Subjetivismo na Decisão Judicial

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Subjetivismo na Decisão Judicial na perspectiva do realismo norteamericano

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  • SUBJETIVIDADE DA DECISO JUDICIAL NA PERSPECTIVA DO REALISMO

    JURDICO NORTE-AMERICANO

    JUDICIAL SUBJECTIVITY IN THE PERSPECTIVE OF NORTH AMERICAN LEGAL

    REALISM

    Joo Paulo K. Forster

    Advogado Militante em Porto Alegre/RS;

    Professor Universitrio/UNIRITTER;

    Especialista em Direito Tributrio/FGV/RS;

    Mestre em Direito Processual Civil/UFRGS;

    Doutorando em Direito/UFRGS.

    RESUMO

    O presente estudo tem por objetivo o exame das decises judiciais a partir do que se

    largamente compreende por realismo jurdico norte-americano. Primeiramente, cabe observar

    justamente as limitaes acerca da compreenso de tal perspectiva como uma escola ou movimento, pois carece de uniformidade. No entanto, a partir desse grupo de ideias, permite-se o resgate da chamada Prediction Theory, cunhada por Oliver Wendell Holmes, que

    oferece compreenso bastante diferenciada de como se desenvolve a atividade judicial e seus

    meandros, nem sempre considerados, de subjetividade da atuao do magistrado. Tal

    caracterstica, que no pode ser sonegada, lhe confere humanidade. Ao fim, prope-se a

    anlise do tema a partir da tica da contratransferncia, ou seja, no s pensada como o

    julgador decidir o caso e afetar as partes, mas tambm como os elementos peculiares de

    cada demanda o afetam.

    Palavras-chave: Juiz; Deciso; Subjetividade; Realismo Jurdico; Contratransferncia.

    ABSTRACT

    The present study aims the examination of judicial decisions from what is widely

    comprehended by north american legal realism. Firstly, it is necessary to observe the

    limitations of such perspective as a school or movement, since it lacks uniformity. However, starting from this group of ideas, the rescue of the so called Prediction Theory is

    made possible, as it was conceived by Oliver Wendell Holmes, offering a peculiar

    understanding of the development of the judicial activity and its meanders, not always taken

    in consideration, regarding the performance of the judge. Such characteristic that cannot be

    denied, bestows humanity upon the procedure. In final, it is purposed the analysis of the

    subject from the view of the countertransference, in other words, thought not only from the

    perspective of how the decision affects the suitors, but also how the peculiar details of each

    process affect the magistrate.

    Keywords: Judge; Decision; Subjectivity; Legal Realism; Countertransference.

  • 1 INTRODUO

    O papel desempenhado pelo Poder Judicirio no Estado Democrtico de Direito de

    extrema importncia. A ele recorrem todos aqueles que encontraram resistncia ao

    reconhecimento de seus direitos, e a ele cabe, inegavelmente, a funo de pacificao social.

    Contudo, em um contexto moderno, tambm no se afasta o necessrio reconhecimento da

    individualidade humana. Questiona-se: existe espao para o exerccio de tal singularidade

    tambm no mbito das decises judiciais? E, caso positivo, qual seria seu limite?

    No h resposta fcil para tais questes, se que, de fato, existe uma resposta correta

    a ser dada em tal seara. A anlise realidade da prtica judicial1 evidencia a existncia de uma

    multiplicidade de decises diversas para casos muitas vezes idnticos. No se pretende, aqui,

    aprofundar o tema das respostas corretas em Direito, questo, alis, de extrema relevncia e

    que encontrou no debate entre Ronald Dworkin e Richard Posner2 um profcuo campo de

    possibilidades.

    Contudo, no se nega que a matria tem vvida conexo com a subjetividade judicial,

    pois h de se reconhecer, no trabalho de Dworkin, o esforo para limitar a discrio e

    resolver o problema de longa data de balanceamento dos irreconciliveis conceitos de

    flexibilidade e restrio judicial.3

    Assim, a proposta do presente artigo de analisar a atualidade do subjetivismo na

    atuao judicial, especialmente a partir dos estudos de longa data dos chamados realistas

    norte-americanos, com o cuidado que o emprego do termo merece, pois, como bem registra

    Karl Llewllyn4:

    1 A anlise do ato de julgar leva a questes extremamente complexas. Dignos de registro os questionamentos

    colocados por Hannah Arendt, j delineando a relevncia da questo subjetiva na funo judicante: H vrias razes pelas quais a discusso do direito ou da capacidade de julgar incide na mais importante questo

    moral. Duas coisas esto implicadas nesse ponto: primeiro, como posso distinguir o certo do errado, se a

    maioria ou a totalidade do meu ambiente prejulgou a questo Quem sou eu para julgar? E, segundo, em que

    medida, se que h alguma medida, podemos julgar acontecimentos ou ocorrncias passados em que no

    estvamos presentes? ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. So Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 81.

    2 O interessante debate se estabeleceu a partir da afirmao de Dworkin, ao registrar que, mesmo em casos

    difceis e altamente complexos, existem respostas certas a serem fornecidas. Posner rebate afirmando que

    Dworkin desafiou o ceticismo jurdico ao argumentar que h respostas certas at mesmo para as mais difceis questes jurdicas, apontando que o problema ultrapassa singelos exemplos literrios e de que a real dificuldade reside na questo do legal fact finding, que no poderia ficar ao alvitre do julgador. POSNER,

    Richard A. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 263 e seguintes. Anlise

    aprofundada do tema encontrada em FONSECA, Ana Carolina da Costa. Dworkin e Posner acerca da

    existncia de respostas certas para questes jurdicas: a reconstruo de um debate. Veritas, Porto Alegre,

    vol. 56, n. 3, set./dez. 2011, p. 63-71. 3 LYONS, Donna. Dworkin and judicial discretion: a critical analysis of the pre-existence thesis. Trinity College

    Law Review, Dublin, vol. 11, jan./dez. 2008, p. 12. 4 LLEWLLYN, Karl N. Some realism about realism: responding to dean pound. Harvard Law Review,

    Cambridge, v. 44, p. 1233-1234, 1930/1931.

  • There is no school of realists. There is no likelihood that there will be such a

    school. There is no group with an official or accepted, or even with an

    emerging creed. There is no abnegation of independent striking out. We

    hope that there may never be. New recruits acquire tools and stimulus, not

    masters, nor over-mastering ideas. Old recruits diverge in interests from each

    other. They are related, says Frank, only in their negations, and in their

    skepticisms, and in their curiosity.

    Diante de tal advertncia, h de se estabelecer as bases do que se entende por

    realismo, resgatando a prediction theory de Oliver Wendell Holmes, demonstrando sua

    atualidade e relevncia.5 Em seguida, o tema ser desenvolvido a partir do necessrio

    reconhecimento da individualidade do julgador e das consequncias de tanto.

    2 REALISMO JURDICO E PREDICTION THEORY

    A Prediction Theory est intimamente associada ao realismo jurdico. No poderia

    ser diferente, uma vez que Holmes lanou as bases fundamentais, nos Estados Unidos, da

    Prediction Theory, que inspirou todos os realistas.6 A primeira se funda, essencialmente, na

    sentena The prophecies of what courts will do in fact, and nothing more pretentious, are

    what I mean by the law.7 Para chegar tal assertiva, Holmes pensa no paradigma do homem

    mau. O homem mau, diz ele, pouco se importa com axiomas ou dedues, raciocnios

    intrincados e na concepo do direito como um fenmeno quase incompreensvel. O que

    procura a resposta do que os tribunais tendem a fazer de fato.8

    Esse entendimento ocasiona o reforo da noo de subjetividade defendida por

    diversos dos assim chamados realistas, por conferir relevncia figura individual de cada

    julgador. H quem defenda, no entanto, uma leitura diferente. Moskowitz sustenta que

    Holmes nunca quis basear essa previso das decises judiciais em outra coisa que no a lei

    preexistente.9 Essa perspectiva acaba por censurar tambm todos os realistas, que associam a

    atividade judicial com alto grau de subjetividade. Outra passagem de Holmes que tambm foi

    amplamente utilizada pelos realistas o entendimento de que the life of the law has not been

    5 POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 221.

    6 Karl Llewllyn afirma que todos os realistas iniciaram seus estudos sobre o direito a partir da definio de

    direito das prophecies of what courts will do in fact. LLEWLLYN, Karl N. On Reading and Using the Newer Jurisprudence. Columbia Law Review, Nova York, Vol. 40, 1940, p. 591.

    7 HOLMES, Oliver Wendell. The Path of the Law. Harvard Law Review, Cambridge, vol. 10, 1897, p. 461.

    8 Idem, ibid., p. 460/461. Refere o autor: If you want to know the law and nothing else, you must look at it as a

    bad man, who cares only for the material consequences which such knowledge enables him to predict, not as

    a good one, who finds his reasons for conduct, whether inside the law or outside of it, in the vaguer sanctions

    of conscience. The theoretical importance of the distinction is no less, if you would reason on your subject

    aright. The law is full of phraseology drawn from morals, and by the mere force of language continually

    invites us to pass from one domain to the other without perceiving it, as we are sure to do unless we have the

    boundary constantly before our minds. Idem, ibid., p. 459. 9 MOSKOWITZ, David H. The Prediction Theory of Law. Temple Law Quarterly, Filadlfia, vol. 39, 1965-

    1966, p. 416.

  • logic, it has been experience.10

    Muito embora o movimento realista (se pode chegar a tanto) no possua uma

    identidade nica, nem uma representao clara de sua proposta, possvel determinar o seu

    esprito de maneira mais ou menos uniforme. Da percepo extrema de que o que juiz coma

    no caf da manh11

    ou sua predileo por loiras altas12 possa afetar sua deciso, at

    percepo mais distinta do que vem, realmente, a ser a funo judicial enquanto cincia13

    , h

    de se reconhecer que o grande mrito dos realistas foi discutir a humanizao de tal cargo.

    Talvez tenha sido essa dimenso a mais relevante no caso Riggs v. Palmer, tambm

    conhecido como o Caso Elmer14. Como poderiam os julgadores simplesmente assentir com

    a literal disposio do texto legal e permitir que o neto que assassinou o av, nos idos de

    1882, pudesse herdar quaisquer valores deixados na via de um testamento que possivelmente

    seria alterado, e que motivou tal ato? O juiz Gray votou a favor de Elmer, adotando uma

    intepretao literal da lei, hoje j bem menos popular.15

    O juiz Earl, no voto que findou por

    representar a maioria, adotou a interpretao da real inteno do legislador.16

    Ao contrrio do sistema estabelecido na Frana ps-revolucionria17

    , o juiz Earl

    tinha total liberdade no ato interpretativo. Na realidade, sua viso representou o que ele

    acreditava ser a vontade do legislador, e buscou a concluso de que seria inadmissvel, como

    hodiernamente se percebe, que algum cometeu homicdio no pode ser o destinatrio da

    herana resultante. Tal permissividade seria absurda, e a lei necessita ser interpretada em

    10

    HOLMES, Oliver Wendell. The common law. In: FISHER III, William W.; HORWITZ, Morton J.; REED,

    Thomas A. (Orgs.). American legal realism. Oxford: Oxford University Press, 1993. p. 9. Como j referimos

    anteriormente, Holmes no se deteve na anlise terica do tema: enfrentou a questo em suas decises, com

    destaque particular para o caso Lochner v. New York, registrando que general propositions do not decide concrete cases e que every opinion tends to become law. Novamente, tais assertivas reforaram o iderio realista que viria a seguir.

    11 Defendiam, portanto, a inexistncia de algo chamado Direito, apenas as previses do que realmente

    ocorreria nos tribunais. DWORKIN, Ronald. Laws Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986, p. 36. Esse entendimento enfrentou dura crtica da ampla maioria dos realistas e no

    realistas, no sentido de que essas concluses no passam de horse manure. KOZINSKI, Alex. What I ate for breakfast and other mysteries of judicial decision making. In: OBRIEN, David. Judges o judging: views from the Bench. 3. ed. Washington, D.C.: CQ Press, 2009. p. 98.

    12 GUEST, Stepehn. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 118.

    13 Especialmente na perspectiva de Jerome Frank. Para ele, o juiz no analisa a asa de um mosquito ou um

    cometa familiar (...), mas situaes histricas humanas que precisam sempre sofrer um juzo de valor. FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University

    Press, 1973. p. 155. 14

    Riggs v. Palmer, 115 N.Y. 506 (1889). Disponvel em: . Acesso em 10.06.2013. 15

    DWORKIN, Ronald. Laws Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986, p. 17/18.

    16 Idem, ibid., p. 18.

    17 Naquela sistemtica, conforme o artigo 12 da Lei 16-24 de agosto de 1790, o julgador, deveria se dirigir ao

    corpo legislativo todas as vezes que entenderem necessrio, seja para interpretar uma lei, seja para elaborar

    uma nova. Tornou-se, portanto, o legislador, o nico intrprete autntico do direito. CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa. Milano: Giuffr Editore, 2005. v. 2. p. 418.

  • conjunto com o sistema no qual se acha inserida, por ser parte de um todo intelectual maior, a

    no ser que indicasse expressamente o contrrio (que homicidas podem receber a herana

    advinda de tal ato).18

    O comportamento dos juzes, portanto, torna-se fundamental em um sistema no qual

    se valorize essa individualidade. E esse seu comportamento que os caracteriza como

    magistrados a forma como se relacionam com as partes, com outras pessoas, com seus

    predecessores e eventuais sucessores.19

    Enfim, a melhor sntese do que vem a ser o realismo oferecida por Pound,

    assinalando que se deve reconhecer a existncia de um elemento algico, irracional e

    subjetivo na atitude judicial20, o que leva necessidade examinar as instncias concretas de

    sua operao para alcanar concluses gerais dos tipos de casos em que se verifica com maior

    frequncia, e onde se realiza da forma mais efetiva ou desafortunada para a finalidade da

    ordem legal.21

    No se defende aqui a permissividade de um sistema jurdico no qual as

    excentricidades de cada julgador prevaleam e decidam os casos, muito embora alguns

    realistas adotem esse caminho.22

    O realismo ganha em espao e relevncia como uma das

    tantas teorias que abordam a deciso judicial, mas no esgota o fenmeno, nem pode resultar

    em carta branca ao arbtrio judicial.

    Tambm ganha fora, nesse ponto, o tema da interpretao jurdica, que se admita

    existente uma multiplicidade de tcnicas interpretativas, aplicveis a diferentes situaes, e

    com diferentes resultados, mesmo quando ocorre a aplicao da mesma regra interpretativa.23

    De outra banda, o interesse que se tem pela interpretao ganha fora quando se est diante de

    um intrprete (o juiz) cujo resultado intelectivo no s um simples resultado de exerccio

    interpretativo, mas verdadeira deciso vinculante s partes envolvidas. Nessa quadra, quanto

    18

    DWORKIN, Ronald. Laws Empire. Cambridge: The Bellknap Press of Harvard University Press, 1986 , p. 19/20. H de se registrar a perspectiva oposta percebida no caso Tenessee Valley Authority v. Hill, no qual se

    permitiu a interrupo das obras para construo de uma represa colossal para suposta proteo do peixe

    chamado snail darter, que sequer seria uma espcie ameaada, protegida pelo Endangered Species Act. 19

    LLEWLLYN, Karl N. A realistic jurisprudence the next step. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 58.

    20 POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J.,

    REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 66. 21

    Idem, ibid., p. 66. 22

    Em particular, os chamados neorrealistas, afirmando que no existem nem regras, nem princpios ou doutrinas, porque, na prtica, a ao judicial se refere a questes subjetivas e pouco se importa com tais

    construes. Idem, ibid., p. 64. 23

    One judge looks at problems from the point of view of history, another from that of social utility, one is a formalist, another a latitudinariam, one is timorous of change, antoher dissatisfied with the present; out of the

    attrition of diverse minds there is beaten something which has a constancy and uniformity and average value

    greater than its component elements. The same thing is true of the work of juries. CARDOZO, Benjamin. The nature of the judicial process. New York: Dover Publications, 2005, p. 173.

  • maior o nmero de partes envolvidas e, portanto, quanto mais alta a instncia jurisdicional,

    maior interesse acarreta esse processo interpretativo. A complexidade do ato decisrio no s

    est vinculada dificuldade envolvida em todo e qualquer processo de escolha, mas tambm

    porque se trata de uma opo de autoridade. Em outras palavras, a escolha operada pelo

    julgador processo decisrio complexo, pois deve ponderar no somente no que previamente

    ocorreu como sobre o que se passar aps sua deciso, vinculadora das partes.

    3 CRTICAS PREDICTION THEORY

    A crtica24

    direcionada Prediction Theory, em sua forma original, parece atacar s

    sua forma mais crua, de que se comporia de proposies de probabilidade, e nada mais do

    que isso, sobre o que os juzes, ou outros funcionrios relevantes, vo fazer.25 A censura se

    funda na suposio de que a teoria desaba pela simples razo de que ela no pode fazer

    nenhum sentido diante da maneira como um juiz raciocina.26

    Aqui se denota um verdadeiro entrelaamento entre o realismo e a Prediction

    Theory, afinal, a crtica se funda no fato de que a funo judicial, dado o seu carter

    eminentemente subjetivo, imprevisvel. Admitir o cabimento de tal assertiva o mesmo que

    sonegar a necessidade da existncia, em qualquer ordenamento, do componente fundamental

    da segurana jurdica. absurdo imaginar que toda e qualquer deciso judicial no passvel

    de determinao probabilstica de seu deslinde, em algum grau. Ou ao menos a indicao de

    algum tipo de tendncia.

    Em grandes linhas, razoavelmente possvel determinar o resultado de um

    julgamento. Sabe-se, por exemplo, que a Suprema Corte norte-americana tem caracterstica

    mais conservadora, que a Justia do Trabalho no Brasil tende a ser mais protetiva do

    empregado do que do empregador, e que o Judicirio gacho reconhecidamente inovador

    em suas teses.

    24

    Na realidade, existe uma pluralidade de crticas, algumas das quais antevistas e j previamente debatidas por

    Posner. Em um desses casos, ele apresenta a objeo de que os advogados e partes podem tentar entender

    como os juzes decidiro, mas os juzes eles prprios no podem decidir sobre o que a lei pensando no que

    eles prprios decidiro, tornando o raciocnio deles circular. Posner prope uma soluo para esse dilema.

    Refere que isso s seria vlido para os juzes das mais altas cortes de uma nao, como no caso do Supremo

    Tribunal Federal. Os Ministros do STF no conseguem olhar adiante de seus julgamentos e pensar como um

    Ministro alm deles decidiria, pois esta figura no existe, j que a Corte Constitucional a mais alta corte do

    pas (muito embora eles pudessem pensar como seus predecessores decidiriam em casos similares).

    POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224. 25

    GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 117. Nesse mesmo sentido: The focus, the center of the law, is not merely what the judge does, in the impact of that doing on the interested layman,

    but what any state official does, officially (). LLEWLLYN, Karl N. A realistic jurisprudence the next step. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J., REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism.

    Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 57. 26

    Idem, ibid., p. 118.

  • evidente, de outro lado, que no se pode determinar com absoluto grau de certeza o

    resultado de um julgamento, e isso faz parte da prpria natureza da funo judicial. Some-se a

    isto, tambm, os casos nos quais no haja qualquer deciso, nem remotamente similar,

    anterior.27

    Por exemplo, o caso decidido, em 12.04.2012, no julgamento da Arguio de

    Descumprimento de Preceito Fundamental n 54, que visava a declarao de

    inconstitucionalidade da interpretao segundo a qual a interrupo da gravidez de feto

    anencfalo seja conduta tipificada no Cdigo Penal. A ao foi julgada procedente, por

    maioria28

    , mas o resultado era de fato imprevisvel.

    Certamente, o mrito de tal teoria reside na humanizao da funo judicial, e no

    em que seja entendida como uma cincia exata que, aplicada, e de posse de certos dados,

    fornecer o resultado final do julgamento. Sua inteno exatamente o oposto: a de que se

    perceba a riqueza de possibilidades inerente grande maioria dos casos, no conferindo poder

    discricionrio absoluto ao magistrado, mas auxiliando na composio do sistema judicirio,

    tanto na perspectiva da segurana jurdica como no ato decisrio propriamente dito.

    Mas no s isto. Existem outras qualidades atribuveis teoria, como a possibilidade

    de atualizao dos precedentes que devem prevalecer, o que particularmente importante no

    sistema da Common Law. Ou seja, se um caso foi julgado h muitos anos pela Suprema Corte,

    e nunca alterado ou revisto, uma corte inferior poderia, pela Prediction, decidir de forma

    diversa, se o magistrado acreditar que, hoje, a mesma matria seria decidida de forma diversa,

    o que provoca, tambm, um novo enfrentamento do tema por tal tribunal superior.29

    Tantas

    outras qualidades podem ser reconhecidas30

    , contanto que no se sucumba ao erro de adotar a

    Prediction Theory como viso nica do fenmeno jurdico, nem de lev-la s ltimas

    consequncias da subjetividade decisria.

    4 O PAPEL DO MAGISTRADO E SUA HUMANIDADE

    A importncia conferida ao princpio da dignidade da pessoa humana em nosso

    ordenamento de grande monta. Repetidamente se afirma que tal o princpio vetor da

    Constituio brasileira, e de que h de ser reconhecido um verdadeiro ncleo duro,

    irremovvel e no passvel de retrocesso em sua substncia, constituindo, portanto, um

    27

    POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224. 28

    A favor: Min. Marco Aurlio Mello, Min. Rosa Weber, Min. Joaquim Barbosa, Min. Luiz Fux, Min. Carmen

    Lcia, Min. Gilmar Mendes, Min. Celso de Mello. Contra: Min. Ricardo Lewandowski e Min. Cezar Peluso,

    impedido o Min. Dias Toffoli. 29

    POSNER, Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 227. 30

    Idem, ibid., p. 225/228.

  • mnimo invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar31. Dada sua amplitude, no

    se nega que tambm abrange os julgadores32

    , o implica necessrio reconhecimento da

    humanizao33

    da funo judicial. claro que os contornos do realismo conforme proposto, e

    da prpria Prediction Theory, revelam-se tremendamente sedutores nesse contexto.

    O receio existente por detrs da admisso da existncia de subjetividade nas decises

    judiciais de que as mesmas redundem em completo arbtrio.34

    A soluo adequada encontra-

    se na exigncia de pleno cumprimento, pelos magistrados, do dever de motivao das

    decises judiciais, conforme exigido pelo artigo 93, IX, da Constituio Federal.35

    De nada adianta, contudo, sonegar-se ao julgador o reconhecimento de sua dimenso

    humana. Como bem j advertiu Lloyd Weinreb:

    O requisito de que o direito seja demonstrvel (ou verificvel) e determinado

    no pode ser nem um padro pelo qual se mede o Estado de Direito em um

    programa pelo qual o Estado de Direito ser alcanado. A racionalidade no

    exige tanto. O esforo para proceder por meio de normas impe apenas que

    as normas, incluindo a sua rea de aplicao, sejam enunciadas de modo

    to claro quanto lhes permitam os assuntos a que se referem, e que as

    pessoas encarregadas de aplicar as normas tentem cuidadosamente ser fiis

    aos termos destas, dispondo da experincia e da instruo necessrias para

    tanto. Tal esforo exige a honestidade dos homens pblicos, no a

    eliminao do juzo humano.36

    E conclui, com preciso:

    No h nenhuma garantia de que uma norma jurdica ser aplicada

    corretamente. A interveno do juzo humano permite que uma deciso se d

    de maneira equivocada, insensata, tendenciosa ou perversa. O espao para o

    juzo humano abre caminho para todos os erros que os seres humanos so

    capazes de cometer.37

    31

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28 ed. So Paulo: Atlas, 2012, p. 19. 32

    Uma vez que no se nega serem os juzes humanos. FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in

    american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 147. 33

    MELENDO, Santiago Sents. Naturaleza de la prueba: la prueba es libertad. Revista dos Tribunais, So Paulo,

    v. 63, n. 462, abr. 1974, p. 11. O autor manifesta-se abertamente contra a ideia de mecanizao da funo

    judicial, que acarreta a desumanizao do prprio julgador: Encomendar a um homem a tremenda misso de julgar, e depois dizer-lhe como deve julgar, parece um paradoxo ou um sarcasmo; no mecaniz-lo, ou

    automatiz-lo; algo pior: desumaniz-lo. Idem, ibid., p. 12. 34

    Como bem pontua Weinreb, o impulso de separar o direito da falibilidade do juzo humano tem uma longa histria; surge da convico (...) de que a noo mesma de direito, e com ela a de justia, perde o significado,

    a menos que seja inequvoca. WEINREB, Lloyd L. A Razo Jurdica. So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 125.

    35 A tarefa da qual incumbido o juiz no s aquela de julgar, mas tambm de embasar, lastrear, enfim,

    fundamentar sua deciso e No ambiente democrtico atual, obrigatoriamente qualquer deciso judicial dever ser motivada. FORSTER, Joo Paulo Kulczynski. O controle da deciso judicial e da fundamentao atrs da fundamentao. 2011, 215 p. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 73 e 77, respectivamente.

    36 WEINREB, Lloyd L. A Razo Jurdica. So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 123/124.

    37 Idem, ibid., p. 124.

  • As garantias38

    da magistratura39

    e a imparcialidade40

    que delas resulta visam

    minimizar a possibilidade de erro na perspectiva da arbitrariedade. Essa imparcialidade

    tambm est associada ao prprio rito judicirio41

    que, em sua construo atual, visa prevenir

    arbitrariedades e a sujeio das partes a decises que no possam compreender.

    Essas garantias so indispensveis ao adequado desempenho da atividade judicial.

    Ainda que se adotasse, na perspectiva de Rawls, o vu da ignorncia42, para determinar uma

    situao inicial de equidade43, com acesso informaes gerais necessrias e presumida a

    racionalidade das partes envolvidas,44

    a partir da qual seriam definidos os princpios que

    governaro nossa vida coletiva45, certamente seriam previstas as mesmas medidas. O

    indivduo que desconhece seu lugar na sociedade, sua posio social ou status, nem o

    resultado na distribuio de habilidades e recursos naturais, que desconhece sua real fora e

    inteligncia46

    , no deseja ser julgado por um juiz parcial, nem deseja se submeter

    arbitrariedade de qualquer sorte.

    A possibilidade de erro inerente conduta humana, e mesmo o pensamento

    racional pode ser falho. Afastar a condio humana tambm da funo judicial remover do

    direito seu carter fundamental e ignorar, por completo, a importncia desempenhada pelo

    princpio da dignidade da pessoa humana. A confiana na capacidade humana, registra

    Weinreb, o caminho mais seguro e menos traioeiro para uma ordem social justa.47

    5 RELEVNCIA DA RACIONALIDADE NA ATUAO JURISDICIONAL

    38

    Referem-se, aqui, a previso constitucional do art. 95, que assegura aos magistrados a vitaliciedade,

    inamovibilidade e irredutibilidade de subsdios. Sua meta resguardar a independncia e a imparcialidade do juiz. BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. 4 Vol. Tomo III. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 69.

    39 Hoje vistas, na realidade, como uma garantia dos cidados. A independncia do juiz , acima de tudo, um

    dever um dever tico-social. A independncia vocacional, ou seja, a deciso de cada juiz de, ao dizer o Direito, o fazer sempre esforando por se manter alheio e acima de influncias exteriores , assim, o seu punctum saliens. A independncia, nessa perspectiva, , sobretudo, uma responsabilidade. PORTUGAL. Tribunal Constitucional. 2. Seo. Proc. n. 137/87. Relator Conselheiro Messias Bento.

    40 Ademais, com a imparcialidade que o magistrado adquire a objetividade necessria para o desempenho de

    sua funo. Com essa ferramenta, ele se desprende de relaes ou interesses pessoais em cada demanda, para

    que perceba no os interesses prprios em cada um dos casos que julga, mas quais so os interesses da

    sociedade.40

    Sem imparcialidade, no h justia. FORSTER, Joo Paulo Kulczynski. O controle da deciso judicial e da fundamentao atrs da fundamentao. 2011, 215 p. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 72.

    41 GARAPON, Antoine. Bem julgar: ensaio sobre o ritual judicirio. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. p. 320-321.

    42 RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 136.

    43 SANDEL, Michael J. Justia O que fazer a coisa certa. 5 ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2012,

    p. 177. 44

    RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 142. 45

    Idem, ibid., p. 177/178. 46

    RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Bellknap Press of Harvard University Press, 1971, p. 137. 47

    WEINREB, Lloyd L. A Razo Jurdica. So Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 135.

  • de alta relevncia ponderar que as decises judiciais no podem estar eivadas de

    pura subjetividade, sob pena de plena arbitrariedade. Afinal, a motivao constitui o espao

    no qual se manifesta o juiz acerca no s das suas concluses, mas da razo das opes sobre

    as provas escolhidas como corretas ou incorretas. manifesta a necessidade de o julgador

    recorrer s ferramentas racionais disponveis, porque o Direito tem de ser encarado como

    cincia, com nvel mnimo de exigncia e rigor lgico. Afinal, nosso sistema no poderia se

    definir como racional se no capaz de produzir decises judicirias de qualquer modo

    definveis como racionais.48 Sobre a racionalidade da deciso, a observao de Taruffo

    muito oportuna:

    Antes de mais nada, observa-se que a racionalidade da deciso no

    pressupe o convencimento acerca da existncia de uma razo unvoca e

    imutvel, de verdade absoluta ou de ordem metafsica. Pode-se, ao invs

    disso, discutir validamente a racionalidade e o controle a propsito das

    decises judiciais desde a premissa relativstica sobre a polissemia e

    indeterminao do termo racionalidade, tambm naquelas suas possveis aplicaes em contexto jurdico, tendo em vista a natureza inevitavelmente

    cultural, terica e contextual do problema e das perspectivas das quais isso

    pode ser analisado. De fato, podem-se juntar fatores ulteriores de

    relatividade dependentes do fato de que, dentro de um nico ordenamento,

    haja controle sobre a racionalidade das decises judiciais que possa

    configurar diversas modalidades, e que a anlise comparativa individue uma

    pluralidade de modelos de juiz, de processo, de decises judiciais e de

    formas de controle sobre elas. A percepo da relatividade e variabilidade do

    objeto da anlise, e da multiplicidade das perspectivas das quais isto pode ser

    visto, no pode acarretar, todavia, afasia do excesso de detalhes e

    variaes.49

    Como muito bem afirmou Taruffo, na passagem acima, a racionalidade da deciso

    no pressupe que aquela interpretao seja unvoca, imutvel, de tintas metafsicas. Talvez a

    ideia de racionalizar a deciso judicial na ltima potncia, conspurcando aqueles provimentos

    eivados de maior pessoalidade da figura decisria, esteja fortemente atrelada ao fenmeno

    cientificista, que s tem por verdade aquilo que cincia exata. O Poder Judicirio no um

    48

    TARUFFO, Michele. Il controlo di razionalit della decisione fra logica, retorica e dialetica. REPRO, So

    paulo, v. 32, n. 143, p. 66, jan. 2007. 49

    Ibid., p. 68. Do original em italiano: Anzitutto va osservato che la razionalit della decisione non pressuppone il convinciento circa lesistenza di uma ragione univoca ed immutabile, di verit assolute o di un ordine metafisico. Si pu invece discutere validamente di razionalit e controlli a proposito delle decisioni

    giudiziarie muovendo da premesse relativistiche circa la polisemia ed indeterminatezza del termine

    razionalit, anche nelle sue possibili applicazioni in contesti giuridici, e tenendo conto della natura inevitabilmente culture-, theory- e context-laden del problema e delle prospettive in cui esso pu essere

    analizzato. Si possono anzi aggiungere ulteriori fattori di relativit dipendenti dal fatto che allinterno di un singolo ordinamento i controlli sulla razionalit delle decisioni giudiziarie possono configurarsi con modalit

    diverse, e che lanalisi comparastica individua una pluralit di modelli di giudice, di processo, di decisione giudiziaria e di forme di controllo su essa La consapevolezza della relativit e variabilit delloggetto dellanalisi, e della molteplicit delle prospettive da cui esso pu essere visto, non pu portare tuttavia

    allafasia da eccesso di dettagli e di variazioni.

  • grande laboratrio, no qual os processos so experincias que, repetidas exausto, devem

    replicar resultados em condies semelhantes.

    Realizadas as consideraes acerca do realismo, portanto, impende ponderar que o

    amparo da deciso na racionalidade deve valer-se do reconhecimento do aspecto pessoal da

    mesma50

    , uma vez que os juzes, como outros tomadores de deciso, nunca agem com

    racionalidade absoluta.51

    Talvez a raiz do problema esteja em aliar a ideia de pessoalidade ou

    subjetividade caracterizao de descontrole, como se somente a racionalidade pura,

    matemtica, pudesse ser alvo de controle externo ou, ainda, de ingrediente ilgico na

    deciso e, portanto, arredio ao controle externo.

    Torna-se importante o reconhecimento da atividade judicial como eminentemente

    humana, e no mecnica, no sendo exigvel do magistrado uma neutralidade em relao a

    sua prpria pessoa, a sua experincia, sendo absolutamente natural que decida de acordo com

    seus princpios ticos, religiosos, filosficos, polticos e culturais, advindos de sua formao

    como pessoa.52 desejvel que essas pessoas tenham uma experincia rica de vida, pois a

    sabedoria necessria para o julgamento no bem obtido de uma vez s, mas construdo ao

    longo de uma vida.

    A racionalizao, portanto, deve se dar sob a tica de tornar compreensvel a

    deciso tomada. a exposio lgica e sequencial do enfrentamento, pelo juiz, da demanda

    perante ele proposta; levando ele em considerao a decomposio necessria de sua

    obrigao de fundamentar em motivos e fundamentos, no se furtando a expor a completude

    de seu pensamento, o que no se ope, necessariamente, questo do realismo, mas

    estabelece com mais clareza os lindes a serem respeitados para a deciso judicial.

    6 A IMPORTNCIA DA CONTRATRANSFERNCIA NA ATIVIDADE JUDICIAL

    50

    Taruffo assinala como um erro substancial a inteno de remover o raciocnio do juiz de seu contexto humano, de senso comum, colocando-o como um simples esquema lgico colocado no vcuo. TARUFFO, Michele. Senso comum, experincia e cincia no raciocnio do juiz. Revista Forense, Rio de Janeiro:

    Forense,. 355, p. 103, 2001. 51

    VERMEULE, Adrian. Judging under uncertainty. Cambridge: Harvard University Press, 2006. p. 155. 52

    permitido ao juiz professar credo religioso e ter opo por corrente poltica ou filosfica. No motivo para afastamento do juiz por parcialidade o fato de ser conhecida sua opo poltica, filosfica ou religiosa. Tudo cf. NERY JR., Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Cdigo de processo civil comentado. 9. ed.

    So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 351. Aqui subjaz bastante polmica, j que aos juzes defeso

    dedicar-se atividade poltico partidria. Tnue linha se estabelece ao separar do que se trata tal dedicao, j que, geralmente, as manifestaes de opo poltica se do de forma bastante pblica, poder-se-ia dizer

    dedicada, em comcios, atividades partidrias, etc. Essa vedao no vai sem razo; est constitucionalmente prevista, sendo considervel a influncia que pode exercer sobre os desgnios judiciais,

    especialmente nos casos em que advoga contra qualquer esfera do Poder Pblico, que muitas vezes se

    confunde com o partido exercendo o mandato eletivo. A contrrio senso, a forma como cada um professa sua

    f, dificilmente de forma no pblica e notria, certamente no ocasiona alterao do padro da

    neutralidade exigvel.

  • Na perspectiva do reconhecimento da humanizao do cargo, h ponto digno de

    nota: o da relao do juiz com as partes. Muito se preocupa com a questo da suspeio ou

    impedimento do magistrado53

    , sem que se detenha no ponto particular de como esse julgador

    pode perceber sua relao com as partes. Ou seja, ainda que no possua relao de amizade

    prvia, ou interesse direto na demanda em questo, o magistrado pode ser afetado por pontos

    muito mais delicados e geralmente imperceptveis pelas partes. Essa particularidade pode ser

    denominada como contratransferncia na atividade judicial.54

    O conceito afeito primordialmente Psicanlise. Nessa rea, a transferncia o

    meio pelo qual o paciente projeta alguns de seus sentimentos e pensamentos no psicanalista,

    em alguns casos vindo a relacionar-se com ele, ainda que de forma inconsciente, como se ele

    prprio fosse o causador daquela angstia, raiva etc.55

    A contratransferncia ser a relao

    oposta56

    : como o psicanalista trata o seu paciente, que tipo de sentimentos possui em relao a

    ele.57

    Nesse mbito, importante destacar que, na relao entre juiz/parte, o sentimento do

    julgador irrelevante no sentido de qual impacto ter nos sentimentos e emoes da parte,

    diferentemente do que se verifica nas relaes entre terapeuta e paciente.58

    A importncia de como essa relao afetar a deciso judicial, esta sim de

    consequncias efetivas para a parte dignas de indagao. O que se quer dizer que a forma de

    como se estabelece essa relao no pode ser determinante para o julgamento. Esse um dos

    riscos possveis de uma aceitao irrestrita do realismo jurdico, ou ao menos de suas leituras

    mais modernas.59

    No entanto, cabe ressaltar que o risco existe60

    , independentemente do

    julgador sequer conhecer o que vem a ser o realismo jurdico.

    Admitindo-se a existncia de tal elemento, ou de que ele sequer possa vir a afetar a

    deciso, cabe atribuir ao magistrado o nus de um autoexame, particularmente em casos de

    maior dimenso humana e com maior contato com as partes (como em matria de direito de

    53

    Conforme a previso legal dos artigos 134 e 135, do Cdigo de Processo Civil. 54

    Perspectiva esta j defendida anteriormente em FORSTER, Joo Paulo Kulczynski. O controle da deciso

    judicial e da fundamentao atrs da fundamentao. 2011, 215 p. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 129-131.

    55 WINNICOTT, D. W. Da Pediatria Psicanlise Obras Escolhidas. Traduo de Davy Bogomoletz. Rio de

    Janeiro: Imago, 2000, p. 71. 56

    Trata-se, aqui, de simplificao do termo em caracteres geralmente aceitos, para melhor compreenso. Para

    aprofundamento e anlise de outras vises sobre o conceito, vide RACKER, Heinrich. Transference and

    Countertransference. Nova York: Karnac, 2002, p. 133 e seguintes. 57

    WINNICOTT, D. W. Da Pediatria Psicanlise Obras Escolhidas. Traduo de Davy Bogomoletz. Rio de Janeiro: Imago, 2000, p. 105.

    58 HIRSCH, Irwin. Coasting in the countertransference. New York: The Analytic Press, 2008. p. 27.

    59 POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J.,

    REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 64. 60

    A contratransferncia, pondera Racker lembrando Freud, pode ser o maior perigo e, ao mesmo tempo, uma ferramenta importante para compreenso, uma assistncia para o analista na sua funo enquanto intrprete. RACKER, Heinrich. Transference and Countertransference. Nova York: Karnac, 2002, p. 127.

  • famlia, por exemplo), para que verifique a origem de seu julgamento, se houve influncia em

    decorrncia de algum sentimento especfico em relao parte, e se isso foi determinante para

    o resultado da lide. Essa melhor compreenso dos atos, pelo juiz, pode relevar-se uma

    salvaguarda contra arbitrariedades que fogem de sua percepo justamente por no perceber

    que est sujeito essa eventualidade.

    7 CONCLUSO

    H excessos e retrocessos nas diferentes perspectivas que compem o realismo

    jurdico. Mas algumas propostas, ou esprito por trs dela, tem seus mritos. No se pode

    imaginar que todo ato judicial redunde, ao fim e ao cabo, em simples arbitrariedade. Os

    magistrados esto sujeitos a uma srie de restries, e uma bastante simples e de ordem

    prtica esta: eles tambm desejam respeito, e sabem que no lograro xito se agirem de

    forma integralmente discricionria e injustificada.61

    O mrito reside em outro ponto. Retornando base do realismo jurdico norte-

    americano, a Prediction Theory, percebe-se que ela foi abandonada cedo demais.62 A

    valorizao do aspecto humano da funo judicial auxilia e confere maior qualidade aos

    julgamentos. 63

    Os casos propostos perante o Poder Judicirio envolvem, sempre, ao fim e ao

    cabo, questes humanas, subjetivas, que merecem ponderao diferenciada. Em alguns casos,

    quando a Lei clara ou no permite, expressamente, determinada interpretao, reduz-se o

    espao de movimentao. Mas, em tantos outros, por que se insiste em negar a ideia de um

    modelo livre64 de juiz, como referem os realistas? Cabe admitir que ele j se encontra

    instalado em nosso sistema judicirio.65

    Esse reconhecimento que permitir o aprofundamento de diversas categorias

    61

    KOZINSKI, Alex. What I ate for breakfast and other mysteries of judicial decision making. In: OBRIEN, David. Judges o judging: views from the Bench. 3. ed. Washington, D.C.: CQ Press, 2009. p. 98.

    62 () the prediction theory has been written off too soon. POSNER, Richard A. The problems of

    jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 221. 63

    A compreenso da funo do juiz deve tentar captar a sua dimenso humana, entendimento este a ser conquistado tanto pelos jurisdicionados quanto pelo prprio magistrado, cujos olhos devem atentar para alm

    de coeficientes de desempenho baseados em estatsticas meramente quantitativas, alcanando uma muito

    desejada mensurao qualitativa dos provimentos jurisdicionais. FORSTER, Joo Paulo Kulczynski. O controle da deciso judicial e da fundamentao atrs da fundamentao. 2011, 215 p. Dissertao

    (Mestrado) Faculdade de Direito, UFRGS, Porto Alegre, 2012, p. 175. 64

    To livre quanto o convencimento motivado permita, registre-se. A motivao a demonstrao dos meandros do raciocnio do juiz, do incio ao fim, quando analisou a prova constante dos autos e as alegaes

    das partes. No pode haver uma simples indicao da prova que o convenceu, conectando-a a uma

    determinada legislao ou precedente e, presto, motivada est a deciso. Com certeza, o correto exerccio de

    sua funo o obriga a demonstrar seu raciocnio, j que, no chamado livre convencimento do juiz, que o

    princpio vigente no ordenamento jurdico ptrio, pode decidir de acordo com sua livre convico, desde que

    apresente os respectivos motivos. Idem, ibid., p. 23. 65

    FRANK, Jerome. Law and the modern mind. New York: Tudor Publishing Company, 1936. p. 158.

  • interpretativas. No se pretende explicar de maneira simplista o fenmeno jurdico. Parece

    claro que o Direito seja complexo demais para ser apreendido sob apenas um vis como

    fenmeno cultural que , e, portanto, humano, ele to complexo quanto seus criadores

    quanto a individualidade de cada um dos seres que o compem. Tentar desenhar o fiel retrato

    do que os julgadores faro de fato no esgota a cincia do Direito.66

    No toa que diversos juristas, depois de Holmes, tentaram atribuir Prediction

    Theory outros significados. Como referido, ela extremamente sedutora e no se deixa de

    admitir que esse papel o da previso seja aquele esperado de todos os advogados, quando

    consultados.67

    Ou seja, a teoria aplicvel, ainda que com restries, e detm o mrito de

    reconhecer a atividade judicial como humana, sujeita a erros. A perspectiva estritamente

    racionalista, quase matemtica, de tal funo, torna estril a atividade judicial.

    Compreendendo um pouco melhor quem est por trs da toga certamente auxilia a compor um

    quadro mais rico e compreensvel do ato de julgar68

    , jamais dissociado dos deveres e garantias

    inerentes, que resguardam os indivduos das possveis arbitrariedades resultantes de quem mal

    compreenda a humanizao do cargo.

    Nessa quadra, como brevemente se destacou, a contratransferncia, um conceito

    inerente Psicologia69

    , auxilia na percepo que o prprio magistrado deve ter de como

    decide o caso. Se se entende que a subjetividade apresenta relevncia, no se pode afastar por

    completo as consequncias que a relao estabelecida entre juiz e partes. Esquea-se uma

    possvel predileo por loiras altas, e se pense a situao a partir de caractersticas mais

    complexas que possam acarretar a ocorrncia de uma identificao70

    entre julgador e parte ou

    at mesmo a repulsa conduta especfica, por qualquer motivo seja. A percepo da

    existncia dessa influncia no pode ser determinante no deslinde processual, mas deve ser

    percebida, em tempo hbil, pelo prprio juiz, para que no seja carreado ao ato decisrio

    elemento oculto s partes, que dele jamais deveria constar.

    66

    POUND, Roscoe. The Call for a realistic jurisprudence. In: FISHER, William W., HORWITZ, Morton J.,

    REED, Thomas A. (orgs.) American Legal Realism. Nova York: Oxford University Press, 1993, p. 60. 67

    GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 118. Assim tambm em POSNER,

    Richard A. The problems of jurisprudence. Cambridge: Harvard University Press, 1993, p. 224. 68

    Jerome Frank lembra as palavras de Lord Macmillan, juiz ingls: The judicial mind (...) is subject to the laws of psychology like any other mind () The judge () does not divest himself of humanity. He has sworn to do justice to all men without fear or favor, but () impartiality () does not imply that the judges mind has become a mere machine to turn out decrees; the judges mind remains a human instrument working as do other minds, though no doubt on specialized lines, and often characterized by individual traits of personality,

    engaging or the reverse. FRANK, Jerome. Courts on trial: myth and reality in american justice. New Jersey: Princeton University Press, 1973. p. 415.

    69 Talvez um dos ramos do conhecimento que mais tenha a contribuir com o estudo do Direito. FRANK, Jerome.

    Law and the modern mind. New York: Tudor Publishing Company, 1936. p. 100. 70

    Como ocorre entre terapeuta e paciente. RACKER, Heinrich. Transference and Countertransference. Nova

    York: Karnac, 2002, p. 137.

  • 8 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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