16
Ano VIII - Edição Nº 122 Campo Grande, MS - Agosto de 2009 Eles estão por toda parte, mas nem sempre são vistos pela população. Embo- ra muitos queiram deixar a vida da sarje- ta, o vício em drogas tem sido o elo que os prende a esta realidade marginal. Tudo começa com a família desestruturada, a falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, um rapaz de 21 anos admite que não gosta de viver na rua e sonha um dia largar o vício e voltar Sofrimento invisível nas ruas Só- O jovem “S” tem família, mas por ser usuário de drogas diz não conseguir sair das ruas a estudar. A colega de 20 anos, que mora também nas calçadas do centro de Campo Grande há cinco, compartilha do desejo de uma vida melhor. Mãe de um menino de um ano, ela espera que o filho tenha um destino diferente do seu. Perto dali, Baiano, de 47 anos, cuida dos carros; ele sente orgulho em ter conquistado a confi- ança dos motoristas que deixam os veícu- los aos seus cuidados. Página 09 ÁLCOOL Adolescentes dão “jeito” para beber A lei n°8.069/90 do Estatuto da Criança e Adolescente, que proíbe os bares, restaurantes, supermercados, lanchonetes, casas noturnas e até vendedores ambulantes de venderem bebidas alcoólicas para adolescentes não se tornou uma barreira para os menores. Muitos se orgulham em revelar que burlam a lei. Já nos estabelecimentos que pedem a documentação para a venda de álcool, os jovens contam que mandam um amigo maior de idade comprar. O assunto vira motivo de risos para mui- tos meninos e meninas. A mestre em psicologia Helena Demetrio Gasparin alerta que o que vale são as atitudes dos pais e não o discurso do que é cor- reto. Página 12 Risco- Proibição não impede consumo Escolas indígenas de MS têm déficit de conteúdos específicos Apesar de Mato Grosso do Sul dis- por de 300 escolas indígenas, muitos especialistas afirmam que os estabeleci- mentos não funcionam como deveriam. Isto porque há dificuldades para ofere- cer aos alunos a educação que assegure a continuidade da cultura indígena, como aulas da língua materna, arte nati- va, o envolvimento das famílias e mate- rial didático. As aulas são ministradas pelos próprios índios que tiveram opor- tunidade de estudar. Atualmente, o Es- tado tem 536 jovens indígenas nas uni- versidades que, em sua maioria, objeti- vam ajudar suas comunidades de algu- ma forma. Página 03 Aldeias- Universitários querem voltar Contribuintes para o futuro A garantia de amparo e segurança no caso de acidente, doença ou gravidez gera a sensação de estabilidade. Pensando nisso, cada vez mais jovens têm aderido à Previdência Social. As contribuições mensais podem ser feitas a partir dos 16 anos de idade, sendo o mais indicado é que o jovem faça como “segurado facultativo”. Página 05 Por trás do prazer em dar uma traga- da com sabor ou aroma agradável, estão as consequências do uso do tabaco. Os odores e sabores escondem os efeitos nocivos destas drogas. Entre as novida- des do setor, está o Arguile, fumo ori- ental, que tem conquistado adeptos em Mato Grosso do Sul. Página 13 Aroma esconde tabagismo Foto: Otávio Cavalcante Foto: diganaoaerotizacaoinfantil.files.wordpress.com Foto: Caroline Maldonado

Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

Ano VIII - Edição Nº 122Campo Grande, MS -Agosto de 2009

Eles estão por toda parte, mas nemsempre são vistos pela população. Embo-ra muitos queiram deixar a vida da sarje-ta, o vício em drogas tem sido o elo queos prende a esta realidade marginal. Tudocomeça com a família desestruturada, afalta de perspectiva e o abandono de simesmo a própria sorte. As histórias seconfundem. Comunicativo, um rapaz de21 anos admite que não gosta de viver narua e sonha um dia largar o vício e voltar

Sofrimento invisível nas ruas

S ó - O jovem “S” tem família, mas por ser usuário de drogas diz não conseguir sair das ruas

a estudar. A colega de 20 anos, que moratambém nas calçadas do centro de CampoGrande há cinco, compartilha do desejode uma vida melhor. Mãe de um meninode um ano, ela espera que o filho tenhaum destino diferente do seu. Perto dali,Baiano, de 47 anos, cuida dos carros; elesente orgulho em ter conquistado a confi-ança dos motoristas que deixam os veícu-los aos seus cuidados.

Página 09

ÁLC

OO

L

Adolescentes

dão “jeito”

para beberA lei n°8.069/90 do Estatuto

da Criança e Adolescente, queproíbe os bares, restaurantes,supermercados, lanchonetes,casas noturnas e até vendedoresambulantes de venderem bebidasalcoólicas para adolescentes nãose tornou uma barreira para osmenores. Muitos se orgulham emrevelar que burlam a lei. Já nosestabelecimentos que pedem adocumentação para a venda de

álcool, os jovens contam que mandamum amigo maior de idade comprar. Oassunto vira motivo de risos para mui-tos meninos e meninas. A mestre empsicologia Helena Demetrio Gasparinalerta que o que vale são as atitudesdos pais e não o discurso do que é cor-reto.

Página 12

R i s c o - Proibição não impede consumo

Escolas indígenas de MS têm

déficit de conteúdos específicosApesar de Mato Grosso do Sul dis-

por de 300 escolas indígenas, muitosespecialistas afirmam que os estabeleci-mentos não funcionam como deveriam.Isto porque há dificuldades para ofere-cer aos alunos a educação que assegurea continuidade da cultura indígena,como aulas da língua materna, arte nati-va, o envolvimento das famílias e mate-rial didático. As aulas são ministradaspelos próprios índios que tiveram opor-tunidade de estudar. Atualmente, o Es-tado tem 536 jovens indígenas nas uni-versidades que, em sua maioria, objeti-vam ajudar suas comunidades de algu-ma forma.

Página 03 A l d e i a s - Universitários querem voltar

Contribuintes

para o futuroA garantia de amparo e segurança no

caso de acidente, doença ou gravidez gera asensação de estabilidade. Pensando nisso,cada vez mais jovens têm aderido àPrevidência Social. As contribuiçõesmensais podem ser feitas a partir dos 16anos de idade, sendo o mais indicado éque o jovem faça como “seguradofacultativo”. Página 05

Por trás do prazer em dar uma traga-da com sabor ou aroma agradável, estãoas consequências do uso do tabaco. Osodores e sabores escondem os efeitosnocivos destas drogas. Entre as novida-des do setor, está o Arguile, fumo ori-ental, que tem conquistado adeptos emMato Grosso do Sul.

Página 13

Aroma esconde

tabagismo

Foto: Otávio Cavalcante

Foto: diganaoaerotizacaoinfantil.files.wordpress.com

Foto: Caroline Maldonado

Page 2: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

Em Foco – Jornal laboratório do curso de Jornalismo da UniversidadeCatólica Dom Bosco (UCDB)

Ano VIII - nº 122 – Agosto de 2009 - Tiragem 3.000

Obs.: As matérias publicadas neste veículo de comunicação não represen-tam o pensamento da Instituição e são de responsabilidade de seus autores.

Chanceler: Pe. Lauro Takaki ShinoharaReitor: Pe. José MarinoniPró-reitoria de Ensino e Desenvolvimento: Conceição Aparecida ButeraPró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação: Hemerson PistoriPró-reitoria Extensão e Assuntos Comunitários: Luciane Pinho de

Gonçalves, Juliana Morais, Magna Melo, Naiane Mesquita, Nilda Fernandes,Otávio Cavalcante, Paula Maciulevicius, Paula Vitorino, Tatiana Gimenes,Tatyane Santinoni, Viviane Oliveira,

Projeto Gráfico, diagramação e tratamento de imagens:Designer - Maria Helena Benites

Impressão: Jornal A Crítica

Em Foco - Av. Tamandaré, 6000 B. Jardim Seminário, Campo Grande – MS.Cep: 79117900 – Caixa Postal: 100 - Tel:(067) 3312-3735

EmFoco On-line: www.emfoco.com.br

E-mail: [email protected] [email protected]

Editorial02

Recortes da realidade

AlmeidaPró-reitoria de Pastoral: Pe. Pedro Pereira BorgesPró-reitoria de Administração: Ir. Raffaele Lochi.

Coordenador do curso de Jornalismo: Jacir Alfonso Zanatta

Jornalistas responsáveis: Jacir Alfonso Zanatta DRT-MS 108, Cristina Ramos DRT-MS158 e Inara Silva DRT-MS 83

Revisão: Cristina Ramos e Inara Silva.

Edição: Cristina Ramos, Inara Silva, Jacir Zanatta e Oswaldo Ribeiro

Repórteres: Bruna Lucianer, Caroline Maldonado, Ederson Almeida, Edilene Borges, Juliana

à cultura de massa, a mídia vive o dilemade vender e informar. “Se a campanha pelaleitura está na mídia, o público deve per-guntar: o objetivo da campanha é venderlivros ou promover a leitura”, indaga o pro-fessor de filosofia.

O próprio avanço do mundo faz comque as pessoas busquem cada vez mais co-nhecimento, que só é possível através demuita leitura. Com a chegada da internethouve uma facilitação ao acesso a informa-ção, de forma dinâmica porém superficial,pois não é indicada a substituição do livropela internet. “Para o governo e as empre-sas é importante que a sociedade tenha co-nhecimento, é bom para o país, pois des-pertará o interesse do comércio internacio-nal em investir no Brasil”, explica o pro-fessor de Comunicação Carlos Alberto Joséda Silva Filho.

Os educadores veem como soluçãopara a sociedade brasileira uma educa-ção bem estruturada de forma que o de-sempenho individual de cada aluno é quepossibilitará a formação de um cidadãoapto a direcionar o país ao progresso. “Aleitura é um ponto chave para o desen-volvimento. Só assim deixaremos de serum país subdesenvolvido”, afirma a di-retora adjunta escolar Mônica da SilvaPassos Amaral.

Para a acadêmica do último ano de Le-tras da Universidade Federal Mato Gros-so do Sul (UFMS), Michele AlvesCerzósimo, é importante assegurar e am-pliar em diversos aspectos o acesso à lei-tura. “Penso que esse aumento de incen-tivo à leitura se dá pelo fato de que com ohábito de ler, as pessoas enriquecem seuvocabulário, aumentam seus conhecimen-tos gerais e ficam bem informadas, o queas levam a escrever melhor e a terem maisfacilidades em expressar suas opiniões,obtendo melhores colocações em concur-sos e vestibulares”.

O hábito da leitura é um aliado paraformação de bons profissionais, os quaisse beneficiam desta prática para ampliarseus conhecimentos. Bons leitores des-tacam-se entre os melhores no mercadode trabalho que atualmente é muito con-corrido. A lei do mais instruído é quealcança o sucesso. Tal objetivo confirmaque a leitura está sendo desenvolvida nãosomente pelo prazer, mas principalmen-te pela necessidade imposta pela globa-lização.

M o t i v a ç ã o - Crianças participam de roda de leitura em escola pública da Capital

propaganda

Riqueza

Leituraprecisa deIncentivo ao hábito de ler livros garante conhecimento

dem o que leem. Talvez possa atribuir a istoo aumento do número de propagandas in-centivando a leitura.

Para a historiadora e bibliotecária,Ludmila Batista dos Santos, esse incentivose dá porque as grandes empresas de pu-blicidade visam ao desenvolvimento da lei-tura de forma que esta irá proporcionar me-lhor compreensão de suas campanhas pu-blicitárias. Deixando-as livres para explo-rar a criatividade, pois a leitura formará umasociedade mais esclarecida de forma que teráfacilidade de compreensão em vários aspec-tos”, explica.

Lendo, as pessoas ficarão mais críticase não buscarão somente a TV como meiode informação. Segundo o filósofo NeimarMachado de Souza, a imprensa está ligada

Viviane Oliveira

Apesar da leitura ser um instrumentoindispensável nos dias de hoje, o brasilei-ro lê pouco, anualmente a média de leitu-ra por brasileiro é de 2,4% sendo que só0,9% é livro não didático, isso mostra quea maioria só lê porque é obrigado. Com aevolução da tecnologia, onde tudo está àdisposição, os livros têm ficado de fora docotidiano.

No Brasil tem uma livraria para cada70 mil pessoas, a Organização das NaçõesUnidas para a Educação, à Ciência e a Cul-tura, (Unesco) recomenda uma para cada10 mil pessoas. De acordo com dados dacadeia produtiva do livro FIPE, 26% dosbrasileiros entre 15 e 64 anos não enten-

ERRATA

Diferente do que foi publicado na reporta-gem “Em nome do amor eles viram anjosda guarda”, pág. 11 da edição 121 do JornalEm Foco, o irmão da professora Maria JoséGonzaga colabora com o pagamento do pla-no de saúde de sua mãe, além dos medica-mentos necessários. Tal ajuda não é diária,já que ele não reside na Capital, porém elese preocupa com a situação.

Jornalistas recortam da realidadeassuntos que influenciam direta ouindiretamente a sua vida caro amigoleitor. O principal critério para definiras pautas é exatamente o que estes pro-fissionais creem ser de interesse dequem lê jornal. Aí surgem os chama-dos critérios de noticiabilidade, o quevira notícia, afinal nem todas as histó-rias que acontecem na vida das pesso-as são contadas nos veículos de co-

municação, não existe tanto es-paço assim.

Nesta edição do Jornal EmFoco as reportagens recortaramvalorosos temas para a socieda-de sul-mato-grossense, semprepensando em gente e o que estágente sente. Portanto, nas próxi-mas páginas você vai ver índiosque querem ter direito a educa-ção que preserve sua cultura pró-pria e também como as autorida-des municipais de Campo Gran-de estão promovendo atividadesculturais para crianças carentes daperiferia da Capital.

A aposentadoria é outro temaabordado em dois interessantesaspectos: o dos idosos, deprimi-dos antes de se aposentar, e o dosjovens que decidem pagar o INSS

já aos 16 anos, pensando no futuro.Entre outros assuntos destacados

da realidade estão: a volta pra casa dosdescendentes japoneses desemprega-dos no Japão após a crise econômicado final do ano, o desespero de quemestá no fundo do poço das drogas emora nas ruas da Capital e a naturali-dade com que jovens consomem dro-gas lícitas como o álcool e o tabaco.Uma boa leitura!

Foto: Viviane Oliveira

Page 3: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

03Foto: Evellyn AbelhaCaroline Maldonado

Existem hoje, em Mato Grosso do Sul,aproximadamente 300 escolas indígenas.Porém, alguns professores acreditam queelas ainda não estão funcionando comodeveriam. Estas unidades escolares têmapenas professores e alunos indígenas,estão situadas em aldeias, mas encon-tram dificuldades para fornecer uma edu-cação que assegure a continuidade dacultura indígena.

É o caso da Escola Municipal AlexinaRosa Figueiredo, da Aldeia Buriti, loca-lizada no município de Dois Irmãos doBuriti, a 98 quilômetros de Campo Gran-de. Com 300 alunos do pré-escolar ao 9ºano e 22 professores da etnia Terena ainstituição ainda está em processo parareconhecimento pelo Ministério da Edu-cação e Cultura (MEC) como escola in-dígena. Segundo o diretor Alberto Fran-ça Dias, as duas aulas semanais de lín-gua Terena não são suficientes. “Muitasescolas ainda não estão funcionando noparâmetro de educação indígena. Temque haver mais aula da língua materna eenvolvimento das famílias dos alunos”,explicou Dias.

Para saber quais são exatamente asnecessidades das escolas indígenas doBrasil e criar uma política própria deeducação escolar que respeite a diversi-dade de cada contexto local, o MEC lan-çou, em 2008, a I Conferência Nacionalde Educação Escolar Indígena. As con-ferências locais nas escolas indígenas dopaís acontecem até o final deste mês. Nasaldeias de Mato Grosso do Sul foramrealizadas em março e abril deste ano.

Na escola da Aldeia Buriti ela foi rea-lizada no dia seis de março, reunindolideranças, pais, mestres, prefeito, pes-quisadores e um membro da SecretariaMunicipal de Educação (SEMED). Foramdelegados seis representantes que parti-ciparão da Conferência Nacional em Bra-sília, prevista para este mês deste ano.Para o diretor da escola a conferência éproveitosa, pois as discussões têm quesair das salas de aulas para a política.“Um passo importante para construir abase da educação indígena que queremos

Índio

Cultura

Indígenas das aldeias de Mato Grosso do Sul discutem a educação que merecem

Escola

é a discussão”, afirmou. Nesta escola amaior necessidade constatada foi a cria-ção, pelos próprios professores, de ummaterial didático diferenciado.

O calendário já é modificado, exis-tem aulas da língua Terena, mas os do-centes não encontram respaldo quandose trata do material. Agora os professo-res esperam que, por meio de documen-to gerado pela Conferência Nacional pos-sam efetivar esse projeto, que contarácom a parceria do Programa Terena, de-senvolvido por professores universitá-rios do Estado.

Essa ponte entre a universidade e aaldeia se dá por meio dos acadêmicosindígenas. Em todo Mato Grosso do Sul

eles são hoje 536 e, em sua maioria,objetivam ajudar suas comunidades dealguma forma. Os que cursam Licencia-turas geralmente voltam às aldeias parasomar esforços na busca da educação di-ferenciada. Mas, na Escola Alexina RosaFigueiredo nove acadêmicos Terena jásão considerados professores ao exerce-rem atividades de estágio, pois faltamprofessores indígenas. “Isso logo vai mu-dar, porque está aumentando o númerode jovens da aldeia que vão para a uni-versidade”, explicou o professor GérsonPinto Alves.

Fo r m a ç ã o e C u l t u r aNão é só na aldeia Buriti que faltam

professores da própria comunidade. Se-gundo o acadêmico do 5º semestre deHistória, Valdevino Cardoso está é umadificuldade de muitas aldeias de MS. Eletambém é da etnia Terena, porém nasci-do na Aldeia Limão Verde, localizada nomunicípio de Aquidauana. “Eu querovoltar à aldeia para dar aula e acreditoque todo universitário indígena tem essaresponsabilidade de ajudar sua comu-nidade de alguma forma depois que sairda universidade”, afirmou.

Por ser a caracterização da cultura, alíngua, bem como as artes, são fatoresque preocupam os indígenas. As esco-las da Buriti ainda não têm uma disci-plina específica de Arte indígena. O pro-fessor Noel Patrocínio acredita que a

partir da educação escolar a aldeiapossa reavivar e dar continuidadea produção de artesanato e a práti-ca da dança. “Meu sonho é verBuriti como um grande ponto tu-rístico por conta da produção ar-tística e cultural”, contou.

Já nas duas escolas da AldeiaJaguapiru, na Reserva de Doura-dos, na qual residem sete mil in-dígenas da etnia Guarani existeuma disciplina específica de Arteindígena, ministrada duas vezespor semana.

Segundo o professor João Ma-chado, na Escola “Tengatui” dopré ao 4º ano as aulas são na lín-gua Guarani, do 5º ao 6º sãomultilíngue e do 7º ao 9º a línguaGuarani é uma disciplina. “Nasduas escolas municipais da comu-nidade os professores têm maisautonomia para elaborar o próprioplano de ensino, mas algumas es-colas das aldeias Guarani aindatêm o currículo comum”, expli-cou.

A perpetuação da língua, dasdanças e das artes não interessa sóao professor Noel, mas às comuni-dades indígenas de todas as etniasdo Estado. É por meio delas que osbrancos podem ver que os indíge-nas não são todos iguais, mas pre-servam modos diferentes de viver.

D e b a t e - Em conferências locais realizadas este ano, indígenas traçam soluções para os problemas enfrentados na educação

Fa l h a - Falta disciplina específica de arte indígena para ajudar na preservação cultural

QUER

Foto: Caroline Maldonado

Foto: Caroline Maldonado

Page 4: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

04 Foto: www.sxc.hu

Bruna Lucianer

Há cerca de um ano, to-dos na casa de seo SebastiãoMadruga começaram a perce-ber algumas mudanças emseu comportamento; diferen-te da pessoa ativa e falanteque sempre fora, passou aandar calado e tristonho. Pou-co a pouco, seo Madruga foise tornando cada vez maisretraído: calado e ansioso aomesmo tempo. Praticamentenão conversava, mas andavade um lado para o outro den-tro de casa o tempo todo.

Madruga, 70 anos, trabalha-va há 22 como motorista deuma empresa pública, mas de

repente passou a ter pavor daidéia de dirigir. O que começoucom uma quietude ansiosa tor-nou-se quadro crônico de depres-são profunda em poucos meses.Desde então ele afastou-se da em-presa e já não sai mais de casa.

Aposentadoria não é o fim

e

Renascer

Tensãomedo ao

aposentar

E t a p a - Após três décadas dedicadas ao funcionalismo público, Catarina Alçamendia tenta encarar com bom-humor a pré-aposentadoria

Foto: Bruna Lucianer

Dirigir, nem pensar.Sua filha, Andréia Santos Ribeiro,

de 29 anos, conta que foi tudo muitorápido, quase imperceptível. “Só nos

demos conta da seriedade da situaçãoquando ele começou a fazer comentá-rios se mostrando preocupado comtudo o que perderia quando fosse des-ligado da empresa”, diz Andréia.

Madruga faz parte de uma grandeparcela da população que não conse-gue ultrapassar a barreira do “fim” davida produtiva e encarar o início daaposentadoria. A psicóloga e psico-pedagoga Dalva Maria Pacheco Rochaexplica que, apesar de não possuirdados estatísticos, é possível afirmarque a incidência de situações traumá-ticas nesse período da vida é bastantealta. “Trata-se de uma fase de perdas:jovialidade, vigor físico, vida afetivae sexual. Com a aposentadoria, a pes-soa perde o único elo que a mantinhaligada a uma expectativa futura. A sen-sação de não ser mais útil, de não ser-vir mais para tantas coisas é frustran-te”, comenta a psicóloga.

A psicóloga define a aposentadoriacomo um grande mito. Em primeiramão, todos a vislumbram como umacoisa muito boa. Projetam todas assuas expectativas em cima desse mo-mento e acabam por esquecer outrosaspectos da vida. Esquecem que a apo-sentadoria não traz somente coisas

boas, é necessário lembrar de todas asdificuldades que essa nova fase trará.

Não são todas as pessoas que de-senvolvem esse quadro com o passardo tempo. Mas, segundo a psicóloga,a probabilidade de desenvolver qua-dro depressivo nessa idade é maior doque em outras fases.

Para lidar com esse difícil e espe-rado momento, Dalva dá uma receitasimples. “Nunca coloque a aposenta-doria como um fim, mas sim como umanova fase da vida. Quando faltar 2 ou3 anos para se aposentar, comece apreparar-se emocionalmente para fa-zer esse desligamento: tenha novosobjetivos, novos círculos de amizades,novos grupos sociais. Faça ginástica,divirta-se, invista em seu lazer”, es-clarece a psicóloga.

Catarina Alçamendia, de 56 anos,funcionária pública há 29, se aposen-tará dentro de oito meses. “Sei que abarra é pesada, mas encaro esse mo-mento de forma muito positiva. Pla-nejo abrir um negócio próprio para nãoficar parada, e aproveitar as vantagensda aposentadoria para fazer o que eunão pude fazer até agora, como viajarduas ou três vezes ao ano”, comemo-ra Catarina.

Page 5: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

05

S e g u r o s - Jovens procuram o INSS para contribuir e se prevenir, como Lussandra de Barros, que paga desde cedo o INSS e busca o auxílio-doença após acidente

Caminhos do mercado de trabalho para o profissional de jornalismo se diversificam

Previdência

Paula Maciulevicius

A sensação de amparo e segurançatraz alívio a qualquer situação e na vidaprofissional não é diferente. Estar am-parado no caso de acidente, doença ougravidez, por exemplo, gera estabilida-de e cria as condições necessárias paralidar com a situação. Pensando nisso, aestudante de Administração Jeniffer DiasMedeiro, de 21 anos, se inscreveu na Pre-vidência Social. “Além da segurança quea gente tem no dia-a-dia, quanto maiscedo começar a contribuir, melhor”, res-salta a estudante, que já pensa na futuraaposentadoria. “Na realidade há muitosbenefícios para quem contribui”, com-pleta Jeniffer.

Segundo o chefe da seção de benefíci-os do Instituto Nacional do Seguro Soci-al (INSS), Nivaldo Zuardi, a importânciade o jovem começar cedo a contribuir éde se programar para uma aposentadoriafuturamente. “Além de estar amparadopara receber benefício em caso de doen-ça, ou o salário maternidade”, explicaNivaldo.

É o caso do promotor de vendas Mar-cos Sabino, de 26 anos, que quebrou obraço em um acidente de trabalho; ele quecontribui há oito anos com a PrevidênciaSocial diz solicitar o benefício no caso dedoença, pela primeira vez. “Com certezacontribuir dá estabilidade, é um seguro

que a gente tem num acidente destes”,comenta Marcos. “E quanto mais cedocontribui, mais cedo vem a aposentar”,acredita o promotor de vendas.

De acordo com Nivaldo Zuardi, osbenefícios mais solicitados pelos jovenscontribuintes são o auxílio-doença e sa-lário-maternidade. As contribuições paracom a Previdência Social podem come-çar a partir dos 16 anos de idade, todo ocontribuinte mensal é chamado de segu-rado e, conforme sua contribuição, podeser classificado como empregado, empre-gado doméstico, trabalhador avulso, con-tribuinte individual, segurado especial esegurado facultativo. “O mais indicadopara o jovem é o facultativo. Com 16 anosele pode se inscrever na Previdência pelo135 ou o site www.previdencia.gov.br. Écriado o Número de Inscrição do Traba-lhador (NIT) e depois ele recolhe a taxaatravés da Guia de Recolhimento da Pre-vidência Social”, explica Nivaldo.

Esta Guia de Recolhimento é encon-trada em livrarias e a contribuição estána faixa de 11% e 20% do salário míni-mo. Como contribuinte da PrevidênciaSocial, o jovem passa a ter direito a apo-sentadoria por invalidez, por idade, portempo de contribuição; auxílio-doença;reabilitação profissional; aposentadoriaespecial; auxílio-reclusão; auxílio-aci-dente; pensão por morte; salário-mater-nidade e salário-família.

Utilizando um desses benefícios,Lussandra de Barros Rocha, de 27 anos,atendente de call center, procurou umaagência da Previdência Social para soli-citar o auxílio-doença. Depois de sofrerum acidente de moto, no trajeto indopara o trabalho, Lussandra passou pelaPerícia Médica, a fim de avaliar o tempoque ela deve ficar afastada do trabalho ereceber o auxílio pela Previdência Soci-al. “Ia ser muito difícil se não tivesse oINSS, seriam quatro meses sem receber”,fala Lussandra sobre o tempo determi-nado pelo médico.

Já amparado e seguro Edinei Borges,de 21 anos, retorna a agência da Previ-dência Social para passar novamente pelaPerícia Médica. Após sete meses receben-do o auxílio-doença por conta de um aci-dente de trabalho, o jovem recebe o lau-do médico onde consta estar apto pararetornar às atividades. “Se não tivessedireito ao benefício, eu não ia receber, istoajudou bastante”, comenta o funcionáriode uma empresa de Material de Constru-ção sobre a importância da contribuição.

Não só em casos de doença o segura-do tem direito a benefícios, para as con-tribuintes da Previdência Social, o perí-odo de gestação pode ser bem mais tran-quilo, a segurança para as mamães vemdo salário-maternidade. Elas têm direitoa recebê-lo por um período de até quatromeses. “Se não tivesse esse salário-ma-

Adolescentes a partir dos 16 anos já podem contribuir com Instituto de Seguridade Social e garantir benefícios

precavidosA Tribo dos jovens

Foto: Paula Maciulevicius

ternidade talvez eu não pudesse fi-car em casa com o meu bebê, seriasó o tempo de me recuperar e voltara trabalhar. Mas com ele, com certe-za eu fico tranquila, pelo fato de sa-ber que eu vou estar em casa porquatro meses recebendo o salário ecuidando do meu bebê”, relata comtranquilidade a futura mamãeViviane Souza, telefonista de 26anos.

Com o objetivo de levar as infor-mações sobre a Previdência, o INSStem o Programa de EducaçãoPrevidenciária PEP, que tem comomissão levar aos jovens o conheci-mento sobre os Deveres e Direitos daPrevidência Social. “É o trabalho deconscientizar e incluir o cidadão naPrevidência, temos que mudar o pen-samento do jovem, de não pensar sóna aposentadoria, mas nos segurosque ele tem direito pagando em diaas contribuições”, conta a coordena-dora do programa, Marise Lima deSousa. Através de palestras em uni-versidades e colégios o programa querinserir os jovens dentro na Previdên-cia. “A visão de aposentadoria deveficar em segundo plano, o importan-te é que ele vai estar coberto na suacapacidade elaborativa de trabalho”,finaliza o gerente-executivo do INSSJoaquim Cândido de Carvalho.

Foto: Paula Maciulevicius

Page 6: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

Nascente

06

Criseaborta

no Sol

Foto: www.burajiru.blog.br

CircunstânciasSem emprego no Japão, dekasseguis voltam para o Brasil

Juliana Morais

Mudar de vida, tentar a sorteem outro país, todos buscam atão sonhada estabilidade finan-ceira, da maneira que lhes con-vém. Aqueles que têm a opor-tunidade de ir para o exterior,normalmente não pensam duasvezes, simplesmente arrumamas malas e vão em busca do so-nho da fortuna.

“Saí do Brasil em 2006 coma vontade de ganhar dinheirosuficiente para mim e minhafamília, infelizmente em janei-ro deste ano tive de voltar, demãos vazias”, lamenta DanielaOta, uma dentre tantos outrosbrasileiros que tiveram o sonhodestruído pela crise mundial.

Consultor do projeto Dekas-segui/ Sebrae, Múcio Marinho,afirma que, “após o início dacrise, percebemos um aumentode retorno dos brasileiros no Ja-pão”. Muitos pretendiamretornar apenas por férias oualgum outro compromisso noBrasil, porém, devido à crise,

ficaram impossibilitados de voltar parao Japão por falta de emprego.

Em uma reunião realizada no aero-porto de Cumbica, Guarulhos SP, naqual participaram agentes de viagem dasempresas que embarcam brasileiros noJapão com destino ao Brasil, constatou-se que cerca de 250 brasileiros estãoretornando diariamente para casa. “Essenúmero é um constante desde o agrava-mento da crise, no final de 2008”, afir-ma Múcio Marinho

Antes da crise econômica, a maiorparte dos brasileiros que chegavam aoBrasil, já tinham em mãos a passagemde retorno para o Japão. Atualmenteapenas 2% (média) dos brasileiros es-tão chegando com a passagem de retor-no, a maioria está voltando, fugindo dacrise.

Em Mato Grosso do Sul um projetodesenvolvido pelo Sistema de Apoio amicroempresas (Sebrae) que ajuda pes-soas que vão para o Japão a investiremseu dinheiro. É um trabalho de orienta-ção, conhecido como projeto Dekasse-gui. Atualmente o número de brasilei-ros que procuram esse atendimento aquino Brasil, tem aumentado, devido a vol-ta de muitos, conseqüentemente pela

crise.Há uma possibilidade que em alguns

anos o Japão volte a oferecer novas opor-tunidades de emprego e renda aos brasi-leiros descendentes de japoneses. Múcio

Marinho, do projeto Dekassegui/ Sebraecomplementa: “Resta saber se com umasegunda chance, esses brasileiros sabe-rão evitar a repetição dos erros cometi-dos até aqui.”

sonhos

Page 7: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

07

Naiane Mesquista

Os aeroportos japoneses estavam sem-pre cheios, as listas de espera das com-panhias aéreas eram extensas e já havia40 dias que ela esperava por um vôo devolta ao seu país. Aquele momento jáera esperado desde o final de 2008, quan-do a crise americana começou a afetar asgrandes economias mundiais. Há seisanos morando no Japão com o esposo, abrasileira Márcia dos Santos GomesMiyashiro, de 38 anos, decidiu voltarpara o Brasil depois que o casal perdeuo emprego.

“Em 2007, no final do ano já não ti-nha opções de emprego, as ofertas detrabalho diminuíram, depois acabaramcom as horas extras e em setembro de2008 começaram as demissões”, afirmaa brasileira. No entanto, Márcia acreditaque o caos da segunda maior economiado mundo foi do final do mês de setem-bro a dezembro do ano passado quandoas demissões em massa tornaram-se co-muns.

Os olhos pretos e levemente puxa-dos são simpáticos e apesar da fama sé-ria dos japoneses, o descendente diretoou dekassegui Demys Ricardo Miyashironão faz jus ao mito. Casado há 11 anoscom Márcia, ele conta que a volta era ine-vitável e a melhor solução no momento.“Quando eu e a Márcia fomos pela últi-ma vez na indústria, o dono perguntouo que iríamos fazer agora. Respondi que

Estamos indo

de volta

Retorno

Cerca de 50 mil brasileiros foram demitidos no Japão

pra casa

voltaríamos para o Brasil e ele concor-dou, dizendo que é a melhor coisa quepodemos fazer. Quando houve o 11 desetembro tivemos seis meses de baixa naprodução, mas tínhamos expectativasque iria melhorar em alguns meses, hojesó falam em um ou dois anos”, explica odekassegui.

Apesar dos planos de deixar o país,ninguém imaginava que a volta seriaàs pressas. A espera no começo e a es-perança de melhorias foi aos poucosesvaindo-se nas imagens de passeataspelo desemprego, sempre com brasilei-

ros à frente.Segundo estimativas, 320 mil brasi-

leiros trabalhavam o ano passado no Ja-pão, sendo que cerca de 50 e 60 milperderam o emprego nos últimos me-ses. “Os jornais não divulgam os da-dos certos, cada um fala um númerodiferente, ninguém sabe ao certo, nãotem só 50 mil. Muitos brasileiros estãopassando fome ou vivendo apenas como pouco dinheiro do seguro desempre-go”, afirma Márcia.

Nos Estados Unidos e na Europa osíndices são ainda mais preocupantes,na Espanha a taxa de desemprego che-gou a 14,4%, recorde na Europa e al-guns economistas acreditam que noReino Unido três milhões de pessoaspodem perder o emprego ainda este ano,inclusive estrangeiros.

Apesar de longa, a viagem dos bra-sileiros de volta a Campo Grande vemprincipalmente do outro lado do mun-do. Grande parte são descendentes dejaponeses que estão voltando à cida-de. Muitos tiveram que encurtar o pe-ríodo de permanência e frear por umtempo os sonhos. Janio Yasuo Ka-neshije, de 22 anos, pretendia ficarmais que um ano e três meses. Anima-do ele gosta de contar sobre o país, asexperiências e o boneco de neve feitodepois de perder o emprego. Impaci-ente ele não aguentou esperar as trêsparcelas do seguro desemprego em seu

apartamento dividido com o irmão.“Se eu ficar em casa, entro em pâ-nico”, afirma Janio. Na cidade ondeo jovem morava a crise pareceu sermais amena, apesar dos mil empre-gados brasileiros demitidos na fá-brica onde trabalhava, a hora extrafoi mantida até o final. “O proble-ma é que não existia emprego emlugar nenhum, não adiantava pro-curar, não compensava gastar di-nheiro mudando de cidade”.

Entretanto, em decorrência dodesemprego cresceu a disputa en-tre imigrantes e moradores da regiãopor trabalhos antes rejeitados e des-tinados apenas a estrangeiros. Emalguns países, como Espanha e Ja-pão a disputa fez crescer a busca pormão-de-obra barata e a perda de es-paço das empreiteiras, as empresasque normalmente empregam os imi-grantes. “Os japoneses estão subs-tituindo os empregados antigos poruma mão-de-obra quase três vezesmais barata, a chinesa e coreana. Opior é que quando estávamos no ae-roporto de Guarulhos vimos uma fa-mília indo para o Japão, tinha atécrianças. Muitas agências de viagemnão explicam a verdadeira situaçãodos trabalhadores, eles iludem aspessoas, dizem que só não tem ser-viço para quem não quer trabalhar”,afirma Demys.

P r e s s a - Jânio Kaneshije, 22 anos, foi um dos mil demitidos da fábrica onde atuava, voltou sem esperar o seguro desemprego

E s c o l h a - Pegar um avião de volta ou esperar até dois anos por novas vagas no Japão

Foto: Arquivo Jânio

Foto: Arquivo Jânio

Page 8: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

08

ReumatismoCrianças e adultos podem ser vítimas de distúrbios reumáticos que se não tratados podem trazer sérios problemas

Saúde

escolhe idadenão

Edilene Borges

Sentir dores nas mãos, nospés, na coluna, nos joelhos, nopescoço ou em outras partes do

corpo é considerado normalpara muitas pessoas. Elasacreditam que esses sinais sãoconsequências do cansaço oudo estresse do dia-a-dia. Mas,o que parece insignificantepode ser sintoma de algumadoença reumática, que atual-mente atinge cerca de 30% dapopulação.

Segundo o médico reuma-tologista e mestre em Ciênciasda Saúde pela UniversidadeFederal de Mato Grosso doSul, Alex Magno Coelho Ho-rimoto, a reumatologia estudaas doenças reumáticas e os dis-túrbios musculoesqueléticos,que geralmente atingem o apa-relho de locomoção. “Em geralexistem acima de 120 distúrbi-

os reumáticos que podem acome-ter ossos, articulações, músculos.Além disso, muitas dessas doen-ças reumáticas podem atingir vá-rios órgãos de forma sistêmica”,explica o remautologista.

O número de doenças reumáti-cas é muito grande, e as que maisatingem a população são: artrose,dor lombar, gota, fibromialgia, os-teoporose, tendinite e bursite.Duas destas doenças atingem prin-cipalmente as mulheres, a artrose,também chamada de doença arti-cular degenerativa, que tem comocaracterística o desgaste das carti-lagens e alterações ósseas e é adoença mais frequente entre os pa-cientes que vão aos consultórios,a fibromialgia, que segundo Hori-moto, é um conjunto de sintomase sinais, que se apresentam por dordifusa crônica, alteração do sonoe humor. Esta acomete principal-mente mulheres entre os 30 e 40anos de idade.

O aparecimento de doençasreumáticas, segundo o presidenteda Sociedade de Reumatologia deMato Grosso do Sul, Izaias Pereirada Costa, depende da faixa etária.“Na infância e adolescência, pre-dominam as artrites associadascom infecções (artrites reativas) e

a artrite reumatóide juvenil; no adulto,jovem feminino, predomina a artritereumatóide as artrites reativas, o Lúpuseritematoso sistêmico e acima dos 40anos, temos uma maior prevalência dasdoenças degenerativas como aosteoartrite, as doenças de tendões e li-gamentos”.

Iria Galeano do Nascimento, de 43anos, possui doenças reumatológicas,entre elas a fibromialgia, mas nunca ha-via imaginado que poderia ter algumadestas doenças e só descobriu depois derealizar exames específicos. “Eu tinhapressão alta, inchava muito, ficava àsvezes toda vermelha, e a dor de cabeçasó passava se eu tomasse injeção naveia”, relata. Há 12 anos ela faz tratamen-to, entre remédios para combater a dor,fisioterapia, acupuntura e até anti-depressivos. Sempre que tem umdesequilíbrio emocional sente que os sin-tomas aumentam. “Eu sempre fiz o acom-panhamento e o médico indica exercíci-os físicos, hidroginástica e medicamen-tos”

Qualquer pessoa, inclusive criançase jovens podem desenvolver estas do-enças sendo que um diagnóstico preco-ce pode diminuir as chances de conse-quências futuras. A maioria delas nãotem cura, mas o tratamento ajuda a re-duzir significativamente os sintomas.Por outro lado, um diagnóstico tardiopode causar sérias conseqüências comoo aparecimento de outros tipos de pato-logias.

“No caso da artrite reumatóide, o pa-ciente pode apresentar invalidez perma-nente ao trabalho e dificuldade de reali-zar simples tarefas do dia-a-dia, e emoutras doenças sistêmicas como, porexemplo, lúpos e vasculites, o pacientepode apresentar grave comprometimen-to de órgãos e mesmo a morte”, explicao reumatologista Alex.

Uma campanha a favor da prevençãode doenças reumáticas com o nome“Reumatismo é coisa séria”, foi realiza-da no ano passado pela Sociedade Bra-sileira de Reumatologia (SBR) em todo oBrasil. Em Campo Grande o evento acon-

teceu no Estádio Belmar Fidalgo, ondeparticiparam grupos de pacientes reumá-ticos. Este ano a SBR estará divulgandonovamente a campanha, que tem comoprincipal objetivo convencer as pessoasa procurar um especialista, e que os sin-tomas como dores, podem ser mais séri-os do que parecem.

Embora muitas doenças reumáticassejam hereditárias, o reumatologistaAlex Magno explica que uma vida sau-dável, livre do estresse, associada àprática de exercícios físicos e boa ali-mentação podem retardar ou mesmoprevenir o aparecimento de tais doen-ças.

O importante é que a população fi-que atenta a qualquer sintoma e nãose acomode achando que dores no cor-po ou outros sintomas são normais.As consequências são graves e podemser irreversíveis. Qualquer informaçãoé importante, no entanto, não deve serusada para fazer autodiagnóstico ouautomedicação, o correto neste caso ésempre procurar um médico.

S i n t o m a - Paciente mostra as mãos enquanto aguarda no consultório médico, doença reumática lhe causou atrofia nos dedos mínimos

Foto: Edilene Borges

Page 9: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

09

Otávio Cavalcante

Embora muitos pensem que CampoGrande não tenha moradores de rua, oupreferem não enxergar esta realidade, nocentro da Capital é fácil se deparar compessoas nas calçadas, pedindo esmolasou dormindo embaixo de uma árvorequalquer. As histórias destes homens emulheres têm um ponto comum: o vícioem entorpecentes. Mas quem enfrenta asmadrugadas geladas nas ruas da CidadeMorena não deixa de esperar uma vidamelhor.

Deitado na calçada da Travessa LídiaBaís, esquina com a Rua 15 de Novem-bro após uma noite muito agitada, “S”,de 21 anos, rapaz com boa aparência efacilidade de comunicação conta umpouco sobre sua vida sem-teto. “Nãogosto de viver nas ruas, casa para mimnão é igual à rua, eu acostumei nesta vida,e não consigo sair, já tem oito anos quemoro assim, desde os 12, uso drogas,comecei com maconha, e agora estou comdrogas mais pesadas, já entrei em váriasclínicas mas não resolveu, quando batea vontade não consigo parar de fumar.”Este foi o principal motivo que trouxeSidiel para as ruas. O rapaz lamenta nãoter escutado os conselhos da mãe comoo irmão, que também usou drogas, fez.“Ele conseguiu se recuperar, hoje ele temcarro e casa. Se tivesse como voltar atráseu faria tudo diferente, se não sair dessavida vou morrer, o tempo que perdi nun-ca vai voltar, este dia, esta hora não vãovoltar, as oportunidades aparecem e so-mem, aparecem e somem, meu sonho é

D r a m a - Mesmo tendo famíliana Capital, S., 21 anos, sobrevive nas ruas de Campo Grande e é viciado em entorpecentes

voltar a estudar, mas para isso precisolargar este vício”, desabafa o jovem.

A falta de apoio, a saudade e os pre-conceitos sofridos pelos moradores deruas são constantes. “Nós somos consi-derados como vagabundos, não é por-que a gente não quer sair das ruas, masé difícil consertar, ainda mais porque tempouco incentivo”, comenta “S”, que selembra de sua mãe quando viu ele nasruas. “Eu estava sujo e fiquei com ver-gonha, o tanto que já aprontei que agoratenho vergonha. Eu só não saio daqui(Campo Grande) por causa da minhamãe, se não já tinha rodado o mundo”,“S” se levanta olha para os lados e desa-bafa: “Meu Deus me tira dessa vida, es-

tou sozinho, em um deserto”.Ao lado de “S” estava “C” de 20 anos,

jovem magra e muito comunicativa. Des-de os 15 mora nas ruas, quando come-çou a usar drogas, se revoltou com a fa-mília. Nas ruas ela engravidou de outromorador, hoje seu filho está com um anoe dois meses. “De vez em quando voupara casa ver meu filho, minha mãe équem cuida, não quero que ele tenha estavida. Já fui presa, fiquei dois meses esete dias, sofrendo muito”. O sonho de“C” é que seu marido, como chama opai de seu filho, mude e tenha uma vidamelhor.

Do lado da igreja Santo Antônio, nocentro da cidade fica, ou melhor, mora

A. S. F., o Baiano, como gosta deser chamado, em homenagem aoEstado que nasceu. Dos seus 47anos de vida, 20 foram vividos nasruas. Junto com ele está M. J., de34 anos, que sobrevivem com o di-nheiro que ganham cuidando doscarros estacionados nos horáriosdas missas. “Hoje foi duas missas,com o dinheiro compramos doismarmitex, um litro de cachaça e umrefrigerante de laranja, a noite temmais uma missa”, comenta M.

Baiano é muito conhecido nasproximidades, todos que estacio-nam na igreja confiam em seu tra-balho. “Existe confiança, por-que a gente não vai pisar nabola, outro dia passou umcamburão da polícia, parou equis levar nós dois, sorte nos-sa que o padre viu e disse, podedeixar meus filhos, eles cuidamda nossa casa (igreja)”, explicaBaiano.

Ambos preferem correr osriscos das ruas, do que procu-rar ajuda. “Uma vez me inter-naram no Esquadrão da Vida,mas logo saí, lá tinha mais lou-cos que eu”, justifica Baiano. JáM. critica: “Se for pra eu ficarno Cetremi (Centro de Triageme Encaminhamento do Mi-grante) prefiro as ruas.

M. estudou só até a sétima sé-rie. “Eu me arrependo de ter pa-rado, meu sonho era ser médico.A vida na rua é desse jeito, umdia você dorme, outro não, um diacome outro não, a noite ainda émais arriscado, tudo que não pres-ta está nas ruas”. Ele tem duas fi-lhas, que moram com a ex-espo-sa, e sonha em voltar para a casados pais, que moram em Maraca-ju. Já Baiano tem um casal de fi-lhos, que às vezes ele vê ,mas mes-mo assim não desiste das ruas.

I n d e f e s o s - “S” dorme na calçada ao lado da amiga “C”, 20 anos, mãe de um menino de 1 ano e que mora nas ruas desde 2004

Foto: Otávio Cavalcante

“Meu Deus,Moradores de rua não têm força para voltar para casa

me tira dessa

Estou sozinho.”

vida.

Foto: Otávio Cavalcante

Sem rumo

Page 10: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

10

GrandesUsuários de coletivos em CG sofrem com superlotação

Problemas

lotados Foto: Helton Verão

Paula Vitorino

É gente indo, é gente vindo,pro trabalho, da escola. Todomundo tem horário para chegar,sai de casa, pega o ônibus e seencontra. É muita gente. É aí queonde era para caber 80 pessoas,mais de 100 se espremem. Nodias de sol campo-grandense,onde a temperatura fica em mé-dia nos 30ºC, esse “aperto” setransforma num caldeirão. O ho-rário de pico, como é conhecidopopularmente, entre as 6 e 8 ho-ras e 17 e 18 horas vira o pesa-delo de quem depende do trans-porte coletivo em Campo Gran-de. São mais de 300 mil usuáriospor dia, circulando em uma das163 linhas, divididas entre 535

veículos.Mesmo rodando com toda a frota

de ônibus nos horários de mais mo-vimento, ainda assim as linhas demaior circulação que ligam centro ebairro ficam lotadas. “No horário depico é muito lotado. Precisa aumen-tar a frota de ônibus”, reclama a ven-dedora Rafaela Santos, de 19 anos,que utiliza o coletivo todos os diaspara ir trabalhar e estudar. Mas essanão é uma reclamação só da vende-dora, os usuários repetem a mesmafrase quando são questionados sobrequal é a maior deficiência do coletivoem Campo Grande. O diretor do De-partamento de Programação Operaci-onal da Agência Municipal de Trans-porte e Trânsito (Agetran), LuizCarlos Alencar Filho ressalta que exis-te um projeto de reestruturação de li-

ônibus

nhas e criação de novas, e que devem che-gar até meados do ano mais 60 veículosnovos, sendo que 11 aumentarão a frota jáexistente.

Com tanta gente querendo ocupar umlugar, é sorte quem consegue sentar emum dos poucos bancos. Os idosos, defici-entes e as grávidas não precisam contarcom a sorte, ou pelo menos não deveriam,pois em todo ônibus existem os lugaresreservados para esse público. Não precisaser bem informado para saber disso, bastaolhar o aviso de “reservado para gestan-tes, idosos e deficientes”, que fica ao ladodos primeiros bancos. Mas não basta olharo aviso, é preciso respeitar. “Não é todomundo que respeita, não. E quando oônibus esta lotado, aí que ninguém enxer-ga mesmo, ou dizem que não enxergaram”,relata a estudante Cacimilia Ferraz doAmaral, de 21 anos, que esta grávida desete meses e utiliza o coletivo todos os diaspara ir à faculdade. “Se não cedem o lugareu não peço para sentar, fico quieta”, con-ta Cacimilia. Ao contrário, dona MarcelinaFernandez, de 72 anos, não abre mão doseu direito. “Quando não tem lugar eupeço pra sentar. Eu falo que tenho proble-ma na perna e explico que preciso sentar.Não posso ficar muito tempo em pé”. Aaposentada mora no bairro Aero Ranchoe depende do ônibus para ir ao médico,fisioterapia e visitar os filhos que moramem outros bairros.

“Quando a gente descia pela frente eramelhor, porque não tinha tanto perigo detropeçar e cair e os bancos ficavam maispara os idosos mesmo”, lembra donaMarcelina sobre a mudança que houve noslugares dos bancos.

Sobre a retirada dos bancos da frente,deixando só um para deficientes visuais

com acompanhante, o diretor da Agetran,Luiz Carlos esclarece. “Essa mudança veioseguindo o modelo de várias outras cida-des. Evita o aglomerado de pessoas na fren-te, isso atrapalha o motorista e a dinâmicados passageiros que sobem em cada ponto.Os bancos reservados passaram a ficar de-pois da catraca. O fato de algumas pessoasnão respeitarem esse espaço, entra em umaquestão de conscientização, amanhã podeser você que precise desse banco”.

S u p e r l o t a ç ã oEstudante conhece bem o tal horário

de pico. A luta para conseguir entrar noônibus é diária. E quando o trajeto é lon-go, ir sentado é o desejo de todos. “É umaperto. Quando a gente vê o ônibus che-gando já amontoa tudo o povo na beiradado ponto pra tentar entrar primeiro. É umaluta. Mas agora no começo do ano, quan-do é muita gente pegando ônibus, só deconseguir entrar no aperto já é lucro, por-que a gente sabe que se perde esse, o pró-ximo só daqui a 40 minutos, aí a aula jácomeçou”, relata a estudante PriscilaRabello, de 20 anos que todos os dias vaie volta da Universidade Católica DomBosco (UCDB) disputando um lugar nocoletivo.

As linhas centrais chamadas de tron-co, passam entre 5 a 10 minutos, mas aslinhas de bairros e também que atendemas universidades mais distantes têm umnúmero menor de veículos a disposição,

aumentando o intervalo entre um ônibuse outro e o fluxo de passageiros em cadaviagem.

R i s c oNão são só os passageiros que sofrem

com o horário de pico, os motoristas tam-bém, como conta Antônio Araújo, de 46anos, “Ah, no horário de muito movimen-to o trânsito fica complicado né, muita gen-te”. Mas para seu Antônio que há noveanos dirige de segunda a sábado 7 horaspor dia um ônibus, as dificuldades parampor aí. “É tranquilo. Depois que pega ojeito vai tranquilo. Nunca bati. As vezes éestressante, mas qual trabalho não é?”. Omotorista vê com bons olhos a mudançados bancos de lugar. “Facilita as pessoaspassarem. Sem muita gente na frente ali-via”. Agora com o uso do cartão, muitaslinhas cortaram o lugar do cobrador, o mo-torista tem de cobrar a passagem dos queainda pagam com dinheiro. Antonio nãoreclama da falta do cobrador, mas ressaltaque em algumas situações faz falta. “Semo cobrador fica mais difícil de saber quan-do as pessoas já desceram pra fechar a por-ta. Principalmente quando está lotado e opessoal fica nas portas. Algumas linhas,as mais movimentadas que passam pelocentro precisam do cobrador”. Os veícu-los novos que começaram a chegar desdeo ano passado facilitam a visão dos moto-ristas, o retrovisor é mais alto, são maisadequados para enxergar.

A p e r t o - Filas nas portas dos ônibus são comuns no início da manhã e final da tarde

I n c o m o d a d o s - Campo-grandenses disputam espaço no interior dos coletivos

da Capital

Foto: Paula Vitorino

Foto: Paula Vitorino

Page 11: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

11

Magna Melo

Essa historinha parece ser bem diverti-da quando cantamos. Mas ao conhecer ahistória de vida de Maria Zumira, mora-dora do bairro Jardim Noroeste não há gra-ça. Sua casa não tem paredes convencio-nais, foi construída por um material en-contrado no lixo, telhado é de lona e obanheiro também é de material reciclável eainda fica localizado do lado de fora dobarraco. Essa não é a única história sériado bairro Noroeste, localizado na região les-te de Campo Grande.

A jovem Maria, de pele morena quei-mada do sol, casada, mãe de três filhosficou tímida com minha visita, seus olhos

Noroeste

Esquecidosno últimobairroComunidade tenta driblar as dificuldades de morar com infraestrutura mínima

A l t e r a ç ã o - Com seriedade, a moradora Maria Zumira detalha os problemas enfrentados pelos moradores do bairro Noroeste

da Cidade MorenaEra uma casa muito engraçada

não tinha teto, não tinha nada,

ninguém podia entrar nela não,

porque na casa não tinha chão,

ninguém podia dormir na rede

porque na casa não tinha parede

castanhos brilhavam cheios de esperançasao falar do bairro, um suspiro longo emmeio ao silêncio e começa a falar das difi-culdades, segundo ela, que é moradora hámais de um ano. “Tudo aqui é difícil, tematé roubo no barraco, não pode descuidarnada que os ladrões levam tudo, roubampara usar drogas, por que aqui existem mui-tos jovens viciados”.

A tristeza e angústia são traduzidas emsuas palavras ao falar do seu futuro e dosfilhos que estão sendo criados em um localque não tem a mínima estrutura para suasobrevivência. “Falta tudo no bairro, o ôni-bus demora mais de uma hora para passar,estamos esquecidos aqui, sempre esperan-do alguém que faça algo por nós”.

Andando pelo bairro num dia de calore sol quente, a poeira cobria meu tênis, pudeperceber que os moradores têm razão emsuas reclamações, as ruas esburacadas ecom muito lixo espalhado. Observei pou-cos ônibus circulando nas ruas, que têmvários terrenos baldios com bastante matoe pouca iluminação.

Cheguei a uma casa de madeira semmuro, eu estava com um pouco de receio,

bati palmas e fui recebida por um jovemchamado Irineu da Silva Santos, desconfi-ado foi bem educado comigo. O serventede pedreiro estava com um boné na cabeçae ainda assim deu para perceber os longoscabelos pretos. Irineu é morador há trêsou quatro anos no bairro, não soube res-ponder bem ao certo. Sua esposa é umajovem que ao perceber minha presença foipara dentro da casa levando no carrinho afilha do casal, um bebê de seis meses. Alimesmo na varanda foi conversando sobreo bairro que para ele é carente de benefíci-os. “Asfalto, posto de saúde, posto polici-al. Hoje sou mais caseiro, mas quando sol-teiro saía muito no bairro, principalmenteà noite. Via muita violência, não há postopolicial no bairro, às vezes passa ocamburão, mas é raro, não estamos rece-bendo ajuda nenhuma, nosso bairro estáesquecido. Vemos na TV as notícias, Cam-po Grande como candidata para sediar jo-gos da Copa do Mundo, só mostram oslugares bonitos da cidade, eu até acho queestou morando em um bairro que não fazparte dessa cidade”.

O professor de matemática Irineu

Ricardo Filho comenta sobre otempo em que trabalhou no bair-ro. Para ele, o Noroeste parece estarsempre em construção. “O tempo emque trabalhei na região vi muita coisa,situações de muita miséria e fome. Te-mos creches, igrejas, centro espírita,presídio, vários trabalhos sociais e quenão são o suficiente para atender ademanda do bairro. As casas são mui-to humildes, sem falar na falta de qua-lificação motivo de tanto desemprego,há um grande número de usuários dedrogas, faltam vagas nas escolas e ati-vidades para os jovens. O presídiotambém é motivo de muita preocupa-ção, quando acontecem fugas. No bair-ro tem muitos barzinhos motivando ouso de álcool. Sem falar nas gambiarrasna rede de água e de luz tem que to-mar cuidado para não pisar em um fiode luz soterrado, o bairro precisa deestrutura”.

Luís Fabiano Afonso dos Santos,morador há sete anos no bairro, recla-ma da falta de posto policial e da ilu-minação pública. “Saio no bairro semmedo, não dá para ficar preso em casa,preciso trabalhar, passear, os roubostêm muito, quase sempre motivadospelo uso de drogas, tem muitas bocasde fumo no bairro. O presídio não dámedo, sempre acontecem fugas, sóque os fugitivos correm para o matoque tem nas fazendas, sendo últimobairro da cidade nessa região”, diz omorador.

R i s c o - Lixo acumula em vias

Foto: Magna Melo Foto: Magna Melo

Page 12: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

12

Foto: oglobo.globo

C u i d a d o - O tema da ingestão de álcool deve ser discutido entre pais e filhos, pois às vezes é a própria família que permite o uso de bebidas

Nilda Fernandes

A única dificuldade que os me-nores de 18 anos estão encontrandopara ingerir bebidas alcoólicas é a

de abrir os lacres das latas etampas das garrafas. R.B, de 16anos, nunca encontrou barrei-ra para comprar nenhuma be-bida com álcool. “Só no shop-ping e alguns supermercadospedem documentos, mas aí nósmandamos um colega maiorcomprar para gente”, revelacom naturalidade o adolescen-te que complementa que nasconveniências e bares são os lu-gares mais fáceis para menoresadquirem o produto proibido.

A lei n°8.069/90 do Estatu-to da Criança e Adolescente, ar-tigo 81, homologada em junhode 2007, que proíbe os bares,restaurantes, supermercados,lanchonetes, casas noturnas eaté vendedores ambulantes de

venderem bebidas alcoólicas paraadolescentes não se tornou uma bar-reira para os menores.

“Gosto de tomar socialmente nosfins de semana, minha mãe não gos-ta que eu beba, mas vejo todo mun-do bebendo”, afirma L.M. de 17 anosque experimentou cerveja pela pri-meira vez aos 11 anos, numa festade final de ano com a sua família. Agarota deu entrevista entre risadas emuma roda de amigos, com idades entre16 e 17 anos. Todos afirmaram já ter

Adolescentes com menos de 18 anos raramente mostram a carteira de identidade na hora de comprar bebidas

Alerta

lei para ingerirJovens driblam

consumido bebida alcoólica mais de umavez.

A lei determina que nos estabeleci-mentos que exigem uma consumaçãomínima, as comandas devem ser diferen-ciadas por meio de cor quando o consu-mo é para os menores. Apesar das mul-

tas pesadas, muitas casas noturnas ebares desobedecem esta lei. J.M.S de 17anos, afirma que já entrou várias vezesem casas noturnas e bares e nunca se-quer pediram meus documentos.

Letícia de Oliveira da Silva, de 74anos tem dois filhos e três netos, falaque nunca autorizou seus filhos a con-sumirem bebidas alcoólicas quando mo-ravam com ela, mas seu neto mais velhonão encontra dificuldade em beber emcasa. “Falo para os meus filhos não dei-xarem o meu neto beber”, lamenta a avó.Para ela não basta existir a lei que proíbadeve existir pais que fiscalizem.

Segundo a bióloga, mestra em Psicolo-gia e professora da Universidade CatólicaDom Bosco, Helena Demetrio Gasparin, oque valem são as atitudes dos pais e não odiscurso do que é correto, pois os adoles-centes estão no período de formação depersonalidade. “A família deve aprender aouvir mais os adolescentes, para que con-sigam enfrentar os modismos.”

Uma pesquisa realizada em 2004, em27 capitais brasileiras, nas escolas pú-blicas, no total de 1815 alunos entrevis-tados pelo Cebrid/ Unifesp Centro Bra-

sileiro de Informação sobre Drogas Psi-cotrópicas e Departamento de Biopsico-logia-universidade Federal de São Pauloe coordenado pela a professora aqui noEstado mostra que 68,7% dos adolescen-tes já experimentaram álcool na vida e3% usam com freqüência (pelo menos 6vezes ao mês). “Desta pesquisa o que noschama atenção no levantamento é que10,5% já estão inseridos na dependên-cia”, afirma Gasparin.

Antônio Firmino dos Santos, donode uma conveniência há cinco anos, nobairro Maria Aparecida Pedrossian, dizque não é fácil lidar com esta situação,mas quando chega alguém que ele des-confia que seja menor de idade solicitaa documentaçãos, pois segundo ele temfilhos e não gostaria que os filhos fizes-sem isso. “Eu e meus filhos trabalhamosaqui e não quero ser multado e prefiroobedecer a lei.” No entanto, conforme ofuncionário da conveniência Eduardodos Santos filho a situação é complica-da pois os próprios pais mandam os fi-lhos buscarem bebidas. “Não basta ter alei os pais devem também assumir estaresponsabilidade.”

álcool

Page 13: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

13

Juventude transforma o Arguilé, fumo prejudicial à saúde, em moda

Fumaça

TabagismodisfarçadoTatyane Santinoni

Doces sabores, aromas diversos e emformas diferentes são portas de entradapara o tabagismo e, na maioria das ve-zes, para o vício em outros tipos de fu-mos. Cigarros aromatizados e o Arguile(fumo de origem indiana e que ganhoupopularidade no Oriente Médio) sãoexemplos concretos do mascaramentodas substâncias nocivas ao organismo.É o que afirma uma pesquisa feita pelaUniversidade de Medicina e Odontolo-gia de Nova Jersey (EUA) com 1.688fumantes que buscavam tratamento paraparar de fumar. O índice de sucessoentre os brancos, que fumavam o cigar-ro aromatizado com mentol, foi de 43%;contra 50% dos fumantes de cigarrosconvencionais. Latinos e negros, emespecial, tiveram mais dificuldade (23%e 30%, respectivamente), apenas apósseis meses de tratamento a proporçãose manteve semelhante. Para os pesqui-sadores, a explicação pode estar narefrescância, fazendo com que os aro-matizados camuflem o gosto desagradá-vel, propiciando uma tragada mais pro-funda e, consequentemente, mais ina-lação de substâncias viciadoras.

Existe entre as rodas de tereré umnovo companheiro, geralmente entre osjovens, o Arguile. Este que, segundo apneumologista Eliana Setti Albuquer-que, possui as mesmas substâncias no-civas à saúde que os cigarros têm. “Nãoquer dizer que o Arguile vicie mais, naverdade não existe cigarro seguro, o ide-al é não fumar. Todos os tabacos possu-em alcatrão e nicotina, que são as prin-cipais substâncias dentre outras cente-nas que fazem mal ao organismo, masquanto mais industrial, maior a quanti-dade de substâncias”, acrescenta. Nacultura do Oriente Médio, o Arguilesimboliza boas-vindas, hospitalidade,serenidade e harmonia, é a forma dereunir os amigos e a família para umpapo descontraído. E essas têm sido asmesmas finalidades aqui no Brasil, prin-cipalmente entre os jovens.

O Arguile virou “febre”, e porquenão dizer, “moda” entre os brasileiros,inclusive os campo-grandenses, assimcomo a publicitária Larissa Colla de 21anos. “Fumo Arguile há seis anos, jápassou a ser um hábito na minha vida,nem considero como vício. Hoje chegoa fumar três sessões de uma hora por

em aroma

dia, às vezes sozinha, às vezes commeus amigos”. Larissa teve o primeirocontato com o fumo na cidade de Pon-ta Porã, logo aos dez anos. Mas aos 15começou a usá-lo, de fato, e comprouseu primeiro Arguile aos 17 anos, pou-co antes de se mudar para a Capital,aonde veio estudar.

Já o comerciante de Arguile, liba-nês Jamil, de 64 anos, diz fumar há 40anos e vê este fumo como uma formade desabafo, prazer e distração. “Não écomo o cigarro, que é para toda hora.O Arguile é bem mais que isso, ele unea família e não é para se usar todos osdias, eu mesmo uso nos finais de se-mana ou em ocasiões especiais, e meussabores preferidos são duas maçãs ehortelã”, conta Jamil que preferiu nãorevelar o sobrenome. Além disso, elefuma cigarro também, mas diz ter o con-trole sobre ele, fuma quando quer equando tem tempo. Normalmente osmaiores consumidores de Arguile daloja de produtos árabes de Jamil, quefica no centro de Campo Grande, sãorapazes de 20 a 30 anos de idade.

Para dar ênfase aos malefícios queeste tipo de fumo e todos os outros,inclusive os cigarros aromatizados quese assemelham ao Arguile pela diver-sidade de sabores e aromas, apneumologista Eliana Setti ressalta emseus 31 anos de profissão que as con-seqüências acontecem, na maioria doscasos, de 25 a 30 anos de tabagismo.As principais doenças são hipertensão

arterial, infar-to agudo dom i o c á r d i o ,a c i d e n t evascular cere-bral (o chama-do “AVC” ouderrame), fe-chamento dosb r ô n q u i o s ,bronquite crô-nica, enfisemap u l m o n a r ,t r o m b o s evascular, dortorácica (dorcardíaca), im-potência sexu-al, complicações na gravidez, além detodos os tipos de câncer (graças ao Al-catrão). Só para ressaltar, a substânciaque causa dependência é a Nicotina,que demora apenas oito segundos parachegar ao Sistema Nervoso Central. “Opior de tudo é que a Nicotina é umadroga lícita e pode ser comprada emqualquer lugar”, finaliza Eliana.

Em relação aos cigarros aromatiza-dos, o comerciante de tabacos há 15anos, Jian Carlos, afirma que a vendadeste tipo de fumo é bem menor que ados convencionais, por serem mais ca-ros. E normalmente, as pessoas com-pram quando é novidade, porque pos-suem sabores e aromas diversos eusam para experimentar. “A pessoa quefuma há muito tempo não gosta dearomatizantes, por serem mais fracos.E ainda não há divulgação em massadesse tipo de produto, então a vendado tabaco aromatizado é bem peque-na”, acrescenta Jian que comercializaeste fumo há quatro anos. Outra alter-nativa para alimentar o vício pode sero cigarro de palha, um pouco maisnatural que os convencionais, mas quepossui as mesmas substâncias nocivasde qualquer outro tabaco. É o caso dosenhor de 55 anos, com pseudônimode Onias, que após onze anos sem fu-mar, voltou há sete meses a usar o ci-garro de palha, que funciona como uma“válvula de escape”, uma distração. “Jáfui dependente por 20 anos do taba-co, com idas e vindas do vício da pa-lha, charutos e cachimbos, mas con-fesso que toda essa preocupação finan-ceira e a crise mundial me abalaramde forma a voltar para o vício”. Mas

Onias dá a dica para quemquer parar de fumar, “nataçãoé o melhor esporte para esque-cer e deixar o cigarro, princi-palmente o anaeróbico, que éa categoria sem oxigênio, issomexe com os pulmões e melhora odesempenho do fôlego”, conclui.

A popularidade do Arguile(também chamado de Narguilé,Nakla, Hookah ou Shisha) e o esti-lo de vida por trás dele têm cresci-do muito entre os países nos anosrecentes, sendo considerado o ta-baco aromatizado mais consumido,principalmente devido à naturezasocial que o fumo representa. NoOcidente, onde tudo se tornou tãorápido e as pessoas raramente têmtempo de socializar com a famíliaou com os amigos, a cultura doArguile é a saída que os adeptosencontram para integrar-se no am-biente social. E hoje, os grupos defumantes de Arguile podem ser en-contrados na maioria das grandescidades das Américas e da Euro-pa. Considerando isso, estima-seque, no Brasil, a cada ano, 200 milpessoas (23 pessoas por hora) mor-rem precocemente devido às doen-ças causadas pelo tabagismo, nú-mero que não para de aumentar.Segundo dados da OrganizaçãoMundial da Saúde, mais de 300pessoas morrem por dia no Brasilem decorrência do hábito de fu-mar. E ela prevê que, se nada forfeito, em 2020 o vício do cigarrolevará mais de 10 milhões de pes-soas à morte por ano.

M é d i c a - “ Nicotina é droga lícita”

D i á r i o - Larissa Colla, 21 anos, fuma três sessões de Árguile

Foto: Tatyane Santinoni

Foto: Tatyane Santinoni

Page 14: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

14

Foto: Tatiana GimenesTatiana Gimenes

Não há dúvidas de que brin-car é fundamental para o desen-

volvimento das crianças. Atra-vés das brincadeiras, elas am-pliam suas aptidões físicas epsíquicas, além de aprenderema se socializar com as pessoasa sua volta.

Em Campo Grande, existemdiversos locais conhecidoscomo brinquedotecas, que cui-dam das crianças enquanto ospais realizam as tarefas do dia-a-dia.

Para a pedagoga JoanaMortari de Oliveira, de 42 anos,especialista em EducaçãoLúdica, a brinquedoteca é ummeio onde a criança vai se ex-pressar, são livres para brincar,e também um ponto de encon-tro, pois muitas crianças esco-lhem ir para o local e encontra-

rem mais companhias.Proprietária de uma brinque-

doteca da Capital, Joana conta quemuitas crianças são tímidas, têmuma rotina rígida diante do mun-do moderno, porém cada umacom expressão bastante natural,que expõem através dos brinque-dos como baú de histórias, casana árvore, banho de mangueira,dentre outros.

Por outro lado, muitos pais pre-cisam deixar as crianças nesses lo-cais para cumprirem suas ativida-des pessoais, caminhadas, com-pras, cinema. Ela acrescenta ain-da que brincar é muito importan-te para as crianças. “O brincar paraa criança é tudo. Elas experimen-tam e despertam a curiosidade. Ea função da brinquedoteca é res-peitar a vontade da criança”. Joanarevela que com o brinquedo maissimples as crianças passam horasbrincando, criando, “colocam aimaginação para funcionar”, com-pletou.

Responsável por outro localque também cuida de crianças,Aparecida Regina Araújo da Sil-va, de 28 anos, diz que a funçãodo trabalho que oferece, desen-volvido também junto a outrosmonitores, é a de proporcionar

Brinquedoteca:

Lúdico

Estabelecimentos se multiplicam na Capital, mas é preciso ter cuidado para não atrapalhar interação da família

soluçãopara pais atarefados

um ambiente de lazer para as crian-ças, enquanto os pais desenvolvemsuas atividades. “A maioria das crian-ças vem porque o pai precisa, algu-mas vem porque querem, todas aca-bam gostando”. Dentre os brinquedosdisponibilizados encontramos osgames, mesa de disco, carrinhos e ca-sinhas. Aparecida diz que muitos paischegam inseguros, por outro lado, osque já conhecem deixam seus filhossem preocupação. “Os pais deixammuitas crianças que são sozinhas paraterem contato com outras crianças,para aprenderem a dividir os brinque-dos”, destacou.

Sempre que precisa, a cantora Danie-le Quadros, 29 anos, cantora, deixa o ca-sal de filhos no local. “Todas as vezesque venho deixo eles aqui”, ressaltou.Seu filho Vinny Quadros Fernandes, de8 anos, diz que gosta de brincar lá e tema resposta na ponta da língua sobre obrinquedo preferido: “vídeo-game”.

Já a dona de casa Ana Claudia Auri-ema, de 34 anos, do lar, tem três filhos edeixa o do meio, Cléber Auriema, comtrês anos, por conta das opções que eleencontra. “Ele escolhe por causa dosbrinquedos. E eu fico tranquila, porquequalquer coisa eles ligam pra gente”, co-

mentou.

C o m p o r t a m e n t oA iniciativa de deixar os filhos

em uma brinquedoteca está relacionadaa vários fatores. Para a psicóloga EleniseDamasceno, de 38 anos, as crianças per-cebem outras crianças e se socializamentre si. “O lado bom é que elas criamindependência, pois os pais não estãopresentes, ficam entretidas, são cuida-das por pessoas especializadas, fazemcoisas que nunca fizeram em casa.” Po-rém, diz que os pais não podem se aco-modar a ponto de deixarem esses lo-cais desenvolverem o papel de umababá.

“Há o lado considerado ruim da si-tuação. Muitas vezes existe uma razãomuito fútil para deixar as crianças emuma brinquedoteca, enquanto poderi-am estar se divertindo junto com essascrianças, caminhando, indo no cinema”,revelou. Elenise observa que vai muitoda visão dos pais confiar em pessoasque não conhecem e que isso não podese tornar uma obrigação para os filhos.“Precisa também pesar as medidas, equi-librar as atividades da criança. Dar umprêmio é diferente de tornar a ativida-de como uma conveniência. A criança

precisa ter o seu lazer como uma coisaboa, presenteável”, explicou.

E d u c a ç ã oO brincar tem grande importância no

processo educacional da criança. Para apedagoga Célia Regina Miglioli de Men-donça, de 54 anos, pós-graduada emEducação Infantil e Séries Iniciais, a in-fância é um período de intensas ativi-dades de movimentos corporais, de fan-tasias e imaginação. “Nas brincadeirasas crianças desenvolvem a personali-dade, adquirirem competências,oportunizam possibilidades reais parainterpretar e compreender o mundo,construir relações sociais, produzir no-vos significados, saberes e práticas”,analisou.

A pedagoga fala que é indispensá-vel a presença de um educador que te-nha um bom conhecimento teórico eprático no acompanhamento de qual-quer criança, que conheça o universoinfantil, possibilitando a elas a sociali-zação, a interação e a aprendizagem sig-nificativa através do brincar. “Cada vezmais presenciamos nossas crianças se-rem estimuladas ao conhecimento inte-lectual e tecnológico, perdendo a inti-midade com o lúdico”, finalizou.

S e r v i ç o - Crianças se divertem e interagem enquanto pais fazem compras, realizam atividades de lazer ou profissionais

Page 15: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

15

na

Computadores

INTERNET

Riscos de navegar na rede

CRIME

Juliana Gonçalves

O acesso à informação tem se tornadomais fácil, as crianças já começam a tercontato com a tecnologia desde cedo. Noentanto, o que deveria ser uma ferramentapara os estudos e formação tem na verda-de feito com que muitos jovens mudemsuas rotinas e passem boa parte do tempona frente de computadores. Esse hábitotornou uma preocupação para os pais etambém aumentou a incidência dos cha-mados “crimes de internet”.

Hoje o Brasil conta com o sistemabancário mais seguro do mundo, no en-tanto a população ainda sofre com asfraudes bancárias, mas outro tipo decrime virtual tem aumentado significa-tivamente no país, este envolvendo ca-lúnia, difamação e injúria, o que se tor-nou muito comum principalmente atra-vés dos sites de relacionamentos comoo Orkut, onde o Brasil detém mais de50% das contas do mundo e está em 1ºlugar em acesso.

Para se cadastrar nos sites de relacio-namentos é necessário ter mais de 18 anospara responder por seus atos. Mas ter umaconta nesses sites se tornou comum entreos adolescentes o que é considerado umcrime de falsidade ideológica e muitos paisse quer têm consciência dessa situação eda ferramenta perigosa que seus filhos têmnas mãos caso não usem de forma ade-quada.

O investigador da Polícia Civil MichelWeiler ressalta que quem usa a internettem que tomar certos cuidados e a pressado dia-a-dia acaba deixando inativas fer-

ramentas de seguranças que algunssites disponibilizam. “Não se deveproibir o jovem de usar o computador,mas é interessante os pais colocarem oequipamento em um lugar comum dacasa e ter curiosidade sobre o que osfilhos acessam”, disse.

De acordo com Michel, uma dicaimportante é que os pais deixem seusfilhos navegarem principalmente parafins de estudos, mas para controlar asações dos filhos que normalmente pas-sam horas na frente da tela é interes-sante se tornar um amigo online comouma desculpa para vir ter contato comos amigos e as fotos postadas e comoquem não quer nada demonstrar “cu-

riosidade” sobre os sites acessados epara que eles servem.

C r i m eUm pai que não pode se identificar,

para não atrapalhar as investigações dapolícia no crime de difamação de sua fi-lha de 16 anos em um site de relaciona-mentos, conta que o filho mais velho,que mora em Portugal, foi o primeiro aver a página da irmã no site e deu o aler-ta para a família. Ele conta que o perfilestava totalmente alterado como se elaprópria estivesse se difamando o que le-vou a crer na clonagem da senha e loginde acesso.

A difamação na internet fez com queeste pai denunciasse o crime, para quefosse feito o pedido do endereço de IP,que na verdade é o código que cada com-putador tem, sendo possível descobriratravés das mensagens enviadas ondeeste computador esta localizado. Comopróximo passo a polícia entra com pedi-do de quebra do sigilo telefônico cons-tatando as mensagens enviadas pelo com-putador.

“Não é fácil, eu nem sabia que elapodia ter Orkut e nem que isso podiaacontecer, ela fez sem permissão, masagora fica a lição”, ressalta o pai.

A psicóloga e psicopedagoga Berna-dete Freire Campos, acredita que a deso-cupação do jovem é o que o leva a ficarhoras na frente do computador não sen-do capazes de gastar o tempo em outras

I n v a s ã o - Jovens que participam de redes de relacionamentos, como Orkut, estão expostos a constragimentos de hakers

atividades.“O jovem tem acesso à vida de

outras pessoas e a fotos delas e sa-bendo dos acontecimentos come-çam as fofocas que às vezes fogemdo controle. Mas os crimes dainternet são como os crimes nor-mais só mudam o meio”, afirmaBernadete.

C u i d a d o sSegundo a psicóloga, os pais têm

que ficar alerta por que a internetvicia e a partir do momento que atra-palha a rotina do dia-a-dia do jo-vem, e este não se alimenta mais noshorários certos, não dorme mais noshorários que dormia e começa a con-versar mais com as pessoas e fami-liares pela internet ele pode já estarviciado o que pode acarretar distúr-bios nervosos, visão cansada, trans-torno bipolar e até depressão.

Bernadete explica que as pesso-as com tendência a doenças psiqui-átricas em geral são mais propíciasa ficarem viciadas em computado-res e que o certo é utilizar o equipa-mento no máximo três horas por dia,caso ele seja um meio de trabalho acada duas horas fazer uma pequenapausa.

Para mais informações sobre oassunto ou denúncias sobre crimesde internet o número de telefone é3318-7973.C o n t r o l e - Computadores dos jovens têm que ficar em ambientes comuns da família

Foto: Juliana Gonçalves

Foto: Juliana Gonçalves

Page 16: Sofrimento invisível nas ruas · 2017-04-03 · falta de perspectiva e o abandono de si mesmo a própria sorte. As histórias se confundem. Comunicativo, ... Baiano, de 47 anos,

CA

MP

O G

RA

ND

E -

AG

OS

TO

DE

200

9E

M F

OC

OREPORTAGEM

16

Ederson Almeida

Há alguns anos para se teracesso a atividades culturaiscomo dança, teatro, música eartes plásticas, era necessáriopreencher uma série de requi-sitos, entre eles poder pagarpara se ter acesso a algo estri-tamente necessário ao desen-volvimento do indivíduo, acultura. No entanto, de algunsanos pra cá esse paradigma temsido quebrado, através de pro-jetos e iniciativas que propor-cionam à população menos fa-vorecida ter acesso às mais di-versas áreas que a cultura pos-sa abranger.

A democratização da arte sepreocupa em fazer da culturaum importante instrumentopara o desenvolver sócio-cul-tural da população e assim con-tribuir para formação de indi-

A democratizaçãoda cultura

Foto: Ederson Almeida

víduos mais sensíveis e atentos aosseus deveres inerentes como cida-dãos.

Criado há quatro anos, pela Prefei-tura Municipal de Campo Grande porintermédio da Fundação Municipal deCultura (Fundac), o Projeto Arte SimViolência Não, permite à população demais de 15 bairros da Capital e cercade 600 crianças, o acesso a práticas cul-turais como dança, teatro e capoeira.

Um exemplo claro de como proje-tos como estes podem interferir de ma-neira positiva na vida de muitos jo-vens pode ser visto através da experi-ência vivida por Camila Nascimentoque entrou no projeto, desenvolvidono Aero Rancho, aos seis anos e, hoje,aos doze, relata que as aulas forammuito gratificantes. “No início eu nãogostava, minha mãe foi quem insistiu.Eu vim ver como era e acabei gostan-do. Antes eu ficava na rua sem ter oque fazer, agora venho para cá, já fizvárias apresentações. Isso tudo me dei-

xa muito feliz”, afirma a menina.A professora Mila Fonseca, traba-

lha com dança há mais de 20 anos esua paixão pela arte foi o fator princi-pal para participar da execução do pro-jeto. “Além da paixão, houve tambéma vontade de se estar contribuindopara a inserção de crianças e adoles-centes em uma realidade bem diferen-te da qual elas estão sujeitas nas peri-ferias de Campo Grande”, diz Mila.

Já no âmbito teatral a populaçãoconta com a Casa de Ensaio que é umcentro cultural e artístico que desen-volve um trabalho há 13 anos, acredi-tando que a arte é capaz de transfor-mar e sensibilizar a todos. O projeto édesenvolvido com crianças e adoles-centes que de alguma maneira foramexcluídos de um contato mais íntimocom a cultura e a cidadania. Sendo emsua maioria de escolas públicas e dasregiões periféricas de Campo Grande,lugares pouco assistidos quanto a es-ses aspectos.

MúsicaCom o objetivo desenvolver um tra-

balho que pudesse levar música de qua-lidade a jovens da Capital que a Funda-ção Barbosa Rodrigues implantou no anode 2005 a Orquestra Jovem. Um espaçoque atende crianças da rede pública deensino promovendo a musicalização dosmesmos. As aulas ministradas buscamir além da teoria musical, e são comple-mentadas com conteúdos de cidadania,ficando a prática do projeto para ser re-alizada com instrumentos de corda comoviolino, viola sinfônica e violoncelo.

“O caminho para democratizar oacesso à cultura ainda é longo, porém jápodemos ver alguns resultados positi-vos, fato que faz com que acreditemosem um futuro próximo aproximar cadavez mais as pessoas de algo que não épalpável, mas que ainda sim se faz ne-cessário para o desenvolver doindividuo”, acredita o professor do pro-jeto Arte Sim Violência Não MarcosMatos.

Projetos culturais chegam às escolas públicas

Educação