim, se dissermos que o bezerro foi para o banhado, ou que o boi foi para o pntano, a expresso perde o seu contedo no-literal, bem como o efeito da EI. Conforme Xatara (1997, p. 148), (XATARA, 1998a, p. 170), (XATARA, 1998b, p. 68) e (XATARA et al. 2002, p. 184) expresso idiomtica ou idiomatismo toda lexia complexa indecomponvel, conotativa e cristalizada em um idioma pela tradio cultural. A partir dessa definio, a autora estabelece quatro aspectos, que constituem fatores responsveis pelo processo de lexicalizao de uma EI. A seguir, so identificados esses quatro aspectos, conforme a parte introdutria sobre idiomatismos do PIP (XATARA, C. & OLIVEIRA, W. L., 2002, p. 57-58), porque abordam elementos pertinentes envolvendo as EIs, ao mesmo tempo em que so

21 expostas de maneira clara e sucinta. Esses mesmos aspectos e suas explicaes tambm so abordados em todos os artigos supracitados da autora. O primeiro fator de lexicalizao de um idiomatismo refere-se ao fato de que uma EI uma unidade locucional ou frasal, que constitui uma combinatria fechada, de distribuio nica ou restrita (p. 57). Isso quer dizer que uma vez cristalizada, a EI no admite substituio de qualquer de suas palavras componentes. O segundo aspecto trata de que o sentido de uma EI dado pelo conjunto das suas unidades formadoras, mas no da soma dos significados individuais de seus elementos constituintes. Assim, a ttulo de exemplo, pr lenha na fogueira significa conotativamente avivar alguma discusso em curso e no colocar literalmente lenha em uma fogueira. Xatara (1998c, p. 3) explica que o resultado da interpretao conotativa de uma dada EI gera figuras de estilo de linguagem. Como exemplos de figuras de estilo de linguagem resultantes dessa conotao h a metfora, a metonmia, a comparao, entre outras. No caso desta dissertao, a figura de linguagem especfica na EI no relevante; o aspecto de interesse a dificuldade de traduo que advm do sentido figurado. O terceiro aspecto se refere ao fato de que para uma EI ser lexicalizada, deve estar consagrado pela tradio cultural de um idioma. Essa caracterstica se evidencia pela freqncia de uso de uma dada EI que perpassa geraes de uma mesma lngua, relatam as autoras. O quarto e ltimo aspecto refere-se a que a lexicalizao de uma EI motivada por lacunas da lngua para expressar um efeito de sentido (p. 58), como por exemplo, um eufemismo, ou uma ironia, ou uma nfase. Ou ainda, exemplificam as autoras, uma EI pode ser usada para expressar intenes estilsticas ou sutilezas de pensamentos, ambos motivados por uma emoo ou sentimento de um falante de uma determinada lngua. Por isso, as EIs se cristalizam, passam do individual para o social, para a memria coletiva (p. 58), explicam as autoras. Ou ainda, uma expresso idiomtica cristalizada porque sua significao estvel, devido freqncia de emprego, o que a consagra, escreve Xatara (1998a, p. 170) finalizando essa parte do assunto.

22

1.5 Tipos de dicionrios

Conforme descrito por Welker (2004, p. 41), h registro em estudos lexicogrficos de aproximadamente 150 tipos diferentes de dicionrios. A lista de dicionrios com suas classificaes e categorias prprias bastante extensa, e uma classificao completa foge ao escopo deste trabalho. O leitor interessado pode encontrar detalhes em trabalhos de dois autores que tratam sobre o assunto. Silva (2002, p. 111-124) aborda a tipologia de dicionrios baseada na concepo de diferentes autores, sendo que a tipologia notificada por Haench (1982), que arrola trinta e nove diferentes tipos de dicionrios existentes, preenche a maior parte da seo, porque considerada pela autora como sendo a mais completa. No captulo 3 do livro de Welker (2004, p. 35-54) tem-se uma viso geral dos principais tipos de dicionrios, com citao de autores que trataram do assunto. O prprio autor prope uma classificao para dicionrios que deveria comear pela diferenciao do formato, livro ou eletrnico, levando-se em conta que este ltimo ganha propores crescentes no mercado e, provavelmente, tende a superar a venda dos livros no futuro. A segunda caracterizao proposta pelo tipo de dicionrios, se so monolnges, bilnges ou multilnges. Por ltimo, ele prope a distino entre dicionrios gerais e especiais. O dicionrio geral caracteriza-se por ser alfabtico, e da lngua contempornea. Welker (2004), sobre o dicionrio dito geral faz a concesso de que embora a definio de geral se aplique aos dicionrios para aprendizes, estes se destacam por dirigirem-se a um determinado pblico e por conterem certas caractersticas que os diferenciam dos comuns (WELKER, 2004, p. 43). Trs tipos de dicionrio so especialmente relevantes para o estudo aqui abordado, a saber, monolnges, bilnges e semibilnges. Para estes tipos dada uma definio sucinta. Na seo que segue, o dicionrio bilnge descrito em mais detalhes, por representar o assunto dessa dissertao. Os dicionrios monolnges usam uma nica lngua para a descrio e definio dos lemas. Os dicionrios bilnges trabalham com pares de lnguas e as definies so dadas por traduo de equivalentes na outra lngua. Carvalho (2001, p. 49) explica que a diferena bsica entre os monolnges e os bilnges est no tipo de microestrutura. Enquanto os primeiros trazem definies de lemas, nos segundos encontram-se equivalncias. J os semibilnges, tambm conhecidos como

23 bilingualizados ou hbridos, distinguem-se pelo diferencial de conterem tradues na lngua-alvo nas suas definies. Segundo a definio do Dictionary of Lexicography de Hartmann & James, dicionrio bilingualizado umtype of dictionary based on a monolingual dictionary whose entries have been translated in full or in part into another language. [] The resulting hybrids combine features of the monolingual dictionary (such as the definitions formulated in the target language) with those normally associated with the bilingual dictionary (translation equivalents of head words and/ or examples) for the benefit of learner-users, especially in decoding tasks such as reading (HARTMANN & JAMES, 1998, p. 14).

1.5.1 Os dicionrios bilnges

O dicionrio bilnge apresenta a equivalncia das unidades lexicais de duas lnguas distintas, onde o usurio pode consultar a traduo de um item de um idioma para o outro. Hfling (2006, p. 53) descreve que o dicionrio bilnge uma obra de referncia que trata da equivalncia das unidades lexicais de duas lnguas distintas, fornecendo a traduo de um item de uma lngua para a outra. Trata-se de uma obra consultada com o propsito de compreenso e/ou de produo. O uso voltado para a compreenso direcionado para atividades de leitura em lngua estrangeira. J o de produo corresponde ao uso voltado para a escrita. Welker (2004) aponta que para a produo de textos, o dicionrio deve ser muito mais informativo, quanto valncia dos verbos, s colocaes e s marcas de uso, do que os dicionrios bilnges voltados compreenso. Por valncia, entende-se o conjunto de relaes do verbo com os seus complementos (que tambm podem ser chamados de argumentos), segundo Welker (2005, p.76-77). Ainda sobre o quesito valncia, Welker diz que preciso indic-la, com informaes mais detalhadas sobre como construir frases a partir dos lemas (WELKER 2004, p. 138). No entanto, conforme observa o autor, por essas informaes serem ainda insuficientes nos dicionrios bilnges, estes no contribuem muito para a produo. (WELKER 2004, p. 201). Um outro tipo de definio de dicionrio bilnge, que vale mencionar, fornecido pelo Dictionary of Lexicography, de Hartmann & James,type of dictionary with relates the vocabularies of two languages together by means of translation equivalents, in contrast to the monolingual, in which explanations are provided in

24one language. This is at once its greatest advantage and disadvantage. By providing lexical equivalents, the bilingual dictionary helps language learners and translators to read or create texts in a foreign language. However, finding suitable lexical equivalents is a notoriously difficult task, especially in pairs of languages with different cultures. []. (HARTMANN & JAMES, 1998, p. 14).

A definio acima traz uma questo bastante problemtica nos estudos desse tipo de dicionrio: a equivalncia entre duas lnguas diferentes. Nos pares de lnguas envolvidos em um dicionrio bilnge, o consulente nem sempre encontra equivalentes apropriados. Sobre esse aspecto, Szende (apud FERINI, 2006, p. 59), aponta que os dicionrios bilnges tradicionais so inadequados e insatisfatrios, visto que os equivalentes so tradues de palavras por outras palavras. Ou seja: equivalncias so dadas a conhecer sem que haja uma explicao do sentido. Considerar um emprego de um termo fora de um determinado contexto torna o trabalho de um tradutor, por exemplo, bastante complexo. Em um dicionrio bilnge comum ter uma enumerao de equivalentes, a ocorrncia de expresses e locues. Todos esses itens formadores da microestrutura de um verbete aparecem soltos, sem contextualizao o que dificulta bastante ao considerar uma atividade tradutria. Como alternativa para solucionar essa questo, Ferini (2006, p. 59) prope desconfiar dos equivalentes sem definio ou contexto. Para a autora, o tradutor deve se servir dos equivalentes como pistas para em seguida conferir em um dicionrio monolnge para confrontar os dados. Welker (2004) ressalta que muito difcil encontrar em um dicionrio bilnge todas as equivalncias e tradues adequadas de todos os itens lexicais existentes. Assim, resume o autor, um bom dicionrio destaca-se por apresentar o maior nmero possvel delas. (p. 197).

1.6 A estrutura de um dicionrio

Conforme Hfling (2006, p. 45), os dicionrios tm uma estrutura bem particular, se comparado com outros livros. So obras elaboradas para ser consultadas, por isso sua organizao segue critrios bastante especficos. Logo ao abrir um dicionrio, nota-se uma arquitetura de apresentao de seu contedo diferente de um

25 livro de literatura, por exemplo. H uma macroestrutura, tambm denominada nomenclatura, que Hfling (2006a, p. 45) chama de seqncia vertical de elementos, sendo estes ltimos chamados de entradas, que nada mais so do que o conjunto das entradas (lemas). E h uma microestrutura, que a mesma autora chama de uma seqncia horizontal que forma os verbetes, que contm informaes sobre cada entrada. Hfling (2006a, p. 46) ainda explica que a entrada cada uma das unidades lexicais includas na macroestrutura, enquanto o verbete todo o texto, incluindo a entrada, que traz informaes sobre as mesmas (p. 46). Nos dicionrios bilnges, essas informaes so fornecidas pelos equivalentes e tradues. Segundo a explicao de Carvalho (2001), para uma melhor compreenso dos componentes dos dicionrios bilnges, os lexicgrafos costumam subdividi-lo em macro e microestruturas. A primeira refere-se ao lema e a segunda, estrutura interna do verbete (p. 64). Essas subdivises em macro e microestrutura no so exclusivas dos dicionrios bilnges, tambm so designaes de estruturas de outros tipos de obras lexicogrficas. A seguir, so evidenciadas as especificaes de cada uma dessas partes integrantes do dicionrio.

1.6.1 A macroestrutura

A macroestrutura, s vezes chamada tambm de nomenclatura, refere-se parte da organizao do dicionrio, que compreende: (a) o modo como as entradas so ordenadas, (b) o formato dos verbetes, (c) o arranjo das entradas, (d) o tamanho da nomenclatura e, principalmente, (e) a escolha dos verbetes. (WELKER, 2004, p. 80 et seq.) Quanto ao item (c) acima, os dicionrios bilnges estudados nesta dissertao apontam as entradas na ordenao alfabtica. Entretanto, essa no uma caracterstica comum a todos os dicionrios bilnges. O dicionrio que emprega a ordem alfabtica na organizao das entradas recebe o nome de semasiolgico. Porm, h outras formas de organizao, como por exemplo, os dicionrios onomasiolgicos, cujas

26 entradas so agrupadas pelo tema. O arranjo das entradas se caracteriza, normalmente, pela grafia para a representao de uma lngua. Quanto ao tamanho da nomenclatura, ela pode variar de acordo com a determinao do lexicgrafo ou da editora sobre o tipo de dicionrio que quer produzir, voltado para um pblico especfico. Os dicionrios escolares, tambm denominados de mdios (tipos escolhidos para a anlise do presente estudo), contm geralmente entre 25.000 e 50.000 verbetes. Tambm fazem parte da macroestrutura os textos externos, qualificados pelos anexos, pela partes introdutrias e iniciais dos dicionrios.

1.6.2 A microestrutura

A microestrutura de um dicionrio bilnge corresponde estrutura interna do verbete, parte em que so organizadas todas as informaes a serem mencionadas acerca do lema, o qual funciona como entrada principal, explica Carvalho (2001, p. 65). A microestrutura de um dicionrio tambm pode ser entendida como o conjunto das informaes ordenadas de cada verbete aps cada entrada, e deve ser organizada de forma constante, como especifica Rey-Debove (apud WELKER, 2004, p. 107). Em outras palavras, o conjunto de informaes, dispostas em uma ordem pr-estabelecida, que sucedem o lema. Silva (2002) tambm ressalta a importncia da organizao constante na microestrutura de um dicionrio:a microestrutura deve ser constante em todos os verbetes: deve seguir o rol de critrios prestabelecidos.[...] Ao afirmar que a microestrutura constante, deve-se ter em mente que, uma vez que o programa tenha sido definido, o autor no mais livre para acrescentar ou omitir nenhum tipo de informao num verbete sem desestruturar a obra. (SILVA, 2002, p. 37).

As informaes que devem constar na microestrutura esto diretamente relacionadas com o tipo de obra lexicogrfica a ser produzida. Sobre esse assunto, Haench (apud FERINI, 2006, p. 41) tambm salientou que h critrios mais ou menos fixos para a organizao de uma entrada. A escolha de incorporar alguns elementos em detrimento de outros nos verbetes est diretamente relacionada com a finalidade e a natureza de cada obra.

27 Dessa maneira, um verbete deve conter uma quantidade de informaes necessrias que ajudem o consulente em sua busca de conhecimento e elucidao de dvidas. O verbete parte da microestrutura e dele faz parte a entrada e outras informaes acerca do item lexical em questo. Welker (2004) explica que o lema recebe outras denominaes, como entrada e palavra-entrada, em portugus (p. 91). Ademais, o autor acrescenta que geralmente, toma-se como lema a forma bsica ou cannica do item lexical: o infinitivo dos verbos, o singular masculino dos substantivos e dos adjetivos (p. 91). Para todos os tipos de dicionrios, cada entrada composta por um lema seguido de informaes como a pronncia, a classe gramatical, a flexo, a definio, acepes, exemplos, colocaes, expresses idiomticas, sinnimos, antnimos, remisses, etimologia. Nos dicionrios bilnges, no lugar da definio dado um equivalente na lngua de chegada.

1.6.2.1 Sobre as colocaes

Colocaes so itens compostos por palavras que se associam entre si. Em outras palavras, colocaes so associaes de palavras que freqentemente ocorrem juntas em uma frase. De acordo com Humbl (2001, p. 165), a collocate is a word wich occurs very frequently with another word so that the chance of both occurring together is very high. Hfling (2006a, p. 57) define as colocaes como combinaes de duas ou mais palavras que formam uma expresso que corresponde a um modo convencional de dizer algo na lngua. Carvalho (2001, p. 144) classifica as colocaes entre os sintagmas livres e as expresses idiomticas. A autora esclarece que se trata de estruturas binrias, constitudas por uma base e um colocador; e podem aparecer compostos de substantivo + verbo; substantivo + adjetivo / adjetivo + substantivo; verbo + advrbio e advrbio + adjetivo. Humbl (2001, p.165), por sua vez, define que colocao is a word which occurs very frequently with another word so that the chance of both occurring together is very high. Dessa maneira, por exemplo, considere a palavra ateno e sua traduo francesa attention. Esta palavra exige verbos diferentes em portugus (prestar ateno) e em francs (faire attention), indicando que a colocao diferente nos dois

28 idiomas. O autor (Id., 2001, p. 74) escreve tambm que junto com as informaes sintticas, as colocaes formam as principais razes que faz um aprendiz, na tarefa de produo, consultar um dicionrio. No entanto, as colocaes no tm o tratamento merecido nas obras lexicogrficas bilnges, pois o espao dedicado a elas pequeno. Como sugesto quanto organizao das colocaes no dicionrio bilnge, Carvalho (2001, p. 148) salienta que a situao ideal seria que a colocao fosse encontrada em ambos os itens lexicais formadores da mesma. Isso claramente recai no problema de economia de espao da obra; porm, defende a autora melhor o usurio ter um nmero menor de entradas com boas microestruturas do que um grande nmero de entradas com microestruturas deficientes (p. 148). Segundo Duran & Xatara (2006, p. 59-60), depois de realizarem algumas pesquisas, concordam que as colocaes devem ser includas nas obras lexicogrficas bilnges e devem ser ensinadas desde cedo aos aprendizes de lngua estrangeiras, porque ajudam na combinao entre itens lexicais, muito teis em tarefas de produo, que envolve a escrita e a fala. As autoras ainda salientam que os dicionrios bilnges devem tambm contemplar as unidades idiomticas nas duas lnguas, o que evitaria o freqente empobrecimento de textos traduzidos (p. 60). As autoras no concordam com a idia de omitir colocaes e expresses que possuam traduo direta, como por exemplo, sauter aux yeux (p. 60) com sua equivalente de traduo saltar aos olhos, nos dicionrios bilnges. Uma colocao ainda que seja de traduo direta uma informao muito til para os aprendizes. Mesmo que um aprendiz decida por uma traduo literal, haver sempre a dvida se esta corresponde traduo apropriada na lngua, j que no consta no dicionrio, material de consulta de qualquer aprendiz iniciante de lngua. As autoras consideram isso um risco muito alto para justificar a economia de espao em uma obra bilnge.

1.6.2.2 Sobre a equivalncia em dicionrios bilnges

Silva (2002, p. 71) explica que o dicionrio bilnge trata da correspondncia das palavras entre duas lnguas, indicando a traduo do item de uma lngua em uma

29 outra. Desse modo, a informao da palavra-entrada expressa por meio de uma equivalncia de itens lexicais ao invs de uma definio. Os equivalentes so os elementos essenciais nos dicionrios bilnges, pois procura deles que o usurio vai, ao consult-lo, como identifica Carvalho (2001, p. 111). A autora explica que, para auxiliar realmente o usurio, o lexicgrafo deve fornecer o maior nmero possvel de possibilidades de equivalncia na lngua de chegada. Carvalho (2001) adianta um pouco mais esse assunto, afirmando que a relevncia dessas informaes incide diretamente no fato de o lexicgrafo encontrarse diante de vrias equivalncias que tm uma relao apenas parcial com o lema. A autora conclui que por mais que os lexicgrafos tentem fornecer diversos tipos de informaes acerca do lema e suas equivalncias, os verbetes no so completos, e que a tarefa de produzir ou traduzir um texto traz dificuldades que vo alm do mbito lexicogrfico (CARVALHO, 2001, p. 111-112). Os dicionrios bilnges trazem uma enumerao de equivalncias que muitas vezes no satisfazem o consulente, principalmente na sua atividade de produo ou traduo. Isso se deve ao fato de que os equivalentes so dispostos fora de seus contextos de uso. Outra constatao vivel sobre esse tipo de obra lexicogrfica tratase de que impossvel encontrar todas as tradues de todos os itens lexicais apropriados a determinado contexto de uso indicadas nos dicionrios. Sob esse aspecto, tanto Welker (2004, p. 197) como Carvalho (2001, p. 111) concordam que um bom dicionrio bilnge seria aquele que traz o maior nmero possvel de equivalncias. Carvalho acrescenta tambm que para satisfazer de modo mais adequado o consulente, alm das possibilidades de equivalncias na lngua-alvo, os lexicgrafos deveriam fornecer informaes adicionais. Estas informaes complementares incluem sinnimos, exemplos, marcas de uso ou registros. Sobre esses ltimos dois itens, que so casos de rotulao, Welker (2004) determina que essa funo discriminatria particularmente importante no dicionrio bilnge quando consultado na produo de textos na L2 (p. 136). E o autor ainda ressalta que para poder escolher o equivalente certo, o falante nativo da L1 precisa de algum elemento diferenciador (p. 136), por exemplo, as marcas de uso. Uma constatao do estudo aqui apresentado, conforme ser visto na anlise feita nos prximos captulos, que os dicionrios bilnges estudados se baseiam fortemente na apresentao de equivalncia.

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1.6.2.3 Sobre exemplos em dicionrios bilnges

Os exemplos fazem parte da microestrutura de alguns dicionrios bilnges. Alm de servirem para fornecer explicaes sobre o lexema, situam diferentes ocorrncias em situaes diferentes de uso. Isso tende a facilitar para o consulente sua busca e o entendimento do vocbulo em questo. Sobre esse aspecto, Carvalho aponta que os exemplos alm de constituir uma posio dentro dos verbetes, so estruturas que permitem ao usurio uma generalizao das informaes que trazem (CARVALHO 2001, p. 137). Silva (2002, p. 58), em relao aos exemplos, explica que nos dicionrios bilnges h a traduo de contextos suficientes, o que significa uma poro de texto, de extenso varivel, que tem como objetivo fornecer a informao necessria para se buscar uma equivalncia. Dessa maneira, o verbete, com a indicao de exemplos, ganha conotaes variadas, o que o torna mais enriquecido no seu entendimento e uso por um usurio. Conforme Silva:o exemplo permite oferecer dados preciosos sobre todas as nuanas da palavra-entrada (aspectos morfolgicos, sintticos, lexicais, semnticos, pragmticos). O exemplo tem a vantagem de ilustrar uma informao j apresentada por outras categorias de informaes lexicogrficas, como a definio. nesse item da microestrutura que, geralmente, esto includas as combinatrias, as locues e as expresses idiomticas (SILVA, 2002, p. 57).

Para Carvalho (2001, p. 137), os exemplos so sentenas ou sintagmas livres que mostram o comportamento sinttico e contextual do verbete, oferecendo ao usurio informaes ou modelos de uso para ele poder utiliz-los em contextos anlogos. A autora destaca que justamente essa caracterstica que distingue os exemplos de outras categorias lexicogrficas, a saber, das expresses idiomticas e colocaes. Para a autora, as expresses idiomticas e as colocaes devem estar separadas dos exemplos, porque elas desempenham funes diferentes para o consulente. Humbl (2001, p. 84) estabelece a diferena que h entre exemplos em compreenso e em produo em dicionrios bilnges, uma vez que o aprendiz de

31 lngua estrangeira recorre a essas ferramentas para esclarecer suas dvidas, principalmente no que concerne produo. Assim, espera-se que um dado dicionrio bilnge oferea informaes para satisfazer as necessidades de uso dos aprendizes. No que concerne ao emprego de exemplos, o autor explica que para a compreenso no h necessidade do dicionrio apresent-los, porque o contexto em que determinada palavra aparece suficiente para determinar o sentido adequado do item em questo. Ao passo que para a produo, examples are of the utmost importance, since they help with the choice of the item and show its use, esclarece Humbl (2001, p. 85). No entanto, os exemplos ainda so bastante precrios nos dicionrios bilnges. Welker (2004, p. 159) comenta que os exemplos podem ser dispensveis se constarem tanto as informaes sintticas, quanto os parceiros colocacionais da palavra consultada. O autor ainda complementa essa idia avisando que se caso esse dois elementos no vierem exibidos, o dicionrio torna-se intil para a produo de textos (p. 159), situao que acontece na maioria dos dicionrios bilnges. Humbl (2001, p. 152) conclui, sobre as informaes sintticas nos exemplos, que elas no devem ser usadas indiscriminadamente, mas somente se representarem de fato uma ajuda para indicar como uma palavra deve ser usada. Humbl (2001, p. 85) ainda aponta que os tipos de exemplos so bem diferentes levando-se em conta as necessidades do usurio para compreenso e para produo. Um aprendiz que visa a compreenso tem seu interesse voltado para o significado de um item lexical, enquanto aquele que visa a produo tem seu interesse voltado para as caractersticas sintticas das palavras e para as colocaes (HUMBL, 2001, p. 61-62). Visto que os dicionrios bilnges tradicionais so concebidos para atender simultaneamente esses dois tipos especficos de usurios, evidente que atender de maneira satisfatria s necessidades de usos de cada um se torna impraticvel. Em sua pesquisa sobre exemplos em dicionrios bilnges, o autor constatou que h lacunas na organizao das obras lexicogrficas, por no terem sido preparadas visando o pblico a que se dirigia e as suas necessidades de uso. Sobre esse aspecto, o autor opina que muito pode ser melhorado nos dicionrios bilnges e conclui que [...] many of the problems and current possibilities of separating the two dictionary functions (encoding and decoding) are respectively solved and wide-open with electronic dictionaries (HUMBL, 2001, p. 97-98).

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1.6.2.4 Sobre as expresses idiomticas (EIs)

As expresses idiomticas (EIs) constituem uma parte importante da microestrutura dos dicionrios bilnges, porque tendem a trabalhar com conceitos e com sentidos culturais diferentes entre dois idiomas distintos. Por essa razo, sua presena e o lugar adequado onde inseri-las na microestrutura de um dicionrio bilnge, causam problemas para os lexicgrafos. Na concepo de Hfling (2006a, p. 47), as expresses idiomticas devem fazer parte das entradas; portanto, da macroestrutura de um dicionrio bilnge. Uma questo no menos complicada em se tratando das expresses, entre os lexicgrafos, saber onde inseri-las no dicionrio. Persiste a discusso de qual seria o melhor lugar de coloc-las, por exemplo, se no verbete ou se na nomenclatura, visto que elas so formadas de vrios itens lexicais. Sobre esse problema prtico e terico da incluso das EIs nos dicionrios, Xatara (1997, p. 153) e (Id., 2001, p. 185) relata que o sistema de incluso das EIs ainda no sistemtico porque existe objees quanto extenso da nomenclatura, se as EIs vierem como entradas, ou quanto extenso dos verbetes, se vierem como subentradas. Para Carvalho (2001, p. 149), as expresses idiomticas comportam caractersticas de opacidade semntica e imprevisibilidade da traduo. Por essa razo, elas devem constar em ambas as direes dos pares de lnguas envolvidos em um dicionrio bilnge. A autora justifica essa escolha pelo fato de as expresses idiomticas no terem o significado de suas partes semanticamente identificvel e por serem de traduo imprevisvel (p. 149). Carvalho (2001, p. 150) alega que tanto as colocaes, quanto as expresses idiomticas representam um ponto fraco nos dicionrios. Isso porque alm das obras no as registrarem em quantidade suficiente, ou, como ocorre muitas vezes, no h qualquer registro das mesmas na microestrutura de um dado verbete, h tambm problemas de organizao. A organizao nesse sentido refere-se ao fato de um item lexical formador de uma EI ser encontrado em apenas uma das partes do dicionrio. Ou ainda ser possvel encontrar em uma mesma obra a mesma EI em vrios dos itens lexicais formadores dessa EI. Como soluo aos problemas de organizao, com o

33 intuito tambm de otimizar espao, (houve casos, na anlise da referida autora, de ela ter encontrado a mesma expresso em dois verbetes distintos), seria a adoo de um critrio coerente nos dicionrios. No que concerne s expresses idiomticas, esse critrio seguiria a ordenao alfabtica, levando-se em conta primeiro os substantivos, depois os verbos, os adjetivos e assim por diante. Desse modo, uma expresso que contenha um verbo ser colocada no verbete verbo. Caso a mesma expresso tenha dois verbos, o primeiro que aparece que levado em considerao. Para a autora, esse sistema tem duas vantagens: alm de poupar espao em um dicionrio, uma vez que a mesma expresso no iria aparecer em dois verbetes distintos, tambm poupa tempo de um consulente na busca de uma expresso idiomtica. Esse sistema de insero de uma dada EI em dicionrios bilnges parece ser uma boa medida para solucionar os problemas de repetio de EIs. Alm de ser tambm uma boa medida que visa facilitar a consulta do aluno / aprendiz, bem como a de um tradutor na busca de colocaes e de EIs nos dicionrios.

1.7 As expresses idiomticas e suas tradues

As expresses idiomticas (EIs) so lexias complexas que, em muitos casos, representam grande dificuldade na atividade de traduo de um idioma para outro. Sobre esse assunto, no prefcio do PIP (XATARA, C. M. & OLIVEIRA, W. L., 2002, p. 10), a professora Biderman explica que a dificuldade de traduo das EIs ocorre porque elas renem as idiossincrasias, a idiomaticidade de uma cultura. Biderman ainda justifica que, por representarem uma rea problemtica, so raros os dicionrios bilnges que tratam dessa parte na sua microestrutura. E queles que registram tais fraseologias como subentradas dos verbetes, so pobres na incluso dessas unidades complexas do lxico (p. 10). Para garantir uma boa traduo, que evidencie qualidade de texto, o tradutor deve ter conhecimento das expresses idiomticas, de seus significados adequados e da equivalncia idiomtica correspondente. O domnio das EIs imprescindvel para o tradutor, explica Xatara (1998b, p. 73), por duas razes: (1) porque evita o freqente erro de traduzir literalmente os fraseologismos e

34 (2) porque permite eleger entre vrios sinnimos (idiomticos, se possvel) o que estilisticamente se aproxima mais, na lngua de chegada, do idiomatismo da lngua de partida. Desse modo, se o tradutor se deparar com uma EI em um texto, no deve achar como soluo, para a traduo, uma parfrase. Deve procurar por uma expresso correspondente que ele possa identificar com base no significado conotativo da EI, conforme Xatara (2002, p. 188). Um bom domnio dessas noes pelo tradutor garantir um texto coerente e completo em sentido. O tradutor que realiza essa tarefa, de modo satisfatrio, d provas de um bom conhecimento na lngua estrangeira. No entanto, nem sempre essa uma tarefa fcil, dado a prpria natureza de complexidade de uma expresso idiomtica (EI). H aquelas em que possvel fazer uma traduo literal e outras em que sua traduo feita de modo no-literal (XATARA, 1998b, p. 69 et seq.). Segundo as autoras do PIP (XATARA, C. M. & OLIVEIRA, W. L., 2002, p. 60), a traduo literal de uma EI menos freqente e ocorre de modo idntico de uma lngua para outra. Esse tipo de traduo possui caractersticas como a presena de equivalentes lexicais e manuteno da idiomaticidade, da mesma estrutura (classe gramatical e ordem), do mesmo valor conotativo, do mesmo efeito e do mesmo nvel de linguagem, explicam as autoras. Dois exemplos de traduo literal so cortar a palavra com sua equivalente couper la parole e donner les cartes, dar as cartas. Ainda assim, a traduo literal pode apresentar problemas de colocao, com expresses inadequadas como, por exemplo, para avoir les pieds sur terre ter como traduo ter os ps sobre a terra ou a equivalente avoir les pieds dans la terre. Essas duas formas no abrigam mais o signifcado da EI ter os ps no cho. Ou ainda sobre o exemplo de EI lavar as mos, considere seguinte frase: O mecnico disse que se a pea no fosse trocada ele lavava as mos, mas se a pea fosse trocada ele lavaria as mos com gua e sabo. O sentido desta frase que o mecnico no assume a responsabilidade pelo conserto se a pea no for trocada, assim o primeiro lavava as mos uma expresso idiomtica. J o segundo lavaria as mos no uma expresso idiomtica, mas uma piada sobre o fato de que se a pea for trocada o mecnico ter de lavar as mos de verdade (com gua e sabo) e no no sentido figurado. Esse exemplo identifica a dificuldade de se fazer uma traduo contendo expresses idiomticas. J que necessrio que o tradutor compreenda que a primeira

35 ocorrncia do exemplo de EI lavar as mos uma expresso idiomtica, enquanto a segunda no representa exemplo de EI. Para as tradues no-literais, que so mais freqentes, h trs tipos, de acordo com Xatara (1998b, p. 69-70) e as autoras do PIP (XATARA, C. M. & OLIVEIRA, W. L., 2002, p. 60). O primeiro tipo trata de idiomatismos semelhantes, caracterizados pela ausncia de equivalncias lexicais totais, mas com manuteno da idiomaticidade e sem alterao de estrutura, valor, efeito ou nvel de linguagem. Exemplos desse tipo ocorrem em chauffer les oreilles, azucrinar os ouvidos ou em filer comme une anguille, escapar como um peixe ensaboado. O segundo tipo trata de idiomatismos completamente diferentes, marcados pela ausncia de equivalncias lexicais e alterao de estrutura, valor, efeito ou nvel de linguagem, mas com manuteno da idiomaticidade. Exemplo disso est em avoir la langue bien pendue, falar pelos cotovelos ou em jeter lhuile sur le feu, pr lenha na fogueira. Neste caso, tem-se uma equivalncia entre expresses idiomticas que no tem similaridade. O terceiro tipo parfrase, identificada pela ausncia de equivalncias lexicais e de idiomaticidade, ocasio em que se recorre a glosas, sendo este um recurso freqente em culturas muito diferentes. Exemplo de parfrase est em avoir cinq fers au feu, ter vrios negcios engatilhados. Neste caso, a expresso idiomtica (avoir cinq fers au feu) traduzida mais por uma explicao (ter vrios negcios engatilhados) do que por uma expresso idiomtica equivalente.

1.8 Sumrio do captulo

Este captulo apresentou alguns dos principais conceitos da rea de Lexicografia, destacando alguns pontos tericos pertinentes para a pesquisa aqui desenvolvida. O intuito desta reviso fornecer ao leitor a base conceitual necessria sobre expresses idiomticas, sobre a macroestrutura e microestrutura de um dicionrio, sobre dicionrios bilnges, entre outros conceitos abordados nesse captulo 1, para o entendimento da dissertao. Somado a isso, tambm tem a inteno de fornecer uma viso geral da rea de pesquisa e trabalhos relacionados de autores como Tarp, Humbl, Xatara, Welker, entre outros citados nessa pesquisa, de modo

36 que o leitor interessado possa buscar mais informao em outras fontes. No captulo seguinte feita uma apresentao dos dicionrios que sero comparados nesse estudo.

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2 PR-ANLISE DOS DICIONRIOS COMPARADOS

Este captulo faz uma pr-anlise dos dicionrios estudados nessa dissertao. Esta pr-anlise composta de uma descrio inicial dos dicionrios escolares bilnges selecionados seguidas de comparaes da macroestrutura e da microestrutura dos mesmos.

2.1 Descrio e Anlise dos Dicionrios Comparados

Para o desenvolvimento desta pesquisa, os dicionrios escolares bilnges escolhidos foram:

Michaelis Dicionrio Escolar Francs - francs-portugus / portugusfrancs, (AVOLIO, J. C. & FAURY, M. L., 2002) da editora Melhoramentos, daqui para frente sempre identificado como Michaelis;

Dicionrio Larousse francs / portugus portugus / francs: Mni / [coordenao editorial Jos A. Galvez], (LAROUSSE, 2005) da editora Larousse do Brasil, simplesmente Larousse; Dicionrio Francs-Portugus / Portugus-Francs, (RNAI, 1989) da editora Nova Fronteira, de agora em diante apenas Rnai; e, por ltimo,

Dicionrio de Francs Francs-Portugus / Portugus-Francs, (BURTIN-VINHOLES, 2006) da editora Globo, doravante de forma simplificada Burtin-Vinholes.

Para a busca das expresses idiomticas, foi utilizado o PIP Dicionrio de Provrbios, Idiomatismos e Palavres, (XATARA, C. M. & OLIVEIRA, W. L., 2002) da editora Cultura. No prximo captulo, ele descrito, no seguindo o mesmo padro dos quatro anteriores, j que sua estrutura diferente de um dicionrio

38 bilnge. Para a comparao da micro e da macroestrutura, esse dicionrio no participa da comparao. A escolha desses e no de outros se deve aos seguintes critrios. Primeiro, so dicionrios bem estabelecidos, com reedies ou vrias impresses j feitas. Alm disso, pesou a facilidade de t-los encontrado na prateleira da livraria. Este critrio de disponibilidade Humbl (2006, p. 254) qualifica de questionvel. questionvel porque se trata de uma caracterstica relativa, ou seja, a facilidade de t-los encontrado na livraria poderia ser pelo fato de serem os que ficaram encalhados na prateleira. No entanto, pode ser considerado que essa disponibilidade, aliada ao nmero de edies e reimpresses, indica que so dicionrios de uso comum, largamente utilizados por estudantes aprendizes da lngua francesa. A seguir, so descritos os quatro dicionrios escolhidos para o estudo comparativo. As descries so acompanhadas de uma pequena avaliao crtica da proposta de cada um deles, alm de especificar, em particular, caractersticas de macro e de microestrutura das quatro referidas obras lexicogrficas.

2.1.1 Michaelis Dicionrio Escolar Francs - Francs-Portugus / Portugus-Francs, (AVOLIO, J. C. & FAURY, M. L., 2002) Michaelis

Trata-se de um dicionrio que foi concebido para estudantes brasileiros da lngua francesa. Alm de os verbetes terem sido selecionados e adaptados para brasileiros, a obra segue as normas da Lexicografia que padronizam a estrutura dos verbetes. Cada lema notado com diviso silbica, com transcrio fontica, com classe gramatical, com rea de conhecimento, com vrias acepes seguidas de sua traduo e quando h colocaes, locues e /ou expresses idiomticas nos verbetes, estas aparecem destacadas em negrito. As acepes so numeradas. Diferente das trs outras obras analisadas nessa pesquisa, o Michaelis exibe as entradas com destaque em cor azul, e tambm uma dedeira azul, tudo isso com o intuito de agilizar a consulta. Nas pginas iniciais da obra, h um texto explicativo de como o dicionrio est organizado. H quadros destacados em cor que fornecem explicaes gramaticais e de uso sobre determinados verbetes. H a apresentao das transcries fonticas no

39 Alfabeto Fontico Internacional tanto do francs como do portugus e, tambm, as abreviaturas usadas na obra. Nas pginas finais, o apndice traz a conjugao dos verbos avoir, tre, aimer, finir, sentir, recevoir e prendre em francs, bem como a conjugao de verbos auxiliares e regulares em portugus, alm de uma lista de verbos irregulares e verbos defectivos em portugus. Por ltimo, so mostrados os numerais cardinais e ordinais nas duas lnguas.

2.1.2 Dicionrio Larousse francs / portugus portugus / francs: Mni, (LAROUSSE, 2005) Larousse

O dicionrio dirigido aos estudantes brasileiros que esto aprendendo francs em fase inicial de aprendizado, ou seja, tem como pblico-alvo alunos do ensino fundamental e mdio. Os editores alegam que este dicionrio visa atender tanto a compreenso de textos, uma vez que as palavras so sempre apresentadas em seus contextos, quanto a produo, j que a obra traz um tratamento claro e detalhado dado ao vocabulrio bsico. As pginas iniciais so compostas por (a) lista de abreviaturas usadas na obra e (b) transcrio fontica, indicadas nas entradas das duas direes das lnguas envolvidas. As entradas so destacadas em negrito, sem indicar a diviso silbica. Elas so seguidas da transcrio fontica entre colchetes nos dois idiomas (tambm adota o Alfabeto Fontico Internacional), da classe gramatical, de indicadores de sentido antes da maioria das tradues, os quais auxiliam em um melhor domnio do francs pelo usurio. A traduo fornece, na maioria dos verbetes, apenas um sinnimo na outra lngua, quando no h, fornece uma explicao. As pginas centrais do Larousse formam um suplemento contendo pequenos textos explicativos abordando os pases francfonos no mundo, a educao nesses pases, trata tambm dos meios de comunicao, da cultura e lazer e dos principais feriados na Frana. A partir dessas notas de cunho cultural, os aprendizes ficam um pouco inteirados da cultura francfona. Agregado a esse suplemento, h uma tabela com 60 verbos conjugados, que, conforme dizem os editores, ajuda o estudante a falar ou escrever corretamente o francs.

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2.1.3 Dicionrio Francs-Portugus / Portugus-Francs, (RNAI, 1989) Rnai

O dicionrio destinado, sobretudo, ao pblico brasileiro. A primeira parte da obra, revista e ampliada, na direo francs-portugus originria do Dicionrio Francs-Portugus publicado em 1978 pela editora Nova Fronteira; enquanto que a segunda parte de portugus-francs publicada pela primeira vez em 1989 pela mesma editora. Essas duas partes so reunidas no dicionrio bilnge Rnai publicado em 1989 pela editora Nova Fronteira. At o presente momento, esse dicionrio encontra-se na sua stima impresso. A obra arrola uma pequena lista das abreviaturas empregadas e as regras principais da pronncia francesa, muito embora os verbetes no sejam seguidos de transcrio fontica. Uma lista de conjugao de 95 verbos regulares e irregulares somente do francs divide as direes dos pares de lnguas envolvidos. Os lemas no so divididos por slabas e cada entrada destacada em negrito. As locues e expresses so anotadas em itlico e as marcas de uso so indicadas entre parnteses. Um mesmo verbete com diferentes acepes e, normalmente com diferentes informaes gramaticais, ordenado por nmeros em ambos pares de lnguas. O autor, no prefcio da obra, esclarece que as formas mais freqentes das conjugaes irregulares dos verbos em francs, como puisse, dois, sache, encontram-se dentro da ordem alfabtica do dicionrio, com remisso ao respectivo infinitivo. Na direo francs-portugus, os verbos total ou parcialmente irregulares remetem a um nmero do modelo de conjugao, enquanto os verbos regulares terminados em -er e em ir no seguidos de nmero de conjugao so conjugados respectivamente segundo modelos aimer/ parler e finir/ unir.

2.1.4 Dicionrio de Francs Francs-Portugus / Portugus-Francs, (BURTIN-VINHOLES, 2006) Burtin-Vinholes

Conforme os editores, esse dicionrio foi concebido para suprir as necessidades, resolver dvidas e ampliar o vocabulrio de estudantes de nvel mdio. Na nota dos editores, consta que essa obra inclui todas as palavras de uso moderno,

41 com explicaes, exemplos e um sistema de figurao da pronncia extremamente simples, que est representado entre parnteses somente na direo francs-portugus sem fazer uso do API Alfabeto Fontico Internacional. Essa possibilidade de informar sobre a pronncia chama-se transliterao, que Duran & Xatara (2006, p. 47) definem como a utilizao dos sons da lngua materna para representar o som das palavras estrangeiras. A afirmao contida na nota de editores que diz incluir todas as palavras, por si s, falaciosa, pois nenhum dicionrio, por mais extenso e abrangente que seja a sua nomenclatura, abrigar todo o lxico de uma lngua. Como de conhecimento comum, a lngua est em constante evoluo. No que concerne a esse assunto, Xatara (1992, p. 99) escreve que a histria de uma lngua , em parte, a histria do acervo lexical utilizado pela comunidade e o lxico da lngua est em constante evoluo, no sendo nunca um produto acabado, pois os usurios fazem parte de um processo dinmico e contnuo. Assim, considerando acabado o trabalho lexicogrfico para a publicao de uma obra, j surgiram outros novos itens lexicais dos quais a obra no deu conta. Dessa mesma forma, Xatara et al. (2002, p. 183) considera que um dicionrio nunca vai exaurir o tema com o qual se props a trabalhar, pois, alm de a lngua estar em movimento constante [...], os significados no so estveis e fixos. Assim, mesmo que de incio se admita a falcia de que o dicionrio contm todas as palavras de uso moderno no momento de sua edio, essa afirmao logo perde o sentido pela evoluo da lngua. No Burtin-Vinholes, os lemas aparecem em letra maiscula, em negrito, sem diviso silbica. Os exemplos, locues e expresses so mostrados em letras maisculas e as marcas de uso, quando h, entre parnteses. H expresses idiomticas, que segundo os editores, so de uso corrente. Nos verbos, h o registro das formas reflexivas correspondentes, indicadas no corpo de um mesmo verbete. Oferece duas pginas indicando as abreviaturas empregadas ao longo da obra, mas no h nenhum anexo gramatical. Quanto aos verbetes, esses se apresentam na forma tal como segue: lema, pronncia figurada na direo francs-portugus, informao gramatical, traduo ou definio, exemplos e, s vezes, expresses idiomticas. A obra prope-se a dar conta de problemas enfrentados pelo tradutor, oferecendo, junto com o sentido usual de cada termo, as demais acepes em ordem de complexidade.

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2.1.5 Comparao quanto macroestrutura

Os quatro dicionrios selecionados comportam caractersticas peculiares quanto ao tamanho da obra, ao nmero de verbetes, ao nmero de pginas. Esses itens fazem parte da macroestrutura de cada obra. A partir da comparao desses itens, pode-se chegar a uma concluso quanto focalizao especfica de cada dicionrio: se mais voltado para a compreenso do que para a produo, por exemplo. Tambm possvel avaliar o interesse que cada obra tem em considerar o pblico-alvo, ou seja, se a sua proposta de atingir um pblico de aprendizes de escolaridade fundamental e / ou mdia se cumpre de fato (HUMBL, 2006, p. 257 et seq.). Assim, de acordo com os dados fornecidos nos textos externos de cada dicionrio a propsito da macroestrutura, foi possvel montar uma tabela comparativa para fins de anlise Tabela 2.1. O Michaelis, Michaelis Dicionrio Escolar Francs - francs-portugus / portugus-francs (AVOLIO, J. C. & FAURY, M. L., 2002), tem 688 pginas, com mais de 28 mil verbetes. O Larousse, Dicionrio Larousse francs / portugus portugus / francs: Mni, (LAROUSSE, 2005), traz 648 pginas com mais de 40 mil verbetes e expresses. O Rnai, Dicionrio Francs-Portugus / Portugus-Francs de (RNAI, 1989) 7 impresso, tem 574 pginas contm em torno de 50 mil verbetes. Na obra no vem especificada a quantidade de verbetes utilizados. Esse nmero uma soma estimada de acordo com o clculo feito da mdia de verbetes por pgina. E o Burtin-Vinholes, Dicionrio de Francs Francs-Portugus / PortugusFrancs de S. (BURTIN-VINHOLES, 2006) 41 edio, tem 838 pginas com mais de 50 mil entradas nas duas direes. A partir desses e de outros dados pertinentes, pode-se montar uma tabela comparativa, com a qual possvel obter algumas informaes. Tabelas com dados similares podem ser vistas em Humbl (2006, p. 255, p. 257), quando o autor compara quatro dicionrios escolares bilnges de ingls-portugus e vice-versa.

43Tabela 2.1 Dicionrios e suas especificaes.

Dicionrio Michaelis Larousse Rnai BurtinVinholes

N de pginas: direo F-P 351 361 287 482

N de pginas: direo P-F 302 287 278 351

Total de pginas (incluindo as extras) 688 648 574 838

N de verbetes e expresses < 28.000 < 40.000 50.000 < 50.000

Podemos observar, pela Tabela 2.1, que todos os quatro dicionrios trazem uma nomenclatura maior na direo francs-portugus (F-P). O Burtin-Vinholes maior do que os outros no que concerne ao nmero total de pginas e ao nmero de verbetes e expresses. O Rnai o menor dos quatro em nmero de pginas nas duas direes dos pares de lngua. Os nmeros de pginas nas duas direes do Rnai quase se igualam: por nove pginas a mais na direo francs-portugus, fazendo o lado voltado para a compreenso pouco maior. Considerando o aprendiz de nacionalidade brasileira, os dicionrios supracitados favorecem mais o lado da compreenso do que o da produo. Segundo Bjoint (1981, p. 210), the best dictionary for decoding is the one that contains the largest number of entries, ou seja, o tamanho da nomenclatura (nmero de entradas) de um dicionrio deve ser maior, se o enfoque maior a compreenso. Entretanto, se o enfoque a produo, Bjoint (1981, p. 210) escreve que structural words and the commonest lexical words are of the utmost importance, because they are likely to be needed very frequently and because their proper use is not always obvious to the foreign student. Desse modo, a microestrutura de um dicionrio que deve ser mais desenvolvida para a produo. Humbl (2006) tambm explicitou que para poder compreender um texto, precisamos da maior variedade possvel de vocbulos na lngua estrangeira (p. 256). No entanto, se o interesse de um aprendiz de lngua francesa voltado para a produo, principalmente escrita, o dicionrio bilnge deve fornecer uma microestrutura mais desenvolvida para atender as necessidades mais simples do usurio (HUMBL, 2006, p. 256). Assim, no caso de produo de textos, o dicionrio deve oferecer subsdios informativos indispensveis

44 para o usurio poder at mesmo empregar verbos de uso corriqueiro, como tre e avoir, sem maiores dificuldades. Em outras palavras, o dicionrio bilnge tem de fornecer subsdios suficientes, na microestrutura de um dado verbete, para que o aprendiz possa executar da melhor forma possvel a sua tarefa. Segundo Humbl (2001, p. 58 et seq.), dicionrios exclusivos para a produo devem ser fabricados separadamente, para cumprir com esse intuito. Entretanto, tradicionalmente, os dicionrios bilnges em ambas as direes so mais voltados para a compreenso do que para a produo. E os quatros dicionrios investigados nesta pesquisa indicam no contrariar essas caractersticas. Quanto ao nmero total de verbetes, o Michaelis o menor 28 mil , seguido do Larousse 40 mil. Este, considerando suas dimenses pequenas, at surpreende pelo nmero, se comparado com o Burtin-Vinholes e o Rnai: aproximadamente 50 mil cada. Humbl (2006, p. 254) destaca que este aspecto um dado relativo. De fato, isso se verifica porque dependendo do dicionrio, determinadas acepes podem estar no interior de um mesmo verbete, ou podem formar outra palavra-entrada. Um exemplo disso ocorre no Rnai com o verbo dbiter. Para cada um de seus significados foram criadas trs diferentes entradas. Ao passo que o Burtin-Vinholes e o Larousse apresentam as diferentes equivalncias desse mesmo verbo na prpria microestrutura do mesmo, sem formar uma outra entrada. J o Michaelis simplesmente no traz o verbo dbiter. Essas ocorrncias justificam o alto nmero de verbetes no Rnai, considerando suas pginas e dimenso.

2.1.6 Comparao quanto microestrutura

No estudo da microestrutura de cada dicionrio, os itens lexicais formadores de uma dada expresso idiomtica so procurados nos verbetes dos quatro dicionrios bilnges selecionados. Para o desenvolvimento da anlise comparativa, foram transcritas as informaes de um determinado verbete, tal como aparecem nos diferentes dicionrios. As transcries de um verbete especfico formador de uma EI esto evidenciadas ao longo do captulo 4, indo da Fig. 4.1 at a Fig. 4.74. A partir

45 das caractersticas de cada verbete colocadas em comparao, pode-se averiguar a prioridade que cada obra adota para tratar as expresses idiomticas. Dessa maneira, estabelecendo a comparao dos dados de cada verbete nos dicionrios, observamos que a palavra-entrada nos quatro dicionrios aparece em destaque na fonte negrito; porm, no Burtin-Vinholes est em maiscula, enquanto que no Michaelis destacado em cor. Com exceo do Rnai, todos os outros indicam a pronncia. O Burtin-Vinholes se diferencia por adotar uma transcrio fontica particular, apenas na direo do par de lnguas francs-portugus, diferente do Alfabeto Fontico Internacional como empregado em ambas as direes dos pares de lngua no Michaelis e no Larousse. Em seguida, todos apontam a classe gramatical, seguida ao menos por uma equivalncia. O Burtin-Vinholes mostra as equivalncias separadas por vrgulas e por ponto e vrgula, enquanto os trs restantes adotam nmeros destacados em negrito para separar as diferentes acepes de um mesmo verbo, por exemplo. A meu ver, a separao das acepes por nmero torna a leitura mais fcil e a busca mais gil. Depois de apresentar as equivalncias, o Burtin-Vinholes fornece colocaes e expresses em letras maisculas. O Rnai fornece exemplos e expresses seguidos da traduo. Por fim, usa remissivas entre parnteses para indicar a qual conjugao um determinado verbo pertence. Isso remete o usurio ao quadro de conjugaes situado nas pginas centrais que dividem as direes do dicionrio. O Michaelis fornece exemplos e colocaes em francs em negrito seguida da traduo em portugus. Este dicionrio faz uso de algumas remissivas na busca de notas de uso para orientar o usurio sobre algum item explicativo. J o Larousse oferece o verbete com equivalente de traduo antecedido por um tipo de situao de uso, entre colchetes, na maioria dos casos. Essa indicao segue acom