147
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSON ALMEIDA SILVA 2009

SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

  • Upload
    lyanh

  • View
    220

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM

EVARISTO DE MORAES FILHO

JEFFERSON ALMEIDA SILVA

2009

Page 2: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

2

SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO

DE MORAES FILHO

JEFFERSONALMEIDA SILVA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia com concentração em Antropologia.

Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Villas Boas

Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Sciberras de Carvalho

RIO DE JANEIRO

SETEMBRO DE 2009

Page 4: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

3

SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL

EM EVARISTO DE MORAES FILHO

JEFFERSON ALMEIDA SILVA

Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Villas Bôas

Co-orientador: Bruno Sciberras de Carvalho

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre em Sociologia com concentração em Antropologia.

Aprovada por:

_______________________________

Presidente, Profª. Drª Glaucia Villas Boas (PPGSA/UFRJ)

_______________________________

Prof. Dr. Bruno Sciberras de Carvalho (Depto. Ciência Política/UFRJ)

_______________________________

Profª. Drª. Elina Gonçalves Pessanha (PPGSA/UFRJ)

_______________________________

Prof. Dr. Ivo Coser (Depto. Ciência Política/UFRJ)

_______________________________

Prof. Dr. Marco Aurélio Santana (PPGSA/UFRJ)

_______________________________

Profª. Drª. Sabrina Parracho Sant’Anna (Depto. Ciências Sociais/UFRRJ)

Rio de Janeiro

Setembro de 2009

Page 5: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

4

Silva, Jefferson Almeida. Sociologia jurídica e mudança social em Evaristo de Moraes Filho/ Jefferson Almeida Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2009. 142 f. Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Villas Bôas Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Sciberras de Carvalho Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, 2009. Referências Bibliográficas: f. 139-144. 1. Sociologia Jurídica. 2. Mudança Social. 3. Intelectuais. 4. Evaristo de Moraes Filho. I. Villas Bôas, Glaucia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia. III. Sociologia jurídica e mudança social em Evaristo de Moraes Filho.

Page 6: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

5

RESUMO

SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM

EVARISTO DE MORAES FILHO

Jefferson Almeida Silva

Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Villas Bôas

Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Sciberras de Carvalho

Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários

à obtenção do título de Mestre em Sociologia com concentração em Antropologia.

A presente dissertação faz uma leitura do pensamento de Evaristo de Moraes

Filho pelo ângulo de sua concepção sociológico-jurídica. Com base numa cuidadosa

pesquisa bibliográfica, procura demonstrar que a sociologia jurídica ocupa um espaço

de grande relevância sobre a formação das idéias que lhe trariam renome intelectual nos

campos da sociologia e do direito ao longo da década de 1950. Elo cognitivo de

associação destas duas áreas do saber, tal dissertação evidencia como a sociologia

jurídica é mobilizada pelo jurista e sociólogo carioca como fundamento teórico de suas

aspirações por mudança social no Brasil. Marcando, pois, sua singularidade em relação

à intelectualidade brasileira de meados do século passado, sobretudo no que diz respeito

aos cientistas sociais, demonstra-se como os postulados próprios desta sociologia

especial possibilitam a Evaristo de Moraes Filho reconhecer no direito do trabalho um

instrumento privilegiado para fazer da sociedade brasileira uma sociedade

verdadeiramente justa e democrática.

Palavras-chave: Sociologia jurídica, mudança social, intelectuais, Evaristo de Moraes

Filho.

Page 7: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

6

ABSTRACT

SOCIOLOGY OF LAW AND SOCIAL CHANGE IN

EVARISTO DE MORAES FILHO

Jefferson Almeida Silva

Orientadora: Profª. Drª. Glaucia Villas Bôas

Co-orientador: Prof. Dr. Bruno Sciberras de Carvalho

Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários

à obtenção do título de Mestre em Sociologia com concentração em Antropologia.

The present dissertation makes a reading of the thought of Evaristo de Moraes

Filho for the angle of its sociological-legal conception. On the basis of a careful

bibliographical research, looks for to demonstrate that sociology of law occupies a

space of great relevance on the formation of the ideas that would bring it intellectual

reputation in the fields of sociology and the right throughout the decade of 1950.

Cognitive link of association of these two areas of knowing, such dissertation evidences

as sociology of law is mobilized by the jurist and sociologist from Rio de Janeiro as

theoretical bedding of its aspirations for social change in Brazil. Marking, therefore, its

singularity in relation to the Brazilian intellectuality of middle of the past century, over

all in what it says respect to the social scientists, is demonstrated as the proper

postulates of this special sociology make possible the Evaristo de Moraes Filho to

recognize in the right of the work a privileged instrument to make of the Brazilian

society a really fairness and democratic society.

Key words: Sociology of law, social change, intellectuals, Evaristo de Moraes Filho.

Page 8: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

7

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de dedicar um agradecimento todo especial à minha

esposa Manuella, aos meus pais, Amauri e Diva, e ao meu irmão, Maycon, pela

possibilidade que me deram de levar adiante este empreendimento intelectual e, pois,

realizar o meu sonho de tornar-me mestre em sociologia. Sem dúvida alguma, o esforço

e o comprometimento de vocês com este objetivo, mais do que qualquer atributo que

possa ser creditado à minha individualidade, foram os elementos determinantes para

que o exaustivo trabalho por mim realizado nestes últimos dois anos viesse lograr êxito.

Em segundo lugar, mas não menos importante, é o meu agradecimento às minhas lindas

e amadas filhas, Júlia e Juliana, que não somente consistiram na inspiração maior para

o desenvolvimento desta dissertação, como também tiveram responsabilidade direta

para sua realização. Não fossem as incontáveis manifestações de carinho, apoio e

compreensão que, apesar da pouca idade, vocês me dedicaram, certamente eu teria

fraquejado ante as dificuldades próprias a um trabalho de pesquisa como este.

À minha orientadora Glaucia Villas Bôas e ao meu co-orientador Bruno

Sciberras de Carvalho, também gostaria de expressar aqui os meus enormes

agradecimentos. Para além da acurada e consistente orientação técnico-científica que

me proporcionaram, quero destacar que não se apagará de minha memória a

compreensão que vocês tiveram comigo ao longo desta jornada. Sua sensibilidade para

perceber meu contexto pessoal de homem recém casado e com duas filhas ainda

pequenas, foi fundamental não somente para um encaminhamento tranqüilo do trabalho

como, e conseqüentemente, para extrair de mim o melhor que eu poderia proporcionar;

contribuindo, assim, decisivamente para o meu crescimento profissional.

Por fim, gostaria de agradecer ao CNPq pelos recursos fornecidos ao

desenvolvimento desta pesquisa, bem como aos diversos professores e demais

profissionais do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia com quem

tive oportunidade de trabalhar nestes dois anos do curso de mestrado. Em especial,

agradeço à professora Elina Gonçalves Pessanha e às funcionárias Cláudia e Denise da

secretaria do PPGSA; pessoas sempre muito atenciosas comigo.

De maneira geral, a todos vocês expresso aqui o meu muito obrigado!

Jefferson Almeida Silva.

Page 9: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

8

A minha mulher, minhas filhas, meus pais e

meu irmão.

Page 10: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................10

CAPÍTULO 1 – O INTELECTUAL E SUA SOCIOLOGIA JURÍDICA....27

1.1 – Um intelectual a serviço da sociedade e da democracia no Brasil.......27

1.2 - A sociologia jurídica de Evaristo de Moraes Filho..............................44

CAPÍTULO 2 – O PROBLEMA DO SINDICATO ÚNICO NO BRASIL:

UMA SOCIOLOGIA DO DIREITO DO TRABALHO...............................60

2.1 - Aspectos teórico-metodológicos de O problema do sindicato único no

Brasil.............................................................................................................65

2.2 – A natureza social do direito do trabalho no Brasil...............................77

CAPÍTULO 3 – A DOUTRINA DO DIREITO DO TRABALHO DE

EVARISTO DE MORAES FILHO...............................................................92

3.1 - A sociologia jurídica na doutrina do direito do trabalho de Evaristo de

Moraes Filho................................................................................................101

3.2 - Características e finalidades de um direito de transição para uma

civilização em mudança...............................................................................113

CONCLUSÃO – O FUNDAMENTO DE UMA UTOPIA

DEMOCRÁTICA........................................................................................127

Referências bibliográficas...........................................................................139

Page 11: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

10

INTRODUÇÃO

Felizmente, de alguns anos para cá, pesquisadores ligados ao Núcleo de

Sociologia da Cultura (NUSC), ao Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro

(AMORJ), ambos da UFRJ, e ao Centro de Pesquisa e Documentação da História

Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC – FGV), têm realizado

um belo e importante trabalho de resgate da vida e da obra de Evaristo de Moraes Filho.

Como parte do esforço destes intelectuais, os estudantes e pesquisadores de nossas

ciências sociais, sobretudo no que se refere à sociologia, contam agora com referências

fundamentais acerca de um pensador que, a despeito de sua relevância para a sociologia

brasileira, não era muito conhecido pelas novas gerações de cientistas sociais1. Isto,

aliás, não é uma exclusividade de Evaristo de Moraes Filho. De maneira geral, toda uma

geração de grandes sociólogos brasileiros, a denominada sociologia dos anos 1950, com

suas teses e realizações, encontra-se quase que completamente desconhecida dos jovens

cientistas sociais de nossa época. Hoje em dia, é fato corriqueiro nossos jovens saírem

das universidades dotados de um amplo conhecimento acerca das mais variadas

1 Em 2005, Elina Pessanha (AMORJ), Glaucia Villas Bôas (NUSC) e Regina Morel (AMORJ) organizam a publicação de Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista, editado pela Topbooks. Livro que procura remontar a vida e a obra de Evaristo a partir da reunião de textos diversificados (artigos, depoimentos, poemas) escritos por intelectuais como Alberto Venâncio Filho, José Murilo de Carvalho, Gabriel Cohn e Paulo Sérgio Pinheiro, dentre outros. Em 2007, Regina Morel e Elina Pessanha, agora com a companhia de Ângela de Castro Gomes (CPDOC – FGV), organizam Sem medo da utopia: Evaristo de Moraes Filho: arquiteto da sociologia e do direito do trabalho no Brasil, publicado pela Editora LTr. O livro reúne as mais de 30 horas de entrevista realizada pelas próprias pesquisadoras junto a Evaristo de Moraes Filho entre os anos de 2002 e 2004. Ademais, o livro apresenta ainda uma detalhada cronologia sobre a vida e a obra do autor, bem como um diversificado conjunto de artigos e entrevistas desenvolvidos por Evaristo ao longo de sua carreira intelectual. Em 2008, o AMORJ lançaria ainda a base de dados “Biblioteca Virtual Evaristo de Moraes Filho”, disponibilizada ao público a partir do endereço eletrônico: http://www.bvemf.ifcs.ufrj.br. A biblioteca virtual reúne um grande acervo de fotos, publicações, documentos, entrevistas e correspondências que, em conjunto, nos propiciam um resgate quase que completo acerca da vida deste importante sociólogo do Rio de Janeiro e do Brasil. Visando exatamente a produção e a disponibilização de dados para subsidiar pesquisas ulteriores, pode-se dizer que tais iniciativas vêm atingindo seu objetivo. Este trabalho que agora se apresenta é, portanto, fortemente tributário destas realizações. Não fossem elas, dificilmente esta dissertação poderia ter sido realizada em conformidade com a maneira pela qual foi concebida, afinal, os dados ali reunidos nos propiciaram o embasamento necessário para sua efetiva construção.

Page 12: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

11

correntes de pensamento estrangeiras, ao passo que, em sentido contrário, apresentam

um profundo desconhecimento do que aqui foi realizado no âmbito da ciência

sociológica de meados do século passado.

Segundo pensamos, não constitui equívoco uma boa formação sobre a produção

sociológica internacional, sobretudo no que diz respeito às escolas de pensamento que

influenciaram a formação e o desenvolvimento desta área particular das ciências

humanas. Sem dúvida nenhuma, uma boa formação neste sentido constitui acerto

inquestionável para uma preparação adequada dos profissionais das ciências sociais em

geral, e da sociologia em particular. O que salientamos, porém, é o acentuado

desequilíbrio que se verifica quando se trata de uma produção nacional ainda recente. O

distanciamento dos novos cientistas sociais em relação à produção de um Florestan

Fernandes, de um Luiz de Aguiar Costa Pinto, de um Victor Nunes Leal, de um

Evaristo de Moraes Filho, dentre outros, consiste numa lacuna irreparável para a

formação destes profissionais, bem como para o próprio desenvolvimento da sociologia,

afinal, é do fecundo diálogo do presente com o passado que se encontram as melhores

condições para pautar a construção do futuro de nossa disciplina.

Neste sentido, a dissertação que agora tem início busca dar uma pequena

contribuição para mudar este estado de coisas. À semelhança do que recentemente têm

realizado outros pesquisadores, como salientamos de início, esta dissertação procura

cumprir seu papel de resgatar, de dar nova visibilidade àquela geração de 1950, a partir

de uma investigação centrada na figura de Evaristo de Moraes Filho. Isto, porém, não se

deve ao acaso.

Evaristo de Moraes Filho foi um dos principais responsáveis pela

institucionalização das ciências sociais no Brasil. Ao lado de intelectuais como

Florestan Fernandes, Luiz de Aguiar Costa Pinto, dentre outros, ajudou a edificar

Page 13: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

12

instituições fundamentais ao desenvolvimento destas ciências por aqui, como a

Sociedade Brasileira de Sociologia – chegando a ser vice-presidente da instituição ainda

em 1962 – e o Instituto de Ciências Sociais (ICS), uma “casa” de pesquisa responsável

pela formação de grandes cientistas sociais ainda em atividade e que, ademais, viria dar

lugar ao surgimento do atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ; sem

dúvida alguma, um dos principais pólos de produção e reprodução das ciências sociais

no Rio de Janeiro e no Brasil.

No que diz respeito à literatura sociológica, por sua vez, a contribuição de

Evaristo também não seria pequena. Após ter escrito um significativo conjunto de

artigos em revistas literárias e mesmo em jornais de grande circulação durante os anos

1930 – dando visibilidade a temas e autores que posteriormente teriam grande peso na

produção sociológica nacional – Evaristo chega à década de 1950 trazendo consigo uma

das mais importantes obras de sociologia do período: O problema do sindicato único no

Brasil. Seus fundamentos sociológicos, publicado pela primeira vez em 1952. Livro de

acentuado conteúdo crítico, ousava trazer os trabalhadores para o centro da reflexão

intelectual sobre a sociedade brasileira ao demonstrar seu protagonismo sobre o

processo de ampliação da cidadania no país ocorrido pelo estabelecimento de nossos

direitos trabalhistas. Um pioneirismo ousado que responderia não somente pelo sucesso

editorial da obra à época, como também por sua permanência no tempo, afinal, no auge

de seus cinqüenta anos de existência seria novamente objeto de rememorações que

destacam seu valor histórico e sua atualidade para pensar o cenário político-sindical

brasileiro nesta primeira década do século XXI2.

Esta sua atualidade diz respeito, porém, aos fundamentos mesmos que lhe

fornecem o sentido. Assim como as demais obras produzidas no período, como

2 Com este sentido, ver Costa (2002) e Gomes (2005).

Page 14: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

13

Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil, de Victor

Nunes Leal, e a Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo, de Alberto Guerreiro

Ramos, por exemplo, O problema do sindicato único no Brasil caracteriza-se por uma

temporalidade orientada para o futuro (Villas Bôas, 2006), isto é, para uma

transformação em chave positiva da sociedade brasileira, visando torná-la uma

sociedade verdadeiramente moderna, portanto, dotada dos mecanismos institucionais

que lhe assegurem a redução de suas desigualdades sócio-econômicas e a realização de

uma democracia plena no Brasil. Na referida obra, portanto, Evaristo encontra no direito

do trabalho um elemento essencial para isto. Recuperando o protagonismo dos

sindicatos para sua existência, busca o autor conferir legitimidade para uma profunda

reformulação de seu marco legal; uma reformulação que deixe para trás o legado

autoritário do período estadonovista e que, em contraposição, venha garantir ampla

liberdade e autonomia às organizações sindicais do país. Segundo ele, portanto, o

caminho para fazer do Brasil um país igualitário, democrático, passa fundamentalmente

pelo estabelecimento de um direito trabalhista que assegure à própria sociedade – e não

ao Estado – a condução de seu destino. Trata-se, pois, de uma utopia ainda não

completamente realizada, o que propõe Evaristo em seu livro de 1952. Ainda hoje,

mecanismos de controle provenientes do longínquo Estado Novo, como o imposto

sindical, por exemplo, permanecem em nosso direito positivo, o que explica, em boa

medida, a atualidade de O problema do sindicato único no Brasil nos dias que correm.

Contudo, pode-se dizer que se trata de uma obra típica de sua época, pois, a

rigor, a literatura sociológica dos anos 1950 caracteriza-se exatamente por este seu

sentido utópico de reforma social. Era o momento de provocar mudanças, de colocar os

fundamentos científicos da sociologia a serviço da construção de uma nova sociedade –

democrática, secularizada, igualitária; moderna, em resumo. Neste sentido, os

Page 15: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

14

sociólogos se viam como verdadeiros agentes de mudança, autênticos portadores de um

novo tempo ainda por se fazer existente (idem). Mas esta não era uma aspiração

exclusiva dos sociólogos. De maneira geral, ao longo dos vinte anos transcorridos entre

1945 e 1964 os intelectuais dos mais diversos campos do saber se lançaram em um

debate marcado por formulações e perspectivas – muitas vezes divergentes entre si –

que procuravam assinalar estratégias para a construção de um futuro socialmente mais

justo para o Brasil.

É o que se verifica, inclusive, a partir da própria biografia de Evaristo de Moraes

Filho, uma vez que, esta sua utopia democrática já presente em sua obra de 1952 seria

responsável por torná-lo um intelectual de grande reputação também no campo de

nossas letras jurídicas. Jurista de formação3, aqui também seria o direito do trabalho o

objeto de sua inteira dedicação, produzindo livros e artigos que viriam reforçar o sentido

utópico pelo qual já o havia concebido em O problema do sindicato único no Brasil.

Assim sendo, aqui como alhures, o direito do trabalho surge como instrumento

privilegiado de intervenção social voltado para a redução das desigualdades e para a

conquista de uma plena democracia. Em livros propriamente jurídicos como Introdução

ao direito do trabalho e Direito do trabalho e mudança social, Evaristo aprofunda suas

considerações a respeito teorizando que este ramo jurídico particular consiste num

autêntico direito de transição, ou seja, na expressão formal de uma civilização que,

segundo ele, estaria caminhando cada vez mais rumo à superação do capitalismo liberal.

Sendo, como afirma, um direito voltado à resolução da moderna questão social erigida

com o capitalismo, através de institutos e normas de proteção aos trabalhadores, caberia,

pois, ao direito do trabalho, o encaminhamento pacífico deste processo; conduzindo,

sem sobressaltos, o estabelecimento de uma ordem social mais justa e democrática, na

3 Evaristo bacharelou-se em direito em 1937 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

Page 16: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

15

qual os sindicatos teriam ampla liberdade de funcionamento, assim como, trabalhadores

e patrões teriam suas relações definidas não mais por subordinação ou dependência, mas

sim por colaboração e, tanto quanto possível, equivalência.

Sendo, pois, jurista e sociólogo, é com base no direito do trabalho que Evaristo

não somente se insere no contexto progressista, reformador, que animava o debate de

idéias em ambos os campos de conhecimento à época dos anos 1950, como também, é a

partir deste ramo jurídico particular que a sociologia e o direito apresentam uma

constante e frutífera associação no pensamento de Evaristo de Moraes Filho. O direito

do trabalho surge, portanto, como ponto de contato entre ambas as áreas. É, pois, por

seu intermédio que Evaristo traz a sociologia para o âmbito do direito e leva o direito

para o âmbito da sociologia em suas elaborações teóricas.

Estamos aqui diante de um aspecto fundamental à compreensão do pensamento

do autor e, que, como tal, tem sido constantemente considerado pelos pesquisadores que

se tem ocupado de Evaristo de Moraes Filho, como é possível observar dos artigos

reunidos na publicação organizada por Morel, Pessanha e Villas Bôas (2005). Não

obstante, temos por certo que esta relação entre sociologia e direito em seu pensamento

carece de maiores considerações. Afinal, trata-se de uma dimensão, que ainda que

amplamente mencionada, tem sido obscurecida pelas próprias realizações intelectuais de

Evaristo – tais como, seu papel na institucionalização de nossas ciências sociais, sua

atuação pela implementação da Justiça do Trabalho no Brasil em 1941, dentre outras -,

levando os pesquisadores a abordá-la apenas tangencialmente em suas análises.

Por conseguinte, sentido diverso é o que propomos com este nosso trabalho.

Aqui, a relação entre a sociologia e o direito no pensamento de Evaristo constitui o foco

central de nossa abordagem, pois, compreendemos que aí se situa uma chave essencial

para vislumbrarmos um melhor entendimento de suas idéias, bem como sua posição no

Page 17: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

16

debate em que tomaram parte a intelectualidade brasileira em geral, e os sociólogos em

particular, no transcurso dos anos 1950. Segundo pensamos, tal relação não se

estabelece de maneira imediata no pensamento de Evaristo, ou seja, pela simples

reunião dos fundamentos particulares da sociologia e do direito nas considerações a

respeito de uma temática comum. Se é verdade, como dissemos, que Evaristo encontra

no direito do trabalho o tema, o objeto, que lhe permite associar estas duas dimensões

do conhecimento, nossa dissertação procurará demonstrar que é com base numa ciência

especial, na sociologia jurídica, que ele encontra as condições teóricas e metodológicas

para tornar tal associação possível.

Assim sendo, pensamos que a sociologia do direito, enquanto ramo sociológico

particular, constitui o elo cognitivo e metodológico responsável por uma conciliação

harmônica destas duas importantes dimensões de seu pensamento. Não seria, pois, mera

coincidência Evaristo dedicar toda uma obra a esta sociologia especial ainda em 1950,

portanto, antecedendo a publicação de livros como O problema do sindicato único no

Brasil e Introdução ao direito do trabalho, obras que lhe trariam renome no cenário

intelectual brasileiro. A tese que procuramos sustentar neste estudo é que em O

problema de uma sociologia do direito, como se chama a obra em questão, Evaristo

sistematiza os princípios teóricos e metodológicos que serviriam de embasamento às

construções teóricas supracitadas, bem como, e mais importante, às idéias ali

apresentadas. Em outras palavras, esta dissertação procura firmar a compreensão de que

a sociologia do direito, sistematizada por Evaristo em 1950, mesmo sendo uma

dimensão específica de seu pensamento, ocupa um espaço privilegiado na complexa

“arquitetura intelectual” que o caracteriza. A abertura cognitiva que lhe propicia

reconhecer no direito um produto direto das relações sociais, um fato social plural,

oriundo das diversas instituições sociais que conformam a sociedade – e não apenas do

Page 18: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

17

Estado -, seria o fundamento que afastaria Evaristo do abstracionismo lógico e estático

da ciência jurídica tradicional, em detrimento de uma concepção realista, empírica,

sobre o direito, que, sem desconsiderar a dimensão valorativa que lhe encerra, permitiria

ao autor desenvolver um conhecimento objetivo acerca do direito do trabalho que tão

decisivamente influenciaria sua produção intelectual nos anos 1950.

Neste sentido, buscamos com este nosso trabalho, preencher uma lacuna ainda

em aberto na literatura voltada às idéias de Evaristo de Moraes Filho. Assim, lançando

luz sobre o espaço que a sociologia do direito ocupa no pensamento do autor, o que

procuramos é contribuir com os demais pesquisadores para que as novas gerações de

cientistas sociais tenham acesso a um conhecimento cada vez mais completo acerca de

um intelectual que com suas idéias e práticas, não somente ajudou a institucionalizar

nossas ciências sociais, como também teve ativa participação na consolidação

institucional do direito trabalhista brasileiro; uma importante conquista, um marco

fundamental de nossa história recente.

Objetivo este que procuramos alcançar a partir de uma intensa e exaustiva

pesquisa bibliográfica, nos termos em que propõem Minayo (1994) e Lima & Mioto

(2007). Segundo estes autores, a pesquisa bibliográfica é um recurso de apreensão da

realidade que tem em livros, teses, periódicos, bases de dados digitais e etc. o seu objeto

de investigação. Distingue-se, porém, de uma simples revisão de literatura, pois,

enquanto esta consiste unicamente num “(...) pré-requisito para a realização de toda e

qualquer pesquisa.”, a pesquisa bibliográfica “(...) implica em um conjunto ordenado

de procedimentos atento ao objeto de estudo, e que, por isso, não pode ser aleatório.”

(Lima & Mioto, 2007; p. 35). Neste sentido, seguindo as orientações apresentadas por

Salvador (1986), desenvolvemos esta pesquisa de forma dirigida, onde, foram

observadas as distintas etapas de leitura que envolvem uma pesquisa bibliográfica

Page 19: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

18

segundo o autor, tais como, a leitura de reconhecimento, a leitura exploratória, a leitura

seletiva e a leitura reflexiva. Com base neste procedimento, buscamos separar o

essencial do assessório, de modo que, pudéssemos isolar as informações realmente

relevantes para o estudo que viríamos desenvolver. Assim, nos ocupamos

prioritariamente em levantar informações que nos permitissem compreender o que

significa propriamente a sociologia do direito para o autor, bem como as características

mais gerais de seu pensamento, isto é, suas principais referências, como se forma, ao

que se destina e etc. Por outro lado, também mereceram nossa atenção especial,

informações que nos colocassem a par de temas como o processo de institucionalização

das ciências sociais no Brasil, o contexto intelectual que caracteriza a produção teórica

dos anos 1950, a história da sociologia jurídica no Brasil, além de outros aspectos

diretamente relacionados a estas questões.

De maneira geral, ao longo de pouco mais de um ano de intensa investigação,

foram percorridas bibliotecas públicas e privadas, além de sites de internet, com vistas à

coleta das informações acima mencionadas. Não foram poucas as obras consultadas,

selecionadas e devidamente fichadas no transcurso deste trabalho. Para se ter uma idéia,

somente de autoria de Evaristo de Moraes Filho procedemos à leitura de mais de uma

dezena de publicações, entre livros e artigos. Por certo, em função mesmo das

prioridades e propósitos particulares desta pesquisa, nem todas receberam o mesmo

tratamento – algumas completamente fichadas, outras parcialmente, outras ainda

serviram simplesmente para aprofundar informações já obtidas e etc. Não obstante,

todas foram peças fundamentais para uma apreensão mais completa de nosso objeto, à

semelhança da imagem de um mosaico tal como nos ensina Howard Becker (1994)4.

4 Segundo explica o próprio autor, “A imagem do mosaico é útil para pensarmos este tipo de empreendimento científico. Cada peça acrescentada num mosaico contribui um pouco para nossa compreensão do quadro como um todo. Quando muitas peças já foram colocadas, podemos ver, mais ou menos claramente, os objetos e as pessoas que estão no quadro e sua relação uns com os outros.

Page 20: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

19

No entanto, foi também de suma importância para a montagem deste nosso

mosaico, o trabalho de resgate da vida e da obra de Evaristo de Moraes Filho em que

estiveram recentemente envolvidas as pesquisadoras Elina Pessanha, Regina Morel,

Ângela de Castro Gomes e Glaucia Villas Bôas, como destacamos no início desta

introdução. As publicações daí decorrentes, assim como a própria Biblioteca Virtual

Evaristo de Moraes Filho, foram decisivas para a realização desta dissertação, pois, nos

propiciaram o acesso à informações e materiais que dificilmente poderiam ser

conseguidos por outros meios, como, por exemplo, os artigos escritos por Evaristo ainda

na década de 1930 que, felizmente, boa parte agora se encontra disponibilizada ao

público no endereço eletrônico da Biblioteca Virtual.

Não obstante, a espinha dorsal, o eixo central por onde se desenvolve este

trabalho é composto fundamentalmente por três obras que Evaristo de Moraes Filho

publica na década de 1950: O problema de uma sociologia do direito, de 1950; O

problema do sindicato único no Brasil. Seus fundamentos sociológicos, de 1952; e

Introdução ao direito do trabalho, de 1956. É com base especialmente nestas obras, que

buscamos apreender em que consiste efetivamente a sociologia do direito – ou

sociologia jurídica5 – para Evaristo de Moraes Filho, bem como sua relevância para a

formação das idéias propostas pelo autor, tanto no campo do direito quanto no da

sociologia, durante aquela década.

Diferentes fragmentos contribuem diferentemente para a nossa compreensão: alguns são úteis por sua cor, outros porque realçam os contornos de um objeto.” (Becker, 1994; pp. 104-105). 5 A título de esclarecimento, vale frisar que, a partir da investigação realizada, não nos foi possível perceber qualquer diferença substantiva entre as denominações “sociologia do direito” e “sociologia jurídica”. No entanto, alguns autores, sobretudo Junqueira (1993), se empenham em demonstrar a existência de diferenças conceituais entre elas. Alega que enquanto a primeira diria respeito ao trabalho especificamente realizado por profissionais das ciências sociais, a segunda diria respeito à investigações de cunho sociológico desempenhadas por juristas de formação. De nossa parte, porém, tal distinção não nos parece algo relevante, de modo que, em compasso com a maioria das publicações do gênero, inclusive no que tange a Evaristo, aqui utilizaremos ambas as denominações com o mesmo significado, portanto, como sinônimos.

Page 21: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

20

No primeiro capítulo, portanto, a partir de uma análise focada em O problema de

uma sociologia do direito, nossa atenção se dirige à concepção sociológico-jurídica de

Evaristo. Em resumo, apresentamos como a partir de um debate travado com a “teoria

pura do direito”, de autoria do jurista de Viena Hans Kelsen, Evaristo sistematiza uma

ciência dotada da capacidade de surpreender o direito em sua realidade fática, objetiva,

como mero fato social. Uma ciência sociológica particular que compreende o direito

como elemento dinâmico e plural, porque nascido de e voltado para os processos sociais

concretos em que estão envolvidas as diversas instituições que conformam a sociedade,

e não como algo estático, abstrato, como que surgido unicamente do trabalho de

depuração lógica levado a cabo pelos agentes do campo jurídico. Neste sentido, como as

demais especialidades sociológicas, Evaristo diria se tratar de uma ciência empírico-

causal que procura levar em consideração os diversos fatores sociais, políticos,

econômicos e ideológicos que incidem sobre a constituição dos fenômenos jurídicos.

Uma ciência que, em suma, reconhece seu objeto como fruto mesmo da realidade social

e não como um monopólio da agência estatal, como propõe o conhecimento tradicional

da ciência jurídica.

Neste sentido, em debate com parte da literatura voltada ao estudo do processo

de institucionalização das ciências sociais no Brasil, este capítulo se ocupa ademais, em

demonstrar a insuficiência de uma interpretação consagrada que procura compreender

este processo a partir de uma rígida oposição que coloca, de um lado, os sociólogos

paulistas, tidos como intelectuais essencialmente democráticos, propositores de um

conhecimento desinteressado, voltados para os interesses da sociedade civil e, portanto,

alheios ao jogo político; e, de outro lado, em sentido diametralmente oposto, os

sociólogos cariocas, vistos como intelectuais necessariamente autoritários que, por sua

maior ou menor vinculação ao Estado, depositariam neste o primado do processo de

Page 22: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

21

transformação social pretendido para o Brasil. Introduzindo a questão sobre a

especificidade de Evaristo no contexto intelectual dos anos 1950, sobretudo em relação

à intelectualidade sociológica, procuramos neste capítulo relativizar estas noções.

Demonstramos que, apesar de Evaristo ser carioca e ter passado boa parte de sua vida

no âmbito do Ministério do Trabalho, poucos sociólogos do período seriam mais

democráticos do que ele. E isto se deve, em grande medida, à própria concepção

sociológico-jurídica que partilha, pois, com base nela, seu referencial cognitivo iria

apontar para uma relação entre sociedade civil e Estado, no qual a primeira teria

inquestionável prevalência sobre o segundo; distinguindo-se, assim, das considerações

relativas a uma certa sociologia do desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro à

época, que preconizava um papel de destaque ao Estado na condução do processo de

transformação social do Brasil, por reconhecer na sociedade civil brasileira um

aglomerado de indivíduos amorfos, portanto, sem qualquer capacidade de intervenção

coletiva pelas transformações que se faziam necessárias.

Perspectiva que avançamos no segundo capítulo do trabalho, onde, através de

uma análise sobre sua obra de maior expressão na seara da sociologia, O problema do

sindicato único no Brasil, buscamos demonstrar que a sociologia do direito consiste

num recurso cognitivo essencial pelo qual Evaristo fundamenta sua posição democrática

em favor da sociedade civil. Após dedicarmos algumas palavras acerca dos objetivos e

intenções que orientaram a publicação do livro, seguimos com uma abordagem sobre

seus aspectos teórico-metodológicos. Aí, procuramos demonstrar como Evaristo

mobiliza os postulados próprios da sociologia jurídica apresentados e definidos em seu

livro de 1950, nesta sua pesquisa empírica sobre a relação entre os sindicatos e o Estado

no Brasil; donde concluímos que o livro se trata de uma autêntica sociologia do direito

do trabalho. Com base nesta compreensão, acompanhamos a análise sociológico-

Page 23: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

22

jurídica desenvolvida pelo autor que, remontando ao período de nossa Primeira

República, demonstraria a natureza genuinamente social do direito do trabalho no

Brasil. Recuperando historicamente os sujeitos sociais responsáveis por esta construção

legislativa particular, onde tem papel de destaque os sindicatos de trabalhadores,

Evaristo viria negar um dos maiores mitos da história política e social do país, a idéia de

que tais direitos sociais teriam sido uma benesse, uma outorga realizada de bom grado

pelo antigo Chefe do Estado Novo, Getúlio Vargas. Fundado, pois, sobre os postulados

de sua sociologia jurídica, Evaristo, de um lado, atestaria a falácia em que se assentava

este discurso ideológico e, de outro, daria provas manifestas do potencial associativo da

sociedade civil brasileira. Neste sentido, ao contrário de muitos outros intelectuais de

sua época, Evaristo advogaria a necessidade de um redimensionamento do espaço

ocupado pelo Estado na sociedade brasileira. Segundo ele, para o Brasil tornar-se uma

democracia real, e não apenas formal, seria necessário retomar o caminho natural que

estava sendo trilhado pela própria sociedade rumo ao seu desenvolvimento, antes da

instauração do regime do Estado Novo que, por sua vez, estabeleceu um rigoroso

controle sobre a ação e o funcionamento de nossas organizações sindicais. Tornava-se

urgente, portanto, o estabelecimento de um novo marco legal ao direito trabalhista

brasileiro, que, restringindo o controle estatal sobre os sindicatos, viesse possibilitar

novamente com que a sociedade fosse a responsável direta pela condução de seu próprio

destino.

No terceiro e último capítulo desta dissertação, nosso foco recai sobre a inserção

de Evaristo no campo jurídico nacional. Após destacarmos a relevância que o direito do

trabalho ocupa em sua vida, tendo em vista as várias atividades profissionais que

desempenhou no âmbito deste ramo particular do direito – tais como a docência no

magistério superior, o cargo de Procurador do Trabalho, a elaboração do anteprojeto de

Page 24: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

23

Código do Trabalho e etc. – nossas atenções se voltam para uma abordagem que

procura desvelar a relação entre a sociologia jurídica e a sua perspectiva doutrinária a

respeito do direito do trabalho.

Antes de mais nada, importa esclarecer que por “perspectiva doutrinária” não

fazemos referência à idéias que se proponham inquestionáveis, impostas

irrefletidamente pela força de algum indivíduo ou instituição que se arrogue detentor de

uma suposta verdade absoluta. No direito, que é como aqui aparece, “doutrina” é um

conceito largamente utilizado e que diz respeito a uma sistematização teórica, de cunho

propriamente acadêmico-científico, voltada à reunião coerente, lógica, dos princípios e

características que qualificam determinado ramo do direito. Em sentido geral, o

conceito de “doutrina jurídica” responde por um trabalho intelectual, quase sempre

fundado sobre pesquisas exaustivas acerca da jurisprudência dos tribunais e da

bibliografia relativa a um ramo jurídico particular, com vistas ao estabelecimento de

uma interpretação que transcenda a dimensão específica da lei escrita, positiva,

buscando uma compreensão mais profunda acerca do sentido que encerra suas normas

e, desta forma, servir como instrumento teórico para o desenvolvimento do trabalho

profissional realizado pelos diversos agentes do campo jurídico – advogados, juízes,

desembargadores e etc.

Em relação a Evaristo de Moraes Filho, pode-se dizer que trate de um dos mais

renomados doutrinadores do direito do trabalho no Brasil. Sua obra de 1956, Introdução

ao direito do trabalho, expressão mais bem acabada de sua doutrina jurídico-trabalhista,

e por isto mesmo nossa principal referência para este capítulo, seria, sem sombra de

dúvida, o maior sucesso editorial da carreira do autor, chegando à 9ª edição em 2003,

com publicação realizada pela editora LTr. Assim sendo, nossa abordagem sobre o

Page 25: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

24

espaço da sociologia do direito no pensamento de Evaristo não poderia desconsiderar

esta dimensão de suas atividades intelectuais.

E o que se verifica aqui é uma influência central da sociologia jurídica sobre sua

doutrina. Em que pese a especificidade teórica de uma construção como esta,

propriamente ligada à ciência do direito e não à sociologia, ainda assim os postulados

sociológico-jurídicos que informam o pensamento do autor seriam decisivos para sua

elaboração, uma vez que, segundo procuramos demonstrar no capítulo, seriam eles os

responsáveis diretos pela fundamentação teórica da doutrina em questão; determinando

a maneira pela qual Evaristo concebe sua natureza jurídica, sua definição, sua

denominação, e mesmo a abrangência de seu horizonte legislativo.

Após analisarmos detalhadamente estes pontos, nos ocupamos, porém, com as

finalidades e características atribuídas por Evaristo ao direito do trabalho, aspectos que

fornecem a identidade mesma de sua doutrina. Em resumo, o direito do trabalho é

apontado pelo autor como um instrumento privilegiado de intervenção social para a

conquista de uma democracia plena e para a redução das desigualdades sócio-

econômicas oriundas do sistema capitalista. Trata-se de um direito de transição que

anuncia uma organização social ainda por se fazer existente e que, como tal, se

diferencia inteiramente dos princípios que informam o direito civil. Não se orienta,

portanto, pelo fundamento jurídico individualista que propõe a igualdade de todos

perante à lei, ao contrário, persegue a justiça e a igualdade tratando desigualmente a

seres desiguais social e economicamente. Tendo por base a sociologia jurídica como seu

fundamento teórico, a doutrina de Evaristo reconhece como fato a subordinação inerente

às relações de trabalho na ordem capitalista e, por isto mesmo, estabelece como sujeitos

de titularidade deste direito os trabalhadores dependentes. Neste sentido, a principal

finalidade jurídica do direito do trabalho seria a proteção e tutela dos trabalhadores, a

Page 26: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

25

partir de normas que venham compensar juridicamente a desigualdade sócio-econômica

que lhes caracterizam em função de sua posição subordinada na relação de emprego.

Entendendo, porém, que uma das características principais deste direito é a sua evolução

permanente, seu constante vir-a-ser, encerramos este capítulo apontando a perspectiva

utópica com que Evaristo de Moraes Filho concebe o direito do trabalho. Em verdade,

com sua doutrina, ele aprofunda as aspirações democráticas que já havia depositado

sobre este direito por ocasião de O problema do sindicato único no Brasil.

Na conclusão desta dissertação, a partir de uma análise sintética, buscamos

demonstrar toda a relevância que a sociologia do direito ocupa no pensamento de

Evaristo de Moraes Filho durante a década de 1950. Apontamos o fato de que esta

sociologia especial não somente surge como fio condutor ligando suas atividades

intelectuais no campo do direito e da sociologia, como, sobretudo, consiste no aspecto

diferencial de sua inserção no debate intelectual daquele período. Assim sendo,

entendemos que tal sociologia atua como um fundamento essencial pelo qual Evaristo

encontraria no direito do trabalho o instrumento privilegiado para uma reforma social de

cunho democrático no Brasil. Uma utopia que singularizaria a perspectiva de Evaristo

frente ao que aqui se produzia em meados do século passado, em especial no campo das

ciências sociais.

Neste nosso trabalho, portanto, fazemos uma leitura do pensamento de Evaristo

de Moraes Filho pelo viés específico de sua concepção sociológico-jurídica, abordando

sua influência sobre a construção de obras e idéias que lhe trariam renome na sociologia

e no direito nacionais durante a década de 1950. Com isto, demonstramos ciência de que

esta dissertação consiste numa pequena contribuição ao entendimento deste importante

intelectual brasileiro, contudo, esperamos que seja uma contribuição valiosa pela

Page 27: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

26

possibilidade que se abre de expandir o conhecimento a seu respeito para os jovens

cientistas sociais de nossa época.

Page 28: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

27

CAPÍTULO 1

O INTELECTUAL E SUA SOCIOLOGIA JURÍDICA

1.1 - Um intelectual a serviço da sociedade e da democracia no Brasil.

Que elementos sociais e políticos condicionaram a profissionalização das

Ciências Sociais no Brasil? Qual a relação entre os agentes políticos e empresariais e o

desenvolvimento de instituições voltadas à pesquisa sociológica em nosso país? Qual a

singularidade teórica e metodológica contida na produção dos primeiros praticantes da

Ciência Social brasileira que os distingue da intelectualidade que lhes precede

historicamente? A que se propôs, ou melhor, que funções assumiram estes primeiros

sociólogos profissionais no sentido do desenvolvimento ulterior de nossas ciências

sociais, bem como de sua atuação no debate público sobre a realidade social do país? A

busca por responder a estas e outras perguntas tem sido o móvel principal de um

conjunto de pesquisas realizadas nas últimas décadas voltadas à apreensão do processo

mais amplo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Não obstante, tem

sido possível perceber dentro deste campo de reflexão, uma espécie de homogeneização

interpretativa que resulta diretamente da consideração a um conjunto mais ou menos

restrito de variáveis, de forma que, a despeito da capacidade e da heterogeneidade dos

pesquisadores voltados a esta problemática, tem contribuído para uma percepção

estereotipada do processo de institucionalização das Ciências Sociais em terras

brasileiras.

Há cerca de quinze anos atrás, Lúcia Lippi de Oliveira já havia chegado à

semelhante constatação quando, por ocasião de pesquisa sobre a história das Ciências

Page 29: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

28

Sociais no Rio de Janeiro6, afirmava a existência de uma vertente de análise tida como

“consagrada” nos trabalhos que tratam do processo nacional de instituição das novas

disciplinas. Segundo a autora, esta perspectiva seria herdeira das pioneiras observações

desenvolvidas por Donald Pierson e Florestan Fernandes7, que postulavam a idéia de

que a criação dos cursos de sociologia na USP e na Escola Livre de Sociologia e

Política de São Paulo (ELSP) durante os anos 1930, significariam um marco de ruptura

radical na história da sociologia até então produzida no país. Ainda segundo a autora,

por intermédio de sociólogos como Antônio Cândido e Luiz de Aguiar Costa Pinto,

dentre outros, esta perspectiva ganhou extrema notoriedade e, por conseguinte, instituiu

a idéia de que as iniciativas pioneiras da ELSP e da USP determinaram uma profunda

descontinuidade em relação aos estudos sociológicos que antecederam estas

experiências, pois, segundo este enfoque analítico, foi somente a partir de então que a

sociologia teria abandonado sua veia literária e se constituído em um campo

propriamente científico.

Ademais, de acordo com esta vertente de análise, o estatuto de cientificidade dos

sociólogos profissionais de São Paulo resultaria de outras variáveis que estão além da

introdução de novos métodos de pesquisa8, tais como sua constituição enquanto uma

comunidade científica de tipo mertoniano9, que teria possibilitado a esta intelectualidade

manter-se autônoma frente aos interesses políticos do empresariado paulista - por sua

6 Refiro-me aqui a Oliveira (1995). 7 Para uma análise acerca da relevância de Donald Pierson para a institucionalização da sociologia como disciplina autônoma no Brasil, bem como de seu legado sobre importantes sociólogos como Florestan Fernandes e outros, ver, da mesma autora, Oliveira (1987). 8 Tem destaque aqui o método de investigação propriamente etnográfico que, por sua vez, viria a ter grande influência sobre a produção sociológica paulista nos anos 1940 e 1950, através do que ficou conhecido como “estudos de comunidades”. As publicações de Pierson (1945; 1948) e o estudo de Cândido (2003, 10ª ed.), entre outros, representam bem a presença desta orientação nas pesquisas sociológicas paulistas de então. 9 Segundo Werneck Vianna (1997), que emprega esta noção de “comunidade científica mertoniana”, a intelectualidade sociológica de São Paulo teria conseguido exercer uma auto-jurisdição sobre suas atividades e, desta forma, consolidar seu espaço no ambiente universitário como uma estratégia de autonomia em relação ao seu mecenato.

Page 30: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

29

vez, idealizador do projeto de institucionalização das Ciências Sociais em São Paulo10 -

e, como destaca Miceli (1989), sua distância em relação à Faculdade de Direito, tendo

em vista a vocação pouco científica deste espaço em função da efervescência política

que o animava durante as décadas de 1930 e 1940. Estas variáveis incidentes sobre o

processo de institucionalização das Ciências Sociais em São Paulo seriam, segundo a

interpretação dominante, as bases sob as quais a Ciência Social paulista apresentaria

uma singularidade marcante frente aos outros estados da federação. Para nós, cumpre

observar mais de perto como, tendo referências na experiência paulista, esta visão

“consagrada” aborda o processo de institucionalização das novas disciplinas no Rio de

Janeiro.

Por oposição comparativa, parte importante da literatura especializada vai

enxergar a institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro por um ângulo

radicalmente distinto; na verdade, em sentido diametralmente oposto ao que teria

ocorrido na experiência paulista. Entre 1930 e 1964, o único ponto em comum entre a

Ciência Social paulista e a carioca, segundo Werneck Vianna, diz respeito ao fato de

que “ambas inscrevem a disciplina [sociologia] na vida pública em torno de uma

agenda de reformas sociais.” (1997, p. 198). Mas as convergências param por aí. A

interpretação dominante é que apesar de ambas terem se constituído enquanto

intelligentsia11, entre o Rio e São Paulo teria havido, neste particular, uma “diferença

gritante” (Miceli, 1989; p. 81).

10 Importa destacar, no entanto, que a camada empresarial aqui mencionada diz respeito, sobretudo, aos setores envolvidos com o mercado cultural, tais como donos de jornais de grande circulação e editoras de livros. Para uma abordagem mais detalhada sobre este ponto, ver Miceli (1979). 11 Aqui, utilizamos o termo no sentido proposto por Martins (1987). O termo é cunhado pelo autor em pesquisa voltada à intelectualidade brasileira com foco no período entre 1920 e 1940. Como mesmo apresenta o autor, o termo é marcado por intensa polissemia em função das distintas apropriações de seu significado, desde sua criação na Rússia em fins do século XIX. Neste sentido, Luciano Martins o emprega para dar significação cognitiva aos grupos específicos de intelectuais que se caracterizam por ter como atributo principal a relação entre suas atividades e a esfera política da sociedade. Tem-se como pressuposto aqui, a compreensão de que não existe relação necessária entre a condição de intelectual e a de ator político.

Page 31: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

30

Tanto quanto em São Paulo, o processo de institucionalização das Ciências

Sociais no Rio de Janeiro também seria um reflexo das transformações sociais, políticas

e econômicas vividas pelo país a partir de 1930 (Almeida, 1989). No entanto, por ser a

então capital da República, a literatura vai destacar a forte presença do Estado neste

processo. Segundo Miceli, o que vai caracterizar o processo de institucionalização das

novas disciplinas em terras cariocas é o caráter clientelista que teria marcado às relações

entre o sistema político e as instituições; donde a alocação em postos e cargos

acadêmicos resultaria diretamente seja de relações pessoais, seja das demandas próprias

dos setores governamentais12. Assim, se em São Paulo a nova intelectualidade

sociológica pôde lograr uma substantiva autonomia frente aos interesses políticos de

seus idealizadores, no Rio de Janeiro o que teria ocorrido seria exatamente o inverso;

com o aparelho de Estado frustrando iniciativas universitárias autônomas, como no caso

da UDF, em que contou com a ativa participação dos intelectuais católicos desejosos de

manter o monopólio da Igreja em relação à educação superior (Almeida, 1989; Oliveira,

1995), e, sobretudo, com a intensa cooptação dos intelectuais a partir de meados da

década de 1930 que, por sua vez, teriam forte presença em instituições como o

Ministério da Educação e Cultura (MEC) e o Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio (MTIC). Geralmente, as gravuras de Portinari no edifício do MEC são

evocadas como marco simbólico desta estreita vinculação ocorrida entre os intelectuais

e o Estado no Rio de Janeiro (Martins, 1987; Almeida, 1989; Pécaut, 1990).

Dentro deste contexto, a intelligentsia sociológica do Rio de Janeiro seria

marcada por sua direta vinculação ao Estado. Ao contrário da experiência paulista,

portanto, no Rio, a institucionalização das Ciências Sociais teria ocorrido por fora do

12 A este respeito, afirma Miceli (1989, pp. 81-82): “Na então capital federal, o vigor institucional e intelectual das Ciências Sociais esteve via de regra ancorado em iniciativas assumidas ou encampadas por setores políticos e governamentais influentes (...) No Rio de Janeiro, nos dois empreendimentos universitários citados [a Universidade do Distrito Federal e a Faculdade Nacional de Filosofia] verifica-se uma corrida política em torno das posições disponíveis, logo convertidas em alvos de clientelismo (...)”.

Page 32: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

31

espaço universitário. Não seria, pois, a universidade o lócus profissional desta

intelectualidade, mas sim instituições para-universitárias financiadas com recursos

governamentais, o que teria levado Werneck Vianna a afirmar que não havia “Nada

mais distante da experiência de um cientista social carioca do que uma comunidade

científica mertoniana” (1997, p.194); e Sérgio Miceli, comparando com a experiência

paulista, complementaria dizendo que “(...) o Rio de Janeiro está para a política assim

como São Paulo está para a ciência” (1989, p. 89), buscando com isto ilustrar a

heteronomia dos intelectuais cariocas frente ao Estado.

Neste sentido, quase sempre fundada exclusivamente sobre a experiência do

ISEB13 e de alguns de seus principais participantes, tais como Hélio Jaguaribe e Alberto

Guerreiro Ramos, o processo de institucionalização das Ciências Sociais no Rio de

Janeiro será abordado pela literatura como resultado direto das demandas políticas14.

Tratar-se-iam, pois, de “intelectuais de Estado” em oposição aos “intelectuais da

sociedade civil” que tiveram vez em São Paulo (Werneck Vianna, 1997). Assim, a

produção teórica desta intelligentsia seria antes de tudo uma autêntica “sociologia do

desenvolvimento”, a qual teria por sentido formular representações e diagnósticos

acerca dos problemas que impediam o desenvolvimento da nação. Por conseguinte,

ainda que fosse uma sociologia comprometida com as reformas sociais, o seria elegendo

o Estado e a política econômica como a agência e o instrumento mais adequados para

“provocar” as mudanças sociais tidas como necessárias à superação do atraso sócio-

13 Sobre o ISEB ver, entre outros, Pécaut (1990); Toledo (1982); e Sodré (1978). 14 Mesmo abordando uma maior diversidade de instituições que tiveram vez no processo de profissionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro, tais como o CBPE, a CLAPCS e o ICS, dentre outros, Almeida (1989) sintetizaria suas observações sobre este processo fundamentalmente a partir da experiência isebiana, levando-a a uma conclusão muito próxima daquela a que chegaram Werneck Vianna e Sérgio Miceli, qual seja, a de que os trabalhos intelectuais oriundos de tais instituições “(...) tratavam-se de uma produção que não se dirigia à comunidade acadêmica, nem tampouco aos cultores de conhecimento diletante e desinteressado. Ao revés, os destinatários das Ciências Sociais eram as elites políticas do país.” (p. 216).

Page 33: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

32

econômico do país (Almeida, 1989)15. Portanto, enquanto “intelectuais de Estado”, os

cientistas sociais cariocas valer-se-iam da ciência como fundamento para subsidiar um

transformismo protagonizado pelo poder público; apontando sua primazia para fazer do

Brasil uma nação moderna.

Desta maneira, se em relação a São Paulo a literatura irá reconhecer a influência

dos intelectuais reunidos na década de 1920 em torno da Associação Brasileira de

Educação (ABE) sobre os cientistas sociais daquele estado – o que se expressaria tanto

teórica quanto praticamente -, no que tange aos seus colegas cariocas, tal literatura irá

frisar sua vinculação estreita com o ensaísmo ilustrado do início do século XX. Assim,

descendendo da produção ensaística “quase que por filiação direta”, como destaca

Werneck Vianna (1997, p. 195), a produção sociológica do Rio de Janeiro – e, ainda

mais importante, seus intelectuais – não representariam qualquer descontinuidade em

relação à intelligentsia que se origina no Brasil em fins do século XIX. Como esta, os

cientistas sociais do Rio de Janeiro serão abordados como representantes de uma

intelectualidade elitista que continuaria a hipotecar às elites políticas a tarefa de

modernizar o Brasil em detrimento da sociedade civil16. Por este motivo, ainda que

orientada à transformação social, a sociologia carioca será vista como conservadora,

pois que, ao confiar ao Estado o primado desta transformação, tal sociologia não estaria

comprometida com a edificação de uma ordem social democrática no Brasil. A

15 Como destaca Villas Bôas (2006), esta orientação de atuar sobre a realidade social do país com vistas à superação de suas desigualdades, é uma marca distintiva dos cientistas sociais da década de 1950 – independentemente da localização geográfica de suas atividades. Demonstra a autora que, apesar de divergências e particularidades, esta seria uma orientação comum àqueles intelectuais. Em função disto, segundo informa, “’Mudança provocada’ era uma expressão comum no vocabulário dos sociólogos dos anos 1950. Reveleva a liberdade de agir dentro de um plano elaborado de antemão. Traduzia o desejo de intervir na espontaneidade dos acontecimentos para mudar a feição das instituições, das mentalidades, da distribuição do poder, impondo uma regularidade nova à conduta cotidiana de homens e mulheres.” (idem, p. 13). 16 Buscando demonstrar o caráter elitista dos cientistas sociais da então capital federal em relação aos paulistas, Miceli, (1989) leva em consideração ainda o fato de que muitos dos pioneiros das Ciências Sociais no Rio de Janeiro têm sua formação profissional em cursos superiores tradicionais, sobretudo em direito. Tal aspecto, segundo o autor, seria uma marca distintiva da origem social destes pioneiros e, como tal, elemento de compreensão no que tange ao sentido teórico-político de suas produções.

Page 34: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

33

passagem que se segue é bem ilustrativa a respeito desta interpretação. Referindo-se à

intelectualidade carioca e sua produção sociológica, seria taxativo Werneck Vianna

(idem, p. 197):

Nesta construção, a mudança social não pode prescindir de uma intelligentsia influente na agência estatal e que, a partir de um diagnóstico com requerimentos de perícia científica, assinale com precisão quais os obstáculos que hipotecam o moderno ao atraso e ao subdesenvolvimento. Por isso, não se trata de uma sociologia orientada para a conquista e regulação de uma boa ordem democrática.

Dentro deste rígido esquema interpretativo, porém, não há espaço para a grande

figura de Evaristo de Moraes Filho e, com efeito, investigar sua produção teórica, bem

como sua trajetória profissional, leva, ainda que indiretamente, a um choque inevitável

com esta interpretação dominante.

Jurista, artífice da implementação da Justiça do trabalho no Brasil, autodidata

nos assuntos sociológicos; tais características de sua vida profissional e intelectual

poderiam levar, numa conclusão apressada, ao reconhecimento de que Evaristo de

Moraes Filho se enquadraria perfeitamente na interpretação anteriormente exposta

acerca dos pioneiros da Ciência Social carioca. Contudo, para isto, seria necessário

manter-se na superficialidade das informações e, ademais, continuar preso a noções

essencialistas que enxergam nos juristas um papel social de irremediável colaboração

com as elites dirigentes e, de outra parte, que todos os intelectuais que tomaram parte no

Estado entre as décadas de 1930 e 1950 tinham por função fazer desta agência um

verdadeiro leviatã hobbesiano na condução do processo de modernização

experimentado pela sociedade brasileira no período17. Não sendo este o nosso caso,

acreditamos que um exame, ainda que sucinto, de sua trajetória contribui para

desmistificar estas noções, bem como, para trazer a lume elementos novos que possam

17 Para uma análise detalhada sobre o processo de modernização sócio-econômica experimentado pelo país a partir de 1930, ver Fernandes (1960) e Ianni (1963), entre outros.

Page 35: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

34

sugerir uma compreensão diferenciada sobre o processo de institucionalização das

Ciências Sociais no Brasil.

Evaristo de Moraes Filho, que viria a ser um dos principais personagens da

institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro durante os anos 1950 e

196018, inicia sua carreira como agente público ainda em 1934, no âmbito do recém

criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Nesta ocasião, ainda estudante da

Faculdade Nacional de Direito, tornar-se-ia secretário das Comissões Mistas

Conciliação onde permaneceria por sete anos19. Este período seria fundamental na

trajetória intelectual de Evaristo de Moraes Filho, pois, de um lado, o contato direto

com as contendas trabalhistas lhe permitiria ter uma compreensão profícua acerca dos

conflitos sociais que agitavam os anos 1930 – experiência que seria determinante para a

construção de sua perspectiva sociológica, da qual o livro O problema do sindicato

único no Brasil. Seus fundamentos sociológicos, publicado pela primeira vez em 1952, é

a mais destacada expressão. De outro lado, é ainda durante estes sete anos que se

verifica a expansão de sua “bagagem” intelectual; bacharelando-se em direito em 1937 e

iniciando os seus estudos de filosofia na Faculdade Nacional de Filosofia em 1939

(Gomes; Morel; Pessanha, 2007). Ademais, é o período onde o intelectual já mostra

18 Evaristo foi um dos co-fundadores do chamado Instituto de Ciências Sociais (ICS) em 1958, ao lado de intelectuais como Victor Nunes Leal, Temístocles Cavalcanti, Luís de Aguiar Costa Pinto, Luis de Castro Faria, Darcy Ribeiro, dentre outros. Tratava-se da primeira instituição de pesquisas em Ciências Sociais de natureza propriamente universitária no Rio, já que era parte constitutiva da Universidade do Brasil. Evaristo de Moraes Filho foi seu maior presidente, pois, esteve à frente do instituto em quatro gestões – 1960, 1962, 1966 e 1967. O intelectual carioca teve ainda importante participação na Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), na qual chegou a constituir sua primeira diretoria no cargo de vice-presidente em 1962. O presidente foi Florestan Fernandes. Informações extraídas de depoimento publicado por Gomes, Morel e Pessanha (2007). Para mais detalhes sobre o papel de Evaristo de Moraes Filho na Institucionalização das Ciências Sociais no Rio de Janeiro, ver Amorim (2005). 19 Evaristo esteve à frente do cargo de secretário das Comissões Mistas de Conciliação de 25 de abril de 1934 a março de 1941. Tais comissões, que foram criadas pelo Decreto n. 21.396, de 12 de maio de 1932, não eram instâncias julgadoras, sua função era apenas mediar os conflitos coletivos de trabalho com vistas ao estabelecimento de acordos. Por conseguinte, sua composição respeitava a proporção entre empregados e empregadores, tendo cada parte três representantes. Informações extraídas de Gomes, Morel e Pessanha (2007).

Page 36: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

35

domínio avançado dos conhecimentos sociológicos, publicando interessantes artigos

nesta área20.

Em 1941, quando da inauguração da Justiça do trabalho no Brasil, Evaristo de

Moraes Filho deixaria o cargo de secretário das Comissões Mistas de Conciliação para

assumir o posto de Procurador da Justiça do trabalho, cargo em que permaneceria até

1965 quando resolve se aposentar voluntariamente em função do golpe militar de 1964

(idem). Ao lado de juristas como Joaquim Pimenta, Arnaldo Süssekind e outros,

Evaristo integraria um “time” de jovens procuradores entusiasmados em atuar

diretamente pelas reformas sociais no país.

Em relação a Evaristo, no entanto, sua longa carreira de agente público no

âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - seja como secretário das

Comissões Mistas de Conciliação, seja como procurador do trabalho – não significou

adesão ao espectro ideológico da época, segundo o qual o Estado deveria ser forte e

autoritário para levar a cabo a tarefa de modernizar o país, tendo em vista a fraqueza de

amplos setores da sociedade civil em se desvencilhar da dominação imposta pelas

oligarquias regionais. Não veria, pois, o Estado como agência mais adequada para

“construir a nação”, como propuseram Alberto Torres, Oliveira Vianna e outros

intelectuais nas primeiras décadas do século XX. De fato, não deixaria de reconhecer

funções importantes ao Estado e, também, não observaria negativamente o processo de

industrialização experimentado pelo Brasil no pós-30, contudo, Evaristo não seria um

“intelectual de Estado” na acepção formulada por Werneck Vianna (1997); melhor seria

caracterizá-lo como um “intelectual no Estado”, pois, ao longo de toda a carreira suas

20 Entre estes, “Marx e a sociologia contemporânea”, publicado em novembro de 1934 em A Idéia; “A problemática da sociologia do saber”, publicado em setembro de 1937 em A Idéia; “Introdução à sociologia rural”, publicado em 12 de dezembro de 1937 no Jornal do Commércio; e “A comunidade rural”, publicado em fevereiro de 1938 no Mensário Jornal do Commércio. Para maiores informações ver site da Biblioteca Virtual Evaristo de Moraes Filho. Endereço: http://www.bvemf.ifcs.ufrj.br/producao_intelectual.htm#artigos Acesso em: 01/04/2009.

Page 37: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

36

concepções manter-se-iam coerentes e autônomas frente à ideologia ventilada no

período. Seu caso, aliás, não seria único! Antônio Cândido (1979) faz considerações em

mesmo sentido ao abordar a passagem de Carlos Drummond de Andrade pelo gabinete

do ministro Gustavo Capanema durante a década de 1940; e Carlos Nelson Coutinho

(1981) pondera, de maneira geral, o equívoco em associar o posto de funcionário

público com convicções políticas de cunho reacionário.

Em verdade, como muitos outros intelectuais, soube Evaristo perceber, à época,

o caráter ambíguo do Estado que se edificava a partir da Revolução de 30. Neste

sentido, percebeu décadas antes de muitos outros cientistas sociais o binômio

“conservação-mudança” que caracterizaria aquele Estado21; criticando veementemente

seu autoritarismo, mas valendo-se de sua contradição inerente para avançar no

atendimento às demandas próprias da sociedade civil. Por conseguinte, sua passagem

pelo Estado Novo não deve ser encarada como adesão política e/ou ideológica ao

regime, pois, segundo ele mesmo afirma: “Procurador da Justiça do trabalho, eu metia

o pau no Estado Novo e em Getúlio! Feri suscetibilidades e, por isso, fiquei 16 anos à

espera de promoção.” (Gomes; Morel; Pessanha, 2007; p. 115).

A razão para esta especificidade de Evaristo em relação ao Estado e à ideologia

de sua época, assim como no que diz respeito aos fundamentos mesmos de sua

produção sociológica ou jurídica, a nosso ver, resultam dos princípios gerais que

informaram a constituição de seu pensamento. Segundo pensamos, ainda que

reconhecesse o mérito da ensaística de um Sérgio Buarque de Holanda ou de um

Gilberto Freyre, bem como a de um Tobias Barreto ou Silvio Romero, não nos parece

que aí se situem as referências fundamentais que informariam a concepção intelectual

21 Segundo apresenta Werneck Vianna (1997), é somente a partir dos anos 1970 que os cientistas sociais se voltam a compreender o processo de modernização conservadora experimentado pelo país a partir de 1930. Entre os autores que tomam parte nesta análise, Werneck Vianna cita Francisco de Oliveira, José Murilo de Carvalho, Simon Schwartzman, Florestan Fernandes, Luciano Martins e outros.

Page 38: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

37

de Evaristo de Moraes Filho; contrariando, pois, a generalização desenvolvida por

Werneck Vianna (1997), que enxerga na produção dos cientistas sociais cariocas uma

descendência por filiação direta à tradição do ensaísmo sociológico. Em verdade, as

concepções de Evaristo descenderiam, sobretudo, de uma fração da intelligentsia

nacional ainda pouco explorada pelos especialistas voltados ao tema da relação entre

intelectuais e política no Brasil, como é possível apreender dos trabalhos de Martins

(1987) e Pécaut (1990), por exemplo. Refiro-me aos intelectuais socialistas do início do

século XX que tiveram ativa participação nas lutas sociais do período; construindo

jornais operários, fundando partidos socialistas e assistindo juridicamente os sindicatos

de trabalhadores em sua luta contra patrões e governos22.

Entre estes, destaca-se a figura do próprio pai de Evaristo, Antônio Evaristo de

Moraes, grande advogado trabalhista e intelectual socialista de primeira hora23, a quem

o filho procurou seguir-lhe os passos com a ambição de se tornar maior do que o pai

(Gomes; Morel; Pessanha, 2007). Entretanto, não seria exclusividade de seu pai o

estabelecimento das referências que norteariam decisivamente sua produção. Outros

intelectuais, como Joaquim Pimenta e Pontes de Miranda – que junto de Antônio

Evaristo e outros viriam constituir o chamado Grupo Clarté24 – seriam muito

22 Para uma análise mais detalhada sobre estes intelectuais e sua atuação na cena política, ver Moraes Filho (1981) e Gomes (1994). 23 Como apresenta Gomes (1994), além de atuar diretamente na construção dos primeiros partidos socialistas do país e junto aos sindicatos de trabalhadores nas greves que sacudiram a então capital federal nas primeiras décadas do século XX – seja escrevendo artigos, seja representando-os juridicamente -, Antônio Evaristo tornar-se-ia o primeiro consultor jurídico do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, sendo de sua autoria e de Joaquim Pimenta a chamada “lei de sindicalização” – Decreto n. 19.770, de 1931 – que regulava a sindicalização das classes patronais e operárias, além de instituir a unicidade como fundamento jurídico do sindicalismo no Brasil. 24 Sobre este agrupamento de intelectuais socialistas, assim informa o verbete do Partido Comunista Brasileiro no DHBB do CPDOC – FGV: “Ainda em 1920 surgiu no Rio de Janeiro o grupo Clarté, filiado ao grupo francês do mesmo nome, liderado por Henri Barbusse e René Lefèvre. Dele participaram, entre outros, [Antônio] Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor Nascimento, Agripino Nazaré e Everardo Dias. Seu objetivo era defender a Revolução Russa e definir o papel dos intelectuais na reforma social brasileira”. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6069_1.asp Acesso em: 01/04/2009. Para uma análise mais detalhada sobre o Grupo Clarté, ver Hall & Pinheiro (1986).

Page 39: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

38

importantes na formação teórica e prática profissional de Evaristo de Moraes Filho;

todos juristas e voltados à constituição de uma ordem verdadeiramente democrática no

Brasil. Em sentido lato, é com base nesta herança intelectual e política, que devemos

compreender a especificidade de Evaristo em relação aos outros pioneiros da Ciência

Social brasileira.

É a partir da influência destes bacharéis socialistas que Evaristo extrai não

somente sua concepção política – fundada sobre um socialismo democrático de cunho

reformista -, como também, a qualidade de surpreender o direito do trabalho a partir de

um enquadramento sociológico; elemento que singularizaria a produção de Evaristo seja

no campo sociológico ou no jurídico. Obras como Apontamentos de direito operário

(1905), de Antônio Evaristo; Sociologia jurídica do trabalho (1944), de Joaquim

Pimenta; e os livros de Pontes de Miranda, Sistema de ciência positiva do direito (1922)

e Introdução à sociologia geral (1926), seriam recorrentes nos trabalhos produzidos por

Evaristo, pois é a partir delas que o intelectual toma contato com o postulado

sociológico-jurídico, segundo o qual o direito – sobretudo, o do trabalho - não consiste

apenas em um conjunto abstrato de normas de conduta produzido e monopolizado pelo

Estado, mas que, acima de tudo, é um produto das relações sociais; um fato

propriamente social originado do conflito de interesses em que se encontram

envolvidos os diversos grupos que constituem a sociedade.

Este postulado próprio de uma sociologia do direito tornar-se-ia um recurso

teórico-metodológico fundamental na produção sociológica de Evaristo de Moraes

Filho. É com base nele, por exemplo, que o intelectual vai se valer do conceito de

“grupo social” trabalhado por sociólogos alemães como Leopold Von Wiese e George

Simmel, para fundamentar a tese capital de O problema do sindicato único no Brasil,

segundo a qual a legislação trabalhista brasileira não se tratou de uma benesse de

Page 40: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

39

Getúlio Vargas à classe trabalhadora durante o autoritário Estado Novo, mas sim que foi

resultado direto das lutas empreendidas por sindicatos de trabalhadores desde fins do

século XIX. Trataremos desta questão mais adiante. Por ora, importa reter que as

prerrogativas próprias da sociologia do direito consistiram no elemento diferencial que

marcaria a produção sociológica de Evaristo de Moraes Filho, seja em relação ao

Estado, seja em comparação com o que produziam seus colegas cariocas no período.

Tendo por base os fundamentos constitutivos desta sociologia especial, o que se

observa é um afastamento considerável de Evaristo pelos problemas que animavam a

produção da chamada “sociologia do desenvolvimento” no Rio de Janeiro de meados do

século XX. Como esta, buscava sua sociologia atuar pela edificação de uma ordem

verdadeiramente moderna e igualitária no Brasil, contudo, não encontraria no Estado o

móvel fundamental desta mudança social. Para Evaristo, a solução do problema passava

essencialmente pela redução do autoritarismo político do Estado, em prol do

reconhecimento de novos atores sociais (sindicatos), e dos direitos coletivos de que são

portadores, na condução do processo de modernização do país. Não se tratava, pois, de

modernização estritamente econômica o que ambicionava Evaristo, mas uma

modernização social e política fundada sobre o fim do controle estatal sobre os

sindicatos, tendo em vista o reconhecimento dos direitos coletivos que estes trazem à

cena sócio-política do país. A sociologia do direito permitiu a Evaristo, portanto,

desenvolver uma compreensão diferenciada da relação Estado/sociedade civil, na qual

esta passa a gozar de substantiva prevalência sobre o primeiro; daí a natureza particular

da relação experimentada por este intelectual frente à agência estatal. Daí resulta

também, o fato de sua produção sociológica consistir em uma autêntica “sociologia de

reforma da sociedade civil”, atributo considerado por Werneck Vianna uma

exclusividade da sociologia paulista da década de 1950 (1997, p. 189).

Page 41: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

40

Assim sendo, partindo da compreensão de que as leis, em sentido geral, guardam

suas raízes na própria sociedade, Evaristo mobiliza sua produção sociológica no sentido

de legitimar o ponto de vista partilhado por muitos democratas, segundo o qual, o

espaço da agência estatal na sociedade brasileira necessitava ser urgentemente

redimensionado. Conforme vem sustentar, o Estado não deveria ser nem liberal demais,

nem autoritário. Deveria reconhecer as liberdades individuais, mas também os

espontâneos direitos coletivos oriundos da sociedade que já eram uma realidade

concreta para todas as nações avançadas no após-guerra. Seu papel deveria ser,

portanto, o de harmonizar e regular os diferentes interesses existentes no seio da

sociedade – sendo estes o verdadeiro “motor” da vida social -, e não sobrepor-se acima

deles buscando “construir a sociedade” a partir de sua vontade.

Por conseguinte, devemos considerar que se Evaristo de Moraes Filho conseguiu

perceber na sociologia do direito um expediente científico que apontava para uma nova

compreensão da relação entre sociedade civil e Estado, não podemos negligenciar que

sua relevância na produção do autor é devida a um certo pragmatismo político25 de

legitimar uma crítica contundente ao autoritarismo do Estado novo e seu mais destacado

fundamento; o corporativismo. Socialista, sempre se opôs à restrição das liberdades e à

intensa repressão às organizações de trabalhadores que se seguiu a partir de 1937. Em

entrevista concedida a José Sérgio Leite Lopes, Evaristo de Moraes Filho expõe toda

sua indignação com o autoritarismo que se abre a partir deste fatídico ano:

Aí o movimento sindical cessou. Cessou porque o Estado Novo não brincava em serviço; a greve era proibida como movimento anti-social, nociva à produção nacional e assim por diante. Isso depois de 37. E fizeram logo uma lei sindical referendando, ratificando esse entendimento. É o

25 Este uso pragmático da sociologia do direito não é uma exclusividade de Evaristo de Moraes Filho. Como apresenta Junqueira (1993), a partir de uma abordagem histórica sobre a sociologia jurídica brasileira, esta relação entre sociologia do direito e pragmatismo é a característica central que marca sua recepção no país, tendo em vista sua potencialidade para o uso prático de juízes e legisladores desejosos de fornecer um embasamento científico às suas atividades.

Page 42: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

41

decreto-lei (...) Esse decreto-lei, 1.402, é ultra-reacionário, fascista. E nas eleições sindicais, a lista dos candidatos tinha que ir para o DOPS. Se o sujeito fosse suspeito de alguma coisa, saía da lista. Essa lei criou o chamado “atestado negativo de ideologia”. Você tinha que provar que não constava nada contra você, que era um bom moço. Foi um absurdo.

(Lopes, 2005; p. 178).

Não por acaso, Oliveira Vianna seria um interlocutor privilegiado em sua

produção teórica; e é verdade que, como este, também reconhecia uma certa falta de

espírito público na sociedade brasileira a qual os sindicatos teriam importante papel a

cumprir. Entretanto, sempre tornou clara sua crítica ao posicionamento autoritário de

Vianna como forma de solução do problema. Certa feita, afirmou Evaristo (2004, pp.

344-345):

Oliveira Vianna pregou, à sua maneira, a educação, a ascensão e a cidadania plena desse homem-massa, mas só via um caminho para isso: o indicado por ele, com sufocação da liberdade e das livres manifestações dos indivíduos, dos grupos, dos municípios, dos estados, em favor da ordem e da disciplina que vinham de cima. Seria, ou deverá ser indicada essa terapêutica, em detrimento das forças vivas da sociedade? Não seria substituir a tirania dos antigos chefes localistas e demagógicos por outra ainda pior, por que única e infalível?

Como revela sua posição, Evaristo nunca se deixou levar pela utopia

corporativista de Oliveira Vianna que alimentava expectativas de equacionamento da

chamada “questão social” no Brasil, a partir da instauração de uma “democracia social”

sem consideração pelas liberdades políticas e pelas garantias constitucionais (Gomes,

1993; 1994)26. Por conseguinte, em sentido contrário a muitos intelectuais de sua época

26 Segundo demonstra Gomes (1994), o conceito de democracia não seria abandonado pela ideologia do Estado Novo, mas apropriado a partir de uma significação nova em contraposição àquela propriamente liberal. De acordo com a autora (idem, pp.182-187): “A nova democracia [social] não se recobria dos aspectos constitucionais liberais, pois se afirmava por outros objetivos (...) significava o abandono da noção ilusória da existência de um regime político que pudesse subsistir como um formato final de organização das sociedades (...) O regime democrático não era o regime da pseudo-representação eleitoral de indivíduos iguais, que na verdade não existem; mas aquela da organização corporativa dos indivíduos em sindicatos diferenciados e dotados de poder político. A nova democracia era a democracia

Page 43: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

42

– sobretudo, juristas –, que tomaram parte ativa na construção da ideologia

estadonovista ao se incorporarem em órgãos de comunicação da estrutura do

Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)27, Evaristo, em companhia de Carlos

Drummond de Andrade, se associaria a chamada União dos Trabalhadores Intelectuais

em 1945 . Tratava-se de uma organização de profissionais liberais contrários ao regime,

na qual figuraram importantes intelectuais, tais como Afonso Arinos de Melo Franco,

Mario Pedrosa e outros. Segundo declara o próprio Evaristo (Gomes; Morel; Pessanha,

2007; p. 102): “A União era fabulosa! Tínhamos um interesse comum na derrubada do

regime. Lá não havia distinção ideológica, pois éramos todos democratas.”.

Este caráter “militante” que orienta a trajetória intelectual de Evaristo de Moraes

Filho em favor dos trabalhadores e do alargamento da democracia no Brasil – em

poucas palavras, em favor da sociedade civil brasileira -, seria também, conforme

observamos, a marca fundamental de sua sociologia. Neste sentido, ao menos que

desconsideremos a relevância deste intelectual para o processo de institucionalização de

nossas Ciências Sociais, nos parece visível a insuficiência daquele rígido modelo

interpretativo que observa a profissionalização de tais ciências a partir de um fosso

intransponível entre os pioneiros da ciência social paulista e carioca. Nele, como vimos,

não há espaço para Evaristo de Moraes Filho, pois, não faculta um entendimento da

produção carioca para além da sociologia do desenvolvimento de um Hélio Jaguaribe

(1969), de um Guerreiro Ramos (1954), ou de um Costa Pinto (1963).

Melhor interpretação nos oferece Villas Bôas (2006). Aí, é possível observar

Evaristo como parte constitutiva de uma geração de cientistas sociais que,

independentemente de suas particularidades e divergências, orientaram-se pela

instauração de uma ordem social igualitária e moderna no Brasil. Se, como demonstra a

das corporações (...) O cidadão desta nova democracia, não mais se definia pela posse de direitos civis e políticos, mas justamente pela posse de direitos sociais.”. 27 Sobre isto, ver, entre outros, Codato & Guandalini Jr. (2003).

Page 44: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

43

autora, diversas foram as relações sociais enfocadas pelos sociólogos desta geração com

vistas a atingir tal objetivo primordial28, em Evaristo, seu foco analítico foi direcionado,

indubitavelmente, às relações sociais de trabalho – especialmente, às relações entre

organizações sindicais e o Estado. O aspecto central a ficar marcado reside, porém, no

fato de que assim o fez com base em uma abordagem propriamente sociológico-jurídica.

Em verdade, a sociologia do direito se constituiu em uma espécie de “conhecimento-

síntese”, de unidade cognitiva, que permitiu ao intelectual reunir, de forma coerente e

integrada, os objetos centrais de sua preocupação: os grupos sociais (sindicatos, em

particular), o Estado e o direito do trabalho. Não por acaso, o autor publica, ainda em

1950, uma obra inteira dedicada a esta sociologia especial, a qual forneceu-lhe o título

de O problema de uma sociologia do direito.

De maneira geral, se podemos inferir que o direito do trabalho consistiu no tema

responsável pela associação teórica de suas maiores vocações profissionais – a

sociologia e o direito -, podemos igualmente sinalizar que a sociologia do direito

consistiu no fundamento teórico-metodológico que tornou tal associação possível.

Portanto, antes de avançarmos sobre as considerações sociológicas e jurídicas que

fizeram de Evaristo de Moraes Filho um renomado intelectual brasileiro, faz-se mister

que abordemos primeiramente em que consiste a sociologia do direito que seria tão

importante para a organização e definição de suas idéias.

28 Enfocando a generalidade e a diversidade em que a noção de “relações sociais” esteve presente na sociologia dos anos 1950, escreve Villas Bôas (idem, p. 100): “No decorrer dos anos 1950, o ponto de vista sociológico se impôs à reflexão sistemática sobre a sociedade brasileira, legitimando uma percepção da experiência humana que punha em destaque as relações sociais (...) A convicção de que a sociedade se ordena através de relações sociais impregnou as pesquisas que trataram das relações entre negros e brancos, índios e ribeirinhos, senhores e empregados, sitiantes e vizinhos, trabalhadores e Estado.”.

Page 45: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

44

1.2 – A sociologia jurídica de Evaristo de Moraes Filho

É possível um estudo sociológico do direito? Em O problema de uma sociologia

do direito, é a partir desta indagação que Evaristo de Moraes Filho introduz, após longa

e exaustiva exposição de teorias formuladas por filósofos e sociólogos do direito, suas

próprias definições do que venha a ser a sociologia jurídica. Apesar de aparentemente

descabido tal questionamento em uma obra voltada exatamente à afirmação dos

princípios de uma sociologia do direito, ele é revelador acerca da histórica dificuldade

de aceitação a um enquadramento sociológico sobre o fenômeno jurídico, tendo em

vista a resistência do campo do direito em superar a longa tradição teórica que o

informa em detrimento da contribuição que diferentes ciências humanas – como, a

psicologia, a sociologia, a ciência política, e outras – podem prestar a um entendimento

mais completo da natureza particular destes fenômenos29.

Em relação à sociologia, as raízes desta resistência remontam ao século XIX,

onde o positivismo jurídico tradicional passa a ser severamente criticado pelo

positivismo filosófico de Augusto Comte30. E ao longo de todo o século XX, não foram

poucos os teóricos a tomarem parte nos dois lados deste debate; uns, como Ehrlich

29 Maillet (1994), em estudo sobre o estado da ciência jurídica francesa, aponta o caráter refratário deste campo de conhecimento em relação às contribuições que outras ciências humanas trazem para a reflexão científica sobre o direito. Segundo o autor, esta refração é um fenômeno objetivo fundado sobre a imposição de obstáculos epistemológicos impeditivos à produção de novos conhecimentos científicos. Ressalta ainda, o caráter histórico, e não apenas cronológico, desta contenda teórica, afirmando suas raízes tanto na história das instituições voltadas ao ensino jurídico, quanto na história mesma das instituições políticas que produzem o direito. Em relação ao Brasil, também Fernandes (1958) chama atenção para a histórica dificuldade de desenvolvimento de abordagens sociológicas sobre o direito. Frisa, no entanto, as instituições católicas de ensino como as principais responsáveis por tais dificuldades ao longo das primeiras décadas do século XX. Outras análises a respeito da difícil compatibilização da sociologia com o direito, tendo o Brasil como foco, podem ser encontradas em Faria & Campilongo (1991), Junqueira (1993) e Souto & Falcão (2001), dentre outros. 30 Assim distingue Codato & Guandalini Jr. estes dois tipos de positivismo: “O positivismo filosófico (comteano) toma a sociologia como ciência prática de organização da sociedade. Em oposição, o positivismo jurídico visa transformar o estudo do direito em ciência e preconiza, na prática jurídica, a estrita aplicação dos textos legais – deixando de lado a análise da sociedade à qual eles se aplicam.” (2003, p. 161; nota 24).

Page 46: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

45

(1986), buscando negar qualquer validade à ciência (ou dogmática) jurídica e afirmando

a sociologia do direito como a ciência fundamental ao estudo dos fenômenos jurídicos;

outros, como Kelsen (1998), fazendo o inverso e, pois, não reconhecendo qualquer outra

ciência que não à dogmática como instrumento de conhecimento do direito. Entre uns e

outros tem-se ainda Weber (1999), intentando uma conciliação entre ambas as

ciências31.

Os intelectuais brasileiros – notadamente juristas – também não ficaram alheios

a este debate teórico. Segundo mostram alguns estudiosos, tal debate se inicia no Brasil

a partir de intelectuais como Tobias Barreto, Silvio Romero, Clóvis Beviláqua e outros,

que, juntos, viriam constituir a chamada “Escola do Recife” em fins do século XIX e

fundar uma perspectiva culturalista, sócio-lógica, de compreensão do direito32. No

decorrer do século XX, os juristas brasileiros continuaram envolvidos com esta

problemática; e nomes como os de Joaquim Pimenta, Pontes de Miranda e Oliveira

Vianna devem ser destacados pela centralidade com que empreenderam tal debate no

intuito de subsidiar suas idéias. Contudo, pelo menos até a década de 1950, ninguém

melhor do Evaristo de Moraes Filho soube apreender os termos desta “disputa” teórica

e, a partir de uma posição próxima da que formulara Weber, firmar um espaço próprio,

conciliatório, entre estas duas áreas do saber: o espaço da sociologia do direito.

A verdade é que (...) os juristas e os sociólogos vivem em polêmicas, com incompreensões recíprocas, cada qual querendo atribuir tudo à sua ciência, diminuindo o campo próprio da outra. São dois imperialismos científicos que se entredevoram, quando há lugar para um meio termo conciliatório. E este meio termo, terra de ninguém, é justamente a sociologia do direito.

(Moraes Filho, 1997; p. VIII).

31 Para uma abordagem comparativa entre as perspectivas de Max Weber e Hans Kelsen, ver Silveira (2006). 32 Sobre a “Escola do Recife”, seus intelectuais, e a posição destes no debate mencionado, ver, entre outros, Machado Neto (1969), Reale (1977), Paim (1984) e Moraes Filho (1985).

Page 47: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

46

Entretanto, conciliação aqui não deve ser vista como sinônimo de equivalência,

pois, como expõe claramente Evaristo (idem, p. 224): “Dos dois termos que a compõem

– sociologia e direito – a nova disciplina possui mais da primeira do que do segundo.”.

Esta diferença de ênfase que o autor imprime à sua concepção de sociologia jurídica não

é um mero detalhe; sugere uma tomada de posição frente ao debate mencionado acima

e, como tal, explica em boa medida porque sua definição acerca deste novo campo é

precedida pela indagação que abrimos esta seção. Antes de qualquer consideração

substantiva a respeito desta nova ciência, sentiu Evaristo a necessidade de legitimá-la

teoricamente perante as críticas que sofria de teóricos adeptos do positivismo jurídico. E

o fez, assim como outros intelectuais, a partir do debate com a “teoria pura do direito”

desenvolvida pelo jurista de Viena Hans Kelsen; sem sombra de dúvida, uma das

concepções jurídicas mais influentes no século XX.

Desde 1911, quando publica pela primeira vez a obra Teoria geral do direito e

do Estado, Kelsen já vinha desenvolvendo sua concepção a respeito de uma teoria pura

do direito. No entanto, é somente na década de 1930, quando publica livro homônimo à

teoria que trazia a público, que o jurista vienense a concebe inteiramente. Segundo

entendia o autor, a ciência jurídica reclamava uma reformulação de suas bases teóricas

em função de uma suposta - e indevida - presença da sociologia, da psicologia e de

outras ciências em seu âmbito particular desde meados do século XIX, o que, por sua

vez, acarretaria um sincretismo metodológico que obscureceria sua essência e diluiria

seus limites enquanto ciência autônoma. Por este motivo, a construção de uma nova

teoria à ciência do direito – que lhe trouxesse novos contornos científicos, deixando à

parte tudo que não lhe fosse genuíno – era encarada por Kelsen como algo mais do

conveniente; era uma exigência. Assim surge a teoria pura do direito. Teoria que o autor

define a partir dos seguintes termos (Kelsen, 1998; p. 1):

Page 48: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

47

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.

Em linhas gerais, a teoria pura de Hans Kelsen firma-se sobre uma concepção

abstrata que pressupõe a idéia segundo a qual o direito consistiria em um objeto

autônomo em relação à natureza e à sociedade. O direito encerraria normas, valores,

passíveis de transgressão e, como tal, em nada se equiparando às leis naturais que

regulam e condicionam o ambiente físico e social33. Neste sentido, ainda que seja um

objeto de estreitas relações com a realidade social e com a estrutura psicológica de seus

agentes – legisladores, magistrados e etc. -, o direito não se confundiria com a realidade

fática. Aqui, como destaca Miranda (1973), Kelsen valer-se-ia de Kant para

fundamentar a idéia de que o direito, enquanto valor, não diz respeito à dimensão do ser,

do sein, do plano material da realidade; ao contrário, diz respeito unicamente à esfera do

sollen, do dever ser, da dimensão abstrata e ideal em que se situam os valores. Sendo

assim, abordar o direito com base no estudo causal dos fatos – sejam eles sociais,

políticos ou psicológicos – lhe parece um grande equívoco.

Com base nesta distinção fundamental, em que o direito e a realidade fática

situam-se em duas esferas particulares – a do dever ser e a do ser, respectivamente -,

Kelsen deriva uma segunda distinção: a que põe de um lado a validade do direito, e, do

outro, sua eficácia. A eficácia, enquanto realização prática da norma jurídica – enquanto

aspecto próprio da esfera do ser -, não diz respeito ao estudo do direito. Aqui, o jurista

de Viena mobiliza o mesmo argumento, segundo o qual, sendo norma, o direito

pressupõe a possibilidade de não observância da conduta a que, enquanto dever ser,

33 Convém destacar aqui, que este é o argumento fundamental mobilizado pelo autor no sentido de afirmar a autonomia da ciência do direito em relação às ciências naturais e às ciências sociais.

Page 49: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

48

busca estatuir como obrigatória; frisando mais uma vez a particularidade deste objeto

frente aos fatos irresistíveis da realidade natural.

Para Hans Kelsen, caberia, pois, à ciência jurídica uma estrita observação da

validade das normas de direito. Com isto, quer dizer o aspecto de coerência lógica,

textual, entre as diversas normas que compõem uma ordem jurídica mais abrangente. A

validade do direito, por conseguinte, em nada se relaciona com sua eficácia, com sua

vigência prática sobre a conduta dos indivíduos e grupos sociais, diz respeito ao fato de

ser coerente, de não encerrar contradições lógicas entre o conjunto das normas que lhe

constituem. Deste ponto de vista, a ciência jurídica acaba por consistir em uma ciência

tipicamente formal, preocupada com a dimensão lógica da conexão entre símbolos de

linguagem. É a partir desta fundamentação, que Evaristo inicia suas críticas à teoria de

Kelsen, buscando contrapô-la a uma outra perspectiva sobre o direito.

(...) vê-se desde logo o logicismo abstrato e estéril a que Kelsen levou a ciência jurídica. O objeto do estudo do jurista, como tal, se resume a deduzir uma norma da outra, num trabalho analítico de construção, de sistematização, de ordenação lógica destas mesmas normas, como alguém que joga paciência com cartas.

(Moraes Filho, 1997; p. 208)

E nas linhas seguintes indagaria (idem):

Concordamos que a norma, constituída de um juízo hipotético – se tal for feito ou deixar de sê-lo, tal pena será aplicada – constitui um dever ser, que se interessa mais pela conduta futura dos homens; mas como negar-se a importância de sua eficácia no momento e no meio para os quais foi promulgada, afinal de contas?

Em contraposição a esta teoria pura de Hans Kelsen, Evaristo de Moraes Filho

formularia o que poderíamos denominar de uma “teoria social do direito”, ainda que tal

perspectiva não apareça literalmente sobre estes termos em sua produção. Questões

terminológicas à parte, seria esta teoria um aspecto primordial da sociologia do direito

Page 50: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

49

de Evaristo de Moraes Filho, pois, encerraria as bases epistemológicas que a

sustentariam enquanto ciência autônoma, particular.

Enxergando a cultura humana como um todo complexo e interdependente,

Evaristo compreende os fenômenos jurídicos como fatos sociais que, a despeito de sua

especificidade funcional, não se distinguiria, em essência, dos demais fatos sociais que

constituem a sociedade em sua totalidade34. Conceituando o direito como “(...) um

comando que surge para a composição dos conflitos de interesses, necessária à

pacífica coexistência social.” (idem, p. 215), não deixaria de frisar Evaristo, assim

como propôs Durkheim (2003), o aspecto universal, exterior e coercitivo que, como fato

social, é constitutivo do direito. Porém, não se detém profundamente nestas

considerações. Ocupa-se Evaristo, prioritariamente, em firmar a compreensão de que é a

própria sociedade, e não o Estado, a responsável efetiva por sua existência e autoridade.

Por conseguinte, fazendo das palavras de Hermes Lima as suas, afirmaria o autor (Lima,

1935 apud Moraes Filho, 1997; p. 217):

O direito vai buscar a sua autoridade social não apenas na coerção do Estado, mas principalmente na sociedade que deu lugar a que ele surgisse como instrumento de comando e defesa da ordem em que nela se distribuem, se possuem e se gozam os bens e as riquezas. Nem o direito nem a moral existem fora da sociedade, mas dentro dela como manifestações da consciência e da vontade de seres que traduzem em atos, em sistemas, em elaborações doutrinárias, em princípios, as condições de vida em que trabalham, ganham a vida e se organizam.

Aqui, revela-se uma outra dimensão do debate que Evaristo trava com Kelsen.

Desde sua Teoria geral do direito e do Estado, de 1911, procurou o jurista de Vienna

estabelecer uma indissociável relação entre o direito e o Estado, na qual este teria todas

as dimensões sociais e políticas que informam sua constituição anuladas em favor de 34 A este respeito, Evaristo seria explícito ao afirmar que (idem, p. 221): “(...) vive o direito – como fato e como norma – mergulhado na mesma ‘Gestalt’ cultural da sociedade ambiente. É simplesmente uma das partes do todo grupal, das instituições sociais suas antecedentes, contemporâneas e conseqüentes (...) Sofre o direito influências diretas da economia, da política, da moral e dos demais fatores sociais. Sofre, e reage sobre os mesmos, exercendo então efeitos objetivamente observáveis, estruturando e controlando a matéria social.”.

Page 51: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

50

sua redução às normas autônomas e ideais daquele. Reconhecendo que toda

exteriorização da vida do Estado, todo ato do Estado, só pode aparecer como ato

jurídico – seja de produção ou execução de normas -, Kelsen reduz o Estado a uma

soma de normas jurídicas e, conseqüentemente, elimina a política da teoria do Estado.

Neste sentido, sua teoria pura do direito seria, assim, responsável não somente por

“purificar” a ciência jurídica da influência das outras ciências, mas também, por instituir

uma “(...) teoria purificada de toda a ideologia política.” (Kelsen, 1998; p. XI).

Evaristo de Moraes Filho não se deixaria enganar pelo suposto “apoliticismo”

que se esconde atrás desta busca por neutralidade. Afirma que “Só podia crer em tal

realização, quem ousara negar ao Estado a condição de realidade histórico-política.”

(Moraes Filho, 1997; p. 214); e, ademais, que “Mesmo nos representantes do ‘método

jurídico puro’, apesar de se julgarem apolíticos, é sempre fácil descobrir uma capa de

‘firmes conceitos políticos’ como base de suas investigações.” (idem). Assim, ciente do

aspecto ideológico subjacente à idéia de que o Estado encarna o único poder legítimo na

produção e aplicação das leis, isto é, de que o Estado detém o monopólio do direito,

Evaristo iria mobilizar um conceito de suma importância na conformação

epistemológica de sua sociologia jurídica: o conceito de pluralismo jurídico.

A relevância deste conceito deve-se ao fato de tornar inteligível o processo

mesmo de constituição social do direito. Ele denota a compreensão de que as

instituições sociais existentes no seio da sociedade consistem na base de constituição

dinâmica de um direito efetivo, real, paralelo aquele produzido e outorgado pelo

Estado. Evaristo entende as instituições sociais a partir de uma chave cognitiva aberta,

significando (...) um grupo, uma idéia ou conceito que lhe determina o fim e uma

organização permanente que realiza os propósitos para os quais foi constituída (idem,

p. 224). Neste sentido, procura estabelecer a idéia de que as instituições sociais, assim

Page 52: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

51

definidas, consistem em ordens de poder legítimo de onde emanam os fatos sociais do

direito; fundados, tanto quanto o direito estatal, na exterioridade frente aos indivíduos e

no poder de coercitividade como mecanismo de vigência prática das normas que

buscam tornar obrigatórias. Daqui resulta a compreensão plural acerca do direito, pois,

sendo diversas as instituições que, em conjunto, constituem a ordem social mais

abrangente – e nesta inclui-se também o Estado -, diversos serão também os comandos

jurídicos por elas instituídos. Com base nesta compreensão, Evaristo nega a convicção

dos teóricos formalistas - em especial, Hans Kelsen - que enxergam o Estado como a

única instituição legítima de produção e aplicação das normas jurídicas. Neste

particular, a própria experiência de Evaristo durante os sete anos em que secretariou as

Comissões Mistas de Conciliação do Ministério do Trabalho seria um importante

recurso de observação prática deste postulado teórico. Antecipando o que realizaria em

O problema do sindicato único no Brasil, Evaristo observaria nas contendas trabalhistas

instituições como empresas e sindicatos produzirem um direito efetivo, espontâneo e

independente do Estado.

Há costumes profissionais, acordos coletivos de trabalho, convenções coletivas, regulamentos de empresa, que constituem um verdadeiro direito espontâneo, não estatal que soluciona os conflitos de interesses surgidos entre indivíduos ou grupos em choque. Há uma organização permanente que dita as normas, há sanções para quem não as cumpre. E que é isso, senão autêntico fenômeno jurídico?

(idem, p. 220)

Mas, para além do conceito de pluralismo jurídico e da abertura cognitiva que

ele propicia, um último fundamento teórico seria capital para a sustentação

epistemológica da sociologia do direito que buscava formalizar. Tal fundamento, diz

respeito a uma concepção particular da relação entre fato e valor que desautorizaria um

dos principais argumentos da teoria jurídica de Kelsen. Lembra Evaristo, “(...) que os

formalistas [do direito] se esquecem de que os valores só se tornam perceptíveis quando

Page 53: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

52

se encarnam nos fatos (objetos ou processos).” (idem, p. 208). Com esta enunciação,

Evaristo contrapõe a distinção kelseniana entre fato e valor, entre ser e dever ser,

postulando a unidade empírica, real, destas duas dimensões. Para Evaristo de Moraes

Filho o direito consiste exatamente na comunhão de fatos e valores. Afirmaria ele que

“Sem dúvida alguma não se pode construir uma sociologia jurídica sem levar em conta

o elemento valorativo ou normativo do direito” (idem, p. 214). Por isto mesmo, sua

sociologia do direito não necessita recorrer ao empiricismo vulgar, que rejeita os valores

como objetos de pesquisa, para fundamentar sua legitimidade enquanto ciência

particular. Ao contrário, sua eficácia científica resultaria exatamente do fundamento

teórico que incorpora os valores como aspectos constitutivos das normas, pois,

considera a ambos como elementos fáticos, objetivos. E o próprio autor justifica este

entendimento quando afirma (idem, p. 210):

Justamente aqui, por se considerar o valor atuando efetivamente no mundo concreto, é que se deve criticar aquela concepção de La Piere de que tanto há relação jurídica ou conduta nomotética, na situação do assaltante que rouba um viajante, como no policial que o persegue em nome da sociedade e o prende. Exteriormente, objetivamente, parecem, a princípio, idênticas as duas condutas, mas não o são. A sociologia do direito não despreza a existência do valor no conceito de direito, por isso mesmo distingue, no mundo real, aquelas duas situações. A diferente relação dos dois atos no mundo dos valores provoca diferenças conceituais profundas na reação do corpo social.

Apesar de na passagem acima Evaristo referir-se a um suposto “mundo dos

valores”, tal assertiva não passa de uma força de expressão corriqueira. Em sua

sociologia jurídica, ao contrário, trabalha-se com a idéia de que os valores, enquanto

valores, não se situam em uma esfera abstrata distante da realidade, mas sim que são

elementos objetivos de causalidade sobre o meio social e, como tal, objetos perceptíveis

à mensuração em função dos efeitos práticos que desencadeiam. Em se tratando do

direito, os valores que lhe informam tornar-se-iam existentes, fáticos, tanto no momento

Page 54: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

53

de seu surgimento enquanto letra expressa, quanto no momento de sua efetiva

realização; entendendo por isto sua eficácia sobre a conduta de indivíduos e grupos

inseridos na sociedade. Este não seria um elemento menor na configuração teórica da

sociologia jurídica de Evaristo, ao revés, consiste em um princípio epistemológico

essencial, pois, conforme esclarece o autor (idem, p. 209; nota 313):

É justamente nessa interseção do valor jurídico com a realidade social que a sociologia consegue surpreender o direito em sua vigência fática, com conteúdo concreto, perdido entre os demais fatos sociais, controlando-os e sendo por eles condicionado (...) aí é que se torna passível de ser explicado pela sociologia como qualquer fato social. Na vida humana em sociedade, quase arriscaríamos dizer que ‘realidade’ e ‘valor’ fazem um só.

Com base nestes princípios teóricos, a sociologia do direito de Evaristo se

constitui em um sentido radicalmente distinto da ciência jurídica proposta por Kelsen.

Na teoria pura do jurista de Viena, o direito não só é encarado enquanto monopólio do

Estado como com ele se confunde integralmente; ademais, surge aí como objeto de

conhecimento ideal e essencialmente distinto da concretude do mundo social. Na

perspectiva sociológico-jurídica do intelectual carioca, seus princípios epistemológicos

delimitam a compreensão do direito como um objeto empírico, plural, e diretamente

relacionado com a realidade social mais abrangente em que está inserido.

A sociologia do direito encara os fatos jurídicos como fatos sociais, relaciona-os com os demais fatos sociais. Coloca-os dinamicamente no conjunto de toda a organização social, sem isolá-los criticamente como fatos jurídicos específicos (...) Pode aceitar a noção de direito da ciência jurídica dogmático-lógica, pode admitir as doutrinas jurídicas, mas observa os efeitos sociais que as mesmas produzem. Interessa-lhe o comportamento objetivo dos homens em sua vida prática de interação, de interrelação, interhumana, em suma. Admite a sociologia jurídica um pluralismo de fontes do direito, segundo os diversos ordenamentos jurídicos. Pesquisa a sociologia jurídica os fatos sociais em que se manifeste o fenômeno jurídico.

(idem, p. 224)

Page 55: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

54

Tratar-se-ia, pois, de uma ciência nova, fundada sobre o método empírico-causal

e voltada a explicar “(...) como é e onde é que se realiza concretamente o fenômeno

jurídico em sociedade.” (idem, p. 211). Mas, convém frisar, não adota Evaristo o

sentido “imperialista”, “sociologista” que muitos sociólogos do direito procuram

conferir a tal ciência, como nos lembra Machado Neto (1969). Ilustrativamente, a

posição de Evaristo pode ser enquadrada como um meio termo entre aquelas que

caracterizam a perspectiva de Kelsen e a do jurista austríaco Eugen Ehrlich. Como Max

Weber, e vimos isto na abertura desta seção, Evaristo de Moraes Filho vê na sociologia

do direito um campo científico conciliatório entre ambas as áreas. Mais do que isto,

entendendo o direito como um fenômeno extremamente complexo defenderia uma

abordagem multidisciplinar sobre este objeto, convicto da relevância a que podem

prestar ao seu entendimento não somente a sociologia do direito, como também a

filosofia e a ciência jurídicas.

A verdadeira sociologia do direito, como disciplina própria que luta por um lugar ao sol, não nega existência autônoma à teoria dogmática do direito, nem muito menos à filosofia do direito. Nenhuma delas poderá, isoladamente, abranger o fenômeno jurídico por todos os lados; mas somente as três juntas poderão por certo alcançar maior êxito nos seus propósitos.

(idem, p. IX)

Enquanto à filosofia do direito caberia a reflexão acerca dos fins e valores gerais

que informam as normas jurídicas - tais como, os ideais de segurança, justiça, ordem e

moralidade -, à ciência jurídica, com seu método lógico-normativo, cumpriria zelar pela

boa coerência dos textos legais. Seu papel estaria mais ligado à sistematização das

normas, atuando diretamente pela redução das divergências interpretativas e, desta

forma, contribuindo para o aprofundamento da objetividade e universalidade do direito.

No que diz respeito à sociologia do direito, sua particularidade residiria em surpreender

Page 56: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

55

os fenômenos jurídicos em sua vigência prática e objetiva, de forma que, “(...) é o

problema das suas origens de fato que lhe constitui, é o problema de sua eficiência

sobre o comportamento do homem comum que se levanta.” (idem, p. 218). Fundada,

pois, sobre o método empírico-causal, caberia a esta sociologia especial retirar o direito

de sua “torre de marfim”, como diria Evaristo, desvelando sua constituição a partir da

ação institucionalizada que os diversos grupos sociais estão em condições de realizar,

bem como o desdobramento objetivo desta constituição no meio social; ou seja, a

questão mesma da eficácia real das normas instituídas. Com base nesta orientação, a

sociologia jurídica seria dotada da qualidade de abordar criticamente o direito, tornando

inteligíveis os processos sociais concretos, e os interesses aí incidentes, que concorrem

para a institucionalização das diversas normas, além do impacto real que estas causam à

vida social.

Não obstante, se os princípios teóricos que informam os limites e a sustentação

epistemológica da nova ciência são expostos com clareza e consistência, O problema de

uma sociologia do direito não é uma obra que se caracteriza por definir de maneira

satisfatória os princípios metodológicos que orientam o fazer prático desta sociologia

especial. Esta pode ser, inclusive, uma das razões que explicam o pouco interesse

despertado por esta obra se comparada à outras do autor, como O problema do sindicato

único no Brasil e Introdução ao direito do trabalho35. Tal inconsistência, porém, não

resulta de qualquer limitação teórica pessoal que possa ser creditada a seu autor; resulta,

isto sim, das próprias dificuldades de sistematização que marcavam a nova

35 Como pode-se observar a partir do site da Biblioteca Virtual Evaristo de Moraes Filho, as obras do autor renderam cinqüenta e cinco resenhas críticas publicadas por especialistas, editoras, revistas especializadas, além de jornais de pequena e grande circulação. Trata-se de uma recepção cultural inquestionável. No entanto, O problema de uma sociologia do direito é objeto de apenas uma destas resenhas, sendo esta, ainda, a realizada pela Editora Freitas Bastos, que publicou o livro. Ademais, tal resenha, datada de 1957, foi publicada apenas para compor o catálogo bibliográfico da editora produzido naquele ano. Endereço: http://www.bvemf.ifcs.ufrj.br/producao.htm#resenhas Acesso em: 20/04/09.

Page 57: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

56

especialidade sociológica – sobretudo, fora do Brasil - ainda em meados do século XX.

Como afirmaria Evaristo (idem, p. 223):

Ainda hoje (...) não é a sociologia do direito uma disciplina acabada, totalmente construída. Antes, pelo contrário, trata-se de uma ciência em formação, divergindo os seus fundadores em vários pontos fundamentais, a começar pela sua problemática. Colocam uns em seu âmbito assuntos típicos de outras disciplinas; tirando outros de seu campo matérias que lhe deviam ser próprias.

Talvez sejam estas divergências teóricas, que em maior ou menor medida se

verificam no processo de formação de qualquer nova ciência, a explicação pela forma

como Evaristo constrói seu livro e, conseqüentemente, pela maneira sucinta com que

aborda a orientação metodológica e a problemática particular da sociologia jurídica.

Visando divulgar e ampliar o debate teórico em relação à sociologia do direito, bem

como atuar por uma presença mais efetiva da sociologia no campo propriamente

jurídico – sobretudo no que diz respeito à formação intelectual dos futuros profissionais

-, Evaristo desenvolve uma obra em que, praticamente toda ela, consiste numa vasta

exposição de teorias. Dos quatro capítulos que lhe constituem, três são voltados à

apresentação da teoria sociológica com que trabalham, diferenciadamente, um extenso

conjunto de autores, e o quarto se detém mais especificamente na exposição de

concepções próprias ao campo da sociologia do direito. É apenas na conclusão da obra

que Evaristo apresenta suas considerações particulares acerca da nova ciência.

Aí, para além das proposições teóricas que já abordamos nesta seção, em termos

metodológicos, o autor vai reafirmar o método empírico-causal como principal

metodologia a ser empregada nas pesquisas de orientação sociológico-jurídica, e, de

maneira coerente com princípio do pluralismo jurídico, vai ressaltar a necessidade de tal

ciência não ater-se exclusivamente ao que está contido na letra da lei. Neste sentido, a

sociologia jurídica deve trabalhar com base no direito efetivamente vigente, ou seja,

Page 58: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

57

aquele que, estando ou não expresso oficialmente, obtém aplicação eficaz;

condicionando a conduta concreta dos homens em sociedade. Para tanto, documentos

nos quais se processam operações jurídicas sem que o Estado ou os tribunais tomem

conhecimento não devem ser ignorados pela sociologia do direito, ao contrário, devem

ser por ela privilegiados em sua busca por apreender e explicar como e onde, de fato, se

realiza o direito.

Em relação ao problema específico da nova disciplina, que apesar de consistir no

objeto fundamental da obra – como demonstra o título mesmo do livro -, Evaristo

também não apresenta considerações com a profundidade necessária para que se

promova uma definição mais completa, em pormenores, sobre o sentido pelo qual

devem se orientar as pesquisas em seu âmbito. Limita-se o autor, a delimitar três

orientações de investigação que, a despeito da independência relativa entre elas,

concorrem para conformar, em conjunto, a problemática particular da sociologia do

direito segundo Evaristo de Moraes Filho. A primeira destas seria, pois, a busca por

estabelecer as relações existentes entre a “normalidade social e a normatividade

jurídica” (idem, p. 214). Com isto, o autor procura evidenciar a necessidade de a

sociologia do direito captar os processos nos quais as regularidades da vida social atuam

como condição para o estabelecimento de um fluxo dinâmico de constituição e

institucionalização de normas jurídicas, tendo em vista que,

Nem toda norma jurídica é imposta como um dever ser, que pretenda mudar a conduta do homem em sociedade, determinando-lhe outra forma de agir. Muitas vezes, limita-se o legislador a captar no fluxo social os principia media da conduta social, a orientação normal do comportamento coletivo, as bases desse procedimento, e as sanciona em lei.

(idem)

Mas pondera o autor (idem, p. 215):

Page 59: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

58

(...) não basta a simples sanção do poder competente, com todo o seu cerimonial formalista, para que a norma passe a ser cumprida. Fica de pé ainda o problema de sua eficácia real, quais os efeitos efetivos que irá ter na vida prática da sociedade como regra das relações humanas.

Daqui resulta, por conseguinte, a segunda orientação de pesquisa com a qual

deve trabalhar a sociologia do direito, isto é, compreender o impacto efetivo das leis

sobre a conduta real dos indivíduos e grupos sociais. Como já vimos anteriormente, a

conduta prática dos homens é o que lhe interessa decisivamente, de forma que, a

apreensão da eficácia jurídica, bem como, de sua real extensão sobre a vida prática da

sociedade consiste em um de seus objetivos científicos primordiais.

Por outro lado, não sendo o direito um fato social isolado, mas ao contrário, em

estreita conexão com outras dimensões da realidade social, Evaristo atribuiria como

terceira orientação para pesquisas sociológico-jurídicas a necessidade “(...) de estudá-lo

em suas relações com os demais fatores da cultura humana e em suas funções dentro

dessa mesma cultura.” (idem, p. 221).

Apesar da ausência de considerações mais detidas acerca destas três orientações

na sistematização científica formulada por Evaristo, importa considerar, no entanto, que

sua reunião responde pela conformação de uma problemática teórica de grande

amplitude à sociologia jurídica; tornando-a um poderoso instrumento de compreensão

objetiva do direito. Uma rápida análise sobre o objetivo particular que cada uma destas

orientações encerra é suficiente para concluirmos sobre a abrangência com que Evaristo

confiou à sociologia do direito a elucidação dos fenômenos jurídicos. De acordo com

sua concepção, esta sociologia especial poderia, assim, surpreender o direito no

momento de seu surgimento – observando os processos existentes entre a normalidade

social e a normatividade jurídica -, após seu surgimento (a eficácia real que possui sobre

as condutas), e, ademais, em suas relações com as outras esferas da sociedade – tais

como, a política e a economia, dentre outras.

Page 60: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

59

Neste sentido, mesmo apresentando algumas insuficiências teóricas importantes

no trato da matéria em questão, O problema de uma sociologia do direito é uma obra

valiosíssima para aqueles que pretendem contribuir para uma melhor compreensão da

produção intelectual de Evaristo de Moraes Filho. Em nenhum outro escrito seu, os

fundamentos constitutivos de uma sociologia do direito, que teriam papel tão destacado

em sua produção, seriam apresentados de forma mais intensa. Ademais, as limitações

teóricas que a obra traz consigo contrastam profundamente com o grande alcance que os

princípios sociológico-jurídicos experimentam quando são mobilizados por Evaristo de

Moraes Filho como recursos de análise para o desenvolvimento de pesquisa empírica.

Como veremos a seguir, em O problema do sindicato único no Brasil, as considerações

teóricas que expõe em seu livro de 1950 seriam a base pela qual Evaristo consegue

surpreender sociologicamente o processo de constituição do direito do trabalho no

Brasil, tendo em perspectiva a relevância que tiveram os sindicatos de trabalhadores –

enquanto instituições sociais – na construção desta legislação. Fundada sobre os

princípios da sociologia jurídica, portanto, a pesquisa de Evaristo de Moraes Filho seria

responsável por situá-lo em uma posição de singularidade tanto no que diz respeito ao

que se produzia no campo jurídico nacional sobre nosso direito do trabalho, quanto na

seara da sociologia, onde o autor aponta para preocupações marcadamente distintas das

que estavam envolvidos os sociólogos de sua época, trazendo, assim, uma compreensão

inteiramente nova sobre a sociedade brasileira. Vejamos, então, como isto ocorre.

Page 61: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

60

CAPÍTULO 2

O PROBLEMA DO SINDICATO ÚNICO NO BRASIL: UMA

SOCIOLOGIA DO DIREITO DO TRABALHO

O problema do sindicato único no Brasil vem a público em um momento no

mínimo interessante da história do país. E não é sem consciência disto que Evaristo

decide publicar seu livro, ao contrário, o faz exatamente para influir no rumo dos

acontecimentos políticos que se abriam no início dos anos 1950. Não havia muito, o

Brasil conhecia sua quarta Constituição Federal desde o advento da República em 1889,

trazendo nova feição às instituições políticas e ao ordenamento econômico e social da

nação. A Carta Magna de 1946 consistia, assim, num marco claro e decisivo de resgate

da tradição liberal-democrática brasileira, pondo fim à longa noite que se abrira em

novembro de 1937 quando um golpe militar instaurava o ditatorial regime do Estado

Novo. Por conseguinte, era igualmente o fim do período de vigência da Constituição de

1937, e, com sua revogação, questões anteriormente tidas como estratégicas estavam

novamente postas ao debate público que a sociedade estava em condições de realizar.

Entre estas, adquire importância fundamental para Evaristo a questão da

regulamentação sindical. A este respeito, a nova Constituição Federal conhecida pela

nação em 1946 abria espaço para uma profunda alteração do marco legal em que se

assentava o sindicalismo brasileiro até então. Em seu artigo 159, que trata da matéria,

procurava-se romper com a extrema centralização sobre os sindicatos levada a cabo pelo

Executivo durante o período estadonovista, no entanto, de uma maneira um tanto quanto

tímida. Seu texto estabelecia a mais ampla liberdade ao exercício da atividade sindical,

mas, eximindo-se de maiores responsabilidades, transferia ao legislador ordinário a

Page 62: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

61

tarefa de regulamentar a forma de constituição destas organizações, bem como outros

pontos importantes relativos à matéria36.

Assim, mesmo em 1950 – ano em que Evaristo redige o livro em questão37 – o

Congresso Nacional ainda não havia apresentado uma nova lei regulamentar sobre a

matéria e, desta forma, continuava vigente em nosso direito positivo, mesmo após a

revogação da Carta de 37, o disposto no decreto-lei 1.402, de 5 de julho de 1939 –

posteriormente incorporado à CLT –, que regulamentava a sindicalização no Brasil

animado pelo espírito conservador e autoritário dos tempos da ditadura chefiada por

Getúlio Vargas. Com ele continuava vigente, por conseguinte, toda a série de restrições

ao funcionamento autônomo dos sindicatos, tais como a possibilidade de intervenção

federal nas direções sindicais, o mais completo controle sobre as eleições para a

composição de diretorias – incluindo a possibilidade de tornar nulas inscrições de

chapas em que os candidatos fossem considerados suspeitos de ideologia contrária ao

regime – além, é claro, do procedimento mesmo de reconhecimento legal das entidades,

e do estabelecimento do imposto sindical.

Tais medidas marcavam um controle estatal minucioso sobre a vida das

organizações sindicais, tendo no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio seu

principal órgão de “fiscalização”. Como apresenta Evaristo, o 1.402 conferia amplos

poderes a este ministério; passando a controlar toda a vida sindical do país, pois, a ele

cabia determinar tudo o que lhe dissesse respeito. Orientação política que, aliás,

36 Segundo apresenta Evaristo, esta foi a redação dada ao art. 159 da Constituição de 1946 (1978, p. 274): “É livre a associação profissional ou sindical, sendo reguladas por lei a forma de sua constituição, a sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício de funções delegadas pelo poder público.”. Apenas como esclarecimento, convém destacar que trabalhamos aqui com a segunda edição de O problema do sindicato único no Brasil. Seus fundamentos sociológicos, publicado em 1978 pela Editora Alfa-Ômega. 37 O problema do sindicato único no Brasil, importa salientar, é publicado pela primeira vez em 1952, no entanto, sua redação propriamente dita data do primeiro semestre de 1950, segundo informa Gomes (2005). Ademais, o próprio Evaristo de Moraes Filho confirma esta informação ao afirmar no posfácio que acompanha sua segunda edição de 1978, que no período em que redigia o livro “Encontrava-se no poder o antigo condestável do Estado Novo, General Eurico Gaspar Dutra, vendo transcorrer o último ano de seu mandato [1950]” (Moraes Filho, 1978; p. 323).

Page 63: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

62

figuraria explícita na própria exposição de motivos apresentada pela comissão

responsável pela elaboração do decreto-lei, onde pode-se ler com todas as letras a

seguinte passagem (MTIC, 1939 apud Moraes Filho, 1978, p. 259): “Com a instituição

deste registro, toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do

Ministério do Trabalho: nele nascerão, com ele crescerão, ao lado dele se

desenvolverão, nele se extinguirão.”.

É contra este estado de coisas, ainda presente no ordenamento democrático pós-

45, que se levanta Evaristo em O problema do sindicato único no Brasil. Sua questão

fundamental era, portanto, a incompatibilidade existente entre a recente vida

democrática do país com uma regulamentação marcada pelo intervencionismo e o

atrelamento das organizações sindicais ao Estado38. Neste sentido, ao passo que o autor

saía em defesa da manutenção do critério da unicidade - que já constava do 1.402 -

como o modelo mais adequado para o sindicalismo no Brasil39, lançava mão de uma

crítica intransigente acerca da permanência da estrutura sindical desenvolvida ainda no

período anterior.

38 Em entrevista a José Sérgio Leite Lopes, Evaristo de Moraes Filho tornaria manifesta a relevância desta questão para a sua obra. Perguntado sobre o porquê da publicação do livro, sobre o caráter oportuno de seu lançamento, responderia taxativamente Evaristo (2005; p. 191): “Foi porque ainda estava em vigor a Constituição de 46, e estando ela em vigor, como é que nós tínhamos ainda o imposto sindical? Como é que tínhamos ainda a intervenção sindical? (...) lutei contra o imposto sindical, contra a intervenção sindical, o atestado negativo de ideologia, e a favor da liberdade e autonomia sindical. De modo que publiquei o livro com essa intenção.”. 39 Evaristo de Moraes Filho é um árduo defensor da unicidade como princípio jurídico da organização sindical brasileira, o que se verifica pelo próprio título de sua obra. Para ele, é com apenas uma organização sindical para cada categoria profissional, que tais instituições encontrariam as condições ótimas para envolver completamente a profissão e, pois, constituirem-se em instrumentos eficazes de associação dos indivíduos que a exercem. Em sentido contrário, a existência de duas ou mais organizações sindicais representaria um mecanismo de dispersão e, por conseguinte, de enfraquecimento da categoria profissional. Ademais, este princípio da pluralidade tornaria muito difícil a tarefa mesma de representação dos interesses profissionais, pois, de acordo com o autor, abrir-se-ia a possibilidade real de cada instituição mover-se por inclinações distintas ou até mesmo antagônicas. É o que se verifica claramente quando afirma (idem, p. 156): “Num regime de pluralidade absoluta, como pleiteiam os seus adeptos, viveríamos num verdadeiro inferno de confusão social, com prejuízo da própria profissão, fracionada e dividida entre associações dissidentes e até mesmo opostas em seus pontos de vista, cada uma controlada, talvez, por outros organismos mais fortes: uma igreja, um partido político, o patronato, o próprio Estado...”.

Page 64: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

63

Porém, importa considerar que, se de um lado a abertura política consistia num

momento histórico oportuno ao empreendimento de uma revisão crítica do Estado Novo

e de sua estrutura sindical corporativa – fornecendo as bases para a proposta de um

novo marco legal para a questão sindical brasileira -, de outro lado, esta crítica teria

necessariamente que se defrontar com a força simbólica da ideologia oficial

desenvolvida durante os anos de vigência daquele regime, e que, ainda imponente

àquela época, tinha por intenção fazer de Getúlio Vargas o principal responsável pelo

estabelecimento dos direitos sociais no Brasil40.

Tratava-se, pois, do chamado “mito da outorga”, que procurava estabelecer

tábula rasa sobre a experiência sócio-jurídica vivida pela sociedade brasileira em

relação à fixação e oficialização de direitos coletivos no período anterior à Revolução

de 30. Tal “mito” dizia respeito, portanto, a uma construção ideológica que se centrava

na afirmação do caráter passivo do operariado nacional durante a Primeira República,

negando todo o histórico de lutas do movimento operário brasileiro neste período, de

forma que, as diversas garantias sociais alcançadas no após-30 – como a Justiça do

Trabalho, a CLT, os Institutos de Previdência e etc. – seriam obras exclusivas do

Estado, por intermédio daquele que seria o “pai dos pobres”. À classe trabalhadora não

teria cabido nenhum papel neste processo, sendo tais garantias nada mais do que uma

benesse, uma dádiva, uma simples outorga realizada de bom grado pelo Executivo.

Criticar a permanência da estrutura sindical remanescente do Estado Novo tinha

como condição, portanto, o empreendimento de uma desmistificação satisfatória desta

construção ideológica. Assim é que Evaristo constrói sua obra, ou seja, como uma

40 Sobre isto ver, entre outros, Gomes (1994) e Codato & Guandalini Jr. (2003).

Page 65: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

64

resposta franca e direta ao “mito da outorga”, que, segundo Evaristo, seria de

responsabilidade do jurista paulistano, Antônio Cesarino Júnior.41.

É, pois, em contraposição ao positivismo jurídico que encerra o mito edificado

por Cesarino Júnior – e não especificamente a partir de um debate direto com este autor

-, que a sociologia do direito de Evaristo apresentaria toda a sua eficácia. Com base nos

postulados fundamentais desta sociologia especial, o jurista e sociólogo carioca extrairia

uma nova concepção acerca da gênese e desenvolvimento de nossos direitos

trabalhistas, demonstrando o caráter falacioso do discurso que afirmava que “A

legislação social no Brasil começou decididamente após a Revolução de 1930.”

(Cesarino Jr., 1970; p. 79).

Este, afinal, o sentido último deste nosso capítulo. De maneira geral,

procuraremos demonstrar como a sociologia jurídica consiste em um conhecimento

fundamental de que Evaristo lançaria mão nesta sua orientação intelectual

eminentemente crítica. Em sua segunda seção, nos ocuparemos em apresentar como o

autor remonta ao período de nossa Primeira República para fundamentar sua convicção

acerca da natureza propriamente social do direito do trabalho brasileiro. Aí, nossa

intenção consiste em expor como Evaristo traz à tona o papel dos sindicatos de

trabalhadores – além de outros sujeitos sociais, como parlamentares e intelectuais –

enquanto protagonistas desta construção legislativa particular. Buscamos, assim,

desvelar como os postulados próprios da sociologia jurídica de Evaristo o conduz a uma

bem sucedida negação daquela ideologia que procurava firmar o monopólio do Estado

41 Como revelaria Evaristo em mais de uma ocasião, O problema do sindicato único no Brasil, teria consistido em uma resposta à dogmática do direito social formulada por Antônio Cesarino Júnior. A passagem mais clara onde Evaristo expõe esta orientação de contrapor-se a tal jurista se encontra em uma entrevista por ele prestada ao “Jornal do Brasil”, em 2002, por ocasião dos cinqüenta anos de publicação do livro. Ali, pode se ler a seguinte afirmação (Costa, 2002; p. 3): “A finalidade desse livro era acabar com o mito da outorga. Havia em São Paulo um professor chamado Cesarino Júnior, que, durante o Estado Novo, bajulava o Getúlio Vargas, dizendo que ele outorgou a legislação trabalhista brasileira, como se ela tivesse sido espontânea e vindo de cima para baixo, do Estado para o povo. Com isso, criou-se o mito da outorga. Ora, eu sabia que a história não era bem assim.”. A mesma orientação foi também mencionada pelo autor ao prestar depoimento recente para Gomes, Morel e Pessanha (2007).

Page 66: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

65

(Novo) sobre a existência de tais direitos no Brasil. Antes, porém, na primeira seção que

adiante se segue, procuramos subsidiar esta compreensão a partir de uma abordagem

centrada na dimensão teórico-metodológica da obra de Evaristo. Buscamos com isto

salientar como a sociologia jurídica, enquanto sociologia especial, é inserida

praticamente na análise empreendida pelo autor, isto é, como se relaciona com a

concepção sociológica mais geral de que partilha Evaristo, como influencia a orientação

geral e a metodologia empregada no livro, bem como a relevância de postulados que lhe

são próprios - como a relação entre normalidade social e normartividade jurídica, o

princípio do pluralismo jurídico e outros – para a organização teórica da obra. Nossa

intenção é trazer uma compreensão distinta acerca de O problema do sindicato único no

Brasil, ou seja, a de que o livro encerra uma autêntica sociologia jurídica aplicada ao

direito do trabalho no Brasil, e, como tal, responsável pelo estabelecimento de uma

nova compreensão no tocante à gênese e evolução deste ramo do direito por aqui. Uma

compreensão que devolve à sociedade o seu papel genuíno de protagonizar o

surgimento e oficialização de fenômenos jurídicos.

2.1 – Aspectos teórico-metodológicos de O problema do sindicato único

no Brasil

Uma das primeiras características que salta aos olhos quando procedemos a uma

leitura de O problema do sindicato único no Brasil diz respeito a sua densidade, tendo

em vista a integração coerente de conhecimentos produzidos em distintas áreas do saber

científico que se verifica em sua constituição teórica. Por este motivo, a teoria que lhe

encerra sempre tornou tarefa difícil o estabelecimento de uma definição consensual

Page 67: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

66

acerca de sua localização nas ciências sociais. Paulo Sérgio Pinheiro, no prefácio que

escreve à sua segunda edição de 1978, o definiria como uma obra pioneira da sociologia

do trabalho no Brasil; posição acompanhada de perto por José Sérgio Leite Lopes em

publicação de 2005. Outros como Villas Bôas (2006) observam o livro pelo ângulo da

teoria social, ou seja, como uma interpretação sociológica da sociedade brasileira.

Ademais, o próprio Evaristo de Moraes Filho não apresentaria uma definição precisa

sobre a obra. No prefácio à primeira edição, o autor a qualifica enquanto uma obra de

sociologia industrial, mas, em 2002, por ocasião da já referida entrevista que prestou ao

“Jornal do Brasil” em função dos cinqüenta anos de publicação do livro, afirmaria se

tratar da primeira obra de história social do país. Sem qualquer intenção de polemizar

com estas interpretações, sobretudo àquelas professadas pelo próprio autor, entendemos

que O problema do sindicato único no Brasil compreende, de alguma forma, todos estes

“regionalismos científicos”, no entanto, ressaltamos aqui uma compreensão distinta: a

de que o livro encerra uma autêntica sociologia do direito; uma “sociologia do direito do

trabalho”.

Alguns elementos vêm reforçar esta nossa interpretação. Em primeiro lugar,

devemos considerar seu forte envolvimento profissional com a sociologia jurídica e o

direito do trabalho no início dos anos 1950. Com isto, queremos salientar não somente a

edição de sua obra sobre a sociologia jurídica ou suas atividades como procurador da

Justiça do trabalho. Buscamos chamar atenção para o fato de que, no ano mesmo em

que publica O problema do sindicato único no Brasil – 1952 -, Evaristo dividia-se em

atividades docentes relativas a estas duas áreas do conhecimento. Neste sentido, ao

passo que lecionava a disciplina direito do trabalho em um curso gratuito promovido

pelo Ministério do Trabalho a partir daquele ano42, o autor ministrava também um curso

42 O curso em questão era denominado Curso de Direito Social. Ao lado de Evaristo de Moraes Filho, outros juristas que integravam o MTIC também lecionavam no curso. Casos de Geraldo Bezerra de

Page 68: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

67

de extensão universitária em sociologia do direito no âmbito da Universidade do Brasil

(Gomes; Morel; Pessanha, 2007). Por conseguinte, do ponto de vista de sua biografia

profissional, não é uma hipótese descabida considerar o livro que publica nesta época

como uma obra que reúne estas duas áreas; ao contrário, vem tornar esta hipótese algo

plausível.

Não obstante, decisivo mesmo para este entendimento seria a própria

conformação teórico-metodológica da obra, onde os princípios sociológico-jurídicos

definidos e apresentados em O problema de uma sociologia do direito aqui têm grande

participação. Assim sendo, pensamos que entre seu livro de 1950 e este de 1952

existiria, portanto, mais do que uma semelhança de nomes; haveria entre eles uma

relação teórica direta, na qual a sociologia do direito figuraria como um verdadeiro fio

condutor. Aliás, não se trata de nenhuma novidade o reconhecimento desta vinculação

teórica entre ambas as obras. Outros pesquisadores como Pessanha (2005) já haviam

considerado esta relação; e Antônio Carlos de Moraes seria preciso nesta consideração

ao abordar a relação entre a sociologia e o direito na produção intelectual de Evaristo.

Dois anos antes [de O problema do sindicato único no Brasil] havia apresentado em O problema de uma sociologia do direito todos os fundamentos teóricos de unidade dessas ciências, mas foi no livro relativo ao sindicato que [Evaristo] tornou prático todo o seu pensamento e, em especial, aplicando-o à realidade nacional, cuja história oficial muitas vezes falseia os fatos.

(Moraes, 2005; p. 120).

Ademais, o próprio Evaristo tornaria manifesta esta vinculação quando, no

prefácio mesmo da obra de 1952, ao apresentar suas considerações gerais sobre o livro,

Meneses, professor de processo trabalhista; Délio Maranhão, professor de contrato individual; Jorge Severiano Ribeiro, professor de direito penal do trabalho; Dorval Lacerda, professor de contrato coletivo; e outros (Gomes; Morel; Pessanha, 2007).

Page 69: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

68

torna patente a presença marcante de prerrogativas próprias à sociologia jurídica no

enquadramento teórico de seu objeto.

Em verdade, sendo um produto social, misto de fato e de valor, não escapa o fenômeno sindical à ação consciente e voluntária do homem. Ao lado de sua realidade fática apresenta também manifestações referentes a valores. Contudo, nunca será demais procurar-se saber, antes, o que é normal, para só então depois acrescentar-se-lhe o normativo. Ambos se completam e se misturam, mas este último aspecto terá tanto mais vigência e validade, quanto mais coerente estiver com o primeiro. Procuramos, assim, fazer neste nosso ensaio uma tentativa embora ligeira de aproximação dos dados sindicais proporcionados pela sociologia e pela economia com os fins a que se propõem o direito e a prática (...) Quase sempre, param os sociólogos na simples exemplificação dos sindicatos como grupos econômicos, ocupacionais ou de interesses, sem se demorarem especificamente no assunto. O mesmo ocorre com os juristas, que, como é óbvio, se preocupam em geral unicamente com o aspecto legislativo da questão. Faltava unir as duas maneiras de se encarar a mesma realidade social.

(Moraes Filho, 1978; p. 8)43

Como se vê, é fato notório a vinculação existente entre as obras publicadas por

Evaristo de Moraes Filho em 1950 e 1952, bem como a conseqüente orientação

sociológico-jurídica que viria caracterizar sua análise sobre a constituição de nossa

legislação trabalhista. Contudo, sendo explícita esta orientação sociológico-jurídica

sobre a pesquisa publicada em 1952, não importa aos nossos propósitos perguntar se ela

realmente ocorreu. Se assim o fizéssemos, seríamos apenas repetitivos em relação ao

que já afirmaram outros pesquisadores – além do próprio Evaristo – e, portanto, nada

acrescentaríamos de novo ao entendimento da produção intelectual do autor. Importa,

isto sim, apreender como tal orientação efetivamente se apresentou, como se estabeleceu

praticamente na configuração analítica empreendida por ele.

Aqui, precisamos considerar, fundamentalmente, a natureza específica da

relação teórica entre a sociologia geral e as sociologias especiais que Evaristo

43 Grifos no original.

Page 70: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

69

desenvolve ainda em O problema de uma sociologia do direito, pois, é com base nesta

relação que poderemos apreender de forma mais precisa o sentido em que se insere

praticamente a sociologia do direito no esquema teórico e metodológico de O problema

do sindicato único no Brasil.

Antes de qualquer coisa, é importante termos em conta que esta relação entre a

sociologia geral e as sociologias especiais de que se ocupa Evaristo ainda em O

problema de uma sociologia do direito, não se trata de uma formulação arbitrária. Em

verdade, Evaristo de Moraes Filho acompanha o pensamento de sua época e, por

conseguinte, propõe tal relação a partir das transformações mesmas que se fizeram

sentir sobre a teoria do conhecimento sociológico, especialmente a partir do início do

século XX. Aí, ao invés de uma sociologia de teor enciclopédico e evolucionista – como

em Comte ou Spencer -, que a toda a humanidade queria abarcar e que,

conseqüentemente, acima de todas as ciências sociais particulares queria se elevar, o

que se verifica é a edificação de uma sociologia que se pretende “modesta e realista”

(Moraes Filho, 1997; p. 111). Uma sociologia que compreende e aceita a complexidade

da vida social e que, por isso mesmo, se especializa cada vez mais tendo em vista

surpreender os processos e as relações sociais concretas que têm lugar em cada esfera da

realidade social, ou como prefere Evaristo, em cada campo de cultura específico – tais

como a política, a economia, o direito, as artes, etc.

Por conseguinte, ao invés de uma sociologia geral com pretensões de ciência

única do social, como propusera Augusto Comte, o crescente número de sociologias

especiais ao longo do século XX vem contribuir para uma redefinição de suas

características. Para Evaristo de Moraes Filho, a sociologia geral torna-se uma ciência

de contornos tipicamente formais. Seu papel consiste agora em abstrair do resultado

empírico alcançado pelas sociologias especiais, as regularidades das formas e processos

Page 71: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

70

de que se revestem as relações sociais; buscando, com isto, sistematizar e generalizar os

casos típicos que, em conjunto, definem o padrão de interação entre os homens.

(...) realiza a sociologia [geral], através dos resultados adquiridos pelas sociologias especiais, o seu papel de sistematizadora dessas relações recíprocas que se dão incessantemente entre os diversos fatos da vida social humana (...) Compete-lhe abstrair dos conteúdos empíricos, brutos, dos acontecimentos econômicos, históricos, jurídicos, políticos e assim por diante, os casos típicos, os processos e as formas mais ou menos uniformes de interação humana.

(idem, pp. 117-118)

Não obstante, a relação entre a sociologia geral e as sociologias especiais não se

dá exclusivamente no sentido abordado acima. Segundo Evaristo, esta é uma relação de

“mão dupla”, onde as abstrações teóricas proporcionadas pela sociologia geral também

subsidiam a produção das pesquisas empíricas levadas a cabo pelas sociologias

especiais. Neste sentido, procuram as sociologias especiais, em conjunto com as

ciências sociais particulares que lhe sejam correlatas, apreender “(...) as maneiras

específicas como se encarnam os processos e as formas abstratas” (idem). Tem lugar

no pensamento de Evaristo, portanto, uma vinculação direta entre estas duas dimensões

do conhecimento sociológico; uma vinculação que se estabelece a partir da constante

troca de conteúdos que realizam.

De um lado, a sociologia geral, voltada para a generalização e sistematização

teórica dos resultados empíricos alcançados pelas sociologias especiais, fornece a estas

o enquadramento teórico e os fundamentos conceituais necessários à orientação

propriamente sociológica das pesquisas empíricas que desenvolvem. De outro, as

sociologias especiais que, fundadas sobre o arcabouço teórico proporcionado pela

sociologia geral, produzem conhecimento novo e específico a respeito das diversas

formas assumidas pela interação do homem em sua existência social; contribuindo,

desta maneira, para que a sociologia geral abstraia daí os casos típicos responsáveis pelo

desenvolvimento de uma sempre renovada teoria geral dos princípios reguladores de

Page 72: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

71

nossas relações sociais. Trata-se, por conseguinte, da existência de um círculo de

comunicação entre estas duas dimensões que as vinculam de tal maneira que, na

produção efetiva das abordagens sociológicas, tal vinculação assume a forma de uma

inextricável associação.

E é exatamente isso o que realiza Evaristo de Moraes Filho em O problema do

sindicato único no Brasil, onde a sociologia do direito – enquanto sociologia especial –

é inserida na configuração teórica do livro a partir de uma indissociável relação com a

teoria sociológica mais abrangente que reveste o pensamento do autor. Contudo, no que

diz respeito à orientação geral e à metodologia empregada na pesquisa, é possível

constatar, desde logo, que os fundamentos particulares da sociologia jurídica se fazem

sentir decisivamente. Em relação ao primeiro destes aspectos, convém ressaltar que a

diretriz fundamental por onde Evaristo desenvolve sua investigação condiz exatamente

com aquela orientação de pesquisa própria da sociologia do direito, segundo a qual a

normatividade jurídica deve ser compreendida com base na normalidade social – ponto

que, como vimos em passagem transcrita páginas atrás, é mencionado pelo próprio

autor no prefácio da obra. Em relação à metodologia aplicada, o que se pode apreender

é que Evaristo apresenta uma observância completa do que propõe a sociologia jurídica

a este respeito. Por conseguinte, em sua busca por elucidar as relações existentes entre a

normalidade social e a normatividade jurídica, Evaristo de Moraes Filho lança mão de

uma análise que compreende tanto a legislação oficial do Estado – onde, aliás, dezenas

de leis, decretos e constituições são observadas na qualidade de material empírico de

pesquisa -, como também um conjunto diversificado de outras fontes de onde se pode

captar as manifestações dos fenômenos jurídicos para além do direito estatal (resoluções

de congressos operários ou patronais, conferências, reportagens, boletins informativos,

discursos parlamentares e etc.).

Page 73: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

72

Não obstante, se no que tange à orientação de pesquisa e à metodologia aplicada

os princípios da sociologia jurídica incidem com alguma autonomia, naquilo que pode

ser considerado como a substância, o conteúdo do trabalho – ou seja, a teorização

desenvolvida para apresentar, de maneira sistemática e coerente, os resultados obtidos –

o que sucede é aquela mencionada associação entre a sociologia jurídica e a teoria

sociológica mais abrangente de que partilha o autor. Uma associação na qual os

postulados desta sociologia especial são incorporados numa teoria sociológica de cunho

universalista, que tem nos grupos sociais sua unidade básica de observação44. E é

partindo deste arranjo teórico que Evaristo encontra as condições para surpreender os

sindicatos no papel de instituições sociais responsáveis por profundas transformações

no mundo do direito; é, pois, a partir daí, que o autor apreende objetivamente a

normalidade social condicionar a normatividade jurídica.

Assim, coerente com o universalismo sociológico que orienta sua perspectiva, a

abordagem desenvolvida por Evaristo tem nos grupos sociais o centro de sua reflexão.

Entretanto, isto não se deve exclusivamente à questões de ordem metodológica. Para

ele, a própria capacidade de associação, de formação de grupos, é uma das

características essenciais da humanidade, um de seus fundamentos naturais. Neste

sentido, esforça-se no início de sua teorização em firmar a compreensão de que os

44 O universalismo que orienta a perspectiva sociológica de Evaristo consiste em uma forma de apreensão da realidade que se caracteriza pela prevalência do todo sobre as partes. A este respeito, ensina Evaristo que “Tanto em metafísica, como em sociologia a tese do universalismo é a de que o caráter do todo, seja do conjunto das coisas, seja dos homens, deve ser considerado como primordial em relação às unidades isoladas.” (Moraes Filho, 1978; p. 71). Por conseguinte, em coerência com este postulado fundamental, a sociologia de Evaristo, em sintonia com autores de tradição alemã como Leopold von Wiese, George Simmel e outros, confere um espaço de centralidade ao conceito de “grupo social”. Trata-se, pois, de uma sociologia que vai encontrar neste conceito a fundamentação teórica que permite superar o individualismo sem, no entanto, cair no enciclopedismo sociológico que ambiciona traçar leis gerais para toda a humanidade. Não por acaso, o capítulo que abre O problema do sindicato único no Brasil consiste numa profunda revisão literária sobre o conceito de “grupo social”, no qual Evaristo, dotado de larga erudição sobre o tema, procura demonstrar que a sociologia por ele considerada contemporânea se caracterizaria, entre outros elementos, pela delimitação de sua abordagem sobre os grupos sociais. Estes encerrariam, por conseguinte, sua unidade básica de observação científica.

Page 74: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

73

sindicatos, assim como outras formas de agrupamento coletivo, consistem em

associações naturais, espontâneas45.

No entanto, preocupa-se o autor em esclarecer duas de suas características

específicas que os singularizam em relação aos demais grupos sociais. Em primeiro

lugar, destaca Evaristo que, apesar de sua espontaneidade, as organizações sindicais –

ou associações profissionais – não se formam de maneira apriorística, involuntária; ao

contrário, diferentemente dos grupos de parentesco, por exemplo, onde a vinculação do

indivíduo ao grupo se estabelece de maneira imediata, não intencional, no que diz

respeito aos sindicatos, o que lhe caracteriza é exatamente sua dimensão intencional

onde os indivíduos tornam-se membros pela consciência de que possuem interesses

comuns devido ao pertencimento mútuo a uma mesma profissão. Esta aparente

contradição envolvendo natureza e voluntarismo em relação aos sindicatos seria, pois,

resolvida teoricamente na abordagem de Evaristo pela dimensão natural que atribui ao

fenômeno econômico. Assim, apesar de se constituir como grupo voluntário, o sindicato

não perderia sua condição natural por dizer respeito a um fenômeno originado na esfera

da economia. Vale a citação.

(...) o que interessa fixar é que a profissão é um grupo social natural (...) anterior a qualquer tentativa de regulamentação pelo direito. Fora dos quadros jurídicos impostos pelo Estado, já se encontram funcionando na vida econômica da nação as diversas maneiras do homem realizar a produção, a distribuição, a circulação e o consumo dos bens. E assim como é natural a existência deste grupo profissional, também o é a consciência de que aproximados, coordenados, poderão todos os membros defender melhor

45No que tange a esta questão, Evaristo de Moraes Filho recorreria ao trabalho de historiadores para sustentar seu ponto de vista. De acordo com ele (idem, pp. 61-62): “Desde a mais recuada antiguidade, segundo os historiadores das formas de realização do trabalho humano, constatam-se exemplos de associações profissionais. Desta ou daquela natureza, dos tipos e espécies as mais diversas, de qualquer modo ao lado da realização do trabalho sempre existiu um grupo associativo coordenador (...) lembra Renard que no antigo Egito há casos de greves que implicam numa reunião, embora provisória, de homens ocupados em tarefas semelhantes (...) Mesmo entre os hebreus, no tempo de Salomão; entre os gregos, desde a remota época de Sollon; em Roma, ainda sob o reino de Numa, permitem os velhos textos entrever colégios de artesãos. Mas o que pretendemos focalizar não é a história da associação profissional, e sim o fato da solidariedade espontânea que surge sempre entre os exercentes da mesma ocupação.”.

Page 75: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

74

os seus interesses, resistindo a interesses opostos e elevando mais alto o nível econômico e social do seu grupo. A aglutinação da profissão em associação, apesar de um fato consciente e voluntário, encontra suas bases primeiras na própria natureza da operação econômica que realizam seus exercentes. Os homens como que só fazem apressar e ordenar aquilo que a realidade já lhes sugeriu.

(idem, p. 60)46

Da passagem acima pode-se entrever, ademais, a segunda característica das

associações profissionais que as distingue de outros grupos, em especial, do próprio

círculo profissional tomado em si mesmo. Segundo Evaristo, embora este consista em

um agrupamento coletivo real, ele se caracteriza, de certo modo, como um grupo difuso

e disperso, pois, o que lhe define exclusivamente a unidade é a igualdade ou semelhança

das ocupações em que estão envolvidos um conjunto maior ou menor de indivíduos. Por

outro lado, as associações profissionais dizem respeito a verdadeiras instituições sociais,

entendendo por isto “(...) um grupo de pessoas, reunidas em torno de uma idéia, capaz

de realizá-la graças a uma organização permanente.” (idem, p. 65)47. Trata-se,

portanto, de algo mais do que um grupo social simplesmente. Trata-se de uma

instituição social, de um grupo permanentemente organizado, que tem por finalidade

elevar as condições de vida e de trabalho do grupo profissional que representa; idéia que

procura realizar, dentre outros elementos, por uma atuação direta pela afirmação e/ou

ampliação de direitos; construindo assim, autênticos fenômenos de natureza jurídica48.

É neste ponto que o princípio conceitual do pluralismo jurídico é inserido

logicamente na reflexão empreendida, dando contornos decisivos ao caráter

46 Grifos nossos. 47 Grifos no original. 48 No que tange a este ponto, afirma o autor (idem, p. 82): “Como grupos de atividade, que tendem a envolver as profissões por todos os lados, procuram os sindicatos organizá-las, dar-lhes estrutura própria, coesa, homogênea. Através de mais um expediente de fato ou jurídico – greve, lock-out, picketing, boycott, dissídio coletivo, convenção coletiva de trabalho, regulamentação de toda espécie, assistência, cooperativas, previdência – vai o sindicato procurando melhorar as condições de trabalho dos membros da profissão que representam e consolidar este bem-estar econômico e social adquirido.”.

Page 76: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

75

sociológico-jurídico da obra. Tem lugar aqui, portanto, o núcleo daquela associação

teórica entre sociologia geral e sociologia jurídica mencionada há pouco, pois, a

percepção sociológica do autor, fundada sobre uma concepção abstrata de “grupos

sociais”, aqui adquire consubstanciação empírica ao combinar-se com o conceito do

pluralismo jurídico, de forma que, os sindicatos surgem na análise como instituições

sociais e, como tal, responsáveis pela edificação de direitos espontâneos, à margem do

Estado; direitos estes que seriam decisivos para o reconhecimento público destas

instituições e para a oficialização mesma do direito do trabalho enquanto ramo

particular do direito positivo. Em O problema do sindicato único no Brasil, por

conseguinte, Evaristo confirmaria o entendimento pluralista de Maurice Hariou,

segundo o qual “(...) são as instituições que fazem as regras de direito, e não as regras

de direito que fazem as instituições.” (idem, p. 95).

Neste sentido, como veremos adiante em sua análise sobre o caso brasileiro,

Evaristo fundamentaria sua compreensão social a respeito do direito do trabalho

demonstrando que, antes mesmo de qualquer sanção oficial, as associações profissionais

– enquanto instituições - e os grupos empresariais já acordavam entre si verdadeiros

direitos coletivos voltados à regulamentação profissional, fixação de salários, condições

de trabalho e etc. Tratar-se-ia, portanto, de um verdadeiro direito extra-estatal que o

pluralismo jurídico de Evaristo lhe permitiria surpreendê-lo na condição de “embrião”

do futuro direito do trabalho. Um “direito costumeiro do trabalho” (idem, p. 109) que

resultaria do próprio conflito das forças sociais, e que principiaria a positivação

irresistível do direito do trabalho no Brasil.

Note-se, pois, a relevância da sociologia do direito para a construção teórica e

metodológica de O problema do sindicato único no Brasil, no qual seus postulados

científicos próprios norteariam decisivamente a abordagem empreendida por Evaristo

Page 77: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

76

de Moraes Filho. Assim, para além da orientação teórica de se compreender as regras do

direito com base na normalidade social e do princípio do pluralismo jurídico – que já

aludimos -, perceberá o leitor, na seção que se abre a seguir, a presença de outros dois

postulados próprios desta sociologia especial sobre a análise desenvolvida pelo autor.

Em primeiro lugar, a diretriz de não se abordar o direito de forma isolada, desconectado

dos outros fatos que constituem a vida social. Aqui, o destaque fica por conta da

observação sócio-histórica que apresenta, na qual, como veremos, Evaristo surpreende a

gênese e o desenvolvimento de nossas leis trabalhistas a partir de uma relação complexa

que envolve diversos elementos: a influência da modernização econômica sobre o país

no início do século XX, o crescimento de nossas cidades, a assinatura do Tratado de

Versalhes por parte do governo brasileiro em fins da década de 1910, entre outros

pontos. E, em segundo lugar, a preocupação sociológico-jurídica de Evaristo em captar

a dimensão valorativa que encerra a construção legislativa por ele observada. A este

respeito, vale frisar, não escaparia ao jurista e sociólogo do Rio de Janeiro a importância

que o ideário político de esquerda teria neste processo, orientando o sentido da ação não

somente de organizações sindicais, como também de intelectuais e parlamentares no

desenvolvimento de nossas leis do trabalho.

Por tudo isto, temos como certo o fato de que o livro em questão não se trata

apenas de uma obra sociológica sobre o fenômeno sindical brasileiro ou de uma história

social das lutas empreendidas pelo operariado nacional. Segundo pensamos, ambas as

dimensões se integram numa sociologia jurídica aplicada ao nosso direito do trabalho.

Uma sociologia do direito do trabalho que, como tal, recupera historicamente os

sujeitos, as instituições sociais e as idéias que incidiram diretamente no processo de

construção legislativa deste ramo do direito no Brasil. E seria, pois, com base nesta

análise sociológico-jurídica, que Evaristo desqualificaria o chamado “mito da outorga”,

Page 78: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

77

ao demonstrar que muito antes de Getúlio Vargas e seu staff governamental já existia

entre nós uma autêntica legislação do trabalho; uma legislação de natureza propriamente

social.

2.2 – A natureza social do direito do trabalho no Brasil

Segundo apresenta Evaristo, mesmo antes da virada do século XX os

trabalhadores já se mobilizavam ativamente pela promulgação de leis sociais em nosso

país. A Carta de 1891, que instituíra definitivamente o regime republicano entre nós, era

omissa em relação à fixação legal de direitos coletivos que assegurassem uma plena

cidadania ao conjunto dos trabalhadores nacionais, “Limitava-se unicamente a

proclamar, de modo geral, a garantia do direito de associação e reunião a todos os

cidadãos.” (idem, p. 183). Tratava-se, pois, de uma hesitação deliberada das classes

dirigentes de nossa nascente República esta completa ausência de garantias sociais na

Constituição de 1891. Isto porque, ao permitir o direito de associação aos cidadãos

nacionais, demonstra a Carta em questão sua sintonia com a realidade social e política

que já se fazia presente nas modernas sociedades européias de fins do século XIX - era

o reconhecimento explícito do caráter coletivista que já então lhe caracterizavam49.

Neste sentido, ao não ir mais além neste reconhecimento, a jovem República brasileira

já nascia marcada por uma acentuada limitação democrática, excluindo tanto política

quanto socialmente fração considerável de nossa população no que diz respeito aos

ditames da vida moderna e, pois, fazendo de sua Carta de fundação um texto legal já em

49 Segundo Evaristo, a partir do último quartel do século XIX o continente europeu conheceria uma grande disseminação de direitos coletivos assegurando a liberdade de sindicalização, direito de greve além de outros pontos relativos ao direito do trabalho. Neste sentido, as principais datas em que se promulgam legislações desta natureza em tal continente são: 1874, na Dinamarca; 1875, na Inglaterra; 1884, na França; 1887, em Portugal e Espanha; e 1898, na Bélgica (idem, 114).

Page 79: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

78

descompasso com nossa realidade social. Nem a recente saída do regime escravista,

nem o caráter eminentemente rural da economia brasileira à época, podem servir de

justificativas satisfatórias para esta orientação legislativa, afinal de contas, há apenas um

ano após a promulgação da Constituição de 1891, já demonstravam os trabalhadores sua

existência político-social e seu poder de mobilização coletiva. Como mostra Evaristo de

Moraes Filho, em 1892 já tomavam parte no debate a respeito do Código Civil que se

preparava.

Quando da discussão do Código Civil em 1892, agitou-se o operariado, procurando melhorar suas condições de vida. Realizou-se nesta Capital [Rio de Janeiro] um congresso trabalhista, com o fim de apresentar as reivindicações da classe. Uma associação de trabalhadores procurara o ministro Lúcio de Mendonça, do Supremo Tribunal, convidando-o para colaborar na elaboração de um corpo de leis trabalhistas. Aconselhou-a aquele Magistrado que dirigisse os seus esforços no sentido de introduzir no projeto do Código Civil alguns institutos aproveitáveis aos operários.

(idem, p. 190)

Não obstante a existência de participação ativa de associações de trabalhadores

pelo estabelecimento de leis sociais ainda no século XIX, a abordagem de Evaristo nos

chama a atenção para o rápido incremento deste tipo de atuação a partir da virada do

século XX. Por conseguinte, já nos primeiros anos do século passado a sociedade

brasileira conheceria suas primeiras normas oficiais atinentes ao coletivo mundo do

trabalho. Em compasso com que teria ocorrido na Europa, também por aqui as primeiras

experiências jurídicas deste tipo estariam voltadas à regulamentação sindical – o que,

por si só, já aponta para a inquestionável presença destes agrupamentos coletivos desde

os primeiros anos de nossa era republicana. Na verdade, desde os tempos do Império,

como demonstra o autor por intermédio da Liga Operária e da União Operária,

Page 80: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

79

associações profissionais com finalidades de reivindicações fundadas, respectivamente,

em 1870 e 1880 na então Capital do país (idem, p. 182).

A presença de associações profissionais desde os tempos do Império não é,

contudo, um dado de pouca importância. Ao contrário, ele é altamente revelador acerca

de como o desenvolvimento global do ordenamento capitalista moderno atua enquanto

fator de grande relevância no condicionamento deste processo por aqui. Autores

clássicos de nosso pensamento social, como Victor Nunes Leal (1997), Caio Prado

Júnior (2006) e Gilberto Freyre (2007), entre outros, já haviam observado o impacto da

modernização européia sobre as diversas esferas da vida social brasileira a partir do

século XIX – na política, na economia, na cultura, nas ciências, etc. - e Evaristo, por sua

vez, teria o mérito de captar mais uma manifestação desta influência, porém, com foco

sobre a esfera de nossas relações sociais de produção. Desta maneira, importa termos

em conta que, no processo de constituição do direito do trabalho apresentado pelo autor,

as particularidades nacionais não são abordadas isoladamente, mas sim a partir de sua

inserção no contexto global mais amplo. É, pois, com base numa combinação complexa

de fatores que, como ressaltamos anteriormente, Evaristo de Moraes Filho surpreende a

gênese e o desenvolvimento ulterior da legislação social brasileira.

Neste sentido, em razão de nossa particular inserção na economia mundial

àquela época – ou seja, basicamente ligada à produção e fornecimento de produtos

agrícolas – a primeira lei do trabalho promulgada no Brasil teve como matéria a

regulamentação de sindicatos rurais. Por intermédio do Decreto 979, de 06 de janeiro de

1903, atendia-se assim “(...) às solicitações constantes dos agricultores, formuladas em

vários congressos, comícios e conferências agrícolas (...)” (idem, p. 185) com vistas ao

reconhecimento legal de suas associações profissionais50. Tratava-se, pois, de uma

50 Como mostra Evaristo, o Decreto 979 de 1903 dizia respeito a uma lei de nítida inspiração liberal. Não havia restrições quanto ao número de sindicatos – seja por indústria, seja por ofício -, nem ao

Page 81: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

80

realidade sui generis o que estabeleceu o Decreto 979, de 1903, tendo em vista que,

segundo o autor, era a primeira vez na história que um país regulamentava primeiro a

sindicalização rural para depois regulamentar a sindicalização urbana51. No entanto,

importa ficar registrado que, se no continente europeu levou-se quase um século entre o

surgimento dos modernos Estados republicanos e as primeiras leis de regulamentação

sindical, no Brasil, em função do vulto global que já tomava conta da economia

capitalista, este período representou pouco mais de uma década.

E não demoraria muito para que a lei se estendesse a todas as categorias

profissionais. Mesmo sendo, ainda no início do século XX, um país de feição

predominantemente rural no que diz respeito ao plano econômico e social, não quer isto

dizer que as cidades eram fenômenos inexistentes no Brasil. O que se observa é um

processo lento, porém, gradual de crescimento da vida urbana nacional ao longo do

século XIX, sobretudo a partir de sua segunda metade (Fernandes, 2006; Freyre, 2007).

No início do século XX, o Rio de Janeiro já ocupa importante papel por constituir-se na

então Capital Federal – congregando toda a estrutura burocrática do Estado - e no centro

comercial da nação, onde destaca-se o intenso fluxo de trocas advindos da infra-

estrutura portuária da cidade. Por isto mesmo, não causa espanto o crescente fenômeno

associativo que se verifica a partir de então, sobretudo, mas não exclusivamente, no

Distrito Federal do país.

funcionamento das associações. Seu art. 2º estipulava somente a necessidade de registro cartorial dos estatutos, atas de fundação, lista de sócios, além da assinatura de seus administradores. Contudo, entende o autor que a principal razão de ser desta lei é dada pela redação de seu art. 9º: “É facultado ao sindicato exercer a função de intermediário do crédito a favor dos sócios, adquirir para estes tudo que for mister aos fins profissionais, bem como vender por conta deles os produtos de sua exploração em espécie, beneficiados, ou de qualquer modo transformados.” (idem, nota 191). Com base neste artigo, tais associações caracterizar-se-iam fundamentalmente como entidades de beneficência e auxílio mútuo, sem prejuízo, porém, de suas funções de resistência coletiva. 51 Nas palavras de Evaristo (idem, pp. 184-185): “Sendo um país de formação agrícola (...) talvez com a mais alta percentagem de trabalhadores rurais em relação aos urbanos em todo o mundo, não podíamos deixar de iniciar a nossa legislação sindical senão por este lado. Por isso mesmo, contrariando todos os demais exemplos da história, começamos a legislar sobre o fenômeno associativo por onde os outros povos em geral terminam: pelo trabalho rural...”.

Page 82: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

81

Ponto-chave neste processo é o ano de 1906, onde se realizou, nesta cidade, o I

Congresso Operário. Segundo Evaristo, tal congresso de trabalhadores teve ampla

repercussão nacional em virtude do número satisfatório de associações presentes e do

intenso debate ideológico que tomou conta do evento. Isto porque, desde o final do

oitocentos, as tendências políticas de esquerda já se faziam presentes junto aos

trabalhadores, o que, inevitavelmente, levou a uma concorrência das diversas

concepções pela orientação doutrinária e política do movimento operário nacional52. O

referido congresso consistiu, assim, num marco importante da história do sindicalismo

brasileiro, tendo em vista a grande influência que os ideais de esquerda – notadamente

socialistas e anarquistas – imprimiriam à organização e à atuação política das

associações profissionais. Segundo Evaristo, decorre daí, por conseguinte, o

estabelecimento de grande número de sociedades de resistência em vários estados do

país (idem, p. 191). E seria, pois, por intermédio das reivindicações encetadas por um

conjunto variado destas organizações que se estenderia a regulamentação sindical agora

a todas as categorias profissionais – inclusive as liberais. Era promulgado, assim, a 5 de

janeiro de 1907, o decreto 1.637.

De acordo com a abordagem do autor, o 1.637 apresentava fortes semelhanças

com o 979, de 1903, no que tange ao seu espírito doutrinário. Como este, procurava

estar preso aos cânones liberais, não estabelecendo qualquer restrição ao número de

sindicatos por categoria ou ao funcionamento autônomo das organizações53. Não

52 No que diz respeito à introdução dos ideais de esquerda no Brasil, importa frisar novamente o papel de destaque que os já mencionados intelectuais socialistas - como o próprio pai de Evaristo, Antônio Evaristo de Moraes, além de Agripino Nazareth, Everardo Dias, Joaquim Pimenta e outros – tiveram neste processo. Foram ele os principais idealizadores dos partidos socialistas construídos desde fins do século XIX no Brasil. Ademais, durante toda a Primeira República se envolveram em atividades conexas como a construção de jornais operários, assistência jurídica aos sindicatos e etc. Sobre isto ver, entre outros, os já referidos estudos de Evaristo de Moraes Filho (1981) e Gomes (1994). 53 Para Evaristo, o decreto 1.637 teria sido o único expediente jurídico a estabelecer efetivamente o pluralismo como modo de organização sindical no Brasil. Concorreu para isto a frouxidão dos critérios estabelecidos pelo decreto para o reconhecimento oficial dos sindicatos, afinal, segundo o autor, “(...)

Page 83: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

82

obstante, em função das péssimas condições sociais a que estavam sujeitos os operários,

o decreto em questão estava longe de suprir as necessidades da massa trabalhadora

brasileira, pois, para além da simples regulamentação sindical, nenhuma outra garantia

social constava do 1.637.

Neste sentido, com o crescimento das cidades e o incremento da população

trabalhadora que daí se segue, as associações profissionais – já agora fortemente

influenciadas pelo ideal político de esquerda – iriam empreender grandes mobilizações

sociais com vistas ao estabelecimento de leis que garantissem melhores condições de

vida aos trabalhadores. Já em 1912, por ocasião do 4º Congresso Operário Brasileiro,

realizado no Rio de Janeiro, mostra Evaristo que os trabalhadores desenvolveram uma

plataforma de reivindicações centrada na afirmação de direitos coletivos, que, por sua

vez, nortearia sua atuação organizada nos anos ainda porvir54.

Portanto, por força de sua mobilização coletiva, as organizações sindicais

conseguiram impor ao patronato suas reivindicações jurídicas de maneira independente,

de forma que, segundo vem mostrar o autor, os direitos propriamente trabalhistas no

Brasil surgiriam de forma espontânea, à margem do Estado Nacional. Um verdadeiro

direito extra-estatal surgia no âmbito privado das relações entre patrões e empregados,

forçando, tornando mesmo inevitável seu reconhecimento por parte do aparelho estatal.

Assim, em acordo com sua ótica sociológico-jurídica fundada na convicção do caráter

plural em que consiste o mundo do direito, demonstrava Evaristo que o direito do

bastavam sete associados para dar como constituído um sindicato, sem outra exigência além do registro no cartório competente, com a juntada da identidade dos sócios e da cópia dos estatutos.” (idem, p. 227). 54 Era criada a partir deste congresso a Confederação Brasileira do Trabalho, que tinha seu programa inicial fundado sobre os seguintes direitos coletivos (idem, pp. 195-196): “a) redução do horário do trabalho normal a oito horas por dia; b) descanso semanal obrigatório para todas as categorias de operários e trabalhadores; c) indenização às vítimas dos sinistros do trabalho; d) regulamentação do trabalho nas fábricas, limitação do trabalho das mulheres e dos menores, proibição absoluta de trabalho nas fábricas às crianças com menos de quatorze anos de idade; e) seguro obrigatório (com participação nas despesas divididas entre o Estado, os patrões e os operários) para indenizar os trabalhadores nos casos de doença e de desocupação forçada e para dar-lhes pensão na velhice e nos casos de invalidez para o trabalho; f) substituição do contrato individual pelo contrato coletivo de trabalho.”.

Page 84: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

83

trabalho enquanto gênero particular do direito positivo brasileiro é precedido por um

autêntico direito costumeiro, um direito eminentemente social, nascido

espontaneamente do conflito de grupos e classes que compõem a sociedade.

Na cronologia então apresentada, o ano de 1919 seria particularmente relevante

a respeito do que dissemos acima. O crescimento econômico verificado pelo país com a

deflagração da Primeira Guerra Mundial e a conseqüente expansão da população

trabalhadora nas cidades, bem como a grande repercussão que tivera o advento da

Revolução Russa entre os círculos operários brasileiros, segundo Evaristo de Moraes

Filho, seriam variáveis de grande influência sobre a eclosão de greves até então sem

precedentes ocorridas a partir de maio daquele ano nos principais centros urbanos do

país - Salvador, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Escorado em um diversificado

conjunto de fontes de pesquisa – resoluções normativas, discursos parlamentares e,

sobretudo, material jornalístico – mostra o autor o alcance daquele movimento grevista

e seu impacto sobre a edificação de direitos trabalhistas. Em todas estas cidades, o

movimento de greve teve alcance quase que geral, afetando, em larga medida, a

economia nacional.

Eram os empregados no comércio, eram os tecelões, eram os barbeiros, eram os marceneiros, eram os gráficos, eram os empregados nos transportes, eram, enfim, todas as classes que se levantavam em manifestações grevistas, em reivindicações de melhorias de condições de trabalho.

(idem, p. 203)

Sob a liderança de intelectuais socialistas, como Joaquim Pimenta, Agripino

Nazareth e outros, as greves de 1919 lograram vitórias expressivas55. O alcance

55 Em referência ao êxito da greve pernambucana, com destaque para os operários da companhia “Pernambuco Tramways”, cita Evaristo edição do “Correio da Manhã” de 29 de julho de 1919, onde se lê (idem): “A greve dos operários da ‘Pernambuco Tramways’ acha-se terminada, tendo os operários obtido tudo o que queriam. Hoje, às 14 horas, os operários realizaram uma grande passeata, acompanhados do Dr. Joaquim Pimenta, lente da Faculdade de Direito do Recife.”.

Page 85: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

84

generalizado de tais paralisações levou o patronato a ceder às reivindicações operárias e,

pois, firmar acordos com os sindicatos que instituiriam – ainda que restrito à esfera

privada – um vasto conjunto de direitos coletivos voltados à melhoria das condições de

vida e trabalho do operariado. Assim, de maneira espontânea, à revelia da omissão

legislativa por parte do Estado, instituía-se a jornada de oito horas diárias de trabalho, a

proibição do trabalho de menores de 14 anos e a proibição do trabalho feminino

noturno, além de outros direitos mais específicos a cada localidade.

De acordo com a análise de Evaristo, a existência e disseminação destes direitos

extra-estatais pelos principais centros econômicos do país, seriam fatores de grande

pressão sobre a responsabilidade do Estado em legislar a respeito dos direitos coletivos;

a realidade social condicionava, assim, a normatividade jurídica do trabalho no Brasil.

Tratava-se, no entanto, de um processo que tinha início em âmbito regional, onde os

estados fortemente impactados pela atuação do movimento operário se viram forçados a

adotar medidas que, em verdade, principiaram a positivação do direito do trabalho no

país56. Não por acaso, este processo seria tema expresso na plataforma política do ex-

presidente Washington Luis, tendo-se como preocupação fundamental o possível

desequilíbrio econômico entre os estados da Federação que decorreria desta positivação

regional de normas atinentes ao mundo do trabalho.

Basta ver que algumas das aspirações operárias alhures são realidade entre nós. A jornada de oito horas, praticamente em execução por todos; a regulamentação do trabalho da mulher e do menor; nos Códigos Sanitários, já é observada. A observância, porém, de tais preceitos deve ser imposta por

56 A este respeito, o caso baiano revela-se exemplar. Mostra o autor que pelo alcance da greve baiana de junho de 1919, não teve outra escolha o governo daquele estado senão legislar sobre a jornada de trabalho dos operários nos estabelecimentos públicos, oficializando, desta forma, uma das principais reivindicações do movimento grevista que já se havia alcançado espontaneamente junto à iniciativa privada. Era, assim, promulgada a Lei nº 1.309, onde consta a seguinte redação (idem, p. 201): “O Governador do Estado da Bahia, faço saber que a Assembléia decretou e eu sanciono a lei seguinte: Artigo único – É fixado em oito horas o dia do trabalho para todos os estabelecimentos industriais e oficinas pertencentes ao Estado, ou por ele subvencionados, revogadas todas as disposições em contrário.”.

Page 86: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

85

lei da República para que, por bem agir, não se coloque um estado em inferioridade econômica aos outros na produção nacional.

(idem, p. 211. nota 213)57

Apesar da relevância dos direitos coletivos autonomamente constituídos, para

Evaristo eles não seriam os únicos elementos a influenciar a positivação de nosso direito

trabalhista. A que se considerar também, a participação do governo brasileiro na

Conferência de Paz que se seguiu ao término da Primeira Grande Guerra, onde o país

assinaria o conhecido Tratado de Versalhes e, conseqüentemente, ingressaria na

Organização Internacional do Trabalho; aumentavam-se, assim, as pressões para que a

jovem República brasileira viesse regulamentar as relações de trabalho em seu território

e, por conseguinte, superar o anacronismo que lhe caracterizava em relação às demais

nações signatárias do Tratado.

Em 1919, entra o Brasil numa nova fase de seu desenvolvimento social-trabalhista. Vínhamos de assinar o Tratado de Versalhes, no qual nos obrigávamos a cumprir determinadas recomendações a favor dos trabalhadores, além de nos filiarmos à Organização Internacional do Trabalho. Aumentava agora para o Governo a responsabilidade legislativa, no sentido de maior intervenção do Estado nas relações econômicas entre empregados e empregadores.

(idem, p. 197)58

De maneira geral, em função deste variado conjunto de fatores, segundo nos

apresenta Evaristo, a questão da regulamentação do trabalho tomaria vulto

impressionante no país entre 1919 e 1930. Ainda neste primeiro ano, era constituída no

Congresso Nacional a Comissão de Legislação Social, onde teria destaque a figura do

57 Este trecho da plataforma política de Washington Luis é retirado por Evaristo de Moraes Filho a partir da obra de Carvalho Neto (1926, p. 238). 58 Grifo nosso.

Page 87: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

86

deputado Maurício de Lacerda em função do projeto de Código do Trabalho que então

preparava59. Maurício de Lacerda era um antigo lutador social que, ao lado de Antônio

Evaristo, Joaquim Pimenta e outros, tivera decisiva participação na constituição dos

primeiros partidos socialistas brasileiros (Gomes, 1994). Coerente com sua trajetória, a

atuação de Lacerda como parlamentar sempre esteve ligada à questão social brasileira,

em especial no que tange à regulamentação de nossos direitos sociais. Neste sentido, em

sintonia com os reclamos advindos da sociedade, Maurício de Lacerda seria responsável

ainda pela criação, em 1923, do Conselho Nacional do Trabalho, “(...) que vinha dar

cumprimento ao compromisso assumido no Tratado de Versalhes de se instituir um

aparelho técnico-burocrático para organizar a legislação do trabalho e superintender

sua aplicação” (idem, p. 209). Indiscutivelmente, tratava-se do primeiro órgão técnico

de natureza estatal voltado exclusivamente à questão dos direitos trabalhistas no Brasil.

Este ano de 1923 seria marcado ainda pela promulgação da conhecida lei Eloy

Chaves (Lei nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923), que instituíra uma Caixa de

Aposentadorias e Pensões aos empregados de todas as empresas de estradas de ferro do

país60. Em 1925, mais especificamente em 24 de dezembro deste ano, seria promulgada

ainda a Lei nº 4.982 que instituiria férias por um período de quinze dias aos empregados

de diversos setores de atividade (comércio, indústria, bancos e empresas jornalísticas).

Mas a atividade legislativa durante os anos 1920 não cessaria por aí. Segundo nos

mostra Evaristo, outros três dispositivos legais viriam ao encontro dos reclamos sociais.

A primeira em 1926, onde, por inspiração direta da lei Eloy Chaves, se estenderia o

59 De acordo com que expõe Evaristo, o Código de Trabalho proposto por Maurício de Lacerda era composto de oito títulos: “I – da duração do trabalho; II – do descanso semanal e das férias; III – do trabalho do menor; IV – do trabalho do menor e das mulheres; V – das caixas de pensões; VI – do trabalho das mulheres; VII – da higiene e segurança do trabalho; e VIII – da inspeção do trabalho e dos conselhos de conciliação.” (idem, p.213. nota 216). Importa considerar, porém, que este Código de Lacerda não chegou a ser votado por nossos parlamentares àquela época. Tratava-se, pois, da primeira tentativa frustrada de codificar o direito do trabalho no Brasil, mas não seria a única. Como veremos no próximo capítulo, Evaristo também viria sentir o gosto amargo desta frustração durante os anos de 1960. 60 Segundo destaca Evaristo, inicialmente a lei tinha vigência exclusiva sobre as empresas privadas, mas logo se estenderia às companhias públicas das três esferas de governo (idem, p. 209).

Page 88: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

87

benefício das Caixas de Aposentadorias e Pensões aos trabalhadores de empresas

portuárias e marítimas (Lei nº 5.109, de 20 de dezembro de 1926). A 30 de junho de

1928, por intermédio do Decreto 5.485, passavam os trabalhadores de empresas

telegráficas e radiotelegráficas a gozar de seguros por enfermidade ou falecimento. E

ainda neste ano, seria promulgado também o Decreto 5.492, de 16 de julho, que

regulava o setor de diversões e estabelecia critérios para a locação de serviços teatrais –

assim, artistas e demais trabalhadores do ramo do entretenimento também passavam a

ser cobertos por lei federal que lhes regulava a atividade profissional.

Contudo, destaca Evaristo que o ano de 1926 seria marcante na história da

legislação social brasileira. Pela amplitude mesma que a questão trabalhista atingira,

sobretudo a partir de 1919, não podia prescindir o país de uma reforma de sua

Constituição de 1891 que a tornasse devidamente acordada à realidade sócio-política do

país. Assim, por intermédio da Emenda Constitucional nº 22, era estabelecido ao

Congresso Nacional a competência para legislar sobre o trabalho no Brasil. Neste

sentido, “(...) pela primeira vez passava a constar da Constituição, como assunto

expresso, a referência à legislação do trabalho, que se tornava, então, matéria

constitucional.” (idem, p. 211). É, pois, em virtude de todo este processo, onde destaca-

se a evolução legislativa após 1919, que afirmaria indignado Evaristo de Moraes Filho

(idem, p. 210):

Assim, terminado o balanço geral desse período compreendido entre 1919 e 1930, não podemos deixar de reconhecer que muito conseguiram as classes trabalhadoras brasileiras. Daí considerarmos erro histórico, além de mera propaganda eleitoral, a frase feita de que o Brasil nada possuía nesse terreno antes daquela última data. É uma injustiça que se comete à massa operária; aos grandes idealistas e lutadores que a defenderam e orientaram; aos parlamentares, principalmente, aos membros da Comissão de Legislação Social; e, finalmente, a alguns homens de governo.

Page 89: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

88

Note-se, entretanto, que, para o autor, este erro histórico não seria um produto

imediato da Revolução de 1930. Ao contrário, Evaristo entende que este episódio

marcaria o aprofundamento de um processo “natural”, socialmente espontâneo, que já

se desenrolava desde a Primeira República. A construção do Ministério do Trabalho,

Indústria e Comércio, considerada pelo autor “o maior mérito da Revolução de outubro”

(idem, p. 218), seria a comprovação disto. Seria ele uma espécie de maturação

institucional do Conselho Nacional do Trabalho de 1923, dotado de maiores recursos

para cumprir a missão de zelar pela observância das leis sociais brasileiras então

vigentes e, pois, levar a efeito definitivamente as conquistas sócio-jurídicas alcançadas

pelos trabalhadores no período anterior. Ademais, Evaristo teria outra boa razão para tal

entendimento: a destacada presença de antigos lutadores sociais, como Antônio Evaristo

e Joaquim Pimenta, na conformação do quadro técnico do Ministério61 – o que, por si

só, demonstra a heterogeneidade política que sustentava o Governo Provisório.

Desta forma, o tal “erro histórico” que menciona Evaristo seria conseqüência

direta do endurecimento político que se abriu a partir de 1935 – quando é promulgada a

chamada Lei de Segurança Nacional que estabeleceria uma profunda repressão à classe

trabalhadora organizada – e, sobretudo, com a instauração do regime do Estado Novo

em 1937. Segundo ele, portanto, é a partir de então que se estabelece uma grande

ruptura com o passado brasileiro, de forma que, o totalitarismo do regime carecia de

61 Com base nesta compreensão, Evaristo dá grande destaque ao Decreto 19.770, de 19 de março de 1931. Tal decreto resultara de projeto formulado por estes dois intelectuais, e instituía uma nova regulamentação da questão sindical no Brasil, que, segundo o autor, vinha aprofundar os interesses dos trabalhadores ao estabelecer o princípio da unicidade, mas também por permitir aos sindicatos a liberdade para procederem a realização de contratos de trabalho, manutenção de cooperativas, além de outros benefícios (idem, p. 221). Sem deixar de reconhecer algumas de suas limitações, Evaristo de Moraes Filho não deixaria de frisar o aspecto progressista do decreto. Segundo ele (idem, pp. 225-226): “Não se pode negar que o 19.770 tenha sido um grande passo no caminho da organização profissional brasileira. Não foi uma lei perfeita, mas realizou muito de congraçamento e aglutinação das classes produtoras. Procurou aproximar-se o mais possível da realidade social entre nós, permitindo mais de uma modalidade de forma de sindicalização, desde que respeitado o princípio básico da unidade. Mesmo os dispositivos que aproximavam o sindicato do Estado, colocando-o em situação de tutela, ali aparecem condicionados pela sistemática geral da lei, que procurava tornar o sindicato exclusivamente órgão representativo dos interesses profissionais, isento de partidarismos políticos, ideológicos ou religiosos (...) E os autores da lei eram antigos lutadores sociais, que bem conheciam o assunto...”.

Page 90: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

89

legitimar-se através de uma propaganda ideológica oficial, segundo a qual Getúlio

Vargas deveria ser identificado como o único responsável pelo estabelecimento dos

direitos sociais no país.

Constituiu ele [o Estado Novo] uma ruptura violenta com todo o passado brasileiro, com tudo que tivemos de mais legitimamente nacional, para imitar outras instituições estrangeiras. Segundo os arautos de tal regime nada fora imaginado, concebido, pensado, tentado, nem realizado por ninguém, antes de o haver feito o Chefe Nacional.

(idem, p. 210)

Porém, com base nas prerrogativas próprias de sua sociologia jurídica, como

vimos ao longo deste capítulo, Evaristo demonstrou toda a falácia em que se assentava

este discurso ideológico. Como podemos observar do que foi exposto acima, para ele, o

processo de constituição efetiva do direito do trabalho enquanto gênero particular do

nosso direito positivo, não parte da vontade exclusiva de qualquer jurista ou governante.

Acima de tudo, tal construção legislativa é encarada como resultado do próprio processo

de modernização da sociedade brasileira, isto é, de consolidação e desenvolvimento da

ordem sócio-econômica capitalista, de forma que, os sindicatos foram se tornando

instituições cada vez mais relevantes dentro do ordenamento social e, como tal,

impondo ao Estado, por sua própria força, o reconhecimento oficial dos direitos

coletivos espontâneos que já desenvolviam à sua margem – na esfera privada de suas

relações com empresas e organizações patronais.

Page 91: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

90

Portanto, em oposição ao monismo jurídico62 que fundamentava aquele

autêntico “mito da outorga”, Evaristo de Moraes Filho lançaria mão de sua concepção

plural do direito e, assim, com foco em um conjunto complexo de fatores sociais,

políticos, econômicos e ideológicos, reconstruiria a história de nossa legislação

trabalhista ao conduzir as organizações sindicais ao papel de protagonistas deste

processo. Instituía-se, pois, uma nova concepção acerca do direito do trabalho no Brasil,

uma concepção fundada sobre sua natureza genuinamente social.

E se, como destacado logo acima, a sociologia do direito surge como um

conhecimento científico, um recurso teórico e metodológico, fundamental ao

desenvolvimento desta tese que tornou seu livro um dos marcos da sociologia brasileira

na década de 1950, por outro lado, importa dizer, esta não seria sua única manifestação

sobre o pensamento de Evaristo de Moraes Filho. Como teremos oportunidade de

observar no capítulo a seguir, postulados próprios desta sociologia especial que aqui

apresentam grande relevância – como o conceito de pluralismo jurídico, a orientação em

surpreender o direito com base na normalidade social, o reconhecimento de seu caráter

valorativo e, ademais, sua inextricável relação com fenômenos de natureza política,

social ou econômica – retornariam poucos anos mais tarde, onde, dotados da mesma

eficácia cognitiva, seriam responsáveis pela fundamentação teórica de um dos mais

importantes “projetos” intelectuais em que se empenhou Evaristo ao longo de sua vida:

a construção de uma doutrina jurídica particular ao direito do trabalho63. É neste

62 O conceito de monismo jurídico, vale esclarecer, denota a idéia de que o direito possui exclusivamente uma única fonte de origem: o Estado. Por conseguinte, tal conceito implica na afirmação de que os fenômenos jurídicos são elementos privativos de um suposto monopólio estatal sobre sua constituição, vigência e revogação. Neste sentido, não existe qualquer consideração sobre a possibilidade de que estes fenômenos possam se constituir de maneira autônoma, espontânea, independente da ação jurídica levada a efeito pelo Estado. 63 Neste momento, faz-se mister relembrarmos o significado efetivo que o termo “doutrina” adquire em nossa abordagem, sob pena de interpretações errôneas acerca do que realmente busca denotar aqui. Em nosso trabalho, portanto, o termo “doutrina” não faz referência à idéias que se proponham inquestionáveis, impostas irrefletidamente pela força de algum indivíduo ou instituição que se arrogue detentor de uma suposta verdade absoluta. No direito, que é como aqui aparece, “doutrina” é um conceito

Page 92: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

91

sentido, que a sociologia do direito se caracteriza enquanto um conhecimento-chave na

vida intelectual deste pensador brasileiro, transcendendo, pois, suas reflexões de cunho

propriamente sociológico – como em O problema do sindicato único no Brasil – e

alcançando suas elaborações teóricas de natureza jurídica sobre o direito do trabalho. É

o que veremos com mais detalhes a seguir, no terceiro capítulo desta dissertação.

largamente utilizado e que diz respeito a uma sistematização teórica, de cunho propriamente acadêmico-científico, voltada à reunião coerente, lógica, dos princípios e características que qualificam determinado ramo do direito. Em sentido geral, o conceito de “doutrina jurídica” responde por um trabalho intelectual, quase sempre fundado sobre pesquisas exaustivas acerca da jurisprudência dos tribunais e da bibliografia relativa a um ramo jurídico particular, com vistas ao estabelecimento de uma interpretação que transcenda a dimensão específica da lei escrita, positiva, buscando uma compreensão mais profunda acerca do sentido que encerra suas normas e, desta forma, servir como instrumento teórico para o desenvolvimento do trabalho profissional realizado pelos diversos agentes do campo jurídico – advogados, juízes, desmbargadores e etc.

Page 93: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

92

CAPÍTULO 3

A DOUTRINA DO DIREITO DO TRABALHO DE EVARISTO

DE MORAES FILHO

Em boa medida, as publicações que se ocupam da sociologia jurídica como

objeto primordial de suas reflexões – tanto no que diz respeito à história de sua

constituição como ciência sociológica particular, quanto em relação ao seu conteúdo

teórico – geralmente adotam uma mesma orientação intelectual. A rigor, a literatura

voltada ao tema surpreende esta sociologia especial a partir da revisão crítica levada a

efeito por juristas em relação à ciência jurídica tradicional. Aqui, quase sempre destaca-

se o papel modernizante (porque científico) das teorias e métodos sociológicos como

aspecto fundamental desta revisão, o que redundaria na construção de novas e

diferenciadas perspectivas à teoria geral do direito e à delimitação mesma da sociologia

jurídica enquanto ciência especial – seus problemas específicos de pesquisa, sua

epistemologia, seus métodos, etc.64.

Quando destacamos este sentido comum que caracteriza boa parte da literatura

voltada à sociologia jurídica enquanto campo científico, na terminologia de Bourdieu

(1995), não temos nenhuma intenção em negar qualquer validade teórica a esta

literatura, ao contrário, segundo pensamos, a ela deve ser creditado méritos

inquestionáveis à compreensão deste novo ramo do saber sociológico. A prevalência

dos juristas em relação aos sociólogos no que tange ao seu desenvolvimento, bem como

a orientação teórica e metodológica que lhe define as características; tudo isto e mais é

indiscutivelmente muito bem abordado e apresentado por esta literatura. O que

procuramos salientar é que tal literatura não costuma abordar a influência desta 64 Com este sentido, ver, entre outros, Saldanha (1970), Gurvitch (1977), Machado Neto (1987), Junqueira (1993) e Souto & Falcão (2001).

Page 94: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

93

concepção sociológico-jurídica sobre o trabalho intelectual de doutrinação do direito65

levado a cabo pelos próprios juristas adeptos daquela sociologia especial; muitas vezes

grandes tratadistas em matéria de direito civil, direito constitucional e outros ramos

particulares da ciência jurídica. Por certo, concorre para isto seu foco central sobre a

disciplina - sua formação e características – e não necessariamente sobre seus cultores

que, ainda que trazidos à cena, ocupam um espaço apenas secundário nas abordagens.

Como dissemos acima, em relação a estes é a contribuição teórica que trazem à

disciplina o que realmente importa para tal literatura, de forma que, seus

desdobramentos ao conhecimento propriamente jurídico são restritivamente abordados

em referência à teoria do direito que desenvolvem. Note-se, pois, que não se trata do

trabalho doutrinário destes juristas, mas sim de sua concepção filosófica geral sobre o

direito.

Sentido diverso é o que propomos para este capítulo de nossa dissertação. Sendo

este um trabalho de sociologia dos intelectuais – no qual a sociologia jurídica ocupa um

espaço de grande relevância sem, no entanto, como ela confundir-se – nos parece

imprescindível procedermos a uma abordagem analítica que desvele a relação entre esta

sociologia especial e a doutrina do direito do trabalho desenvolvida por Evaristo de

Moraes Filho, afinal de contas, em função da relevância que tal doutrina ocupa em sua

vida, nossa abordagem sobre o lugar desta sociologia em seu pensamento ficaria muito

aquém se não a levássemos em consideração.

Para tanto, a principal fonte de que aqui nos valeremos para desenvolver esta

análise, embora não seja a única, consiste no livro publicado por Evaristo em 1956,

denominado Introdução ao direito do trabalho. Por certo, não se trata da única fonte em

que sua doutrina sobre o direito do trabalho seria apresentada, na verdade, em não

65 Sobre o significado deste conceito ver nota 63.

Page 95: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

94

poucas ocasiões – como conferências, nos próprios pareceres emitidos em função de seu

cargo de Procurador do trabalho e, até mesmo, em outros livros publicados por

Evaristo66 - esta sua doutrina jurídica seria objeto de suas reflexões. Contudo, não nos

resta qualquer dúvida de que Introdução ao direito do trabalho consiste na mais bem

acabada exposição de sua doutrina jurídico-trabalhista, o que se confirma, ademais, pelo

sucesso editorial que lhe caracteriza, chegando a sua 9ª edição em 200367 e, pois,

mantendo seu caráter de referência obrigatória àqueles que se interessam por este ramo

particular da ciência jurídica. Ali se encontram, portanto, de maneira sistemática e

coerente, todos os elementos que conformam tal doutrina, de forma que, se torna

possível apreender claramente as características que definem esta elaboração teórica

particular, bem como a relevância mesma que a sociologia jurídica aí ocupa. Trata-se,

pois, de um livro primordial ao estudo que nos propusemos desenvolver neste capítulo.

Porém, antes de levarmos a termo tal análise, convém dedicarmos algumas

poucas palavras acerca da importância que o direito do trabalho ocupa na trajetória de

Evaristo, com vistas a uma apreensão mais clara a respeito do papel desta doutrina – e,

mais especificamente, da própria sociologia jurídica – no contexto mais amplo de sua

vida como profissional do direito.

Até o presente momento desta dissertação, em função mesmo da especificidade

dos temas tratados nos capítulos anteriores, aludimos à presença do direito do trabalho

na trajetória de Evaristo apenas a partir de duas dimensões: em atividades relacionadas à

sua inserção profissional no Ministério do Trabalho, como nos cargos de secretário das

Comissões Mistas de Conciliação e como Procurador da Justiça do Trabalho, além do

trabalho de docente da disciplina no Curso de Direito Social realizado por aquele

ministério; e em relação às atividades intelectuais de cunho sociológico, onde consistiu

66 Casos, por exemplo, de Moraes Filho (1958; 1965;1971 e 1983). 67 Publicado pela Editora LTr.

Page 96: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

95

no tema primordial de sua mais importante obra nesta área. No entanto, pode-se dizer

que a presença do direito do trabalho na vida do jurista e sociólogo carioca transcende

em muito estas atividades, a rigor, não seria exagero nenhum se disséssemos que toda a

sua vida foi dedicada a este ramo do direito. Isto porque, em verdade, o direito do

trabalho consistiu no objeto segundo o qual Evaristo de Moraes Filho se debruçou a

partir das mais distintas e importantes atividades de sua trajetória profissional, ou seja,

para além daquelas supracitadas foi objeto ainda de suas atividades acadêmicas,

legislativas e doutrinárias.

Em relação à sua vida acadêmica, Evaristo de Moraes Filho teve uma intensa e

diversificada carreira docente. Neste particular, não se dedicou exclusivamente ao

direito do trabalho, pois, iniciou sua carreira de professor universitário, em 1949, dando

aulas de sociologia na Faculdade Nacional de Filosofia, enquanto auxiliar de ensino.

Após seis anos, porém, Evaristo oficializaria sua posição naquela instituição ao tornar-

se livre-docente da mesma disciplina68. No entanto, ainda no ano de 1950 o intelectual

marcaria sua estréia como professor universitário de direito do trabalho ao ser

contratado como docente para a cadeira de Direito Industrial e Legislação do Trabalho,

na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, posto em que

permaneceria até 1951. Em 1953, tornar-se-ia também livre-docente desta mesma

cadeira ao defender a tese A justa causa na rescisão do contrato de trabalho,

substituindo ninguém menos do que Joaquim Pimenta, então catedrático da disciplina,

que se aposentava ao completar setenta anos de idade. Mas seria em 1957 que Evaristo

atingiria o maior posto em sua invejável trajetória acadêmica, tornando-se professor

catedrático de Direito do Trabalho nesta mesma instituição, ao defender a tese O

contrato de trabalho como elemento da empresa. Contudo, apesar do grande empenho

68 Feito alcançado, portanto, em 1955, quando defendeu o autor a tese de livre docência Augusto Comte e o pensamento sociológico contemporâneo (Gomes; Morel; Pessanha, 2007).

Page 97: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

96

com que sempre se dedicou ao magistério superior, seja no âmbito do direito do

trabalho, seja no da sociologia, Evaristo de Moraes Filho teria sua carreira acadêmica

brutalmente interrompida pela truculência do regime militar instaurado a partir do triste

ano de 1964, quando foi compulsoriamente aposentado de suas atividades docentes em

1969. Como diria Paulo Sérgio Pinheiro ao comparar a tardia promoção de Evaristo ao

posto de Procurador de 1ª categoria em 1957 com este lastimável episódio: “(...) a

memória autoritária nunca é curta” (1978, p. XVIII).

Mas é no campo propriamente legislativo que as atividades de Evaristo de

Moraes Filho em relação ao direito do trabalho adquirem maior relevância. Aí, os

efeitos de seu trabalho se fariam sentir não somente sobre seus alunos e leitores como a

toda a nação, não fosse, porém, o conservadorismo que, em menor ou maior medida,

caracterizou nossas elites dirigentes durante a maior parte da história republicana do

país. Em 1986, Evaristo seria convidado por Afonso Arinos de Melo Franco – seu

antigo companheiro nos tempos da União dos Trabalhadores Intelectuais – para integrar

a Comissão Constitucional nomeada pelo então Presidente José Sarney, que deveria

redigir um anteprojeto de Constituição a ser apresentado pelo Executivo ao Congresso

Nacional. Evaristo foi o presidente da Subcomissão de Direito do Trabalho, onde se

dedicaria a combater alguns resquícios ainda provenientes do período estadonovista que

se encontravam em vigor não somente àquela época, como até hoje. Buscou assim

estabelecer definitivamente a liberdade sindical entre nós, criando os chamados

conselhos de empresa – voltados à realização de acordos entre os sindicatos de

trabalhadores e patrões – e extinguindo o controverso imposto sindical69.

Mas não foi só isso. Resultou dos trabalhos da Subcomissão presidida por

Evaristo outros pontos de grande alcance social, como a redução da jornada de trabalho

69 Informações contidas nestes dois últimos parágrafos foram extraídas do já referido depoimento prestado pelo autor a Gomes, Morel e Pessanha (2007).

Page 98: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

97

semanal ao período máximo de quarenta horas, a imposição de medidas tecnológicas

voltadas a impedir a insalubridade nos locais de trabalho, a manutenção pelo

empregador de creche para os filhos dos empregados até um ano de idade e de escola

maternal para os filhos de até quatro anos, além, da vedação de prescrição no curso da

relação de trabalho e do restabelecimento da estabilidade no emprego – revogada de

nosso direito positivo ainda em 1966 quando da instituição do Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço (Moraes, 2005). Nada disto, contudo, tornar-se-ia matéria

constitucional quando da promulgação da nova Carta Magna em 1988. Em verdade, o

anteprojeto elaborado pelo conjunto da Comissão não chegou sequer a ser apresentado

ao Legislativo para sua aprovação, por isto não esconderia Evaristo sua decepção com o

destino final de seus esforços intelectuais ao afirmar que “Depois de um ano de

trabalho, reconheço que isso foi algo frustrante.” (Gomes; Morel; Pessanha, 2007; p.

177). Mas com o bom humor característico de quem sempre procura ver o lado positivo

das coisas, completaria dizendo: “No entanto, valeu a pena! Quase todos os que

participaram da Comissão registraram o fato em seus currículos, como um título.”

(idem).

A despeito deste ponto benéfico, sua participação na Comissão Constitucional

em 1986 (a chamada Comissão Afonso Arinos) não seria, porém, nem a primeira nem a

mais importante frustração de Evaristo em suas atividades de legislador do trabalho.

Ainda em 1962, indicado pelo antigo professor e amigo Edgardo de Castro Rebelo,

Evaristo de Moraes Filho seria convidado por João Mangabeira, então Ministro da

Justiça do governo João Goulart, para elaborar nada menos do que o anteprojeto de

Código do Trabalho brasileiro. Tal código deveria substituir a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT), instituída em 1943, como o principal diploma legal do direito

trabalhista do país, superando o caráter de mera reunião dos dispositivos jurídicos de

Page 99: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

98

nossa legislação social que caracteriza aquela Consolidação e, pois, apresentando

matéria nova relativa à questão.

E foi exatamente isto o que fez o eminente jurista. Não tendo a necessidade

estrita de manter-se preso às normas constantes da CLT, Evaristo de Moraes Filho traria

inovação ao nosso direito do trabalho ao redigir pontos de elevado alcance social. Entre

estes contam-se alguns daqueles dispositivos resultantes do trabalho constitucional em

que se envolveu o autor na década de 1980, tais como, o que diz respeito ao acesso à

educação pré-escolar por parte dos filhos de empregados, a extinção – ainda que

progressiva – do imposto sindical, a afirmação da estabilidade no emprego – reduzindo

o prazo de dez anos imposto pela CLT e que ainda em 1962 se encontrava vigente -,

bem como a criação dos conselhos de empresa. No entanto, o anteprojeto de Evaristo ia

mais além. Tratou ele de legislar sobre a redução de pessoal nas empresas, buscando

minimizar impactos de possíveis crises econômicas sobre a ordem social do país;

legislou também sobre matérias como medicina do trabalho, convenções coletivas do

trabalho, acordos coletivos salariais; e em matéria sindical tratou de regulamentar a

questão sindical entre nós que, desde a redemocratização do país em 1945, ainda não

conhecia uma lei ordinária sobre a matéria – aquilo de que se queixava Evaristo em O

problema do sindicato único no Brasil acabaria, por ironia do destino, tornando-se

incumbência sua. Neste sentido, procurou deixar para trás todas as medidas

conservadoras impostas pelo Estado Novo, onde, para além da extinção progressiva do

imposto sindical, alteraria a questão do enquadramento sindical tornando-a apenas mero

cadastro das atividades. Ademais, visando proporcionar maior poder aos trabalhadores

em sua relação com patrões e governos, previa seu Código a criação da figura do

delegado sindical nos conselhos de empresas, bem como o estabelecimento de um

Page 100: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

99

direito de greve dotado de amplas e profundas garantias legais para seu efetivo exercício

(Moraes Filho, 1963; Moraes, 2005; Gomes, Morel, Pessanha, 2007).

O anteprojeto foi apresentado a João Mangabeira em março de 1963, mas por

conta de sua revisão e pela própria tramitação no Ministério da Justiça, somente se

converteu propriamente num código em 1965 quando foi apresentado ao então Ministro

da Justiça Milton Campos. Contudo, já vivendo o país sob o controle ditatorial dos

militares, e encontrando forte oposição do empresariado nacional e até mesmo do

governo norte-americano em função de seu conteúdo acentuadamente democrático

(idem), não seria de causar espanto o fato de que o Código do Trabalho elaborado por

Evaristo nem sequer foi enviado ao Congresso Nacional, sendo, ao contrário,

sumariamente engavetado. Mais uma vez, a tentativa de codificar o direito do trabalho

no Brasil conheceria seu destino inexorável: a gaveta, empoeirada ou não, de alguma

instância burocrática do Estado Nacional.

Note-se, porém, que estas duas experiências legislativas em que esteve

envolvido Evaristo de Moraes Filho significaram, indiscutivelmente, a realização

prática de sua doutrina jurídico-trabalhista. Pode-se dizer que se trata, portanto, de uma

sistematização teórica acerca do direito do trabalho que bem representa a trajetória de

sua vida profissional; uma trajetória orientada, sobretudo, pela afirmação de uma

democracia real, e não apenas formal, de modo que, a doutrina que a acompanha não

poderia perseguir uma finalidade que lhe fosse distinta. É neste sentido que, ao contrário

do positivismo jurídico de um Kelsen, por exemplo, a doutrina desenvolvida por

Evaristo não se caracterizaria por manter-se alheia aos fatos sociais de onde se originam

e para os quais estão diretamente voltadas as normas do direito do trabalho. Trazendo

uma percepção sociológica – ou melhor, sociológico-jurídica -, que já se apresentava em

O problema do sindicato único no Brasil, tal doutrina reconhece a desigualdade sócio-

Page 101: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

100

econômica que se estabelece entre empregados e empregadores, bem como os conflitos

e tensões sociais que daí emanam. Por isto mesmo, faz das relações sociais do trabalho,

desde que juridicamente estabelecidas a partir de um contrato, seu objeto precípuo,

procurando resolver a moderna questão social que aí tem origem, através de medidas

tutelares em favor dos trabalhadores. É uma doutrina jurídica que concebe o direito do

trabalho como um instrumento de resolução das desigualdades que se desenvolvem com

o capitalismo. Um instrumento que alcança esta finalidade por se colocar ao lado dos

interesses dos trabalhadores, fazendo destes, portanto, seus verdadeiros sujeitos.

Por conseguinte, foi partindo deste seu espírito democrático que, como vimos

nas páginas anteriores, Evaristo buscou pôr tal doutrina a serviço do desenvolvimento

social do país, tendo em vista torná-lo mais justo e equânime. Esbarrou, no entanto,

naquele conservadorismo histórico que surge como verdadeiro fio condutor ligando

períodos distintos de nossa vida republicana. Isto, por sua vez, em nada minimiza a

importância desta doutrina que agora passaremos a estudar, pois, se seu valor não

advém necessariamente pelo que materializou, infelizmente para todos nós, este se

mantém intacto pelo que deixou de gozar o Brasil.

Só isto já justifica a importância de se proceder a uma abordagem analítica

acerca desta doutrina, mas quando percebemos o significado desta para a inserção de

Evaristo no debate intelectual que animava os anos 1950, aí, esta justificativa se

reafirma ainda mais. Neste capítulo, portanto, buscamos a realização desta abordagem a

partir de duas seções. Na primeira, que se segue logo adiante, é a sociologia do direito

que ocupa o centro de nossa reflexão, onde buscamos demonstrar a relevância desta

sociologia especial para a própria fundamentação teórica da doutrina em questão. Como

verá o leitor, nossa preocupação recai sobre como esta ciência sociológica particular

influencia decisivamente a construção desta elaboração doutrinária, incidindo

Page 102: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

101

diretamente sobre aspectos que lhe são fundamentais, como a natureza jurídica do

direito do trabalho, sua definição conceitual, sua denominação disciplinar e seu

horizonte legislativo. Na segunda seção deste capítulo, abordamos pontos mais

específicos da doutrina do direito do trabalho desenvolvida por Evaristo. Neste

particular, o foco de nossa abordagem é dirigido às finalidades e características

estabelecidas por Evaristo a este ramo do direito, donde se define, por sua vez, a própria

identidade de sua sistematização teórica. Por fim, concluímos ressaltando o viés

particularmente transformador, utópico, que, com base em tal doutrina, o eminente

jurista emprega ao direito do trabalho.

3.1 – A sociologia jurídica na doutrina do direito do trabalho de

Evaristo de Moraes Filho

Desde já, é preciso destacar que a doutrina do direito do trabalho desenvolvida

por Evaristo de Moraes Filho é fortemente influenciada pela sociologia jurídica, na

verdade constitui mesmo o elemento central de sua fundamentação teórica. Não quer

isto dizer, porém, que se trate, em qualquer hipótese, de uma manifestação daquilo que

Machado Neto (1987) e o próprio Evaristo (1997) chamam de “sociologismo” ou

“imperialismo sociológico”. Não procura o jurista e sociólogo carioca proceder a uma

substituição da ciência jurídica pela sociologia do direito como propõem, por exemplo,

os principais artífices do movimento do direito livre, Hermann Kantorowicz e Eugen

Ehrlich70. Como vimos no primeiro capítulo desta dissertação, a posição de Evaristo se

70 Para uma análise mais detida acerca do movimento do direito livre e de seus principais propugnadores, ver (Moraes Filho, 1997; pp. 136-143).

Page 103: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

102

combina mais com aquela professada por Weber (1999), marcada, portanto, pela

autonomia destas duas áreas do conhecimento jurídico. Trata-se, pois, de uma doutrina

propriamente inscrita nos mores da ciência jurídica e, como tal, não se confundindo com

a sociologia do direito71; por isto mesmo, utilizamos o verbo influenciar e não outro

para nos referirmos a inegável relação que experimenta com aquela sociologia especial.

Mas, como dissemos, não se trata de qualquer influência, e sim de uma

influência central que exerce a sociologia jurídica sobre a doutrina do direito do

trabalho de Evaristo. Em 1974, ao proferir uma palestra denominada “O Direito do

Trabalho no Estado de Direito” durante a VII Conferência Nacional da Ordem dos

Advogados do Brasil – realizada na cidade de Curitiba -, Evaristo expressaria

claramente seu entendimento sociológico acerca deste direito ao compará-lo com o

direito administrativo.

Vindo da própria sociedade para o Estado, impondo-se a este, acabando finalmente por ser reconhecido como direito vivo, espontâneo, surgido diretamente dos fatos sociais, não pode o direito do trabalho ser confundido com o direito administrativo, como fruto único do poder de política da administração pública.

(Moraes Filho, 1984; p. 126)72

Mas, no entanto, é em sua mais importante atividade de legislador do trabalho –

o mencionado anteprojeto de Código do Trabalho – que podemos verificar com mais

clareza esta relevância da sociologia jurídica na doutrina proposta por Evaristo, senão

71 Esta, inclusive, é uma questão que Evaristo procura acentuar muito claramente. Para ele, apesar das características singulares que, como veremos adiante, dá contornos de especialidade ao direito do trabalho, este se localiza indiscutivelmente no âmbito da ciência jurídica. Trata-se, pois, de uma autonomia apenas relativa a que possui frente aos outros ramos do direito, uma vez que, assim como os demais, o direito do trabalho também se definiria enquanto um comando universal de conduta – dotado de positividade e exterioridade - com vistas a composição dos conflitos de interesses existentes na sociedade. 72 O conteúdo da conferência em questão foi posteriormente publicado na obra O Direito e a Ordem Democrática, pela editora LTr.

Page 104: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

103

vejamos. Ali, no texto introdutório voltado exatamente à justificação doutrinária do

anteprojeto, pode-se verificar nitidamente o aspecto central desta sociologia especial

para a fundamentação teórica da doutrina e, conseqüentemente, de seu próprio Código.

Afinal de contas, são com estas palavras que Evaristo de Moraes Filho inicia seu texto:

As normas do direito do trabalho foram elaboradas fora do direito comum, fora dos códigos de direito privado. As relações a ser reguladas eram de índole diversa, como diversos eram os problemas a ser tratados, solicitando regras inspiradas em outros princípios e orientadas por outro espírito.

(Moraes Filho, 1963; p. 5)

E o que é isto senão autêntica sociologia jurídica? Trata-se claramente de uma

explicação que encontra no dinamismo mesmo do processo social a origem e o sentido

desta construção legislativa particular. Ainda em sua obra de 1952, havia dito o autor

que “(...) tiveram influência na gênese da constituição do sindicato durante o século

XIX os mesmos fatores que determinaram o aparecimento do próprio Direito do

Trabalho, como ramo autônomo da ciência jurídica.” (Moraes Filho, 1978; p. 106),

para caracterizar não somente a relação entre ambos, mas, sobretudo, para frisar-lhes

sua origem particularmente sócio-histórica. E se é na história que Evaristo encontra os

fatos que lhe permitem ratificar tal entendimento acerca do direito do trabalho, é na

sociologia jurídica que ele ganha inteligibilidade teórica, afinal, o que vemos na

passagem acima diz respeito unicamente à já conhecida relação entre normalidade

social e normatividade jurídica que, enquanto postulado próprio daquela sociologia

especial como vimos, aqui atua como recurso de abstração, de síntese cognitiva, acerca

de um processo histórico real e extremamente complexo73. Não seria, pois, por acaso

73 Em O problema de uma sociologia do direito, Evaristo já havia traçado o sentido desta relação entre a sociologia e a história, entre a síntese abstrata e os fatos concretos. Segundo ele, ambas as ciências se

Page 105: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

104

que com aquelas palavras Evaristo inicia a justificação doutrinária de seu anteprojeto de

Código do Trabalho, ao contrário, seria o anúncio explícito do viés propriamente

sociológico-jurídico que marcaria a fundamentação teórica da doutrina ainda por ser

apresentada.

Em Introdução ao direito do trabalho, sua principal obra doutrinária acerca

deste ramo do direito, encontramos, ademais, diversas outras manifestações disto que há

pouco anunciamos – a começar pela própria definição de direito do trabalho que

apresenta. Segundo a doutrina de Evaristo, este direito particular consiste no “(...)

conjunto de princípios e de normas que regulam as relações jurídicas oriundas da

prestação de serviço subordinado e outros aspectos deste último, como conseqüência

da situação econômica das pessoas que o exercem.” (Moraes Filho, 1956; p. 50). Trata-

se de uma definição que, de acordo como o que explica o próprio autor, se filia à

corrente de classificação jurídica tida como mista ou complexa. Significa isto que a

definição proposta por Evaristo não se pauta exclusivamente nem pelo objeto nem pelo

sujeito deste direito, mas sim por ambos conjuntamente. O aspecto objetivo do direito

do trabalho seriam assim as próprias relações jurídicas que se estabelecem entre as

partes envolvidas por meio de um contrato de trabalho, seja ele individual ou coletivo.

O mesmo vale no que tange ao seu sujeito, ou seja, os trabalhadores, que tanto

individual quanto coletivamente – com prevalência para esta segunda modalidade –

consistem nos autênticos portadores deste direito74.

completam mutuamente, pois, como afirma (1997, p.111): “(...) de nada adiantaria o estudo fracionado da realidade social, sem um estudo geral, abstrato.”. Mas, por outro lado, “Para não cair numa catalogação anêmica de formas puras de socialização ou de tipos ideais de ações sociais, deve o sociólogo procurar comprovar os resultados obtidos pelos dados concretos proporcionados pela história.”. 74 A este respeito é elucidativa a passagem em que Evaristo compara a distância dos direitos comercial e do trabalho frente ao direito civil, tendo como fundamento os sujeitos daqueles respectivos direitos. Diria ele que “O direito do trabalho separa-se ainda mais nítida e profundamente do direito comum do que o comercial. Neste, o comerciante está sempre a invocar a proteção do direito civil, não só porque ambos possuem muito em comum, principalmente na parte geral e na teoria das obrigações, mas também como proprietário, como herdeiro, como testamenteiro, como administrador de bens (...) Já o mesmo não

Page 106: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

105

Mas, para além desta classificação propriamente jurídica - a qual não convém

nos determos mais profundamente sob pena de nos afastarmos em demasia de nossos

propósitos –, a definição de direito do trabalho elaborada por Evaristo revela todo o

potencial teórico da sociologia do direito sobre sua doutrina. O próprio conceito de

“norma” presente na definição do autor é caudatário de seu pluralismo jurídico. Encerra

este conceito não somente os dispositivos de comando emanados diretamente do

Estado, como também aquele conjunto mais amplo de direitos espontâneos que

autonomamente se constituem a partir das relações reais que se estabelecem entre

patrões e empregados. Vale a citação.

(...) normas não significam unicamente leis ou regras de conduta expressamente ditadas pelo Estado. Incluem-se em seu conceito toda e qualquer modalidade de comando abstrato e universal, emanado de uma autoridade legítima em qualquer grupo social, munido de sanção externa. Desde o grupo englobador, a nação, à empresa e ao sindicato, todos são esferas onde se manifestam regularmente os fatos normativos do direito. Incluem-se aí, portanto, não só as composições espontâneas, voluntárias, dos conflitos sociais, como igualmente as necessárias ou obrigatórias. Normas autônomas ou heterônomas, oriundas da livre concorrência das vontades dos indivíduos ou impostas de fora, pouco importam, já que ambas engendram inúmeras e complexas relações e situações jurídicas, proporcionando de certa maneira a composição daquele conflito de interesses em sociedade.

(idem, p. 51)75

E desta maneira plural de se enquadrar teoricamente o conceito de “norma”

resulta um ponto de suma importância em sua doutrina: a natureza jurídica do direito

ocorre no direito do trabalho, que passa a ser quase o único direito de toda a vida do empregado. Com raras exceções, que antes confirmam a regra, o trabalhador nasce de família operária, vive e morre mergulhado todo o tempo nas normas de seu direito especial. Pouco possui o direito civil que lhe seja aplicável, já que o Código Civil é inegavelmente o código dos bens. Fora a parte geral de introdução e alguns dispositivos sobre família e obrigações, o resto estatui sobre a propriedade. Quem não é proprietário poucas vezes será sujeito de direitos civis.” (Moraes Filho, 1956; p. 132). 75 Grifos no original. Pouco mais adiante segue Evaristo tratando do assunto (idem): “Para que seja considerada norma positiva ou direito objetivo é o bastante que se trate de um comando geral, em vigor em uma sociedade determinada, impondo-se aos seus membros e suscetível de ser assegurado pela coerção organizada. Estão presentes aí, todas as fontes do direito do trabalho: a lei, propriamente dita, as sentenças normativas emanadas dos tribunais de trabalho, as convenções coletivas de trabalho, os usos e costumes, os atos das autoridades administrativas, e assim por diante.”.

Page 107: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

106

do trabalho. Segundo Evaristo de Moraes Filho, este ramo do direito distingue-se de

seus congêneres, entre outras coisas, em função de sua natureza jurídica particular.

Diferenciando-se de outros autores que entendem o direito do trabalho seja como um

ramo jurídico exclusivamente relacionado ao direito público, seja como exclusivamente

relacionado ao direito privado, Evaristo introduz a noção de que o direito do trabalho

encerra um direito unitário.

Por conta mesmo da pluralidade de fontes que informam suas normas, doutrina o

jurista carioca que a clássica distinção entre direito público e privado não satisfaz a uma

classificação adequada do novo direito. Segundo ele, ao deixar para trás o estatuto de

legislação esparsa e descontínua para, em sua evolução histórica, constituir-se

propriamente num direito integrado e coerente, as normas do novo direito – antes

oriundas tanto da esfera privada da relação entre patrões e empregados, quanto da esfera

pública da relação destes com o Estado –, todas elas “(...) amalgamaram-se numa

substância nova, diferente, criando-se uma nova combinação de elementos até então

diversos entre si, e não uma simples mistura.” (Moraes Filho & Moraes, 1993; p. 116).

Assim, segue o autor afirmando que “Perdem aqueles elementos de origens estranhas

as suas antigas características, acabando por ganhar as novas de um direito unitário

(...) de uma combinação orgânica dos caracteres do direito público e do privado.”

(idem). É o pluralismo jurídico próprio da sociologia do direito de Evaristo servindo de

fundamentação teórica a uma doutrina que situa o direito do trabalho por fora dos

quadros da ciência jurídica tradicional, de sua classificação estritamente fundada sobre

dois blocos estanques: o direito público e o direito privado.

Mas isto não é tudo em se tratando da influência da sociologia jurídica na

doutrina proposta por Evaristo. Voltando àquela sua definição conceitual do novo

direito, encontramos aí o ponto alto desta influência; algo que se expressa na própria

Page 108: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

107

definição de seu objeto: as relações jurídicas. Neste sentido, importa termos em conta

que, ao definir tais relações como o objeto precípuo do direito do trabalho, nada mais

fez Evaristo que trazer para o centro de sua doutrina o objeto, por excelência, da

sociologia jurídica. Já antes em seu Problema de uma sociologia do direito, por

influência mesmo da sociologia de Simmel e Weber em seu pensamento, Evaristo

encontraria nas relações sociais o objeto que singularizaria a ciência sociológica,

tornando-o competência desta em comparação às outras ciências sociais. De outro lado,

afirmava o autor naquela ocasião que a distinção entre as diversas sociologias especiais

que então surgiam tinha origem na capacidade de cada uma surpreender as relações

sociais em seu respectivo campo de cultura; cabendo, pois, à sociologia jurídica

exatamente as relações sociais do direito, as relações jurídicas76.

E como ele mesmo faria questão de acentuar, admite sua doutrina esta expressão

em sentido amplo, “(...) como simples relações sociais reguladas pelo direito positivo.”

(Moraes Filho, 1956; p. 52), exatamente para marcar seu entendimento para além dos

marcos teóricos da ciência do direito. O mais importante, porém, é que como elemento

objetivo deste ramo jurídico, as relações sociais, ou melhor, as relações jurídicas do

trabalho, viriam consistir em nada menos do que no “(...) núcleo central em torno do

qual gira o direito do trabalho.” (idem).

E é, pois, com base no espaço de destaque que esta dimensão relacional ocupa

em sua doutrina, o motivo fundamental pelo qual Evaristo denomina este novo ramo do

saber e da prática jurídicas como “direito do trabalho”. Segundo vem chamar atenção o

autor, esta não é uma questão sem importância, afinal, como ele mesmo explica (idem,

p.159): “É preciso que se dê uma denominação única a esta seção da ciência jurídica,

76 Sobre isto ver Moraes Filho (1997, pp. 101-118).

Page 109: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

108

porque daí advirá um critério uniforme de tratamento da matéria por ela estudada (...)

De acordo com o critério seguido, a definição será mais ampla ou mais restrita.”.

Tendo assim como critério aquela dimensão relacional - a relação de trabalho

juridicamente estabelecida a partir do contrato -, a doutrina de Evaristo acentua sua

particularidade em referência ao que aqui se produzia em meados dos anos 1950. No

que diz respeito à matéria em questão, segundo frisa o próprio Evaristo, desde a década

de 1940 predominavam no Brasil doutrinas que enquadravam o novo direito a partir da

denominação “direito social”. A isto se devia à grande presença do já referido jurista

Antônio Cesarino Júnior, por intermédio do chamado Instituto de Direito Social que tal

jurista criara e presidira em São Paulo no período considerado. De acordo com as

doutrinas assim denominadas, lhes parecia um equívoco referir-se a este ramo jurídico

pela expressão “direito do trabalho”, sendo dois os motivos principais responsáveis por

tal perspectiva: a própria origem deste direito; e sua vastidão legislativa que, ao regular

questões como previdência, seguro social e outras, muito se alcançava para além do

contrato de trabalho e das relações sociais que engendra.

Evaristo, no entanto, rejeita frontalmente estas duas objeções. No que tange à

primeira, recorreria à sua maneira sociológica de compreender o mundo jurídico para

afirmar a redundância daquela expressão, já que, para ele, todo direito é genuinamente

social77. Ademais, ao denominar o direito em questão como “do trabalho”, Evaristo

também apresenta consideração pela questão de sua origem, afinal, entende o autor que

o surgimento e desenvolvimento deste direito resulta fundamentalmente do processo de

77 É o que se observa do debate travado com Cesarino Júnior sobre este ponto, onde afirmaria o autor (idem, p. 216): “Todo o direito é social, nisso que vem da sociedade, única fonte material do direito, e para ela se volta, já que é a única matéria que deve regular. É uma norma de conduta social.”.

Page 110: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

109

modernização capitalista, tendo como fulcro central as transformações mesmas que se

fizeram sentir sobre o mundo do trabalho a partir do século XIX78.

Em se tratando da segunda objeção, é exatamente a relevância da relação de

trabalho no seu entendimento sobre a matéria que lhe permite questionar aquela

perspectiva. Com base na centralidade que ocupa em seu esquema lógico, a relação de

trabalho surge como critério definidor da abrangência legislativa do novo direito. Isto

não quer dizer, porém, que se restrinja a regular especificamente a dimensão contratual

que encerra aquela relação. Mas levando-a em consideração decisivamente, procura

regular também as condições e conseqüências que lhe são inerentes na sociedade atual.

Reconhece, pois, a subordinação e as diferenças sócio-econômicas entre empregados e

empregadores que resultam inexoravelmente da relação de trabalho79, tendo em vista,

como diz Evaristo, “equilibrar os pratos da balança” (idem). Por isto, coloca-se o direito

do trabalho ao lado dos trabalhadores que, por ter toda sua vida social e econômica

determinadas exatamente por sua posição na relação em questão, procura regular não

somente o momento em que esta se realiza praticamente, como também outros domínios

da vida do empregado que derivam da própria existência deste tipo de relação social.

Daí, pois, a explicação de Evaristo para a vastidão legislativa do novo direito.

(...) a relação de trabalho é o principal objeto do direito do trabalho, com a sua regulação e tutela, mas não exclusivo. Ocupa-se este novo ramo do direito ainda de outros aspectos da vida do trabalho, como uma conseqüência da situação ou do status social e econômico em que vivem as duas pessoas desta mesma relação. A relação constitui tão somente um dos

78 Para mais detalhes acerca deste ponto no pensamento de Evaristo ver (Moraes Filho, 1956; pp. 319-353) e (Moraes Filho, 1978; pp. 99-181). 79Abordando esta questão da subordinação inerente à relação de trabalho afirmaria Evaristo (idem, p. 55):”O elemento característico dessa relação de trabalho é, assim, o estado de subordinação ou dependência em que fica o empregado, por força mesma do contrato, frente a quem lhe dá serviço, isto é, seu empregador (...) Caracteriza-se este estado pela dependência real criada por um direito, o do empregador, de dar ordens, surgindo daí para o empregado a obrigação correspondente de se submeter a essas ordens (...) Em resumo, manifesta-se a subordinação jurídica através dos poderes de direção e fiscalização por parte do empregador.”.

Page 111: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

110

modos, talvez o mais concreto, de se manifestar a posição na comunidade dos dois elementos que a compõem.

(idem, p. 56)

Por isto, prossegue Evaristo de Moraes Filho (idem):

Mesmo fora do local da prestação de serviços, mesmo no recesso de seu lar leva o direito do trabalho ajuda e proteção ao hipossuficiente do ponto de vista econômico [o empregado]. Previne-lhe os riscos da vida natural em sociedade, através do seguro social, quando não mais puder trabalhar, por invalidez ou por velhice. Presta-lhe pequenos auxílios para a satisfação dos inevitáveis ou excepcionais eventos (riscos) da existência de todos os dias: auxílio-doença, auxílio-funeral, auxílio-natalidade, auxílio-matrimônio. Proporciona-lhe auxílio monetário quando se encontra desempregado forçadamente (...) Mesmo depois de sua morte, propicia à sua viúva ou ao seu dependente econômico uma certa pensão financeira.

Tendo, pois, as relações sociais do trabalho no centro de sua doutrina, Evaristo

estabelece um critério preciso para delimitar o horizonte legislativo do novo ramo da

ciência jurídica, em comparação com o espectro excessivamente amplo que, por conta

mesmo de sua indefinição terminológica, a denominação “direito social” preconizava

entre nós80. Por outro lado, esta sua posição é também o fundamento que fornece

sentido a todos os elementos que constituem aquela definição dada por Evaristo ao novo

direito, isto é, seu sujeito, o foco no caráter subordinado da prestação de serviço, e a

extensão de sua regulação aos outros aspectos que daí derivam como conseqüência da

situação econômica daqueles que a exercem. Ademais, é preciso salientar, ambas as

80 É também em debate com Cesarino Júnior, como não podia deixar de ser em função de sua relevância neste campo de conhecimento àquela época, que Evaristo lança suas críticas à corrente que enquadra o novo ramo jurídico a partir da expressão “direito social”. Já antes dizia que “(...) não resiste a menor crítica a locução ‘direito social’ como significativa de uma disciplina jurídica específica e particularista. E isto por vários motivos (...) O primeiro deles é a ambigüidade do qualificativo ‘social’, excessivamente genérico e equívoco que, querendo tudo exprimir, acaba por mergulhar numa vacuidade assustadora.” (idem, p. 209). Assim, de posse deste entendimento lançaria, mais adiante, sua crítica à perspectiva excessivamente abrangente desenvolvida por aquele jurista de São Paulo. Diria Evaristo (idem, p. 217): “(...) voltando ao segundo argumento de Cesarino Júnior, teríamos no âmbito do direito social tudo quanto se referisse à assistência social, em sentido amplo, todo o trabalho social, toda a ação social, todo o serviço social (...) Ora, confessemos que isso seria ampliar demais o direito do trabalho, tornando os seus limites imprecisos, dificultando mesmo a sua autonomia científica e didática entre as outras espécies jurídicas.”.

Page 112: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

111

questões resultam diretamente do entendimento sociológico do autor, tendo em vista a

primazia que estabelece à dimensão das relações sociais; segundo pensamos, sem tal

entendimento, não teria o autor conseguido delimitar e definir de maneira tão precisa e

clara este ramo da ciência jurídica. Percepção nossa que se confirma, sobretudo, quando

vemos, na sexta edição de sua Introdução ao direito do trabalho, escrita em

colaboração com seu filho Antônio Carlos de Moraes, Evaristo afirmar:

Os inquéritos, as pesquisas, os dados reais e estatísticos são oferecidos ao jurista pelo sociólogo, a quem não cabe indicar os fins práticos e a forma de melhor organização. Contudo, são estudados os fatores de ajustamento e de desajustamento social, muitas vezes surpreendidos fora e longe do local de trabalho, tais como a vida doméstica, os grupos de vizinhança, as influências políticas e ideológicas (...) vai caber à sociologia a pesquisa dos fatos sociais, da situação, da vida do trabalho, sem normatividade. E com isso é da maior importância o auxílio que ela presta ou pode prestar ao direito do trabalho.

(Moraes Filho & Moraes, 1993; pp. 134-135)81

Sendo ele próprio jurista e sociólogo, consegue Evaristo, como vimos acima,

relacionar muito bem os dois pólos da relação entre a sociologia e o direito em sua

doutrina jurídico-trabalhista: a realidade social (normalidade) e a normatividade

jurídica. Assim, diferentemente do que propõe Kelsen em sua “teoria pura”, não procura

Evaristo afastar sua doutrina dos fatos sociais. Para frisar-lhe sua vinculação ao

conjunto da ciência jurídica não necessita colocá-lo em uma “torre de marfim” distante

da realidade, ao contrário, em não poucas oportunidades, tornaria clara a idéia de que

“O dinamismo é a sua essência (...) Caminhando [o direito do trabalho] rente à vida,

sentindo a própria realidade concreta (...).” (Moraes Filho, 1956; p. 124). Por isto

mesmo, com base nesta perspectiva sociológico-jurídica que resulta de seu

envolvimento profissional sobre ambas as áreas, voltar-se-ia diretamente contra o

81 Grifos nossos.

Page 113: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

112

dogmatismo clássico da ciência jurídica tradicional. Primeiro, no que tange à

inadequação de uma aplicação estrita de seu método lógico-formal a este ramo do

direito82. E, em segundo lugar, contra aqueles, que por puro tradicionalismo jurídico,

ainda insistiam em negar a existência do caráter autônomo e especial do direito do

trabalho. Aqui, a sociologia jurídica que informa seu pensamento seria o aspecto

diferencial que faria de Evaristo um ardoroso defensor desta autonomia, em

contraposição às idéias juspositivistas que ainda se faziam presentes na cabeça de

muitos juristas de sua época. Apesar de sua extensão, pedimos licença ao leitor para

transcrever a passagem que se segue, de suma importância ao que estamos procurando

demonstrar. Assim, segundo escreve Evaristo (idem, pp. 471-472)83:

Não temos dúvida alguma quanto à autonomia do direito do trabalho. Mas a verdade é que o jurista prefere sempre jogar com as cartas já suas velhas conhecidas. O conservantismo é o seu sentimento mais característico. Junte-se a isso a sua preferência pelos conceitos abstratos, universais e eternos. Sempre o incomodou qualquer tentativa de renovação, que sugere alguma coisa de rompimento com o tradicional (...) Entre ele e os dados concretos colocam-se as suas normas, que lhe parecem eternas e perfeitamente lógicas. É este conjunto, sistemático, coerente e bem ordenado, que acaba por constituir a dogmática jurídica (...) Mas, por mais que se diga que a ciência jurídica só começa a existir com a norma, seu dado imediato, ninguém pode negar que o direito encontra sua matéria no fato econômico e social concreto (...) E como lembra Perroux – repetindo neste particular toda a escola da sociologia jurídica – um direito social, em perpétua progressão, pesa constantemente sobre o direito positivo, dando lhe nova vida ou fazendo-o arrebentar.

Depois de tudo que dissemos nesta seção, nos parece suficientemente claro o

quão relevante é a sociologia do direito para a fundamentação teórica da doutrina

jurídico-trabalhista de Evaristo de Moraes Filho, influenciando-a diretamente e, como

vimos, tendo ascendência fundamental sobre suas dimensões mais gerais, tais como sua

natureza jurídica, sua definição conceitual, sua denominação disciplinar e, em 82 Crítica que Evaristo desenvolve, ademais, a partir de uma retomada do caráter sócio-histórico de sua formação. Segundo ele, “Surgido em meio a lutas políticas e sociais, não pode o direito do trabalho recolher-se a uma atitude restrita de mero tecnicismo jurídico, de simples lógica jurídica, estranho aos motivos e às condições que lhe deram o primeiro impulso histórico.” (idem, p. 235) 83 Grifos nossos.

Page 114: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

113

decorrência, seu horizonte legislativo. Cumpre agora, para já irmos finalizando este

capítulo, abordar outras dimensões mais específicas desta doutrina – suas características

e finalidades – para que possamos desenvolver um entendimento mais completo a seu

respeito.

3.2 – Características e finalidades de um direito de transição para uma

civilização em mudança.

Para Evaristo de Moraes Filho, o direito do trabalho consiste numa culminação

formal, logicamente coerente, de um processo histórico complexo e objetivo, uma vez

que, “A rigor, não possui o direito [em geral] matéria que lhe seja própria. A sua regra

nada mais é do que o revestimento ético, de comando pragmático, de um conteúdo

concreto que lhe é alheio.” (idem, p. 248). Neste sentido, sua existência e substância

teriam origens no próprio processo social. A sociedade moderna teria conhecido, ao

longo do século XIX, mudanças profundas em suas estruturas – política, econômica e

social –, que se expressariam na passagem de um liberalismo radical a uma nova ordem

social de cunho coletivista; eram os grupos sociais de todo tipo ocupando, pois, o

espaço de destaque que antes gozaram os indivíduos isolados.

As principais sociedades ocidentais seriam, assim, sacudidas pelo

estabelecimento de novas formas de relações sociais, tendo como centro dinâmico as

transformações mesmas que se fizeram sentir sobre o mundo do trabalho. O

desenvolvimento do capitalismo decorrente de um estabelecimento cada vez mais

acentuado da grande indústria, traria transformações profundas às relações sociais de

produção; com o crescimento das desigualdades sociais e econômicas entre empregados

e empregadores e, conseqüentemente, com a intensificação de conflitos e tensões

Page 115: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

114

provenientes de seus distintos interesses. As sociedades – por intermédio, sobretudo,

das instituições de classe que as constituíam – reclamavam, de forma cada dia mais

intensa, o estabelecimento de direitos coletivos oriundos da nova realidade social, em

contraposição ao ordenamento jurídico moderno, de caráter acentuadamente

individualista.

Surgiam, assim, os primeiros acordos coletivos espontâneos e as primeiras leis

oficiais voltadas à regulação específica das relações de trabalho, e que, posteriormente,

viriam constituir o direito do trabalho, segundo a ótica de Evaristo de Moraes Filho. Um

direito, portanto, nascido da especificidade das novas relações sociais aparecidas com o

desenvolvimento capitalista, e não a partir de um desdobramento lógico das regras do

direito comum. E é, pois, com base nesta particularidade de sua gênese que a doutrina

de Evaristo vem sustentar o caráter especial do direito do trabalho, uma vez que, “Se

especiais são as relações reais e concretas reguladas pelas normas (empregado-

empregador, individual ou coletivamente considerados), especiais também devem ser

estas.”84 (idem, pp. 434-435).

Contudo, mais do que um simples direito especial – com princípios gerais

particulares, ordenamento jurídico próprio e institutos de direito específicos85 - o direito

do trabalho encerra, segundo sua doutrina, um autêntico direito de transição. Isto é,

entende o autor que o direito do trabalho representa a expressão jurídica de uma

sociedade em transformação, ou como prefere, de uma “civilização em mudança”. Tem

84 Vale frisar, no entanto, que, para além desta independência frente ao direito comum e do fato de regular relações sociais especiais, a doutrina de Evaristo incluiria ainda sua destinação à determinada classe de pessoas (no caso, os trabalhadores), como outra nota típica a caracterizar o direito do trabalho enquanto gênero especial da ciência jurídica. 85 De acordo com o que expõe o autor, o direito do trabalho possui institutos jurídicos específicos, que, por isto mesmo, não encontram explicação dentro dos princípios e doutrinas do direito civil. Seriam eles: a convenção coletiva do trabalho, o dissídio coletivo de trabalho, a sentença normativa dos tribunais do trabalho – que por si só, já denota a existência de um ordenamento jurídico próprio a este ramo do direito -, bem como um princípio interpretativo particular que pauta-se por uma inclinação favorável aos sujeitos de titularidade deste novo direito – os trabalhadores -, quando verificam-se dúvidas ou o silêncio da lei sobre algum ponto particular. Ver Moraes Filho (idem, pp. 416-424).

Page 116: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

115

lugar aqui, portanto, uma clara manifestação da utopia que caracteriza o pensamento

social e político de Evaristo sobre sua doutrina jurídico-trabalhista. Uma utopia em

sentido propriamente mannheimiano, que em nada se confunde com a idéia de um

sonho de realização impossível (Mannheim, 1976), mas sim que compreende as

transformações sociais, políticas e econômicas que se originam ainda no século XIX,

como elementos determinantes de um processo inexorável de abandono do modelo

liberal clássico de organização da sociedade em detrimento de um outro, pretensamente

mais democrático, que, sobretudo após a Segunda Grande Guerra, se caracterizaria por

uma organização planificada da economia em comunhão com os princípios da liberdade

social e política.

Dentro desta perspectiva, o direito do trabalho surge não somente como uma

cristalização jurídica, um desdobramento acabado daquelas profundas e duradouras

transformações ocorridas no seio da estrutura social. Não só por sua origem, como

também por seu desenvolvimento, este ramo do direito seria visto também enquanto um

comando de conduta característico de uma sociedade em movimento, que caminharia,

segundo o autor, para o estágio – por certo ainda distante – de um ordenamento social

fundado sobre a indistinção de classes86. Tratar-se-ia, pois, de um direito que traz

consigo, que anuncia, uma nova forma de organização social ainda por se fazer

existente, de forma que, segundo Evaristo, “(...) desempenha o direito do trabalho um

papel revolucionário de vanguarda na ciência jurídica.” (idem, p. 237).

Em função desta sua particularidade, ou seja, de constituir-se em um “(...)

ordenamento jurídico de transição, que já não é bem o da antiga estrutura social, mas

86 É o que se depreende claramente quando, julgando-a como perfeita, faz sua a análise do jurista francês George Scelle, quando este afirma (1927, p. 349 apud Moraes Filho, 1956; p. 154): “A legislação do trabalho corresponde a uma época de transição. O que apresenta de inacabado e de instável provém do jogo contínuo das ações e reações do meio em que se elabora. O sentido imutável de sua evolução pressagia contudo a vitória da democracia social e do desaparecimento, longínquo sem dúvida, do regime do salariado.”.

Page 117: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

116

que também não é ainda o da nova formação que há de vir.” (idem, p. 154), este direito

vanguardista da ciência jurídica seria, assim, orientado para a realização de diversos fins

ou objetivos bem particulares. Segundo Evaristo, sendo ele o ramo do direito que mais

se inclina pelo ideal valorativo da justiça, sua doutrina vai apontar que um dos objetivos

principais do direito do trabalho consiste em atuar decisivamente pelo equacionamento

da chamada “questão social”.

(...) em nenhum ramo do direito se manifesta tão ao vivo, cruentamente ao vivo, a luta entre os dois ideais valorativos do ordenamento jurídico: a segurança e a justiça. Se a ordem jurídica individualista, se a organização jurídica do capitalismo se inclina pela primeira, querendo manter e conservar um estado de coisas tradicional; volta-se o novo direito para uma redistribuição dos bens sociais, dando a cada um aquilo que lhe pertence, procurando romper a antiga estrutura econômica e social. Em nenhum outro direito se encontra tão dramática e intensa esta sede de justiça social como no direito do trabalho.

(idem, p. 21)

Assim sendo, lança mão este novo direito de um tratamento diferenciado entre as

partes que constituem a relação de trabalho, procurando tratar desigualmente a seres

desiguais econômica e socialmente. Tem lugar, portanto, aquilo que a doutrina de

Evaristo consagra como a finalidade jurídica do direito do trabalho, considerada mesmo

a parte primordial deste direito especial: a tutela do trabalhador.

Significa isto, por sua vez, em nada mais do que as medidas jurídicas

sancionadas pelo Estado com vistas à proteção sócio-econômica dos trabalhadores, tais

como leis de salário mínimo, seguro desemprego, seguro contra acidentes de trabalho,

leis de duração da jornada de trabalho, previdência social, dentre outras. Tratam-se,

pois, tais medidas tutelares, de expedientes que perseguem a justiça e a igualdade entre

empregados e empregadores através de uma compensação da desigualdade econômico-

Page 118: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

117

social resultante da relação de emprego por uma desigualdade jurídica em favor do lado

mais fraco desta relação: os empregados.

As mesmas causas sociais, que lhe determinaram o surgimento, transformaram-se em fins no espírito dos homens, outros tantos objetivos a ser atingidos para correção da própria realidade econômico social dos nossos dias. Ressaltava logo à vista a desigualdade concreta em que viviam os contratantes na relação de emprego. O desequilíbrio era patente, fazendo com que as manifestações de vontade de uma grande parte dos interessados – a maior, porque dos empregados, que necessitavam do salário para viver – viessem viciadas desde a origem, extrajuridicamente. Daí a finalidade manifesta e inequívoca de tutela das leis do trabalho, que, pendendo mais para um dos lados, procura compensar uma desigualdade real com outra desigualdade, embora formal, apenas.

(idem, p. 257)

De fato, esta finalidade jurídica de tutela do trabalhador87 não constitui mero

detalhe na doutrina jurídico-trabalhista de Evaristo, ao contrário, responde ela por um

aspecto primordial desta; afinal, é por intermédio dos expedientes de que lança mão

para efetivar-se que o direito do trabalho atinge o segundo de seus objetivos principais,

isto é, o encaminhamento pacífico das transformações sociais. Coerente com o espírito

reformista que informa sua concepção política, Evaristo enxerga no direito do trabalho,

na pretensão igualitarista que encerra as medidas de tutela do trabalhador, o instrumento

por excelência de uma transição social pacífica, sem rupturas bruscas e violentas do

status quo. Verifica-se aqui, por conseguinte, outra nota típica que a doutrina de

Evaristo de Moraes Filho atribui ao direito do trabalho. Ou seja, em função mesmo de

sua qualidade de norma de transição, de meio-termo entre dois mundos sociais distintos,

87 Ainda sobre esta questão, importa frisar que, segundo a doutrina de Evaristo, estas medidas de proteção do trabalhador acabam por tutelar o próprio “trabalho” enquanto fato social, dotando-lhe, pois, de novas qualidades. É o que se expressa claramente quando afirma o autor (idem, p. 258): “(...) através da tutela e da proteção que dispensa a um dos lados do binômio empregatício – ao trabalhador – realiza o direito do trabalho a sua principal finalidade jurídico-formal, tornando menos injustas as relações entre empregador e empregado, atingindo assim, de modo indireto, a tutela do próprio fato social do trabalho, que se torna mais digno, mais produtivo e mais compensador.”.

Page 119: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

118

tal direito atuaria como canal de assimilação, como espaço de acomodação das

transformações sociais em curso; conduzindo – sem sobressaltos – os seus

desdobramentos, com vistas ao estabelecimento de uma paz social que repousaria na

construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Dadas as transformações técnicas e econômicas do mundo moderno, as lutas políticas e os ideais insopitáveis do nosso tempo, tornava-se necessário uma correspondente ordem jurídica que, modelando organicamente toda essa matéria, a fosse conduzindo pacificamente para sua própria finalidade (...) Sua tarefa mais alta e inadiável é a da obtenção da paz social, pelo advento de uma sociedade menos injusta, em que uns e outros, empregados e empregadores, sejam de fato colaboradores na obra comum da empresa, tanto quanto possível num regime associativo, de colaboração, e não mais como atualmente, de subordinação ou dependência.

(idem, p. 154)

É com base neste entendimento, que compreende as medidas de tutela do

trabalhador como dispositivos para um encaminhamento pacífico de resolução da

chamada questão social, o fundamento pelo qual a doutrina jurídico-trabalhista de

Evaristo vem apontar objetivos outros a este ramo particular do direito para além do

terreno jurídico propriamente dito. Na verdade, em relação a esta finalidade jurídica de

tutela do trabalhador, a despeito de sua relevância, não se furtaria Evaristo a apontar seu

caráter estritamente técnico, formal, no qual os fins últimos que busca atingir estariam

situados em outras esferas da realidade social.

O direito é a forma técnica, o controle formal, através do qual se realizam todas as finalidades humanas em sociedade: econômicas, políticas, sociais, éticas, artísticas, educacionais, religiosas, e assim por diante. Todas essas afirmativas ficam absolutamente claras e bem compreensivas ao verificarmos que os fins jurídicos do direito do trabalho [as medidas tutelares] nada mais são do que medidas práticas e legais que o Estado toma em favor da efetivação daquelas finalidades econômicas, políticas e sociais oriundas de outras esferas, às vezes extrajurídicas.

(idem, p. 248)

Page 120: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

119

Por conseguinte, à revelia dos positivistas do direito – como Kelsen -, que

indicam a necessidade das doutrinas aterem-se exclusivamente ao que, ilustrativamente,

poderíamos chamar de “feudo jurídico”, esta desenvolvida por Evaristo não teria

maiores considerações por tal tipo de cânone, de forma que, aponta finalidades político-

sociais e também finalidades econômicas – ambas extrajurídicas - ao direito do trabalho.

No que tange à primeira, adquire relevo a questão gerencial das empresas, onde, em

consonância com aquele objetivo de canalização pacífica das transformações sociais,

Evaristo viria ressaltar a necessidade teleológica do direito do trabalho em garantir uma

verdadeira ampliação democrática dos espaços empresariais.

Sem mudança de estado econômico de produção, mesmo em pleno regime capitalista, vai o direito do trabalho realizando a mudança social sem saltos, sem bruscas alterações. A sua finalidade política manifesta-se no sentido de maior democratização da empresa, com a maior participação dos trabalhadores na direção e na gestão da unidade econômica.

(idem, p. 236)

E é de par com esta finalidade político-social de democratização da empresa,

que Evaristo doutrina uma das finalidades econômicas do direito do trabalho.

Finalidade esta que, por seu turno, diria respeito a um aprofundamento mesmo deste

processo de democratização político-social do espaço empresarial. Tratar-se-ia, pois, de

uma maior participação dos empregados também na esfera econômica da empresa,

através de expedientes que lhes assegurassem o direito de também se beneficiarem dos

resultados econômicos por ela alcançados.

A democratização da empresa, através da cogestão administrativa, é realizada aqui mediante mais de um expediente. Um deles, e dos mais importantes, é a participação dos empregados nos lucros das empresas, sob qualquer de suas modalidades, inclusive do acionariado operário.

(idem, p. 242)

Page 121: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

120

Pode-se inferir, no entanto, que esta finalidade propriamente econômica de uma

melhor redistribuição dos lucros aos empregados, consiste, de certa maneira, em uma

finalidade de dimensões particularmente microscópicas ao direito do trabalho, tendo em

vista sua circunscrição ao espaço da organização empresarial em si mesma. Contudo, na

doutrina desenvolvida por Evaristo de Moraes Filho, o direito do trabalho teria ainda

finalidades econômicas de caráter mais abrangentes, macroscópicas, por assim dizer.

Para o jurista carioca, este ramo do direito consistiria em um instrumento

privilegiado de planificação da vida econômica, tendo por base a possibilidade de uma

organização justa e racional do mercado de trabalho que traz consigo. Assim, segundo

apresenta, por regular aquilo que considera o centro da vida econômica nas sociedades

modernas, ou seja, as relações sociais de produção, o direito do trabalho seria dotado

das condições fundamentais – através das medidas de tutela do trabalhador que lhe

constituem – para atuar diretamente sobre as desigualdades econômicas que

redundariam da livre concorrência no mercado e que caracterizaria de maneira tão

flagrante esta nossa sociedade capitalista atual. Ademais, ainda em referência ao seu

papel na organização racional da atividade econômica, Evaristo destacaria outras

atribuições ao direito do trabalho. Casos, por exemplo, de sua participação sobre o preço

da mão-de-obra no mercado de trabalho em função dos encargos que suas medidas

tutelares trazem consigo, bem como, desdobramentos daí decorrentes, tais como sua

incidência sobre os preços de mercadorias e serviços, a capacidade de consumo da

população e, até mesmo, o deslocamento regional desta (idem, p. 243).

Em sua doutrina, por conseguinte, o direito do trabalho é mais do que um

simples ramo especial da ciência jurídica. É um mecanismo estratégico, um instrumento

de intervenção, voltado para a resolução dos problemas sociais e econômicos da vida

moderna, tendo em vista o potencial efetivo de seus dispositivos tutelares para dirigir ou

Page 122: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

121

planificar a organização econômica da sociedade. Neste sentido, são com estas palavras

que Evaristo finaliza suas considerações acerca das finalidades econômicas deste ramo

jurídico (idem, pp. 247-248):

Em resumo: representa o direito do trabalho o instrumento mais apto e capaz de que dispõe o Estado e os próprios interessados diretos para a planificação da vida econômica, a organização do mercado de mão-de-obra, com os problemas de sua remuneração, do seu poder aquisitivo, da sua auto-suficiência econômica, através de institutos jurídicos de proteção e tutela. Incluem-se aí, como é óbvio, não só as medidas tutelares da regulamentação do trabalho em geral e da relação de emprego, como também as medidas pré-contratuais (de aprendizagem industrial e comercial, de escolas pré-vocacionais, de orientação e seleção profissional, de agências de colocação) e as pós-contratuais (aposentadorias e pensões, auxílios de toda ordem). São imensos e flagrantes os objetivos ou as finalidades econômicas do direito do trabalho moderno.

De maneira geral, portanto, o conjunto destas finalidades – jurídicas, político-

sociais e econômicas – atribuídas por Evaristo ao direito do trabalho, seria responsável

pela identidade mesma de sua doutrina. Afinal, como vimos no primeiro capítulo desta

dissertação, a teoria jurídica de Evaristo se caracteriza por reconhecer no direito um

misto de fato e de valor, de ser e dever-ser. E é exatamente isto o que expressa as

finalidades (ou objetivos) do direito do trabalho, segundo sua doutrina; ou seja, o

reconhecimento de fatos concretos a ser abordados com base em uma realidade futura

que se deseja estabelecer. É neste sentido, pois, que tais finalidades acabam por

responder como os alicerces identitários da doutrina jurídico-trabalhista de Evaristo de

Moraes Filho.

Mas, é bom que se diga, tais finalidades não são os únicos elementos

responsáveis por dar contornos à doutrina em questão. Se o espaço que ocupam é de

certa forma especial em função de dizerem respeito aos postulados apriorísticos pelos

quais se orienta permanentemente o novo direito, este tem a doutrina que lhe informa

complementada por suas características particulares, uma vez que, segundo Evaristo,

Page 123: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

122

“(...) as características já são conseqüências, já são etapas vividas e realizadas,

permitindo verificar a posteriori os sinais que vão marcando a existência deste direito.”

(idem, p. 234). E conforme vem doutrinar o jurista, a existência do direito do trabalho é

verificada a partir de cinco características principais, todas elas decorrentes daquela que

seria, segundo pensamos, sua característica mais marcante, isto é, a de consistir o novo

direito em um ramo jurídico de transição, a expressão formal de uma civilização em

mudança. Seriam elas, portanto: a) é um direito propriamente dinâmico, em constante

vir-a-ser, que tende a se ampliar cada vez mais; b) é de cunho nitidamente cosmopolita

ou universal; c) trata-se de um direito de classe; d) seus institutos mais típicos são de

ordem coletiva e; e) é intervencionista, de cunho imperativo ou regulamentarista (idem,

p. 123).

Em relação à primeira destas, o dinamismo que lhe qualifica resulta do próprio

realismo com que sua doutrina encara o novo direito. Neste sentido, seria ele o mais

típico daquilo que se pode denominar como “direito vivo”88, pois, segundo Evaristo de

Moraes Filho, sendo ele de transição, situado entre duas ordens sociais distintas, evolui

e se renova constantemente acompanhando o processo de transformação social então em

curso89. Por isto mesmo, a doutrina do autor ressalta sua tendência de ampliação

permanente; o que, segundo ele, ocorreria em três níveis distintos: em intensidade, em

88 O conceito de “direito vivo” é originalmente formulado pelo já referido jurista austríaco Eugen Ehrlich. Sua intenção consistia, pois, exatamente em firmar o caráter dinâmico do direito, visto como produto social. Com base neste conceito, Ehrlich, que seria um dos fundadores do movimento do direito livre, viria fundamentar sua perspectiva de que a sociologia do direito deveria constituir-se na disciplina jurídica por excelência, em detrimento da dogmática tradicional. Para maiores considerações, ver Ehrlich (1986). 89 Aliás, para Evaristo, este seria um dos aspectos fundamentais a tornar tão difícil a sistematização doutrinária do direito do trabalho. Neste sentido, a obra de que aqui estamos nos valendo prioritariamente para apreender sua perspectiva doutrinária, o livro Introdução ao direito do trabalho, segundo não esconde o autor, diz respeito a uma tarefa arriscada. Diria ele (idem, p. 259): “Encontramo-nos na mesma situação de um médico que pretendesse fixar de antemão a altura exata de um adolescente em franco período de crescimento. Qualquer índice absoluto que pretendesse apresentar correria o risco de ser falso e não responder à realidade existencial. O mesmo ocorre com o direito do trabalho.”. Porém, mais adiante concluiria (idem, pp. 262-263): “Pois bem, mesmo correndo o risco (...) não há negar-se a necessidade inadiável de uma parada nesse crescimento, para fins didáticos, a fim de que se possa fazer um balanço, embora provisório, do estado atual da nossa ciência.”.

Page 124: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

123

extensão pessoal e em extensão territorial. Melhor do que qualquer observação que

pudéssemos fazer, a passagem que se segue corresponde exatamente ao pensamento de

Evaristo a este respeito. Diria ele (idem, p. 126):

Em intensidade, por isso que tende cada vez mais a estender os benefícios em favor dos sujeitos dessa legislação, aumentando assim em seus preceitos maior número de matérias (...) Dá-se, por igual, uma extensão em sentido pessoal, de vez que a tendência do direito do trabalho é incluir em seu âmbito um número cada vez maior de pessoas, às quais suas normas sejam aplicáveis. Das fábricas e oficinas industriais urbanas, passou ao comércio, às profissões liberais, às empresas bancárias, as explorações agrícolas, e assim por diante (...) Por outro lado, visa esta legislação a estender-se sempre mais territorialmente, abrangendo o direito positivo de todos os povos cultos, como também constituindo um sistema de leis de aplicação universal, que se baseia em princípios fixos, discutidos e estipulados em organismos internacionais (Organização Internacional do Trabalho).

Este terceiro nível de extensão de que trata Evaristo (o territorial), nos desobriga,

por sua vez, de procedermos a maiores explicações acerca da segunda característica

apontada pelo doutrinador. Na verdade, ambas dizem respeito ao mesmo fenômeno, isto

é, de que o direito do trabalho, em compasso com a “globalização” da ordem sócio-

econômica capitalista, vai se tornando cada vez mais, segundo sua doutrina, um

comando jurídico de assimilação das mudanças daí decorrentes em diversos países do

mundo. E se daí provém sua dimensão cosmopolita, daí resulta também seu caráter

crescentemente universal, uma vez que, como frisa o autor, a homogeneidade das

relações sociais de produção que o capitalismo engendra independente das

características regionais dos diversos países, é acompanhado por uma homogeneidade

cada vez mais marcante no que diz respeito às normas trabalhistas que as regulam90.

Não obstante, Evaristo destacaria também o fato do direito do trabalho

constituir-se em um direito de classe e com institutos de natureza tipicamente coletiva.

90 É o que afirma propriamente o doutrinador (idem, p. 145): “Internacionalizou-se a forma econômica capitalista, criando por toda parte os mesmos problemas e idênticas relações humanas. Instalou-se no mundo um estado econômico mais ou menos uniforme, que somente poderia condicionar uma capa de cultura jurídica também homogênea e uniforme.”.

Page 125: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

124

Ou seja, de acordo com sua doutrina, em função mesmo de sua finalidade jurídica de

proteção e tutela, este ramo jurídico é encarado como um direito próprio dos

trabalhadores (portanto, seus autênticos sujeitos), e com institutos coletivos que teriam

nascido da própria luta político-social por estes travada em busca de melhores condições

de vida e trabalho - tais como a convenção coletiva de trabalho, os dissídios coletivos de

trabalho e outros. Trata-se aqui, por conseguinte, de manifestações decisivas do caráter

paradigmático que, como direito transitório, a doutrina de Evaristo surpreende o direito

do trabalho, pois, diferentemente do direito comum – que se caracteriza por um

individualismo radical alicerçado sobre o valor de uma igualdade estritamente formal –

este direito revelaria desde sempre, por sua origem e desenvolvimento, um pronunciado

sentido coletivo em favor de uma determinada classe de pessoas – os trabalhadores.

Neste sentido, tal direito especial representaria uma profunda transformação no mundo

jurídico, pois, de um lado, ao colocar-se explicitamente em favor de determinado

conjunto de pessoas, deixaria para trás, como princípio jurídico de uma época

supostamente já passada, a formalidade que encerra o valor da igualdade de todos

perante a lei. Ademais, ao reconhecer como institutos seus mecanismos de negociação

como o dissídio ou as convenções coletivas de trabalho, romperia o direito do trabalho

também com o fundamento monista característico do direito clássico, isto é, com o

princípio de que somente ao Estado caberia a tarefa de constituir fatos normativos do

direito.

Mas, se estas duas características já apontam para uma realidade jurídica então

sui generis ao direito do trabalho, Evaristo apontaria ainda outra que, por sua vez,

marcaria definitivamente sua distinção frente ao direito civil, isto é, o caráter

intervencionista que lhe constitui tendo em vista sua função precípua de tutela e

proteção deliberadas aos trabalhadores. Neste sentido, como direito de transição de uma

Page 126: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

125

civilização em mudança, o direito do trabalho significaria aquilo que, ainda em sua

mocidade, Evaristo chamou de “crepúsculo do contrato” (Moraes Filho, 1934), para

marcar sua oposição à extrema liberdade econômica que caracterizaria a relação entre os

contratantes no âmbito do direito civil. Portanto, em sentido contrário ao absenteísmo

do Estado na esfera econômica – uma nota típica da doutrina liberal que encerra o

direito civil nascido com a modernidade -, o direito do trabalho, como aqui já podemos

observar, intervém diretamente, participa ativamente da vida econômica da sociedade a

partir de uma regulação voltada à superação das desigualdades que resultam daquela

suposta liberdade. Assim sendo, colocando-se ao lado da coletividade em detrimento

dos indivíduos, restringe o direito do trabalho as vontades individuais, negando o

princípio formal da igualdade de todos perante a lei que legitimava sua liberdade quase

que irrestrita. O sentido imperativo que traz consigo significa, assim, de acordo com a

doutrina de Evaristo, a superação do dogma liberal inerente à doutrina civilista, bem

como a garantia de proteção aos trabalhadores.

Se o direito civil é de natureza dispositiva, preenchendo simplesmente as lacunas deixadas em claro pela livre vontade dos contratantes – o contrato é a lei entre as partes, diz o velho refrão civilista -, o direito do trabalho coloca-se em ponto diametralmente oposto, é um direito imperativo, que determina a vontade dos indivíduos, regulando-lhes a conduta social, deixando para as partes unicamente o acessório. Suas normas não trazem a ilusão de que todos sejam iguais, tratam de propósito desigualmente a seres desiguais, tutelando uma categoria que precisa da sua proteção e bem a merece (...) Por isso mesmo, [repita-se], limita deliberadamente a suposta liberdade de contratar, intervindo o Estado naquela esfera, outrora sagrada, da autonomia da vontade, da doutrina liberal.

(Moraes Filho, 1956; pp. 142-143)

Em face de tudo o que vimos neste capítulo, portanto, salta desde logo aos

nossos olhos o sentido transformador, propriamente utópico, que Evaristo de Moraes

Filho reveste o direito do trabalho com esta sua doutrina. Tratar-se-ia, pois, de um

Page 127: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

126

instrumento privilegiado de intervenção sobre a realidade sócio-econômica, tornando-a

mais justa e democrática a partir de uma superação dos princípios do capitalismo liberal

que a regulam. E, como já vimos aqui, nada disto ficou restrito ao âmbito particular de

sua elaboração doutrinária, ao contrário, esta consistiu no corpo de idéias que

fundamentou iniciativas práticas levadas a efeito por Evaristo, com vistas a uma

transformação em sentido positivo da realidade brasileira. Aqui, cabe voltarmos mais

uma vez ao seu anteprojeto de Código do Trabalho que redigiu em 1962 e publicou no

ano seguinte, onde se pode observar todo o sentido transformador de uma doutrina que,

captando as aspirações da sociedade por mudanças, se propõe a ordená-las e apressá-las.

É o que se verifica quando, após uma observação tipicamente sociológica acerca do

processo de desenvolvimento social e econômico pelo qual passava o país àquela época,

viria afirmar Evaristo (1963, p. 33):

Incumbe à legislação do trabalho acompanhar de perto, com olhos bem abertos, essas etapas do desenvolvimento nacional. Tratando das relações dos dois fatores da produção – empregado e empregador – e da organização da própria vida econômica e profissional, representa essa legislação a forma jurídica adequada para formular e apressar a mudança social. Daí a necessidade de se transformar em regra jurídica aquilo que a sociedade solicita para a realização do seu crescimento.

Assim, não poderíamos concluir este nosso capítulo sem afirmar nossa

concordância com outros pesquisadores que se dedicaram a resgatar recentemente sua

vida e obra91 e, desta forma, atestar que Evaristo de Moraes Filho, mais do que jurista e

sociólogo, tratar-se-ia de um homem sem medo da utopia.

91 Refiro-me aqui, fundamentalmente, ao trabalho de Gomes, Morel e Pessanha (2007).

Page 128: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

127

CONCLUSÃO

O FUNDAMENTO DE UMA UTOPIA DEMOCRÁTICA

Proceder a uma abordagem analítica sobre o pensamento, sobre as elaborações

teóricas dos grandes pensadores de uma nação, não constitui tarefa de fácil realização. É

sempre uma grande responsabilidade refazer perspectivas que não somente

fundamentaram a construção de livros, teses e artigos, como alcançaram a dimensão

mesma da realidade palpável, causando impacto real ou potencial sobre a vida cotidiana

da população em função do legado efetivo que deixaram. Abordagens como essas

transcendem, portanto, direta ou indiretamente, a dimensão subjetiva em que se

originam as idéias sob análise, dizendo respeito também aos processos sociais objetivos

que delas derivam. Este o caso de que se trata quando falamos de Evaristo de Moraes

Filho. Este, pois, o tamanho do desafio que nos propusemos quando decidimos realizar

este trabalho.

De fato, Evaristo de Moraes Filho foi um intelectual acostumado a grandes

realizações. Em relação às ciências sociais, professor de sociologia desde 1949, Evaristo

foi um dos responsáveis pela própria institucionalização destas ciências no Brasil. Em

1954, não somente seria um dos participantes do já tornado célebre I Congresso

Brasileiro de Sociologia, realizado por ocasião do IV centenário da cidade de São Paulo,

como desempenhou ali importante papel ao ser o relator dos trabalhos do congresso. Em

1958, seria co-fundador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) ao lado de intelectuais

como Victor Nunes Leal, Temístocles Cavalcanti – idealizador do projeto -, Luiz de

Aguiar Costa Pinto, Lino de Albuquerque Melo, Luís de Castro Faria e Darcy Ribeiro.

Instituição de pesquisa ligada à Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, Evaristo de

Moraes Filho foi o seu maior presidente, estando à frente de sua gestão em quatro

Page 129: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

128

ocasiões – 1960, 1962, 1966 e 1967. Apesar de ter sido responsável pela formação

científica de grandes cientistas sociais ainda em atividade, como Luciano Martins,

Gilberto Velho, Maria Stella Amorim, Alba Zaluar, entre outros, além de produzir

periódicos e realizar conferências, o Instituto perdeu sua autonomia e fechou suas portas

em 1968 em função das estratégias de controle autoritário da ditadura militar, vindo

constituir, em contrapartida, o atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

Ademais, em 1962, já por ocasião do II Congresso Brasileiro de Sociologia, Evaristo

viria ter importante papel junto à SBS, tornando-se vice-presidente da instituição ao

lado de Florestan Fernandes, eleito presidente.

Se em relação às ciências sociais estas realizações de Evaristo já são dignas de

notável relevância, em função da importância mesma que as instituições que ajudou a

edificar possuem na afirmação deste campo de conhecimento no Brasil – formando

profissionais, definindo tradições de pesquisa e proporcionando organicidade à área

através da reunião e aproximação dos cientistas que a conformam -, em relação ao

direito, ou melhor, ao direito do trabalho, as realizações de Evaristo seriam ainda mais

relevantes.

Vimos aqui, que, para além de ter sido um dos primeiros funcionários do

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio - quando em 1934 tornava-se secretário

das Comissões Mistas de Conciliação -, o jurista e sociólogo carioca seria ainda um dos

responsáveis pela implementação efetiva da Justiça do Trabalho. Em 1941, designado

para o Conselho Regional do Trabalho da 5ª Região, com sede na Bahia, Evaristo

integraria um seleto time de jovens procuradores ávidos por fazer do direito do trabalho

um ramo jurídico prontamente institucionalizado no Brasil. Um ramo do direito dotado

de um ordenamento jurídico próprio que lhe garantisse a eficácia necessária para servir

de instrumento de reforma social e promoção da cidadania no país. E foi exatamente o

Page 130: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

129

que fez Evaristo como Procurador Regional do Trabalho a partir daquela data, tomando

parte direta nos processos e emitindo pareceres que muito realizaram neste sentido92.

De outra parte, como destacamos com maior riqueza de detalhes no capítulo

anterior, Evaristo responderia ainda por outros importantes trabalhos no campo do

direito do trabalho brasileiro. Como vimos aqui, no início dos anos 1960, seria ele o

responsável direto pela elaboração do Código do Trabalho que, infelizmente até hoje,

não possuímos. Mais uma vez, a ditadura militar instaurada no país em 1964 tornar-se-

ia um obstáculo aos trabalhos de Evaristo. Não fosse o conservadorismo deste regime, o

eminente jurista teria prestado um grande serviço ao país, alargando sobremaneira os

contornos de sua frágil democracia. A partir do estatuto jurídico que elaborou, os

trabalhadores brasileiros passariam a gozar de uma cidadania sem precedentes na

história do Brasil, tendo acesso a um pleno direito de greve, independência de suas

organizações profissionais frente ao Estado, estabilidade no emprego com apenas três

anos de efetivo exercício laboral em uma mesma empresa, além de outros benefícios

tutelares.

Em meados da década 1980, por seu turno, entrando o país em nova fase de

abertura política, teria Evaristo nova oportunidade de estabelecer vigência àqueles

dispositivos legais. Tornava-se, pois, membro da Comissão Constitucional instituída

pelo então Presidente José Sarney, onde presidiria a Subcomissão de Direito do

Trabalho. Infelizmente, porém, em mais esta ocasião Evaristo não conseguiria fazer de

suas idéias parte integrante de nosso direito positivo. Novamente, a realidade sócio-

política brasileira, a despeito da abertura que então se processava no país, mostrar-se-ia

92 Inclusive, cita Evaristo no já referido depoimento a Gomes, Morel e Pessanha (2007), que seus pareceres tiveram uma aprovação de 99% junto ao Conselho Regional. Ademais, segundo afirma, um destes pareceres teria dado origem ao seu primeiro livro Trabalho a domicílio e contrato de trabalho – formação histórica e natureza jurídica, publicado pela editora Revista do Trabalho em 1943. Trata-se de uma obra de teor doutrinário surgida de um parecer favorável dado por Evaristo a uma operária que, apesar de então constar como funcionária da empresa denominada Trapiche Adelaide, realizava seu ofício de trabalho em sua própria residência.

Page 131: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

130

aquém do avanço democrático que suas idéias procuravam estabelecer. Mas, se é

verdade que Evaristo não conseguiu materializar suas idéias nestas ocasiões, por outro

lado, importa lembrar que estas atividades legislativas em que se envolveu não foram

inócuas. Nem todos os dispositivos jurídicos ali apresentados se perderam

definitivamente, ao contrário, se tornariam precedentes fundamentais para construções

legislativas mais recentes, como nos mostra Moraes (2005)93.

De toda forma, vê-se desde logo que Evaristo não confinou suas idéias à

dimensão do abstrato, ao contrário, procurou incansavelmente torná-las efetivas,

influentes na realidade empírica. Em verdade, Evaristo de Moraes Filho foi parte

integrante de uma geração de intelectuais que, especialmente na década de 1950, se

acreditavam imbuídos da tarefa de intervir sobre a realidade brasileira. Buscavam, com

base na racionalidade científica de que eram portadores, edificar um novo ordenamento

social no Brasil, uma sociedade mais justa e equânime através da promoção da

cidadania. Tratava-se, pois, de uma intelligentsia destinada a prestar os seus serviços

para apontar e construir os caminhos que levariam o Brasil ao status de uma sociedade

tipicamente moderna, o que só se faria possível superando o “atraso” social, econômico

e cultural que lhe caracterizava. Neste sentido, tanto as iniciativas práticas quanto às

elaborações teóricas desta nossa intelectualidade de meados do século passado estavam

orientadas por este sentido utópico de reforma social. Visando, pois, o desenvolvimento

social, econômico, político e cultural da sociedade brasileira, muitos foram os manuais,

tratados, compêndios, monografias e etc. produzidos por esta intelectualidade,

proporcionando um fecundo debate intelectual sobre os rumos do país durante a década

de 1950.

93 De acordo com o autor, este seria o caso de alguns dispositivos jurídicos de caráter mais pacífico, como a regulamentação dos serviços de medicina do trabalho, convenções coletivas do trabalho, acordos coletivos salariais, o estabelecimento de prazo determinado para o contrato de experiência, e a proteção dos empregados que lidam com radiações ionizantes no exercício de suas funções de trabalho, dentre outros.

Page 132: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

131

No campo do conhecimento sociológico era chegado o momento de provocar

mudanças, de fazer ciência para fazer história, como nos apresenta muito bem Villas

Bôas (2006), de forma que, não foram poucos os diagnósticos formulados e

apresentados por nossos cientistas sociais para subsidiar cientificamente as mudanças

que se pensavam necessárias. Mas esta não era uma realidade privativa da sociologia, o

mesmo ocorria em outros domínios das ciências humanas. Assim, como menciona

Reale (1977), este movimento também se registrou no campo do saber jurídico

nacional, onde, os mesmos propósitos de intervenção para a transformação social,

levaram os juristas brasileiros, especialmente a partir de meados da década de 1940, a

intensificarem suas críticas aos preceitos teóricos e práticos da ciência jurídica

tradicional, adotando outros métodos na realização de suas atividades profissionais.

Dentro de um contexto assim marcado pela necessidade de intervir por mudanças, mais

do que nunca a lógica estática (porque abstrata) do positivismo jurídico tradicional se

mostraria inadequada.

É dentro deste contexto que devemos compreender tanto as realizações práticas,

quanto as elaborações teóricas desenvolvidas por Evaristo de Moraes Filho na década de

1950, as quais tivemos oportunidade de abordar ao longo desta dissertação. Estas

últimas representam não somente a produção intelectual de um pensador sintonizado

com o contexto no qual as produziu, como também a forte inserção que ele

experimentava em ambos os campos de conhecimento naquela ocasião. Assim é que,

reunindo estas duas áreas do saber, tanto em O problema do sindicato único no Brasil

como em sua doutrina jurídica, Evaristo de Moraes Filho faria da sociologia e do direito

do trabalho aspectos complementares. Por certo, não constituem ali uma mistura, tendo

em vista a autonomia que ambas as dimensões gozam no pensamento de Evaristo de

Moraes Filho, porém, se complementam mutuamente dando sentido a uma produção

Page 133: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

132

que, fundada sobre a frieza objetiva da realidade social, se volta para a utopia

construtiva de reformar a sociedade brasileira, buscando torná-la mais justa e

democrática. Aqui se manifesta, por conseguinte, toda a relevância que a sociologia do

direito ocupa no pensamento de Evaristo de Moraes Filho, como buscamos demonstrar

neste nosso trabalho. Afinal, é esta sociologia especial que lhe proporciona as condições

para reunir de maneira satisfatória estes dois campos do conhecimento científico com

vistas ao atendimento de seus propósitos reformadores.

Tradicionalmente, estas duas áreas das ciências humanas não costumam se

relacionar. Enquanto a sociologia, ocupada unicamente com os fatos sociais, preocupar-

se-ia em apreender objetivamente as regularidades que conformam a vida humana em

sociedade – a normalidade social – sem qualquer pretensão normativa; o direito, ao

contrário, segundo os cânones do positivismo jurídico clássico, não teria qualquer

preocupação com a realidade fática. Ocupando-se da vida futura dos homens, sua

preocupação exclusiva consistiria em estabelecer normas que assegurem, pela coerção

estatal, determinado padrão de conduta que se pretende fazer existente (a normatividade

jurídica).

Em Evaristo de Moraes Filho, porém, a sociologia do direito cumpriria o papel

fundamental de servir de elo entre ambas as ciências, alterando este estado de coisas

tradicional. Se a sociologia se ocupa da normalidade social e o direito da normatividade

jurídica, a sociologia do direito de Evaristo se ocupa das duas dimensões, pois, traz

consigo o recurso cognitivo de compreender a normatividade jurídica com base na

normalidade social; donde se explica, aliás, o porquê do autor se referir a esta sociologia

especial como um espaço intermediário, um meio termo conciliatório entre a sociologia

e o direito (1997).

Page 134: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

133

Grosso modo, para Evaristo a sociologia do direito, diferentemente da dogmática

jurídica, não é uma ciência formal, preocupada com as coisas da lógica metafísica. É

uma ciência empírico-causal, que encontra na objetividade do mundo social os

fundamentos de constituição do direito. Por isto mesmo, concebe os fenômenos

jurídicos como fatos sociais, de forma que, sem excluir a dimensão valorativa que os

encerra, se tornam objetos passíveis de mensuração objetiva pela sociologia, assim

como qualquer outro fato social. E sendo, pois, fato social como os demais, aponta esta

sociologia especial a necessidade de se compreender os fenômenos jurídicos em sua

totalidade, ou seja, de forma não desconectada dos elementos políticos, econômicos ou

ideológicos que incidem sobre sua constituição. Soma-se a isto, ademais, a

compreensão plural sobre o mundo jurídico que esta sociologia traz consigo. O

princípio conceitual do pluralismo jurídico responde assim por um de seus postulados

mais característicos. Partindo daquela premissa essencial de que o direito encontra sua

realidade na própria sociedade, o conceito de pluralismo jurídico vem denotar a idéia de

que, assim sendo, não pode ser o Estado a única fonte dos fatos normativos do direito.

Entende a sociologia jurídica de Evaristo, a partir deste conceito, que o direito possui

uma pluralideade de fontes. Não somente o Estado, como qualquer outra instituição

social dotada de autoridade legítima e meios para assegurar o cumprimento de suas

normas, constituem fontes de onde se originam autênticos fenômenos jurídicos. É o

caso, por exemplo, de sindicatos, empresas, partidos políticos, e até mesmo entidades

esportivas ou religiosas.

Como procuramos demonstrar ao longo de toda esta nossa dissertação, a

sociologia jurídica, assim definida, consistiria num recurso teórico e metodológico

fundamental mobilizado por Evaristo em suas formulações durante a década de 1950.

Não seria mera coincidência, portanto, o fato de que O problema de uma sociologia do

Page 135: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

134

direito, obra dedicada à sistematização teórica desta sociologia especial, foi precedente

a publicação tanto de O problema do sindicato único no Brasil, quanto de Introdução

ao direito do trabalho. Em verdade, os postulados sociológico-jurídicos sistematizados

em sua obra de 1950 lhe forneceriam o embasamento científico pelo qual o intelectual

carioca desenvolveria as reflexões sociológicas e doutrinárias acerca do direito do

trabalho que, respectivamente, aquelas publicações posteriores se ocupam.

É, pois, a partir dos princípios de sua concepção sociológico-jurídica, que

Evaristo de Moraes Filho desenvolve uma compreensão diferenciada do direito do

trabalho que, por sua vez, viria singularizar sua posição no debate intelectual que

permeava os anos 1950. Informado pela sociologia jurídica, Evaristo desconstrói a

perspectiva juspositivista fundada no monopólio estatal sobre a produção e aplicação do

direito, para reconhecer no direito do trabalho sua natureza propriamente social. Este

seria, por conseguinte, resultado direto das mudanças estruturais por que passou a

sociedade moderna a partir do desenvolvimento que o sistema sócio-econômico

capitalista experimentou no século XIX. Tratar-se-ia de um direito espontâneo, surgido

das novas relações sociais que se fizeram sentir sobre o mundo do trabalho, de forma

que, os sindicatos de trabalhadores responderiam pelo papel de protagonistas deste

processo de construção legislativa. Não seria assim, nem um desdobramento lógico do

direito comum e nem uma produção exclusiva do Estado, mas sim, um resultado direto

do processo social.

Entendendo este ramo particular do direito a partir do enquadramento

sociológico-jurídico mencionado acima, Evaristo tomaria parte no debate intelectual da

década de 1950 advogando a idéia de que o direito do trabalho constituiria o

instrumento mais adequado para fazer do Brasil um país verdadeiramente democrático.

É o que se apresenta decididamente em O problema do sindicato único no Brasil.

Page 136: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

135

Autêntica sociologia do direito do trabalho, como vimos no segundo capítulo deste

trabalho, ali Evaristo recupera instituições e demais sujeitos sociais responsáveis pela

gênese e pelo desenvolvimento inicial de nosso direito trabalhista, demonstrando sua

natureza propriamente social. Importa considerar, porém, que o sentido desta construção

teórica não é casual. Ao demonstrar a natureza social de nosso direito do trabalho,

buscava Evaristo denunciar a falácia em que se assentava a ideologia que procurava

fazer de Getúlio Vargas o único responsável pela existência deste direito no Brasil. Não

se tratava, pois, de mero acerto de contas com o passado o que pretendia Evaristo com

esta sua sociologia jurídica do trabalho. Desconstruir o “mito da outorga” lhe parecia

àquela ocasião, a condição indispensável para tornar eficaz uma crítica da legislação

trabalhista do período estadonovista e, conseqüentemente, tornar legítima sua

reivindicação acerca da necessidade de uma profunda reformulação dos dispositivos

legais deste ramo do direito, como forma de estabelecer uma democracia efetiva no

país.

Para Evaristo, a vigência dos dispositivos legais construídos ainda durante o

Estado Novo, dispositivos estes que asseguravam um minucioso controle estatal sobre

as organizações sindicais, fazia da democracia alcançada pelo Brasil em 1945, e

referendada na Carta Magna de 1946, um expediente apenas formal. Neste sentido,

segundo advoga O problema do sindicato único no Brasil, tornava-se urgente

estabelecer um novo marco legal ao direito do trabalho para tornar real aquilo que até

então era apenas formal. Somente com a garantia de plena liberdade e autonomia às

organizações sindicais que o direito do trabalho estaria em condições de estabelecer,

poderia o Brasil tornar-se uma autêntica democracia moderna à semelhança das

sociedades européias. Para Evaristo, portanto, as mudanças sociais requeridas pela

Page 137: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

136

sociedade brasileira deveriam começar por aí, pois estas, deveriam resultar do livre e

democrático jogo das forças sociais, e não da mão forte do Estado.

Poucos anos mais tarde, por ocasião da doutrina apresentada em Introdução ao

direito do trabalho, o sentido utópico de reforma social atribuído por Evaristo a este

ramo do direito seria ainda mais acentuado. Fundamentada teoricamente na sociologia

jurídica, a doutrina de Evaristo apresentaria o direito do trabalho enquanto um direito de

classe, um direito propriamente voltado aos trabalhadores, a quem procuraria tutelar em

função das condições sociais e econômicas que resultam da própria posição subordinada

que ocupam na relação de emprego. Tendo, pois, nas medidas de tutela do trabalhador

sua principal finalidade jurídica, o direito do trabalho surge aqui como um instrumento

legal de intervenção sobre a realidade sócio-econômica, tendo em vista alcançar os fins

últimos que lhe norteariam, ou seja, a resolução da moderna questão social surgida com

o sistema capitalista, bem como o encaminhamento pacífico das transformações sociais

que daí decorrem. Ademais, tal doutrina compreenderia o direito do trabalho como um

direito de transição, ou seja, uma expressão jurídica que ao mesmo tempo em que atesta

a superação de uma ordem social fundada nos princípios do liberalismo clássico, traz

consigo, anuncia, a irrupção de um novo modelo de organização das sociedades. Uma

ordem social verdadeiramente democrática, que teria nas normas do trabalho um recurso

fundamental para o Estado organizar racionalmente a economia e garantir uma maior

eqüidade entre empregados e empregadores.

Em função do que vimos aqui, importa considerar que diferentemente de outros

intelectuais – sobretudo, cientistas sociais – que reconheciam na educação, no

desenvolvimento industrial ou no crescimento econômico os elementos fundamentais

para superar as mazelas sociais brasileiras, Evaristo de Moraes Filho enxergaria no

direito do trabalho o melhor instrumento para tal empresa. Seria ele o instrumento de

Page 138: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

137

democratização social e econômica necessário para elevar a sociedade brasileira ao

padrão de desenvolvimento das consolidadas democracias da Europa e da América do

Norte. Ademais, tendo em vista o enquadramento sociológico-jurídico que fundamenta

sua compreensão acerca deste ramo do direito, Evaristo viria se distinguir de muitos de

sua época que preconizavam a primazia do Estado para levar a cabo a tarefa de

desenvolver o país. De fato, Evaristo não negaria certa responsabilidade da agência

estatal neste processo, em função do próprio papel que lhe confere para organizar

racionalmente a economia através dos meios de que dispõe para assegurar o efetivo

cumprimento das normas trabalhistas. Não obstante, o papel desempenhado aqui pelo

Estado é apenas intermediário. Sendo um direito surgido da sociedade e imposto a ele

pela força das organizações sociais que o reivindicam, a ação jurídico-trabalhista do

Estado não seria uma manifestação de sua própria vontade , mas sim da sociedade que

lhe confere a existência. Assim, o transformismo social preconizado por Evaristo

encontraria na própria sociedade o seu sujeito, fundamentando a orientação democrática

da utopia que reveste seu pensamento.

Nota-se, pois, a relevância que a sociologia do direito adquire na conformação

do pensamento de Evaristo de Moraes Filho. É com base nesta sociologia especial que o

direito do trabalho lhe surge como uma via privilegiada para intervir no processo de

configuração e reconfiguração da realidade social, diferenciando-se assim de outros

intelectuais de sua época. Mesmo que possamos afirmar que esta é uma peça

fundamental da arquitetura intelectual de Evaristo, é importante ter claro que sua obra, e

sua contribuição à compreensão do país, se enriquecem com uma gama extremamente

ampla de referências que, por sua vez, extrapolam em muito o foco estabelecido neste

trabalho. Com foco em sua sociologia jurídica, portanto, estabelecemos unicamente

alguns pontos a partir dos quais se pode aprofundar uma interpretação mais complexa e

Page 139: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

138

densa do pensamento do autor. Neste sentido, esperamos ter dado uma contribuição que,

ainda que pequena, possa ter sido valiosa para estimular a reflexão sobre suas idéias e,

sobretudo, para aproximar Evaristo de Moraes Filho das novas gerações de cientistas

sociais.

Page 140: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, M. H. T. “Dilemas da institucionalização das ciências sociais no Rio de Janeiro”. In: MICELI, S. (org.). História das ciências sociais no Brasil, vol I. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1989. pp. 188-216. AMORIM, M. S. “Um jurista com vocação institucionalizadora das ciências sociais”. In: MOREL, R. L.; PESSANHA, E. G; VILLAS BÔAS. G. (orgs.). Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 261-299. BECKER, H. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1994. BOURDIEU, P. O poder simbólico. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. CÂNDIDO, A. Presença da literatura brasileira, 8 ed. São Paulo: Difusora Européia do Livro, 1979. ___________. Os parceiros do Rio Bonito: estudos sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios, 10 ed. São Paulo: Duas Cidades, 2003. CESARINO JR., A. F. Direito social brasileiro, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1970. CODATO, A. N; GUANDALINI JR., W. “Os autores e suas idéias: um estudo sobre a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo”. In: Estudos Históricos, nº 32. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. pp. 145-164. COSTA, C. “Sindicatos precisam mudar”. In: Jornal do Brasil, Caderno Idéias. Rio de Janeiro, 28/12/2002. p. 3. DURKHEIM, E. As regras do método sociológico, 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. EHRLICH, E. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986 FARIA, J. E.; CAMPILONGO, C. F. A Sociologia Jurídica no Brasil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. FERNANDES, F. A etnologia e a sociologia no Brasil. São Paulo: Anhambi, 1958. _____________. Mudanças sociais no Brasil: aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1960. _____________. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2006. FREYRE, G. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano, 16 ed. São Paulo: Global, 2007.

Page 141: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

140

GOMES, A. M. C. “A práxis corporativa de Oliveira Vianna”. In: BASTOS, E. R; MORAES, J. Q. (orgs.). O pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. pp. 43-61. _____________. A invenção do trabalhismo, 2 ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. _____________. “O problema do sindicato único no Brasil: um livro faz 50 anos”. In: MOREL, R. L.; PESSANHA, E. G; VILLAS BÔAS. G. (orgs.). Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 195-221. GOMES, A. M. C.; MOREL, R. M.; PESSANHA, E. G. F. (orgs.). Sem medo da utopia: Evaristo de Moraes Filho: arquiteto da sociologia e do direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007. GURVITCH, G. Tratado de sociologia, vol. II. São Paulo: Martins Fontes, 1977. HALL, M. M.; PINHEIRO, P. S. “O Grupo Clarté no Brasil: da revolução dos espíritos ao Ministério do Trabalho”. In: PRADO, A. A. (org.). Libertários no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1986. pp. 251-287. IANNI, O. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. JAGUARIBE, H. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político: uma abordagem teórica e um estudo do caso brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. JUNQUEIRA, E. B. A sociologia do direito no Brasil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1993. KELSEN, H. Teoria pura do direito, 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. __________. Teoria geral do direito e do Estado, 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005 [1911]. LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. LIMA, H. “O direito positivo e o problema da vigência”. In: A Época. Rio de Janeiro. Jul. 1935. pp. 29-30. LIMA, T. C. S; MIOTO, R.C.T. “Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica.”. In: Revista Katalysis, v. 10. Florianópolis, 2007. pp. 35-45. LOPES, J. S. L. “Entre o direito e as ciências sociais: uma experiência central na história dos estudos sobre trabalho e trabalhadores no Brasil”. In: MOREL, R. L.; PESSANHA, E. G; VILLAS BÔAS. G. (orgs.). Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 161-193.

Page 142: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

141

MACHADO NETO, A. L. História das idéias jurídicas no Brasil. São Paulo: Edusp, 1969. _____________________. Sociologia jurídica, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1987. MAILLET, M. Introdução crítica ao direito, 2 ed. Lisboa: Editora Estampa, 1994. MANNHEIM, K. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. MARTINS, L. “A gênese de uma intelligentsia – os intelectuais e a política no Brasil, 1920 a 1940”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 4, vol. 2. Jun de 1987. pp. 65-87. MICELI, S. “Condicionantes do desenvolvimento das ciências sociais”. In: MICELI, S. (org.). História das ciências sociais no Brasil, vol I. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1989. pp. 72-110. MINAYO, M. C. “Ciência, técnica e arte: o desafio da Pesquisa Social.” In: ______. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001. pp. 09-30. MIRANDA, F. C. P. Sistema de ciência positiva do direito, 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1973 [1922]. _________________. Introdução à sociologia geral, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980 [1926]. MORAES, A. C. F. “Evaristo e o direito do trabalho” In: MOREL, R. L.; PESSANHA, E. G; VILLAS BÔAS. G. (orgs.). Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 109-138. MORAES, A. C. F.; MORAES FILHO, E. Introdução ao direito do trabalho, 6 ed. São Paulo: LTr, 1993. MORAES, A. E. Apontamentos de direito operário, 4 ed. São Paulo: LTr, 1998 [1905]. MORAES FILHO, E. “Marx e a sociologia contemporânea”. In: A Idéia. Rio de Janeiro. Nov. de 1934. pp. 8-10. __________________. “A problemática da sociologia do saber”. In: A Idéia. Rio de Janeiro. Set. de 1937. pp. 19-23. __________________. “O contrato no direito moderno”. In: Cultura social trabalhista. Rio de Janeiro. Nov. de 1937. pp. 29-36. __________________. “Introdução à sociologia rural” In: Jornal do Commércio. Rio de Janeiro. 12/12/1937. __________________. “A comunidade rural”. In: Mensário do Jornal do Commércio. Rio de Janeiro. Fev. de 1938. pp. 193-197.

Page 143: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

142

__________________. Trabalho a domicílio e contrato de trabalho – formação histórica e natureza jurídica. Rio de Janeiro: Revista do Trabalho, 1943. __________________. A justa causa na rescisão do contrato de trabalho. Rio de Janeiro, 1953. Tese de livre docência. __________________. Augusto Comte e o pensamento sociológico contemporâneo. Rio de Janeiro, 1955. Tese de livre docência. __________________. Introdução ao direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1956. __________________. O contrato de trabalho como elemento da empresa. Rio de Janeiro, 1957. Tese para a cátedra de Direito do Trabalho. __________________. Direito do trabalho e mudança social. Rio de Janeiro: MTIC, 1958. __________________. Anteprojeto de Código do Trabalho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963. __________________. Tratado elementar de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. __________________. Estudos de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1971. __________________. O problema do sindicato único no Brasil. Seus fundamentos sociológicos, 2 ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. __________________. O socialismo brasileiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. __________________. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1983. __________________. O direito e a ordem democrática. São Paulo: LTr, 1984. __________________. Medo à utopia: o pensamento social de Tobias Barreto e Sílvio Romero. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. __________________. O problema de uma sociologia do direito, ed. fac-similar. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. __________________. Quinze ensaios. São Paulo: LTr, 2004. MTIC. “Projeto de Lei Orgânica da sindicalização profissional – exposição de motivos” In: Boletim do MTIC, nº 53. Rio de Janeiro. Jan. de 1939. NETO, C. Legislação do trabalho: polêmica e doutrina. Rio de Janeiro, 1926.

Page 144: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

143

OLIVEIRA, L. L. “Donald Pierson e a sociologia no Brasil”. In: Boletim Informativo e Bibliográfico (BIB), nº 23, 1987. pp. 35-48. ______________. “As ciências sociais no Rio de Janeiro”. In: MICELI, S. (org.). História das ciências sociais no Brasil, vol. II. São Paulo: Editora Sumaré, 1995. pp. 233-307. PAIM, A. F. História das idéias filosóficas no Brasil, 3 ed. São Paulo: Convívio, 1984. PÉCAUT, D. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990. PESSANHA, E. G. “Evaristo de Moraes Filho: fundamentos democráticos dos direitos do trabalho no Brasil”. In: MOREL, R. L.; PESSANHA, E. G; VILLAS BÔAS. G. (orgs.). Evaristo de Moraes Filho, um intelectual humanista. Rio de Janeiro: Topbooks, 2005. pp. 139-160. PIERSON, D. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo: Nacional, 1945. ________ (org). Estudos de ecologia humana. São Paulo: Martins, 1948. PIMENTA, J. Sociologia jurídica do trabalho, 3 ed. Rio de Janeiro: Nacional do Livro, 1948 [1944]. PRADO JR., C. Evolução política do Brasil: colônia e império, 21 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. PINTO, L. A. C. Sociologia e desenvolvimento: temas e problemas de nosso tempo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. RAMOS, A. G. Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo (por uma sociologia nacional). Rio de Janeiro: Est. de Artes Gráficas Mendes Jr., 1954. REALE, M. Horizontes do direito e da história, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1977. SALDANHA, N. N. Sociologia do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970. SALVADOR, A. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. Porto Alegre: Sulina, 1986. SCELLE, G. Précis de législation industrielle. Paris, 1927. SILVEIRA, D. B. “Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas”. In: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, v. 60, 2006. pp. 30-48. SODRÉ, N. W. Verdade sobre o ISEB. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.

Page 145: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

144

SOUTO, C.; FALCÃO, J. Sociologia e Direito. Textos básicos para a disciplina de Sociologia jurídica. 2 ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001. TOLEDO, C. N. ISEB: fábrica de ideologias, 2 ed. São Paulo: Ática, 1982. VILLAS BÔAS, G. Mudança provocada. Passado e futuro no pensamento sociológico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2006. WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. WERNECK VIANNA, L. A revolução passiva. Iberismo e americanismo no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1997.

Page 146: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 147: SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO …livros01.livrosgratis.com.br/cp114275.pdf · 2 SOCIOLOGIA JURÍDICA E MUDANÇA SOCIAL EM EVARISTO DE MORAES FILHO JEFFERSONALMEIDA

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo