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Sintomas do discurso

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Correspondência com filósofos argentinos

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LEITURA SINTOMAL

A ocultação pode ser interpretada  a partir de um paradigma do

ocultamento , apresentado por Marx como intrínseco à visão teórica daEconomia Clássica. Paradigma no sentido de que diversos autores

utilizam essa forma  interpretada a seguir, particularmente Althusser e

Lacan, as principais referências aqui.

Como se sabe, credita-se a passagem da Economia Clássica  para a

teoria marxista  especialmente a um deslocamento de algum sentido

possível [se houver] de ‘valor do trabalho’ (principalmente Adam Smith)

para uma interpretação do que seja ‘valor da força de trabalho’:

1) negação do ‘valor do trabalho’ como valor essencial e

2) revelação [como pensamento oculto  da Economia Clássica ] do

‘valor da força de trabalho’, que traz, para o primeiro plano, isto é,

estabelece um discurso declarado, sob forma de negação — a

noção de ‘mais-valia’ — fundamentalmente negada pelos

economistas clássicos, mas latente ou, como diz Marx,

inconsciente em suas próprias teorias. Um valor, malgrado não

declarado, efetivo.

A transição de ‘ valor do trabalho ’ para ‘ valor da força de trabalho ’,

denota o nó onde a nova teoria — a marxista  — pode formular, dando

consequências inesperadas em uma relação entre causas e efeitos, epodendo revelar, através de falhas, o que ainda não havia sido pensado

mas já se encontrava lá. 

A inconsciência [Bewußtlosigkeit] sobre esse

resultado de sua própria análise, a aceitação

sem crítica das categorias “valor do trabalho”,

“preço natural do trabalho” etc. como

expressões últimas adequadas da relação de

valor examinada, emaranhou a Economia

Política clássica, enquanto ofereceu àEconomia vulgar uma base segura de

operações para sua superficialidade,

dedicada principalmente ao culto das

aparências.

Pode-se dessa forma proceder finalmente a uma análise ideológica

através do juízo do valor do valor, para pensar o não pensado ainda.

Sobre essa forma de manifestação, que tornainvisível a verdadeira relação e mostra justamente o contrário dela , repousam

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todas as concepções jurídicas tanto do

trabalhador como do capitalista, todas as

mistificações do modo de produção capitalista,

todas as suas ilusões de liberdade, todas as

 pequenas mentiras apologéticas da Economia

vulgar .(MARX 6, Livro I, Cap. XVII [XIX])

Procedimentos da interpretação sintomática do ‘valor da força detrabalho’ em Marx

Do enunciado tomado de Adam Smith  e referido originalmente por Marx :

O valor do trabalho é igual ao valor dos meios

de subsistência necessários à manutenção e à

reprodução de trabalho.

A leitura sintomal  deve permitir ver “o que o próprio texto clássico diz

não dizendo e o que não diz ao dizer ”, na medida em que nos faz ver,

nos interstícios do texto, que “seu silêncio são suas próprias palavras ” (ALTHUSSER 1 e 3 e ALTHUSSER; BALIBAR 4)

Marx nos faz ver o equívoco apontando a repetição do termo trabalho ,

isto é, a circularidade da referência e o vazio ontológico e essencial  quefundamenta o valor.

O enunciado, segundo Marx , tenta se apresentar como um enunciado

pleno e completo, uma equação de comparação de valores onde se

podem introduzir algumas variáveis, representadas pelas reticências

(...) :

‘O valor de (...) trabalho’ é igual ao valor dos

meios de subsistência necessários à

manutenção e à reprodução de ‘ (...) trabalho’.

Ele introduz, em seguida, uma diferença que modifica o enunciado,

substituindo a referência ao trabalho, na segunda parte da frase, por

‘trabalhador’, ressaltando o equívoco e o desacordo:

O valor do trabalho é igual ao valor dos meios

de subsistência necessários à manutenção e à

reprodução do trabalhador.

Vê-se que o procedimento de leitura obedece, de fato, ao desvelamentode um sintoma, atestando o que mesmo Lacan já enunciara,

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magnificamente como: Marx, inventor do sintoma  (LACAN 5: p. 234 –

“Do sujeito enfim em questão”).

Inventor do sintoma no seguinte sentido: a falha de um discurso, ou

algum problema ou vazio de referência revela, para além do defeito ou

vacuidade, uma verdade oculta que pode ser revelada em um novoescopo ou tratamento. Dessa forma, o sintoma “representa o retorno da

verdade como tal na falha de um saber”.

Se o valor do trabalho é equivalente ao valor da reprodução do trabalho,

onde reside o lucro e a reprodução do próprio capital? Seu valor seria

consumido apenas na manutenção do trabalhador, fosse ele o valor da

reprodução do próprio trabalhador. No entanto, o trabalhador se

reproduz  e, além disso, existe o lucro, o aumento e reprodução do

capital e a produtividade: existe um excesso de trabalho, para além dasobrevivência do trabalhador.

O que se esconde aí, no discurso sobre a produção do valor segundo a

economia clássica, diz Marx, é a mais-valia: o discurso efetivo  e não formulado  de normatividade, que pode ser revelado ou reconhecido

através da negação  de um valor como essencialidade — o do trabalho  

 — e como sintoma de que possa existir um outro valor

 fundamentalmente ocultado  — o da força de trabalho .

Ali mesmo onde Adam Smith pretende responder à questão do “valor do

trabalho ”, Marx nos faz ver que

Essa falta localizada, pela resposta, na

 própria resposta, na proximidade da palavra

trabalho, nada mais é que a presença, na

resposta, da ausência de sua questão, nada

mais é que a falta de sua questão

(ALTHUSSER 2, pág. 21 e ALTHUSSER;

BALIBAR 4).

Marx pode “colocar a questão não enunciada ” no enunciado ― tal como

Freud pretende preencher as lacunas da memória no tratamento da

histeria lendo no discurso dos sonhos alguns sintomas ―

restabelecendo no enunciado o conceito de ‘força de trabalho’:

O valor da força de trabalho é igual aovalor dos meios de subsistêncianecessários à manutenção e à reproduçãoda força de trabalho.

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Desta maneira, a leitura sintomal torna evidente a equação pela qual,

ao vender livremente sua força de trabalho como uma mercadoria, o

trabalhador se vê tomado no circuito da exploração capitalista em que

sua liberdade se converte em dominação e sua produtividade em

alienação de sua força produtiva: a reprodução de sua subsistência

como trabalhador tem uma defasagem, ou DÉFICIT  enorme com relação

à reprodução da força de trabalho , pois esta última deve contemplar

como face oculta de si a mais-valia e a própria taxa de reprodução do

Capital . A esse déficit se denomina ALIENAÇÃO .

Seu discurso esconde um processo de alienação fundamental .

Revelando, como sintoma  das relações capitalistas, a produção da mais

valia como valor normativo não formulado .

Assim como esses, outros valores ocultos se revelam, por exemplo o

valor de troca :

A determinação do valor de mercado dos

 produtos, portanto, também dos produtos da

terra, é um ato social, apesar de ser um ato

executado de maneira socialmente

inconsciente  e não-intencional, que

necessariamente se baseia no valor de troca

do produto, não do solo e nas diferenças de

sua fertilidade. (MARX 6, Livro III, Sec VI, Cap.

XXXIX, pág. 155)

Herci  2013

Referências1. ALTHUSSER, Louis. L’unique tradition matérialiste (1985) . Lignes 

[P ARIS ], , n. 8, p. 72–119, 1993a.

2. ALTHUSSER, Louis. Ler o capital . Rio de Janeiro: Zaar, 1979b.

3. ALTHUSSER, Louis. Para una cri  tica de la pra  ctica teo  rica  : respuestaa John Lewis . Madrid: Siglo XXI de Espan               a Editores. [2a. ed.]. ed.,1974c.

4. ALTHUSSER, Louis; BALIBAR, Étienne. Lire Le apital I . Paris:François Maspero, 1973.

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5. LACAN, Jacques. Ecrits . Paris: Seuil, 1966.

6. MARX, Karl. O capital: Crítica da Economia Política  [DAS KAPITAL - KRITIK DER POLITISCHEN KONOMIE]. Trad. Regis Barbosa e Flávio R.Kothe. (Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, Trad.). São Paulo:

Editora Nova Cultural Ltda, 1996.

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