72
SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL O Brasil precisa construir um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL harmônico integrando Poderes e Instituições, independente tecnicamente, com ligações próximas, processos ágeis, competências definidas e capaz de assegurar a ordem pública, executar e garantir a aplicação coativa das leis, cumprir os objetivos da execução penal e promover a paz social, zelando pelos recursos públicos e garantindo a supremacia do interesse público em que vida, saúde, patrimônio e bem estar das pessoas são prioridades. TERÇA-FEIRA, 14 DE ABRIL DE 2015 DELEGADO CONCILIADOR ESTADO DE MINAS 09/02/2015 07:33 Governo de Minas vai implantar medida inédita para aliviar superlotação nas prisões. Minas pretende criar este ano a figura do delegado conciliador, que passará a resolver casos que envolvam crimes de menor gravidade, até mesmo com aplicação de penas alternativas Maria Clara Prates

Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Sistema de justiça criminal (atualidades), com um panorama da atual condição do sistema carcerário.

Citation preview

Page 1: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINALO Brasil precisa construir um SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL harmônico integrando Poderes e Instituições, independente tecnicamente, com ligações próximas, processos ágeis, competências definidas e capaz de assegurar a ordem pública, executar e garantir a aplicação coativa das leis, cumprir os objetivos da execução penal e promover a paz social, zelando pelos recursos públicos e garantindo a supremacia do interesse público em que vida, saúde, patrimônio e bem estar das pessoas são prioridades.TERÇA-FEIRA, 14 DE ABRIL DE 2015

DELEGADO CONCILIADORESTADO DE MINAS 09/02/2015 07:33 

Governo de Minas vai implantar medida inédita para aliviar superlotação nas prisões. Minas pretende criar este ano a figura do delegado conciliador, que passará a resolver casos que envolvam crimes de menor gravidade, até mesmo com aplicação de penas alternativas   Maria Clara Prates 

Page 2: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Interior do complexo prisional de Neves: em Minas, total de presos sem julgamento passa de 30 mil, quase a metade da população carcerária 

Com um déficit de 24,5 mil vagas no sistema prisional do estado e uma superpopulação carcerária de 64,7 mil presos, a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais vai implantar uma experiência pioneira, o Núcleo de Pacificação Social e Conflito Criminal, por meio do qual o próprio delegado deverá resolver casos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo – contravenções penais e aqueles com pena máxima de dois anos. A informação foi passada com exclusividade ao Estado de Minas pelo secretário-adjunto de Defesa Social, delegado federal Rodrigo Teixeira. Ele explica que, com a medida, o delegado, na presença de um advogado do acusado, passa a promover a composição civil, que deverá ser homologada por um juiz de Direito, depois de ouvido o Ministério Público (MP). 

A expectativa é de que o núcleo seja implantado dentro de até nove meses, praticamente a custo zero, já que poderão ser usadas as instalações das próprias delegacias. Para garantir eficácia, os policiais civis receberão treinamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Minas, o número de presos provisórios, ainda sem julgamento, chega a 30.349.

Page 3: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

O secretário de Defesa Social, Bernardo Santana (PR), que deu o tom da sua gestão à frente da pasta, quando se comprometeu a valorizar os policiais – civis, militares e bombeiros –, vai se reunir nos próximos dias com representantes do Tribunal de Justiça de Minas (TJ), Ministério Público (MP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras entidades da área de segurança pública, para viabilizar a criação da figura do delegado conciliador. Ou seja, um delegado que atue como um juiz de instrução, decidindo sobre a necessidade da prisão em flagrante, a arbitragem de fiança, como já ocorre, e até mesmo a aplicação de penas alternativas em transações penais e uso de tornozeleiras. Em casos de abusos, o policial seria punido e a decisão revista.

De acordo com Rodrigo Teixeira, a criação do Núcleo de Pacificação Social independe de regulamentação, porque a Lei 9.099, de setembro de 1995 – que criou os juizados especiais cíveis e criminais –, estabelece que as mediações dos conflitos podem ser feitas por juízes ou por leigos. “Essa iniciativa não depende de regulamentação, por isso

, podemos fazer a implantação em no máximo nove meses, instituindo a figura do delegado conciliador”, diz Teixeira. Ele explica, porém, que a figura do delegado de instrução vai exigir uma regulamentação formal e um consenso de todos os envolvidos no processo. “Se o delegado já tem o poder de arbitrar fiança ou manter uma prisão, por que não poderia determinar o uso de tornozeleiras e outras medidas cautelares?”, avalia Teixeira, ao defender que, desta forma, haverá mais agilidade na punição efetiva dos suspeitos.

CAMINHO INVERSO 

Sob a mesma alegação de agilização e redução do total de presos provisórios, São Paulo escolheu caminho em sentido contrário. A partir de amanhã, todos os presos na capital terão que ser conduzidos dentro de 24 horas ao Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, em Barra Funda, onde vai funcionar a Central de Mediação Penal. Para se ter ideia do volume de trabalho no novo centro, somente no segundo semestre de 2012 – último levantamento feito pela organização não governamental Sou da Paz –, 8.108 prisões foram feitas na capital paulista, média diária de 45. Para o secretário Bernardo Santana, a proposta é um grave risco para a solução da segurança pública, um risco para o Judiciário e um engessamento do sistema. “Em Minas, o governador não nos incumbiu de missões espalhafatosas e pirotécnicas, pouco efetivas na segurança pública”, disse.

A iniciativa paulista encontra sustentação no Projeto de Lei 554/2011 – de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que cria a figura do juiz de instrução e praticamente suprime o inquérito policial –, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). De acordo com o projeto de lei, todos os presos deveriam ser apresentados dentro do prazo de 24 horas ao juiz, que já realizaria uma audiência de custódia, com participação indispensável do Ministério Público e advogados e já poderia dar uma sentença. A ideia foi encampada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que lançou oficialmente o sistema na sexta-feira. A medida foi viabilizada por meio de um termo de cooperação assinado com o Ministério da

Page 4: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Justiça, CNJ, MP, Defensoria Pública, OAB, entre outras entidades.

DIREITOS O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, alerta que a concentração de todos os presos em um único ponto vai exigir um grande esquema de segurança no local para evitar resgate, especialmente na cidade onde é berço da violenta facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que resiste nos presídios paulistas. Marcos Leôncio lembra ainda que o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal pode se tornar inviável também em cidades sem juiz e Ministério Público ou defensores públicos, como ocorre hoje em inúmeras comarcas do país. “Dessa forma, estão transformando o Juizado de Instrução, num grande alvo sensível para o crime organizado”, diz o federal. Uma linha de raciocínio que tem o apoio quase unânime de outras carreiras jurídicas e também no Ministério Público (veja quadro abaixo).

Em nota técnica enviada ao Senado, em abril, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, mostra preocupação com a segurança, mas alerta para outro complicador: o alto custo da implantação da medida. “São imensuráveis os custos decorrentes da implementação dessas medidas, a serem arcados quase que exclusivamente pelos governos estaduais”, diz. Para o procurador, o prazo de 24 horas apenas para a apresentação da pessoa presa é extremamente exíguo e pode inviabilizar a aplicação. De acordo com o delegado Marcos Leôncio, a Bahia já tentou implementar o juízo de instrução, mas não consegue realizar a audiência de custódia antes de 20 a 30 dias após a prisão.

Sem consenso

Posição das entidades em relação ao Juizado de Instrução adotado pelo governo de São Paulo

Pela rejeiçãoAssociação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil)Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)Associação Paulista de Magistrados (Apamagis)Federação Nacional dos Delegados de Polícia (Fenadepol)Ministério Público de São Paulo (MPSP)Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC)

Pela aprovaçãoPoder Judiciário do Rio de Janeiro (PJERJ, com emenda)Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege)Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep)Fonte: Senado FederalPostado por Jorge Bengochea às 05:57 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o PinterestESTADO DEIXA DE LADO DA SEGURANÇA PÚBLICAA NOTÍCIA, 10/04/2015 | 08h31

Roelton Maciel

Page 5: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

ENTREVISTA. 'Estado deixa de lado a segurança pública de Joinville', diz juíza

Titular da 1ª Vara Criminal de Joinville há quase três anos, Karen Francis Schubert Reimer critica o desequilíbrio entre as estruturas do Poder Judiciário em Joinville e na Capital

Karen Francis Schubert Reimer fala das condições inadequadas para as polícias Civil e Militar na mais populosa cidade de SC Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS

Há quase três anos, quem bate o martelo ao decidir as sentenças dos acusados de homicídio e tentativa de homicídio em Joinville é a juíza Karen Francis Schubert Reimer, titular da 1ª Vara Criminal da cidade, onde são julgados os chamados crimes contra a vida. Desde maio de 2012, mais de 160 sessões de júri popular foram decididas com a participação da magistrada.

Hoje, outros quase 280 processos que ainda podem ir a júri são mantidos aos cuidados dela. Além de uma pilha com mais 1,7 mil ações envolvendo crimes de outra natureza, que dividem as atenções em seu gabinete. Diante de uma demanda crescente na esfera criminal, a juíza é categórica ao afirmar que Joinville precisaria ter, pelo menos, o dobro de juízes.

A mais populosa cidade de SC, compara, conta com 28 magistrados, enquanto Florianópolis tem 68 juízes em atuação. Crítica quanto à atenção do Estado para Joinville no que diz respeito à segurança pública, Karen entende que a cidade está “deixada de lado”.

Page 6: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Numa conversa de cerca de uma hora com a reportagem de “A Notícia”, a magistrada ainda falou sobre o recorde recente de homicídios, impunidade, eficiência das leis e maioridade penal. Também apontou guerra entre facções na cidade e fez o alerta: se nada for feito, a tendência é piorar.

A Notícia – O Estado deixa a desejar quanto ao aparato policial em Joinville?Karen – Totalmente. Na Capital, o efetivo da Polícia Civil é maior do que o efetivo das polícias Civil e Militar juntas em Joinville. A gente não tem como lidar com a segurança pública sendo tratado de forma tão desigual. Esse é um dos grandes motivos da criminalidade. As penas têm de ser severas, mas o que faz diminuir a criminalidade não é a severidade da pena e, sim, a certeza da punição. Quando há a certeza da impunição ou quase certeza, a impunidade gera uma criminalidade desenfreada. Tenho convicção de que o fato de a segurança pública em Joinville ser deixada de lado pelo governo do Estado é um dos fatores que aumentam a criminalidade. 

Papel do Estado

Outro fator é não conseguir cumprir a legislação porque o Estado não cumpre a parte dele. Mandamos prender, mas não controlamos o presídio, nem a penitenciária. Eles não constroem presídios, penitenciárias, locais para o preso trabalhar. O Judiciário não tem como fazer a parte dele. A maioria dos presos faz questão de trabalhar, até porque se ganha a remissão. Só que o Estado não proporciona isso. Também há um protecionismo muito grande. As leis protegem muito aquele que pratica atos contrários à lei. O devido processo legal é necessário, cumprir a Constituição, também. Digo proteger no sentido de achar brechas para que a pessoa não tenha de cumprir aquilo que é preciso cumprir. Tudo isso para tentar dar uma solução paliativa para a falta de espaço, de condições no presídio.

Direitos humanos

Sou totalmente favorável aos direitos humanos. É indispensável. Só acho que deveriam ser chamados de direitos civis. Toda pessoa que luta pelos direitos humanos deveria lutar pelo devido processo legal e para que as prisões fossem locais onde a pessoa fosse trabalhar, estudar e cumprir a pena de forma decente. Não entendo que direitos humanos seja colocar a pessoa na rua. Nunca recebi um pedido de direitos humanos para melhorar a situação de um preso, sempre para soltar.

AN – A fragilidade do sistema impacta na reincidência?Karen – Diretamente. Temos vários tipos de pessoas que infringem a lei. Algumas delas, se tiverem oportunidade, podem eventualmente sair do mundo do crime. Outras não têm condições, encaram o crime como modo de vida. É uma opção, não uma falta de condição. Dizer que a injustiça social é a causa do crime é a maior injustiça que se comete com os milhões de pobres e honestos. Se isto fosse verdade, não teríamos petrolão. Praticamente todos os estelionatários têm uma boa formação. 

É uma distorção, uma romantização absurda dizer que a criminalidade tem relação

Page 7: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

com a falta de condições. Pode-se dizer que, no Brasil, a grande maioria dos criminosos é pobre. Sim, porque a grande maioria dos brasileiros é pobre. Tudo é uma proporção. Mas temos as exceções. Aquela criança que não teve nenhuma chance caiu nas drogas muito cedo. Essa pessoa poderia, talvez, ter uma escolha diferente. Essas pessoas, em um ambiente prisional onde fossem estudar, trabalhar, ter tratamento, nesse caso acredito que se recuperam.

Reeducação

Dizer que o único objetivo da pena é reeducar acho até um insulto para o preso. Um preso de 30 anos de idade, que diz ter o crime como profissão, dizer que precisa reeducá-lo é uma ofensa. Na verdade, aquela é uma opção daquela pessoa, ela sabe o preço a pagar se for pega. Se ela souber que as chances de precisar cumprir esse preço são baixas, isso vai estimular a pessoa a praticar mais crimes.

Pena de morte

Até hoje não consegui ser a favor, principalmente por já ser comprovado que não diminui a criminalidade. O que diminui é ter certeza de que será punido. Colocar um radar no sinaleiro é muito mais eficaz do que instituir pena de morte para quem furar o sinal e isto não ser cumprido. No caso do Brasil: saber que, mesmo matando 20 pessoas, o máximo de pena é 30 anos, mas, com todos os benefícios, cai para 15. Isto tem que mudar.

AN – Há casos, mesmo nos júris, em que o réu é condenado, mas continua em liberdade. Como isso contribui para a sensação de impunidade?

Karen – Essa é a nossa garantia do devido processo legal. Ainda que eu não concorde com alguma lei, vou cumpri-la porque a minha profissão é cumprir a lei, não fazer a lei. O juiz não tem o direito de julgar diferente da lei quando não concorda, a não ser que a lei seja inconstitucional, algo assim. 

No Brasil, gravidade do crime não é motivo de prisão cautelar. Diz a lei o seguinte: se alguém esquarteja três pessoas hoje, mas tem residência fixa, bons antecedentes e trabalha, isto significa que ela pode ficar solta. Porque, na nossa lei, a prisão é uma garantia para o processo, para que chegue ao fim. A gravidade não é motivo, sozinha, para a decretação da prisão. Isto para o flagrante. Imagina, então, alguém que já responda em liberdade e você ter de prender ao final? No nosso sistema, você só é considerado culpado depois do trânsito em julgado da decisão. Há recursos e mais recursos, isto pode levar anos.

Debate

Se a população não concorda com algumas considerações da nossa lei, isto deveria ser objeto de debate e ser levado ao Legislativo. Não existe esse debate com a sociedade de qual tipo de sociedade queremos ter. Hoje, temos uma sociedade muito permissiva em relação ao cometimento de crimes e à punição desses crimes.

AN – Há momentos em que o magistrado se sente impotente?Karen – Todos que trabalham com a Justiça, seja de um lado ou de outro, em algum

Page 8: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

momento sente o conflito entre o seu convencimento pessoal e o que a legislação diz. Entendo que, se aquela legislação for constitucional, eu não tenho o direito de não aplicá-la. Não é o meu pensamento que tem de prevalecer sobre a lei. Temos algumas penas adequadas, que não precisam ser aumentadas, legislações que são boas. Não fico em conflito o tempo inteiro. Temos boas leis, o problema é que elas não são cumpridas. Nossos problemas são de estrutura, de pessoal. Principalmente da parte do Executivo.

Comparativo

Joinville tem 28 juízes, titulares e substitutos. A Capital tem 68. Aqui, a 1ª Vara Criminal, que é privativa do júri, mas não exclusiva, tem 1.996 processos, dos quais 278 são do júri. Na Capital, a vara é exclusiva do júri e tem 170 processos. Como que a gente pode prestar um trabalho com a qualidade que se espera? Temos a mesma quantidade de juízes que Tubarão, Lages. Isto é histórico. Joinville sempre foi deixada de lado pelo Estado em todos os órgãos. O cível é abandonado, o criminal é abandonado. A gente acaba enxugando gelo, com quase um terço do efetivo. Joinville precisaria do dobro de juízes. E qualquer vara nova que venha tem de ser cível. Lá, a demanda é maior. Mas temos demanda para uma vara privativa do júri, mas é um sonho que duvido que será realizado.

AN – A senhora tem preocupação particular com a imagem das corporações policiais.Karen – A polícia é a profissão que põe a vida em risco. Existe corrupção? Existe, assim como em todos os meios. Mas parece que, no Brasil, existe uma tendência de só dar importância ao policial quando ele faz algo errado. Não se veem homenagens, uma comunidade aplaudindo o trabalho policial. Vejo com preocupação a tendência de pegar um policial ruim e jogar essa imagem para toda uma corporação extremamente dedicada, que trabalha sem estrutura, com efetivo absurdamente abaixo do ideal. E colocam o peito na rua para defender a população, em troca da falta de reconhecimento e de um salário baixo. Temos que aprender a valorizar nossos heróis. 

AN – Joinville alcançou um recorde de homicídios no ano passado, que pode ser superado neste ano. Como a senhora avalia os números?Karen – Há uma ligação direta com a sensação de impunidade. Não temos efetivo policial para investigar ou para colocar na rua e prender. Eles (criminosos) sabem disso, é um incentivo ao crime. Se tivéssemos três vezes mais policiais, duvido que tivéssemos esses números. Se tivéssemos a quantidade de policiais que Florianópolis tem nas ruas, não teríamos esses números. Está diretamente ligado ao fato de Joinville estar totalmente deixada de lado no quesito segurança pública. E a tendência é piorar.

AN – Qual o perfil de quem pratica homicídio em Joinville?Karen – Parece que são levas. Cada ano muda o perfil da maioria. A maior parte é vinculada às drogas, isso não muda. Ano passado foi o ano da Maria da Penha. Tivemos um número absurdo de homicídios e tentativas, também de mulheres tentando matar o marido. Neste ano, estamos com uma guerra de facções. As organizações criminosas estão liderando a maioria dos crimes. A criminalidade havia baixado dois anos atrás no Jardim Paraíso porque havia um trabalho de segurança

Page 9: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

pública naquele local. Depois, isto foi deixado de lado e a criminalidade está voltando.

AN – Como o Judiciário pode dar conta de tantos casos?Karen – Vou continuar batalhando para dar conta, nunca usei o excesso de trabalho como desculpa. Mas talvez alguém tenha que fazer alguma coisa. Se a polícia conseguisse investigar todos os crimes cometidos, não faço ideia do que poderia acontecer com o Judiciário. O trabalho policial é excepcionalmente bem-feito considerando as condições de trabalho. O caso Vitória Schier (adolescente estuprada e morta), por exemplo, teve um trabalho fenomenal, dá para escrever um livro. Há outros casos em que se poderia identificar a autoria se houvesse equipamentos, um banco de dados de DNA, de digitais, o que se vê em filmes.

CâmerasColoquem câmeras de segurança. As pessoas estão passando a ser condenadas a partir de imagens das câmeras. A partir do momento em que há condenações com essa prova, eles (criminosos) vão passar a tomar cuidado para não agir onde há câmeras. Desvendamos muito crimes com câmeras. 

AN – Qual a sua avaliação quanto à redução da maioridade penal?Karen – Continuo achando que a solução não é diminuir a maioridade. Não acho que colocar esses rapazes de 16 anos, ainda que criminosos, junto do pessoal experiente seja benéfico para a sociedade. O que tem de mudar é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). É preciso tratar de forma diferenciada os crimes graves dos que não são. Os adolescentes que são abusados, sem possibilidades, daquele que é psicopata. Tem que existir um tratamento diferenciado para os jovens que cometem crimes graves. É preciso mudar o ECA, não o Código Penal. Hoje, no Paranaguamirim, crianças de oito a nove anos estão vendendo drogas. Começou a se aplicar mais medidas restritivas aos adolescentes. Aí, agora estão pegando quem não responde mesmo, as crianças. Então, diminuir a maioridade não vai diminuir a criminalidade. Mas se o ECA fosse cumprido à risca, também não seria esse absurdo que acontece hoje.Postado por Jorge Bengochea às 05:47 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2015

MP DEFLAGRA NOVA OFENSIVA CONTRA FACÇÃO DA CAPITAL

Page 10: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

ZERO HORA 04 de março de 2015 | N° 18091

POLÍCIA.COMANDO NA MIRA. TERCEIRA FASE da investida contra Os Manos quer neutralizar líder do bando. Transferido do Presídio Central à Pasc, detento continua ordenando crimes

Na terceira fase da ofensiva iniciada em abril do ano passado contra a facção Os Manos, o Ministério Público (MP) tenta neutralizar o líder da facção. Na Operação Hydra de Lerna, deflagrada ontem, o objetivo é isolar um detento que, mesmo de dentro da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), seguia ordenando crimes nas ruas – este ano a casa prisional perdeu o status de segurança máxima.

O promotor Ricardo Herbstrith solicitou a transferência de Tiago Benhur Flores Pereira, 29 anos, para o regime disciplinar diferenciado (RDD) – sistema de isolamento rígido que proíbe benefícios como visita íntima – em algum presídio federal do país.

Apontado como o principal líder da facção Os Manos, Benhur tem sete condenações por roubo e uma por tráfico – penas que chegariam até 2122. Em abril do ano passado, quando desencadeou a Operação Praefectus – a primeira fase da ofensiva contra o bando –, o promotor já havia solicitado a transferência do preso, mas teve o pedido negado pela Justiça. Ele ainda aguarda decisão.

– Não vejo outra forma de isolar o comando. Como já demonstramos, mesmo depois de um ano, a facção continua agindo a partir das cadeias – afirma Herbstrith.

Na ação de ontem, a terceira investida do MP contra Os Manos, o alvo era a influência do grupo no tráfico na zona sul da Capital. Em julho de 2014, por exemplo, a Brigada Militar (BM) interceptou 10 quilos de cocaína carregados desde o bairro São José, na Zona Leste, em um caminhão de gás.

Page 11: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Ontem, com apoio da BM, foram cumpridos seis mandados de prisão preventiva – cinco contra detentos da Pasc, da Penitenciária Modulada de Charqueadas e do Presídio Central. A mulher de um apenado foi pega quando chegava no Central para visita. Na Restinga, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma, usando tornozeleira eletrônica do regime semiaberto, o irmão de um dos investigados.

Grupo é denunciado por tráfico

Em outra frente, o promotor Flávio Duarte denunciou 15 integrantes da facção dos Abertos à Justiça por tráfico de drogas e comércio ilegal de armas e munição.

Entre os alvos da denúncia estão Letier Ademir Silva Lopes, que cumpre pena na Pasc, Jhonatan Luiz Viana, detido na Penitenciária Estadual de Charqueadas, e Cristiano Feijó Madrile, recolhido no Presídio Central.

Ao longo da investigação iniciada em abril do ano passado, com o apoio do serviço de inteligência da BM, 12 pessoas foram presas em Gravataí, Sapucaia do Sul, Canoas, Charqueadas e Cachoeirinha. Foram apreendidos 100 quilos de maconha, cocaína e cerca de dois quilos de crack, além de LSD, armas e munição.

OPERAÇÕES EM ETAPAS

PRAEFECTUS

-Em abril de 2014, a ação revelou como a facção Os Manos exige pagamentos dos detentos de suas galerias no Presídio Central. Bares em frente à cadeia eram utilizados como agência bancária pela facção. Familiares dos presos entregavam nos estabelecimentos dinheiro que era recolhido pelo bando para compra de drogas e armas.

KOMMUNICATION

-Realizada em fevereiro deste ano, mostrou como, a partir das celas da Pasc, a facção elaborava um “estatuto”, cuja principal cláusula era a contribuição mensal dos integrantes, formando uma vaquinha milionária para compra de armas. Valores estimados em R$ 1,3 milhão seriam arrecadados com a mensalidade de R$ 200 de pelo menos 450 criminosos ligados à organização do Vale do Sinos. Escutas telefônicas flagraram o plano.

HYDRA DE LERNA

-Desencadeada ontem, teve como alvo principal o líder da facção Os Manos. O MP pede a transferência da Pasc do detento Tiago Benhur Flores Pereira, 29 anos, para o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em algum presídio federal do país. Mesmo transferido do Central para a Pasc, ele estaria no comando das ações da facção.

Postado por Jorge Bengochea às 05:09 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

QUINTA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO DE 2015

CASO ELISEU SANTOS, DIVERGÊNCIAS E CINCO ANOS SEM JULGAMENTO

Page 12: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

 

ZERO HORA 26 de fevereiro de 2015 | N° 18085

JOSÉ LUÍS COSTA

CASO ELISEU SANTOS, Cinco anos depois, ninguém foi julgado

EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE de Porto Alegre foi assassinado em 26 de fevereiro de 2010 e, até agora, o crime segue sem resposta. Polícia Civil entendeu se tratar de roubo com morte, enquanto promotores apontaram homicídio encomendado

A sexta-feira 26 de fevereiro de 2010 segue como uma incógnita na história policial do Rio Grande do Sul. Desde aquela noite, quando se iniciavam as buscas aos matadores do ex- secretário de Saúde de Porto Alegre Eliseu Santos, os gaúchos se perguntam o que, de fato, aconteceu com o polêmico médico e político, assassinado aos 63 anos, diante da mulher e da filha caçula. Exatos cinco anos depois, o crime segue sem respostas.

Um das razões para isso foi uma desavença entre a Polícia Civil e o Ministério Público (MP), gerando uma crise sem precedentes entre as duas instituições. De um lado, policiais afirmando se tratar de um roubo seguido de morte (latrocínio) praticado por três ladrões de carro. Em outra ponta, promotores garantindo que Eliseu foi vitima de homicídio encomendado por um grupo de desafetos.

A tese do MP prevaleceu na esfera judicial. Sete pessoas foram presas preventivamente durante um ano, mas a medida foi insuficiente para elucidar o crime. Ao longo do tempo, o MP foi descobrindo novos suspeitos, obrigando a Justiça a cindir (dividir) o caso – o maior em tramitação na 1ª Vara do Júri da Capital – em cinco processos.

SÓ UM DOS ACUSADOS EM PRISÃO PREVENTIVA

Page 13: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Atualmente, são 10 réus – já foram 13. Os processos somam 218 volumes em 62,3 mil páginas, ocupando uma sala em separado. Apenas um dos acusados (Eliseu Pompeu Gomes) está preso preventivamente pelo crime, e a previsão mais otimista é de que o primeiro dos cinco julgamentos ocorra este ano.

– Normalmente, a cissão causa perturbação processual. Neste caso, com vários réus, acho a demora normal – analisa o criminalista Nereu Lima.

Na avaliação do advogado Marcos Vinícius Barrios, defensor de Marcelo Machado Pio, um dos acusados de ser mandante do crime, o caso tende a se estender por anos a fio e até com desfecho inesperado.

– Tenho certeza de que será anulado em Brasília por causa das cissões e vícios processuais, além do que é um delírio acusatório – diz Barrios.

O promotor Eugênio Amorim rebate a afirmação:

– Vou me preocupar quando for elogiado por advogados. Nos criticam porque nosso trabalho foi bem-feito.

Zero Hora não localizou familiares de Eliseu. Luis Augusto Lara, deputado estadual pelo PTB, lembra com saudade do amigo.

– Era uma pessoa franca, autêntica. Está fazendo muita falta entre nós – comenta.

 Postado por Jorge Bengochea às 10:51 Postado por Jorge Bengochea às 05:55 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

DOMINGO, 8 DE FEVEREIRO DE 2015

OS HOMENS QUE ESTÃO MUDANDO O BRASIL

 REVISTA ÉPOCA 06/02/2015 22h39 

Quem são e como trabalham os juízes e procuradores da Operação Lava Jato. Eles lideram uma revolução no combate à corrupção 

Page 14: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

DIEGO ESCOSTEGUY 

 

>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana: 

O edifício Patriarca, com sua estrutura retangular em mármore acinzentado e seus vidros negros espelhados, destaca-se sombriamente na paisagem de Curitiba – especialmente nos dias chuvosos e nublados, que são muitos. O Patriarca assenhora-se das cercanias: não há construção que faça sombra nele. Fora, a larga caixa negra de nove andares, sem curvas ou vida, sugere apenas segredos. Dentro, o Patriarca abriga escritórios de algumas das maiores empresas do país. No 2o andar, funciona a filial no Paraná da Odebrecht, a mais rica e influente empreiteira da América Latina. A Petrobras tem escritórios em dois andares: no 9o e no 7o. Neste, divide espaço com um inquilino novo e discreto – um inquilino que não permite sequer que seu nome seja exibido na portaria do Patriarca. Num conjunto modesto de salas, estabeleceu-se há alguns meses o grupo de elite responsável pela investigação que sacode o Brasil. São os homens da força-tarefa montada pelo Ministério Público Federal na Operação Lava Jato.

O MPF precisou alugar as salas porque, com o rápido avanço das investigações – que de grandes se tornaram colossais –, os procuradores não tinham espaço, equipe e segurança suficientes para conduzir os trabalhos. Para eles, bastou atravessar a rua: o Patriarca fica em frente à sede do MPF em Curitiba. Dividir parede com o inimigo – quer dizer, o alvo – diverte a equipe. “Já pensamos em bater

Page 15: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

lá de madrugada para pegar documentos”, brinca um deles. “Pouparia trabalho aqui.” Dar expediente cinco andares acima da Odebrecht, um dos próximos alvos dos procuradores, causa menos sorrisos. Eles estão ávidos para pegar de vez a empreiteira que, suspeitam, faz parte do cartel que domina as grandes obras públicas do país. Desde o começo das investigações, a Odebrecht nega qualquer irregularidade, embora tenha aparecido na delação premiada do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco.

Uma pequena porta de vidro abre-se para o ambiente de trabalho dos procuradores. É austero, até apertado. A impressora fica num corredor estreito, o que exige dribles constantes daqueles que gostam de zanzar entre as salas. Um guarda protege o local, sempre de pé, ao lado da secretária que cuida do dia a dia – dias que, quase sempre, varam a madrugada. Trabalha-se muito ali, como demonstra a sucessão de números superlativos da maior investigação já feita no país: 12 acordos de delação premiada, 86 pessoas denunciadas, 232 empresas investigadas, dezenas de contas secretas bloqueadas em paraísos fiscais, R$ 500 milhões recuperados aos cofres públicos… Não há processo criminal, na história da República, que chegue remotamente perto dessas façanhas.Postado por Jorge Bengochea às 07:07 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

SÁBADO, 31 DE JANEIRO DE 2015

CORTANDO GASTOS NA FINALIDADE PARA PAGAR AUXÍLIO MORADIA DOS PROMOTORES

ZERO HORA 30/01/2015 | 16h53 

por André Mags

Apertando o cinto. MPU determina corte de gastos para pagar auxílio-moradia

Page 16: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

e revolta servidores no RS. MPT-RS definiu economia na energia elétrica, no telefone e até na água mineral no Estado

Ainda sem previsão de valores aprovada no Orçamento da União de 2015, o auxílio-moradia a procuradores do Ministério Público da União (MPU) será pago em janeiro com economia de recursos como diárias, passagens aéreas e outros. A determinação foi comunicada a todos os ramos do MPU, e o descumprimento pode acarretar irregularidade por "despesa indevida" — as punições podem incluir multa e devolução de valores. 

A medida revoltou servidores do Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), onde está havendo cortes de gastos na energia elétrica, no telefone fixo e celular, correio e malote, em combustíveis, suprimento de fundos para pequenas despesas e até na água mineral, conforme servidores. 

Funcionários do MPU reivindicam reposições salariais acumuladas. Eles estão há nove anos sem reajustes acima da inflação, conforme o Sindicato Nacional dos Servidores do MPU e do CNMP (Sinasempu). 

Para garantir o benefício aos procuradores, os demais funcionários serão afetados, analisa o delegado sindical da Associação dos Servidores do Ministério Público do Trabalho e Militar, Luís Alberto Bauer. Ele lembra que a categoria já fez um protesto contra o auxílio-moradia e que há possibilidade de paralisação nacional para pressionar por um reajuste real. 

— A política funciona assim. Não somos nós que votamos para procurador-chefe e outros. Então, não temos valor nenhum — afirma Bauer. 

A contenção de gastos foi definida em Brasília em uma reunião realizada na Procuradoria-Geral da República com todos os ramos do MPU (que são Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e comunicada via ofício-circular em 9 de janeiro. Na reunião, "deliberou-se pela realocação de recursos de custeio disponíveis com a finalidade de suprir a demanda de pagamento do auxílio-moradia dos membros, até a definição do orçamento de 2015", diz e-mail explicativo sobre a medida encaminhado aos servidores em meados de janeiro e anexado às explicações de cortes no MPT-RS. 

— É uma questão moral. Vamos deixar de fazer as nossas coisas para garantir o benefício deles — comentou uma servidora do MPT-RS. 

O procurador-chefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra, afirmou que esse repúdio dos servidores ao auxílio-moradia e aos cortes está ligado à campanha salarial da categoria, que entende ser justa. Ele garantiu que os cortes não afetarão o serviço. 

— Realmente houve cortes, mas nada que implique qualquer limitação ao funcionamento da procuradoria. Aqui tem água normal, o horário não foi reduzido, todo mundo está com o ar-condicionado ligado. Óbvio que tivemos que fazer

Page 17: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

algumas reduções, mesmo, o que foi bom, porque demos uma racionalizada. O pessoal ligava o ar-condicionado já na primeira hora da manhã, sem estar na sala. A gente racionalizou isso. Talvez os ânimos estejam meio exaltados por causa da campanha salarial deles — argumentou. 

Contatado em Brasília, o MPT comunicou que não se manifestaria sobre assunto interno da instituição. 

Não há um valor exato a ser economizado. No entanto, o auxílio-moradia, aprovado no ano passado, vale mais de R$ 4,3 mil para magistrados, procuradores e promotores de todas as esferas da Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública, cujos salários podem alcançar em torno de R$ 30 mil. No Rio Grande do Sul, calcula-se que o custo anual com o benefício passaria de R$ 110 milhões.Postado por Jorge Bengochea às 06:01 Nenhum comentário: Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

TERÇA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2015

MP DEFLAGRA OPERAÇÃO PARA PRENDER TRAFICANTES

O DIA 27/01/2015 

MP deflagra operação para prender traficantes no Rio e na Região do Lagos Dos procurados, 10 já cumprem pena. Outros 16 são procurados no Rio, Niterói e em Cabo Frio e Arraial do Cabo 

Marcello Victor 

Rio - Agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e da Delegacia de Repressão a Crimes Contra o Patrimônio (DELEPAT), da Polícia Federal, desencadearam uma operação no início da manhã desta terça-feira para desmantelar uma quadrilha de tráfico de drogas que atua na Região do Lagos. Denominada Dominação, a ação tem o objetivo de cumprir 26 mandados de prisão. Dos procurados, dez já cumprem pena. Equipes tentam prender os outros 16 denunciados no Rio, Niterói e em Cabo Frio e Arraial do Cabo. 

De acordo com a denúncia do MP, os integrantes da quadrilha atuavam na

Page 18: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

exploração do comércio ilegal de drogas nas comunidades Alecrim, Boca do Mato, Reserva do Peró, Cemitério, Monte Alegre, Cidade Perdida e Jardim Peró, em São Pedro da Aldeia e Cabo Frio, além de outras cidades da Região dos Lagos. Ligados a facção criminosa Comando Vermelho, a quadrilha fornecia do Rio armas, drogas e munição para abastecer as bocas-de-fumo do interior. Eles também são denunciados por receptação, lavagem de dinheiro e comércio ilegal de armas de fogo, entre outros crimes. 

O homem apontado como o chefe da quadrilha, Carlos Eduardo Rocha Freire Barboza, conhecido como Caçador, Lobo ou Cadu Playboy se encontra preso no Presídio de Segurança Máxima de Bangu 1, assim como outros nove denunciados que cumprem pena em unidades prisionais do Rio. A quadrilha, ainda de acordo com as investigações do MP, praticou crimes como lesão corporal, receptação e lavagem de dinheiro para manter o domínio e o controle na venda de drogas na Região dos Lagos. 

Além dos mandados de prisão, o MP determinou o sequestro de bens móveis e imóveis e o bloqueio de valores dos 26 denunciados e de outras 13 empresas que teriam relação com o esquema de tráfico de drogas do grupo. 

Fornecimento de armas de fogo e crimes eleitorais 

Segundo o MP, Playboy também adquiria e recebia de fornecedores e associados armas de fogo e munições de diversos calibres, que eram distribuídas ao restante da quadrilha. Ele era auxiliado pelo também denunciado João Paulo Firmiano Mendes da Silva, vulgo “Russão” ou “Monstro”. João Paulo é apontado como um chefe ativo da quadrilha e era líder do tráfico no Morro da Mangueira. 

O pai de Playboy, Francisco Eduardo Freire Barbosa, também denunciado. Ele é presidente da Empresa Cabista de Desenvolvimento Urbano e Turismo (Ecatur) e participou do esquema de lavagem de dinheiro do tráfico usando sua empresa. 

A denúncia também aponta crimes eleitorais no primeiro turno das eleições de outubro de 2014. Cadu Playboy reuniu moradores de Cabo Frio e São Pedro da Aldeia para a compra de votos e boca de urna em favor de candidatos a deputado estadual e federal. O grupo chegou a utilizar atos de violência para afastar cabos eleitorais de adversários. A quadrilha também tinha o objetivo era lançar a candidatura de pessoas da comunidade ligadas ao tráfico ao cargo de vereador nas eleições de 2016. 

A Operação Dominação também cumpre mandados de busca e apreensão, além do sequestro de bens móveis e imóveis e o bloqueio de valores de todos os denunciados e das seguintes empresas: Rocha e Vignoli Empreiteira Ltda.; C Vignoli Restaurante e Pizzaria; Locabotur Ltda.; T. Vignoli Comércio; Gordo Pizzas; D. G. Vignoli Confecções; RCJ Comercio Atacadista de Material de Laboratório Ltda; Douglas Pereira Rocha; Rui Pralon Meireles; B & B Cabo Frio Comércio e Representação e Serviços Ltda.; Bragança e Barboza Ltda; José Vignoli; e Soft Rio Confecção Ltda.

Page 19: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Sistema Prisional Brasileiro: Desafios e Soluções“Já me tiraram a comida e o sol, já levei chute e bofetada. Abriram as pernas da minha mulher, arrancaram a roupa de minha mãe. Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.” (J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro)     RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do…

Artigos   53098

“Já me tiraram a comida e o sol,

já levei chute e bofetada.

Abriram as pernas da minha mulher,

arrancaram a roupa de minha mãe.

Não tem mais o que tirar de mim, só ódio.”

(J. M. E. 31 anos, preso no Rio de Janeiro)

 

 

RESUMO: o artigo discorre sobre a realidade do sistema carcerário brasileiro, os principais

problemas e desafios existentes, bem como apresenta algumas possíveis soluções.

PALAVRAS-CHAVE: sistema carcerário brasileiro – prisão – ressocialização – medidas

alternativas – política criminal.

 

ABSTRACT: the article discusses the reality of the Brazilian prison system, the main existing

problems and challenges, and presents some possible solutions.

KEYWORDS: Brazilian prison system – prison – resocialization – alternative measures –

criminal politics -

 

 

Originalmente as prisões foram criadas como alternativas mais humanas aos castigos

corporais e à pena de morte. Já, num segundo momento, estas deveriam atender as

necessidades sociais de punição e proteção enquanto promovessem a reeducação dos

Page 20: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

infratores. Mas sabemos que tem sido utilizadas para servir a propósitos muito diferentes

daqueles originalmente visados.[1]

Segundo dados oficiais (CNJ/DPN), o Brasil tinha 422.373 presos, numero que subiu 6,8%

(451.219) em 2008 e 4,9% (473.626) em 2009. Atualmente, o país conta com quase 500 mil

presos – seguindo esse ritmo, estima-se que em uma década dobre a população carcerária

brasileira.[2] O Brasil é a terceira maior população carcerária do mundo, só fica atrás dos

Estados Unidos (2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos).[3]

Dos quase 500 mil presos, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena e 44% são

presos provisórios que aguardam o julgamento de seus processos; A capacidade prisional é

de cerca de 320 mil presos. Assim, o déficit no sistema prisional gira em torno de 180 mil

vagas; Há cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela justiça que não foram

cumpridos; Cerca de 10 mil pessoas são detidas mensalmente; O índice de punição de

crimes é inferior a 10%. Isso mostra que se a polícia fosse mais eficiente, o poder público

não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria maior; Quase 60 mil pessoas se

encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciarias e cadeiões não comportam e

não dispõem de infra-estrutura adequada; A construção de novas prisões custa, em média,

cerca de R$ 25.000 por vaga; Em termos de manutenção das vagas existentes, cada preso

custa, em média, cerca de R$ 1.500 por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro, mas e

daí?

A população carcerária brasileira compõe se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Em

geral, são de jovens com idade entre 18 e 29 anos, afrodescendente, com baixa

escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das

mulheres). Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de

entorpecentes (22%); A média das penas é de 4 anos.

As prisões no Brasil, segundo o relatório da ONG Human Rights Watch (sobre violações dos

direitos humanos no mundo) estão em condições desumanas, são locais de tortura (física e

psicológica), violência, superlotação.[4] Vive-se uma situação de pré-civilização no sistema

carcerário. Constata-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário

para vários detentos) e de ventilação; colchões espalhados pelo chão (obrigando os

detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em

unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de

doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de

trabalho; analfabetismo; mulheres juntas com homens, já que a oferta de vagas para

mulheres é muito baixa; homens presos em conteiners; há desproporcionalidade na

aplicação de penas; mantém se prisões cautelares sem motivação adequada e por mais

tempo do que o previsto; falta Defensória Pública eficaz, pois muitos presos que já poderiam

estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado;

contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as

Page 21: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

dificuldades são ainda maiores, pois o Estado não respeita as especificadas femininas, como

por exemplo, a falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas

à amamentação e na quase ausência berçários e creches.[5]

Segundo Cezar R. Bitencourt, eminente penalista, as deficiências apresentadas nas prisões

são muitas:

a) maus tratos verbais ou de fato (castigos sádicos, crueldade injustificadas, etc.); b)

superlotação carcerária (a população excessiva reduz a             privacidade do recluso,

facilita os abusos sexuais e de condutas erradas); c) falta de higiene (grande quantidade de

insetos e parasitas, sujeiras nas celas, corredores); d) condições deficientes de trabalho (que

pode significar uma inaceitável exploração do recluso); e) deficiência dos serviços médicos

ou completa inexistência; f) assistência psiquiátrica deficiente ou abusiva (dependendo do

delinqüente consegue comprar esse tipo de serviço para utilizar em favor da sua pena); g)

regime falimentar deficiente; g) elevado índice de consumo de drogas (muitas vezes

originado pela venalidade e corrupção de alguns funcionários penitenciários ou policiais, que

permitem o trafico ilegal de drogas); i) abusos sexuais (agravando o problema do

homossexualismo e onanismo, traumatizando os jovens reclusos recém ingressos); j)

ambiente propicio a violência (que impera a lei do mais forte ou com mais poder,

constrangendo os demais reclusos).[6]

 Segundo dados do InfoPen, um único médico é responsável por 646 presos; cada

advogado público é responsável por 1.118 detentos; cada dentista, por 1.368 presos; e cada

enfermeiro, por 1.292 presos. Todavia, a Resolução do Conselho Nacional de Política

Criminal e Penitenciária determina que para cada grupo de 500 presos exista um médico,

um enfermeiro, um dentista e um advogado. O descumprimento da lei não está apenas na

assistência dos presos. Segundo a legislação cada detento deveria ter cela individual e área

mínima de 6 metros quadrados. Mas a realidade é outra, pois nos cárceres há um verdadeiro

amontoamento de presos, depósitos humanos, onde ficam apenas contidos, segredados.

No Brasil, a (alta) taxa de reincidência criminal, se situa em torno de 70% (ante 16% na

Europa). Como não há reeducação (aprimoramento humano e profissional), quando voltam

ao convívio social, geralmente se enveredam novamente para o crime. Se torna um ciclo,

pois quanto mais gente se prende, mas potenciais presos se está formando, mas com o

diferencial de que a cadeia o “aprimorou” para o crime (escolas do crime). Assim, quando o

preso sai da cadeia, vamos nos deparar com alguém mais perigoso, embrutecido e,

obviamente, sem nenhuma condição de acesso ao mercado de trabalho. O estigma de

cometer um delito acompanha o ex-detento por toda a vida e geralmente chega ao ouvido

dos futuros patrões, inviabilizando a possibilidade de trabalho. A falta de oportunidades

reserva basicamente uma única opção ao ex-presidiário: voltar a infringir a lei quando retorna

ao convívio social. É como se a sociedade o empurrasse novamente para o mundo do crime.

Há um preconceito de toda a sociedade. Isso tudo, sem dúvida, torna muito pouco provável

Page 22: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

a reabilitação. Triste realidade. Todavia, é preciso oferecer perspectiva de futuro ao preso,

caso contrário, as penitenciárias vão seguir inchadas de reincidentes.

Apesar de ser uma exigência para a ressocialização, as atividades laborais e os cursos

profissionalizantes, estão longe de ser uma realidade. Estudos mostram que

aproximadamente 76% dos presos ficam ociosos. Em todo país, apenas 17%% dos presos

estudam na prisão – participam de atividades educacionais de alfabetização, ensino

fundamental, ensino médio e supletivo. Todavia, trabalhar ou estudar na prisão diminui as

chances de reincidência em até 40%.[7] Dar um tratamento digno ao preso, propiciando-lhe

trabalho e educação, além da inserção no mercado de trabalho, é uma forma de combater o

crime. Por isso, as empresas e o governo precisam incentivar a criação de oportunidades de

trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário,

de modo a concretizar ações de cidadania, promover a ressocialização e conseqüente

redução da reincidência.

Por conta deste quadro polêmico que atinge todos os Estados brasileiros, para enfrentá-lo, o

Conselho Nacional de Justiça apresentou algumas soluções: promoveu mutirões[8], passou

a estimular os juízes criminais a reduzirem os números das prisões provisórias, a aplicarem

penas alternativas e permitirem o monitoramento eletrônico de presos. No entanto, apesar

dos sucessivos esforços e avanços, os resultados dessas iniciativas ficaram abaixo das

expectativas. É dizer, o sistema prisional continua em crise. Mas não é só. O mais grave é

que este problema só tende a se agravar.

Sem embargo, há um consenso entre os estudiosos de que: é preciso evitar que as pessoas

precisem ir à cadeia. Uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido (que

representa um dos menores índices de presos no mundo), por exemplo, é reservar as

prisões somente para os criminosos considerados perigosos que oferecem risco à

sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual, ampliando, assim, a utilização

de penas e medidas alternativas (à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos

condenados pelo Estado e sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de

quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente muito maiores

quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de

a pessoa reincidir são menores – em torno de 12%. Outro fator positivo é que, embora a

aplicação de penas e medidas alternativas, de acordo com a legislação vigente, não

represente um esvaziamento imediato dos presídios, impede o agravamento da

superpopulação carcerária. Sob um ponto de vista econômico, o governo gasta mais de US$

1,5 bilhão por ano para manter a população carcerária, sendo que o custo mensal da

manutenção do preso com uma pena alternativa gira em torno de R$ 70 por mês.[9]

Sabemos que no país já existe esforço para aplicar e conscientizar sobre a importância e

necessidade das penas alternativas, mas, ainda assim, continuam sendo a exceção. Os

crimes de menor gravidade, inclusive contra o patrimônio, são punidos com prisão, havendo

grande mistura entre os detentos. Com isso, as penitenciárias se tornam as verdadeiras

Page 23: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

escolas do crime. Na verdade, quando os juízes justificam a não substituição em nome do

temor, gravidade do delito, risco à sociedade, etc. estão demonstrando a falta de estrutura do

Judiciário (do Estado como um todo) na fiscalização do cumprimento das penas alternativas.

Sem dúvida é mais cômodo e barato pagar um carcereiro para cuidar de um cadeado do que

investir nas centrais de atendimento, na capacitação de funcionários e no exercício da

cidadania. Como construir e manter cadeia não dá voto e prestígio aos governantes, eles

não estão nem aí com a desgraça prisional.

A aplicação da pena alternativa deve ser a regra. A prisão deve ficar no lugar que lhe cabe: o

de exceção. Não adianta insistir no erro, ou seja, acreditar que sanções mais rigorosas,

menos benefícios, ampliação do número de vagas prisionais, resolverá o problema. É

exatamente isso que está levando o sistema prisional ao colapso, a falência total, a uma

verdadeira bomba-relógio prestes a explodir. Pois há muito se chegou à conclusão de que o

problema da prisão é a própria prisão.

Desde o principio do século XVIII as prisões são veemente criticadas, denunciando que a

prisão foi “o grande fracasso da justiça penal”, por uma série de defeitos, entre eles, segundo

Foucault: a) as prisões não diminuem a taxa de criminalidade; b) provocam a reincidência; c)

não podem deixar de fabricar delinqüentes, mesmo porque lhe são inerentes o arbítrio, a

corrupção, o medo, a incapacidade dos vigilantes e a exploração (dentro dela nascem e se

desenvolvem as carreiras criminais); d) favorecem a organização de um meio de

delinqüentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades

futuras; e) as condições dadas aos detentos libertados condenam-os fatalmente à

reincidência; f) a prisão fabrica indiretamente delinqüentes, ao fazer cair na miséria à família

do detento.[10]

No início da década de 70, se colocaram sérias críticas à perspectiva retributiva e em relação

à eficácia das instituições totais, em especial ao cárcere (e seu sustento operativo: “ideologia

do tratamento ressocializador”, assente na crença do potencial regenerador de todo o ser

humano) e ao tratamento através da pena privativa de liberdade.[11] Adveio, então, por parte

da doutrina, duas propostas político criminais: de um lado, um setor advogou na defesa do

regresso às teses retributivas e na aplicação de doutrinas “just deserts” (recebimento da

punição merecida), com o inevitável endurecimento das penas/punição, de outro lado,

propôs-se uma mudança de orientação nas políticas penais, numa direção à alternativas ao

cárcere (devendo ser a prisão somente estipulada para os criminosos de alta periculosidade

e que tenham praticado reiteradas condutas – cárcere como última cartada), bem como ao

desenvolvimento da perspectiva vitimológica, orientada à reparação dos danos causados às

vítimas e a reconciliação do infrator com a vítima e com a sociedade,[12] onde se insere, por

exemplo, a justiça restaurativa.

É dizer, esse movimento crítico objetivava a reformulação do sistema prisional, levando a

busca de alternativas às prisões e a pena privativa de liberdade[13] e foi fortemente marcado

Page 24: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

pelos trabalhos da Escola de Chicago e de Teoria Crítica ou Radical que se desenvolveram

na Universidade de Berkeley (onde foi criada a Union of Radical Criminologists), na

Califórnia (EUA) e o movimento inglês, organizado em torno da National Deviance

Conference (NDC), encabeçados por Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young (The new

criminology: for a social theory of desviance, 1973 e Critical Criminology, 1975).[14] Nos

Estados Unidos alguns grupos religiosos (sobretudo os Quaker e Mennonitas) se unem à

corrente da esquerda radical americana para contestar o papel e os efeitos das instituições

repressivas e para encontrar uma alternativa ao uso estendido da pena.[15]

O movimento crítico americano encontra eco na Alemanha (Escola de Frankfurt) e em outros

países europeus com os trabalhos de Michel Foucault (Vigiar e Punir: o nascimento da

prisão, 1975), Françoise Castel, Robert Castel e Anne Lovell (A sociedade psiquiátrica

avançada: o modelo americano, 1979), Nils Christie (Limites da dor, 1981) e Louk Hulsman

(Penas perdidas: o sistema penal em questão, 1982).[16] Também podemos citar Escola de

Bolonha, em que avultam os nomes a quem se devem vários trabalhos de criminologia

radical, como de D. Melossi, M. Pavarini, F. Bricola e A. Baratta. Na Holanda, com a criação

do Instituto de Justiça Criminal, em Amsterdã, dirigido por H. Bianchi, e que passa a ser o

centro da política criminal holandesa. Nos países de língua portuguesa merecem destaque

os estudos de Boaventura de Sousa Santos (a lei dos oprimidos: a construção e reprodução

da legalidade em Pasárgada, 1977), Roberta Lyra Filho (Criminologia dialética, 1972) e

Juarez Cirino dos Santos (Criminologia radical, 1981).[17] Outro importante trabalho foi

publicado em 1974, por Martinson, no artigo intitulado: Qué funciona? Preguntas y

respuestas acerca de la reforma de la prisión?, onde indicou que, salvo algumas exceções

isoladas, os efeitos reabilitadores, que hão sido relatados a muito tempo, não tiveram o efeito

desejado.[18] Podemos ressaltar que, com a criminologia moderna (crítica), três tendências

distintas começaram a se delinear: o neo-realismo de esquerda, a teoria do direito penal

mínimo e o abolicionismo.[19]

Sem embargo, hoje em dia, uns são adeptos do Direito Penal Máximo, vêem na pena de

prisão a solução para o problema do crime. De outra banda, temos o grupo do Direito Penal

Mínimo, cujos componentes entendem que a cadeia deve servir somente para aqueles que

cometem crimes de extrema gravidade, sendo a liberdade a regra, admitindo-se

excepcionalmente o cerceamento da liberdade individual. Podemos ainda acrescer que,

dentro desse universo, existem opiniões extremadas para ambos os lados, tal qual o grupo

dos abolicionistas, os quais gostariam de ver a sociedade livre do Direito Penal, ou então os

adeptos do Direito Penal do Terror, simpáticos à pena de morte, regime disciplinar

diferenciado e à prisão perpétua, onde “bandido bom é bandido morto” ou então “este deve

apodrecer na cadeia”. Como se situar dentro desse contexto? Como as opiniões extremadas

não são as soluções, é melhor continuar com o Direito Penal. Todavia, cremos que, apesar

dos dois sistemas terem suas virtudes e imperfeições, o Direito Penal Mínimo é a melhor

solução, pelo menos a curto e médio prazo.[20] A prisão, conseqüência por excelência dos

sistemas penais, só deve se voltar para casos excepcionais, crimes mais graves e

Page 25: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

intoleráveis, não solucionáveis por via distinta[21] e o direito penal precisa se restringir e

justificar ao máximo sua intervenção.[22]

Nessa linha de raciocínio, Juarez Cirino dos Santos, partidário do Direito Penal Mínimo,

afirma: O SISTEMA PENAL PRECISA SER REDUZIDO,

 [...] os objetivos do sistema prisional de ressocialização e correção estão fracassando há

200 anos, e muito pouco está sendo feito para mudar a situação. Prisão nenhuma cumpre

estes objetivos, no mundo todo. O problema se soma ao fato de que não há políticas efetivas

de tratamento dos presos e dos egressos. Fora da prisão, o preso perde o emprego e os

laços afetivos. Dentro da prisão, há a prisionalização, quando o sujeito, tratado como

criminoso, aprende a agir como um. Ele desaprende as normas do convívio social para

aprender as regras da sobrevivência na prisão, ou seja, a violência e a malandragem. Sendo

assim, quando retorna para a sociedade e encontra as mesmas condições anteriores, vem à

reincidência. A prisão garante a desigualdade social em uma sociedade desigual, até porque

pune apenas os miseráveis. Por isso defendo o desenvolvimento de políticas que valorizem

o emprego, a moradia, a saúde, a educação dos egressos. A criminologia mostra que não

existe resposta para o crime sem políticas sociais capazes de construir uma democracia real,

que oportunizem aos egressos condições de vida [...].[23]

 O eminente criminólogo propõe três eixos principais que precisam ser trabalhados para

resolver o problema: descriminação, despenalização e desinstitucionalização, que incluem

políticas sociais, penas alternativas efetivas, reintegração de egressos e avaliação de crimes

“insignificantes”:

 … sobre a descriminação, é necessário se reduzir as condenações por crimes classificados

como “insignificantes”. Temos crimes que entram no princípio da insignificância e que

enchem as prisões. A despenalização refere-se “a uma atitude democrática dos juízes”. Na

criminalidade patrimonial, por exemplo, cujos índices são grandes, poderia ser estabelecido

que, se o dano tem até um salário-mínimo, não há significância e, portanto, não há lesão de

bem jurídico, não se aplica a pena. Já a desinstitucionalização envolve o livramento

condicional. Os diretores de prisão costumam relatar que um preso que não teve bom

comportamento não merece o livramento condicional. A questão é muito subjetiva. Por isso

se ele já cumpriu dois terços da pena, ele deve merecer o beneficio. Há ainda a remissão

penal, quando a cada três dias de trabalho o preso tem um dia de redução da pena. Mas a

Justiça entende que este trabalho deve ser produtivo, e não inclui o arsenal. E se a prisão

não tiver o trabalho produtivo? E não poderia ser a proporção de um dia de trabalho para

reduzir um dia de pena? Outra alternativa é o preso pagar a vítima ou seus descendentes

valores que variam de um a 300 salários mínimos. O valor varia de acordo com o que o

preso poderia pagar. A vítima não está interessada na prisão ou punição do sujeito, mas em

uma forma de compensação…[24]

Page 26: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

 Criminólogos contemporâneos a muito apontam a exclusão sócio-econômica como

oleitmotiv da criminalidade (será que fica evidente que no Brasil há uma justiça para ricos e

outra para pobres?). A revolta contra a exclusão é o desejo de ser incluído. Assim, a

resposta eficaz para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma

política criminal substitui políticas públicas de emprego, salário digno, moradia, saúde, lazer,

escolarização etc. No dizer de Radbruch “não temos que fazer um direito penal melhor, mas

sim algo melhor do que o direito penal.”[25]

Todavia, diante da realidade em que se apresenta – e sabedores de que a democracia real

está longe de ser alcançada -, devemos buscar alternativas que possam, ao menos,

amenizar o problema da criminalidade. Mas para isso devemos parar de ser hipócritas e

admitirmos o fracasso da pena de prisão e a falácia do atual sistema.

 

A transição democrática no Brasil e o Sistema de Justiça Criminal – Por Geraldo Prado

Colunas e Artigos Hot Empório

Por Geraldo Prado – 12/04/2015

Introdução

No Brasil quase três décadas nos separam do fim da ditadura militar, que teve início em

1964 e, em uma transição negociada em termos vantajosos para as elites que

comandavam o País, deu lugar a um governo civil em 1985 e a uma nova Constituição

em 1988.

Page 27: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Nestes mais de vinte anos pós 1988, quando foi promulgada a Constituição brasileira, o

mundo mudou de forma significativa. Transformações políticas, econômicas, culturais e

sociais.

O fim da Guerra Fria, a nova dinâmica de uma globalização aparentemente liberada das

amarras do risco de extremadas confrontações militares, que se deslocaram para a

periferia global, embora tenham ressurgido no centro sob a forma de atos de terrorismo,

a revolução proporcionada pelas modernas e extraordinárias tecnologias de informação

e comunicação são apenas alguns dos exemplos conhecidos da nova face da vida

planetária e todos são bastante estudados na Europa.

O fenômeno mesmo da globalização, interligando mercados, instituições e pessoas e

sujeitando setores cada vez mais amplos da população mundial, com independência

das fronteiras, aos efeitos econômicos e políticos de decisões, na maioria das vezes

tomadas em ambientes opacos, impenetráveis aos controles democráticos postulados e

desenvolvidos a partir da segunda metade do Século XX, parece demonstrar que, afinal,

vivenciamos problemas comuns.

Essa impressão por certo é compartilhada por quem estuda os temas atuais do Direito

Penal, do Processo Penal e da Criminologia. E isso é notado, particularmente, quando

diferentes sistemas jurídicos afastam-se de seus padrões tradicionais e colocam de lado

antigos dogmas para incorporar categorias, métodos e institutos que, com

independência de sua origem – common law ou de direito continental europeu – têm

protagonizado as reformas penais em sentido lato que são vistas em todos os Estados.

Também no Brasil, em alguma medida, tópicos como o emprego de métodos ocultos de

investigação, a expansão dos crimes de perigo abstrato, com a ênfase na incriminação

de formas omissivas de conduta, a eleição do “combate à corrupção” e ao “tráfico de

drogas”, sob a rubrica comum de “crime organizado” integram o cardápio das reformas

projetadas ou em curso.

Na mesma linha vislumbram-se decisões dos tribunais que, de modo especialmente

perigoso para a democracia, enfraquecem o regime jurídico das garantias e suscitam

antagonismos entre estudiosos e até mesmo entre escolas penais.

Com tantas questões contemporâneas deve soar “estranho” que a comunicação

enfoque “permanências autoritárias” no processo penal brasileiro, evocando práticas

antigas que seria de supor já estivessem dissolvidas ao menos pela inexorável

passagem do tempo.

Page 28: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Não é assim, todavia.

A história nos ensina – e o conceito de transição revela isso mais do que qualquer outro

– que as práticas consagradas em determinada época convivem com outras, reprovadas

pela opinião geral, mas nem por isso desaparecidas[1]

Algo semelhante ao que se passa com a memória oficial que as ditaduras difundem e

tentam incutir nas pessoas, mas que não faz desaparecer as diversas memorias sociais

dissidentes, de resistência à opressão[2]. Também o contrário ocorre.

Práticas autoritárias emergem e submergem, conforme o ciclo político, mas não

desaparecem. E no campo da Justiça Criminal, no Brasil, não é sequer correto afirmar

que tais práticas tenham perdido fôlego com o fim da ditadura.

Ao revés. Mostrando restaurado vigor, estas práticas disseminaram-se e em alguma

medida contagiadas pelo nível das discussões teóricas na Europa sobre “a crise do

Direito Penal”, que também opõe modelos mais ou menos rigorosos no campo das

garantias, buscam reivindicar novo status.

Sublinhe-se que no Brasil, na academia, há certo consenso sobre estarmos vivendo um

período de “crise do Direito” e, particularmente, de “crise do Direito Penal”. Os

elementos desta crise, todavia, são distintos daquele fruto da experiência europeia mais

recente.

E a tese desta comunicação é a de que a permanência e predominância de elementos

autoritários, consolidados historicamente na cultura brasileira, constituem a razão de

base, a que se somam naturalmente outros fatores, para a situação crítica em que se

encontram a teoria e a prática penais na atualidade

Identificar este cenário de permanências autoritárias é, pois, fundamental para

compreender a opção metodológica e política de parte dos estudiosos brasileiros, em

defesa de princípios em matéria penal e processual penal caros à democracia,

princípios que raramente concretizaram-se na experiência cotidiana do funcionamento

de nosso (brasileiro) sistema de Justiça Criminal.

 2. Autoritarismo e práticas penais

Algumas palavras sobre a transição no Brasil.

Page 29: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Anthony Pereira sublinha que o Brasil manteve-se afastado da tendência geral,

verificada na América Latina, de construção das chamadas justiças de transição. Ao

contrário, salienta Pereira, a atitude oficial do governo brasileiro sobre o tema até bem

pouco tempo era de silêncio e amnésia[3].

Paulo Sérgio Pinheiro, que integra a Comissão da Verdade instituída no Brasil em 2012,

destaca que uma das características dos regimes autoritários que monopolizaram a

realidade brasileira durante o Século XX (1937-45 e 1964-85) consistiu em assegurar o

funcionamento de instituições jurídicas anteriores “dentro do quadro normativo

ditatorial”[4].

Assim as justiças penais funcionaram regularmente, mesmo em seguida aos golpes de

estado, e foram também funcionais aos novos regimes autoritários, incrementando e

conferindo às práticas violadoras da dignidade das pessoas o selo de juridicidade que,

aparentemente, inscrevia tais práticas em um contexto de “normalidade institucional”.

Clássicos exemplos disso podem ser extraídos da ausência quase absoluta, mas

bastante significativa, de censura social ao emprego da tortura, tolerada em um nível de

naturalização da violência que ainda hoje contamina o aparato estatal de repressão[5] e

a igual naturalidade como foram construídos socialmente os “inimigos” da ordem.

Sobre este aspecto é ilustrativo o caso “Olga Benário”, companheira do líder comunista

Luis Carlos Prestes que a ditadura Vargas entregou grávida aos nazistas para ser

morta, após decisão por sua extradição, ordenada pelo Supremo Tribunal Federal

brasileiro em julgamento de que participaram alguns de nossos mais festejados juristas

(Carlos Maximiliano entre outros) e que contou com a opinião pública favorável de

Clóvis Beviláqua (autor do anteprojeto de Código Civil de mais longa duração da

República)[6] . A lei brasileira vedava expressamente a extradição de estrangeira

grávida de brasileiro.

Importante ressaltar que os padrões autoritários de nosso sistema de justiça criminal

antecedem ao ainda vigente Código de Processo Penal de 1941, inspirado no fascista

Código Rocco (italiano) da década de 30 do século passado.

A doutrina processual penal brasileira raramente interessou-se em investigar as origens

e modo de configuração de nosso modelo judiciário penal, contentando-se na maioria

dos casos com a conformadora “história legislativa”.

Houvesse alguma dedicação ao tema e disposição ao diálogo interdisciplinar, os

processualistas brasileiros teriam observado, com nossos antropólogos e historiadores,

Page 30: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

que a crescente interiorização e presença da Justiça Criminal no território brasileiro, ao

longo do século XIX, resultou da política de fortalecimento do poder central e alianças

conjuntarias com as elites agrárias.

Optou-se pela instituição da ordem judiciária pela via da conversão de agentes de

polícia em magistrados vinculados politicamente aos governantes locais, e ainda pela

expansão das cadeias públicas, expressão da política de contenção das dissidências e

punição de escravos rebeldes[7].

O domínio da ideologia racista, que mereceu atenção de expressivos juristas e

pensadores e provocou intensos debates, de modo especialmente significativo às

vésperas da abolição da escravidão, não pode ser desconsiderado quando se tem em

conta a cobertura normativa penal colocada à disposição do poder nas primeiras

décadas da jovem República (período hoje denominado República Velha, que se

encerra com o golpe de estado de 1930)[8].

É significativo que o inquérito policial no Brasil haja sido instituí- do às vésperas da

entrada em vigor da Lei do Ventre Livre, em 1871[9].

A hipótese de trabalho mais segura para explicar o fato de a balança do poder penal ter

pendido em favor da segurança, por quase duzentos anos, em detrimento da liberdade e

de ter alimentado a cultura autoritária que inspirou práticas e leis penais no Brasil – e

continua inspirando – consiste em minha opinião, em admitir que: malgrado os diligentes

esforços pela implantação de uma legalidade democrática, em especial depois de 1988,

há consenso alargado na sociedade brasileira de que a Justiça Penal cumpre o papel de

domesticar dissidências, resistências e expressões de alteridade que sejam causadoras

de medo e inspiradoras de instabilidade.

Compreende-se neste cenário a observação de Pinheiro de que as décadas pós

implantação da democracia política no Brasil são marcadas “por ‘recaídas’ nas quais as

garantias do devido processo inexistem para a maioria da população, em particular para

os afro-latinos, os indígenas, as meninas, as crianças, os adolescentes, LGBT”[10].

Sem dúvida, lembra o sociólogo, “quanto maior o consenso entre as elites civis-militares

sobre o funcionamento da ditadura, maior o grau de continuidade autoritária no

funcionamento da democracia”[11].

Releva citar que depois de 1990 o Brasil conheceu invulgar incremento de leis penais,

que ampliaram de maneira significativa o tempo de encarceramento das pessoas,

Page 31: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

dificultaram o acesso à liberdade e definiram variadas modalidades de delitos,

acentuando a presença do poder penal nos mais diversos setores da sociedade[12].

No mesmo período os grandes centros urbanos viram surgir o fenômeno das milícias,

que atuam violentamente em busca do domínio territorial e econômico de áreas

periféricas.

É neste contexto que se deve indagar sobre o estado espiritual da ciência penal

brasileira no momento.

3. O estado espiritual da ciência penal brasileira no momento

Volto a tomar por empréstimo, de Bernd Schünemann, o nome fantasia de minha

comunicação: o estado espiritual da ciência penal brasileira[13] para falar de violência e

controle social. E o faço a partir do Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil

(1997-2003), elaborado pela ONG Justiça Global.

Reproduzo:

“O Relatório sobre Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro

de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN), aponta que episódios

internacionalmente conhecidos, como Eldorado dos Carajás, Candelária, Carandiru,

Corumbiara e Favela Naval são expressões máximas de uma sistemática de extermínio

e opressão perpetrada diariamente, direta ou indiretamente, por agentes do Estado em

praticamente todo o território nacional”.

Prossegue o relatório acrescentando que, relativamente ao período investigado (1997 –

2003), 349 execuções foram detectadas e “seguem padrão de extermínio e impunidade

garantida a quem tortura, fere e mata”.

O peso da violência letal, de que me valho como sinal da tensão social e da

concorrência de políticas públicas de segurança e práticas de controle social

clandestinas ou semiclandestinas, pode ser medido pela pesquisa do sociólogo Inácio

Cano, datada de 2001, e que está retratada na interessante obra Homicídios no Brasil,

2007, coordenada por Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz e Eduardo Cerqueira

Batitucci (FGV).

A estimativa de homicídios para o Estado do Rio de Janeiro para o ano de 2002,

“baseada em certidões de óbito processadas pelo Ministério da Saúde, é de 8.930

vítimas residentes no estado”, em uma proporção, segundo o sociólogo, de 60

Page 32: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

homicídios para cada 100 mil habitantes (p. 57), com 84% do total registrados na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro.

Obs. As vítimas majoritariamente são homens jovens e negros ou pardos.

Estes dados estão inseridos em um contexto temporal colhido em cheio pela explosão

do encarceramento.

A também socióloga Julita Lemgruber, em conjunto com pesquisadores da Associação

pela Reforma Prisional (ARP), em trabalho financiado pela Open Society Foundations,

em 2011, destacou que em dezembro de 2010 o Brasil ostentava a incrível marca de

496.251 pessoas presas (p. 7), seguindo seus concorrentes diretos – os Estados

Unidos, (dois milhões de presos), a China (um milhão e setecentos mil presos) e a

Rússia (cerca de oitocentos mil presos).

Trata-se de informações contidas no trabalho cujo título é “Impacto da assistência

jurídica a presos provisórios: um experimento na cidade do Rio de Janeiro”

No caso brasileiro, a multiplicação do encarceramento pode ser divisada no fato de a

população presa praticamente ter triplicado, entre 1995 e 2009, saltando de 148.760

presos para 473.626 reclusos em 2009.

Isso sem embargo da expansão via net widening – p. 8 – cujos riscos denunciei em

2003, em meu Transação Penal, consistindo na ampliação da rede de controle do

sistema de justiça criminal, que, no que concerne às soluções alternativas à prisão,

pulou de 80.364 pessoas em 1995 para 671.068 indivíduos, igualmente em 2009.

4. O sentido da interseção direito penal e política criminal, atualmente, no Brasil.

Sem dúvida que este quadro indica um aspecto singular do funcionamento do poder

penal na América Latina, particularmente noBrasil, a justificar, nas palavras de Lola

Aniyar de Castro, o intento de construir um pensamento criminológico próprio de nossa

região[14].

Não se pretende e sequer é possível deixar de considerar as relevantes contribuições

do pensamento penal que domina o ambiente global.

Deixar de ponderar, todavia, que as demandas punitivas e o repertório de respostas

idealizado em contexto diverso possam, no lugar de resolver problemas, multiplica-los e

perpetuar injustiças é algo que cabe à doutrina.

Page 33: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Ambiciona-se aqui interrogar, pois, a doutrina penal em sentido lato, sobre o abandono

da perspectiva crítica que frequentou o horizonte acadêmico latino-americano nos anos

80 e 90 do século XX, mas que cedeu a paradigmas teóricos talvez mais sofisticados e,

sem dúvida, importantes, todavia ao custo de deslocar o debate sobre o Poder para a

periferia da cultura jurídica.

A adoção de um discurso penal bélico no âmbito latino-americano e, particularmente no

Brasil, é responsável, segundo Eugenio Raúl Zaffaroni, pela proliferação de cadáveres

em nossa região.

Como destaca o professor Argentino, até que ponto devemos desconsiderar o papel do

discurso penal como condicionador das condutas que convertem pessoas em

cadáveres? As palavras matam, adverte Zaffaroni[15].

Não é ocioso reconhecer que entre nós a mudança de ótica na abordagem dos

fenômenos jurídicos em geral coincide com a expansão do neoliberalismo e o apogeu –

quiçá efêmero – de uma globalização de regozijo, como a definiu Boaventura de Souza

Santos[16], influenciando as novas gerações de licenciados em Direito.

Clèmerson Merlin Clève em meados dos anos 90 sublinhava o descompasso entre

teóricos críticos – e também os práticos militantes das políticas emancipatórias via

direito – e o mundo da vida nua, sob a perspectiva de Zigmunt Bauman.

Clèmerson advertia que “o jurista crítico era, fora da academia, um não profissional, na

medida em que não advogava, não transitava no foro, não atuava como operador

jurídico”[17].

Ao revés, este jurista acreditava exclusivamente na política “e na mudança do direito

pela política”. A eclosão da crítica jurídica no Brasil coincidiu com a emergência de

demandas individualistas próprias do neoliberalismo.

Em um ambiente dominado pela ideologia do individualismo possessivo, da competição

pessoal no lugar da ação concertada em direção à transformação social, mesmo os

inegáveis avanços do constitucionalismo periférico e semiperiférico, na busca pela

constituição de um Estado de Direito no Brasil, haveriam de esbarrar no fortalecimento

da ideologia repressiva, quase monopolista[18].

A realidade viu surgir uma política criminal ancorada na ação intensiva das corporações

midiáticas, verdadeiras condicionantes da aplicação das garantias penais e processuais,

Page 34: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

que ao nível do discurso estão asseguradas em pactos e tratados internacionais sobre

direitos humanos.

O profissional da área jurídica formado no clima repressivo imperante e desafiado a

sobreviver na selva-mercado com os conhecimentos adquiridos em sua formação

acadêmica foi levado a optar por se posicionar diante das questões mais delicadas da

área penal ao lado do Poder.

Em outras palavras, em geral o profissional do direito constituído neste período

contentava-se com uma “grande teoria” liberal do direito penal, para fins retóricos, mas

raramente se viu incentivado a aplicá-la, com todas as suas consequências e isso

basicamente por dois motivos:

1. O refluxo crítico viabilizou a onda conservadora em que a expressão de ordem,

belicosamente difundida, era o “combate ao crime”. Portanto, discursos abolicionistas ou

minimalistas, em termos de direito penal, careciam de poder de sedução. A sociedade

rumava em direção a posturas mais autoritárias em matéria penal e os profissionais da

área jurídica integram a sociedade e reproduzem em seu ambiente as certezas do

senso comum acerca do “controle da criminalidade”;

2. As teorias críticas, especialmente no campo da criminologia, foram relegadas ao

ostracismo no território dos debates teóricos sobre o direito. Estar “na moda”, em

semelhante situação, implicava esgrimir conhecimentos que não se permitiam indagar

diretamente sobre o exercício concreto do poder punitivo.

Winfried Hassemer ressalta, com razão, que a ruptura paradigmática de fato é algo raro

no campo jurídico. Alerta o penalista alemão para a observação de Thomas Kuhn, no

sentido de que “as ciências superam os seus modelos de explicação e de argumentação

menos pela via da refutação que pela via do esquecimento”[19]

A projeção de tal estado de coisas mede-se pela implicação da jurisprudência no labor

de constituição do direito penal.

Nas palavras de Juarez Tavares a jurisprudência tornou-se a única fonte de elaboração

do direito. Acentua o penalista, em um trecho que, apesar de longo, justifica a

transcrição[20].

“Sempre houve uma preocupação doutrinária no direito penal de buscar uma

racionalização para seus institutos. Muitas foram as propostas dessa racionalização.

Podemos recordar algumas: o esquema positivista baseado na causalidade e na ação

Page 35: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

instrumental, a adoção do método como forma de criação do objeto no neokantismo da

Escola de Baden, a pretensã…o ontológica do finalismo, com suas categorias lógico-

objetivas, a sedimentação organizacional do funcionalismo e seus critérios de utilidade,

a postura estratégica do sociologismo weberiano, as contribuições da filosofia analítica

em torno das aparências da linguagem e dos atos de fala e a substância de uma teoria

comunicativa como forma de exercício de um critério de verdade com base na pretensão

de validade e no consenso. Embora cada uma dessas concepções possa padecer de

defeitos, contradições ou controvérsias, têm todas elas uma grande qualidade: elevar a

doutrina penal a um determinado nível científico, capaz de servir de apoio à

compreensão de todos os cidadãos e, principalmente, da jurisprudência.

Lamentavelmente, porém, o que vemos, hoje, no direito brasileiro (também no direito de

outros países, mas fundamentalmente no brasileiro) é um retrocesso incomensurável:

em vez de a doutrina influenciar a jurisprudência para dar às decisões judiciais um

mínimo de racionalidade, faz-se da jurisprudência o compêndio da doutrina. Quando a

jurisprudência se torna a única fonte de elaboração do direito, pode-se dizer que o

direito está destruído.”

Em âmbito processual penal questões atinentes ao regime jurídico da prova ilícita, a

definição do estatuto jurídico dos sujeitos processuais, a reorientação estrutural dos

procedimentos penais conforme o modelo acusatório de processo igualmente cederá às

decisões dos tribunais de compreender e postular um tipo de processo conforme “as

tradições brasileiras”: isto é, um “processo” de estrutura inquisitória.

O peso da jurisprudência correspondeu à fragilidade da doutrina. A crise do direito penal

brasileiro, que viabiliza as permanências autoritárias, é principalmente uma “crise” de

base e para ela concorrem, é necessário dizer, a extraordinária e descontrolada

expansão das Faculdades de Direito nos anos 90, com a produção em série,

massivamente, de novos profissionais formados não por estudiosos do direito, teóricos,

mas por uma nova modalidade de professores: os neoglosadores, com em uma

oportunidade Nilo Batista os designou.

Natural, pois, que a alienação das questões do Poder na “arena política do direito”

cobrasse seu preço: temas gratos ao constitucionalismo contemporâneo, relativamente

às garantias individuais no âmbito do processo penal, são alvo de abordagens bastante

superficiais e nisso a doutrina e a jurisprudência pecam e não podem se acusar

reciprocamente, invocando para si o papel de “inocente”.

Um dos exemplos em que domínio do senso comum teórico deixa doutrina e

jurisprudência à margem da realidade – da vida nua – com a consequente desproteção

de direitos individuais, que sucumbem ao discurso do medo, se verifica na ausência de

Page 36: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

controle sobre a execução das técnicas de interceptação telefônica e ambiental e a

aparente irrelevância jurídico-constitucional daquilo que é decisivo quando as agências

de controle repressivo apelam às citadas medidas de obtenção de meios de prova.

Ao longo das décadas 70/90 do século XX Alessandro Baratta postulou a superação da

criminologia de corte liberal por um novo modelo integrado de ciência jurídica[21] que

desce conta do próprio sistema penal como objeto da criminologia.

Investigar o sistema penal tomando em consideração as experiências concretas de

seleção, marginalização e encarceramento de cada vez mais numerosos setores da

população excluída, por um lado, e buscar entender a emergência de um saber

questionador a partir de dados empíricos capazes de revelar o ponto de vista deste

outro “excluído, invisível, excedente ou indesejável”, por outro, foram em algum

momento as contribuições da América Latina em torno de uma alternativa teórica

estimulante de práticas penais transformadoras.

Baratta propôs:

1. Pesar a densidade das desigualdades na sociedade tardocapitalista em termos de

projeção incriminadora;

2. Levar em conta o ponto de vista dos interesses das classes vulneráveis na definição

dos marcos de incriminação e encarceramento;

3. E, ainda, alertou para o risco do panpenalismo, resultante de um emprego massivo de

“meios alternativos”.

O diálogo multidisciplinar, característico das diversas teorias críticas continua sendo

fundamental para a dogmática penal europeia e latino-americana.

A interlocução e interação com o pensamento original produzido na América Latina por

Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos, Juarez Tavares, Eugenio Raul Zaffaroni, Lola

Aniyar de Castro, Salo de Carvalho, entre outros -, tem sido decisivo para demarcar o

território teórico das ciências penais.

O fato de vivermos em uma democracia política exige é claro o respeito a lei, mas

também requisita a denúncia da presença e atualidade de elementos autoritários,

mesmo em regimes democráticos, a contaminar de modo negativo a legitimidade

invocada pelo Direito Penal e, consequentemente, o próprio Sistema Penal.

Page 37: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Por fim, vale registrar que em algum momento ao fim dos anos 90, a reação das

agências punitivas ao debate proporcionado pela teoria do garantismo penal, no Brasil

marginalizou as teorias críticas de viés criminológico.

Também o advento de novos paradigmas epistemológicos no campo jurídico silenciou o

pensamento crítico, que em vários momentos foi desqualificado como pseudoteoria, de

cunho exclusivamente sociológico, ultrapassadas expressões de uma filosofia da

consciência, o que de fato elas nunca foram.

A perda maior provocada pelo isolamento e ostracismo das criminologias críticas pode

ser aferida pela expansão do encarceramento em condições indignas,

permanentemente denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sem que

isso reflita em mudanças concretas nas políticas de segurança pública, na América

Latina – apesar da farta jurisprudência da Corte – e por um avanço sobre os direitos

fundamentais, no exercício concreto da persecução penal, chancelado pelos tribunais.

Por ironia, talvez, é na esfera penal que a proporcionalidade seja invocada com maior

frequência para limitar o exercício de direitos e garantias individuais dos imputados.

Encerro recordando as palavras de Pinheiro:

“Sem negar o imenso valor da inexistência de julgamentos políticos ou de presos

políticos… os pobres e os membros marginalizados da sociedade têm sido

sistematicamente alvo de mau tratamento do sistema judicial como um todo (Judiciário,

polícia, prisões) pelo uso ilegal e arbitrário da força, em flagrantes violações dos direitos

humanos, como na ‘legalidade autoritária’”[22].

Notas e Referências:

[1] MARTINS, Rui Cunha. Ponto Cego do Direito: The Brazilian Lessons. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011

[2] AGUILAR FERNÁNDEZ, Paloma. Políticas de la memoria y memorias de la política.

Madrid: Alianza, 2008.

[3] PEREIRA, Anthony, W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito

no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 35.

Page 38: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

[4] PINHEIRO, Paulo Sergio. Prefácio à obra de Anthony W. Pereira, Ditadura e

repressão: o autoritarismo e o Estado de Direito no Brasil, no Chile e na Argentina. São

Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 9. Não há nisso nada de extraordinário quando se compara

a experiência àquelas investigadas por Otto Kirchheimer, em Justicia Política: empleo

del procedimiento legal para fines políticos (México, Unión Tipográfica Editorial Hispano

Americana, 1961, p. 48): “Durante la época moderna, cualquiera que sea el sistema

legal que predomine, tanto los gobiernos como los grupos privados han tratado de

allegarse el apoyo de los tribunales para sostener o cambiar la balanza de poder

político. En forma disfrazada o no, los problemas políticos se presentan ante los

tribunales, para ser confrontados y sopesados en las balanzas de la ley, por mucho que

los jueces se inclinen a evadirlos, puesto que los juicios políticos son inevitables.”

A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro

29/mai/2007

A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças.

Veja artigos relacionados

Ressocialização através da educação

veja mais

Por Rafael Damaceno de Assis

1. Os problemas relacionados à saúde no sistema penitenciário

A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as

prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio

Page 39: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má

alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de

higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que

adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de

uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.

Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões. As

mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como a tuberculose

e a pneumonia. Também é alto o índice da hepatite e de doenças

venéreas em geral, a AIDS por excelência. Conforme pesquisas realizadas

nas prisões, estima-se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros

sejam portadores do HIV, principalmente em decorrência do

homossexualismo, da violência sexual praticada por parte dos outros

presos e do uso de drogas injetáveis.

Além dessas doenças, há um grande número de presos portadores de

distúrbios mentais, de câncer, hanseníase e com deficiências físicas

(paralíticos e semi-paralíticos). Quanto à saúde dentária, o tratamento

odontológico na prisão resume-se à extração de dentes. Não há

tratamento médico-hospitalar dentro da maioria das prisões. Para serem

removidos para os hospitais os presos dependem de escolta da PM, a qual

na maioria das vezes é demorada, pois depende de disponibilidade.

Quando o preso doente é levado para ser atendido, há ainda o risco de

não haver mais uma vaga disponível para o seu atendimento, em razão da

igual precariedade do nosso sistema público de saúde.

O que acaba ocorrendo é uma dupla penalização na pessoa do condenado:

a pena de prisão propriamente dita e o lamentável estado de saúde que

ele adquire durante a sua permanência no cárcere. Também pode ser

constatado o descumprimento dos dispositivos da Lei de Execução Penal,

a qual prevê no inciso VII do artigo 40 o direito à saúde por parte do preso,

como uma obrigação do Estado.

Outro descumprimento do disposto da Lei de Execução Penal, no que se

refere à saúde do preso, é quanto ao cumprimento da pena em regime

Page 40: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

domiciliar pelo preso sentenciado e acometido de grave enfermidade

(conforme artigo 117, inciso II). Nessa hipótese, tornar-se-á desnecessária

a manutenção do preso enfermo em estabelecimento prisional, não

apenas pelo descumprimento do dispositivo legal, mas também pelo fato

de que a pena teria perdido aí o seu caráter retributivo, haja vista que ela

não poderia retribuir ao condenado a pena de morrer dentro da prisão.

Dessa forma, a manutenção do encarceramento de um preso com um

estado deplorável de saúde estaria fazendo com que a pena não apenas

perdesse o seu caráter ressocializador, mas também estaria sendo

descumprindo um princípio geral do direito, consagrado pelo artigo 5º da

Lei de Introdução ao Código Civil, o qual também é aplicável

subsidiariamente à esfera criminal, e por via de conseqüência, à execução

penal, que em seu texto dispõe que “na aplicação da lei o juiz atenderá

aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

2. Direitos humanos do preso e garantias legais na execução da

pena privativa de liberdade

As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os

direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais.

Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal

dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do

Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o

Tratamento do Preso.

Em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º,

que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção

das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica – a

Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre

os direitos infra-constitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na

execução penal.

No campo legislativo, nosso estatuto executivo-penal é tido como um dos

mais avançados e democráticos existentes. Ela se baseia na idéia de que

Page 41: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

a execução da pena privativa de liberdade deve ter por base o princípio da

humanidade, sendo que qualquer modalidade de punição desnecessária,

cruel ou degradante será de natureza desumana e contrária ao princípio

da legalidade.

No entanto, o que tem ocorrido na prática é a constante violação dos

direitos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução

das penas privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso

passa à tutela do Estado ele não perde apenas o seu direito de liberdade,

mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram

atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento execrável e a

sofrer os mais variados tipos de castigos que acarretam a degradação de

sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não

oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno útil à sociedade.

Dentro da prisão, dentre várias outras garantias que são desrespeitadas, o

preso sofre principalmente com a prática de torturas e de agressões

físicas. Essas agressões geralmente partem tanto dos outros presos como

dos próprios agentes da administração prisional.

Os abusos e as agressões cometidas por agentes penitenciários e por

policiais ocorre de forma acentuada principalmente após a ocorrência de

rebeliões ou tentativas de fuga. Após serem dominados, os amotinados

sofrem a chamada “correição”, que nada mais é do que o espancamento

que acontece após a contenção dessas insurreições, o qual tem a natureza

de castigo. Muitas vezes esse espancamento extrapola e termina em

execução, como no caso que não poderia deixar de ser citado do

“massacre” do Carandiru, em São Paulo, no ano 1992, no qual

oficialmente foram executados 111 presos.

O despreparo e a desqualificação desses agentes fazem com que eles

consigam conter os motins e rebeliões carcerárias somente por meio da

violência, cometendo vários abusos e impondo aos presos uma espécie de

“disciplina carcerária” que não está prevista em lei, sendo que na maioria

Page 42: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

das vezes esses agentes acabam não sendo responsabilizados por seus

atos e permanecem impunes.

Entre os próprios presos a prática de atos violentos e a impunidade

ocorrem de forma ainda mais exacerbada. A ocorrência de homicídios,

abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por

parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro da ambiente

da prisão e que, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais

presos, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela. Contribui

para esse quadro o fato de não serem separados os marginais contumazes

e sentenciados a longas penas dos condenados primários.

Os presos que detém esses poder paralelo dentro da prisão, não são

denunciados e, na maioria das vezes também permanecem impunes em

relação a suas atitudes. Isso pelo fato de que, dentro da prisão, além da

“lei do mais forte” também impera a “lei do silêncio”.

Outra violação cometida é a demora em se conceder os benefícios àqueles

que já fazem jus à progressão de regime ou de serem colocados em

liberdade os presos que já saldaram o cômputo de sua pena. Essa situação

decorre da própria negligência e ineficiência dos órgãos responsáveis pela

execução penal, o que constitui-se num constrangimento ilegal por parte

dessas autoridades, e que pode ensejar inclusive uma responsabilidade

civil por parte de Estado pelo fato de manter o indivíduo encarcerado de

forma excessiva e ilegal.

Somam-se a esses itens o problema dos presos que estão cumprindo pena

nos distritos policias (devido à falta de vagas nas penitenciárias), que são

estabelecimentos inadequados para essa finalidade, e que, por conta

disso, acabam sendo tolhidos de vários de seus direitos, dentre eles o de

trabalhar, a fim de que possam ter sua pena remida, e também de auferir

uma determinada renda e ainda evitar que venham a perder sua

capacidade laborativa.

Page 43: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

O que se pretende ao garantir que sejam asseguradas aos presos as

garantias previstas em lei durante o cumprimento de sua pena privativa

de liberdade não é o de tornar a prisão num ambiente agradável e

cômodo ao seu convívio, tirando dessa forma até mesmo o caráter

retributivo da pena de prisão. No entanto, enquanto o Estado e a própria

sociedade continuarem negligenciando a situação do preso e tratando as

prisões como um depósito de lixo humano e de seres inservíveis para o

convívio em sociedade, não apenas a situação carcerária, mas o problema

de segurança pública e da criminalidade como um todo tende apenas a

agravar-se.

A sociedade não pode esquecer que 95% do contingente carcerário, ou

seja, a sua esmagadora maioria, é oriunda da classe dos excluídos sociais,

pobres, desempregados e analfabetos, que, de certa forma, na maioria

das vezes, foram “empurrados” ao crime por não terem tido melhores

oportunidades sociais. Há de se lembrar também que o preso que hoje

sofre essas penúrias dentro do ambiente prisional será o cidadão que

dentro em pouco, estará de volta ao convívio social, junto novamente ao

seio dessa própria sociedade.

Mais uma vez cabe ressaltar que o que se pretende com a efetivação e

aplicação das garantias legais e constitucionais na execução da pena,

assim como o respeito aos direitos do preso, é que seja respeitado e

cumprido o princípio da legalidade, corolário do nosso Estado Democrático

de Direito, tendo como objetivo maior o de se instrumentalizar a função

ressocializadora da pena privativa de liberdade, no intuito de reintegrar o

recluso ao meio social, visando assim obter a pacificação social, premissa

maior do Direito Penal.

3. A rebelião e fuga dos presos 

Page 44: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

A conjugação de todos esses fatores negativos acima mencionados,

aliados ainda à falta de segurança das prisões e ao ócio dos detentos, leva

à deflagração de outro grave problema do sistema carcerário brasileiro: as

rebeliões e as fugas de presos.

As rebeliões, embora se constituam em levantes organizados pelos presos

de forma violenta, nada mais são do que um grito de reivindicação de

seus direitos e de uma forma de chamar a atenção das autoridades

quanto à situação subumana na qual eles são submetidos dentro das

prisões.

Com relação às fugas, sua ocorrência basicamente pode ser associada à

falta de segurança dos estabelecimentos prisionais aliada à atuação das

organizações criminosas, e infelizmente, também pela corrupção praticada

por parte de policiais e de agentes da administração prisional.

De acordo com números do último censo penitenciário, cerca de 40% dos

presos, sejam eles provisórios ou já sentenciados definitivamente, estão

sob a guarda da polícia civil, ou seja, cumprindo pena nos distritos

policiais. Ocorre que estes não são locais adequados para o cumprimento

da pena de reclusão. No entanto, isso tem ocorrido em virtude da

ausência ou da insuficiência de cadeias públicas e de presídios em nosso

sistema carcerário.

O problema maior é que, nesses estabelecimentos, não há possibilidade

de trabalho ou de estudo por parte do preso e, a superlotação das celas é

ainda mais acentuada, chegando a ser em média de 5 presos para cada

vaga, quando nas penitenciárias a média é de 3,3 presos/vaga. As

instalações nesses estabelecimentos são precárias, inseguras, e os

agentes responsáveis pela sua administração não tem muito preparo para

a função, e muitas vezes o que se tem visto é a facilitação por parte

desses funcionários para a fuga de detentos ou para que estes possam ser

arrebatados por membros de sua organização criminosa.

Page 45: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Ressalte-se ainda que a Lei dos Crimes Hediondos veio a agravar ainda

mais essa situação, em razão de que os vários crimes por ela elencados

como seqüestro, homicídio e o assalto à mão armada, passaram a não ter

mais o benefício legal da progressão de regime, fazendo com que o

sentenciado cumpra a pena relativa a esses crimes integralmente em

regime fechado, o que faz com o desespero e a falta de perspectivas

desses condenados ocasione um sentimento de revolta ainda maior, o que

vem a se constituir como mais uma causa de deflagração das insurreições

nas penitenciárias.

Todos esses fatores fazem com que não se passe um dia em nosso país

sem termos notícia da ocorrência de uma rebelião de presos, mesmo que

seja ela de pequenas proporções. No que se refere às fugas, em análise à

todos as falhas existentes dentro de nosso sistema carcerário e ainda

levando-se em conta o martírio pelo qual os presos são submetidos dentro

das prisões, não há que se exigir uma conduta diversa por parte dos

reclusos, se não a de diuturnamente planejar numa forma de fugir desse

inferno.

Não se pode olvidar também que a liberdade é um anseio irreprimível do

ser humano, não se podendo esperar que por si só, o preso venha a

conformar-se com o estado de confinamento, mormente da forma pela

qual a privação de sua liberdade é executada em nosso sistema

carcerário.

4. A FALÊNCIA DA POLÍTICA PRISIONAL COMO CONSEQÜÊNCIA DO

MODELO ECONÔMICO EXCLUDENTE

Podemos traçar um paralelo entre a escalada dos índices de criminalidade

(e o conseqüente agravamento da crise do sistema carcerário) e o modelo

econômico neoliberal adotado por nosso governo. É inegável que, pelo

fato de o crime tratar-se de um fato social, o aumento da criminalidade

Page 46: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

venha a refletir diretamente a situação do quadro social no qual se

encontra o país.

O modelo econômico neoliberal do qual falamos constitui-se numa filosofia

de abstenção do Estado nas relações econômicas e sociais. Ele nada mais

é do que a repetição do liberalismo outrora existente. A essência deste

pensamento, além da intervenção minimizada da economia, é a idéia de

que as camadas menos favorecidas da população devem trabalhar e se

adequarem ao sistema econômico vigente, ainda que este os trate com

descaso. Trata-se de um pensamento oriundo da filosofia capitalista, que

foi feito para se amoldar à ideologia das classes dominantes, e que tem

como principal resultado a acentuação da concentração de renda e o

aumento da desigualdade social entre ricos e pobres, sendo que estes

últimos acabam ficando lançados a sua própria sorte.

Como exemplo da política neoliberal, podemos citar em nosso país

atualmente a intenção do governo em minimizar as normas protetivas ao

trabalhador, o que eufemisticamente tem sido de chamado de

“flexibilização das relações de trabalho”, que na verdade nada mais é do

que a política de deixar os empregados (que são a parte hipossuficiente

da relação trabalhista) sob o jugo e arbítrio dos empregadores, que na

verdade se traduzem em sua maioria nos grandes grupos econômicos e

também na elite dominante de nosso país.

O resultado dessa política neoliberal, além da exploração e da perda das

conquistas já obtidas ao longo dos anos por parte dos trabalhadores, será

a criação de uma grande massa de desempregados, o que tende a deixar

o corpo social ainda mais intranqüilo e marginalizado, ocasionando assim

o aumento da criminalidade, que acabará refletindo num crescimento da

demanda do contingente do sistema prisional.

Dessa forma, o Direito Penal, assim como as prisões, estariam servindo de

instrumento para conter aqueles não “adequados” às exigências do

modelo econômico neoliberal excludente, que são os miseráveis que

Page 47: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

acabam não resistindo à pobreza e acabam sucumbindo às tentações do

crime e tornando-se delinqüentes.

Dentro dessa lógica, tanto a lei penal como as prisões, estariam

materializando a doutrina de Karl Marx, segundo a qual o direito nada

mais é do que instrumento que serviria à manutenção do domínio pelas

classes dominantes.

Assim, o sistema penal e, conseqüentemente o sistema prisional, não

obstante sejam apresentados como sendo de natureza igualitária, visando

atingir indistintamente as pessoas em função de suas condutas, têm na

verdade um caráter eminentemente seletivo, estando estatística e

estruturalmente direcionado às camadas menos favorecidas da sociedade.

Concluímos que, pelo fato de estarem totalmente inter-relacionados,

dentro de uma mesma conjuntura, a falência do sistema prisional e o

modelo econômico neoliberal, não pode ser vislumbrada uma expectativa

de melhoria do sistema penitenciário e nem uma redução dos índices de

criminalidade se não for revisto o modelo de política econômica e social

atualmente implementado pelos governantes de nosso país.

5. A REINCIDÊNCIA DO EGRESSO COMO CONSEQÜÊNCIA DA

INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

A comprovação de que a pena privativa de liberdade não se revelou como

remédio eficaz para ressocializar o homem preso comprova-se pelo

elevado índice de reincidência dos criminosos oriundos do sistema

carcerário. Embora não haja números oficiais, calcula-se que no Brasil, em

média, 90% dos ex-detentos que retornam à sociedade voltam a delinqüir,

e, conseqüentemente, acabam retornando à prisão.

Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições a que o

condenado foi submetido no ambiente prisional durante o seu

encarceramento, aliadas ainda ao sentimento de rejeição e de indiferença

Page 48: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir

sua liberdade. O estigma de ex-detento e o total desamparo pelas

autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se

marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo

do crime, por não ter melhores opções.

A acepção legal da palavra egresso é definida pela própria Lei de

Execução Penal, que em seu artigo 26 considera egresso o condenado

libertado definitivamente, pelo prazo de um ano após sua saída do

estabelecimento prisional. Também é equiparado ao egresso o

sentenciado que adquire a liberdade condicional durante o seu período de

prova. Após o decurso do prazo de um ano, ou a cessação do período de

prova, esse homem perde então a qualificação jurídica de egresso, bem

como a assistência legal dela advinda.

Legalmente, o egresso tem um amplo amparo, tendo seus direitos

previstos nos artigos 25, 26 e 27 da Lei de Execução Penal. Esses

dispositivos prevêem orientação para sua reintegração à sociedade,

assistência social para auxiliar-lhe na obtenção de emprego e inclusive

alojamento e alimentação em estabelecimento adequado nos primeiros

dois meses de sua liberdade. A incumbência da efetivação desses direitos

do egresso é de responsabilidade do Patronato Penitenciário, órgão poder

executivo estadual e integrante dos órgãos da execução penal.

O Patronato, além de prestar-se a outras atribuições relativas à execução

penal, no que se refere ao egresso, tem como finalidade principal

promover a sua recolocação no mercado de trabalho, a prestação de

assistência jurídica, pedagógica e psicológica. É um órgão que tem um

papel fundamental dentro da reinserção social do ex-detento.

O cumprimento do importante papel do Patronato tem encontrado

obstáculo na falta de interesse político dos governos estaduais, os quais

não tem lhe dado a importância merecida, não lhe destinando os recursos

necessários, impossibilitando assim que ele efetive suas atribuições

previstas em lei.

Page 49: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

A assistência pró-egresso não deve ser entendida como uma solução ao

problema da reincidência dos ex-detentos, pois os fatores que ocasionam

esse problema são em grande parte devidos ao ambiente criminógeno da

prisão, o que exige uma adoção de uma série de medidas durante o

período de encarceramento. No entanto, o trabalho sistemático sob a

pessoa do egresso minimizaria os efeitos degradantes por ele sofridos

durante o cárcere e facilitaria a readaptação de seu retorno ao convívio

social.

A sociedade e as autoridades devem conscientizar-se de que a principal

solução para o problema da reincidência passa pela adoção de uma

política de apoio ao egresso, fazendo com que seja efetivado o previsto na

Lei de Execução Penal, pois a permanecer da forma atual, o egresso

desassistido de hoje continuará sendo o criminoso reincidente de amanhã.

A realidade do sistema penitenciário brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana

14/abr/2013

Se as técnicas de ressocialização fossem respeitadas e aplicadas, com base na garantia constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o tempo de pena seria eficaz atingindo os objetivos do Sistema Penitenciário.

Veja artigos relacionados

O sistema prisional brasileiro e as dificuldades de ressocialização do preso

Page 50: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Monitoramento eletrônico como alternativa à prisão

Pena de morte no Brasil: uma discussão sem ter o que ser discutido

veja mais

Por Elisa Levien da Silva

1. INTRODUÇÃO

O Sistema Penitenciário é um assunto recorrente no Brasil, por causa de

todos os seus problemas. Os assuntos discorridos são a superlotação e a

falta de higiene que propiciam diversas doenças sendo as mais comuns a

leptospirose e a tuberculose.

A decadência do Sistema Penitenciário Brasileiro atinge não somente os

apenados, mas também as pessoas que estão em contato direta e

indiretamente com essa realidade carcerária. Por mais que o senso

comum acredite que com o encarceramento dos delituosos tal questão

será sanada, cada vez mais os próprios noticiários firmam que a

ressocialização não é um fato concreto perante a sociedade atual.

Outro fator característico do contexto prisional é a má remuneração dos

agentes penitenciários. Em consequência, existem poucos profissionais

atuando na área, coordenando um elevado número de presos. Por esses

motivos, os agentes acabam por se aliar aos presos que têm condições

financeiras de dar ao agente aquilo que o Estado deveria oferecer e não

oferece, em troca de regalias na prisão.

Por tudo o que foi argumentado anteriormente, o sistema presidiário

acaba por gerar uma tendência punitiva que acarreta a reincidência dos

presos. Se as técnicas de ressocialização fossem respeitadas e aplicadas,

com base na garantia constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, o tempo de pena seria eficaz atingindo os objetivos do Sistema

Penitenciário.

2. O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Page 51: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

O sistema penitenciário brasileiro tem como objetivo a ressocialização,

educação e a referente punição ao seu delito. É uma forma de vingança

social, pois uma vez que a autotutela é proibida, o Estado assume a

responsabilidade de retaliação dos crimes, isolando o criminoso para que

ele possa refletir sobre os seus atos, alheio a influências externas. Através

da prisão, o infrator é privado da sua liberdade, deixando de ser um risco

para a sociedade.

A superlotação e a falência do sistema penitenciário brasileiro são

assuntos bastante debatidos. Houve um aumento de 113% dos presos de

2000 a 2010, de acordo com dados do Ministério da Justiça.[1]

Combinando isso à falta de investimento e manutenção das penitenciárias

e presídios, tornaram esses verdadeiros depósitos humanos.  Essa

situação acaba colaborando com fugas e rebeliões, pois os agentes

penitenciários não conseguem ter controle sobre o tamanho do número de

presos.[2]

Uma cela fechada que abriga um número maior de pessoas que a sua

capacidade acarreta em problemas como o calor e a falta de ventilação. A

falta de espaço faz com que os presos precisem se revezar para dormir. O

número de colchões é insuficiente e nem a alternativa de pendurar redes

nas celas faz com que todos possam descansar ao mesmo tempo. Outro

problema é a falta de mobilidade, a comida tem que passar de mão em

mão para chegar aos apenados que estão no interior da cela, e a

dificuldade de chegar aos banheiros fazem os presos procurarem

alternativas tais como a utilização das embalagens das marmitas para

satisfazer as necessidades e até mesmo urinar para fora da cela. Não há

privacidade alguma em penitenciárias e presídios superlotados.[3] O

Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, admitiu que o sistema prisional

chega a ser praticamente medieval, após a divulgação de um estudo da

Anistia Internacional, apontando a degradação do sistema penitenciário

nacional.[4]

Para reduzir o problema da superlotação, foi criada a Lei nº 12.403, de 4

de maio de 2011, possibilitando alternativas à prisão provisória para

Page 52: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

presos não reincidentes que cometeram delitos leves com pena privativa

de liberdade de até quatro anos, como fiança e monitoramento eletrônico.

A liberação desses acusados pode causar uma sensação de insegurança.

Porém, como descreve o procurador Eugênio Pacelli de Oliveira:

[...] muitas vezes a prisão produz o próximo problema. Você colocar uma

pessoa que não tem histórico nenhum presa é algo muito complicado, pois

a prisão é um ambiente de violência, e isso afeta as pessoas.[5]

Mesmo com essa medida, ainda é necessária a construção de novos

presídios. O ex-integrante do Batalhão de Operações...(BOPE), hoje

consultor de segurança, Rodrigo Pimentel comenta que:

A construção de presídios ainda não é uma prioridade na segurança

pública do Brasil, pois a maioria dos governadores prefere investir em

viaturas, o que é mais visível e que dá votos. A função da cadeia moderna

é neutralizar, reinserir e punir. Não é só punir. Vale a pena, para reduzir a

criminalidade em todo o Brasil, investir na construção de presídios e levar

dignidade ao preso. Isso é uma política de segurança pública muito eficaz.

[6]

Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões, as

mais comuns são a tuberculose e a pneumonia já que são doenças

respiratórias, além de AIDS, hepatite e doenças venéreas. Para serem

levados para o hospital necessitam de escolta da Polícia Militar (PM), o que

dificulta ainda mais o tratamento do doente.[7] Apesar de todo o

planejamento da cartilha sobre o Plano Nacional de Saúde no Sistema

Penitenciário,[8] é totalmente duvidosa a concretização de tais projetos,

pois já é visto que neste país é difícil os recursos públicos serem

reservados para o que deveriam ser propriamente destinados.

Podemos citar como exemplo o sistema prisional de Campinas, no qual a

tuberculose é considerada como ameaça já que sem o devido controle

dentro das prisões, talvez não seja possível controlar a reincidência fora

delas. Agravo disto depende também do fato de que a tuberculose tem

Page 53: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

incidência maior entre os presos do que na população em geral. Pouca

ventilação, superlotação, condições sanitárias adversas, baixo nível sócio

econômico, tempo de permanência na penitenciária e uso de drogas

favorece a proliferação de doenças como a tuberculose. Portanto, risco de

contaminação e possível epidemia para com a comunidade perto da

penitenciária, como os familiares e policiais, é incisivo.[9]

A AIDS no meio carcerário é muito comum devido à possibilidade de ser

transmitida com o uso de drogas injetáveis, podendo ser considerada

como epidemia. A doença na prisão põe em perigo a vida dos “pacientes”

por causa da falta ao acesso de médicos especilistas em HIV/AIDS e, do

acesso limitado a todos os tratamentos disponíveis e terapias alternativas.

Por isso, os prisioneiros com HIV/AIDS não têm as mesmas taxas de

esperança de vida que uma pessoa com HIV/AIDS que vive na parte

externa. Todavia, mais uma vez o Estado deixa a desejar no que diz

respeito à saúde pública, demonstrando assim, que o preso com HIV/AIDS

já adquiriu fora da cadeia ou contagiou-se por alguém que já tinha antes

de ser detido.[10]

A leptospirose é uma zoonose (doença de animais) infecciosa febril,

potencialmente grave, causada por uma bactéria, a Lapospira interrogans.

Desenvolve-se em locais propícios à sujeira com presença de umidade, em

que o meio é favorável a multiplicação de ratos e proliferação da bactéria.

Com isto, prova-se a exigida higienização das instalações penitenciárias,

bem como, os devidos espaços de tempo para banhos de sol e a

prevenção às demais doenças causadas pelos ratos: peste bubônica,

raiva, sarnas.[11]

A Penitenciária Central de Guarabira ... é um exemplo da condição

desumana. Após a demora no atendimento médico de um dos presos

doentes, os mesmos decidiram realizar uma rebelião. O fato teria sido o

estopim para a revolta que tem na verdade a superlotação e as condições

precárias do lugar como motivações principais.[12]

Page 54: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

Isto prova que a indignação com o descaso da saúde no Sistema

Penitenciário Brasileiro é algo que envolve quem está por dentro das

grades, quem administra as penitenciárias e também as demais pessoas

da comunidade em geral.

"Nos dias atuais percebe-se que agentes penitenciários, policiais civis e

militares e agentes do sistema de defesa social, e até juízes estão sendo

vitimados e ameaçados pelos marginais." disse o Cabo Cláudio Cassimiro

Dias.[13]

Esse é um fato triste do sistema penitenciário, os "marginais" poderosos

muitas vezes são priorizados no seu tratamento, e isto gera um certo tipo

de autoridade para eles. Enquanto isso, os agentes, que são treinados e

pagos para realizar determinado trabalho, não conseguem fazê-lo, pois

são ameaçados, aterrorizados e muitas vezes tem seus companheiros de

função mortos em serviço. A remuneração é incompatível com esta

realidade, salários baixos para o trabalho prestado. Muitas vezes, por

causa da falta de agentes, policiais militares precisam auxiliar a “cuidar”

dos presos, quando deveriam estar nas ruas fazendo patrulhamento.[14]

O salário baixo e as condições ruins de trabalho foram tão evidentes que o

governador Geraldo Alckmin anunciou que o reajuste dos salários dos

policiais civis, militares e científicos e dos agentes de segurança

penitenciária e agentes de vigilância e escolta seria feito.[15]

Uma reportagem da Gazeta Digital expõe a falta de agentes penitenciários

no Mato Grosso:

Hoje a situação mais crítica é da Penitenciária Central do Estado (PCE), na

Capital, que segundo o sindicato dos Servidores do Sistema Penitenciário

tem mantido 3 agentes para atuar diretamente no trato dos presos dentro

da unidade que abriga 1,9 mil criminosos.[16]

Mesmo com as reformas, ainda temos a falta de agentes penitenciários. O

que não deveria acontecer, pois é o agente penitenciário que realiza um

serviço público de alto risco, por proteger a sociedade civil ajudando por

Page 55: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

meio do tratamento penal, da vigilância e custódia da pessoa presa

durante a execução da pena de prisão, ou de medida de segurança,

conforme determinadas pelos instrumentos legais.

Um grande problema e que gera muitas consequências negativas ao

sistema penitenciário brasileiro é a má distribuição das verbas. Existem

penitenciárias que permitem uma boa qualidade de vida, às vezes maior

até do que a de grande parte da população de renda baixa, enquanto

existem penitenciárias inadequadas até mesmo para abrigar o número de

ocupantes para o qual foram projetadas abrigando quantidades absurdas

de pessoas, em condições inumanas.[17]

A má remuneração dos agentes penitenciários e o baixo número de

agentes contribuem para corrupção  e seu descaso. Com isto, os apenados

têm grande facilidade de burlar as regras, trazendo celulares, drogas,

armas, que seriam facilmente apreendidos caso os procedimentos

corretos fossem utilizados. Somando esse fator à superlotação, é

praticamente impossível evitar desastres.

Outro fator que demonstra o descaso com os apenados é a falta de acesso

à justiça. Muitas prisões acumulam Boletins de Ocorrência (BO) não

investigados e, vários condenados não possuem contato com advogados e

alguns, inclusive, já cumpriram a pena, mas continuam presos devido à

burocracia e ao descaso do sistema.[18]

3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A Constituição Federal Brasileira é vista como uma norma jurídica, mas

não uma norma qualquer, e sim a que está no topo do ordenamento

jurídico - lex superior -, e todas as demais normas tem que ser

compatíveis com a mesma, caso contrário serão vistas como

inconstitucionais.

Como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, o

princípio da dignidade da pessoa humana garante, com caráter

obrigatório, o absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de

Page 56: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

todo ser humano, exige que todos sejam tratados com respeito,

resguardados e tutelados; um atributo da pessoa, não podendo ser

medido por um único fator, pois nela intervém a combinação de aspectos

morais, econômicos, sociais e políticos, entre outros. O Estado tem como

uma de suas finalidades oferecer condições para que as pessoas se

tornem dignas.

Dignidade é o respeito que merece qualquer pessoa, um ser que deve ser

tratado como um fim em si mesmo, e não para obtenção de algum

resultado, como já dizia Kant[19]. Se uma pessoa é um ser racional, vive

em condições de autonomia, , consequentemente, tem livre arbítrio para

fazer o que considera melhor para a sua pessoa. Tem liberdade e é

responsável pela própria existência, pode suportar pressões e influências,

mas a decisão depende apenas da sua consciência.

O princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de

natureza econômica, social e cultural, pois, no Estado Democrático de

Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de

constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de

impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a

plena realização da personalidade humana. (CARVALHO, 2009, p. 673)

O princípio da dignidade da pessoa humana tem praticamente

três concepções: individualismo, traspersonalismo e

personalismo.[20]

O individualismo tem como ponto de partida o indivíduo, bem

característico do liberalismo. Este pilar da dignidade da pessoa humana

entende que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e

realiza, indiretamente, os interesses coletivos.[21]

Por outro lado, o bem coletivo é garantido pela corrente do

transpersonalismo, este admite que, se não há harmonia espontânea

entre o bem do todo e o bem do indivíduo, são os valores coletivos que

Page 57: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

devem preponderar. Logo, nega-se a pessoa humana como valor supremo,

uma vez que a dignidade da pessoa humana realiza-se no coletivo.[22]

Já o personalismo rejeita a concepção individualista diante da coletivista

por negar a possibilidade de existência da harmonia espontânea entre

indivíduo e sociedade, o que resultaria na preponderância dos interesses

individuais diante dos interesses do todo.[23]

A dignidade representa o valor absoluto de cada ser humano; centra-se na

autonomia e no direito de autodeterminação de cada pessoa, o que lhe

permite conformar-se a si mesmo e a sua vida, de acordo com o seu

próprio projeto espiritual, cultural e histórico. É um valor que informa toda

a ordem jurídica, se assegurados os direitos inerentes à pessoa humana.

[24]

4.  CONCLUSÃO

Com base no que foi estudado sobre o Sistema Penitenciário brasileiro, o

tratamento dos apenados se torna indigno, uma vez que não são tratados

como pessoas detentoras de direitos e deveres garantidos

constitucionalmente, tal como no artigo 5º da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988. Na Constituição a dignidade da pessoa

humana é fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro, sendo

assim, o Estado existe em função de todos os cidadãos. Portanto, é

inconstitucional violar o princípio.

O que acaba por acontecer é uma dupla penalização, pois o condenado

leva a prisão propriamente dita e mais o estado de saúde precário que

adquire durante o seu cárcere. O que a lei diz é que o Estado é

responsável para com o estado de saúde do apenado, porém o que ocorre

na prática é um descumprimento desse fator. Eles são deixados ao acaso

podendo se contaminar com infecções, vírus etc. A ideia oficial é de que a

saúde é um direito de todos que vivem no Brasil, porém não é o que

ocorre na maioria das penitenciárias.

Page 58: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

É importante destacar que além dos presos serem negligenciados no fator

saúde, eles não têm direito a educação. Com isto, o objetivo de

ressocializar é ferido. Presos acabam saindo da cadeia piores do que

entraram por viverem em condições sub-humanas. É notório que a

reincidência dos presos é uma variável que depende do tipo de

tratamento para com os mesmos. A superlotação traz, além do calor

insuportável, falta de ventilação e falta de privacidade, doença, sujeira e

estresse. Algumas vezes a revolta com essas condições leva os detentos a

cometerem atos violentos e desumanos. Trata-se apenas de um reflexo do

modo como eles estão sobrevivendo.

Outro problema do Sistema Penitenciário Brasileiro é a má distribuição de

verbas, uma melhor organização desta colocaria em prática os diversos

projetos governamentais para as penitenciárias. Diminuiria assim, a

superlotação e melhoraria as condições de higiene, em busca de atender o

princípio da dignidade da pessoa humana. Com o devido investimento no

sistema prisional, a ressocialização e a educação seriam fatores

presentes, onde os presos sairiam capacitados para praticar atividades,

como costurar, desenhar e também trabalhos braçais.

Além disso, deveria haver um reajuste nos salários dos agentes,

derrubando a corrupção e o descaso para com os presos. Com um salário

mais compatível com a função, haveria mais agentes carcerários e a

Polícia Militar poderia fazer seu trabalho de patrulhamento e segurança,

ao invés de ter que ajudar a cuidar dos presos.

De um modo geral, o conhecimento sobre a realidade do Sistema

Penitenciário brasileiro, que é  desrespeitoso e desumano, leva a

transformação das concepções sociais. A sociedade, apesar de ouvir sobre

os defeitos das penitenciárias, crê que os detentos merecem punições

severas e sofrimento, como tortura, pena de morte, isolamento carcerário

e não necessitam de educação pública. Porém, a conscientização popular,

conforme o princípio da dignidade da pessoa humana leva a uma noção de

que os presos são pessoas e não devem ser tratados com desprezo. Com

esse novo pensamento, a população formará uma opinião de que os

Page 59: Sistema de Justiça Criminal(Atualidades)

delituosos deveriam ter um julgamento pertinente com a Constituição

Federal.