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8/14/2019 Sobre a Elegia de Gray
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
FACULDADE DE CINCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOSOFIA
UMA REVISO DAS INTERPRETAES MAIS COMUNS SOBRE
A PASSAGEM DA ELEGIA DE GRAY, NO ARTIGO DA
DENOTAO, DE BERTRAND RUSSELL.
IAN NASCIMENTO FERREIRA
Prof. Dr. Rogrio Saucedo Corra
Julho 2007
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Introduo
O artigo Da Denotao, de Bertrand Russell, amplamente
considerado um dos artigos filosficos mais importantes do sculo XX. Nele, o
filsofo britnico apresenta idias que revolucionariam a tradio analtica,
como sua teoria das descries definidas. Mais do que simplesmente um
artigo, Da Denotao (ou, abreviadamente, OD) se tornou um paradigma
filosfico que continua a influenciar vrios pensadores at os dias de hoje.
Dessa forma, no de se estranhar que um sem nmero de obras,
comentrios, revises tenham sido escritos sobre o OD, analisando cada idia,
cada palavra escrita por Russell. E sobre a anlise de algumas dessas
anlises a que me dedico nesse trabalho, uma compilao da importante
discusso sobre a passagem conhecida tacitamente como Elegia de Gray.
Tal passagem, de compreenso notoriamente obscura, j deu margens a
diversas interpretaes diferentes, tanto sobre a teoria de Russell em si, quanto
sobre quem o autor ataca. A dificuldade de leitura do texto aumentada pela
notria falta de cuidado terminolgica do ingls. No comeo do argumento da
Elegia de Gray j nos deparamos com uma ambigidade:
Quando queremos falar sobre o significado de
uma frase denotativa, em oposio sua
denotao, o modo natural de faz-lo utilizar
aspas. Dessa forma, dizemos:
O centro de massa do sistema solar um ponto,
no um complexo denotativo.
O centro de massa do sistema solar um
complexo denotativo, no um ponto.
Ou ento:A primeira linha da Elegia de Gray afirma uma
proposio.
A primeira linha da Elegia de Gray no afirma
uma proposio.1
Aqui Russell utiliza aspas para indicar o significado de uma frase
denotativa. Entretanto, em inmeras ocasies ao longo do texto, ele se utiliza
da mesma terminologia para expressar as prprias frases denotativas. Isso faz
1 On Denoting, p. 48-49
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com que no possamos ter certeza sobre o que ele est se referindo em vrias
ocasies, j que as aspas poderiam variar entre dois campos ontolgicos
distintos: o da linguagem e o do significado.
Outro problema seria, talvez, encontrado ainda no mesmo pargrafo:
Ento, dada qualquer frase denotativa, digamos
C, desejamos considerar a relao entre C e C,
onde a diferena entre as duas exemplificada
nos dois exemplos acima.1
Aqui, Russell parece dizer que C um nome de uma frase denotativa,ou seja, C denota uma frase denotativa. Mas o que significa, na passagem
acima, C? Dado o uso ambguo de aspas pelo autor, poderamos ler a
passagem de duas formas, com aspas expressando o significado de uma frase
denotativa ou a prpria frase.
No primeiro caso, ento, ele pareceria querer considerar a relao entre
uma frase denotativa (C) e o seu significado (C). Mas isso no parece
coerente, uma vez que ele diz que a diferena entre as duas exemplificada
nos exemplos acima. Nos exemplos que citamos a diferena entre o
significado e a denotao de uma frase denotativa.
Na segunda maneira de ler a passagem, entretanto, o problema persiste,
j que estaramos considerando a relao de uma frase denotativa consigo
mesma (ou entre uma frase denotativa e um nome dessa mesma frase). Pelos
exemplos sabemos que Russell tinha em mente outra relao, entre o
significado e denotao. No entanto no isso que ele expressa, propriamente,
na passagem citada. Uma terminologia mais abrangente, que inclusse
smbolos distintos para expressar o significado, denotao e a meno de uma
frase denotativa teriam provavelmente feito com que as idias fossem mais
facilmente compreendidas e geraria menos confuses e interpretaes
divergentes.
1On Denoting, p. 49
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Outro ponto em que Russell no explicito quanto suas crticas a
outras teorias, sendo esse o principal ponto desse artigo. Ele cita
nominalmente Meinong e Frege, mas possvel que suas crticas no se
restringissem a esses dois autores. Nas palavras de Gideon Making1:
Apesar de a crtica teoria de Meinong parecerclara e conclusiva, a crtica a Frege no toclara: as acusaes feitas explicitamente aFrege parecem inconclusivas; e ento umapassagem obscura que se apresenta como umforte argumento contra uma teoria dosignificado e da denotao nos deixa confusos.Estaria Russell continuando a atacar Frege, equal, precisamente, esse argumento?
Explorarei aqui as duas interpretaes mais comuns; a de que Russell
tinha em mente a teoria de Frege, exposta em Sentido e Referncia2, e a de
que na verdade Russell atacava sua prpria teoria anterior, do livro The
Principles of Mathematics (PoM).
1. A Elegia como crtica a Frege
Apesar de Russel citar nominalmente o filsofo alemo Gottlob Frege no
OD, muitos comentadores acreditam que na verdade Russell no tece
nenhuma critica consistente teoria do sentido e referncia. Alguns, como
Geach, acreditam inclusive que os leitores do Da Denotao deveriam
simplesmente ignorar a meno ao nome de Frege3.. Blackburn e Code,
entretanto, acreditam que Russell faz sim, uma crtica capaz de abalar a teoria
fregeana. Segundo eles, pode ser que para algumas ou muitas frases
denotativas a teoria de Frege possa ser revivida, mas estamos certos de que
1MAKIN, Gideon. Making Sense of On Denoting23 GEACH, P.T. Russell on Meaning and Denoting
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em 1905, Russell sabia de dificuldades nessa teoria que, nos setenta anos
seguintes, raramente foram notadas.
Antes de analisar a possibilidade de o OD abalar a teoria de Frege,
vamos primeiro recordar brevemente tal teoria, como explicada no Sobre o
Sentido e Referncia:
Frege comea o artigo se perguntando acerca da natureza da noo de
igualdade. Quando dizemos que a=b, estamos tratando de uma relao entre
coisas ou entre nomes de coisas? Caso consideremos a igualdade, no sentido
de identidade, como uma relao entre as coisas as quais os nomes se
referem, uma vez que a sentena acima fosse verdadeira, no haveria
distino entre ela e a sentena a=a. Entretanto, claro que h uma
diferena significativa entre elas, j que a primeira tem o potencial de nos
acrescentar informao, potencial esse que a segunda sentena no possui.
Se pensarmos na igualdade como uma relao entre os objetos a que os
smbolos se referem, a=a e a=b sero absolutamente a mesma coisa. A
igualdade expressaria portanto a relao que toda coisa possui consigo
mesma, e que jamais ocorre entre objetos distintos. Dessa forma, ele conclui
que s poderamos estar falando de uma relao entre nomes de coisas, de
smbolos que se referem a objetos.
ento que ele introduz sua to famosa noo de sentido e referncia.
Ligados a certas estruturas lingsticas (que incluem desde nomes prprios at
sentenas completas) existe algo que ele chama de sentido, ou modo de
apresentao do objeto, e o prprio objeto em questo, a referncia. Por
exemplo, a expresso O professor de Plato denota um certo homem,Scrates. Mas, alm disso, existe ligado expresso um sentido, que qualquer
falante mdio da lngua pode compreender. Esse sentido apresenta o objeto de
um certo modo, que por muitas vezes novo pessoa em questo. Uma
pessoa poderia saber quem foi o filsofo Scrates sem saber contudo que ele
foi professor de Plato. O sentido, portanto, tem geralmente uma carga
cognitiva associada consigo. por isso, portanto que a=b nos geralmente
mais informativa do que a=a. Estamos falando de sentidos, no dereferncias. Antes de concluir, gostaria de ressaltar que o sentido , para
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Frege, uma entidade objetiva, e no, como comummente confundido, uma
imagem subjetiva, uma representao psicolgica. justamente por essa
razo que essa viso comummente conhecida como a teoria das trs
entidades (signo lingstico- sentido- referncia)
Russell conhecia essa teoria e foi por ela bastante influenciado. Tanto
que em seu livro The Principles of Mathematics, de 1903, ele adota uma
posio similar (apesar de discordar de alguns princpios fregeanos, questo
que abordaremos a seguir, no ataque aos PoM). Segundo Blackburn, h duas
diferenas bsicas entre a teoria do Sentido e Referncia e a dos Principles. A
primeira basicamente terminolgica: para Russell so conceitos que
denotam, de forma que o conceito denotativo, que o significado de uma
descrio definida, que denota a denotao. Para Frege a prpria descrio
definida que denota a referncia. Portanto, no podemos, como comummente
tentado, simplificar a teoria dos PoM dizendo que sentido=significado,
referncia= denotao e referir = denotar. A relao de denotar ocorre entre
dois planos ontolgicos distintos nas duas teorias. Para Frege, a relao se d
entre o plano lingstico (a expresso) e o mundo (a referncia). Para Russell,
essa relao ocorre entre o plano do significado (o conceito) e o mundo. Esse
ponto , todavia, de pouca importncia, de acordo com Blackburn. Uma vez
que temos uma relao entre palavras e o mundo, podemos inferir outra entre
o sentido e mundo, e vice-versa.
A segunda diferena que a teoria fregeana se aplica a qualquer termo,
inclusive sentenas completas, enquanto Russell limita a sua a apenas
descries definidas, excluindo nomes prprios. Percebemos aqui que Russell,desde cedo, preferia ser cauteloso quanto aplicao da distino sentido -
referncia, cautela que o levaria a reformul-la totalmente, como ele faz no OD.
Blackburn ressalta ento, que, apesar de haver diferenas entre as
teorias, nenhuma significativa a ponto de salvar Frege caso o OD refute os
PoM. Segundo ele, vrios autores inventaram modos de excluir a teoria de
Frege dos ataques feitos no OD, entre eles Cassin e Jager. Um comentador,entretanto, foi feliz em reconhecer que as crticas do OD afetam Frege. A. J.
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Ayer v que a concluso a que chega Russell acaba por afetar Frege haver
mistrio em se identificar sentidos e suas relaes com as referncias
correspondentes1.
Blackburn entretanto acredita que Russell viu problemas maiores ainda
com a teoria de Frege. Ele comea sua exposio apresentando um mtodo de
identificao dos pargrafos da Elegia de Gray, que tambm ser adotado por
Kremer, e que , portanto, relevante para nosso trabalho. Os oitos pargrafos
que compem o trecho em questo so identificados por letras, de A a H. O
primeiro pargrafo, A, na pgina 48, comea com The relation of the meaning
to the denotation....; o pargrafo B comea com When we wish to speak
about the meaning...; o pargrafo C, na pgina 49, com We say, to begin with,
that...; o pargrafo D com The one phrase C was to have...; o pargrafo E
com The difficulty in speaking of the meaning...; o pargrafo F com But this
only makes our difficulty in speaking; o pargrfo G em Thus it would seem
that C and C are e o ltimo pargrafo, H, na pgina 50, termina com Thus
the point of view in question must be abandoned. Doravante adotaremos essa
terminologia. Blackburn inicia sua argumentao fazendo um paralelo entre a
terminologia que Russell adota em OD e em PoM:
Frases denotativas so obviamente expressespara as quais a teoria tem que funcionar. Osignificado delas chamado por Russell de umcomplexo denotativo. Isso indica umafastamento dos PoM, onde Russell teria usadoo termo conceito denotativo. Corresponde aosentido fregeano. A coisa denotada, Russellchama de denotao. Denotar, como antes, o
que chamamos determinar; a relao entresentido e referncia (i.e., o complexo denotativoe a denotao). Expresses, nessaterminologia, no denotam. A relao que elequer considerar ao final de B aquela entresentido e a referncia que ele determina- arelao de determinar. 2
Em C, Russell afirma que no podemos, ao mesmo tempo, preservar a
conexo entre significado e denotao e evitar que eles sejam a mesma coisa.
1 AYER, A. J. Russell and Moore: The Analytical Heritage2 Blackburn, pg. 70
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Segundo Blackburn, o que ele quer demonstrar que h uma dificuldade em
identificar um papel lgico a ser atribudo ao sentido. Desde o incio do artigo,
Russell deixa claro que a relao de determinar no pode ser meramente
lingstica. Essa , inclusive, uma das principais razes que o levam a escrever
o OD. Frege no determina, de fato, uma conexo lgica entre o sentido e a
referncia, nem entre o sentido e a frase denotativa correspondente. Blackburn
cita um exemplo exemplo que na verdade utilizado por Russell e no por
Frege para ilustrar: George IV desejava saber se Scott era o autor de
Waverley e George IV desejava saber se Scott era Scott. Essas duas
proposies devem ter valores de verdade diferentes, apesar de tratarem da
mesma referncia. Mas na falta de uma definio terica sobre os termos que
devem se referir aos sentidos, no podemos ter certeza sobre qual papel lgico
desempenhado pelo sentido. E, ainda mais, Russell quer mostrar que
simplesmente no h como especificar sentidos de forma a que eles
desempenhem o papel que Frege gostaria.1
Blackburn analisa ento as diversas possibilidades que teramos caso
fssemos tentar definir o sentido, ou significado. Uma maneira, diz ele, seria
dizer apenas que para se falar do sentido de uma expresso A, basta que se
use a expresso o sentido da expresso A. Postulando o sentido dessa
forma poderamos explicar a relao entre sentido e referncia simplesmente
dizendo que a relao que existe entre o sentido do termo o professor de
Plato e o homem Scrates, por exemplo. Mas dessa forma, a relao seria
meramente lingstica. Um exemplo ainda melhor pode ser utilizado.
Consideremos o seguinte par de frases:
(1) Scrates, o filsofo, foi condenado morte.
(2) Scrates, o jogador, defendeu a seleo brasileira.
E outro par:
(3) Scrates foi o professor de Plato.
(4) Joo acredita corretamente que Scrates foi o professor de Plato.
1Blackburn, pg. 71
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No primeiro par de frases, (1) e (2), a relao entre as denotaes dos
nomes meramente lingstica, um caso trivial de homnimos. J no segundo
par, (3) e (4), talvez percebamos que deve haver uma relao muito mais
intima, lgica, como supunha Russell. O valor de verdade da sentena (4),
inclusive, depende diretamente do valor de verdade de (3). Desse modo,
Blackburn supe que deveramos poder dizer mais sobre essa conexo, caso
contrrio a teoria fregeana ficaria ameaada; nada ligaria as sentenas (3) e
(4), a no ser um nome em comum. O que garantiria que em (3) e (4) falamos
da mesma coisa, diferentemente de (1) e (2)? Ou seja, precisamos de uma
definio melhor do sentido e que como ele se liga referncia, para que seu
papel lgico seja cumprido; uma definio ou de o sentido de Scrates ou de
alguma outra frase que se refira ao sentido de Scrates. provavelmente a
isso que Russell se referia em C, ao dizer que s poderamos chegar ao
significado atravs de frases denotativas.
Outra possibilidade ento, diz Blackburn, a de tentarmos definir sentido
atravs do uso da expresso, ou seja, a definio de o sentido de Scrates
seria, simplesmente, o sentido de Scrates. Acabaramos, porm, recaindo no
sentido, se que existe algum, da denotao, o que no era nosso objetivo
inicial.
Ocorre ento que o fregeano se encontra em um dilema. Ao tentar definir a
noo de sentido, ele no pode nem mencionar expresses (pois dessa forma
a relao meramente lingstica, como demonstrado nos exemplos acima),
nem us-las (pois acabamos por tratar da denotao, ao contrrio do que
desejvamos). Russell deixa isso claro em D, quando diz Se falamos de C,
falamos do significado (se algum), da denotao. O significado da primeira
linha da Elegia de Gray a mesma coisa que O significado de the curfew tolls
the knell of parting day1. Como a frase denotativa aponta para sua denotao,
ao utiliz-la acabamos caindo na denotao, o que no convm caso nosso
propsito seja definir o sentido. Ou, nas palavras de Russell, em E, a partir do
momento em que colocamos o complexo numa proposio, a proposio
1On Denoting, p. 49
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sobre a denotao; e se fizermos uma proposio na qual o sujeito o
significado de C, ento o sujeito o significado (se algum), da denotao.2
Resumindo esse ponto, os problemas so os seguintes. O sentido, a
terceira entidade fregeana, parece no aceitar uma definio satisfatria. Como
Frege pretendia que a relao entre sentido e referncia fosse mais do que
simplesmente lingstica, mas lgica, devemos obviamente procurar entender
essa relao, caso desejemos definir o sentido. Uma definio comum
postularia o sentido de uma frase denotativa X como sendo o sentido de X.
Isso entretanto no garantiria o papel lgico da relao de referir, como era o
objetivo, como foi demonstrado nos exemplos acima. Uma outra possibilidade
a de simplesmente usar a frase denotativa, o que seria dizer o sentido de X,
mas esse artifcio acaba por fazer com que tratemos da denotao e no do
sentido.
O ataque agora intensificado por uma acusao de regresso ao
infinito. Consideremos as seguintes expresses:
(A) Scrates
(B) O sentido de Scrates
(C) O sentido de B
(B) uma expresso cuja referncia o sentido do nome Scrates. Se
entendemos essa expresso, porque provavelmente entendemos seu
significado, e podemos alcanar sua referncia. Claro que h tambm aalternativa de que no precisamos de forma alguma desse tipo de expresso,
pois j somos capazes de capturar o sentido de (A), de alguma forma,
imediatamente, assim como a relao desse com sua referncia. Essa
alternativa, entretanto no muito satisfatria pois no explica o que o
sentido nem define qual sua relao com a referncia, deixando-o permanecer
na escurido em que Frege o deixou. Assim, devemos concordar que, como
entendemos B, porque capturamos seu sentido. Mas ento o problema se2On Denoting, p.49
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repete. Se capturamos o sentido de B, ento ou j o fazemos imediatamente
(caminho que acabamos de recusar, se possvel) ou porque existe alguma
outra frase denotativa, como C, que aponta para ele, e a qual entendemos. No
difcil perceber que nos deparamos com um caso de regresso ao infinito1.
Parece ento que a noo de sentido est irremediavelmente
condenada. No nos possvel chegar a uma definio satisfatria dessa
entidade, nem das relaes que ela possui. Resta saber, somente, se essa
falta de definio pode ser tolerada. Dummett2 afirma que ao dizer qual a
referncia de uma palavra, ns mostramos seu sentido. Apesar de no
podermos diretamente nos referir ao sentido de uma expresso, podemos pelo
menos alcan-los. Mas essa alternativa parece no estar de acordo com a
prpria teoria de Frege, que dizia que os sentidos devem sim poder ser
referidos, quando, por exemplo, os usamos em contextos indiretos. Blackburn
encerra assim sua anlise do OD, concluindo que de fato, as crticas feitas no
artigo acertam em cheio a teoria de Frege, e no apenas as do PoM, como era
normalmente considerado.
2. A Elegia como crtica aos Principles of Mathematics
Kremer inicia seu texto fazendo a seguinte reflexo: A teoria das
descries de Russell, introduzida no OD, h tempos tomada como um
paradigma da Filosofia Analtica. Entretanto, o argumento central do artigo, o
da Elegia de Gray, continua confuso, apesar dos muitos esforos para lanar
luz a seus mistrios.3
Desde o incio, ento, Kremer deixa claro que considera o argumento da
Elegia de Gray (GEA) como sendo o ponto central da teoria do OD. A estrutura
do texto a seguinte. Primeiramente, ele faz uma reviso do contexto histrico.
1 Kremer chega mesma concluso, apesar de trabalhar com uma outra abordagem, como
veremos a seguir.2 DUMMETT, Michael. Frege: Philosophy of Language.3KREMER, Michael. The argument of On Denoting.
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A seguir, discute a estrutura do OD e o lugar que a GEA ocupa dentro dela. Ele
ento apresenta a sua interpretao da GEA, contrastando-a com outras
interpretaes. Finalmente, ele discute brevemente a teoria do OD luz da
GEA. Pretendo aqui simplesmente fazer uma breve anlise de seu argumento
principal, sem me demorar em explicar pontos que pressuponho de
conhecimento do leitor.
Oriundo de uma tradio idealista, Russell gradualmente se afastou de
seus antigos mestres. Um exemplo disso a noo de acquaintance, que foi
cunhada por Russell como um argumento contra o idealismo. Idealistas em
geral normalmente sustentam que os objetos que podem ser conhecidos
devem, de alguma forma, ser mentais, contrariando nosso senso comum de
que objetos como uma mesa so solidamente alheios nossa mente.
Idealistas extremos podem sustentar que, uma vez que nossas informaes
sobre o mundo so obtidas atravs de dados sensoriais e estes se encontram
na mente (enquanto processo), ento todas as coisas que existem, existem na
mente. Qualquer proposio que afirme a existncia de objetos extra-mentais
uma suposio.
Com o objetivo de rejeitar vises como essa, Russell supe a
possibilidade da mente entrar em contato direto com entidades independentes
da mente, atravs da relao de acquaintance. Temos acquaintance com
objetos dos quais temos representaes, atravs dos sentidos ou objetos
mais abstratos, de carter lgico. Nosso pensamento lida com termos, que
so elementos objetivos que compe as proposies sobre as quais
pensamos, e com os quais temos acquaintance, ou seja, conhecimento direto.Russell ope o conhecimento sobre, aquele que temos atravs de frases
denotativas, ao conhecimento poracquaintance.
Como dissemos anteriormente, Russell leu e chegou a se corresponder
com Frege. Nessa correspondncia, podemos perceber que a raiz da
discordncia entre os dois filsofos provavelmente de natureza
epistemolgica. Russell defende um sistema dual: pensamento subjetivo eproposio objetiva (proposio essa que contm, entre seus constituintes, o
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prprio objeto sobre o qual pensamos). Frege tem, entretanto, um terceiro
reino, composto por pensamentos independentes da mente, os sentidos.
Kremer ressalta a dificuldade de Russell em falar a lngua de Frege. De fato,
percebemos em uma passagem das correspondncias entre os filsofos1algo
que sugere uma interpretao errnea do sistema fregeano por parte de
Russell:
Frege, em dado momento, diz que o Mont Blanc, com seus
campos de neve, no ele mesmo um componente do pensamento de que
Mont Blanc tem mais de 4000 metros de altura. Russell responde dizendo
acreditar que a montanha sim um componente do que asserido pela
proposio Mont Blanc tem mais de 4000 metros de altura.. Segundo ele no
asserimos o pensamento, pois ele um objeto psicolgico subjetivo.
Asserimos, sim, o objeto do pensamento, que um complexo objetivo....
Ora, ao dizer que o pensamento a que Frege se refere algo subjetivo,
Russell provavelmente se equivoca. Sobre o sentido e a referncia deixa claro
que Frege considera o pensamento (em vrias passagens do texto ele usa
esse termo como sendo o anlogo do sentido para sentenas, o que nos
permite provavelmente concluir que sentido e pensamento tm o mesmo
estatuto ontolgico) como sendo algo objetivo. Russell parece tomar por
sentido aquilo que Frege chama de representao; a imagem subjetiva que
cada indivduo forma na mente ao ouvir certa palavra, por exemplo. O sentido,
entretanto, objetivo, e qualquer indivduo normalmente familiarizado com a
lngua o reconhece.
Apesar da possibilidade de ter se equivocado quanto teoria de Frege,
Russell tem razes para discordar do alemo. Para o ingls, crucial que
possamos entrar em contato cognitivo direto com alguns elementos do
pensamento, ou no podemos ter conhecimento algum (era provavelmente
uma espcie de solipsismo idealista o que ele tinha em mente.) Todo
conhecimento deve provir de acquaintance. Assim, a no ser que Mont Blanc
seja ele mesmo um constituinte de proposies, no poderemos saber nada1FREGE, Gottlob. Philosofical and Mathematical Correspondence
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sobre ele. Frege jamais admitiria tal idia, e chegamos portanto raiz da
discordncia entre os dois filsofos.
Russel adota, nos PoM , uma verso da distino sentido - referncia do
filsofo alemo. Frege aplicava essa distino em praticamente toda a
linguagem, desde expresses denotativas at proposies inteiras. Russell
preferia ser mais cauteloso e adotou uma distino similar, mas que somente
era aplicada para as expresses denotativas. Sua teoria da denotao, dos
PoM, pode ser brevemente exposta da seguinte maneira:
Frases denotativas so conjuntos lingsticos que denotam um objeto.
Por exemplo, a frase denotativa o professor de Plato, denota o objeto
Scrates. Ligado essa frase existe um conceito denotativo, que seria o
significado dessa expresso. A relao entre a denotao e o significado no
meramente lingstica, mas lgica, pretende Russell. Com isso, ele parece
querer evitar, ao contrrio de Frege, a conexo arbitrria entre estes
elementos. O modo como ele pretende defender essa conexo lgica , no
entanto, controverso. Kremer refora que Russell pouco cuidadoso ao
explicar o estatuto das principais entidades de sua teoria, especialmente o dos
conceitos denotativos. Ele simplesmente usa o artifcio de escrever uma frase
denotativa em itlico quando quer se referir ao conceito denotativo, mas ele
no se d ao trabalho de explicar como isso feito.
Parece ento que a diferena entre o sistema de Frege e o de Russell
nos PoM simplesmente de alcance. Mas essa diferena, como diz Turnau
sintomtica de uma incompatibilidade radical entre as duas vises. Kremersupe que a adoo desse modelo similar ao fregeano foi o modo que Russell
achou para explicar certas anomalias no modelo epistemolgico simples do
atomismo platnico: casos nos quais pensamos sobre entidades com as quais
no possumos acquaintance. A mais importante dessas anomalias nossa
habilidade de pensar sobre o infinito. Se tivssemos que ter acquaintance com
todos os nmeros naturais, por exemplo, teramos que admitir uma capacidade
de lidar com proposies infinitamente complexas. Para evitar esse caminho,
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ele pretende que falemos do infinito atravs de proposies finitamente
complexas que contm conceitos que apontam para classes infinitas.
Russell abandona esse sistema similar ao de Frege ao escrever On
Denoting. Dessa forma, Kremer l a passagem da Elegia de Gray como uma
crtica sua posio anterior:
Russell introduz a Elegia se perguntando acerca da relao entre
significado e denotao. Ele utiliza a seguinte notao: para falar sobre o
sentido de uma frase denotativa, utiliza-se aspas. Kremer adota, no entanto,
parnteses para se referir ao significado, deixando a frase denotativa intocada
para se referir denotao. Assim, dizemos:
O professor de Plato um homem, no uma frase denotativa;
(O professor de Plato) uma frase denotativa, no um homem.
Russell cr que no possvel preservar a distino significado
denotao sem que essas entidades sejam a mesma coisa. Alm disso, ele
acha que s podemos atingir o significado por meio de frases denotativas. Ele
argumenta da seguinte maneira:
Se quisermos falar acerca do significado de uma frase denotativa,
acabaremos falando de sua denotao. Por exemplo, o significado da primeira
linha da Elegia de Gray a mesma coisa de o significado de the curfew tolls
the knell of parting day. No entanto, no era isso que queramos dizer.
Teramos que recorrer ento a o significado de (a primeira linha da Elegia deGray), o que geraria a estranha entidade ((a primeira linha da Elegia de Gray)).
Se fssemos aplicar o princpio de acquaintance aqui, no poderamos
jamais falar de tal entidade, pois no podemos ter acquaintance com ela -
acquaintance, como sabemos, envolve contato cognitivo direto com o termo em
questo, o que naturalmente no ocorre com tal entidade, com a qual s
podemos ter uma espcie de conhecimento sobre atravs de frasesdenotativas. Na verdade, no podemos ter acquaintance nem mesmo com o
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significado mais simples, (o professor de Plato.) Com isso, ele mostra que, de
fato, no se pode manter o significado e a denotao como entidades
separadas sem que surjam conseqncias bizarras. Mostra tambm que s
atingimos o significado atravs de frases denotativas. (a primeira linha da
Elegia de Gray) o significado, mas tambm ela mesma uma frase
denotativa, cujo significado, ((a primeira linha da Elegia de Gray)), tambm
uma frase denotativa, e assim por diante, infinitamente. Como essa teoria da
denotao acaba por encontrar dificuldades muito grandes, contrariando
inclusive seu principio de acquaintance, Russell acaba por descart-la. A nova
teoria, a que exposta em On Denoting, pretende acabar com esses
problemas.
Russell nega que expresses denotativas tenham significado quando
isoladas, mas somente passam a ter algum quando numa proposio. Assim,
o professor de Plato passa a ter a forma:
Existe um x que foi professor de Plato, e se existe um y que foi
professor de Plato, x idntico a y.
Dessa forma, passamos a teracquaintance com todos os elementos da
expresso, podendo portanto pensar e falar sobre ela. Dessa forma, Russell
evita os problemas de sua posio anterior, que eram, como dito em OD, que o
significado e a denotao acabam sendo indistinguveis e que no podemos ter
acquaintance com o significado, j que s o obtemos atravs de frases
denotativas.
Um ponto intrigante, no entanto, sobre a natureza da varivel. Russell
a toma como indefinvel, mas ele prprio, em suas correspondncias com
Moore, revela no saber ao certo sua natureza. Alguns crticos consideram que
Russell trocou uma teoria da denotao que tinha problemas com todas as
expresses denotativas por uma que tinha problema apenas com uma, a
varivel.
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importante perceber que no existe uma interpretao correta, que tire
o valor de todas as outras. As propostas apresentadas acima hora se
encontram, hora se afastam, porm no deixam de ser vlidas, enquanto
interpretaes.
As abordagens dos textos aqui analisados so bastante distintas.
Blackburn se centra na discusso acerca da definio do sentido fregeano, e
na impossibilidade de excluir a teoria do alemo das criticas feitas na Elegia de
Gray. importante notar que a postura de Blackburn no exatamente a de
afirmar que Russell pensava nas idias de Frege quando escreveu a
passagem, e que essa endereada diretamente a ele. Parece que ele no
deseja exclusividade, mas somente incluir a teoria do sentido e referncia no
escopo das crticas. Uma vez que fique demonstrado que a teoria de Frege fica
abalada pelo OD, Blackburn no se importa quem o ingls tinha em mente ao
escrever.
Kremer adota uma outra abordagem, focando-se na anlise das obras
anteriores de Russell, e na genealogia das idias que culminaram com a
elaborao do On Denoting. Por isso, ele se demora muito mais em analisar
como idias antigas, como o princpio de acquaintance, so relevantes para a
anlise da passagem em questo. Kremer j difere de Blackburn quanto
questo da exclusividade; ele parece pretender sim que a passagem da Elegia
de Gray era uma crtica direta s idias do PoM.
Apesar das diferenas, os dois autores parecem mostrar a mesma coisa:
a teoria da denotao que Russell ataca no argumento da Elegia de Gray, sejaela a dos PoM ou a de Frege, apresenta graves problemas.
8/14/2019 Sobre a Elegia de Gray
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