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Situação de saúde da criança em área da região sul do Brasil, 1980-1992: tendências temporais e distribuição espacial* The health situation of children in area of southern Brazil, 1980-1992: tendencies over time and geographical distribution Cesar G. Victora**, Paulo Recena Grassi***, Angela Maria Schmidt*** VICTORA, C,G. et al. Situação de saúde da criança em área da região sul do Brasil, 1980-1992: tendências temporais e distribuição espacial. Rev. Saúde Pública, 28: 423-32 1994. Embora as estatísticas vitais sejam de fundamental importância para o planejamento e avaliação das ações de saúde, são poucos os Estados brasileiros que dispõem de sistema de registro com cobertura e agilidade suficiente para atingir estas metas. Objetivou, portanto, analisar os dados gerados no Rio Grande do Sul, Brasil, para descrever tendências temporais e distribuição espacial de indicadores de saúde infantil, incluindo os coeficientes de mortalidade infantil e de mortalidade proporcional de menores de um ano, prevalência de baixo peso ao nascer, e cobertura vacinal. Entre 1980 e 1992, observaram-se reduções marcantes na mortalidade infantil (de 39,0 para 19,3 por mil) e na mortalidade proporcional de menores de um ano (de 13,9% para 5,9%). A prevalência de baixo peso ao nascer mostrou-se estável entre 8 e 10%, tendo mesmo sido observado discreto aumento até 1991. A cobertura de vacina tríplice oscilou marcadamente de ano a ano, entre 79% e 99%. Houve forte correlação, ao nível de Delegacias Regionais de Saúde, entre mortalidade infantil e baixo peso ao nascer. Os 4 indicadores estudados foram combinados de forma a construir um escore para identificar as Delegacias de Saúde com maiores necessidades de intervenções sanitárias. A região sul do Estado, caracterizada pela presença de grandes latifúndios, mostrou os piores índices de saúde infantil. Descritores: Mortalidade infantil, tendências. Baixo peso ao nascer. Registro de estatísticas vitais. Introdução O uso adequado das estatísticas vitais é de extrema importância para o planejamento e avaliação das ações de saúde. Infelizmente, são poucos os Estados brasileiros que dispõem de um sistema de registro com cobertura e agilidade suficiente para atingir estas metas. A presente análise utiliza os dados gerados no Rio Grande do Sul, tendo como objetivos: a) descrever a evolução temporal de alguns indicadores da saúde das crianças gaúchas no período de 1980 a 1992; b) analisar a distribuição espacial desses indicadores ao redor de 1990. Os dados sobre a tendência * Estudo parcialmente financiado pelo PIMES (Programa Integrado de Melhoria Social) da Secretaria da Justiça, Governo do Estado do Rio Grande do Sul. ** Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas - Pelotas, RS - Brasil * * * Núcleo de Estatística, Divisão de Informação em Saúde, Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS - Brasil Separatas/Reprints: C. C. Victora - Caixa Postal 464 - 96001-970 -Pelotas, RS - Brasil temporal e a distribuição dos indicadores de saúde infantil poderão ser utilizados como subsídio para o planejamento de ações sociais que visem a priorizar as crianças vivendo em regiões mais carentes do Estado. Os indicadores a serem utilizados estão descritos a seguir. O primeiro indicador estudado, a mortalidade infantil, consiste tradicionalmente em um dos melhores índices não apenas da saúde infantil mas também do grau de desenvolvimento socioeconômico da comunidade 1 . Expresso como o número de óbitos por mil crianças nascidas vivas, o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) é costumeiramente dividido em dois subgrupos: mortalidade neonatal (óbitos do nascimento aos 27 dias) e pós-neonatal ou infantil tardia (dos 28 aos 365 dias de vida). A mortalidade neonatal é causada primaria- mente pelos óbitos devidos a causas perinatais como prematuridade, problemas relacionados ao parto e malformações congênitas. Já a morta- lidade pós-neonatal é causada basicamente por doenças infecciosas. Devido a estas etiologias, a mortalidade neonatal é de mais difícil prevenção do que a pós-neonatal, a qual pode ser evitada por intervenções específicas como imunizações

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Situação de saúde da criança em área da região sul do Brasil, 1980-1992:tendências temporais e distribuição espacial*

The health situation of children in area of southern Brazil, 1980-1992: tendenciesover time and geographical distribution

Cesar G. Victora**, Paulo Recena Grassi***, Angela Maria Schmidt***

VICTORA, C,G. et al. Situação de saúde da criança em área da região sul do Brasil, 1980-1992:tendências temporais e distribuição espacial. Rev. Saúde Pública, 28: 423-32 1994. Embora asestatísticas vitais sejam de fundamental importância para o planejamento e avaliação das ações desaúde, são poucos os Estados brasileiros que dispõem de sistema de registro com cobertura eagilidade suficiente para atingir estas metas. Objetivou, portanto, analisar os dados gerados no RioGrande do Sul, Brasil, para descrever tendências temporais e distribuição espacial de indicadores desaúde infantil, incluindo os coeficientes de mortalidade infantil e de mortalidade proporcional demenores de um ano, prevalência de baixo peso ao nascer, e cobertura vacinal. Entre 1980 e 1992,observaram-se reduções marcantes na mortalidade infantil (de 39,0 para 19,3 por mil) e namortalidade proporcional de menores de um ano (de 13,9% para 5,9%). A prevalência de baixo pesoao nascer mostrou-se estável entre 8 e 10%, tendo mesmo sido observado discreto aumento até 1991.A cobertura de vacina tríplice oscilou marcadamente de ano a ano, entre 79% e 99%. Houve fortecorrelação, ao nível de Delegacias Regionais de Saúde, entre mortalidade infantil e baixo peso aonascer. Os 4 indicadores estudados foram combinados de forma a construir um escore paraidentificar as Delegacias de Saúde com maiores necessidades de intervenções sanitárias. A regiãosul do Estado, caracterizada pela presença de grandes latifúndios, mostrou os piores índices de saúdeinfantil.

Descritores: Mortalidade infantil, tendências. Baixo peso ao nascer. Registro de estatísticas vitais.

Introdução

O uso adequado das estatísticas vitais é deextrema importância para o planejamento eavaliação das ações de saúde. Infelizmente,são poucos os Estados brasileiros que dispõemde um sistema de registro com cobertura eagilidade suficiente para atingir estas metas.A presente análise utiliza os dados gerados noRio Grande do Sul, tendo como objetivos: a)descrever a evolução temporal de algunsindicadores da saúde das crianças gaúchas noperíodo de 1980 a 1992; b) analisar adistribuição espacial desses indicadores aoredor de 1990. Os dados sobre a tendência

* Estudo parcialmente financiado pelo PIMES(Programa Integrado de Melhoria Social) da Secretariada Justiça, Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

** Departamento de Medicina Social da UniversidadeFederal de Pelotas - Pelotas, RS - Brasil

* * * Núcleo de Estatística, Divisão de Informação em Saúde,Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do Estado do RioGrande do Sul - Porto Alegre, RS - Brasil

Separatas/Reprints: C. C. Victora - Caixa Postal 464 -96001-970 -Pelotas, RS - Brasil

temporal e a distribuição dos indicadores desaúde infantil poderão ser utilizados comosubsídio para o planejamento de ações sociaisque visem a priorizar as crianças vivendo emregiões mais carentes do Estado. Os indicadoresa serem utilizados estão descritos a seguir.

O primeiro indicador estudado, amortalidade infantil, consiste tradicionalmenteem um dos melhores índices não apenas da saúdeinfantil mas também do grau de desenvolvimentosocioeconômico da comunidade1. Expresso comoo número de óbitos por mil crianças nascidasvivas, o Coeficiente de Mortalidade Infantil(CMI) é costumeiramente dividido em doissubgrupos: mortalidade neonatal (óbitos donascimento aos 27 dias) e pós-neonatal ou infantiltardia (dos 28 aos 365 dias de vida).

A mortalidade neonatal é causada primaria-mente pelos óbitos devidos a causas perinataiscomo prematuridade, problemas relacionadosao parto e malformações congênitas. Já a morta-lidade pós-neonatal é causada basicamente pordoenças infecciosas. Devido a estas etiologias, amortalidade neonatal é de mais difícil prevençãodo que a pós-neonatal, a qual pode ser evitadapor intervenções específicas como imunizações

e tratamento da diarréia e pneumonia , porexemplo, além de ser também sensível a melhoriasna situação de alimentação, de saneamento e nascondições socioeconômicas mais amplas.

Recentemente , tem-se observado umadissociação entre a queda da mortalidade infantile as condições socieconômicas. Por exemplo,estudos descrevem importantes reduções na mor-talidade em São Paulo2 e no Estado do Ceará6

desacompanhados de melhorias na situaçãosocieconômica, sendo provável que essas redu-ções tenham sido devidas a intervenções especí-ficas na área da medicina preventiva e curativa.Isto não invalida o uso da mortalidade infantilpara a comparação de distintas áreas geográficas,mas alerta para o fato de que tendências decres-centes não indicam necessariamente melhorianas condições de vida da população.

A mortalidade pré-escolar, por outro lado,refere-se a faixa etária de um a cinco anos in-completos, sendo expressa como o número deóbitos por cada mil crianças, nesta faixa etária.Na grande maioria das populações, a mortalidadepré-escolar é várias vezes menor do que amortalidade infantil por estarem as crianças maisvelhas já livres dos problemas perinatais, comum sis tema i m u n o l ó g i c o comple tamentedesenvolvido e, inclusive, por haverem ascrianças mais suscetíveis já morrido durante oprimeiro ano de vida.

Outro indicador de grande valor é opercentual de baixo peso ao nascer, definidocomo um peso inferior a 2.500 g. Este é, isola-damente, o principal determinante proximalda m o r t a l i d a d e i n f a n t i l 9 . E x i s t e m doisprincipais mecanismos que levam ao baixopeso ao nascer: a prematuridade e o retardo decrescimento in t ra-uter ino. A prematuridadeocorre quando a criança nasce antes de completar37 semanas de gestação. Já o retardo decrescimento intra-uterino, também conhecidocomo desnutrição fetal, ocorre quando a criançanasce com peso abaixo do valor-limite para suaidade gestacional. A maior parte destas últimascrianças são nascidas a termo. Entre as principaiscausas de baixo peso ao nascer encontram-se asinfecções, a desnutrição materna e o fumo.

O peso ao nascer, como a mortalidade in-fantil , constitui também um excelente indicadorsocioeconômico. Na verdade, tem sido proposto6

que este indicador seria mesmo superior à mor-talidade infanti l , por ser menos influenciável doque esta a in tervenções médico-sani tár iasespecíficas.

Em termos de indicadores amplamente dis-poníveis de cobertura de serviços preventivos, acobertura vacinal ocupa lugar de destaque. As

vacinas constituem uma proteção essencial parao desenvolvimento sadio na infância. Escolheu-se como indicador, na presente análise, opercentual de crianças menores de um ano quehaviam recebido as três doses recomendadas davacina tríplice (contra difteria, coqueluche eté tano) . Esta é a vacina que exige maiororganização dos serviços de saúde por consistirde três doses injetáveis, aos dois, quatro e seismeses de vida.

Tentou-se ainda obter dados sobre sériestemporais ou distribuições geográficas de diver-sos outros indicadores de saúde e nutrição. Entreestes incluem-se dados de altura de escolares(um indicador nu t r i c iona l ) , de número dehospitalizações de crianças conforme a causa, ede prevalências de desnutrição por região. Alémdo peso ao nascer, já discutido acima, o únicooutro indicador nutricional disponível foi o re-sultado da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nu-trição, realizada em 19893,4. Na presente pesquisa,8,2% das crianças gaúchas apresentaram déficitde altura/idade. A prevalência de desnutriçãopara todo o país foi estimada em 15,9%, variandode 4,9% em Santa Catarina a 33,8% no Maranhãoe Piauí. Além de Santa Catarina, os Estados deSão Paulo e Mato Grosso do Sul apresentarammenores freqüências do que o Rio Grande do Sul.Não foi possível estratificar este resultado para asdiferentes regiões do Estado, devido ao reduzidotamanho da amostra estudada.

Para entender-se as inter-relações entre osindicadores propostos, partiu-se do pressupostode que as condições materiais de existência,determinadas pela formação social, econômica epolítica de uma comunidade influenciam ospadrões de saúde e nutrição7. Esta influência sedá através de fatores intermediários como águae saneamento, disponibilidade de alimentos,poder aquisit ivo da família, condições demoradia, entre outros.

Assim, espera-se que em regiões de intensasdesigualdades sociais e de baixo poder aquisitivoda população encontrem-se maiores níveis demortalidade e de desnutrição. No caso do RioGrande do Sul, pesquisa realizada com dados de19808, mostrou que além do poder aquisitivo aquestão da propriedade da terra exercia forteinfluência sobre a morbi-mortalidade infantil . Onorte do Estado, caracterizado por minifúndios,ap re sen t ava em 1980 ba ixos índices demortalidade e de desnutrição, enquanto que aregião sul, dos latifúndios, apresentava índiceselevados.

A organização dos serviços de saúde, poroutro lado, não leva em conta estas desigualda-des sociais e médico-sanitárias. Os serviços são

freqüentemente localizados em áreas onde me-nos são necessários, acentuando as desigualda-des existentes.

Estes breves comentários sobre as relaçõesentre os indicadores a serem analisados visarama contribuir para o melhor entendimento dasassociações mostradas no presente trabalho.

Fonte dos Dados e Metodologia

Foram obtidos junto à Secretaria de Saúde edo Meio Ambiente dados sobre mortalidade,peso ao nascer e cobertura vacinal. A divisãogeográfica do Estado, utilizada por essa Secretaria,é a de Delegacias Regionais de Saúde (DRS). Estadivisão identifica 16 regiões geográficas, nãosendo, no entanto, coincidente com a divisão emmicrorregiões homogêneas utilizada pela Funda-ção Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.Foi impossível analisar os dados conforme estaclassificação devido à falta de disponibilidade deindicadores de saúde desagregados por município.Para alguns indicadores, como os dados de mor-talidade, baixo peso ou cobertura vacinal paratodo o Estado, foi possível obter dados até 1991ou 1992. As análises geográficas, no entanto,foram realizadas com dados referentes aos triênios1988-90 ou 1989-91.

Mortalidade infantil e pré-escolar

Os dados de óbitos registrados no RioGrande do Sul, entre 1980 e 1992 foram obtidosda Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente.Estes óbitos incluem apenas os óbitos registradosem cartório, e portanto podem ser afetados emmaior ou menor grau pelo sub-registro, isto é,crianças que morrem e são enterradas sem osprocedimentos legais. Embora se acredite queno Rio Grande do Sul o índice de sub-registroseja reduzido, pesquisa realizada em Pelotas,em 1982, mostrou que 24% dos óbitos in fan t i snão haviam sido registrados7 . No entanto,nova pesquisa realizada na mesma cidade em1993 mos t rou que o s u b - r e g i s t r o hav iapraticamente desaparecido*.

Os dados obtidos incluíram o número totalde óbitos infantis, o número de óbitos infantispor período (neonatal ou pós-neonatal) e porcausas, e o número de óbitos pré-escolares. Amortalidade infantil por DRS foi também obtida.

Utilizando-se as populações estimadas decrianças menores de um ano e de um a quatroanos (ver abaixo), calcularam-se os coeficientes

* Dados inéditos

de mortalidade infantil e pré-escolar, respecti-vamente, por mil crianças. Optou-se por utilizaro número de menores de um ano comodenominador para a mortalidade infantil poracreditar-se ser este mais confiável do que odado de nascidos vivos do registro civil.

Indicador freqüentemente utilizado para ten-tar contornar - pelo menos parcialmente - oproblema do sub-registro, é a mortalidadeproporcional, em que, por exemplo, o número deóbitos infantis é dividido pelo número total deóbitos em todas as idades. Isto parte dopressuposto de que se há omissão de óbitos istoocorreria em todas as idades, e, portanto, altasproporções de óbitos infantis revelariam umasituação sanitária inadequada. Estes indicadorestambém foram calculados.

Entre os óbitos de crianças menores de umano, calculou-se também o percentual de óbitospor alguns grupos de causas selecionadas, co-dificadas conforme a 9a versão da ClassificaçãoI n t e r n a c i o n a l de Doenças . Para f i n s deapresentação , as causas de morte foramclassificadas como infecciosas (seção I daCID), respiratória (seção 8), malformações(seção 14), perinatais (seção 15) e outras causas(demais seções).

Baixo peso ao nascer

Dados sobre o peso ao nascer foram obtidosa partir do sistema de registro de nascimentos(SINASC) da Secretaria da Saúde e do MeioAmbiente. Estes dados estão disponíveis para osperíodos de 1980-83 e para 1989-92, havendo osistema de coleta sido interrompido de 1984 a1988. Os dados se restringem a nascimentos hos-pitalares.

A cobertura do sistema - calculada pela divi-são do número de nascimentos incluídos pelototal de nascimentos no Estado - era quase quetotal no início da década, quando atingiu 97%(média de 1980 a 1983). Após a interrupção dosistema, a cobertura estimada caiu para 89% notriênio 1989-91.

O percentual de baixo peso ao nascer foicalculado dividindo-se o número de nascimentoscom menos de 2.500 gramas pelo total de nasci-mentos notificados ao sistema, excluídos os nas-cimentos de peso ignorado.

Cobertura vacinal

A cobertura vacinal foi também obtida atra-vés de dados da Secretaria da Saúde e do MeioAmbiente, referentes ao número de crianças demenores de um ano que receberam a terceira

dose da vacina tríplice, para todo o Estado e porDRS. Estes dados são notificados pelos Centrose Postos de Saúde, e pelas demais entidades querealizam a vacinação. A cobertura foi calculadadividindo-se este número pela populaçãoestimada de menores de um ano.

População de crianças

Dados do Censo Demográfico de 1980 for-neceram o número de menores de um ano paratodo o Estado e por DRS. Como os resultados doCenso Demográfico de 1991, discriminados porfaixa etária, não estavam disponíveis por ocasiãoda análise, utilizou-se estimativa realizada pelaFundação de Economia e Estatística*, baseadana população geral de cada DRS multiplicadapela proporção estimada de menores de um anona população. Cálculo análogo foi realizadopara a faixa etária de l a 4 anos.

Resultados

Tendências temporais

As análises seguintes referem-se às tendênciastemporais observadas para os indicadores de saúdede 1980 a 1992.

Mortalidade infantil e pré-escolar

Durante a década de 1970, a mortalidadeinfant i l apresentou tendência decrescente noEstado, de 48 por mil em 1970 para 39,0 pormil em 1980, ou seja, uma redução de 19%5.

A tendência à redução intensificou-se nosanos 80 (Fig. 1), a t ingindo o nível de 19,3 pormil em 1992, ou seja, um decréscimo de 50%.Nesta década, a mortalidade geral (isto é, emtodas as idades) manteve-se relat ivamenteconstante, sendo de 6,7 por mil pessoas em1980 e de 6,2 por mil em 19905.

Para verificar até que ponto esta queda pode-ria estar sendo afetada por alterações no registrode óbitos, calculou-se a mortalidade proporcionalde menores de um ano, a qual como anteriormentecomentado, é menos suscetível ao sub-registro doque o coeficiente de mortalidade infantil. Entre1980 e 1992, esta reduziu-se de 13,9% para 5,9%(Fig. 2), ou seja, um decréscimo de 58%. Portan-to, tudo indica que a mortalidade infantil tenhasido reduzida a cerca da metade durante a década.

Apesar deste declínio, o Rio Grande do Sulainda apresenta mortalidade infantil de cerca de19 por mil, bastante superior a países latino-americanos como Cuba (11 por mil em 1990),

* Dados inéditos.

sem falar em países desenvolvidos como o Japão(5 por mil), Suécia e Finlândia (ambos com 6 por mil)1.

Ao analisar-se o declínio na mortalidadeconforme grupos de causas, observa-se que ascausas infecciosas (incluindo a diarréia) e adesnutrição apresentaram reduções mais rápidasdo que o conjunto da mortalidade (Fig. 3). Asdoenças respiratórias mantiveram o mesmopercentual, enquanto que as causas perinatais(prematuridade, problemas de parto) e asmalformações aumentaram relativamente. Note-se que mesmo este aumento relativo constituiuma redução, pois durante o período coberto poresta análise (Fig. 3) o coeficiente de mortalidadeinfantil reduziu-se marcadamente em 50%.

A mortalidade pós-neonatal (ocorrida entreos 28 e 364 dias de vida) representava 49,6%dos óbitos infant is em 1980, decrescendo li-geiramente para 43,6% em 19905. Esta reduçãofoi modesta, bastante inferior ao que seriaesperado em face do importante declínio namortalidade infanti l , uma vez que normalmentea queda ocorre principalmente às custas dosóbitos mais tardios. Portanto, esperar-se-ia queum CMI de 20 por mil correspondesse a umpercentual de óbitos pós-neonatais bastanteinferior aos cerca de 40% observados. Em estudorealizado em Pelotas, em 19827, esta proporçãode 40% correspondeu a um CMI de 34 por mil(grupo de renda entre l e 3 salários mínimosdaquele estudo). Quando o CMI foi de 16,5 pormil (grupo de renda superior a 3 SM em nossoestudo), apenas 21% dos óbitos foram pós-neonatais. Este resultado sugere a existência desub-registro de óbitos no âmbito estadual.

Uma possível explicação para as reduçõesobservadas é que intervenções específicas no pri-meiro ano de vida estejam resultando no "adia-mento" de mortes, com os óbitos passando a

ocorrer após o primeiro aniversário. Isto nãoaconteceu, pois a mortalidade pré-escolar (idadesde l a 4 anos) também decresceu marcadamentena década, de 1,52, por 1000, para 0,81 (Fig. 4),uma redução de 47%, ou seja, quase idêntica àredução na mortalidade infant i l . Conformenormalmente ocorre, o risco de morte após oprimeiro ano de vida é muitas vezes menor do quepara os recém-nascidos1.

Baixo peso ao nascer

Dados sobre peso ao nascer estão disponí-veis para os anos de 1980 a 1983 e de 1988 a1992 (Fig. 5). Ao contrário dos dados de mor-talidade, o percentual de baixo peso ao nascernão apenas deixaram de apresentar redução,mas aumentaram em 11,5% até 1991. A bruscaqueda de 9,6%, em 1991, para 8,2%, em 1992,no entanto, é difícil de interpretar.

E pouco provável que esta série histórica

tenha sido afetada pela mudança na coberturaestimada do sistema de nascimentos, de 97%, em1980-83, para 89%, no triênio 1989-91, e para92%, em 1992. Se a queda na cobertura ocorreupreferencialmente nas regiões mais carentes, es-perar-se-ia que o sistema revelasse menorprevalência de baixo peso ao nascer no final dadécada, o que não ocorreu.

A estabilidade no percentual de criançascom baixo peso ao nascer sugere que as condi-ções gerais das gestantes no tocante a estadonutricional e infecções, assim como do atendi-mento pré-natal, não tenham apresentado pro-gresso na década. Como já mencionado existeproposta de que o baixo peso ao nascer seria ummelhor indicador das condições subjacentes desaúde do que a mortalidade infantil , por ser estaúltima mais suscetível a intetvenções específicasda medicina preventiva e curativa6.

Cobertura vacinal

A Figura 6 mostra que a cobertuta de me-nores de um ano pela vacina tríplice oscilousubstancialmente entre 1980 e 1991. A coberturaoscilou entre 80% e 90% na década aumentandoconsideravelmente em 1991. Comparativamentea outros Estados brasileiros, os níveis são ade-quados mas são preocupantes as amplas oscila-ções observadas, que sugerem ser a cobertutavacinai mais dependente de campanhas em anosespecíficos do que da atividade rotineira dosserviços de saúde.

Distribuição Geográfica

A distribuição geográfica dos indicadoresde saúde levou em conta a divisão do Estadoem Delegacias Regionais de Saúde. Parafacilitar a apresentação, somente os muni-cípios-sede de cada Delegacia são mencionadosno texto, ficando subentendido que o dadorefere-se a toda a Delegacia.

Para evitar flutuações ocorridas de ano paraano, os dados apresentados (Tabela 1) referem-se aos triênios 1988-90 ou 1989-91.

Mortalidade infantil

O coef ic iente do morta l idade in fan t i lvar iou do 13,4 por mil (DRS Palmeira dasMissões) a 33,8 por mil (Alegrete) . Baixasmortal idades foram observadas também emLajeado, Santo Ângelo, Cruz Alta e SantaRosa, enquanto que índices elevados tambémforam notados em Pelotas e Bagé. Observa-se, por tan to , nít ido gradiente de mortal idadein fan t i l com os índices altos no sul e baixosno norte do Estado (Fig. 7).

A mortalidade proporcional de menoresdo um ano apresentou uma distr ibuição razo-avelmente similar a do coeficiente de morta-l i d a d e i n f a n t i l , var iando de 4,9% em Lajeado,

a 10,0% em Alegrete. Novamente o gradientenorte-sul pode ser observado (Fig. 8), emboranão tão claramente quanto para o coeficientede mortalidade in fan t i l .

A variação geográfica na mortalidade pré-escolar não foi estudada, principalmente porqueo reduzido número de óbitos produziu estimati-vas bastante instáveis.

Baixo peso ao nascer

Os percentuais de recém-nascidos com pesoinferior a 2.500g variaram de 7,4%, em Lajeado,para 10,4%, em Pelotas e Bagé. Índices superioresa 10% foram também encontrados em Cruz Alta,Alegrete e Santa Maria, e n q u a n t o queprevalências inferiores a 8% foram observadastambém em Erechim e Palmeira das Missões. AFigura 9 mostra que uma clara divisião entre onorte e o sul do Estado pode ser novamenteconstatada.

Cobertura vacinal

A distribuição geográfica da cobertura comvacina tríplice (Fig. 10) foi bem menos clara doque a dos indicadores anteriores. As piores co-berturas - abaixo do 84% - foram observadas emPorto Alegre, Pelotas, Bagé e Alegrete, estandoas mais elevadas - 85% ou mais - em Lajeado,Santa Rosa, Erechim, Cruz Alta e Caxias do Sul.

Análise de Correlação

Para avaliar a magnitude das associaçõesgeográficas entre os quatro indicadores estu-dados, obteve-se uma matriz de correlaçõesutilizando-se o coeficiente de Pearson, tendo-secomo unidades de análise as 16 DRSs.

A Tabela 2 mostra que a mais forte correlaçãopositiva (0,75) ocorreu entre o coeficiente demortalidade infantil e o baixo peso ao nascer,comprovando a forte associação entre estes doisfatores, ou seja, que em áreas de maior prevalênciado baixo peso, a mortalidade é maior. A Figura11 mostra graficamento esta associação.

A correlação entre o coeficiente de mortali-dade infantil e a mortalidade proporcional demenores de um ano foi de moderada a forte (0,66),mas um pouco abaixo do que se poderia esperarpara duas variáveis que, em teoria, estariam me-dindo o mesmo fenômeno. Esta diferença podeser devida a problemas metodológicos como osub-registro ou erros na estimativa dos denomi-nadores.

Já a associação entre o baixo peso ao nascer ea mortalidade proporcional foi de 0,45, ou seja,moderada.

Em relação à cobertura vacinal, note-se queesta esteve inversamente associada com os demaisindicadores, particularmente com o coeficiente

de mortalidade infantil (-0,54) e com o baixopeso ao nascer (-0,41). Isto indica que regiõescom menor cobertura apresentam pioresindicadores de saúde, o que está de acordo como marco conceitual.

Em termos estatísticos, apenas as correlaçõesentre mortalidade infantil e baixo peso, e entreaquela variável e mortalidade proporcional, atin-giram o nível de significância. No entanto, asdemais associações, particulatmente aquelas de0,4 ou mais, não podem ser desprezadas porqueo reduzido tamanho amostrai (apenas 16 DRS s)limita a probabilidade de atingir resultadossignificativos.

Priorização das Regiões

Para priorizar as regiões em termos de pre-cariedade dos indicadores de saúde estudados, oseguinte procedimento foi adotado:

a) Os indicadores foram listados em ordemcrescente de mortalidade e de freqüência debaixo peso, e a cada DRS foi alocado um valorcorrespondente a sua posição nesta listagem.Por exemplo, para a variável coeficiente demortalidade infantil o valor l foi dado a Palmeiradas Missões (primeiro lugar) e o valor 16 aAlegrete (décimo sexto lugar). A variável cober-tura vacinal, por coerência, foi listada em ordemdecrescente, com a melhor cobertura recebendoo primeiro lugar e a pior o décimo sexto.

b) Os quatro escores assim obtidos foramsomados e as DRSs ordenadas novamente, ca-bendo portanto o primeiro lugar àquela com asmelhores condições de saúde (isto é, com a me-nor soma de escores), e o último lugar àquelacom as piores condições.

c) Aplicados estes critérios, a 4a, 8a e 12a

Delegacias ficaram empatadas em oitavo lugar,enquanto que a terceira e sétima empataram emdécimo quarto lugar. Utilizou-se como critério dedesempate o coeficiente de mortalidade infantil.

Os resultados obtidos estão listados na Ta-bela 3 e na Figura 12. As DRSs do norte doEstado (Lajeado, Santa Rosa, Caxias do Sul ePalmeira das Missões) obtiveram as primeirascolocaões, enquanto que os últimos lugares foramobtidos por DRSs do sul (Bagé, Pelotas eAlegrete). Estes dados podem ser de grandeutilidade para a priorização de intervençõesvisando a melhoria da saúde e dos cuidadosinfantis.

Discussão

A análise de tendências temporais dos indi-cadores da saúde evidenciou, na década de 1980,uma redução de cerca de 50% nos coeficientesde mortalidade de menores de um ano e decrianças de um a quatro anos, assim como naproporção de óbitos de menores de um ano emrelação ao total de óbitos. Por outro lado,observou-se as prevalências de baixo peso aonascer permanecerem estáveis, e houve marcadasflutuações nos níveis de cobertura vacinal.

Chama a atenção a notável queda na morta-lidade infantil, a qual não foi acompanhada demelhoria no peso ao nascer. Isto parece indicarque esta redução tenha sido devida basicamentea intervenções médicas pontuais, como o controledas doenças infecciosas e o atendimento ao parto.

Por outro lado, as prevalências de baixo peso aonascer, ao permanecerem elevadas, sugerem quenão houve alterações nas condições subjacentesde saúde e nutrição maternas. Infelizmente, nãoexistem dados comparáveis sobre as prevalênciasde desnutrição infantil que permitam traçar umasérie temporal e contribuir para o melhor enten-dimento dessas tendências.

Por outro lado, as marcantes flutuações nosníveis de cobertura vacinal mostram que nãohouve, durante a década, investimento constantena área preventiva. Maiores coberturas foramalcançadas em determinados anos através decampanhas específicas, e não de uma melhoriasustentável nos serviços básicos de saúde.

Mesmo assim, para os três indicadores cita-dos, o Rio Grande do Sul alcançava, em 1990,lugar de destaque na conjuntura nacional, sendosuperior à quase totalidade dos demais Estados.No entanto, se comparado com os níveis de outrospaíses latino-americanos como Cuba, Chile, Uru-guai e Costa Rica, ou ainda com os países indus-trializados, os dados ainda deixam bastante adesejar.

A análise geográfica dos indicadores demortalidade e de baixo peso ao nascer mostrouuma distribuição desigual dentro do Estado, sendomais precárias as condições de saúde nas regiõesSul e Oeste, além da Região Metropolitana. ONorte do Estado, por outro lado, mostrou asmelhores condições. Estas desigualdadesregionais reproduzem os resultados de estudosrealizados há mais de uma década, os quaismostraram forte associação entre a estruturafundiária e a saúde das crianças. Como naquelaépoca, as regiões caracterizadas pelas grandespropriedades de terra apresentavam as piorescondições sanitárias8.

O estudo geográfico da cobertura vacinal,por outro lado, foi menos elucidativo do que odos demais indicadores, em parte porque altascoberturas podem ser obtidas através de esforçoslocalizados, não apresentando uma determinaçãosocial e econômica tão marcada quanto osindicadores de níveis de saúde. Mesmo assim,pode ser também observada tendência acoberturas mais baixas no Sul do que no Nortedo Estado.

Finalmente, criou-se uma pontuação de for-ma a identificar as regiões do Estado com maioresnecessidades na área da saúde infantil. O esquemaproposto de ordenação das regiões com um escoresimplificado, separando as "piores" das "melho-res", não visa substituir, em termos de pesquisaacadêmica, técnicas mais sofisticadas como aná-lise de conglomerados. No entanto, este enfoquepermite uma análise simples, passível de ser

realizada em nível de serviços de saúde, quepermite identificar áreas prioritárias paraintervenções. Esta análise mostrou que toda afronteira Sul do Estado, assim como a RegiãoMetropolitana, apresentaram as condições maisprecárias. Os níveis de saúde e assistênciamelhoraram marcadamente no sentido do Nortedo Estado. Estas informações podem ser de grandeutilidade para a priorização das intervenções nasáreas médica e social.

VICTORA, C.G. et al. [The health situation of children inarea of southern Brazil, 1980-1992: tendencies over timeand geographical distribution]. Rev. Satide Pública, 28:423-32, 1994. Although vital statistics are of paramountimportance for health planning and program evaluation,few Brazilian states have vital registration systems witheither sufficient coverage or agility to achieve thesegoals. The present analyses, based on data from the stateof Rio Grande do Sul, describes time trends and thegeographical distribution of infant and child healthindicators, including infant mortality rates, proportionateinfant mortality, low birthweight and vaccine coverage.From 1980 to 1992, marked reductions were observed forthe infant mortality rate (from 39.0 to 19.3 per thousand)and in proportionate infant mortality (from 13.9% to5.9% of all deaths).On the other hand, the prevalence oflow birthweight remained stable between 8 and 10%,with a slight increase up to 1991. DPT vaccine coverageoscillated from year to year, ranging from 79 to 99%.There was clos geographical correlation between theindices of low birthweight and infant mortality in the 17health districts. The four indicators were combined into asingle score for the purpose of identifying those healthdistricts with the greater nedd for intervention. Thesouthern districts, characterized by large land holdingspresented the worst health indicators.

Keywords: Infant mortality, trends. Infant, low birthweight. Vital registration.

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em 8.2.1994Aprovado para publicação em 11.8.1994