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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOUNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
SIMONE SUELY BATISTA FERENSOVICZ
Orientador: Alberto Gawryszewski
Artigo: A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
PARA O CONHECIMENTO DA HISTÓRIA LOCAL.
CALIFÓRNIA, PARANÁ2008
SIMONE SUELY BATISTA FERENSOVICZA importância do estudo do patrimônio cultural para o conhecimento da
História local.
*Simone Suely Batista Ferensovicz
Resumo:
Este artigo abordará questões referentes ao patrimônio histórico e cultural
material e imaterial, a importância de seu conhecimento para a preservação e
valorização do mesmo. Ainda referente ao tema, busca-se localizar no tempo e
no espaço, a construção material, ligada à planificação da cidade, fazendo com
que os alunos percebam as transformações locais, a história de seu município,
suas mudanças e permanências. O patrimônio imaterial, sempre em
transformação, ligado à cultura e as idéias, as festas do padroeiro, a culinária
relacionada à tradição de mineiros e paulistas também serão abordados.
Palavras-chaves: patrimônio cultural – história local – cultura.
Abstract
This article will bring questions related to the historical and cultural heritage
material and non-material, the importance of it’s knowing ledge for its
preservation and valorization. Still referring to this theme, it searches to locate in
time and space, the material construction, linked to the city planning, making
the students notice the local transformation, the history of their town, its
changes heritage, in constant transformation, linked to the culture and ideas, the
saint patron’s party, the cooking related to the tradition of people from Minas
and São Paulo will also be dealer.
Key words: cultural heritage – local history – culture
_______________________________________________________________
*Graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Arapongas, pós-graduada em
Metodologia e Didática do Ensino, pela Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio e em
Ensino de Geografia e História, pela UNIVALE – União das Escolas Superiores do Vale do Ivaí.
Introdução:
O reconhecimento da importância de estudar a História local, através
de sua cultura, formação da cidade e da população que nela vive vinda para a
região em migrações interestaduais, a partir da primeira metade do século XX,
levou também a necessidade de estudar o patrimônio material e imaterial desta
comunidade, fazendo-se um estudo de caso sobre a Igreja Matriz São Francisco
de Assis de Califórnia e suas festas, no Estado do Paraná, que trazem consigo as
tradições e costumes de um povo.
As Diretrizes Curriculares para o ensino de História na Educação Básica
no Paraná buscam reflexões a respeito de aspectos políticos, econômicos,
culturais, sociais e das relações entre o ensino da disciplina com a produção do
conhecimento histórico. Essa consciência de valor, respeito e construção da
memória só poderá ocorrer mediante a um trabalho que se aproxime do
interesse da comunidade que o envolve. Para isso, essa pesquisa que estuda o
patrimônio histórico local, levado ao espaço escolar, procura atingir esses
objetivos.
Dentro dessas diretrizes, fala-se que ao tratar o conhecimento como
resultado de investigação do passado, valorizamos diferentes sujeitos e suas
relações, na qual o professor utilizar-se-á de novos métodos, fazendo recortes
temporais, com documentos variados, levando aos alunos a problematização em
relação ao passado, reconhecendo e superando o conceito de História como
verdade absoluta. (Diretrizes Curriculares para o Ensino de História da Educação
Básica, SEED, Curitiba, 2006, p.29).
O estudo da História local pode produzir a inserção do aluno na
comunidade da qual faz parte, criando sua própria historicidade. Ajuda a gerar
atitudes investigativas, criadas com base no cotidiano do aluno, além de ajudá-lo
a refletir sobre fatos e construção da realidade que o cerca, de valores
construídos pela formação da população, que trouxe consigo, tradições e
costumes, que permanecem e transformam-se, ajudando também a construir
história da própria cidade e de sua cultura.
Assim, é possível fazer com que os alunos reconheçam que o
patrimônio histórico e material não se refere apenas a um prédio grandioso, mas
que pequenas construções, simples no seu aspecto, trazem também consigo
uma memória e uma tradição. Que costumes culinários, modos de fazer,
expressões, músicas, danças e festas são partes da nossa cultura e também são
patrimônios culturais imateriais.
Segundo as autoras, Schmidt e Cainelli, o trabalho com espaços
menores facilita o estabelecimento de continuidades e diferenças com as
evidências de mudanças, conflitos e permanências e permite a multiplicidade de
diferentes vozes de sujeitos históricos.
“O trabalho com a história local pode produzir a inserção do aluno na comunidade da qual faz parte, criar suas próprias historicidade e identidade”.
“O estudo com história local ajuda a gerar atitudes investigativas, criadas com base no cotidiano do aluno, além de ajudá-lo a refletir acerca do sentido da realidade social.” (SCHIMIDT, Maria Auxiliadora e Marlene Cainelli: Ensinar História, Editora Scipione, São Paulo, 2004, p.113).
A Igreja Matriz São Francisco de Assis, como patrimônio histórico
material, possui uma arquitetura com vários elementos de diferentes estilos. Mas
os que estão mais presentes são elementos que tem a influência dos estilos
góticos e o barroco. Sendo assim, uma descrição desses estilos proporciona a
interdisciplinaridade com o estudo de Artes e Português, na leitura de textos,
documentos e produção escrita pelos alunos sobre os temas estudados, o que
permiti a compreensão da utilização de determinados elementos eclesiásticos
presentes na igreja. Também faz com que os alunos reconheçam a origem
desses estilos, permitindo uma relação temporal entre passado e presente.
Já, o estudo das festas de São Francisco, que ocorrem todos os anos, na
cidade, na época da comemoração do Dia do Padroeiro (04 de outubro) e a
tradição envolvida nelas, pode ser trabalhado com os alunos, como patrimônio
imaterial, como é definido por Regina Abreu e Carlos Chagas. As festas, embora
se mantenha em alguns aspectos, ao longo dos anos vem se modificando e
agregando formas contemporâneas de apresentação na comunidade. Essas
festas transmitem de uma geração para outra, embora com pequenas
diferenças, o conhecimento para fazer os doces, como uma tradição culinária,
que se traduzem numa identidade local.
“... o patrimônio imaterial ou intangível, isto é, os aspectos da vida social e cultural da população, que são expressos através de festas, religiões, formas de medicina, música, dança, culinária, técnicas, etc.” (ABREU,
Regina e Mário Chagas. Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2003, p.24).
Construção do Material Didático e Implementação da Proposta de
Trabalho.
A pesquisa e elaboração de um material didático, que pudesse ser
utilizado para o nível fundamental, especificadamente a 5ª série, contou com a
colaboração de diversas pessoas da comunidade de Califórnia, do
acompanhamento do orientador da UEL, Prof. Dr. Alberto Gawryszewski,
pesquisas em diversos livros, documentos, fotos, o uso do Livro Tombo da Igreja
Matriz São Francisco de Assis e internet.
O material didático escolhido foi um Objeto de Aprendizagem
Colaborativa (OAC), por compor-se de várias partes, servindo de apoio ao
trabalho de professores da escola e comunidade pesquisados, o que além do
objeto e estudo do patrimônio histórico material e imaterial sobre a Igreja Matriz
São Francisco de Assis, trataria da história do município e da formação dos
municípios do Norte do Paraná.
Este amplo material poderia também contemplar a
interdisciplinaridade com as áreas de Português e Artes.
Com a disciplina de Português, o tema sobre patrimônio histórico
cultural, bem como a história do padroeiro, sua música e biografia, permite
maior desenvolvimento da leitura, escrita e oralidade.
O ensino de História aliada à disciplina de Artes pode trazer aos
educandos uma nova visão, ampliando a linguagem das artes visuais. Assim, o
conhecimento de estilos arquitetônicos, de sua intencionalidade, de sua
simbologia religiosa, permitirá aos alunos a valorização do patrimônio histórico e
cultural de seu município. É uma educação patrimonial, que aproxima o indivíduo
e o meio onde vive e proporciona reconhecer os valores históricos em seus bens
e monumentos.
Para que a proposta fosse implementada, a mesma foi colocada no
Projeto Político Pedagógico da escola e inserida nos conteúdos do 1º bimestre da
5ª série. E os objetivos desta implementação ficaram assim descritos para a
direção e supervisão:
- Reconstruir a memória coletiva e individual, com um estudo sobre
patrimônio material e imaterial referente à Igreja Matriz São Francisco de Assis e
suas festas, acompanhando o histórico de formação do Município de Califórnia.
- Recuperar documentos, fotos, imagens que se refiram ao objeto de
estudo.
- Promover entrevistas com moradores locais e pessoas que
presenciaram a construção do monumento histórico e que também participam
das Festas de São Francisco.
- Observar permanências e mudanças, nos costumes e tradições da
população, bem como, na paisagem e evolução do município através de fotos
antigas e recentes.
- Organizar pesquisas com os alunos sobre fatos relacionados ao
ambiente do patrimônio histórico cultural, material e imaterial, promovendo
atitudes investigativas.
- Construir um material didático escrito, para servir de fundamentação
teórica sobre o patrimônio local, para ser usado por professores e alunos do
município, bem como da comunidade local.
- Formar um acervo de documentos e fotos para a escola e comunidade
de Califórnia.
Patrimônio Histórico Material
O local de construção da Matriz São Francisco de Assis, de Califórnia,
foi desenhado desde a planificação da cidade, pela CTNP, tendo depois sido
removida para outro espaço. Assim, através de fotos antigas e recentes, o
estudo do patrimônio histórico remete a história local, desde seu início, onde os
alunos poderão perceber as mudanças e permanências, diferenças e
semelhanças desse espaço onde vivem.
O uso de fotos em sala faz também com que essa pesquisa produza um
material imagético importante para o município e os alunos podem ver
claramente as modificações ocorridas no espaço urbano ao longo dos anos. A
imagem proporciona uma visão ampla das transformações locais. A curiosidade
vai além da imagem em si, pois o professor pode ainda falar da evolução dos
meios de comunicação, de antigas máquinas utilizadas, de técnicas usadas na
produção deste material, as fotos em preto e branco e a chegada da imagem
colorida ao nosso cotidiano, do antigo fotógrafo municipal e da atual facilidade
de se registrar imagens hoje em dia, com aparelhos que os próprios alunos
utilizam como os seus celulares ou máquinas fotográficas de alta definição. Isso
tudo traz atitudes investigativas, que despertam a busca por novas informações.
Os personagens históricos vão surgindo dentre as pessoas comuns, que nem
sempre são observadas, mas que fazem parte deste espaço e tempo. Valorizam-
se então, diversos sujeitos, de diferentes profissões, que compõem a própria
comunidade.
As imagens a seguir, mostram as transformações do espaço urbano:
Praça Independência em 1942
Praça Independência em 2003, com a Igreja Matriz São Francisco de Assis.
Praça Independência, 2007, depois da reforma da praça.
Com essas imagens, comparamos as transformações no espaço urbano
de Califórnia, inclusive o sobre a evolução da fotografia e materiais usados nelas.
O ensino de História é fundamental para a vida da pessoa. Não se trata
somente de dominar um conteúdo ou de transmiti-lo. Esse conhecimento faz
com que nos reconheçamos como pessoas pertencentes a um lugar, que tem
uma identidade e que embora se transforme, também terão elementos que se
perpetuarão. Então, registramos fatos. Por isso construímos monumentos. E
assim, formamos nossa consciência histórica.
Quando nos referimos a patrimônio histórico, não podemos deixar de
observar que ele faz parte do patrimônio cultural como um todo. No livro de
Carlos Lemos, ele cita Hugues de Varine-Bohan, que divide o patrimônio cultural
em três grandes categorias:
“... 1ª: referente ao meio ambiente, como rios, fauna, flora, solo.; 2ª.: refere-se ao conhecimento, as técnicas, ao saber e ao saber fazer. São elementos não-tangíveis, como a capacidade de sobrevivência no meio ambiente; 3ª.: são os chamados bens culturais, desde artefatos à construções.” ( LEMOS, Carlos. O que é Patrimônio Histórico.Editora Brasiliense. São Paulo, 1981, p.08 e09).
Referente a essa terceira categoria, nós percebemos que as
construções estão constantemente sendo modificadas ao ritmo de evolução das
cidades. Então, se pergunta: por que preservar? Dentre o conjunto de opções,
está o defender, conservar, valorizar. Assim, se concretiza um ditado antigo que
diz que: “preservamos o que amamos, amamos o que valorizamos e valorizamos
o que conhecemos.”
A preservação de prédios e monumentos antigos não é uma
preocupação recente, mas já vem sendo institucionalizada desde o século XIX,
através da criação de órgãos e leis governamentais.
A França foi a primeira a criar , em 1837, uma Comissão de Monumento
Histórico, que classificava monumentos da Antiguidade: igrejas, castelos e outros
prédios da Idade Média, como patrimônios históricos. Também é da França, a
primeira lei sobre Monumento Histórico, criada em l913, concentrada nos
conjuntos arquitetônicos de vista histórica.
“Quando se criou na França, a Primeira Comissão dos Monumentos Históricos, em 1837, as três grandes categorias de monumentos históricos eram constituídas pelos remanescentes da Antiguidade, os edifícios religiosos da Idade Média e alguns castelos.” (CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 2006, p.12).
No século XX, com a modernização do meio urbano, novos eventos
foram organizados, instituindo-se mais leis e documentos para evitar o
desaparecimento de uma obra ou arquitetura histórica.
Em 1931, a Carta de Atenas, preocupou-se com o avanço da
tecnologia, do crescimento das cidades, que poderiam prejudicar a preservação
de locais históricos. Nesse encontro, procurou-se fortalecer as ações de
preservação de monumento arquitetônicas em conjunto com o planejamento
urbano das cidades.
“A Carta de Atenas, redigida pelo Escritório Internacional dos Museus da Sociedade das Nações Unidas, em outubro de 1931, foi um documento que definiu os critérios (...) voltados à orientação do crescimento das cidades e ao avanço da tecnologia (...).” (KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os Rituais do Tombamento e a Escrita da História. Editora da UFPR, Curitiba, 2000, p.78).
No entanto, essa preocupação tornou-se crescente e atingiu outros
países, inclusive o Brasil.
As leis sobre o patrimônio histórico no Brasil foram decretadas pelo
Presidente Getúlio Vargas, em l937, através do Decreto n. 25, que se refere ao
patrimônio histórico, seu tombamento e preservação. A concretização desse
decreto se deve aos esforços de intelectuais mineiros e paulistas, inclusive Mário
de Andrade, que procuraram resgatar e valorizar a cultura nacional. Nessa época
foi criado o SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Hoje, o
órgão responsável pelo patrimônio cultural e histórico brasileiro e o IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O Estado Novo de Vargas interferiu na produção cultural do país.
Procurou construir uma identidade nacional, apoiando algumas manifestações e
proibindo e censurando outras.
“O Estado Novo, dominado pela alta burocracia civil e militar comprometida com a modernização conservadora, legislou de forma agressiva e centralizadora, priorizando as discussões em torno da nacionalidade. Sua ação teve por objetivo erigir símbolos que identificassem a unidade da nacão, dando-lhe visibilidade e, ao mesmo tempo, ocultando as diferenças e conflitos. (...).
O Estado interferiu diretamente na produção cultural, proibindo e censurado o que considerava impróprio à construção da imagem do país, ao mesmo tempo em que encampou manifestações espontâneas como o carnaval. Oficializou os desfiles e estimulou Escolas de Samba a desenvolverem enredos que exaltassem a grandeza nacional (“...).” (KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os Rituais do Tombamento e a Escrita da História. Editora da UFPR, Curitiba, 2000, p.83).
Portanto, por pressões de intelectuais ou para se firmar uma identidade
nacional, de interesse do governo, nosso país não fica alheio a esta preocupação
de cuidar de seu patrimônio histórico, mesmo que ainda não contemplasse todas
as suas manifestações culturais.
Patrimônio Histórico Imaterial e o Sabor da Festa
O patrimônio imaterial está mais ligado ao campo das idéias, ao modo
de vida e organização social, como festas e celebrações, as expressões
diferenciadas, os modos de fazer enraizado no cotidiano das comunidades, os
lugares onde se concentram e reproduzem as práticas coletivas que são práticas
culturais, onde se possam atribuir valor e significado aos grupos. Essas práticas
também estão relacionadas à territorialidade, num determinado espaço e tempo.
“A preservação de um patrimônio imaterial pode ser pensada como tal a partir da percepção dessa imaterialidade concernente a todo patrimônio e, principalmente, em razão da ampliação da noção de patrimônio de modo em geral. Retoma-se aqui a afirmativa feita inicialmente da noção de patrimônio – como construção do homem a partir de suas práticas sociais e representações culturais. O que há de novo na noção de patrimônio imaterial – historicamente determinada – é o fato de se atribuir valor às práticas culturais, até então investigadas e observadas por outras disciplinas e outros saberes.”
“O Decreto Presidencial n. 3551, de 04 de agosto de 2000, institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o patrimônio cultural brasileiro” (Minas Gerais: Secretaria de Estado da Educação. Reflexões e contribuições para a Educação Patrimonial, 2002).
É importante ressaltar que quando se fala em patrimônio artístico e
cultural, na maioria das situações, nos referimos às igrejas, casas, prédios,
objetos, etc. São mais evidentes de serem observados. Mas, e quanto ao
patrimônio intangível ou imaterial? A descrição de um objeto imaterial não
significa que não haverá mudanças ao longo dos tempos, pois não se pode dizer
que não haverá diferenças culinárias num prato típico e tampouco, que a
dedicação e doação do tempo pela comunidade para as festas, sempre será a
mesma. Ainda assim, sobre o aspecto da regularidade, podemos dizer que as
festas de São Francisco, já estão arraigadas nessa comunidade há 47 anos e
merecem o reconhecimento de sua tradição cultural.
O patrimônio imaterial retrata também a emoção e o sentimento
agregados à memória e à construção de uma obra arquitetônica. Para
exemplificar, podemos dizer que as festas de São Francisco, em Califórnia,
começaram com o objetivo de construir a atual matriz. Mas hoje, embora a renda
obtida seja revertida para a mesma, essas festas têm caráter tradicional. Já são
esperadas pela população todos os anos, sendo que, o aspecto culinário da
produção de doces, é um dos grandes atrativos.
Outro fato para se observar, é o interesse de participação dos
responsáveis pela organização e trabalhos diversos para a festa. Descrevem
como um momento de doação, de alegria por pertencer a um grupo, “de
devolver a Deus um pouquinho do que receberam”.
Essa forma de relatar a participação no evento festivo também foi
descrito por José Reginaldo Santos Gonçalves, que ao estudar as festas do Divino
Espírito Santo entre imigrantes açorianos, relatou que para os devotos, trata-se
de uma relação de troca com a divindade. Segundo seus estudos:
“... certamente não há como preservar uma graça recebida, mas é possível, sim, preservar por meio de registros e acompanhamento, lugares, objetos, festas, conhecimentos culinários, etc.”. (ABREU, Regina e Mário Chagas. Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. DP&A Editora, Rio de Janeiro, 2003, p.27).
No Paraná, a preocupação com o patrimônio histórico aparece para
reinventar sua história, para firmar uma identidade.
O Paraná, desmembrado de São Paulo como a 5ª Comarca, em 1853,
parecia ser destituído de uma referência cultural. A região era tida como
passagem de gado dos ricos campos gaúchos, para uma área de comércio em
Sorocaba. Procurou-se reinventar o passado paranaense através de seus ciclos
econômicos, buscando marcas na arquitetura que rememorassem esse passado,
em igrejas, casas, edifícios, enfim, o que pudesse ser reconhecido como
patrimônio histórico, reforçando as características de um estado e sua gente.
Essa preocupação com a identidade paranaense, levou ao surgimento da idéia
de paranismo, descrita pelo historiador Romário Martins e seguida por muitos
paranaenses.
“Esse outro discurso refere-se ao movimento regionalista que embasara a Emancipação Política do estado no século anterior, a partir da valorização de alguns elementos formadores da identidade paranaense: clima, terra e homem. Elementos esses que seriam finalmente expressos e consolidados na cristalização desse discurso no Movimento Paranista, de grande importância das décadas de 1920 e 1930.” (TRINDADE, Etelvina Maria de Castro e Maria Luiza Andreazza. Cultura e Educação no Paraná. Curitiba, SEED, 2001, p.91).
Assim, construiu-se a idéia de um Paraná de imigrantes europeus, da
colonização pelo litoral ou passagem de tropeiros, como se esses fatos tivessem
maior relevância que outros. Alguns grupos foram excluídos dos estudos
regionais, por questões raciais ou socioeconômicas.
“As unidades preservadas, na maioria bens arquitetônicas, foram construídas desde o século XVII, mas, sobretudo, nos século XIX e XX. Enfatiza a colonização pelo litoral, os diferentes ciclos econômicos, a ocupação do território, o movimento imigrante e o fortalecimento do Estado.” (KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os Rituais do Tombamento e a Escrita da História: Editora da UFPR, Curitiba, 2000, p.20).
Ainda segundo Márcia Scholz, no Paraná, a maioria dos monumentos
edificados tombados está em Curitiba, onde foram construídos monumentos que
retratam o passado reinventado de seus ciclos econômicos, edifícios cívicos e
religiosos, locais com arquitetura moderna ou espaços históricos. Para além da
capital, existem bens tombados em cidades consideradas históricas como
Paranaguá, Antonina, Castro, entre outras.
Na atual Constituição, podemos citar leis sobre o patrimônio histórico
brasileiro, tais como:
“A Constituição Federal - em seus artigos 215 e 216 - consagra esse conceito abrangente de patrimônio, reconhecendo o princípio da diversidade cultural na formação da nacionalidade, atribuindo ao Estado o dever de garantir o acesso às fontes da cultura nacional, sua valorização e difusão, para o pleno exercício de direitos culturais; e incluindo, entre os bens que constituem o patrimônio cultural brasileiro, as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver que referenciam a identidade, a ação e a memória dos diversos grupos sociais, tanto quanto os monumentos, conjuntos urbanos, sítios históricos e obras de arte. A preservação desses bens culturais faz-se por meio de tombamentos, registros, inventários e outras formas de acautelamento e proteção” (Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte: Anais do Seminário sobre Inventário de Bens Culturais - uma interpretação da cidade, 2004).
Assim, percebe-se que a preocupação com o patrimônio histórico
material e imaterial está presente na nossa atual legislação.
O que leva um cidadão, na maioria das vezes, a não valorizar os bens
culturais, é a falta de conhecimento sobre o mesmo, porque nunca teve acesso
às informações que o orientasse e nem foi motivado para isso. A Igreja São
Francisco congrega em si toda uma simbologia, que ao ser trabalhada com os
alunos, promove a compreensão deste valor dessa cultura e contribui para a sua
preservação.
Falando em cultura, podemos definir seu conceito como sendo um
conjunto de práticas, símbolos, técnicas e valores que se preservam e são
transmitidos às novas gerações. Subentende-se que a cultura esteja ligada a
uma consciência coletiva. A palavra cultura vem do latim colere que quer dizer
morar, ocupar a terra, trabalhar, cultivar o campo. Portanto, o trabalho histórico
sobre o patrimônio local reforça o conceito de cultura, já definido por autores
como Josilda Eva Campos e José Luis dos Santos.
“Cultura é todo o conhecimento que uma sociedade tem de si mesma e sobre outras sociedades, ou seja, as maneiras como esse conhecimento é expresso através da sua arte, realidade, religiões, esporte, tecnologia, ciência, política, etc.” (Campos, Josilda Eva de: Patrimônio Cultural e modernidade, 1997).
No livro de José Luiz dos Santos, (O que é cultura.), ele identifica duas
concepções de cultura: a primeira, relacionada com aspectos da vida social de
um povo ou nação, e a segunda, quando nos referimos ao conhecimento, as
idéias e crenças, assim como as maneiras como eles existem na vida social. É do
relacionamento entre essas duas concepções que se origina a maneira de
entender cultura, podendo ser um instrumento de estudo das sociedades
contemporâneas.
“... Assim cultura diz respeito a tudo aquilo que caracteriza a existência social de um povo ou nação, ou então, de grupos no interior de uma sociedade.” (SANTOS, José Luiz dos. O que é Cultura .Editora Brasiliense. 1ª Edição, 1983, p.24).
O Trabalho do Patrimônio Histórico e Cultural com os Alunos.
A implantação do trabalho de pesquisa sobre o patrimônio cultural e
histórico, material e imaterial, nas escolas ocorreu como havia sido planejado.
Primeiramente, foi adicionado o plano de trabalho ao planejamento
anual da série escolhida, neste caso a 5ª série. Depois incluído no Projeto Político
e Pedagógico da escola.
Aos supervisores e diretoria do colégio foi feita uma explanação de
como se efetuaria o trabalho e o projeto do PDE, mesmo porque a escola deveria
dar permissão para a retirada dos alunos de sala para que visitassem os locais a
serem observados no projeto.
Aos demais professores de História, foram repassadas as pesquisas
feitas, para que também pudessem utilizá-las em suas respectivas turmas.
Como o projeto foi aplicado em parceria com os professores de Artes e
Português, esses também foram interados do trabalho a ser realizado.
Ao iniciar este projeto, algumas considerações devem ser observadas,
como um relatório de trabalho.
Num primeiro momento, falou-se aos alunos sobre a história do
município e foram revistas algumas datas da evolução da história da cidade,
prosseguindo para juntamente com os mesmos, montar uma linha do tempo. Os
alunos se empolgaram e começaram a relatar fatos das histórias de família,
quando e porque os pais e avós vieram para o município, a que profissões se
dedicaram, constatando-se que a maioria tinha origem em atividades rurais.A
linha do tempo que era para ser feita numa aula, acabou estendendo-se para
uma semana, pois os fatos foram sendo explorados em sala.
Assim também ocorreram com as atividades previstas anteriormente
de se trabalhar os temas sobre o patrimônio em seis aulas, o que se ampliou,
levando seis semanas, pois a cada tema ou atividade desenvolvida, sempre
havia algo mais a falar e acrescentar e a participação dos alunos foram
interessantes, inclusive pelo fato de levá-los à ambientes fora da sala,
caminhando pela cidade e visitando a Igreja e o seu interior.
Com esta linha do tempo, foram retomados os conceitos de calendário,
de dia, mês e ano, século e milênio, referindo-se também a outras culturas, que
não adotam o calendário cristão ocidental. Este é um dos conteúdos a serem
trabalhados com os alunos de 5ª série do Ensino Fundamental e foi explorado
neste momento do trabalho em sala.
Então, pediu-se aos alunos fotos antigas de sua família ou do
município. Alguns trouxeram fotos dos pais e apenas um trouxe de seus avôs.
Para eles, então, foram apresentadas as fotos do município, desde sua
abertura, com os pioneiros e fundadores.
A cada foto, fazia-se um relato histórico da evolução e formação da
cidade, dos personagens, das localidades e, por fim, apresentou-se a planta
inicial do município, onde já constavam os locais onde ficariam os prédios
públicos e religiosos.
Os alunos levantaram algumas questões que foram debatidas com
entusiasmo: “Tudo é importante? O que devemos preservar? A história de
pessoas comuns também é relevante? O sobrenome da minha família aparece
nos textos? Uma casa simples ou documento guardado em casa podem fazer
parte da história do município?”
Depois de várias observações, comentou-se que toda a história tem
sua relevância, podendo sim ser importantes. Para uma pessoa, família, cidade
ou estado, dependendo da abordagem em que será utilizada, e que também, a
História não é feita apenas de grandes personagens ou eventos, mas de todas as
pessoas de uma comunidade. Portanto, a vivência de cada um completa um
momento histórico.
Para ilustrar, podemos citar uma análise feita pelo professor Alberto
Gawryszewski sobre a importância de se preservar os autos findos dos arquivos
judiciários, para que não fossem eliminados ou descartados por decisões
judiciais, sem grandes cuidados. Ele observa que estes documentos, que às
vezes são negligenciados, podem ser úteis para processos futuros ou quando se
procura o valor histórico, como decidir o que é ou não importante ou relevante?
Um ato inconseqüente de queimar arquivos ou simplesmente jogá-los fora
poderá mutilar ou limitar futuras pesquisas.
Lembremos que, como demonstramos em capítulo pretérito, as fontes
seriais, não necessariamente vinculadas a “acontecimentos históricos tidos
como “importantes” em nossa História, são aquelas que muitas vezes, revelam
mais fielmente a vida cotidiana, os valores e o comportamento da sociedade.
(Gawryszewski, Alberto: “Levanta a poeira”: a preservação dos autos findos dos
arquivos judiciários e a memória nacional e local. Londrina, 2005).
Observou-se assim que fotos e documentos, fontes diversas, cartas e
registros são valiosos para a história e devem ser preservados.
Voltando para a história do município, ficou claro para os alunos que
não estaríamos estudando a Igreja São Francisco de Assis por ser um prédio
católico, mas como um patrimônio material para a cidade.
Aqui, à que se observar que o topógrafo e fundador do município de
Califórnia desenharam apenas um único local para a construção da Igreja Matriz
São Francisco de Assis, não constando nesta planta inicial o lugar para outras
igrejas cristãs. Isso devido à tradição, na época de privilegiar um espaço para o
prédio cristão, no centro da cidade.
Mas os alunos se interessaram também por ver, que nesta primeira
planta já havia sido determinado o local para o campo de futebol. Então,
também se observou a importância das construções públicas, históricas,
esportivas e religiosas, como locais a serem preservados.
Juntamente com a apresentação desta planta do topógrafo, foi dado
aos alunos um texto, contando a história do município.
Os alunos, mesmo com essas informações tiveram dificuldades em
produzir textos próprios. Era sempre necessária a orientação do professor. Por
essa razão, o trabalho sobre patrimônio histórico embora possa ser desenvolvido
em qualquer série do ensino fundamental, pode ter melhores resultados com
alunos mais velhos ou mesmo do Ensino Médio, que já exploram outras áreas de
pesquisas e possuem maior habilidade para relatar os fatos históricos.
Na semana seguinte, foram apresentadas fotos da construção da Igreja
Matriz São Francisco de Assis, aproveitando-se para apresentar também o
conceito de patrimônio histórico material e o porquê da escolha de São Francisco
como padroeiro do município.
Como o município é pequeno, foi possível sair com os alunos,
caminhando pelas ruas da cidade, apresentando os locais estudados no texto
sobre a história local. Além disso, os alunos depararam-se na praça, com um dos
símbolos de São Francisco, desenhado no gramado: o Tao. Assim, ao ar livre, a
história do padroeiro foi contada, relatando-se o significado deste símbolo.
Em sala também, outro texto foi explorado com os alunos, sobre a
história de vida do padroeiro e também puderam acompanhar um dos cantos
referentes a ele.
Com a disciplina de Português neste momento, foi trabalhado uma
poesia de Vinicius de Morais, que fala sobre São Francisco, aproveitando-se para
explorar a oralidade e escrita.
A idéia aqui não foi apenas de identificar um personagem católico, mas
referir-se ao feriado municipal de 04 de outubro e fazer com que os alunos
observem que em cada cidade brasileira existem feriados municipais, civis e
religiosos e que estes variam de acordo com o padroeiro escolhido.
Os alunos de outras crenças cristãs questionaram sobre o fato desses
feriados religiosos não serem considerados por todos, o que foi bem comentado.
Sobre essa questão cultural, a Igreja São Francisco de Assis é um
patrimônio religioso, pois sua construção foi planejada desde a planificação da
cidade, pelo topógrafo Dr. Alberto Le Veillie Du Plessis, que trabalhava para a
CTNP, como um edifício católico, embora em outro local, chamado Largo São
Francisco. Hoje ela se encontra na praça independência.
Isso se deve à nossa herança cultural portuguesa, pois mesmo nos
mais antigos povoados do país, a presença cristã católica se fazia sentir, tanto
no levantamento de igrejas, quanto na estipulação de feriados e festas
religiosos.
“O catolicismo colonial foi marcado por manifestações externas da fé, que implicavam longas missas celebradas pelo maior número sacerdotes, procissões solenes e realização de ofícios, com presença obrigatória de fiéis da freguesia. Para tanto, Páscoa, Natal e festas de padroeiros transformavam vilas despovoadas em locais animados”. (TRINDADE, Maria Etelvina de Castro e Maria Luiza Andreazza. Cultura e Educação no Paraná, Coleção História do Paraná, SEED, 2001, p. 23).
O desenvolvimento do trabalho passou para a semana seguinte, onde
os alunos fizeram uma visita dentro da Igreja Matriz São Francisco de Assis.
Nesta semana foram trabalhados os estilos arquitetônicos, gótico e
barroco, que a igreja contempla, tanto nas aulas de História, quanto nas aulas de
Arte, onde além das atividades em sala com textos, os alunos presenciaram
dentro e fora da igreja os elementos religiosos que esses estilos evidenciam.
Os alunos demonstraram um interesse particular na construção da
igreja e novas fotos foram mostradas em sala, relatando o trabalho de pessoas
da comunidade que ajudaram a construí-la ou que, de alguma forma
contribuíram com verbas, doações ou o trabalho voluntário nas festas, feitas
com o objetivo de arrecadar fundos para a construção da mesma.
Os prédios, que de certo modo são pontos de referência ou acabam
tornando-se símbolos da História, promovem a especulação sobre sua origem,
construção, objetivo. Relatam a presença do passado em contraste com a
evolução e transformação das cidades.
Portanto, estudá-los é reconhecer essa História presente nos
municípios, como Françoise Choay observa em seu livro, Alegoria do Patrimônio:
Foto da construção da Igreja Matriz São Francisco de Assis
... “O que nos lembram então os edifícios antigos? O valor sagrado dos trabalhos que os homens de bem, desaparecidos e desconhecidos, realizaram para honrar a Deus, organizar seus lares, manifestar suas diferenças. Fazendo-nos ver e tocar o que viram e tocaram as gerações desaparecidas, a mais humilde habitação possui, da mesma forma que o mais glorioso edifício, o poder de nos pôr em comunicação, quase em contato, com elas. Ruskin utiliza uma metáfora com a qual Bakhtin mais tarde nos haveria de familiarizar: os edifícios do passado nos falam, eles nos fazem ouvir vozes que nos envolvem num diálogo.” (CHOAY, Françoise: A Alegoria do Patrimônio. – p.140).
Um exemplo da arquitetura chamada gótica foi o trabalho de reforma
que fez o abade Suger, na França, entre 1135 a 1144, na Igreja de Saint Denis.
Duby revela que o abade Suger tinha grande preocupação com a iluminação e
decoração das igrejas, para exaltar o divino.
“Desta maneira, a basílica deixou de ser o que tinham sido até então as igrejas monásticas românicas (...), dum espaço fechado, subterrâneo, escuro, aonde os peregrinos desciam em fila indiana, afundando-se aterrados na penumbra, para entreverem enfim corpos santos entre a luz dos círios.” (DUBY, Georges. O tempo das catedrais: arte e sociedade (980 - 1420). Editorial Estampa, 1993, p. 108).
A arquitetura gótica teve sua origem na França e se difundiu nas suas
catedrais. Depois, espalhou-se pela Europa de diferentes maneiras e acabou por
influenciar a arquitetura em vários países por onde o cristianismo se espalhou.
O estilo barroco tornou-se mais presente nos séculos XVII e XVIII. No
barroco, há uma exaltação dos sentimentos, onde a religiosidade é expressa de
um mundo feito por Deus e para Deus. A Igreja é mais do que um espaço para a
prática religiosa. É também um registro do fervor cristão.
“... O barroco foi o movimento de ânsia de novidade, amor pelo infinito e pelo não finito, pelos contrastes e pela audaciosa mistura de todas as artes. Foi dramático, exuberante, teatral (...).”
“(...) apelava para o instinto, para os sentidos, para a fantasia: isto é, tendia para o fascínio. Não foi por acaso que nasceu como instrumento da Igreja Católica, que naquela época se empenhava em recuperar os hereges, ou, pelo menos, em consolidar a fé dos crentes, impressionando-os com sua própria majestade.” (CONTI, Flávio. Como reconhecer a arte Barroca. Livraria Martins Fontes. São Paulo, 1986, p. 04).
Quanto ao estudo dos elementos religiosos que compõe a igreja
estudada, houve um interesse especial no significado das três torres, que se
referem a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, na parte externa. No
interior da igreja, os alunos voltaram sua curiosidade para o teto, com desenho
de uma cruz e sobre o significado do altar.
A arquitetura da igreja não é novidade para os alunos. Mas puderam
ver o mesmo cenário com um novo olhar e uma nova compreensão desta
arquitetura religiosa.
Com o relato das tradicionais festas de São Francisco, o conceito de
patrimônio imaterial foi apresentado.
Os alunos puderam então perceber que cultura, tradições, idéias,
costumes, culinária também são patrimônios históricos e que, neste caso, não
permanecem sempre os mesmos, pois se transformam, adquirem novas
influências, novos modos de fazer. No caso da culinária, mesmo que os
tradicionais doces da festa sejam apreciados, novos costumes e valores são
agregados a estas festas, até mesmo novos temperos.
Aproveitamos o momento dos relatos dos trabalhos sobre a festa para
organizar entrevistas com pessoas da comunidade que participam das mesmas,
para que descrevessem seu trabalho e função.
Percebeu-se que muitos já conheciam estes trabalhos, pois seus
familiares já participam ativamente das festas e somente para alguns alunos é
que o tema era desconhecido.
Sobre esta fase do trabalho, o que foi apresentado além da cultura e
tradição da comunidade, foi à formação da população de Califórnia. De onde
vieram e o porquê desta vinda para a nossa cidade? Em que época isto
aconteceu? Como ficaram sabendo de terras a serem vendidas no norte do
Paraná?
Então, novamente a história do município se fez presente.
A colonização da região Norte do Paraná aconteceu de forma
espontânea, dirigida e planejada. Segundo Sergio Odilon Nadalin, essa
colonização foi organizada nos moldes mais racionais, com o governo
promovendo a vinda de imigrantes nacionais e estrangeiros.
“De certa forma, a história do Norte do Paraná, exemplificou essa tendência”. No momento em que ainda se instalava vários núcleos urbanos de imigrantes estrangeiros, a atração exercida pelas terras férteis, do lado de cá do Rio Itararé, levou à aquisição de glebas por fazendeiros paulistas e mineiros (...).
“(...) O exemplo notável foi o da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, de origem inglesa, mas nacionalizada durante a Segunda Guerra Mundial. Desde l925, foi iniciada a compra de terras no Norte do Estado, para serem divididas, preparadas para a ocupação, ligadas às áreas viárias existentes. Desde então, foi adquirida uma área contínua que corresponde à décima - sexta parte da área total do Estado, propiciada a vinda de colonos em grande número, não só nacionais, como estrangeiros e planejados a edificação das cidades (...).” (NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, população e migrações. Curitiba: SEED, 2001).
Para que os colonizadores pudessem adquirir suas terras, a CTNP tinha
uma estrutura de apoio: os compradores vinham por ferrovia até Cambará,
Cornélio Procópio ou Jataizinho, e depois, com uma jardineira ou com um meio
de transporte disponível, eram levados a conhecer as terras.
Segundo dados da própria Companhia, os colonizadores compravam as
terras, pagando 10% do valor do imóvel e o restante deveria ser pago em quatro
anos com juros de até 8% ao ano. Eles ainda poderiam explorar e vender a
madeira de suas terras.
A partir de l929, quando os funcionários da Companhia de Terras Norte
do Paraná (CTNP), atingiram os limites de suas terras (adquiridas do Governo do
Estado do Paraná), onde hoje é a cidade de Londrina, o Norte Paranaense
experimentou um das mais notáveis atividades de colonização.
A CTNP, partindo de Londrina, em direção oeste, vai fundando 63
cidades e patrimônios, sendo também responsável pela demarcação de 35.103
lotes rurais, que tinham em média menos de 30 alqueires, além de mais 70.000
lotes urbanos, com 500m². O Patrimônio de Califórnia do Sul ficava neste trecho
de terras, que iam até o Município de Tibagi.
“(...) de quinze em quinze quilômetros criaram-se patrimônios e vilas, de cujo impressionante desenvolvimento surgiu grande número de cidades e municípios (...). Sabáudia, São José do Caiuá, Bom Sucesso, Paranacity, Califórnia, São Pedro do Ivaí e São Jorge, em 1954 (...)” (Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná. Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná, 1975, p. 253).
O Patrimônio de Califórnia do Sul foi criado em 1942. O nome de
Califórnia foi uma homenagem ao engenheiro e topógrafo Dr. Alberto Le Veillie
Du Plessis que loteou a região, pois dizia, segundo antigos moradores, quando ia
para o loteamento: “Vou para a minha Califórnia!”
O patrimônio de Califórnia, criado em 1942, fazia parte do território do
município de Londrina, juntamente com outras diversas cidades do Norte do
Paraná, criadas pela Companhia de Terras. Essas pequenas localidades se
emancipando e formando cidades próximas, entre 10 a 15 km entre elas.
“Começando pelas terras mais próximas, situadas na parte oriental, logo após a transposição do Rio Tibagi; os lotes foram sendo demarcados e colocados à venda, de forma racional, de tal maneira que a ocupação do território se deu de maneira ordenada, não permitindo o aparecimento de núcleos distantes e isolados entre si.” (CERNEV, Jorge. Liberalismo e Colonização. O caso Norte do Paraná. Londrina: EDUEL, 1997- p.43).
Em 1942, os pioneiros iniciaram a derrubada das matas e a
demarcação dos terrenos, iniciando o povoamento, principalmente com colonos
mineiros e paulistas, que migraram para o novo patrimônio. As primeiras casas
foram construídas onde hoje passa a BR 376, no trecho denominado de Avenida
Ponta Grossa e também junto à ferrovia.
O sonho de ter o seu próprio pedaço de terra, a um preço acessível,
trouxe para o Norte do estado um grande número de imigrantes paulistas e
mineiros, e juntamente com eles, seus costumes e tradições. Sendo assim, os
doces típicos de leite, amendoim, abóbora, mamão, entre outros, são frutos
dessa tradição e desta culinária.
Cozinheiras fabricando os doces de leite, 2007.
Doces de leite e de pau-de-mamão, 2007.
Bolos e rocamboles da festa de São Francisco, 2007.
Os alunos observaram nas fotos, desde o fogão à lenha ao tacho de
cobre usado pelas doceiras.
No relato colhido das mesmas, os alunos perceberam o comentário que
elas fazem sobre o tempo de cozimento, do ponto do doce, do cheiro no ar. É a
memória que traz consigo o sabor gravado na mente e na infância, no modo de
fazer. Entre elas, falam-se dos doces preferidos e de momentos presentes e
passados, na cozinha e nas festas.
Outro dado que não foi esquecido ao se trabalhar com fotos antigas, de
pessoas, da festa e do município foi fazer com que os alunos procurassem
identificar o período em que foram tiradas, verificar quem eram as pessoas
presentes nas fotos quando possível, a vestimenta da pessoas, a intenção do
fotógrafo ao registrar o momento e a paisagem, natural ou construída, o material
usado na foto e que estas são fontes documentais importantes.
Muitos alunos verificaram que fotos antigas tinham cenários internos
construídos pelos fotógrafos, bem diferentes das fotos de paisagens do início da
formação do município. Mesmo assim, foi comentada a intenção de quem tirava
a foto e do espaço nela apresentado.
Considerações Finais
O trabalho com o Patrimônio Histórico e Cultural do Município
proporcionou um enriquecimento pessoal e coletivo sobre seu objeto material e
imaterial, contando com a colaboração de pessoas da comunidade, do Cedras e
da Cúria Diocesana de Apucarana, que é a responsável pela Matriz São Francisco
de Assis de Califórnia. Além disso, foi feito um acompanhamento da preparação
e festejos do dia de São Francisco, onde foram colhidos depoimentos e
fotografados os participantes do evento.
Também fez perceber que um patrimônio cultural tem suas raízes na
formação da população, de seus conceitos sociais e religiosos, de suas tradições
e influências, de suas permanências e mudanças, e que o Estado organizado tem
leis que regularizam a preservação desse patrimônio.
Os resultados obtidos com os alunos foram animadores e facilmente se
pode perceber o interesse pela história e cultura locais, bem mais próximas de
suas vivências.
Como se falava em cultura, localidade, história, patrimônio, a
valorização do tema foi reconhecida e percebeu-se que os alunos tinham mais
facilidade em se expressar e relatar assuntos ligados às suas famílias.
Por se tratarem de alunos na faixa dos 10 a 11 anos, tivemos que
tomar um cuidado especial ao retirá-los de sala para visitar as localidades do
município, relatadas nos textos. Assim, para um próximo ano, o mesmo trabalho
será desenvolvido com alunos da 8ª série, que poderão também contribuir para
novas pesquisas e acervos de fotos e documentos sobre o município.
O tema sempre pode ser aproveitado em todas as séries do Ensino
Fundamental e médio, já que cada faixa etária poderá contribuir e desenvolver
as pesquisas à sua maneira, de acordo com o seu conhecimento e capacidade,
ampliando as pesquisas e descobertas, dando sempre um novo valor e enfoque
a este estudo.
Isso pode se verificar quanto ao desenvolvimento da metodologia com
os professores do Grupo de Trabalho em Rede, via internet, que puderam entrar
em contato com as nossas pesquisas e contribuir com informações, opiniões,
sugestões de atividades e bibliografia.