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STAT CRUX STAT CRUX “Permanece a Cruz enquanto o mundo gira” São Bruno Fraternidade São Pio X Priorado Imaculado Coração de Maria Santa Maria — RS Julho e Agosto de 2016 R$ 5,00 EDITORIAL Estimados leitores, nesta edição do nosso boletim continuamos a exposição dos Manda- mentos da Lei de Deus, segundo o texto de Dom Tihamer Toth. A respeito do Quinto mandamento consideraremos o homicídio em uma de suas formas particulares, o aborto. Este crime, sancionado pelas leis iníquas e aprovado pela insanida- de do homem moderno, se alastrou de tal maneira que, ao olhar nossas ruas pela manhã ou pela tarde, dificilmente vemos pais e mães a passear com as crianças, e sim pessoas caminhando junto de seus “filhos”, três ou quatro. E quem são estes “filhos”? São os cachorros adotados pelas famílias como filhos! O que esta “adoção” tem a ver com o homicídio? Tudo, pois as crianças que são evitadas ou que nascem são trocadas, substituídas por um animal. As que não nascem, por serem evitadas de maneira contrária à Lei Natural, se concebidas, são assassinadas pelo crime do aborto! Poderiam enumerar-se muitas causas destas desordens, mas elas se resumem na insani- dade consciente e rebelde do homem moderno que, sem Deus, cava a sua própria sepul- tura. Para não deixar-mo-nos levar por esta enfermidade que contaminou o ar e ameaça arrui- nar toda a obra de Deus, temos em nosso boletim um antídoto eficaz contra seus males.

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STAT CRUXSTAT CRUX “Permanece a Cruz enquanto o mundo gira”

São Bruno

Fraternidade São Pio X Priorado Imaculado Coração de Maria

Santa Maria — RS

Julho e Agosto de 2016 R$ 5,00

EDITORIAL

Estimados leitores, nesta edição do nosso boletim continuamos a exposição dos Manda-mentos da Lei de Deus, segundo o texto de Dom Tihamer Toth. A respeito do Quinto mandamento consideraremos o homicídio em uma de suas formas particulares, o aborto. Este crime, sancionado pelas leis iníquas e aprovado pela insanida-de do homem moderno, se alastrou de tal maneira que, ao olhar nossas ruas pela manhã ou pela tarde, dificilmente vemos pais e mães a passear com as crianças, e sim pessoas caminhando junto de seus “filhos”, três ou quatro. E quem são estes “filhos”? São os cachorros adotados pelas famílias como filhos! O que esta “adoção” tem a ver com o homicídio? Tudo, pois as crianças que são evitadas ou que nascem são trocadas, substituídas por um animal. As que não nascem, por serem evitadas de maneira contrária à Lei Natural, se concebidas, são assassinadas pelo crime do aborto! Poderiam enumerar-se muitas causas destas desordens, mas elas se resumem na insani-dade consciente e rebelde do homem moderno que, sem Deus, cava a sua própria sepul-tura. Para não deixar-mo-nos levar por esta enfermidade que contaminou o ar e ameaça arrui-

nar toda a obra de Deus, temos em nosso boletim um antídoto eficaz contra seus males.

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N este capítulo chegamos a um tema excitante. Ao estudar o quinto Man-damento depara-se-nos também esse espectro. Porque o quinto Manda-

mento não só defende a vida do homem já nascido, mas defende a vida desde o momento em que a alma, saída das mãos de Deus, vem à terra; portanto, defende igual-mente a vida dos botões humanos ainda não desabrochados. E quando esse pecado sangrento, quando essa «matança branca» que destrói implacávelmente os rebentos huma-nos, quando este crime de Herodes devasta o mundo, o sacerdote não pode calar-se. Vamos enfrentar o espectro neste capítulo e no seguinte.

Neste vamos ver: I - A triste situação atual. II - As conseqüências que acarreta.

I Qual é a situação

A) Publicam-se estatísticas referentes à guerra mundial e lemos com dor que na mesma

foram sacrificados dez milhões de homens. Esmaga-nos este número. E contudo, que significa isto, se o comparamos com o número das vítimas inocentes da «morte branca», número que ascende a milhares e milhares de milhões? Crianças a quem Deus destinava para encher a terra, mas a quem aquele pecado nefasto suprimiu talvez antes de iniciarem o seu caminho na vida, com o qual foi profa-nado o santuário do matrimônio e pisado o sexto Mandamento; ou então permitiu-lhes encetar esse caminho, mas antes de chegarem, assassinou-os com fatal infração do quinto Mandamento!

Em virtude da grande abundância de escolas, patronatos, leis em defesa da infância, bibli-otecas pedagógicas, alguém denominou com orgulho o nosso século, «o século da criança». O «século da criança», a época em que silenciosa e constantemente se desenrola contra ela uma guer-ra sangrenta? O «século da criança», uma época em que vivemos de maneira que há mais féretros do que berços? O «século da criança», a época em que o cemitério não começa nos confins da cida-de, mas sim dentro do lar? O «século da criança», a época em que a mulher ouve com prazer a buzina do automóvel ou o ladrar de um cãozinho e não tem «nervos que resistam» aos vajidos do pequenino? De que monstruosidade falamos? Não me atrevo a dar uma estatística pormenorizada. Todos sabemos, porém, quão assombroso é o número de mães que morrem apenas por não ter querido que o seu filho chegasse a viver, quando já havia empreendido o caminho da existência; mães que se submeteram ao crime assassino de Herodes. Não ficais estarrecidos ao pensar na

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Quinto Mandamento

“Não matarás” Dom Tiamer Toth

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morte dessas mães? Porque não se trata apenas da morte das pobres mulheres, vítimas de tal cri-me; a verdade é que o desaparecimento das mães jovens impede o nascimento de milhares e milhares de pessoas.

Amigo leitor: quem me dera fazer-te sentir todo o horror deste pecado. Dize-me: tens em casa um filho pequenino? Um rapazito de seis anos, tagarela, brincalhão? Uma pequenita de cin-co anos, viva, travessa? Faze-os sentar, tranquilamente, descansadamente, nos teus joelhos... E agora contempla bem os seus olhos angelicais. Que sublime formosura, que suavidade celeste irradiam! Vê com que dulcíssimo apego te querem! E agora vá! Pega na faca da cozinha... e corta-lhes a cabeça! Tu, seu pai ou sua mãe! Sim, corta a cabeça a essa adorável pequenino... tira-lhe a vida, mata-o, assassina-o!

- Mas que está a dizer? É que há centenares de pessoas que passeiam pelas ruas asfaltadas da cidade – ai! e tam-

bém nas ruas cheias de lama das aldeias é até pelos casais – pessoas em cujas almas habita o pecado de Herodes, pecado que causa indizível travo, que rói, que queima, que clama ao Céu. E os diários não dizem nada a esse respeito! E os homens não se escandalizam!

E a sociedade mais distinta aprova sem rebuço; mães avançadas em idade ensinam-no às filhas que estão para casar... e assim nos encontramos perante a bancarrota do pensamento cristão!

B) Porque o horror às crianças representa a bancarrota do Cristianismo e o triunfo do ideal pagão. É evidente a diferença que existe entre o sentir cristão e o sentir pagão a respeito de crian-

ças. Reparamos nos monumentos clássicos de Roma ou da Grécia: são raras as estátuas de cri-

anças. É que o paganismo não conhecia o valor da criança e da mãe. Pelo contrário, o Cristianismo saiu do berço de um menino e a sua imagem predileta é a da

Virgem Mãe tendo nos braços o Menino Jesus. O gentilismo sentia desprezo pela criança; e toda a época, seja ela qual for, que não a aprecia, deve ser considerada pagã.

Mesmo aqueles que repelem a criança têm o sentimento paternal semeado por Deus no mais íntimo da Natureza e este sentimento manifesta-se, por vezes, exuberante; simplesmente, faltando-lhe o objetivo, é desperdiçado em carícias a cães e gatos. E não será isto uma caricatura pagã do pensamento cristão?

Entendamo-nos. Não quero dizer que seja ilícito ter cão ou gato e tratá-los com esmero. O muro de defesa erguido pelo quinto Mandamento, guarda, em certo sentido, os próprios animais, pois não se deve causar-lhes dano ou torturá-los sem motivo. Isso é verdade.

Mas há coisas muito difíceis de compreender. Eu não percebo como pode haver homens inteligentes, cultos, que passam indiferentes junto dos seus semelhantes, vítimas da fome e da miséria e sentem, em compensação, grande pena dum gato que mia por se ter ferido na patita... Não compreendo que, enquanto a miséria vai causando inúmeras vítimas entre os homens, haja pessoas que passeiem de automóvel os seus cãezinhos de regaço, festejam com grandes acepipes o dia de anos de um gato e, segundo rezam as participações que enviam, «se entristecem até à morte» quando o «seu único e inolvidável cãozinho» teve por bem abandonar este mundo de sombras. Não será isto de um paganismo arrepiante?

Em Berlim, o número de crianças de menos de meio-anos é de 200.000; mas na mesma cidade o número de cães sobre a 240.000. Há mais 40.000 cães do que meninos! Os cãezinhos expul-sam os meninos do regaço das mães; é aos cães que as mulheres beijam, são os cães que se deitam em berços. Os cães que ocupam o segundo assento das motocicletas. Não será isto de um paganis-mo irritante?

Em Paris, há um Instituto especial para os cães – Institut de Beauté pour lês Chiens – onde trabalham muitos médicos, cabeleireiros e massagistas. Na Ile dês Ravageurs, em Paris, há um

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magnífico cemitério de cães, com avenidas, jazigos de mármore com artísticos baixos-relevos e até a fotografia do finado em muitos desses monumentos. É coisa banal, quotidiana, ver parar em frente do cemitério os automóveis das damas parisienses sem filhos e saírem deles as senhoras cobertas de luto, a colocar, na sepultura dos seus «inolvidáveis» favoritos, pastéis frescos, acaba-dos de sair do forno.

Não seriamos capazes de acreditar em tal disparate se não tivesse dado que fazer aos tri-bunais de Paris a denúncia de uma dama riquíssima.

Esta senhora levava todos os dias excelentes carnes frias para a sepultura do seu cãozinho, supondo, por certo que ele se erguia de noite, com sutis asas de anjo, a comer o manjar. Mas em certa ocasião esqueceu-se do guarda-chuva ao pé do jazigo e voltou por ele. Que horrível desco-berta! O guarda do cemitério, junto da sepultura, regalava-se com as carnes! A senhora processou o guarda... Que é isto senão um paganismo sem exemplo?

E não é paganismo o que se vê nos diários e nas portas das casas: «Procura-se, para tal ou tal lugar, casal sem filhos?» Sinto apertar-se-me o coração de cada vez que leio tais anúncios. Se pudesse publicaria um decreto a proibi-los.

E não será paganismo o fato de o dono de um prédio pôr como condição a quem pretende alugar um andar «que não haja cão, nem gato, nem filhos... mas principalmente filhos?»

Que não haja filhos! Mas família e filho, mãe e filho não serão conceitos que se completam? Família sem filhos – jardim sem flores. Família sem filhos – sino sem voz. Família sem filhos – ave sem cantos. Família sem filhos – árvore sem frutos. Família sem filhos – triunfo do paganismo. Não quero citar mais pormenores. Já está bem triste o quadro. Na segunda parte deste

capítulo quero mostrar as tristes conseqüências deste pecado.

II Quais são as conseqüências

O medo ao filho é tão extraordinário que bem poderíamos falar de «greve de mães». Que terrível perigo para a nação! Até numéricamente é uma praga maior que a guerra. Quase metade das famílias não cumprem o

seu dever de fortalecer a nação. Como? Não falo já das famílias sem filhos. Limito-me às que têm um ou dois. Onde há apenas um

filho, se morre o pai e a mãe, resulta um déficit. As famílias com dois filhos também supõem usu-ra para com a nação: limitam-se a manter a situação anterior: morrem dois velhos e ficam dois novos no seu lugar. Não há lucro para o país.

Por este caminho, onde vai parar a nação? Sem inimigo, sem trincheiras, sem derrotas de guerra, e perde-se. Escutemos a voz admo-estadora da História: Perecem as nações onde há mais féretros do que berços! Não há, porém, que fiar só na perda numérica. Pensemos quantos homens de gênio, quantos inventores, sábios, santos, perde a nação com as crianças que os pais não deixaram nascer!

Não são meras hipóteses. É o que prova a experiência. Esta diz-nos que muitíssimos heróis da ciência e da vida religiosa, os maiores, por certo, saíram de uma família numerosa. Causa aflição pensar quantos sábios, quantos beneméritos da sociedade, quantos santos se perderão pelo medo

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que os casais têm aos filhos! Pois, se em tempos idos os pais também não tivessem querido filhos não teriam vivido – para apenas citar alguns, poucos – nem Santa Catarina de Sena, cujos pais tiveram vinte e cinco filhos; nem São Clemente Hofbauer, o grande apóstolo de Viena, cujos pais tive-ram doze; nem Santa Teresa do Menino Jesus, cujos pais tiveram nove. Santo Inácio de Loyola tinha dez irmãos; Santo Tomás de Aquino, cinco; São Bernardo, seis. E para falar também de homens notáveis na vida social, Franenhofer, o físico, tinha dez irmãos; Lessing, o grande poeta, treze; Haendel, músico, dez; Haydn, outro com-positor de fama universal, doze; Benjamin Franklin, o inventor do pára-raios, dezesse-te; Dürero, o pintor, dezessete.

Deste modo podemos calcular quan-to a nação perde em conseqüência dos crimes que se cometem contra as crianças. Perde muitos homens ilustres e perde, seguramente, a sua força vital. A população diminui e decresce o vigor. Ora, por muito forte que seja o roble secular, bem sabemos a sorte que espera a árvore, cujas raí-zes sejam atacadas pelos gusanos.

Mas tal pecado, além de ser um flagelo para a nação, é também uma condenação para o indivíduo. É

prejudicial para o filho único, embora lhe poupassem a vida, e até, gravemente, para os próprios pais.

I. – O pecado em questão é prejudicial ao filho único, por quem, segundo afirmam os pais, se fazem todos os sacrifícios, para «lhe dar uma educação esmerada» para que a «fortuna se não divida»...

É um fato interessante: ainda que pareça que os pais podem formar melhor e educar esme-radamente o filho único, na realidade os membros mais valiosos da nação, os grandes homens e as mulheres notáveis não costumam sair da família de um único filho, mas, regularmente de famíli-as numerosas.

É muito interessante. Qual poderá ser a causa de que nas famílias numerosas, onde os pais têm cada vez menos tempo para cuidar dos filhos, estes são mais educados, mais respeitosos, mais obedientes e mais úteis que nas famílias de um filho ou dois?

Qual é a causa? Que ao filho único os pais não educam mas deseducam; animam-no, amolecem-no, fazem dele um boneco. Pobrezinho! Quisera ser criança e não pôde: não tem companheiros, camaradas de brincadeira a quem contar um segredo, metidos a um canto com as suas alegrias e pesares; não tem companheiros com quem possa zangar-se e reconciliar-se outra vez; não tem um irmão que seria o seu melhor educador.

Sim; os irmãos que brincam, guerreiam, discutem, choram, juntos, educam-se, moldam-se, pulem-se mutuamente, pela concórdia, renúncia e amor, do mesmo modo que os seixos, impeli-dos pela corrente, se roçam no leito da ribeira e se pulem e moldam.

De aí serem melhores os filhos nas famílias numerosas. São melhores, porque, enquanto vão crescendo juntos, têm de ter atenções mútuas, exercitar o espírito de perdão; conhecem que o mundo não gira só para eles e que por amor dos outros hão de renunciar a muitas coisas.

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Pelo contrário, onde há um filho apenas, qual é a sua sorte? Não tem mais irmãozitos, de modo que se vê reduzido à companhia dos adultos. Nesse ambiente amadurece, antes de tempo, cedo demais; torna-se intrometido, é uma «criança velha». É frio, concentrado; dificilmente se entusiasma com o estudo e, ao voltar para casa, não tem com quem falar. Esta solidão repercute-se-lhe até nos nervos. Assim se explica a estatística de um médico de Viena, segundo a qual, entre cem crianças que não tinham irmãos, só havia treze sãs entre os dois e os dez anos, enquanto que oitenta e sete sofriam mais ou menos gravemente dos nervos. Ao passo que, entre cem crianças com vários irmãos, sessenta e nove tinham saúde robusta.

Logo, o filho único por quem se faz tudo, acaba por pagar caro a triste moda. II. – E os pais também pagam. Pagam-no: a) – nas suas relações com o filho; b) – nas suas relações

mútuas; c) – nas suas relações com Deus. Outro fato interessante: É mais fácil fazer-se obedecer por muitos filhos do que por um só,

porque os pais que têm medo de ter muitos filhos perdem a autoridade perante o filho único. É inútil darem-lhe ordens; não as cumpre. Em que devemos buscar a explicação disto? É muito simples: o filho ama os pais sem reserva se os pais também se lhe dão inteiramente e não recuam diante do sacrifício; mas se o filho, com a sua fina sagacidade, percebe que falta aos pais espírito de abnega-ção, também perde logo o seu amor submisso e obediente.

a) Os pais deviam meditar neste pensamento: a educação do filho custa, certamente, muitas fadigas; mas tem a sua compensação. E não penso agora que um dia, na velhice, virão, talvez, a precisar do apoio dos filhos; refiro-me a coisa muito diferente: quantas vezes é a família visitada por dias de tribulação! Dias nublados, nos quais para o casal, o único raio de sol e de luz que se segue à tem-pestade é a alma pura e fresca dos filhos que palram, dos filhos que brincam! Dias tristes em que os filhos são os anjos da guarda de duas pessoas desavindas. Tristes incompatibilidades que, se não terminam na separação definitiva, é única exclusivamente pela força invencível das débeis mãos infantis!

Quantas vezes se tem repetido o caso de casais em constantes desavenças, com ameaças de divórcio... quando não havia filhos; mas a vinda da criança e, ainda mais, a vinda das crianças, consolida definitivamente as bases da família. Um dado estatístico: em metade dos casais divorci-ados não há filhos; em vinte por cento há um apenas. Estes números falam claramente: quando o filho é recebido com alegria e se aceitam de boa mente os encargos que a sua educação represen-te, o amor e mútua estima dos pais aumenta igualmente e os vínculos matrimoniais são reforça-dos.

b) Para os pais cristão há outro argumento mais importante que os anteriores: é a vontade de Deus. O filho é um dom de Deus, uma «benção do Céu» - diziam noutros tempos, numa socie-dade mais imbuída de espírito religioso. – o Fato de o aceitar e educar era considerado como um mérito para a vida eterna; era, porém, um tremendo pecado o fato de o recusar.

Certa mãe, desesperada atirou-se ao Danúbio com um filinho de peito apertado nos bra-ços. Toda a gente se aterrou ao ter a notícia. Era um pecado terrível, um duplo homicídio. Ora aquele menino, ao menos, estava batizado, e ainda que perdeu a vida, alcançou para sempre a visão de Deus. Enquanto que as vítimas dos Herodes modernos passam para o outro mundo sem batismo. Não se condenam – é o que a Igreja ensina – mas também não se abre para eles a porta dos Céus. Perderam a vida terrena por causa dos pais, e perderam a felicidade eterna também por causa dos pais. Bem triste!

Que digo eu? «Por causa dos pais?» Mas será possível chamar-lhes «pais?» Farão uma idéia da monstruosidade desumana que o seu pecado representa? A Igreja, para acentuar de modo incisivo a gravidade de tal culpa, faz uma exceção para com ela e reserva ao Bispo a facul-dade de perdoar. Um simples sacerdote não pode absolver dela; só o Bispo ou um confessor com

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poderes especiais para isso. c) Um dia são os próprios pecadores que chegam a ter a noção da sua falta e é esse o maior

castigo que podem ter cá na terra. As acusações da própria consciência, os terríveis remorsos! Sim, porque matar o filho que ainda não tinha nascido é sem dúvida um assassinato, no sentido bíblico da palavra: e ouvem-se novamente as palavras do Senhor, quando pedia contas ao pri-meiro assassino: «A voz do sangue do teu irmão está clamando a Mim desde a terra. Maldito, pois, serás tu desde agora sobre a terra, que abriu a sua boca e recebeu o sangue do teu irmão... viverás errante e fugiti-vo sobre a terra.»

O clamor do sangue derramado! Que será isso? Shakespeare, no seu Macbeth escreve a este respeito: «Nem todos os perfumes da Arábia

são capazes de tirar o cheiro do sangue das mãos assassinas; não há água que lave as manchas vermelhas. Aparece e torna a aparecer a figura ensangüentada da vítima e o assassino grita: Venham tigres, mas que não venha tal visão!»

Mas que não venha tal visão! E contudo vem. Uma nuvem enorme, uma nuvem negra pesa sobre essas almas pecadoras... já não tem

tranqüilidade... a felicidade da sua vida conjugal está envenenada... E a alma agita-se, num desas-sossego! Haveria um caminho – um caminho único – para a libertação: a confissão sincera. Mas, ai! que dificuldade para alguém se decidir a fazê-la! E a alma continua a lutar... O desgraçado pecador agarra-se a tudo: reparte esmolas abundantes, reza muito, vai em peregrinação, lamenta-se, chora; em vão, não faz mais do que enganar-se a si próprio, sem recuperar a tranqüilidade. E depois vai descendo... descendo... Afasta-se da Igreja, da religião, de Deus. Endurece. Critica, fala mal da religião... e contudo não alcança tranqüilidade.

«Besser viele Kinder auf dem Kissen, als bloss eines auf deinem Gewissen!» «Mais te vale teres muitos filhos sobre a almofada que um só sobre a consciência». Porque é terrível a morte daquele que se atreve a desafiar a Deus...

Detenhamo-nos em tão tristes sentenças. Vai grande o capítulo, sem que a matéria esteja

esgotada. Continuaremos o assunto, pois sinto que tenho de responder ainda a muitas dúvidas, dificuldades, objeções.

Sei que o mundo moderno absolve facilmente esta culpa. Mas nem Deus nem a História o absolve.

Não absolve Deus que promulgou a lei, por este modo, no quinto Mandamento: «Não matarás». Não perdoa a História que tem, igualmente, a sua grande lei: cultura, técnica, ciência, máquinas, minas, comércio, de nada servem; extingue-se a nação onde houver mais caixões que berços.

Acode-nos, Senhor, para que não se cumpra a negra sina, nas nações! Acode-nos, Senhor, para que as mães não enfileirem entre os soldados de Herodes! Acode-nos, para que todas compreendam com espírito de sacrifício o que diz o poeta: «Sabes o que é a mãe? A tecedeira da vida. Sabes o que é o filho? O futuro da existência.

Dize-me, de quem é o futuro? Dos que ganham a batalha. Sabes quem a ganha? A mãe e o filho».

Urna ou ataúde?

O quinto mandamento da Lei de Deus, quando proíbe que se atente contra a vida, obriga positivamente, a que a esta se dêem cuidados e apreço; e o Cristianismo soube sempre encontrar o caminho justo no meio dos exageros: condenou os falsos mestres que consideravam o corpo cri-ação do diabo e inimigo da alma, mas ergue também a voz para fustigar os exageros modernos que elevam o cuidado do corpo à categoria de culto.

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O Cristianismo aprecia o corpo humano e trata-o com sentimentos de piedade. Foi esse o tema dos últimos capítulos.

Hoje avançamos um passo. Talvez que mais de uma pessoa estranhe o pensamento com que encimamos este capítulo.

O Cristianismo aprecia e trata com piedade o corpo humano, não só durante a vida, mas também depois de morto: vai a tal ponto a sua estima pelo nosso corpo que recolhe os membros amputados para os enterrar respeitosamente. Honra os cadáveres dos fiéis defuntos com cerimônias religio-sas; asperge-os com água benta; e, enquanto reza orações comovedoras, deposita-os, para o eter-no descanso, sob o terreno benzido do cemitério, tal qual a mãe amorosa que traça, à noite, o sinal da cruz na fronte do filho querido antes de o deitar na sua camita.

Com que amor maternal a Igreja se interessa pelos corpos dos fiéis e como se esforça por que sejam tratados com piedade! No seu Código de Direito há quarenta cânones (Câns. 1203-1242) que contêm as prescrições referentes ao caso. Benze o lugar em que hão de ser sepultados, tal como se fosse uma igreja. Antigamente, enterrava-os no adro da igreja: a primeira sepultura era a do mártir que descansava debaixo da pedra do altar; e esta era rodeada pelas dos outros fiéis. A lâmpada do sacrário acariciava-lhes as sepulturas com raios consoladores; a campainha da Elevação enviava-lhes os seus repiques, do sino do «Angelus» chegavam-lhes também os sons compassados.

Em muitos países ainda hoje os mortos são levados primeiro à igreja – com que para des-pedir-se do Santíssimo Sacramento – e só depois ao cemitério. Que piedade, que amor maternal para o cadáver! Algum dia foi este um templo e hoje não passa de ruínas... mas nós estimamos o templo, mesmo arruinado!

Fato interessante: o Cristianismo fala sempre da vida eterna e do outro mundo, encarece, constantemente, a importância do além; e, contudo, trata os nossos despojos mortais com terna piedade. É realmente Mãe a Igreja, pois que só a mãe pode vigiar com tamanha piedade o cadá-ver do seu filho e erguer corajosamente a voz quando em volta do féretro, haja veleidades de ori-entação errônea.

Há alguma dezenas de anos a propaganda anti-religiosa lançou um novo tema: Doravante os mortos não serão sepultados na terra, mas incinerados nos fornos crematórios.

Em alguns países havia crematórios já antes da guerra, mas, depois desta, a propaganda intensifica-se com zelo redobrado.

Convém que todos estejamos prevenidos. É por isso que dedico um capítulo, dentro do quinto Mandamento, a tratar deste assunto.

Os dois pontos do capítulo serão estes: I – Os argumentos que costumam apresentar-se a favor da cremação dos cadáveres; e II – Por que insiste a nossa santa religião no costume de os enterrar.

I Os argumentos da cremação

Os partidários da cremação apresentam três espécies de argumentos: higiênicos, econômicos

e sentimentais. I. – Primeiro vêm com argumentos higiênicos e assustam as pessoas com dizer que os cadá-

veres sepultados infectam o ar, a água, as fontes... e propagam doenças contagiosas... O argumento é forte. Temos de concordar. Mas se realmente assim fosse a Igreja Católica

aboliria imediatamente o costume de enterrar os mortos. Quando os partidários da cremação saíram pela primeira vez com este aviso, parecia que

tinham, realmente, na sua posse, uma bateria temível. Mas em nossos dias este argumento não tem valor algum. O Congresso higiênico celebrado em Viena – Kongress für Gesundheitspflege – demonstrou que a água das fontes dos cemitérios é mais pura que as outras. Nos cemitérios de

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Paris foi examinado o ar das criptas e não se encontraram baci-los. Hoje é um fato inegável que os cadá-veres enterrados segun-do as prescrições legais não oferecem perigo algum sob o ponto de vista higiênico.

Prescindindo dos exames e obser-vações dos médicos podemos trazer à colação este fato de experiência diária: muitas pessoas vivem nas proximi-dades dos cemitérios e, tratando-se de grandes cidades, até nos próprios cemitérios; e não sofrem mais doenças que as outras. No Tirol ainda hoje, em mui-tos sítios, o cemitério está situado em volta da Igreja, portanto no centro da povoação; e contudo não se nota maior mortalidade que nos outros países. Muitos conventos antigos têm o cemitério dentro dos muros dos edifícios, perto da fonte e não lhes causa prejuízo. Várias corporações de médicos e a experiência diária negam de modo tão categórico o perigo dos cemitérios, que os próprios partidários da cremação já não saem muito a exibir este seu argumento.

II. – Esgrimem, por conseguinte, com outras armas. Ai está, por exemplo, o lado econômico da questão. Da cremação – dizem – resultam benefícios econômicos para a Humanidade, pois não exige tanta extensão de terrenos como os cemitérios; por conseguinte mesmo os que agora ser-vem para esse fim, poderiam cultivar-se e aumentariam as colheitas.

Efetivamente, para o cemitério é indispensável uma certa extensão de terreno. Não pesa-ria, contudo, por aí além, um balanço do rendimento mundial o trigo que neles se colhesse. Além disso, já sabemos que trinta anos após o último enterramento já se pode cultivar o cemitério anti-go; de modo que não é preciso subtrair sempre novos terrenos à cultura.

Por outro lado não nos esqueçamos de examinar o reverso da argumentação. Pois se dizem que o cemitério custa dinheiro, também será lícito alegar que o crematório e toda a sua ins-tituição requer máquinas especiais que têm o seu custo; e se o enterro exige gasto, seguramente que os da cremação ainda são mais avultados.

É verdade que em certas cidades essas despesas não são consideráveis, porque as câmaras dão enormes subsídios de contribuições aos cidadãos, mesmo daqueles que nem sequer querem ouvir falar de cremação!

E anda por outras razões se deve repudiar o princípio da cremação obrigatória. Oferece tais inconvenientes que se torna inviável. Suponho que não se edificariam dispendiosos fornos crematórios em todas as aldeias. E se apenas tencionam construí-los em algumas cidades impor-tantes, então a cremação será um luxo de pessoas ricas. Em diferentes cidades estrangeiras já houve crematórios durante a guerra; com a falta de carvão deu-se o caso de gelarem de frio os vivos e se encerrarem as escolas, sem aquecimento, para que a maquinaria do crematório tivesse

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sempre o combustível exigido. Será um procedimento econômico? Outro argumento, também de ordem econômica, aduzem os partidários da cremação. Quase

não me atrevo a repeti-lo. Dizem que o enterro é um grande desperdício, um estrago enorme, pois que o cadáver contém muitas matérias úteis que mediante a cremação, se poderiam aprovei-tar para dar fertilidade aos campos!

Em primeiro lugar é um erro. Pois que, justamente pela ação do crematório perdem-se muitas matérias, gases e ácidos que, pelo contrário, enterrando-se os mortos, entram imediata-mente na terra. Portanto, já tal argumento, em si, é errôneo. Mas vou mais longe e pergunto: Pois chegamos a tal extremo?

Durante a guerra correu a noticia repugnante de que algures se fizera sabão dos cadáve-res. E a Humanidade, mesmo endurecida com os horrores da guerra, estremeceu de espanto ao escutar esta noticia. Então agora, em tempo de paz, pretende-se que estrumemos a terra com as cinzas dos seres queridos e façamos gesso dos seus ossos triturados?

III. – Ora eis que surge o argumento máximo dos apóstolos da cremação: a alusão aos senti-mento. Descrições macabras: como os gusanos, os ratos, os bichos devoram o corpo enterrado! Quanto «mais formosa, mais delicada, mais estética» é a cremação!

À entrada do crematório de Milão inscreveram orgulhosamente estas palavras: «Vermibus erepti puro consumimur igne» «Livre dos gusanos, somos consumidos por um fogo puro».

Que dizemos nós? Em primeiro lugar, não é verdade que os cadáveres sejam comidos pelos gusanos, os ratos e os

bichos. Isto é simplesmente uma grosseira manha para propaganda. É um fato geralmente conhe-cido que a decomposição é obra de uma legião invisível de bacilos que vivem no corpo. Se bem que não seja um espetáculo estético, pelo menos é uma decomposição natural... A cremação, pelo contrário, é uma decomposição violenta. No enterro damos o corpo à terra, para que ela faça o seu trabalho de decomposição; mas na cremação somos nós mesmos que aniquilamos o corpo dos seres queridos.

E quanto à outra afirmação, isto é, que a cremação é mais formosa, mais estética que a decomposição natural no seio da terra, poderia ilustrar o meu critério com vários dados se não respeitasse tanto os nervos dos meus leitores; mais vale, pois, não tocar nisso; melhor é guardar silêncio sobre o que se passa durante a hora e meia em que se coze o morto a um calor de mil graus (reparai bem: mil graus!) como se desfigura, como se retorce, como os seus membros se tor-cem tal qual como se sofresse horrorosamente no fogo do inferno.

Bem sabem os arautos do crematório por que não permitem nem sequer aos parentes mais próximos que assistam à cremação! É que estes fariam propaganda gratuita, decerto, mas não a favor! Cito apenas as palavras de uma única testemunha que assistiu a uma cremação: «Durante muitos dias não podia libertar-me do quadro espantoso e sentia calafrios todas as vezes que recordava aquela terrível cena».

Que a cremação «representa um procedimento mais piedoso para com o morto», dizem. Em Gotha os ossos de uma senhora incinerada, de vinte e três anos de idade, andaram de mão em mão entre os comensais de um banquete festivo... Seria piedade? Um marido americano colo-cou as cinzas da esposa incinerada numa arca do seu salão... É piedoso este procedimento? Outro americano deixou recomendado no seu testamento que, depois da cremação, lhe colocassem as cinzas em cima da mesa de uma taberna... Que piedade!

Dizei-me: não será mais humana, mais comovedora, a despedida, quando, no meio da dor muda dos parentes e as suaves orações da Igreja, se desce com silenciosa dignidade o ataúde, para restituir o seu habitante à mãe terra de que foi formado? E se há alguém que tenha direito a fazer finca-pé da «estética» e da «arte», são, por certo, os partidários do enterro. Reparai na arte

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que comove a alma, a arte que a piedade religiosa criou nos cemitérios de Milão, Gênova e outros pontos de Itália e entrai, por um quarto de hora apenas, em um cemitério de qualquer pequena aldeia do Tirol e vivei profundamente a sua atmosfera carregada do perfume das flores. E logo vereis onde é que há estética e arte.

Julgai por vós próprios: qual é mais formoso e mais piedoso: colocar no nosso jardim uma urna com as cinzas da nossa mãe defunta, ou ador-nar-lhe a sepultu-ra com as flo- res do nosso jardim?

Ponde- ramos todos os argu- mentos dos partidári- os da cremação. Fal- ta agora outra questão: quais são as razões da Igreja para se man- ter firme no costume do enterro.

II Os argumentos a favor do enterro

I. – Em primeiro lugar poderíamos aduzir um interessante argumento de ordem jurídica. Se o

costume de queimar os cadáveres se propagasse, teríamos de lamentar uma perda considerável na ordem jurídica. Quantas vezes acontecem que vários anos depois de um falecimento se proce-

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dem à exumação do cadáver por se rumorejarem suspeitas de envenenamento! Mesmo nesse cadáver enterrado muito tempo antes é possível encontrar vestígios certos do veneno; ao passo que nos restos do homem incinerado já no dia seguinte é impossível encontrar uma prova certa do crime.

II. – Temos, porém, argumentos mais profundos a favor do enterro. Menciono, em primei-ro lugar, a tradição milenária da Humanidade.

Ao principio colocavam-se os mortos em sepulturas. Entretanto, para o homem que subia os primeiros escalões da cultura, representava grande dificuldade cavar uma sepultura com as ferramentas primitivas de que dispunha; mais fácil lhe teria sido expor o cadáver às feras para que estas o comessem. E contudo não o fazia. Cavava uma fossa ou abria uma caverna e fechava-lhe a boca com pedras pesadas, como se tivesse querido afirmar de modo simbólico a sua crença de que o seio da terra é seio materno, onde os mortos podem descansar em paz até que algum poder superior os chame a outra vida.

Sim; o homem antigo acreditava na vida nova; por isso, colocava nas sepulturas, junto do morto, as armas do finada, as insígnias da sua dignidade, e até acrescentava uma tinta vermelha, para que o morto pudesse trocar a cor pálida que a morte lhe estendeu sobre o rosto pela cor da vida, no outro mundo. É bem verdade que o paganismo adotou mais tarde o costume da incine-ração, mas o costume primitivo e originário, era o enterro.

Nunca o Cristianismo conheceu outro procedimento. Também dizemos de Nosso Senhor Jesus Cristo: «foi crucificado, morto e sepultado». Nas catacumbas os mártires eram enterrados; na Idade Média os mortos eram depostos nos sugestivos corredores dos conventos e nas paredes abençoadas das catedrais... Não nos maravilhemos, pois, de que a nossa Madre Igreja não esteja disposta, para comprazer com os seus inimigos, a renunciar a uma tradição milenária, a este for-moso costume familiar.

III – Para favorecer os seus inimigos! Com isto indiquei o terceiro pensamento, o argumen-to de maior peso que tem a nossa santa religião para brandir a espada contra a cremação, a idéia da incineração foi lançada pelos inimigos do Cristianismo, que com ela servem ocultos fins anti-religiosos... A incineração, ao que parece, é coisa indiferente... e contudo a Igreja repele-a.

Por quê? Quero falar claramente: não temos dificuldades dogmáticas contra a cremação. Ainda que o

calor atinja mil graus no forno crematório, não conseguirá chamuscar a alma! Ainda que o corpo humano se desfaça em cinzas à força de fogo, Deus onipotente poderá ressuscitá-lo do mesmo modo como ressuscita aqueles que se decompõem na terra. Nero, na sua loucura, fez queimar os cristãos à maneira de tochas vivas e sabemos que também esses hão de ressuscitar. Dá-se um cho-que de automóvel, há uma explosão, a gasolina queima o viajante...; a Igreja enterra-o e acredita que também este ressuscitará. Mesmos nos casos de contágio, quando é preciso queimar os mor-tos, a Igreja sepulta os restos.

Não pode, porém, consentir que se anule o papel da religião à beira da morte, junto da sepultura, justamente ali onde a alma humana é mais sensível; nem pode também consentir que mediante um costume, à primeira vista indiferente, se extirpe a pouco e pouco com premeditação, a crença na imortalidade da alma e na ressurreição da carne; nem que possam os ímpios murmurar com ironia ao ouvido das pessoas sensatas, apontando o punhado de cinza que fica depois da crema-ção: «Ora aí está como tudo acaba com a morte!» Isto é o que ela não pode consentir.

O movimento da cremação foi iniciado, com intenções contrárias à Igreja, pelos que pre-tenderam exterminar o Cristianismo. Esta moda peregrina é, pois, um anel da grande cadeia, um estratagema da guerra de idéias com que o mundo pretende arrancar do coração dos homens as raízes das convicções cristãs e implantar nas almas o moderno paganismo. Os pagãos queima-vam os seus mortos. Daí se compreende que onde o conceito pagão do mundo e da vida pagã

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levanta a cabeça, aí se deva exigir a crema-ção dos cadáveres.

No crematório arde um fogo sem luz, estabelece-se um interrogatório sem resposta, há um enig-ma sem solução. Por detrás do crematório está o exército dos ímpios; e na chaminé do forno ondeia a bandeira de uma con-cepção anti-cristã do mundo... «Não preci-samos já da cruz do Galileu! Que venham os deuses gregos, os costumes gregos e as mulheres gregas!» É este o desejo latente entre os objetivos da incineração.

E outra coisa ainda. Conservo recordação viva do crematório do cemitério parisiense de Père Lachaise. Uma

parede alta: o Columbário, o cemitério das urnas; umas linhas largas na parede, em cada linha uns quadros pequeno – aproximadamente como a palma da mão – e em cada quadro uma urna que contém as cinzas de um homem queimado. As urnas estão colocadas como os frascos das far-mácias: uma prateleira, outra prateleira e outra... e outra... Justamente agora sobe uma viúva desolada a visitar as cinzas do seu marido. Sobre à décima prateleira... Ai está a piedade de tais cemitérios!

Já se observou, em Berlim, que estas prateleiras de urnas cimentadas na parede, constitu-em obstáculo sério para que vingue a idéia da incineração. Agora colocam-se as urnas no chão: para quatro urnas uma sepultura de oitenta centímetros de lado. Quatro pessoas estranhas na mesma sepultura, tão pequena! Onde é que hão de ajoelhar-se as quatro famílias desconhecidas se quiserem rezar junto da sepultura dos seus mortos? Pois que não rezem! – é esse, justamente, o fim secreto da incineração. Outro dos fins secretos é fazer desaparecer os cemitérios e desse modo calar-lhes a voz.

Leitores, quem de vós é que não sentiu já a prédica vibrante dos cemitérios silenciosos?

Sim: os mortos falam, o cemitério prega, as sepulturas clamam e essas palavras são mais convin-centes que a pregação dos mais célebres oradores.

Dirijo-me a um cemitério... seja a qual for... em serena tarde de outono... Passeio, em silên-cio, pelo meio das largas filas de sepulturas... Os meus olhares percorrem a terra... Por todos os lados campas... campas... e folhas caídas das árvores. O rumor da cidade apenas chega ali como que em surdina. O estrépito dos vivos que se agitam, que se empurram, emudece aqui e os mor-tos silenciosos, começam a falar. Falam... da importância da existência. Da severidade do juízo do Senhor! De quão diferente seria a sua vida se pudessem voltar a este mundo...

E foi isto, justamente, - este ambiente religioso dos cemitérios – o que quiseram suprimir

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aqueles que se afadigam em acabar com as sepulturas, os pregoeiros da incineração. Porque nós vamos visitar os nossos mortos, levamos-lhes flores... e já isso é uma consolação. E – o que vale muito mais – sobre as nossas campas está a cruz, aquela cruz que fala do grande Mestre, d’Aquele que venceu a morte e ressuscitou. Ah! a sepultura cristã não tortura, antes consola; não abate, levanta, porque lemos nela as palavras da Sagrada Escritura: «O corpo, à maneira de uma semente, é colocado na terra em estado de corrupção e ressuscitará incorruptível... É posto na terra como um corpo animal e ressuscitará como um corpo espiritual».

Na penumbra dos nossos cemitérios distingui-se o brilho da luz eterna. A negridão do luto é mitigada pela alvura dos vestidos dos anjos do Céu. Os soluços de despedida são suavidade pela esperança – esperança de novo encontro – e a sombra escura da cova é temperada pela luz da alegria, reflexo do Paraíso. Nós estamos no cemitério com a santa expectação do lavrador que se detém à beira dos campos semeados de trigo para os contemplar, pois sobre a sepultura dos nossos queridos mortos ergue-se a cruz de Jesus Cristo; e os braços abertos do Crucificado, e a hera que, trepando pela cruz, procura o caminho das alturas, consolam-nos com a fé em outra vida, para lá da sepultura. Pelo contrário diante das urnas minúsculas dos incinerados, umas colunas truncadas simbolizam a vida despedaçada, sem esperança... e a tocha voltada para o chão arrefece a nossa fé.

O Catolicismo, quando se opõe à incineração e a proíbe, com censura, aos seus fiéis, ape-nas cumpre o dever de defender as almas que Jesus Cristo lhe confiou; e o que, não seguindo essas prescrições, dispõe que o seu cadáver seja queimado, e morre sem se retratar desse errado propósito, não pode ser enterrado com as cerimônias solenes da Igreja.

Urna ou ataúde? Era o tema do presente capítulo. Ainda que o dogma não se oponha à cre-

mação dos cadáveres, temos de hastear bandeira contra essa prática. A questão – insignificante à primeira vista – entre a urna e o ataúde – converteu-se hoje em questão de princípios. O ponto dis-cutido não é «Fogo ou terra?» mas sim: Olimpo ou Céu? Pensamento pagão ou sentimento cristão? Tocha apagada sem esperança ou cruz de Cristo que se ergue para a vida eterna?

Conhece mal a Igreja todo aquele que se convencer de que esta pode ceder no seu empe-nho por causa de uma campanha movida ao som de trombetas; e que esteja disposta a renunciar aos seus princípios e práticas.

O enterro vem a ser como que um eco das palavras do Senhor, dirigidas aos nossos pri-meiros pais: «Até que voltes a confundir-te com a terra de que foste formado».

A Igreja não vê motivo para abandonar o seu antigo e piedoso costume; para suprimir a comovedora e formosa liturgia que, desde o tempo dos primeiros mártires cristãos, cobre, com as suas palavras, como que de um véu, o corpo exânime dos fiéis que vão descansar na terra mãe.

Que me entreguem a mim à terra! À terra de que fui formado! À terra que foi santificada pelo túmulo de Cristo! À terra onde me envolve, no dia de finados, a oração do amor! À terra, onde, após uma vida conforme a vontade de Deus e alentada com a esperança da felicidade eter-na, possa esperar, tranqüilo, o momento de que falou o Senhor:

Virá tempo em que todos os que estão nas sepulturas sairão à ordem do Filho de Deus e sairão os que fizeram boas obras, a ressuscitar para a vida eterna; porém, os que as praticaram más ressuscitarão para ser condenados.

Pai nosso! Ajuda-nos a viver de modo que todos possamos sair das nossas sepulturas para a vida

eterna!

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P assaram aproxi-madamente três mil e quinhen-tos anos desde

que Deus mandou escrever num livro da Sagrada Escritura as palavras que vou citar; e este lapso de tempo não fez perder um átomo de validez às divinas palavras. Passarão os céus e a terra mas não passarão as pala-vras do Senhor; e deste modo os seus Mandamentos, após milha-res de anos, continuam em vigor de modo incontestável.

“Não levantarás falso teste-munho contra o teu próximo” ( Ex XX, 16) é o oitavo Mandamen-to. E o Senhor acrescenta ainda em outra passagem da Sagrada Escritura. “A mentira é, no homem, uma nódoa infaman-te”( Eclo XX,26).

Era assim a milhares de anose assim é também hoje... por muito que o mundo moder-no, com o seu errado filosofar, queira suprimir a mentira da lista dos pecados. “Hoje em dia não é possível viver sem mentira – é cos-tume dizer – hoje em dia não é possível fazer política, tratar de negócios, sem mentir”.

Negócios? Nem uma reunião de amigos se pode realizar sem um pouco de murmuração, de calúnia, de malícia! Se fossemos tomar a sério o oitavo Mandamento, quase não haveria maneira de conversar, nos chás; os jornais sairiam com páginas em branco; as salas dos tribunais de honra soariam a eco, de tão vazias.

Oitavo Mandamento “Não levantar falso testemunho”

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E, contudo... o Senhor não aboliu o oitavo Mandamento, antes, pelo contrario, estende sobre ele os seus braços, em gesto de defesa. E nós não podemos suprimi-lo a força de vãs filoso-fias; devemos antes estudar-lo solicitamente e dar graças a Deus. Dar-lhe graças por não se ter contentado com promulgar o segundo mandamento, com defender o seu Santo Nome e ter dado, além disso, com o oitavo mandamento, uma lei especial para salvaguardar nossa honra e nossa boa fama.

Que proíbe e que ordena o oitavo Mandamento da Lei de Deus? Proíbe que se falte à ver-dade e preceitua que respeitemos a honra humana, o bom nome dos outros. Eis o tema do pre-sente capítulo e do seguinte.

I- Nunca é licito mentir Por que motivo? Esta é a pergunta. E impõe-se tanto mais uma resposta categórica, quanto mais difícil se

torna o cumprimento da Lei. A) Não é lícito mentir, em primeiro lugar, porque Deus Nosso Senhor o proibiu terminan-

temente. Além do texto do oitavo Mandamento, poderíamos aduzir grande número de citações da Sagrada Escritura, para provar esta verdade. «O Senhor abomina os lábios mentirosos». «Foge da men-tira». «Não mintais uns aos outros». «Diga cada um a verdade ao seu próximo, renunciando à mentira; visto que todos nós somos membros uns dos outros». «Quanto aos mentirosos, a sua sorte será no lago onde arde o fogo e o enxofre». São citações da Sagrada Escritura.

E facilmente lhes poderíamos aumentar o número.

B) Mas dado ainda que Deus não proibisse a mentira de modo tão categórico, encerra ela tanta maldade que só por isso teríamos de a evitar. Poderíamos dizer por outras palavras: Deus Nosso Senhor proíbe a mentira com tanta severidade, justamente porque ela é, já de si, coisa má e infamante.

a) Quanto a veracidade se harmoniza com a natureza humana e como está enraizada no fundo da alma, atesta-o de sobejo o fato de ninguém querer confessar que mentiu... por muito que o haja feito! Porque a contradição entre o nosso sentir e a nossa língua supõe tal dissonância que dificilmente quererá alguém declarar-se culpado neste ponto. Pelo contrário, dá explicações, dizendo que não mentiu, que não fez mais que... «aumentar um pouco», «exagerar», «desculpar-se», «compor a notícia», «gabar-se», «presumir», e outras coisas do mesmo teor.

Sim, sim... porque não é lícito mentir. O homem compreende-o instintivamente. Olha para a folha da árvore e diz: é verde; olha para a mentira e diz: é má.

Mas, porquê? Responder a esta pergunta é que já não é tarefa tão fácil. Um modo muito superficial de solucionar o problema consiste em responder: «Não vale a

pena mentir, porque de todos os modos vem a saber-se a verdade...» Nem me demora a afirmar que tam-bém isto é um argumento contra a mentira... ainda que frouxo, pois que, de fato, a maioria das mentiras têm vida curta, existência efêmera.

Este raciocínio, porém, não é bastante. Há muitas mentiras que não chegam a descobrir-se nesta vida. Contudo, todas são ilícitas e por tal motivo é necessário aduzir argumentos mais for-tes.

b) Temos, em primeiro lugar, o sublime dote humano: somos criados à imagem e semelhança de Deus. Mas Deus é a verdade humana; portanto, quanto mais reta for a minha alma, mais límpi-da e formosa será nela a imagem divina. Pelo contrário o que mente faz-se semelhante ao diabo. O Senhor lança no rosto aos fariseus mentirosos: Vós sois filhos do diabo e por isso quereis satisfazer os desejos do vosso pai... que é de si mentirosos e pai da mentira.

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O oitavo Mandamento tem um ponto difícil que muitos não podem compreender: que toda a mentira seja pecado. Com-preendem bem ou mal que seja pecado a mentira que causa pre-juízo ao próximo; mas que o seja também a mentira inofensiva, que se diz para justificação de qualquer falta e que a ninguém prejudica, não lhes pode entrar na cabeça.

Só uma pessoa de espírito religioso o poderá compreender.

A nossa religião ensina que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; e o homem desfigura essa imagem de Deus na sua alma, sempre que mente. De modo que toda a mentira é má, em primeiro lugar porque apaga na alma tal seme-lhança.

c) É má ainda por outro motivo: porque a mentira é um pecado contra a Natureza.

Deus marcou a cada um dos nossos órgãos o seu fim natural e se o homem os não usa para tal fim, comete pecado. O Criado deu-nos mãos para com elas trabalharmos; mas o que se serve delas para matar um ino-cente, emprega as suas mãos contra a Natureza.

As pernas, os olhos, os ouvidos, tudo tem o seu fim marcado por Deus. E a nossa língua igualmente. Para que é que o Senhor no-la deu? Para podermos comunicar com os nossos seme-lhantes. Segundo S. Tomás de Aquino, não é lícito mentir, porque a linguagem, por sua natureza, serve para exprimir os nossos pensamentos; portanto representa um abuso da ordem natural, um pecado contra a natureza, o fato de os homens exprimirem com as suas palavras coisas que não lhes estão no pensamento.

Até que ponto a veracidade seja radicalmente necessária na linguagem e quanto a mentira mancha a natureza demonstra-o a luta espiritual que sustenta a criança de tenra idade para se decidir à primeira mentira. Quão difícil de aprender o ofício do diabo – a mentira! Como os lábi-os da criança tremem! Como olha assustada! Como o seu rosto arde e com que ritmo lhe palpita o coração! Não prova este pequenino, com maior eloqüência que qualquer argumento, ser a menti-ra contrária à natureza?

Assim se compreende o que não entra na cabeça de muitos homens: que a mentira é peca-do, mesmo no caso de não causar dano a ninguém. É possível que não prejudiquemos os outros,

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mas prejudicamo-nos a nós mesmos. A mentira parece-se com a arma do indígena da Austrália (o bumerang) que, uma vez lançada, ou atinge o branco e dá cabo dele, causa prejuízo (é o caso da mentira maliciosa) ou falha, e então volta ao que a atirou, ferindo-o a ele (é a mentira inofensiva... que prejudica o próprio mentiroso).

d) Vamos mais além. Há ainda um terceiro motivo pelo qual se condena a mentira: porque tornaria impossível uma vida digna do homem. A veracidade, a confiança mútua é uma argamassa que liga as pedras do edifício da sociedade. Causa calafrios só pensar o que seria de nós se a mentira fosse moeda corrente. Se a cada momento tivéssemos de estar alerta para ver quais, quando e onde pensam enganar-nos; se tivéssemos de examinar, preocupados, o olhar de cada homem, e passar ao crivo todas as suas palavras – não pretenderá este pregar-ma? - ; se a mãe não pudesse acreditar no filho, o marido na mulher, o doente no médico, o discípulo no professor, o chefe no empregado, e assim em todas as ordens, que caos teríamos, como a vida humana se tor-naria impossível! Vir o marido, depois de árdua labuta, e não poder fiar-se em que sua esposa lhe haja guardado fidelidade. Voltar o garoto para casa e não poderem os pais dar crédito às suas palavras. E não poder o enfermo dar crédito ao médico, nem o mestre ao aluno, nem o cliente ao comerciante.

A veracidade é pedra fundamental de uma vida social digna do homem no mesmo grau – como direi? – no mesmo grau em que o dinheiro o é para o comércio. Que seria do comércio se não nos fiássemos na realidade do dinheiro, se depois de cada compra tivéssemos de examinar detidamente cada centavo, para ver se é falso ou não? Aquele que mente falsifica dinheiro, põe em cir-culação moeda falsa, é preciso prendê-lo!

C) Pois bem; se confrontarmos a lei categórica de Deus e a tríplice proibição da razão

humana, compreenderemos o Mandamento que poderia parecer rigoroso: toda a espécie de mentira é ilícita.

Repito: é pecado toda a espécie de mentira. Sublinho-o com tanta insistência, porque o modo frívolo de pensar e os conceitos errôneos da nossa época penetram até no círculo dos que se dizem piedosos.

a) Há pessoas que respondem indignadas quando lhes perguntamos se costumam mentir: mas como é que se lembra de perguntar semelhante coisa? Mentir? Eu não minto nunca... a não ser quando é necessário.

- Ah! então há casos em que é preciso mentir? - Se há! Toda a vida está cheia de situações em que nos vemos obrigados a isso. Tem de se

mentir por necessidade. A «mentira por necessidade», como diz o alemão: «die Notlüge!» Que palavra tão suave,

tão inocente os homens descobriram! E contudo essa «mentira por necessidade» essa «Notlüge» é pecado também, como se torna patente por todo o espírito da Sagrada Escritura. O Senhor não diz: «Não levantarás falso testemunho... a não ser que seja necessário»; não diz que mintas quan-do te encontrares em apuros, mas sim: «Chama por mim e eu te ouvirei benigno».

Além disso temos de prever onde iríamos parar se a mentira fosse permitida ao menos em ocasião de necessidade, quando parece coisa inevitável. Não começaria cada um a julgar benig-namente as próprias mentiras alegando que agora, justamente nesta ocasião ou naquela, era «necessária» a mentira? Esta brecha aberta no oitavo Mandamento não seria o bastante para que a torrente da falsi-dade inundasse todo o território da vida humana? Não vemos desde já com quantas razões de justificação se rege a frondosa árvore da mentira? Há quem considere a coisa mais natural do mundo mentir não só por necessidade, mas por gabarolice, por desculpa, por amabilidade, por atenção e em tudo isso nada encontram digno de censura.

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b) Mas ouça, ouça! Hoje não há maneira de viver sem mentira. Sobre-tudo não é possível levar uma vida moderna, de cultura. A mentira é indispensável ao pro-gresso humano. Imagine você um político, um comerciante, um jorna-lista, uns namorados... que sempre falassem a verdade. Quantas vezes nos vemos obrigados a guardar um segredo!

Dar-se-á o caso que eu deva com as minhas palavras, contar tudo a todos?

Já se vê que não! Uma coisa é dizer a ver-dade (ao que estamos obrigados) e outra coisa é dizer a verdade toda (como quem diz falar pelos cotovelos). Deve-mos saber guardar segre-do, devemos ser discre-tos; o que não impede que tenhamos alma reta e que sejamos campeões fiéis da verdade. A nossa religião sacrossanta conhece bem as situa-ções complicadas de vida moderna; não igno-ra em que difíceis alter-nativas podem encontrar-se mesmo os melhores, quando se chocam o respeito e a veracidade, a compaixão e a veracidade, a discrição e a veracidade.

Assim como tenho direito à minha fortuna e nenhuma obrigação de a ceder a outrem, de modo análogo tenho direito aos meus pensamentos e não sou obrigado a comunicá-los a outra pessoa. Isto é claro como o sol. E também é claro que não vou dirigir-me ao enfermo grave com um: «Morrerás amanhã!»

Há casos difíceis na vida, casos em que é preciso toda a nossa destreza, prudência e pre-sença de espírito para não ferir nem o amor, nem o segredo, nem a veracidade. Em casos tais temos de calar, dar uma resposta evasiva, escapar pela tangente... mentir é que nunca! Não podes dizer toda a verdade? Pois que seja verdade tudo quanto disseres. A Sagrada Escritura é muito termi-nante: «Que o teu modo de fazer uma afirmativa seja: Sim, sim. Não, não.»

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Parte superior. Nosso Senhor acusado injustamente e condenado a morte.

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Não ferirás a honra do próximo

Um dos imperadores do Egito mandou a Pitaco, sábio da antiguidade, um animal destina-do a servir de vitima do sacrifício, com o pedido de lhe devolver a parte mais valiosa e a parte mais ordinária do animal.

O sábio devolveu a língua com a observação de que era esta a parte mais valiosa e ao mes-mo tempo a mais ordinária do animal.

Parece-me que com muito mais razão se pode afirmar isto mesmo a respeito do homem. Com a língua pode o homem dirigir-se a Deus e elevar-se aos pensamentos mais sublimes;

mas pela língua pode atingir também a mais profunda degradação. Pode fazer com que da sua língua brote a alegria e consolação do próximo; mas pode

transformar também a vida dos semelhantes em verdadeiro inferno. Se usarmos a nossa língua segundo a vontade de Deus, para O glorificar, para dar maior dignidade à vida humana, para exprimir nobres sentimentos, para promover o bem do próximo, então a língua vem a ser um tesouro de preço, um dom sagrado de Deus; se, pelo contrário lhe empregamos a ponta para que penetre como um punhal ou a afiamos tal qual um aguilhão, para que pique, a língua representa uma maldição, uma praga terrível.

«Não será a língua uma lança? – pergunta S. Bernardo – Sim; a mais aguçada das lanças, que dum só golpe trespassa três pessoas, a que fala, a que escuta e aquela de quem se fala».

Quantos estragos pode causar a má língua, e quantas ruínas podem produzir entre os homens as palavras de maledicência, de calúnia, de suspeita! Temos de olhar com gratidão para o Deus legislador que está nas alturas, por ter dado um Mandamento especial que ponha freio à língua: o oitavo Mandamento.

«Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» ordena o oitavo Mandamento da Lei de Deus. E este Mandamento proíbe-nos não só de usar a língua para mentir, mas também, a par disso, exige que respeitemos o bom nome alheio. É deste ponto que quero tratar no presente capítulo. Não toques na honra alheia! É o nosso tema, e, como o anterior, será dividido em duas partes:

I – Por que é que não é lícito prejudicar a honra alheia. II – Quantos há que a não respeitam!

I Por que é que não é lícito tocar na honra alheia

Em primeiro lugar, porque Deus o proíbe. Recordemos algumas ordens terminantes da

Sagrada Escritura: Diz Nosso Senhor Jesus Cristo: Não julgueis os outros, se não quereis ser julgados. Porque o

mesmo juízo que fazerdes dos outros servirá para vos julgar a vós; e com a medida com que medirdes sereis medidos.

Parece-me que são palavras bastante claras. E o Apóstolo S. Paulo escreve assim: «Não queirais sentenciar antes de tempo; suspendei o vosso juízo, até que venha o Senhor, o qual trará à plena luz o que está escondido nas trevas e descobrirá naquele dia o que está no fundo dos corações e então cada um será julgado por Deus segundo merece».

Não seria demais que certas pessoas tomassem nota disto. Quais? Aquelas que se descul-pam deste modo: «Oh! Não se escandalize com estar pequenas murmurações. Não queremos pre-judicar nem ofender seja quem for. É só por gracejo inofensivo. Em alguma coisa se há-de passar o tempo».

Concordo que seja «divertimento»; mas julgo discutível que seja «inofensivo». Pelo menos

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segundo se infere da Sagrada Escritura, não o é tanto como isso. Diz uma passagem da Bíblia que «muitos morreram ao fio de espada; mas não tantos como por culpa da língua». É uma sentença que nos faz pensar. Que significa? Signi-fica que será maior o número dos que se condenam por causa da língua que o daqueles que morrem na guerra.

Mas isto é de uma severidade inconcebível!

Ah! não! Aquele que é capaz de espezinhar o Man-damento principal de Deus e a lei fundamental de Jesus Cristo, a caridade, não tem direito de esperar a miseri-córdia do Senhor. Não, não pode contar com ela nem mesmo no caso – e toco num ponto de responsabilidade – de se ter mostrado piedoso, exteriormente, de ter passa-do metade do dia na igreja, de ter acendido velas a Santo Antônio, de ter trazido ao pescoço medalhas de Nossa Senhora e de por nada do mundo ter comido um prato de carne em dia de abstinên-cia.

Não te escandalizes, amigo leitos, vendo que falo sem disfarces; a verdade é que as pessoas intriguistas e caluniadoras que querem aparentar grande religiosidade, comprometem a religiosidade verda-deira a tal ponto que bem necessário é lançar-lho em rosto sem contemplações.

Ah! se fosse permitida ter-se alguém por muito piedoso sem, contudo, refrear a língua! Pois não conhecemos todos as palavras tão sérias do apóstolo S. Tiago? «Se alguém se preza de reli-gioso, sem refrear a língua, antes, servindo-se dela para enganar e seduzir o próprio coração, a sua religião é vã».

Não se lembra de que uma pessoa piedosa que mente, murmura e calunia, dá uma triste idéia do Cristianismo. Temos de lhe gritar aos ouvidos as palavras de S. Tiago: «Não queirais, irmãos, falar mal uns dos outros... Só há um legislador e um Juiz que pode salvar e pode condenar. Tu, porém, quem és para te atreveres a julgar o teu próximo?»

E com isto enunciamos um novo pensamento relativo à proibição de falar mal dos outros: «Quem és tu, para julgares o teu próximo?» Só Deus, que tudo sabe, pode dar uma sentença justa a respeito das ações do homem; Deus que as aprecia no seu conjunto e desse modo pode ter em

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conta a medida justa da nossa responsabilidade, as circunstâncias da nossa educação, as más inclinações herdadas.

Nosso Senhor Jesus Cristo nem contra os seus próprios verdugos quis falar! Até por esses mesmos rezou desta maneira: «Pai, perdoai-lhes, que não sabem o que fazem». E tu atreves-te a consti-tuir-te juiz de todos os outros?

Quem és tu? Sabes tudo? Vês tudo, por acaso? Como te atreves a julgar tão afoitamente os outros, como se conhecesses o motivo dos seus atos, das suas intenções, toda a medida de sua responsabilidade? Talvez nem repares sequer que dando crédito, tão facilmente, a toda o mal que se diz dos outros, te condenas realmente a ti próprio. Porque «o ladrão pensa que todos são da sua condição»; o hipócrita em tudo vê hipocrisia; os que tem um vício abjecto não concebe que alguém possa levar vida pura. «Como é um insensato tem por tais a todos os outros».

E talvez nem dês conta ao menos, de que ao criticas os outros demonstras claramente a tua

própria mentira: «Se alguém diz: Sim, amo a Deus, enquanto que aborrece seu irmão, é um mentiroso. Pois aquele que não quer bem ao seu irmão, a quem vê, como poderá querer bem a Deus, a quem não vê?» Po9de considerar-se religioso com sinceridade o que comenta com satisfação as faltas alheias?

Com que nitidez o afirma o apóstolo S. Tiago quando diz, a respeito da língua: «Com ela bendizemos Deus Pai: e com a mesma maldizemos dos homens, formados à imagem e semelhança de Deus. Da mesma boca sai a bênção e a maldição. Não podem ir assim as coisas, meus irmãos. Acaso uma fonte jor-ra pelo mesmo cano água doce e água salgada?»

c) E aqui se nos apresenta o terceiro argumento contra a calúnia: o valor da honra. Que há na terra, entre os bens humanos, maior, mais precioso que a honra, que o bom nome? Vale mais que o ouro, que a prata, que todos os tesouros. Sim, todos os meus bens se perderam... dinheiro, emprego, saúde, tudo...; mas se me ficou a honra, não sou ainda um homem perdido. Pobre de mim, porém, se perdi a honra! E é justamente a honra que a língua venenosa ataca! É esse o manjar da sua predileção! Não é só o punhal do assassino que mata...; a língua afiada também assassina.

E que curioso! Não há ninguém mais zeloso da sua própria honra, ninguém mais sensível a respeito da sua boa reputação do que esses que costumam espezinhar tão frivolamente a honra e a reputação dos outros.

Que é afinal a «palavra?» Temos assunto para filosofar largamente. Que é a palavra? Nada. Umas vibrações do ar.

Nada? Então olha à tua volta, amigo leitor, repara como uma palavrita fugida vai rolando, ligeira, semelhante a pequenina bola de neve que desce da montanha, e, quando chega ao vale, já se tem transformado em alude impetuoso que tudo esmaga.

Quem enceta, frivolamente, a murmuração maliciosa, mal intencionada, terá consciência de que induz em pecado tantas e tantas pessoas? É contagiosa a cólera, a tuberculose, a gripe; mas nenhuma doença se pega tanto como a murmuração. Basta começar um único grilo a cantar, por aprazível noite de estio, para que no momento seguinte uma legião deles acompanhe em coro o canto do primeiro.

O que inicia tão frivolamente a murmuração, saberá quão fácil é caluniar e quão dificil retratar-se? Morreu uma senhora e a filha mandou tingir de preto os fatos brancos, para o luto. Passado um ano quis tingir outra vez de branco os fatos pretos. Mas o tintureiro respondeu: «Tingir de preto o branco não custa nada; mas não há tintureiro no mundo capaz de restituir ao preto a cor branca». E assim é. E não menos difícil se torna restituir a brancura ao homem tingido de negro pela murmuração.

Ao pronunciar uma palavra medita a advertência da Sagrada Escritura: «Um golpe de azor-rague deixa um vergão; mas um golpe de língua descarna os ossos».

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II Muitos são os que ferem a honra alheia!

Mas, sendo tão manifesta a gravidade da calúnia e da murmuração, muito mais triste e

desconsolador ainda se torna o fato de que tão espalhado esteja este pecado entre os homens. Em primeiro lugar, quantas palavras inconscientes e vãs pronunciamos!

Para muitos homens a ocupação principal é apenas palrar, perder o tempo estouvadamente. «O burro descobre-se pelas orelhas, o néscio pelas palavras», diz muito graficamente um provérbio alemão. O coração humano é um cofre de tesouros que tem por porta a boca: uns tiram de lá bon-dade, amor, sabedoria; outros insensatez, maldade, veneno. Quantas palavras impensadas, até, muitas vezes, dos próprios pais! As conversas frívolas dos pais aziumados que diante dos filhos se queixam da Divina Providência, dos superiores, do pro-fessor que dá um castigo! Conversas frívolas de pais imprudentes na presença dos filhos!... «assim como assim, eles não percebem nada!...» Ordens imprudentes de pais insensatos. As crianças acabam de aprender, na catequese, o oitavo Mandamento: «Não mentir». Chega a menina a casa e diz-lhe a mãe: «Sabes? O teu vesti-do novo ficou em cento e cinqüenta escudos. Mas livra-te de dizeres ao teu pai que custou mais de cem!» Então esta mãe compreende a responsabilidade da língua? O pai recomenda à filha de onze anos que no combóio, diga ter nove, para pagar menos. Chega o condutor... e o pai pede um bilhete inteiro e um meio bilhete. O condutor, desconfiado, pergunta à menina: «Quantos anos tem?» A pobre menina não quer mentir. Mas a seu lado está o pai, severo. A criança olha ora para o pai, ora para o condutor. «Então, vamos lá a ver: quantos anos tem?» insiste o condutor. E a pobrezinha resolve-se, por fim: «Em casa, onze; aqui, nove». Mas não sentem os pais a responsabilidade da lingua? Além disso como se espalha entre nós não só o modo de falar imprudente, mas perverso, nocivo, caluniador! Na casa de um antigo ferreiro de Zurich pode ler-se a seguinte inscrição:

«Se houvesse de pôr-se um cadeado em cada boca maldizente, a arte de serralheira teria de ser a pri-meira da terra».

Um médico célebre de Berlim (Hufeland), exprimiu o mesmo pensamento, mas em lingua-gem mais elevada: «Quando nos entra na garganta algum corpo estranho que a moleste, somos obrigados a tossir. Pois bem: se tivessemos de tossir de cada vez que sai da garganta alguma coisa molesta, há pessoas que não fariam outra coisa!»

Poderemos dizer que este médico viu o quadro muito negro? S. Paulo escreve que os caluniadores são odiados por Deus... e contudo, que vemos nós?

Tanta murmuração! Tanta calúnia! Nas terras pequenas como nas grandes, quantas cabeças leves passam o tempo desfiando, nas reuniões da tarde, os escândalos íntimos de toda a cidade! Quan-tos chás começam desta maneira: «Já ouviram o que para aí dizem de Fulano e de Sicrano? Eu não afirmo que seja verdade, Deus me livre! Não quero falar mal de ninguém...» Pois não, não quer falar, mas lança a flecha!

Ah! Como tantas pessoas modernas passam a vida! Desde a murmuração sotto voce, desde os segredinhos, desde as histórias que «só lhe digo a você», até à calúnia, à difamação, à ofensa descarada contra a honra! Ai! Aqueles sempiternos críticos que de todos falam! Com os dentes afiados como lâminas, segundo a frase da Sagrada Escritura. Que em nada de bom são capazes de acreditar! Que descobre o mínimo argueiro nos olhos dos outros e mostram, com satisfação, a grande trave que encontraram! Que apontam com o dedo a falta alheia, do tamanho de um mos-

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quito, e são capazes de engolir os seus próprios pecados, mesmo que sejam do tamanho de um camelo.

É curioso costume nosso que, ao doer-nos um dente, a língua procure o ponto dorido, ain-da que assim torne maior o sofrimento. É semelhante a este o hábito de algumas pessoas que com a própria língua aumentam a dor dos seus semelhantes. Muitas vezes nem sequer percebem que feriram e beliscaram os outros. E como toda a gente aprende esta ciência maldita! A língua vipe-rina é o único instrumento de corte que com o uso se afia ainda mais.

Que imenso dilúvio de murmurações e calúnias, que arte de fazer estendal da roupa suja do próxima! E como se comprazem! Quantas noites de lágrimas, quantas amarguras, quantos lares devastados por murmurações infundadas, por calúnias, por invenções, por suspeitas! Mur-murações contra instituições eclesiásticas, contra sacerdotes que não estão presentes e não se podem defender! Nem sequer se respeitam os mortos, não se deixam em paz os que dormem na sepultura! Se observarmos como as murmurações, infamações e calúnias foram origem de um mar de amarguras; quantos conhecidos, amigos, parentes, se desavieram por causa delas,m não nos parecerá exagerada a denominação dada por alguém a esses criaturas que as propagam, cha-mando-lhes «ratas da sociedade», porque lhe roem, assolapadamente, os fundamentos: o mútuo amor e estima. Nem nos pareceriam severas as palavras da Sagrada Escritura: «O murmurador e o homem de duas caras é maldito, porque estabelece a confusão entre muitos que viviam em paz».

2. – Não devemos, porém, contentar-nos com fazer sobressair o mal; devemos lutar contra esse mal. Lutar; a) em nós próprios. b) no nosso meio.

a) Lutarei contra este pecado em mim próprio se aprender a medir as minhas palavras. Ah! sim. grande parte dos pecados desapareceriam instantâneamente se seguíssemos o

aviso do Apóstolo S. Tiago: «Bem o sabeis vós, meus muito queridos irmãos. E assim cada pessoa seja pronta em escutar, mas tarda em falar e refreada na ira».

E não será interessante a observação feita por S. Bernardo? «Deus deixou em liberdade os nossos órgãos, diz o santo escritor, mas erguem um duplo muro diante da língua – os dentes e os lábios – para nos prevenir de que não devemos pôr-nos a falar precipitadamente».

A Sagrada Escritura ensina também que «as palavras dos sábios serão pesadas numa balança». «Há ocasião de falar e ocasião de calar».

Em certa ocasião disse um companheiro a S. Tomás de Aquino: «Olhe um boi a voar!» O Santo olhou e o outro deu uma gargalhada. Mas S. Tomás observou: «Custa-me menos acreditar ser possível voar um boi, do que poder um religioso mentir».

É óbvio que não vamos dar uma interpretação exagerada a estas palavras e não devemos ver pecado num gracejo de bom humor; mas podemos compreender quanta delicadeza de cons-ciência, quanta responsabilidade cabe a uma pessoa religiosa quando tem de falar. Pois se é ver-dade o que escreve Santo Ambrósio, que a «boca muda é mãe dos pensamentos sábios», então o contrário também tem sua razão de ser, isto é, que a mania das graçolas é mãe de más ações.

Um célebre filósofo alemão, Schopenhauer, fez esta observação ofensiva: as mulheres mentem três vezes mais que os homens. Em primeiro lugar essa opinião é falsa. Mas ainda que fosse verdadeira seria, apenas, porque as mulheres falam três vezes mais.

De modo que: domínio da língua! Se aprendêssemos isto, como diminuiriam os pecados, os males, os desgostos, as amarguras deste mundo! A palavra dita é como pedra atirada, como bala disparada: escapa ao nosso domínio. Portanto, quando falamos, devemos pesar sempre o que dizemos: «Em verdade vos digo que até de qualquer palavra ociosa que disseram haverão os homens de dar conta no dia do juízo. Pois pelas tuas palavras serás justificado e por elas condenado».

Ouves, leitor amigo? Se o Senhor reprova até a palavra ociosa, como há-de então julgar a palavra intriguista, infamadora, assassina?

Sabeis quem é capaz de impor disciplina à própria língua? Aquele que sabe disciplinar o seu

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próprio interior, a sua alma. A boca fala apenas da abundância do coração. A língua é como um ponteiro de relógio: se o ponteiro aponta hora errada, é devido a um defeito do maquinismo inte-rior. «Como haveis de ser capazes de falar de coisa boa, sendo maus como sois?» foi a censura dirigida por Nosso Senhor Jesus Cristo aos fariseus. – Visto que a boca fala da abundância do coração.

b) Pois então não havemos também de consentir que se calunie ou difame no nosso meio. Não ficaria mal nas mesas dos chás a inscrição que Santo Agostinho pôs na sua: «Quem for mal-dizente não pode comer aqui».

«Mas que hei-de eu fazer se os outros começarem? Deverei mandá-los calar, rudemente, com violência?» Não; nem com rudeza, nem com violência. Basta um pouco de habilidade e pre-sença de espírito para canalizar noutro sentido as palavras intriguistas. Como fazia, por exemplo, S. Tomás Moro, o chanceler mártir da Inglaterra. Quando, em sua presença, começavam a falar das faltas de alguém, interrompia imediatamente, em tom alegre: «Pois digam o que quiserem, eu afianço que esta casa está bem construída e que o seu arquiteto foi um artista!»

Os Maldizentes caíam em si e compreendiam o aviso delicado. Não toques na honra do próximo! Foi o tema do presente capítulo.

Mas nós somos homens, homens que escorregam. E se em alguma ocasião a nossa debili-dade humana houver triunfado, se tivermos falado de alguém em tom de desconfiança e desa-mor, tenhamos, ao menos, coragem para retificar. Façamos como o Reitor da Universidade de Parias que se retratou das suspeitas concebidas contra um dos seus estudantes, o que veio a ser mais tarde Santo Inácio de Loyola. Menciono agora o caso, no final do capítulo, porque oferece a todos uma preciosa lição. Um dos professores da Universidade queixou-se de que Inácio de Loyola, com as suas práticas de piedade, desviava do estudo os seus jovens amigos. Não era verdade. Mas o Reitor deu crédito à denúncia e ordenou que se procedesse ao castigo de Inácio. Mandou tocar a sineta, a convocar todo o colégio, para que, diante de todos, cada professor desse uma varada no ombro do culpado. Inácio, em sua consciência sentia-se completamente livre de culpas, mas ainda assim estava resolvido a sofrer o castigo; apenas pediu ao Reitor que não o humilhasse tanto diante dos seus companheiros, não fossem eles perder a coragem de continuar a sua vida de piedade. Entre-tanto o Reitor, que reconhecera a completa inocência de Inácio, em vez de lhe responder mandou-o entrar na aula onde já estavam reunidos, para a cerimônia, todo o claustro de professores e a multidão dos alunos. Então ali, à vista de toda a Universidade, o Reitor ajoelhou-se aos pés de Inácio e pediu-lhe perdão por ter acreditado com tanta facilidade nas acusações lançadas contra ele. Não sabemos a quem mais admirar neste caso: se Inácio de Loyola, disposto a sofrer o cas-tigo, apesar de inocente, se o Reitor, que, com tanta bizarria, soube retificar a sua suspeita preci-pitada. «Quem guarda a sua boca guarda a sua alma – diz a Sagrada Escritura, - mas o inconsiderado em falar sentirá os prejuízos».

Leitores: quereremos ver-nos prejudicados diante do Senhor?

Não!

Não? Pois então sejamos compreensivos, nesta vida, para com as fragilidades do nosso próximo;

tenhamos espírito de benevolência e perdão, para que no dia de Juízo Nosso Senhor use também de piedade

conosco ao julgar as nossas muitas faltas e os nossos grandes pecados.

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Festa Paroquial

do Priorado

domingo

28 de Agosto

9h Santa Missa

11h Concerto

12h15 Churrasco

Todo o benefício da festa será destinado às obras do Priorado.

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CURSO DAS CURSO DAS QUARTAS FEIRAS QUARTAS FEIRAS Sta Jeanne Sta Jeanne

d´Arcd´Arc

A Última Gesta A Última Gesta No segundo semestre de 2016 No segundo semestre de 2016

no salão do Priorado todas as no salão do Priorado todas as

4as feiras às 19h 15 4as feiras às 19h 15 teremos teremos

um curso aberto a todos os um curso aberto a todos os

interessados sobre a vida e interessados sobre a vida e

obra da grande heroína fran-obra da grande heroína fran-

cesa.cesa.

1a aula 31 de agosto1a aula 31 de agosto

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Fraternidade Sacerdotal São Pio X - Priorado do Imaculado Coração de Maria

Rua Tuiuti, 590 – Santa Maria/RS

Tel.: (55) 3028-3896 / www.fsspx-brasil.com.br

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DATAS a recordar...

Julho 1 Sexta – Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor 2 Sábado – Visitação da Santíssima Virgem 3 Domingo – VII° Domingo depois de Pentecostes 10 Domingo – VIII° Domingo depois de Pentecostes 17 Domingo – IX° Domingo depois de Pentecostes 24 Domingo – X° Domingo depois de Pentecostes 25 Segunda – São Tiago Maior Apóstolo 26 Terça – Santa Ana, Mãe da Santíssima Virgem 31 Domingo – XI° Domingo depois de Pentecostes

Agosto

6 Sábado – Transfiguração de Nosso Senhor 7 Domingo – XII° Domingo depois de Pentecostes 10 Quarta – São Lourenço, Mártir 14 Domingo – XIII° Domingo depois de Pentecostes 15 Segunda – Assunção da Santíssima Virgem 16 Terça – São Joaquim, Pai da Santíssima Virgem 21 Domingo – XIV° Domingo depois de Pentecostes 22 Segunda – Imaculado Coração de Maria 24 Quarta – São Bartolomeu, Apóstolo

28 Domingo – XV° Domingo depois de Pentecostes – FESTA DO PRIORADO 30 Terça – Santa Rosa de Lima, Virgem

CATECISMO NO PRIORADO

Preparação para a Primeira Comunhão e Crisma.

Crianças & Adultos Todos os sábados às 15h no salão parroquial

Inscrição na saída da Missa do domingo