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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011 Adolescência & Saúde 55 RESUMO Objetivo: A crise de dor é a queixa mais frequente dos adolescentes falcêmicos, que buscam os serviços de emergência. Esse estudo visa promover a distribuição de informações para o nível primário da atenção básica de saúde e mostrar como a atenção integral, descentralizada, multidisciplinar, humanizada, de qualidade e com ênfase no autocuidado pode modi- ficar a história natural da doença, reduzindo sua morbimortalidade e diminuir as demandas nos hospitais especializados. Métodos: O nível primário de atenção à saúde foi o foco deste trabalho, o qual houve treinamento dos profissionais da rede básica de saúde durante 18 meses no estado do Rio Grande do Norte. Portanto, foi proposto protocolo com ações próprias da atenção primária, olhar diferenciado, focado no cuidado, atenção multiprofissional planejada e compartilhada em reuniões de equipe, identificação de sinais de alerta na demanda espontânea, referência e transporte adequado nas transferências, medicamentos da farmácia básica, profissional comprometido e capacitação. Resultados: Obteve índice satisfatório, pois 72% dos profissionais compareceram às atividades educacionais. Conclusão: Anemia falciforme é conside- rada um problema de saúde pública pela elevada incidência (1: 1.400 nascidos) e elevada mortalidade, principalmente nos primeiros cinco anos de vida. Por acometer principalmente populações com vulnerabilidade social, promove dificuldades no SUS, gerando elevada morbidade em todas as faixas etárias. No caso dos adolescentes, o maior desafio é manter sua adesão ao tratamento e às práticas do autocuidado. Eles sofrem o risco de desenvolver o distúrbio da autoimagem pelo retardo do desenvolvimento e do crescimento promovido pela doença. PALAVRAS-CHAVE Doença falciforme, adolescente, dor, autocuidado. ABSTRACT Objective: Pain surges are the most common complaints among adolescents with sickle cell disease who seek emergency room services. This study is designed to promote the distribution of information at the primary basic healthcare level, showing how good quality integrated care that is decentralized, multidisciplinary and humanized, with emphasis on self- care, can modify the progress of this disease, lowering its morbidity and mortality rates with lighter demands on specialized hospitals. Methods: This project focused on the primary healthcare segment, providing eighteen months’ training for practitioners in the basic healthcare network in the Rio Grande do Norte State. An action protocol with an innovative Capacitação de profissionais de saúde para o manejo da dor em adolescentes portadores de doença falciforme na atenção primária Training healthcare practitioners in pain management for adolescents with sickle cell disease in the primary care segment Edvis Santos Soares Serafim 1 Renata Medeiros Soares 2 Thalita Mayara Xavier de Oliveira 3 Maria Josycley Novais Landim Soares 3 1 Onco-hematologista pediátrica, Hemocentro Dalton Cunha, Responsável pelo Departamento de Pediatria, Natal-RN, Brasil 2 Dentista, Hemocentro, Natal-RN, Brasil 3 Acadêmica de medicina, oitavo período, UFCG campus Cajazeiras-PB, Brasil Edvis Santos Soares Serafim (edvisserafi[email protected]) - Avenida Juvenal Lamartine, 978 apto 701.B Bairro, Barro Vermelho, Natal/RN. CEP 59022-020 Recebido em 02/08/2011 - Aprovado em 27/09/2011 > > ARTIGO ORIGINAL >

Soares Serafi m Edvis Santos Capacitação de profi ssionais ...€¦ · Adolescência & Saúde Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011 55 RESUMO Objetivo:

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  • Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011 Adolescência & Saúde

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    RESUMOObjetivo: A crise de dor é a queixa mais frequente dos adolescentes falcêmicos, que buscam os serviços de emergência. Esse estudo visa promover a distribuição de informações para o nível primário da atenção básica de saúde e mostrar como a atenção integral, descentralizada, multidisciplinar, humanizada, de qualidade e com ênfase no autocuidado pode modi-fi car a história natural da doença, reduzindo sua morbimortalidade e diminuir as demandas nos hospitais especializados. Métodos: O nível primário de atenção à saúde foi o foco deste trabalho, o qual houve treinamento dos profi ssionais da rede básica de saúde durante 18 meses no estado do Rio Grande do Norte. Portanto, foi proposto protocolo com ações próprias da atenção primária, olhar diferenciado, focado no cuidado, atenção multiprofi ssional planejada e compartilhada em reuniões de equipe, identifi cação de sinais de alerta na demanda espontânea, referência e transporte adequado nas transferências, medicamentos da farmácia básica, profi ssional comprometido e capacitação. Resultados: Obteve índice satisfatório, pois 72% dos profi ssionais compareceram às atividades educacionais. Conclusão: Anemia falciforme é conside-rada um problema de saúde pública pela elevada incidência (1: 1.400 nascidos) e elevada mortalidade, principalmente nos primeiros cinco anos de vida. Por acometer principalmente populações com vulnerabilidade social, promove difi culdades no SUS, gerando elevada morbidade em todas as faixas etárias. No caso dos adolescentes, o maior desafi o é manter sua adesão ao tratamento e às práticas do autocuidado. Eles sofrem o risco de desenvolver o distúrbio da autoimagem pelo retardo do desenvolvimento e do crescimento promovido pela doença.

    PALAVRAS-CHAVEDoença falciforme, adolescente, dor, autocuidado.

    ABSTRACTObjective: Pain surges are the most common complaints among adolescents with sickle cell disease who seek emergency room services. This study is designed to promote the distribution of information at the primary basic healthcare level, showing how good quality integrated care that is decentralized, multidisciplinary and humanized, with emphasis on self-care, can modify the progress of this disease, lowering its morbidity and mortality rates with lighter demands on specialized hospitals. Methods: This project focused on the primary healthcare segment, providing eighteen months’ training for practitioners in the basic healthcare network in the Rio Grande do Norte State. An action protocol with an innovative

    Capacitação de profi ssionais de saúde para o manejo da dor em adolescentes portadores de doença falciforme na atenção primáriaTraining healthcare practitioners in pain management for adolescents with sickle cell disease in the primary care segment

    Edvis Santos Soares Serafi m1

    Renata Medeiros Soares2

    Thalita Mayara Xavier de Oliveira3

    Maria Josycley Novais Landim

    Soares3

    1Onco-hematologista pediátrica, Hemocentro Dalton Cunha, Responsável pelo Departamento de Pediatria, Natal-RN, Brasil2Dentista, Hemocentro, Natal-RN, Brasil3Acadêmica de medicina, oitavo período, UFCG campus Cajazeiras-PB, Brasil

    Edvis Santos Soares Serafi m (edvisserafi [email protected]) - Avenida Juvenal Lamartine, 978 apto 701.B Bairro, Barro Vermelho, Natal/RN. CEP 59022-020 Recebido em 02/08/2011 - Aprovado em 27/09/2011

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    ARTIGO ORIGINAL

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    Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011

    INTRODUÇÃO

    Hodiernamente, no Brasil, a anemia fal-ciforme é uma das doenças hereditárias mais comuns¹ e engloba um grupo de hemoglobi-nopatias herdadas, de elevada importância clí-nica e epidemiológica. Há muitos séculos, no continente africano, ocorreu essa mutação ge-nética que se proliferou e, por isso, essa doença é muito presente no nosso país, cuja população tem em seu alicerce de composição os povos africanos. Devido à alteração mínima na estru-tura da hemoglobina, há predomínio da síntese de Hb S2. Em torno de 2% a 6 % da população brasileira possuem esta hemoglobina mutante, e 6% a 12% dos afrodescendentes3. Vale ressal-tar que a denominação "anemia falciforme" é reservada para a forma da doença que ocorre nos homozigotos SS4. A hemoglobina S (Hb S) pode ocorrer em sua forma homozigota (ane-mia falciforme) ou associada a outra hemoglo-bina mutante (C, D, E) ou a defeitos quantita-tivos da produção das cadeias alfa e beta da hemoglobina (síndromes talassêmicas). A Hb S, quando em heterozigose com a hemoglobina A (Hb A), é traduzida como traço falciforme. As hemácias adquirem forma de “foice”, pas-sando com difi culdade pelos vasos sanguíneos. Isso difi culta a oxigenação satisfatória do orga-nismo. A oclusão dos pequenos vasos favorece tanto hemólise crônica quanto dano tecidual isquêmico. Assim, o paciente é continuamente acometido por anemia grave, crises vasoclusi-

    vas, crises de dor, envolvendo vários órgãos, dentre eles ossos, fígado e baço. Há maior sus-cetibilidade a infecções, pode haver sequelas irreversíveis nos mais diversos órgãos do orga-nismo humano, fato que pode levar à morte.

    OBJETIVO

    Na área da saúde, a educação é um proce-dimento que vem se ampliando. Os desígnios da educação em saúde para doença falciforme são: permitir o empoderamento do paciente do conhecimento do profi ssional de saúde sobre a doença falciforme, contribuindo para a forma-ção de opinião favorável ao desenvolvimento, possibilitando a tomada de decisões clínicas valorizando a saúde - promover o autocuidado; desmistifi car a doença falciforme banalizando o seu conhecimento; criar a consciência da neces-sidade de mudança social, econômica e cultural, para superar os problemas de saúde; permitir o desenvolvimento da cidadania.

    MÉTODOS

    Através de recursos do Ministério da Saúde, durante 18 meses, de janeiro de 2008 a junho de 2009, foram realizados quatro treinamentos, dois na capital e dois no interior, sendo convida-das 869 profi ssionais da área de saúde atuantes na rede básica, estando presentes 627.

    approach was then drafted for primary care facilities, focused on planned multidisciplinary care shared at staff meetings, identifying warning signs in spontaneous demands, with appropriate referrals and transportation for transfers and basic pharmacy medications, with committed and well-trained practitioners. Results: A satisfactory rating was obtained, with 72% of the practitioners engaging in educational activities. Conclusion: Sickle cell anemia is ranked as a public health problem due to its high incidence (1: 1,400 births) and high mortality rate, especially during the fi rst fi ve years of life. As it mainly affects socially vulnerable populations, it causes problems for Brazil’s Unifi ed National Health System (SUS), with high morbidity rates in all age brackets. Among adolescents, the main challenge is ensure ongoing compliance with treatment and self-care techniques. These youngsters are at risk of developing self-image disorders due to delayed development and growth caused by the disease.

    KEY WORDSSickle cell disease, adolescents, pain, self-care.

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    CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA O MANEJO DA DOR EM ADOLESCENTES PORTADORES DE DOENÇA FALCIFORME NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

    Serafi m et al.

  • Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011 Adolescência & Saúde

    57CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA O MANEJO DA DOR EM ADOLESCENTES PORTADORES DE

    DOENÇA FALCIFORME NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

    Serafi m et al.

    RESULTADOS

    À análise realizada, através das folhas de frequências, constatou-se a presença de 627 profi ssionais da área de saúde representando 72% dos profi ssionais convidados. A eles, foram passadas orientações da doença falciforme para desmistifi car a patologia com o objetivo de promover uma melhor compreensão da do-ença e assim melhorar a triagem e a conduta durante as situações de agudização da doença na atenção primária.

    DISCUSSÃO

    A maioria dos portadores de doença falci-forme pertence às camadas desfavorecidas eco-nomicamente e submetidas ao preconceito ra-cial, fato que interfere no acesso e na qualidade da atenção integral.

    Em face disso, há necessidade, pelo resto da vida, do apoio de profi ssionais das mais diver-sas especialidades da área da saúde. A realização de um diagnóstico precoce, através da triagem neonatal e a inclusão das pessoas diagnosticadas num programa de atenção integral, pode mudar a história natural da doença em nosso território. De forma descentralizada, com ações organi-zadas e de efi cácia comprovada na prevenção com uma assistência multiprofi ssional com foco no paciente, é que se compõe a integralidade, associada ao modelo do SUS, sendo humaniza-da, com abordagem holística e na fi losofi a do desenvolvimento do autocuidado. No sistema atual, o SUS está dividido em três grandes níveis de atenção: a) nível primário, de atenção à saú-de como o diagnóstico precoce e os cuidados de acompanhamento de rotina, além dos cuidados preventivos como a educação em saúde e a fi -losofi a do autocuidado, estes últimos, incluídos nos principais objetivos do programa de saúde da família; b) nível secundário, que referencia os pacientes para os hemocentros, consultas e exa-mes especializados, procedimentos de média complexidade, urgência e emergência; c) nível

    terciário, com internações, procedimentos com-plexos e cuidados intensivos. Assim como o aler-ta de um soar de alarme, a dor tem importante função no organismo, mostrando que alguma estrutura do corpo está sendo afetada por algo. É um sinal de alerta. A dor crônica em adoles-centes falcêmicos é muito comum. O indivíduo perde a capacidade de dimensionar, com pre-cisão, a extensão de sua dor, implicando perda da qualidade de vida devido à ausência de sono, prejuízo da convivência social, perda da libido, perda da autoestima, ausência de aspirações de vida para o futuro, entre diversas outras razões. No início deste trabalho, o que se percebia é que a dor dos adolescentes não era tratada pe-los serviços de atenção primária. Eles eram refe-renciados para serviços especializados, lotando os serviços com reclamações que poderiam ser sanadas na atenção primária, provocando trans-tornos aos pacientes que, além da dor, sofriam com o deslocamento que lhes era imposto. O recurso foi fazer o treinamento dos profi ssionais da rede básica e dos adolescentes falcêmicos, conscientizando-os sobre a doença, sobre o tra-tamento, o tratamento da dor, e o autocuidado dessa hemoglobinopatia.

    CONCLUSÃO

    A doença falciforme (DF) é considerada um problema de saúde pública no Brasil. Estima-se uma frequência de 700 a mil novos casos, por ano, de alguma forma da doença5. A composição profi ssional da hemorrede não é sufi ciente para responder a todas as demandas clínicas apresen-tadas pelos pacientes com doença falciforme, doença crônica de variadas intercorrências6.

    Assim, a capacitação dos profi ssionais da área da saúde para um melhor tratamento dos pacientes com doença falciforme é importante para que haja menor taxa de morbimortalida-de e melhor qualidade de vida. A presença de 72% dos profi ssionais convocados para o treina-mento deve repercutir no melhor atendimento a esses pacientes.

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    Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, p. 55-58, out/dez 2011

    REFERÊNCIAS

    1. Araújo PIC. O autocuidado na doença falciforme. Rev. Bras. Hematol. Hemoter.. 2007; 29(3): 239-46.2. Costa FF. Anemia Falciforme. In: Zago MA, Falcão RP, Pasquini, R. Hematologia: fundamentos e prática. São

    Paulo: Atheneu; 2001. p. 289-307.3. Aster JC. Distúrbios hemorrágicos e dos eritrócitos. In: A. Robbins S, Kumar V, Abbas AK. Robbins e Cotran

    Patologia – Bases Patológicas das Doenças. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2006. p .651-93.4. Ministério da Saúde(Brasil). Manual de doenças mais importantes, por razões étnicas, na população

    brasileira afro-descendente – Brasília: Ministério da Saúde; 2001. p.78.5. Tostes MA, Braga JAP, Len CA, Hilário, MOE. Dor na doença falciforme. Rev. Ciênc. Méd. 2008; 17(3-6):141-7.6. Documento Técnico de Apoio à Gestão Estadual. Demanda de Ações e Procedimentos para uma Atenção

    Integral às Pessoas com Doença Falciforme no Estado de Minas Gerais -Belo Horizonte – MG: Centro de Educação e Apoio para Hemoglobinopatias (CEHMOB-MG); 2007.p. 91.

    Agradeço à Dra. Edvis Serafi m, Pediatra, Oncologista e Hematologista, que de forma especial e carinhosa fez esse trabalho durante dois anos para treinamento dos profi ssionais da rede primária. Ela também me deu força e coragem, apoiando-me nos momentos de difi culdades e, de maneira especial, ajudou meus pensamentos, levando-me a buscar mais conhecimentos.

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    CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARA O MANEJO DA DOR EM ADOLESCENTES PORTADORES DE DOENÇA FALCIFORME NA ATENÇÃO PRIMÁRIA

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