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DEZEMBRO 6 RIBEIRO CARDOSO S IR R OGER L OBO: UM M ACAENSE NO T OP DE H ONG- K ONG Nascido em Macau em 1923, foi com 22 anos para Hong-Kong. Subiu na vida a pulso, chegou ao governo da colónia britânica, tornou-se conselheiro de governadores, fundou e dirigiu empresas, arrancou com a luta contra a corrupção, participou nas negociações com a China sobre o futuro do Território A minha universidade foi não ter frequentado a universidade. A frase, pronunciada num tom calmo e levemente irónico, é de Sir Roger Lobo ou, mais correctamente, Rogério Hyndman Lobo, um macaense que é um dos líderes mais destacados da comunidade portuguesa de Hong-Kong e figura grada no universo político-social da vizinha colónia. Como teve o cuidado de explicar na tarde que com ele passei à conversa no seu espaçoso e funcional gabinete situado no 33º andar da New World Tower, em plena “Central”, Sir Roger Lobo não quer com isso dizer que os jovens não devem ter estudos superiores. Bem pelo contrário: os seus dez filhos cinco rapazes e cinco raparigas passaram todos por lá, ai ganhando a sua carta de alforria. Hoje desempenham, em vários pontos do mundo, profissões bem remuneradas. O que aconteceu é que circunstâncias diversas me obrigaram cedo a fazer pela vida. Trabalhei muito e desde muito novo. E tenho muito orgulho nisso sublinhou, a propósito, Sir Roger Lobo. Expressando-se num português fluente—embora de quando em vez hesitasse numa ou noutra palavra—este

Sir Roger Lobo

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Revista Macau, edição de Dezembro de 1992

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RIBEIRO CARDOSO

SIR ROGER LOBO:

UM MACAENSE NO TOP DE HONG-KONGNascido em Macau em 1923, foi com 22 anos para Hong-Kong. Subiu na vida a

pulso, chegou ao governo da colónia britânica, tornou-se conselheiro degovernadores, fundou e dirigiu empresas, arrancou com a luta contra a

corrupção, participou nas negociações com a China sobre o futuro do Território

A minha universidade foinão ter frequentado auniversidade. A frase,

pronunciada num tom calmo elevemente irónico, é de SirRoger Lobo ou, maiscorrectamente, RogérioHyndman Lobo, um macaenseque é um dos líderes maisdestacados da comunidadeportuguesa de Hong-Kong efigura grada no universopolítico-social da vizinhacolónia.

Como teve o cuidado deexplicar na tarde que com elepassei à conversa no seuespaçoso e funcional gabinetesituado no 33º andar da NewWorld Tower, em plena“Central”, Sir Roger Lobo nãoquer com isso dizer que os jovensnão devem ter estudos superiores.Bem pelo contrário:

os seus dez filhos — cincorapazes e cinco raparigas —

passaram todos por lá, aiganhando a sua carta de alforria.

Hoje desempenham, em váriospontos do mundo, profissõesbem remuneradas.

O que aconteceu é quecircunstâncias diversas meobrigaram cedo a fazer pelavida. Trabalhei muito e desdemuito novo. E tenho muitoorgulho nisso — sublinhou, apropósito, Sir Roger Lobo.Expressando-se num portuguêsfluente—embora de quando emvez hesitasse numa ou noutrapalavra—este

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destacado macaense, quetambém tem nacionalidadebritânica, mergulhou com gostona memória e relembroualegremente o passado. Depoisde, na sua meninice eadolescência, ter frequentadoem Macau a Escola Central, oSeminário de S. José e o LiceuNacional Infante D. Henrique,Rogério José Lobo quis ir, nosfinais da década de 30, para aAmérica, O pai — o ilustremacaense Pedro Lobo —é quenão esteve pelos ajustes.Preocupado com a guerra naEuropa e com o Japão já coma sua máquina bélica pronta aentrar em acção no Pacífico,como depois se viu, o velhoLobo enviou o filho paraHong

- Kong para aprender inglês aserio.

Aqui em Macau, nessaaltura, os jovens estudavamfrancês e latim, mas o meu paijá se tinha apercebido que alíngua internacional seriainevitavelmente o inglês —

disse semicerrando os olhos.Graças a isso lá foi para avizinha colónia britânica, masfoi sol de pouca dura: aguerra no Pacífico rebentoude forma brutal, tendo ojovem regressado de imediatoà base, isto é, a Macau.

Terminado o

conflito bélico, Rogério Lobo,na altura com 22 anos—nasceuem 15 de Setembro de 1923—lá foi de novo assentar arraiaisem Hong-Kong. Ainda deu umasaltada até Lourenço Marques— a belíssima capital deMoçambique, então provínciaultramarina portuguesa,governada nessa altura porGabriel Teixeira, que foitambém governador de Macau —

mas passados uns meses voltoua Hong-Kong. Para criar raízese ai ficar até hoje.

Os bons velhos tempos

Ao que me garantiu, Sir RogerLobo jamais esquecerá essestempos. Começou a trabalharno comércio, indo vender osprodutos mais diversos de lojaem loja, perguntando aosclientes se a mercadoria eraboa, estabelecendo com eleslaços de amizade, conhecendo-os um a um.

Aliás ainda hoje mantenholigações com alguns deles oucom os seus descendentes.Muitas das famílias dessas lojasperderam a boa situação quetinham devido ao aparecimentodos supermercados e aodesenvolvimento extremamenterápido de Hong-Kong, que nãosouberam ou não puderamacompanhar— lembrou, aomesmo tempo que me pediapara me aproximar da amplajanela do seu gabinete de ondese tem uma impressionantepanorâmica da cidade.

Está a ver tudo isto? —

perguntou enquanto, com umgesto largo, apontava para osarranhas-céus que em meiadúzia de anos foram crescendocomo cogumelos em tempo dechuva, transformando“Central” numa desumanizadafloresta de

Na página ao lado: Sir RogerLobo no seu escritório emHong-KongEm cima: Ao colo do pai,Pedro Lobo (ca. 1925)Ao lado:Cinco filhos dePedro José Lobo (Rogério,em pé, Pedro, Natércia,Olivia e Orlando (1937?)

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continentes. Tenho pena que sóde longe a longe nos possamosjuntar todos, mas a vida é assimmesmo e estou satisfeito porquetodos estão bem —desabafouSir Roger Lobo antes de dizer,com evidente satisfação, osnomes de todos os seusherdeiros directos, asrespectivas profissões e oslugares onde estão a viver. E naverdade o retrato familiar éimpressionante: tem filhos emHong-Kong, Califórnia, NovaLorque, Tóquio e Panamá,desempenhando as maisvariadas profissões —há ummédico, um desenhadorindustrial, um director de umaempresa internacional deseguros, dois professoresuniversitários, e proprietáriosde empresas de import-export e

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O futuro de Hong-Kong preocupa, naturalmente, Sir Roger Lobo— o que não o impede, contudo, de encarar com confiança essemesmo futuro.

Assim, com a finalidade de promover a imagem de Honk-Kong noexterior e de algum modo contribuir para que governos estrangeirose homens de negócios continuem a ter confiança em Hong-Kong,Sir Roger Lobo e mais 39 outros “velhos” e influentes residentes davizinha colónia britânica formaram a Fundação Visão 2.047, umnúmero que tem um significado claro: constitui a soma de 1997, adata da passagem da soberania de Hong-Kong para a China, com os50 anos em que, de acordo com a Declaração Conjunta Sino-Britânica, aquele território vai continuar a reger-se pelo sistemacapitalista.

Esta Fundação completou o seu primeiro aniversário em Outubroúltimo e já realizou dezenas de encontros com numerososgovernantes, dirigentes políticos e empresários que passam porHong-Kong, a quem distribui materiais sobre a vida política,económica, financeira e cultural da colónia, com relevo para ummagnífico vídeo de oito minutos que mostra bem o que tem sido oseu progresso e desenvolvimento. Os dirigentes dos Estados Unidos,com relevo para os seus congressistas, têm sido o grande alvo daVisão 2.047, mas a pontaria também está afinada na direcção daCEE. Muito activos e dinâmicos, estes “velhos” residentes deHong-Kong têm levado também a sua mensagem a variados pontosdo globo onde, por motivos dos seus afazeres profissionais, têm quese deslocar —sempre de vídeo-cassete e outros materiais deinformação debaixo do braço.

A nível interno também não estão de braços cruzados: os membrosda Visão 2.047 desenvolvem um programa específico para atingiros estudantes locais dos últimos anos do ensino secundário e osalunos universitários, dando-lhes uma visão dinâmica da história eda realidade actual do território onde vivem. E de quinze em quinzedias os “veneráveis” 40 organizam, à porta fechada, pequenosalmoços com “líderes de opinião”, sejam eles membros do Governoou elementos destacados do sector privado. O objectivo destespequenos almoços é alimentar todos os participantes cominformação, muitas vezes decisiva, para se poderem tomar decisõesem diversos sectores. Informação essa obtida através de umadiscussão aberta, franca, informal e confidencial — regras a quetodos voluntariamente se sujeitam e escrupulosamente respeitam.

Sir Roger Lobo é o presidente da Visão 2.047.

VISÃO 2.047

de publicidade...A filha mais nova casou-se

no ano passado em Hong-Kong e todos os irmãos, comexcepção do médico Rogérioque não pôde sair daUniversidade da Califórnia doSul onde desempenha funçõesdocentes e de investigação,vieram a festa”. Ainda antesdo próximo novo ano chinês afamília vai reunir-se toda emHonolulu —e não serãoadmitidas excepções.

O peso das raízes

As suas ligações a Macau e aPortugal continuam bem vivasmas, como acontece com a vida,vão envelhecendo...

Em Lisboa tem algunsfamiliares (irmãs, sobretudo) eamigos, que visita com algumaregularidade mas não tantasvezes como gostaria. Dequalquer modo já comprou umacasa —e o mesmo fez um dosseus filhos—num dos mais belos

locais da capital portuguesa,em pleno Bairro Alto, junto aoPríncipe Real. Não é queesteja, a pensar ir viver paralá, mas quis ter uma casa para,quando tiver tempo, passarumas temporadas europeias.

Em Macau, cuja vidapolítica, económica e culturalsegue de perto e onde sedesloca com facilidade,mantém laços familiares esentimentais profundos—afinalnão se pode

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esquecer a terra onde se nasce,se cresce e se conhecem osprimeiros amores...

Claro que em Hong-Kong osseus contactos com o mundoportuguês se foram esbatendo. Oseu dia-a-dia obrigou-o a falar ea pensar em inglês e em chinês,mesmo em casa, onde a suacompanheira era chinesa. Acerta altura percebeu que para oseu trabalho e para o seuprojecto de vida erafundamental saber ler e escrevermandarim, e Sir Roger Lobonão esteve com meias medidas:durante anos a fio, à hora dasrefeições, meteu-se em lições demandarim, que hoje fala, lê eescreve com fluência. Mesmoassim nunca perdeu o contactocom a língua portuguesa. Osseus filhos mais velhos, porexemplo, aprenderam a falar alíngua lusa, com explicadoresem casa. Já os mais novos —ostempos eram outros —seguiramoutros caminhos...

De qualquer modo RogérioLobo nunca perdeu o contactocom a comunidade portuguesade Hong-Kong, da qual é umdos líderes mais destacados,

estando neste momento

bastante empenhado emresolver, juntamente com outroselementos de relevo dacomunidade, os problemasgraves de alguns compatriotasmais velhos que vivem sozinhose precisam de ajuda.

Sabe, alguns dos velhosportugueses que se radicaramem Hong-Kong foram ficandopor aqui sozinhos, pois os filhospartiram para longe e esqueceram-se deles. Ou então sãoos próprios velhos que já nãoquerem sair daqui. Não ospodemos abandonar e fazemostudo o que é possível, tentandotambém que Portugal, através doconsulado, não se esqueça dessagente que sempre foi e éportuguesa —referiu a certaaltura Rogério Lobo, quecontinua membro proeminentedo Clube Lusitano e faz parte daAssociação Portuguesa deSocorros Mútuos, daPortuguese CommunityEducation and WelfareFoundation e da PortugueseCommunity Schools Inc..

Por outro lado, as ligações aPortugal, ao fim de quase meioséculo a viver em Hong-Kong,mantêm através da

culinária.Já não é como antigamente...

Quando era novo comia semprepratos bem portugueses e, claro,macaenses. Não dispensava umaboa sopa, de preferência caldoverde, e um bom bife. Aliás aminha mulher aprendeu acozinhar comida portuguesa emacaense e ainda hoje faz, de vezem quando, um excelente caldoverde, casquinha de caranguejo,camarão à nossa moda... E lá emcasa tenho sempre paio, azeitonase azeite de oliveira. Mas desde hómuito que tenho grande cuidadocom a alimentação e posso dizerque sou quase vegetariano.Agora, só comidas leves e comose sabe a comida portuguesa épesada, substancial. Já não é paraa minha idade...— garantiu, comuma leve saudade no olhar.

Seja como for, apesar dos seusvigorosos 69 anos e dos seuscuidados, de uma coisa, como measseverou, Sir Roger Lobo não sedescarta: ainda hoje não podesomar nem multiplicar a não serem português. Quando faz contasé a língua materna que estásempre presente nos seusesquemas mentais. M