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Sujeito Transcendental: Quadro e Plano, Enquadramento e Decupagem
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10/2/2014 Sujeito Transcendental: Quadro e plano, enquadramento e decupagem
http://sujeitotranscendental.blogspot.com.br/2010/09/quadro-e-plano-enquadramento-e.html 1/4
S E X T A - F E I R A , 1 0 D E S E T E M B R O D E 2 0 1 0
Quadro e plano, enquadramento e decupagem
I
O enquadramento, simplifica Deleuze, seria a determinação de um
sistema fechado. Sistema, este, que abarca uma imagem e tudo o
que nela está presente - cenários, objetos, personagens - assim
como um conjunto a compreender elementos e outros
subconjuntos. Tais elementos são como dados, dados de
conteúdo, dados de informação; por vezes numerosos, saturados,
por vezes escassos, rarefeitos. A saturação e a rarefação. Duas
tendências, pois. Com estes dois extremos, aprendemos que a
imagem não é apenas v isível, mas também legível. Se muito pouco
vemos numa imagem é porque não sabemos lê-la, não sabemos
bem avaliar sua saturação ou sua rarefação. Com Godard, fica
explicito o uso do quadro como superfície opaca de informação,
um quadro-superfície ora saturado de conteúdo ora equivalente a
um conjunto vazio, a tela branca ou negra.
Enquadrar é limitar, enfim. Um tal limite pode ser definido como
geométrico/matemático (composição do espaço como
receptáculo no qual os corpos vem ocupar) ou físico/dinâmico (o
quadro numa dependência dinâmica das cenas, imagens,
personagens, objetos e afins). Com esta mesma div isão, podemos
classificar o quadro quanto às partes do sistema que reúne e
separa. No enquadramento matemático, o quadro é composto por
distinções geométricas. É coisa simples.
Dentro de um mesmo quadro temos outros muitos quadros,
diferentes entre si. Conjuntos e subconjuntos. Pessoas e coisas,
indiv íduos e multidões, potências da natureza e as janelas dos
carros. É através do encaixe destes quadros que as partes do
conjunto reúnem-se e se separam, conspiram e se fecham no
quadro geométrico. O quadro dinâmico, por sua vez, nos induz
conjuntos vagos div ididos em zonas. Não mais o quadro objeto das
div isões geométricas, mas de gradações intensivas. É a
indissociação entre a aurora e o crepúsculo, o céu e o mar, a água
e a terra. Aqui, o conjunto não se div ide em partes sem "mudar de
natureza". Não se trata de um ser div isível e do outro ser
indiv isível, mas de ambos serem "div iduais". Indo mais além, diz
Deleuze que a tela - quadro dos quadros - dá uma medida comum
ao que não a tem. A paisagem e o rosto dum personagem, o céu
estrelado e a gota da chuva. Partes dessemelhantes quanto à
distância, relevo, luminosidade, mas assemelhados no quadro, que
assegura uma desterritorialização da imagem.
T R A N S C E N D E N D O . . .
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Sujeito TranscendentalE NT R E A F I LO S O FI A E A R E T Ó R I C A . . .
10/2/2014 Sujeito Transcendental: Quadro e plano, enquadramento e decupagem
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Uma coisa a mais. O sistema fechado é um sistema ótico, referente
a um ponto de v ista sobre os conjuntos e suas partes. Vez e outra,
estes pontos de v ista parecem extraordinários, sobre-humanos,
paradoxais: v ista a partir do chão, de cima a baixo, câmera
ascendendo. No entanto, tais v isadas sempre se justificam
pragmaticamente, informaticamente, confirmando a função
legível das imagens para além da sua função v isível.
Por fim, a noção de extracampo. O extracampo faz referência ao
que, embora presente, não se vê, ouve, perceptua. O quadro, fala-
nos Bazin pelo Deleuze, realiza um corte móvel através do qual os
conjuntos se comunicam a um conjunto maior, mais vasto. Se um
conjunto, contudo, se comunica com seu extracampo através de
suas características positivadas, infere-se que um sistema fechado
- por mais fechado que seja - nunca suprime o extracampo,
atribuíndo-lhe existência e importância, a sua maneira. Todo
enquadramento determina um extracampo. Necessariamente!
A própria matéria se define por este duplo movimento, o de
constituir sistemas fechados e, ao mesmo tempo, pelo
inacabamento dessa constituição. Todo sistema fechado, destarte,
é comunicante. O conjunto de todos os conjuntos é uma
continuidade homogênea, um universo, um plano material
ilimitado. Mas não é o todo. O todo é, antes disso, o que impede
cada conjunto de se fechar em si mesmo, forçando-o a se
prolongar num conjunto maior e maior e ainda maior. Verdadeiro
fio a atravessar os conjuntos e lhes conferir a possibilidade de se
comunicarem entre si. É o Aberto, remetendo mais ao tempo e ao
espirito que ao espaço e sua matéria. O extracampo, assim sendo,
compreende duas naturezas: uma relativa, no caso do sistema
fechado que faz referência a um conjunto que não se vê mas pode
vir a sê-lo, arriscando assim suscitar um novo conjunto não v isto,
ad infinitum; e uma absoluta, na qual o sistema fechado se abre
para o todo do universo.Deleuze usa a metáfora do fio grosso e do
fio tênue para elucidar ambos os aspectos do extracampo. Quanto
mais grosso for o fio que liga um conjunto (v isto) a outros (não-
v istos), melhor o extracampo cumpre sua primeira função
(acrescentar espaço ao espaço). Quanto mais fino o fio for, menos
ele reforçará o fechamento do sistema e sua distinção do exterior,
realizando sua segunda função (introduzir o transespacial no
sistema).
II
A decupagem é a determinação do plano. E o plano, por sua vez, é
a determinação do movimento no sistema fechado. O todo, como
já foi dito, é o aberto, a duração. O movimento revela, portanto,
uma mudança no todo, uma articulação na duração, sendo tanto
relação entre partes, quanto afecção do todo. Logo, o plano
apresenta dois extremos, a saber, em relação aos conjuntos
espaciais (modificações relativas entre elementos e subconjuntos)
e em relação ao todo (alteração absoluta na duração). O plano,
então, é intermediário do enquadramento dos conjuntos e da
montagem do todo, ora tendendo a um ora a outro.
Enquadramento e montagem como aspecto duplo da decupagem,
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que é tanto a mudança das partes dum conjunto no espaço quanto
a mudança dum todo que se transforma no tempo.
Como tais div isões e uniões são operadas por uma consciência,
podemos dizer do plano que ele age como uma. Mas a consciência
cinematográfica não é nossa, a do espectador, nem a do mocinho,
na película, mas é a câmera! Humana, inumana, sobre-humana. É
através da câmera que o movimento se decompõe e volta a se
recompor. Podemos, inclusive, considerar certos movimentos
como uma assinatura autoral, seja na totalidade dum filme ou
duma obra completa, ou num movimento relativo duma imagem
ou dum detalhe desta imagem. Essa análise do movimento é um
programa de pesquisa indissociável da análise de autor.
Poderíamos chamar a isto de estilística, inclusive.
O Deleuze repete-se e apresenta, mais uma vez, o duplo aspecto do
movimento, componível e decomponível. Esse movimento é o
plano, intermediário do todo que muda e dos conjuntos com seus
elementos, que não param de se converter e mudar de natureza,
um no outro, outro no um. A sua grande sacada, agora, é que ele
faz equivaler o plano à imagem-movimento bergsoniana - corte
móvel da duração - apresentada no capítulo anterior. Bergson
demostrava seu desapreço pelo cinema, julgando-o incapaz de
movimento por lidar com um movimento ilusório, homogêneo e
abstrato ao suceder fotogramas. Mas o movimento puro,
movimento de movimentos, variando entre a decomposição e a
recomposição, reporta-se tanto aos conjuntos quanto ao todo
aberto que muda e dura incessanteme nte. E é justamente isto que
faz o plano cinematográfico, ainda mais claramente que a pintura,
v isto que esta traz relevo e perspectiva ao tempo, enquanto o
cinema exprime o próprio tempo como relevo e perspectiva. Fala
André Bazin. O fotógrafo, por meio de sua máquina "objetiva",
registra o movimento e o põe numa moldura. Mas o cinema não só
registra o movimento como se molda sobre ele, captando sua
duração.
III
Falemos do cinema primitivo. Seu quadro é definido por um ponto
de v ista único. O espectador a v isar um conjunto invariável, não
havendo comunicação de conjuntos variáveis e remetentes uns a
outros. O plano indicava, unicamente, uma porção do espaço a
uma certa distância da câmera, estando o movimento preso aos
elementos que lhe servem de carona. Corte imóvel. Por fim, o
todo, aqui, se confunde à soma de todos os conjuntos, estando o
movente passando, apenas, dum plano espacial para outro, não
havendo verdadeira mudança, mudança na duração. No cinema
primitivo - podemos colocar esta máxima - a imagem está em
movimento mas não há imagem-movimento. É contra este cinema
- não cansa de atentar o Deleuze - que o Bergson tece as suas
críticas.
Podemos nos perguntar, então, como a imagem-movimento se
constituiu e o movimento se libertou dos elementos moventes.
Duas formas: de um lado, pela mobilidade que a câmera ganhou e
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cedeu, de tabela, para o plano, que também torna-se móvel; por
outro lado, pelo raccord, corte que designa tanto a mudança de
plano quanto aos elementos de continuidade entre dois ou mais
planos. Ambos os meios - formas da montagem - vêem-se
obrigados a se esconder nos seus primórdios. Como bem coloca
Bergson - ainda que não o tenha v isto no cinema - as coisas não se
definem pelo seu estado primitivo ou original, mas por uma certa
tendência oculta neste estado de coisas.
Deleuze, citando L´Expérience Hérétique do Pasolini, coloca o
plano como uma unidade de movimento que compreende
multiplicidades que não o contradizem. Se o todo cinematográfico
é um único e mesmo plano-sequência contínuo, temos, por outro
lado, que as partes desse mesmo filme são planos descontínuos e
sem ligação aparente. O todo renuncia a sua idealidade unitária e
se torna uma síntese realizada na montagem das partes, partes
estas que se coordenam, se cortam e se recortam em ligações que
constituem o plano-sequência v irtual, o todo analítico, o cinema.
Raccords imperceptíveis, movimentos de câmera, planos-
sequência de fato. A continuidade sempre se estabelece a
posteriori, o que nos mostra que o todo é de uma ordem para além
dos conjuntos coordenados, sendo aquilo que impede os
conjuntos de se fecharem entre si, ou mesmo de se fecharem uns
com os outros. O todo surge numa dimensão que muda sem cessar.
Dimensão do Aberto que escapa aos conjuntos e seus elementos.
Um extracampo impossível de se filmar. O recorte, longe de
romper o todo, são o ato do mesmo, que atravessa os conjuntos e
suas partes que, num movimento inverso, reúnem-se num todo
para além deles...
DELEUZE, Gilles; Quadro e plano, enquadram ento e
decupagem ; In: Cinem a 1 - a im agem -m ovim ento; T rad.
Stella Senra; Editora Brasiliense; 1983 [original]; pp. 22-
43.
P OS TA DO P OR J. THIA GO À S 2 0:5 8
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