11
Superior Tribunal de Justiça HABEAS CORPUS 228.023 - SC (2011/0299610-2) RELATOR : MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ) IMPETRANTE : MARLON CHARLES BERTOL ADVOGADO : MARLON CHARLES BERTOL IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO PACIENTE : SAMIR MATTAR RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ) (Relator): Trata-se de habeas corpus originário impetrado em favor de SAMIR MATTAR, investigado por ter praticado, ao menos em tese, crimes contra a administração pública, na condição de Prefeito do Município de Barra Velha-SC. Informam os autos que o Ministério Público Federal representou pela decretação da prisão preventiva do ora paciente, com fundamento nos dados colhidos em investigações preliminares acerca dos fatos tidos por delituosos. O m.d. Desembargador Federal Néfi Cordeiro indeferiu o pedido de prisão preventiva, tendo, no entanto, determinado a quebra dos sigilos telefônico, bancário e fiscal do investigado, bem como, a aplicação de medida alternativa à prisão, nos termos da atual redação do art. 319, do CPP, consistente no afastamento do cargo de Prefeito Municipal e proibição de qualquer contato com os servidores daquela municipalidade. Informam os autos, ainda, que a ordem de afastamento foi cumprida em 07.07.2011. Em consulta ao sítio eletrônico do eg. Tribunal Regional Federal da Região, observa-se que contra a referida decisão foi interposto agravo regimental julgado pela Seção, sob a relatoria do m.d. Juiz Federal Gilson Luiz Inácio, cujo acórdão restou assim ementado: "PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DESVIO DE VERBAS FEDERAIS E OUTROS DELITOS. INVESTIGAÇÃO. PREFEITO E AGENTES PÚBLICOS MUNICIPAIS. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. MEDIDAS DE BUSCA E APREENSÃO. AFASTAMENTO DE CARGOS E FUNÇÕES. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E DE DADOS DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS. CABIMENTO. COMPETÊNCIA FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. FATOS NOVOS. Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 11

Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 228.023 - SC (2011/0299610-2)

RELATOR : MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ)

IMPETRANTE : MARLON CHARLES BERTOL ADVOGADO : MARLON CHARLES BERTOL IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO PACIENTE : SAMIR MATTAR

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ) (Relator):

Trata-se de habeas corpus originário impetrado em favor de SAMIR

MATTAR, investigado por ter praticado, ao menos em tese, crimes contra a

administração pública, na condição de Prefeito do Município de Barra Velha-SC.

Informam os autos que o Ministério Público Federal representou

pela decretação da prisão preventiva do ora paciente, com fundamento nos dados

colhidos em investigações preliminares acerca dos fatos tidos por delituosos.

O m.d. Desembargador Federal Néfi Cordeiro indeferiu o pedido de

prisão preventiva, tendo, no entanto, determinado a quebra dos sigilos telefônico,

bancário e fiscal do investigado, bem como, a aplicação de medida alternativa à

prisão, nos termos da atual redação do art. 319, do CPP, consistente no

afastamento do cargo de Prefeito Municipal e proibição de qualquer contato com os

servidores daquela municipalidade.

Informam os autos, ainda, que a ordem de afastamento foi cumprida

em 07.07.2011.

Em consulta ao sítio eletrônico do eg. Tribunal Regional Federal da

4ª Região, observa-se que contra a referida decisão foi interposto agravo regimental

julgado pela 4ª Seção, sob a relatoria do m.d. Juiz Federal Gilson Luiz Inácio, cujo

acórdão restou assim ementado:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DESVIO DE VERBAS

FEDERAIS E OUTROS DELITOS. INVESTIGAÇÃO. PREFEITO E

AGENTES PÚBLICOS MUNICIPAIS. INDÍCIOS DE AUTORIA E

MATERIALIDADE. MEDIDAS DE BUSCA E APREENSÃO.

AFASTAMENTO DE CARGOS E FUNÇÕES. QUEBRA DE SIGILO

BANCÁRIO E DE DADOS DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS.

CABIMENTO. COMPETÊNCIA FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA.

FATOS NOVOS.

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 de 11

Page 2: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

1. Forte no que dispõe o art. 109, inciso IV da CF/88, este Tribunal é

competente para processar e julgar prefeitos municipais por infrações

praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União assim

entendidas também aquelas relativas ao uso indevido de verbas públicas

recebidas da União sob condição e sujeitas a prestação de contas e ao

controle do Tribunal de Contas da União. Aplicabilidade, ao caso, da

Súmula 208 do egrégio STJ.

2. Não é ausente de fundamentação a decisão que conclui que os

elementos probatórios fornecem indícios relevantes dos crimes

investigados e servem para a convicção da justa causa para o

desenvolvimento da persecução criminal e para deferimento dos

procedimentos probatórios.

3. Baseando-se a decisão agravada em todos os elementos de prova

trazidos aos autos, que expressamente demonstram a participação dos

agravados nos vários fatos investigados, mostra-se desnecessária a

referência expressa aos seus nomes.

4. Havendo novas provas é cabível a reabertura de investigação por

fatos possivelmente idênticos e já arquivados.

5. Estabelecido como suficiente o afastamento dos cargos e impedimento

de contatar pessoalmente servidores em atuação na municipalidade, em

substituição à prisão processual, para evitar o risco de continuidade

delitiva.

6. Não comprovado o desrespeito à determinação de que fossem

adotadas medidas para evitar a exposição midiática das diligências e dos

envolvidos.

7. Cumpridas as medidas cautelares, a posterior veiculação das notícias

na mídia (televisão e internet) é reflexo da garantia de liberdade de

imprensa."

Na presente impetração, alega-se que o paciente estaria sofrendo

constrangimento ilegal, porquanto o afastamento do Prefeito Municipal tem duração

excessiva e desarrazoada, tratando-se de investigação que já dura mais de 1 (um)

ano e 6 (seis) meses sem previsão de conclusão do Inquérito instaurado nem de

oferecimento da Denúncia em seu desfavor.

Colhe-se, também, do sítio eletrônico do eg. Tribunal a quo, a

certidão narrativa expedida em 14.05.2012, onde observam-se as seguintes

informações, no que pertine ao presente feito:

"INQUÉRITO POLICIAL nº 0000903-03.2011.404.0000/SC, em que

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 2 de 11

Page 3: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

figura como autor o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, distribuído em

19/01/2011 ao Desembargador Federal NÉFI CORDEIRO, cujo objeto

trata da apuração de eventual conduta ilícita descrita nos arts. 288

(formação de quadrilha), 312 (peculato), 332 (tráfico de influência), 344

(coação no curso do processo) e 357 (exploração de prestígio), todos do

Código Penal, e no art. 89 da Lei 8.666/93, preliminarmente atribuída a

integrantes da administração do Município de Barra Velha/SC. Certifico,

ainda, que o referido processo origina-se do Inquérito Policial nº

0001170-37.2010.404.7201, da 2ª Vara Federal de Joinville/SC, e vieram

à apreciação desta Corte por declinação de competência do juízo

originário em face da suposta participação, nos fatos narrados, do

prefeito do município de Barra Velha, Samir Mattar (prerrogativa de foro -

arts. 29, X e 109, IV, da Constituição Federal c/c art. 84 do Código

Penal). No âmbito desta Corte, em 18/02/2011 o Ministério Público

Federal requereu fosse acolhida a competência deste Tribunal e o

retorno dos autos à autoridade policial para conclusão das investigações.

Em 07/06/2011, nos autos do pedido de quebra de sigilo de dados

e/ou telefônico nº 0000126-18.2011.404.0000, por decisão do Exmo

Desembargador Federal Relator, foi determinado o afastamento

imediato dos respectivos cargos e funções dos seguintes

investigados: Samir Mattar, Prefeito Municipal ; Eurides dos Santos,

Assessor Jurídico, Presidente da Defesa Civil e Secretário de

Planejamento; Valdir Tavares, Presidente da Câmara de Vereadores;

Alzerino José de Souza, Presidente da Fundação Hospitalar do

Município; Eurico dos Santos, Secretário Municipal de Agricultura e

Marcelo Douglas Meteleski, Secretário de Obras; bem como foi

determinado o impedimento dos mesmos em contatar pessoalmente com

servidores em atuação na municipalidade. Em 06/09/2011, frente à

notícia de ter sido decretada a cassação do Prefeito do Munícipio,

Samir Mattar (Decreto Legislativo nº 02, de 13/08/2011, da Câmara de

Vereadores de Barra Velha, e considerando a inexistência de outros

investigados com prerrogativa de função, foi declinada a

competência para julgamento do feito ao juízo de primeiro grau. Em

29/09/2011 os autos foram enviados à Subseção Judiciária de

Joinville. Em 06/12/2011, tendo em vista a decisão proferida pelo

Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Agravo de Instrumento nº

2011.090041-2, atribuindo efeito suspensivo à cassação do mandato

do Prefeito de Barra Velha/SC, restabeleceu-se a competência deste

TRF e o referido Inquérito, bem como as exceções de

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 3 de 11

Page 4: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

incompetência nºs 0011978-39.2011.404.0000 e

0011977-54.2011.404.0000, foram devolvidos a esta Corte. Certifico,

mais, que conforme consulta no Sistema Processual do Tribunal -

SIAPRO, o referido processo permaneceu no Ministério Público Federal

nos períodos que seguem: 20/01/2011 a 22/02/2011, 30/03/2011 a

11/04/2011, 29/08/2011 a 31/08/2011, 14/09/2011 a 21/09/2011,

26/01/2012 a 31/01/2012, 13/03/2012 a 30/03/2012 e 13/04/2012 a

11/05/2012 e em diligência com a Polícia Federal nos períodos de

25/02/2011 a 23/03/2011, 12/04/2011 a 08/06/2011, 20/06/2011 a

25/08/2011. Certifico, também, que no inquérito policial há

solicitação do Ministério Público Federal de baixa dos autos à

Delegacia de Polícia Federal em Joinville - SC a fim de que a

investigação possa ser definitivamente concluída, com

apresentação do relatório conclusivo. Certifico, por fim, que até a

presente data o Ministério Público Federal não ofereceu denúncia

no inquérito em comento. O referido é verdade e dou fé. Porto Alegre,

14 de maio de 2012."

Considerando tratar a presente ordem mandamental de mera

reiteração do HC n.º 226.594/SC, impetrado em favor do mesmo paciente,

indeferiu-se liminarmente o writ.

Releva notar que, em pedido de reconsideração, observou-se tratar

do mesmo pedido, formulado, porém, com fundamento diverso, razão pela qual

houve reconsideração parcial daquele decisum , admitindo-se o processamento do

feito e negando-se a medida liminar pleiteada.

Instado a manifestar-se, o Ministério Público Federal opinou pelo

não conhecimento do writ e, caso superada a preliminar, pela sua denegação no

mérito.

Após, a defesa fez juntar petição reiterando o pedido de concessão

da medida liminar, ao passo que a Prefeitura de Barra Velha-SC, a despeito de não

compor a lide, juntou pedido de manutenção do afastamento do paciente.

É, no essencial, o relatório.

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 4 de 11

Page 5: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 228.023 - SC (2011/0299610-2) RELATOR : MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJ/RJ)IMPETRANTE : MARLON CHARLES BERTOL ADVOGADO : MARLON CHARLES BERTOL IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO PACIENTE : SAMIR MATTAR

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. PREFEITO MUNICIPAL. AFASTAMENTO CAUTELAR DO CARGO. APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DO ART. 319 DO CPP. POSSIBILIDADE. LEI POSTERIOR. DECISÃO DE AFASTAMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO QUE DURA APROXIMADAMENTE 1 (UM) ANO. INQUÉRITO NÃO CONCLUÍDO. INEXISTÊNCIA DE OFERECIMENTO DE DENÚNCIA.1. Aplica-se aos detentores de mandato eletivo a possibilidade de fixação das medidas alternativas à prisão preventiva previstas no art. 319 do CPP, por tratar-se de norma posterior que afasta, tacitamente, a incidência da lei anterior.2. A decisão de afastamento do mandatário municipal está devidamente fundamentada com a demonstração de suas necessidade e utilidade a partir dos elementos concretos colhidos dos autos.3. A Constituição Federal garante aos litigantes a duração razoável do processo conjugado com o princípio da presunção de não culpabilidade.4. Configura excesso de prazo a investigação criminal que dura mais de 1 (um) ano sem que se tenha concluído o inquérito policial, muito menos oferecida a Denúncia em desfavor do paciente.5. In casu , o paciente já está afastado do cargo há cerca de um ano, o que corresponde a 1/4 (um quarto) do mandato, podendo caracterizar verdadeira cassação indireta, papel para o qual o Poder Judiciário não foi investido na jurisdição que ora se exercita.6. Habeas corpus parcialmente concedido.

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 5 de 11

Page 6: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 228.023 - SC (2011/0299610-2) RELATOR : MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJ/RJ)IMPETRANTE : MARLON CHARLES BERTOL ADVOGADO : MARLON CHARLES BERTOL IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4A REGIÃO PACIENTE : SAMIR MATTAR

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ):

Em favor de SAMIR MATTAR foi impetrada a presente ordem

originária aos fundamentos de que (i) o afastamento do cargo de Prefeito Municipal

não está sujeito ao regramento do art. 319 do CPP, (ii) o Decreto-Lei 201/67 só

autoriza a medida de afastamento após o recebimento da denúncia, (iii) não há

fundamento idôneo para a determinação da medida cautelar imposta e (iiii) o prazo

do afastamento é excessivo e desarrazoado, com duração de 1 (um ) ano na

presente data.

A irresignação merece prosperar, em parte.

Com efeito, as normas relativas à aplicação de medidas cautelares

substitutivas à prisão preventiva foram incorporadas ao regramento processual

penal em 2011, pela Lei n.º 12.403, razão pela qual não se pode falar em sua

inaplicabilidade aos detentores de mandato eletivo, por tratar-se de lei posterior que

tacitamente regulamenta questão sujeita à sua competência material.

Ademais, as razões de afastamento e a necessidade processual

pelas quais são determinadas, tratam de hipóteses diversas no que diz respeito a

tais medidas.

Também não prospera a alegação de que o Decreto-Lei n.º 201/67

é a única legislação regente da matéria, pois, como dito, o legislador

contemporâneo regulou a quaestio por meio de outra norma que disciplina as

possibilidades de alternativas processuais à prisão preventiva, fazendo aplicar,

também, aos agentes públicos, a possibilidade de afastamento do exercício de seu

cargo ou função na fase inquisitorial da persecução criminal.

Melhor sorte não socorre o paciente no que diz respeito aos

fundamentos da determinação do afastamento do exercício do cargo de Prefeito,

porquanto ela preenche todos os requisitos legais, tendo sido demonstrada

concretamente a necessidade da medida urgente a partir dos elementos colhidos na

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 6 de 11

Page 7: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

investigação.

Assim, resta analisar a matéria referente ao excesso de prazo da

medida cautelar imposta.

Neste ponto, a ordem liberatória comporta concessão.

Inicialmente, deve-se ressaltar a inexistência de supressão de

instância para apreciar a questão jurídica.

Trata-se de habeas corpus ORIGINÁRIO impetrado contra medida

constritiva determinada por Desembargador Federal no exercício da jurisdição

especial do foro por prerrogativa de função de Prefeito Municipal sobre o qual se

investiga a prática de delito que envolve a aplicação de verba pública federal, com

significativo desvalor ético por tratar-se de fundo emergencial destinado a vítimas de

catástrofes naturais.

Dessa forma, não há falar em supressão de instância pois o

paciente pode socorrer-se do writ of mandamus dirigido à autoridade imediatamente

superior ao prolator da decisão que impede ou tem o poder de impedir seu direito

ambulatorial.

Por tal razão, tenho que a ordem mandamental pode ser conhecida

no ponto.

No mérito, malgrado a gravidade dos fatos imputados ao paciente, e

a complexidade da investigação asseverada pelo eg. Tribunal a quo, deve-se

subordinar todo feito judicial ao comando constitucional que determina a duração

razoável do processo.

Trata-se de inquérito policial, REABERTO pela ocorrência de fatos

novos, que tem como objeto a apuração de possíveis delitos que já foram fruto de

outra investigação anteriormente arquivada. Observa-se que o atual procedimento

investigatório dura mais de 1 (um) ano sem que se tenha oferecido Denúncia em

desfavor do indiciado.

Em consulta ao processo originário perante o eg. Tribunal Regional

Federal da 4ª Região, é possível encontrar certidão exarada pelo próprio ofício

judicial, certificada digitalmente, onde colhe-se que no última dia 14.05.2012 o feito

havia saído do Ministério Público Federal para a Polícia Federal, a fim de que

fossem cumpridas diligências necessárias ao encerramento do inquérito policial,

como é possível constatar, in verbis :

"INQUÉRITO POLICIAL nº 0000903-03.2011.404.0000/SC, em que

figura como autor o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, distribuído em

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 7 de 11

Page 8: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

19/01/2011 ao Desembargador Federal NÉFI CORDEIRO, cujo objeto

trata da apuração de eventual conduta ilícita descrita nos arts. 288

(formação de quadrilha), 312 (peculato), 332 (tráfico de influência), 344

(coação no curso do processo) e 357 (exploração de prestígio), todos do

Código Penal, e no art. 89 da Lei 8.666/93, preliminarmente atribuída a

integrantes da administração do Município de Barra Velha/SC. Certifico,

ainda, que o referido processo origina-se do Inquérito Policial nº

0001170-37.2010.404.7201, da 2ª Vara Federal de Joinville/SC, e vieram

à apreciação desta Corte por declinação de competência do juízo

originário em face da suposta participação, nos fatos narrados, do

prefeito do município de Barra Velha, Samir Mattar (prerrogativa de foro -

arts. 29, X e 109, IV, da Constituição Federal c/c art. 84 do Código

Penal). No âmbito desta Corte, em 18/02/2011 o Ministério Público

Federal requereu fosse acolhida a competência deste Tribunal e o

retorno dos autos à autoridade policial para conclusão das investigações.

Em 07/06/2011, nos autos do pedido de quebra de sigilo de dados

e/ou telefônico nº 0000126-18.2011.404.0000, por decisão do Exmo

Desembargador Federal Relator, foi determinado o afastamento

imediato dos respectivos cargos e funções dos seguintes

investigados: Samir Mattar, Prefeito Municipal ; Eurides dos Santos,

Assessor Jurídico, Presidente da Defesa Civil e Secretário de

Planejamento; Valdir Tavares, Presidente da Câmara de Vereadores;

Alzerino José de Souza, Presidente da Fundação Hospitalar do

Município; Eurico dos Santos, Secretário Municipal de Agricultura e

Marcelo Douglas Meteleski, Secretário de Obras; bem como foi

determinado o impedimento dos mesmos em contatar pessoalmente com

servidores em atuação na municipalidade. Em 06/09/2011, frente à

notícia de ter sido decretada a cassação do Prefeito do Munícipio,

Samir Mattar (Decreto Legislativo nº 02, de 13/08/2011, da Câmara de

Vereadores de Barra Velha, e considerando a inexistência de outros

investigados com prerrogativa de função, foi declinada a

competência para julgamento do feito ao juízo de primeiro grau. Em

29/09/2011 os autos foram enviados à Subseção Judiciária de

Joinville. Em 06/12/2011, tendo em vista a decisão proferida pelo

Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Agravo de Instrumento nº

2011.090041-2, atribuindo efeito suspensivo à cassação do mandato

do Prefeito de Barra Velha/SC, restabeleceu-se a competência deste

TRF e o referido Inquérito, bem como as exceções de

incompetência nºs 0011978-39.2011.404.0000 e

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 8 de 11

Page 9: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

0011977-54.2011.404.0000, foram devolvidos a esta Corte. Certifico,

mais, que conforme consulta no Sistema Processual do Tribunal -

SIAPRO, o referido processo permaneceu no Ministério Público Federal

nos períodos que seguem: 20/01/2011 a 22/02/2011, 30/03/2011 a

11/04/2011, 29/08/2011 a 31/08/2011, 14/09/2011 a 21/09/2011,

26/01/2012 a 31/01/2012, 13/03/2012 a 30/03/2012 e 13/04/2012 a

11/05/2012 e em diligência com a Polícia Federal nos períodos de

25/02/2011 a 23/03/2011, 12/04/2011 a 08/06/2011, 20/06/2011 a

25/08/2011. Certifico, também, que no inquérito policial há

solicitação do Ministério Público Federal de baixa dos autos à

Delegacia de Polícia Federal em Joinville - SC a fim de que a

investigação possa ser definitivamente concluída, com

apresentação do relatório conclusivo. Certifico, por fim, que até a

presente data o Ministério Público Federal não ofereceu denúncia

no inquérito em comento. O referido é verdade e dou fé. Porto Alegre,

14 de maio de 2012."

Assim, o Prefeito Municipal legitimamente eleito está afastado de

seu cargo há mais de um ano sem que, sequer, se tenha concluído a investigação

de um inquérito reaberto de onde já haviam sido colhidos outros elementos

probatórios sobre os fatos tidos por delituosos.

A despeito da escorreita decisão do m.d. Desembargador Federal

que determinou a imposição da medida cautelar de afastamento do cargo, impende

reconhecer que o feito se prolonga por prazo indefinido e desarrazoado, para o qual

não contribuiu a defesa, por tratar-se da fase inquisitorial, realizada unilateralmente

pela Polícia Judiciária, com acompanhamento do Parquet .

Não há razoabilidade para a manutenção do afastamento por mais

de 1 (um) ano baseada, exclusivamente, em investigação que foi arquivada, e que,

reaberta, dura por todo esse período sem que haja conclusão do inquérito, e muito

menos oferecimento da Denúncia.

Acerca do afastamento dos agentes detentores de cargo público, a

jurisprudência desta Corte está firmada no entendimento de que o prazo do

afastamento não deve ser superior a 180 (cento e oitenta) dias por configurar a

cassação indireta do mandato conferido ao investigado pelas urnas populares.

Nesse sentido noticiou, recentemente, o Informativo de

Jurisprudência n.º 498, onde a Corte Especial manteve a decisão monocrática do

eminente Ministro Presidente no AgRg na SLS n.º 1.500/MG, limitando, todavia, a

duração do afastamento a 180 (cento e oitenta) dias, com a seguinte ementa:Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 9 de 11

Page 10: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

"PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO DO

CARGO DE VEREADOR. LESÃO À ORDEM PÚBLICA. A norma do art.

20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, que prevê o afastamento

cautelar do agente público durante a apuração dos atos de improbidade

administrativa, só pode ser aplicada se presente o respectivo

pressuposto, qual seja, a existência de risco à instrução processual.

Hipótese em que a medida foi fundamentada em elementos concretos a

evidenciar que a permanência no cargo representa risco efetivo à

instrução processual. Agravo regimental não provido." (AgRg na SLS

1500/MG, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Corte Especial, Dje de

06.06.2012)

Das razões do voto do eminente Ministro Ari Pargendler colhe-se:

"Nessa linha, o pedido de suspensão de liminar foi deferido, em

parte, apenas para limitar os efeitos da decisão que afastou os

vereadores de seus cargos eletivos até 180 (cento e oitenta) dias

contados da data do decisum ora agravado à vista do tempo já

decorrido ."

No mesmo sentido:

"PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. AFASTAMENTO

DOS CARGOS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. LESÃO À ORDEM

PÚBLICA. A norma do art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992,

que prevê o afastamento cautelar do agente público durante a apuração

dos atos de improbidade administrativa, só pode ser aplicada em

situação excepcional. Hipótese em que a medida foi fundamentada em

elementos concretos a evidenciar que a permanência nos cargos

representa risco efetivo à instrução processual. Pedido de suspensão

deferido em parte para limitar o afastamento dos cargos ao prazo de

180 dias.

Agravo regimental não provido." (AgRg na SLS 1.397/MA, Rel. Min. ARI

PARGENDLER, Corte Especial, DJe 28.09.2011)

No presente caso, observa-se que o paciente já está afastado do

cargo há, aproximadamente, um ano, o que corresponde a 1/4 (um quarto) do

mandato, o que poderia caracterizar verdadeira cassação indireta, papel para o qual

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 0 de 11

Page 11: Stj hc 228.023 prefeito art. 319 cpp

Superior Tribunal de Justiça

o Poder Judiciário não foi investido na jurisdição que ora se exercita.

Nestes termos, CONCEDO PARCIALMENTE a ordem para

suspender a determinação de afastamento do paciente do cargo de Prefeito do

Município de Barra Velha-SC, reconduzindo-o ao exercício de suas funções, sem

prejuízo de que outra seja expedida caso haja novos fundamentos ou a

necessidade processual assim o reclame.

É como voto.

Documento: 22822257 - RELATÓRIO, EMENTA E VOTO - Site certificado Página 1 1 de 11