Supremo Institucional (1987)

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Supremo Institucional (1987)

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  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    EDGARD COSTA

    (Centenrio do seu nascimento) 25-3-1987

    BRASLIA 1987

  • SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    EDGARD COSTA

    (Centenrio do seu nascimento) 25-3-1987

    BRASLIA 1987

  • Palavras do Ministro RAFAEL MAYER,

    Presidente

  • A primeira parte desta sesso ser consagrada a comemorar o centenrio de nascimento do saudoso Ministro Ed"gard Costa, que ilustrou, de maneira singular, esta Corte, como um dos seus membros integrantes.

    Para prestar-lhe a homenagem devida, dou a palavra, para falar em nome do Tribunal, ao eminente Ministro Aldir Passarinho.

  • Discurso do Senhor Ministro ALDIR PASSARINHO

  • Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Rafael Mayer, Exmos. Srs. Ministros da Corte, Exmo. Sr. Procurador-Geral, Dr. Jos Paulo Seplveda Pertence, Exmos. Srs. Presidentes dos Tribunais Superiores e Ministros destes mesmos Tribunais, Exmos. Srs. Desembargadores e demais Magistrados, Exmos .. Srs. Membros do Ministrio Pblico, Advogados e demais autoridades presentes. Funcionrios da Casa. Minhas Senhoras e meus Senhores. Exmo. Sr. Brigadeiro Clvis Costa, filho do Ministro Edgard Costa.

    Senhor Presidente. Ao se completarem cem anos do nascimento dos vares ilustres que

    pertenceram a este Tribunal e o honraram - esse espao secular em que o homem, embora atento eternidade do tempo, procura dividi-lo para fixar marcos simblicos na vida dos povos e das naes - reverenciamos a sua memria, reavivando suas obras, seus exemplos e experincias, como precioso legado, para que, dando-lhes a projeo que merecem, possam iluminar os caminhos.

    Contam os historigrafos que pelos fins do Sculo XVIII, conseguido o aldeamento dos ndios coroados, os tropeiros que acompanhavam o curso do Rio das Mortes fixaram um ponto de passagem a uma lgua de sua foz, em pequena vrzea. Ficava ele na sesmaria de Luiz Homem de Azevedo e Francisco Rodrigues Alves. Por volta de 1820 - relata Milliet de Saint Adolphe - ali j havia um cento de moradores. Era, antes, um despovoado coberto de mato e de certa espcie de arbusto de que, no Brasil, se faziam vassouras. A populao aumentou. O primitivo Arraial da Freguesia do Caminho Novo do Tingu passou a vila a 15 de janeiro de 1833 e a cidade, em 1857.

    A cidade a de Vassouras, da antiga Provncia do Rio de Janeiro. Seu nome, tirado daquele arbusto a que se referiu o cronista.

    Era a terra dos bares do caf e do trabalho do brao escravo. Em 1887, o movimento abolicionista, no Brasil, tomava novo impul

    so com as manifestaes da Igreja Catlica contra a escravido. De incio, pela voz do arcebispo-primaz. A ela se seguiram as pregaes dos bispos.

  • 10

    poca do conservador Gabinete do Baro de Cotegipe. Ano anterior ao da Lei urea. J os cativos fugiam em massa das fazendas, e as foras do Exrcito, sacudidas pela oratria inflamada dos abolicionistas, recusavam-se a dar-lhes caa. Aumentavam os quilombos.

    Foi nesse ano, em Vassouras, sede da aristocracia rural fluminense, nessa terra das ricas fazendas de caf, mas j em comeo de declnio, pela escassez do trabalho escravo, que nasceu de Da. Cndida Nina Gomes da Costa, consorciada com o Dr. Paulino Gomes da Costa, o menino que, na pia batismal, recebeu o nome de Edgard. Nesta solenidade de hoje comemoramos o centenrio de seu nascimento. No pde vir a Braslia, sua viva, Da. Bethnia Ribeiro da Costa, sua companheira e amiga de tantos anos. Compreendemos sua ausncia pela forte emoo que sentiria com tantas recordaes. Encontra-se presente, entretanto, como seu representante e dos demais familiares, o filho do casal, o Sr. Brigadeiro Clvis Costa, que, dando maior significado a esta sesso, vem reviver conosco a lembrana do chefe da famlia, que tanto dignificou esta Corte.

    Na histria do nosso pas, j o seu bisav, o Conselheiro Antonio Pereira Barreto Pedroso merecera registro, como Presidente da Provncia da Bahia, em 1837 - h exatos cento e cinqenta anos - tendo ajudado a debelar o movimento federalista que ficou conhecido como Sabinada.

    E esse mesmo Conselheiro Antonio Pereira Barreto Pedroso, tambm nascido em Vassouras, veio a ser nomeado para o ento Supremo Tribunal de Justia, como um de seus Ministros.

    A rica biografia do nosso homenageado encontra, assim, elo antigo nesta prpria Corte, ligando-o magistratura.

    Edgard Costa, que foi juiz por 40 anos, aps ter-se formado pela Faculdade de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro em 1909, dedicou-se advocacia de 1911 a 1917, ano em que, por concurso, ingressou na magistratura, como Juiz da 7 Pretoria Criminal da Justia do Distrito Federal. E seguiu a rota que sua verdadeira vocao lhe traara, com aquele decidido propsito de desgnios que era um dos aspectos caractersticos de sua personalidade. E chega ele a Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal desde a sua instalao, passando a ter contato, assim, mais de perto, com a matria eleitoral que j lhe despertara particular interesse nos seus estudos jurdicos. Promovido a Desembargador do Tribunal de Apelao, veio a exercer o cargo de Corregedor, ento criado, at 1941. Foi Presidente do Tribunal no binio de 1943-1944 e, nessa poca, esprito realizador que era, sentindo a necessidade de trocas de idias no mbito do Judicirio, na obteno de denominadores comuns sobre os diversos problemas que se faziam presentes, promoveu a I Conferncia de Desembargadores de todo o Brasil, destacando-se, no temrio, o estudo da nova legislao penal, com vistas a sua melhor e uniforme aplicao. Do xito desse encontro, que reuniu

  • II

    42 Desembargadores de todos os Estados, bem o diz o fato de, ao encerrar-se ele, ter-lhe sido conferido o ttulo de Desembargador do Brasil.

    Ainda como Desembargador do Tribunal de Justia do Distrito Federal passou a integrar o Tribunal Superior Eleitoral, desde sua constituio, em 1945, e nele continuou at 1946, j, por ltimo, na qualidade de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Para esta Corte veio, sucedendo ao Ministro Bento de Faria, em I? de novembro de 1945, tendo sido nomeado pelo Ministro Jos Unhares, quando este exerceu a Presidncia da Repbllca. Ocupou a cadeira para qual fora nomeado, nos idos de 1828, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque que , assim, o seu patrono. Voltou quela alta Corte de Justia Eleitoral, como um dos representantes do Supremo Tribunal Federal, em 1951, e nela permaneceu at 5 de setembro de 1955.

    No Tribunal Superior Eleitoral, destacou-se sobremaneira o Ministro Edgard Costa.

    A matria lhe despertava particular interesse. Ainda quando advogado, em 1917, era editado o seu Pronturio da Legislao Eleitoral, cuja 2 Edio veio a pblico quando j era ele Juiz Criminal. O objetivo era o de ampla divulgao da legislao eleitoral, com uma parte prtica, contendo formulrios, e outra com os decretos e leis ento vigentes. E em 1923, veio a publicar Dos Crimes Eleitorais, valiosssimo estudo da matria.

    Assim, quando foi Edgard Costa para o Tribunal Superior Eleitoral, o assunto j lhe era familiar.

    A sua preocupao com a lisura das eleies sempre foi uma constante na sua atuao de Juiz Eleitoral, como o demonstrou em seu discurso de despedida de membro daquela alta Corte e de sua Presidncia, em 5 de setembro de 1955, ao dizer, referindo-se a anteprojeto de lei que apresentara consubstanciando alteraes da legislao eleitoral, com a proposta de instituio da cdula oficial e a adoo da Folha Individual de Votao, propostas que, afinal, foram acolhidas:

    Como contribuio da Justia Eleitoral para essa obra de tanta relevncia, pensei -, ajudado da colaborao dos eminentes colegas e da dos presidentes dos Tribunais Regionais -, que pretendia reunir com essa finalidade nesta capital -, em poder oferecer ao estudo e considerao do Congresso um anteprojeto do Cdigo Eleitoral; seria o meu derradeiro esforo e empenho, frente da Justia Eleitoral, no sentido do aperfeioamento do nosso sistema eleitoral.

    Ao deixar o Ministro Edgard Costa a PresidncIa do Tribunal Superior Eleitoral, foi alvo das mais significativas homenagens de seus colegas da Corte, e dos representantes dos partidos polticos: os Ministros Luiz Gallotti, Afrnio da Costa e Cunha Vasconcellos Filho; os Desembarga-

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    dores Freaerico Sussekind e Jos Duarte; o Professor Haroldo Vallado; o Procurador-Geral Eleitoral, Dr. Plnio de Freitas Travassos; e tambm de polticos representando os Partidos: Trabalhista Brasileiro, o Partido de Representao Popular, o Partido Social Democrtico, a Unio DemocrHca Nacional, o Partido Social Progressista e o Partido Social Trabalhista; e ainda do Instituto dos Advogados Brasileiros, e do Deputado Felix Valois de Arajo e, por fim, do Diretor-Geral da Secretaria, Dr. Jaime de Assis Almeida. Todos usaram da palavra, e traduziram com emoo a realidade da obra de Edgard Costa na Presidncia daquela Corte, quando fixou marco histrico na moralizao dos costumes eleitorais, e no aperfeioamento dos servios administrativos. E o aplaudiram, no Congresso Nacional, o Deputado Cid Sampaio e o Senador Atlio Vivacqua.

    A unanimidade entusistica dos que ento se manifestaram, significativa pela autoridade dos que o fizeram, e pelo que de verdade se continha nas oraes proferidas, constitui-se em testemunho vibrante, caloroso e seguro do que foi Edgard Costa como Presidente da mais alta Corte da Justia Eleitoral. Os oradores lhe traaram o perfil de varo ilustre, de Juiz da mais alta dignidade, sereno, justo e trabalhador incansvel. E, por isso, destacou o Ministro Luiz Gallotti: De homens assim que necessita este pas, para recuperar-se da crise moral, que considero o maior dos seus infortnios, porque dela, em boa parte, decorrem todas as outras, que ora nos atormentam.

    E lhe disse o Ministro Cunha Vasconcellos Filho: ... grande recompensa para o homem de conscincia

    limpa, so momentos como este. Ficam atravs da lembrana na perpetuidade da vida. Vossa Excelncia ficar marcado pelo destino, marcado pela lembrana, marcado pela gratido.

    Ainda mais engrandecido, deixou, assim, o Ministro Edgard Costa o Tribunal Superior Eleitoral, nessa outra etapa de sua vitoriosa carreira de homem pblico.

    A sua crena no voto, como expresso da vontade do povo, ele a tinha inabalvel, como em uma profisso de f. No prtico de sua monografia Dos Crimes Eleitorais, publicada em 1923, ainda quando era ele Juiz da 2? Pretoria Criminal do Distrito Federal, fez inscrever este pensamento de Rui, que voltou a reproduzir mais de vinte anos depois, no seu livro A legislao Eleitoral, editado em 1964, quando j deixara ele a magistratura, eis que se aposentou a 19 de janeiro de 1957:

    Todos os direitos que as constituies declaram irrenunciveis, intangveis e inalienveis, se consorciam e coexistem num feixe. Mas a liberdade poltica, da qual a condio prtica est no voto, o liame, que nesse feixe os enlaa a todos, estabelecendo entre eles a unio, por que se conservam e impe.

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    E acreditando nessa verdade, que representa a sntese de tudo o que significa o voto como fator essencial da manifestao da vontade popular para salvaguarda dos direitos fundamentais, Edgard Costa tudo fez para preservar a livre exteriorizao dessa vontade.

    A instituio da Justia Eleitoral - disse ele - foi o melhor fruto da renovao poltica processada em 1930, que teve como uma das suas causas ostensivas e reais a fraude eleitoral generalizada, culminando nas escandalosas verificaes de poderes pelas corporaes polticas.

    E a seguir, aps a enunciao do j mencionado pensamento de Rui, que, ele, como Juiz eleitoral adotou como lema, declara:

    E assegurado o respeito integral a esse voto, na sua pureza e na sua verdade, ensejou ao Pas adquirir, enfim, como que a sua maioridade na prtica da democracia.

    E lembrava que os juzes eleitorais, ... se mantivessem alheios e indiferentes a quaisquer competies pessoais e interesses partidrios que no dissessem com a liberdade e a verdade do sufrgio.

    Suas posies eram conservadoras. Talvez influncia da terra bero. Assim, em comentrios legislao eleitoral, vigente o Cdigo bai

    xado com a Lei n? 1.164, de 24 de julho de 1950, manifestou-se contra a reduo do limite de idade do eleitor de 21 para 18 anos. A Constituio do Imprio, pelo seu art. 92, estipulava em 25 anos a idade mnima do eleitor; a de 1891, a reduzira para 21 anos (art. 70). Ficara ela fixada em 18 anos pelas Constituies de 1934, o que fora mantido nas de 1937 e 1946. Considerava Edgard Costa que no devia a capacidade poltica ser conferida queles que ainda no tivessem atingido a maioridade para a vida civil, pelo que deveria ser restabeleci da a idade de 21 anos para o eleitor. Mas assim pensava Edgard Costa pelo alto valor que atribua, ao voto, no que comungava do pensamento, entre outros, de Themstocles Cavalcanti, como ele o assinalou.

    Entendia Edgard Costa que, sendo o exerccio do voto, funo pblica das mais relevantes, melhor caberia a quem j tivesse maior capacidade de discernimento, e lembrando Soriano de Souza, para o qual o corpo eleitoral era a fonte de todos os outros poderes do Estado, e ao mesmo tempo verdadeiro juiz de todos eles, afirmava: O eleitorado idneo e capaz constitui, assim, a verdadeira base prtica do regime democrtico.

    Insurgia-se contra o voto do analfabeto, em favor dos quais j surgiam movimentos, pois sustentava a primazia da qualidade sobre a quantidade, proclamando: A democracia no a expresso do nmero, mas a consagrao da qualidade. E sem esse carter qualitativo, que d aos melhores a possibilidade de interferir mais decisivamente, a democracia soobraria no vrtice da demagogia.

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    Manifesta-se contra o direito de voto dos militares e dos juzes, sob a considerao de que lhes era vedado o exerccio de atividade polticopartidria, e o voto, em sua essncia, era uma manifestao partidria e, o regime democrtico, consagrado na Constituio, era um regime de partidos polticos.

    Defendia a fidelidade partidria, pois no podia compreender como sendo os representantes do povo eleitos pelo sistema de representao proporcional dos partidos polticos, encontrando-se, portanto, vinculados legenda que lhes dera o mandato, poderiam passar com armas e bagagens para outro partido, desfalcando-lhe a representao poltica (pg. 320).

    Repudiava a multiplicao dos partidos, que no se confundia com pluralidade, tendo esta como essencial e bsica do regime democrtico, e aquela como enfraquecedora e desmoralizante desse mesmo regime, acentuando:

    Ora, em um eleitorado que ascende a cerca de vinte milhes de eleitores, a exigncia de apenas cinqenta mil para o registro de um partido irrisria, por no representar a ex.presso de uma aspirao pondervel da opinio pblica.

    Estas consideraes do Ministro Edgard Costa sobre a multiplicao dos partidos merecem especial relevo quando se observa que, para as ltimas eleies, chegaram a ser registrados nada menos que 30 partidos polticos, embora provisoriamente, pela excessiva facilidade da legislao eleitoral, possibilitando-os apresentarem candidatos para as eleies realizadas a 15 de novembro do ano findo.

    Edgard Costa defendia a divulgao da jurisprudncia e preocupavase que houvesse divergncia de julgados, sem que os juzes tivessem ficado alertados para os fundamentos dos acrdos precedentes. Por isso mesmo props, sem xito embora, que se alterasse a praxe adotada no Supremo Tribunal Federal de, aps o relator, a votao iniciar-se pelos mais novos, pois estes poderiam no se encontrar familiarizados com a orientao da Corte, observao esta contida em O Supremo Tribunal Federal de Ontem e de Hoje, do Dr. Hugo Msca. Lembrava e acolhia certamente o Ministro Edgard Costa o conselho do Pretor Paulo, segundo o qual se deviam evitar alteraes do que j vinha consagrao pela jurisprudncia. Pela voz de Orosimbo Nonato - um dos mais insignes magistrados que 0- Brasil j possuiu - o Supremo Tribunal Federal, ao ensejo da solenidade de despedida do Ministro Edgard Costa, por motivo de sua aposentadoria, lhe realou os mritos, pelos quais alcanara os fastgios de sua carreira, afirmando:

    Basta dizer que ele possui todas as partes de um juiz inteirssimo, para se lhe traar o mais justo e o mais caloroso dos encmios.

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    Culto, enrgico, apercebido de clara inteligncia e agudo senso jurdico, de carter altivo e forte e probidade imarevel, honrou S. Exa. a magistratura desde os seus primeiros postos at as alturas dos cargos supremos.

    E concluiu: Vossa Excelncia retira-se das lides em que combateu

    com armas polidas, sob a reverncia dos seus concidados e o apreo elevado e sincero dos testemunhos de sua prpria elevada e impoluda conscincia.

    Seu amor e interesse pelo Judicirio e, especialmente, pelo Supremo Tribunal Federal, eram profundos, e ele os manteve mesmo quando j aposentado. Dispondo, ento, de maior tempo, publicou, em 196 1, o livro Efemrides Judicirias que constitui o resultado de valiosssima pesquisa histrica da Justia brasileira, assinalando as suas datas mais significativas, os seus eventos mais importantes, dizendo ao oferecer as razes dessa obra:

    Nos lazeres de minha aposentadoria busquei, organizando-as, continuar a servir a essa Justia, a que dediquei quatro dcadas da minha vida, continuando, dessarte, a lhe dar contribuio, sempre modesta, da minha f e do meu entusiasmo pelo que ela representa: a base e a segurana da harmonia, da paz e da ordem sociais.

    Realmente. O ideal de trabalho pela Justia jamais abandonou Edgard Costa e ele o demonstrou, continuando a escrever intensamente sobre temas jurdicos aps ter-se aposentado.

    Dos antigos nos vm as crnicas dos grandes julgamentos que repercutiram na Histria. Alguns j envolvidos na fantasia ou modificados por perspectivas decorrentes das naturais transformaes na vida dos povos, mas tudo revelando o interesse pelos eventos judiciais que marcam o esprito de uma poca, sua poltica, costumes e aspectos sociais.

    Atravessando os sculos, chegam, assim, a ns os julgamentos de Scrates, o mais sbio dos homens, como o proclamara o orculo de Delfos; de Frinia, que o Arepago absolveu em homenagem Beleza, no estro de Bilac; de Ins de Castro sucumbindo s mos do carrasco pelo dio de Afonso IV; de Maria Stuart, a bela Rainha da Esccia, vtima da intolerncia de Isabel da Inglaterra, como o foi seu neto Carlos I, pela intransigncia de Cromwell; de Dreyfus, que sacudiu o mundo e mais agigantou Emlio Zola, com o seu J'accuse; de Maria Antonieta e de Luiz XVI; de Joana D' Arc; de Danton e de tantos outros que at hoje espantam e emocionam.

    Edgard Costa, sensvel ao significado dos grandes julgamentos para a histria das naes, tomou a si o encargo de compendiar os desta Corte em cuidadosa e paciente tarefa, e lana ele, em cinco volumes, os

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    Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, quando j aposentado.

    Atravs dos vrios julgamentos colacionados, vemos neles refletiremse as tendncias, sob os mais diversos aspectos, dos perodos a que se referem, e magnficas lies de Direito dos Ministros da Corte.

    Entre muitos outros, o julgamento do habeas corpus impetrado em 1892, por Rui Barbosa, em favor de presos polticos, tendo Rodrigo Otvio considerado que foram as atividades do grande advogado nesse momento histrico, que fizeram a interpretao do Direito Constitucional Brasileiro, e naqueles em que se debateu a autoridade das decises dos Tribunais Superiores e a autonomia intelectual do juiz (Acrdo de 10-2-1897); o estado de stio e sua apreciao pelo Poder Judicirio e a liberdade de imprensa durante sua vigncia; os casos polticos e a competncia do Poder Judicirio; o direito de reunio e de livre manifestao do pensamento, e a localizao de comcios, em habeas corpus requerido por Rui Barbosa; os crimes polticos praticados por militares (questo de competncia); a independncia da magistratura e suas garantias constitucionais; a liberdade de associao e a lei de segurana nacional; o cancelamento do registro do Partido Comunista; a liberdade de crena e liberdade de culto; a liberdade de ctedra e de pensamento nas Universidades, e o mandado de segurana e o habeas corpus impetrados pelo Presidente Caf Filho, propugnando pelo seu retorno ao exerccio do cargo de Presidente da Repblica, de onde se afastara por licena, e ao qual estava sendo impedido de voltar, episdio em que se retranaram lances de saber jurdico, coragem, civismo e objetividade.

    Em alguns dos julgamentos de que cuida a preciosa coletnea, figuram expressivos votos do Ministro Edgard Costa, como, por exemplo, no Mandado de Segurana n? 1.000 (ac. de 28-9-49), de que foi relator, e no qual fez ele interessante estudo sobre a distino que cabia entre aquele remdio processual e a ao popular; e esse outro em que se discutiu a liberdade de exerccio de culto religioso. Tratava-se de impetrao da Igreja Catlica Brasileira que pleiteava lhe fosse assegurado o livre exerccio de seu culto, o que lhe estava sendo obstado pelo Governo. Declarou, na ocasio o Ministro Edgard Costa:

    A Igreja impetrante no tem, confessadamente e segundo se v dos autos, culto prprio. O seu culto o da Igreja Catlica Apostlica Romana. Na prtica desse culto, portanto, ela atenta contra o culto secular da Igreja Romana. No h necessidade, est claro, de registro de cultos: o culto da Igreja Romana , como se disse, secular e conhecido, de modo que a prtica, pela Igreja Brasileira, do culto religioso adotado pela Igreja Romana no deixa de ser um atentado contra a liberdade do culto desta Igreja - porque a Constituio no fala em liberdade de culto e, sim do culto. E isso basta para

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    que no se possa, desde logo, reconhecer ao impetrante direito lquido e certo.

    Senhor Presidente. O distanciamento, no tempo, se por um lado faz desaparecer as mi

    ncias - que, de fato, pouco importam - proporciona, de outra parte, uma viso mais ampla do todo, sob ngulos de maior objetividade, possibilitando que a exaltao se faa com maior compreenso do vulto retratado.

    Ao estudarmos, a vida e a obra do Ministro Edgard Costa - e aqui apenas alguns traos mais significativos podemos apresentar - as firmes posies que assumiu ao longo de sua vida pblica, sempre com vistas ao bem comum, e melhor aplicao da Justia, preferindo ser fiel a si mesmo, que transigir para evitar as divergncias ou crticas que lhe pudessem fazer, altivo, reto de atitudes, poderam9s retrat-lo como o fez Antonio Sergio ao referir-se a Alexandre Herculano, dando-o como severo, leal, de bronze, homem de um s parecer, de um s rosto e de uma s f (Ensaios vol. IlI).

    Antonio Alada Batista, cujos laos conosco se vm estreitando, nesse amplexo de inteligncia e cultura que mais irmanam Brasil e Portugal, observa que muitos minerais tm todas as condies para se formar em cristal e, no entanto, de repente, e sem se saber por que, em um surge o cristal (

  • Discurso do Dr. JOS PAULO SEPLVEDA PERTENCE,

    Procurador-Geral da Repblica

  • Senhor Presidente; Egrgio Supremo Tribunal Federal; Senhores Ministros aposentados da Corte; Autoridades; Magistrados, advogados e membros do Ministrio Pblico; Funcionrios; Senhoras e Senhores.

    Ao rememorar a figura do saudoso Ministro Edgard Costa, no centenrio do seu nascimento, celebra o Supremo Tribunal Federal um dos mais notveis entre os grandes juzes que tem feito, no correr de sua existncia, a justa glria desta Casa.

    Assinalou-lhe o eminente Ministro Aldir Passarinho as passagens mais relevantes da vida frutuosa de exemplar magistrado de carreira, que dignificou, em longa caminhada de inteligncia e labor, postos de todas as instncias, da modesta Pretoria, de 1917, s culminncias dessa Corte Augusta, a que serviu por 12 anos.

    Da sua judicatura - marcada por qualificaes pessoais de inteligncia, saber jurdico, honradez e operosidade - os anais da Casa guardam momentos expressivos que o recomendam ao estudo e admirao dos psteros.

    Ao associar-me, em nome do Ministrio Pblico Federal, justa homenagem do Tribunal sua memria, limito-me a realar dois prismas de sua rica biografia.

    Diz o primeiro com o relevo que ganhou, na sua trajetria de magistrado e jurista, a dedicao incomum Justia e ao Direito Eleitoral.

    Juiz, por duas vezes, e, ao final, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Edgard Costa, alm de deixar ali um testemunho a mais dos seus mritos de grande magistrado, assumiu decididamente o papel poltico que a evoluo constitucional brasileira reservou Justia Eleitoral, enquanto cadinho permanente em que se fundem a experincia e a imparcialidade de observadores serenos da prtica dos pleitos cvicos, em favor do aperfeioamento das instituies democrticas.

    De suas contribuies legislao eleitoral, bastaria a lembrana da criao da cdula oficial e da folha individual de votao - instrumentos decisivos da liberdade de voto - para inscrev-lo, com merecida hon-

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    ra, entre os que depuseram pedras definitivas na construo, sempre inconclusa, da democracia.

    Outro legado de Edgard Costa a natureza da sua obra, quase toda ela voltada para a documentao da histria judiciria.

    A inteligncia brasileira negligente com a preservao de sua memria. Dessa culpa, no se eximem os juristas, mais atrados para o trabalho doutrinrio, ainda os que no tm seno a dar que a traduo disfarada e a transplantao apressada de escritores estrangeiros.

    Por isso, de louvar os poucos que, como Edgard Costa, providos, embora, de talento e cultura - se dedicaram primacialmente tarefa -modesta, porm, imprescndivel - das obras de documentao legislativa e jurisprudencial, preocupao que deixaria, alm da fundao e da direo, por trinta anos, do Arquivo Judicirio, o trabalho valiosssimo de informao histrica da Justia brasileira, que so as suas Efemrides Judicirias.

    Como essa, so tambm posteriores sua aposentadoria compulsria no Tribunal - e prova irretorquvel, assim, de sua invulgar dedicao ao trabalho, at o final da vida - as suas duas contribuies mais importantes.

    A Legislao Eleitoral Brasileira, de 1964, representa at hoje o melhor repositrio de informaes sobre a matria, do incio do Imprio data da sua publicao. A obra enriquecida, ainda, com valiosos comentrios crticos da lei ento vigente, algumas traindo-lhe o pensamento conservador, jamais disfarado, outras, ainda teis, para o futuro, particularmente as voltadas para o fortalecimento dos partidos polticos.

    Sero, porm, os cinco volumes de Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal o seu trabalho mais importante, que no s a obra pioneira, mas tambm, at agora, a mais completa documentao da histria da jurisprudncia da Corte, cuja lamentvel pobreza bibliogrfica responde pelo desconhecimento - at da parte de nossas elites -da importncia fundamental dessa Casa em nossa organizao poltica.

    Somo, desse modo, Sr. Presidente, a palavra do Ministrio Pblico a esta homenagem, com a plena conscincia de que, hoje, aqui se recorda e cultua um juiz que foi um exemplar servidor da Repblica.

    O SENHOR MINISTRO RAFAEL MAYER (PRESIDENTE) - tem a palavra, para falar pelos advogados, o Dr. Hugo Msca.

    O DR. HUGO MOSCA (ADVOGADO) - Dou imensas graas ao Senhor ao nos permitir que, aps tantas palavras consagradoras que acabam de ser proferidas, nesta solene cerimnia sobre o sempre saudoso Ministro Edgard Costa nos seja vlido, em nome dos Colegas que militam nesta Augusta Corte, com o pleno endosso do devotado Presidente da Ordem dos Advogados de Braslia, Professor Amaury Serralvo, que vem realizando notria administrao, ofertar um modesto depoimento

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    sobre a vida e a obra do nosso homenageado que foi durante quase uma dcada atuante advogado no Foro Fluminense.

    Comeando sua carreira como incansvel servidor do Estado, onde dirigiu o Instituto Flix Pacheco reformulando todos os seus seguimentos, exerceu profcua atividade no

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    Disse o Lembrado Ministro Edgard Costa, com sua vivncia de longos anos de devotada judicatura, a certa altura de seus comentrios, sugestes que, mais tarde, a Corte Maior passou a adotar quase que em sua inteireza:

    o esforo dos Juzes, multiplicando as suas decises na louvvel preocupao de no demorar a deciso dos feitos que lhes tocam, embora, como dizia Philadelpho Azevedo essa quantidade no rendimento do labor seja alcanada em detrimento da sua qualidade, contraproducente, porque, esse esforo como que incentiva uma maior avalanche de recursos.

    Na expectativa de uma reviso constitucional, nica, ao meu ver, capaz de repor o Tribunal no seu devido lugar, debelando a crise em que h anos se debate - providncias de ordem processual podero atenu-Ia, e entre elas esto as que se referem admissibilidade dos recursos extraordinrios pelos presidentes dos Tribunais de Justia, obrigando-os a fundamentarem seus despachos - providncia j adotada em projeto de lei que dorme no Senado; da competncia do relator com a concordncia do imediato em antigidade na turma, para negar seguimento ou para decidir sobre agravos interpostos de sua denegao, a recursos manifestamente incabveis, embora com recurso de seus despachos para a Turma respecti va; - o mesmo em relao aos mandados de segurana mani festamente incabveis; - dispensa de reviso dos feitos, salvo nos embargos, nas apelaes criminais e nas aes rescisrias; e outros que a sabedoria do Tribunal indicasse.

    Seriam, entanto, - como foi a diviso em turmas, -medidas ou providncias de emergncia. Uma reforma de fundo impe-se, contudo, e com urgncia, a bem da boa distribuio da Justia e do prprio prestgio do Tribunal.

    Ao assumir o Cargo de Corregedor da Justia do ento Estado da Guanabara promoveu, com o maior xito, a Primeira Conferncia de Desembargadores visando, precipuamente, estudar uma reformulao geral na legislao penal, que iria desde s normas que regiam as penas mnimas (naquele tempo no havia sequer a onda de violncia que avassala o Pas, nem os multiformes e hediondos crimes resultantes da mfia dos entorpecentes) o melhor funcionamento do sistema carcerrio, maiores exigncias no direito de graa ou perdo, a instituio do trabalho profissional em benefcio das famlias dos prprios detentos, e na ampliao das penitencirias agrcolas, e prises - albergues em lugares afastados dos centros populacionais.

    Essa conferncia teve concluses altamente teis e abonadoras mas, de eficiente, as autoridades responsveis pouco fizeram, fato, alis, que ainda acontece no Brasil de hoje, onde a Justia, porque como sempre pro-

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    clamou o inolvidvel Mestre Nelson Hungria, por ser um Poder sem armas e que pelas suas prprias razes tem que viver no anonimato e com toda a sobriedade, no ganha as Manchetes dos rgos de divulgao.

    Edgard Costa era um homem modesto, nada extrovertido, com profundo senso de sua misso e de suas responsabilidades, no fazia alarde dos profundos conhecimentos que alcanava e no procurava a popularidade.

    At hoje apontado, no Foro carioca, como o Corregedor-Geral que com mais eficincia cumpriu seus deveres.

    Ele visitava os Cartrios, fazendo inspees, sem adredemente anunciar, tinha as portas de seu Gabinete sempre abertas aos advogados, e aos postulantes, para colher queixas e reclamos, realizando, assim, uma tarefa fiscalizadora moderada, mas atenta e rigorosa.

    Entre as obras que publicou, - e so muitas - pode-se dizer que o mais judicioso trabalho elaborado sobre o Egrgio Supremo Tribunal Federal de sua autoria, sob o ttulo os Grandes Julgamentos da Suprema Corte.

    Em seu modesto prefcio, o saudoso magistrado escreveu: So esse julgados, - afora outros de inegvel alcance

    jurisprudencial, - os que esta coletnea rene, para facilidade da sua consulta, que se recomenda como orientao segura para outras decises, e como contribuio prpria histria daqueles acontecimentos.

    Atravs deles, ver-se- que, - como lembrou o Ministro Luiz Gallotti, quando Procurador-Geral da Repblica -, a nossa Corte Suprema soube sempre cumprir a sua alta misso constitucional, impvida e serenamente, mesmo nas horas mais difceis e de maior perigo, usando, na falta de outra, da sua imensa fora moral, e jamais desertando ao seu nobre dever de guarda impertrrito da Constituio e das leis.

    Tivemos a ventura de trabalhar com Edgard Costa em trs pocas, como funcionrio pblico, como revisor do

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    Eram servidores que por viverem somente de custas, estavam passando privaes, com proventos miserveis e o nosso homenageado de hoje lavrou um provimento que garantiu, a cada um, um salrio que minorasse o oramento domstico.

    Edgard Costa, surpreendido com a manifestao, que no previa, se limitou a dizer: obrigado, cumpri apenas meu dever.

    este, um plido depoimento que ofertamos sobre o saudoso Ministro Edgard Costa para os anais deste Augusto Templo de Justia.

    Muito Obrigado.

  • Palavras do Ministro RAFAEL MAYER,

    Presidente, encerrando a sesso

  • Suspendo a sesso por 5 minutos, para que os Srs. Ministros e ilustres presentes tenham a oportunidade de cumprimentar o filho ilustre do Ministro Edgard Costa, Brigadeiro Clvis Costa.

  • 000010000200003000040000500006000070000800009000100001100012000130001400015000160001700018000190002000021000220002300024