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REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Solenidade de posse dos Ministros CARLOS THOMPSON FLORES na Presidência e OLAVO BILAC PINTO na Vice-Presidência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Sessão de 14-2-1977) BRASÍLIA 1977

Supremo Institucional (1977)

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Supremo Institucional (1977)

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Page 1: Supremo Institucional (1977)

REPÚBLICA FEDERATIVA D O BRASIL

Solenidade de posse dos

Ministros CARLOS THOMPSON FLORES na Presidência

e

OLAVO BILAC PINTO na Vice-Presidência do

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

(Sessão de 14-2-1977)

BRASÍLIA

1977

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REPÚBLICA FEDERATIVA D O BRASIL

Solenidade de posse dos

Ministros CARLOS THOMPSON FLORES na Presidência

e

OLAVO BILAC PINTO na Vice-Presidência do

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

(Sessão de 14-2-1977)

BRASÍLIA

1977

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Palavras do

Ministro Djaci Alves Falcão,

Presidente

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«Neste momento tenho a honra de transmitir a Presidência ao eminente Ministro Carlos Thompson Flores.

Juiz de carreira, familiarizado com a missão de julgar, possuído de amor à Justiça, daquele amor que cria a plena confiança, soube galgar pelos seus próprios méritos intelectuais e morais todos os degraus da magistratura, iniciada no interior distante no seu Estado natal — Rio Grande do Sul, onde presidiu o Tribunal de Justiça e o Tribunal Regional Eleitoral. Ministro do Supremo Tribunal Federal, em 1968, veio a ser Vice-Presidente e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, assim como ocupou por um biênio a Vice-Presidência desta Corte, em cuja Presidência se empossa nesta magnífica solenidade.

Ao seu lado, na Vice-Presidência, o eminente Ministro Bilac Pinto, que para aqui trouxe o saber e a experiência de Professor de Direito e de Parlamentar.

A conjugação dos dotes de que ambos são portadores contri­buirá, por certo, para que o Supremo Tribunal Federal, à luz da fidelidade ao Direito, continue dignificando a Justiça da nossa Pátria. »

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Saudação do Senhor Ministro Moreira Alves

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«Empossam-se hoje, na presidência e na vice-presidência desta Corte, os Ex.m o s Srs. Ministros Thompson Flores e Bilac Pinto.

Cabe-me a honrosa missão de, em nome de meus colegas, saudá-los por essa investidura.

Antes de fazê-lo, porém, é de justiça que me dirija ao Pre­sidente cujo mandato ora se encerra — o Sr. Ministro Djaci Falcão — para dizer-lhe do reconhecimento desta Casa pelo muito que realizou por ela no biênio em que a dirigiu. O relatório da administração de Sua Excelência é a mais dignificante das pres­tações de contas — aquela em que se demonstra que se executou, ponto por ponto, tudo aquilo a que se propôs quando de sua posse.

Senhor Ministro Thompson Flores:

No já longínquo ano de 1933, em que Vossa Excelência, nas terras gaúchas, se iniciava na magistratura como juiz distrital de Herval do Sul, não imaginava, por certo, que o destino lhe reser­vara, para mais de quarenta anos adiante, a culminância a que agora atinge, ao ascender à chefia do Poder Judiciário Nacional.

Esse ponto de chegada, no entanto, não resultou do acaso, não decorreu de felizes coincidências na trama de sua vida.

Diz Calamandrei que os advogados nascem e os juizes se fazem, pois as qualidades exigidas para aqueles são próprias da juventude apaixonada e ardente, ao passo que os atributos destes só se adquirem com o passar dos anos. O juiz, acentua o procès» sualista, é o advogado melhorado e purificado pela idade.

Vossa Excelência é o desmentido vivo dessas afirmações; é a demonstração inequívoca de que há os que nascem para magistrado. Herdou a vocação, talvez, de seu avô paterno de quem leva o mesmo nome — Carlos Thompson Flores — e que foi o primeiro juiz de direito da cidade que o viu nascer: Montenegro. Toda sua vida funcional se tem resumido no exercício da judicatura. De início, ainda acadêmico, juiz distrital; em seguida, já bacharel, juiz de direito; adiante, desembargador; por fim, Ministro do Su­premo Tribunal Federal. Desde os albores de sua carreira, evi­denciaram-se as qualidades de julgador, e, por isso mesmo, Vossa Excelência galgou-lhe os vários degraus sempre pelo impulso nobi-

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litante do merecimento. E aos quarenta e dois anos de idade, ainda pelo reconhecimento de seus méritos, chegava a desembar­gador. Pouco depois, seus colegas dos dois graus da magistratura rio-grandense elegiam-no presidente da Associação dos Juizes do Estado. Os anos de 1964 e 1965 o viram na vice-presidência do Tribunal de Justiça; no biênio seguinte, este o teve como presidente. Não chegou, porém, a terminar o mandato, alçado que foi, em princípios de 1968, a Ministro desta Corte, na vaga deixada por Prado Kelly. Parodiando as palavras com que Francis Bacon saudou o juiz Lord Hutton, poder-se-ia dizer que o Governo da República, informado de seu saber, de sua integridade, de sua experiência, da estima e da consideração de que gozava em sua província, julgou que tantas virtudes não deveriam continuar a ser úteis apenas a alguns, razão por que o trouxe a este Tribunal, centro e coração das leis do país.

Paralelamente às atribuições na Justiça Comum, atuou Vossa Excelência na Justiça Eleitoral. Há pouco, a 12 de novembro de 1973, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, recordou em seu discurso de posse, com expressões carregadas de emoção, as etapas de sua atividade nessa Justiça especializada. Rememorou, ali, os dias iniciais, com estas palavras que a saudade lhe inspirou:

«Quando, há quarenta anos, no exercício do primeiro posto nesta justiça especial, praticava ato público, era também novembro. Numa daquelas claras manhãs de primavera, em plena zona rural rio-grandense, quando os campos banhados de sol se tornam mais verdes e o céu se faz mais azul.

Foi em Herval, lá onde o Brasil termina, na fronteira com a República Oriental do Uruguai, que como juiz pre­parador — assim se chamava então — presidia eu em audiência extraordinária, em improvisado acompanhamen­to, a entrega dos títulos aos eleitores que se credenciavam perante o novo regime que se instaurava, com o Código Eleitoral de 1932».

Era Vossa Excelência juiz eleitoral quando essa Justiça foi extinta a 10 de novembro de 1937. Restaurada em 1945, voltou a integrá-la já então no Tribunal Regional do Estado do Rio Grande do Sul, onde permaneceu até a promulgação da Constituição de 1946. Em 1954, como desembargador, retornou àquela Corte, tendo sido, nos dois biênios que ali passou, vice-presidente e, depois, presidente. Em 1973, integrando a representação do Su­premo Tribunal Federal na composição do Tribunal Superior Elei­toral, foi guindado à sua presidência.

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Neste ano e meio em que tenho a honra de integrar esta Casa, servindo na Turma a que até agora Vossa Excelência presidia, pude sentir de perto, em convivência quase diária, a justiça que se lhe tem feito ao longo de sua vida de magistrado. Tenho-o, Sr. Ministro Thompson Flores, por modelo de juiz. Vossa Ex­celência, no exercício da judicatura, revela não limitar-se a possuir aquelas qualidades que Muratori, apoiado nas santas escrituras e veemente na crítica aos juristas, exigia dos juizes: o saber, para bem aplicar as leis; o amar a verdade, para poder distingui-la do erro; o temer a Deus, para não deixar-se levar pelo ódio, medo, cupidez ou qualquer outra inclinação; o desprezar as posições e regalias, para ser imparcial. A esses atributos, acrescenta-se, em Vossa Excelência, um outro: o exercer a magistratura como sacer­dócio, com o amor de quem nela, e só por ela, realiza o ideal de suas aspirações.

Quis o destino que Vossa Excelência presida a esta Casa por um biênio que se antevê referto de dificuldades.

É de esperar-se — e a nação clama por isso — que, no corrente ano, se venha a concretizar a reforma do Judiciário, fruto da ini­ciativa percuciente do então Presidente Eloy da Rocha, e para a qual colaborou este Tribunal com o levantamento dos problemas que afligem a Justiça de nosso país.

Em face do projeto de emenda constitucional que tramita no Congresso, não só novos encargos e responsabilidades se atribuem ao Supremo Tribunal Federal, mas também, como órgão-cúpula do Poder Judiciário, se lhe reserva importante papel, juntamente com o Executivo e o Legislativo, na implantação dessa reforma.

Vossa Excelência possui os predicados necessários para a hora presente. Não lhe faltam vivência, prudência e descortino para enfrentar os problemas que inevitavelmente surgirão. E os que o conhecem sabem do caráter enérgico que se oculta por detrás da brandura que se irradia de seu modo de ser.

A seu lado, compartilhando da direção da Corte como vice--presidente, conta Vossa Excelência com o Sr. Ministro Bilac Pinto, que traz consigo a multiforme experiência do professor universitário, do jurista, do político, do diplomata, do magistrado, que todos admiramos e respeitamos.

De nós outros, seus colegas, não é preciso dizer da colabo­ração e do apoio que sempre lhe emprestaremos.

O governo desta Corte está entregue a mãos exemplares. São elas dignas do prestígio e do respeito que este Tribunal, desde o início da República, em tempos tranqüilos ou procelosos, tem des­frutado no seio da nação brasileira.»

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Discurso do Dr. Henrique Fonseca de Araújo,

Procurador-Geral da República

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«Senhor Presidente, Senhores Ministros:

No cumprimento de preceito regimental que dispõe sobre a rotatividade dos cargos de direção, obediente a critérios que nem por se terem tornado praxe desmerecem a consagração da escolha, pois revelam a unidade do órgão e a solidariedade de seus ilustres integrantes em torno do ideal que os irmana e congrega, processa-se a substituição do Ex™° Ministro DJACI FALCÃO pelo emi­nente Ministro T H O M P S O N FLORES, na Presidência desse alto

- Pretório.

Deixa-a o primeiro, certamente, com a consciência do dever cumprido, após o exercício de fecundo e profícuo mandato, em que revelou, ao lado das suas já proclamadas virtudes de magistrado, outra faceta de seu temperamento: a do Administrador exercen-do-as, uma e outra, de molde a engrandecer e dignificar o Poder Judiciário.

Foi, na Presidência, fiel às palavras que proferiu ao assumir o cargo: «O Juiz deve servir de modelo no cumprimento de seus deveres para com os jurisdicionados e para com o Estado», como, de resto já o fora, em toda sua vida de juiz.

Aliou, sempre, à austeridade de magistrado as virtudes do ci­dadão e do chefe de família, conduzindo com suavidade, sem pre­juízo de firmeza, os trabalhos deste Tribunal, no sentido de projetá-lo e torná-lo prestigiado, não apenas perante os que junto a ele postulam, mas perante o mundo jurídico e à própria opinião pública.

Da sua operosidade e dinamismo, dão-nos conta a completa remodelação do edifício-Sede desta Alta Corte, em vias de con­clusão, para torná-lo compatível com a dignidade e o prestígio do Poder Judiciário. Compendiou e fez publicar, em dois volumes, colocando ao alcance de todos, o labor deste colendo Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, ao longo dos vários anos de prática do instituto da argüição direta de inconstitucio-nalidade. E, já impressa, prestes a ser distribuída, obra contendo

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os julgados desta Corte em matéria da mais alta importância, qual seja a que versa os problemas da extradição. Deixa ainda, rigoro­samente em dia, a publicação da Revista Trimestral de Jurispru­dência, com seu índice geral atualizado até o volume 63, além de ter feito editar obra, contendo os pronunciamentos com que foram homenageados Ministros desta Corte de Justiça, e inúmeras pla-quetas referentes a homenagens à memória de muitos daqueles que a ilustraram no passado.

Sem falar — o último, mas talvez o mais importante, em ter levado à conclusão o Diagnóstico do Poder Judiciário, no qual calcou o Poder Executivo, pelo menos em 90%, seu Projeto de Emenda Constitucional.

Congratula-se, assim, o Ministério Público, que de Sua Exce­lência recebeu sempre as mais inequívocas provas de consideração, com o ilustre Ministro Djaci Falcão pelo êxito de sua gestão, à testa dos destinos deste colendo Tribunal, que lhe permite voltar ao plenário com a plena certeza do dever cumprido, cercado do apreço de seus mais ilustres pares, do respeito do Ministério Público e da nobre classe dos advogados e da admiração de todos quantos, no País, têm os olhos voltados para o Supremo Tribunal Federal.

Em substituição, assume o honroso posto, o eminente Ministro Thompson Flores, o que se é motivo de júbilo e satisfação para o mundo jurídico, em geral, pelas qualidades morais e intelectuais que ornam a sua pessoa, muito mais o é para seus conterrâneos do Rio Grande do Sul, juristas ou não, que acompanham com or­gulho a carreira do seu ilustre filho, e redobrada emoção, misto de orgulho e satisfação, para o atual ocupante da Procuradoria-Geral da República, colega de turma e amigo de Sua Excelência, ao longo de meio século.

Não posso, assim, deixar de volver os olhos para a nossa pro­vinciana Porto Alegre, de 1926, quando nos encontramos, de uni­forme caqui, no Ginásio Julio de Castilhos. Depois, 1930, o ingresso na Faculdade de Direito, com a convivência aí estabele­cida, em que lhe fornecia sebentas, por mim preparadas, a ele que não podia freqüentar com assiduidade todas as aulas; as agitações estudantis, em torno de problemas do ensino; a colação de grau, em 7 de dezembro de 1933, quando a cada um dos formandos o saudoso Mestre e Magistrado ilustre, comercialista de tomo, o De­sembargador Manoel André da Rocha, dirigia uma palavra especial, e prognosticava ao jovem bacharel Carlos Thompson Flores o êxito crescente na carreira que já então abraçara, pois já era, ao tempo, Juiz Distrital de Herval do Sul, termo da comarca de Jaguarão.

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E de Juiz Distrital a Presidente do Supremo Tribunal Federal, foi uma linha reta e ascendente, em que se inserem como pontos marcantes: Juiz Municipal de Triunfo, Juiz de Direito das co­marcas de Santa Vitória do Palmar, Rosário, Montenegro, sua terra natal, Livramento e Porto Alegre, Desembargador, juiz do Tribunal Regional Eleitoral, e depois seu Presidente, Corregedor--Geral da Justiça, Vice-Presidente e Presidente do Tribunal de Justiça, de onde foi convocado para Ministro do Supremo Tribunal Federal, do qual atinge, agora, a sua Presidência, depois de ter exercido a Presidência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Dele, parodiando Rui, se pode dizer: Juiz, sempre Juiz, apenas Juiz.

E de que raro quilate — posso dizer, sem que a amizade prejudique a exatidão do julgamento — tem sido sua magistratura.

Confirma a opinião dos que sustentam que o advogado se faz, mas o juiz já nasce feito. A vida tão só aprimora, pelo estudo e pela maturidade, a vocação.

Com ele aprendi que não há grandes ou pequenas causas, há sempre litigantes sequiosos de Justiça, que merecem igual atenção e tratamento, pois que a injustiça, como lembra Calamandrei, não pode ser equiparada a certos venenos, que em grandes doses matam, mas, em pequenas, curam, pois que «a injustiça envenena mesmo em doses homeopáticas».

Aprendi, no vivo, com o então Desembargador Thompson Flores, ao tempo em que Sua Excelência presidia a 4? Câmara Civil, junto à qual oficiava eu como representante do Ministério Público, o que é ser Juiz: a preocupação constante de fazer Justiça, sem distinguir poderosos ou humildes, presentes ou ausentes, co­nhecidos ou estranhos.

Quantas vezes, em sessões que entravam pela noite, sem um único assistente, sem partes ou advogados presentes, o vi torturar-se à procura da solução que, com ser jurídica, fosse precipuamente justa, quando, muitas vezes, por generosidade, é certo, solicitava uma opinião do representante do Ministério Público, que não tinha por que intervir na causa!

Tanto impressionou-me o espírito de justiça de que impregnava seus pronunciamentos, que disse certa vez a Sua Excelência que, se, porventura, um dia fosse eu réu em um processo, o escolheria para juiz, renunciando previamente a qualquer recurso.

Não tive motivos, continuando a acompanhar-lhe a judicatura, muito especialmente neste colendo Tribunal, para alterar, antes para

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confirmar esse juízo que, de resto, é o de todos que o têm visto atuar como magistrado.

Em Sua Excelência, nos seus julgamentos, tenho encontrado a confirmação do que ensina Recasens Siches, de que a lógica jurídica não é igual ao tipo de lógica matemática, porque é a lógica do razoável. A sentença, na sua elaboração, não obedece necessa­riamente ao clássico silogismo. Porque, «sentença», já na sua etimologia latina, vem do verbo «Sentice», o que eqüivale dizer, experimentar uma espécie de emoção, dir-se-ia, uma espécie de intuição emocional. Juiz, ao conhecer dos fatos, forma, antes de mais nada, sua conclusão, pelo seu inato espírito de justiça, numa demonstração de que o «decisum», em regra, se estabelece no es­pírito do juiz, antes das «consideranda». Essa, também, a opinião de Calamandrei.

O eminente Ministro Thompson Flores sente, intuitivamente, onde está a' Justiça. Se algo caracteriza sua personalidade de magistrado é esse inato espírito de justiça, servido por um caráter incorruptível e inamoldável, onde a bravura e o destemor não che­gam a ressaltar por sua naturalidade.

Contra os poderosos do dia, presidiu, certa feita, como Juiz, júri de imprensa. E contra tudo e contra todos, levou o Tribunal a unânime decisão condenatória, que lhe valeu ameaças e insultos, que em nada alteraram sua conduta.

Por suas qualidades é que, sem bairrismo, nós, rio-grandenses do Sul, nos orgulhamos do Ministro Thompson Flores.

A essa soma de virtudes, junta ainda a de se manter identi­ficado com os tempos e com as aspirações coletivas, com o bem público, em última instância, o que o torna, num Supremo Tribunal, fator de segurança das relações jurídicas e da estabilidade social.

De uma probidade exemplar, no seu mais lato sentido, encarna, como ninguém, a imagem do juiz assim descrita pela pena de Calamandrei :

«Em certas cidades da Holanda, os lapidadores de pedras preciosas vivem em obscuras oficinas, ocupados todo o dia a pesar, em balanças de precisão, pedras tão raras, que bastaria uma só para os tirar da miséria. À noite, quando as entregam, faiscantes à força de polimento, a quem ansiosamente as espera, preparam serenamente, sobre aquela mesma mesa onde pesaram os tesouros alheios, a sua ceia frugal e partem sem inveja, com as mãos que lapidaram os diamantes dos ricos, o pão da sua honesta pobreza.

O juiz também vive assim. »

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E, precisamente, assim tem vivido o eminente Ministro Thompson Flores.

A seu lado, como companheiro dos encargos de direção, assume a Vice-Presidência outro juiz de iguais méritos e de reconhecido merecimento.

De origem diversa, pois não foi magistrado de carreira, dis­tinguiu-se, por tal forma, nas atividades culturais a que se dedicou, que não constituiu surpresa, mas justiça e sabedoria, sua escolha, em 1970, para integrar este colendo Tribunal.

Arrolar-lhe os títulos seria tarefa difícil, tais, tantos e tão valiosos são eles. Mister que se relembrem os de Professor, ju­rista consagrado através de suas obras e pareceres, Embaixador do Brasil na França, deputado federal dos mais eminentes, em uma bancada de eminências, autor, dentre outras, da lei que passou a ser conhecida por seu nome, versando o enriquecimento ilícito. A Sua Ex.?, como parlamentar, deve o Brasil, em dias difíceis de sua existência, papel de relevo, que viria a constituir, pela serie­dade de seus pronunciamentos, e sobretudo por sua autoridade política e moral, um brado de alerta contra os perigos que nos ameaçavam, verdadeiro toque de reunir dos que, preocupados, mas desorientados, não encontravam a voz de comando. Não é segredo, nem mistério, pois já caiu no domínio da História, que mais alto papel ainda se lhe pretendia atribuir na vida pública brasileira. Mas, num País que se dá ao luxo de desperdiçar talentos, não é de estranhar não tivesse o Ministro Bilac Pinto atingido, por seus méritos, a Suprema Magistratura da Nação. Mas, foi-lhe feita a sábia Justiça, colocando-o nesta Alta Corte, onde pôs ao serviço da Justiça, do Brasil e das Instituições, todo o seu saber jurídico e as reservas de seu espírito público.

É com orgulho, pois, para todos e para o Ministério Público em particular, vê-lo ascender à Vice-Presidência deste Tribunal, pela certeza de que, ao lado do eminente Ministro Thompson Flores, será colaborador seguro de sua gestão.

Recebam, pois, os eminentes Ministros Thompson Flores e Bilac Pinto, pelos altos postos que acabam de merecidamente galgar, as homenagens do Ministério Público Federal.»

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Discurso do Prof. Heleno Cláudio Fragoso, pelo Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil

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«Ex/rao Sr. Presidente, Senhores Ministros, ilustre Pro-rador-Geral da República e demais eminentes juizes e altas auto­ridades presentes.

Não poderia faltar nesta solenidade a palavra dos advogados, que são, por igual, órgãos da administração da Justiça. Esta pala­vra é trazida por quem ocupa a presidência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a representa, bem como ao ilustre Conselho Secional de Brasília.

Pode dizer-se, assim, que aqui estão para saudá-los, eminen­tes Ministros Thompson Flores e Bilac Pinto, os advogados brasileiros, em sua mais alta e democrática representação e, em particular, os advogados de Brasília que são, de todos, os que mais permanente convívio têm com a Alta Corte.

Está ausente desta solenidade o Bâtonnier Caio Mário da Silva Pereira, nosso ilustre Presidente, porque em viagem ao exte­rior, onde foi cumprir missão extremamente cara ao nosso coração de advogados e de brasileiros, e, por certo, significativa também para o Supremo Tribunal Federal.

Caio Mário chefiou a delegação de juristas brasileiros, repre­sentantes de diversas instituições jurídicas e culturais, que inau­gurou, no último dia 25, no Salão nobre do Palácio da Paz, na Haia, o busto de Rui Barbosa, que se alinha, com justiça, à Gale­ria dos notáveis da II Conferência Mundial da Paz, de 1907.

Rui Barbosa é o patrono dos advogados brasileiros e nenhum outro o excedeu na postulação pela defesa de direitos perante o Supremo Tribunal Federal.

É oportuno, pois, que comece por justificar uma ausência evocando a cerimônia cívica da Haia, porque nela se destaca o fervor de nossa fé no grande símbolo da liberdade e, por igual, o empenho patriótico dos advogados brasileiros. E também, na perspectiva desta solenidade, é oportuno que evoque a figura sem par de nosso patrono, que foi, como disse Dario de Almeida Magalhães, ao inaugurar-se no recinto do tribunal, no Rio de

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Janeiro, o busto de Rui, antes de tudo, o advogado do Supremo Tribunal, o reinvindicador de sua supremacia e de sua indepen­dência e o patrono intemerato e intimorato de sua judicatura.

Pois o maior dos advogados brasileiros reclamava para o Supremo Tribunal Federal «o centro de gravidade da república», para que assim se assegurasse a estabilidade do regime em função dos ideais republicanos, e se instituísse a barreira intransponível da defesa contra o arbítrio, a prepotência e a opressão dos go­vernantes .

Fiéis a essa inspiração, os advogados da hora presente, em todas as suas manifestações mais significativas, têm reivindicado a restauração plena das garantias da magistratura, para que o judiciário seja verdadeiramente um poder e não mero serviço de simples administração da justiça.

PIMENTA BUENO, uma das figuras mais importantes do direi­to brasileiro, aludindo ao Poder Judiciário, dizia:

«Por isso mesmo que a sociedade deve possuir e exigir uma administração de justiça protetora, fácil, pron­ta e imparcial; por isso mesmo que este Poder exerce preponderante influência sobre a ordem pública e desti­nos sociais, influência que se estende sobre todas as clas­ses, que se exerce diariamente sobre a honra, a liberdade, a fortuna e a vida dos cidadãos; por isso mesmo, dizemos. é o óbvio que nem as leis orgânicas deveriam jamais olvidar-se das condições e meios essenciais para que ele ministre todas as garantias, para que possa desempe­nhar sua alta missão.. . ».

Em sua VI Conferência Nacional, realizada recentemente em Salvador, proclamaram os advogados que a restauração das garan­tias da magistratura constitui exigência prévia de caráter geral à reforma judiciária de que agora se cogita. A essa reforma, V . Ex?, Sr. Presidente, de certa forma, vai presidir, pelas altas funções inerentes ao cargo em que acaba de ser investido. Ela constitui a grande tarefa comum de todos nós e fundamentalmen­te consiste em modernizar, democratizar e dar mais eficiência à justiça.

Os advogados lamentam que projeto de lei tenha sido ela­borado secretamente, a ponto de constituir grande «furo» jorna­lístico a sua divulgação não consentida, e, até, expressamente desautorizada, por um grande jornal de São Paulo, contrastando com o processo democrático de ampla consulta e informação per­manente que existe em outros países, como, por exemplo, no Canadá.

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Impõe-se não só a modernização da justiça, através do pro­cesso e da organização dos serviços, mas também sua democra­tização. Os advogados têm reclamado não só o livre acesso de todos, em igualdade de condições, aos cargos judiciários, mas também justiça igual para pobres e ricos. Para que não se tenha de dizer, como Lord Devlin, que as portas da justiça estão abertas para todos, como os dos hotéis de luxo, e que os pobres, na jus­tiça, têm a mesma chance que possuem fora dela, ou seja, uma esplêndida chance de homens pobres.

Em prazo extremamente exíguo encaminhou a Ordem à Co­missão Especial do Congresso, destinada ao estudo <da reforma do Poder Judiciário, um conjunto de sugestões, entre as quais se destacam:

a criação do Tribunal Superior de Justiça; a possibilidade de criação de novos Tribunais Federais

de Recursos, com a transformação do atual em Tribunal Superior de Justiça Federal;

a manutenção dos Tribunais de Alçada, com organi­zação e competência regulada em Lei, e a possibilidade de seu desdobramento em Tribunais Regionais;

a criação do Tribunal e Juizes de Menores; o Processo sumaríssimo, com julgamento oral, nas

causas de pequeno valor, e nas contravenções e crimes de pequena gravidade;

a criação de Juizes de Circuito; a dignificação das funções de magistrado, inclusive

com proventos compatíveis e alteração do sistema de suas responsabilidades;

a Proteção e Tutela do Supremo Tribunal Federal através do Recurso Próprio, quando ocorrer violação dos direitos especificados na Declaração Universal dos Di­reitos do Homem, aprovada na Assembléia-Geral das Nações Unidas.

Esta última medida, da maior transcendência, seria realizada através de uma nova letra acrescentada ao inciso III do art. 119 da C F . Ela demonstra a preocupação constante dos advogados pela implementação dos direitos humanos, tema geral de nossa V Conferência Nacional, realizada em 1974, no Rio de Janeiro. A sessão inaugural dessa Conferência foi presidida pelo eminente Ministro Eloy da Rocha, então na presidência dessa Alta Corte, que em discurso notável ressaltou: «Vincula-se, o advogado, essen­cialmente, ao Poder Judiciário e participa, sob formas várias, de

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seus problemas». E ainda: «Entre nós, juizes e advogados, há uma comunhão de vida: em contato constante com os conflitos humanos, vivemos, de certo modo, as mesmas emoções, os mesmos encantamentos, as mesmas preocupações, as mesmas decepções, as mesmas angústias em busca da justiça».

É em nome dessa comunhão de vida que lhe venho trazer, a V . Ex* Sr. Presidente e ao eminente Min. Bilac Pinto, uma palavra de saudação, de simpatia e de confiança, em nome dos advogados brasileiros, pedindo licença para referir, pela alta signi­ficação dessa investidura, algumas de nossas inquietações mais graves da hora presente. Entre elas avulta a que se refere à into­lerável suspensão do «habeas corpus» em matéria política e de economia popular que corresponde a virtual autorização da ilega­lidade e do abuso de poder, e, de forma mais ampla, o restabele­cimento do Estado de direito e da plenitude democrática, que era objetivo proclamado dos que fizeram o movimento militar de 1964.

V . Ex?, Sr. Ministro Thompson Flores, alcança a presi­dência do Supremo Tribunal Federal coroando longa carreira de magistrado, realizada em seu Estado natal, onde conquistou todas as dignidades que a judicatura pode proporcionar e nesse egrégio Tribunal, que V . Ex», tem honrado e dignificado por quase um decênio. Os que, como o orador, vieram a conhecê-lo aqui, logo se habituaram à segurança e à correção com que enfrentando as ques­tões mais espinhosas e difíceis, V . Ex? revelou as qualidades de grande juiz, que os advogados, da planície, sabem reconhecer e proclamar. A serenidade, o equilíbrio, a fidelidade ao dever da justiça, que de V . Ex? fizeram juiz exemplar para quem a pre­sidência do Supremo Tribunal Federal parece naturalmente des­tinada .

Qualidades da mesma categoria encontramos no Vice-Presi-dente Bilac Pinto, que a esta Corte chegou após larga vida pública em que, a cada passo, revelou a sua permanente vocação demo­crática. É muito cara aos advogados a lembrança de que a S. Ex* se deve a lei que instituiu o Conselho de Defesa de Di­reitos da Pessoa Humana, órgão imaginado como instrumento excepcionalmente valioso para promover os direitos humanos e investigar as suas violações. A paralisação ou a desativação desse órgão, precisamente num período de anormalidade institucional, é apenas deplorável descumprimento da lei.

Trazendo aos eminentes ministros que assumem a direção do egrégio Tribunal a saudação dos advogados, desejamos expressar a nossa confiança na experiência, na cultura e na dedicação que ambos têm revelado, e que os indica à admiração de todos os tra­balhadores da grande causa comum, que é a realização da justiça».

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Discurso do Dr- Justino Vasconcelos, Presidente da Ordem dos Advogados

do Brasil — Secção do Rio Grande do Sul

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«Não testemunharemos quanto ao passado: todos conhecem a sua vitoriosa carreira, Excelentíssimo Senhor Presidente CARLOS THOMPSON FLORES —• juiz prestigioso pelo talento, equilíbrio e austeridade; Desembargador admirado pela sabedoria de seus vo­tos; Corregedor-Geral atuante, com reconhecida segurança e luci­dez permanentemente voltadas para o aprimoramento dos serviços judiciários; Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, insigne pela serena altivez de suas atitudes.

Nem testemunharemos sobre o presente: farta é a mesma de louvores tributados a Vossa Excelência, pela sua cordura e fi-dalguia, pela sua cativante modéstia, pela sua devoção ao trabalho, pela sua indormida vigilância para garantir aos acusados a ampli­tude constitucional do direito de defesa, e pela acerada tempera do seu senso jurídico, num corte certeiro e fundo a desvendar o âmago da causa e a resolvê-la em síntese admirável de exatidão e brilho.

Testemunharemos, pois, do futuro: Vossa Excelência, com mão firme, saberá defender a fé que os brasileiros têm no seu Judiciário, cuja reforma foi promovida por um gaúcho — o então Presidente Eloy José da Rocha — e, na sua presidência, a de outro rio-grandense, deverá efetivar-se.

Nos dias de infortúnio dos israelitas — está na Bíblia — «o Senhor suscitava-lhes juizes» e, «enquanto estes viviam, Ele deixa­va dobrar-se de misericórdia, e ouvia os gemidos dos aflitos» (Juizes, 2, 18) . O Poder encabeçava-se no juiz e não ele, mas Deus, por seu intermédio, governava (Reis, I, 12, 12) . O juiz era «um Salvador» (Juizes 3,9): havia paz!

E quando pediram um rei, Samuel predisse: «vereis que fizestes um grande mal» (Reis, I, 12, 17) . Pouco adiante, Roboão, filho de Salomão, ao assumir o trono, anunciou: «acrescentarei o peso do vosso jugo; meu pai açoitou-vos com azorragues, eu vos açoitarei com escorpiões» (Reis, I, 12, 14) . «E não deu ouvidos ao povo» (ibidem, 12, 15): dividiu-se o reino (ibidem, 12, 19) .

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Ao profeta bastava-lhe, a rigor, o simples conhecimento dos homens, para concluir que inevitavelmente a força tentaria, como sempre tentou e tentará, substituir-se à Justiça, que então se cha­mava «paz» como, aqui e agora, se chama «liberdade».

Não, não estamos a contrapor impertinentemente: entre governo e povo, a Justiça é medida de liberdade, por isso e para isso ela se erige em Poder, tão Poder quanto o Legislativo, tão Poder como o Executivo, e Senhora da última palavra, nos Esta­dos de Direito.

Quando as paixões de mando tempestuam, põe-se, na verda­de, em xeque o ensino de Montesquieu: como se a soberania fosse um bloco material, e não um feixe de forças vivas, intenta-se der-rancar o Estado e transpô-lo das ciências sociais para as exatas e de quantidade, muito embora ele se tenha definido, através dos séculos, em essência, como um povo insubmisso, que se assenhoreia de seus ideais de presente e futuro, disposto a imolar-se por eles, se por eles não puder viver.

É o sentido de liberdade que mobiliza as valentias, aguerreia os espíritos e os levanta como Poder Nacional, estruturado este, não numa casta ou classe, mas no povo inteiro, que, com todas as suas categorias, agrupamentos e coletividades, proclama a inde­pendência e, para mantê-la, institui e arma seus exércitos: «o Poder de uma Nação, ou as grandes forças que a sustentam e lhe impulsionam o progresso e lhe dão condições para afirmar a sua soberania e traçar, livremente, os rumos dos seus destinos, encontra-se na coesão espiritual do povo que a constitui, no forta­lecimento do poder político que a orienta e dirige, na pujança da sua economia, tanto maior quanto mais se valorizar o homem na­cional» (História do Exército Brasileiro, Estado-Maior do Exér­cito, Brasília e Rio de Janeiro, 1972, vol. 3, pág. 1.027) .

O mesmo sentido de liberdade do povo, gerador do Estado, postula que as restrições a ela sejam ditadas pelo próprio povo, ele e só ele, em última instância, o soberano donde o imprescritível direito à revolução, como bem se promulgou o documento funda­mental da independência norte-americana.

Soberania é, sobretudo, vontade nacional, vontade de inde­pendência de todo um povo, resolução diante de cuja definitivi-dade retrocedem os outros Estados.

Razões de conveniência, comprovadas pelos séculos, impõem que o povo atue por três grandes órgãos represenattivos, designa­dos «Poderes», porque há de conservar-se cada qual incontras-tãvel perante os demais.

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A análise do Poder feita pelo Santo de Aquino — «consiliari de aliquibus, judicare et proecipere» (Polit. IV, XIII) não teve a fortuna da teoria de Montesquieu: é que os povos não haviam ainda logrado emergir dos escombros do Império Romano.

A nós, a doutrina da separação dos Poderes, muito mais que original, apresenta-se como oportuna: sem a esperança de liber­dade, por ela oferecida, dificilmente o Poder Estatal teria conse­guido salvar-se das ameaças da anarquia fermentadas aos abusos do absolutismo, nos Estados de Polícia, sustidos pela violência.

Antes mesmo de reclamo de ordem lógica, vemos, no prin­cípio de Montesquieu, lição amadurada na história, conselho do bom-senso, fruto da sabedoria política, técnica aperfeiçoada com vistas à utilidade, em resguardo ao Poder Estatal: o povo espera, sobrespera mas termina por desesperar.

Não cabe trazer, neste momento, para este Augusto Pretório, a crítica e a defesa de Montesquieu: ressaltamos apenas que, no concerto das Nações da nossa civilização, não se admite como democrático o regime no qual ou não se diferenciam os três Pode­res, ou se soberaniza um deles.

Houve Países que, para desgraça própria e da humanidade, permitiram a concentração do Poder Estatal num único órgão: é a tragédia das autodenominadas «democracias populares»; foi a catástrofe da Alemanha, a do III Reich — aquele que ameaçava dominar mil anos.

A soberania, em suma, exclusivamente ao povo pertence ao povo que decide e defende a independência e, em Assembléia Constituinte, delega o exercício de seu Poder, dividindo-o em Poderes, a cada um dos quais atribui esfera de competência exclu­siva, a desempenhar-se em colaboração com os outros, a benefício do bem comum.

Conforme as épocas, dá-se maior relevo ora à independência, ora à colaboração. A nossa primeira Carta Constitucional exigiu a harmonia: «A divisão e harmonia dos poderes políticos é o prin­cípio Conservador dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece» (art. 9') .

Na «liberdade» resumem-se, hoje como ontem e amanhã, todas as garantias e direitos cívicos, liberdade que, ademais, é verdadei­ramente sagrada: o homem, segundo os fundamentos filosófico-teológicos da civilização ocidental, criado para as opções e livre, portanto, diante do Criador, livre há de permanecer também no confronto com seus semelhantes, marcado de uma liberdade que

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somente o povo, como tal, pelos seus legítimos representantes, livremente escolhidos, poderá delimitar.

Sim, «sub lege, libertas» — a liberdade há de ficar sob a lei, desde que, porém, «sub lege libertatis» — sob a lei da liberdade, se tenha legislado.

A liberdade que reivindicamos é a liberdade responsável, a liberdade dos filhos de Deus, a liberdade da força do direito, 30b a proteção de Tribunais independentes porque inatingíveis, a li­berdade de curvar-se apenas ante a lei que a todos obrigue e abri­gue, a liberdade de viver distante da miséria e do medo, a liber­dade da cidadania liberdade para construir uma Pátria mais prós­pera, mais culta e feliz, a liberdade inscrita, Sr. Presidente, pelos nossos antepassados, na bandeira farroupilha, em gestas heróicas de sangue e de sonho, legenda gravada para sempre na memória do Rio Grande, sim, para sempre, enquanto um gaúcho existir, enquanto o minuano infrene galopar no pampa, incendendo anseios de glória.

Perdoe-nos Vossa Excelência, Senhor Presidente, perdoem-nos Vossas Excelências, Senhores Ministros e Eminentes Auto­ridades, estarmos a insistir no veiho ideário da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, e da Declaração dos Direitos do Homem, pela Revolução Francesa, e de todas as nossas Constituições: o princípio da divisão e harmonia dos Poderes é dogma basilar para qualquer modelo brasileiro de regime democrático, dogma que há de religiosamente respeitar-se, quando se protesta por uma reforma do Poder Judiciário voltada para as mais instantes aspirações de toda a Nação.

A independência da Magistratura, a possibilidade real de sentença contra o Estado e qualquer de seus Poderes e seus even­tuais detentores e agentes, afastada mesmo a simples hipótese de represália, condiciona, peremptória, a confiança do povo no Judi­ciário que, sem ela, não poderá cumprir sua função asseguradora da paz, da ordem e do progresso.

Mais e mais nos distanciamos, lamentavelmente, da sábia diretriz de Juarez Távora, quando traçou «Uma Política de De­senvolvimento para o Brasil», em 1962: «O judiciário necessita libertar-se da tutela dos Executivos da União e dos Estados ( . . . ) a fim de garantir ( . . . ) em todos os recantos da República, o res­peito e a restauração dos direitos essenciais dos cidadãos» (Rio, José Olympio, 1962, pág. 6 3 ) .

Sem a crença inabalável do povo no seu Judiciário, fatalmente os vínculos sociais desatar-se-ão na insegurança, a igualdade ha-

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verá de esboroar-se ao interesse dos mais fortes, e o desespero acabará deflagrando insurreições.

A sua presidência, Eminente Chefe do Poder Judiciário da União, a sua presidência ficará em nossos fastos, como uma pá­gina de orgulho para os seus patrícios, para os seus coestaduanos, para os nossos filhos e netos. Ficará, como ficou a escrita por seu avô, o Desembargador Carlos Thompson Flores, Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e fundador e primeiro diretor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, a sua e nossa Escola, que enobreceu a República não só com Magistra­dos, como Vossa Excelência, Eloy José da Rocha e João Leitão de Abreu, mas também com Mestres do Direito, como João Amorim de Albuquerque, Armando Câmara e Ruy Cirne Lima, e Sena­dores, como Alberto Pasqualini, Daniel Krieger e Paulo Brossard, e Ministros de Estado, como João Neves da Fontoura, Maurício Cardoso, Adroaldo Mesquita da Costa, Clóvis Pestana, Mem de Sá e Tarso Dutra, e ainda lhe deu um Primeiro-Ministro — Fran­cisco Brochado da Rocha — além de dois Presidentes — Getúlio Vargas e João Goulart.

Sim, a sua presidência ficará na história. Bem mais que expectativa e alvoroçada esperança, há uma certeza e um clamor de aplausos, na querência distante: trazemo-lo a Vossa Excelên­cia, para que o guarde no seu coração.

É o Rio Grande, é o seu Rio Grande que, pela nossa voz, o saúda: Presidente Carlos Thompson Flores, Deus guarde Vossa Excelência. »

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Discurso do Senhor Ministro Carlos; Thompson Flores, Presidente

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Senhores Ministros. Nobres Representantes dos Poderes Le­gislativo, Executivo e Judiciário. Senhor Procurador-Geral da República. Excelentíssimas Senhoras. Senhores.

Não poderia negá-lo. É com profunda emoção que assumo a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Recebo-a das mãos amigas do eminente Ministro Djaci Falcão, cujas virtudes de Juiz insigne e eficiente administrador mais uma vez se confir­maram na Chefia do Poder Judiciário Nacional, como nas muitas funções desempenhadas por S. Ex*.

Agradeço de S. Ex? as considerações que sempre me dispensou como Juiz deste Egrégio Colégio, distinguindo-me com múltiplas designações, das quais destaco a de Presidente da Comissão da Reforma do Poder Judiciário; e, de tantas outras, decorrentes da qualidade de Vice-Presidente, em sua gestão; e, bem assim, pelas bondosas palavras que acaba de dirigir-me.

Manifesto, de outra parte, o meu reconhecimento às ex­pressões generosas do nobre e querido orador, Ministro Moreira Alves, cujos dizeres calaram fundo no meu coração, fruto da nossa amizade, tecida no convívio diuturno desde sua brilhante atuação como Procurador-Geral da República neste Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, onde juntos servimos, e agora como proeminente Juiz desta Corte e orna­mento da Segunda Turma, a qual presidi por mais de quatro anos.

Consigno, outrossim, o quanto sou sensível às palavras cheias de ternura e afeto do eminente Procurador-Geral da Re­pública, Prof. Henrique Fonseca de Araújo, nome que declino com satisfação, pois nele vejo o amigo de infância, ao cursarmos na mesma classe o Ginásio Júlio de Castilho, e, após, a Faculdade de Direito, na saudosa Porto Alegre; no companheiro de tantas jornadas, nos mesmos caminhos da Justiça gaúcha, juntos ser­vindo no Tribunal de Justiça, no Plenário e na 4? Câmara Cível; e, agora aqui, nos reencontrando, para minha alegria, nesta Suprema Corte. E sempre com o mesmo devotamento.

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Cabe-me, ainda, confessar minha gratidão aos demais ora­dores, insignes advogados, os quais, com a formosura de suas frases, juizes dos juizes, na expressão de Calamandrei, servirão de estímulo ao melhor desempenho de meu mandato.

Por último, o meu profundo reconhecimento a todos que aqui comparecem, alguns vindos de tão longe e com os sacrifícios que bem avalio.

Devidamente autorizado, a este meu agradecimento alio o do eminente Ministro Bilac Pinto.

Suas presenças emprestam colorido singular a esta sessão.

Interpreto-as como significativo gesto, o qual, sem compro­meter o singelo ritual imposto pela tradição da Corte, qualifica-o, dando-lhe prestígio e enobrecendo-o perante a Nação.

II . Senhores.

1. Assumindo esta Cátedra, atinjo o cimo de minha carreira.

Galguei a Suprema Corte sem que jamais houvesse sonhado ser um de seus integrantes, como já afirmei perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande, poucos dias após deixar sua Pre­sidência.

Surpreendeu-me o convite do eminente e saudoso Presidente Costa e Silva, quando, despreocupado e em estação de repouso, preparava planos para o Curso de Formação de Magistrados, o qual pretendia instalar, com a colaboração de colegas e advo­gados, convencido da sua inadiável necessidade.

Era uma indeclinável convocação, nos termos em que fora feita, pelo então Ministro da Justiça, Prof. Gama e Silva. Aceitei-a, e vim aqui partilhar de novas responsabilidades perante a Nação, no seu mais alto Pretório.

Levam-me, agora, à sua Presidência, na qualidade de Juiz de maior antigüidade da Corte, como é da sua hodierna orienta­ção, o sufrágio unânime de meus eminentes pares.

Recebo-a com a mesma e sincera humildade que sempre me acompanhou, e com igual devoção, na esperança de poder de­sempenhar, com dignidade, tão alta investidura.

Ê ela a maior a que possa aspirar um Juiz, e aquela que há de envaidecer a qualquer brasileiro.

Ao fazê-lo, meu pensamento se volta a um passado distante, quatro décadas atrás.

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O tempo não apagou de minha memória aquela tarde en­solarada de outubro de 1933, quando me aprestava a assumir, na zona pastoril do Sul do Rio Grande, meu primeiro posto no Judiciário.

Na inexperiência de um bacharelando de vinte e dois anos, não escondia da face o tumulto de preocupações que me iam na mente; e, traduzindo a angústia do desconhecido, acelerava o bater do coração.

Trazia, porém, na alma o ideal da mocidade, a fé no Di­reito e na Justiça; e a esperança de vencer. Fora ensinado que o bom Juiz se faria por si, no quotidiano aprender. Era um desafio a mim mesmo.

2. Os caminhos da Providência deram-me o privilégio de subir a montanha da vida. Parti de seu sopé, quando o galgar se faz com mais canseiras e sacrifícios, como escrevia Humberto de Campos em suas Memórias.

E, como ele, corajosa e pacientemente, o fiz, degrau a degrau, sem faltar um só, numa demora maior ou menor.

Nunca procurei apressar o destino, porque o Senhor é o seu único Juiz, na sabedoria chinesa.

Na estrada percorrida, como o caminhante da história, par­ticipei dos sofrimentos e alegrias de meus jurisdicionados, vivi com eles a sua própria vida, para melhor compreendê-los e podê-los julgar. E com eles e as terras deixei um pouco de mim mesmo, em troca do que com eles aprendi.

A ascensão permitiu-me ver mais e melhor. ^

Agora, deste excelso pináculo, o panorama é total. Não se limita à Província; alcança este continente imenso, a pátria comum, o Brasil.

São mais de cem milhões de brasileiros que, inspirados nos exemplos de seus antepassados, empenham-se hoje em ocupar, para tornar nosso, esse precioso Mundo que nos legaram.

Deles, já podemo3 dizer que mais de um terço estão habi­litados a dizer o que querem e o que pensam, através do voto, sob a proteção da Justiça Eleitoral.

E se relacionam exprimindo-se no mesmo idioma, sem pre­conceitos de sexo, de cor, raça, trabalho, origem ou religião.

É como somos, nós brasileiros, portadores desta alma grande e simples, igualando a todos, com a naturalidade que nos é própria e que causa admiração e até espanto a quantos nos vi-

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sitam, como em tocantes palavras sinalava Stefan Zweig no prólogo de uma das suas mais conhecidas obras — «Brasil, País do Futuro».

A igualdade jurídica, porém, não liberta o homem, como não poderia fazê-lo, dos seus problemas, dos seus anseios e das suas disputas, enfim, da tragédia diuturna da vida a que se referia o velho Balzac, ou com nova visão, o jovem Saroyan.

Ela nos vem refletida nos autos, retratada na frieza de suas folhas que, aparentemente, nada exprimem.

No fundo, porém, traduzem os conflitos humanos, na rica variedade da vida, nas suas misérias ou na sua nobreza, tradu­zidos no ódio ou no amor, na disputa pela liberdade e na defesa da honra, do patrimônio, da família, enfim, tudo que acompanha a criatura humana.

A nós Juizes cumpre compreender e sentir este vasto e complexo conteúdo do processo judicial, vivificando os conflitos que ele transmite, pois, só assim realizaremos a sacrossanta mis­são que a sociedade nos atribui, exercendo a alta função política a que referia João Monteiro, restabelecendo o equilíbrio social e realizando a verdadeira Justiça, ideal de todos os homens, a qual, segundo o livro da Sabedoria, é «permanente e imortal».

Para distribuí-la, entregamos em holocausto nossa própria existência, esquecidos de nós mesmos, como afirmou em certa feita o eminente e saudoso Ministro Laudo de Camargo, desa­fiando o tempo, atravessando parte das noites ou nos valendo das madrugadas. . .

A qualquer hora, de qualquer dia, nos gabinetes, encontra­remos sempre um juiz voltado ao estudo e à meditação. Procura ele, com sabedoria, dirimir, com justiça, os constantes conflitos dos homens. Por mim, recordo como aproveitava para meditar o silêncio das noites de minha Província. Na sua privilegiada imaginação, sobre essa paz, que aguça a inteligência, escrevia Érico Veríssimo em sua Epopéia — «O Tempo e o Vento» —, referindo-se à quietude de sua Santa Fé em noite fria de in­verno. . . «Era tanto o silêncio e tão leve o ar, que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o sereno caindo na solidão!» Tantas vezes, foi nesse esquecido sossego que, anônimo, como tantos outros, pacientemente, encontrei solução dos mais intrincados conflitos de interesses que me cabia dirimir.

3 . Senhores. Neste alto posto a que sou guindado, não serei outro que o Juiz que sempre fui.

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Repito aqui o que há um decênio afirmei perante os univer­sitários, reunidos em Congresso Nacional, na Faculdade de Direito de Porto Alegre, quando presidia o Tribunal de Justiça de meu Estado, e em fase de séria crise do Judiciário, traduzida na ausência de candidatos às numerosas comarcas vagas.

Disse-lhes então, procurando sensibilizá-los, que apesar de tudo, se houvera de recomeçar, ainda assim o faria como Juiz, como, há tantos anos, me havia iniciado.

É que, antes como agora, nunca perdi a fé na Justiça, e por ela hei de batalhar sempre, com o mesmo ardor dos meus vinte anos.

4. Minha mensagem, pois, perante a Nação se dirige a todos os brasileiros, mas, em especial, aos Juizes desta Terra de Santa Cruz.

Não importa onde estejam ou que jurisdição exerçam.

Perdidos nas regiões distantes para onde foram «despacha­dos», na expressão de nossos avoengos. Esquecidos de si mesmos em longínquos rincões ou nas capitais e cidades mais próximas.

Deslembro suas origens, sua fortuna, sua saúde, sua idade, seus conhecimentos, sua inteligência ou seu prestígio.

Concito-os, antes de mais nada, ao amor à profissão que abraçaram, a qual Daguesseau, eminente magistrado da França, reputava o mais precioso de todos os bens, pois é com ele que, na consciência do dever cumprido, forjamos o escudo que nos dará a cada dia alento e proteção.

Quero-os todos cientes e conscientes do que representam para a sociedade.

Aqui ou alhures, na construção da ordem jurídica, os juizes encarnam a imagem espiritual da Pátria, na expressão de um de seus Poderes.

Sua palavra, através da sentença, é a palavra do próprio Estado.

Proferida com a dignidade que se lhes impõe, dignificará o Direito que aplicarem, no pensamento de Couture.

Devotados no amor ao Direito, convictos de seus deveres, antes de pensarem nos seus direitos, pois estes são uma decor­rência daqueles; e foram ditados mais em prol da Instituição a que pertencem do que propriamente de cada um pessoalmente.

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Compreendo-os dotados de coragem cívica; independentes sem serem arbitrários; imparciais, mais na realidade íntima e sin­cera, que na enganosa aparência; e, sobretudo, justos, conduzin-do-se com equilíbrio e serenidade, mas sempre com firmeza, pois esta gera a confiança tanto ao que determina como ao que recebe.

O juiz assim ornado é a própria «Justiça viva», na expres­são dos clássicos.

E tudo para que distribuam a melhor Justiça, a qual assim qualifiquei em outra oportunidade: «Justiça que brote de Juizes independentes, sem falsos ou mal compreendidos exageros. Justiça austera, impoluta, incorruptível, como se faz mister o seja, e para cujos imperativos prosseguiremos indormidos e intransigentes. Justiça humana como merece distribuída às criaturas, feitas à imagem de Deus. Justiça que jamais se aparte dos fins sociais e das exigências do bem comum, sem cujo conteúdo não teria nenhum sentido. Justiça que se aproxime, sem excessos ou en­ganosas formas, do próprio Povo, para o qual é ditada e do qual deve estar sempre ao alcance: simples, real, despida de tudo que a possa tornar dificultosa, a fim de que a compreenda melhor, sinta-a cem mais fervor, e possa, assim, nela crer, para amá-la, prestigiá-la e defendê-la se preciso for, convencido de que ela é o seu baluarte democrático e a sua mais sólida garantia. E, sobre­tudo, Justiça pontual, como a queria Rui, porque tarda não me­receria o nobre título. E como dizia, reclamando, «Para que paire mais alto que a coroa dos reis e seja tão pura como a coroa dos santos».

Só assim nos tornaremos dignos do respeito e da confiança da Nação ao lado dos demais Poderes da República.

5. Alio a esta mensagem que se constitui numa concla-mação, o meu sincero compromisso de tudo envidar, nos limites das minhas deficiências pessoais e as do cargo, para que tenha ela seu integral sucesso.

Certo estará seu êxito, em grande parte, vinculado a tão decantada reforma do Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal, como é do conhecimento geral, encaminhou a tempo a contribuição que lhe foi solicitada pelo eminente Presidente Ernesto Geisel.

Com a entrega do diagnóstico, onde profundamente foi con­siderado o grave problema, findou sua missão.

Proporcionou ele a remessa do Projeto de reforma da Cons­tituição, e que tomou o n9 29/76.

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Sua tramitação acompanhamos nós Juizes, como a Nação in­teira, com o maior interesse. Temos que representa uma das mais importantes iniciativas destes últimos tempos a ser apreciada pelas duas Casas do Congresso Nacional.

Confiamos que, diante das numerosas emendas apresentadas ao Projeto, saberá o Poder Legislativo, na sua alta sabedoria, proporcionar à Nação, dentro em breve, a reforma constitucional pela qual, no particular, tanto anseia.

Servirá ela como primeiro e decisivo passo para os projetos que se seguirão, e dos quais cabe realçar, por sua relevância, o da Lei Orgânica do Poder Judiciário.

A respeito da Reforma acentuava um dos mais sérios e conceituados órgãos da imprensa do País, em editorial que inti­tulou a «Nova Justiça»:

«Da boa saúde social depende a soberania do Estado. Entre civilizados, a única fórmula de manutenção da paz social está na existência e no funcionamento do Poder Judiciário, que, eficiente e categorizado, possa pairar acima das dúvidas do momento e, por sua organicidade, conte com mecanismo de correção, em instân­cias, para evitar a perpetuidade dos erros que resultassem do próprio desprestígio da Instituição. Isto, espera-se, poderá nascer da Reforma do Judiciário, se encarada, já agora no nível do Congresso Nacional, como a mais importante Lei proposta à discussão do Legislativo nos últimos tempos».

O que almejamos todos, e se tornou imperativo nacional, é que permita disponha a Nação de um Poder Judiciário que, em verdade, corresponda às exigências da complexa vida hodierna. Apto para corrigir, pronta e eficazmente, os abusos e desvios de poder, sem a qual é impossível restaurar o equilíbrio da ordem jurídica, a fé no Direito e a confiança na Lei.

Para tanto, devemos todos ter a coragem suficiente para eliminar as causas do mal, apontadas no diagnóstico apresentado, a começar pelo recrutamento dos juizes. Foi ele objeto de con­siderações nos discursos de posse das duas últimas presidências. Dele cuidou o fundamentado relatório oferecido pelo Supremo Tribunal Federal. E tem merecido atenção de congressos, con­ferências e palestras de juizes e juristas em vários pontos do território nacional.

É mister, frente aos novos tempos, proporcionar maiores atrativos à carreira, em todos os seus graus de jurisdição.

Já nas Universidades deve começar a primeira etapa, com uma maior divulgação da função do juiz, desgraçadamente, ainda, Lão ignorada.

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É aí nas Faculdades de Direito que está o mais precioso viveiro. Propiciará ele a seleção dos melhores valores. O aproveitamento das vocações então no despertar.

Ponhamos a seu dispor, a par dos deveres e responsabili­dade que irão tomar, a segurança econômica, livrando-os das aflições e angústias dos baixos salários, para que possam de­dicar-se, e por inteiro, às nobres, elevadas e difíceis funções de julgar.

Mais, oferecendo-lhes instrumentos hábeis para que, liber­tos de uma processualística complexa e inadequada, dificultando a tramitação das causas, permita-se-lhes uma eficiente e rápida solução dos litígios, condição fundamental de uma boa distri­buição da justiça.

E cabe acrescentar, enseje-se-lhes o auxílio da tecnologia, abrindo-lhes os recursos da ciência, proporcionando-lhes o cons­tante aperfeiçoamento de seus conhecimentos, para que estejam sempre atualizados e capacitados ao desempenho de suas ativi­dades, cada dia mais complexas, pela multiplicidade de leis que procuram acompanhar o tumulto dos tempos.

6. Daqui procuraremos dar o exemplo no cumprimento dos deveres que a Constituição nos atribui.

O Supremo Tribunal Federal estará onde sempre esteve, nos últimos decênios da República. Altaneiro, há de corres­ponder, por fim, aos anseios da Nação, cristalizado desde há quase um século na Exposição de Motivos de Campos Sales ao Projeto que deu lugar ao Decreto n9 848, de 11 de outubro de 1890.

Assim o queria Rui, para que, como Tribunal da Federação e intérprete máximo da Constituição, exercesse sua alta e rele­vante função política.

E, como apóstolo da República, proferia:

«Eu instituo este Tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja pelo futuro adiante. »

Anos depois, em visita memorável a esta Casa, com pro­priedade, assim a definia o eminente e saudoso Francisco Campos, então Ministro da Justiça, nos idos de 1941, e destacada por Castro Nunes :

«Desde que decidis matéria constitucional, estais decidindo sobre os poderes do Governo. Sois o juiz dos limites do poder

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do Governo, e, decidindo sobre os seus limites, o que estais decidindo, em última análise, é sobre a substância do poder. O poder de limitar envolve, evidentemente, o de reduzir ou o de anular. E eis, assim, aberto ou franqueado à vossa compe­tência todo o domínio da política: a política tributária, a política do trabalho, a política econômica, a política da produção e da distribuição, a política social, em suma, a mais política das po­líticas, a polis na sua totalidade — a sua estrutura, os seus fun­damentos, a dinâmica das suas instituições e do seu governo. Juiz das atribuições dos demais poderes, sois o próprio juiz das vossas. O domínio da vossa competência é a Constituição, isto é, o ins­trumento em que se define e se especifica o Governo».

7. Ao finalizar, reitero o compromisso inicial, renovo meu reconhecimento pelas palavras proferidas e pela presença de quantos aqui vieram; ratifico a minha mensagem, e peço a Deus que nos inspire cada dia no desempenho da árdua função que nos atribuiu a Nação; e a mim, em particular, para que não me deixe desmerecer dos altos e pesados encargos que passo a desempenhar.

Para tanto, espero e confio no conselho dos eminentes Mi­nistros; conto com a colaboração dos advogados que aqui militam, dos servidores da Casa, enfim, de todos quantos se disponham a contribuir para o aperfeiçoamento de nossos trabalhos.

E, aguardando a proteção divina, sem a qual tudo será em vão, permito-me invocar o Salmo de Davi:

«Faz-me, Senhor, conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas.

Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha Salvação em quem eu espero todo o dia.»

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