35
CAPITULO 8 Sociedade e Ambiente Autores: Dr. Jorge Hajime Oseki Dr. Paulo Renato Mesquita Pellegrino INDICE A Construção Social da Natureza pág.02 Dimensões da Paisagem pág.04 Ecologia: a mais social das ciências naturais pág.06 Percepção Ambiental: um olhar sobre a paisagem pág.11 Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem pág.13 Introdução ao Planejamento (ecológico) da Paisagem pág.16 Ecologia da Paisagem: estrutura, função e transformação pág.17 O Processo de Planejamento da Paisagem pág.18 Bibliografia pág.25 Anexo I pág.28 Anexo II pág.32 Anexo III pág.33

Sociedade e Ambiente - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo€¦ · Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem pág.13 Introdução ao Planejamento (ecológico)

Embed Size (px)

Citation preview

CAPITULO 8

Sociedade e Ambiente

Autores: Dr. Jorge Hajime Oseki

Dr. Paulo Renato Mesquita Pellegrino

INDICE

A Construção Social da Natureza pág.02

Dimensões da Paisagem pág.04

Ecologia: a mais social das ciências naturais pág.06

Percepção Ambiental: um olhar sobre a paisagem pág.11

Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem pág.13

Introdução ao Planejamento (ecológico) da Paisagem pág.16

Ecologia da Paisagem: estrutura, função e transformação pág.17

O Processo de Planejamento da Paisagem pág.18

Bibliografia pág.25

Anexo I pág.28

Anexo II pág.32

Anexo III pág.33

2

Sociedade e Ambiente

Dr. Jorge Hajime Oseki

Dr. Paulo Renato Mesquita Pellegrino

A construção social da Natureza

O desafio que se coloca aqui é o da possibilidade de planejar a natureza. Na realidade esta possibilidade

se situa entre duas grandes vertentes presentes atualmente no ideário científico e técnico moderno. A

primeira é a do desenvolvimentismo, onde o primado da razão técnica vem preconizando, a partir do

Iluminismo até a sociedade moderna, o domínio crescente do homem sobre a natureza, esta então se

resume à condição de matéria prima sobre a qual se baseia toda a produção e o desenvolvimento social.

A segunda, o conservacionismo, se explicitou mais recentemente, mas tem sua origem também no século

XVIII (em Malthus) e constata a finitude da natureza, isto é, que o crescimento da reprodução humana

em sociedade é maior do que a reposição necessária dos recursos naturais, o que obriga a humanidade a

um crescimento regulado e /ou à conservação de sua base natural.

Entre estas posturas há o interesse cada vez maior em se formular novos paradigmas que venham a

orientar um prática preocupada em conciliar tanto a intervenção sobre o espaço como a conservação

dos recursos naturais, interesse que se exacerba quando se trata de um país como o nosso que, por um

lado, é detentor de um patrimônio ambiental colossal em termos mundiais e que, por outro,

paradoxalmente, ainda se encontra em um estágio de desenvolvimento que exige urgência em seu

crescimento tecnológico e econômico, o que só poderá ser atingido com intervenções maciças sobre

seu território.

As preocupações de caráter “ambiental” recentes a nível mundial, começam a se esboçar nos anos 60, e

têm um momento de auge na década seguinte, com o famoso relatório elaborado por técnicos do

Massachusetts Institute of Technology (MIT) encomendado pelo Clube de Roma, grupo de intelectuais e

empresários internacionais preocupados com os destinos do mundo, “the Limits to Growth”, e a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 72 onde se explicita a diferença de posição

entre países industrializados que se preocupavam com as aspectos negativos sobre o planeta da

poluição nos centros urbanos e industriais e o Terceiro Mundo que pleiteava o crescimento econômico

como forma de equacionar seus problemas sociais. A partir daí são realizadas várias conferências

mundiais sistemáticas sobre o Destino da Terra (“Fate of the Earth”), conferências que se tornam bienais

a partir de 82, e que culminam com a elaboração do relatório da comissão Brundtland - comissão

mundial sobre o meio ambiente e o desenvolvimento - “Our Common Future”, apresentado à assembléia

geral da ONU em 1987. Neste relatório é oficializado o conceito de “desenvolvimento sustentável”

tentando conciliar necessidades sociais à conservação ambiental. Em junho do 92 tem lugar no Rio a

ECO 92 - conferência da ONU sobre o meio ambiente e o desenvolvimento / UNCED - onde são

3

discutidos vários documentos e firmados protocolos (entre estes a Agenda 21, a Declaração do Rio

sobre meio-ambiente e desenvolvimento, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção do Clima e a

declaração de princípios sobre florestas) todos em torno da questão da harmonia entre

desenvolvimento econômico e social e a capacidade de sustentação da terra (Mattes, 1997).

O Brasil apesar de sediar este evento tem ainda uma posição ambígua frente ao desenvolvimento

sustentável, ambigüidade esta que está presente desde a sua gênese, na década de 70, quando são

implementadas as primeiras políticas públicas em âmbito federal sobre o meio ambiente (com a criação

da SEMA - secretaria especial do meio ambiente - em 73) em meio a um desenvolvimentismo

avassalador. Na década de 80 o planejamento territorial (espacial) vai sofrer um processo de setorização

e de subordinação cada vez maior às determinantes da política econômica global, até que no início da

década de 90, as agências estatais de planejamento espacial são praticamente desmontadas ou

esvaziadas. Justamente nesta época a política ambiental está em seu auge solitário, com um crescimento

tanto como setor no aparelho estatal, frente a outros órgãos de política setorial federal, como na

profundidade das preocupações que passa a adotar, partindo de uma postura meramente ecologista

para a utilização de conceitos mais atuais de habitabilidade e de desenvolvimento sustentável (Moraes,

1994).

De qualquer maneira há mudança de paradigma e o planejamento territorial sob o risco de perder seu

estatuto privilegiado de ciência e prática da ordenação espacial, abandonou parcialmente a ótica da

planificação racional dos recursos produtivos no espaço em favor de uma certa consciência ecológica

na utilização dos recursos naturais (incluído-se aí o espaço). Da tecno-cracia caminhamos para a eco-

cracia.

Este novo paradigma foi detectado por Christian Topalov em sua comunicação feita na Conferência

Internacional de Pesquisas sobre Habitat, em Montréal, (1992) intitulada “Do Planejamento à Ecologia:

nascimento de um novo paradigma da ação sobre a cidade e o habitat?”, onde ele discute até que ponto

estas posturas iluministas são realmente excludentes já que ambas acreditam no “poder racionalizador

da ciência”, seja esta eco-nômica ou eco-lógica.

Recentemente em uma entrevista à revista Pós da FAUUSP (revista Pós n.9, no prelo) o atual secretário

do planejamento da prefeitura de São Paulo, arquiteto Jorge Wilheim, nos contou que o plano que

desenvolveu para a gestão da atual prefeita Marta Suplicy, que foi depois apelidado de “Belezura”, na

verdade se intitulava “Intervenção na Paisagem Urbana de São Paulo”, nesta mesma entrevista ele

revela também que em sua opinião, não se pode mais conceber o planejamento urbano desligado de sua

dimensão ambiental.

Parece então estar se gestando um novo paradigma, o do planejamento ambiental (também conhecido

como planejamento ecológico ou planejamento da paisagem), e sua decorrência, a arquitetura

4

sustentável, ecológica ou arquitetura da paisagem. Ainda que estes termos encerrem uma contradição

talvez insuperável, desde os gregos, entre o sujeito total - a sociedade - e o objeto total - a natureza.

Dimensões da Paisagem

Segundo Augustin Berque a paisagem é a expressão sensível de uma “mediância”. Esta por sua vez revela

o sentido da relação de uma sociedade com o seu meio-ambiente. As paisagens são tanto maneiras de

ser (produtos e projetos), como maneiras de ver (percepções sobre) os espaços produzidos (isto é, as

cidades e os campos historicamente formados).

As paisagens constituem-se em representações inventadas no século IV de nossa era, na China. Há

variantes em torno da palavra sansui - em leitura japonesa - que significa “montanhas e águas”, mas o

significado é quase sempre o mesmo e corresponde ao que entendemos por paisagem.

No Ocidente a palavra e a noção surgem na Europa, no Renascimento, agregando-se nas línguas

latinas, à palavra “país”, que significava cantão, região ou província, o sufixo “agem” (ação sobre). A

paisagem ocidental é fruto de transformações espaciais importantes nos campos e nas cidades ocorridas

em determinadas regiões européias (cujo exemplo mais significativo seria o da região toscana na Itália)

levadas a cabo por oligarquias urbanas formadas por comerciantes e banqueiros que transformaram

completamente seu país e sua paisagem.

Diferentemente da concepção oriental onde há harmonia intrínseca entre representação e representado

(ou melhor, entre contemplação e contemplado), no Ocidente, já cindido entre teoria (pensar) e prática

(fazer), a paisagem - ao mesmo tempo, uma representação e uma construção - corresponde também a

um despedaçamento da natureza. A modernidade européia cinde a natureza em dois modos

incompatíveis: aquele revelado pelos sentidos (pela arte) e aquele analisado pela razão (pelo método

científico) (Berque, 1998). A paisagem permanece nesse espaço intermediário entre a percepção e a

concepção. “A rigor a paisagem é apenas a porção da configuração territorial que é possível abarcar

com a visão” (Santos, 1997).

Para François Béguin há três interpretações significativas da paisagem: a dos artistas , a dos geógrafos e

a dos arquitetos.

No primeiro caso a pintura paisagística renascentista fornece à noção de paisagem seu primeiro

significado. No século XIX no Impressionismo, a pintura paisagística se alia à literatura e conhece um

impulso formidável, havendo reforço recíproco entre texto e ilustração.

No nosso caso conviria ressaltar também o papel das pinturas dos viajantes europeus nas expedições

exploratórias científicas no mesmo século, que nos deram uma primeira imagem (ainda que talvez

eurocêntrica) de nós mesmos, em nosso espaço.

5

A pintura longe de possuir apenas um caráter subjetivo refletindo estados transitórios da alma do

artista, é capaz de apreender realidades complexas em sua totalidade ainda que de maneira efêmera.

Consegue assim revelar aspectos singulares (temporais) de corpos, matérias, espaços e situações,

consistindo em um meio privilegiado de exploração do real porque documenta através dos sentimentos

e assim esclarece outras mediações que nos ligam aos fatos (ao real). A percepção capta potencialidades

virtuais em imagens reais de coisas reais. Em relação às paisagens, a arte pode servir como testemunho,

mas também ajuda a explorar devires possíveis do mundo que nos cerca, tornando patentes processos

que se encontram ainda latentes (Béguin, 1995).

A visão da Geografia nos instrui sobre realidades físicas, econômicas e técnicas expressas pelas

paisagens. No interior desta ciência entretanto, a palavra paisagem compreende desde uma acepção

imprecisa (e meramente visual) mas fértil em possibilidades de aplicação em vários campos do

conhecimento, até um conceito rigoroso de “geossistema” (a paisagem-objeto da ciência da paisagem

soviética) que se reduz ao resultado de um overlay de representações espaciais que condensam dados

técnicos: uma representação síntese de um sistema material bio-fisico-químico (Rougerie e

Beroutchachvili, 1991).

Alexandre von Humboldt considerava importante examinar as variações aparentes da anatomia

terrestre da mesma forma que os pintores enxergavam as paisagens. As paisagens foram no século

XVIII, meios para geógrafos e geólogos apreenderem unidades espaciais (regiões) onde relevo,

hidrografia e vegetação poderiam ser considerados globalmente de forma integrada.

No século XIX Vidal de La Blache e Demangeon ampliaram esta visão procurando encontrar as causas

que explicassem a fisionomia de uma dada região. Entre estas, em primeiro lugar, estariam as geológicas

e as climáticas, mas estas logo se revelariam insuficientes para explicar a paisagem, pois se a natureza

das terras e a localização das fontes de energia e de matéria prima, certamente induziam modos de

ocupação e exploração do meio, havia outros fatores intervenientes importantes, como a cultura e a

história (Berque, op. cit.).

Em seguida se invocou a ordem técnico-econômica como a verdadeira explicadora da região (expressa

pela paisagem) porque esta seria moldada em primeira instância, no capitalismo, por razões econômicas

gerais que determinariam e financiariam as opções de ocupação.

Com a mundialização dos mercados, a generalização das redes de trocas e a circulação exacerbada de

mercadorias, pessoas e capitais pelo território, as paisagens começam a perder seu valor informativo

tornando-se resíduos de regiões naturais entre regiões econômicas em um mundo globalizado.

Segundo Béguin (idem), entretanto, a paisagem permanece como uma espécie de memória onde se

registra e totaliza a história das atitudes do homem em relação à terra, o rosto que a superfície terrestre

6

oferece à observação, composto por um mosaico de traços de sistemas há muito abandonados, em

meio a testemunhos do estado atual da ocupação dos solos.

Para a visão da arquitetura, os edifícios são elementos centrais na definição das paisagens.

Na tradição da pintura paisagística pitoresca do século XVIII há já uma combinação estranha entre o

meio natural e os edifícios construídos pelo homem. Trata-se em geral de uma arquitetura rústica,

campestre e por vezes de ruínas da Antigüidade clássica que ajudam a compor as telas, dando-lhes um

caráter melancólico (Ibidem).

No século XIX começam despertar interesse as arquiteturas regionais, seguido de várias pesquisas

geográficas e etnográficas sobre os patrimônios arquitetônicos regionais. Nesta relação entre

construções e paisagens pode-se, primeiro, inferir uma qualidade intrínseca das construções em

caracterizar regiões, climas e tradições, já que são também “produzidas” pelo meio e se enraízam na

terra. Segundo, nelas está sempre presente uma sensação de atemporalidade, de valor seguro dos

edifícios, contrapondo-se à variabilidade do meio natural.

Ruskin (apud Béguin) insistia na necessidade de se conceber edifícios levando em consideração seu

efeito sobre a paisagem pois não haveria construções neutras: estas ou enriqueceriam ou deteriorariam a

paisagem. Esta posição só foi perseguida no Movimento Moderno de Arquitetura, por Frank Lloyd

Wright cujo testemunho principal permanece a casa de Edgar J. Kaufmann em Bear Run na

Pennsylvania, a Fallingwater (a casa da cascata) de 1935.

Para além das utopias futuristas e expressionistas com suas paisagens-máquina no espaço moderno, a

arquitetura moderna seguiu a tendência majoritária representada por Le Corbusier e a Bauhaus de se

produzirem industrialmente os espaços (cidades e campos), o que conduziu no segundo pós-guerra, ao

espaço homogeneizado, fragmentado e hierarquizado característico do modo de produção estatista

(Lefebvre, 1974)

Há entretanto ainda uma dimensão ecológica na paisagem, onde estas visões podem se interpenetrar.

Os ecossistemas seriam paisagens?

Ecologia: a mais social das ciências naturais

Segundo historiadores das ciências a Ecologia nasce da “economia da natureza” proposta por Carl von

Lineus em 1735, na Holanda, ampliando-se em seguida com a Biogeografia de von Humboldt - quando

estende seu alcance espacial a todo o planeta - e sobretudo com Charles que introduz uma concepção

dinâmica (e evolutiva) temporal. O termo entretanto, foi “inventado” por Ernst Haeckel em 18661 para

quem a Ecologia representava “a totalidade da ciência das relações de um organismo com seu meio-

1 Segundo Kormondy a palavra aparece pela primeira vez em uma correspondência privada do escritor americano Henry

7

ambiente, compreendendo todas as condições de sua existência em um sentido amplo” (Deléage, 1991).

Haeckel é contemporâneo de Marx e seu naturalismo contrasta com a confiança total no progresso

técnico deste último, isto é, no domínio crescente do homem sobre a natureza, base do

desenvolvimento das forças produtivas burguesas que acompanhará a crítica marxista à acumulação

capitalista (ver Schmidt, 19942). Esta separação entre homem e natureza, e o conseqüente

estabelecimento da superioridade do primeiro sobre a segunda, que às vezes se confunde com uma

hostilidade do homem em relação à natureza ou seu desprezo em relação às outras espécies animais,

teve início segundo White (1967), com a vitória do cristianismo ocidental sobre o paganismo3, e é bem

anterior portanto, ao Iluminismo.

Ciência moderna, central e centralizadora, aberta às sociedades humanas e às realidades da natureza, a

Ecologia não pode ser reduzida apenas a um ramo da Biologia, já que desde sua gênese há nos

conceitos utilizados, uma interpenetração de várias disciplinas (tanto ciências da natureza como ciências

da sociedade).

Assim, estão presentes conceitos da sociologia, pelo fato da ecologia vegetal se apresentar desde o

século XIX, como uma “sociologia das plantas”. Segundo Cowles, geólogo americano, estudioso do

lago de Michigan, em 1896, uma “sociedade vegetal /.../ constitui-se em um grupo de plantas vivendo

em conjunto, em um habitat comum, submetido às mesmas condições de vida” (citado por Deléage,

1991); conceitos da “economia na natureza” de Lineus4 - que estuda “a sábia disposição dos seres

naturais, instaurada pelo Criador, segundo a qual estes tenderão sempre a fins comuns e terão funções

recíprocas” (idem, 1991); as proposições da “geografia das plantas” (da Fitogeografia) de Humboldt,

que, a partir da observação científica em expedições ao Novo Mundo subvencionadas por soberanos

europeus e suas academias, na segunda metade do século XVIII, “considera os vegetais através das

relações entre eles em sua associação local em diferentes climas” (ibidem) e acima de tudo a

contribuição da física sobretudo da termodinâmica, a partir dos trabalhos de Linderman, onde o

conceito de balanço energético será indispensável à compreensão dos ecossistemas.

Patrick Geddes em 1885, no estudo “an Analysis of the Principles of Economics”, que foi antecedido

por Serge Podolonsky (em Le Socialisme et l’Unité des Forces Produtives, de 1880), desenvolve ensaios na

área conhecida como “economia ecológica”. Em uma reflexão original dentro da ecologia humana, com

conseqüências diretas inclusive dentro do planejamento urbano, Geddes detecta em uma matriz de

insumo / produto de tipo fisiocrata, um desperdício de recursos na produção industrial e estabelece

David Thoreau, poeta da vida selvagem e da natureza em estado virginal, em 1858 (Deléage, 1991) 2 Alfred Schmidt, Le Concept de Nature chez Marx, Paris: PUF, 1994, prefácio à edição francesa, p. 3 3 Lynn White, “The historical roots of our ecological crisis”, Science 155, n. 3767, 1967, citado por Deléage, 1991. 4 opondo-se à economia da natureza do fisiocrata Quesnay (no artigo “Grãos” na Enciclopédia de 1757), um dos

fundadores da economia política, para quem a agricultura é a base de toda a riqueza da sociedade (e portanto, a

8

uma nova matriz para a produção da sociedade incluindo aspectos físicos, geológicos, botânicos e

zoológicos como determinantes econômicos. Estabelece assim uma economia generalizada na

natureza, introduzindo pela primeira vez na ortodoxia econômica, o conceito de energia (cujo

consumo como ele demonstrava, vinha crescendo exponencialmente) como dimensão essencial do

processo econômico (Deléage, 1991).

Na China, o controle biológico é uma prática sistemática há mais de 2000 anos, como atesta por

exemplo, a utilização da formiga carnívora dos limoeiros (Oecophylla smaragdina) no combate aos

parasitas de tangerineiras. Esta técnica foi (re)descoberta pelo Ocidente no final do século XIX e a

razão essencial do crescimento do interesse pela entomologia aplicada foi de caráter econômico, já que

a generalização das viagens e das trocas intercontinentais havia levado a uma unificação ecológica do

mundo.

Os insetos atacavam todas as culturas, alguns eram portadores de vírus, micróbios e parasitas,

provocavam doenças nos homens (malária, febre amarela, doença do sono, etc.), nada mais natural

portanto, que fossem desenvolvidas pesquisas para compreender melhor sua ecologia e a dinâmica de

suas populações. Charles Elton, fundador da Ecologia Animal (!927), fez estudos sobre populações

animais na zona ártica, analisando as descontinuidades no tamanho e a abundância de espécies animais

ocupando uma mesma biocenose (‘vida em comum’, ou associação animal e vegetal equilibrada, conceito

desenvolvido por Möbius). Elton propõe a pirâmide de números e a definição de nichos ecológicos que serão

determinantes, vinte anos mais tarde, para a concepção de ecossistemas. Tais sistemas serão

finalmente definidos por Arthur Tansley em 1935 (em “the Use and Abuse of Vegetational Concepts

and Terms”), não como um dado bruto da natureza, mas como uma criação mental que nos permite

isolar um objeto para estudá-lo fora de seu universo. “A noção fundamental é /.../ a totalidade do

sistema (no mesmo sentido em que se fala de um sistema em física) incluindo não apenas o complexo

dos organismos, mas também todo o complexo dos fatores físicos formando o que se chama de meio

do bioma5, os fatores do habitat em um sentido amplo/.../ Os sistemas assim formados são do ponto de

vista do ecologista, as unidades de base da natureza na superfície da terra /.../ Estes ecossistemas, como

podemos denominá-los, oferecem uma grande diversidade de tipos e de dimensões” (citado por

Deléage, 1991).

Lindeman e Hutchinson são os responsáveis pelo desenvolvimento da abordagem trófica (baseada na

cadeia alimentar) da Ecologia, inaugurando o paradigma energético. Os processos vitais dependem em

sua maioria dos fluxos energéticos solares, o que os biólogos já haviam estudado em relação ao

metabolismo de organismos individuais. A extensão dos princípios da termodinâmica a um sistema

produção não poderia negar as leis da natureza), apud Deléage. 5 Segundo G. E. Hutchinson, os quatro biomas fundamentais terrestres são: as florestas, as terras cultivadas, as estepes e

9

representado por uma plantação de milho, elaborada por Edgar Transeau (em 1926), constitui-se na

primeira análise “eco-energética”. Em seguida, Juday e Birge (1940) em seus estudos limnológicos

(estudos sobre águas interiores: rios , lagos, etc.) ampliaram este enfoque para se avaliar o “orçamento

energético” de um sistema mais complexo (o lago Mendota). Lindeman retomou o problema

ampliando suas bases pois o conceito de energia seria capaz de introduzir na Ecologia novas noções

como produtividade, rendimento e nível trófico (Deléage, op. cit.).

A análise energética chega a seu apogeu entretanto, com os irmãos Eugene e Howard T. Odum (década

de 50) que utilizam a energia como matriz universal para a interpretação da economia das sociedades

humanas e do uso que fazem dos recursos naturais. Odum - Howard - propõe como princípio universal

o “princípio do máximo de potência” atribuído a Lotka (“os ecossistemas que possuem aptidões

particulares para a utilização da potência dos fluxos de energia são também os mais aptos para a

sobrevivência e a dominação”) (Deléage, 1991). Segundo ele tal princípio rege não só a dinâmica dos

sistemas ecológicos mas também o das civilizações humanas e a partir daí pode-se criar uma linguagem

simbólica que permita resolver qualquer configuração energética elementar que intervenha em sistemas

complexos. Retirada, perda, amplificação, reciclagem, troca, retroalimentação, ajuste, são processos que

interagem no interior das cadeias alimentares complexas dos ecossistemas. O modelo operacional

representa de um lado, os processos naturais - respiração de animais e de plantas, retirada de nutrientes,

fontes de energia - e de outro, os processos artificiais e sociais, como extrações, poluição, turismo,

transações monetárias, sem os quais não se poderia compreender a dinâmica evolutiva de ecossistemas

modificados pelas atividades humanas. Segundo Odum, esta modelização ecológica serviria para

representar o design (o projeto) comum dos sistemas do homem e da natureza.

A introdução de princípios energéticos permite uma melhor compreensão de um ecossistema mas a

generalização e popularização excessiva de uma teoria energética universal pode ser redutora da

realidade prática. A energia passa a substituir na Ecologia, o papel do dinheiro, como aconteceu na

Economia Política sua co-irmã, o de equivalente universal das trocas ecológicas. A representação

termoquímica dos ecossistemas abre perspectivas para a introdução da teoria dos sistemas (da análise

sistêmica) de Bertallanfy e para a abordagem economico-gestionária na Ecologia, que pretende otimizar

o bom uso das matérias-primas terrestres. Do ponto de vista de sua aplicabilidade em questões sociais

mais amplas, entretanto, esta perspectiva ou qualquer outro tipo de “holismo” tem se revelado

insuficiente.

As sociedades e os ecossistemas constituem-se em conjuntos vivos e interativos. Existe um tempo

ecológico na história que difere do tempo econômico, cultural e político. Não há correspondência entre

as temporalidades do meio-ambiente e a duração de vida dos indivíduos, das gerações e mesmo das

os desertos (apud Deléage, op. cit.)

10

civilizações. Os grandes ciclos fisico-químicos se desenvolvem segundo modalidades e restrições

temporais rígidas que pesam sobre o devir das sociedades. Para F. Braudel “o homem foi prisioneiro

por séculos do clima, da vegetação, da população animal, das culturas em um equilíbrio lentamente

construído, do qual ele não pode se afastar sob o risco de se desequilibrar” (citado por Deléage, 1991).

Não há reversibilidade na escala temporal natural, quando as temporalidades da história humana

ultrapassarem as temporalidades da história ecológica, certos limiares serão transpostos de maneira

definitiva, não havendo mais possibilidade de renovação de ecossistemas (caminhando-se em direção a

uma entropia crescente, segundo a concepção de Norbert Wiener): a humanização da natureza é um

processo irrevogável. Os longos tempos da natureza são “camadas de história lenta” (Braudel, citado

por Deléage), coexiste então uma especificidade do tempo ecológico, o peso histórico das restrições

que ele exerce sobre as sociedades e sobretudo, a irreversibilidade das acelerações e rupturas causadas

pela ação do “desenvolvimento” dos conjuntos humanos sobre os ecossistemas.

Estamos hoje presenciando fenômenos globais inquietantes de desequilíbrio entre sociedades e meio-

ambiente, tais como:

- rupturas de processos bioquímicos e ecológicos antigos, devido à deflorestação (agrícola e industrial) e

a outras práticas agrícolas e urbano-industriais predadoras de recursos limitados;

- perturbações climáticas, devido à desregulação e deslocamento de equilíbrios térmicos planetários pela

acumulação de gases na atmosfera (“efeito estufa”), através do consumo de combustíveis fósseis e da

destruição de florestas tropicais, e construção desenfreada de grandes represas hidroelétricas;

- permanência do crescimento demográfico, com taxas inquietantes tanto no Oriente como no

hemisfério Sul.

A urgência pela procura de novas alternativas tecnológicas e econômicas reais - e não ideológicas -

torna-se então evidente (desenvolvimento de tecnologias “doces ou neutras” - as tecnologias

ambientais- , possibilidade de sobrevivência de economias com crescimento zero ou de um “eco-

desenvolvimento”), assim como a proposição de novos princípios de “gestão ecológica”6 ou de uma

economia política da natureza e na natureza. Tal proposição entretanto não pode estar desvinculada da

emergência de uma cidadania ecológica (ou ambiental) planetária e de uma nova cultura para além da

fragmentação disciplinar das ciências do uso e da troca.

Félix Guattari propõe uma articulação etico-política (e afetiva), que ele chama de ecosofia, entre três

registros ecológicos: a ecologia ambiental, a ecologia das relações sociais e a ecologia da subjetividade.

6 Seria interessante introduzir aqui uma distinção importante entre dois níveis: o da ecologia e o do ecologismo (ou

entre o ecólogo e o ecologista), no primeiro caso, trata-se de uma postura científica quer se trate da ecologia “natural”

ou “social” e no segundo, de uma prática, de um projeto político de transformação cultural, social e econômica da

sociedade moderna (incluindo tanto o conservacionismo, como a ação dos chamados partidos verdes europeus)

11

A ecologia social consiste em desenvolver práticas que se propõem a (re)inventar modos de vida em

sociedade (no nível da família e do casal, da cidade e do trabalho) e a ecologia mental tem como

objetivo (re)introduzir o corpo, o sujeito, os mistérios da “vida e da morte” em territórios existenciais.

“A subjetividade /../ se instaura simultaneamente no mundo do meio-ambiente, no mundo dos

grandes Dispositivos sociais e institucionais e, simetricamente, no seio das paisagens e fantasmas que

habitam as esferas mais íntimas do indivíduo. A reconquista de um grau de autonomia criativa em um

domínio particular traz também conquistas em outros domínios” (Guattari, 1989).

A paisagem pode ser um revelador particular da relação entre seres humanos e ecossistemas, pois

corresponde a uma dimensão humana na natureza e ao mesmo tempo a uma dimensão natural na

sociedade, neste sentido pode servir de mediação para se apreender a natureza (externa e interna ao

homem), compreender a relação entre a sociedade e o ambiente (através de sua “mediância”),

desvendar possibilidades e sentidos sociais contidos no meio-ambiente e por isto mesmo, tornar-se

objeto de representação do projeto comum do homem com a natureza.

Percepção ambiental: um olhar sobre a paisagem

As paisagens construídas se defrontam com os usos que lhe são atribuídos pela sociedade. Como são ao

mesmo tempo produzidas socialmente e produtoras (indutoras) de práticas sociais dentro da sociedade

podem ser utilizadas no planejamento, no projeto e mesmo na gestão de espaços livres (em diferentes

escalas espaciais: local, regional e continental) o que lhes confere uma grande importância dentro do

planejamento urbano e regional, o que tem sido ignorado pelos órgãos responsáveis pela gestão do

território.

Se na construção dos espaços, pudesse simultaneamente ser estabelecido um processo de aprendizado

ambiental, de modo a alterar as condições de percepção que as comunidades têm do espaço em que

vivem, poderíamos esperar uma transformação nas técnicas de intervenção (utilização e apropriação)

destas comunidades sobre sua paisagem.

Com um conhecimento mais aprofundado do uso concreto que se faz do mundo real, é possível se

contextualizarem ações transformadoras das paisagens e conduzir a uma mudança de hábitos nocivos

ao meio-ambiente. Este processo traria uma mudança radical nos comportamentos que têm resultado

quase sempre na destruição das paisagens existentes e na construção de ambientes não-sustentáveis.

Estamos assistindo no momento da proposição de novos espaços, a uma exclusão metódica, planejada

e intencional, por parte de segmentos da sociedade, da paisagem historicamente produzida. Isto coloca

para o desenho da paisagem a necessidade de estabelecer alternativas que, procurando configurações

ambientalmente sustentáveis, encontrem formas de projeto que incluam as potencialidades da paisagem

original, nas diversas escalas. Expressa de forma inequívoca, a paisagem pode contribuir para que sejam

12

revelados os ciclos e os processos da natureza em sua interação com as atividades e os interesses

sociais.

Em São Paulo está se perdendo a noção de cidade, de urbanidade e de cidadania. Estes conceitos estão

sendo banalizados por agressões diárias aos espaços públicos, por um lado e, por outro, por um

consumismo exacerbado que se torna a única razão de ser da inserção dos indivíduos na sociedade e é

responsável pela procura por uma modernidade que tende a apagar da memória a antiga cidade,

produto de outras relações da sociedade com o seu território. Pontos de resistência de uma cidadania

atrofiada, podem ser encontrados em situações-limite, nos bairros, nas ruas ou em condomínios onde

parte da população se enclausura.

Esta anulação por parte da população, do espaço livre da cidade resulta em uma desvalorização de sua

paisagem e em uma crescente alienação ambiental no espaço urbano, trazendo como conseqüência a

impossibilidade de se pensar o espaço, a cidade e o ambiente como totalidades abertas ainda que

carregadas de conflito. Como resultado generaliza-se uma indiferença entre os habitantes e os espaços

cotidianos deteriorados7. Isto nos coloca frente a uma realidade urbana feia, agressiva e pouco segura,

que reflete a impotência da sociedade em enfrentar as questões socio-ambientais que ela própria cria.

Uma paisagem urbana com baixíssima “mediância”, segundo o conceito de Augustin Berque (Berque,

1997).

Em uma cultura onde se privilegia a circulação privada do automóvel (na proporção absurda de um

automóvel para cada dois habitantes) e onde os sistemas de transporte público se deterioram a cada dia,

ser pedestre torna-se um desafio de resistência diário. Um simples morador em São Paulo (sem falar

nos sem-tetos, mendigos e outros excluídos), ou mesmo quem passeia pela cidade, muito

provavelmente se vê incomodado com a dificuldade e o risco que representa a travessia da maioria das

ruas e avenidas na cidade.

A cidade se transforma no local do não-pertencimento, da desorientação, da repetição de padrões

preestabelecidos, vazio de referências arquitetônicas e urbanísticas tanto nas áreas centrais como nas

periferias, onde foram se apagando quaisquer vestígios de identidade histórica ou características da base

biofísica do sítio da cidade, elementos que poderiam servir de base para uma maior diferenciação

espacial.

Como resultado da quebra do liame social com a base natural, tem-se o agravamento da perda da

qualidade de vida urbana, com índices alarmantes de contaminação atmosférica no inverno e os efeitos

catastróficos das enchentes no verão, estas como resultado da ocupação indevida das várzeas dos rios e

7 Isto se revela inclusive, nas situações mais corriqueiras, como na aceitação da falta do acesso universal, seja em

calçadas sem manutenção, seja em bairros privilegiados de alta renda, onde o direito de circulação das pessoas idosas,

dos deficientes ou das crianças também é restringido.

13

da impermeabilização abusiva do solo comprometendo a drenagem da bacia hidrológica da cidade.

O isolamento da cidade de sua paisagem original e apropriada, é também responsável em São Paulo,

por uma crescente desvantagem frente a outros grandes centros de decisão e de serviços que possuem

melhor qualidade ambiental (como o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Buenos Aires para ficarmos apenas

na área do Mercosul) e mesmo que a cidade já venha perdendo seu ritmo de crescimento8, um anel

externo de cidades periféricas continua a se expandir, a partir do mesmo modelo irradiado, às vezes

porém, com uma maior precariedade maior, quando se assenta sobre condições fisiográficas ainda mais

delicadas.

Seria apenas a confirmação do fato apontado por Lévi-Strauss como inerente às cidades americanas, de

que São Paulo passaria do crescimento à decadência sem conhecer o apogeu? Ou seria fruto de nossa

incapacidade em oferecermos - em um pais com uma quantidade de recursos naturais considerável mas

que precisa ainda prosseguir na modernização da produção - projetos com alternativas reais para um

desenho ambientalmente sustentável?

A partir da previsibilidade da evolução de determinadas condições ambientais, quais as atitudes

projetuais que poderiam ser tomadas para se evitar situações caóticas como as que estamos

presenciando? E, dentro de um amplo espectro de possibilidades, qual o grau de complexidade que os

projetos devem possuir para atingir uma compreensão da paisagem como uma rede de relações sociais

e naturais em permanente movimento e sugerir modelos capazes de ampliar a percepção ambiental dos

usuários concorrendo para que estes assumam sua real condição de cidadania ambiental?

Para além do paisagismo tradicional: Semiologia e Ecologia da Paisagem

A dinâmica social, econômica e cultural do país exige reformulações conceituais que devem se traduzir

em alterações na prática de projeto das cidades. Esta mudança de paradigmas nos quais se apóia esta

prática, requer entretanto, a introdução de novos conceitos e métodos e a superação da visão que reduz

o projeto paisagístico a um projeto de jardim, praça ou parque, que emoldura edifícios, desenho de um

espaço de caráter complementar, composto de pisos, plantas, tanques e bancos, reproduzindo fórmulas

determinadas e restritas.

Estas antigas respostas projetuais têm se mostrado insuficientes no estabelecimento de padrões de

estruturação de um sistema de espaços livres urbanos, onde se impõe, cada vez mais, questões relativas

à paisagem e sua dimensão ambiental. Uma paisagem cuja (re)qualificação seria decorrência de um

processo de construção de lugares - espaços da união dos homens pela cooperação na diferença,

segundo Milton Santos (Santos, 1994).

Devido a nossas complexas e crescentes necessidades sociais e culturais, os modelos tradicionais de

14

parques, praças e jardins, já não se mostram mais adequados pois existem novas funções para estes

espaços livres. A adequação a estas funções faz parte de uma linha de investigação sobre as paisagens

que deverá estudar as potencialidades em presença e propor uma atividade projetual na paisagem que

supere o seu caráter arbitrário e passe a informar e formar na população um juízo perceptivo sobre sua

identidade urbana.

Uma resposta plausível a estas questões terá que passar pelo entendimento das relações entre cultura e

natureza, e do lugar da natureza na produção social do espaço urbano. A maioria dos parques e praças

tem sido vistos através de um modelo olmstediano9 de uma paisagem pastoral do século XIX, disposta

em um contexto urbano moderno.

Os espaços livres têm um valor simbólico, configurado naquilo que é específico de um lugar, o que,

dentro de uma cultura globalizada, pode transformá-los em espaços capazes de subverter a segregação

social crescente10. São os lugares por excelência das intervenções capazes de conciliar questões

ambientais e sociais que se apresentam como contraditórias. Precisamos ter em mente a possibilidade

de criação de um ambiente que enriqueça nossa vida cultural, redefina nossa ligação com a natureza e

represente um outro modo de conceber os espaços livres: como um processo de socialização de

espaços naturais e de (re) naturação dos espaços sociais.

A necessidade de requalificação das áreas urbanas centrais bem como de desenho de novos centros -

sociais, culturais e lúdicos - nas periferias, pode significar uma carência por uma maior variedade de

experiências visuais e espaciais, contrarrestando a crescente homogeneidade de nossa vida urbana, onde

a reprodução de “paisagens-clones”, independente da região ou zona ecológica em se situem, intensifica

o processo de alienação ambiental.

Este enfoque propõe uma escolha entre diversas alternativas ambientalmente informadas tendo como

premissa uma ampliação constante do repertório dos usuários. A partir de escolhas que revelem as reais

condições de uma intervenção pode-se romper com os hábitos que obscurecem a percepção e limitam a

leitura e a interpretação da paisagem.

Os objetivos, portanto, para a definição de um sistema de espaços livres deve responder ao desafio

colocado pela crise ambiental atual, isto é, ajudar a cidade a construir uma relação sustentável com as

águas, com o ar, com o clima, com o relevo, com a vegetação nativa e com os demais aspectos do

ecossistema.

Planejar nesse sentido é possibilitar a identificação da população com sua paisagem original e

8 Isto entretanto poderá ser revertido já que vem sendo detectado um processo de (re)industrialização em São Paulo. 9 de Frederick Law Olmsted, fundador da profissão de arquiteto-paisagista nos EUA, no século XIX, e criador do

Central Park em Nova Iorque (1858). 10 o que pode ser percebido ainda que de forma tímida no parque Ibirapuera, em São Paulo, local preferido pela

15

historicamente apropriada, transformando a arquitetura paisagística em um instrumento capaz de

realizar esta inter-relação, através de práticas de (re)introdução na paisagem de elementos capazes de

superar a oposição entre usos sociais e conservação ambiental de modo a (re)unir a cidade a seu

ambiente.

É este, portanto, um dos desafios que se coloca para a atividade de planejamento e projeto da paisagem:

a partir deste conjunto de paisagens que constituem nossa realidade urbana, reverter o processo

alienação da população tanto em relação ao espaço da cidade como de sua base natural e revelar as

potencialidades da paisagem como promotora da consciência ecológica e catalisadora de uma cidadania

ambiental.

A leitura da paisagem original - dos seus ecossistemas e dos recursos naturais que abrigam e que

deveriam garantir a qualidade de vida dos moradores - torna-se muito difícil dentro de áreas urbanas

totalmente artificiais. Este estado de coisas pode ajudar a explicar porque chegamos ao ponto de

imaginarmos que apenas gramados, árvores ornamentais e lagos artificiais constituem a presença do

natural dentro do urbano.

De acordo com a visão comum, a verdadeira natureza começa onde a cidade acaba, como se houvesse

um limite intransponível entre paisagem cultural e paisagem natural (como nos mapas, as manchas

pintadas de vermelho ou de verde representando áreas estanques), ou seja: a natureza é vista como o

oposto da cidade, como sua inimiga...

Este modo de pensar tem várias implicações, políticos e técnicos pensam que respeitar a ecologia

significa criar reservas naturais próximas à cidade; arquitetos opõem à natureza selvagem irracional, um

ambiente ‘natural’ cuidadosamente desenhado e logicizado; ecólogos e ambientalistas defendem a

natureza contra qualquer uso humano (antrópico).

Neste discurso a “ecologia” trata apenas de uma “natureza”, aquela de áreas protegidas e de espécies

animais selvagens, conduzindo a um planejamento operacional destas áreas que devem portanto ser

desapropriadas e protegidas e recursos orçamentários destinados a sua manutenção. Espécies selvagens

podem ser defendidas por medidas específicas, propostas por especialistas trabalhando em

departamentos próprios. A divisão do trabalho é clara, cada setor da gestão pública e do conhecimento

técnico e científico tem especialistas que defendem seus territórios. Assim, neste contexto, a “natureza”

faz parte de um mundo separado espacial e funcionalmente do mundo social e urbano.

Esta separação de funções, no entanto, não corresponde à realidade da interdependência existente entre

os diversos elementos que compõem o ambiente humano (e urbano). Proteger “ilhas” de natureza em

uma paisagem altamente transformada não é um enfoque sustentável, afinal não pode haver cercas ou

população paulistana de várias classes sociais.

16

muros contra a poluição do ar ou para conter a poluição dos lençóis freáticos.

Apesar da nossa vontade, a natureza age no interior das cidades. A drenagem das águas das chuvas, as

“ilhas” de calor, a estabilidade dos solos, o subsolo (que condiciona tanto as fundações dos edifícios

como as demais infraestruturas subterrâneas), o crescimento das árvores, o fluxo dos rios, todos estes

processos atuam simultaneamente dentro das cidades. Desta maneira, o planejamento ambiental deve

necessariamente considerar todos estes processos biofísicos básicos que estruturam o desenvolvimento

urbano.

Precisamos de uma estratégia que considere a (re)inserção destes processos que sustentam a paisagem e

defina projetos sustentáveis para os espaços livres, a partir do relacionamento que estes estabelecem

com a cidade e com a região. O planejador deve encontrar formas que permitam à paisagem fazer parte

do autoconhecimento de seus usuários e da relação destes com o meio-ambiente incorporando

diretrizes ambientalmente desejáveis para a melhoria da habitabilidade da cidade, de sua

sustentabilidade e de sua imagem. Um planejamento ecológico da paisagem pode fornecer as

ferramentas para se alcançar uma integração melhor entre sociedade e natureza, de forma que ambas

venham a prosperar no futuro.

Introdução ao Planejamento (ecológico) da Paisagem

Planejamento ambiental e paisagístico pode significar várias coisas para técnicos de diferentes áreas,

portanto é necessário fazer aqui alguns esclarecimentos iniciais.

Consideramos planejamento a programação do uso dos recursos físicos e humanos pela sociedade,

integrando o conhecimento técnico e científico de modo a fornecer subsídios para a escolha de opções

sobre alternativas futuras para a utilização dos espaços.

Paisagem aqui refere-se ao local onde se desenvolvem em uma escala perceptível, processos humanos e

naturais.

As paisagens se transformam inevitavelmente, seja devido a processos naturais seja pela ação humana.

Estas mudanças podem levar a uma maior ou menor estabilidade dos ecossistemas.

A combinação dos fatores naturais e culturais que criam a paisagem, define elementos visíveis como

campos, matas, lagos, rios e cidades. Estes elementos por sua vez, e a forma como são utilizados, são

também reflexo da cultura dos habitantes. A atividade de planejamento da paisagem baseada em

princípios conservacionistas, implica em uma tomada de decisões sobre soluções espaciais capazes de gerar

mudanças em elementos da paisagem de forma a compatibilizar as intervenções humanas com a

capacidade dos ecossistemas de absorverem os impactos advindos destas atividades previsíveis e manter

uma maior integridade possível nos processos e ciclos vitais que ocorrem em seu interior, tendo sempre

como referência o contexto regional em que se situam.

17

O uso racional e sustentado da paisagem significa, portanto, o melhor uso possível considerando-se a

totalidade dos aspectos que condicionam a conservação dos recursos ambientais, ou seja, reconhecer-se

a necessidade de proteção tanto de recursos naturais como culturais de forma que o atendimento de

necessidades do presente não esgote a capacidade das futuras gerações de atenderem suas próprias

necessidades.

Ecologia da Paisagem: estrutura, função e transformação

Partindo do pressuposto que a pesquisa científica socio-ambiental aplicada à intervenção sustentável e à

conservação da sócio e da biodiversidade, deve se utilizar da representação espacial, a Ecologia da

Paisagem oferece um conjunto de princípios capazes de serem utilizados no planejamento de paisagens

(e regiões). Nas últimas décadas se tornou em uma ferramenta importante para planejadores e

arquitetos-paisagistas no manuseio das informações coletadas em várias áreas do conhecimento, a

respeito de uma determinada área, e na análise e interpretação destes dados, para o subsídio de

proposições. Constitui-se portanto, em uma linguagem espacial que permite a comunicação entre

diversas disciplinas e entre técnicos e administradores.

Para o entendimento das relações que os diversos elementos de um mosaico de paisagens estabelecem

entre si, a Ecologia da Paisagem estabelece um conjunto básico de princípios que podem assim ser

sumarizados:

- A Ecologia da Paisagem pode ter como objeto qualquer mosaico paisagístico, desde áreas urbanas a

áreas agrícolas, desertos e florestas. Ela se aplica portanto, tanto a áreas “naturais” quanto a áreas que

revelam uma intensa atividade humana.

- Como sistemas que contém seres vivos em abundância e em evolução, as paisagens apresentam três

características principais: estrutura, função e mudança.

- Estrutura da paisagem é o padrão espacial ou o arranjo de elementos paisagísticos;

- Função é o movimento de animais, de plantas, da água, do vento, etc. enfim o fluxo de toda

matéria e energia através da estrutura;

- Mudança consiste na dinâmica da paisagem ou sejam em alterações tanto de seu padrão

espacial como de sua função, através do tempo.

- Todo padrão estrutural de uma paisagem ou região é composto por três tipos de elementos – manchas,

corredores e matrizes – que servem para comparar paisagens distintas e para detectar princípios gerais.

Servem também para o planejamento do uso do solo e para a arquitetura paisagística, já que um padrão

espacial controla quase que totalmente os movimentos, os fluxos e as mudanças dos ambientes.

A concisão desta linguagem espacial torna-se evidente ao constatarmos que toda a variedade de

18

mosaicos paisagísticos existentes sobre a superfície terrestre pode resultar da combinação entre aqueles

elementos. A variedade encontrada na distribuição dos elementos que compõem as paisagens terrestres

resulta da heterogeneidade dos substratos, das alterações naturais e da atividade humana.

Tanto quanto as atividades humanas, os processos naturais transformam as paisagens e muitos

processos espaciais como a fragmentação, a perfuração, a dissecação, a diminuição, o atrito e a

coalescência, por exemplo, tornam-se mais evidentes quando se efetua uma análise temporal. Cada um

desses processos espaciais entretanto, apresenta implicações sociais e ecológicas diversas, como o

aumento ou diminuição da biodiversidade ou a efetivação ou negação dos ciclos naturais.

Tendo estes processos espaciais como referência, os atributos-chave de cada um dos elementos da

paisagem podem ser avaliados da seguinte maneira:

- As manchas são grandes ou pequenas? redondas ou alongadas? lisas ou recortadas? poucas ou

numerosas? isoladas ou agrupadas? etc..

- Os corredores são largos ou estreitos? retos ou curvilíneos? contínuos ou descontínuos? etc..

- A matriz é única ou subdividida? Variada ou homogênea? Contínua ou perfurada? etc..

Em escala local, uma transformação na configuração de um mosaico, seja por exemplo, a introdução de

um renque de árvores, a criação de um açude, a construção de uma estrada ou de algumas edificações,

mudará o seu funcionamento. Animais têm sua rota alterada, o fluxo das águas se redireciona, a

condição de erosão do solo se altera, as pessoas passam a se mover diferentemente, etc.. Todas estas

transformações podem causar mudanças ainda maiores nas áreas adjacentes.

Manter, remover ou introduzir elementos na paisagem é uma forma de gestão que os planejadores e

arquitetos paisagistas passam a ter para transformar a estrutura e o funcionamento de um mosaico de

paisagens.

A previsão e avaliação dos impactos causados pelo rearranjo dos elementos que compõem uma

paisagem, permitirá a implantação de políticas de uso e ocupação do solo que, reduzindo a

fragmentação e a degradação destes, assegurará uma certa estabilidade a longo prazo.

Para a criação de ambientes sustentáveis, uma estratégia básica deve ser a de procurar que as

configurações previstas em um mosaico de paisagens atendam aos princípios de concentração de usos

diversos, conexão entre manchas e matrizes e conservação de recursos ambientais.

O processo de Planejamento da Paisagem

Os desafios do planejamento, do projeto e da posterior gestão de uma paisagem não são superados

tendo-se apenas uma visão espacial e temporal ampla da área, mas enfrentando as principais questões

sociais e ambientais presentes. Abastecimento de água, drenagem da água, saneamento básico, sistemas

19

de transporte e circulação de pessoas e mercadorias, preservação conjunta da sócio e da biodiversidade,

recursos paisagísticos, determinantes econômicas, desigualdades sociais, relações socio-culturais e

comunitárias são fatores essenciais a serem considerados. Para que os planos atendam adequadamente a

estas questões, deve-se contar com uma ampla gama de conhecimentos técnicos específicos.

A prática corrente no desenvolvimento de planos para uma área, é se trabalhar com um especialista, ou

um grupo de especialistas, com enfoques específicos. Apoiando-se nos princípios da Ecologia da

Paisagem, pode-se, ao contrário, integrar esquematicamente as diversas dimensões contidas na

paisagem (cultural, estética, socio-econômica, ambiental) explicitando-as espacialmente.

No entanto, nenhuma versão definitiva desta abordagem está disponível para a aplicação imediata no

planejamento (projeto) e na gestão (intervenção, apropriação ou conservação) espacial e ambiental.

Estes princípios entretanto, oferecem um esboço de teoria e evidências empíricas para o entendimento

e comparação de diferentes configurações espaciais e também possibilita o enfrentamento das questões

centrais suscitadas pela procura do arranjo ótimo do uso do solo em uma paisagem.

A partir do modelo conceitual da Ecologia da Paisagem, o projeto de uma alternativa espacial deve,

segundo Forman (Forman, 1997), contemplar três aspectos:

I - Determinação de padrões indispensáveis, constituídos por quatro componentes que se constituem

em prioridade máxima de um plano, porque trazem benefícios ecológicos insubstituíveis:

(a) Manutenção de grandes manchas de vegetação original

Alguns dos benefícios oferecidos por esta solução: proteção da qualidade da água em aqüiferos e

corpos d’água; conexão da rede subterrânea dos cursos d’água; habitat para espécies no interior das

manchas; habitats de áreas core e refúgio para espécies de ampla distribuição; centro de dispersão de

espécies; riqueza de habitats para espécies especialistas; regime de instabilidade ambiental semelhante

aos ciclos dos grandes domínios morfoclimáticos; áreas de proteção contra a extinção de espécies

devido a mudanças ambientais, etc.

Teoricamente uma paisagem “ótima” possui grandes manchas, complementadas por pequenas manchas

distribuídas através da matriz, já que grandes manchas trazem grandes benefícios e pequenas manchas,

pequenos benefícios suplementares.

Qualquer política de uso do solo ocasiona paisagens com pequenas manchas. As grandes manchas por

outro lado, tendem a ser subdivididas em pequenas, em um processo até visivelmente constatável. Para

se manter os benefícios sociais das grandes manchas de vegetação há necessidade portanto, de medidas

efetivas de planejamento e proteção.

Existirá um tamanho ótimo, um mínimo e um máximo para as manchas? Provavelmente existirão

20

limiares através dos quais podemos basear nossas decisões, mas isto permanece indefinido. Os efeitos

ecológicos de uma mancha grande, comparados àqueles de diversas manchas pequenas, dependerão da

biodiversidade que se quer manter, da produtividade da biomassa, das condições de erosão, das

recargas do ciclo hidrológico, etc..

(b) Corredores suficientemente largos de vegetação original ao longo dos principais cursos d’água

Quase todos os recursos naturais e atividades humanas numa paisagem dependem dos rios e do sistema

de drenagem das águas superficiais. Um corredor ao longo de um rio constitui-se em uma faixa de

vegetação que acompanha o curso d’água. O corredor pode apenas incluir o curso d’água e as margens

adjacentes ou pode ser suficientemente largo e incluir a planície aluvial, suas encostas e as faixas de

terras altas limítrofes. A vegetação ciliar geralmente se refere à vegetação junto aos cursos d’água em

planícies aluviais ou na área de inundação do rio.

A vegetação ao longo de um rio atende a quatro importantes funções ecológicas: (i) minimização das

enchentes a jusante através do efeito esponja e das altas taxas de evapotranspiração; (ii) controle do

assoreamento já que possibilita a retenção de sedimentos; (iii) constituir-se em fonte de matéria

orgânica para peixes e demais organismos fluviais e (iv) servir como habitat para muitas espécies de

fauna.

Qual deve ser a largura de um corredor ao longo de um rio? Este deveria ser o problema mais

recorrente a ser considerado no planejamento. Nestes casos recomenda-se seguir três passos para se

delinear uma solução: (i) definir os processos ou funções ecológicas-chave desempenhadas pelo

corredor; (ii) classificar os tipos básicos de cursos d’água desde as cabeceiras até a foz, baseando-se nas

estruturas espaciais existentes no corredor e (iii) determinar a largura requerida para cada tipo de curso

d’água para associar os processos ecológicos mais frágeis à estrutura espacial.

É importante a presença de corredores contínuos? O efeito do tamanho e do número de interrupções

ao longo dos corredores dependerá da combinação entre as condicionantes espaciais do relevo, os

processos ecológicos mais frágeis e a zona climática em que eles estão inseridos.

(c) Manutenção do contato entre as grandes manchas para o fluxo de espécies-chave.

A melhor solução espacial para a movimentação de espécies entre manchas maiores é o

estabelecimento de corredores contínuos com largura suficiente, formando uma rede de corredores verdes.

A segunda melhor alternativa é um conjunto de pequenas manchas, desde que a matriz intermediária não

seja completamente imprópria para aquele fluxo.

Dependendo de suas características (se forem contínuos, formados por conjuntos ou linhas de

manchas, configurar um gradiente ou forem interrompidos) os corredores podem permitir tanto

21

conexões altas, baixas, médias ou desprezíveis.

Os corredores possuem cinco funções principais em uma paisagem:

(i) constituem-se em habitats ;

(ii) permitem fluxos em seu interior ou ao longo de seu eixo;

(iii) servem como filtro ou barreira com permeabilidades variáveis, controlando a velocidade e a

intensidade dos fluxos transversais e longitudinais;

(iv) fonte ou origem de recursos;

(v) local para contenção ou saída de recursos

Os corredores verdes (water and greenery networks) junto às áreas urbanas têm várias utilidades: protegem a

biodiversidade; constituem-se em rotas de dispersão de espécies, minorando impactos advindos de

mudanças climáticas; permitem o controle adequado dos recursos hídricos; melhoram as condições de

conservação do solo controlando erosão e prevenindo a desertificação (que ocorre tanto em zonas

urbanas como rurais); abrigam atividades recreacionais, tais como a caça, a pesca, as caminhadas, os

esportes náuticos, etc. e promovem uma maior coesão social entre as comunidades reforçando sua

identidade espacial

(d) Manutenção de fragmentos naturais heterogêneos no meio das áreas construídas

Este recurso possibilita o fluxo de grande parte das espécies animais por todas as partes da paisagem.

Também tem a função de interromper áreas extensivas de uma matriz sujeita à erosão eólica, a “ilhas”

de calor e a outros processos de degradação ambiental.

Esta função é atingida efetivamente através da manutenção e da restauração de pequenas manchas

heterogêneas de vegetação nativa e de uma rede de corredores lineares. Esta heterogeneidade de

situações deve incluir espécies e habitats dispersos por toda a matriz. Enquanto grandes áreas protegem

muitas espécies, a sobrevivência de outras espécies depende também da gestão do uso do solo em áreas

vizinhas.

II - Utilização de um modelo de agregação através de anexos (áreas periféricas) constitui-se em uma

maneira eficaz para harmonizar diferentes usos do solo

Qual é a melhor distribuição dos usos do solo numa paisagem? Para responder a esta questão, este

modelo (cuja função não é apenas a de descrever a complexidade de qualquer paisagem real) determina

como se deve procurar compatibilizar usos do solo, mantendo-se ao mesmo tempo corredores e

pequenas manchas naturais através das áreas construídas, bem como a manutenção de pequenas áreas

periféricas anexas de espaços construídos distribuídas ao longo dos limites principais das manchas e

22

corredores naturais.

Sete dos principais atributos ecológicos da paisagem poderão ser incorporados a este modelo:

- presença de manchas grandes de vegetação nativa. Como já foi brevemente exposto;

- influência da qualidade da granulação. A granulação de um mosaico de paisagens consiste no diâmetro ou

na área média das manchas numa paisagem, se esta granulação for grossa ou fina, afetará de forma

diferenciada fatores ecológicos;

- redução de risco. O risco de extinção, ou perda de diversidade, pode aumentar em situações em que

todos os indivíduos de uma espécie estejam numa única mancha;

- manutenção de alta variabilidade genética. Importante por permitir ajustes e defesa das espécies face a

alterações ambientais;

- criação de zonas de contato. Algumas áreas entre os usos de solo, incluindo as bordas das manchas

maiores são adequadas para se constituir em áreas anexas (outliers) construídas já que estas áreas não

ocasionarão perfurações excessivas, nem grandes degradações nas grandes manchas verdes, podendo

servir para auxiliar na preservação da sua qualidade. A sinuosidade dos limites das zonas de contato

reduz o efeito aparente de barreira dos limites retilíneos, por reproduzirem melhor situações naturais;

- presença de pequenos fragmentos de vegetação nativa;

- eficiência de corredores. Além dos naturais, já descritos, corredores compostos por diversos usos do solo

são utilizados para a circulação de pessoas e mercadorias e são eficientes na inter-relação entre os

diversos usos do solo, como concentram o movimento, minimizam fluxos indesejáveis através das

grandes manchas.

Além destes benefícios ecológicos, este modelo oferece também vantagens diretas no desenho de

assentamentos humanos:

- amplia a gama de possibilidades espaciais,

- indica localizações adequadas para edificações (por exemplo, edificações rurais e casas de campo);

- define os melhores locais para trabalho, moradia, serviços e comércio;

- torna mais eficiente a circulação intraurbana e a comunicação entre cidades ao longo de corredores;

- impede conurbações através da criação de cinturões verdes e valoriza a identidade das comunidades

locais com a utilização de vegetação nativa;

- agrega áreas construídas especializadas;

- cria sistemas de espaços livres verdes urbanos;

23

- prevê grandes manchas vegetais que possibilitam uma extração mais eficiente e menos predatória dos

recursos;

- limita as dificuldades decorrentes do isolamento das propriedades rurais;

- promove uma diversidade visual pela utilização da variação na granulação de manchas na paisagem.

III - Definição de pontos estratégicos, aspectos únicos que tendem a ser pontos de abastecimento e de

escoamento especialmente importantes, são também localizações de significado excepcional e duradouro

numa paisagem. Tendo sido estabelecida a estrutura espacial para toda a paisagem, algumas localizações

estratégicas em seu interior podem ser determinadas a partir dos seguintes critérios:

- Proteger áreas com maior riqueza de espécies, medida importante para a conservação da biodiversidade na

paisagem;

- Os grandes nós das redes espaciais urbanas têm importância especial por causa da possibilidade que

oferecem de conectar setores diversos;

- A dimensão e a quantidade das interrupções nos principais corredores são elementos estratégicos pois

podem bloquear movimentos através de um corredor e devem merecer especial atenção no

planejamento ambiental;

- Os fluxos entre áreas similares são críticos porque afetam muitos elementos na paisagem;

- A proteção de elementos com alta sensibilidade a impactos humanos é vital pois estes serão responsáveis pela

permanência da estabilidade de uma paisagem.

Priorizar pontos estratégicos permite um controle efetivo sobre os fluxos (e sobre o funcionamento da

paisagem), pode também se constituir em uma forma de proteção contra influências indesejáveis do

meio externo.

Estes pontos são indispensáveis para a conservação e a gestão de um ambiente, pois têm um amplo

impacto sobre a paisagem e possuem um caráter excepcional como instrumentos para o planejador.

Para o enfrentamento das questões aqui esboçadas, podem ser estabelecidas as seguintes etapas dentro

de um processo global de planejamento:

ETAPA 01 - Relação entre as áreas livres e a cidade

Dentro do universo de pesquisa estudado, esta etapa visa estabelecer uma contextualização do conjunto

de espaços livres, em várias situações, que permitirá definir melhor as hipóteses preliminares.

ETAPA 02 - Levantamento de dados

Esta etapa corresponde à identificação e à coleta de dados relevantes para a elaboração da análise e da

interpretação. Concomitante à etapa anterior, e baseando-se em planos, projetos e estudos existentes

24

(dados secundários), serão ordenados os dados primários necessários para a representação dos

exemplos selecionados nas várias situações, de acordo as características e os usos dos espaços livres

ETAPA 03 - Estrutura, função e dinâmica da paisagem

Este momento da análise relaciona o suporte biofísico e o espaço construído, com a elaboração

detalhada de um modelo estrutural de espaços livres selecionados quanto a sua distribuição, ao padrão

dos seus elementos constitutivos, à identificação dos papéis que desempenham e a sua inserção na

dinâmica ambiental. Esta etapa corresponde à determinação das categorias de espaços livres (isto é, sua

classificação) em relação ao ambiente urbano em que estão inseridos.

ETAPA 04 - Dimensão ambiental da paisagem

Nesta etapa conclusiva do trabalho estabelece-se um conjunto de categorias que propiciam uma

interpretação capaz de informar as transformações ambientais, configurando uma nova paisagem

possível.

25

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Randall G. Conservation Design for Subdivisions: a practical guide to creating open space

networks Washington: Island Press, 1996

ARENDT, R. G. et al. Dealing with Change in the Connecticut River Valley: a design manual for

conservation and development Cambridge, Mass.: Lincoln Institute of Land Policy, 1989

BÉGUIN, François Le Paysage Paris: Flammarion, 1995

BERQUE, Augustin “Le Sens de la Rivière: nature et simulacres à Tôkyô, fin de siècle” in La Maîtrise

de de la Ville: urbanité française, urbanité nippone Berque, A. (dir.), Paris:École des Hautes Études en

Sciences Sociales, 1994

BERQUE, A. “La forme de Tôkyô: parler du paysage, c’est le faire in Ligéia, n. 19 / 20, Paris, out 96

/ jun 97

BERQUE, A. “À l’Origine du Paysage” in Les Carnets du Paysage n. 1, printemps 1998, Arles /

Toulouse: Actes Sud / ENSP

DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira São Paulo: Cia.

das Letras, 1996

DELÉAGE, Jean - P. Une Histoire de l’Écologie Paris: La Découverte, 1991

DRAMSTAD, Wenche E.; OLSON, James D. & FORMAN, Richard T. T. Landscape Ecology:

principles in Landscape Architecture and Land Use Planning Washington: Island Press, 1996

FORMAN, R. T. T. & GODRON, M. Landscape Ecology. New York: John Wiley and Sons, 1986

FORMAN, R. T. T. & ZONNEVELD, Isaak S. Changing Landscapes: an ecological perspective New

York: Springer-Verlag, 1990

FORMAN, R. T. T. Land Mosaics: the Ecology of landscapes and regions Cambridge: Cambridge

University Press, 1997

GUATTARI, Félix Les Trois Écologies Paris: Galilée, 1989

HELLMUND, Paul C. & SMITH Daniel S. (org.) Ecology of Greenways: design and function of

linear conservation areas Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993

HOUGH, Michael. Cities and Natural Process New York: Rutledge, 1995

HOUGH, M. Out of Place: restoring identity to the regional landscape New Haven: Yale University

Press, 1990

KLUNSTER, James H. Home from Nowhere: remaking our everyday world for the twenty-first

26

century New York: Touchstone, 1996

LAGO, A. & PÁDUA, José A. O que é Ecologia São Paulo:Brasiliense, 12 ed., 1995

LEFEBVRE, Henri La Production de l’Espace Paris: Anthropos, 1974

LYNCH, Kevin Managing the Sense of a Region Cambridge: The MIT Press, 1978

MATTES, Delmar Desenvolvimento Sustentável: críticas e aplicações São Paulo: FAUUSP, mimeo,

1997

MORAES, Antonio Carlos Robert Meio Ambiente e Ciências Humanas São Paulo: Hucitec, 1994

NASSAUER, Joan I. (ed.) Placing Nature: culture and Landscape Ecology Washington: Island Press,

1997

OLIVEIRA, Ana C. M. A. de & BRITO, Yvana C. F. de (ed.) Visualidade, Urbanidade,

Intertextualidade São Paulo: Hacker Editores, 1998

OSEKI, Jorge H. La Fluvialité Urbaine des Fleuves in Ostrowetsky, Sylvia (org.) Lugares: d’un

continent, l’autre Paris: L’Harmattan, 2001

PELLEGRINO, Paulo R. M. Paisagem e Ambiente: um processo de aproximação no setor oeste da

macrometrópole de São Paulo. São Paulo: FAUUSP, Dissertação de Mestrado, 1987

PELLEGRINO, P. R. M.. Paisagens Temáticas: ambiente virtual São Paulo: FAUUSP, 1995

ROUGERIE, Gabriel & BEROUTCHACHVILI, Nicolas Géosystèmes et Paysages: bilan et méthodes

Paris: A. Colin, 1991

SANTOS, Milton Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico-informacional São

Paulo: Hucitec, 1994

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção São Paulo: Hucitec, 2ed., 1997

SCOTT, James C. Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed

New Haven: Yale University Press, 1998

SMITH, Alfred Le Concept de Nature chez Marx Paris: PUF, 1994

SPIRN, Anne; O Jardim de Granito São Paulo: EDUSP, 1996

STEINITZ, Carl. “A Framework for Theory Applicable to the Education of Landscape Architects (and

Other Design Professionals)” in Landscape Journal, Vol. 9, No.2, Fall 1990

THOMPSON, George & STEINER, Frederick. Ecological Design and Planning Nova Iorque: John

Wiley & Sons, Inc., 1997

27

TOPALOV, Christian “De la Planification à l ‘Écologie: naissance d’un nouveau paradigme de l’action

sur la ville et l’habitat?” in Annales de la 5e Conférence International de Recherches sur l’Habitat,

Montréal, julho 1992

28

ANEXO I

Métodos de análise e interpretação da paisagem

O plano ecológico de uma paisagem - um grande parque, uma bacia ou uma cidade - deve procurar

ajustar apropriadamente manchas de vegetação, corredores e demais usos do solo, através de uma

solução espacial que tenha por objetivo principal a integração dos processos naturais com as realidades

sociais de maneira a se atingir sua sustentabilidade (a longo prazo).

Como em qualquer outro plano, deve-se começar pelo estabelecimento de um contexto, determinar

quais são as conexões entre os processos que ocorrem em seu interior e os externos que ocorrem a sua

volta, nas diversas escalas em que estes se realizam. Quais são os pontos de entrada e de saída - que

serão responsáveis pelo trânsito de influências de dentro para fora e de fora para dentro - da área

considerada, de onde vêm, para onde vão? Onde estão localizados os mananciais? Para onde são

levados os dejetos? Qual é o fluxo da vida animal em seu interior? Quais as principais vias de acesso, de

saída, de abastecimento, etc.?

A área objeto de planejamento deve ser entendida como parte de uma constelação de paisagens

interrelacionadas. A sustentabilidade de qualquer assentamento humano só será efetiva se for vista

como parte deste conjunto e se o planejamento ambiental garantir a conservação dos principais ciclos e

processos vitais que assegurem a sua continuidade.

Atendendo a estas considerações, na determinação das alternativas de intervenção como produto de um

processo de planejamento aberto (e também participativo), deve-se reunir uma base de informações que

contemple sobretudo as duas seguintes inserções da área:

(a) Localização da área de estudo na região

Levantamento e análise dos dados referentes aos aspectos mais relevantes que afetam a área, tais como:

- Referências urbanas principais,

- Atividades e usos existentes,

- Principais vetores de expansão,

- Eixos viários principais; acessibilidade, principais meios de circulação e transporte existentes e

previstos,

- Planos existentes e legislação pertinente,

- Áreas de recarga de aqüíferos e mananciais.

-

29

(b). Situação da área de estudo na bacia hidrográfica:

- Corredores de migração e polinização para flora e fauna,

- Condicionantes fisiográficos (relevo, declividades, solos),

- Drenagem superficial (linhas d’água, leitos de cheias, várzeas, nascentes),

- Vegetação existente (tipos, distribuição, condições),

- Aspectos microclimáticos (ventilação, insolação, fontes poluidoras),

- Referências visuais (marcos, monumentos, paisagens únicas),

- Levantamento das espécies de flora e fauna mais significativos e seus habitats.

Elaboração de Sistemas de Espaços Livres

Com a compreensão do contexto regional e efetuada a seleção dos objetivos e da área de estudo, devem

ser estabelecidos os limites do sistema e de seus componentes, através de uma síntese que estabeleça as

alternativas de intervenção nas diversas situações encontradas. Como no exemplo seguinte de

Unidades de Paisagem (UP), em uma seqüência que vai da ocupação mais rarefeita à urbanização

mais intensa. Estas unidades paisagísticas definem as diversas características que devem ter os espaços

livres que ocorreriam em seu interior:

UP 1 Nascentes e topos de morros áreas de conservação e/ou lazer contemplativo

UP 2 Matas ciliares ou várzeas áreas de conservação e/ou lazer contemplativo

UP 3 Áreas de interesse ecológico e paisagístico áreas de conservação e/ou lazer contemplativo

UP 4 Zona rural ou com potencial recreativo lazer contemplativo e/ou recreação ativa

UP 5 Ocupação urbana periférica não consolidada

lazer contemplativo e/ou recreação ativa

UP 6 Ocupação urbana com todas as suas funções e com grande densidade

lazer contemplativo e/ou recreação ativa

Como resultado desta visão global, os requisitos para projetos específicos (de escala menor) surgirá

também, em grande parte, deste padrão, através das inter-relações com o entorno, com outros espaços

livres e de suas características locais. Nos projetos de escala maior, entretanto, o foco se desloca para os

padrões espaciais, os fluxos e as mudanças no mosaico constituído pelo conjunto de unidades

paisagísticas, baseando-se sempre nos princípios da Ecologia da Paisagem.

30

O Sistema de Espaços Livres Urbanos

Numa escala intraurbana, os espaços livres de edificações têm um papel fundamental tanto na estrutura

da cidade e de sua dinâmica ecológica, como na vida cotidiana dos cidadãos, pois podem contribuir

para construir imagens da cidade em seus diversos períodos históricos.

Com o desenvolvimento das cidades, os espaços livres (públicos e privados) devem ser (re)desenhados

para atender a demandas emergentes, como a presença de uma população maior, uma diversidade

crescente de usos, necessidades decorrentes de novas formas de circulação de pedestres e veículos, o

“stress” urbano e a conseqüente carência de espaços que possam amenizar as tensões inerentes à vida

em grandes aglomerações, além de permanecerem como locais privilegiados de apropriação pela

comunidade de espaços sociais carregados de símbolos.

Neste enfoque, o processo de definição de um sistema de espaços livres deve considerar a identificação,

a análise e a interpretação dos aspectos seguintes:

Sistema Viário - conflito entre pedestres e veículos

Compatibilização entre os diversos meios de locomoção, incentivando uma diversidade maior, através

da separação das diversas circulações. Pavimentação diferenciada, redesenho de leitos carroçáveis,

sinalização adequada, desobstrução e adequação dos espaços de circulação para pedestres, criação de

áreas de transição, definição de várias alternativas de percurso e elaboração de horários para a

circulação restrita de veículos autorizados, entre outras medidas.

Usos Múltiplos

Contra a crescente fragmentação e segregação do espaço urbano devem ser tomadas medidas que

garantam a multiplicidade e simultaneidade de vários usos compatíveis nos espaços a serem criados.

Além do mais, o projeto destas áreas deve garantir aos usuários conforto ambiental, acessibilidade

universal, permeabilidade entre os espaços e atendimento às diversas faixas etárias e sociais.

Identidade do Lugar

Valorização do patrimônio ambiental, paisagístico e arquitetônico, identificando-se paisagens culturais e

naturais significativas para a imagem e a memória da cidade. Criação de percursos temáticos e

iluminação cênica que ressalte os marcos simbólicos e pontos de interesse urbanos, de modo a facilitar

a percepção da cidade por parte dos usuários e aumentar as possibilidades de leitura do ambiente

urbano.

Dinâmica Ecossistêmica

Restabelecer a inter-relação entre os diversos condicionantes do ecossistema urbano, com a

(re)introdução criteriosa da vegetação, proteção do microclima e a revelação dos aspectos morfológicos

31

e hidrológicos do sítio, bem como a detecção de áreas frágeis prioritárias para a proteção e a

recuperação ambiental.

32

ANEXO II

Como complemento, apresentamos o esquema delineado por Steinitz (Steinitz, 1990) a partir de seis

perguntas, a serem consideradas quando definimos um objeto de estudo em Planejamento da Paisagem:

1- Como deve ser descrita a paisagem?

Contexto e limites espaço-temporais (estabelecimento de modelos de representação)

2- Como a paisagem funciona?

Quais são as relações funcionais e estruturais entre seus elementos? (modelos de processo)

3- A paisagem atual funciona bem?

Salubridade, integridade ecológica, estética, custos, satisfação dos usuários (modelos de avaliação)

4- Como a paisagem deve ser alterada?

Por quais ações, onde, quando, seguindo ou não as tendências atuais? (modelos de transformação)

5- Que diferenças (previsíveis) estas mudanças podem causar?

Simulação das mudanças tendo como base as informações dadas (modelos de impacto)

6-A paisagem deve ser mudada?

Avaliação comparativa dos impactos das alternativas feita com base no conhecimento sobre a paisagem

e nos valores culturais (modelos de decisão)

Identificados o contexto e escopo do plano devemos definir o método para seu enfrentamento. De

acordo com esta estratégia isto pode ser feito refazendo-se as questões na ordem inversa:

(A) Para se fazer uma proposta ou propor uma mudança, é necessário saber comparar alternativas;

(B) Para comparar alternativas, é necessário simular seus impactos tendo como base determinadas

mudanças específicas;

(C) Para simular mudanças, é necessário especificar quais mudanças serão simuladas;

(D) Para especificar mudanças potenciais (se houverem), é preciso avaliar as condições atuais;

(E) Para avaliar a paisagem é preciso entender como ela funciona;

(F) Para entender como funciona a paisagem, é necessário um esquema capaz de descrevê-la e

representá-la.

33

ANEXO III

Objetivos a serem levados em conta para o projeto de diferentes espaços que compõem um sistema de

espaços livres, segundo Spirn (Spirn, 1996):

Ecossistema Urbano

Cada novo sistema de espaços livres deve ser projetado de forma a usar o mínimo de energia e matéria-

prima, gerar o mínimo de resíduos e, sempre que possível, servir a vários propósitos.

Cada projeto deve portanto:

- procurar atender através do plano paisagístico, à diversidade de interesses e necessidades da

população;

- tratar da localização de cada área dentro do ecossistema urbano como um todo, incluindo sua relação

como os problemas mais críticos da cidade;

- responder às restrições e às disponibilidades do local e de sua vizinhança imediata, explorando os

aspectos microclimáticos, geológicos, hidrológicos e biológicos específicos;

- projetar os espaços livres para conservar energia e reduzir resíduos;

- estudar as correlações entre edificações e espaços livres, considerando sua localização e indicando qual

a configuração mais adequada para os empreendimentos;

- localizar e dimensionar os espaços livres garantindo sua necessária conexão com o sistema de espaços

livres existentes ou propostos na região;

- incentivar tanto a permanência nos locais como o uso de equipamentos adequados, tornando-os mais

“convidativos”;

- projetar encorajando o uso intensivo, como forma de minimizar o vandalismo, propiciando segurança

sem agressão visual;

- prever atividades de lazer ativo (lúdicas, culturais e folclóricas) para as áreas livres, valorizando a

herança cultural rica e diversificada da população.

Microclimáticos

Os espaços livres devem ser implantados e projetados de forma a se evitar impactos negativos sobre o

clima e a qualidade do ar nas áreas circundantes. Quando isto não for possível deve-se procurar mitigá-

los.

Os projetos devem:

- levar em consideração sua localização e os problemas críticos do clima e da qualidade do ar tanto na

34

vizinhança imediata como na cidade;

- explorar os aspectos climáticos regionais (e urbanos) de forma otimizá-los na solução de problemas.

Geomorfológicos

Os espaços livres devem ser projetados de forma a prevenir ou minimizar os riscos geológicos para

conservar (ou restaurar) os recursos minerais e o solo.

Os projetos devem:

- tratar dos riscos e dos recursos geológicos que existem no terreno ou na vizinhança;

- localizar a vegetação e planejar sua implantação em fases, de modo a explorar os recursos minerais

locais;

- localizar a vegetação de forma a evitar ou mitigar os riscos geológicos;

- explorar as características geológicas distintivas do local.

Hidrológicos

Os espaços livres devem ser implantados e projetados de modo a prevenir ou mitigar as enchentes e

conservar (ou recuperar) os recursos hídricos.

Cada projeto deve:

- levar em consideração a relação entre o local do projeto e os problemas críticos da cidade: enchentes,

poluição e abastecimento de água, bem como riscos específicos e recursos disponíveis na área ou em

suas redondezas;

- projetar e dispor a vegetação de forma a que esta possa resistir aos danos causados pelas enchentes e

estocar águas;

- explorar a capacidade das coberturas, dos pisos, dos estacionamentos e do solo em geral, para reter ou

absorver o escoamento das águas pluviais;

- explorar as propriedades estéticas da água e não desperdiçá-la.

Vegetação

Cada novo espaço deve ser projetado para promover a sobrevivência das plantas tanto em seu interior

como em seu entorno, e deve ser acompanhado de um programa de manutenção apropriado a sua

função, a seu contexto e aos recursos orçamentários disponíveis.

O propósito de cada projeto deve ser:

- considerar a relação entre o local e os padrões gerais da vegetação na cidade, bem como os problemas

35

potenciais da vegetação de seu entorno;

- explorar o habitat específico oferecido pelo local para aumentar a diversidade da vegetação;

- utilizar plantas que criem um microclima desejável, filtrem os poluentes do ar, estabilizem encostas e

solos sujeitos à erosão, absorvam as águas das cheias, filtrem os poluentes das águas e ainda, forneçam

abrigo e alimentação para a vida animal.