37
163 Maria Inês Sugai 2 6. Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”? 1 Introdução O jornal The New York Times publica anualmente a listagem dos melhores destinos do mundo que reco- menda para as camadas sociais mais ricas e privilegiadas. No início de 2009, novamente o jornal abalizou 44 destinos que considerou os mais charmosos ou mais interessantes. Surpreendentemente, a única cidade da América do Sul citada na listagem não foi Punta Del Leste, mas Florianópolis, considerada pelo jornal como o local onde ocorreriam as festas “mais quentes”, nos “estilosos bares de praia” ou nos megaclubs. Entre as qualidades descritas na reportagem, comenta-se que Florianópolis seria “uma mistura de Saint-Tropez com Ibiza, mas sem o esnobismo da primeira e os altos preços da segunda” (SHERWOOD; WILLIAMS, 2009). 1 Este capítulo tem como base o Relatório Final de Pesquisa da equipe de Florianópolis (SUGAI; PERES, 2007) da rede de pesquisa Infosolo, cujo coordenador geral é o Prof. Pedro Abramo (IPPUR/UFRJ). 2 Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, ambos da UFSC. Coordenou a pesquisa Infosolo em Florianópolis, que contou com a participação do Prof. Lino Peres e das mestrandas Daniella Reche e Fernanda Lo- nardoni, além de dez graduandos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC. Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Estudo sobre as favelas existentes em Florianópolis

Citation preview

Page 1: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

163

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Maria Inês Sugai2

6.Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?1

Introdução

O jornal The New York Times publica anualmente a listagem dos melhores destinos do mundo que reco-

menda para as camadas sociais mais ricas e privilegiadas. No início de 2009, novamente o jornal abalizou

44 destinos que considerou os mais charmosos ou mais interessantes. Surpreendentemente, a única cidade

da América do Sul citada na listagem não foi Punta Del Leste, mas Florianópolis, considerada pelo jornal como o local

onde ocorreriam as festas “mais quentes”, nos “estilosos bares de praia” ou nos megaclubs. Entre as qualidades descritas

na reportagem, comenta-se que Florianópolis seria “uma mistura de Saint-Tropez com Ibiza, mas sem o esnobismo da

primeira e os altos preços da segunda” (SHERWOOD; WILLIAMS, 2009).

1 Este capítulo tem como base o Relatório Final de Pesquisa da equipe de Florianópolis (SUGAI; PERES, 2007) da rede de pesquisa Infosolo, cujo coordenador geral é o Prof. Pedro Abramo (IPPUR/UFRJ).2 Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, ambos da UFSC. Coordenou a pesquisa Infosolo em Florianópolis, que contou com a participação do Prof. Lino Peres e das mestrandas Daniella Reche e Fernanda Lo-nardoni, além de dez graduandos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC.

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Page 2: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

164

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Certamente, para alguns, essa notícia não foi ines-

perada. Os poderes locais e grupos empresariais vinham

desenvolvendo, desde a década de 90, uma forte estratégia

de marketing para ampliar o turismo e atrair investimen-

tos internacionais. Com o intuito de garantir Florianópolis

como referência dentro dos padrões globais de qualidade

de vida, propagou-se a imagem de que Florianópolis se

constituía numa ilha dotada de atrativos naturais excepcio-

nais, com características físicas e culturais peculiares, que

operava um desenvolvimento urbano e turístico aparente-

mente isento de danos socioambientais, sem graves con-

flitos sociais, violências ou desigualdades, com crescente

fluxo migratório de camadas de alta renda, com imenso

potencial econômico num mercado em franca demanda,

entre outros aspectos (SUGAI, 2002). Assim, “Floripa”,

ou a “Ilha da Magia”, como começou a ser chamada, foi

divulgada para conquistar o papel de polo internacional

de turismo, o que tem contribuído para tornar Florianó-

polis o local escolhido por setores da classe dominante

para turismo e lazer ou para estabelecer residência.

O Brasil, até recentemente, constituía-se no país

mais desigual do continente, mais desigual do mundo, con-

forme atestam diversos indicadores socioeconômicos. Essa

desigualdade social também se expressa territorialmente,

evidenciando algumas regiões do país e cidades onde se

concentram os investimentos e também a população mais

privilegiada. Desde a década de 90, Florianópolis, que de-

senvolve principalmente atividades administrativas, de

serviços e turísticas, vem recebendo um fluxo migratório

de população de mais alta renda em busca de qualidade

de vida, assim como o aumento de investimentos e servi-

ços para essa nova demanda. O crescimento médio anual

da população de Florianópolis nos períodos 1991-2000 e

1996-2000 foi, respectivamente, de 3,34% e de 5,6% ao ano

(Contagem 96; IBGE, 1991, 2000), muito superior à mé-

dia do crescimento populacional brasileiro, que, no período

1991-2000, foi de 1,63% ao ano. Esse fluxo e as consequen-

tes inversões de investimentos contribuíram para que Flo-

rianópolis tenha sido o município brasileiro a obter o maior

crescimento do PIB per capita entre os anos 1970-1996, com

taxa de 6% ao ano (IPEA). O último Censo Geral (IBGE,

2000) indicou também que, no período 1991-2000, o cresci-

mento nos índices do rendimento médio por chefe de famí-

lia em Florianópolis foi superior ao aumento no país. Dessa

forma, considerando todas as capitais do país, Florianópolis

apresentou o maior rendimento médio por chefe de família,

10,7 salários mínimos, quando o rendimento médio brasi-

leiro foi de 5,0 salários mínimos. Inclusive, se forem consi-

derados todos os 5.561 municípios brasileiros, Florianópolis

apresentou o segundo maior rendimento médio.3

3 O rendimento médio só foi inferior ao do município de São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo (IBGE, 2000). Cf. SUGAI (2002): Tabelas 14, 17, 18 e 20.

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Page 3: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

165

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

O crescimento das camadas da população com

alto poder aquisitivo certamente vem gerando novas de-

mandas, novos investimentos do poder público e do setor

privado, e um variado número de repercussões no espaço

intraurbano dos municípios conurbados, notadamente na

Ilha. Entretanto, se Florianópolis tem apresentado essas

mudanças descritas, que tanto repercutem nas diversas

mídias, é importante que sejam oferecidos novos parâ-

metros que contribuam para uma análise efetiva desse

fenômeno e o conhecimento da cidade real.

Antes de tudo, é preciso desmistificar a ideia difun-

dida de que o município de Florianópolis abarque apenas

uma ilha e de que se constitua numa “ilha da magia” para

todos seus habitantes. Na realidade, 2,7% do território de

Florianópolis situam-se no continente4 e, apesar da reduzi-

da extensão na parte continental, ali sempre habitou parte

considerável da população: em 1991, moravam no conti-

nente 32% dos habitantes de Florianópolis e, em 2000,

26% da população (IBGE, 1991, 2000). Além disso, o

município de Florianópolis encontra-se conurbado com os

municípios de São José, Palhoça e Biguaçu, conformando

um todo intraurbano. Os quatro municípios apresentam

hoje expressiva integração socioeconômica, com uma sig-

nificativa continuidade do tecido intraurbano, com inten-

sos deslocamentos cotidianos e uma expressiva mobilidade

residencial interna de seus habitantes. O exame atento do

conjunto da área conurbada torna evidente a apartação so-

cioespacial, as disparidades sociais e o aumento da crimi-

nalidade urbana. Na área conurbada de Florianópolis, cer-

ca de 10% da população vivia abaixo da linha de pobreza,

da qual quase 36% habitavam na ilha e 64% no continente

(IBGE, 2000). Como veremos adiante, 14% da população

de Florianópolis e 12% da área conurbada habitavam em

favelas (INFOSOLO, 2005). Deve-se ressaltar, ainda, que

a difusão dessa noção de a cidade ser apenas uma ilha tam-

bém não é inócua. Faz parte do discurso dominante e, no

campo ideológico, cumpre papel importante na estrutura-

ção urbana, na distribuição desigual dos investimentos pú-

blicos entre ilha e continente e no processo de segregação

espacial (SUGAI, 2002).

Este trabalho pretende evidenciar a face desconhe-

cida desse espaço urbano segregado, ou seja, a pobreza, a

exclusão e a informalidade nos municípios conurbados de

Florianópolis, e, principalmente, apresentar as condições

de acesso à terra, o funcionamento do mercado imobiliário

informal, a mobilidade urbana e a dinâmica habitacional

dos pobres, por meio do relato parcial da pesquisa da Rede

Infosolo “O mercado imobiliário informal e o acesso dos

pobres ao solo urbano”, desenvolvida na área conurbada

de Florianópolis, em 2005. A primeira parte deste texto

4 O município de Florianópolis abrange a Ilha de Santa Catarina (424,4 km2) e pequeno território de 12,1 km2 na área continental, totalizando seu território a área de 436,5 km2.

Page 4: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

166

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

apresenta rápidos esclarecimentos sobre a área conurbada

de Florianópolis e seus espaços de pobreza e, em seguida,

a caracterização das seis favelas, ou comunidades como

são chamadas localmente, que foram selecionadas para ser

pesquisadas. Essa seleção ocorreu entre as 171 áreas de in-

formalidade e pobreza da área conurbada de Florianópolis,

que foram levantadas, cadastradas e localizadas na primeira

etapa da pesquisa Infosolo. Em sequência, serão expostos

alguns dos resultados obtidos na pesquisa de campo nos

submercados de compra, de venda e de aluguel nas áreas

de informalidade, e alguns comentários finais sobre esse

mercado imobiliário e a condição de informalidade.

1 A área conurbada de Florianópolis, espaço de segregação

A área de investigação desta pesquisa abrange os

municípios conurbados de Florianópolis, São José, Palhoça

e Biguaçu, os quais apresentavam recentemente população

total estimada de 769.525 habitantes (IBGE, 2007). Em

2005, ano da pesquisa de campo, as estimativas populacio-

nais indicavam que 51,2% dos habitantes da área conurbada

habitavam no município de Florianópolis, localizando-se

em São José, em Palhoça e em Biguaçu, respectivamente,

25,4%, 16,0% e 7,3% dos habitantes. Palhoça e Biguaçu

apresentavam os menores rendimentos já em 2000 e tive-

ram também o maior acréscimo populacional no período

2000-2005, com a expansão progressiva de suas periferias

devido à ocupação informal do solo urbano.

As especificidades geográficas, morfológicas, am-

bientais e as qualidades paisagísticas desses municípios – em

especial Florianópolis e Palhoça – favoreceram o desenvol-

vimento das atividades turísticas na região e também inten-

sas disputas pela ocupação do solo urbano. Cerca de 42%

do território da Ilha de Santa Catarina constituem área de

proteção e preservação ambiental (manguezais, dunas, ma-

tas nativas, reservas biológicas, topos de morros e encostas

com forte declividade, lagoas, mananciais de água, praias,

restingas, costões, promontórios, etc.) (CECCA, 1997). A

reduzida disponibilidade de solo adequado para ocupação

repete-se de forma mais intensa no município de Palhoça,

com quase 70% de seu território protegido por legislações de

preservação ambiental, o qual também apresenta os maiores

índices de pobreza da área conurbada. As intensas disputas

pela ocupação do solo urbano, a distribuição desigual dos in-

vestimentos públicos e a ausência de políticas que garantam

o direito à moradia vêm ampliando o processo imobiliário

especulativo, dificultando o acesso à terra pela população de

menor renda e reproduzindo as desigualdades socioespaciais

e os processos segregativos (SUGAI, 2002).

Estudos sobre a dinâmica intraurbana apontam a

tendência à concentração e à aproximação dos bairros re-

sidenciais e espaços de autossegregação ocupados pelas ca-

madas sociais de alta renda no contexto intraurbano, ten-

dência que se evidencia não apenas nos limites da cidade,

mas na totalidade metropolitana (VILLAÇA, 1979, 1998;

SUGAI, 1994, 2002). A localização das moradias das ca-

Page 5: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

167

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

madas mais pobres, por outro lado, ainda que vinculada e

resultante dessa mesma dinâmica socioespacial, apresenta

especificidades locacionais, em especial as determinações

relacionadas ao mercado informal, como a localização de

favelas, situadas nas áreas centrais ou nas periferias das ci-

dades. Conforme observa Abramo (2003), evidências em-

píricas nos estudos sobre a localização dos pobres indicam

a relação existente entre o mercado de trabalho informal

e o mercado imobiliário informal, assim como de outros

fatores locacionais como a acessibilidade, a proximidade de

uma fonte de rendimento e as relações de vizinhança (ver

SINGER, 1979), além de apontar a relativa diversidade en-

tre as favelas das cidades e mesmo no contexto intrafave-

las, indicando também a contribuição do fator localização

para a compreensão do mercado imobiliário informal.

2 Os espaços de pobreza e de informalidade na “Ilha da Magia” e área conurbada

No universo dos estudos sobre a informalidade

urbana, como em Castells (1970), Pradilla (1982) e Peres

(1994), a pobreza tem sido apontada não apenas como

efeito estrutural do processo, mas também como causa da

desigualdade social e econômica, visto que a dinâmica fun-

diária e imobiliária tem contribuído para agravar a situação

de pobreza das populações que vivem em assentamentos

precários ou favelas, reproduzindo e alongando o ciclo da

pobreza (ABRAMO, 2003; SMOLKA, 2003). No entanto,

se o mercado da informalidade reproduz a pobreza, muitas

vezes são os próprios programas oficiais de regularização,

promovidos para buscar resolver essa situação de precarie-

dade, que acabam encarecendo o custo de vida das popula-

ções pobres e agravando o processo de opressão.

Os debates acerca das conceituações de favela, lote-

amentos clandestinos, ocupações, áreas invadidas, assen-

tamentos precários, aglomerados subnormais (termo utili-

zado pelo IBGE), entre outras denominações, evidenciam

também a utilização de diferentes critérios e classificações.

Considera-se que, para a definição de favela, o critério mais

adequado é o estatuto jurídico da terra, ou seja, a ocupa-

ção ilegal da terra (FERNANDES, 2003; MARICATO,

2006; TASCHNER, 2003), e não o critério da qualidade

das moradias, que mantém a análise na esfera do consumo,

ou pela quantidade de domicílios, critério adotado pelo

IBGE (2000), que tem demonstrado nítida tendência à su-

bestimação das favelas.5 Se fosse utilizado unicamente o

critério adotado pelo IBGE, que considerou favela apenas

os assentamentos com mais de 51 unidades domiciliares,

Florianópolis seria considerada uma cidade praticamen-

5 Na cidade de São Paulo, em 1987 e em 1993, pesquisas indicaram que, respectivamente, 21,9% e 21,2% da população favelada morava em assentamentos com menos de 51 unidades domiciliares (TASHNER, 2003).

Page 6: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

168

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

te sem favelas, pois os resultados do último Censo Geral

apontaram apenas quatro situações de “aglomerados sub-

normais”, onde viveriam 561 famílias. Esse resultado do

IBGE foi contestado pelos levantamentos desenvolvidos

na primeira etapa da pesquisa Infosolo, que, apenas no

município de Florianópolis, cadastrou 61 assentamentos

precários, nos quais, numa apreciação subestimada, havia

mais de 13.180 moradias (INFOSOLO, 2005).

Esse critério do IBGE determinou distorções sig-

nificativas também na leitura da realidade urbana da área

conurbada de Florianópolis, que, como nos demais mu-

nicípios catarinenses, é formada em sua maior parte por

cidades de porte médio e com centenas de assentamentos

precários ocupados irregularmente, que somam menos de

51 unidades habitacionais. Assim, considerou-se que o pro-

blema social maior é o fato de não terem direito de acesso

ao solo urbano e a relação jurídica que mantém com a terra

invadida, além do limitado acesso à infraestrutura, aos ser-

viços públicos e à inserção na cidade, a precária condição

habitacional dos assentamentos, entre outros aspectos a

serem ponderados. Dessa forma, utilizando esses critérios,

constatou-se que 14% da população de Florianópolis e 12%

da área conurbada habitavam em ocupações ilegais e pre-

cárias e em condições de pobreza (INFOSOLO, 2005).

No presente estudo utilizaram-se termos como “fa-

vela” ou “assentamento irregular”, “assentamento conso-

lidado” e “assentamento precário”. O elemento comum a

essas conformações e a todas as situações que envolvem a

informalidade do mercado de terras é a existência de pos-

se ilegal, irregular, informal ou clandestina dos terrenos,

sejam eles servidos ou não de infraestrutura SMOLKA;

IRASCHETA, 2000).6 Deve-se ressaltar, no entanto, em

relação à denominação desses assentamentos, o uso dis-

seminado pelo poder público catarinense, pela imprensa

local e também pelos próprios moradores das favelas do

termo “comunidade” ou “comunidades carentes”.

As áreas de pobreza nos quatro municípios da área

conurbada de Florianópolis apresentam uma configuração

bastante variada de situações socioeconômicas, espaciais

e habitacionais: desde a antiga inserção dos assentamen-

tos nas encostas do Morro do Maciço Central, próximo

às áreas centrais de Florianópolis, que se assemelham às

ocupações informais nos morros do Rio de Janeiro, como

também a situação de precariedade e de periferização das

favelas sobre mangues, dunas e em áreas próximo a rios e

orlas. A favela Vila do Arvoredo, situada sobre dunas ao

6 Por outro lado, deve-se evidenciar que, para alguns autores, mais do que a insegurança da posse, a ausência de infraestrutura e a dificuldade de superar essa condição se constituem “nos principais critérios para definir assentamentos irregulares” (DURAND-LASSERVE apud SMOLKA; IRASCHETA, 2000, p. 87).

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Page 7: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

169

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

norte da ilha, e a favela de Frei Damião, nas áreas inundá-

veis do Brejaru, na divisa entre os municípios de Palhoça

e de São José, se enquadram nas situações descritas.

O processo histórico de urbanização da área co-

nurbada de Florianópolis indica três momentos em que a

ocupação do solo urbano pela população pobre se terri-

torializou de forma mais evidente e intensa; inicialmente,

ao final do século XIX, após a abolição da escravatura,

quando começaram a ser ocupadas as terras situadas na

base do Maciço Central do Morro da Cruz, próximo ao

centro histórico de Florianópolis e, gradativamente, as

encostas ao redor desse maciço central. O segundo mo-

mento dá-se a partir do processo de migração rural-urba-

na dos anos 60, quando a população de mais baixa renda

que chegava a Florianópolis localizou suas moradias nas

encostas do maciço central, na Ilha, e também ocupou as

periferias de Florianópolis, na parte continental.

Um terceiro período de expressiva expansão da ocu-

pação informal desponta na década de 90, concomitante

à elevação do rendimento médio da população de Floria-

nópolis, ao aumento do processo migratório e também ao

aumento das desigualdades sociais no contexto conurbado.

Nesse período tornou-se mais evidente o surgimento de as-

sentamentos irregulares e precários mais distantes das áreas

centrais, tanto ao longo da Ilha como no continente, além

do processo de adensamento das favelas já existentes, da re-

moção pelo poder público de alguns desses assentamentos

e da consolidação do fenômeno da segregação socioespacial

no contexto conurbado. Constatou-se, mais recentemente,

também o aumento significativo do número de assenta-

mentos precários nas periferias da Ilha e do continente, em

função do menor custo do solo urbano. O último Censo

Geral indicou que residiam na área continental 67,8% dos

chefes de família que recebiam até 2 salários mínimos.

O levantamento efetuado na primeira etapa desta

pesquisa, em 2004, confirmou a existência de 61 assenta-

mentos informais apenas em Florianópolis e constatou

outras 110 áreas de ocupação irregular nos municípios da

área conurbada, assim distribuídos: 67 em São José, 27

em Palhoça e 16 em Biguaçu. Totalizavam 171 favelas e

assentamentos consolidados informais cujos habitantes

representavam mais de 14% da população da área conur-

bada de Florianópolis.7 A maior concentração de favelas

ocorria na área central da Ilha, ao redor das encostas do

Maciço Central, onde foram contabilizadas 21 favelas e

assentamentos consolidados.

7 O cadastro dos assentamentos ou comunidades está exposto no Relatório Parcial 1 da equipe Infosolo/Florianópolis, FINEP, 2005. As informações foram obtidas através de fontes primárias e secundárias (NESSOP/UFSC, Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular, para São José; NIPE/UFSC para o Habitar-Brasil-BID, no município de Palhoça; levantamentos do IPUF/Florianópolis, 1992; MIRANDA, em 2001; Prefeituras Municipais; setores censitários dos Censos Gerais do IBGE; e os mapas-base digitalizados de pesquisas anteriores de SUGAI, 2002 e 1994).

Page 8: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

170

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

3 Mercado imobiliário informal e caracterização das favelas pesquisadas

Há situações variadas entre os assentamentos e

mesmo dentro de um mesmo assentamento, seja em re-

lação à qualidade do padrão construtivo, à condição de

regularização fundiária, à precariedade e carência de ser-

viços, seja pela deficiente implementação dos programas

oficiais. Entretanto, os dados confirmam essa condição

majoritária de informalidade, indicando que 80,7% dos

assentamentos dos quatro municípios conurbados, tanto

os precários como os consolidados, eram ocupações irre-

gulares. Florianópolis apresentou a taxa de regularização

mais alta, cerca de 5% dos assentamentos, os quais se si-

tuavam nas áreas centrais da Ilha e cujos processos de

regularização começaram a ocorrer a partir da década de

80. No entanto, a informalidade mantém-se como o prin-

cipal mecanismo de acesso à moradia para os pobres na

área conurbada de Florianópolis, expandindo a ocupação

nas áreas de proteção ambiental, em áreas de risco e nas

periferias distantes.

Foram escolhidos seis assentamentos, utilizando-se

como critérios: a) as favelas situadas nas áreas centrais e

nas periferias da área conurbada; b) as favelas situadas na

Ilha em relação às do continente; c) as favelas situadas nas

periferias da Ilha e as da periferia no continente; e d) fave-

las com boa acessibilidade e proximidade de infraestrutu-

ras e serviços urbanos e outras em condições bastante pre-

cárias. Como resultado desse processo, foram escolhidos

para pesquisa de campo os assentamentos a seguir.

3.1 Serrinha (Florianópolis)

Esse assentamento ocupa as encostas e parte do topo

do Maciço do Morro da Cruz, em sua face sudeste. Situa-se

no bairro da Trindade, e outra pequena parte direciona-se

para o bairro do Saco dos Limões, ambos no Distrito Sede

de Florianópolis. Parte dos moradores da Serrinha I ocupa

área de propriedade da UFSC. Na base do Morro encon-

tra-se o campus da Universidade Federal de Santa Catarina,

cujo entorno apresenta boas condições de acessibilidade,

de serviços e de infraestrutura, e com intensa demanda por

pequenos apartamentos quitinetes e quartos de aluguel

para estudantes. Essa demanda tem repercutido no mer-

cado imobiliário formal e informal, inclusive com fortes

pressões do mercado formal em avançar com construções

de edifícios nas encostas do morro, em áreas do mercado

informal. O conjunto das duas áreas informais, Serrinha I

e Serrinha II, possuía mais de 1.100 domicílios. A Serrinha

I, a área informal pesquisada, possuía 660 moradias. Entre

as cotas de nível 70 e 120, aproximadamente, localiza-se a

parte mais consolidada e, nos níveis mais altos, as ocupa-

ções mais precárias e recentes. Essa demarcação se refle-

tiu nos resultados obtidos. Nas áreas mais consolidadas,

e onde havia melhor acessibilidade, constatou-se o maior

número de transações imobiliárias, em sua maioria de alu-

guel de imóveis.

Page 9: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

171

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

3.2 Morro da Queimada (Florianópolis)

Localizado nas encostas do Maciço do Morro da

Cruz, em sua face sul, esse assentamento situa-se no bairro

do José Mendes, próximo à área mais central da cidade. A

maior parte dos moradores que habitam na base do Morro

possui imóvel regularizado, ocorrendo a ocupação irregular

nas cotas mais altas, onde se desenvolveu a pesquisa. Nas

últimas décadas, com a expansão das ocupações nas encos-

tas do Maciço Central, houve um processo de conurbação

entre os diversos assentamentos, que formaram um tecido

contínuo de ocupações irregulares ao redor do Morro da

Cruz e que dificultam a delimitação espacial das comunida-

des. Nessa parte sul do Maciço as ocupações das encostas

cresceram a partir do Morro do Mocotó, comunidade pró-

xima ao centro histórico e uma das ocupações informais

consolidadas de Florianópolis, iniciada na década de 50. No

assentamento do alto do Morro da Queimada havia 253 do-

micílios informais, situados em continuidade à comunidade

do Morro do Mocotó. Localizada sobre terreno muito ín-

greme, eram comuns situações com risco de desabamento e

deslizamento de terras e pedras nesse assentamento.

3.3 Tapera da Base (Florianópolis)

Trata-se de assentamento informal situado no setor

sudoeste da Ilha, voltado para a baía sul, em terras con-

tíguas à Base Aérea, e distante cerca de 30 km do centro

de Florianópolis. A Tapera da Base caracterizava-se até há

poucos anos pela pobreza, pelos esgotos correndo a céu

aberto, pelas gangues, pela violência urbana, pela implan-

tação de “toque de recolher” pela Polícia Militar no ano

de 2001, pela existência de apenas uma rua pavimentada e

pela ausência de infraestrutura urbana. As alterações nesse

quadro ocorreram em função das pressões de seus mora-

dores junto à Prefeitura Municipal e também pelo visível

interesse de setores da classe média que começaram a ad-

quirir propriedades situadas nas praias dessa orla sul para

veraneio. O processo de ocupação da Tapera iniciou-se no

final da década de 80, nas terras próximas à Base Aérea, e

expandiu-se na década de 90 por meio de grilagens. A co-

munidade da Tapera da Base certamente é uma das maio-

res da área conurbada, mas existiam grandes discrepâncias

nos dados sobre o número de moradias. Segundo o IBGE

(2000) haveria cerca de 1.223 moradias, mas segundo con-

tabilizava a Associação dos Moradores da Tapera da Base e

outros líderes comunitários, no ano de 2005 havia cerca de

4.000 domicílios e mais de 15.000 moradores. A Tapera da

Base constituiu-se na maior área de informalidade pesqui-

sada, onde foram feitas 43% das entrevistas, e também a

mais extensa e populosa entre as comunidades escolhidas.

3.4 Solemar (São José)

Solemar é uma ocupação irregular situada no bair-

ro Bela Vista, distrito de Barreiros, no município de São

José. Apesar de situar-se na periferia da área continen-

tal, mantém relativa proximidade física com os bairros

centrais de São José e com a via expressa que se dirige a

Page 10: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

172

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Florianópolis. Com a abertura da chamada Avenida da

Torres (referência às torres de alta tensão) próximo à co-

munidade, atualmente a distância entre essa comunida-

de e o centro de Florianópolis é de aproximadamente 15

km. Uma das características da população do Solemar e

das comunidades vizinhas, como o Pedregal, é sua extre-

ma pobreza. A renda média mensal de seus moradores é

de 2,35 salários mínimos, e 10% de seus moradores não

apresentam nenhum rendimento (IBGE, 2000). O pro-

cesso de ocupação do Solemar teve início na década de

90, e o assentamento informal delimitado para o estudo

contava com 230 moradias no período da pesquisa.

3.5 Frei Damião (Palhoça)

O assentamento localiza-se na divisa entre os mu-

nicípios de São José e de Palhoça e, através da BR-101,

situa-se a, aproximadamente, 30 km do centro de Floria-

nópolis. Entre todas as áreas de informalidade da área

conurbada, Frei Damião é a que apresenta as piores con-

dições de pobreza, de infraestrutura urbana, de violência

e de abandono. Uma das características do assentamen-

to é que parte considerável de seus moradores trabalha

como catador de lixo reciclável. Trata-se de uma extensa

ocupação iniciada em 1993, em terreno de topografia

plana, suscetível a constantes alagamentos, que ainda es-

tava em processo de expansão e de ocupação. No ano

de 2005, conforme a Associação dos Moradores, havia

cerca de 1.400 domicílios no conjunto da comunidade.

A renda média mensal do conjunto de responsáveis pelo

domicílio era de 2,06 salários mínimos (IBGE, 2000),

sendo a mais baixa entre as favelas pesquisadas. Frei Da-

mião apresentava problemas de violência em algumas

áreas específicas, o que também justificou o interesse de

mudança do assentamento por muitos dos moradores

que responderam ao questionário de venda, que abran-

geu 57,7% do total de entrevistas, quando nas demais

comunidades a porcentagem máxima de imóveis à venda

foi de 28% dos entrevistados.

3.6 Sol Nascente (Florianópolis)

Situa-se no bairro de Saco Grande, a 13 km ao norte

do centro de Florianópolis. Sol Nascente é uma das seis co-

munidades que ocupam as encostas dos morros ao longo

da Rodovia Virgílio Várzea, paralela à rodovia SC-401, e

que faz a conexão rodoviária entre a área urbana central e

o norte da Ilha. A comunidade do Sol Nascente, em 2005,

contava com 600 domicílios. Além da localização estraté-

gica dessa comunidade no contexto conurbado, também a

organização da comunidade constituía-se num fato singu-

lar. A população, através da Associação de Moradores do

Sol Nascente, era a responsável pelo abastecimento de água

local e possuía total controle sobre a coleta, o represamen-

to, o reservatório, o tratamento, o uso, a distribuição, a ma-

nutenção e a cobrança da água potável, além do controle

sobre a preservação dos mananciais e da ocupação dos cór-

regos. Entretanto, vem ocorrendo uma perceptível mudan-

ça do perfil de renda dos moradores na base das encostas

Page 11: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

173

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

do Morro, o que é fortalecido pela localização do bairro,

situado na direção norte da Ilha, para onde se concentra

a expansão de bairros residenciais de mais alta renda, dos

investimentos públicos, além de investimentos privados

de grande porte, como um grande shopping Center, que,

na época da pesquisa, estava sendo construído próximo à

base desse morro. O interesse do setor imobiliário formal

pelas áreas na base do morro e sua localização estratégica

em relação aos bairros das camadas de alta renda situadas

na metade norte da Ilha evidenciam essa possível mudan-

ça de perfil dos moradores e de disputas dessa área de in-

formalidade com o capital imobiliário. Os resultados da

pesquisa de campo indicam a condição estratégica dessa

comunidade e o processo de mudança, pois 76,1% dos en-

trevistados eram locatários recentes, a maior parte alugava

quitinetes construídas por moradores locais.

Figura 1 – Localização dos assentamentos precários na área conurbada de Florianópolis

Fonte: Infosolo/ARQ/UFSC (2005)

Page 12: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

174

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

4 Características do mercado informal na área conurbada de Florianópolis

A investigação do funcionamento do merca-

do imobiliário informal nos municípios conurbados

de Florianópolis concentrou-se, numa segunda etapa,

nos seis assentamentos informais selecionados. Foram

entrevistados todos os moradores que haviam efetu-

ado transações de compra, de venda e de aluguel em

2005, recorte temporal estabelecido pela pesquisa. No

universo de 4.366 domicílios desses seis assentamentos,

a média de entrevistas por comunidade foi de 10,4%

dos domicílios, índice médio semelhante a outras áre-

as metropolitanas pesquisadas pela Rede Infosolo.

Confirmou-se não apenas a existência de um dinâmico

mercado imobiliário informal de compra, de venda e de

aluguel de imóveis na região conurbada de Florianópo-

lis como também se obtiveram informações fundamen-

tais para se compreender o funcionamento do mercado

imobiliário informal, o comportamento e o processo de

comercialização de imóveis, a mobilidade urbana e in-

trafavelas, e as condições de habitação dos moradores

dos assentamentos informais.

Do total de questionários aplicados nos seis assen-

tamentos (Tabela 1), 30,3% deles foram de responsáveis

pelo domicílio que estavam com seu imóvel à venda,

42,2% dos entrevistados haviam alugado um imóvel, e

27,5% dos entrevistados haviam comprado imóvel no

período. O submercado de aluguel é o que teve maior

índice de ocorrências nas comunidades, com exceção da

favela de Frei Damião, que apresentou apenas 6,4% de

transações de aluguel, fato justificado por estar ainda em

processo de ocupação.

COMUNIDADe TOTAL VeNDA % TOTAL

ALUgUeL % TOTAL COMPRA % TOTAL %

Tapera 56 28,1 81 40,7 62 31,2 199 100

Frei Damião 45 57,7 5 6,4 28 35,9 78 100

Solemar 5 25,0 8 40,0 7 35,0 20 100

Serrinha 20 24,4 38 46,3 24 29,3 82 100

Queimada 2 9,1 19 86,4 1 4,5 22 100

Saco Grande 10 18,5 41 75,9 3 5,6 54 100

TOTAL 138 30,3 192 42,2 125 27,5 455 100

Fonte: Infosolo (2005)

Tabela 1 – Porcentagem de questionários de venda, aluguel e compra.

(*) Considerando os responsáveis com renda.

Page 13: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

175

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

A quantidade de transações de aluguel foi o aspec-

to que mais chamou a atenção entre os resultados obtidos

na pesquisa, pois, além de evidenciar a demanda por ha-

bitação, revela o grau de instabilidade e de uma potencial

mobilidade residencial por parte desses moradores. As

áreas localizadas na parte central e insular do município

de Florianópolis têm, proporcionalmente, maior porcen-

tagem de transações de aluguel que os assentamentos mais

periféricos, demonstrando a maior demanda por imóveis

nas áreas que oferecem maior número de oportunidade de

trabalho e melhor infraestrutura, ainda que o movimento

de venda e compra seja significativo. A análise das con-

dições econômicas dos locatários indica que, em média,

comprometem 23,9% de sua renda familiar com o custeio

do aluguel. Os preços elevados pagos nos aluguéis, como,

por exemplo, na comunidade do Sol Nascente, no Saco

Grande, cujo valor médio do aluguel era de R$ 250,70

para moradias com área média de 46 m² (INFOSOLO,

2005), indicam a existência de um mercado imobiliário

informal de aluguel que não apenas reproduz a condição

de pobreza, mas que também impõe à população formas

de exploração e valores de aluguel que se assemelham aos

do mercado imobiliário formal.

Pesquisa recente realizada na Serrinha (LONAR-

DONI, 2007), com abrangência de todo o universo de

imóveis alugados na comunidade, independentemente do

período de aluguel do imóvel, indicou que 18,8% do to-

tal dos 660 domicílios da comunidade constituíam-se de

imóveis alugados. Esse dado sugere que as transações de

aluguel podem ter uma presença ainda mais expressiva do

que se apresentou nesta pesquisa.

O alto índice de transações relativas ao submer-

cado de aluguel, entre outras razões, pode ser indicativo

de: a) uma condição de transitoriedade do morador; b)

ausência de espaço para novas ocupações na comunidade;

c) demanda por moradia, paralela à insuficiência de recur-

sos dessas famílias para adquirir imóveis nas favelas; e d)

menor tempo na cidade, considerando que a maior parte

dos migrantes do submercado de aluguel havia chegado

recentemente na área conurbada. Deve-se observar, en-

tretanto, que nem sempre o fato de a pessoa alugar imóvel

significa renda menor. Ao contrário, no submercado de

aluguel a renda média do entrevistado e a renda média

domiciliar do entrevistado foram mais elevadas do que a

renda média do entrevistado e a renda média familiar dos

moradores que haviam comprado imóvel na favela.

4.1 O perfil dos moradores, trabalho e renda

A grande maioria dos moradores que efetuaram

transação imobiliária de compra, de venda e de aluguel

nos assentamentos informais não era originária da área

conurbada de Florianópolis. Apenas 24,2% eram oriun-

dos dos municípios conurbados, e 75,8% dos moradores

eram migrantes de municípios do interior do estado de

Santa Catarina e também de outros estados. Entre a po-

pulação de migrantes, 53,9% haviam nascido em Santa

Page 14: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

176

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Catarina, 14,8% no Rio Grande do Sul, 19,7% no Paraná,

e 11,6% eram migrantes de outros estados ou países.

Dessa população de migrantes, mais de 70% trans-

feriram-se para a Região Metropolitana de Florianópolis

a partir da década de 90. Considerando-se que 46,10%

dos entrevistados nas áreas de informalidade haviam mi-

grado de outros estados, é interessante confirmar que o

expressivo processo migratório da década de 90 para a

área conurbada de Florianópolis deu-se tanto nas cama-

das de mais alta renda, conforme evidenciado pelas diver-

sas mídias, como também nas camadas mais pobres da

população, gerando novos assentamentos informais ou

densificando os já existentes.

Considerando-se os dados desagregados, que mos-

tram a origem das populações por tipo de transação imo-

biliária, nos submercados de venda e de compra há os

maiores percentuais de população com origem em Santa

Catarina, respectivamente 74,64% e 74,20%, sendo, entre

aqueles que alugaram imóvel, 51,56% oriundos do esta-

do. Entre os locatários nesses assentamentos informais,

a porcentagem de entrevistados oriundos de outros esta-

dos é maior do que nos outros dois submercados, tendo

vindo 20,31% do Paraná, 21,35% do Rio Grande do Sul,

e 6,77% migraram de outros estados. Nas áreas perifé-

ricas, ocorreu maior incidência de população de fora de

Santa Catarina que havia alugado imóvel, como em Frei

Damião, com índice de 60%, e em Solemar, onde 50,00%

dos locatários eram de outros estados.

Os indivíduos que alugavam um imóvel nas áreas

de informalidade pesquisadas constituíam-se no grupo

que mais recentemente havia migrado para a região de

Florianópolis e que chegou, principalmente, a partir do

final da década de 90. Em sua maior parte eram famí-

lias procedentes do interior de Santa Catarina, ainda que

também sejam significativos nesse período os migrantes

originários do Rio Grande do Sul e do Paraná. Com ida-

de média entre 35 e 40 anos, a maior parte dos respon-

sáveis pela família era do sexo masculino, declarado de

cor branca, e seu nível de instrução alcançava até a oitava

série. Deve-se observar, no entanto, que 18% dos chefes

de família eram mulheres, cujo rendimento era o único

da família. Os locatários, em sua maior parte, exerciam

algum trabalho remunerado, a maior parte no setor de

serviços, ainda que muitos deles atuassem na construção

civil, ou no comércio. Recebiam, em média, 2,1 salários

mínimos mensais e apresentavam renda domiciliar de 2,9

salários mínimos, havendo quase sempre duas pessoas

que contribuíam para esse rendimento.

Uma das características mais evidentes no perfil do

indivíduo que vendia seu imóvel nas áreas de informalida-

de era sua relativa estabilidade e o longo período de per-

manência na comunidade, comparativamente aos demais

entrevistados. Constituíam-se no grupo de moradores

mais antigos nas comunidades: 18% deles migraram na dé-

cada de 1980 e 11,3% chegaram nas décadas precedentes.

A idade média era de 40 anos, declararam-se de cor bran-

Page 15: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

177

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

ca, do sexo masculino, não haviam conseguido concluir

o primeiro grau e conviviam com um(a) companheiro(a),

seja casado ou em união consensual. Cerca de 60% deles

habitavam na comunidade há mais de 5 anos e, em alguns

locais, como no Sol Nascente, a maior parte morava na co-

munidade há mais de 10 anos. Observa-se que em algumas

comunidades (Sol Nascente, Solemar, Frei Damião e Tape-

ra da Base) cerca de 20% dos moradores que vendiam seu

domicílio eram mulheres chefes de família, quase sempre

migrantes, possuíam ocupação e rendimento, sendo que a

maioria delas sustentava o domicílio.

Entre os moradores que estavam vendendo o seu

imóvel, 74,6% exerciam algum tipo de trabalho remune-

rado, ainda que nas comunidades de Solemar e Morro

da Queimada, pelo menos metade dos que estavam com

seus imóveis à venda, se encontrava sem um trabalho re-

munerado. Nesse submercado de vendas concentrava-se

o maior índice de aposentados, 15% deles. Para muitos, o

fato de não exercerem trabalho remunerado ou de esta-

rem em dificuldades financeiras também contribuiu para

a decisão da venda do imóvel, com a qual pretendiam

obter recursos por adquirir em seguida um imóvel mais

barato. Quem estava vendendo seu imóvel apresentou a

maior renda média – 2,24 salários mínimos –, e a maior

renda média domiciliar – 2,94 salários mínimos –, em

comparação aos integrantes dos demais submercados.

Os indivíduos que compraram imóveis nas áreas

de informalidade pesquisadas, da mesma forma dos que

alugavam, haviam migrado mais recentemente para a re-

gião de Florianópolis, principalmente a partir de meados

da década de 90. Eram procedentes, em sua maior parte,

do interior de Santa Catarina. Cerca de 20% dos mora-

dores que vendiam seu domicílio eram mulheres chefes

de família. Esse indivíduo padrão que comprou imóvel

exercia, em sua maior parte, algum trabalho remunerado

(76%), quase sempre no papel de empregado, desempe-

nhando atividades principalmente no setor de serviços,

e uma parcela significativa trabalhava por conta própria.

Quem havia comprado seu imóvel apresentou a menor

renda média, 1,95 salário mínimo, e a menor renda média

domiciliar, 2,83 salários mínimos, em comparação aos in-

tegrantes dos demais submercados. É interessante obser-

var que, apesar de receberem um rendimento menor do

que o dos demais submercados, esse grupo de moradores

havia conseguido comprar um imóvel recentemente, sen-

do que 52,8% certamente tiveram alguma possibilidade

de poupança, pois haviam efetuado o pagamento à vista.

Considerando o conjunto dos três tipos de submer-

cado, a pesquisa indicou que a grande maioria dos entre-

vistados exercia algum tipo de trabalho remunerado. No

submercado de aluguel, 88% dos entrevistados trabalha-

vam; no submercado de compra, 76% dos entrevistados; e

no submercado de venda, 74,6% dos entrevistados desen-

volviam algum trabalho remunerado. O índice mais alto de

entrevistados com trabalho remunerado se concentrou en-

tre aqueles que alugavam imóveis, sendo que cinco das seis

Page 16: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

178

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

comunidades pesquisadas registraram índices iguais ou su-

periores a 90% de locatários com trabalho remunerado. Os

índices do submercado de venda de algumas comunidades,

como Solemar e Morro da Queimada, indicaram que, pelo

menos metade daqueles que estavam com seus imóveis à

venda, se encontravam sem um trabalho remunerado.

A renda domiciliar média, considerando todo o uni-

verso de entrevistados nos três submercados, apresentou o

valor de 2,89 salários mínimos mensais. Deve-se salientar

que, considerando os três submercados, são pouquíssimos

os domicílios nos quais houve declaração de ausência de

renda domiciliar, sendo o submercado de aluguel o único

em que não há nenhum entrevistado sem renda domiciliar.

As duas comunidades que apresentaram a renda domiciliar

média mais baixa foram Frei Damião e Solemar, com res-

pectivamente 2,0 e 2,2 salários mínimos mensais, ambas

situadas, não coincidentemente, na parte continental e na

periferia dos municípios vizinhos de Palhoça e São José.

Entre as seis comunidades pesquisadas, as que

apresentaram as condições mais precárias, inclusive em

termos de renda, foram as de Frei Damião e Solemar,

cujos responsáveis recebiam a menor renda média por

responsável e a menor renda média domiciliar nos sub-

mercados de venda, compra e aluguel, o que redundou

na apresentação da renda domiciliar média mais baixa

dentro do conjunto das comunidades, conforme expos-

to anteriormente. Entretanto, as informações coletadas

permitiram evidenciar não apenas as diferenças de renda

entre os diferentes tipos de submercados ou as diferen-

ças de renda definidas pela localização da própria comu-

nidade no contexto urbano, mas, além disso, evidenciar

as diferenças de renda apresentadas entre os entrevista-

COMUNIDADeVeNDA COMPRA ALUgUeL

Renda média do responsável

Renda média domiciliar

Renda média do responsável

Renda média domiciliar

Renda média do responsável

Renda média domiciliar

Tapera da Base 2,69 3,37 2,3 3,22 2,24 3,05

Frei Damião 1,61 2,15 1,4 1,85 1,73 2,4

Solemar 2 2,26 1,34 1,83 1,88 2,6

Serrinha 2,05 2,89 1,84 3,09 1,84 2,41

Morro da Queimada

1,33 3,33 3,67 6,67 2,09 2,76

Sol Nascente 3,31 4,43 1,75 3,22 2,18 3,27

TOTAL 2,24 2,94 1,95 2,83 2,1 2,9

Fonte: Infosolo (2005)

Tabela 2 – Renda domiciliar média e renda por responsável *(em salários mínimos)

Page 17: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

179

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

dos conforme a origem dos moradores que alugaram ou

comercializaram imóveis. Considerando-se que a ampla

maioria dos moradores que havia efetuado transação

imobiliária era formada de migrantes, ou seja, 79,5% do

total, buscou-se averiguar se haveria diferença na renda

domiciliar recebida pelos migrantes em relação àqueles

originários da área conurbada de Florianópolis.

Não apenas os migrantes que alugavam moradia,

no entanto, apresentaram a renda média domiciliar me-

nor do que a renda média domiciliar do locatário origi-

nário da área conurbada, e morador de sua comunidade,

como também a renda desses migrantes apresentava um

valor menor do que a renda média domiciliar do conjunto

de locatários entrevistados nas seis comunidades, que foi

de 2,9 salários mínimos. No entanto, como havia sido

observado, se a menor renda média domiciliar entre to-

dos os locatários, sejam migrantes ou não, ocorreu em

Frei Damião, onde a média recebida era de 2,40 salários

mínimos, a comparação entre os grupos de migrantes

das diversas comunidades evidenciou que a menor renda

média domiciliar dos migrantes ocorreu na Serrinha, que

apresentou 2,17 salários mínimos.

Essa averiguação em relação aos rendimentos dos

migrantes demonstra, por um lado, que no contexto geral

há uma diferenciação entre os rendimentos dos migrantes

e os rendimentos dos que nasceram na cidade, indicando

que os migrantes recebem menores rendimentos, mas

que, no entanto, a localização da comunidade no contexto

intraurbano também repercute nessa definição de valores

nos rendimentos dos migrantes e da própria comunidade.

Além disso, como se confirma adiante, a pesquisa indicou

que no contexto da informalidade sobrepõem-se também

outros valores e necessidades, em especial as redes sociais

de intercâmbio, em que ponderam as relações com paren-

tes e amigos, as quais foram apontadas pelos moradores

como prerrogativa importante, que contribuem para a

constituição do capital social.

4.2 Características das habitações

Considerando-se os resultados obtidos em relação

ao padrão construtivo das habitações nas áreas de infor-

malidade da região de Florianópolis, um dos aspectos que

mais chama a atenção é o tipo de material utilizado para a

construção das paredes. Em relação a esse acabamento, o

padrão construtivo dessas habitações concentra-se, basi-

camente, em dois tipos de material: paredes de alvenaria,

material utilizado em 64,0% das edificações; e paredes de

madeira, material empregado em 35,2% das habitações.

A edificação de alvenaria tem presença dominante na

maior parte dos imóveis para aluguel, utilizada em 76%

das edificações, com maior incidência na parte insular de

Florianópolis e nas áreas próximo às regiões mais valori-

zadas ou centrais, como no Sol Nascente (95,12%), Morro

da Queimada (84,21%) e Tapera da Base (69,14%), fican-

do com menor uso nas áreas periféricas, como Solemar

(50%) e Frei Damião (40%).

Page 18: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

180

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Entretanto, e tendo em vista que nas áreas de in-

formalidade brasileiras predominam as edificações de al-

venaria, deve-se tomar como significativa a percentagem

de madeira presente nos assentamentos analisados na área

conurbada de Florianópolis. Comumente compreende-se

o uso da madeira nas áreas de informalidade como sinal de

precariedade e de pobreza de sua população. No entanto,

na análise do padrão construtivo no Sul do país, deve ser

levado em conta que a madeira é largamente utilizada e

que sua técnica construtiva é bastante difundida e conhe-

cida popularmente. No entanto, o amplo uso da madeira

nas comunidades da área conurbada de Florianópolis não

se constitui necessariamente num indicador de pobreza

extrema, o que pode ser confirmado se observarmos que,

muitas vezes, o uso construtivo de madeira nas comuni-

dades pesquisadas ocorre em moradias com dimensões

acima da média e que apresentam vários cômodos – ou

a relação entre o uso da madeira e a tipologia da edifica-

ção, pois muitas das habitações de madeira apresentam

uma varanda coberta no acesso principal da casa. O uso

da madeira foi bastante expressivo nos submercados de

compra e de venda de imóveis. Nas transações de compra

praticadas em Frei Damião, em Solemar e na Serrinha, a

madeira era o material mais utilizado em, respectivamen-

te, 67,9%, 71,4% e 62,5% dos imóveis negociados. Entre

as edificações que estavam à venda nessas mesmas três

comunidades, o índice de uso da madeira foi de, respecti-

vamente, 71,1%, 40% e 60% dos imóveis oferecidos. No

entanto, o aumento no custo da madeira aparelhada em

relação à redução do custo do tijolo, nas últimas décadas,

certamente vem reduzindo o uso da madeira e dissemi-

nando o uso do tijolo.

Ainda que não seja recomendável efetuar a rela-

ção imediata entre o uso da madeira e a precariedade

construtiva, deve-se observar que o uso da madeira foi

mais intenso nos assentamentos localizados em áreas

periféricas, como Frei Damião e Solemar, e onde os en-

trevistados apresentaram os menores índices de renda

média por chefe de família e por renda familiar. Deve-

se destacar que na Serrinha 50% dos que compraram

imóveis e 50% dos que estavam com imóvel à venda

são oriundos da região de Lages, tradicional reduto de

atividade madeireira na serra catarinense, cuja popula-

ção está acostumada a construir suas habitações com

madeira e domina esse sistema construtivo.

Entre os imóveis negociados, ainda que fosse do-

minante a casa unifamiliar, que envolveu 99,30% dos

imóveis à venda e 99,20% dos imóveis comprados, cons-

tatou-se elevado percentual de apartamentos para aluguel.

As maiores incidências de apartamentos ocorreram nos

assentamentos mais densos localizados nas áreas centrais,

na Ilha, próximo a áreas em processo de valorização imo-

biliária e com maiores investimentos públicos e privados,

como no caso da Serrinha, com 21,10%, no Sol Nascen-

te, com 19,51%, e no Morro da Queimada, com 15,79%.

Page 19: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

181

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Deve-se destacar, ainda, a comercialização de sobrados

com comércio no térreo, que, apesar de incipiente – 5,0%

na transação de venda e 4,17% na de compra –, denota a

existência e a inserção de uma nova tipologia nas áreas de

informalidade locais.

5 Comercialização, procedimentos e preços dos imóveis no mercado informal

Analisando o nível de formalização dos contratos

por submercado ou tipo de transação, verifica-se que o

índice de total informalidade nas comercializações é bas-

tante alto. Não foi constatado nenhum caso de transação

envolvendo escritura pública definitiva. Nas transações

de compra, na média geral dos seis assentamentos, 10,4%

dos imóveis foram adquiridos com emissão de recibo e

sem testemunha, e 18,4% foram adquiridos sem o uso de

nenhuma documentação ou testemunhas. Mesmo entre

os 72,8% que assinaram um contrato de compra e venda

ao adquirirem o imóvel, 37,6% não registraram a transa-

ção em cartório. Em alguns assentamentos, como na Ser-

rinha e no Frei Damião, o índice dos que compraram um

imóvel e não constituíram contrato é ainda maior do que

a média; respectivamente 41,6% e 50,0% das transações

não possuem contrato. Ainda na Serrinha e no Frei Da-

mião, um índice considerável de moradores, respectiva-

mente, 29,17% e 32,1%, efetuou a compra de seu imóvel

sem o uso de nenhuma documentação.

Tabela 3 – Tipo do contrato do imóvel – submercados de venda e compra

COMUNIDADe

VeNDA COMPRA

Imóveis com contrato

Tipo de registroImóveis com

contrato

Tipo de registro

Cartório Não registrou Outros Cartório Não

registrou Outros

Tapera da Base 87,5% 82,1% 5,4% 12,5% 87,1% 77,4% 12,9% 9,7%

Frei Damião 53,3% 46,7% 33,3% 20,0% 50,0% 39,3% 42,9% 17,9%

Solemar 80,0% 100,0% 0,0% 0,0% 85,7% 57,1% 14,3% 28,6%

Serrinha 60,0% 60,0% 20,0% 20,0% 58,3% 50,0% 12,5% 37,5%

Morro da Queimada 50,0% 50,0% 50,0% 0,0% 100,0% 100,0% 0,0% 0,0%

Sol Nascente 100,0% 100,0% 0,0% 0,0% 66,7% 66,7% 33,3% 0,0%

TOTAL 72,5% 68,8% 16,7% 14,5% 72,8% 62,4% 20,0% 17,6%

Fonte: Infosolo (2005)

Page 20: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

182

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Entre os moradores que estavam com imóvel à

venda, a mesma condição de negociação informal se man-

tém. Desses moradores, 27,5% não possuíam contrato de

compra e venda, e, entre aqueles que possuíam contrato,

31% não chegaram a registrar o documento. No entanto,

na média geral dos assentamentos, 71,7% dos moradores

afirmaram que utilizarão documento registrado em car-

tório para concretizar a venda de seu imóvel. Mas, ainda

assim, alguns moradores do Morro da Queimada e de

Frei Damião, respectivamente, 50% e 17,7%, afirmaram

que não irão utilizar nenhum documento na venda de seu

imóvel. Esse quadro evidencia a situação de irregulari-

dade desses assentamentos, que, em sua maioria, por se

localizarem em áreas de APP, APL ou em áreas públicas,

tem dificultado a regularização para escritura pública de-

finitiva ou o uso de uma prática muito comum em Floria-

nópolis, particularmente na parte insular, que é adoção

da chamada escritura de posse.

A divulgação dos imóveis para comercialização,

seja para locação ou para compra e venda de imóvel, tam-

bém se utiliza de procedimentos informais. As transações

de compra foram efetuadas praticamente sem a utilização

de corretores de imóveis, com exceção de três casos na

Tapera da Base, o que representou 2,4% do total. As in-

formações sobre os imóveis à venda foram obtidas, para

74,4% dos que compraram uma habitação, através de

amigos e parentes; para 5,6%, em função de uma placa no

imóvel; e para 13,6%, foram obtidas por procura de porta

em porta. De maneira semelhante, entre os que estavam

com seu imóvel à venda, apenas 5% utilizaram o serviço

de uma imobiliária, sendo que 69,5% divulgaram a venda

mediante a colocação de placa na frente de sua moradia;

6,5% colocaram anúncio em jornal. Das transações que

envolveram aluguel, 97,92% não locaram por intermédio

de imobiliária; dos que alugaram diretamente com o pro-

prietário, 68,9% negociaram de forma verbal, e 31,91%

assinaram contrato. Dos locatários que não assinaram

contrato, novamente Frei Damião e Serrinha apresentam

os maiores índices de informalidade, com 100% e 76,32%

respectivamente. Os locatários do Morro da Queimada e

de Solemar também apresentaram índices de acordos ver-

bais semelhantes, 73,6% e 71,4% respectivamente, con-

firmando o elevado grau de informalidade do mercado

informal de aluguel e nos assentamentos examinados.

A rapidez na escolha e na comercialização dos

imóveis é um dos aspectos que chama a atenção no mer-

cado imobiliário informal. Entre os entrevistados que

haviam comprado uma residência, 62,9% demoraram

apenas um mês para achar o imóvel, e 24,1% despen-

deram de 2 a 5 meses nessa procura. O tempo médio de

procura, considerando as seis comunidades, foi de 2,8

meses, tendo visitado no máximo dois domicílios à ven-

da antes de se decidir pela compra. Além disso, 76,8%

dos compradores afirmaram ter negociado a compra

pelo preço determinado pelo vendedor do domicílio.

Deve-se observar a rapidez na procura e na negociação,

Page 21: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

183

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

e, para 74,4% dos entrevistados, também a confiança nas

indicações feitas por amigos e parentes. Considerando o

alto preço médio pago pelo imóvel – de R$ 12.482,00,

equivalente a 41,6 salários mínimos da época –, o reduzi-

do rendimento médio dos compradores, que 52,8% dos

compradores pagaram à vista e que cerca de 90% deles

utilizaram recursos advindos de algum tipo de economia

ou bem (poupança, indenização, venda de domicílio e

outros), é surpreendente essa agilidade na negociação e

na transferência dos recursos. É interessante evidenciar

que o menor preço médio foi de R$ 4.714,00, ocorrido

no Solemar, e o maior preço médio foi de R$ 30.000,00,

ocorrido no Morro da Queimada.

Essa mesma agilidade na transação também ficou

patente no aluguel de imóveis no mercado informal. As

informações sobre a disponibilidade de imóvel foram

repassadas para mais de 70% dos locatários através de

parentes e amigos, e para 13,5% por meio de placa no

domicílio. Em média, os locatários não chegaram a vi-

sitar dois domicílios, demoraram menos de dois meses

para procurar e escolher o imóvel, e 97,9% deles negocia-

ram diretamente com o proprietário. Entre os locatários,

62,5% afirmaram ter levado em consideração a localiza-

ção do domicílio na comunidade.

Analisando os preços médios de comercialização

por comunidade na Tabela 4, observa-se que, nas tran-

sações de venda e de aluguel, os preços mais elevados,

em termos absolutos, ocorreram nas comunidades do Sol

Nascente (valor médio de aluguel de R$ 250,70 e de ven-

da de R$ 59.500,00) e na Tapera da Base (valor médio

do aluguel de R$ 215,20 e valor médio de venda de R$

43.482,10), que são áreas com significativo grau de con-

solidação e com elevadas taxas de crescimento interno.

Ambos os assentamentos situam-se na Ilha e em áreas

de expansão do mercado imobiliário formal. No entan-

to, tanto em termos absolutos como relativos, o maior

valor médio de aluguel ocorreu no Sol Nascente, por se

localizar em área do eixo norte da SC-401, na direção das

áreas residenciais de mais alta renda, com concentração

de equipamentos estatais e privados, e com alto preço

da terra. Observa-se que, tanto nessas duas localidades

como na Serrinha e no Morro da Queimada, outras duas

comunidades situadas na Ilha, os preços médios do alu-

guel e de compra, em geral, apresentaram-se superiores

aos localizados na área continental. Com relação à média

dos preços de aluguel, por exemplo, há uma diferença de

quase 50% entre o preço médio na comunidade Solemar

(R$ 178,80) e o preço médio do aluguel na comunida-

de Sol Nascente (R$ 250,70), cuja diferença se amplia se

verificarmos os preços em termos relativos. Entretanto,

o que mais se evidencia são os altos preços dos imóveis

comercializados em todas as áreas de informalidade pes-

quisadas, próximo aos valores praticados no mercado for-

mal do entorno dessas comunidades, apesar das evidentes

desigualdades em termos de equipamentos, serviços e in-

fraestrutura urbana e da ausência de garantias legais.

Page 22: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

184

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Tabela 4 – Preços médios praticados nos submercados (por m²)

Além do alto preço dos aluguéis do mercado in-

formal, outros aspectos significativos devem ser obser-

vados, entre eles o que representa em termos de com-

prometimento da renda familiar o valor destinado ao

pagamento mensal do aluguel nas áreas de informalida-

de. Numa variação de 20,4%, em Frei Damião, a 25,6%,

no Sol Nascente, os aluguéis representam comprometi-

mento médio de quase 24% do orçamento familiar des-

sas famílias, ou seja, valores que impossibilitam qual-

quer tentativa de abandono dessa condição de carência,

reproduzindo e muitas vezes ampliando sua condição

Fonte: Infosolo (2005)

COMUNIDADe

COMPRA ALUgUeL VeNDA

Média do valor pago pelo imóvel

(R$)

Área média edificada

(m2)

Valor do m2 de área edificada

(R$)

Média do valor pago

pelo aluguel (R$)

Área média edificada

(m2)

Valor do aluguel/área

edificada

Renda destinada p/ pagamento do aluguel

Média do valor dos imóveis à

venda (R$)

Tapera da Base 17.675,40 61,33 288,2 215,2 52,15 4,13 23,5% 43.482,10

Frei Damião 6.517,90 49,54 131,6 183,3 42,8 4,28 20,4% 10.257,80

Solemar 4.714,30 48 98,2 178,8 54,25 3,29 22,9% 26.000,00

Serrinha 9.182,90 38,6 237,9 183,9 42,16 4,36 25,4% 17.575,00

Queimada 30.000,00 80 375 179 35,1 5,1 21,7% 32.500,00

Sol Nascente 5.400,00 46 117,4 250,7 46,7 5,37 25,6% 59.500,00

MÉDIA geRAL 12.428,32 53,38 233,82 208,8 46,71 4,47 23,9% 29,261,59

de pobreza. Adicionado a essa condição de opressão, o

mercado informal de aluguel evidenciou e acarretou ou-

tras situações singulares, que é a dos proprietários de

imóveis que alugam imóveis nas favelas. A maior parte

dos locadores deu início a essa atividade com o aluguel

de um quarto ou pela subdivisão de seu imóvel, ou seja,

pela necessidade de uma suplementação de renda. Mui-

tos deles ampliaram essa atividade nas favelas, expan-

dindo o número de imóveis e, muitas vezes, mantendo

as atividades de locação de imóveis mesmo não habitan-

do mais na comunidade.

Page 23: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

185

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Tabela 5 – Informações sobre o locador do imóvel (proprietário)

Fonte: Infosolo (2005)

COMUNIDADeLocadores que possuem

outro imóvel além do que está sendo entrevistado

Média de imóveis por locador

Onde mora o locador

Na comunidade em outra comunidade ou cidade

entrevistado não soube informar

Tapera da Base 43,2% 2,86 61,7% 37,0% 1,3%

Frei Damião 20,0% 1 20,0% 80,0% 0,0%

Solemar 37,5% 3,33 62,5% 37,5% 0,0%

Serrinha 47,4% 2,5 65,8% 34,2% 0,0%

Morro da Queimada 84,2% 4 79,0% 21,1% 0,0%

Sol Nascente 65,9% 7,56 70,7% 29,3% 0,0%

TOTAL 52,1% 4,24 65,1% 34,4% 0,5%

Constatou-se que 34,30% dos locadores não vi-

viam na comunidade onde possuíam e alugavam imó-

veis. Entre os 65,10% dos locadores que moravam na

comunidade onde alugavam seu imóvel, 52,08% possu-

íam mais de um imóvel alugado. Desse percentual, 71%

eram proprietários de mais de dois imóveis alugados. A

média de imóveis por locador era de 4,24 domicílios,

entre os que possuem mais de um imóvel, além do en-

trevistado, sendo que, como mostra a Tabela 5, a quan-

tidade de imóvel por locador varia de 1 imóvel/locador,

em Frei Damião, a 2,5 imóveis/locador, na Serrinha,

até 7,56 imóveis/locador, no Sol Nascente. Constata-se

que são nas áreas periféricas, tanto da parte continental

como insular, que há maior incidência de locadores que

vivem fora das comunidades. Há indícios de um cres-

cente mercado informal de aluguéis. Os evidentes ga-

nhos da atividade de locação e a possibilidade de uma

suplementação salarial fazem com essa seja a aspiração

de muitos moradores, garantindo a cumplicidade e a re-

produção da atividade.

Page 24: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

186

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

6 Mobilidade residencial dos pobres: origem e destino

Entre os moradores que efetuaram transação imo-

biliária nas áreas de informalidade pesquisadas, 75,8%

não eram originários da área conurbada de Florianópolis.

Vieram, em sua imensa maioria, de municípios do interior

de Santa Catarina, sendo os demais estados de origem dos

migrantes, principalmente, os estados do Paraná e do Rio

Grande do Sul. Mais de 70% dos migrantes transferiram-

se para a Região Metropolitana de Florianópolis a partir

da década de 90. A população de migrantes constituía

82,8% dos locatários, 77,6% dos que compraram imóveis

e 76,8% dos que estavam vendendo imóveis.

A maior parte dos moradores que estavam com

imóvel à venda, cerca de 60% dos migrantes, chegou à

área conurbada de Florianópolis durante a década de 90,

e 18,8% deles a partir do ano 2000. É nesse submercado

de venda que estão os moradores mais antigos na comu-

nidade, entre os três tipos de submercados pesquisados.

Considerando o total de moradores que estavam com

imóvel à venda, 28,4% habitavam a comunidade há mais

de 10 anos. Em algumas comunidades, como Sol Nascen-

te, cerca de 60% dos que estavam vendendo seu imóvel

moravam na comunidade há mais de 10 anos, com tempo

médio de 11,8 anos.

Entre os locatários do mercado informal também

se constatou que 82,8% dos moradores entrevistados

eram migrantes recentes na área conurbada de Floria-

nópolis, sendo que 80% deles migraram a partir do ano

1990. A análise do período de chegada desses moradores

de aluguel indica que 56,6% deles migraram depois do

ano 2000, 24% migraram na década de 90, e 11,3% na

década de 80. Entre os locatários, apenas 5,6% deles se

encontravam há mais de 25 anos na área conurbada, índi-

ce ligeiramente menor que os dos demais submercados.

Na análise da mobilidade residencial dos morado-

res das áreas de informalidade, o destino pretendido se

constitui fator importante e exposto através de dois tipos

de abordagem e alcance: a) a mobilidade determinada pelo

processo migratório considerada a origem e a comunida-

de escolhida pelo migrante para moradia quando foi en-

trevistado; e b) a mobilidade estabelecida pelo cotidiano

dos moradores entrevistados nas áreas de informalidade:

trabalho, compras, lazer, entre outros destinos.

No momento da pesquisa, entre os migrantes que

eram originários do interior de Santa Catarina, 31,2%

haviam escolhido a Tapera da Base para morar, 25,24%

a Serrinha, 25,74% a comunidade de Frei Damião, na

área continental, e 8,9% moravam na comunidade de

Sol Nascente. Os migrantes que vieram do Paraná ti-

veram uma distribuição mais equilibrada como destino

naquele momento, habitando principalmente as comu-

nidades da Tapera da Base (27,4% dos paranaenses),

Serrinha (22%), Frei Damião (20,5%) e Sol Nascente

(17,8%). Os migrantes entrevistados que vieram do Rio

Page 25: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

187

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Grande do Sul estavam concentrados principalmente na

Tapera da Base: 59,67% dos que transacionaram imóveis

eram gaúchos.

Possivelmente podem ter contribuído para o desti-

no dos migrantes não apenas a proximidade dos parentes

e amigos, conforme motivação apresentada pela maior

parte dos entrevistados, mas, ainda, a diferença dos pre-

ços dos imóveis transacionados, apresentados em cada

comunidade. Assim, as comunidades de Solemar e Frei

Damião, ambas localizadas nas periferias pobres do con-

tinente, apresentaram as menores médias de preço por

metro quadrado dos imóveis de compra, respectivamen-

te R$ 98,21/m² e R$ 131,29/m² (Tabela 4). Da mesma

forma, Solemar apresentou o preço médio por metro

quadrado mais baixo do aluguel, R$ 3,29/m², enquanto

Sol Nascente apresentou o preço mais alto, R$ 5,37/m²,

localidade que, não por coincidência, apresentava 30%

de seus locadores possuindo mais de cinco imóveis para

alugar. No submercado de venda, mais uma vez Solemar

e Frei Damião apresentaram o preço por metro quadra-

do mais baixo, enquanto Tapera da Base e Sol Nascente,

os valores mais caros entre as comunidades. Portanto,

além dos fatores de atração definidos pelos entrevistados,

como sendo, principalmente, a proximidade dos parentes

e a proximidade do trabalho, tudo indica que também o

fator custo da moradia parece ter influenciado a maior

concentração dos migrantes nas áreas da periferia con-

tinental. O destino previsto dos moradores que estavam

vendendo seu imóvel seria, para 31,68% deles, outra ci-

dade, seguido por 27,54%, que pretendiam ir para outro

bairro, e 24% indicaram a pretensão de continuar na mes-

ma comunidade.

O destino cotidiano dos moradores que efetuaram

transações imobiliárias pôde ser observado por meio de

seu deslocamento para o trabalho, para compras, para

passeios, lazer e visitas a parentes e amigos. Em relação

ao deslocamento para o trabalho, os entrevistados dos

submercados de aluguel e de compra foram os que indi-

caram maior proximidade entre a moradia e o trabalho.

No submercado de aluguel, a localização do trabalho

para quase 40% dos entrevistados se situava a até 5 km

de distância de sua moradia, ainda que 38% deles per-

corressem a distância diária entre 5 km e 25 km. Para os

que compraram domicílio, o índice de distância de até

5 km atinge 32% dos entrevistados. Isso significa que,

apesar de nem todos os entrevistados dos três submer-

cados conseguirem habitar em áreas próximas de sua

moradia, no caso da área conurbada de Florianópolis,

o tempo diário despendido no percurso casa/trabalho/

casa para 33,8% deles será de menos de 1 hora diária,

e para 35,8% serão despendidas em torno de 2 horas

diárias nesse percurso casa/trabalho/casa, fator consi-

derado bastante favorável no contexto dos moradores

de áreas de informalidade no país.

Page 26: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

188

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

No cotidiano desses moradores constatou-se que a

grande maioria efetuava suas compras diárias em sua pró-

pria comunidade, sendo esse o procedimento de 82,6%

dos entrevistados do submercado de vendas, de 79,2%

do submercado de compras e de 69,8% do submercado

de aluguel. Esses indicadores evidenciam que há um su-

porte mínimo de comércio no interior ou ao redor dessas

comunidades pesquisadas, inclusive nas mais precárias,

como Solemar e Frei Damião. As compras maiores, por

outro lado, sujeitavam cerca de 80% deles a se deslocarem

para outro bairro para efetivá-las, conforme indicaram os

entrevistados do submercado de venda (79,7%), compra

(84,3%) e aluguel (79,2%). Esses índices foram maiores

que 80% nas comunidades mais distantes, como a Tape-

ra da Base e Solemar, e mesmo nas próximas das áreas

centrais, como Morro da Queimada e Sol Nascente. No

entanto, 20% dos moradores de Frei Damião indicaram

que compravam no próprio bairro, 40% em outro bairro

e 20% em outra cidade, que, longe de demonstrar uma

possível qualidade do comércio local ou disponibilidade

de seus moradores, evidenciam as dificuldades da comu-

nidade e do entorno em que esta se insere.

A principal atividade desenvolvida por esses mora-

dores durante seu tempo livre constituía-se em desfrutar

de sua casa, escolha apontada por 68,6% daqueles que

vendiam sua casa, por 41% dos que alugavam um domicí-

lio e por 54,4% dos que haviam comprado um domicílio

recentemente. Certamente essa proporção pode estar re-

lacionada ao grau de vínculos que os moradores de cada

submercado mantinham com seu domicílio, possivelmen-

te relacionados ao tempo de vivência na comunidade e à

condição de propriedade do imóvel. Ainda foram aponta-

dos pelos entrevistados no submercado de aluguel que o

lazer ao ar livre era uma alternativa de uso do tempo livre

para 20,8%. Para 18,4% dos que compraram o imóvel, a

opção de lazer era visitar parentes e amigos.

O apoio e a proximidade dos parentes e amigos

foram, por diversas vezes e de diferentes formas, citados

como um dos aspectos importantes no cotidiano de to-

dos os entrevistados. Essa proximidade constitui-se num

dos fatores mais importantes para a escolha de uma co-

munidade para morar e de um domicílio na comunidade.

Inclusive, na maior parte das vezes, as informações de

imóveis para alugar ou comprar foram obtidas por meio

desses contatos. Os amigos e parentes geram constantes

movimentações e deslocamentos para visita quando eles

moram distante. No entanto, a maior parte dos entrevis-

tados apontou que seus amigos moravam em sua própria

comunidade, situação assinalada por 68,8% dos que ven-

diam um imóvel, por 55% dos que alugavam e por 60%

dos que haviam comprado um imóvel. Alguns necessitam

deslocar-se, visto que os amigos moravam em outro bair-

ro, situação vivida por 23,9% dos que vendem o imóvel,

por 26,5% dos locatários e por 30,4% dos entrevistados

do submercado de compra. É interessante notar, por ou-

tro lado, que 68,8% dos entrevistados pretendiam ven-

Page 27: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

189

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

der seu imóvel apesar de seus amigos morarem em sua

comunidade, da mesma forma que 26% indicaram que

seus parentes moravam em sua comunidade, mas, mes-

mo assim, pretendiam se desfazer de seu imóvel, sendo

que nem sempre houve indicação de que a mobilidade iria

ocorrer dentro da mesma comunidade.

Em relação ao local de moradia dos parentes, par-

te significativa indicou que eles moravam em outras ci-

dades, situação de 44,2% dos que estavam vendendo, de

58,3% dos que alugavam e de 38,4% dos que compraram

imóveis. Para moradores das comunidades mais periféri-

cas e precárias, como Solemar e Frei Damião, esse índice

era muito superior, apresentando, respectivamente, índi-

ce de 87,5% e 80% em que os parentes viviam em outras

cidades. Sabendo que a maior parte dos que comerciali-

zaram imóveis eram migrantes, é interessante notar que

pelo menos um quarto deles conseguiu morar próximo a

seus parentes, na própria comunidade, evidenciando flu-

xo contínuo de movimentos de mudanças e de migrações,

procedimento muito comum, que ocorre sempre que os

primeiros membros da família conseguem se estabelecer

numa nova cidade.

Outro aspecto significativo, que confirma essa rede

de relações estreita e integrada dos moradores das áreas

de informalidade, é que, apesar de 70% dos que comer-

cializaram imóveis serem moradores recentes, já apresen-

tavam significativa rede de relações de amizade nessas no-

vas comunidades. Finalmente, é importante salientar que

essa relação de amizade se estende nas relações de troca

com a vizinhança, para 45% dos que pretendiam vender

seu imóvel, para 39,58% dos que alugavam um imóvel e

para 46,4% dos que haviam comprado um imóvel. Esses

dados confirmam essa rede de amizade e apoio, e, apesar

de o índice geral de 45% apresentado no submercado de

vendas se reproduzir com equilíbrio em todas as comu-

nidades, é curioso notar que não há muita diferença entre

os índices dos três submercados, que apresentam relação

de vizinhança semelhante, apesar dos seus diferentes

tempos de permanência nos assentamentos.

7 A localização do domicílio: fatores de atração e de repulsão

Ao se analisar as preferências dos moradores pela

localização do domicílio nas áreas de informalidade, um

dos aspectos que chama a atenção é que nem sempre os

entrevistados têm clareza do contexto e da totalidade

físico-territorial de sua cidade e da área conurbada. Os

resultados evidenciam que os moradores conseguem dis-

tinguir claramente as desigualdades socioespaciais, em es-

pecial entre as áreas residenciais ricas e pobres, mas nem

sempre têm conhecimento de onde se localizam as áreas

de autossegregação da classe dominante ou as áreas mais

valorizadas. Ao serem questionados sobre quais seriam

as áreas mais valorizadas da cidade, menos de 40% dos

entrevistados dos três submercados conseguiram indicar

Page 28: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

190

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

com maior precisão essas áreas, mas os que o fizeram

apontaram corretamente áreas como o empreendimen-

to Jurerê Internacional, a Avenida Beira-Mar Norte e as

praias localizadas no norte da Ilha.

Os moradores das áreas de informalidade, no en-

tanto, têm a noção clara de quais são e onde se localizam

as áreas menos valorizadas de sua cidade e no contexto

conurbado ilha-continente. Ao serem indagados sobre

quais as áreas menos valorizadas da cidade, praticamen-

te todos que haviam comprado imóvel apontaram os

morros e periferias pobres, muitos citando nomes de

favelas como Chico Mendes, Frei Damião, Tapera da

Base, Morro da Caixa D’Água e Monte Cristo, entre di-

versas outras. A consciência dessa condição de pobreza

e de desvalorização no contexto da cidade também é

confirmada pelas respostas dadas pelos moradores que

adquiriram imóvel em Frei Damião, favela considerada

das mais precárias e pobres da área conurbada. Ao res-

ponderem a essa questão, a maior parte dos moradores

de Frei Damião – 82% dos moradores que compraram,

e 79,5% dos que estavam com imóvel à venda – indicou

sua própria comunidade como a mais desvalorizada da

cidade. A consciência de que habitam em áreas desvalo-

rizadas não se constitui necessariamente num obstácu-

lo, embaraço ou fator de insatisfação. Os moradores que

haviam comprado o imóvel recentemente demonstra-

ram, pelas declarações efetuadas, satisfação em relação

ao local onde estavam morando.

Na análise da preferência sobre localizações,

outro aspecto expressivo em todas as comunidades é

o fato de muitos entrevistados terem considerado sua

comunidade como a mais tranquila e a que apresentava

menos violência, em comparação às demais áreas de in-

formalidade indicadas. Essa afirmação foi efetuada mes-

mo por moradores de comunidades consideradas mui-

to violentas, como declarou um morador de Solemar,

comunidade com alto índice de criminalidade: “Conti-

nuaria morando aqui porque já conheço e esses bairros

sugeridos têm bandidos; aqui também tem [bandido],

mas já conheço e não tenho medo”.

Esse conjunto de resultados relatados evidencia,

por um lado, que esses indivíduos que desenvolveram al-

gum tipo de transação imobiliária nas áreas de informali-

dade e pobreza aparentemente não consideraram sua mo-

radia prioritariamente como investimento. Visivelmente

os atributos do imóvel como valor de uso suplanta seu

interesse como valor de troca, ou seja, a moradia interessa

de imediato mais por suas qualidades de uso do que pela

possibilidade de comercialização ou investimento. Mes-

mo quando os moradores expressaram ter como perspec-

tiva o imóvel de moradia como investimento, nem sempre

demonstraram ter noção dos atributos que valorizam ou

desvalorizam um imóvel – uso do potencial construtivo

do imóvel adquirido e que lhe possibilitará futuramente

a absorção de rendas –, e de quais localizações da cidade

estariam em processo de valorização.

Page 29: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

191

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Os procedimentos de procura e de escolha de um

local de moradia por aqueles que adquiriram imóvel po-

dem, em linhas gerais, ser descritos através de um perfil

definido pela incidência das características mais expres-

sivas apresentadas. A maior parte dos que compraram

um imóvel começou procurando um novo domicílio

dentro da própria comunidade onde vivia, efetuando,

em média, cerca de duas visitas em imóveis à venda.

Depois procuram em outros bairros e, posteriormente,

em outras comunidades. Mas essas buscas nas demais

localidades são mais raras e o número de visitas é menor

do que as buscas em sua própria comunidade. Como vi-

mos, é através de amigos e de parentes que 74% tomam

conhecimento do imóvel à venda, o que evidencia, mais

uma vez, a importância dessa rede de proteção e de rela-

ções para essas indicações.

7.1 Fatores de atração

Conhecer os fatores que atraem os compradores

a uma comunidade e que justificam a comercialização

de um imóvel é um dado significativo para a compre-

ensão do mercado imobiliário informal. A pesquisa

evidenciou que a possibilidade de estar próximo de pa-

rentes e também a proximidade em relação ao local de

trabalho se constituem, para, respectivamente, 20,8%

e 20% dos entrevistados, nos principais motivos que

atraíram e justificaram a compra do imóvel nas comu-

nidades pesquisadas. Além dessas duas motivações,

outras justificativas significativas foram alegadas, entre

elas a intenção de “sair do aluguel”, o “valor do domicí-

lio” e “gostar do bairro”, respondidas, respectivamente,

por 12%, 8,8% e 8,8% dos entrevistados. Além da es-

colha da comunidade, 72% desses moradores também

escolheram a localização do domicílio adquirido dentro

da comunidade.

Os moradores que alugaram uma moradia na

comunidade, de forma semelhante aos que compraram

moradia, também apresentaram como principais mo-

tivações da escolha da comunidade a proximidade do

trabalho e a proximidade dos parentes, respostas dadas

por, respectivamente, 25% e 23,96% dos entrevistados.

As demais causas da escolha da localidade diluem-se em

outras treze alternativas, merecendo ainda indicar as al-

ternativas referentes ao “valor do domicílio”, ao “querer

fugir da violência” e a “gostar do bairro”, respondidos

por, respectivamente, 9,38%, 7,81% e 5,73% dos entre-

vistados. Chama a atenção na análise do universo das

seis comunidades que o preço do aluguel do imóvel, que

poderia ser decisivo, tenha sido relatado por tão pou-

cas pessoas como motivo de escolha da comunidade.

Apenas no caso de Solemar o preço do aluguel foi uma

alternativa indicada de forma significativa, por 25% dos

entrevistados, mas acabou sobrepujado pela proximida-

de do local do trabalho, fator que motivou a escolha de

62,5% da população da comunidade. O preço do alu-

guel também foi indicado como motivo de escolha por

Page 30: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

192

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

12,3% desses entrevistados do submercado de aluguel

na localidade de Tapera da Base. Inclusive, é significa-

tivo que o alto preço do aluguel tenha sido indicado

exatamente por duas comunidades localizadas nas áreas

periféricas e com oferta de imóveis, como o Solemar, no

município de São José, e a Tapera da Base, situada a 30

km ao sul do centro de Florianópolis.

Diante desses relatos confirma-se que a localiza-

ção da comunidade foi decisiva na resolução da compra

do imóvel. Evidencia-se, também, que para os setores

sociais mais pobres e excluídos das benesses urbanas,

a proximidade dos parentes também é fundamental.

A proximidade de familiares garante uma rede social

apoio, condição importante para quem nem sempre con-

ta com serviços públicos adequados, emprego formal

ou qualquer facilidade financeira. Assim, a relação de

vizinhança, amizade e, principalmente, a proximidade

de parentes é fundamental para a própria sobrevivência

das famílias pobres, garantindo o apoio em situação de

emergência ou a ininterrupção do trabalho, da ocupa-

ção ou do estudo, quando não há creche ou em casos

de doença na família. Essa estreita relação se confirma,

inclusive, como importante meio de informação que os

levou à obtenção da própria moradia, pois 74,4% dos

que adquiriram imóvel e 70,8% dos locatários entrevis-

tados declararam que tomaram ciência do domicílio por

intermédio de parentes e amigos.

7.2 Fatores de repulsão

Os principais motivos que levam os moradores

a deixarem ou desejarem deixar uma comunidade con-

centram-se, fundamentalmente, em seis fatores. Consi-

derando os entrevistados com casas à venda, na média

do universo das seis áreas de informalidade pesquisadas,

o motivo da comercialização alegado por 18,12% deles

referia-se à inexistência de programas de urbanização na

localidade, seguido por 16,67% que alegaram que preten-

diam sair da localidade para fugir da violência. Ainda no

contexto das seis áreas, 9,42% alegaram que o motivo se-

ria a distância do trabalho, 9,42% que desejavam sair do

local porque não gostam do bairro, 7,9% indicaram como

motivo o tamanho do domicílio, e 7,25% alegaram a dis-

tância dos parentes. Todas as demais 12 alternativas ofe-

recidas no questionário tiveram porcentagens menores

de 5% na média de respostas. Apenas 5% dos que estão

vendendo pretendem permanecer no mesmo bairro, caso

de entrevistados na Tapera da Base e em Frei Damião.

Ao se comparar a média das motivações dadas

pelo conjunto das áreas pesquisadas, relatada acima,

com a média das alegações de cada uma das comuni-

dades isoladamente, não se observaram alterações nas

motivações, mas, sim, uma maior ou menor ênfase em

algumas delas, conforme a localização do assentamento

pesquisado. Assim, é importante notar que, apesar de

terem sido oferecidas 18 opções de motivos aos entre-

vistados, em todas as comunidades as motivações indi-

Page 31: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

193

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

cadas permaneceram concentradas praticamente em seis

alternativas. No entanto, em relação ao fator da violên-

cia nessas localidades, é interessante observar que, ape-

sar de em todas elas terem sido levantados ou relatados

problemas de violência, nem sempre entre as motivações

expressas nesse item da pesquisa elas tomam a dimensão

prevista. Esse é o caso de Frei Damião, considerada a

localidade com maior índice de violência, de subempre-

gos e de pobreza da área conurbada de Florianópolis,

que apresentou o maior número de transações de venda,

57,6% das transações efetuadas nessa área. As evidências

preliminares indicavam que os motivos do alto índice

de vendas relacionavam-se fundamentalmente à violên-

cia, no entanto, dos entrevistados que estavam com seus

imóveis à venda apenas 24,4% apontaram como moti-

vação a violência, seguidos por 17,78% que indicaram

como motivo a inexistência de urbanização, por 8,9%

que alegaram distância dos parentes e por 8,9% que não

gostam do bairro, entre as principais justificativas.

Por outro lado, em duas outras localidades pesqui-

sadas, Solemar e Serrinha, a violência foi apontada com

maior ênfase como o motivo de repulsa. Em Solemar,

situada no município de São José, a violência foi apresen-

tada por 40% dos moradores como motivo para colocar

à venda sua moradia. Igualando-se a esse índice, entre-

tanto, outros 40% de moradores dessa mesma localida-

de apontaram a inexistência de programa de urbaniza-

ção como justificativa para comercializar seu imóvel. Na

Serrinha, localizada num bairro mais central, mais denso

e onde as gangues têm atuação crescente, fugir da vio-

lência foi apontado como motivo da venda dos imóveis

por 30% dos proprietários, seguidos por 20% dos entre-

vistados que declararam o tamanho do domicílio como

motivo, e por 10% que alegam não gostar do bairro. Dos

moradores com imóveis à venda no Sol Nascente, cerca

de 20% indicaram a fuga da violência como motivo da

comercialização do imóvel; no entanto, 40% dos donos

de imóveis alegaram como motivo de venda e saída do

local a inexistência de programa de urbanização.

Deve ser relatado, ainda, que não houve nenhum

entrevistado das seis áreas de informalidade que tenha

apontado como motivação de saída da comunidade a “ine-

xistência de programa de regularização” ou a “desvaloriza-

ção do domicílio” ou a “falta de transporte”, alternativas

apresentadas no questionário. Em relação aos dois primei-

ros aspectos revelam que, para esses moradores, não neces-

sariamente o benefício do domicílio se concentra em seu

valor de troca ou investimento, ou, eventualmente, expres-

sam desconhecimento sobre o funcionamento do mercado,

ou, ainda, não efetuam uma relação entre a regularização

fundiária e uma possível melhora de investimentos públi-

cos. Evidentemente, não se pode dizer que não tenham

noção de que há uma dinâmica no mercado imobiliário,

pois 86,2% dos que estão vendendo seus imóveis e 92%

dos que compraram recentemente afirmaram acreditar que

ele iria valorizar nos dois anos seguintes.

Page 32: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

194

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Finalmente, chama também a atenção o fato de

haver certa discrepância entre o medo e a insegurança

devido à violência urbana, que são expressos crescente-

mente entre setores das classes mais abastadas, na mídia,

em contraposição às motivações expostas pelos mora-

dores de áreas consideradas inseguras e dominadas por

gangues e tráfico, onde apenas 16,6% do conjunto dos

proprietários de imóveis à venda apontam a fuga da vio-

lência como motivo da venda do imóvel. Evidencia-se,

por outro lado, que para a população pobre a ausência de

infraestrutura e, principalmente, a ausência de perspecti-

vas de mudanças, como a inexistência de programas de

urbanização, é que vêm determinando a venda do imóvel

e o abandono da localidade de moradia.

8 Considerações finais

O cadastramento e localização de 171 áreas de in-

formalidade nos municípios conurbados de Florianópolis

e a extensa pesquisa do mercado imobiliário em seis di-

ferentes áreas de informalidade certamente contribuíram

para desmistificar o ideário que envolve a denominação

“Ilha da Magia”, que procura negar a existência da po-

breza, dos conflitos sociais, da segregação socioespacial e

dos desequilíbrios na distribuição dos investimentos pú-

blicos na área conurbada.

A investigação de como se estrutura esse merca-

do imobiliário informal, como vivem e se relacionam as

camadas sociais que habitam as áreas mais precárias da

totalidade intraurbana de Florianópolis, o reconhecimen-

to quantitativo e qualitativo desse mercado imobiliário

informal e a compreensão de seu funcionamento e das di-

versas relações que estabelecem não apenas nos oferecem

elementos para investigar o processo de reprodução dessa

força de trabalho, mas também contribuem para os estu-

dos sobre a reprodução social da pobreza. A riqueza dos

dados obtidos garante e potencializa, por outro lado, que

os estudos e as análises da pobreza urbana possam ser

abordados não apenas a partir das ausências e das carên-

cias, como tradicionalmente é investigada, mas também

pelo reconhecimento dos bens que essas camadas sociais

possuem, de seu patrimônio tangível ou intangível, ma-

terial ou simbólico, ou seja, também de seu capital social

e de sua capacidade de aproveitamento das redes sociais

(ver BORDIEU, 1980; CATTANI, 2005; GUTIÉRREZ,

2005; TOLEDO, 2005, entre outros).

Os resultados aqui parcialmente relatados eviden-

ciam uma quantidade imensa de informações que, apenas

de respostas diretas, representaram mais de 30 mil dados

diretos, potencializados pelas possibilidades de conexões

entre eles. Assim, pudemos conhecer as características do

mercado informal na área conurbada de Florianópolis, as

características dos indivíduos que participam desse merca-

do e que vivem nas áreas de informalidade, os mecanismos

de comercialização e de locação dos imóveis, as caracte-

rísticas construtivas das moradias, os fatores de atração e

Page 33: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

195

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

repulsão na localização urbana, os valores e o uso do tem-

po livre do morador da área de informalidade, sua mobili-

dade intraurbana, entre tantos outros aspectos. Permitem

também conhecer e abrir possibilidade de novos focos de

análises específicas que também contribuem para se enten-

der como esses grupos, social e espacialmente excluídos,

conseguem se reproduzir apesar de toda restrição de tra-

balho, renda, consumo que a sociedade lhes impõe, assim

como acenar com propostas para a formulação de políticas

públicas transformadoras e inclusivas.

Os mecanismos de funcionamento de um ativo

mercado imobiliário informal, apesar de desconhecido e

não reconhecido, se constitui na forma de acesso à mo-

radia completamente familiar aos milhares de moradores

das 171 comunidades da área conurbada de Florianópolis

e aos milhares de migrantes que ininterruptamente vêm

se transferindo para a Região Metropolitana de Floria-

nópolis. O desconhecimento de sua existência, de sua

abrangência e de seu funcionamento torna-se mais sur-

preendente se observarmos a quantidade de pessoas que

estavam envolvidas nesse mercado – as transações de alu-

guel, de venda e de compra envolviam mais de 10% dos

domicílios das comunidades consolidadas –, e também

os valores que esse mercado movimentava mensalmente.

Parcela considerável desse montante estava comprometida

com aluguel, reformas, ampliações e toda a ordem de in-

vestimentos que teoricamente valorizariam seu patrimô-

nio material e potencializariam sua capacidade de troca.8

São representativos também os valores que mensalmente

envolvem o mercado imobiliário informal, o montante

que esses trabalhadores injetam diariamente na economia

local e a importância que desempenham no processo pro-

dutivo e na reprodução das redes produtivas.

O mercado imobiliário informal, por outro lado,

ao mesmo tempo em que permite aos mais pobres a

“solução” de seu problema habitacional e desonera o

Estado, também determina amplas penalidades a seus

moradores (ABRAMO, 2003; SMOLKA, 2003), pois os

submete ao mesmo processo de exploração do mercado

formal, mas em condições inadequadas e precárias, sem

infraestrutura, pagando valores próximos aos do mer-

cado formal dos bairros vizinhos e, ao mesmo tempo,

mantendo essas famílias em permanente condição de

precariedade, de carência e sem a segurança jurídica do

mercado formal; ou seja, reproduzindo as suas condi-

ções de pobreza e de exclusão.

8 Apesar das evidências apresentadas pelas pesquisas nas áreas de informalidade, há controvérsias sobre o caráter da habitação popular como valor de troca, se esta cria valor e se haveria renda suficiente para se criar um mercado imobiliário informal (ver OLIVEIRA, 2006).

Page 34: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

196

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

Esse panorama também nos instiga a refletir e a

tentar compreender a relação que se estabelece entre o

mercado imobiliário informal e a produção do espaço

intraurbano, considerando, entre outros aspectos, a ne-

cessidade de delimitar o nível de autonomia e de cons-

ciência dessa população na decisão locacional. A com-

preensão da lógica de ocupação da terra urbana pela

população pobre, a localização de seus assentamentos

e das áreas de ocupação e sua mobilidade intraurbana

devem certamente considerar o papel e as relações que

esta estabelece na dinâmica de ocupação do mercado

formal e nos processos segregativos. Sabe-se que, por

um lado, e “em um âmbito mais estrutural, o que deter-

mina o movimento territorial das populações pobres é

a hegemonia, em especial o capital imobiliário e fundiá-

rio, que têm historicamente obtido precedência na esco-

lha e na localização de seus empreendimentos, de suas

áreas residenciais, de seus investimentos imobiliários

e no poder de pressão sobre o Estado para a localiza-

ção espacial dos investimentos e dos serviços públicos”

(SUGAI, 2002). Assim, na maioria das vezes, a esco-

lha ou a única alternativa de moradia dos pobres incide

nas terras urbanas que “sobram” e que se constituem,

principalmente, nas áreas de proteção ambiental e nas

áreas de risco ou nas periferias distantes. Utilizam nessa

“escolha”, certamente, também critérios caros ao mer-

cado formal, como a acessibilidade, a proximidade de

infraestrutura, transporte e serviços urbanos, e também

o custo do aluguel ou do imóvel. No entanto, se por um

lado não há como se pensar numa autonomia absoluta

e numa escolha consciente de estratégias dessa popula-

ção, deve haver uma “margem de opção para os agentes

sociais”, evitando-se abordagens restritivas, “como se as

condições estruturais eliminassem toda margem de au-

tonomia e criatividade do agente social, e com isso toda

possibilidade de modificá-las” (GUTIÉRREZ, 2005).

Além disso, a pesquisa indicou que no contexto

da informalidade sobrepõem-se também outros valores e

necessidades, em especial as redes sociais de intercâmbio,

que contribuem para a constituição do capital social, que,

como todo capital, se acumula, pode produzir benefícios

e representa poder (BORDIEU, 1980). Esse capital so-

cial capacita essas camadas a terem maiores ou menores

chances nas disputas socioespaciais, na constituição das

estratégias de sobrevivência e, numa perspectiva de mo-

dificação de suas condições de existência, nas estratégias

de mudança (BOURDIEU, 1980; BORDIEU apud GU-

TIÉRREZ, 2005; TOLEDO, 2005).

Page 35: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

197

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

Referências bibliográficas

ABRAMO, Pedro. A teoria econômica da favela: quatro notas sobre a localização residencial dos pobres e o mercado

imobiliário informal. In: ABRAMO, P. (Org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-americanas.

Rio de Janeiro: Sette Letras; FAPERJ, 2003.

BOURDIEU, Pierre. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. Alice; CATANI, Afrânio (Org.). Pierre

Bourdieu: escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. Cap. III.

CECCA. Unidades de conservação e áreas protegidas da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1997.

FERNANDES, Edésio. Perspectivas para a renovação das políticas de legalização de favelas no Brasil. In:

ABRAMO, P. (Org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-americanas. Rio de Janeiro: Sette

Letras; FAPERJ, 2003.

FERNANDES, E.; ALFONSIN, B. (Org.). A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Horizonte:

Del Rey, 2003.

GUTIÉRREZ, Alicia. Estratégias, capitais e redes: elementos para a análise da pobreza urbana. In: CATTANI, A.

D.; DIAZ, L. (Org.). Desigualdades na América Latina: novas perspectivas analíticas. Porto Alegre: Ed. da

UFRGS, 2005.

HARVEY, David. The right to the city. New Left Review, n. 53, p. 23-40, Sept./Oct. 2008.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.

LONARDONI, Fernanda. Aluguel, informalidade e pobreza: o acesso à moradia em Florianópolis. 2007.

Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, UFSC,

Florianópolis, 2007.

MARICATO, Ermínia. Posfácio. In: DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006. p. 209-224.

Page 36: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

198

Coleção Habitare − Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades brasileiras

MIRANDA, Rogério. Habitação popular & favelas: Biguaçu, Florianópolis, Palhoça e São José. Florianópolis, 2001.

111 p. (Mimeo.).

NESSOP – Núcleo de Estudos de Serviço Social e Organização Popular. Levantamento sócio-econômico das

comunidades Pedregal, Jardim das Palmeiras, Vista Alegre, Morro do Arante e Dona Adélia. Florianópolis,

NESSOP/CSE/UFSC, nov. 2004.

OLIVEIRA, Francisco de. Contra os mutirões: o vício da virtude. Autoconstrução e acumulação capitalista no Brasil.

Revista Novos Estudos, n. 74, p. 67-85, mar. 2006.

PERES, Lino F. B. Crisis de un patrón de desarrollo territorial y su impacto urbano-habitacional en Brasil

(1964-1992): la punta del iceberg: los “sin-techo” en la región de Florianópolis. 1994. Tese (Doutorado) – Faculdad de

Arquitectura, UNAM, México, 1994. 2 v.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Perfil das áreas carente: Ilha. Florianópolis: IPUF/PMF,

Coordenadoria de Planejamento Habitacional, v. 1 e 2, jul. 1993.

SANTOS, Milton. Território: globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec; ANPUR, 1994.

SHERWOOD, S.; WILLIAMS, G. The 44 places to go in 2009. The New York Times, 11 Jan. 2009. Disponível em:

<http://www.nytimes.com/interactive/2009/01/11/travel/20090111_DESTINATIONS.html?th&emc=th>. Acesso

em: 20 jan. 2009.

SMOLKA, Martim. Regularização da ocupação do solo: a solução que é parte do problema, o problema que é parte da

solução. In: ABRAMO, P. (Org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades latino-americanas. Rio de Janeiro:

Sette Letras; FAPERJ, 2003.

SMOLKA, M.; IRACHETA, A. O paradoxo da regularização fundiária: acesso à terra servida e pobreza urbana no

México. Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, ano XIV, n. 1, p. 87-117, 2000.

SUGAI, Maria Inês. Segregação silenciosa: investimentos públicos e distribuição sócio-espacial na área conurbada de

Florianópolis. 2002. Tese (Doutorado) – FAU-USP, São Paulo, 2002.

Page 37: SUGAI Ha Favelas Na Ilha Magia

199

Há favelas e pobreza na “Ilha da Magia”?

SUGAI, M. I.; PERES, L. F. B. Mercado Imobiliário Informal e o acesso dos pobres ao solo urbano: área

conurbada de Florianópolis (Relatório Final de Pesquisa, Rede Infosolo/IPPUR/UFRJ). Florianópolis: UFSC-ARQ,

FINEP-CNPq, 2007.

SUGAI, M. I. et al. Mercado imobiliário informal e o acesso dos pobres ao solo urbano: área conurbada de

Florianópolis. Relatório de Pesquisa 1, Rede Infosolo/IPPUR/UFRJ. Florianópolis: UFSC-ARQ, FINEP-CNPq, 2005.

TASHNER, Suzana P. O Brasil e suas favelas. In: ABRAMO, P. (Org.). A cidade da informalidade: o desafio das cidades

latino-americanas. Rio de Janeiro: Sette Letras; FAPERJ, 2003. p. 13-42.

TOLEDO, Fernando. Capital social, desenvolvimento e redução da pobreza: elementos para um debate multidisciplinar.

In: CATTANI, A. D.; DIAZ, L. (Org.). Desigualdades na América Latina: novas perspectivas analíticas. Porto

Alegre: Ed. da UFRGS, 2005.

VETTER, D.; MASSENA, R. Quem se apropria dos benefícios líquidos dos investimentos do Estado em infra-

estrutura urbana? In: SILVA, L. (Org.). Solo urbano: tópicos sobre o uso da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel; FAPESP; Lincoln Institute, 1998.