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CAPITULO 8
Sociedade e Ambiente
Autores: Dr. Jorge Hajime Oseki
Dr. Paulo Renato Mesquita Pellegrino
INDICE
A Construção Social da Natureza pág.02
Dimensões da Paisagem pág.04
Ecologia: a mais social das ciências naturais pág.06
Percepção Ambiental: um olhar sobre a paisagem pág.11
Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem pág.13
Introdução ao Planejamento (ecológico) da Paisagem pág.16
Ecologia da Paisagem: estrutura, função e transformação pág.17
O Processo de Planejamento da Paisagem pág.18
Bibliografia pág.25
Anexo I pág.28
Anexo II pág.32
Anexo III pág.33
2
Sociedade e Ambiente
Dr. Jorge Hajime Oseki
Dr. Paulo Renato Mesquita Pellegrino
A construção social da Natureza
O desafio que se coloca aqui é o da possibilidade de planejar a natureza. Na realidade esta possibilidade
se situa entre duas grandes vertentes presentes atualmente no ideário científico e técnico moderno. A
primeira é a do desenvolvimentismo, onde o primado da razão técnica vem preconizando, a partir do
Iluminismo até a sociedade moderna, o domínio crescente do homem sobre a natureza, esta então se
resume à condição de matéria prima sobre a qual se baseia toda a produção e o desenvolvimento social.
A segunda, o conservacionismo, se explicitou mais recentemente, mas tem sua origem também no século
XVIII (em Malthus) e constata a finitude da natureza, isto é, que o crescimento da reprodução humana
em sociedade é maior do que a reposição necessária dos recursos naturais, o que obriga a humanidade a
um crescimento regulado e /ou à conservação de sua base natural.
Entre estas posturas há o interesse cada vez maior em se formular novos paradigmas que venham a
orientar um prática preocupada em conciliar tanto a intervenção sobre o espaço como a conservação
dos recursos naturais, interesse que se exacerba quando se trata de um país como o nosso que, por um
lado, é detentor de um patrimônio ambiental colossal em termos mundiais e que, por outro,
paradoxalmente, ainda se encontra em um estágio de desenvolvimento que exige urgência em seu
crescimento tecnológico e econômico, o que só poderá ser atingido com intervenções maciças sobre
seu território.
As preocupações de caráter “ambiental” recentes a nível mundial, começam a se esboçar nos anos 60, e
têm um momento de auge na década seguinte, com o famoso relatório elaborado por técnicos do
Massachusetts Institute of Technology (MIT) encomendado pelo Clube de Roma, grupo de intelectuais e
empresários internacionais preocupados com os destinos do mundo, “the Limits to Growth”, e a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 72 onde se explicita a diferença de posição
entre países industrializados que se preocupavam com as aspectos negativos sobre o planeta da
poluição nos centros urbanos e industriais e o Terceiro Mundo que pleiteava o crescimento econômico
como forma de equacionar seus problemas sociais. A partir daí são realizadas várias conferências
mundiais sistemáticas sobre o Destino da Terra (“Fate of the Earth”), conferências que se tornam bienais
a partir de 82, e que culminam com a elaboração do relatório da comissão Brundtland - comissão
mundial sobre o meio ambiente e o desenvolvimento - “Our Common Future”, apresentado à assembléia
geral da ONU em 1987. Neste relatório é oficializado o conceito de “desenvolvimento sustentável”
tentando conciliar necessidades sociais à conservação ambiental. Em junho do 92 tem lugar no Rio a
ECO 92 - conferência da ONU sobre o meio ambiente e o desenvolvimento / UNCED - onde são
3
discutidos vários documentos e firmados protocolos (entre estes a Agenda 21, a Declaração do Rio
sobre meio-ambiente e desenvolvimento, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção do Clima e a
declaração de princípios sobre florestas) todos em torno da questão da harmonia entre
desenvolvimento econômico e social e a capacidade de sustentação da terra (Mattes, 1997).
O Brasil apesar de sediar este evento tem ainda uma posição ambígua frente ao desenvolvimento
sustentável, ambigüidade esta que está presente desde a sua gênese, na década de 70, quando são
implementadas as primeiras políticas públicas em âmbito federal sobre o meio ambiente (com a criação
da SEMA - secretaria especial do meio ambiente - em 73) em meio a um desenvolvimentismo
avassalador. Na década de 80 o planejamento territorial (espacial) vai sofrer um processo de setorização
e de subordinação cada vez maior às determinantes da política econômica global, até que no início da
década de 90, as agências estatais de planejamento espacial são praticamente desmontadas ou
esvaziadas. Justamente nesta época a política ambiental está em seu auge solitário, com um crescimento
tanto como setor no aparelho estatal, frente a outros órgãos de política setorial federal, como na
profundidade das preocupações que passa a adotar, partindo de uma postura meramente ecologista
para a utilização de conceitos mais atuais de habitabilidade e de desenvolvimento sustentável (Moraes,
1994).
De qualquer maneira há mudança de paradigma e o planejamento territorial sob o risco de perder seu
estatuto privilegiado de ciência e prática da ordenação espacial, abandonou parcialmente a ótica da
planificação racional dos recursos produtivos no espaço em favor de uma certa consciência ecológica
na utilização dos recursos naturais (incluído-se aí o espaço). Da tecno-cracia caminhamos para a eco-
cracia.
Este novo paradigma foi detectado por Christian Topalov em sua comunicação feita na Conferência
Internacional de Pesquisas sobre Habitat, em Montréal, (1992) intitulada “Do Planejamento à Ecologia:
nascimento de um novo paradigma da ação sobre a cidade e o habitat?”, onde ele discute até que ponto
estas posturas iluministas são realmente excludentes já que ambas acreditam no “poder racionalizador
da ciência”, seja esta eco-nômica ou eco-lógica.
Recentemente em uma entrevista à revista Pós da FAUUSP (revista Pós n.9, no prelo) o atual secretário
do planejamento da prefeitura de São Paulo, arquiteto Jorge Wilheim, nos contou que o plano que
desenvolveu para a gestão da atual prefeita Marta Suplicy, que foi depois apelidado de “Belezura”, na
verdade se intitulava “Intervenção na Paisagem Urbana de São Paulo”, nesta mesma entrevista ele
revela também que em sua opinião, não se pode mais conceber o planejamento urbano desligado de sua
dimensão ambiental.
Parece então estar se gestando um novo paradigma, o do planejamento ambiental (também conhecido
como planejamento ecológico ou planejamento da paisagem), e sua decorrência, a arquitetura
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sustentável, ecológica ou arquitetura da paisagem. Ainda que estes termos encerrem uma contradição
talvez insuperável, desde os gregos, entre o sujeito total - a sociedade - e o objeto total - a natureza.
Dimensões da Paisagem
Segundo Augustin Berque a paisagem é a expressão sensível de uma “mediância”. Esta por sua vez revela
o sentido da relação de uma sociedade com o seu meio-ambiente. As paisagens são tanto maneiras de
ser (produtos e projetos), como maneiras de ver (percepções sobre) os espaços produzidos (isto é, as
cidades e os campos historicamente formados).
As paisagens constituem-se em representações inventadas no século IV de nossa era, na China. Há
variantes em torno da palavra sansui - em leitura japonesa - que significa “montanhas e águas”, mas o
significado é quase sempre o mesmo e corresponde ao que entendemos por paisagem.
No Ocidente a palavra e a noção surgem na Europa, no Renascimento, agregando-se nas línguas
latinas, à palavra “país”, que significava cantão, região ou província, o sufixo “agem” (ação sobre). A
paisagem ocidental é fruto de transformações espaciais importantes nos campos e nas cidades ocorridas
em determinadas regiões européias (cujo exemplo mais significativo seria o da região toscana na Itália)
levadas a cabo por oligarquias urbanas formadas por comerciantes e banqueiros que transformaram
completamente seu país e sua paisagem.
Diferentemente da concepção oriental onde há harmonia intrínseca entre representação e representado
(ou melhor, entre contemplação e contemplado), no Ocidente, já cindido entre teoria (pensar) e prática
(fazer), a paisagem - ao mesmo tempo, uma representação e uma construção - corresponde também a
um despedaçamento da natureza. A modernidade européia cinde a natureza em dois modos
incompatíveis: aquele revelado pelos sentidos (pela arte) e aquele analisado pela razão (pelo método
científico) (Berque, 1998). A paisagem permanece nesse espaço intermediário entre a percepção e a
concepção. “A rigor a paisagem é apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar
com a visão” (Santos, 1997).
Para François Béguin há três interpretações significativas da paisagem: a dos artistas , a dos geógrafos e
a dos arquitetos.
No primeiro caso a pintura paisagística renascentista fornece à noção de paisagem seu primeiro
significado. No século XIX no Impressionismo, a pintura paisagística se alia à literatura e conhece um
impulso formidável, havendo reforço recíproco entre texto e ilustração.
No nosso caso conviria ressaltar também o papel das pinturas dos viajantes europeus nas expedições
exploratórias científicas no mesmo século, que nos deram uma primeira imagem (ainda que talvez
eurocêntrica) de nós mesmos, em nosso espaço.
5
A pintura longe de possuir apenas um caráter subjetivo refletindo estados transitórios da alma do
artista, é capaz de apreender realidades complexas em sua totalidade ainda que de maneira efêmera.
Consegue assim revelar aspectos singulares (temporais) de corpos, matérias, espaços e situações,
consistindo em um meio privilegiado de exploração do real porque documenta através dos sentimentos
e assim esclarece outras mediações que nos ligam aos fatos (ao real). A percepção capta potencialidades
virtuais em imagens reais de coisas reais. Em relação às paisagens, a arte pode servir como testemunho,
mas também ajuda a explorar devires possíveis do mundo que nos cerca, tornando patentes processos
que se encontram ainda latentes (Béguin, 1995).
A visão da Geografia nos instrui sobre realidades físicas, econômicas e técnicas expressas pelas
paisagens. No interior desta ciência entretanto, a palavra paisagem compreende desde uma acepção
imprecisa (e meramente visual) mas fértil em possibilidades de aplicação em vários campos do
conhecimento, até um conceito rigoroso de “geossistema” (a paisagem-objeto da ciência da paisagem
soviética) que se reduz ao resultado de um overlay de representações espaciais que condensam dados
técnicos: uma representação síntese de um sistema material bio-fisico-químico (Rougerie e
Beroutchachvili, 1991).
Alexandre von Humboldt considerava importante examinar as variações aparentes da anatomia
terrestre da mesma forma que os pintores enxergavam as paisagens. As paisagens foram no século
XVIII, meios para geógrafos e geólogos apreenderem unidades espaciais (regiões) onde relevo,
hidrografia e vegetação poderiam ser considerados globalmente de forma integrada.
No século XIX Vidal de La Blache e Demangeon ampliaram esta visão procurando encontrar as causas
que explicassem a fisionomia de uma dada região. Entre estas, em primeiro lugar, estariam as geológicas
e as climáticas, mas estas logo se revelariam insuficientes para explicar a paisagem, pois se a natureza
das terras e a localização das fontes de energia e de matéria prima, certamente induziam modos de
ocupação e exploração do meio, havia outros fatores intervenientes importantes, como a cultura e a
história (Berque, op. cit.).
Em seguida se invocou a ordem técnico-econômica como a verdadeira explicadora da região (expressa
pela paisagem) porque esta seria moldada em primeira instância, no capitalismo, por razões econômicas
gerais que determinariam e financiariam as opções de ocupação.
Com a mundialização dos mercados, a generalização das redes de trocas e a circulação exacerbada de
mercadorias, pessoas e capitais pelo território, as paisagens começam a perder seu valor informativo
tornando-se resíduos de regiões naturais entre regiões econômicas em um mundo globalizado.
Segundo Béguin (idem), entretanto, a paisagem permanece como uma espécie de memória onde se
registra e totaliza a história das atitudes do homem em relação à terra, o rosto que a superfície terrestre
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oferece à observação, composto por um mosaico de traços de sistemas há muito abandonados, em
meio a testemunhos do estado atual da ocupação dos solos.
Para a visão da arquitetura, os edifícios são elementos centrais na definição das paisagens.
Na tradição da pintura paisagística pitoresca do século XVIII há já uma combinação estranha entre o
meio natural e os edifícios construídos pelo homem. Trata-se em geral de uma arquitetura rústica,
campestre e por vezes de ruínas da Antigüidade clássica que ajudam a compor as telas, dando-lhes um
caráter melancólico (Ibidem).
No século XIX começam despertar interesse as arquiteturas regionais, seguido de várias pesquisas
geográficas e etnográficas sobre os patrimônios arquitetônicos regionais. Nesta relação entre
construções e paisagens pode-se, primeiro, inferir uma qualidade intrínseca das construções em
caracterizar regiões, climas e tradições, já que são também “produzidas” pelo meio e se enraízam na
terra. Segundo, nelas está sempre presente uma sensação de atemporalidade, de valor seguro dos
edifícios, contrapondo-se à variabilidade do meio natural.
Ruskin (apud Béguin) insistia na necessidade de se conceber edifícios levando em consideração seu
efeito sobre a paisagem pois não haveria construções neutras: estas ou enriqueceriam ou deteriorariam a
paisagem. Esta posição só foi perseguida no Movimento Moderno de Arquitetura, por Frank Lloyd
Wright cujo testemunho principal permanece a casa de Edgar J. Kaufmann em Bear Run na
Pennsylvania, a Fallingwater (a casa da cascata) de 1935.
Para além das utopias futuristas e expressionistas com suas paisagens-máquina no espaço moderno, a
arquitetura moderna seguiu a tendência majoritária representada por Le Corbusier e a Bauhaus de se
produzirem industrialmente os espaços (cidades e campos), o que conduziu no segundo pós-guerra, ao
espaço homogeneizado, fragmentado e hierarquizado característico do modo de produção estatista
(Lefebvre, 1974)
Há entretanto ainda uma dimensão ecológica na paisagem, onde estas visões podem se interpenetrar.
Os ecossistemas seriam paisagens?
Ecologia: a mais social das ciências naturais
Segundo historiadores das ciências a Ecologia nasce da “economia da natureza” proposta por Carl von
Lineus em 1735, na Holanda, ampliando-se em seguida com a Biogeografia de von Humboldt - quando
estende seu alcance espacial a todo o planeta - e sobretudo com Charles que introduz uma concepção
dinâmica (e evolutiva) temporal. O termo entretanto, foi “inventado” por Ernst Haeckel em 18661 para
quem a Ecologia representava “a totalidade da ciência das relações de um organismo com seu meio-
1 Segundo Kormondy a palavra aparece pela primeira vez em uma correspondência privada do escritor americano Henry
7
ambiente, compreendendo todas as condições de sua existência em um sentido amplo” (Deléage, 1991).
Haeckel é contemporâneo de Marx e seu naturalismo contrasta com a confiança total no progresso
técnico deste último, isto é, no domínio crescente do homem sobre a natureza, base do
desenvolvimento das forças produtivas burguesas que acompanhará a crítica marxista à acumulação
capitalista (ver Schmidt, 19942). Esta separação entre homem e natureza, e o conseqüente
estabelecimento da superioridade do primeiro sobre a segunda, que às vezes se confunde com uma
hostilidade do homem em relação à natureza ou seu desprezo em relação às outras espécies animais,
teve início segundo White (1967), com a vitória do cristianismo ocidental sobre o paganismo3, e é bem
anterior portanto, ao Iluminismo.
Ciência moderna, central e centralizadora, aberta às sociedades humanas e às realidades da natureza, a
Ecologia não pode ser reduzida apenas a um ramo da Biologia, já que desde sua gênese há nos
conceitos utilizados, uma interpenetração de várias disciplinas (tanto ciências da natureza como ciências
da sociedade).
Assim, estão presentes conceitos da sociologia, pelo fato da ecologia vegetal se apresentar desde o
século XIX, como uma “sociologia das plantas”. Segundo Cowles, geólogo americano, estudioso do
lago de Michigan, em 1896, uma “sociedade vegetal /.../ constitui-se em um grupo de plantas vivendo
em conjunto, em um habitat comum, submetido às mesmas condições de vida” (citado por Deléage,
1991); conceitos da “economia na natureza” de Lineus4 - que estuda “a sábia disposição dos seres
naturais, instaurada pelo Criador, segundo a qual estes tenderão sempre a fins comuns e terão funções
recíprocas” (idem, 1991); as proposições da “geografia das plantas” (da Fitogeografia) de Humboldt,
que, a partir da observação científica em expedições ao Novo Mundo subvencionadas por soberanos
europeus e suas academias, na segunda metade do século XVIII, “considera os vegetais através das
relações entre eles em sua associação local em diferentes climas” (ibidem) e acima de tudo a
contribuição da física sobretudo da termodinâmica, a partir dos trabalhos de Linderman, onde o
conceito de balanço energético será indispensável à compreensão dos ecossistemas.
Patrick Geddes em 1885, no estudo “an Analysis of the Principles of Economics”, que foi antecedido
por Serge Podolonsky (em Le Socialisme et l’Unité des Forces Produtives, de 1880), desenvolve ensaios na
área conhecida como “economia ecológica”. Em uma reflexão original dentro da ecologia humana, com
conseqüências diretas inclusive dentro do planejamento urbano, Geddes detecta em uma matriz de
insumo / produto de tipo fisiocrata, um desperdício de recursos na produção industrial e estabelece
David Thoreau, poeta da vida selvagem e da natureza em estado virginal, em 1858 (Deléage, 1991) 2 Alfred Schmidt, Le Concept de Nature chez Marx, Paris: PUF, 1994, prefácio à edição francesa, p. 3 3 Lynn White, “The historical roots of our ecological crisis”, Science 155, n. 3767, 1967, citado por Deléage, 1991. 4 opondo-se à economia da natureza do fisiocrata Quesnay (no artigo “Grãos” na Enciclopédia de 1757), um dos
fundadores da economia política, para quem a agricultura é a base de toda a riqueza da sociedade (e portanto, a
8
uma nova matriz para a produção da sociedade incluindo aspectos físicos, geológicos, botânicos e
zoológicos como determinantes econômicos. Estabelece assim uma economia generalizada na
natureza, introduzindo pela primeira vez na ortodoxia econômica, o conceito de energia (cujo
consumo como ele demonstrava, vinha crescendo exponencialmente) como dimensão essencial do
processo econômico (Deléage, 1991).
Na China, o controle biológico é uma prática sistemática há mais de 2000 anos, como atesta por
exemplo, a utilização da formiga carnívora dos limoeiros (Oecophylla smaragdina) no combate aos
parasitas de tangerineiras. Esta técnica foi (re)descoberta pelo Ocidente no final do século XIX e a
razão essencial do crescimento do interesse pela entomologia aplicada foi de caráter econômico, já que
a generalização das viagens e das trocas intercontinentais havia levado a uma unificação ecológica do
mundo.
Os insetos atacavam todas as culturas, alguns eram portadores de vírus, micróbios e parasitas,
provocavam doenças nos homens (malária, febre amarela, doença do sono, etc.), nada mais natural
portanto, que fossem desenvolvidas pesquisas para compreender melhor sua ecologia e a dinâmica de
suas populações. Charles Elton, fundador da Ecologia Animal (!927), fez estudos sobre populações
animais na zona ártica, analisando as descontinuidades no tamanho e a abundância de espécies animais
ocupando uma mesma biocenose (‘vida em comum’, ou associação animal e vegetal equilibrada, conceito
desenvolvido por Möbius). Elton propõe a pirâmide de números e a definição de nichos ecológicos que serão
determinantes, vinte anos mais tarde, para a concepção de ecossistemas. Tais sistemas serão
finalmente definidos por Arthur Tansley em 1935 (em “the Use and Abuse of Vegetational Concepts
and Terms”), não como um dado bruto da natureza, mas como uma criação mental que nos permite
isolar um objeto para estudá-lo fora de seu universo. “A noção fundamental é /.../ a totalidade do
sistema (no mesmo sentido em que se fala de um sistema em física) incluindo não apenas o complexo
dos organismos, mas também todo o complexo dos fatores físicos formando o que se chama de meio
do bioma5, os fatores do habitat em um sentido amplo/.../ Os sistemas assim formados são do ponto de
vista do ecologista, as unidades de base da natureza na superfície da terra /.../ Estes ecossistemas, como
podemos denominá-los, oferecem uma grande diversidade de tipos e de dimensões” (citado por
Deléage, 1991).
Lindeman e Hutchinson são os responsáveis pelo desenvolvimento da abordagem trófica (baseada na
cadeia alimentar) da Ecologia, inaugurando o paradigma energético. Os processos vitais dependem em
sua maioria dos fluxos energéticos solares, o que os biólogos já haviam estudado em relação ao
metabolismo de organismos individuais. A extensão dos princípios da termodinâmica a um sistema
produção não poderia negar as leis da natureza), apud Deléage. 5 Segundo G. E. Hutchinson, os quatro biomas fundamentais terrestres são: as florestas, as terras cultivadas, as estepes e
9
representado por uma plantação de milho, elaborada por Edgar Transeau (em 1926), constitui-se na
primeira análise “eco-energética”. Em seguida, Juday e Birge (1940) em seus estudos limnológicos
(estudos sobre águas interiores: rios , lagos, etc.) ampliaram este enfoque para se avaliar o “orçamento
energético” de um sistema mais complexo (o lago Mendota). Lindeman retomou o problema
ampliando suas bases pois o conceito de energia seria capaz de introduzir na Ecologia novas noções
como produtividade, rendimento e nível trófico (Deléage, op. cit.).
A análise energética chega a seu apogeu entretanto, com os irmãos Eugene e Howard T. Odum (década
de 50) que utilizam a energia como matriz universal para a interpretação da economia das sociedades
humanas e do uso que fazem dos recursos naturais. Odum - Howard - propõe como princípio universal
o “princípio do máximo de potência” atribuído a Lotka (“os ecossistemas que possuem aptidões
particulares para a utilização da potência dos fluxos de energia são também os mais aptos para a
sobrevivência e a dominação”) (Deléage, 1991). Segundo ele tal princípio rege não só a dinâmica dos
sistemas ecológicos mas também o das civilizações humanas e a partir daí pode-se criar uma linguagem
simbólica que permita resolver qualquer configuração energética elementar que intervenha em sistemas
complexos. Retirada, perda, amplificação, reciclagem, troca, retroalimentação, ajuste, são processos que
interagem no interior das cadeias alimentares complexas dos ecossistemas. O modelo operacional
representa de um lado, os processos naturais - respiração de animais e de plantas, retirada de nutrientes,
fontes de energia - e de outro, os processos artificiais e sociais, como extrações, poluição, turismo,
transações monetárias, sem os quais não se poderia compreender a dinâmica evolutiva de ecossistemas
modificados pelas atividades humanas. Segundo Odum, esta modelização ecológica serviria para
representar o design (o projeto) comum dos sistemas do homem e da natureza.
A introdução de princípios energéticos permite uma melhor compreensão de um ecossistema mas a
generalização e popularização excessiva de uma teoria energética universal pode ser redutora da
realidade prática. A energia passa a substituir na Ecologia, o papel do dinheiro, como aconteceu na
Economia Política sua co-irmã, o de equivalente universal das trocas ecológicas. A representação
termoquímica dos ecossistemas abre perspectivas para a introdução da teoria dos sistemas (da análise
sistêmica) de Bertallanfy e para a abordagem economico-gestionária na Ecologia, que pretende otimizar
o bom uso das matérias-primas terrestres. Do ponto de vista de sua aplicabilidade em questões sociais
mais amplas, entretanto, esta perspectiva ou qualquer outro tipo de “holismo” tem se revelado
insuficiente.
As sociedades e os ecossistemas constituem-se em conjuntos vivos e interativos. Existe um tempo
ecológico na história que difere do tempo econômico, cultural e político. Não há correspondência entre
as temporalidades do meio-ambiente e a duração de vida dos indivíduos, das gerações e mesmo das
os desertos (apud Deléage, op. cit.)
10
civilizações. Os grandes ciclos fisico-químicos se desenvolvem segundo modalidades e restrições
temporais rígidas que pesam sobre o devir das sociedades. Para F. Braudel “o homem foi prisioneiro
por séculos do clima, da vegetação, da população animal, das culturas em um equilíbrio lentamente
construído, do qual ele não pode se afastar sob o risco de se desequilibrar” (citado por Deléage, 1991).
Não há reversibilidade na escala temporal natural, quando as temporalidades da história humana
ultrapassarem as temporalidades da história ecológica, certos limiares serão transpostos de maneira
definitiva, não havendo mais possibilidade de renovação de ecossistemas (caminhando-se em direção a
uma entropia crescente, segundo a concepção de Norbert Wiener): a humanização da natureza é um
processo irrevogável. Os longos tempos da natureza são “camadas de história lenta” (Braudel, citado
por Deléage), coexiste então uma especificidade do tempo ecológico, o peso histórico das restrições
que ele exerce sobre as sociedades e sobretudo, a irreversibilidade das acelerações e rupturas causadas
pela ação do “desenvolvimento” dos conjuntos humanos sobre os ecossistemas.
Estamos hoje presenciando fenômenos globais inquietantes de desequilíbrio entre sociedades e meio-
ambiente, tais como:
- rupturas de processos bioquímicos e ecológicos antigos, devido à deflorestação (agrícola e industrial) e
a outras práticas agrícolas e urbano-industriais predadoras de recursos limitados;
- perturbações climáticas, devido à desregulação e deslocamento de equilíbrios térmicos planetários pela
acumulação de gases na atmosfera (“efeito estufa”), através do consumo de combustíveis fósseis e da
destruição de florestas tropicais, e construção desenfreada de grandes represas hidroelétricas;
- permanência do crescimento demográfico, com taxas inquietantes tanto no Oriente como no
hemisfério Sul.
A urgência pela procura de novas alternativas tecnológicas e econômicas reais - e não ideológicas -
torna-se então evidente (desenvolvimento de tecnologias “doces ou neutras” - as tecnologias
ambientais- , possibilidade de sobrevivência de economias com crescimento zero ou de um “eco-
desenvolvimento”), assim como a proposição de novos princípios de “gestão ecológica”6 ou de uma
economia política da natureza e na natureza. Tal proposição entretanto não pode estar desvinculada da
emergência de uma cidadania ecológica (ou ambiental) planetária e de uma nova cultura para além da
fragmentação disciplinar das ciências do uso e da troca.
Félix Guattari propõe uma articulação etico-política (e afetiva), que ele chama de ecosofia, entre três
registros ecológicos: a ecologia ambiental, a ecologia das relações sociais e a ecologia da subjetividade.
6 Seria interessante introduzir aqui uma distinção importante entre dois níveis: o da ecologia e o do ecologismo (ou
entre o ecólogo e o ecologista), no primeiro caso, trata-se de uma postura científica quer se trate da ecologia “natural”
ou “social” e no segundo, de uma prática, de um projeto político de transformação cultural, social e econômica da
sociedade moderna (incluindo tanto o conservacionismo, como a ação dos chamados partidos verdes europeus)
11
A ecologia social consiste em desenvolver práticas que se propõem a (re)inventar modos de vida em
sociedade (no nível da família e do casal, da cidade e do trabalho) e a ecologia mental tem como
objetivo (re)introduzir o corpo, o sujeito, os mistérios da “vida e da morte” em territórios existenciais.
“A subjetividade /../ se instaura simultaneamente no mundo do meio-ambiente, no mundo dos
grandes Dispositivos sociais e institucionais e, simetricamente, no seio das paisagens e fantasmas que
habitam as esferas mais íntimas do indivíduo. A reconquista de um grau de autonomia criativa em um
domínio particular traz também conquistas em outros domínios” (Guattari, 1989).
A paisagem pode ser um revelador particular da relação entre seres humanos e ecossistemas, pois
corresponde a uma dimensão humana na natureza e ao mesmo tempo a uma dimensão natural na
sociedade, neste sentido pode servir de mediação para se apreender a natureza (externa e interna ao
homem), compreender a relação entre a sociedade e o ambiente (através de sua “mediância”),
desvendar possibilidades e sentidos sociais contidos no meio-ambiente e por isto mesmo, tornar-se
objeto de representação do projeto comum do homem com a natureza.
Percepção ambiental: um olhar sobre a paisagem
As paisagens construídas se defrontam com os usos que lhe são atribuídos pela sociedade. Como são ao
mesmo tempo produzidas socialmente e produtoras (indutoras) de práticas sociais dentro da sociedade
podem ser utilizadas no planejamento, no projeto e mesmo na gestão de espaços livres (em diferentes
escalas espaciais: local, regional e continental) o que lhes confere uma grande importância dentro do
planejamento urbano e regional, o que tem sido ignorado pelos órgãos responsáveis pela gestão do
território.
Se na construção dos espaços, pudesse simultaneamente ser estabelecido um processo de aprendizado
ambiental, de modo a alterar as condições de percepção que as comunidades têm do espaço em que
vivem, poderíamos esperar uma transformação nas técnicas de intervenção (utilização e apropriação)
destas comunidades sobre sua paisagem.
Com um conhecimento mais aprofundado do uso concreto que se faz do mundo real, é possível se
contextualizarem ações transformadoras das paisagens e conduzir a uma mudança de hábitos nocivos
ao meio-ambiente. Este processo traria uma mudança radical nos comportamentos que têm resultado
quase sempre na destruição das paisagens existentes e na construção de ambientes não-sustentáveis.
Estamos assistindo no momento da proposição de novos espaços, a uma exclusão metódica, planejada
e intencional, por parte de segmentos da sociedade, da paisagem historicamente produzida. Isto coloca
para o desenho da paisagem a necessidade de estabelecer alternativas que, procurando configurações
ambientalmente sustentáveis, encontrem formas de projeto que incluam as potencialidades da paisagem
original, nas diversas escalas. Expressa de forma inequívoca, a paisagem pode contribuir para que sejam
12
revelados os ciclos e os processos da natureza em sua interação com as atividades e os interesses
sociais.
Em São Paulo está se perdendo a noção de cidade, de urbanidade e de cidadania. Estes conceitos estão
sendo banalizados por agressões diárias aos espaços públicos, por um lado e, por outro, por um
consumismo exacerbado que se torna a única razão de ser da inserção dos indivíduos na sociedade e é
responsável pela procura por uma modernidade que tende a apagar da memória a antiga cidade,
produto de outras relações da sociedade com o seu território. Pontos de resistência de uma cidadania
atrofiada, podem ser encontrados em situações-limite, nos bairros, nas ruas ou em condomínios onde
parte da população se enclausura.
Esta anulação por parte da população, do espaço livre da cidade resulta em uma desvalorização de sua
paisagem e em uma crescente alienação ambiental no espaço urbano, trazendo como conseqüência a
impossibilidade de se pensar o espaço, a cidade e o ambiente como totalidades abertas ainda que
carregadas de conflito. Como resultado generaliza-se uma indiferença entre os habitantes e os espaços
cotidianos deteriorados7. Isto nos coloca frente a uma realidade urbana feia, agressiva e pouco segura,
que reflete a impotência da sociedade em enfrentar as questões socio-ambientais que ela própria cria.
Uma paisagem urbana com baixíssima “mediância”, segundo o conceito de Augustin Berque (Berque,
1997).
Em uma cultura onde se privilegia a circulação privada do automóvel (na proporção absurda de um
automóvel para cada dois habitantes) e onde os sistemas de transporte público se deterioram a cada dia,
ser pedestre torna-se um desafio de resistência diário. Um simples morador em São Paulo (sem falar
nos sem-tetos, mendigos e outros excluídos), ou mesmo quem passeia pela cidade, muito
provavelmente se vê incomodado com a dificuldade e o risco que representa a travessia da maioria das
ruas e avenidas na cidade.
A cidade se transforma no local do não-pertencimento, da desorientação, da repetição de padrões
preestabelecidos, vazio de referências arquitetônicas e urbanísticas tanto nas áreas centrais como nas
periferias, onde foram se apagando quaisquer vestígios de identidade histórica ou características da base
biofísica do sítio da cidade, elementos que poderiam servir de base para uma maior diferenciação
espacial.
Como resultado da quebra do liame social com a base natural, tem-se o agravamento da perda da
qualidade de vida urbana, com índices alarmantes de contaminação atmosférica no inverno e os efeitos
catastróficos das enchentes no verão, estas como resultado da ocupação indevida das várzeas dos rios e
7 Isto se revela inclusive, nas situações mais corriqueiras, como na aceitação da falta do acesso universal, seja em
calçadas sem manutenção, seja em bairros privilegiados de alta renda, onde o direito de circulação das pessoas idosas,
dos deficientes ou das crianças também é restringido.
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da impermeabilização abusiva do solo comprometendo a drenagem da bacia hidrológica da cidade.
O isolamento da cidade de sua paisagem original e apropriada, é também responsável em São Paulo,
por uma crescente desvantagem frente a outros grandes centros de decisão e de serviços que possuem
melhor qualidade ambiental (como o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Buenos Aires para ficarmos apenas
na área do Mercosul) e mesmo que a cidade já venha perdendo seu ritmo de crescimento8, um anel
externo de cidades periféricas continua a se expandir, a partir do mesmo modelo irradiado, às vezes
porém, com uma maior precariedade maior, quando se assenta sobre condições fisiográficas ainda mais
delicadas.
Seria apenas a confirmação do fato apontado por Lévi-Strauss como inerente às cidades americanas, de
que São Paulo passaria do crescimento à decadência sem conhecer o apogeu? Ou seria fruto de nossa
incapacidade em oferecermos - em um pais com uma quantidade de recursos naturais considerável mas
que precisa ainda prosseguir na modernização da produção - projetos com alternativas reais para um
desenho ambientalmente sustentável?
A partir da previsibilidade da evolução de determinadas condições ambientais, quais as atitudes
projetuais que poderiam ser tomadas para se evitar situações caóticas como as que estamos
presenciando? E, dentro de um amplo espectro de possibilidades, qual o grau de complexidade que os
projetos devem possuir para atingir uma compreensão da paisagem como uma rede de relações sociais
e naturais em permanente movimento e sugerir modelos capazes de ampliar a percepção ambiental dos
usuários concorrendo para que estes assumam sua real condição de cidadania ambiental?
Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem
A dinâmica social, econômica e cultural do país exige reformulações conceituais que devem se traduzir
em alterações na prática de projeto das cidades. Esta mudança de paradigmas nos quais se apóia esta
prática, requer entretanto, a introdução de novos conceitos e métodos e a superação da visão que reduz
o projeto paisagístico a um projeto de jardim, praça ou parque, que emoldura edifícios, desenho de um
espaço de caráter complementar, composto de pisos, plantas, tanques e bancos, reproduzindo fórmulas
determinadas e restritas.
Estas antigas respostas projetuais têm se mostrado insuficientes no estabelecimento de padrões de
estruturação de um sistema de espaços livres urbanos, onde se impõe, cada vez mais, questões relativas
à paisagem e sua dimensão ambiental. Uma paisagem cuja (re)qualificação seria decorrência de um
processo de construção de lugares - espaços da união dos homens pela cooperação na diferença,
segundo Milton Santos (Santos, 1994).
Devido a nossas complexas e crescentes necessidades sociais e culturais, os modelos tradicionais de
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parques, praças e jardins, já não se mostram mais adequados pois existem novas funções para estes
espaços livres. A adequação a estas funções faz parte de uma linha de investigação sobre as paisagens
que deverá estudar as potencialidades em presença e propor uma atividade projetual na paisagem que
supere o seu caráter arbitrário e passe a informar e formar na população um juízo perceptivo sobre sua
identidade urbana.
Uma resposta plausível a estas questões terá que passar pelo entendimento das relações entre cultura e
natureza, e do lugar da natureza na produção social do espaço urbano. A maioria dos parques e praças
tem sido vistos através de um modelo olmstediano9 de uma paisagem pastoral do século XIX, disposta
em um contexto urbano moderno.
Os espaços livres têm um valor simbólico, configurado naquilo que é específico de um lugar, o que,
dentro de uma cultura globalizada, pode transformá-los em espaços capazes de subverter a segregação
social crescente10. São os lugares por excelência das intervenções capazes de conciliar questões
ambientais e sociais que se apresentam como contraditórias. Precisamos ter em mente a possibilidade
de criação de um ambiente que enriqueça nossa vida cultural, redefina nossa ligação com a natureza e
represente um outro modo de conceber os espaços livres: como um processo de socialização de
espaços naturais e de (re) naturação dos espaços sociais.
A necessidade de requalificação das áreas urbanas centrais bem como de desenho de novos centros -
sociais, culturais e lúdicos - nas periferias, pode significar uma carência por uma maior variedade de
experiências visuais e espaciais, contrarrestando a crescente homogeneidade de nossa vida urbana, onde
a reprodução de “paisagens-clones”, independente da região ou zona ecológica em se situem, intensifica
o processo de alienação ambiental.
Este enfoque propõe uma escolha entre diversas alternativas ambientalmente informadas tendo como
premissa uma ampliação constante do repertório dos usuários. A partir de escolhas que revelem as reais
condições de uma intervenção pode-se romper com os hábitos que obscurecem a percepção e limitam a
leitura e a interpretação da paisagem.
Os objetivos, portanto, para a definição de um sistema de espaços livres deve responder ao desafio
colocado pela crise ambiental atual, isto é, ajudar a cidade a construir uma relação sustentável com as
águas, com o ar, com o clima, com o relevo, com a vegetação nativa e com os demais aspectos do
ecossistema.
Planejar nesse sentido é possibilitar a identificação da população com sua paisagem original e
8 Isto entretanto poderá ser revertido já que vem sendo detectado um processo de (re)industrialização em São Paulo. 9 de Frederick Law Olmsted, fundador da profissão de arquiteto-paisagista nos EUA, no século XIX, e criador do
Central Park em Nova Iorque (1858). 10 o que pode ser percebido ainda que de forma tímida no parque Ibirapuera, em São Paulo, local preferido pela
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historicamente apropriada, transformando a arquitetura paisagística em um instrumento capaz de
realizar esta inter-relação, através de práticas de (re)introdução na paisagem de elementos capazes de
superar a oposição entre usos sociais e conservação ambiental de modo a (re)unir a cidade a seu
ambiente.
É este, portanto, um dos desafios que se coloca para a atividade de planejamento e projeto da paisagem:
a partir deste conjunto de paisagens que constituem nossa realidade urbana, reverter o processo
alienação da população tanto em relação ao espaço da cidade como de sua base natural e revelar as
potencialidades da paisagem como promotora da consciência ecológica e catalisadora de uma cidadania
ambiental.
A leitura da paisagem original - dos seus ecossistemas e dos recursos naturais que abrigam e que
deveriam garantir a qualidade de vida dos moradores - torna-se muito difícil dentro de áreas urbanas
totalmente artificiais. Este estado de coisas pode ajudar a explicar porque chegamos ao ponto de
imaginarmos que apenas gramados, árvores ornamentais e lagos artificiais constituem a presença do
natural dentro do urbano.
De acordo com a visão comum, a verdadeira natureza começa onde a cidade acaba, como se houvesse
um limite intransponível entre paisagem cultural e paisagem natural (como nos mapas, as manchas
pintadas de vermelho ou de verde representando áreas estanques), ou seja: a natureza é vista como o
oposto da cidade, como sua inimiga...
Este modo de pensar tem várias implicações, políticos e técnicos pensam que respeitar a ecologia
significa criar reservas naturais próximas à cidade; arquitetos opõem à natureza selvagem irracional, um
ambiente ‘natural’ cuidadosamente desenhado e logicizado; ecólogos e ambientalistas defendem a
natureza contra qualquer uso humano (antrópico).
Neste discurso a “ecologia” trata apenas de uma “natureza”, aquela de áreas protegidas e de espécies
animais selvagens, conduzindo a um planejamento operacional destas áreas que devem portanto ser
desapropriadas e protegidas e recursos orçamentários destinados a sua manutenção. Espécies selvagens
podem ser defendidas por medidas específicas, propostas por especialistas trabalhando em
departamentos próprios. A divisão do trabalho é clara, cada setor da gestão pública e do conhecimento
técnico e científico tem especialistas que defendem seus territórios. Assim, neste contexto, a “natureza”
faz parte de um mundo separado espacial e funcionalmente do mundo social e urbano.
Esta separação de funções, no entanto, não corresponde à realidade da interdependência existente entre
os diversos elementos que compõem o ambiente humano (e urbano). Proteger “ilhas” de natureza em
uma paisagem altamente transformada não é um enfoque sustentável, afinal não pode haver cercas ou
população paulistana de várias classes sociais.
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muros contra a poluição do ar ou para conter a poluição dos lençóis freáticos.
Apesar da nossa vontade, a natureza age no interior das cidades. A drenagem das águas das chuvas, as
“ilhas” de calor, a estabilidade dos solos, o subsolo (que condiciona tanto as fundações dos edifícios
como as demais infraestruturas subterrâneas), o crescimento das árvores, o fluxo dos rios, todos estes
processos atuam simultaneamente dentro das cidades. Desta maneira, o planejamento ambiental deve
necessariamente considerar todos estes processos biofísicos básicos que estruturam o desenvolvimento
urbano.
Precisamos de uma estratégia que considere a (re)inserção destes processos que sustentam a paisagem e
defina projetos sustentáveis para os espaços livres, a partir do relacionamento que estes estabelecem
com a cidade e com a região. O planejador deve encontrar formas que permitam à paisagem fazer parte
do autoconhecimento de seus usuários e da relação destes com o meio-ambiente incorporando
diretrizes ambientalmente desejáveis para a melhoria da habitabilidade da cidade, de sua
sustentabilidade e de sua imagem. Um planejamento ecológico da paisagem pode fornecer as
ferramentas para se alcançar uma integração melhor entre sociedade e natureza, de forma que ambas
venham a prosperar no futuro.
Introdução ao Planejamento (ecológico) da Paisagem
Planejamento ambiental e paisagístico pode significar várias coisas para técnicos de diferentes áreas,
portanto é necessário fazer aqui alguns esclarecimentos iniciais.
Consideramos planejamento a programação do uso dos recursos físicos e humanos pela sociedade,
integrando o conhecimento técnico e científico de modo a fornecer subsídios para a escolha de opções
sobre alternativas futuras para a utilização dos espaços.
Paisagem aqui refere-se ao local onde se desenvolvem em uma escala perceptível, processos humanos e
naturais.
As paisagens se transformam inevitavelmente, seja devido a processos naturais seja pela ação humana.
Estas mudanças podem levar a uma maior ou menor estabilidade dos ecossistemas.
A combinação dos fatores naturais e culturais que criam a paisagem, define elementos visíveis como
campos, matas, lagos, rios e cidades. Estes elementos por sua vez, e a forma como são utilizados, são
também reflexo da cultura dos habitantes. A atividade de planejamento da paisagem baseada em
princípios conservacionistas, implica em uma tomada de decisões sobre soluções espaciais capazes de gerar
mudanças em elementos da paisagem de forma a compatibilizar as intervenções humanas com a
capacidade dos ecossistemas de absorverem os impactos advindos destas atividades previsíveis e manter
uma maior integridade possível nos processos e ciclos vitais que ocorrem em seu interior, tendo sempre
como referência o contexto regional em que se situam.
17
O uso racional e sustentado da paisagem significa, portanto, o melhor uso possível considerando-se a
totalidade dos aspectos que condicionam a conservação dos recursos ambientais, ou seja, reconhecer-se
a necessidade de proteção tanto de recursos naturais como culturais de forma que o atendimento de
necessidades do presente não esgote a capacidade das futuras gerações de atenderem suas próprias
necessidades.
Ecologia da Paisagem: estrutura, função e transformação
Partindo do pressuposto que a pesquisa científica socio-ambiental aplicada à intervenção sustentável e à
conservação da sócio e da biodiversidade, deve se utilizar da representação espacial, a Ecologia da
Paisagem oferece um conjunto de princípios capazes de serem utilizados no planejamento de paisagens
(e regiões). Nas últimas décadas se tornou em uma ferramenta importante para planejadores e
arquitetos-paisagistas no manuseio das informações coletadas em várias áreas do conhecimento, a
respeito de uma determinada área, e na análise e interpretação destes dados, para o subsídio de
proposições. Constitui-se portanto, em uma linguagem espacial que permite a comunicação entre
diversas disciplinas e entre técnicos e administradores.
Para o entendimento das relações que os diversos elementos de um mosaico de paisagens estabelecem
entre si, a Ecologia da Paisagem estabelece um conjunto básico de princípios que podem assim ser
sumarizados:
- A Ecologia da Paisagem pode ter como objeto qualquer mosaico paisagístico, desde áreas urbanas a
áreas agrícolas, desertos e florestas. Ela se aplica portanto, tanto a áreas “naturais” quanto a áreas que
revelam uma intensa atividade humana.
- Como sistemas que contém seres vivos em abundância e em evolução, as paisagens apresentam três
características principais: estrutura, função e mudança.
- Estrutura da paisagem é o padrão espacial ou o arranjo de elementos paisagísticos;
- Função é o movimento de animais, de plantas, da água, do vento, etc. enfim o fluxo de toda
matéria e energia através da estrutura;
- Mudança consiste na dinâmica da paisagem ou sejam em alterações tanto de seu padrão
espacial como de sua função, através do tempo.
- Todo padrão estrutural de uma paisagem ou região é composto por três tipos de elementos – manchas,
corredores e matrizes – que servem para comparar paisagens distintas e para detectar princípios gerais.
Servem também para o planejamento do uso do solo e para a arquitetura paisagística, já que um padrão
espacial controla quase que totalmente os movimentos, os fluxos e as mudanças dos ambientes.
A concisão desta linguagem espacial torna-se evidente ao constatarmos que toda a variedade de
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mosaicos paisagísticos existentes sobre a superfície terrestre pode resultar da combinação entre aqueles
elementos. A variedade encontrada na distribuição dos elementos que compõem as paisagens terrestres
resulta da heterogeneidade dos substratos, das alterações naturais e da atividade humana.
Tanto quanto as atividades humanas, os processos naturais transformam as paisagens e muitos
processos espaciais como a fragmentação, a perfuração, a dissecação, a diminuição, o atrito e a
coalescência, por exemplo, tornam-se mais evidentes quando se efetua uma análise temporal. Cada um
desses processos espaciais entretanto, apresenta implicações sociais e ecológicas diversas, como o
aumento ou diminuição da biodiversidade ou a efetivação ou negação dos ciclos naturais.
Tendo estes processos espaciais como referência, os atributos-chave de cada um dos elementos da
paisagem podem ser avaliados da seguinte maneira:
- As manchas são grandes ou pequenas? redondas ou alongadas? lisas ou recortadas? poucas ou
numerosas? isoladas ou agrupadas? etc..
- Os corredores são largos ou estreitos? retos ou curvilíneos? contínuos ou descontínuos? etc..
- A matriz é única ou subdividida? Variada ou homogênea? Contínua ou perfurada? etc..
Em escala local, uma transformação na configuração de um mosaico, seja por exemplo, a introdução de
um renque de árvores, a criação de um açude, a construção de uma estrada ou de algumas edificações,
mudará o seu funcionamento. Animais têm sua rota alterada, o fluxo das águas se redireciona, a
condição de erosão do solo se altera, as pessoas passam a se mover diferentemente, etc.. Todas estas
transformações podem causar mudanças ainda maiores nas áreas adjacentes.
Manter, remover ou introduzir elementos na paisagem é uma forma de gestão que os planejadores e
arquitetos paisagistas passam a ter para transformar a estrutura e o funcionamento de um mosaico de
paisagens.
A previsão e avaliação dos impactos causados pelo rearranjo dos elementos que compõem uma
paisagem, permitirá a implantação de políticas de uso e ocupação do solo que, reduzindo a
fragmentação e a degradação destes, assegurará uma certa estabilidade a longo prazo.
Para a criação de ambientes sustentáveis, uma estratégia básica deve ser a de procurar que as
configurações previstas em um mosaico de paisagens atendam aos princípios de concentração de usos
diversos, conexão entre manchas e matrizes e conservação de recursos ambientais.
O processo de Planejamento da Paisagem
Os desafios do planejamento, do projeto e da posterior gestão de uma paisagem não são superados
tendo-se apenas uma visão espacial e temporal ampla da área, mas enfrentando as principais questões
sociais e ambientais presentes. Abastecimento de água, drenagem da água, saneamento básico, sistemas
19
de transporte e circulação de pessoas e mercadorias, preservação conjunta da sócio e da biodiversidade,
recursos paisagísticos, determinantes econômicas, desigualdades sociais, relações socio-culturais e
comunitárias são fatores essenciais a serem considerados. Para que os planos atendam adequadamente a
estas questões, deve-se contar com uma ampla gama de conhecimentos técnicos específicos.
A prática corrente no desenvolvimento de planos para uma área, é se trabalhar com um especialista, ou
um grupo de especialistas, com enfoques específicos. Apoiando-se nos princípios da Ecologia da
Paisagem, pode-se, ao contrário, integrar esquematicamente as diversas dimensões contidas na
paisagem (cultural, estética, socio-econômica, ambiental) explicitando-as espacialmente.
No entanto, nenhuma versão definitiva desta abordagem está disponível para a aplicação imediata no
planejamento (projeto) e na gestão (intervenção, apropriação ou conservação) espacial e ambiental.
Estes princípios entretanto, oferecem um esboço de teoria e evidências empíricas para o entendimento
e comparação de diferentes configurações espaciais e também possibilita o enfrentamento das questões
centrais suscitadas pela procura do arranjo ótimo do uso do solo em uma paisagem.
A partir do modelo conceitual da Ecologia da Paisagem, o projeto de uma alternativa espacial deve,
segundo Forman (Forman, 1997), contemplar três aspectos:
I - Determinação de padrões indispensáveis, constituídos por quatro componentes que se constituem
em prioridade máxima de um plano, porque trazem benefícios ecológicos insubstituíveis:
(a) Manutenção de grandes manchas de vegetação original
Alguns dos benefícios oferecidos por esta solução: proteção da qualidade da água em aqüiferos e
corpos d’água; conexão da rede subterrânea dos cursos d’água; habitat para espécies no interior das
manchas; habitats de áreas core e refúgio para espécies de ampla distribuição; centro de dispersão de
espécies; riqueza de habitats para espécies especialistas; regime de instabilidade ambiental semelhante
aos ciclos dos grandes domínios morfoclimáticos; áreas de proteção contra a extinção de espécies
devido a mudanças ambientais, etc.
Teoricamente uma paisagem “ótima” possui grandes manchas, complementadas por pequenas manchas
distribuídas através da matriz, já que grandes manchas trazem grandes benefícios e pequenas manchas,
pequenos benefícios suplementares.
Qualquer política de uso do solo ocasiona paisagens com pequenas manchas. As grandes manchas por
outro lado, tendem a ser subdivididas em pequenas, em um processo até visivelmente constatável. Para
se manter os benefícios sociais das grandes manchas de vegetação há necessidade portanto, de medidas
efetivas de planejamento e proteção.
Existirá um tamanho ótimo, um mínimo e um máximo para as manchas? Provavelmente existirão
20
limiares através dos quais podemos basear nossas decisões, mas isto permanece indefinido. Os efeitos
ecológicos de uma mancha grande, comparados àqueles de diversas manchas pequenas, dependerão da
biodiversidade que se quer manter, da produtividade da biomassa, das condições de erosão, das
recargas do ciclo hidrológico, etc..
(b) Corredores suficientemente largos de vegetação original ao longo dos principais cursos d’água
Quase todos os recursos naturais e atividades humanas numa paisagem dependem dos rios e do sistema
de drenagem das águas superficiais. Um corredor ao longo de um rio constitui-se em uma faixa de
vegetação que acompanha o curso d’água. O corredor pode apenas incluir o curso d’água e as margens
adjacentes ou pode ser suficientemente largo e incluir a planície aluvial, suas encostas e as faixas de
terras altas limítrofes. A vegetação ciliar geralmente se refere à vegetação junto aos cursos d’água em
planícies aluviais ou na área de inundação do rio.
A vegetação ao longo de um rio atende a quatro importantes funções ecológicas: (i) minimização das
enchentes a jusante através do efeito esponja e das altas taxas de evapotranspiração; (ii) controle do
assoreamento já que possibilita a retenção de sedimentos; (iii) constituir-se em fonte de matéria
orgânica para peixes e demais organismos fluviais e (iv) servir como habitat para muitas espécies de
fauna.
Qual deve ser a largura de um corredor ao longo de um rio? Este deveria ser o problema mais
recorrente a ser considerado no planejamento. Nestes casos recomenda-se seguir três passos para se
delinear uma solução: (i) definir os processos ou funções ecológicas-chave desempenhadas pelo
corredor; (ii) classificar os tipos básicos de cursos d’água desde as cabeceiras até a foz, baseando-se nas
estruturas espaciais existentes no corredor e (iii) determinar a largura requerida para cada tipo de curso
d’água para associar os processos ecológicos mais frágeis à estrutura espacial.
É importante a presença de corredores contínuos? O efeito do tamanho e do número de interrupções
ao longo dos corredores dependerá da combinação entre as condicionantes espaciais do relevo, os
processos ecológicos mais frágeis e a zona climática em que eles estão inseridos.
(c) Manutenção do contato entre as grandes manchas para o fluxo de espécies-chave.
A melhor solução espacial para a movimentação de espécies entre manchas maiores é o
estabelecimento de corredores contínuos com largura suficiente, formando uma rede de corredores verdes.
A segunda melhor alternativa é um conjunto de pequenas manchas, desde que a matriz intermediária não
seja completamente imprópria para aquele fluxo.
Dependendo de suas características (se forem contínuos, formados por conjuntos ou linhas de
manchas, configurar um gradiente ou forem interrompidos) os corredores podem permitir tanto
21
conexões altas, baixas, médias ou desprezíveis.
Os corredores possuem cinco funções principais em uma paisagem:
(i) constituem-se em habitats ;
(ii) permitem fluxos em seu interior ou ao longo de seu eixo;
(iii) servem como filtro ou barreira com permeabilidades variáveis, controlando a velocidade e a
intensidade dos fluxos transversais e longitudinais;
(iv) fonte ou origem de recursos;
(v) local para contenção ou saída de recursos
Os corredores verdes (water and greenery networks) junto às áreas urbanas têm várias utilidades: protegem a
biodiversidade; constituem-se em rotas de dispersão de espécies, minorando impactos advindos de
mudanças climáticas; permitem o controle adequado dos recursos hídricos; melhoram as condições de
conservação do solo controlando erosão e prevenindo a desertificação (que ocorre tanto em zonas
urbanas como rurais); abrigam atividades recreacionais, tais como a caça, a pesca, as caminhadas, os
esportes náuticos, etc. e promovem uma maior coesão social entre as comunidades reforçando sua
identidade espacial
(d) Manutenção de fragmentos naturais heterogêneos no meio das áreas construídas
Este recurso possibilita o fluxo de grande parte das espécies animais por todas as partes da paisagem.
Também tem a função de interromper áreas extensivas de uma matriz sujeita à erosão eólica, a “ilhas”
de calor e a outros processos de degradação ambiental.
Esta função é atingida efetivamente através da manutenção e da restauração de pequenas manchas
heterogêneas de vegetação nativa e de uma rede de corredores lineares. Esta heterogeneidade de
situações deve incluir espécies e habitats dispersos por toda a matriz. Enquanto grandes áreas protegem
muitas espécies, a sobrevivência de outras espécies depende também da gestão do uso do solo em áreas
vizinhas.
II - Utilização de um modelo de agregação através de anexos (áreas periféricas) constitui-se em uma
maneira eficaz para harmonizar diferentes usos do solo
Qual é a melhor distribuição dos usos do solo numa paisagem? Para responder a esta questão, este
modelo (cuja função não é apenas a de descrever a complexidade de qualquer paisagem real) determina
como se deve procurar compatibilizar usos do solo, mantendo-se ao mesmo tempo corredores e
pequenas manchas naturais através das áreas construídas, bem como a manutenção de pequenas áreas
periféricas anexas de espaços construídos distribuídas ao longo dos limites principais das manchas e
22
corredores naturais.
Sete dos principais atributos ecológicos da paisagem poderão ser incorporados a este modelo:
- presença de manchas grandes de vegetação nativa. Como já foi brevemente exposto;
- influência da qualidade da granulação. A granulação de um mosaico de paisagens consiste no diâmetro ou
na área média das manchas numa paisagem, se esta granulação for grossa ou fina, afetará de forma
diferenciada fatores ecológicos;
- redução de risco. O risco de extinção, ou perda de diversidade, pode aumentar em situações em que
todos os indivíduos de uma espécie estejam numa única mancha;
- manutenção de alta variabilidade genética. Importante por permitir ajustes e defesa das espécies face a
alterações ambientais;
- criação de zonas de contato. Algumas áreas entre os usos de solo, incluindo as bordas das manchas
maiores são adequadas para se constituir em áreas anexas (outliers) construídas já que estas áreas não
ocasionarão perfurações excessivas, nem grandes degradações nas grandes manchas verdes, podendo
servir para auxiliar na preservação da sua qualidade. A sinuosidade dos limites das zonas de contato
reduz o efeito aparente de barreira dos limites retilíneos, por reproduzirem melhor situações naturais;
- presença de pequenos fragmentos de vegetação nativa;
- eficiência de corredores. Além dos naturais, já descritos, corredores compostos por diversos usos do solo
são utilizados para a circulação de pessoas e mercadorias e são eficientes na inter-relação entre os
diversos usos do solo, como concentram o movimento, minimizam fluxos indesejáveis através das
grandes manchas.
Além destes benefícios ecológicos, este modelo oferece também vantagens diretas no desenho de
assentamentos humanos:
- amplia a gama de possibilidades espaciais,
- indica localizações adequadas para edificações (por exemplo, edificações rurais e casas de campo);
- define os melhores locais para trabalho, moradia, serviços e comércio;
- torna mais eficiente a circulação intraurbana e a comunicação entre cidades ao longo de corredores;
- impede conurbações através da criação de cinturões verdes e valoriza a identidade das comunidades
locais com a utilização de vegetação nativa;
- agrega áreas construídas especializadas;
- cria sistemas de espaços livres verdes urbanos;
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- prevê grandes manchas vegetais que possibilitam uma extração mais eficiente e menos predatória dos
recursos;
- limita as dificuldades decorrentes do isolamento das propriedades rurais;
- promove uma diversidade visual pela utilização da variação na granulação de manchas na paisagem.
III - Definição de pontos estratégicos, aspectos únicos que tendem a ser pontos de abastecimento e de
escoamento especialmente importantes, são também localizações de significado excepcional e duradouro
numa paisagem. Tendo sido estabelecida a estrutura espacial para toda a paisagem, algumas localizações
estratégicas em seu interior podem ser determinadas a partir dos seguintes critérios:
- Proteger áreas com maior riqueza de espécies, medida importante para a conservação da biodiversidade na
paisagem;
- Os grandes nós das redes espaciais urbanas têm importância especial por causa da possibilidade que
oferecem de conectar setores diversos;
- A dimensão e a quantidade das interrupções nos principais corredores são elementos estratégicos pois
podem bloquear movimentos através de um corredor e devem merecer especial atenção no
planejamento ambiental;
- Os fluxos entre áreas similares são críticos porque afetam muitos elementos na paisagem;
- A proteção de elementos com alta sensibilidade a impactos humanos é vital pois estes serão responsáveis pela
permanência da estabilidade de uma paisagem.
Priorizar pontos estratégicos permite um controle efetivo sobre os fluxos (e sobre o funcionamento da
paisagem), pode também se constituir em uma forma de proteção contra influências indesejáveis do
meio externo.
Estes pontos são indispensáveis para a conservação e a gestão de um ambiente, pois têm um amplo
impacto sobre a paisagem e possuem um caráter excepcional como instrumentos para o planejador.
Para o enfrentamento das questões aqui esboçadas, podem ser estabelecidas as seguintes etapas dentro
de um processo global de planejamento:
ETAPA 01 - Relação entre as áreas livres e a cidade
Dentro do universo de pesquisa estudado, esta etapa visa estabelecer uma contextualização do conjunto
de espaços livres, em várias situações, que permitirá definir melhor as hipóteses preliminares.
ETAPA 02 - Levantamento de dados
Esta etapa corresponde à identificação e à coleta de dados relevantes para a elaboração da análise e da
interpretação. Concomitante à etapa anterior, e baseando-se em planos, projetos e estudos existentes
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(dados secundários), serão ordenados os dados primários necessários para a representação dos
exemplos selecionados nas várias situações, de acordo as características e os usos dos espaços livres
ETAPA 03 - Estrutura, função e dinâmica da paisagem
Este momento da análise relaciona o suporte biofísico e o espaço construído, com a elaboração
detalhada de um modelo estrutural de espaços livres selecionados quanto a sua distribuição, ao padrão
dos seus elementos constitutivos, à identificação dos papéis que desempenham e a sua inserção na
dinâmica ambiental. Esta etapa corresponde à determinação das categorias de espaços livres (isto é, sua
classificação) em relação ao ambiente urbano em que estão inseridos.
ETAPA 04 - Dimensão ambiental da paisagem
Nesta etapa conclusiva do trabalho estabelece-se um conjunto de categorias que propiciam uma
interpretação capaz de informar as transformações ambientais, configurando uma nova paisagem
possível.
25
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NASSAUER, Joan I. (ed.) Placing Nature: culture and Landscape Ecology Washington: Island Press,
1997
OLIVEIRA, Ana C. M. A. de & BRITO, Yvana C. F. de (ed.) Visualidade, Urbanidade,
Intertextualidade São Paulo: Hacker Editores, 1998
OSEKI, Jorge H. La Fluvialité Urbaine des Fleuves in Ostrowetsky, Sylvia (org.) Lugares: d’un
continent, l’autre Paris: L’Harmattan, 2001
PELLEGRINO, Paulo R. M. Paisagem e Ambiente: um processo de aproximação no setor oeste da
macrometrópole de São Paulo. São Paulo: FAUUSP, Dissertação de Mestrado, 1987
PELLEGRINO, P. R. M.. Paisagens Temáticas: ambiente virtual São Paulo: FAUUSP, 1995
ROUGERIE, Gabriel & BEROUTCHACHVILI, Nicolas Géosystèmes et Paysages: bilan et méthodes
Paris: A. Colin, 1991
SANTOS, Milton Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional São
Paulo: Hucitec, 1994
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção São Paulo: Hucitec, 2ed., 1997
SCOTT, James C. Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed
New Haven: Yale University Press, 1998
SMITH, Alfred Le Concept de Nature chez Marx Paris: PUF, 1994
SPIRN, Anne; O Jardim de Granito São Paulo: EDUSP, 1996
STEINITZ, Carl. “A Framework for Theory Applicable to the Education of Landscape Architects (and
Other Design Professionals)” in Landscape Journal, Vol. 9, No.2, Fall 1990
THOMPSON, George & STEINER, Frederick. Ecological Design and Planning Nova Iorque: John
Wiley & Sons, Inc., 1997
27
TOPALOV, Christian “De la Planification à l ‘Écologie: naissance d’un nouveau paradigme de l’action
sur la ville et l’habitat?” in Annales de la 5e Conférence International de Recherches sur l’Habitat,
Montréal, julho 1992
28
ANEXO I
Métodos de análise e interpretação da paisagem
O plano ecológico de uma paisagem - um grande parque, uma bacia ou uma cidade - deve procurar
ajustar apropriadamente manchas de vegetação, corredores e demais usos do solo, através de uma
solução espacial que tenha por objetivo principal a integração dos processos naturais com as realidades
sociais de maneira a se atingir sua sustentabilidade (a longo prazo).
Como em qualquer outro plano, deve-se começar pelo estabelecimento de um contexto, determinar
quais são as conexões entre os processos que ocorrem em seu interior e os externos que ocorrem a sua
volta, nas diversas escalas em que estes se realizam. Quais são os pontos de entrada e de saída - que
serão responsáveis pelo trânsito de influências de dentro para fora e de fora para dentro - da área
considerada, de onde vêm, para onde vão? Onde estão localizados os mananciais? Para onde são
levados os dejetos? Qual é o fluxo da vida animal em seu interior? Quais as principais vias de acesso, de
saída, de abastecimento, etc.?
A área objeto de planejamento deve ser entendida como parte de uma constelação de paisagens
interrelacionadas. A sustentabilidade de qualquer assentamento humano só será efetiva se for vista
como parte deste conjunto e se o planejamento ambiental garantir a conservação dos principais ciclos e
processos vitais que assegurem a sua continuidade.
Atendendo a estas considerações, na determinação das alternativas de intervenção como produto de um
processo de planejamento aberto (e também participativo), deve-se reunir uma base de informações que
contemple sobretudo as duas seguintes inserções da área:
(a) Localização da área de estudo na região
Levantamento e análise dos dados referentes aos aspectos mais relevantes que afetam a área, tais como:
- Referências urbanas principais,
- Atividades e usos existentes,
- Principais vetores de expansão,
- Eixos viários principais; acessibilidade, principais meios de circulação e transporte existentes e
previstos,
- Planos existentes e legislação pertinente,
- Áreas de recarga de aqüíferos e mananciais.
-
29
(b). Situação da área de estudo na bacia hidrográfica:
- Corredores de migração e polinização para flora e fauna,
- Condicionantes fisiográficos (relevo, declividades, solos),
- Drenagem superficial (linhas d’água, leitos de cheias, várzeas, nascentes),
- Vegetação existente (tipos, distribuição, condições),
- Aspectos microclimáticos (ventilação, insolação, fontes poluidoras),
- Referências visuais (marcos, monumentos, paisagens únicas),
- Levantamento das espécies de flora e fauna mais significativos e seus habitats.
Elaboração de Sistemas de Espaços Livres
Com a compreensão do contexto regional e efetuada a seleção dos objetivos e da área de estudo, devem
ser estabelecidos os limites do sistema e de seus componentes, através de uma síntese que estabeleça as
alternativas de intervenção nas diversas situações encontradas. Como no exemplo seguinte de
Unidades de Paisagem (UP), em uma seqüência que vai da ocupação mais rarefeita à urbanização
mais intensa. Estas unidades paisagísticas definem as diversas características que devem ter os espaços
livres que ocorreriam em seu interior:
UP 1 Nascentes e topos de morros áreas de conservação e/ou lazer contemplativo
UP 2 Matas ciliares ou várzeas áreas de conservação e/ou lazer contemplativo
UP 3 Áreas de interesse ecológico e paisagístico áreas de conservação e/ou lazer contemplativo
UP 4 Zona rural ou com potencial recreativo lazer contemplativo e/ou recreação ativa
UP 5 Ocupação urbana periférica não consolidada
lazer contemplativo e/ou recreação ativa
UP 6 Ocupação urbana com todas as suas funções e com grande densidade
lazer contemplativo e/ou recreação ativa
Como resultado desta visão global, os requisitos para projetos específicos (de escala menor) surgirá
também, em grande parte, deste padrão, através das inter-relações com o entorno, com outros espaços
livres e de suas características locais. Nos projetos de escala maior, entretanto, o foco se desloca para os
padrões espaciais, os fluxos e as mudanças no mosaico constituído pelo conjunto de unidades
paisagísticas, baseando-se sempre nos princípios da Ecologia da Paisagem.
30
O Sistema de Espaços Livres Urbanos
Numa escala intraurbana, os espaços livres de edificações têm um papel fundamental tanto na estrutura
da cidade e de sua dinâmica ecológica, como na vida cotidiana dos cidadãos, pois podem contribuir
para construir imagens da cidade em seus diversos períodos históricos.
Com o desenvolvimento das cidades, os espaços livres (públicos e privados) devem ser (re)desenhados
para atender a demandas emergentes, como a presença de uma população maior, uma diversidade
crescente de usos, necessidades decorrentes de novas formas de circulação de pedestres e veículos, o
“stress” urbano e a conseqüente carência de espaços que possam amenizar as tensões inerentes à vida
em grandes aglomerações, além de permanecerem como locais privilegiados de apropriação pela
comunidade de espaços sociais carregados de símbolos.
Neste enfoque, o processo de definição de um sistema de espaços livres deve considerar a identificação,
a análise e a interpretação dos aspectos seguintes:
Sistema Viário - conflito entre pedestres e veículos
Compatibilização entre os diversos meios de locomoção, incentivando uma diversidade maior, através
da separação das diversas circulações. Pavimentação diferenciada, redesenho de leitos carroçáveis,
sinalização adequada, desobstrução e adequação dos espaços de circulação para pedestres, criação de
áreas de transição, definição de várias alternativas de percurso e elaboração de horários para a
circulação restrita de veículos autorizados, entre outras medidas.
Usos Múltiplos
Contra a crescente fragmentação e segregação do espaço urbano devem ser tomadas medidas que
garantam a multiplicidade e simultaneidade de vários usos compatíveis nos espaços a serem criados.
Além do mais, o projeto destas áreas deve garantir aos usuários conforto ambiental, acessibilidade
universal, permeabilidade entre os espaços e atendimento às diversas faixas etárias e sociais.
Identidade do Lugar
Valorização do patrimônio ambiental, paisagístico e arquitetônico, identificando-se paisagens culturais e
naturais significativas para a imagem e a memória da cidade. Criação de percursos temáticos e
iluminação cênica que ressalte os marcos simbólicos e pontos de interesse urbanos, de modo a facilitar
a percepção da cidade por parte dos usuários e aumentar as possibilidades de leitura do ambiente
urbano.
Dinâmica Ecossistêmica
Restabelecer a inter-relação entre os diversos condicionantes do ecossistema urbano, com a
(re)introdução criteriosa da vegetação, proteção do microclima e a revelação dos aspectos morfológicos
31
e hidrológicos do sítio, bem como a detecção de áreas frágeis prioritárias para a proteção e a
recuperação ambiental.
32
ANEXO II
Como complemento, apresentamos o esquema delineado por Steinitz (Steinitz, 1990) a partir de seis
perguntas, a serem consideradas quando definimos um objeto de estudo em Planejamento da Paisagem:
1- Como deve ser descrita a paisagem?
Contexto e limites espaço-temporais (estabelecimento de modelos de representação)
2- Como a paisagem funciona?
Quais são as relações funcionais e estruturais entre seus elementos? (modelos de processo)
3- A paisagem atual funciona bem?
Salubridade, integridade ecológica, estética, custos, satisfação dos usuários (modelos de avaliação)
4- Como a paisagem deve ser alterada?
Por quais ações, onde, quando, seguindo ou não as tendências atuais? (modelos de transformação)
5- Que diferenças (previsíveis) estas mudanças podem causar?
Simulação das mudanças tendo como base as informações dadas (modelos de impacto)
6-A paisagem deve ser mudada?
Avaliação comparativa dos impactos das alternativas feita com base no conhecimento sobre a paisagem
e nos valores culturais (modelos de decisão)
Identificados o contexto e escopo do plano devemos definir o método para seu enfrentamento. De
acordo com esta estratégia isto pode ser feito refazendo-se as questões na ordem inversa:
(A) Para se fazer uma proposta ou propor uma mudança, é necessário saber comparar alternativas;
(B) Para comparar alternativas, é necessário simular seus impactos tendo como base determinadas
mudanças específicas;
(C) Para simular mudanças, é necessário especificar quais mudanças serão simuladas;
(D) Para especificar mudanças potenciais (se houverem), é preciso avaliar as condições atuais;
(E) Para avaliar a paisagem é preciso entender como ela funciona;
(F) Para entender como funciona a paisagem, é necessário um esquema capaz de descrevê-la e
representá-la.
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ANEXO III
Objetivos a serem levados em conta para o projeto de diferentes espaços que compõem um sistema de
espaços livres, segundo Spirn (Spirn, 1996):
Ecossistema Urbano
Cada novo sistema de espaços livres deve ser projetado de forma a usar o mínimo de energia e matéria-
prima, gerar o mínimo de resíduos e, sempre que possível, servir a vários propósitos.
Cada projeto deve portanto:
- procurar atender através do plano paisagístico, à diversidade de interesses e necessidades da
população;
- tratar da localização de cada área dentro do ecossistema urbano como um todo, incluindo sua relação
como os problemas mais críticos da cidade;
- responder às restrições e às disponibilidades do local e de sua vizinhança imediata, explorando os
aspectos microclimáticos, geológicos, hidrológicos e biológicos específicos;
- projetar os espaços livres para conservar energia e reduzir resíduos;
- estudar as correlações entre edificações e espaços livres, considerando sua localização e indicando qual
a configuração mais adequada para os empreendimentos;
- localizar e dimensionar os espaços livres garantindo sua necessária conexão com o sistema de espaços
livres existentes ou propostos na região;
- incentivar tanto a permanência nos locais como o uso de equipamentos adequados, tornando-os mais
“convidativos”;
- projetar encorajando o uso intensivo, como forma de minimizar o vandalismo, propiciando segurança
sem agressão visual;
- prever atividades de lazer ativo (lúdicas, culturais e folclóricas) para as áreas livres, valorizando a
herança cultural rica e diversificada da população.
Microclimáticos
Os espaços livres devem ser implantados e projetados de forma a se evitar impactos negativos sobre o
clima e a qualidade do ar nas áreas circundantes. Quando isto não for possível deve-se procurar mitigá-
los.
Os projetos devem:
- levar em consideração sua localização e os problemas críticos do clima e da qualidade do ar tanto na
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vizinhança imediata como na cidade;
- explorar os aspectos climáticos regionais (e urbanos) de forma otimizá-los na solução de problemas.
Geomorfológicos
Os espaços livres devem ser projetados de forma a prevenir ou minimizar os riscos geológicos para
conservar (ou restaurar) os recursos minerais e o solo.
Os projetos devem:
- tratar dos riscos e dos recursos geológicos que existem no terreno ou na vizinhança;
- localizar a vegetação e planejar sua implantação em fases, de modo a explorar os recursos minerais
locais;
- localizar a vegetação de forma a evitar ou mitigar os riscos geológicos;
- explorar as características geológicas distintivas do local.
Hidrológicos
Os espaços livres devem ser implantados e projetados de modo a prevenir ou mitigar as enchentes e
conservar (ou recuperar) os recursos hídricos.
Cada projeto deve:
- levar em consideração a relação entre o local do projeto e os problemas críticos da cidade: enchentes,
poluição e abastecimento de água, bem como riscos específicos e recursos disponíveis na área ou em
suas redondezas;
- projetar e dispor a vegetação de forma a que esta possa resistir aos danos causados pelas enchentes e
estocar águas;
- explorar a capacidade das coberturas, dos pisos, dos estacionamentos e do solo em geral, para reter ou
absorver o escoamento das águas pluviais;
- explorar as propriedades estéticas da água e não desperdiçá-la.
Vegetação
Cada novo espaço deve ser projetado para promover a sobrevivência das plantas tanto em seu interior
como em seu entorno, e deve ser acompanhado de um programa de manutenção apropriado a sua
função, a seu contexto e aos recursos orçamentários disponíveis.
O propósito de cada projeto deve ser:
- considerar a relação entre o local e os padrões gerais da vegetação na cidade, bem como os problemas
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potenciais da vegetação de seu entorno;
- explorar o habitat específico oferecido pelo local para aumentar a diversidade da vegetação;
- utilizar plantas que criem um microclima desejável, filtrem os poluentes do ar, estabilizem encostas e
solos sujeitos à erosão, absorvam as águas das cheias, filtrem os poluentes das águas e ainda, forneçam
abrigo e alimentação para a vida animal.