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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ SINTIA MARIA DALBOSCO O PODER JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Rio de Janeiro 2008

SINTIA MARIA DALBOSCO O PODER JUDICIÁRIO E A … · O caso paradigmático de crise é a crise de vida, na qual, se levada ao extremo, está se tratando de uma questão de vida ou

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

SINTIA MARIA DALBOSCO

O PODER JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DO

ACESSO À JUSTIÇA

NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Rio de Janeiro

2008

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SINTIA MARIA DALBOSCO

O PODER JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá

como requisito parcial para obtenção do grau de mestre

em Direito

Orientador: Prof. Dr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho

Rio de Janeiro

2008

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SINTIA MARIA DALBOSCO

Rio de Janeiro, ......... de julho de 2008.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Prof. Dr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho

Presidente

Universidade Estácio de Sá

________________________________________________

Prof. ª. Dra. Alessandra de Andrade Rinaldi

Universidade Estácio de Sá

________________________________________________

Prof. ª. Dra. Vanice Lírio do Vale

Universidade Gama Filho

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À minha família, porto seguro da minha vida. Ao meu pai, pelo incentivo para que eu fizesse

o mestrado, ao meu irmão Pedro (nosso pequeninho) pela sua presença em nossas vidas, à

minha mãe e minha irmã Ane, pela presença constante na minha vida, sempre me

incentivando, com apoio de valor inestimável.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Professor Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, pela segurança,

paciência e apoio sempre oferecido no momento certo, desde a elaboração do projeto, até o

desenvolvimento da dissertação, permitindo ampla liberdade de criação e dando todo o

suporte necessário nos momentos mais difíceis.

Agradeço, especialmente, à Professora Maria Teresinha Pereira e Silva, pessoa maravilhosa,

por ter me orientado na revisão da Dissertação.

Aos demais professores do curso de mestrado da Universidade Estácio de Sá, pelos

enriquecimentos que proporcionaram aos meus conhecimentos jurídicos.

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“A justiça sem Força é impotente;

A Força sem a Justiça é tirânica.

Cumpre, pois, colocar juntos a Justiça e a Força

e, para tanto, fazer com que o que é justo seja

forte, ou o que é forte seja justo.”

(Pascal)

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RESUMO

A presente dissertação, situada na Área de Concentração Direito Público e Evolução Social, na linha de pesquisa Acesso à Justiça e Efetividade do Processo do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, analisa em perspectiva histórica, o acesso e o decesso à Justiça, bem como a judicialização da política no cenário brasileiro. As fontes consultadas, a par da legislação constitucional e infraconstitucional, as contribuições da doutrina nacional e internacional. Ao final, apresentam-se considerações sobre a morosidade do Poder Judiciário, em especial a efetividade da Emenda Constitucional 45/04, bem como a importância de se repensar o modelo tripartite dos Poderes. Com intuito de ver minimizada a “crise” por que passa o Poder Judiciário sugeriu-se: a diminuição da burocracia, o reforço dos órgãos extrajudiciais, o aumento da competência dos juizados especiais cíveis ou a criação de novos, a mudança de postura e mentalidade dos operadores do Direito, que deverão atuar segundo visão multidisciplinar e a penalização da litigância de má-fé e das lides temerárias.

Palavras chaves: Acesso e decesso da justiça, jurisdição máxima, jurisdição mínima, judicialização.

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ABSTRACT

This work belongs to the Public Law and Social Evolution Field and its research is about the Access to Justice and the Process’s Effectiveness, being part of the pos graduation course, Master in Law, at Estácio de Sá University. Its goal is to research, in a historical perspective way, the justice’s access and demise and the political judicialization in the Brazilian scenario. Several sources were used, considering the constitutional and under constitutional legislation as well as the national and international contributions. At the end, some regards about the delay in the Judicial Power are presented, specially related to the effectiveness of the n. 45/04 Constitutional Emend, known as “the Judicial System Reform” and to the importance of rethinking the actual separation powers model. Aiming to minimize the crises in which the Judicial Power is going through, it was suggested: the bureaucracy’s reduction, the strengthening of the extrajudicial organizations, the increase of the Special Civil Court’s competence and the creation of new ones, the attitude and mentality changes by the people who work on this field, operating according to a multidisciplinary view, penalizing bad faith litigation and reckless disputes.

Key words: Justice’s access and demise, maximum jurisdiction, minimum jurisdiction, Judicialization.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 10

1. O ACESSO À JUSTIÇA: DO ESTADO LIBERAL AO BEM ESTAR

SOCIAL E ACONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988.................................... 19

1.1. Comentários iniciais sobre jurisdição e o acesso à Justiça....................................... 19

1.2. Acesso à Justiça nos paradigmas do Estado Liberal e Social Democrático de

Direito.............................................................................................................................. 23

1.2.1.O paradigma do Estado Liberal.............................................................................. 27

1.2.1.1. A neutralidade do Poder Judiciário.................................................................... 33

1.2.1.2. Positivismo jurídico: proposta de segurança jurídica........................ 37

1.2.1.2.1. O Positivismo de Hans Kelsen........................................................................ 38

1.2.1.2.2. Da insuficiência do Positivismo jurídico em especial na contemporaneidade 40

1.3. Estado de Bem-Estar Social ou Estado-Providência (Welfare State)...................... 46

1.3.1. O paradigma do Estado Social de Direito............................................................. 48

1.3.1.1. O Brasil no Estado de Direito Social.................................................................. 50

2. A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA ...................................................... 55

2.1. Acesso à Justiça ou acesso à ordem jurídica justa................................................... 57

2.2. Dignidade da Pessoa Humana................................................................................. 62

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2.3. Cidadania.................................................................................................................. 65

2.3.1. Da Jurisdição Máxima.......................................................................................... 71

2.3.2. Da Jurisdição Mínima.......................................................................................... 76

2.4. A efetividade do processo e o acesso à Justiça........................................................ 79

2.5. O Poder Judiciário e a transformação social............................................................ 82

3. O PODER JURICIÁRIO E A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA........ 85

3.1.Poder Judiciário na atualidade: desafios e perspectivas........................................... 85

3.2. O Poder Judiciário e a judicialização da política: uma nova realidade..................... 91

3.21. Eixo procedimentalista –formação da vontade pública.......................................... 96

3.2.2. Eixo substancialista – Judiciário mais participativo.............................................. 104

3.3.A judicialização da política no Brasil....................................................................... 111

3.3.1.O Poder Judiciário: novos direitos e suas demandas.................................... 114

3.3.2. Do decesso do Judiciário...................................................................................... 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 135

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INTRODUÇÃO

As sociedades contemporâneas passaram por profundas mudanças,

colocando em xeque as tradicionais instituições, o próprio Estado e sua(s) estratégia(s)

organizativa(s) sob o modelo da especialização de funções vislumbradas por Montesquieu.1

A experiência inglesa, sistematizada por Montesquieu, bem como a

Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789), influenciaram decisivamente no

estabelecimento dos objetivos do poder político, implantando o princípio da separação dos

Poderes. Em vez de concentrar as rédeas do Estado na mão de um único rei, criaram-se os

três Poderes.2 Legislativo, Executivo e Judiciário.3

O estabelecimento de freios e contrapesos, promovido pelo princípio da

separação dos poderes, constitui instrumento jurídico de limitação e impede que um poder se

sobreponha e interfira sobre o outro, sobretudo do ponto de vista político.4 Dito de outro

modo, na sistematização concebida por Montesquieu, e largamente reconhecida pelos

estudiosos do assunto, cada poder tem funções delimitadas, sem que possa invadir as

atribuições dos demais.

Ocorre que, na atualidade, devido a inúmeros fatores, em especial de ordem

político-social, com a implementação dos novos direitos que têm respaldo constitucional, tal

delimitação tende a ser relativizada. Tal fato, de forma implacável, demanda profunda

revisão dos comportamentos e práticas institucionais. Nesse contexto, na falta de

cumprimento de responsabilidades atinentes à execução de políticas públicas ou de

regulamentação legal, verifica-se a sobrecarga ao poder judiciário, pela ampliação das

1 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis, livro XI, capítulo VI. Trad. Cristina Murachco. São Paulo : Martins Fontes : 2000, p. 168. 2 Conforme Filomeno Moraes “ ...poder é a capacidade, atual e potencial, de impor-se a vontade sobre os outros, inclusive, mas não necessariamente, contra a sua resistência.”( MORAES, Filomeno. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Pode. São Leopoldo : Unisinos, 2006,p. 640) 3 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 2º diz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” 4 FERRAZ, Ana Cândido da Cunha. Conflito entre poderes: O poder de sustar atos normativos do poder executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.13.

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demandas sociais, tendo em vista a efetividade de seus direitos. Nesse processo, não raro,

fala-se em crise do judiciário.

Crise, aliás, que parece ser um termo usual no vocabulário de diferentes

áreas e também do cidadão comum, principalmente quando o assunto é a prestação

jurisdicional. Nesse passo, é elucidativo que, de acordo com o Dicionário do pensamento

Social do século XX5,

“ Falamos de ‘crise’ em relação a sujeitos, a uma vida ou uma forma de vida, a um sistema ou uma ‘esfera’ de ação. As crises decidem se uma coisa perdura ou não. O caso paradigmático de crise é a crise de vida, na qual, se levada ao extremo, está se tratando de uma questão de vida ou morte. Em toda crise os envolvidos confrontam-se com a questão hamletiana: ser ou não ser...”

Inicialmente, o conceito da crise era comum no vocabulário médico;

representava estágio súbito no curso de determinada patologia, de tal forma que a autocura do

organismo afetado parecia impossível. Pode-se então dizer que crise tem a conotação de

“força objetiva, que priva um sujeito de alguma parte da sua soberania normal”6 No campo

das Ciências Sociais, Habermas7 faz menção ao conceito teórico sistêmico de crise e

acrescenta:

Conforme esta perspectiva sistêmica, as crises surgem quando a estrutura de um sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que são necessárias para a contínua existência do sistema. Neste sentido, as crises são vistas como distúrbios prsistentes da integração do sistema.

No caso dos sistemas sociais, as crises resultam de incompatibilidade dos

imperativos funcionais que representam cada sistema. Quanto à aludida crise do sistema

judiciário ela “envolve mais do que simplesmente uma proverbial lentidão, ou mesmo

5 OUTHWAITE, William; BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento social do século xx. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p.157. 6 HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação no capitalismo tardio.Trad. Valmireh Chacon. 2 ed. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro. 1994, p. 12. 7 HABERMAS, Jürgen. Ibidem, p. 13.

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incapacidade da justiça de processar todas as demandas e conflitos da sociedade”.8

Abordando o assunto, J.J. Calmon de Passos elucida que:

Falar sobre a crise do Poder Judiciário é algo que comporta mais de uma abordagem. É possível inseri-la na crise mais ampla do próprio modelo de Estado em que ele se insere. Pode,outrossim, configurar-se como uma crise que lhe seja específica, localizada no processo constitucional de produção jurisdicional do direito ou na institucionalização dos agentes políticos por ele responsáveis, como pode ser um problema menor, relacionado com os procedimentos adotados naque processo constitucional já referido.9

Mas também há quem diga que o problema do Judiciário é secular e advém

da sua morosidade, não obstante, muitas vezes, se alerte para a necessidade do tempo devido à

realização do julgamento prudente.10 Como é cediço, o Poder Judiciário é responsável pela

interpretação, integração e aplicação das normas com o intuito principal de efetivar a justiça.

O espaço de fazer justiça pelo Poder Judiciário chama-se jurisdição.11

Uma das facetas da crise do judiciário, no atual modelo de dizer o Direito, é

denominada crise da capacidade tecnológica dos operadores jurídicos tradicionais em lidar

com as novas realidades fáticas, o que torna necessário novos instrumentos para a busca da

justiça.

Na contemporaneidade, os conflitos tornam-se mais evidentes, mudam de

roupagem, o que traz à tona novas necessidades e demandas, as quais exigem do Direito

adaptação e até mudança de paradigmas.

Esse requisito encontra suas raízes na passagem do Estado Liberal, cuja

estrutura e funcionamento estavam norteados com preponderância à defesa e proteção de

8 SCURO, Pedro Neto. Manual de sociologia geral e jurídica: Lógica e método do direito,problemas sociais, controle social. São Paulo : Saraiva.1996. 9 PASSOS, J.J. Calmon de. A crise do Poder Judiciário e as reformas instrumentais: avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, n˚ 5, março/abril/maio 2006, Salvador-Bahia-Brasil.Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-5-MAR%C3%87O-2006-CALMON%20PASSOS.pdf>.Acesso em: 29/06/2008. 10 AGUIAR, Roberto A.R. de. A crise da advocacia no Brasil:diagnóstico e perspectivas. São Paulo : Alfa:Omega, 1991.p. 11. 11 Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco “ podemos dizer que é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscara pacificação do conflito que os envolve, com justiça.” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido. Teoria Geral do Processo. 11 ed. São Paulo : Malheiros, 1995. p. 125.

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direitos individuais, para o Estado Moderno, voltado predominantemente aos interesses

sociais e busca do bem comum.

Diante de tal quadro, bem como das mudanças decorrentes da Constituição

da República, promulgada em 1988, o acesso à justiça tornou-se objeto de intenso debate

jurídico. Vários são os pontos de vista pelos quais o tema tem sido observado e, por isso

mesmo, diversas são as sugestões doutrinárias e de entidades da sociedade civil para garantir

efetividade da prestação jurisdicional.

O acesso à Justiça é o mais fundamental dos direitos, tal como conceberam

Cappelletti e Garth12. Mas a idéia e o sentido da expressão “Justiça” e “acesso à Justiça”

modificam-se no tempo, em função de inúmeros fatores, que podem advir de influências de

natureza política, religiosa, sociológica e filosófica.13

No período antigo, nas origens, a Justiça decorria da Justiça Divina, razão

pela qual o acesso estava sujeito à religião. Desde os primórdios, expressos mediante normas

escritas em cuneiforme, já se vislumbravam no Código Hamurabi importantes garantias que,

ao menos teoricamente, impediam a opressão do fraco pelo forte, onde já se contemplava a

proteção às viúvas e aos órfãos e estimulava-se a procurar o soberano (instância judicial) para

resolver os impasses. 14 “Na expressão hamurábica, o direito nasce da inspiração divina e por

esse motivo o acesso à Justiça depende do acesso à religião.”15

Foi na Grécia Antiga – berço das primeiras discussões filosóficas que

influenciaram várias correntes no transcorrer da história – que teve começo a formatação da

expressão isonomia que, adicionada às correntes jusnaturalistas, ao longo do tempo conferiu

12 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 11-13. 13 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.6. 14 “... Para que o forte não prejudique o mais fraco, afim de proteger as viúvas e os órfãos, ergui a Babilônia...para falar de justiça a toda a terra, para resolver todas as disputas e sanar todos os ferimentos, elaborei estas palavras preciosas...” (retirado do Epílogo do Código de Hamurabi). http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/hamurabi.htm, acesso em 31/10/2007. 15 CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca. Acesso à Justiça e Cidadania. Chapecó :Argos. 2003.p. 20.

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relevo às questões relacionadas aos Direitos Humanos. Aristóteles,16 foi o primeiro filósofo, a

formular a “teoria da Justiça” 17, sendo, ao mesmo tempo, o pioneiro a cogitar sobre a

possibilidade de o juiz adaptar a lei ao caso concreto. Antes de Aristóteles, o pensamento

socrático já tinha marcas positivistas, à medida que pregava a estrita obediência à lei que se

confundia à noção de justiça.

Atenas foi, sem sombra de dúvida, o berço da assistência judiciária aos

pobres, pois é lá que encontramos os sinais mais distantes da cristalização normativa da

assistência judiciária aos necessitados, respaldada no princípio de que ‘ todo o direito

ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa. Na grande civilização helênica, eram

nomeados, anualmente, dez advogados, para defender as pessoas carentes, perante os tribunais

civis e criminais18. Tanto na Grécia Antiga, quanto na Babilônia de Hamurabi, a jurisdição

era contraprestada pelo pagamento de taxas.

16 No livro V da Ética a Nicômaco, Aristóteles examina exaustivamente os conceitos de justiça. O autor parte do senso comum que se exprime através da linguagem. Assim, para entender a justiça, há de se percorrer todos seus significados, sendo necessário destilar e verificar cada um deles, mostrando as nuances de sentido. De início, uma das distinções conceituais mais relevantes na perspectiva de Aristóteles é a justiça universal e a particular. A primeira, também chamada de total ou integral, é o gênero do qual a segunda é a espécie. A justiça universal relaciona-se à legalidade. Enquanto a justiça universal fixa seu conteúdo na legalidade, a justiça particular tem seu parâmetro na igualdade. Assim, a justiça particular é menos abrangente do que a primeira, pois “tudo que é desigual é ilegal, mas nem tudo que é ilegal é desigual” (1130 b, 13/15). Mencionada a distinção entre o gênero - justiça universal - e a espécie - justiça particular -Aristóteles continua a sistematização indicando as subespécies da justiça particular: a justiça distributiva e a corretiva. Ambas diferenciam-se na medida em que a primeira “se manifesta nas distribuições das honras, de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição” (1130 b, 30), enquanto a segunda “desempenha papel corretivo nas transações entre indivíduos”( 1130 b, 35). Conforme se extrai do texto supramencionado, a justiça distributiva tem lugar numa relação público-privado em que há relação de subordinação entre governantes e governados. A justiça distributiva, para Aristóteles, deve ser ao mesmo tempo “intermediária, igual e relativa”. Intermediária porque deve encontrar-se entre certas coisas. Igual porque envolve duas coisas. E, finalmente, relativa, ou seja, para certos destinatários. A justiça distributiva é aquela que se estabelece nas relações de subordinação público-privado, em que a divisão de ônus e benesses deve ser feita de acordo com a proporcionalidade ensejada pelo critério de mérito escolhido pela constituição de dada comunidade. Prosseguindo no texto, Aristóteles passa à definição da justiça corretiva. Diferentemente da justiça distributiva, que se estabelece em relações de subordinação, a justiça corretiva é estabelecida entre indivíduos que se encontram em condições de coordenação, ou seja, tem lugar entre iguais. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim In: Os Pensadores. Seleção de textos por José Américo Motta Peçanha. São Paulo: Nova Cultural, 1991.) 17 Para Miguel Reale, a teoria da justiça e dos valores fundantes ou pressupostos éticos do Direito, para alguns denominada de Deontologia Jurídica, visa responder, entre outras, às seguintes indagações: Por que o Direito obriga? Qual o fundamento do Direito na sua universalidade? É lícito contrariar as leis injustas? Qual a atitude do juiz ou estadista, quando uma lei positiva se revela, de maneira impressionante, contrária aos ditames do justo? (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 309.) 18 Id. Ibid., p. 6-7.

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A influência do pensamento grego na cultura romana, provavelmente, levou

à construção do sistema jurídico, que veio a inspirar os sistemas, principalmente, aquele

chamado romano-germano. 19 Segundo Maria Aparecida Caovilla,20

Até o início do séc. XX a preocupação do sistema judicial era indiferente às realidades sociais. Buscava-se, apenas, o estudo e a solução dogmática e formalista e não coletiva, favorecendo, com isso, as categorias mais abastadas. As decisões eram apartadas dos direitos humanos, distanciando o cidadão da justiça.

A esse respeito, são muito esclarecedoras as seguintes lições de Mauro

Cappelletti e Bryant Garth, 21

Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para a solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.

Nesse período (Estado Liberal), o direito de acesso à Justiça tinha conotação

essencialmente formal. Contudo, à medida que as sociedades cresceram, tanto em tamanho,

quanto em complexidade, passou-se a valorizar os direitos humanos, o que ensejou novo

entendimento e movimento na busca de um efetivo acesso à Justiça. 22

19 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.7. 20 CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca. Acesso à Justiça e Cidadania. Chapecó :Argos. 2003.p. 22. 21 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9. 22 CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca. Acesso à Justiça e Cidadania. Chapecó :Argos. 2003.p. 23.

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Assim, na atualidade, “o que se busca é uma mudança de comportamento, ou,

mais propriamente falando, nova postura mental, social e, acima de tudo, humana, que atinja

toda a ordem jurídica.” 23

No Brasil, entretanto, como bem assevera Lenio Streck,24

Não há dúvida de que, sob a ótica do Estado Democrático de Direito –em que o Direito deve ser visto como instrumento de transformação social -, ocorre uma desfuncionalidade do Direito e das Instituições encarregadas de aplicar a lei. O Direito brasileiro – e a dogmática jurídica que o instrumentaliza – está assentado em paradigma liberal-individualista que sustenta essa disfuncionalidade, que paradoxalmente, vem a ser a ser a sua própria funcionalidade! Ou seja, não houve ainda, no plano hermenêutico, a devida filtragem – em face da emergência de um novo modo de produção de Direito representado pelo Estado Democrático de Direito – desse (velho/defasado) Direito, produto de um modo liberal-individualista-normativista de produção de Direito.

O que se verifica é que há uma crise instalada no modo de produção do

Direito, porque a dogmática jurídica não acompanha a evolução das sociedades (trans-

modernas), repleta de conflitos trans-individuais, particularmente naquelas situações 25 em

que permanece aplicando um Direito fundamentado apenas na análise de conflitos inter-

individuais.

Paulo de Tarso Brandão26 é enfático ao dizer que,

Apesar de todas as modificações sociais e do Estado e do surgimento de direitos de feição totalmente diversa daquela que informa todas as esferas do direito de cunho individualista, típico do Estado Moderno, os operadores do direito, 27 em sua grande maioria, continuam trabalhando com conceitos

23 CAOVILLA, Maria Aparecida Lucca. Acesso à Justiça e Cidadania. Chapecó : Argos. 2003, p. 23. 24 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado. 2004, p. 33. 25 Ibidem, p. 35. 26 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. Florianópolis : Habitus, 2001. p. 12. 27 Segundo Paulo de Tarso Brandão ( consta na nota de rodapé da obra) “ Entende-se por “operadores do direito” todos aqueles que, de alguma forma, estão ligados à aplicação ou formação do Direito. Assim, são operadores do direito os magistrados, membros do Ministério Público, advogados, professores, estudantes (em qualquer nível).( BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ibidem, p. 12.)

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adequados a esta última esfera de direito sem levar em conta que estão operando no interior de uma outra realidade.

Frente às mudanças paradigmáticas que exigem atualização da postura do

Poder Judiciário, no sentido, de rever a sua posição de mero aplicador do direito tal como

proposto por Montesquieu, a presente pesquisa em consonância com a linha de pesquisa

“Acesso à Justiça e Efetividade do Processo” do curso de Mestrado em Direito Público da

Universidade Estácio de Sá, pretende contribuir para o debate acadêmico sobre o acesso à

justiça, seus percalços, vislumbrando novas posturas a serem adotadas pelos magistrados, em

face da morosidade do judiciário e da judicialização da política, que se firma na atualidade

como resposta às demandas sociais de prestações obrigacionais.

O objetivo principal da presente dissertação é examinar, em perspectiva

histórica, o acesso e o decesso à Justiça, bem como a judicialização da política no cenário

brasileiro. Para atingir tal escopo, faz-se necessário analisar vários aspectos, tais como: a) a

constitucionalização do direito ao acesso à justiça sob o prisma do jurisdicionado e também

do Poder Judiciário; b) a judicialização da política como meio de efetividade das políticas

públicas, sob o enfoque das garantias constitucionais; c) a questão do decesso do judiciário

previsto no EC n˚ 45/04, pois que não basta ter acesso à Justiça; eis que é necessário que ela

se justa e célere.

Com o intuito de alcançar os objetivos propostos, no primeiro capítulo,

aborda-se em largos traços a evolução do acesso à Justiça nos paradigmas do Estado Liberal e

Social Democrático de Direito. Para tanto a análise contempla o paradigma do Estado Liberal

da divisão do espaço público e privado, da separação dos poderes, do reconhecimento

meramente formal dos direitos individuais, da influência do positivismo jurídico, concluindo

por sua insuficiência para enfrentar os desafios atuais à altura.. Sobre o Estado de Bem-Estar

Social ou Estado-Providência (Welfare State), analisa-se o paradigma constitucional social de

direito, que traz consigo a necessidade de releitura dos direitos fundamentais, tendo em vista o

ajustamento da hermenêutica às novas demandas sociais.

No segundo capítulo, trata-se da Efetividade do acesso à Justiça no Brasil,

em consonância com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o exercício da cidadania,

particularmente após o advento da Constituição da República Federativa de 1988, que

consagrou a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o acesso à Justiça como garantias

fundamentais indispensáveis ao ser humano a serem perseguidos e efetivados pelo Estado

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Democrático de Direito, em prol da realização dos objetivos fundamentais da República

Federativa, quais sejam, de uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros. Com a

constitucionalização do acesso à Justiça como direito fundamental, buscou-se neste capítulo

debater as responsabilidades que precisam ser assumidas no sentido de assegurar o amplo

acesso à Justiça.

No terceiro capítulo, trata-se da Judicialização da Política, que vem mudando

o foco do Judiciário, imprimindo-lhe novo modo de agir, precipuamente quando se defronta,

em paralelo com antigos direitos historicamente desrespeitados, com novos direitos, elevado

quantitativo demandas, sempre mais complexas e o seu decesso. Com esse fundamento,

discutem-se os novos desafios e perspectivas do Poder Judiciário, diante desse fenômeno

social recente, que traz a lume nova caracterização dos conflitos sociais, pois expressam

interpretação de direitos já institucionalizados, perante as cortes nacionais, ou mesmo

internacionais.

Para alcançar os objetivos, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental,

envolvendo análise de doutrina nacional e estrangeira, em paralelo à legislação constitucional

e infra-constitucional.

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1. ACESSO À JUSTIÇA: DO ESTADO LIBERAL AO BEM ESTAR SOCIAL E A

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

1.1. Comentários iniciais sobre jurisdição e o acesso à justiça

Inúmeros são os conflitos de interesses na vida em sociedade, abrangendo

aspectos múltiplos da vivência humana. A maioria dessas divergências é resolvida pelas

próprias partes, sozinhas ou com o auxílio de terceiros (familiares, amigos, líderes

comunitários ou religiosos). Contudo, caso não se obtenha êxito, o interessado pode

renunciar ao direito lesado, assumindo postura de tolerância28 ou de omissão (fato que decorre

principalmente do descrédito no sistema judicial), ou ainda de buscar a jurisdição, uma das

funções do Estado, orientada para alcançar a pacificação do conflito, uma vez que a auto-

tutela29 restou praticamente eliminada dos sistemas jurídicos.

A história da sociedade tem sido marcada por movimentos que trazem a

possibilidade de expressão humana, alterando os costumes e outros elementos culturais,

28 KONRAD HESSE utilizando-se das palavras de Walter Burckhardt é direto ao anunciar que: "Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado." ( HESSE, Konrad.Trad. Gilmar Ferreira Mendes. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991, p. 22). 29 Auto-tutela implica fazer justiça pelas próprias mãos. Essa modalidade de solução dos conflitos de interesse foi muito difundida nas fases primitivas da civilização dos povos. É marcada por dois traços principais: a) as partes envolvidas resolvem suas contendas sem a presença de terceiros, como um árbitro, por exemplo; e b) sempre uma vontade se impõe, via de regra pela força, a outra vontade. Remonta ao Código de Hamurabi, que consagrou a Lei do Talião – “olho por olho, dente por dente”, que consiste na justa reciprocidade do crime e da pena, ou seja, que impunha o revide na mesma medida da injustiça praticada. Como auto-tutela não visa garantir justiça o ordenamento jurídico brasileiro impede a sua utilização (art. 5˚, inciso LIV da Constituição Federal e o art. 345, do Código Penal). Contudo, o Estado permite a autodefesa em situações excepcionais, a saber: na legítima defesa no âmbito penal (art. 25, CP); no desforço possessório conferido ao possuidor turbado (art. 1210, § 1˚,CC/02); no direito de retenção do locatário (art. 578,CC/02) e do depositário (art. 644, CC/02); bem como no direito de greve, garantido constitucionalmente (art. 9˚,CF), no âmbito do Direito do Trabalho.( PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria geral do processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2007, p. 2-3.).

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ideológicos e sócio-econômicos que não mais se equipararam aos da última metade do século

passado.

Nesse movimento, verifica-se intervenção crescente do sistema de justiça na

vida coletiva, sendo esse um dos fatos políticos marcantes de finais do século XX e de

começo do século XXI. Verifica-se, particularmente, nas últimas décadas, significativo

aumento nos contenciosos e, nesse passo, o juiz é levado a pronunciar-se em inumerável

conjunto de conflitos de natureza individual e coletiva.

A esse respeito, não se pode esquecer que, no Estado Democrático de

Direito, o Acesso à Justiça é Direito Fundamental, que deve ser garantido a todos

efetivamente, o que extrapola o plano do discurso formal. Como fundamento legal do Acesso

á Justiça, merece relevo o texto da Lei Maior, no capítulo atinente aos Direitos Fundamentais,

cuja efetividade se espraia para outros direitos, já que a justiça social, no Estado Democrático

de Direito deve ser prioritária, com o escopo da pacificação social.

Nessa linha, o Acesso à Justiça representa oportunidade de alcance à ordem

justa, Direito Público Subjetivo, garantido à sociedade em geral e às pessoas (físicas ou

jurídicas), em particular para a tutela de lesão (ou ameaça) a direito, sendo inconcebível

qualquer tipo de empecilho ao exercício de tal direito.

A vigente Constituição Brasileira, no seu art. 5˚, inciso XXXV30, traz o

princípio da indeclinabilidade de jurisdição31 em caso de lesão ou ameaça a Direito,

assegurando, além do Direito de ação, o princípio da inafastabilidade do controle judiciário ou

universalidade da jurisdição, quando estabelece que a lei, e conseqüentemente, nenhum outro

ato estatal, poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de Direito.

A partir do momento em que o Estado proíbe a justiça privada, retirando do

indivíduo a possibilidade de buscar por suas próprias forças a resolução dos conflitos, avoca,

em contrapartida, o poder-dever de solucioná-los, mais do que dar mera solução, mas de

30 CF/88, artigo 5˚, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; 31 Segundo o professor Grandinetti de Carvalho “O princípio da indeclinabilidade de controle jurisdicional surge, assim, como garantia da separação de poderes e como afirmação do judicial control. Está inserido como uma garantia fundamental do homem. A garantia é de tal importância em um regime democrático que o primeiro sinal de tendência autoritária é a supressão do acesso ao Poder Judiciário” ( CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti de. Processo Penal e Constituição: Princípios Constitucionais do Processo Penal. 4 ed. Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2006,103).

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proporcioná-la com justiça, respeitando-se, obviamente, o devido processo legal, fundado no

contraditório, ampla defesa e num julgamento célere e eficiente. 32

Como ressaltado, o acesso à Justiça é garantia constitucional, o que implica o

dever de resposta adequada do Estado, quando acionado pelo jurisdicionado, podendo, ou

melhor, devendo ser avaliado sob dois enfoques: o de quem busca o serviço estatal e o do

Poder Judiciário, que tem o dever de oferecer a resposta.

Eis porque falar de Acesso à Justiça assume a conotação de Justiça Social33

e, conforme assevera Marinoni34, é o “‘tema ponte’ a interligar o processo civil com a Justiça

Social. Tal perspectiva traz à tona, ainda, a desmistificação da neutralidade ideológica do juiz

e do processualista.”

32 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria geral do processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro : Lúmen Júris, 2007, p. 6. 33 A expressão hoje é do domínio público, mas sua definição depende da concepção político-econômica de cada autor. Há tanta dificuldade em defini-la quanto existe para definir o bem comum, que é o elemento fundamental de qualquer doutrina de justiça social. Luis Fernando Barzotto assevera que “A justiça social, por sua vez, trata das relações do indivíduo com a comunidade. É oportuno lembrar, contudo, que para a tradição aristotélica, a comunidade não existe para além dos indivíduos que a constituem. Deste modo, a justiça social, ao tratar daquilo que é devido à comunidade, não faz nada além de determinar quais são os deveres em relação a todos os membros da comunidade. Assim, os deveres de proteção ao meio ambiente, no direito ambiental, dizem respeito, diretamente, àquilo que o indivíduo deve à comunidade como um todo, mas indiretamente, a todos os membros da comunidade. Não faz sentido, dizer que, por um dever em relação a X ou Y, como particulares, uma floresta não pode ser destruída. Mas é perfeitamente correto afirmar que isto é devido também a X ou Y como membros da comunidade, pois no limite, os deveres de direito ambiental tem como sujeito titular de direitos cada um dos membros que integram a comunidade. Assim, a justiça social, ao regular as relações do indivíduo com a comunidade, não faz mais do que regular as relações do indivíduo com outros indivíduos, considerados apenas na sua condição de membros da comunidade.” Faz ainda uma distinção entre justiça particular e justiça social dizendo que “Ao passo que a justiça particular tem como objeto o bem do particular, em uma troca ou distribuição, a justiça social tem por objeto o bem comum. Como foi visto, isto não significa que a justiça particular possa ser pensada à margem do bem comum. Ao contrário, algo só é devido a um particular em vistas do bem comum, seja em uma distribuição, seja em uma troca. A justiça particular visa diretamente o bem do particular e, indiretamente, o bem comum. Assim, em uma reforma agrária, que deve reger-se pelos cânones da justiça distributiva, o beneficiado imediato é o sem-terra, mas, indiretamente, toda a sociedade é beneficiada, na medida em que alguns dos seus membros saíram de uma situação de indigência e podem agora exercer uma tarefa produtiva em prol de todos. Na justiça social, ao contrário, visa-se diretamente ao bem comum e, indiretamente, o bem deste ou daquele particular. O ser humano é considerado "em comum", como diz Tomás de Aquino. Em uma sociedade de iguais, isto significa que o outro é considerado, simplesmente por sua condição de pessoa humana, membro da comunidade. Assim, o que é devido a um é devido a todos, e o benefício de um recai sobre todos. Por exemplo, no direito ambiental, o ato de não poluir é algo devido não a este ou àquele indivíduo, mas à comunidade como um todo ou, de um modo mais preciso, este ato é devido a todos os membros da comunidade. O ato que visa diretamente o bem comum alcança indiretamente o bem de cada membro da comunidade.” (BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/Artigos/ART_LUIS.htm. Acesso em 26/03/2008). 34 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 3 ed. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 192.

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O processo, como instrumento da jurisdição e de realização do Acesso à

Justiça, deve primar pelos objetivos sociais, políticos e jurídicos. Como ressaltam

CAPPELLETTI e GARTH, 35 o acesso à justiça constitui o mais básico dos direitos humanos

do sistema jurídico moderno e igualitário, orientado para a efetividade das garantias, o que

ultrapassa o aspecto formal declaratório de ser direito de todas as pessoas. Em coerência com

esse princípio, na atualidade, verifica-se o despertar para a dimensão social do processo, como

instrumento precípuo para garantir acesso ao Direito e à Justiça.

Ao se ocupar do objetivo social da jurisdição (educação para o exercício dos

direitos), Marinoni36 esclarece que a falta de acesso à Justiça impede que o cidadão se libere

do descontentamento derivado do conflito, o que traz consigo o sentimento de falta de

proteção, desamparo perante o Estado e infelicidade pessoal e, numa esfera coletiva, “fonte

propícia para desestabilização social”.

Também não há como omitir o objetivo político da jurisdição, eis que o

Estado, ao resolver uma contenda e impor suas decisões, afirma o próprio poder. A jurisdição

deve estar capacitada a estimular a participação popular na administração da justiça, de forma

direta ou indireta. A participação direta ocorre, em especial, com a presença de leigos nos

juizados especiais e a indireta se evidencia por meio dos princípios constitucionais da

publicidade e da motivação. 37

O objetivo jurídico da jurisdição, conforme lição de Marinoni, 38 realiza-se na

“idéia de atuação da vontade concreta do Direito”. O autor esclarece que o processo se

destina à realização dos valores do Estado e da própria sociedade, cujos valores sociais podem

ser revelados pelo Direito Substancial. O autor em tela aconselha que o atuar concreto do

35 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002. p. 11-13. 36 “Nessa dimensão assume relevo o exemplo a ser dado pela administração da Justiça. O funcionamento adequado das vias de pacificação social é que poderá levar o cidadão a retomar a confiança na ‘Justiça’, estimulando o exercício dos direitos e, inclusive, o respeito aos direitos alheios. Aí, aliás, de grande importância é a tarefa reservada aos juizados especiais, que, por estarem mais perto do cidadão comum e dos seus problemas, têm condições de constituir exemplo mais vivo e significativo de que a administração da Justiça pode bem atender aos reclamos sociais.”( MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 3 ed. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 192.) 37 MARINONI, Luiz Guilherme, ibidem, p. 193. 38 MARINONI, Luiz Guilherme, ibidem, p. 186-187.

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Direito deve ser apreendido de modo que possa “permitir sua conciliação com o ideal de

acesso à ordem jurídica justa.” 39

Para o doutrinador referido, 40 o escopo principal da jurisdição não se resume

à vontade da lei, uma vez que, para decidir, o juiz deve aplicá-la. E, para atuar de modo a

desvelar valores do Estado e da sociedade, que variam no tempo, a lei “deve concretizar a

idéia de Direito posta na Constituição”.

Para entender o(s) objetivo(s) da jurisdição na contemporaneidade, torna-se

necessário buscar algumas repostas que, historicamente, serviram de paradigmas para o

judiciário, no contexto do Estado Liberal e do Estado Social Democrático de Direito.

1.2. Acesso à Justiça nos paradigmas do Estado Liberal e Social

Democrático de Direito

O Estado Liberal de Direito institucionalizou-se no fim do século XVIII,

após a Revolução Francesa de 1789, que adveio de um processo revolucionário de caráter

político social, de certa forma, coincidente com a Revolução Industrial. Trata-se do primeiro

regime jurídico-político da sociedade, que materializava as novas relações econômicas e

sociais, colocando, de um lado, os capitalistas (burgueses em ascensão) e, do outro, a realeza

(monarcas) e a nobreza (senhores feudais em decadência).

A Revolução de 1789 materializou a revolta social da burguesia, inserida no

Terceiro Estado41 francês, que se elevou da condição de classe dominada e discriminada para

dominante e discriminadora e destruiu as bases de sustentação do absolutismo, também

39 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 3 ed. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 186-187. 40 Ibidem, p. 186. 41 Na França do Antigo Regime (Ancien Régime) e durante a Revolução Francesa, o termo Terceiro Estado indicava as pessoas que não faziam parte do clero ( Primeiro Estado) nem da nobreza (Segundo Estado).

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chamado Antigo Regime, pondo fim ao Estado Monárquico absolutista.42 Os revolucionários

tinham como lema: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", que representava os anseios da

burguesia: liberdade individual para o crescimento dos seus empreendimentos e obtenção do

lucro; igualdade jurídica, objetivando abolir as discriminações e promover a fraternidade.43

O liberalismo44 é uma doutrina política e econômica que se consolidou na

Europa, mas também na América do Norte, espraiando-se para outros contextos e tinha como

escopo combater o intervencionismo do Estado em todos os domínios. Conforme parâmetros

econômicos, defendia-se a propriedade e a iniciativa privada, assim como a auto-regulação

através das leis da oferta e procura, conforme o funcionamento do mercado. Como

conseqüência, preconizava-se um Estado mínimo, restrito a simples funções judiciais e de

defesa.

Ademais, o Estado Liberal de Direito, que teve alguns de seus alicerces

teóricos lançados por Locke45 e Montesquieu46 caracterizou-se pela propagação da idéia de

direitos fundamentais, da separação de poderes, bem como, do império das leis, próprias dos

movimentos constitucionalistas que estimularam o mundo ocidental a partir da Magna Charta

Libertatum de 1215.

42 BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Estados liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Jus navigandi, 2008. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9241>.Acesso em 29 de julho de 2008. 43 BRADBURY, loc. cit. 44 De acordo com Ubiratan Borges de Macedo “ No Direito aparece sob o nome de constitucionalismo e influencia a ação de numerosos juristas e escolas desde o jusnaturalismo ao positivismo, do idealismo hegeliano e do kantiano ao utilitarismo e pragmatismo. Suas origens remontam à democracia de Péricles e a Cícero e sua idealização da República Romana; mas é com a crise da Reforma que o ideal de liberdade de consciência, surge reforçando os ideais de liberdade política, expressos nos forais medievais e na Magna Carta inglesa e assume caráter universal.” (MACEDO, Ubiratam Borges de. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Liberalismo. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 534.) 45 De acordo com Paulo Bonavides, Locke foi o primeiro teórico do liberalismo, mas para ele “ o poder dos reis não sai, em sua filosofia política, tão diminuído como seria de supor à primeira vista.” (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 46). 46 Montesquieu formou-se em Direito, mas também “Influenciado pela difusão da física newtoniana e dos estudos biológicos, possuía também sólida formação histórica e jurídica. Publicou, além de trabalhos de divulgação científica na mocidade, as Cartas Persas (1721), obra de crítica social, as Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência (1734) e o Espírito das Leis (1748). Nessas duas obras construiu, a partir de uma original filosofia da história à qual não faltaram as influências do racionalismo filosófico e do pensamento newtoriano, uma teoria inovadora e crítica, embora moderada, do governo.”( WEHLING, Arno, Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Montesquieu. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 585.)

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Em termos gerais, o liberalismo defende a maximização da liberdade

individual mediante o exercício dos direito e da lei. A esse respeito, é pertinente o

esclarecimento de Norberto Bobbio47,

O Estado liberal preocupa-se somente com uma coisa: colocar seus próprios cidadãos em condições, através da garantia da liberdade externa, de perseguir, segundo seu próprio pensamento, os fins religiosos, éticos, econômicos, eudemonísticos que melhor correspondem aos seus desejos. Essa concepção de Estado também foi chamada de negativa, porque sua característica é de não ter fins próprios e sua tarefa essencial não é a de fazer algo para a felicidade dos seus próprios súditos, mas simplesmente impedir, pela limitação da liberdades externas que um cidadão não possa alcançar a sua própria felicidade, segundo a sua maneira de ver, ou, em outras palavras, não é de promover o bem-estar geral, mas de remover os obstáculos que colocam para que cada um alcance o bem-estar individual por suas próprias capacidades e meios.

Cumpre acrescentar que o pensamento liberal do século XIX teve, em

Kant48, o seu representante mais significativo no que concerne à defesa da liberdade como

valor fundamental, calcado na necessidade de limitar também o processo revolucionário

burguês de 1789. Kant propugnava o estabelecimento de novas bases a um pensamento

político que deveria, a princípio, contemplar o indivíduo como valor máximo, sem excluir,

contudo, o sentido de sociedade como valor, em que indivíduo e sociedade não são pensados

como constituições antagônicas, eis que têm o plano social como pano de fundo de realização

do indivíduo, obviamente orientado pelo dever, como valor a ser perseguido no combate ao

atomismo individualista.

47 BOBBIO, Norberto.Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. São paulo Mnadarin. 2000, p. 212. 48 A filosofia de Kant “...chamada transcendental, fala sobre a abertura para a idéia do sujeito no sentido teórico e prático.”(MILOVIC, Miroslav. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Kant, Emmanuel, 1724-1804. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 498.). Julián Marías nos coloca que “Kant distingue dois mundos: o mundo da natureza e o mundo da liberdade. O primeiro está determinado pela causalidade natural; mas, junto com ela, Kant admite uma causalidade por liberdade, que rege na outra esfera. Por um lado, o homem é um sujeito psicofísico, submetido às leis naturais físicas e psíquicas; é o que chama de eu empírico. Assim como o corpo obedece à lei da gravidade, a vontade é determinada pelos estímulos, e nesse sentido empírico não livre. Mas Kant contrapõe ao eu empírico um eu puro, que não está determinado naturalmente, mas somente pelas leis da liberdade. O homem, como pessoa racional, pertence a esse mundo da liberdade.” ( MARÍAS, Julián. História da Filosofia.Trad. Claudia Berliner. São Paulo : Martins Fontes, 2004. p. 322.)

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Bobbio49 assevera que Kant se contrapõe à concepção dominante em sua

época, porque conferia ao Estado, e por isso ao príncipe, o fim principal de conduzir os

súditos à felicidade, concepção essa que correspondia ao regime chamado despotismo (ou

absolutismo) iluminado.

De acordo com Norberto Bobbio50, Kant se reporta a finalidade do Estado,

perguntando-se:

...qual é o bem público do Estado, ou seja, a lei suprema frente à qual todas as demais devem ceder? E sua resposta é clara: o bem público, entendido como aquilo que deve ser levado em máxima consideração num Estado, é a constituição legal, que garanta a liberdade por meio da lei e, portanto, permita a cada um alcançar, no âmbito dessa liberdade, a felicidade pessoal.

Para Kant51, o homem está submetido às leis da natureza (determinismo) e,

ao mesmo tempo, às leis da liberdade (moral), de onde se depreende que o homem é

submetido ao determinismo da natureza e, ao mesmo tempo, livre enquanto ser pensante, para

criar as próprias regras. O autor em destaque conclui que a razão humana é livre e

determinante e, por conseguinte, é diferente dos outros animais, o que se denomina liberdade

transcendental.

No campo da vontade ou da razão é possível aferir a liberdade prática ou

independência da vontade, que pode ser demonstrada quando a razão nos fornece a “regra de

conduta” 52 De acordo com Peláez 53 “ En realidad, la esencia de la idea de “libertad práctica”

es condensable em la lapidaria fórmula: “ debes, luego puedes”.

É justamente aqui que entra em jogo o que devemos ou não fazer. É nessa

experiência interior, unicamente pessoal que se distingue a idéia de liberdade transcendental,

49 MARÍAS, Julián. História da Filosofia.Trad. Claudia Berliner. São Paulo : Martins Fontes, 2004. p. 213. 50 BOBBIO, Norberto.Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. São Paulo Mnadarin. 2000, p. 215. 51 Vide nota rodapé 21. 52 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5 ed. Tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouuste Gulbenjkian, 2001 : A803/B831, p. 638. 53 PELÁEZ, Fransico J. Contreras. El Tribunal de la Razón : El pensamiento jurídico de Kant. Sevilla : Editorial Mad, S.L., 2005, p.31.

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que torna possível determinar a vontade de agir, com ou sem as influências de impulsos

sensíveis (interesses). Essa é, em síntese, a concepção de Kant 54 sobre a liberdade

transcendental, como sendo o livre-arbítrio e tudo que se correlaciona com essa faculdade “é

chamado prático”. Resulta dessa premissa, que devemos entender por prático, o que diz

respeito à moral e ao direito.

Kant 55 ressaltava que o ser racional é absolutamente responsável por sua

conduta, consagrando uma ética das normas, contra as éticas finalistas. Nesse sentido,

destacou que a busca do bem não poderia fazer parte da moralidade; contudo, o cumprimento

da lei pela lei, enfatizando, com isso, que a ética significa a obediência à lei moral, que está

no sujeito e que se identifica com sua consciência. Abordando o tema, Peláez56 ressalta que,

para Kant,

La libertad práctica seria, digamos, um fenômeno “mental”: se sustancia em las profundidadees de la psique. Ahora bien, para ser sujetos morales plenos, parece que necesitamos, no solo esta libertad interna o psicológica, sino también la libertad externa. Abandonamos así el recinto de la conciencia para adentrarmos en la esfera de sus manifestaciones empíricas: la conducta “externa”, la ejecución material las resoluciones que, usando su libertad práctica, há adoptado el sujeto.

A questão que se impõe é saber: qual é o bem público do Estado para Kant?

Bobbio57 elucida que a resposta é clara: “o bem público, entendido como aquilo que deve ser

levado em máxima consideração num Estado, é a constituição legal, que garanta a liberdade

por meio da lei, portanto, permita a cada um alcançar, no âmbito dessa liberdade, a felicidade

pessoal.”

1.2.1. O paradigma do Estado Liberal

54 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5 ed. Tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouuste Gulbenjkian, 2001 : A802/B830, p. 637. 55 Ibidem, p. 152-156. 56 PELÁEZ, Fransico J. Contreras. El Tribunal de la Razón : El pensamiento jurídico de Kant. Sevilla : Editorial Mad, S.L., 2005, p.37. 57 BOBBIO, Norberto.Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. São paulo Mnadarin. 2000, p. 215.

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Conforme Paulo Bonavides58, na doutrina do liberalismo, definiu-se o

Estado,“o implacável Leviatã”, como fantasma em relação ao indivíduo 59. “O poder, de que

não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria

constitucional como o maior inimigo da liberdade” 60.

A partir de tal definição, o Estado Liberal tinha como paradigma a divisão

bem clara entre o espaço público, que se ligava às coisas do Estado (direitos à comunidade

estatal, segurança jurídica, representação política etc.) e o privado, principalmente, a vida, a

liberdade, a individualidade familiar, a propriedade, o mercado (trabalho e emprego capital) e

similares. Essa dicotomia (público/privado) era abonada por intermédio do Estado, que,

lançando mão do império das leis, garantia as relações sociais, por meio do exercício estrito

da legalidade.

Com a definição precisa da significação do espaço privado e do espaço

público, o indivíduo, orientado pelo ideal da liberdade, procura no espaço público a

possibilidade de materializar as conquistas implementadas no âmbito do Estado, que avocou a

feição de não interventor.

Tendo em vista a égide do paradigma liberal, é atribuição do Estado, por

meio do direito posto, afiançar a certeza nas relações sociais, por meio da compatibilidade

entre os interesses privados e o interesse de todos. Porém, essa busca passou a ser

responsabilidade de cada indivíduo, rompendo com a concepção do Estado “pré-moderno” no

qual até a felicidade dos indivíduos era atribuição estatal.

O direito passa a ser analisado na perspectiva do ordenamento

constitucional/legal, abandonando-se a idéia de que se tratava de algo transcendental, com

base na imutável hierarquia social oligarca. Surgem a partir de então, as idéias do exercício

das liberdades individuais; ou seja, de que é possível fazer tudo que não esteja proibido por

lei. Verifica-se também a consagração da igualdade de todos diante da lei; ou seja,

formalmente, todos são iguais perante a lei, devendo-se pôr fim aos insustentáveis privilégios

concedidos por ocasião do nascimento.

58 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 40. 59 Ibidem, p. 41. 60Ibidem, p. 40.

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Os indivíduos, antigamente considerados como coisas, com o advento da

nova ordem, passam a contar com a ascensão da dignidade pessoal à de sujeito de direitos,

principalmente, com a realização de contratos de compra e venda de sua força de trabalho.

De modo geral, consagram-se os direitos de primeira geração, que marca a

separação entre Estado e não-Estado, com destaque para os direitos do indivíduo. Na esfera

privada, o movimento resultou no reconhecimento do que à época convencionou se chamar

direitos naturais. Passa-se a proclamar os direitos à vida, à liberdade e à propriedade como

valores máximos, consagrando a secularização do poder político, o combate ao absolutismo e

a afirmação do modo de produção então emergente, o capitalismo.

As garantias individuais são definidas como essenciais para um ambiente

estável aos negócios e à produção; não foi por acaso que o direito à propriedade foi igualado

ao direito à vida61 nas garantias fundamentais.

Pode-se afirmar que o constitucionalismo moderno tem sua origem no intuito

principal de fundação e legitimação do poder político, assim como a constitucionalização das

liberdades. A idéia central, na Idade Moderna, é infligir limites ao Leviatã e garantir os

direitos individuais.

Inicialmente, com a alteração da polaridade decorrente da ascensão da

burguesia, foi possível construir-se a idéia de liberdade do homem diante do Estado, com base

na concepção burguesa de ordem pública. Tratava-se dos ideais da liberdade burguesa versus

os ideais do absolutismo, o indivíduo contra o Estado (privado versus público).

Detentora do controle político da sociedade, a burguesia não mais se

preocupou em manter, como apanágio de todos os homens, a prática universal dos princípios

filosóficos de sua revolta social. “Só de maneira formal sustenta-os, uma vez que, no plano

de aplicação política, eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de

classe”. 62

61 O artigo XVII da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (votada definitivamente em 02 de outubro de 1789), diz o que segue: "Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o exige evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização". 62 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 42.

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Em outro momento, teve início a derrocada da primeira fase do

constitucionalismo burguês, ocasião em que as idéias evoluíram para uma participação total e

indiscriminada do homem livre diante do Estado, na concepção da própria vontade estatal.

Essa idéia – democrática – agita-se como ímpeto invencível, rumo ao sufrágio universal. 63

Decaída a autoridade do Ancien Regime, torna-se vulnerável a ideologia do

passado, o homem caminha firme rumo à democracia, avançando no sentido das cartas

constitucionais, cada vez mais exigentes de conteúdos que se destinassem a fazer valer

objetivamente o ideário burguês das liberdades concretas, que tendem a destacar a dignidade

da pessoa humana. 64

O Estado burguês de Direito eleva os direitos da liberdade ao auge da ordem

política, imprescindível à manutenção do poder político, que, só nominalmente, era concedido

às demais classes. Como esclareceu Bonavides, 65 “disso não advinha para a burguesia dano

algum, senão muita vantagem demagógica, dada a completa ausência de condições materiais

que permitissem às massas transpor as restrições do sufrágio e, assim, concorrer

ostensivamente, por via democrática, à formação da vontade estatal”.

Além disso, admitia aos burgueses falar ilusoriamente em nome de toda a

sociedade; com os direitos da liberdade (fundamentais de primeira geração) que ela mesma

proclamara; os quais se demonstravam, em seu conjunto, do ponto de vista teórico; “válidos

para toda a comunidade humana, embora, na realidade, tivesse bom número deles vigência

tão-somente parcial, e em proveito da classe que efetivamente os podia fruir” 66.

A separação de poderes granjeou maior projeção como garantia contra o

abuso do poder estatal, técnica fundamental de amparo aos direitos da liberdade, em razão do

exercício fracionado e simultâneo das funções administrativas, legislativas e judiciais.

Além dos direitos da liberdade (fundamentais) e da separação de poderes,

alça-se o ideal do law´s empire. Com observância estrita ao direito posto, assegurou-se ao

indivíduo, além de outras prerrogativas, a segurança jurídica. Nesse passo, a Constituição

63 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 43. 64BONAVIDES, Paulo. Ibidem, p. 44. 65 BONAVIDES, Paulo. Ibidem, p. 44. 66 BONAVIDES, Paulo. Ibidem ,p. 44.

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passa a ser idealizada como ordenação normativo-sistemática da comunidade política – o

fundamento de validade do direito posto – organizada em razão do poder público (respeitando

o comando principiológico da separação de poderes), modelada documentalmente e com

vistas a garantir os direitos fundamentais dos indivíduos.

Como asseverou J. J. Canotilho,67 a Constituição representa uma “ordenação

sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se

declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político”.

Na visão de um cidadão revolucionário, a Constituição conduz

fundamentalmente a dois momentos fundamentais, quais sejam: o da ruptura (com a ordem

histórico-natural em que se encontravam as coisas no antigo regime) e o Construtivista (por

ter sido elaborada por um novo poder – o Poder Constituinte – que define os esquemas e

projetos de uma nova ordem racionalmente construída). 68 Sob o ponto de vista

paradigmático do Estado liberal de direito, todo aparato de garantias das liberdades

individuais estão apoiadas na fundamentação constitucional.

Nessa linha de reflexão, a Constituição escrita passa a assegurar, desde a

Independência Americana e a Revolução Francesa, um pacto político que representa

esquemática e fundamentalmente o Estado burguês de direito e passa a ser compreendida

como instrumento de governo (instrument of goverment), pois constitui estatuto jurídico-

político essencial para a organização da sociedade política, do Estado, uma vez que o poder

político vai se deparar com limites e o Estado se juridifica, legitimado pelo Direito e pela

representação popular. De Estado de Direito passa a ser tratado como Estado Constitucional.

Com a acepção precisa do espaço privado e do espaço público, o indivíduo

orientado pelo ideal da liberdade procura no espaço público a possibilidade de materializar as

conquistas implementadas no âmbito do Estado que adquiriu a feição de não interventor

(Estado mínimo). Nesse contexto, sob o amparo do paradigma liberal, incumbe ao Estado,

por meio do direito posto; “garantir a certeza nas relações sociais, através da compatibilização

67 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra : Almedina, 1999. p. 48. De acordo com este constitucionalista de Coimbra, esse conceito de constituição pode ser desdobrado de forma a captar as dimensões fundamentais que o incorpora. Dessa forma, Têm-se: (1) ordenação jurídico=política plasmada num documento escrito; (2) declaração, nessa escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a torna-lo um poder limitado e moderado. 68 CANOTILHO, J. J. Gomes. Ibidem, p. 48

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dos interesses privados de cada um com o interesse de todos, mas deixar a felicidade ou a

busca da felicidade nas mãos de cada indivíduo” rompia-se, conseqüentemente, com o

anterior entendimento de Estado (pré-moderno), no qual, até a felicidade dos indivíduos era

uma atribuição estatal.

O Estado liberal também foi responsável, como dito anteriormente, pela

criação do sistema de checks and balances. Montesquieu69 que analisando o abuso do poder

real, chegou à conclusão de que “só o poder freia o poder”, no chamado “Sistema de Freios e

Contrapesos”. Decorre daí a necessidade de que cada poder se mantenha autônomo e

constituído por pessoas e grupos diferentes. No entanto, é justamente aqui que se inicia a

“neutralidade” e “extenuação” do judiciário, o que será analisado com mais vagar na

continuidade da pesquisa.

Sabe-se, contudo, que o Poder Judiciário, de acordo com a doutrina da

separação dos poderes difundida por Montesquieu70, era apenas um simples cumpridor de

leis. Montesquieu71 identificava “o poder legislativo, o poder executivo das coisas que

dependem do direito das gentes e o poder executivo daqueles que dependem do direito civil”.

O Poder Judiciário, teria, então, a função de punir os criminosos e resolver as contentas entre

os particulares.

Além disso, Montesquieu72. define os juízes como tão somente “a boca que

pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar sua força, nem seu

rigor”. Procurava-se, dessa forma, limitar ao máximo a liberdade de criação do juiz, de modo

69 “Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil.. (...) A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executa-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.” ( MONTESQUIEU. O Espírito das Leis, livro XI, capítulo VI. Trad. Cristina Murachco. São Paulo : Martins Fontes : 2000, p. 168). 70 MONTESQUIEU. Ibidem, p. 168. 71MONTESQUIEU. Ibidem, p. 167-168. 72 MONTESQUIEU. Ibidem, p. 168.

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a manter o princípio da segurança jurídica, à medida que se possa ter certa previsibilidade do

conteúdo das decisões judiciais; preservar o princípio da igualdade, em que os casos iguais

não podem ser resolvidos de forma distinta, e reafirmar o princípio da unidade do direito, à

proporção que o direito será aplicado com uniformidade no território em que vige. É

evidente, portanto, a intenção de Montesquieu de manter tais princípios, evitando a

possibilidade do uso arbitrário do poder jurisdicional.73

O que houve, de fato, foi uma divisão de competências, eis que cada qual

deveria aplicar o direito das gentes, enquanto que ao outro cabia aplicar o direito civil. À

época, não se falava em controle judicial da atividade do Executivo. Tal disposição dos

poderes traduzia uma prevalência da lei, o que, em última análise, resulta na supremacia do

Parlamento.74

1.2.1.1. A neutralidade do Poder Judiciário

Resumidamente, a revolução burguesa com seu arsenal teórico traz a teoria

da separação dos poderes e o princípio da legalidade e, com este; a visão individualista da

tutela à propriedade e autonomia privada, bem como a função jurisdicional do Estado. Com

tal propósito, o Poder Judiciário passa a exercer a tutela dos direitos individuais, relacionados

com a liberdade, com a propriedade, especialmente contra as atividades do próprio Estado.

Identifica-se, desde então, o ideal da igualdade formal, criada com a exclusão do Estado nos

assuntos sociais. Enfim o mercado é livre e o Estado não deve intervir.

Outra tendência de tais movimentos revolucionários é a estabilização dos

estados nacionais, com a mudança radical do centro de gravidade da identidade. Nessa linha

de argumentação, as idéias de nação, Estado e poder popular, impregnadas de cunho

profundamente ideológico re-criam um novo conceito de Estado Nacional, cuja identidade

será vista na Carta Magna (Constituição Federal) que expressa o sentimento e homogeneidade

do grupo que passa, ao menos, em tese, a prescindir do poder de coerção. 75

73 LEAL, Roger Stiefelmann. A Judicialização da Política. Programa de Pós-Graduação em Direito da URGS, 2008.Disponível em < http://www6.ufrgs.br/ppgd/doutrina/leal1.htm>.Acesso em 12 de junho 2008. 74 LEAL, loc. cit. 75 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.14.

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No passado, conheciam-se os juízes reinícolas que mais representavam um

braço forte e cruel da opressão estatal. Com as revoluções, o juiz foi reduzido em sua função

a declarar o conteúdo da lei. 76

Como bem assevera Tercio Sampaio Ferraz Jr., “De fato, a neutralização do

Judiciário é uma das peças importantes na caracterização do estado de direito burguês. Ela se

torna, no correr do século XIX, a pedra angular dos sistemas políticos desenvolvidos.” 77

No entanto, cumpre destacar que os termos neutralidade e imparcialidade

possuem natureza distinta; logo, não devemos tomar um pelo outro. O primeiro

termo/conceito (neutralização) remonta ao século XVIII. No Iluminismo, o Estado tinha

atribuições bem definidas e eram cumpridas pelos três poderes. Ao juiz cabia, julgar e, para a

garantia dos direitos, contava-se com a neutralidade da Justiça, que seria alcançada caso se

isolasse o magistrado da sociedade, do legislativo e do Executivo.

Dessa forma, desenvolveu-se a visão de um Judiciário neutro, como se fosse

um produtor de conhecimento científico e, como tal, imune a influências externas. A decisão

justa dependia da circunstância de estar o magistrado livre de todos os obstáculos ao uso da

sua racionalidade na decisão. Nota-se, com facilidade, a semelhança entre esse procedimento

e o adotado na ciência: o cientista, senhor do pleno uso da própria razão, pode produzir um

saber puro.

Com a vitória da burguesia, após a Revolução Francesa, o pensamento

jurídico manifestou tendência à preservação dos interesses individuais, que eram apenas

limitados pela norma, expressão dos ideais coletivos. Como conseqüência imediata, houve

um exagerado apego à lei na interpretação; quanto na aplicação do Direito pelo juiz, tendo

havido também a proibição imposta ao Judiciário, de participar da criação jurídica; atividade

esta que competia exclusivamente ao Legislativo, órgão este, que representava a vontade

popular.

76 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.17. 77 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?Universidade de São Paulo, São Paulo, n. 21, p. 15, março/abril/maio 1994.

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Tal tendência aumentava o ideal de neutralidade do magistrado. No que

tange à formulação da sentença, devia assemelhar-se a um mero silogismo, em que a premissa

maior seria a lei, a menor, o fato e a conclusão, a sentença. No entanto, referido dogma da

neutralidade foi duramente criticado, pois prestou desserviço ao principal escopo da sentença,

ou seja, a realização da justiça.

Como bem observa José Carlos Barbosa Moreira78, não é correto afirmar

que, para o juiz, não faz diferença que saia vitorioso em uma contenta o autor ou o réu.

Acontece que essa “afirmação só é verdadeira enquanto signifique que ao órgão judicial não é

lícito preferir a vitória do autor ou a do réu e menos que tudo atuar de modo a favorecê-la, por

motivos relacionados com traços e circunstâncias pessoais de um ou de outro”.

Para o aludido autor, não se deve desejar que o juiz seja neutro no sentido de

impassível ao êxito do pleito. O magistrado esmerado não pode deixar de se interessar pelo

fato de ter o processo um desfecho justo; dito de outra forma, que saia vitorioso aquele que

tem o melhor direito.

Miguel Reale79, por sua vez, afirma que o juiz ao sentenciar, querendo ou

não, sofre influência de sua experiência de vida e dos valores sociais e pessoais. Acrescenta o

doutrinador em tela que o ato de julgar é muito complexo, porque implica a capacidade de

colocar-se na posição do outro (empatia), sendo que o acerto de sua decisão depende dessa

capacidade.

Com efeito, não se deve, pois, confundir a pretensa neutralidade e a

imparcialidade dos juízes, já que são figuras distintas. Segundo Silvio Dobrowoslski,80

O Judiciário exerce atividade substitutiva das partes, na composição dos conflitos. Em vez de justiça pelas próprias mãos ou autocomposição, emerge a decisão judicial, em nome do Estado impondo às partes o ajuste dos litígios. O juiz aparece como um mediador entre aquelas, desvinculado dos interesses perseguidos por um e por outro lado.

78 MOREIRA,José Carlos Barbosa, A Imparcialidade do Juiz, Revista Jurídica, ano XLVI, Nº 250, agosto de 1998, p.13. 79 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Saraiva : São Paulo, 1996, p. 438-489. 80 DOBROWOLSKI, Sílvio. Direito, Estado, Política e Sociedade em Transformação: Nilson Borges Filho (Org.). A Constituição e a escola judicial. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris, 1995, p. 153-154.)

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O autor referido acrescenta que:

Essa posição de equilíbrio é fundamental para que os litigantes aceitem a solução jurisdicional, sem considerá-la como tomada com o intuito de favorecer indevidamente ao oponente. O julgador há de ser imparcial, ou seja, tem de estar acima das partes – super partes-, estranho à questão a ele atribuída para desate. Cuida-se de característica essencial da função jurisdicional: só se pode admiti-la quem a exercita está efetivamente desligado do conflito posto sob seu julgamento.

O princípio da imparcialidade faz com que a ação judicial não deva ser

entendida como instrumento por meio do qual o julgador, resguardado pelo seu cargo,

favoreça uma das partes, em detrimento da outra. Deve, outrossim, constituir-se num limite à

independência do juiz e se concretiza por meio da previsão legal de impedimento e de

suspeição, garantindo-se desta forma uma decisão justa81.

Piero Calamandrei82 assevera sobre “La imparcialidad como carácter esencial

del juez.”83, nos seguintes termos:

El más importante entre los personajes del proceso, el verdadero protagonista, es el juez. Asiste mudo e impenetrable a todo el desenvolvimiento del drama, siempre presente, aun cuando se limite a escuchar en silencio la disputa de los otros personajes. Pero al final, la última palabra, la palabra resolutiva, es suya; todo lo que ha sido dicho en el curso del debate se resume y se disuelve en su decisión. El epílogo del drama, el último acto del rito, es la sentencia.

Continua o autor, dizendo que:

El juez es un tercero extraño a la contienda que no comparte los intereses o las posiciones de las partes que combaten entre sí, y que desde el exterior examina el litigio con serenidad y con despego; es un tercero inter partes, o mejor aún, supra partes. Lo que lo impulsa a juzgar no es un interés personal, egoísta, que encuentre en contraste o en convivencia o amistad con uno o con otro de los egoísmos en conflito. El interés que lo mueve es un interés superior, de orden colectivo el interés de que la contienda se resuelva civil y pacíficamente, ne vices ad arma veniant, para mantener la paz social. Es por

81 MOREIRA, José Barbosa. A imparcialidade do Juiz. Revista Jurídica, ano XLVI, n˚ 250, agosto de 1998, p. 7. 82 CALAMANDREI, Piero. Processo y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos Aires : Ediciones Jurídicas Europa-America, 1996, p. 59. 83 CALAMANDREI, Piero. Ibidem, p. 59.

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esto que debe ser extraño e indiferente a las solicitaciones de las partes y al objeto de la lite, nemo index in re propria.84

1.2.1.2. Positivismo85 jurídico: como uma proposta de segurança jurídica

O Positivismo científico surge como alternativa racional da modernidade, no

sentido de se substituir o misticismo e as crenças religiosas medievais por respostas

científicas objetivas e impessoais.86 Em termos ontológicos, pode ser considerado filosofia

que professa o experimentalismo sistemático de um lado e, de outro, considera anti-científico

todo o estudo das causas finais.

Pode-se dizer, então, que o trabalho do exegeta, no Positivismo, era passivo;

ou seja, de buscar, na intenção do legislador, a finalidade da norma e desconsiderar qualquer

outra forma de produção do direito que, à época do Absolutismo Monárquico era distribuída

aos nobres, aos bispos, universidades, reinos e entidades intermediárias.

A concepção positivista teve também seus reflexos no direito, a partir da

como Escola da Exegese87, para quem o juiz deveria fazer o papel semelhante ao de máquina

84 CALAMANDREI, Piero. Processo y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos Aires : Ediciones Jurídicas Europa-America, 1996, p. 60 85 De acordo com Luis Fernando Barzotto, “ Em termos ontológicos, a definição positivista de Direito como sistema de normas postas por atos de vontade levanta o problema da fundamentação da legitimidade do Direito. Nesse sentido, a norma fundamental é a representação mais lúcida da situação trágica do Direito moderno. Ela é o fundamento de um direito fundamento ( Alfonso Catania). Em termos epistemológicos, como sociologia da dominação burocrática, ela apenas estabelece padrões para uma burocracia que determina seus próprios padrões, uma vez que é a efetividade, e não a validade, que confere caráter científico à descrição do jurista. Nesse sentido, o positivismo revele-se como tentativa de controlar uma burocracia que ele mesmo demonstra ser incontrolável. Como axiologia jurídica, o positivismo representa a tentativa de fornecer segurança a um mundo em que a presença do outro gera insegurança. O Direito, que para os clássicos só faz sentido a partir da alteridade da presença do outro, agora passa a ver a presença do outro como uma ameaça aos meus interesses.” ( BARZOTTO, Luiz Fernando.Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Positivo Jurídico. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 646.) 86 VITÓRIA, Paulo Renato. Justiça e poder discricionário no Estado Democrático de Direito: uma interpretação possível fundada na dignidade. Untitled Document, 2008. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=978. Acesso em 20 de janeiro de 2008. 87 “A Escola da Exegese atravessou três fases; a de formação (1804-1830), a de apogeu (1830-1880) e a de declínio (de 1880 em diante). Foi um movimento tipicamente francês, não somente por sua origem vinculada ao advento do Código Civil francês, ou dos franceses ( Code Napoléon), mas também pelo clima de idéias, de alguma sorte cartesianas, em que se formaram seus conceitos e suas tendências. A criação do Código de 1804 aparece, na história do pensamento jurídico ocidental, como um marco inconfundível. Ele veio coroar ( ou assim

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de aplicação da lei, em seu sentido literal, ao caso concreto. Em outras palavraw: apregoava

que só o direito positivo tem valor, convertendo-se a intenção do legislador em critério

hermenêutico único, o que impedia qualquer abertura no sistema. Para os exegetas, o juiz não

possui qualquer poder discricionário e todas as respostas estariam previstas pela lei.

Dito de outro modo, o intérprete apenas poderia reproduzir aquilo que o

direito positivo estatal buscava exprimir. Além do mais, o intérprete só poderia agir sob esse

viés, sob pena de estar se posicionando contrariamente à vontade Estatal.

Estava fora, por conseguinte, do campo de abrangência dos intérpretes as

questões axiológicas da norma, bem como as conseqüências sociais que a sua aplicação

ensejaria, uma vez que o intérprete é exclusivamente aplicador da lei, e esta representa a

aspiração do Estado. Trata-se de simples reprodutor da ideologia política, da vontade do

legislador, nunca fonte criadora do direito.

1.2.1.2.1. O Positivismo de Hans Kelsen

O pensamento positivista de Kelsen influenciou o Judiciário no Brasil e toda

a América Latina. Note-se que a teoria kelseniana surgiu como conseqüência da decadência

do mundo capitalista-liberal que foi marcada pela 1ª. Guerra Mundial. Segundo Eleíse Rocha

de Souza,88

O positivismo jurídico desta doutrina foi um fenômeno majoritário e universal do início do século XX, mostrando o seu grande valor e sua importância deixada para todo o mundo. Kelsen propôs o princípio da pureza, segundo o qual o método e o objeto do direito deveriam ter enfoque normativo, livre de qualquer fato social ou outro valor transcendente.

pensavam os seus autores) a obra da própria Revolução Francesa, estruturando racionalmente as relações jurídicas dentro da sociedade reformulada desde 1791. Em sua primeira fase, a Escola da Exegese foi justamente o reflexo doutrinário ( e metodológico) da imagem que os autores do Código possuíam de sua obra: um texto redigido com absoluta fidelidade à razão e ao mesmo tempo à tradição jurídica francesa, que precisava ser visto como um monumento perfeito. (...) A segunda fase, correspondeu aos grandes comentadores do Código (...) A Terceira fase, que se encerrou mais ou menos com o final do século XIX, correspondeu aos últimos adeptos ortodoxos do método exegético (...) , bem como às primeiras manifestações da necessidade de renovação e alteração.” .” ( SALDANHA, Nelson. Escola da Exegese. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p.271-272.)

88 SOUZA, Eleíse Rocha de. Normativismo Jurídico:a importância de Kelsen nos dias atuais. Google, 2007. Disponível em < http://www.viannajr.edu.br/jornal/dir/anterior/ed001/artigos/doc/artigo_10006.pdf >. Acesso em 15 de nov. de 2007.

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Dito de outro modo, para Kelsen as questões valorativas deveriam ficar no

campo da filosofia, da psicologia, antropologia, sociologia, já que não possuíam influência na

aplicação do direito positivo. Desta forma, o pensador em relevo estabelece seu princípio

metodológico fundamental, que implica apreender as normas sob uma perspectiva única e

exclusivamente jurídica, alheia ao mundo dos valores, tidos como irracionais.

Quando a si própria designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental89

O que Kelsen denomina de “pureza” é justamente essa pretensão de

neutralidade moral – a qual imputa à ciência do Direito, tida como uma ciência das normas,

independentemente da realidade – aqui o investigador se situa separado de seu objeto de

pesquisa e não há qualquer interação entre eles. 90 Ainda segundo Paulo Renato Vitória, 91

para Kelsen:

todas as normas existentes derivam-se de uma maior, abstrata, a qual não pode ser atingida através da razão objetiva. Tal norma não seria, portanto, objeto de conhecimento, mas algo pressuposto. O fundamento do sistema “puro” kelseniano, chamado de norma fundamental, paradoxalmente, é algo abstrato.

Kelsen92 justifica que a norma segundo a sua concepção:

representa o fundamento de validade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma

89 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo : Martins Fontes, 1999, p.1. 90 VITÓRIA, Paulo Renato. Justiça e poder discricionário no estado democrático de direito: uma interpretação possível fundada na dignidade. Google,2007. Disponível em < http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=978> Acesso em 18 de out. de 2008. 91 VITÓRIA, loc. cit. 92 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo : Martins Fontes, 1999, p.217.

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norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no indeterminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma , pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm).

1.2.1.2.2. Da insuficiência do Positivismo jurídico em especial na

contemporaneidade

A norma fundamental hipotética, portanto, trata-se de categoria kelseniana,

criada para solucionar a questão do fundamento último de validade das normas jurídicas, sem

esquecer que é difícil crer num sistema racional baseado na irracionalidade. Ademais, a

norma fundamental, por estar pressuposta e por estar acima de todo o sistema de direito, pode

legitimar legislações arbitrárias e injustificáveis moralmente. As boas intenções e os

evidentes esforços de Kelsen, por conseguinte, não bastam. 93

A preocupação de Kelsen quanto à utilização de valores na ciência do direito

se devem, sobretudo, à sua aversão à idéia de moral absoluta, acima de todas as demais

concepções. Para ele, é imprescindível que se parta sempre da relativização de valores, no

sentido de impedir abusos de uma doutrina moral unilateral. Assim concebido, o objeto do

direito científico puro seria apenas as normas válidas:

A tese, rejeitada pela Teoria Pura do Direito mas muito espalhada na jurisprudência tradicional, de que o Direito, segundo a sua própria essência, deve ser moral, de que uma ordem social imoral não é Direito, pressupõe, porém, uma Moral absoluta, isto é, uma Moral válida em todos os tempos e em toda parte. De outro modo, não poderia ela alcançar o seu fim de impor a uma ordem social um critério de medida firme, independente de

93 VITÓRIA, Paulo Renato. Justiça e poder discricionário no estado democrático de direito: uma interpretação possível fundada na dignidade. Google,2007. Disponível em < http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=978> Acesso em 18 de out. de 2008.

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circunstâncias de tempo e de lugar, sobre o que é direito (justo) e o que é injusto. 94

Para Kelsen95, as relações humanas somente são objeto de conhecimento

jurídico quando determinadas por normas jurídicas, constituindo o que se chama de relação

jurídica.

Larenz 96, por sua vez, diz que mesmo que se tome uma perspectiva que

considere a legislação vigente como única fonte de direito, há que se reconhecer que a mesma

não é moralmente neutra. 97 E, mesmo que se acolhesse, para fins meramente argumentativos,

que a lei é neutra, a interpretação da lei implica a tomada de decisões, comportando sempre

uma margem axiológica. Acrescenta que todos os casos são distintos, pois, em caso

contrário, os juízes poderiam ser substituídos por supercomputadores, os quais avaliariam,

isentos de valores humanos, cada caso concreto, em busca de repostas “ científicas” puras.98

Com amparo na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, os aplicadores do

direito, ingênua ou propositalmente, impuseram-se a condição de meros aplicadores da lei

positiva, sem, entretanto, possuírem responsabilidades com a justiça de suas decisões, já que

as conseqüências éticas e valorativas não fazem parte do universo do jurista, mas é fruto do

poder legislador.

É necessário assinalar que é totalmente impossível entender o sistema

jurídico por si só, isolado da esfera social e política da sociedade que ele pretende ver

regulamentada.

94 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 78. 95 KELSEN, Hans. Ibidem, p. 182-183. 96 “sem dúvida que a decisão judicial constitui sempre um acto de vontade, enquanto se propõe conduzir a uma situação jurídica que seja inatacável pelas partes. Sem dúvida ainda que tanto a interpretação como a aplicação de uma norma a um caso concreto requerem mais do que uma dedução e uma subsunção logicamente não controvertíveis. Requerem, antes de tudo, actos de julgamento, que se fundam, entre outras coisas, na experiência social, na compreensão dos valores e em uma concepção correcta dos nexos significativos.” (LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência. 3 ed. Trad. Jose Lamego. Lisboa : Fundação Caloute Gulbenkian, 1997, p. 107.) 97 VITÓRIA, Paulo Renato. Justiça e poder discricionário no Estado Democrático de Direito: uma interpretação possível fundada na dignidade. Untitled Document, 2008. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=978. Acesso em 20 de janeiro de 2008. 98 VITÓRIA, loc. cit.

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A história revela que a classe burguesa foi precursora no sentido de entender

a importância do direito como instrumento formal de perpetuação hegemônica no poder, com

ideais de igualdade e liberdade. Esses ideais ajudaram para levá-los ao poder, mas não

permitiram o gozo e fruição desses direitos, para a ampla maioria do povo.

A burguesia, ascendente ao poder, impôs seus direitos, sua vontade,

travestida de vontade estatal, porque era detentora dos meios de produção e detentora do

poder político. 99

No Brasil, inicialmente, o Positivismo concebia uma mentalidade científica

generalizada, alheia às particularidades sul-americanas. No entanto, pouco a pouco,

aproveitou-se como método de trabalho, juntamente com o evolucionismo de Spencer100 das

idéias democrático-liberais do constitucionalismo norte-americano, que servirá de esteio aos

que advogam uma república democrática, frutificando-se, assim, em instrumento teórico para

a transformação da realidade concreta. 101

Historicamente, portanto, o intérprete, o jurista e o juiz utilizam-se da

dogmática jurídica positivista, de forma passiva, sem maiores reflexões acerca de sua

legitimidade. Torna-se, portanto, elitista, seletivo e legitimador das ideologias das classes

dominantes.

Ademais, a aplicação do direito positivo legalista não seguiu as mudanças do

mundo contemporâneo, ao ignorar que ao intérprete não é mais concebível acobertar-se com o

manto da neutralidade. O Juiz não deve, para julgar o caso concreto, fazer uso tão somente

dos métodos hermenêuticos tradicionais, eis que precisa buscar novas formas de atuação

frente ao direito posto.

O direito positivo tem por escopo a obtenção da paz social por meio da

segurança jurídica e apresenta-se formalmente em todas as constituições do mundo, como

99 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. 2 ed. São Paulo: Alfa Omega, 1997, p. 29. 100 Herbert Spencer (1820-1903), filósofo social inglês, trouxe os estudos evolucionistas para o âmbito social. De acordo com Herbert Spencer, a sociedade é resultado de um processo evolutivo. Concebe a evolução em três estágios: 1) evolução inorgânica é a evolução cósmica ocorrida nos corpos celestes; 2) evolução orgânica, ocorrida a partir do aparecimento da vida; 3) evolução superorgânica, ocorrida com a formação da sociedade. (CASTRO, Celso A. Pinheiro. Sociologia do Direito. São Paulo : Atlas, 1996. p.53.) 101 RIBEIRO, João. O que é positivismo. 2 ed. de 1994, São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 65.

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instrumento que busca proporcionar tratamento isonômico aos indivíduos de dada realidade

social. Por outro lado, não se pode esquecer que ele também serve de escudo para justificar os

privilégios das classes detentoras do poder.

A afirmação de Montesquieu de que os juízes não eram senão “a boca que

pronuncia as palavras da lei”, se for empregada literalmente na atualidade, seria o mesmo que

negar a função política do magistrado, desqualificar a sua função e ignorar a funcionalidade

democrática do Poder Judiciário.

Cumpre também salientar que, a partir dos anos 1960/70, instalou-se crise

paradigmática, cujos fundamentos repousam na revolução tecnológica e no processo de

globalização.

Esse novo paradigma neoliberal traz à baila a perda da eficácia do direito e o

enfraquecimento do Estado. Aconteceu, portanto, o esgotamento do paradigma da legalidade

estatal moderna, que não consegue responder de maneira eficaz e legítima às demandas e aos

anseios da sociedade. A crise do direito fica bem demonstrada à medida que se revela

disfuncional e ineficaz, embora escondido na aparência da competência, certeza e segurança. 102

O positivismo transformou-se em uma forma de valorização dos valores

essenciais são: competição, materialidade, ordem, segurança, progresso, liberdade e o

pragmatismo utilitário. 103

Pode-se dizer que a evolução do positivismo como forma instrumental

racionalizada cooperou para a alienação, repressão e desumanização, ou seja, essa legalidade

estatal liberal, não foi capaz de atingir a emancipação e a libertação do homem, mas apenas o

interesse de uma elite minoritária. 104

Ademais, as atuais sociedades de massa, integrantes do centro e da periferia

capitalista, caracterizam-se por novas formas de produção do capital, por radicais

102 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. 2 ed. São Paulo: Alfa Omega, 1997, p. 52. 103 Ibidem, p. 59. 104 Ibidem, p. 61.

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contradições sociais e por instabilidades continuadas que produzem crises, tanto em relação à

legitimidade, quanto em face da produção e aplicação da justiça. 105

Nessa perspectiva, a crise do direito não é setorial e isolada. Em todo caso,

ao se referir a uma crise no direito, tem-se presente que o que está em debate é o paradigma

da Dogmática Jurídica estatal. 106

O Positivismo jurídico dogmático passa a experimentar profunda crise por

continuar apegado à legalidade formal escrita e ao monopólio da produção normativa estatal,

afastando-se das práticas sociais cotidianas. 107

Diante de tais fatos, torna-se evidente a necessidade de que uma mudança

paradigmática, pois sendo a ciência do Direito quem o operacionaliza, deve ter em conta,

acima de tudo, que seu trabalho possui destinação social e se liga a determinado contexto

histórico, cujos contornos fundamentais não lhe podem escapar.

O Poder Judiciário sozinho não tem a obrigação de transformar a realidade

social, pobre108, excluída, alienada e desigual. Contudo, tem como dever institucional,

contribuir para a transformação dessa realidade, uma vez que seu escopo principal é o de

cumprir os mandamentos constitucionais, cuja guarda lhe compete.

Abordando o tema, José Eduardo Faria, assevera que,

No exercício de suas funções judicantes, a magistratura forjou a partir do Estado liberal uma cultura técnica própria que, hoje, revela-se em descompasso com a realidade. Resultante da dogmatização de princípios como os da imparcialidade política e da neutralidade axiológica, essa cultura propiciou ao Judiciário uma forma particular de auto-conhecimento, baseada num intrincado conjunto de categorias e conceitos que o definem como um poder basicamente declarativo e reativo; ou seja, como um poder com funções

105 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. 2 ed. São Paulo: Alfa Omega, 1997, p. 62. 106 Ibidem, p. 67. 107 Ibidem, p. 66 108 De acordo com Pedro Demo, pobreza aqui deve ser entendida não apenas como carência, pois se assim fosse, não existiriam causas sociais. “ talvez uma definição razoável seja aquela que a entende como ‘expressão do acesso às vantagens socais’, denotando com isso que faz parte da dinâmica dialética da sociedade, que divide-se entre aqueles que concentram privilégios, e aqueles que trabalham para sustentar os privilégios dos outros. Ser pobre não é apenas ter,mas ser coibido de ter. Pobreza é, em sua essência, repressão, ou seja, resultado da discriminação sobre o terreno das vantagens.” ( DEMO, Pedro. A Pobreza Política – Polêmicas do nosso tempo. Campinas : Autores Associados.1996, p.13.)

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precisas no âmbito de uma ordem jurídica concebida como um estrito “sistema de garantias”, dos quais os mais importantes são constituídos pelos direitos e liberdades dos cidadãos. Repetido por sucessivas gerações de juízes e aperfeiçoado pelos intelectuais orgânicos do Estado Liberal, que tradicionalmente encaram as normas abstratas, gerais e impessoais do direito positivo como “emanação da vontade racional de homens livres”, esse conjunto de categorias e conceitos também valoriza o Judiciário como um poder autônomo, independente e soberano.

Em especial, na atualidade, é necessário repensar essa contribuição, no

sentido de garantir o acesso aos direitos da ampla maioria da população, ao passo que a

utilização pura e simples do direito positivado não destinado às questões sociais; acaba por ser

conveniente somente à classe que detém o poder; cujos limites de atuação vêm traçados nas

normas positivas.

Na concepção dos positivistas legalistas tradicionais, pensar o direito parece

defeso, uma vez que a norma positiva traz, de acordo com essa óptica, todas as respostas

(soluções) que o intérprete necessitará para o deslinde do litígio no caso concreto.

Sabe-se, contudo, que vive-se, na atualidade, um período de grandes

modificações, de um modo que são evidentes as grandes transformações em todos os campos

do saber, em que se apregoa o fim da modernidade e, portanto, o fim de um paradigma.

Essa nova “era histórica”, que tem início, segundo Bittar109, no final do séc.

XX, possui como característica principal a superação dos paradigmas erigidos ao longo da

modernidade. Trata-se de outro ciclo, conhecido como pós-modernidade110 para alguns

pensadores ou modernidade tardia para outros.

Esse novo período histórico está mudando as formas de vida e as relações

entre os indivíduos, sendo esta razão mais que suficiente, para que haja uma maior reflexão no

campo das ciências jurídicas.

109 BITTAR, Eduardo C.B.. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 97. 110 “ Apesar de toda a problemática que envolve tal afirmação desta expressão, ‘pós-modernidade’ parece ter ganho maior alento nos vocabulários filosóficos (Lyotard, Habermas, Beck) e sociológicos (Baumann, Boaventura de Souza Santos) contemporâneos, e ter centrado definitivamente para a linguagem corrente. O curioso é perceber que é esta já a primeira característica da pós-modernidade: a incapacidade de gerar consensos.” (BITTAR, Eduardo C.B.Ibidem, , p. 97.)

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É verdadeira a asserção de que o sistema jurídico já não responde aos anseios

da sociedade moderna, uma vez que a litigiosidade contemporânea difere da enfrentada pelo

homem do século XIX. Ademais, com o advento da globalização e das modificações do

mundo pós-moderno, o direito codificado passa a não dar mais cabo dos conflitos que,

atualmente, não são mais individuais, mas coletivos.

O sistema jurídico, como um todo, sofre diretamente os impactos e abalos da pós-modernidade em sua configuração, eis a necessária constatação. Sabendo-se tratar de um sistema que não vive autonomamente com relação aos demais sistemas (social, cultural, político, econômico, científico, ético.), é dizer que o sistema jurídico recebe diretamente o impacto das modificações sofridas nas últimas décadas, que acabaram por produzir profunda desestruturação nos modos tradicionais e modernos de concepção de mundo. 111

O direito tem por escopo regular as relações sociais; para tanto, não pode o

intérprete ignorar o contexto social, político, econômico em que essas relações se exprimem,

sob pena de não produzir eficácia. Deste modo, torna-se necessário buscar novas formas de

interpretação, enfim, de justiça.

1.3. Estado de Bem-Estar Social ou Estado-Providência (Welfare State)112

O liberalismo prevaleceu na política Européia e dos EUA no século XIX,

sendo sempre fiel ao seu objetivo primordial, qual seja: combater o intervencionismo estatal.

111 BITTAR, Eduardo C.B.. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 207. 112 Ingo Wolfgang Sarlet nos diz que “ a respeito da terminologia “Estado Social de Direito", que aqui utilizaremos ao invés de outras expressões, tais como "Estado-Providência", "Estado de Bem-Estar Social", "Estado Social", "Estado Social e Democrático de Direito", "Estado de Bem-Estar" ("Welfare State"), muito embora, nem todos atribuam às expressões referidas exatamente o mesmo sentido, e respeitadas as diferenças entre os diversos modelos, cumpre reconhecer que, mesmo cada uma das terminologias utilizadas, já (mas não exclusivamente) pela sua inevitável abertura semântica, tem sido objeto das mais diversas interpretações e definições quanto ao seu conteúdo e significado. Todas, porém, apresentam, como pontos em comum, as noções de um certo grau de intervenção estatal na atividade econômica, tendo por objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e liberdade real na vida em sociedade, bem como a garantia de condições materiais mínimas para uma existência digna.” ( SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO-SARLET.pdf. Acesso em 02 fev. 2008.)

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Na primeira metade do século, os liberais foram fervorosos defensores da

propriedade privada, da economia de mercado e da liberdade de comércio internacional. Em

síntese, advogam o fim das corporações. Na concepção do liberalismo, o Estado devia ser

reduzido à sua expressão mínima (Estado a des-regulamentação do trabalho, pregam as

liberdades políticas, o governo representativo, mínimo), restringindo-se, portanto, a garantir

as condições para o total desenvolvimento da economia privada, fomentando a criação de

infra-estruturas (estradas, transporte, etc), áreas onde as possibilidades de obtenção de lucro

eram mínimas.

Já na segunda metade do século XIX, os liberais começam a exigir do

Estado garantias de proteção do mercado interno face à concorrência internacional. No final

do século, demandam a intervenção do Estado na conquista de novos mercados internacionais

e o acesso a regiões com recursos naturais, passando o liberalismo a andar aparceirado ao

Imperialismo.

Nesta fase, que o liberalismo passa a absorver o “Darwinismo social”; ou

seja, a concepção de que o Estado deve apenas centrar-se em criar as condições para que os

mais aptos prevaleçam sobre os mais fracos. Em outras palavras: o Estado deve estar a

serviço dos ricos e poderosos (os mais capazes/aptos) e manter na ordem os mais fracos (os

operários, camponeses, etc).

No século XX, o liberalismo, pode-se dizer, conduziu as sociedades

européias liberais para a guerra. No cenário internacional ,1ª. Guerra Mundial (1914-1918),

faz com que as sociedades mergulhem no caos e a crise de 1929 abalou ainda mais toda a

confiança no mercado. Como resposta aos desmandos do liberalismo, nos anos 1920 e 30,

surgem os regimes totalitários, que diziam agir em nome da defesa dos interesses coletivos.

A inquietação com as políticas sociais e a regulamentação do mercado estava

na ordem do dia. Os Estados passam a crescer em número de funcionários e repartem-se em

múltiplas funções. O Estado Social, também chamado Estado Providência, procura garantir o

Bem-Estar à maioria da população em muitos países que o implantam.

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1.3.1. O paradigma do Estado Social de Direito

As idéias abstratas que acomodavam o paradigma do Estado liberal de

direito, especialmente, o exercício das liberdades e igualdades formais, bem como, a

propriedade privada, culminou por fundamentar idéias e práticas sociais no período que ficou

conhecido como o de maior exploração do homem pelo homem.

Se, de um lado, o homem atingiu o ideal de liberdade em face do Estado,

especialmente com a efetivação de um documento formal que lhe garantia uma gama de

direitos (de 1ª. Geração), por outro lado, essa garantia restringia-se somente ao campo

exclusivamente formal. Por conseguinte, no paradigma constitucional do Estado liberal de

Direito, a condição humana não melhorou muito em relação à noção pré-moderna, uma vez

que a mudança apenas se deu no âmbito do senhor em quase nada mudando a condição do

escravo.

A ordem liberal passa a ser ameaçada com o surgimento de idéias socialistas,

comunistas e anarquistas, que a um só tempo, “animam os movimentos coletivos de massa

cada vez mais significativos e neles reforça a luta pelos direitos coletivos e sociais”. 113

Com o crescimento do movimento democrático e surgimento de um capitalismo

monopolista, o aumento das demandas sociais e políticas, além da Primeira Guerra Mundial,

nasce a crise da sociedade liberal, permitindo o aparecimento de nova fase do

constitucionalismo – agora social – tendo como alicerce a Constituição da República de

Weimar, e em razão disso, inicia-se o paradigma constitucional do Estado social de direito.

Esse novo paradigma que surge, o do Estado social, provoca a materialização dos

direitos anteriormente formais. Não há aqui que se falar em acréscimo dos direitos de 2a

geração (direitos coletivos e sociais) aos de 1a geração (direitos individuais),

consequentemente já existiam no paradigma do Estado liberal, eis que o novo traz consigo a

necessidade de se realizar releitura historizada dos primeiros direitos chamados fundamentais,

que devem ser adaptados às novas demandas sociais.

113 CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos paradigmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado democrático de direito. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte, n. 3, p. 478, maio, 1999.

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Diante dessas transformações, a liberdade do Estado liberal não deve mais ser

concebida como desdobramento da legalidade estrita, na qual o indivíduo podia fazer tudo o

que não fosse proibido por lei, “mas agora pressupõe precisamente toda uma plêiade de leis

sociais e coletivas que possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e

o tratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da relação” 114, de

modo a satisfazer um mínimo material de igualdade. Dizendo de outra forma, a nova pauta

inaugurada pelo paradigma do Estado social implica a “internalização na legislação de uma

igualdade não mais apenas formal, mas tendencialmente material”.

Com o fim da defesa do paradigma do Estado liberal, irrompeu uma redefinição

dos clássicos direitos de 1a geração, ou, como diz Habermas, uma materialização do direito. 115

Nesse novo paradigma, o velho cidadão-proprietário do Estado liberal é

tomado como o cliente de uma Administração Pública garantidora de bens e serviços. Nova

leitura do paradigma anterior faz com que ocorram originais interpretações dos direitos

individuais, bem como do princípio da separação de poderes.

Ao Poder Executivo são conferidos novos mecanismos jurídicos “de

intervenção direta e imediata na economia e na sociedade civil, em nome do interesse

coletivo, público, social ou nacional”. 116 Ao Poder Legislativo, passa a competir, além de sua

atividade típica, o exercício de funções de controle, ou seja, “fiscalização e apreciação da

atividade da Administração Pública e da atuação econômica do Estado”. 117 O direito passa

então a ser interpretado como sistema de regras e de princípios onde deve ocorrer a

114CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos paradigmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado democrático de direito. Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte, n. 3, p. 480, maio, 1999. 115 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v. 2. p. 127 et seq. No mesmo diapasão, Menelick de Carvalho Netto pondera que os direitos individuais de 1a geração não são mais vistos como verdades matemáticas. “O direito privado, assim como o público, apresentam-se agora como meras convenções e a distinção entre eles é meramente didática e não mais ontológica. A propriedade privada, quando admitida, o é como um mecanismo de incentivo à produtividade e operosidade sociais, não mais em termos absolutos, mas condicionada ao seu uso, à sua função social. Assim, todo o Direito é público, imposição de um Estado colocado acima da sociedade, uma sociedade amorfa, carente de acesso à saúde ou à educação, massa pronta a ser moldada pelo Leviatã onisciente sobre o qual recai essa imensa tarefa. O Estado subsume toda a dimensão do público e tem que prover os serviços interentes aos direitos de 2a geração à sociedade, como saúde, educação, previdência, mediante os quais alicia clientelas”. (CARVALHO NETTO, Menelick de. Ibidem, p. 480). 116 CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 60. 117 Ibidem, p. 60.

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consolidação dos valores fundamentais, bem como de programas e fins, realizáveis no limite

do possível. 118

De forma diferente do que ocorria no paradigma anterior, no Estado Social, o

Poder Judiciário não é visto, tão-somente, como simples aplicador do direito, que apenas

cumpre a tarefa mecânica de aplicação da lei subsumida automaticamente ao fato.

A partir de então, passou a ser exigido do Poder Judiciário uma aplicação

construtiva do direito material vigente, de modo a alcançar seus fins últimos na perspectiva do

ordenamento jurídico positivo. Segundo esse novo paradigma do Estado Social, cabe ao juiz,

no exercício da função jurisdicional, “uma tarefa densificadora e concretizadora do direito, a

fim de se garantir, sob o princípio da igualdade materializada, a Justiça no caso concreto”. 119

1.3.1.1. O Brasil no Estado de Direito Social

Em 1930, no Estado de Direito, o Brasil, passa por um enorme abalo com o

golpe de Getúlio Vargas e após, com o Estado Novo (1947-1945), sendo que o capitalismo

será favorecido e encorajado ainda mais pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas, em

1942), porque, o capitalismo precisava que o trabalho fosse livre, uma vez que sem salário

não haveria consumo, sendo que esta forma de trabalho e de produção necessitava de suporte

jurídico para não regressar às formas de produção arcaicas – lembremos que, nesta época;

70% da população vivia na área rural.

Desta forma, o Estado Liberal brasileiro, com objetivo e em vias de se

modernizar e se aprofundar na formação do Estado de Direito Social; buscou (re)produzir

novo ordenamento jurídico para que as relações de produção não voltassem às fases

retrógradas; anteriores e que eram obviamente contrárias aos interesses do capital. 120

Portanto, só teve início o processo de transformação social a partir dos anos

1930, o que podemos chamar de capitalismo tardio, uma vez que, as bases sociais, políticas,

econômicas, culturais nunca alcançaram com o mesmo fluxo ou no mesmo ritmo o próprio

118 CATTONI, Marcelo. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 59. 119 Ibidem, p. 61. 120 MARTINEZ, Vinício C. Estado de Direito Social. Jus Navigandi, 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5494>. Acesso em 15 de dez. 2007.

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desenvolvimento das forças sociais e econômicas de produção, pois que sempre coexistiram,

lado a lado, desde sempre, o arcaico e aquilo que quer florescer, a escravidão e as forças

motrizes da economia, que motivaram a expansão do capital para além-mares.121

Após a Abolição dos escravos, com a República, verifica-se o convívio de

um capitalismo de alta tecnologia com a miséria humana absoluta, e o convívio sob a lógica

do capital, mas de forma antagônica, sob a ótica da justiça social, no país-continente, de terras

e riquezas sem fim, com os sem-terra, sem-teto, sem-escola, sem-nada.122

No Brasil dos anos 1930, sob o governo populista de Getúlio Vargas, ocorreu

a revolução industrial e burguesa, sendo que a partir de então teve início um regime ambíguo,

ou seja, de um lado, ocorre a cortesia com o povo ao se admitir a prevalência dos direitos

trabalhistas (CLT) e, de outro, há a adaptação da economia capitalista industrial aos interesses

da aristocrática política rural – bem como ao sistema econômico internacional, em vias de se

globalizar.

Passa então a surgir a necessidade de ajuste entre as transformação dos meios

de produção e as relações sociais que predominavam naquela fase. 123

Em 1941, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o Brasil

dá um passo definitivo rumo à industrialização, pois o embasamento do capitalismo brasileiro

é estimulado à modernização com a solidificação da indústria de base, de transformação

(metalurgia: a indústria do ferro e do aço) em contraste com o período anterior (anos 1930)

em que a produção estava orientada somente na manufatura e na monocultura agrícola. Com

Juscelino Kubitschek e seus 50 anos em 5, com certeza aqui produzimos nosso sonho mais

megalomaníaco: Brasília.124

Na esteira da industrialização aumenta vertiginosamente a necessidade de

mão-de-obra qualificada, não bastando que o trabalhador rural viesse a se instalar nos centros

121 MARTINEZ, Vinício C. Estado de Direito Social. Jus Navigandi, 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5494>. Acesso em 15 de dez. 2007. 122 MARTINEZ, loc. cit. 123 MARTINEZ, loc.cit. 124 MARTINEZ, loc. cit.

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urbanos e, diante disso, as reformas educacionais acentuam um ensino público gratuito,

obrigatório e suficiente para tornar aptos aqueles trabalhadores: alfabetizados para assimilar

certo know how, os trabalhadores mostram-se capazes de operacionalizar as ferramentas, os

equipamentos e as máquinas mais complexas. Nessa época, a melhor escola é a pública.125

Nos anos 1960, verifica-se um impulso de modernização e democratização

das instituições políticas. Com o governo João Goulart, foram retomados alguns temas

populistas, mas, de qualquer forma, foi um período intensamente estimulado pelas lutas

sindicais, estudantis (UNE) e partidárias, em prol do aprofundamento dos direitos sociais.

Consequentemente, ao invés de se aprofundar o Estado Social e a Social-democracia no

Brasil, suportou-se grande derrota, com o golpe militar de 1964, quando o sonho do

igualitarismo social foi exumado nos porões da tortura e do Estado Social de exceção. 126

O período áureo desse Estado Social de exceção ocorreu com o chamado

milagre econômico, na década de 1970, sendo que seu encerramento se deu, de forma

definitiva, no primeiro mandato do governo de FHC (Fernando Henrique Cardoso) e a era das

privatizações (CSN, Vale do Rio Doce). 127

Nos anos 1980, além de desistir da defesa constitucional dos direitos sociais,

o Estado Social igualmente reduziu de forma brusca e continuamente sua participação como

agente de financiamento ou de investimento econômico: o superávit primário, de meio

regulador do orçamento, passaria a instrumento de medição técnica de controle da economia

nacional pelo capital externo. Os países considerados mais pobres são (in)justamente os mais

observados (controlados) pelas agências internacionais de regulação da economia global,

como o FMI. 128

125 MARTINEZ, Vinício C. Estado de Direito Social. Jus Navigandi, 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5494>. Acesso em 15 de dez. 2007. 126 MARTINEZ, loc. cit. 127 MARTINEZ, loc. cit. 128 MARTINEZ, loc. cit.

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No Brasil, pode-se dizer que a crise do Estado surgiu nos anos 1990 e não foi

a do Estado-Providência, porque ele nunca chegou a existir129. O próprio direito à saúde, bem

como garantia de outros direitos sociais, são conquistas mais recentes, datada de 1988, com a

Constituição-cidadã.

O advento da Constituição de 1988 e os institutos por ela criados respondem,

em boa parte, pela alta litigiosidade atual. É ela até incentivada, sobretudo porque o

movimento pelo acesso à Justiça – aspecto central do moderno Estado social – vem correndo

a passos largos.

Também é necessário lembrar que o Estado nunca deixou de tentar

minimizar os custos da Constituição de 1988 com os direitos sociais, muitos deles de caráter

universal e gratuito, oneroso para os cofres públicos. Ademais, o intuito de enxugar o

tamanho do Estado sempre esteve presente, e começaria com a transferência dos serviços não

exclusivos, como saúde, educação, cultura, para entidades privadas.

No presente capítulo, de forma sintética, procurou-se demonstrar as diversas

fases por que passou judiciário e consequentemente se houve ou não um efetivo acesso à

justiça ou a uma ordem jurídica justa.. Pode-se sinteticamente dizer que, antes de o homem

viver em sociedade, encontrava-se no que Thomas Hobbes chamava de “estado de natureza”.

Tal expressão refere-se à condição primitiva em que, na solução dos conflitos, prevalecia a

força. Era a “guerra de todos contra todos”. Foi, portanto, com a adesão ao contrato social

que a sociedade evoluiu e chegou-se, hoje, ao Estado de Direito.

Com o desenvolvimento da vida social, a administração da justiça também

apresentou evoluções. Nesse modelo de Estado autoritário, não havia leis protetoras ou

garantistas, nem órgão encarregado de distribuir justiça. Na solução dos conflitos, prevalecia,

então, a força. Esse regime é conhecido por autotutela ou autodefesa. Nele, o juiz, que

129 Lenio Streck no seu livro Hermenêutica Jurídica e(m) Crise deixa claro que “ ...a minimização do Estado em países que passaram pela etapa do Estado Providência ou welfare state tem conseqüências absolutamente diversas da minimização do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado Social”

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também é parte, impõe a outra, a sua decisão. Passou-se também, pela justiça da tortura, da

inquisição no período medieval. 130

Com o tempo, percebeu-se a significativa parcialidade existente em todas as

soluções de conflitos já citadas. E, com o intuito de ter um julgamento imparcial, surge a

figura do árbitro, como pessoa estranha ao conflito, mas da confiança das partes.

Inicialmente, a arbitragem era facultativa. Posteriormente, com o fortalecimento do Estado,

passou a ser obrigatória, ficando proibida a autotutela. 131 Com o crescente fortalecimento do

Estado, surge, como forma de pacificação dos conflitos, a jurisdição. O juiz, representante do

Estado, examina a questão e decide. 132

Hoje, vivendo sob a égide do Estado de Direito, o homem disponibiliza parte

de sua liberdade à soberania estatal. Assim, não pode mais fazer justiça com as próprias

mãos: uma parte não pode mais interpelar a outra. É o órgão estatal competente que age em

substituição às partes. Portanto, hoje, cabe ao Estado promover a paz social, através da ampla

distribuição de justiça. 133

Resta indagar se o Estado brasileiro cumpre bem a sua função de Estado-

Juiz. Diante desta indagação é que daremos prosseguimento ao nosso trabalho discorrendo no

próximo capítulo de um dos temas que mais discussões provocam: que é o acesso à Justiça

ou à ordem jurídica justa, mas sempre tendo como pano de fundo o princípio da dignidade

humana e o seu exercício para a cidadania.

130 MENDONÇA, Paulo Hafeld Furtado de. Acesso à Justiça no Brasil.Jus navigandi, 2005.Disponível em < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9993>. Acesso em 15 de dez. 2007. 131 MENDONÇA, loc. cit. 132 “Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido em processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupo de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 104) 133 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 1995, p.25.

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2. A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

Os temas “acesso à Justiça”, “cidadania” 134 e “dignidade humana”, na

atualidade, adquirem destaque significativo, tanto na legislação, no discurso político de

diferentes países no cenário internacional, principalmente, depois da instituição dos chamados

novos direitos de cidadania e da implementação do Estado do Welfare State. 135

Mas, acesso à Justiça, na atualidade, não significa apenas acesso ao

Judiciário, eis que requer acesso a uma ordem jurídica justa, célere e, acima de tudo, em

sintonia com o princípio da dignidade humana e o pleno exercício da cidadania. Com a

emergência dos “novos direitos”, o jurisdicionado alcançou ampliação de direitos, o que, por

via de conseqüência, desembocou no Judiciário (explosão de demandas), o que se agregou a

necessidades historicamente acumuladas, que persistem sem o devido tratamento do sistema

jurisdicional.

No que tange a efetividade do acesso à Justiça, vários foram os doutrinadores

que apresentaram os elementos essenciais para concretizá-la. De acordo com Watanabe136 três

são os principais requisitos: I – a igualdade das partes mediante nivelamento cultural que

viabilize o conhecimento acerca do direito peliteado; II -, "a paridade de armas na disputa em

juízo"; III - o estudo crítico da legitimidade do ordenamento jurídico.

134 O termo cidadania deve ser entendido como categoria relacionada com a origem e crescimento de direitos, deverá ser entendida como fenômeno histórico social, fruto das transformações históricas das sociedades. Desta forma, segundo Paulo Bonavides, tal expressão sofre modificações a partir da evolução do direito, tornando-se como ponto de partida dessa evolução as seguintes etapas: os direitos civis e políticos (primeira dimensão de direitos), os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos ( segunda dimensão de direitos), os direitos de solidariedade, desenvolvimento, paz, ambiente, propriedade sobre patrimônio comum da humanidade e comunicação (terceira dimensão de direitos) e por fim, a quarta dimensão de direitos que inclui os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo.(BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 6 ed. São Paulo : Malheiros, 1996.p..523) 135 Segundo Paulo Bonavides, “O Estado social nasceu de uma inspiração de justiça, igualdade e liberdade; é a criação mais sugestiva do século constitucional, o princípio mais rico em gestação no universo político do Ocidente.( BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ª. ed. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 12). Lenio Streck assevera que: “Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa do Estado Providência ou welfare state tem conseqüências absolutamente diversas da minimização do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado Social.”( STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 24) 136 WATANABE, Kazuo. Assistência judiciária e o Juizado Especial de Pequenas Causas. Revistas AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, n.34, jul., 1985,p.219-225.

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Para CAPPELLETTI e GARTH137 os requisitos necessários para a efetivação

do acesso à Justiça, transpondo-se as barreiras econômicas, sociais e culturais, justiça em três

ondas. A primeira onda, representada pela assistência judiciária aos pobres; a segunda onda,

refere-se a representação em juízo dos interesses difusos; e a terceira onda, refere-se a criação

de mecanismos judiciais e extrajudiciais de acesso à Justiça, que descentralizem a justiça e dê

novas técnicas procedimentais que simplifiquem o processo de modo a tornar satisfatória a

prestação jurisdicional.

Ao se analisar os requisitos apresentados por Cappelletti inseridos na

realidade brasileira é possível identificar com nitidez que a efetividade da cidadania através

do acesso à Justiça perpassa a primeira onda. Tal fato se dá pelo motivo de que:

Tratando-se de um dos maiores territórios da América, apresenta inúmeras diversidades regionais. A grande maioria da população brasileira não percebe mensalmente o suficiente para manter as necessidades vitais do ser humano: alimentação, quanto mais para obter, o que podemos afirmar trata-se de luxo em face da realidade sócio-econômica da população, o conhecimento de seus direitos e a possibilidade de buscarem a justiça pelo Estado. Ressalte-se que a barreira econômica não representa obstáculo único a efetivação da cidadania, mas mostra-se explicitamente como uma das barreiras mais difícil de ser transposta, mas mais necessária.138

Neste capítulo, debate-se a problemática do cidadão que não tem o pleno

acesso à Justiça e, sob o prisma do Poder Judiciário, tendo em vista a aludida explosão de

demandas apresentam-se duas posições antagônicas, quais sejam: a da jurisdição máxima, que

propõe a concentração da solução desse problema (excesso de demandas) na mão do

judiciário; e da jurisdição mínima, que busca, através de um sistema de filtros, retirar do

judiciário alguns tipos de demandas que podem ser absorvidas ou resolvidas pela sociedade

civil. Em cada uma delas, serão apresentadas possíveis alternativas que parecem pertinentes.

137 CAPPELLETTI, Mauro; Bryant,Garth. Acesso à justiça. Trad.Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

138 GRUNWALD, Astried Brettas. A gratuidade judiciária:uma garantia constitucional de acesso à Justiça como forma de efetivação da cidadania. Jus Navigandi, 2003. Disponível em: <jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4363>. Acesso em 25 de agosto de 2008.

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Em continuidade, será abordada a judiciliazação da política como meio de

efetividade das políticas públicas, sob o enfoque das garantias constitucionais, que vêm

mudando o foco do Judiciário, imprimindo-lhe novo modo de agir, frente aos novos direitos,

excesso de demandas e o seu decesso.

2.1. Acesso à Justiça ou acesso à ordem jurídica justa

A garantia do acesso à Justiça é uma das características do Estado de Bem-

Estar Social que, no caso brasileiro, recebeu dos constituintes de 1988 um tratamento

peculiar, “erigindo-se à categoria de garantia e princípio constitucional, juntamente com os

instrumentos próprios para sua concreção.” 139

A população brasileira, país periférico, defronta-se com alto grau de

desigualdades socioeconômicas e segregação, o que faz com que significativos segmentos

convivam com a falta de atendimento às necessidades básicas do indivíduo, nem acesso aos

direitos mínimos de cidadania e dignidade humana. Constata-se, também, que a grande

maioria da população, em verdade, não tem acesso real à jurisdição, pelas mais variadas

razões, v.g., exclusão social, desinformação e falta de recursos.

Em nosso país, que evidencia crise no plano político, econômico, social e

jurídico, é difícil falar em efetivação/concretização dos direitos e garantias fundamentais,

principalmente os que dizem respeito a dignidade do ser humano, cidadania e acesso à

Justiça.

Isto ocorre, principalmente, pela falta de atuação estatal agravada com o

processo de globalização da economia e das políticas neoliberais, que desencadearam o

enfraquecimento do Estado e a implantação de políticas mínimas de intervenção em prol dos

direitos de cidadania.

Segundo CAPPELLETTI e GARTH,140 merecem relevo alguns movimentos

em busca do acesso à Justiça, quais sejam: a primeira diz respeito à assistência jurídica e a

superação dos obstáculos decorrentes da pobreza; a segunda diz respeito às reformas

necessárias para a legitimação da tutela dos interesses difusos, especialmente aqueles relativos

139CICHOCKI NETO, José. Limitações ao Acesso à Justiça. Curitiba: Juruá, 2001. p.80. 140 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002.

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aos consumidores e os pertinentes à higidez ambiental e a terceira traduz as múltiplas

tentativas de obtenção de fins diversos, quais sejam: os procedimentos mais acessíveis,

simples e racionais, mais econômicos, eficientes e adequados a certos tipos de conflitos, a

promoção de uma espécie de justiça coexistencial, baseada na conciliação e no critério de

eqüidade social distributiva, bem como a criação de justiça mais acessível e participativa,

abarcando vários grupos sociais, em busca de superar a excessiva burocratização.

No Brasil, pesquisadores brasileiros141 começaram a se interessar pelo

assunto nos anos 1980, vinculando o acesso à Justiça à expansão dos serviços do welfare state

(em meio à crise desse modelo estatal que se iniciou nos anos 1970); 142 “tampouco no que se

refere à afirmação de novos direitos de cunho coletivo e difuso, como os do consumidor, meio

ambiente, étnico ou sexual.” 143

No Brasil, durante a ditadura militar, Boaventura de Sousa Santos144

identificou o papel da justiça paralela ao poder judiciário, na resolução de conflitos,

particularmente em bairros pobres, tais como o Jacarezinho, nos anos 1970. 145 Na virada dos

141 Segundo Eliane Junqueira, Joaquim Falcão “constrói um texto que se transforma em referência obrigatória do campo: a partir da preocupação com a democratização do Poder Judiciário, é analisado o ‘acesso à Justiça como um mecanismo que pode ou não estar a favor da implementação da representação coletiva dos cidadãos, como aperfeiçoamento do ideal democrático’ (1981: 4), tendo-se, como ponto de partida, a cultura jurídica que permeia os institutos jurídicos processuais.” Na seqüência Eliane Junqueira cita ainda: “...a pesquisa desenvolvida por Alexandrina Moura (1990) sobre invasões urbanas em Recife, chamando a atenção para a utilização do sistema judicial pelos invasores, através de ações de interdito proibitório.”; “ Luciano Oliveira e Affonso Pereira dão continuidade à análise do encaminhamento dos conflitos coletivos à Justiça, ainda que preocupados especificamente com os processos administrativos (1988)”; e ainda diz que: “O principal centro acadêmico de produção de pesquisas empíricas sobre o acesso coletivo à Justiça no Rio de Janeiro foi, sem dúvida, o Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), influenciado também pelas pesquisas desenvolvidas por Joaquim Falcão e por Boaventura de Sousa Santos. Mais especificamente, a preocupação do grupo da PUC-Rio com a temática inicia-se em 1984, com uma pesquisa sobre o relacionamento entre associações de moradores -- movimento que se encontrava então em processo de fortalecimento -- e o Poder Judiciário. A preocupação fundamental nessa investigação, no entanto, não eram os direitos coletivos básicos, como acontecia no Recife, mas sim os direitos difusos. Através da análise das formas de encaminhamento e resolução de conflitos coletivos em três associações de moradores de classe média do Rio de Janeiro -- Jardim Botânico, Gávea e Laranjeiras --, pôde-se perceber que o Poder Judiciário era então utilizado apenas como último recurso de resolução de conflitos, quando já estavam esgotadas as possibilidades de negociação através dos Poderes Executivo e Legislativo.” (JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos Históricos, n. 18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf.>. Acesso em: 28 de abril de 2008.) 142 MOTTA, Luiz Eduardo. Acesso à Justiça, Cidadania e Judicialização no Brasil. Google, 2008. Disponível em : <http://www.achegas.net/numero/36/eduardo_36.pdf>. Acesso em 12/01/2008. 143 MOTTA, loc. cit, 144 SANTOS, Boaventura de Souza. O Discurso e o Poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto Alegre : Fabris, 1988. 145 MOTTA, Luiz Eduardo. Acesso à Justiça, Cidadania e Judicialização no Brasil. Google, 2008. Disponível em : <http://www.achegas.net/numero/36/eduardo_36.pdf>. Acesso em 12/01/2008.

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anos 1970 para os 1980, contudo, apareceram novos atores políticos e sociais146 que

desempenharam forte pressão para a criação do Estado Democrático de Direito e de uma

cidadania ativa. 147

Além disso, no contexto brasileiro, tais temas alcançaram maior relevância

com o advento da Constituição da República Federativa de 1988 (que possui elementos de

Estado-Social e democracia semi-direta), que elegeu a dignidade da pessoa humana e a

cidadania como princípios fundamentais do ordenamento constitucional jurídico brasileiro e o

acesso à Justiça148 como garantia constitucional dos direitos fundamentais, indispensável à

pessoa humana a serem perseguidos e efetivados pelo Estado democrático de Direito, em prol

da realização dos objetivos fundamentais da República Federativa, quais sejam, de uma

sociedade livre, justa e solidária, 149 entre outros. 150

146 MOTA, loc. cit. Num primeiro momento houve uma multiplicação de novos agentes coletivos como as organizações civis e religiosas ( Comunidades Eclesiais de Base –CEBs), movimentos sociais urbanos (associações de moradores de favelas e de bairros, e associações profissionais, já no segundo momento, os sindicatos dos trabalhadores industriais que visavam a sua autonomia do Estado ( sobretudo do Ministério do Trabalho) e acabaram por constituir duas organizações nacionais, a CUT e a CONCLAT; e no terceiro, além da CNBB, outras instituições “ tradicionais” como a OAB e a ABI firmaram-se como focos de resistência do governo militar. 147 Eliane Junqueira ressalta que: “ainda que durante os anos 80 o Brasil, tanto em termos da produção acadêmica como em termos das mudanças jurídicas também participe da discussão sobre os direitos coletivos e sobre a informalização das agências de resolução de conflitos, aqui estas discussões são provocadas não pela crise do Estado de bem-estar social, como acontecia então nos países centrais, mas sim pela exclusão da grande maioria da população de direitos sociais básicos, entre os quais o direito à moradia e à saúde (...) tratava-se fundamentalmente de analisar como os novos movimentos sociais e suas demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulsos coma s primeiras greves do final dos anos 70 e com o início da reorganização da sociedade civil que acompanha o processo de abertura política, lidam com um Poder Judiciário tradicionalmente estruturado para o processamento de direitos individuais.” (JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos Históricos, n. 18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf.>. Acesso em: 28 de abril de 2008.) 148 O termo acesso à Justiça, dentro da concepção constitucional, é garantia constante, no artigo 5˚, XXXV, da CF, pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Como propósito desta pesquisa, devemos tomar a questão do acesso como “um direito fundamental, sem o qual os demais direitos não possuem garantia de efetividade”. ( RODRIGUES, Horácio. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo : Acadêmica, 1994. p. 127) Garantia esta que sujeita-se ao direito de ação, do processo e do Poder Judiciário para administrar a Justiça. 149 Art. 3˚ da CF: garantir o desenvolvimento nacional, diante da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 4 ed.. São Paulo: Saraiva, 2008, p.09.) 150 Necessitando, para tanto, além da conciliação deles com os demais fundamentos democráticos, bem como com respeito e efetivação dos demais direitos fundamentais, de condições formais e materiais de realização destes princípios e direitos, buscado, principalmente, pela realização do princípio da igualdade constante no caput do art. 5˚ da CRFB/88. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 4 ed.. São Paulo : Saraiva, 2008, p.09.)

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Pensar em acesso à justiça também é viabilizar a discussão sobre uma série

de fatores, englobando a estrutura da instituição do Poder Judiciário, que se quer

democratizar, aproximando-o do cidadão, com meios legais adequados que ensejem a

agilização do processo.

O acesso à justiça, contudo, não se restringe ao simples acesso ao judiciário,

nem tampouco no próprio universo do direito estatal. Kazuo Watanabe151 analisa bem essa

abrangência, quando assegura que a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada

nos estreitos limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata exclusivamente

de possibilitar/facilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, mas de viabilizar o

acesso à ordem jurídica justa.

Sob o enfoque da evolução do direito processual, evidencia-se que a mera

previsão legal de instrumentos processuais não é suficiente para garantir, na prática, o acesso

à Justiça.

Várias mudanças foram propostas e implementadas, com o fito de tentar

aproximar o judiciário do povo, podendo-se citar as seguintes: a) diminuição ou supressão de

custas; b) concepção de instrumentos para a defesa de direitos difusos, individuais

homogêneos e coletivos, c) criação dos juizados especiais (informado pelos princípios da

gratuidade, da oralidade, da simplicidade, da concentração, do ius postulandi, da equidade

nas decisões), d) promoção das formas alternativas de solução dos conflitos (mediação,

conciliação, arbitragem, comissões de conciliação prévia).152

Não obstante todas essas mudanças, as quais contribuíram, e muito, para o

aperfeiçoamento e a efetividade do acesso à justiça, constatou-se que, na prática, grande

parcela da população brasileira continuou e continua à margem da jurisdição, quer na defesa,

quer na promoção dos seus direitos. 153

151 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128/129. 152 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008. 152 O que é justo? O que é injusto? Independente de estarmos ou não exercitados como homens de lei 153 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania .Currículo Lates. Disponível em: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008.

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Dessa constatação nasceu a idéia contemporânea do acesso à Justiça justa; ou

seja, de uma justiça efetiva e transformadora, que opere no plano concreto da realidade da

vida das pessoas em sociedade, resgatando a dignidade humana e promovendo a inclusão

social para o exercício da cidadania. 154

Nessa perspectiva de análise, como se afirmou o acesso à Justiça tem por

escopo alcançar a Justiça social, reforçando a conscientização da população sobre seu real

significado, que não pode resumir-se apenas ao acesso ao Poder Judiciário.

Na verdade, o que se pretende é propiciar tratamento humano e justo para

todas as pessoas. Para que isso ocorra, é necessário fazer com que a igualdade saia do papel

e passe a fazer parte da realidade dos brasileiros, a fim de exercê-la efetivamente; ou seja, que

deixe o plano meramente formal e venha a existir, sendo verdadeira, definitivamente. 155

O Estado é responsável pelo cumprimento do direito de acesso à Justiça;

contudo, como referido, no contexto brasileiro, não garante, efetivamente, uma existência

digna e humana para a população. 156 Não raro, o cidadão fica nas mãos do Estado, sem

condições de exercer a cidadania plenamente. Abordando o tema, Rodrigues157 assevera que:

[...] espera-se que um dia todos os estados existentes garantam eficazmente a plena liberdade de expressão e ação, dentro dos limites estabelecidos pela própria sociedade, ou por ela referendados – não encobrindo, dessa forma, as contradições e pluralidade inerentes a qualquer agrupamento humano. Que estejam estruturados segundo um modelo de organização social que assegure a todos os membros uma existência digna e saudável, caracterizada pelo suprimento das suas necessidades básicas e pela existência de condições

154 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008. 155 Por isso, a igualdade a que ser dinâmica e não estática, real e não apenas formal, no sentido de que o Estado deve fornecer os instrumentos para suprir as situações de desigualdade, para, superando a desigualdade de fato, chegar-se a igualdade de direito. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Assistência judiciária. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1990.p. 244). 156 Segundo Lenio Streck, “Estamos, assim, em face de um sério problema: de um lado temos uma sociedade carente de realização de direitos e, de outro, uma Constituição Federal que garante direitos da forma mais ampla possível. Este é o contraponto...” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004.p. 37) 157 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994, 9.21-22.

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concretas de sua realização enquanto pessoa humana. E que seu ordenamento jurídico contenha instrumentos efetivos de tutela desses valores. Essa realidade em termos concretos, contemporaneamente não passa de um sonho.

2.2. Dignidade da Pessoa Humana158

Inicialmente, cumpre enfatizar que o presente trabalho não tem o propósito

de exaurir o assunto acerca da dignidade da pessoa humana, tema que ainda demanda estudo e

discussão, eis que causa inquietude doutrinária e reflexões das mais variadas áreas do Direito.

Desse modo, o estudo se restringe a questões de interesse do objeto do trabalho, tendo em

mente tratá-lo como base para a fundamentação da análise que se pretende empreender.

Segundo lição de Kant159, o ser humano é dotado, naturalmente, de

dignidade; melhor dizendo, de uma dignidade intrínseca e caracterizadora do próprio homem.

Nesse ponto, vale a pena a seguinte transcrição:

Construindo sua concepção a partir da natureza racional do ser humano, Kant, sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo da dignidade da natureza humana. 160

Para Kant, 161 o homem existe como um fim em si mesmo e não somente

como meio para o alcance de determinada vontade. Partindo desse pressuposto, Kant 162

acrescenta que a vontade do homem tem determinado preço, entretanto a dignidade representa

158 Ingo Wolfgang Sarlet salienta que o “Conteúdo e significado da noção de dignidade da pessoa humana no âmbito do pensamento ocidental: da origem divina à secularização. No que diz com a relevância de pelo menos uma breve notícia de cunho histórico-evolutivo, cabe lembrar, desde logo, que também para a dignidade da pessoa humana aplica-se a noção referida por Bernard Edelman de que qualquer conceito (inclusive jurídico) possui uma história que necessita ser retomada e reconstruída, para que se possa rastrear a evolução da simples palavra para o conceito e assim apresentar o seu sentido.”(SARLET, Ingo Wolfgang. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). Dignidade da Pessoa Humana – Parte I. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 212.) 159 Segundo Sarlet , para Emmanuel Kant a “ ...a concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser humano, considerando esta (a autonomia) como fundamento da dignidade do homem, além de sustentar que o ser humano ( o indivíduo) não pode ser tratado – nem por ele próprio – como objeto.” .”(SARLET, Ingo Wolfgang. Ibidem, p. 213.) 160 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. Porto Alegre : Livraria dos Advogados, 2007, p. 33. 161 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa : Edições 70. 2003, p. 68. 162 Ibidem, p. 68.

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algo que não tem preço, está acima daquilo a que se pode atribuir um valor, ela possui valor

interno, que não pode ser aferido com procedimentos quantitativos. A dignidade do ser

humano representa um valor que excede o patrimônio e traz consigo a idéia de algo

apropriado ou adequado à condição de homem.

A dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, simplesmente existe

sendo irrenunciável e inalienável. Trata-se de um elemento que qualifica a pessoa.

O legislador, na Constituição Federal de 1988, ao perceber esta condição

universal, atenta para o fato de que dignidade da pessoa humana ocupa um papel central no

sistema jurídico pátrio, fixou o denominado princípio como primado fundamental da

República (art. 1˚,III, da CF) e objetivo da ordem econômica (art. 170, “caput”, da CF).

A dignidade diz respeito a um postulado norteador do ordenamento positivo.

Não pode ser compreendida como simples norma, pois constitui delineador do Direito e das

relações jurídicas. A dignidade humana constitui valor unificador de todos os direitos

fundamentais e tem ainda função legitimadora do reconhecimento de direitos fundamentais

implícitos.

Nessa esteira, vale transcrever a lição de SARLET163:

Num primeiro momento – convém frisá-lo – a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o artigo 1o, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente, carregado de eficácia, alcançando, portanto – tal como sinalou Benda – a condição de valor jurídico fundamental da comunidade.

A dignidade da pessoa humana abrange todos os aspectos da vida do ser

humano, preservando mínimas condições de vida.

A Constituição Brasileira de 1988164 garante como direito fundamental que o

Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

163 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 71-72.

164 Art. 5˚, LXXIV – “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”

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recursos. Dessa forma, o direito de acesso ao Poder Judiciário passa a ser tão importante

quanto o direito à saúde, à moradia, ao trabalho, enfim à vida digna. E a dignidade da pessoa

humana é a pilastra de sustentação na proteção dos direitos fundamentais.

Em outras palavras, o acesso à Justiça é essencial à dignidade da pessoa

humana, elemento sem o qual o discutido princípio perde a razão de existir, deixa de ser

fundamento, permitindo que alguém seja tratado como objeto, sem qualquer dignidade.

Enfim, o eficaz acesso à Justiça requer a concretização de todos os direitos fundamentais.

O impedimento de exercício dos direitos fundamentais pelas barreiras de

acesso ao Poder Judiciário constitui pena capital ao princípio da dignidade da pessoa humana

que depende, portanto e irrenunciavelmente, do efetivo acesso à Justiça. Sem prestação

jurisdicional, não há proteção alguma à dignidade do cidadão.

Decorre daí a necessidade de conferir força normativa ao princípio da

dignidade da pessoa humana, competindo à jurisdição tê-lo como princípio de interpretação e

como fim teleológico de aplicação do direito ao caso concreto.

Segundo a lição de SARLET165 a dignidade da pessoa humana possui uma

dimensão defensiva (negativa) e outra prestacional (positiva). Defensiva, no sentido de que o

Estado e a sociedade em geral devem respeitar a dignidade humana, abstendo-se de lesar a

incolumidade, a personalidade e a intimidade do homem. Prestacional, porque o Estado e a

sociedade têm o dever de promover a existência digna das pessoas, assegurando os elementos

básicos para tanto, como saúde, lazer, educação, moradia, emprego, cidadania e acesso à

justiça.

É importante que se diga, em tempo, que o acesso à Justiça, constitui direito

humano, previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos166 e, indiscutivelmente, está

abarcado pela proteção do princípio da dignidade da pessoa humana.

165 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 85-96. 166 No artigo 8, § 1˚ da Convenção Americana dos Direitos Humanos encontramos que: ” Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

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Ainda, sobre o tema, assevera Carlos Alberto Menezes Direito167 que:

O maior esforço que a ciência pode oferecer para assegurar direitos humanos é voltar-se, precipuamente, para a construção de meios necessários à sua realização nos Estados e, ainda, para fortalecimento dos modos necessários de acesso à justiça, com vistas ao melhoramento e celeridade de prestação jurisdicional.

2.3. Cidadania168

A partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, nasceu

nova idéia de cidadania, além dos direitos políticos, fundada na proteção dos direitos básicos

do cidadão.

A nova idéia de cidadania é estendida a uma dimensão maior do que aquela que privilegiava os nacionais de exercerem seus direitos políticos, significando que o homem possui direitos básicos, ligados a sua própria natureza que necessitam ser protegidos, não importando a sua nacionalidade – é a chamada cidadania universal. 169

167 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. A prestação jurisdicional e a efetividade dos direitos declarados.Bdjur no STJ. Disponível em:< http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/8939/1/A_Presta%C3%A7%C3%A3o_Jurisdicional_e_a_Efetividade.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2008. 168 O Conceito Jurídico de Cidadania de acordo com Ricardo Lobo Torres “... é o pertencer à comunidade, que assegura ao homem a sua constelação de direitos e deveres. A cidadania já não está ligada à cidade nem ao Estado Nacional, pois se afirma também no espaço internacional e no cosmopolita. Apenas as idéias de direitos humanos e de justiça podem construí-la no sentido, ontológico.” Prossegue o autor dizendo que “O estudo jurídico da cidadania deve considerá-la a partir das diversas dimensões em que aparece. Inicialmente, na dimensão temporal, a visualização sucessiva dos direitos fundamentais, políticos, sociais e difusos, o que envolve tanto a liberdade quanto a justiça e a solidariedade. Do ponto de vista espacial a cidadania afirma-se nos planos local, nacional, internacional e supranacional, assim como no virtual (cibernético). Uma terceira dimensão é a bilateral, a compreender os direitos/deveres que se expressam na cidadania pública /privada e na cidadania ativa/participativa. A dimensão processual envolve os processos jurídicos por meio dos quais se atualizam direitos e deveres. A cidadania, conseqüentemente , é multidimensional (Delpérée).” ( TORRES, Ricardo Lobo. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). CidadaniaI. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 126-127.) 169 COMPARATO, Fábio K. A Nova cidadania. In: Conferência Nacional da OAB.XIV. Brasília: OAB, set. 1993, p. 89.

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Visualizando-se a realidade circundante, é possível dimensionar três

realidades sobre o tema em foco, a saber: a não cidadania (ou exclusão da sociedade), a

cidadania passiva (cidadania conservadora) e a cidadania ativa (cidadania transformadora). 170

Na primeira realidade (a não cidadania), encontra-se grande parcela da

população brasileira, que não possui sequer registro civil, nem título de eleitor. Este

segmento está à margem da sociedade, sem condições de existência digna, vítima da fome, da

doença e do analfabetismo. Possuem rosto humano, mas não têm respeitada sua dignidade.171

Na segunda realidade (cidadania passiva), situa-se aquela parcela da

população que, potencialmente, poderia exercer a cidadania ativa; todavia, não o faz, seja

porque não possui os pressupostos mínimos para tanto ou porque, simplesmente, não o

desejam ou não se interessam. 172

Limita-se a exercer o direito de voto nas eleições e depois assiste

passivamente a atividade (ou a omissão) política dos candidatos eleitos, sem deles cobrar

resultados. 173

Na terceira realidade (cidadania ativa), está aquela parcela mínima da

população que exerce, de fato, seus direitos, exigindo, individualmente ou organizado em

grupos, ações concretas do Poder Público, com políticas públicas de inclusão e elaboração de

leis que atendam aos anseios sociais. Denunciam irregularidades, cobram resultados e, se

necessário for, exigem a saída do político inoperante. 174

Como exposto, a efetivação do exercício dos direitos do cidadão no Brasil

ainda é uma meta a ser atingida. O cidadão, para poder exercitar seus direitos precisa

170 “De modo que a problemática do relacionamento entre a cidadania e o Estado compreende o status negativus, o status positivus libertatis, o status positivus socialis e o status ativus processualis.” (TORRES, Ricardo Lobo. Dicionário de Filosofia do Direito. In: Vicente de Paulo Barreto (Coord.). CidadaniaI. São Leopoldo : Unisinos, 2006, p. 126-127.) 171 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008. 172 GOLDESCHMIDT, loc. cit. 173 GOLDESCHMIDT, loc. cit. 174 GOLDESCHMIDT, loc. cit.

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necessariamente conhecê-los. Entretanto, num país com número de analfabetos gritante e

vergonhoso, é difícil universalizar o acesso ao conhecimento dos direitos a todos.

Como conceituação de acesso à Justiça, Mamede afirma ser “a faculdade

cidadã de obter a composição de litígios mediante o processo” 175, ou seja, essa faculdade

adquire caráter de garantia ao cidadão, de acionar, conforme sua condição financeira, o

judiciário.

Nesse ponto, retorna-se ao problema da desigualdade dos cidadãos, pois o

acesso à Justiça não é apenas a possibilidade de bater às portas do Judiciário, vai além, pois os

indivíduos, em um primeiro momento, necessitam conhecer e ter consciência de seus direitos,

para então acessarem o Judiciário.

Novos posicionamentos estão sendo tomados para proporcionar à população,

especialmente aos hipo-suficientes, o acesso à Justiça. Os movimentos sociais são uma

constante, notadamente através das Organizações Não governamentais (ONG´s), as pessoas

clamam por participação, pelo pleno exercício de seus direitos de cidadão, e entre eles o

acesso à Justiça, que deve ser proporcionado e concretizado. Busca-se assim proporcionar

efetiva consecução dos ditames constitucionais de forma que o acesso à Justiça seja de fato

aplicado e praticado.

Como se pode depreender do exposto, o acesso à Justiça, problema atual e

constitucionalmente assegurado, tornou-se para os operadores do direito motivo de

inquietação, pois antes de tudo, é uma questão de cidadania. Há, portanto, o entendimento de

que a Justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobres e desprotegidos,

mesmo porque, na sociedade contemporânea, reservou-se ao Estado o direito de administrá-la,

não se consentindo que ninguém faça justiça com as próprias mãos.

Afigura-se outro importante fator de inquietação; ou seja, nesse início de

século XXI, é possível observar a conquista de novos direitos de cidadania, o que transforma

o seu significado jurídico. Hoje, a cidadania deve ser definida pelo exercício dos direitos

civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, que encontram no Estado, na Constituição e

na Justiça, um instrumento jurídico e jurisdicional de transformação social e política. Os

175 MAMEDE, Gladston. Neoliberalismo e desadministração. Revista de informação legislativa, n˚ 81, jul/set.85, p.12.

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novos direitos, assumindo dupla dimensão, nacional e transnacional, exigem não somente a

democratização do Estado constitucional, pois exigem igualmente a democratização das

decisões políticas no mundo globalizado.

Colocados os enfoques essenciais e estabelecidos os conceitos operacionais

das categorias epigrafadas, cumpre agora tecer algumas considerações visando a demonstrar

que a garantia do acesso à justiça constitui um dos meios hábeis para a afirmação da

dignidade humana e para o exercício da cidadania.

Inicialmente, deve-se ter em mente que garantir o acesso à justiça constitui

um grande passo para a afirmação da dignidade da pessoa humana e para o exercício da

cidadania. Contudo, não constitui a único meio hábil para tanto.

De fato, o Estado e a sociedade civil organizada, em conjunto ou em ações

autônomas, não podem se furtar da tarefa de estabelecer políticas e estratégias de inclusão

social. Nesse sentido, pronunciam-se CAPPELLETTI e GARTH176: “É preciso que se

reconheça, que as reformas judiciais e processuais não são substitutivos suficientes para as

reformas políticas e sociais.”

As reformas na estrutura processual e na cultura dos processualistas, sem

dúvida nenhuma, contribuem, e muito, para a afirmação da dignidade humana e o exercício da

cidadania. A idéia de jurisdição inerte e imparcial, envolta em ritos e formalismos, limitada a

fazer a subsunção do fato à norma, não tem mais cabimento na sociedade contemporânea.

Uma jurisdição nesses moldes, além de pouco convincente, não é nada efetiva, pela singela

razão de que não dá resposta hábil, em tempo hábil, às demandas sociais. 177

Constata-se ser mais cômodo pensar que a sociedade está alienada da

jurisdição, responsabilizando, por esse fato, a pobreza generalizada e a ineficiência do Estado

176 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002, 161. 177 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008.

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e da Sociedade Civil Organizada. Todavia, a jurisdição precisa fazer uma auto-análise e

constatar que, em verdade, ela é que está alienada da realidade social.178

Como visto em tópico anterior, grandes passos foram dados nessa direção,

através de reformas processuais e estruturais que visaram a aproximar a jurisdição da

sociedade, como no caso da implantação dos juizados especiais.

Nada obstante, é necessário avançar mais, tendo por pano de fundo a idéia de

acesso à justiça justa e transformadora, de uma jurisdição que tenha capacidade de enxergar

para além dos limites do caso concreto, para dar soluções que afirmem a dignidade da pessoa

humana e que repercutam, positivamente, na organização social e política do país.

Cândido Rangel Dinamarco179 já apontava para essa linha de pensamento:

É preciso implantar um novo “método de pensamento”, rompendo definitivamente com as velhas posturas introspectivas do sistema e abrindo os olhos para a realidade da vida que passa fora do processo. É indispensável colher do mundo político e do social a essência dos valores ali vigorantes, seja para a interpretação das leis que temos postas, seja para com suficiente sensibilidade e espírito crítico chegar a novas soluções para propor; o juiz e o cientista do direito são cidadãos qualificados, de quem a sociedade espera um grau elevado de participação política, revelando as mazelas do direito positivo e levando aos centros de decisão política os frutos de sua experiência profissional, com propostas inovadoras.

Somente com essa visão mais ampla e comprometida, é que a jurisdição se

aproximará, de fato, da população desfavorecida, alcançando-lhe a mão para retirá-la do fosso

que a separa da vida digna e cidadã.

178 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008. 179 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 11 ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 271. 179 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 83.

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Para alcançar esse escopo, é necessário que a jurisdição promova uma

hermenêutica total e responsável, vale dizer; que leve em consideração a realidade da vida de

seus jurisdicionados; bem como o aporte teórico de outras ciências que convivem com o

direito, v.g., Sociologia, Política, Economia entre outras, para, com essa visão global e

completa, chegar a uma decisão justa e transformadora; que não só resolva o caso concreto;

porém que constitua fonte jurídica para embasar demandas futuras, na construção de um

modelo jurídico-político mais adequado e de uma sociedade mais justa e solidária.

Nessa linha é a advertência de CAPPELLETTI e GARTH180:

Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos do processamento de litígios. Eles precisam conseqüentemente ampliar sua pesquisa para mais além dos tribunais e utilizar os métodos da análise da sociologia, da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas.

Vale repisar, que a dignidade humana, como bem apontada por SARLET181

constitui, ao mesmo tempo, tarefa e limite da jurisdição. É tarefa porque compete à

jurisdição, ao dizer o direito no caso concreto, afirmá-la e promovê-la, protegendo a

integridade do homem e prestando os bens básicos para a manutenção de sua existência.

Por outro lado, constitui limite, porque, no exercício da hermenêutica, a

jurisdição deve adotar a decisão que resolva, com justiça, o caso concreto e constitua fonte

para a melhoria do modelo jurídico-político-social, sem ferir ou negligenciar a dignidade da

pessoa humana.

Nesse norte, encontra-se o magistério de SARLET: 182

Nesse passo, impõe-se seja ressaltada a função instrumental integradora e hermenêutica do princípio, na medida em que este serve de parâmetro para

180 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 13. 181 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 108-109. 182 Ibidem, p. 83.

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aplicação, interpretação e integração não apenas dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.

A afirmação da dignidade humana, promovida e alcançada através do acesso

à justiça, paulatinamente, conduzirá a tão almejada inclusão social. 183

De acordo com Rodrigo Goldschmidt 184

O homem digno, vivendo em condições dignas, reunirá os pressupostos básicos para o exercício da cidadania. Terá condições materiais e instrumentais para decidir, juntamente com os seus pares, de forma democrática, os destinos da sociedade em que vive.

Continua Goldschmidt185, dizendo que

O homem, com sua dignidade afirmada, certamente saberá valorizar a conquista obtida e, ciente da importância da mesma, por certo participará na sua sociedade, exercendo ativamente a cidadania, sabendo que terá a Jurisdição a lhe amparar em caso de injustiças. Imbuído dos sentimentos de alteridade e de solidariedade, promoverá a afirmação da dignidade de seus semelhantes, como forma de incluí-los socialmente, numa cadeia dinâmica, que redundará no benefício de todos.

Mas a questão que se impõe é saber de que forma poderá o acesso à Justiça

ser implementado efetivamente? Constata-se que a esse respeito, podem ser consideradas

duas hipóteses (teorias):

2.3.1. Da Jurisdição Máxima:

Para os adeptos dessa corrente teórica, a jurisdição não pode mais ficar alheia

à realidade. Deve-se conscientizar da sua importância como instrumento de transformação

183 GOLDESCHMIDT, Rodrigo. O acesso à Justiça, Afirmação da Dignidade Humana e o Exercício da Cidadania.Currículo Lates. Disponível em:< http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=E2638121>. Acesso em: 03 de abril de 2008. 184 GOLDESCHMIDT, loc. cit. 185GOLDESCHMIDT, loc. cit.

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social. Precisa, nessa esteira, proporcionar instrumentos formais e materiais que garantam o

acesso efetivo da população aos seus serviços, entregando uma tutela jurídica justa e

transformadora aos seus jurisdicionados. Isso ocorrerá quando se revelar capaz de afirmar,

cada vez mais, a dignidade humana, promover a inclusão social e o exercício da cidadania, na

construção de um modelo jurídico-político melhor acabado, capaz de dar resposta a uma

sociedade que quer, mas não vem conseguindo, ser mais justa e solidária. Como supostas

alternativas, pode-se ressaltar:

- A implantação de Defensorias Públicas, que atuam em quase os Estados

brasileiros, no entanto, no Estado de Santa Catarina, ainda não há.186

Sobre o tema, é pertinente ressaltar que, dentre os direitos consagrados na

CF/88, está previsto, no artigo 5˚, inciso LXXXIV, que: “O Estado prestará assistência

jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, e o artigo 134, da

Carta Magna, assim enuncia:” A Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus,

dos necessitados, na forma do art. 5˚, LXXIV”.

A Lei Complementar n. 80/94, de acordo com o disposto no parágrafo único,

do art. 134 da CF/88, é a lei orgânica nacional que organiza a Defensoria Pública da União,

do Distrito Federal e dos Territórios, prescrevendo normas gerais para a sua organização nos

Estados. Referida lei complementar trata do funcionamento e competência dos órgãos da

Defensoria Pública e do regime jurídico de seus membros.

No que tange às Defensorias Públicas dos Estados, de acordo com o artigo

97 da LC n. 80/94, a organização das mesmas deve seguir as normas gerais traçadas pela lei

complementar já citada. Fica evidente, portanto, que lhes cabe prestar assistência jurídica aos

necessitados em todos os graus de jurisdição e instância administrativas dos Estados,

prescrevendo ainda que, entre outras atribuições previstas nas legislações estaduais, incumbe-

lhes, também, o desempenho das funções de orientação e defesa dos necessitados no âmbito

judicial, extrajudicial e administrativo do respectivo Estado.

186 Santa Catarina é o único Estado do país que ainda não possui uma Defensoria Pública, ou seja, uma estrutura estadual composta por advogados, com a função de orientar e defender na Justiça, os direitos das pessoas comprovadamente carentes.

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A despeito da ordem constitucional e da regulamentação dada pela LC n.

80/94, o Estado de Santa Catarina deixando de implantar um modelo de Defensoria Pública, e,

conseqüentemente de viabilizar que os pobres discutam e defendam seus direitos em

igualdade de condições.

Na Constituição Estadual de Santa Catarina, a assistência jurídica integral

está prevista no artigo 4˚, inciso II, letra “e”, nestes termos:

Art. 4º O Estado, por suas leis e pelos atos de seus agentes, assegurará, em seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias individuais e coletivos, sociais e políticos previstos na Constituição Federal e nesta Constituição, ou decorrentes dos princípios e do regime por elas adotados, bem como os constantes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, observado o seguinte:

[...]

II - são gratuitos, para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

[...]

e) a assistência jurídica integral;

A Constituição Estadual do Estado de Santa Catarina prevê em seu

artigo 104 que: “A Defensoria Pública será exercida pela Defensoria Dativa e Assistência

Judiciária Gratuita, nos termos de Lei Complementar”. Para atender ao dispositivo acima foi

editada a Lei Complementar 155/97.

A Defensoria Dativa é o patrocínio pelo advogado nomeado para

promover a defesa do acusado, na forma dos dispositivos do Código de Processo Penal, ao

passo que a Assistência Judiciária Gratuita consiste na assistência prestada por advogado,

nomeado pelo juiz, para patrocinar causas cíveis, no âmbito geral. Os serviços da Defensoria

Pública e Assistência Judiciária Gratuita, segundo disposto no art. 2˚ da LC n. 155/97, serão

prestados às pessoas que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos da CF/88 (art.

5˚,LXXIV) e da CE de SC (art. 4˚,II,”e”)

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Vislumbra-se, então, que se, de um lado, o Estado de Santa Catarina ao

optar pela adoção do sistema judicare,187 desonera-se da criação e manutenção de uma

Defensoria Pública vinculada à sua administração direta, sem deixar de atender à Constituição

Estadual, no sentido de conceder aos reconhecidamente pobres um serviço digno de

assistência gratuita. Entretanto, por outro lado, deixa de cumprir o previsto na CF/88, no que

tange à obrigatoriedade da existência da Defensoria Pública cujos serviços são de extrema

relevância eis que essencial à função jurisdicional do Estado. Não se pode esquecer que lhe

incumbe a orientação jurídica e a defesa dos necessitados, bem como a aplicação imediata do

direito fundamental da assistência integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de

recursos, sendo que lei complementar de caráter federal prescreverá normas gerais para sua

organização.

O Estado de Santa Catarina, deste modo, ao instituir a Defensoria Pública

exercida pelo sistema de prestação de Assistência Judiciária e Defensoria Dativa aos

hipossuficientes, por meio dos profissionais liberais pagos pelos cofres públicos, não afasta a

obrigação de criar e instalar a Defensoria Pública que, além da defesa, desempenhe também a

orientação, o esclarecimento, a conscientização dos direitos da população carente.

Nesse sentido, adverte Horácio Wanderlei Rodrigues188:

O sistema adotado atualmente por Santa Catarina funciona sempre na dependência de haver profissionais liberais dispostos a trabalharem pela remuneração paga pelo Estado, bem como a esperar o final do processo e a disponibilidade de caixa do governo para pagá-los.

A Constituição Federal e a Lei n˚ 8.547/92 dispõem que será concedida assistência jurídica integral e gratuita. o modelo atualmente adotado não fornece as assistências jurídicas preventiva e extrajudicial, sendo portanto deficiente e insuficiente.

Pelo atual sistema (defensoria Dativa), os recursos são repassados pelo

Executivo à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC), que, por sua vez, efetua o

187 Segundo Maria Aparecida Lucca Caovilla o sistema Judicare “Trata-se de um sistema por meio do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadram nos termos da lei. Os advogados particulares são pagos pelo Estado, com o objetivo de proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado.” (CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 35) 188 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso á Justiça no direito processual brasileiro. p. 117.

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pagamento aos advogados que atuam nas causas de pessoas impossibilitadas de contratar um

profissional da área. A crítica que se faz é que a atuação do advogado é limitada, pois presta

somente assistência judiciária – em processos judiciais – e não assistência jurídica, que abarca

orientações e esclarecimento de dúvidas em consultas apresentadas antes e durante o

andamento de um processo judicial.

Outro problema reside no constante atraso no repasse dos recursos por parte

do governo estadual, desestimulando o atendimento por parte de tais profissionais.

O que se constata é que no Estado de Santa Catarina, o Poder Executivo

Estadual ainda não reconhece a Defensoria Pública como sendo um serviço essencial,

indispensável para a democracia e a justiça social. 189

O trabalho desenvolvido pelas Defensorias Públicas não tem o condão de

eliminar toda a demanda de conflitos existentes, nem tampouco resolverá todos os problemas

de acesso à justiça da população.

Diante dessa premissa, a seguir, apresentam-se algumas alternativas

propostas pela doutrina para proporcionar aos cidadãos hipo-suficientes acesso à justiça.

- Núcleos de apoio jurídico em municípios: que podem servir de instrumento

de informação, de valorização e de apoio ao ser humano.

- Os fóruns universitários: através de projetos multidisciplinares, a exemplo do

que foi implantado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pioneira no Estado,

que mantém, em conjunto com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, uma unidade

jurisdicional em pleno funcionamento e com sede própria, desde de julho de 1993.

-Os juizados especiais itinerantes: com o escopo de atender comunidades,

bairros, escolas, pontos estratégicos das cidades e até mesmo no meio do rio, como acontece

no estado do Amapá. 190

189 Dalmo de Abreu Dallari nos coloca que “... o problema não reside apenas na questão institucional, mas sim, ‘ na falta de interesse’ do Poder Executivo Federal e de muitos governos estaduais, com a conseqüente falta de iniciativa e de recursos financeiros para a criação, instalação e funcionamento das Defensorias. Na realidade não existe qualquer obstáculo à implantação delas e a melhoria das já existentes, faltando apenas reconhece-las como serviços essenciais, indispensáveis para a democracia e a justiça social, e coloca-las entre as prioridades dos governos.” ( DALLARI, Dalmo de Abreu. Abnegação e descaso. Revista Consulex. Brasília, v. I, n. 44, 2000, p. 56.)

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- Assistência jurídica integral e gratuita prestada pelos Núcleos de Prática

Jurídica dos cursos de Direito. No Estado de Santa Catarina, já existem em várias

universidades e faculdades, com aprovação do MEC. Tem-se destacado como meio eficaz de

democratização da justiça o trabalho desenvolvido pelos estudantes de Direito, que buscam de

forma personalizada proporcionar o acesso integral à Justiça à população desprovida de

recursos. Procura-se manter a qualidade do serviço prestado pelos estagiários, através de

constantes atualizações teóricas, proporcionadas por docentes e outros profissionais que

coordenam as atividades dos núcleos e pela interdisciplinaridade cada vez mais presente

nesses estágios, pelo trabalho conjunto, com assistentes sociais e psicólogos, entre outros

profissionais.

2.3.2. Da Jurisdição Mínima:

Os adeptos da jurisdição mínima191 concebem que o Judiciário não deve ser

o único responsável pelo deslinde das demandas, pois é necessário devolver à sociedade civil

a capacidade de solucionar os conflitos, e principalmente ao Executivo de dar efetividades a

suas promessas.

Segundo essa concepção, a jurisdição máxima pode vir a gerar uma maior

inefetividade. Eligio Resta 192 assim se pronuncia:

190 “A Justiça Itinerante, um dos mais importantes e democráticos serviços prestados pelo Judiciário Amapaense, é executada tanto no primeiro quanto no segundo grau de jurisdição e tem abrangência estadual, com atuação em todas as comarcas. A Resolução nº 023/2005, aprovada pelo Pleno Administrativo do Tribunal de Justiça, disciplina o funcionamento, organização e competência da Justiça Itinerante Estadual. Em nível de segundo grau a Justiça Itinerante realiza sessões da jurisdicionais do Tribunal - Pleno, Secção Única e Câmara única – fora da capital do Estado, em comarcas do interior.No primeiro grau, a Justiça Itinerante Terrestre corresponde a realização de jornadas periódicas em comunidades, vilas distritos ou municípios, acessíveis por terra e a Justiça Itinerante Fluvial é realizada em comunidades vilas, distritos ou municípios, acessíveis exclusivamente por água, com uso de embarcações próprias ou alugadas.” (AMAPÁ. Tribunal de Justiça do Amapá. Disponível em:< http://www.tjap.gov.br/jus_itinerante.php>. acesso em: 10 de abril de 2008. 191 Podemos citar como adeptos Elígio Resta e Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho e Bárbara de Landa. 192 RESTA, Eligio. Ibidem,O Direito Fraterno. Trad. Sandra regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul : EDUNISC. 2004, p. 97.

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... um sistema judiciário chamado a decidir sobretudo, e com poderes muitas vezes discricionários e, nos fatos, pouco controláveis, é o lugar que oculta quotas fortes de irresponsabilidade: consente álibis e cobre a forte diferença entre aquilo que o sistema da jurisdição diz que é, e o que faz, e aquilo que na realidade faz.

O autor em tela ainda sintetiza os perfis dessa difusa anomalia em alguns

pontos

a) o caráter onívoro da jurisdição; b) a inflação de litigiosidade; c) a redundância da cultura dos remédios; d) o caráter monopolista da jurisdição; e) uma confusa relação entre Estado, esfera pública, jurisdição.193

Segundo Grandinetti de Carvalho e Bárbara de Landa, 194

A hipertrofia das justiças acaba moldando o modo como se conflita, porque depende sobremaneira do modo pelo qual existem saídas para o conflito. A jurisdição paternalista acaba fomentando o ingresso no Judiciário, sem que se esgotem as possibilidades de a sociedade absorver os conflitos sem a intervenção do aparelho jurisdicional.

E, diante de tal quadro e da explosão de demandas, Eligio Resta195 diz ser

necessário um “sistema de filtragem”, que poderia compreender um tipo ideal de

informalização da justiça, quais sejam:

a) uma estrutura menos burocrática e relativamente mais próxima do meio

social em que atua.

b) normas substantivas e procedimentos mais flexíveis.

193 RESTA, Eligio. Ibidem,O Direito Fraterno. Trad. Sandra regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul : EDUNISC. 2004, p.97-98. 194 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, GONÇALVES, Bárbara de Landa. Breves reflexões sobre a ampliação do acesso à justiça e suas repercussões no perfil dos julgadores: a criatividade judicial, p. 20. 195 RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Trad. Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul : EDUNISC. 2004, p. 103.

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c) mediação e conciliação entre as partes mais do que adjudicação de

culpa.

d) participação de não juristas como mediadores.

e) facilitação do acesso aos serviços judiciais para pessoas com recursos

limitados ( hipossuficientes).

O mesmo autor196 sugere uma reavaliação quanto à formação dos Estados

modernos, influenciados pela doutrina do Leviatã, de Hobbes,197 que desconfiava dos homens

e na capacidade de eles próprios resolverem seus conflitos de maneira civilizada e pacífica. O

autor mencionado assinala que:

Então, é àquela antropologia da primeira época moderna que é preciso voltar, para definir a moldura teórica do problema do conflito...198

...àquela antropologia da primeira época moderna que fundava as regras sobre o pacto e que justificava as suas convenções na base do medo e da necessidade. 199

A hipertrofia do judiciário que hoje lamentamos na regulação e decisão depende dessa história e é sempre ali que precisa escavar para compreender como é que na lógica do sistema social que se verificou esse efeito perverso da legislação.200

196 Eligio Resta na sua obra “O Dirieot Fraterno”. 197 De acordo com Julián Marías “Para conseguir segurança, o homem tenta substituir o status naturae por um status civilis ,mediante um convênio em que cada um transfere seu direito para o Estado. A rigor , não se trata de um convênio com a pessoa ou pessoas encarregadas de rege-lo, mas de cada um com cada um. O soberano simplesmente representa essa força constituída pelo convênio; o restante dos homens são seus súditos. Pois em: o Estado assim constituído é absoluto: seu poder, o mesmo que o indivíduo tinha antes, é irrestrito; o poder não tem outro limite senão a potência. Quando os homens se despojam de seu poder, o Estado o assume integralmente, manda sem limitação; é uma máquina poderosa, um monstro que devora os indivíduos e ante o qual não há nenhuma outra instância. Hobbes não encontra nome melhor que o da grande besta bíblica: Leviatã; é isso o Estado, superior a tudo, como um Deus mortal.” (MARÍAS, Julián. História da Filosofia.Trad. Claudia Berliner. São Paulo : Martins Fontes, 2004, p. 274) 198RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Trad. Sandra regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul : EDUNISC. 2004, p. 106. 199 Ibidem, p. 107. 200 Ibidem, p. 107.

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2.4. A efetividade do processo e o acesso à Justiça

O processo tem por função servir a ordem constitucional e legal, agindo

como meio para a prestação da tutela jurisdicional. Por meio do processo, as partes deveriam

ter um acesso à justiça rápido e eficaz; entretanto, isso não acontece. 201

Cândido Rangel Dinamarco,202 salienta que o processo tem uma função

sócio-político-jurídica, que não é cumprida. Tal fato é passível de constatação, pelo simples

fato de que as pessoas envolvidas em demandas judiciais, na maioria das vezes se

decepcionam, devido ao tempo de duração e custos de um processo, bem como outros fatores,

que acabam por distanciar o processo da justiça e a justiça do direito dos cidadãos. Nessa

linha de pensamento, o pensador citado203 afirma:

A força das tendências metodológicas do direito processual civil na atualidade dirige-se com grande intensidade para a efetividade do processo, a qual constitui expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda plenitude todos os seus escopos institucionais. Essa constitui a dimensão moderna de uma preocupação que não é nova e que já veio expressa nas palavras muito autorizadas de antigo doutrinador: na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.

A efetividade encontra-se inserida numa visão endoprocessual, já que sugere

uma atividade judicante voltada a fornecer ao destinatário da prestação jurisdicional uma

resposta que satisfaça os seus anseios de justiça. O processo deve ser apto a cumprir

integralmente a sua função sócio-político-jurídica.

201 CAOVILA, Maria Aparecida Lucca. Acesso à Justiça e Cidadania. Chapecó: Argos, 2003, p. 39.

202 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo : Malheiros, 1998, p. 270. 203 Ibidem, p. 270.

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Como assinalado, atualmente, busca-se constantemente agilizar e tornar

funcional o acesso à justiça, com a instituição de novos mecanismos de solução de conflitos,

como os Juizados Especiais, a arbitragem, os Juízos Itinerantes, bem como pela simplificação

da sistemática processual, com menos formalismo, na tentativa da obtenção de uma decisão

mais célere e eficaz.

O Direito moderno sugere a desmistificação das regras do processo e de suas

formas e a correspondente otimização do sistema, para a busca da efetividade processual,

porquanto o processo com exagerado apego formal seria um obstáculo ao acesso à Justiça,

visto que, algumas vezes, a técnica processual se defronta com exigências antagônicas que

precisa conciliar, o que se dá de modo especial no tocante ao modo de ser do processo no

desenrolar dos atos que o compõem, como p. ex., o excessivo número de recursos.

O processo não deve servir de óbice ao direito: muito pelo contrário, deve ser

instrumento hábil para se materializar nos conflitos de interesses existentes, deve ser

instrumento eficaz para o acesso à ordem jurídica justa.

O processo civil deve deixar de ser visto como instrumento simplesmente

técnico, passando a ser instrumento ético e político de atuação da Justiça substancial e

garantia das liberdades; ou seja, passando a ser visto como mecanismo de efetiva atuação dos

direitos materiais.

O acesso à Justiça deve ser garantido por meio da modernização do processo

e da criação de institutos e procedimentos que atendam às esperanças da sociedade,

permitindo modernização da legislação para proporcionar prestação jurisdicional de forma

mais célere e, conseqüentemente, mais justa. No dizer de Capelletti e Garth, 204 para se retirar

os obstáculos de acesso à Justiça, seria necessário, em primeiro lugar, a remoção dos

obstáculos econômicos e em segundo lugar, a simplificação dos procedimentos, pois a

duração excessiva do processo é fonte de injustiça social.

O Código de Processo Civil vigente no direito pátrio é reconhecidamente

obra de grande precisão técnica e científica; no entanto, necessita adequar-se aos enfoques da

processualística contemporânea que propugna por justiça célere, econômica e efetiva. Não se

204 CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

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quer renunciar à autonomia do direito processual, muito menos, aos princípios solidamente

instalados, que foram conquistados a duras penas, mas defende-se a adequação,

aprimoramento do processo, porque o que se lhe critica é a postura eminentemente técnica,

que guardou durante muitas décadas, o que, por omissão, negou ao processo a visão

instrumental que hoje se postula.

Inúmeras modificações já foram feitas e outras tantas estão ocorrendo em

sede da legislação processual civil, em busca de simplificação, rapidez e efetividade,

demonstrando que a visão instrumental que está no espírito do processualista moderno

transparece também, de modo bastante visível, nas preocupações do legislador, como por

exemplo, a tutela antecipada e a tutela inibitória.

A efetividade, sem dúvida, é o fim essencial do processo civil, eis que

garante concomitantemente a entrega da tutela jurisdicional e a igualdade entre os cidadãos,

consentindo, ainda, que se dê ao processo uma função social, como mecanismo concreto,

viável e eficaz de pacificação social.

Deste modo, o que se deseja é a abertura da ordem processual, com a

racionalização do processo, que precisa transformar-se num processo de resultados, superando

um processo de conceitos. O que se busca é sua efetividade, sendo imprescindível pensar em

algo dotado de bem definidas destinações institucionais e que deve cumprir os seus objetivos,

sob pena de ser menos útil e socialmente ilegítimo.

O que se busca, primordialmente, é um acesso à Justiça que propicie a

efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da Justiça e também do

acesso à ordem jurídica justa. Trata-se de um ideal que, seguramente, está distante de ser

concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, dificilmente será alcançada plenamente.

Porém, a constante manutenção desse ideal na mente dos operadores do direito constitui

necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução.

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2.5. Poder Judiciário e a transformação social

A idéia de amplo acesso à Justiça advém da falência do direito liberal, da

insuficiência do positivismo jurídico, que representou o reconhecimento de direitos

individuais meramente formais.

A reação foi a revolução do Estado Social em sua fase mais recente de

concretização constitucional, tanto da liberdade, como da igualdade, por vezes de cunho

assistencialista, que tem por objetivo compensar as mazelas mantidas e criada pelo

liberalismo econômico desenfreado. Desse modo houve e há a necessidade de dilatar o

campo do direito, para nele acolher as obrigações de um Estado provedor.

Ampliou-se, portanto, o acesso à Justiça e também as funções do judiciário.

No entanto, o Estado provedor fracassou em sua missão de concretizar a justiça social,

principalmente nos países periféricos, razão porque a demanda reprimida dirigiu-se ao

judiciário, como último recurso para obter as prestações positivas do Estado, o que

inevitavelmente gera enorme demanda reprimida ao judiciário, por sua vez, também

despreparado (até materialmente) para atender às demandas sociais e políticas.

Como se sabe, o Poder Judiciário não está devidamente equipado para

acompanhar o aumento de demandas judiciais. Os métodos tradicionais de solução dos

conflitos, através da aplicação do direito positivo, não correspondem às necessidades sociais

crescentes e emergentes. Impõem-se, dessa forma, modelos alternativos para a solução dos

conflitos.

Ocorre que, na questão do acesso à Justiça, o Estado tem o dever de oferecer

a proteção aos direitos dos cidadãos, independentemente da situação social em que este se

encontra, quando esses direitos forem negados.

As transformações expressivas decorrentes da crise social dos anos noventa

do final do século passado fizeram o Poder Judiciário repensar a sua verdadeira função, numa

sociedade cada dia mais individualista, desigual, desumana e marginal.

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Wolkmer205 se pronuncia acerca do Poder Judiciário da seguinte forma:

[...] ainda que seja um locus tradicional de controle e resolução de conflitos, na verdade, por ser de difícil acesso, moroso e extremamente caro, torna-se cada vez mais inviável para controlar e reprimir conflitos, favorecendo, paradoxalmente, a emergência de outras agências alternativas “não-institucionalizadas” ou instâncias judiciais “informais” (juizados ou tribunais de conciliação ou arbitragem ‘extrajudiciais’) que conseguem com maior eficiência e rapidez, substituir com vantagens o Poder Judiciário.

O autor em tela faz um diagnóstico preciso dos problemas com que se depara

a população para solução de seus conflitos. Também é interessante sua posição acerca de

alternativas como os juizados especiais, em que se oferece acesso totalmente gratuito no

primeiro grau, o que deu espaço a uma explosão de demandas e até mesmo a ocorrência de

certa banalização206, uma vez que os jurisdicionados já não conseguem ou não se dispõem a

tentar resolver suas contentas por meios extra-judiciais, pois que lhe é facilitado o acesso ao

judiciário.

De acordo com Garndinetti de Carvalho e Bárbara de Landa,207 talvez uma

forma de solução seria: “ rever o sistema de gratuidade absoluta nos Juizados Cíveis, de modo

a desestimular as lides temerárias”.

Mas aqui são pertinentes algumas dúvidas: qual critério poderia ser

utilizado? O da hipossuficiência? No Estado de Santa Catarina, por exemplo, existe um

critério de triagem feita pela a OAB/SC, que restringe o atendimento pela assistência

205 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico .Fundamentos de uma nova cultura jurídica. São Paulo : Alfa Ômega, 1994, p. 90. 206 Grandinetti de Carvalho e Bárbara de Landa pontuam os “casos tipicamente individuais, de partes identificadas, oriundas dos problemas do homem comum, que vive em sociedade. São situações quotidianas, que não se resolvem sem a intervenção da Justiça. São lides consumeirista, contratuais, ligadas à questões de família, etc. Nesse aspecto, merecem destaque as inúmeras ações apresentadas junto aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, envolvendo questões que poderiam ser solucionadas sem a ingerência do Judiciário, através de órgãos administrativos como PROCONS(s), ou até mesmo através de atos mais simples como notificações solicitando a cessão de determinada conduta ou esclarecimento sobre determinada situação. São casos sem a mínima complexidade, absurdos e na maioria das vazes abusivos, que só chegam ao Judiciário pelo faro de não existirem custas judiciais nos Juizados e de os magistrados não aplicarem a regra do art. 55 da Lei 9.099/95, que prevê a possibilidade de pagamento de honorários e custas aos casos de má fé.” (CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, GONÇALVES, Bárbara de Landa. Breves reflexões sobre a ampliação do acesso à justiça e suas repercussões no perfil dos julgadores: a criatividade judicial, p. 03-04) 207 Ibidem, p. 24.

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judiciária gratuita a renda familiar de 02 (dois) salários mínimos. No entanto, há casos em

que mesmo a renda familiar sendo maior, eles são hipossuficientes (concretamente). Neste

caso, corre-se o risco de negar a oportunidade de acesso do cidadão à justiça. Cumpre admitir

o perigo de contrariar o propósito de garantir acesso a uma ordem jurídica justa, que restaure

os direitos fundamentais do cidadão, alicerçado na valorização do ser humano, na dignidade

da pessoa humana, consciente da possibilidade do pleno exercício dos direitos e garantias

intrínseco ao cidadão.

Chegar a um consenso, no que diz respeito ao acesso à Justiça e a uma ordem

jurídica justa, de fato, é tarefa das mais difíceis, pois persiste longo caminho a ser percorrido.

Não bastasse a explosão de demandas advindas dos individuais, como adverte Faria208 com

um Judiciário na atualidade que pode ser concebido como um “instrumento de governo”, e

que no dizer de Bárbara Landa 209, “... que gera uma situação contraditória, na medida em que

o novo ordenamento constitucional enseja a proibição e a obrigação de intervenção do setor

público na área social. Nesse espectro, além de manter sua função tradicional de julgar, passa

a ter a responsabilidade política de preencher as falhas deixadas pelo executivo” passando,

inclusive, a ser considerado por alguns como sendo o “ Poder do século XXI”, dada a sua

“importância” atual no deslinde das controvérsias oriundas da inoperância do executivo.

208 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p 03. 209 BONFIM, Bárbara de Landa Gonçalves. Acesso e decesso à justiça, litigância abusiva e a crise da efetividade do judiciário.Dissertação (Mestrado em Direito)- Coordenação de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2007.

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3. O PODER JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

3.1. Poder Judiciário na atualidade: desafios e perspectivas.

A história política brasileira é marcada por seqüência de diferentes formas de

governo, haja vista as experiências com o parlamentarismo, 210 com o presidencialismo, com

o regime militar, com a ditadura 211e com a democracia. Os governos autoritários

contribuíram para que o Judiciário brasileiro adotasse, por algum tempo, o perfil de poder

neutro, silencioso, discreto e pouco participativo, provocando a impressão de que o Judiciário

é um poder inatingível.

Como, em sua essência, constitui poder tradicional e formal, muitas

características do passado ainda vigoram, embora, nos últimos anos, particularmente a partir

da Constituição da República de 1988 evidencie novas tendências de ajuste às transformações

sociais. Em sua atuação tradicional, o Judiciário, no dizer de Dalmo de Abreu Dallari212

revelou-se “... um poder fora do tempo”. O mesmo doutrinador acrescenta que:

Os três Poderes que compõem o aparato governamental dos Estados contemporâneos, sejam ou não definidos como poder, estão inadequados para a realidade social e política do nosso tempo. Isso pode ser facilmente explicado pelo fato de que eles foram concebidos no século dezoito, para realidades diferentes, quando, entre outras coisas, imaginava-se o “Estado mínimo”, pouco solicitado, mesmo porque só uma pequena parte das populações tinha a garantia de seus direitos e a possibilidade de exigir que

210 “O parlamentarismo no Brasil vigorou em dois períodos: no Império e após a renúncia do presidente Jânio Quadros. O primeiro período parlamentarista durou de 1847 a 1889 e o segundo de setembro de 1961 a janeiro de 1963. Após as lutas das províncias, a monarquia brasileira caminhava para a estabilização e, em 1847, um decreto criou o cargo de presidente do conselho de ministros, indicado pessoalmente pelo imperador. Muitos historiadores consideram que foi nessa época o início do sistema parlamentarista no país. Parlamentarismo no Brasil vigorou no Império e após renúncia de Jânio Quadros.” (PONTUAL, Helena Daltro. Parlamentarismo no Brasil vigorou no Império e após renúncia de Jânio Quadros. Senado Federal-agência, 2007. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=60946&codAplicativo=2>. Acesso em: 15 /12/2007.) 211 “Podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.” (DITADURA MILITAR. Sua Pesquisa.com. Disponível em: http://www.suapesquisa.com/ditadura/. Acesso em 15/12/2007.) 212 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2002, p.1.

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eles fossem respeitados. Esse desajuste, sob certos aspectos, é ainda mais acentuado quanto ao Judiciário,... ”213

Dallari214 prossegue nos seguintes termos:

No caso do Brasil, essa inadequação tem ficado cada vez mais evidente, porque a sociedade brasileira vem demonstrando um dinamismo crescente, não acompanhado pela organização política formal e pelos métodos de atuação do setor público. De fato, os três Poderes que compõem o aparato governamental do Estado brasileiro estão muito necessitados de reformas, para que se democratizem, ganhem eficiência e atuem como dinamismo exigido pelas condições da vida social contemporânea.

Todavia, sejam quais foram os motivos que retardaram o desenvolvimento

do Poder Judiciário, no Brasil, hoje se manifestam novas orientações em consonância com as

exigências impostas pela sociedade e pelo espírito da Lei Maior.

Por outro lado, não se pode negar que a demora na solução das demandas,

que ocorre devido ao excesso de formalismo, entre outros fatores, ocasiona frustração

coletiva, pois se a democracia amplia o acesso à Justiça no plano formal, esta, contudo, na

prática deixa de atender à grande maioria da população. De longa data se sabe que uma

Justiça tardia é também a sua negação.

Ainda segundo o entendimento de Dalmo de Abreu Dallari215,

Um dado muito importante é o de que grande parte das deficiências de funcionamento do setor público não decorre de falhas de organização ou de falta de meios, mas se deve a vícios de comportamento, um dos quais é uma atitude contraditória em relação às leis.

E continua afirmando que,

É tradicional e generalizada no Brasil a convicção de que as leis não precisam ser obedecidas sempre nem devem ser aplicadas com muito rigor, o que contrasta com algumas atitudes de exagerado legalismo. Este, praticado por muitos juízes, consiste no apego quase fanático a pormenores das formalidades legais, mesmo quando isso é evidentemente inoportuno, injusto ou acarreta conflitos sociais. Mas o que prevalece amplamente, inclusive entre autoridades públicas, é o pouco apreço à legalidade, o que se verifica também em certas atitudes dos tribunais superiores, que freqüentemente demonstram

213 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2002,, p.1. 214 DALLARI, ibidem, p.1. 215 DALLARI, ibidem, p. 3

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excessiva condescendência com inconstitucionalidades e ilegalidades praticadas por chefes do Executivo. 216 217

Fugindo aos comandos da Carta Magna vigente, tanto o Poder Judiciário

quanto o Legislativo correm o risco de tornar-se anacrônicos. Dalmo de Abreu Dallari 218

assevera que:

O desajuste do Legislativo para desempenhar suas funções constitucionais mais relevantes fica evidente quando se verificam as três atribuições fundamentais: o Legislativo não participa na fixação das prioridades do governo, não exerce controle sobre o Executivo e quase só aprova projetos de lei originários de iniciativas do Chefe do Executivo.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz o Princípio da

Separação dos Poderes, como cláusula pétrea, no seu art. 2˚ ao prever que são Poderes da

União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Américo Bedê Freire Júnior219, contudo, assevera que “em verdade a

nomenclatura separação de poderes não deve prosperar, uma vez que, efetivamente, o poder

estatal é uno”. Segue Freire Júnior dizendo que: “Há, portanto, em nosso país uma separação

de funções e não de Poderes, até porque, na verdade, todos os “poderes” estão abaixo da

Constituição. ”220 O pensador referido acrescenta que “Verifica-se dessa definição que a

separação dos poderes não é um fim em si mesmo, mas um instrumento concebido com o

intuito de viabilizar uma efetividade às conquistas obtidas com o movimento

constitucionalista.” 221

216 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2002, p.3. 217 “ As manifestações de desapreço pela legalidade e pelo Poder Judiciário atingiram ponto extremo no ano de 2001, quando, reagindo a declarações judiciais de inconstitucionalidade de medida governamentais adotadas por sua sugestão, o Advogado-Geral da União referiu-se publicamente ao sistema judiciário brasileiro como um ‘manicômio judiciário’. Essas manifestações, provindas dessa e de outras autoridades federais, foram reiteradas em várias oportunidades em que juízes e tribunais tomaram decisões reconhecendo a ilegalidade e inconstitucionalidade de atos do governo federal.”( DALLARI, Dalmo de Abreu. Ibidem, , p.3.) 218 DALLARI, Dalmo de Abreu. Ibidem, p.5. 219 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. Revista Doutrina, 2004. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/americo_freire.htm Acesso em 27/06/2008. 220 Ibidem, loc. cit. 221 Ibidem,. loc. cit.

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Prosseguindo-se nesta linha de raciocínio Freire Júnior222 assinala ser

“absurdo apontar o princípio da separação dos poderes como entrave à efetivação de direitos

fundamentais, uma vez que tal interpretação aniquila a efetividade (correta aplicação) da

separação dos poderes.” Conclui o mesmo autor que:

“a função que imperiosamente deve ser revista é a função judicial, posto que na concepção tradicional de separação dos poderes o Poder Judiciário somente tinha plenitude nas relações privadas, sendo que o espaço público deveria ser ocupado apenas pelos eleitos pela população.”223

Na atualidade, portanto, é necessário repensar “as funções” do Poder

Judiciário. De longa data, CAPPELLETTI, 224 já asseverava a necessidade de um judiciário

distinto do tradicional, afirmando que:

Mas a dura realidade da história moderna logo demonstrou que os Tribunais – tanto que confrontados pelas duas formas acima mencionadas de gigantismo estatal, o legislativo e o administrativo – não podem fugir de uma inflexível alternativa. Eles devem de fato escolher uma das duas possibilidades seguintes: a ) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastrodonte e o leviatanesco administrador.

De tal assertiva é possível reforçar a necessidade de o Poder Judiciário adotar

“... um novo perfil de atuação” 225, o que permitirá,

A efetivação dos direitos fundamentais. Frisa-se que tal proposta não se enquadra como mero juízo subjetivo, mas sim como uma realidade que vem a

222 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. Revista Doutrina, 2004. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/americo_freire.htm Acesso em 27/06/2008. 223Ibidem, loc.cit. 224 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris, 1999, p. 46- 47. 225 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. Revista Doutrina, 2004. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/americo_freire.htm Acesso em 27/06/2008.

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cada dia demonstrando a sua aceitação e importância na materialização da constituição. 226

Por seu turno, Luiz Werneck Vianna, et al,227 é enfático ao salientar que essa

mudança não se trata de um ativismo judicial,228

É da cena contemporânea de cultura democrática a projeção do papel do juiz em quase todos os aspectos da vida social. Mas, essa projeção não tem derivado como em certas avaliações apressadas, de pretensões de ativismo Judiciário. O fato de que, especialmente a partir dos anos 1970, os juízes - inclusive os do sistema da civil law, contrariando uma pesada tradição -, crescentemente ocupem lugares tradicionalmente reservados às instituições da política e às de auto-regulação societal, longe de significar ambições de parte do Judiciário, apontam para processos mais complexos e permanentes.

O que se verifica é que o Poder Judiciário brasileiro deve adotar uma nova

postura, pois que não lhe é mais possível, diante do cenário contemporâneo, onde há uma

“invasão do Direito sobre o social,” 229 continuar fazendo uso de uma dogmática jurídica que

226 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. A separação dos poderes (funções) nos dias atuais. Revista Doutrina, 2004. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao002/americo_freire.htm Acesso em 27/06/2008. 227 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 2. 228 Para Gisele Cittadino, contudo, “Esse processo de ampliação da ação judicial pode ser analisado à luz das mais diversas perspectivas: o fenômeno da normativação de direitos, especialmente em face de sua natureza coletiva e difusa; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas – seja em países europeus ou latino-americanos – e a conseqüente preocupação com o reforço das instituições de garantia do estado de direito, dentre elas a magistratura e o Ministério Público; as diversas investigações voltadas para a elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política, fenômeno já descrito como “criminalização da responsabilidade política”; as discussões sobre a instituição de algum tipo de poder judicial internacional ou transnacional, a exemplo do tribunal penal internacional; e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculados à cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre Poder Judiciário e soberania popular. Se considerarmos qualquer uma dessas chaves interpretativas, podemos compreender porque a expansão do poder judicial é vista como um reforço da lógica democrática. Com efeito, seja nos países centrais, seja nos países periféricos, na origem da expansão do poder dos tribunais, percebe-se uma mobilização política da sociedade. Não é por outra razão que esse vínculo entre democracia e ativismo judicial vem sendo designado como “judicialização da política”.” (CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. ALCEU, v-5 – n. 9- p. 105 a 113 – jul./dez. 2004. Disponível em: < http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n9_cittadino.pdf> Acesso em: 28 de agosto de 2008.) 229 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 3.

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se encontra “assentado em um paradigma liberal-individualista que sustenta essa

desfuncionalidade, que, paradoxalmente, vem a ser a sua própria funcionalidade!” 230

A aludida invasão do Direito sobre o social, segundo Werneck Vianna, et

al,231

Avança na regulação dos setores mais vulneráveis, em um claro processo de substituição do Estado e dos recursos institucionais classicamente republicanos pelo Judiciário, visando dar cobertura à criança e ao adolescente, ao idoso e portadores de deficiência física. O juiz se torna protagonista direto da questão social.

Continua o mesmo Werneck Vianna, et al,232 acrescentando que:

Sem política, sem partidos e vida social organizada, o cidadão se volta para ele, mobilizando o arsenal de recursos criados pelo legislador a fim de lhe proporcionar vias alternativas para a defesa e eventuais conquistas de direitos. A nova arquitetura institucional adquire seu contorno mais forte com o exercício do controle da constitucionalidade das leis e do processo eleitoral por parte do Judiciário, submetendo o poder soberano às leis que ele mesmo outorgou.

A democracia favoreceu a tomada de consciência da sociedade quanto à

importância do Poder Judiciário, chamando-o a participar ativamente do processo

democrático. Dessa maneira, vive-se num sistema que legitima o Judiciário a submeter a

julgamento os governantes, quando estes não respeitam os ditames constitucionais quanto a

suas obrigações em termos de políticas públicas efetivas; bem como legítima o Judiciário a

exercer o importante múnus público de decidir sobre a permanência, no ordenamento jurídico,

das regras compatíveis com uma sociedade democrática.233 Por outro lado, as decisões

230 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 33. 231 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 3. 232 Ibidem, loc.cit.

233 Lenio Streck diz que a partir da nova ordem jurídica inaugurada pela Carta da República de 1988 as “inércias do Executivo e falta de atuação do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos previstos na Constituição que estabeleceu o Estado Democrático de Direito”. ( STRECK, Lenio. In 1988-1998, uma década de Constituição; As constituições sociais e a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, p.323.)

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proferidas pelo Judiciário devem ser motivadas, fundamentadas e públicas, prestando à

sociedade brasileira o devido esclarecimento e satisfação das suas ações, sem que tal atitude

interfira em sua independência e imparcialidade, uma vez que o Judiciário não tem função de

agradar, mas de promover a justiça. Tais atribuições exigem do Judiciário postura atuante,

corajosa e eficiente.

Observa-se, então, a partir dessa nova realidade nacional, a Judicialização da

Política, como meio de efetividade das políticas públicas, tema este que será analisado nos

próximos tópicos da presente pesquisa.

3. 2. O Poder Judiciário e a judicialização da política: uma nova realidade.

A judicialização da política, fenômeno social recente nas sociedades

modernas, confere nova caracterização para os conflitos sociais. 234 Esses não expressam

mais a luta pela institucionalização de direitos, eis que expressam uma interpretação de

direitos já institucionalizados, perante as cortes judiciais nacionais, ou mesmo internacionais. 235

No dizer de Boaventura de Sousa Santos:

Há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal das suas funções, afectam de modo significativo as condições da acção política. Tal pode ocorrer por duas vias principais: uma, de baixa intensidade, quando membros isolados da classe política são investigadores e eventualmente julgados por actividades criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição social destacada lhes confere; outra, de alta intensidade, quando parte da classe política, não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos habituais do sistema político, transfere para os tribunais os seus conflitos internos através de denúncias

234 ALEXANDRE, Agripa Faria. Questão de política como questão de Direito: A Judicialização da Política, a Cultura Instituinte das CPIs e o papel dos Juízes e Promotores no Brasil. N13- dezembro- 2000.Disponível em: < http://www.cfh.ufsc.br/~dich/Texto%20do%20Caderno%2013.doc>.Acesso em : 28/08/2008.

235CAVALCANTI, José Carlos. Está havendo uma “Judicialização” da vida pública no país?. Google, 2008. Disponível em: < http://www.creativante.com.br/download/Judicializacao.pdf>. Acesso em: 28/08/2008.

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cruzadas, quase sempre através da comunicação social, esperando que a exposição judicial do adversário, qualquer que seja o desenlace, o enfraqueça ou mesmo o liquide politicamente.236

De fato, a sociedade contemporânea tem-se caracterizado por conflitos entre

práticas jurídicas, legislativas e executivas, com o progresso de algumas esferas sobre outras,

ou a ocupação de espaços de um poder diante do retrocesso do outro. Tais conflitos estão

reconfiguram os papéis dessas instituições, outrora tão bem definidos pela forma

paradigmática, de Montesquieu, da separação dos Três Poderes.

É possível, hoje, dizer que a máxima de que “o poder limita o poder” está

cada vez mais sendo afrontada, principalmente, por fenômenos como a expansão do poder

judiciário na cena política, com a judicialização da política e a emergência de um “direito

legislativo”. 237 Acrescidos a outras circunstâncias, desencadeadas no campo legislativo e

executivo, esses fenômenos põem em evidência o método e o processo judicial que coloniza

as outras esferas e expressa, na visão de alguns estudiosos, a descrença no princípio

majoritário. Assim, mais do que a relação entre os Três Poderes, o que está em questão na

236 SANTOS, Boaventura de Sousa. A Judicialização da Política. Publicado no Público em 26 de maio de 2003. http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/078en.php, acesso em 03 de junho 2008.

237 Segundo o Desembargador aposentado e professor do Estado do Rio Grande do Sul Sérgio Gischkow Pereira “ Surpreende a facilidade com que figuras públicas que deveriam informar-se melhor com seus assessores jurídicos acusam o Judiciário de estar legislando. Tragicomicamente, acusam o Judiciário de cumprir a lei! O problema é que esta imputação situa a atividade de criar a lei como se fosse nociva e não integrante das atribuições do Judiciário. Pelo menos, é o que se passa para a população. Fica a idéia de que o Judiciário está usurpando competências do Legislativo, atuando contra a lei.” Prossegue dizendo que “Algumas questões elementares de direito devem ser respostas. Em um primeiro momento, a Justiça interpreta e não cria alei; evidente que esta interpretação – como ensina qualquer manual na are jurídica – não é meramente literal, mas muito mais ampla, passando pela interpretação sistemática, lógica, científica, histórica, finalística, sociológica, valorativa. Mas e se a lei for omissa? A solução é dada pelo art. 4˚ da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro ( Lei n˚ 4.657, de 04.09.1942), que assim dispõe: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Esta norma, como todos sabem, não atinge apenas o Código Civil, mas o direito em geral. É obrigação legal do juiz criar a lei quando esta for omissa. Nesta hipótese, o magistrado não está “legislando”, senão que atuando dentro da lei, que o autoriza e força a criar a lei que não existe. O juiz cria a lei porque a lei quer que ele crie a lei!” Continua dizendo que “Também é da lei, no caso a Lei Maior ou Constituição Federal, a figura do mandão de injunção (art. 5˚, inciso LXXI), cabível sempre que ‘a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania’. “ (PEREIRA, Sérgio Gischkow. O Judiciário não está “legislando”. Zero Hora, 30/08/2008, n˚ 15711. Disponível em: < http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local= 1&source=a21506...>. Acesso em: 30/08/2008.

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cena contemporânea é o modelo político do Estado moderno e o arranjo liberal democrático. 238

Cumpre frisar, contudo, que o legislativo cedeu lugar ao judiciário ou ao

executivo, em grande medida, devido ao crescimento da legislação social promovida pelo

estabelecimento do Estado de Bem-Estar (Welfare State), como bem asseveram Vianna et

alii: 239

Foi a emergência de novos detentores de direitos, especialmente o movimento operário em meados do século passado, que deu fim à rigorosa separação entre o Estado e a sociedade civil, nos termos da tópica liberal da liberdade negativa. O Direito do Trabalho, nascido dos êxitos daquele movimento, conferiu um caráter público a relação da esfera privada, como o contrato de compra e venda da força de trabalho, consistindo em um coroamento de décadas de luta do sindicalismo, apoiado por amplos setores da sociedade civil de fins do século XIX e começo do XX).

Com o advento do Estado de Bem-Estar, houve substancial necessidade de

ampliação das atividades de intervenção legislativa, às quais o legislativo não tem sido capaz

absorver, porquanto os parlamentares tendem a se empenhar mais em questões partidárias e

de política geral. Este fato traz como conseqüência imediata a perda de celeridade exigida

pelas demandas sociais, passando de forma espontânea tal encargo das funções legislativas

para outras esferas, a saber, a executiva e a judiciária.

De acordo com Lenio Streck,240

238 AGUIAR, Thais Florêncio. A judicialização da política ou o rearranjo da democracia libera. ; ponto-e-vírgula, 2: 142-159, 2007. Disponível em: http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n2/pdf/11-thais.pdf. Acesso em 30/08/2008.

239 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELLO, Manuel Palacios Cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. Judicialização da políticas e das relações sociais no Brasil.Rio de Janeiro: Revan, 1999, 15.

240 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, 40

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A democratização social, fruto das políticas do Welfare State, o advento da democracia no pós-guerra e redemocratização de países que saíram de regimes autoritários/ditatoriais, trazem à luz Constituições cujo texto positiva os direitos fundamentais e sociais. Esse conjunto de fatores redefine a relação entre os Poderes do Estado, passando o Judiciário (ou os tribunais constitucionais) a fazer parte da arena política, isto porque o Welfare State lhe facultou o acesso à administração do futuro, e o constitucionalismo moderno, a partir da experiência negativa de legitimação do nazifacismo pela vontade da maioria, confiou à justiça constitucional a guarda da vontade geral, encerrada de modo permanente nos princípios fundamentais positivados na ordem jurídica.

Uma circunstância, no entanto, é crucial, quando o juiz é “obrigado a ser

livre”, que ocorre no caso dos catálogos dos direitos fundamentais do homem. Elevados ao

plano constitucional, eles impõem aos tribunais a tarefa de fazer atuar, tendo em vista colocá-

los em efetivo uso. Como são formulados em termos de valor – liberdade. Dignidade,

igualdade, justiça – e conceitos vagos como “tratamento igual”, tornam-se terreno fértil para

ambigüidades, corroborando, portanto, para expandir o âmbito do direito judiciário e

proporcionar a criatividade do juiz. 241

A interferência do poder judiciário na formulação de políticas pode ocorrer,

tanto devido à promoção do juiz policy-marker (formulador de políticas) quanto à

compreensão pelo judiciário de que uma lei é inconstitucional, e , também, por causa de

demandas sociais requeridas, muitas vezes, em defesa da política de direitos de minorias

frente a decisões majoritárias. 242

241 AGUIAR, Thais Florêncio. A judicialização da política ou o rearranjo da democracia libera. ; ponto-e-vírgula, 2: 142-159, 2007. Disponível em: http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n2/pdf/11-thais.pdf. Acesso em 30/08/2008.

242 AGUIAR, Thais Florêncio. loc. cit.

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Gisele Cittadino243 assevera que,

É importante ressaltar, em primeiro lugar, que esse processo de “judicialização da política” – por mais distintas que seja as relações entre justiça e política nas democracias contemporâneas – é inseparável da decadência do constitucionalismo liberal, de marca positivista, exclusivamente voltado para a defesa de um sistema fechado de garantias da vida privada.

Continua Cittadino,244 dizendo que:

Em segundo lugar, ainda que o processo de judicialização da política possa evocar um vinculo entre “força do direito” e “fim da judicialização da política – ou seja, a idéia de que as democracias marcadas pelas paixões políticas estariam sendo substituídas por democracias mais jurídicas, mais reguladoras -, é preciso não esquecer que a crescente busca, no âmbito dos tribunais, pela concretização de direitos individuais e/ou coletivos também representa uma forma de participação no processo político. Finalmente, é importante considerar que se a independência institucional do Poder Judiciário tem como contrapartida a sua passividade – o juiz só se manifesta mediante instituições políticas e não podem deixar de dar alguma resposta às demandas que lhe são apresentadas.

Para uma melhor compreensão do fenômeno da judicialização política,

cumpre tomar como base dois eixos analíticos, quais sejam: o eixo procedimentalista,

defendido por Habermas245 e Gaparon246 e o eixo substancialista de Cappeletti,247 Dworkin 248

e no Brasil por juristas como Paulo Bonavides, Celso Antonio Bandeira de Mello, Eros Grau,

243 CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. ALCEU, v-5 – n. 9- p. 105 a 113 – jul./dez. 2004. Disponível em: < http://publique.rdc.puc-rio.br/revistaalceu/media/alceu_n9_cittadino.pdf> Acesso em: 28 de agosto de 2008.

244 Ibidem, loc.cit. 245 Consultar, para tanto, Habermas, Jürgen. Direito e Democracia – entre facticidade e validade, Vol.I e II, especialmente p. 297 e segs. (I) e 123 e segs. E (II). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 246 Consultar Garapon, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. 2 ed. Rio de Janeiro : Revan, 2001. 247 Consultar Cappelleti, Mauro. Juízes Legisladores. Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1999 248 DOWORKIN, Ronald. O império do Direito.Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo : Martins Fontes, 2003.

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Fábio Comparato, entre outros.249 Também se pode citar como defensor das teorias materiais-

substanciais Lenio Luiz Streck.250

3.2.1. Eixo procedimentalista - formação da vontade política

Advogando um Judiciário com poderes mais limitados em respeito aos

processos democráticos, os adeptos dessa corrente alegam que os tribunais apresentam sérias

dificuldades para atuar de forma a reconhecer e decidir acerca dos conflitos sociais; que os

canais políticos apresentam-se mais efetivos à necessidade de reformas sociais do que o

Judiciário.

Entende que o incremento do controle judicial prejudica o exercício da

cidadania ativa, pois envolve postura paternalista que favorece a desagregação social e o

individualismo, dado que o indivíduo, enquanto simples sujeito de direitos, fica totalmente

dependente (à mercê) do Estado.251 “Torna-se um modesto cidadão-cliente do Poder

Judiciário, e não um agente capaz de participar na formação da vontade política do Estado –

participação e comunicação democrática.”252

De acordo com esse eixo, a igualdade, ao reclamar mais Estado em nome da

justiça distributiva, patrocina a privatização da cidadania – a invasão da política pelo direito,

249 Os autores brasileiros que defendem a corrente substancialista são citados por Streck, Lenio Luiz, na sua obra: Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004 na página 41. 250 Na sua obra Verdade e Consenso indica sua posição ao afirmar que: “Alinho-me, pois, aos defensores das teorias materiais-substancialistas da constituição, porque trabalham com a perspectiva de que a implementação dos direitos e valores substantivos afigura-se como condição de possibilidade da validade da própria Constituição, naquilo que ela representa de elo conteudístico que une política e direito.”( STRECK, Lenio Luiz.Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006, 14.) 251 VERBICARO, Loiane Prado. A Judicialização da Política á luz da Teoria De Ronald Dworkin. Google, 2008. Disponível em: < http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Loiane%20Prado%20Verbicaro.pdf> . Acesso em: 15/05/2008. 252 Ibidem, loc.cit.

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mesmo que reclamada em nome da igualdade, levaria à perda da igualdade. 253 O gigantismo

do Poder Judiciário tem como conseqüências a estatização dos movimentos sociais; a

decomposição da política e a judicialização da mesma, o que desestimula um agir orientado

por fins cívicos; tornando-se o juiz e a lei as únicas referências para os indivíduos.254

Sob essa perspectiva de análise, para que os cidadãos tornem-se autores e

não meros destinatários do direito, não se torna premente o intermédio do Judiciário, mas a

criação ou conquista de canais comunicativos que proclamem o poder democrático do povo.

A Constituição deve, de acordo com esse aspecto, apenas garantir a existência de meios e

procedimentos para que os indivíduos identifiquem e busquem acesso ao próprio direito.

Seus princípios não devem, portanto, expressar conteúdos substantivos, eis que lhe cabe

somente instrumentalizar os direitos de participação e comunicação democrática.

Desta forma, o controle de constitucionalidade seria necessário somente para

os casos que tratem do procedimento democrático e da forma deliberativa da formação da

vontade política.255 Sob tal enfoque, não incumbiria ao judiciário dizer sobre o que decidir

(conteúdo), mas apenas como decidir (garantia de procedimentos para a ampla deliberação

democrática), para que os cidadãos decidam, eles próprios, como lhes convier.

Habermas256 denomina juridificação da política ou positivação do direito

natural, como uma espécie de concentração do direito nas esferas da vida social (fato típico do

Estado de Bem-Estar Social), tem lugar então a judicialização da política como resultado da

interpretação das cortes judiciais sobre as políticas legislativas ou executivas do Estado,

253 OLIVEIRA, Vanessa Elias; CARVALHO, Ernani. Judicialização da Política: um tema em aberto. Google.Disponível em: < www.politicahoje.com/ojs/include/getdoc.php?id=352&article=101&mode=pdf&OJSSID=75ebe90aa8987c...> Acesso em: 30/05/2008. 254 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELLO, Manuel Palacios Cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. Judicialização da políticas e das relações sociais no Brasil.Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 24. 255 VERBICARO, Loiane Prado. A Judicialização da Política á luz da Teoria De Ronald Dworkin. Google, 2008. Disponível em: < http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Loiane%20Prado%20Verbicaro.pdf> . Acesso em: 15/05/2008. 256 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e validade. V. I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 48

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interpretações essas que só têm lugar porque o sistema democrático permite essas

provocações interpretativas sobre as leis erigidas.

As tarefas de resposta do Estado face aos embates jurídicos crescentes sobre

direitos também alcançam aumento de reflexibilidade, uma vez que os métodos judiciais

padrões de resolução dos conflitos introjetados nas esferas da vida social despertam o

interesse de grupos ávidos por garantir conquistas e demandar novos interesses políticos,

tomando assim “o mundo da vida’ não somente juridificado ou positivado, mas também

tensamente judicializado.

Nesse eixo procedimentalista, representado por Habermas e Garapon, há uma

compreensão de que a invasão da política pelo direito, mesmo que reclamada em nome da

igualdade, levaria à perda da liberdade. 257

De acordo com Garapon, 258 a judiciliação da política e do social seria um

indicador de que a justiça teria se tornado um “último refúgio de um ideal democrático

desencantado”. Assim, a explosão do número de processos é um fenômeno social, e não

jurídico, e o juiz assume o papel de “terapeuta social”.

Antoine Garapon 259 assevera ainda que:

O juiz surge como um recurso contra a implosão das sociedades democráticas que não conseguem administrar de outra forma a complexidade e a diversificação que elas mesmas geraram. O sujeito, privado das referencias que lhe dão uma identidade e que estruturam sua personalidade, procura no contato com a justiça uma muralha contra o desabamento interior. Em face da decomposição do político, é então ao juiz que se recorre para a salvação. Os juízes são os últimos a preencher uma função de autoridade – clerical, quase que parental – abandonada pelos antigos titulares.

Garapon demonstra em “O Juiz e a democracia”, que a influência crescente

que a justiça exerce sobre a sociedade francesa e a crise de legitimidade que assola as

257 Lenio Streck nos coloca que Habrmas “critica com veem~encia a invasão da política e da sociedade pelo Direito.” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 41) 258 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. 2 ed. Rio de Janeiro : Revan, 2001, p. 26. 259 Ibidem, p. 27.

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democracias ocidentais são partes de um processo de mudança social.260 O aumento da

influência do Poder Judiciário estaria relacionado com o enfraquecimento do Estado pelo

mercado e pelo desmoronamento simbólico do homem e da sociedade democrática.261

A brutal aceleração da expansão jurídica não é conjuntural, mas ligada á própria dinâmica das sociedades democráticas. Nós não nos tornamos mais litigantes porque as barreiras processuais caíram. A explosão do número de processos não é um fenômeno jurídico, mas social. Ele se origina da depressão social que se expressa e se reforça pela expansão do direito.262

O aumento da litigância processual teria ligação com a plena condição do

individualismo capitalista e rompimento de laços sociais anteriores - família, igreja, Estado

provedor, etc. Correlatamente a esse processo, vive-se a contratualização das relações

sociais, tornando-se o contrato peça fundamental em todas as instâncias de regulação da vida

humana. Tudo o que antes que era controlado pela relação inter-pessoal passa a ser regido por

um contrato jurídico. 263 Desse modo, o direito invade arenas que antes eram privativas de

outras instituições sociais. Outros fatores também são o pano de fundo desta situação e

influenciaram a ascensão do Judiciário, entre elas, a derrocada do mundo socialista, que pôs

fim à bipolarização geopolítica do mundo e a exaustão da soberania popular.

Para Garapon,264 a Justiça não buscou a situação de controle dos demais

poderes; isso se deu através de um processo político. Ou seja, “a interferência judiciária é um

fenômeno possibilitado, na prática, pelos políticos.265 O ato de legislar sofreu um processo de

inflação e isto tem reflexo imediato no judiciário, já que aumenta a área de atuação do mundo

260 OLIVEIRA, Vanessa Elias; CARVALHO, Ernani. Judicialização da Política: um tema em aberto. Google.Disponível em: < www.politicahoje.com/ojs/include/getdoc.php?id=352&article=101&mode=pdf&OJSSID=75ebe90aa8987c...> Acesso em: 30/05/2008. 261 Ibidem, loc.cit. 262 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Trad. Maria Luiza de Carvalho. 2 ed. Rio de Janeiro : Revan, 2001, p. 26. 263 GARAPON, ibidem, 144-145. 264 GARAPON, ibidem, p. 144-145. 265 OLIVEIRA, Vanessa Elias; CARVALHO, Ernani. Judicialização da Política: um tema em aberto. Google.Disponível em: < www.politicahoje.com/ojs/include/getdoc.php?id=352&article=101&mode=pdf&OJSSID=75ebe90aa8987c...> Acesso em: 30/05/2008.

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jurídico. 266 em outras palavras: a judicialização tem como uma de suas causas a

jurisdicização das relações sociais efetuada, em boa medida, pelo mundo político.267 O

cidadão individualizado não mais se envolve em questões de mobilização social e a justiça

torna-se um verdadeiro balcão de queixas sociais.268

Grandinetti de Carvalho e Bárbara Landa, 269 advertem que:

Habermas, em sua constante preocupação com a legitimidade das leis, vislumbra no processo de judicialização, o risco do surgimento de um cidadão-cliente, distante da vida associativa e dos mecanismos tradicionais de solução de conflitos, representados pela discussão das questões em associações civis, condomínios, escolas, igrejas ou mesmo partidos políticos. O indivíduo socialmente perdido, isolado em suas expectativas, deposita na justiça suas derradeiras esperanças, vítima de uma cidadania passiva, socialmente funesta.

Habermas270 sustenta a sua tese procedimental, com a sua “teoria do

discurso”, afirmando, que só tem legitimidade o direito que surge da formação discursiva da

opinião e da vontade dos cidadãos que possuem os mesmos direitos. Nesses casos, é preciso

que os cidadãos não possuam os mesmos direitos efetivamente, mas que tenham as mesmas

condições de exercício destes direitos.271

266 OLIVEIRA, Vanessa Elias; CARVALHO, Ernani. Judicialização da Política: um tema em aberto. Google.Disponível em: < www.politicahoje.com/ojs/include/getdoc.php?id=352&article=101&mode=pdf&OJSSID=75ebe90aa8987c...> Acesso em: 30/05/2008. 267 Ibidem, loc.cit. 268 Ibidem, loc.cit. 269 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, GONÇALVES, Bárbara de Landa. Breves reflexões sobre a ampliação do acesso à justiça e suas repercussões no perfil dos julgadores: a criatividade judicial, p. 10. 270 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre a facticidade e validade. V. I Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. 271 Lenio Streck esclarece dizendo que “Habermas propõe um modelo de democracia constitucional que não se fundamenta nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião e da vontade e que exige uma identidade política não mais ancorada em uma “nação de cultura”, mas, sim, em uma nação de cidadãos”.(...) Prossegue dizendo que: “ Habermas propõe, pois, que o Tribuna Constitucional deve ficar limitado à tarefa de compreensão procedimental da Constituição, isto é, limitando-se a proteger um processo de criação democrática do Direito.O Tribunal ConstitucionL Nõ deve ser guardião de uma suposta ordem suprapositiva de valores substanciais. Deve, sim, zelar pela garantia de que a cidadania disponha de meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos seus problemas e a forma de sua solução.” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 43-44).

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Para o autor supramencionado, não basta que, tal como no positivismo

jurídico, o direito tenha sido criado em respeito ao procedimento previsto na Constituição

para ser legitimo. A legitimidade do direito, para este autor, está atrelada ao princípio

democrático e, para que o mesma seja observado, os destinatários devem agir como autores

desse direito, de forma a haver maior legitimação e aceitação do direito imposto, e menos

conflitos na sociedade.272

Segundo Habermas273:

De acordo com o princípio do discurso, podem pretender validdae as normas que poderiam encontrar o assentimento de todos os potencialmente atingidos, na medida em que estes participam de discursos racionais. Os direitos políticos procurados t~em que garantir, por isso, a participação em todos os processos de deliberação e de decisão relevantes para a legislação, de modo que a liberdade comunicativa de cada um possa vir simetricamente à tona, ou seja, a liberdade de tomar posição em relação a pretensão de validade criticáveis.

Desse modo, a democracia procedimental condiciona a “legitimidade”

democrática à realização de um processo público de deliberação, aberto a todos e realizado de

maneira razoável e racional.

Não se pode olvidar que Habermas274 defende uma concepção procedimental

de jurisdição constitucional como forma de cumprimento do princípio democrático, que, para

ele, significa “uma concepção eminentemente procedimental de democracia; ou seja, valoriza

os meios procedimentais democráticos, independentemente dos resultados a serem obtidos.

De acordo a concepção procedimentalista, Habermas275 diz que: a função do

poder judiciário não é ser o “guardião da justiça”, o intérprete privilegiado dos “valores

expressos na constituição”.276 O modelo seria formal, então, apenas no sentido de que se

deveria limitar a garantir as condições necessárias a fim de que a cidadania disponha dos

meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos seus problemas e a forma de

272 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:entre facticidade e validade, v. I, p. 157. 273 HABERMAS, ibidem, p. 164. 274 HABERMAS, ibidem. 275 HABERMAS, Jürgen. Ibidem, p. 301. 276 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 44.

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sua solução. A função da Corte Constitucional, originária ou não do Poder Judiciário, seria de

zelar pelo respeito aos procedimentos democráticos para a formação da opinião e da vontade

política, a partir da própria cidadania, e não a de se arrojar o papel de legislador político.277

Habermas278 entende que o direito produzido por intermédio do processo

efetivamente democrático, da teoria do discurso, não poderia ter sua legitimidade questionada

na via judicial, cabendo à mesma instância democrática aferir eventual incompatibilidade da

norma produzida, 279 defendendo que “o controle abstrato de normas é função indiscutível do

legislador, devendo-se reservar essa função, mesmo em segunda instância, a um autocontrole

do legislador, o qual pode assumir as proporções de um processo judicial.

O pensador acima mencionado reconhece que a sociedade moderna é

plural280, e, tendo em vista essa pluralidade, muitas vezes, fica difícil obter consenso racional

sobre valores ou uma idéia de direitos comum a todos. Entretanto, o que se busca é um

acordo moral, no qual a sociedade aceita a regra como legitima por ter sido resultante de um

procedimento democrático. 281

Habermas282 parte da constatação do pluralismo presente nas sociedades

contemporâneas, e da dificuldade de se obter um consenso com toda essa diversidade de

culturas e concepções individuais presentes. Sob essa premissa, opta pela garantia do

“processo comunicativo” por meio de regras de procedimentos; ou seja, pela racionalidade

277 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 44. 278 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:entre facticidade e validade, v. I, p. 301. 279 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. A LEGITIMIDADE Democrática da jurisdição constitucional na realização dos direitos fundamentais sociais. Dissertação (mestrado) – Pontifica Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005.Disponível em < http://www.biblioteca.pucpr.br/tede//tde_arquivos/1/TDE-2006-01-11T124244Z-268/Publico/Estefania%20Dto.pdf>. Acesso em: 20/05/2008. 280 “A multiplicidade de valores culturais, visões religiosas de mundo, compromissos morais, concepções sobre a vida digna, enfim, isso que designamos por pluralismo, a configura de tal maneira que não nos resta outra alternativa senão buscar o consenso em meio da heterogeneidade, do conflito e da diferença”. (CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva: Elementos da Filosofia. Constitucional Contemporânea. 3.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2004, p. 78.) 281 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. A LEGITIMIDADE Democrática da jurisdição constitucional na realização dos direitos fundamentais sociais. Dissertação (mestrado) – Pontifica Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005.Disponível em < http://www.biblioteca.pucpr.br/tede//tde_arquivos/1/TDE-2006-01-11T124244Z-268/Publico/Estefania%20Dto.pdf>. Acesso em: 20/05/2008. 282 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:entre facticidade e validade, v. I, p. 326

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presente na deliberação pública, os cidadãos, mesmo que não vejam seus interesses ali

representados, aceitam racionalmente o direito deliberado de forma racional e pública.

Destarte, apesar de não aceitar intervenção da jurisdição constitucional sobre

os valores substantivos de uma sociedade, acolhe sua intervenção para garantia do

procedimento de deliberação, protegendo os direitos políticos dos cidadãos.

Jürgen Habermas283 também acolhe o papel da jurisdição constitucional na

proteção dos direitos fundamentais, essenciais para o processo democrático, razão porque,

nestes casos, o Judiciário teria o poder de limitar a vontade da maioria para salvaguardar o

exercício da democracia.

Nas palavras de deste autor:

Somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram legitimidade do direito. Partindo dessa compreensão democrática, é possível encontrar um sentido para as competências do tribunal constitucional, que corresponde à intenção da divisão de poderes no interior do Estado de direito: o tribunal constitucional deve proteger o sistema de direitos que possibilita a autonomia privada e pública dos cidadãos. (...) Por isso, o tribunal constitucional precisa examinar os conteúdos de normas controvertidas especialmente no contexto dos pressupostos comunicativos e condições procedimentais do processo de legislação democrático. Tal compreensão procedimentalista da constituição imprime uma virada teórico-democrática ao problema de legitimidade do controle jurisdicional da constituição.

Cabe salientar, entretanto, que a teoria de discurso de Habermas não é

imaginada em condições concretas. Trata-se de idéia reguladora, a ser exercida numa

sociedade democrática avançada, porque, para aceitar racionalmente as condições do discurso

deliberativo, é necessário que os atores e os cidadãos, os quais se submeterão às leis tenham

iguais condições intelectuais, como forma de se ter uma efetiva legitimidade.

Importante, aqui, refletir sobre a posição de Lenio Luiz Streck 284 a respeito:

Este parece ser um dos problemas fundamentais da tese procedimentalista: subestimar a questão da diferença ontológica, com todas as conseqüências que isso venha a ter, conforme é possível perceber no decorrer destas reflexões. É

283 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia:entre facticidade e validade, v. I, p. 326. 284 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, P. 172-173.

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evidente que o procedimentalismo, entendido como superação de modelos já realizados, assume proporções fundamentais nas democracias onde os principais problemas de exclusão social e dos direitos fundamentais foram resolvidos. Parte, implicitamente, do pressuposto de que a etapa do Welfare State foi realizada e, com isso, pressupõe sociedades com alto grau de emancipação social e autonomia dos indivíduos. Em Habermas fica claro que uma comunicação sem constrangimento nem distorção pressupõe uma sociedade definitivamente emancipada, com indivíduos autônmos.

A atuação engajada dos indivíduos, proposta por Habermas, como sujeitos

construtores da formação da vontade política, requer uma prévia cultura de liberdade capaz

de produzir democraticamente o consenso – o que dificilmente se verifica nas sociedades

contemporâneas, principalmente nos países capitalista periféricos. 285

3.2.2. Eixo substancialista – Judiciário mais participativo

De acordo com o eixo substancialista, as novas relações entre direito e

política – aumento da área de atuação do mundo jurídico sobre o político – seriam tomadas

como inevitáveis e favoráveis ao enriquecimento da agenda igualitária, sem prejuízo da

liberdade. 286

285 Lenio Luiz Streck questiona a proposta procedimentalista de Habermas em face de peculiaridades brasileiras. A proposta de Habermas visa não a apenas a institucionlazação legítima do direito – em seu âmbito interno – mas uma legitimidade com justificação moral. Esta, por sua vez, só pode ser alcançada por meio de um agir comunicativo que pressupõe condições de fala e sujeitos autônomos. Aliás, a própria autonomia privada, isto é, de sujeitos singulares, constitui preocupação para Habermas. Em face disso Streck questiona “ Como ter cidadãos plenamente autônomos, como Habermas propugna, se o problema da exclusão social não foi resolvido? Como ter cidadãos plenamente autônomos se suas relações estão colonizadas pela tradição que lhes conforma o mundo da vida?”(grifos do autor), segue o autor indagando “ Pode uma eleição ser justa, se uma grande parte do eleitorado carece de instrução necessária para compreender s principais linhas do debate político Streck responde tal questionamento de forma negativa a tais perguntas,uma vez que, não há na obra de Habermas reflexões sobre o modelo brasileiro ou mesmo considerações sobre se sua teoria pode ou não ter perspectivas em outros modelos. ?( STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 174.) 286 VERBICARO, Loiane Prado. A Judicialização da Política á luz da Teoria De Ronald Dworkin. Google, 2008. Disponível em: < http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Loiane%20Prado%20Verbicaro.pdf> . Acesso em: 15/05/2008.

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Esse novo papel do Judiciário e a incursão do direito nas sociedades

contemporâneas indicam extensão da tradição democrática a setores ainda pouco integrados

à sua ordem. 287 288

O Judiciário, segundo a proposta substancialista, pode contribuir para o

aumento da capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a grupos marginais

a possibilidade de expressar suas insatisfações e anseios.289

Sob esse prisma, tocaria à Constituição a positivação do ideal de Justiça,

cuja implementação pelo Judiciário transformaria progressivamente a sociedade e as

instituições, conduzindo-as à concretização dos direitos dos cidadãos e ao exercício da

democracia.

Para os substancialistas (eixo analítico que preconiza um Judiciário mais

participativo nas democracias contemporâneas), esse controle do Judiciário auxilia no

restabelecimento de um sistema de valores democráticos, por ser mais um nível de acesso às

instâncias do poder. Oportuniza-se, desta forma, um espaço ao pluralismo, mediante o

amplo acesso ao Judiciário, o que garante que grupos marginais – sem representatividade

política – questionem e influam acerca das decisões políticas. Fomenta-se, dessa forma, a

democracia por intermédio da atuação do Poder Judiciário. 290

287 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELLO, Manuel Palacios Cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. Judicialização da políticas e das relações sociais no Brasil.Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 32. 288 “ das múltiplas mutações, a um tempo institucionais e sociais, têm derivado não apenas um novo padrão de relacionamento entre os poderes, como também a conformação de um cenário para a ação social substitutiva a dos partidos e das instituições políticas propriamente ditas, no qual o Poder Judiciários surge como uma alternativa para a resolução de conflitos coletivos, para agregação do tecido social e mesmo para a adjudicação da cidadania, tema dominante na pauta da facilitação do acesso à justiça.” ( VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELLO, Manuel Palacios Cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. Judicialização da políticas e das relações sociais no Brasil.Rio de Janeiro: Revan. 1999, p. 22.)

289 O Judiciário, segundo a proposta substancialista, pode contribuir para o aumento da capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a grupos marginais a possibilidade de expressar suas insatisfações e anseios.( VERBICARO, Loiane Prado. A Judicialização da Política á luz da Teoria De Ronald Dworkin. Google, 2008. Disponível em: < http://conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Loiane%20Prado%20Verbicaro.pdf> . Acesso em: 15/05/2008.)

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Esse eixo associado as obras de CAPPELLETTI e DWORKIN291, afirma que

as novas relações entre direito e política seriam tomadas como inevitáveis e favoráveis ao

melhoria da agenda igualitária, sem prejuízo da liberdade.

Para o eixo substancialista, o Judiciário adota nova inserção na relação entre

os três poderes, transcendendo as funções de checks and balances, mas sempre com

referência à história e ao mundo empírico. 292 Esse Poder deve avocar o papel de intérprete

que evidencia a vontade geral, implícita no texto constitucional.

CAPPELLETTI293, ao tratar da legitimidade democrática da criação

jurisprudencial, garante que a idéia de representatividade plena por parte dos poderes

políticos seria uma utopia e que os tribunais podem contribuir para a representatividade do

sistema político ao possibilitar amplo acesso ao processo judicial.

Este fenômeno, visto como uma tendência universal reflete a expansão do

Estado em todos os seus ramos: executivo, legislativo e judiciário, ou melhor, “na verdade, a

expansão do papel do judiciário representa o necessário contrapeso, segundo, um sistema

democrático de “checks and balances”, à paralela expansão dos “ramos políticos” do Estado

moderno. ”294

291 “...advogando a tese substancialista, Cappelletti diz que o Poder Judiciário pode contribuir para o aumento da capacidade de incorporação do sistema político, garantindo a grupos marginais, destiruídos dos meios para acessar os poderes políticos, uma oposrtunidade para a vocalização das suas expectativas e direito no processo judicial. Embora classificável como defensor de uma posição liberal-contratualista, Dworkin se aproxima, em alguns pontos, dessa posição, entendendo que a criação jurisprudencial do direito também encontraria o seu fundamento na primazia da Constituição.” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, 45).

292 OLIVEIRA, Vanessa Elias; CARVALHO, Ernani. Judicialização da Política: um tema em aberto. Google.Disponível em: < www.politicahoje.com/ojs/include/getdoc.php?id=352&article=101&mode=pdf&OJSSID=75ebe90aa8987c...> Acesso em: 30/05/2008. 293 CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores. Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1999, p. 19. 294 CAPPELLETI, ibidem, p. 92-107.

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Com relação aos substancialistas, aduz o jurista gaúcho Lenio Luiz Streck295:

Em síntese, a corrente substancialista entende que, mais do que equilibrar e harmonizar os demais Poderes, o Judiciário deveria assumir o papel de um intérprete que põe em evidencia, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente.

CAPPELLETTI 296 assevera que o juiz, mesmo sendo chamado para

interpretar e quando “cria” novo direito, não está legislando, portanto, não afronta a

democracia representativa, nem tampouco, invade o domínio do Poder Legislativo.

Nesta linha de raciocínio, é possível dizer que o fundamento da

judicialização da política reside no primado da supremacia da Constituição. Destarte, o

Judiciário, quando atua no âmbito político, não invade a esfera de outros poderes, mas apenas

garante a respeitabilidade à Constituição.

Nas palavras de Piero Calamandrei, 297

La transformación de la política em derecho es realizada de vez em cuando por el juez para el caso particular, como lex especiales, y no anticipadamente por el legislador, constituyendo lo que la teoría ha denominado la creación judicial del derecho, el “derecho libre”. Aquí verdaderamente sententia, como lo indica la etimología, deriva de sentimiento; la sentencia no es obra del intelecto y de la ciencia, consistente en conocer y declarar algo que ya existe, sino en la creación práctica, voluntad alimentada por le experiencia social, que impulsa al juzgador a la búsqueda de determinada utilidad política que dé satisfacción a la experiencia. Incluso cuando el juez busca la solución del caso particular guiándose por ciertas premisas de orden general, que siente como adquisición preexistente de la sociedad a que pertenece (la llamada equidad social), las encuentra en su conciencia.

295 STRECK, Lenio Luiz.Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2006, 21. 296 Quando os juízes “... são chamados a interpretar e, por isso, inevitavelmente a esclarecer, integrar, plasmar e transformar, e não raro a criar ex novo direito. Isto não significa, porém, que sejam legisladores...” (CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores. Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1999, p. 74.) 297 CALAMANDREI, Piero. Processo y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos Aires : Ediciones Jurídicas Europa-America, 1996, p. 67.

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Piero Calamandrei298,em outra oportunidade da sua obra, reporta-se à

sentença, dizendo que:

Podemos, por tato, concluir que reducir la función del juez a una simples actividad de hacer silogismo significa empobrecerla, hacerla estéril, disecarla. La justicia es algo mejor: es la creación que emana de una conciencia viva, sensible, vigilante, humana. Es precisamente este calor vital, este sentido de continua conquista, de vigilante responsabilidad que es necesario apreciar e incrementar en el juez.

El peligro mayor que amenaza a los jueces en una democracia, y en general a todos los funcionarios públicos, es el peligro del hábito, de la indiferencia burocrática, de la irresponsabilidad anónima.

No direito pátrio, a Constituição de 1988 é a grande responsável por essa

nova era, criadora de sentimento capaz de superar o histórico desprezo autoritário pelas leis

fundamentais. Com efeito, em todos os aspectos, nos dias atuais, luta-se para que o serviço

público passe por revolução ditada pelo princípio da eficiência.

O advento da Constituição de 1988 exprime nova fase para o juiz. A Carta

Magna constrói novo ciclo, ainda em andamento, o da politização judicial. É importante

trazer a lume as novas contingências com as quais o juiz se depara na dita “pós-

modernidade”, quando se abrem novos desafios aos juizes e ao Judiciário.

A “pós-modernidade” resulta da consolidação do capitalismo no final do

século passado. Desse modo, de forma ampla, pode ser identificada com: (1) a economia

global; (2) o fim dos grandes ideais políticos; (3) o Estado mínimo; (4) a miséria cultural; (5)

a crescente importância do conhecimento tecnológico; (6) a crise das relações de trabalho; (7)

o individualismo exacerbado; (8) a instabilidade econômica; (9) o abrandamento dos fins

sociais do Estado; (10) o fortalecimento do mercado financeiro e das grandes corporações e

(11) o consumismo. 299

298 CALAMANDREI, Piero. Processo y democracia. Trad. Hector Fix Zamudio. Buenos Aires : Ediciones Jurídicas Europa-America, 1996, p.80-81. 299 MAGALHÃES, Fernando. Tempos Pós-Modernos. São Paulo: Cortez, 2004.

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Pode-se dizer, num primeiro momento, que a “pós-modernidade” restabelece

o subjetivismo, consequentemente, surge uma coletividade desprovida de perspectivas e

identidade, cujos desejos dispersos migram em direção tresloucada. 300

O exacerbado individualismo, aliado ao declínio do Estado Social, revigora

uma coletividade carente de decisões políticas, razão pela qual já se fala em politização do

judiciário e judicialização da política.301

Devido ao enfraquecimento do Estado, diante da tendência neoliberal, torna-

se mais robusta e cruel a concentração de desigualdades sociais, principalmente nos países

pobres, o que provoca alienações e incongruências no espaço público.

A questão que se sobrepõe é saber se o juiz e o Judiciário estão preparados

para este novo século chamado “pós-moderno”, uma vez que o estigma de que o juiz “é um

homem só”302, encontra-se superado. Hoje, o juiz, ao julgar, deve ser consciente de seu

papel, deve participar da sociedade, devendo realizar a sua função social303; ou seja,

desprendendo-se da literalidade do texto legal.

Ademais, no final do século XX, a normatização dos princípios no seio das

constituições abona o surgimento do paradigma pós-positivista, fato que procura evitar a

figura autônoma de um juiz subjetivista (parcial) e, ao mesmo tempo, vem abolir as limitações

do positivismo legalista. Os princípios constitucionalizados conduzem o pensamento jurídico

a uma teoria substancial e não meramente formal do Direito. 304

300 ATAÍDE, Fábio Wellington. O juiz. Retrospectiva e Perspectivas. Diginet, 2008. Disponível em: < http://fabioataide3.blog.digi.com.br/artigos-juridicos/>. Acesso em: 12/08/2008. 301 Ibidem, loc. cit. 302CARVALHO, Amilton Bueno de. Magistratura e Direito Alternativo. São Paulo: Acadêmica, 1992, p. 31. 303 FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiç”. São Paulo: Malheiros, 1998, p.26. 304 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1998.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7a. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 256

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Agora, o juiz substancialista-garantista sujeita-se à Constituição,

consolidando postura crítica em relação à lei, 305 porquanto as antinomias legais somente são

removíveis pela lógica aplicada do cientista. 306

Como a Justiça de uma sociedade atual complexa impõe um valor dúbio, que

vai divergir entre os distintos grupos sociais, os textos legais apresentam-se discrepantes da

mesma maneira. A linguagem legislativa, eminentemente técnica, reflete a heterogeneidade

da formação ideológica dos parlamentares, o que, naturalmente, produz ambivalências.307

Nesse espaço cabe ao juiz, para responder a responsabilidade de distribuir o direito,

interpretar a lei dentro de uma harmonia sistêmica, adequando-a aos valores superiores do

ordenamento, sempre atento à realidade circundante.

Diante de tamanhos e tão complexos desafios, os magistrado precisam de

constante atualização e formação interdisciplinar.308 Também é imprescindível prepará-lo

para os novos tempos, que somente se obterá quando abertas as possibilidades para o

equacionamento das seguintes questões elementares: 1. Adoção ampla de meios alternativos

de solução conciliatória de conflitos no âmbito do primeiro e do segundo grau; 2. Inclusão

social pelo judiciário; 3. Adoção de métodos de abreviação de procedimentos; 4. Ampliação

de novas tecnologias nos processos judiciais. 309

Eduardo Bittar310 é categórico em afirmar que

quando se tem no Poder Judiciário um dos três Poderes equilibradamente capaz de realizar justiça, tem-se nele um recurso para salvaguarda de direitos garantidos legal e constitucionalmente; quando o próprio Poder Judiciário passa a sofrer de patologias próprias (carência orçamentária, número excessivo de processos, carência de funcionários e de juízes, falta de pagamento de salários e aumentos aos seus quadros humanos, falta de preparo e investimento nos juízes, concursos públicos e provas formalistas e legalistas, bloqueios financeiros para o acesso à justiça, obstáculos processuais e recursais para o atendimento das demandas sociais, ineficiência

305 STRECK, Lenio Luiz. “Hermenêutica Jurídica e(em) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito”. 6ª. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 49. 306 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17 ed., Paulo: Saraiva, 2005, p. 11-13. 307 CARVALHO, Paulo de Barros. Ibidem, p.5. 308 ATAÍDE, Fábio Wellington. O juiz. Retrospectiva e Perspectivas. Diginet, 2008. Disponível em: < http://fabioataide3.blog.digi.com.br/artigos-juridicos/>. Acesso em: 12/08/2008. 309 Ibidem, loc. cit. 310 BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro : Forense, 2005, p. 240.

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burocrática...) tem-se o total desmantelamento no funcionamento da justiça e da legalidade como um todo no país.

O que se verifica de fato é que houve alteração drástica no ambiente em que

a atividade jurisdicional é exercida. A realidade é cada vez mais complexa: as relações

jurídicas se multiplicam, a produção normativa tem aumentado consideravelmente em volume

e complexidade, em paralelo à explosão de litigiosidade. Tudo isso faz aumentar o

protagonismo do judiciário.

3.3. A judicialização da política no Brasil

Nos moldes de uma concepção jurídico-formalista, os Poderes Executivo e

Legislativo devem sobrepor-se ao Judiciário no que diz respeito à formação de políticas

públicas e também no que concerne à organização e funcionamento do Estado, não sendo da

alçada do Judiciário, porquanto, a participação – legítima e democrática – em decisões

públicas. 311 Contudo, devido à complexidade do mundo contemporâneo, espera-se e exige-se

um Judiciário mais participativo, que seja capaz de decidir conflitos de diversas matizes que

surgem em sociedade – inúmeras questões de índole estritamente política são trazidas ao

exame do Poder Judiciário.312

Dito de outro modo, a ampliação do poder judicial é adquiriu grande

relevância no final do século passado. Diante desse fato, a grande maioria dos países

ocidentais democráticos adotou o Tribunal como mecanismo de controle dos demais poderes. 313 A inclusão dos Tribunais no cenário político implicou alterações na avaliação para a

311 CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores. Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 1999, p. 43 312 De acordo com teoria sistêmica elaborada por Luhman, o sistema político e o sistema jurídico apresentam códigos e programas específicos que lhes dão fechamento e operacionalidade próprios. Assim, a forma adotada de processamento desses sistemas proporciona resultados e interações sociais particulares – autonomia sistêmica – o que impede uma interação entre eles. Segundo esse pensamento, o sistema jurídico não tem , pois, capacidade para processar o político. ( LUHMAN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de janeiro : tempo Brasileiro, 1983.) 313 Ver MORAES, A. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais. São Paulo : Atlas,2000.

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implementação de políticas públicas; ou seja, o governo, além de negociar seu plano político

com o parlamento, teve que passar a se preocupar com seus deveres impostos pela

Constituição.

Como referido ao longo do capítulo, essa disposição institucional ocasionou

o desenvolvimento de um novo ambiente político, que possibilitou a participação do

Judiciário nos processos decisórios, ocupando lugar estratégico nos controle dos demais

poderes, principalmente do Executivo. No Brasil, este fenômeno, designado por

judicialização da política, fortaleceu-se com a promulgação da atual Constituição, que, além

de ampliar as possibilidades interpretativas, aumentou sobremaneira a importância do

Supremo Tribunal Federal nos processos de fiscalização abstrata de normas. 314

Em face dessa realidade, alteraram-se as funções clássicas dos juízes, que se

tornaram também responsáveis pelas políticas de outros poderes estatais, passando a orientar a

sua atuação no sentido a assegurar a integridade da Constituição e dos direitos dos cidadãos

nas democracias contemporâneas.

Analisando as teorias procedimentalistas e substancialistas, Lenio Streck315,

adverte que:

Importa ressaltar, entretanto, que, no plano do agir cotidiano dos juristas no Brasil, nenhuma das duas teses (procedimentalismo e substancialismo) é perceptível. Ou seja, se estamos longe da postura substancialista – e a prática nos tem demonstrado tal assertiva, em face da inefetividade da expressiva maioria dos direitos sociais previstos na Constituição e da postura assumida pelo Poder Judiciário na apreciação de institutos como o mandado de injunção, a ação de inconstitucionalidade por omissão, além da falta de uma filtragem hermenêutico-constitucional das normas anteriores a Constituição -, por outro lado também não se pode afirmar que convivemos com uma prática procedimentalista do tipo proposto por Habermas.

314 CARNIELE, Eduardo Vieira. Judicialização da Política: Uma Análise da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a Participação da Comunidade de Intérpretes da Constituição nos Processos de Fiscalização Abstrata de Normas. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Teoria de Estado e Direito Constitucional, 2006. Disponível em: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/PRG_0599.EXE/8535_1.PDF?NrOcoSis=25195&CdLinPrg=pt. Acesso em: 15/08/2008. 315 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, 51.

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Segundo Luiz Werneck Vianna... [et al], 316 a crescente judicialização da

política no Brasil tem sido produto de três variantes:

1ª) o alargamento da ‘comunidade de intérpretes da Constituição’ (o art. 103

da CR/88 assegura ao Presidente da República, Procurador-geral da República, Mesas da

Câmara, do Senado Federal e das Assembléias Legislativas, partidos políticos, OAB e

Associações de trabalhadores e profissionais a possibilidade de proporem junto ao Supremo

Tribunal Federal Ações Diretas de Inconstitucionalidade para questionar a validade das leis);

2ª) a crise do Estado de Bem-Estar com a redução de direitos sociais;317 e

3ª) e a hipertrofia do Poder Executivo318 com a imposição de uma ‘ditadura

da maioria’.

Diante desse quadro, a ‘judicialização da política’ seria ‘um mero indicador

de que a justiça se teria tornado um último refúgio de um ideal democrático desencantado’,

indicando que a concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais não é apenas uma

obrigação moral dos Estados, mas um dever jurídico, na medida em que tem fundamento nos

pactos internacionais de proteção dos direitos humanos e na atual Constituição.

316 VIANNA, Luiz Werneck, CARVALHO, Maria Alice Resende de, MELLO, Manuel Palacios Cunha e BURGOS, Marcelo Baumann. Judicialização da políticas e das relações sociais no Brasil.Rio de janeiro: Revan, 1999. 317 Werneck Vianna, et al, assevera que: “a crise do Welfare State, cuja resposta radical se manifestou na emergência do neoliberalismo e suas intervenções no sentido de desregulamentar o mercado e recriar a economia como dimensão autônoma. As reformas neoliberais frouxam, quando não retiram de cena, as escoras que asseguravam direitos a amplos setores sociais, ao mesmo tempo em que provocam, inclusive pela reestruturação do sistema produtivo, o retraimento da vida sindical e da vida associativa em geral. Ao mundo da utopia do capitalismo organizado e do que deveria ser a da harmonia entre as classes sociais, induzida pela política e pelo direito, sucede uma sociedade fragmentada entregue às oscilações do mercado, onde o cimento das ideologias e da religião, mesmo o dos laços da família tradicional, perde força coesiva. Sem Estado, sem fé, sem partidos e sindicatos, suas expectativas de direitos deslizam para o interior do Poder Judiciário, o muro das lamentações do mundo moderno na forte frase de A. Garapon.” (VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 3.) 318 De acordo com Streck “É este, pois, o dilema: quanto mais necessitamos de políticas públicas, em face da miséria que se avoluma, mais o Estado, único agente que poderia erradicar as desigualdades sociais, se encolhe! “ Continua dizendo que: “ Tudo isso acontece na contramão do que estabelece o ordenamento constitucional brasileiro, que aponta para um Estado forte, intervencionista e regulador, na esteira daquilo que, contemporaneamente, se entende como Estado Democrático de Direito.” (STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 5 ed. Porto: Alegre: Livraria do Advogado, 2004, 27)

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Ademais, como lembra Paulo Bonavides,319 o Estado Social é, enfim, Estado

produtor da igualdade e não de e desigualdades sociais. Esse objetivo – promoção da

igualdade material – deve iluminar sempre a hermenêutica constitucional, em se tratando de

estabelecer equivalência de direitos. Por conseguinte, obriga o Estado, se for o caso, a

prestações positivas e a prover meios, se necessários, para concretizar os comandos

normativos de isonomia.

Cabe, pois, ao Judiciário, intervir para tornar concretos esses direitos e

impedir sua violação. Afinal, o Judiciário, em um Estado que se pretende democrático, não

pode ter sua atividade reduzida à mera aplicação do Direito posto, preexistente. Na verdade,

essa atividade é criativa e produtora de direito. 320

Em síntese, o papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito Social

não pode ser o mesmo que lhe foi atribuído na formulação clássica do Estado Liberal em que

o juiz era apenas a boca da lei, pois, no Estado Democrático Social, o juiz deve ser não apenas

a boca da lei, mas seu intérprete e concretizador.

Se os direitos sociais constituem obrigações assumidas pelos Estados,

inclusive quando firmam compromissos internacionais ao subscreverem os Pactos

Internacionais, a implementação concreta desses pode e deve ser acompanhada e fiscalizada

pelos órgãos do Poder Judiciário.

3.3.1. O Poder Judiciário: novos direitos e excessos de demandas

O Judiciário, como já foi dito anteriormente, do ponto de vista da teoria

clássica da divisão de poderes, foi concebido para dirimir questões entre particulares,

solucionando, especialmente, assuntos regidos pelo direito privado. O Estado liberal tinha

como ideal ser o simples guardião da sociedade, num tempo em que havia restrito número de

litígios entre ele e os indivíduos. Em face de reduzida atividade administrativa, raros eram os

319 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Malheiros. 2000, p.343. 320 Lembra Mauro Cappelletti que, do ponto de vista substancial, “não é diversa a ‘natureza’ dos dois processos, o legislativo e o jurisdicional.( CAPPELLETTI, Mauro. Juizes Legisladores? Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1999, p. 27.)

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dissídios. Poucas causas, relacionadas com a tutela das liberdades, configuravam as matérias

de direito público submetidas à apreciação judicial.

Contudo, na atualidade, muito embora as lides privadas ainda guardem seu

lugar na atividade jurisdicional, há crescimento extraordinário nas questões de direito público.

É possível verificar essa evolução, quando se observa a necessidade sentida pelo constituinte

desde 1988, de criar cinco tribunais Regionais Federais, cuja competência é,

predominantemente, relacionada a causas dessa natureza. Por igual, a instituição do Superior

Tribunal de Justiça, de modo a livrar o Supremo Tribunal Federal das lides versando matéria

infraconstitucional, para deixá-lo com a missão de guarda da constituição (art. 102, caput da

CF/88), liga-se ao aumento de conflitos discutidos sob o enfoque das normas

constitucionais321.

De acordo com Eugênio Facchini Neto tal fenômeno

321 Mesmo o STF tendo competência (art. 102, caput, CF/88) exclusiva para o julgamento de conflitos que violem normas constitucionais, na atualidade se vê sobrecarregado. De acordo com notícia publicada no dia 28/01/2008 - 07h00 - Atualizado em 07/02/2008, o STF julga mais de 100 mil casos por ano, sendo que o Ministro Marco Aurélio assim se manifesta “Entre os casos que chegam ao tribunal, estão canelada em sogra e furto de boné. 'Hoje não somos julgadores, somos estivadores' [...] Um homem é acusado de crime ambiental pela morte de um tatu, outro é condenado por lesão corporal por dar uma canelada na sogra, um comerciante agride uma senhora com uma vassoura. Casos como estes que poderiam ter sido facilmente resolvidos na delegacia mais próxima, foram parar na maior corte do país, o Supremo Tribunal Federal (STF). Assim como as ações curiosas, todos os dias o Supremo recebe um grande número de processos que não dizem respeito exatamente à principal função do tribunal: a de julgar os casos em que há violação da Constituição. No ano passado, chegaram ao tribunal quase 120 mil processos (119.957), dos quais 94,4% foram agravos de instrumento (50,4%) e recursos extraordinários (44%), isto é, recursos de outros tribunais que chegam ao STF.” Na mesma reportagem se manifestou o professor de direito constitucional da FGV Oscar Vilhena Vieira, que reuniu os dados a partir das estatísticas do STF diz que “Um tribunal que julga 120 mil casos por ano, não tem condição de dar importância devida aos casos mais importantes, está assoberbado. O STF julga uma quantidade enorme de habeas corpus, recursos contra autoridades, crimes cometidos por políticos, revisão de outros tribunais. Tudo isso poderia ser realizado por outras instâncias.”. Ainda o Ministro Marco Aurélio fala sobre a comparação que faz com os estivadores dizendo que “Você fica angustiado em conciliar celeridade com conteúdo. Você quer fazer uma reflexão, mas não pode deixar processo na prateleira para amadurecer a idéia. É vapt-vupt. Hoje não somos julgadores, somos estivadores”. Já, “por outro lado, Oscar Vilhena Vieira vê uma ‘concentração de poderes’ no STF. Para o especialista em direito constitucional, além da função natural de corte constitucional, o tribunal exerce hoje outras duas: a de foro especializado e de ‘xerife do Judiciário’”. Ou seja, “Todas as questões importantes no Brasil hoje tem a última palavra no Supremo. Se o país vai ter ou não estatuto do desarmamento, se pode ou não ter pesquisa com células troncos, etc. -o que não me parece uma coisa compatível com regime onde as pessoas é que tem que julgar o que se pode ou não fazer”. “Vieira e Antonio Carlos Mendes, da PUC-SP, apontam ainda a existência do foro privilegiado -instrumento legal pelo qual parlamentares só podem ser julgados pelo Supremo –como responsável pela sobrecarga de trabalho no tribunal. Casos como o do mensalão, diz Vieira, deveriam ser julgados por tribunais de primeira instância. “Quem tem que julgar se o fato é delituoso ou não são os tribunais de primeira instância. O STF não tem tempo disponível para verificar prova por prova do que a pessoa cometeu. Isso só favorece impunidade porque os crimes prescrevem.” (ARRAIS, Amauri. Sobrecarregado, STF julga mais de 100 mil casos por ano. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL275210-5601,00.html. Acesso em : 07 fev.. 2008.)

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é complexo e envolve uma extensa rede de explicações. Algumas delas são de ordem científico-culturais, tais como a superação do legalismo positivista, que identificava no legislador a verdadeira locomotiva do Direito, vendo no Juiz a figura montesquiana de mera ‘boca da lei’ (bouche de la loi), (sic) A crise da teoria das fontes acabou repercutindo enormemente na jurisdição, percebendo-se a inafastável criatividade do momento jurisprudencial da interpretação e aplicação da lei.322

Eugênio Facchini Neto acrescenta que o outro motivo é de ordem

sociológica,

em virtude de uma maior diversidade da extração social da magistratura, espelho de uma sociedade mais pluralista, ao contrário de um passado em que os integrantes do judiciário eram praticamente todos integrantes das classes social mais elevadas e que, por isso, compartilhavam os valores caros à manutenção da ordem estabelecida. Os juízes de hoje começam a ensaiar a possibilidade de serem porta-vozes não só da segurança dos que já têm, mas também da esperança dos muitos que ainda não têm , e que vêem no Judiciário uma possibilidade de acesso a certos direitos a prestação do Estado, enquanto cidadãos, e de fazer respeitar, pela sociedade, a sua dignidade enquanto seres humanos.”323

É comum a todas as democracias avançadas o aumento crescente do papel da

jurisdição. “Trata-se de um fenômeno conexo à expansão do papel do Direito enquanto

técnica de regulação dos poderes públicos, em razão do aumento da complexidade dos

sistemas políticos.”324

Fachini Neto325 salienta que “existem algumas razões que poderíamos

denominar de político-estruturais.” Que advém “... do aumento da importância do Poder

Judiciário no Estado e na sociedade contemporâneas.” 326 Esclarece ainda que duas são as

razões fundamentais para a atual expansão do papel do Direito e da jurisdição, deixando claro

que ambas são “estruturais e irreversíveis”, quais sejam:

322 FACHINI NETO, Eugênio. O Judiciário no Mundo Contemporâneo. AJURIS: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre : AJURIS. Ano XXXIV, n. 108, p. 139, dez. 2007. 323 FACHINI NETO, Eugênio. Ibidem, p. 139-140. 324 FACHINI NETO. Ibidem, p. 139. 325 FACHINI NETO, Eugênio. Ibidem, p. 140. 326 FACHINI NETO, Eugênio. Ibidem, p. 139-140.

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a mudança da estrutura do sistema jurídico ocorrida na segunda metade do século XX, com a sua evolução em direção ao Estado constitucional de direito; a mudança da estrutura do sistema político, em razão do desenvolvimento contemporâneo do Estado Social, com o incremento da intervenção do Estado na economia e na sociedade

Com simples pesquisa dos repertórios de jurisprudência, em particular, o do

Supremo Tribunal Federal, é possível verificar o elevadíssimo número de litígios de direito

público e, de modo particular, de direito constitucional. A revisão judicial da

constitucionalidade das leis e dos atos da Administração Pública e a tutela dos direito

individuais e sociais explicam esse volume de processos na área juspublicista.

Werneck Vianna et al 327 assevera que em países onde não há um Estado,

que se encontra sem fé, sem partidos e sindicalismo é automático que haja um “boom da

litigação”, trata-se, portanto, de um fenômeno mundial,

convertendo a agenda do acesso à Justiça em políticas públicas de primeira grandeza. Esse movimento, no seu significado e envergadura, encontrará antenas sensíveis nas instituições da democracia política, em particular no sistema de representação. Os políticos, diante da perda de eficácia e de abrangência dos mecanismos próprios ao Welfare, e igualmente conscientes da distância nas democracias contemporânea, entre representantes e representados, passam a estimular, pela via da legislação, os canais da representação funcional. Por meio de suas iniciativas, a Justiça se torna capilar, avizinhando-se da população com a criação de juizados de pequenas causas, mais ágeis e menos burocratizados.

Na atualidade, o Poder Judiciário passa a ser considerado um verdadeiro

contrapoder328 em relação aos outros Poderes, o que resulta da importância das tarefas de

controle jurídico que exerce sobre os demais, e também da quantidade de trabalho realizada.

327 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 3. 328 “E o Poder Judiciário se configura, em relação aos outros poderes do Estado, como um contrapoder, no duplo sentido que é atribuído ao controle da legalidade ou de validade dos atos legislativos assim como dos atos administrativos e à tutela dos direitos fundamentais dos cidadãos contra as lesões ocasionadas pelo Estado.” ( FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer et alii. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 465.)

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Passa a ser considerado “detentor da guarda e defensor da sociedade, contra os excessos e as

omissões dos Poderes políticos do Estado.”329 Tem por tarefas essenciais, nesse aspecto, a

defesa da integridade da Constituição e a realização dos direitos fundamentais dos indivíduos,

tudo isso regulado predominantemente por normas de direito público.

Tendo em vista essas novas e importantíssimas atribuições, bem como em

razão do aumento da atividade estatal, no plano legislativo e administrativo, passam a ocorrer

alterações, em diversos pontos, na relação que o Judiciário essencialmente deve ter com o

Direito. Podem ser constatados vários problemas interpretativos específicos, demandando,

logo, a abertura de novos caminhos hermenêuticos, apropriados às normas constitucionais.

Essa tendência se alarga quando se observa a premência de preservar a racionalidade no

ordenamento jurídico, bem como o preenchimento de lacunas, principalmente quanto aos

novos direitos sociais, como nas questões referentes aos interesses coletivos e difusos, exigem

um marcante “ativismo judicial”. 330

Cumpre igualmente ter em conta que a expansão da atividade legislativa e o

crescente volume da legislação, além de sobrecarregarem os parlamentares, ensejaram o

surgimento de leis ambíguas e vagas, deixando delicadas escolhas políticas à fase da sua

interpretação e aplicação. Acrescente-se a isso que os direitos sociais são “promocionais”,

estão voltados para o futuro, exigindo do Estado, para a sua gradual realização, interferência

ativa e prolongada no tempo. 331

Nessa linha argumentativa, ao aplicar as leis pertinentes, não pode o juiz agir

de maneira estática, mas deve ter presente a sua finalidade social à vista dos programas

prescritos de maneira vaga pelas referidas normas. Tudo o que foi exposto justifica o

surgimento de um ativismo mais acentuado. No entanto, torna-se lamentável que os

329 DOBROWOLSKI, Sílvio. Direito, Estado, Política e Sociedade em Transformação: Nilson Borges Filho (Org.). A Constituição e a escola judicial. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris, 1995, p. 151. 330 DOBROWOLSKI, Sílvio. Ibidem, p. 151. 331 RIBEIRO, Antonio de Pádua. Discurso: Posse dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Posse na presidência: biênio 1998 : 2000. BDJur do STJ. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/10217/1/Roteiro_Discurso_Posse_Presid%C3%AAncia.pdf>. Acesso em 15/05/2008.

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críticos332 desse ativismo judicial, em geral, não tenham compreendido os fenômenos dos

quais ele decorre, segundo assinala Mauro Cappelletti333.

No que tange à legislação infraconstitucional, o excesso de normas

produzidas, por vezes no afã do momento (devido à pressão pública), pode resultar em

freqüentes contradições ou em regras de entendimento dúbio, cabendo, portanto, ao Poder

Judiciário, promover a harmonização sistemática e o esclarecimento de sentido, afastando as

antinomias, corrigindo os defeitos redacionais, para manter ilesa a racionalidade do

ordenamento jurídico. 334

Verifica-se ainda, que o homem cada vez mais procura a justiça, não apenas

aquela que é exercida pelo Judiciário, mas também a que advém da incumbência dos outros

Poderes, uma vez que, cada um deles possui atribuições próprias. Como se sabe, cabe ao

Legislativo elaborar leis justas, que sejam de interesse do povo e não das oligarquias, das

corporações, dos eventuais detentores dos poderes políticos e econômicos, enquanto que o

Executivo tem o dever de distribuir justiça, a justiça social, assegurando o acesso dos pobres à

332 Lenio Streck em sua obra Verdade e Consenso critica de forma acirrada e contumaz o ativismo judicial e o voluntarismo judiciário, asseverando que: “..., é inexorável que eu venha combater toda e qualquer atividade discricionária, voluntarista ou decisionista do Poder Judiciário – e da doutrina positivista que guarnece tais posições. Registre-se minha posição firme – fundado na hermenêutica filosófica – no sentido de que "levemos o texto a sério", entendido o texto como evento (...). O texto não é, assim, apenas um enunciado lingüístico, (...) o texto é inseparável de seu sentido; textos dizem sempre respeito a algo da faticidade; interpretar um texto é aplicá-lo; daí a impossibilidade de cindir interpretação de aplicação...” ( STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso- Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro : Lúmen Júris. 2006, p. 140 -141. 333 Mauro Cappelletti em sua obra “Juízes Legisladores?”, assim também já se posicionava: O bom juiz pode ser criativo, dinâmico e “ativista” e como tal manifestar-se; no entanto, apenas o juiz ruim agiria com as formas e as modalidades do legislador, pois, a meu entender, se assim agisse, deixaria simplesmente de ser juiz. Continua ainda o autor: o que realmente faz o juiz ser juiz e um tribunal um tribunal, não é a sua falta de criatividade (e assim a sua passividade no plano substancial), mas sim a sua passividade no campo processual, vale dizer: a) a conexão de sua atividade decisória com os “cases e controverses” e, por isso, com as partes de tais casos concretos, e b) a atitude de imparcialidade do juiz, que não deve ser chamado para decidir in re sua, deve assegurar o direito das partes a serem ouvidas (fair hearing), [...] e deve ter, de sua vez, grau suficiente de independência em relação às pressões externas e especialmente àquelas provenientes dos “poderes políticos” . (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores?. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (trad.). Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris , 1993. p. 74 e75.).

334 DOBROWOLSKI, Sílvio. Direito, Estado, Política e Sociedade em Transformação: Nilson Borges Filho (Org.). A Constituição e a escola judicial. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris, 1995, p.153.

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saúde, à educação, à moradia, a terra, destinando e aplicando, de fato, recursos públicos com

esse objetivo. 335

Na atualidade, contudo, houve profundas modificações, no que diz respeito

aos modos de organização do trabalho e da produção, as transformações tecnológicas que se

encontram em curso nas economias industrializadas, o que causa enorme impacto no âmbito

do direito positivo, o que compromete de forma efetiva alguns de seus principais institutos,

como é caso da legislação social e trabalhista. 336

No Brasil, o Estado, diante da crescente ineficiência da legislação existente,

tende a responder com a edição de sucessivas normas de comportamento, normas de

organização e normas programáticas.

Produto de uma sociedade crescentemente individualizada, fragmentada e

conflitiva e de um Estado obrigado a cumprir tarefas múltiplas e por vezes até mesmo

contraditórias, esse sistema normativo surge e se estabiliza a partir de uma tensa e intrincada

pluralidade de pretensões materiais.

Hoje, a clássica distinção entre interesses privados comuns e coletivos, por

exemplo, não pode mais ser considerada apta para ocultar que, muitas vezes, a tutela legal de

alguns é incompatível com a proteção de outros. O que se percebe é que o sistema parece ter

potencial quase que ilimitado de crescimento, o que permite acréscimo incessante de novas

regras e de novas matérias de regulação, sendo que a tendência natural é de abandono da

própria função das leis e o extraordinário aumento, para a magistratura, das possibilidades de

argumentação e fundamentação de suas sentenças.

Na medida em que o Legislativo e o Executivo falham no exercício das suas

funções, em que seus integrantes deixam de cumprir as promessas constitucionais, frustrando

335 RIBEIRO, Antonio de Pádua. Discurso: Posse dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Posse na presidência: biênio 1998 : 2000. BDJur do STJ. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/10217/1/Roteiro_Discurso_Posse_Presid%C3%AAncia.pdf>. Acesso em 15/05/2008. 336 KELLER, Arno Arnoldo. O Descumprimento dos Direitos Sociais Constitucionais. Dissertação de Mestrado apresentada na UFSC, 1999. Disponível em: < http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/o%20descumprimento%20dos%20direitos%20sociais%20-%201999.pdf>. Acesso em 18/05/2008.

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a esperança dos eleitores de dias melhores, perdem legitimidade. Esse fato demonstrar que

essa perda de legitimidade se aplica também ao Judiciário, que é uma das três grandes colunas

em que se apóia a existência do Estado Democrático de Direito, que se dá especialmente em

razão da sua morosidade, advindo, de maneira significativa, do excesso de leis que passam a

gerar insegurança jurídica, além das demandas produzidas, em grande quantidade, bem como

pela atuação inadequada dos próprios entes estatais.337

Prega-se que o século XIX teria sido do Poder Legislativo; o século XX, do

Poder Executivo e que o século XXI estaria prometido à proeminência do Poder Judiciário. É

admissível que essa afirmação tenha ou venha a ter pertinência. Não há, no entanto, como

saber quanto esse deslocamento de poderes irá custar aos magistrados, nem quando estes

estarão preparados para as suas novas funções. Mas essa é uma realidade que está sendo

constatada em todo o mundo:

O espaço simbólico da democracia emigra silenciosamente do Estado para a Justiça. Em um sistema provedor, o Estado é todo-poderoso, e pode tudo preencher, corrigir, tudo suprir. Por isso, diante de suas falhas, a esperança se volta para a justiça. É então nela, e, portanto fora do Estado, que se busca a consagração da ação política. O sucesso da justiça é inversamente proporcional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de desinteresse e pela perda do espírito público. A posição de um terceiro imparcial compensa o ‘déficit democrático’ de uma decisão política agora voltada para a gestão e fornece à sociedade a referência simbólica que a representação nacional lhe oferece cada vez menos. O Juiz é chamado a socorrer uma democracia na qual ‘um legislativo e um executivo enfraquecidos, obcecados por fracassos eleitorais contínuos, ocupados apenas com questões de curto prazo, reféns do receio e seduzidos pela mídia, esforçam-se em governar, no dia a dia, cidadãos indiferentes e. exigentes, preocupados com suas vidas particulares, mas esperando do político aquilo que ele não sabe dar: uma moral, um grande projeto. 338

Não se pode esquecer que, para o Judiciário bem exercer sua função de

intérprete do ordenamento jurídico, na atualidade, precisa de visão técnica, capacidade

inovadora e atualização constante; “ a um só tempo, compreensão da conjuntura atual, bem

337 RIBEIRO, Antonio de Pádua. Discurso: Posse dos Excelentíssimos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Posse na presidência: biênio 1998 : 2000. BDJur do STJ. Disponível em: < http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/10217/1/Roteiro_Discurso_Posse_Presid%C3%AAncia.pdf>. Acesso em 15/05/2008. 338 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião de promessas. Tradução de Maria Luiza de Carvalho.Rio de Janeiro : Revan, 1999, 2 ed., p. 47-48.

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como entendimento seguro sobre o futuro e desapego à herança legada pelo passado, quando

não condizente com as exigências da atualidade.”339

Dito de outro modo, toda mudança na concepção ou na função do Estado

causa, necessariamente, a criação, a modificação, a transformação, ou até extinção de

institutos jurídicos. Exatamente porque essa verdade não habita o senso comum da operação

jurídica atual é que os denominados “novos direitos”, fruto da atual realidade do Estado e das

relações sociais operadas no seu interior, que possuem importantes instrumentos para a sua

garantia e realização, nem sempre encontram perfeita efetividade.

3.3.2. Do decesso do Judiciário

A morosidade do Judiciário, advém dentre outras causas”, da explosão de

litígios devido aos “novos direitos” constitucionalizados e que não são implementados pelos

demais Poderes da União, em especial o Poder Executivo que não cumpre suas prestações

obrigacionais, e impreterivelmente faz acontecer o “ boom da litigação”340. Mas, o problema

em tela advém particularmente do “descompasso entre o tempo social (surgimento do

conflito), o tempo legislativo (produção da norma), o tempo do mercado (lógica do maior

lucro no menor prazo) e o tempo do direito (aplicação da norma ao fato), o que demonstra a

necessidade urgente de se reestruturar o judiciário, sob pena de o mesmo não mais oferecer

repostas efetivas, céleres e adequadas aos conflitos.”341

339 DOBROWOLSKI, Sílvio. Direito, Estado, Política e Sociedade em Transformação: Nilson Borges Filho (Org.). A Constituição e a escola judicial. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris, 1995, 149. 340 VIANNA, Luiz Werneck, et al. Dezessete Anos de Judicialização da Política. Cadernos CEDES n. 08, 2006. Disponível em: <http;//cedes.iuperj.br/PDF/06 novembro/judicialização.pdf>. Acesso em 25 de junho de 2008, p. 3. 341 FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos. São Paulo : Max Limonad, 2002, p. 93-94.

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Nos últimos anos, o Judiciário tem passado por inúmeras mudanças,342;

entretanto ao que tudo indica é apenas o começo. Essas transformações não se esgotam na

Emenda n˚ 45/04, faltam ainda reformas processuais e estruturais.

Com relação a essa reforma inicial preleciona o inciso LXXVIII do artigo 5˚

da Constituição Federal de 1988 introduzido pela Emenda Constitucional n˚ 45, in verbis: “a

todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e

os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Dessa forma, ficou especificado o conceito que já se subsumia no texto

constitucional; para uns, na cláusula do devido processo legal (art. 5˚,LIV), para outros, na do

acesso ao Judiciário (art. 5˚,XXXV).

A cláusula do devido processo legal encontra-se intimamente atrelada à

presteza e à eficiência da jurisdição pelas idéias de proporcionalidade e razoabilidade. É

inaceitável que se possa retirar de alguém a liberdade ou seus bens por meio de um processo

kafkanianamente longo. A longa duração do processo vai, por si só, de encontro à idéia do

devido processo legal e efetivo acesso à justiça.

A Constituição de 1988 expressou e deu garantias a um conjunto de

aspirações. No sistema da tripartição dos poderes, compete ao Judiciário, a missão de dizer o

direito aplicável ao caso concreto e, com isso, levar paz à sociedade. É necessário um Poder

Judiciário independente e eficaz, pois que somente assim poderá ele realizar de forma

satisfatória o Estado de Direito.

Na ânsia de realizar a justiça, foi construída a teoria do atingimento da ordem

jurídica justa, na qual o acesso à Justiça tem papel fundamental; ou seja, só é possível se

conseguir a almejada ordem justa se houver um amplo acesso ao Poder Judiciário. É a ele que

342 José Eduardo Faria adverte que “A terceira tendência é de reformulação paradigmática do direito processual civil e penal, com a simplificação dos procedimentos de citação e das provas periciais, a bolição de parte das formalidades nos procedimentos especiais, o enxugamento do procedimento ordinário, a redução drástica do número de recursos judiciais, a desburrocratização dos agravos, a ênfase ao princípio da oralidade, a conversão dos tribunais inferiores em instâncias terminativas para determinados tipos de conflitos, a valorização da jurisprudência por meio da adoção de súmulas vinculantes, a conversão da última instância judicial em corte exclusivamente constitucional, etc.” (FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf, ibidem , p. 93.)

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se recorre, em última instância por força do monopólio estatal da jurisdição, para a realização

do direito. 343

Diante de tal entendimento, os cidadãos, no intuito de verem cumprida a

Justiça no seu caso particular, passaram a buscar o Poder Judiciário como último refúgio.

Desse modo, as estatísticas do Poder Judiciário só fizeram crescer, e conseqüentemente os

processos passaram a durar mais, o que, de certa forma justifica o discurso sobre a

necessidade de uma saída mais rápida do cidadão/jurisdicionado do aparelho judiciário. Essa

saída tornou-se necessária e urgente, no contexto de um Poder Judiciário eficaz e, em

conseqüência, como dito, para a realização do Estado de Direito. A partir de então, levou-se a

efeito uma série de várias microrreformas processuais; em paralelo, vários projetos de leis

estão em trâmite, com o escopo de reduzir a morosidade do judiciário.

Apesar disso, não se pode atribuir à morosidade do Poder Judiciário

exclusivamente à questão processual. Outro fator, por muito tempo relegado e que começa a

receber a devida atenção, tem igual peso: trata-se da gestão administrativa da prestação do

serviço jurisdicional levada a termo pelos juízes, especialmente no sentido de adotar métodos

e sistemas mais eficientes que tornem a Justiça organizacionalmente mais racional do ponto

de vista administrativo.344

Por seu turno, a legislação processual é defasada em relação às necessidades

do mundo contemporâneo. É muito minuciosa ao prever, em nome da segurança do Direito e

do garantismo, uma quantidade bastante significativa de recursos. Assim concebida, a

tramitação dos processos torna-se muito lenta e o tempo do Direito é inteiramente

incompatível com o tempo da economia, das empresas e dos jurisdicionados, como se referiu

343 “ é senso comum em nosso país, que a justiça pátria é por demais morosa, criando-se um clima de desencanto generalizado entre cidadãos jurisdicionados, notadamente os que figuram nas demandas judiciais na qualidade de autores. “ Continua que o “ assunto ganhou singular importância, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu mudanças no texto constitucional, para implementação da chamada “Reforma do Judiciário”, festejada com grande alarde, pela mídia e Poderes constituídos, mas que, por si só, se mostrou ineficiente, e pouco ou nada resolverá, a nosso ver, para solução dos problemas crônicos da Justiça em nosso país.”(PEREIRA, Clóvis Brasil. Revista Jurídica Netlegis, 25/09/2006. Disponível em: < http://www.netlegis.com.br/indexRJ.jsp?arquivo=detalhesArtigosPublicados.jsp&cod2=516>. Acesso em: 16/08/2008.)

344 DINIZ, Carlos Roberto Faleiros. Gestão Administrativa e Reforma do Poder Judiciário. OAB-SP, 23/05/2008. Disponível em: < http://www.oabsp.org.br/noticias/2003/05/08/1826>. Acesso em 15/06/2007

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em momento anterior. Nesse passo, verifica-se um problema de concepção arquitetônica

entre a legislação processual e o momento em que vivemos, que vem desafia e exige

modernizar a legislação, sem perder a dimensão do garantismo processual. 345

Há também a questão das leis que o Judiciário tem que aplicar: hoje há um

processo chamado de inflação normativa ou hiper-juridificação que decorre do excesso de

legislação produzida pelo Executivo e pelo Legislativo, que, com a interpretação do

Judiciário, adquire vida nova, formando cadeias produtivas e alterando a identidade do

sistema jurídico brasileiro. 346

José Eduardo Faria,347 nos coloca em suma que:

a reforma do Poder Judiciário não se esgota na Emenda Constitucional nº 45/04, faltam ainda reformas processuais e estruturais. "Falta ao Judiciário uma visão mais clara dos problemas", informou.

Para reverter certos "estrangulamentos", ele levanta propostas ousadas como uma mudança no modo de recrutamento dos juízes e maior transparência nos orçamentos. Quando questionado sobre os reflexos da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, ele afirma que tal mudança foi positiva, mas se demonstra preocupado quanto à percepção dos magistrados do trabalho.

Como visto, o decesso do Judiciário diz respeito a deferentes variantes e não

tão-somente à questão processual, também não basta culpar os juizes, há que se promover

reforma processual, mas, paralelamente, impõe-se também uma reforma legislativa e

administrativa (gestão). Com relação ao caminho a ser percorrido o Ministro do Superior

Tribunal de Justiça, Humberto Gomes de Barros, diz que:

“Ele, atualmente, é demasiadamente longo e penoso. Quando se luta contra o Poder Público, esse caminho praticamente não existe. (...) Vamos tentar conseguir a liberdade, cientes de que ela nos virá somente à custa de muita luta. Não existe poder fraco. Se queremos ser o Poder Judiciário, devemos

345 FARIA, José Eduardo. Reformas institucionais não têm receita ideal. Revista ANAMATRA- Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho. Disponível em : < http://ww1.anamatra.org.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=19778> Acesso em: 20/06/2008. 346 Ibidem, loc.cit. 347 Ibidem, loc.cit.

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assumir esse Poder. Enquanto pender nossa fraqueza, ninguém tenha a ilusão de que teremos uma Justiça rápida, respeitada e estimada.” 348

Apesar das reformas que se fazem urgentes, enquanto as mesmas não

acontecem, o Judiciário não pode deixar de atender às demandas que diariamente batem à sua

porta, pois que é conferido como primado da cidadania e da dignidade da pessoa humana o

amplo acesso ao direito e à Justiça.

348 BARROS, Humberto Gomes de. Estímulo ao cumprimento espontâneo das decisões judiciais. http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/8540/6/Est%C3%ADmulo_Cumprimento_Espont%C3%A2neo.pdf. Acesso em 20 de abril de 2008.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação teve como pano de fundo a crise do Poder Judiciário e

a efetividade da prestação jurisdicional, frente aos direitos garantidos pela Constituição de

1988. Nesse contexto, foram analisados o acesso e o decesso à Justiça, bem como a

judicialização da política no cenário brasileiro. Do exame crítico empreendido, derivaram-se

as seguintes considerações finais:

1. O paradigma do liberalismo serviu como suporte ideológico e formal à

emergência do Positivismo Jurídico, do Estado Liberal e do Estado de Bem-Estar Social,

ambos insuficientes para garantir o acesso universal à justiça tal como se defende na

atualidade..

A esse respeito, não se pode esquecer que, com o devir da história, o modelo

de Estado e a ideologia que lhe dá sustentação, em paralelo, às relações sociais, sofreram

significativas transformações, o que se refletiu no conceito de Justiça e na concepção dos

parâmetros a serem atendidos para alcançar o Acesso à Justiça.

No âmbito do Estado liberal, vislumbrava-se a divisão bem clara entre os

espaços público e privado, eis que, conforme os pressupostos da doutrina do liberalismo, o

Estado foi definido como “o implacável Leviatã”, defendendo-se a idéia do Estado mínimo,

alheio às relações privadas. A dicotomia (entre interesse público e privado) era abonada pelo

Estado, que, lançando mão do império das leis, garantia as relações sociais, por meio do

exercício estrito da legalidade.

Com a Modernidade, perderam espaço os dogmas religiosos, que cederam

espaço à ciência, passando, portanto, para a vida privada as decisões atinentes a questões de

cunho religioso. Diante do cientificismo, o Positivismo Jurídico representa alternativa

racional, na medida em que propicia respostas científicas objetivas e impessoais aos conflitos

de interesses privados.

No Período Moderno, as teses de liberdade, individualidade e igualdade

adquirem relevo, calcadas nas idéias do liberalismo. Os direitos civis passam a ser

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compatíveis com o ideal da liberdade individual; em paralelo, afirmam-se os direitos humanos

(civis e políticos).

As garantias individuais, essenciais para um ambiente estável, trazem à

reflexão a necessidade de institucionalização de tais direitos, agora previstos nos textos

constitucionais. No entanto, os direitos à liberdade, igualdade e participação restringiram-se

ao plano formal, sem que se concretizassem no cotidiano de todos os cidadãos. .

O Estado Liberal também abriu espaço à criação do sistema de checks and

balances que previa o “Sistema de Freios e Contrapesos”, pois segundo o mesmo “só o poder

freia o poder”. Nesse sistema, cabia aos juízes tão somente aplicar a lei, o que limitava sua

criação e propiciava a esperada segurança jurídica, à medida que era possível se ter

previsibilidade sobre o conteúdo das decisões judiciais, preservando-se deste modo: o

princípio da igualdade (casos iguais eram resolvidos de forma igual) e o princípio da unidade

do direito (aplicação uniforme do direito no território em que vige). O que se estava

procurando era evitar o uso arbitrário do poder jurisdicional.

No Estado Moderno, o juiz passou a funcionário do Estado, titular dos

poderes estatais, ao passo que o Poder Judiciário era subordinado ao Legislativo devendo,

portanto, seguir as regras emanadas desse poder.

A partir dessas concepções, desenvolveu-se a idéia de um Judiciário neutro,

como mero produtor de conhecimento científico e imune a influências externas, uma vez que

a decisão justa, segundo essa concepção, dependia da circunstância de estar o juiz livre de

todos os obstáculos ao uso da sua racionalidade na decisão; ou seja, ao juiz bastava ser

racional e subsumir o caso concreto aos ditames da lei. A sentença, devia assemelhar-se a

mero silogismo, em que a premissa maior seria a lei, a menor o fato e a conclusão, a sentença.

À época, verificou-se exagerado apego à letra da lei na interpretação, e

aplicação do Direito pelo magistrado. Ademais, o Judiciário era proibido de participar da

criação jurídica, atribuição exclusiva do Poder Legislativo, representante legítimo da vontade

popular.

Com a retração do Estado, que passou a ser simples guardião da aplicação

das leis na sociedade, restringiu-se o número de litígios; a ritualização e a morosidade não

eram entendidos como problema na “crise do judiciário” na contemporaneidade.

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Apesar de haver uma infinidade de leis regulando inúmeras situações, o

sistema jurídico já não correspondia aos anseios da sociedade moderna, uma vez que a

litigiosidade contemporânea apresentava significativas diferenças dos conflitos com que se

deparava o homem do século XIX.

Como é cediço, o direito tem por objetivo regular as relações sociais, a

despeito dos preceitos do positivismo jurídico, devendo o intérprete contemplar sempre o

contexto social, político, econômico em que essas relações se exprimem, sob pena de sua

decisão ser incompatível com a realidade. Trata-se de construir nova hermenêutica, cujo

propósito é busca como fim único a tão almejada justiça.

Ademais, no Estado contemporâneo, em face do advento do Estado do Bem-

Estar Social, que se orientou para materializar os direitos meramente formais que eram

consagrados constitucionalmente no Estado Liberal, deu azo a uma mudança paradigmática,

eis que o acesso à Justiça foi erigido à condição de garantia fundamental, tal como a cidadania

e a dignidade da pessoa humana. Todavia, nesse espectro verificou-se igualmente uma série

de fatores que desestabilizam os Poderes Executivo (que não consegue cumprir o prometido),

Legislativo (inflação legislativa) e, principalmente o Poder Judiciário, não preparado para essa

“explosão de demandas” e para os novos direitos (sociais e políticos).

Com o advento do Estado Democrático do Bem-Estar Social, verificou-se

um progresso para os jurisdicionados, tanto no que diz respeito à Justiça e o acesso a ela, pois

comparando o Estado Moderno e o Contemporâneo, é evidente a ampliação de direitos.

Contudo, não basta haver o reconhecimento do direito, pois é necessário que ele se efetive no

plano real e, para que isso aconteça. há longo caminho a percorrer, construindo-se

paulatinamente a nova história.

2. Quanto ao acesso à Justiça no Brasil:

Como demonstrado no primeiro capítulo, o modelo jurisdicional adotado

pelo Estado contemporâneo é o fruto de profundas modificações que ocorreram em paralelo

ao desenvolvimento da sociedade. A garantia ao acesso à Justiça é uma das características do

Estado de Bem-Estar Social e, no caso brasileiro, recebeu dos constituintes de 1988

tratamento semelhante ao recebido pelo Direito à vida, à honra, erigindo-se à categoria de

garantia e princípio constitucional.

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É incontestável o fato de que a Constituição de 1988 assegura os direitos

fundamentais do cidadão, entre eles o acesso à Justiça, que não se concretiza com o simples

acesso ao Judiciário, nem tampouco ao universo do direito estatal, pois não se trata

exclusivamente de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, mas tem o

intuito maior de viabilizar acesso à ordem jurídica justa.

Ademais, a visão de cidadania adotada pela Constituição de 1988, que define

cidadania como participação no processo de poder, com clara consciência de seus direitos e

deveres, de forma a contribuir para o crescimento de todos. Todavia, na prática, no caso

brasileiro, verifica-se mera expectativa, pois muitos brasileiros sequer sabem o que é ser

cidadão. Esse dado de realidade não resulta de simples apatia, eis que as maiores angústias de

significativa parcela da população estão voltadas para outras preocupações primordiais como:

alimentação, saúde, moradia e educação, diga-se de passagem, o mínimo para se viver

dignamente.

Nesse passo, cumpre registrar que não basta os direitos estarem

constitucionalmente garantidos/assegurados, é necessário que os mesmos sejam de fato

acessíveis; ou seja, que os meios de acesso à justiça sejam proporcionados a todos, sem

qualquer distinção.

Sob o mesmo ângulo de análise, verifica-se, ainda, na atualidade, uma

preocupação generalizada com as dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário nacional, no

que diz respeito ao exercício das funções jurisdicionais: imparcialidade, celeridade e

segurança.

Essa realidade tem afetado diretamente o acesso à Justiça, pois o sentimento

de descrédito em relação ao Poder Judiciário tende a torna-se cada vez mais forte no seio da

população, particularmente do segmento historicamente excluído.

Com a elevação do acesso à Justiça à categoria de garantia constitucional e

com a ampliação no campo dos chamados “novos direitos”, o(s) jurisdicionado(s) têm

buscado de forma desenfreada o judiciário. Tudo passou a ser motivo de contenda judicial,

nada ou quase nada é resolvido extrajudicialmente.

Surge, então, a questão de que o Judiciário não está preparado para dar

pronta solução, prestando a tutela pretendida. Ao refletir sobre o tema, os doutrinadores

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dividem-se em duas correntes antagônicas: a corrente da jurisdição máxima se reporta à

maximização da justiça, quer dizer: o Judiciário tem que se adequar aos novos tempos,

buscando nova organização, mudança do perfil do magistrado e meios mais ágeis na solução

dos litígios. Em contrapartida, a segunda corrente defende a minimização da justiça,

argumentando que o Judiciário só deve ser buscado após uma filtragem de meios

extrajudiciais.

O certo é que, até o momento, os meios extrajudiciais não têm dado o

resultado almejado, seja, pela falta de estrutura, ou pela desconfiança do cidadão brasileiro em

relação a essa forma de resolução de conflitos.

No que tange aos brasileiros que não possuem condições econômicas para

buscar a assessoria de profissionais particulares, tem se tentado solucionar tais problemas com

a assistência judiciária gratuita, através das Defensorias Públicas, de associações de bairros,

ou através dos Núcleos de Prática Jurídica dos Cursos de Direito (Escritórios Modelos).

No Estado de Santa Catarina, contudo, o acesso à Justiça é apenas “parcial”,

uma vez que, a Defensoria Pública ainda não foi implantada, e a prestação é feita pela

OAB/SC, da seguinte forma: a Defensoria Dativa e a Assistência Judiciária Gratuita, a ser

prestada por advogado cadastrado. Tal serviço restringe-se ao ajuizamento da ação, não

existindo, o serviço de conscientização jurídica do cidadão.

3. Quanto à mudança de foco do Poder Judiciário e do novo perfil esperado

do magistrado brasileiro frente à judicialização da política e o decesso apregoado pela

Emenda Constitucional 45/04.

A judicialização da política, fenômeno social recente nas sociedades

modernas, introduz, antes de mais nada, nova caracterização para os conflitos sociais, que não

expressam mais a luta pela institucionalização de direitos, pois buscam nova interpretação dos

direitos já institucionalizados perante as cortes judiciais nacionais, ou mesmo internacionais.

O legislador brasileiro, na expectativa de atender a alguns dos reclamos da

sociedade, no sentido de aproximar e relacionar os aspectos jurídicos, sociais e políticos ao

sistema processual, criou formas de atuação inovadoras, tais como a Ação Popular; s Juizados

Especiais Civis e Criminais; a Ação Civil Públicas e as ADINs.

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Em acréscimo, é possível citar como fatores da crescente judicialização da

política no Brasil: o alargamento dos intérpretes da Constituição; a crise do Estado

Providência, diante da redução de direitos sociais e, principalmente, a hipertrofia do Poder

Executivo. A Judicialização no Brasil, de fato, fortaleceu-se com a promulgação da atual

Constituição, que, além de ampliar as possibilidades interpretativas, aumentou sobremaneira a

importância do STF nos processos de fiscalização abstrata de normas, o que vem alterando

substancialmente as funções clássicas dos juízes, que passaram a ser responsáveis pelo

controle de execução de políticas de outros poderes estatais, passando a orientar suas

atuações, no intuito de assegurar a integridade da Constituição e dos direitos dos cidadãos.

O que se verifica, no Brasil, na atualidade, é que a máxima de que “o poder

limita o poder” já não satisfaz mais, devido principalmente, a fenômenos como a expansão do

Poder Judiciário na cena política. Tal fato decorre freqüentemente da hipertrofia do Poder

Executivo que não responde adequadamente a suas prestações obrigacionais constitucionais.

No entanto, a judicialização da política não é matéria pacífica entre

renomados autores da literatura jurídica. Dois eixos se contrapõem, quais sejam: os

procedimentalistas, aqui representados por Habermas e Garapom e os substancialistas, na

esteira do pensamento de doutrinadores como Cappelletti e Dworkin.

Os procedimentalistas defendem haver uma invasão da política pelo direito,

mesmo que reclamada em nome da igualdade, o que levaria à perda da liberdade e, ainda, na

visão de Garapon, à explosão quantitativa de processos,como fenômeno social e não jurídico,

em que o juiz assume o papel de “terapeuta social”, função que não lhe atribuída.

Em contrapartida, para o eixo substancialista, as novas relações entre direito

e política – aumento da área de atuação do mundo jurídico sobre o político – seriam tomadas

como inevitáveis e favoráveis ao enriquecimento da agenda igualitária, sem prejuízo da

liberdade. Por exemplo, autores como Cappelleti asseveram que o juiz, mesmo sendo

chamado para interpretar e quando cria um novo direito, não está legislando, nem afrontando

a democracia representativa, tampouco, invadindo o domínio do Poder Legislativo.

No Brasil, ainda não se firmou de fato o predomínio de nenhuma das duas

correntes.

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Mas, não se pode negar a desenfreada busca pelo Poder Judiciário para

resolver contendas que até então não lhes eram demandadas, o que vem impondo nova

postura, uma vez que, no Estado Democrático Social, o juiz não pode mais ser visto apenas

como a boca da lei, pois constitui seu hermeneuta concretizador.

Muito embora as lides privadas ainda guardem seu espaço, há um

crescimento extraordinário nas questões de direito público e o Poder Judiciário não consegue

responder em tempo hábil aos jurisdicionados, não somente por falta de estrutura ou de

preparo, mas pelo fato do excesso de demanda; desta forma não adianta editar a Emenda

Constitucional 45/04 determinando que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são

assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”, se não forem efetivados modos de implementação desse direito conferido ao

jurisdicionado. Além do que se impõe também um novo pensamento sobre o modelo

tripartite do Poderes.

A título de considerações finais se faz necessário indagar:

a) Como poderá o Poder Judiciário responder em tempo hábil às demandas

dos jurisdicionados, se não for dotado de estrutura material e de pessoal?

b) Como garantir efetividade à Emenda Constitucional 45/04, no que

concerne à duração razoável do processo e meios que garantam a celeridade de sua

tramitação, se não forem efetivados modos de implementação dos direitos conferidos aos

jurisdicionados?

c) Não seria necessário repensar o modelo tripartite dos Poderes, propiciando

mais comunicação e entrosamento, tendo em vista o cumprimento das garantias

constitucionais referentes ao acesso á Justiça?

Em forma de sugestão apontam-se alguns modos que auxiliariam o Poder

Judiciário:

- Diminuição da burocracia, que, na prática, consistirá na diminuição de recursos;

- Reforço a órgãos extrajudiciais de conciliação e de arbitragem, indispensáveis à agilização

do Judiciário, uma vez, que a grande maioria de controvérsias jurídicas se dá em torno de

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questões simples, envolvendo o cotidiano das pessoas e que necessitam de soluções

imediatas;

- Aumento da competência dos juizados especiais cíveis já existentes ou a criação de novos;

- Mudança de mentalidade do operador do Direito, definida como atividade de insubstituível

relevância social;

- O Judiciário, para bem cumprir sua função de interprete do ordenamento jurídico precisa de:

descortino técnico, sensibilidade social e visão multidisciplinar, compreensão crítica da

conjuntura atual, sem perder de vista históricos desafios que impedem o acesso à Justiça.;

- Penalizar a litigância de má-fé e as lides temerárias, bem como garantir o cumprimento das

decisões judiciais, de acordo com Grandinetti de Carvalho e Bárbara. 349

Cumpre, enfim, refletir acerca das palavras de René Descartes "Basta ajuizar

bem para bem fazer, e julgar o melhor que nos seja possível para fazermos também o nosso

melhor.”

349 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de, GONÇALVES, Bárbara de Landa. Breves reflexões sobre a ampliação do acesso à justiça e suas repercussões no perfil dos julgadores: a criatividade judicial, p. 24.

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