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80 v4 DE SETEMBRO DE 2008 CRIME SOCIEDADE

Stop à violência

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SOCIEDADE 80 v 4 DE SETEMBRO DE 2008 Rever a lei penal, criar bases de dados estatísticos e criminais, alterar as políticas de realojamento, melhorar a comunicação entre as polícias. Não faltam sugestões para travar a criminalidade violenta que tomou conta do País NA RUA, SEM RUMO POR RICARDO FONSECA E ALINA BALDÉ* 4 DE SETEMBRO DE 2008 v 81 António Pedro Dores, sociólogo ILUSTRAÇÃO: HÉLDER OLIVEIRA/WHO

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Rever a lei penal, criar bases de dados estatísticos e criminais, alterar as políticas de realojamento, melhorar a comunicação

entre as polícias. Não faltam sugestões para travar a criminalidade violenta que tomou conta do País

POR RICARDO FONSECA E ALINA BALDÉ*

Stop à violência

Portimão, Costa de Ca-parica, Sesimbra e Lis-boa. Quatro cidades, três tentativas de homi-cídio e um consumado. No Algarve, a vítima foi Ion, um cidadão rome-no de 37 anos, atingido

com dois tiros no abdómen, quando roda-va a chave da porta de sua casa. A polícia suspeita que o imigrante foi seguido até ao local do crime. Na altura, valeram-lhe os vizinhos que, alertados pelo estrondo dos disparos, chamaram, de imediato, uma ambulância. A prontidão do Instituto Na-cional de Emergência Médica também se revelou fundamental no caso da tentativa de assassínio registada junto de uma dis-coteca, na Costa de Caparica. Eram 7 horas da manhã quando um homem de 29 anos, que saía do estabelecimento, foi baleado numa perna e numa mão. Suspeita-se que os disparos tenham sido efectuados por conhecidos da vítima. Em Almoinha, Se-simbra, ao que tudo indica, terá ocorrido mais um episódio de homejacking, quando dois homens armados forçaram a entrada num apartamento partilhado por dois ir-mãos, pedindo-lhes a chave do carro. Um deles, ao tentar defender-se com uma faca de cozinha, foi atingido a tiro no pescoço e no peito. Após os disparos, que se revela-ram mortais, os assaltantes sequestraram um vizinho, obrigando-o a conduzi-los dali

‘As forças policiais não podem ser mobilizadas para espectáculos políticos. Isso vai afectar a sua credibilidade junto das populações’ António Pedro Dores, sociólogo

para fora. No Bairro Alto, em Lisboa, um homem foi baleado num ombro, durante a tarde – altura em que decorrem as festas after hours. A vítima conseguiu arrastar-se para dentro de um prédio, mas só depois de bater a várias portas é que foi socorrido. Assim se passou, em Portugal, o sábado, 30 de Agosto.

Nesse dia, unidades especiais da PSP e da GNR varreram vários bairros sociais, exi-bindo o músculo das forças de segurança perante um país assustado com a multipli-cação de crimes violentos. As operações, apelidadas de «prevenção criminal», come-çaram na quarta-feira, 27 de Agosto, horas antes de o ministro da Administração In-terna, Rui Pereira, dar uma demorada en-trevista à RTP. O impacto daquelas acções foi abrilhantado pela intervenção, quase inédita, de um helicóptero a sobrevoar os bairros, apontando um enorme foco de luz aos telhados dos edifícios. A coreografi a foi exibida em todas as televisões. «Esse tipo de soluções é pura propaganda e comple-tamente inconsequente, serve apenas para revoltar quem já vive revoltado», adverte o sociólogo António Pedro Dores. «As forças policiais não podem ser mobilizadas para espectáculos políticos. Isso vai obviamente afectar a sua credibilidade junto das popu-lações.»

NA RUA, SEM RUMOHá largos meses que se registam, em Portu-gal, crimes particularmente violentos. Não era habitual assistir-se a assaltos ou ho-micídios com recurso a explosivos, como aconteceu no caso da morte do proprietá-rio do bar O Avião, em Dezembro de 2007, em Lisboa, ou, em Agosto deste ano, na subtracção de cerca de 2 milhões de euros de uma carrinha de transporte de valores. Estes dois episódios, apesar de esporádi-cos, agravaram a sensação de insegurança, também justificada pelas notícias diárias de assaltos à mão armada a bancos, bom-

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digos. E que, até lá, é prematuro pensar em alterações. Apesar disso, o Governo apre-sentou uma solução de recurso, com uma adenda à lei das armas: «Todos os crimes, mesmo os de posse, ligados a armas ilegais, vão implicar a detenção dos indivíduos até à sua apresentação ao juiz.»

Em 2007, a PJ investigou mais de 2 mil

‘A localização de um crime de carjacking é completamente aleatória. Apanharmos um grupo em fl agrante é pura sorte. Até à data, isso nunca aconteceu...’ Agente de uma unidade especial da PSP

bas de gasolina e pelas acções de carjacking. Leonel Carvalho, 65 anos, secretário-geral do Gabinete Coordenador de Segurança, confirma à VISÃO um aumento de 15% da criminalidade violenta relativamente ao primeiro semestre de 2007. No entanto, não revela como variaram as parcelas, tor-nando assim impossível uma análise mais detalhada e rigorosa do fenómeno. «Não o posso fazer, mas, como deve calcular, essa decisão não é minha», explica o coordena-dor do único gabinete que reúne informa-ção das três forças policiais. «Quando há demasiados números, corremos sempre o risco de a interpretação da comunicação so-cial ser tendenciosa...» Curiosamente, esta estratégia foi quebrada em Julho, quando o Governo apresentou ao País as unidades es-peciais da PSP para combater o carjacking, justificando a medida com o aumento do fenómeno. Nos primeiros seis meses des-te ano, registaram-se 307 episódios, contra 198 no período homólogo de 2007.

A efi cácia desta iniciativa é, no entanto, posta em causa pelos próprios polícias. Fernando (nome fi ctício) pertence a uma dessas unidades, mas não se sente espe-cial. «Somos enviados para a rua num carro descaracterizado. Esse é o único aspecto positivo, porque o resto não tem qualquer critério», diz. «A localização de um crime de carjacking é completamente aleatória. Apanharmos um grupo em fl agrante é pura sorte», conta o polícia. «Até à data, isso nunca aconteceu, acabamos por ser úteis apenas noutro tipo de ilícitos.» Para o psicólogo criminal Carlos Poiares, 52 anos, a solução para combater a crimina-lidade violenta começa antes de qualquer tipo de intervenção policial. «Não concor-do com o aumento da severidade punitiva, corremos o risco de encher as prisões sem necessidade», diz este professor da Uni-versidade Lusófona. «É preciso eliminar o abandono escolar e repensar os modelos de realojamento», refere. «Os sinais indicam

que, se isso não for feito, o fenómeno cres-cerá ainda mais. Não podemos esquecer o que se passou em França.»

Carlos Anjos, presidente do sindicato da PJ, sugere aos autarcas que consultem as polícias na altura de realojar populações de risco. «Quando pessoas ou comunida-des incompatíveis se tornam vizinhas, é natural que isso se transforme num barril de pólvora», explica, fazendo referência ao tiroteio no bairro da Quinta da Fonte, em Loures. «As autoridades policiais po-deriam colaborar nessa gestão, evitando confl itos previsíveis.»

De acordo com os vários polícias e magis-trados consultados pela VISÃO, os autores de grande parte da criminalidade violenta são jovens oriundos de bairros problemá-ticos. Rui Cardoso, 37 anos, procurador do Ministério Público (MP) de Loures, garante que esses delinquentes estão cada vez mais confiantes, atrevidos e violentos. «Nota--se uma sensação de impunidade, eles têm a noção de que agora a Justiça lhes é mais favorável», refere o magistrado. A revisão da lei penal, da autoria do actual ministro da Administração Interna, revelou-se um autêntico tiro pela culatra. O novo códi-go tem sido alvo de muitas discussões, nos meios político e judicial, e dado origem aos episódios mais caricatos. «Imagine que um homem é preso por esfaquear outro, mas que o juiz não decreta nenhuma medida de coacção. Nessas circunstâncias, o MP não pode recorrer da decisão e pedir prisão pre-ventiva», explica, indignado, o procurador de Loures.

ARMAS A 200 EUROSFernando, da unidade especial da PSP, con-ta à VISÃO que, devido ao novo Código Pe-nal, enfrenta situações pouco habituais. No início do ano, prendeu um homem que for-çara a entrada numa empresa, mas como a lei não prevê prisão preventiva para crimes cuja pena seja inferior a cinco anos, teve de o libertar. Acontece que, nesse mesmo dia, voltou a detê-lo mais duas vezes. «Es-tava a tentar roubar um carro e foi também apanhado com uma faca, na zona das Docas [em Lisboa]», conta o agente da PSP. Por estas e por outras, Rui Cardoso considera essencial que se faça um levantamento dos autores dos crimes cometidos durante o Verão. «Julgo que grande parte deles são reincidentes. E só o são devido à nova lei.»

Apesar da indignação da magistratura e dos polícias, o ministro da Justiça garantiu que só daqui a dois anos é que será feita uma análise sobre a implantação dos novos có-

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casos de assaltos à mão armada e 1 441 pes-soas por crime de posse ou tráfi co de arma proibida. Foram também apreendidas 4 431 pistolas, caçadeiras, carabinas e metralha-doras. Em 2005, havia um milhão e 400 mil armas de caça licenciadas, agora o número diminuiu para cerca de um milhão. «Essas caçadeiras não foram entregues nem des-

truídas», nota um agente da PSP. «Muitas terão sido vendidas em negócios particu-lares.» Os preços do armamento ilegal va-riam entre 200 euros, no caso de uma pis-tola de 6,35 mm, e 3 500 euros, se for uma metralhadora Kalashnikov.Amanhã, sexta-feira, 5, o procurador-geral da República recebe, no seu gabinete, os

chefes da GNR, PSP e PJ, e os directores dos quatro departamentos de investigação e acção penal do País, além do responsável pelo Departamento de Central de Investi-gação e Acção Penal. «É a primeira vez na história que isto acontece», diz à VISÃO Pinto Monteiro. Ele espera «que, no final do encontro, esteja estabelecido um con-

DELINQUENTES «Nota-se uma sensação de impunidade, eles têm a noção de que agora a Justiça lhes é mais favorável», diz Rui Cardoso, procurador em Loures

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junto de medidas eficazes para combater este surto». Entre as quatro paredes do Pa-lácio de Palmela ficarão definidas as uni-dades especiais de combate à criminalida-de, anunciadas durante a semana passada. A hora é de acção, diz Pinto Monteiro.

OS POLÍCIAS ‘DESGRAÇADOS’Para o juiz Rui Rangel, 50 anos, uma me-

dida fundamental para combater o actual surto de violência é a criação de uma base de dados que reúna informação de todas as forças de segurança. «A falta de coordena-ção entre as polícias é um problema», ob-serva. «Não é necessária uma concentração de poderes, mas sim uma melhor comuni-cação entre instituições», refere o magis-trado. O advogado Rogério Alves, 46 anos, também aposta na necessidade de fornecer às autoridades melhores meios técnicos e humanos. «Só podem actuar rapidamente se estiverem bem equipadas.» A verdade é que não estão. E por isso são vistos como «uns desgraçados.»

É essa a opinião de António Ramos, 52, presidente da Associação dos Profissio-

nais de Polícia. A moral nunca esteve tão em baixo, garante. «Há três anos que as carreiras estão congeladas: trabalhe-se ou não, é igual. Não recebemos feriados nem fi ns-de-semana.» Segundo o sindicalista, o ordenado médio de um agente com 13 anos de carreira ronda uns desanimadores mil euros líquidos. E, ainda assim, há polícias a comprar coletes à prova de bala e algemas do seu bolso. Mas esse está longe de ser o único problema. Lidar com equipamento obsoleto já faz parte da rotina. «Há quatro meses que o fax da esquadra de Porto Salvo não funciona, os agentes têm de ir de carro ao posto de Oeiras para enviar e receber documentação», conta António Ramos. «Repare também no ridículo que é existi-rem equipas especiais que não conseguem comunicar com as esquadras, porque os rá-dios são incompatíveis, tendo de recorrer aos seus telemóveis.»

O MODELO DE NOVA IORQUEO procurador Rui Cardoso refere que a ac-tual base de dados dá origem a problemas graves. Eis um exemplo: «A PSP prende um

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O que se pode fazer para travar o crime violento?As sugestões dos especialistas consultados pela VISÃO

Rogério Alves Advogado

É necessário dotar as polícias de melhores meios de intervenção

e adoptar o policiamento de

proximidade. Há que agir rapidamente

com meios técnicos e humanos e facultar aos órgãos de polícia criminal uma base de

dados para melhor cooperarem.

António ClunyProcurador

Directamente, é uma questão de polícia. Indirectamente, é uma questão de

alteração de alguns instrumentos legais,

como o Código do Processo Penal.

Moita FloresAutarca

Pôr os polícias a trabalhar em

conjunto de forma não preconceituosa

e acabar com os labirintos que

existem para resolver as situações.

António Pedro Dores

Sociólogo A segurança ainda é um bem de que este país se pode

orgulhar. Isso tem de ser potenciado, em vez de os políticos

mobilizarem polícias para operações--espectáculo em

bairros sociais, que só geram revolta.

Rui RangelJuiz

O problema é a falta de coordenação entre

as forças policiais. Não é necessário concentrar forças

nem poderes, mas melhorar a

coordenação. Era fundamental a

existência de uma base de dados para todas as forças de

segurança.

Carlos PoiaresProfessor de Psicologia

CriminalDevemos apostar na prevenção criminal,

na Pedagogia e na Educação.

É necessário combater

o abandono escolar e as autarquias têm de repensar os modelos

de realojamento e investir em acções

no terreno.

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O PINGUEPONGUE DA SEGURANÇA

Governo reage a críticas do Presidente e exibe a polícia na rua

( CURTA-METRAGEM )

1 27/ 08 Cavaco alerta O Presidente da República reagiu «à onda de assaltos e crimes violentos» – considerou-os uma «coisa muito séria». Pediu ao Governo uma «estratégia muito adequada» para resolver o problema. Nesse dia, em Alcântara (Lisboa), durante a Operação Temis foram identifi cadas 574 pessoas.

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3 28/08 Rui Pereira aparece Em entrevista à RTP, o ministro da Administração Interna anuncia alterações à lei das armas.

429/08 PSP contra-ataca Trinta e dois detidos por condução sob efeito de álcool, posse ilegal de armas, tráfi co de droga ou situação ilegal no País – eis o balanço das acções policiais realizadas em simultâneo, em nove urbanizações da Área Metropolitana de Lisboa.

5 29/08 Crime violento aumenta Leonel de Carvalho, responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança, revela um aumento de 15% da criminalidade violenta durante o primeiro semestre de 2008.

6 30 e 31/08 Rusga nacional PSP e GNR desencadeiam acções especiais nos distritos do Porto, Braga, Bragança, Vila Real e Viana do Castelo, sendo detidas 43 pessoas. Em Évora, mais de cem agentes da GNR fazem cinco detenções.

7 01/09 Combate à droga Durante rusgas realizadas em Lisboa, na Avenida Almirante Reis e na Praça do Chile, foi detido o irmão do assaltante abatido durante o sequestro na agência do BES de Campolide. Na mesma noite acontecem cinco assaltos à mão armada na área metropolitana da capital – foram roubadas duas bombas de gasolina, dois carros e um café.

28/08 Pinto Monteiro reage O procurador-geral da República anunciou a criação de equipas especiais de investigação para combate ao crime violento e sugeriu ao Governo que «proceda aos ajustamentos legais que se mostram necessários» para evitar o «hipergarantismo» de que os arguidos benefi ciam face às vítimas.

homem por roubo e leva-o a tribunal, sen-do-lhe aplicada a obrigação de apresenta-ções periódicas às autoridades. Amanhã, a GNR detém o mesmo homem e apresenta--o num tribunal diferente. Nem o Ministé-rio Público nem a polícia têm maneira de saber que está a cumprir uma medida de coacção, porque esse elemento não consta da base de dados!»

Para se perceber a diferença que a tecno-logia pode fazer, basta olhar para o exemplo de Nova Iorque. Antes de o mayor Rudolph Giuliani tomar as rédeas da cidade, havia mais de 2 mil homicídios anuais. Depois da adopção do software CompStat, esse número baixou para menos de metade.

O programa «milagroso» aplica a estatís-tica para desenhar um «mapa do crime», possibilitando à polícia estar presente nas ruas e zonas críticas da cidade. Os dados são acessíveis a todos os órgãos responsá-veis pela segurança, que passaram a reu-nir-se semanalmente para discutir estraté-gias. Os resultados valeram a Nova Iorque o título de cidade americana mais segura, entre as grandes metrópoles.

Dário Prates explica à VISÃO que a PSP já dispõe de um modelo aproximado, embo-ra seja para uso exclusivo daquela polícia. «O nosso sistema reúne informação sobre qualquer pessoa que contacte connosco, seja um suspeito ou queixoso. Isso permite acelerar os processos», revela o coordena-dor da Divisão de Investigação Criminal de Lisboa. «Está a ser desenvolvido um progra-ma que permitirá consultar estatísticas por ruas ou cidades», adianta Dário Prates, que considera ter este sistema a possibilidade de se tornar comunicante com o de outras forças de segurança. O que não acontece.

GNR AQUARTELADAA deficiente comunicação entre as auto-ridades é apontada pelo autarca e ex-ins-

Em Nova Iorque havia mais de 2 mil homicídios anuais. Depois da adopção do software CompStat, esse número baixou para menos de metade

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pector Moita Flores, 55 anos, como um dos principais obstáculos à sua eficácia. «Te-mos de pôr os polícias a trabalhar em con-junto», diz. Analisando o discurso de José Manageiro, 50 anos, presidente da Asso-ciação Sócio Profi ssional da Guarda, isso parece estar a anos-luz. «Existe a tendên-cia de cada força de segurança para defen-der o seu espaço. Há uma clara rivalidade no que toca à apresentação de resultados, pois todas sabem que o êxito terá infl uên-cia a nível do orçamento e da própria ima-gem da instituição», diz o militar da GNR. «A informação só é partilhada quando so-licitada, não existe proactividade. Temos de alterar essa maneira de trabalhar e tam-bém a imagem militarizada da GNR. Exis-tem demasiados militares aquartelados, a cumprir funções que nada têm a ver com policiamento, como faxina ou cozinha.»

Para melhorar a eficácia policial, Dá-rio Prates tem apostado na recolha de informação no terreno e na vigilância encoberta de potenciais alvos dos cri-minosos. «Temos brigadas descaracte-rizadas a fazê-lo. Escolhemos os locais com base nos dados recolhidos», expli-ca. «Evitámos um assalto a um banco no

D esde Janeiro foram noticiados 44 homicídios consumados e 16 tentados nas primeiras páginas

do Correio da Manhã (CM), segundo uma análise realizada pela VISÃO a 188 edições do diário que mais ampla cobertura faz da criminalidade violenta. Entre os casos a que o CM concedeu maior destaque fi guram os assassínios de Diogo Ferreira, no Oeiras Parque, e de Alexandra Neno, à porta de sua casa, em Sacavém, vítima de carjacking. Ambos foram mortos no mesmo dia e com a mesma arma – o caso continua por solucionar. Outras manchetes do diário referiram--se a episódios de mortes em bairros problemáticos da Área Metropolitana de Lisboa e à violenta vida nocturna no Porto.

O sequestro de funcionários da agência do BES de Campolide, em Lisboa, durante o qual foi morto um dos sequestradores, pôs em evidência os assaltos a bancos. A 14 de Agosto, aquele diário revelou que, em seis meses, haviam sido roubadas cem agências. O CM noticiou ainda 22 outros assaltos: a bombas de gasolina, ourivesarias, cafés e restaurantes, carrinhas de valores... Dentro desta categoria, o carjacking mereceu sempre destaque, quer pelo registo das ocorrências quer pelas diligências efectuadas pelas autoridades. São ainda referenciados sete sequestros, várias agressões e até o caso de uma bomba artesanal lançada contra um apartamento onde actuavam prostitutas.

Crime na primeira página

Olival de Basto dessa maneira», adianta. Luís Neves, 42 anos, director da Direcção Central de Combate ao Banditismo, orga-nismo da PJ contra o crime violento, garan-te que, este ano, já deteve 60 suspeitos por assalto à mão armada, embora refira que 2008 não está a ser um ano particularmen-te mau. «Já lidámos com situações bem piores, num passado recente», diz. «Existe maior violência nos casos das carrinhas de transporte de valores, pois trata-se de al-vos blindados e em movimento.» Este cri-me continua a ser praticado por grupos de jovens, ao contrário do que acontece nos assaltos a bancos. «Aumentou o número de solitários. Normalmente actuam sem vio-lência», regista Luís Neves. «Há casos em

que vão ganhando confi ança e cometem o crime dezenas de vezes, até porque o delito é cada vez menos rentável.» No primeiro semestre de 2008, já se verificaram mais assaltos a bancos do que nos 12 meses de 2007 (130 para 107).

Carlos Anjos, do Sindicato da Judiciária, garante que o mês de Agosto foi profícuo em horas extraordinárias, por parte dos inspectores que investigam a criminalida-de violenta. «Devido à falta de pessoal, há profi ssionais a trabalhar 14 horas diárias.»

TIROS VIRTUAISOs departamentos que tratam da crimina-lidade mais grave são os mais desejados por quem ambiciona ser inspector. Na Quinta

‘CARJACKING’ O assalto a ocupantes de viaturas cresceu mais de 50% no primeiro semestre deste ano

BANCOS Intervenção policial no BES de Campolide

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Formação Escola de políciasNo Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, no Barro (Loures), são treinados os inspectores que lidam com o crime mais violento do País. Mariana Raimundo, subdirectora da instituição, garante que a formação é adequada e prepara os alunos para lidarem com as situações mais perigosas. É nos departamentos mais musculados da PJ que a maioria dos formandos pretende trabalhar: as aulas de Armamento e Tiro são as preferidas. Sinal dos tempos?

do Bom Sucesso, em Loures, funciona o Instituto Superior da Polícia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJCC). O Curso de Formação Inicial para Investigação Cri-minal começou há quatro meses. «Até no módulo com maior carga horária, cerca de três quartos do tempo é preenchido com acções práticas», explica Mariana Raimun-do, 50 anos, subdirectora da instituição. A maioria dos alunos sonha combater o tráfi co de droga, os assaltos à mão armada e a corrupção económica. Mas a escolha não é deles – por isso recebem uma forma-ção abrangente.

Mariana Raimundo garante que as on-

das de violência não obrigaram a uma al-teração nos planos curriculares. «Sempre estivemos voltados para o crime violento. Talvez as outras polícias tenham mais ne-cessidade de alterar o modo de se forma-rem.»

As aulas práticas de Armamento e Tiro são as preferidas. Os futuros inspectores colocam-se de frente para uma parede, onde são projectados inimigos virtuais. As balas saem sem hesitações, mesmo a 20 metros de distância do alvo. Nos dias de hoje, dali à realidade é apenas uma questão de tempo. *com Pedro Santos, Tiago Fernandes e Patrícia Fonseca FO

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