153
Universidade de Aveiro 2003 Departamento de Química Susana Santos Braga A ciclodextrina-beta na formação de complexos de inclusão e de novas estruturas supramoleculares

Susana Santos Braga A ciclodextrina-beta na formação de ... · Universidade de Aveiro 2003 Departamento de Química Susana Santos Braga A ciclodextrina-beta na formação de complexos

  • Upload
    ngonhi

  • View
    224

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • Universidade de Aveiro 2003

    Departamento de Qumica

    Susana Santos Braga

    A ciclodextrina-beta na formao de complexos de incluso e de novas estruturas supramoleculares

  • Universidade de Aveiro 2003

    Departamento de Qumica

    Susana Santos Braga

    A ciclodextrina-beta na formao de complexos de incluso e de novas estruturas supramoleculares

    Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Qumica, realizada sob a orientao cientfica do prof. doutor Jos Joaquim Cristino Teixeira Dias, Professor Catedrtico do Departamento de Qumica da Universidade de Aveiro

    1

  • o jri

    presidente Doutor Antnio Francisco Carrelhas Cachapuz professor catedrtico da Universidade de Aveiro

    Doutor Jlio Maggiolly Novais professor catedrtico do Instituto Superior Tcnico da Universidade Tcnica de Lisboa

    Doutor Carlos Jos Rodrigues Crispim Romo professor catedrtico do Instituto de Tecnologia Qumica e Biolgica

    Doutor Jos Joaquim Cristino Teixeira Dias professor catedrtico da Universidade de Aveiro

    Doutora Ana Maria Pissarra Coelho Gil professora associada Universidade de Aveiro

    Doutora Isabel Maria Sousa Gonalves professora auxiliar da Universidade de Aveiro

    2

  • agradecimentos

    A doutoranda agradece FCT e ao FSE pelo apoio financeiro BD 20320/99 concedido no mbito do III quadro comunitrio de apoio.

    3

  • resumo

    O presente trabalho descreve a incluso de diversos compostos orgnicos e organometlicos na ciclodextrina- (-CD). Os complexos formados so estudados por vrias tcnicas de estado slido. Presta-se particular ateno compreenso das interaces formadas entre a -CD hospedeira e o respectivo hspede e organizao supramolecular no slido. Na maioria dos casos os compostos de incluso estudados originam estruturas em canais onde o hspede se aloja.

    4

  • 5

    abstract

    This work describes -CD inclusion of several organic and organometallic guest compounds. The resulting complexes are studied using various solid state characterisation techniques. The understanding of host (-CD) guest interactions and of the solids supramolecular structure is emphasised. In most cases, -CD molecules are stacked to form channel-like frames that hold the guest molecule in their tubular cavities.

  • ndice geral Abreviaturas 11

    1. Ciclodextrinas e hspedes 13

    1.1. Uma breve histria das ciclodextrinas 15

    1.2. Formao das ciclodextrinas 16

    1.3. Propriedades das ciclodextrinas nativas 16

    1.4. Formao de complexos de incluso 18

    1.5. Aplicaes das ciclodextrinas 20

    Indstria farmacutica 20

    Cosmtica 21

    Indstria alimentar 21

    Qumica analtica 22

    Indstria txtil 22

    Outras aplicaes 23

    1.6. Perspectiva geral 23

    1.7. Linhas orientadoras do trabalho 24

    O hospedeiro 24

    Os hspedes 24

    Caracterizao dos complexos de incluso 26

    Artigos publicados 27

    Referncias 29

    2. Dmeros dentro de dmeros: a estrutura de 2-CD4p-HB9,45H2O 31 2.1. Introduo 33

    2.2. Os cristais de -CD e p-HB 34

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CD4p-HB9,45H2O 34

    Empacotamento do complexo na rede cristalina 37

    2.3. Caracterizao do complexo no estado slido 38

    Espectroscopia de RMN de 13C 38

    Espectroscopia vibracional 39

    Termogravimetria 40

    2.4. Concluses 41

    Referncias 42

    7

  • 3. 2-CDIbu, uma estequiometria inesperada 43

    3.1. Introduo 45

    3.2. Os cristais de -CD e Ibu 46

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CDS-Ibu12,5H2O 46

    Empacotamento do complexo na rede cristalina 49

    3.3. Caracterizao dos complexos no estado slido

    Espectroscopia de RMN de 13C 50

    Espectroscopia vibracional 51

    Termogravimetria 52

    3.4. Concluses 53

    Referncias 54 4. A formao de sais favorece a incluso de certos compostos na -CD 55

    4.1. Introduo 57

    4.2. Preparao dos complexos de incluso 59

    4.3. Estrutura dos complexos de incluso 60

    Difraco de Raios X de ps 61

    Espectroscopia de RMN de 13C 62

    Espectroscopia vibracional 65

    Termogravimetria 65

    4.4. Estudos tericos 67

    4.5. Concluses 70

    Referncias 71 5. Incluses em -CD de Omprazole e dois precursores 73

    5.1. Introduo 75

    5.2. Caractersticas dos complexos de incluso 76

    Difraco de raios X de ps 77

    Espectroscopia de RMN de 13C 78

    Espectroscopia vibracional 80

    Termogravimetria 81

    5.3. Estudos tericos 83

    5.4. Concluses 85

    Referncias 86

    8

  • 6. Incluso de organometlicos, uma questo de tamanho 87

    6.1. Introduo 89

    6.2. Caractersticas dos complexos de incluso 90

    Difraco de raios X de ps 91

    Espectroscopia de RMN de 13C 92

    Espectroscopia vibracional 94

    Termogravimetria 95

    6.3. Clculos ab initio 96

    6.4. Concluses 98

    Referncias 100 7. Influncia da incluso nas propriedades fisico-qumicas e anti-tumorais de Cp2MoCl2 101 7.1. Introduo 103

    7.2. Preparao e estudo do complexo de incluso 104

    Espectroscopia vibracional 104

    Espectroscopia de RMN de 13C 106

    Difraco de raios X de ps 106

    Termogravimetria 107

    7.3. Clculos ab initio 108

    7.4. Estudos citolgicos 108

    7.5. Concluses 110

    Referncias 111 8. Consideraes finais 113

    A importncia da geometria 115

    Mltiplas formas de obter complexos 115

    Os complexos 116

    Propriedades modificadas 118

    Trabalho futuro 118 Seco experimental 119

    Materiais utilizados 121

    Solventes 121

    Reagentes 121

    Tcnicas de caracterizao 122

    9

  • Anlise elementar 122

    Espectroscopia vibracional 122

    Termogravimetria 122

    Espectroscopia de RMN em soluo 122

    Espectroscopia de RMN de 13C 122

    Difraco de raios X de amostras pulverizadas 123

    Caracterizao da interaco -CD p-HB em soluo 123

    Estequiometria da incluso segundo o mtodo de Job 123

    Constante de incluso 124

    Preparao de complexos de incluso no estado slido 124

    Cristalizao de -CD com p-HB 124

    Cristalizao de -CD com R e S-Ibu 125

    Complexao de -CD com PN1, PN2, SSP e SSN 125

    Complexao de -CD com PO1, PO2 e Ompz 126

    Complexao de -CD com CpMo(3-C3H5)(CO)2, IndMo(3-C3H5)(CO)2, (C5H4SiMe3)Mo(3-C3H5)(CO)2

    126

    Complexao de -CD com CpFe(CO)2CN, CpFe(dppe)CN e K[CpFe(CO)(CN)2]

    127

    Complexao de -CD com Cp2MoCl2 127

    Anlise elementar 128

    Espectroscopia de infra-vermelho 128

    Espectroscopia de RMN CP-MAS de 13C 130

    Estudos cristalogrficos 133

    Complexo 2-CD4p-HB9,45H2O 133

    Complexo 2-CDS-Ibu25H2O 142

    Estudos tericos 146

    Estudos citotxicos e antiproliferativos 147

    Material biolgico e Culturas celulares 147

    Determinao da viabilidade e da densidade celulares 148

    Mtodo do azul de tripano 148

    Mtodo do MTT 149

    Mtodo do azul de alamar 149

    Referncias 151

    10

  • Abreviaturas -CD Ciclodextrina-alfa, com seis unidades de glicose ADN cido desoxirribonucleico -CD Ciclodextrina-beta, com sete unidades de glicose BSSE Basis Set Superposition Error, ou seja o erro resultante da sobreposio de duas bases de funes usada para o clculo da estrutura dum composto misto, por exemplo, um complexo de incluso (no sendo consideradas as molculas de gua de incluso). A base resultante mais completa do que cada uma das bases que a constituem. Deste modo, a estabilidade calculada para o composto misto mais elevada. Este valor no pode ser comparado com a estabilidade de cada um dos componentes porque estes no foram determinados na mesma base de funes. Cald Carbono aldedico Carom Carbono aromtico Cp Ciclopentadienilo CP-MAS Cross polarization with Magic Angle Spinning, ou seja, o uso de polarizao cruzada e de rotao segundo o ngulo mgico. A tcnica de CP consiste em excitar os ncleos de prtio, que depois transmitem a sua polarizao aos ncleos de carbono 13. Deste modo, aumenta-se a taxa sinal/rudo e diminui-se o tempo de espera entre duas aquisies (necessrio para a despolarizao). A rotao segundo o ngulo mgico (ver figura A.1 ao lado) no mais do que aplicar um movimento giratrio amostra, segundo uma inclinao de 54,74 relativamente ao campo magntico. Na realidade, a largura das bandas de RMN observadas no estado slido causada por efeitos de anisotropia e por interaces entre dois dipolos magnticos de spins nucleares. Estes so definidos por expresses matemticas que apresentam um termo em comum: 1 3cos2. Assim, o ngulo mgico (54,74) aquele para o qual esta expresso nula, permitindo eliminar os efeitos da anisotropia e das interaces dipolo-dipolo. CpMo1 C5H5Mo(3-C3H5)(CO)2 CpMo2 C5H4SiMe3Mo(3-C3H5)(CO)2 dAMP 5-monofosfato de 2-desoxiadenosina dGMP 5-monofosfato de 2-desoxiguanosina dppe bis(1, 2-difenilfosfina)etano DRX Difraco de raios X EIV Espectroscopia de absoro no Infra-vermelho

    11

  • 12

    ELISA Enzyme-Linked Immunosorbent Assay. Este ensaio consiste em usar um anticorpo com uma certa especificidade para o composto em estudo de modo a que ambos interactuem. O anticorpo transporta uma enzima que cataliza uma reaco com formao de um produto corado. A amostra contendo o composto em estudo adicionada de uma soluo contendo anticorpo que se fixa ao composto. Depois adiciona-se um substracto para a enzima que vai ser transformado num produto que absorve luz (geralmente na regio entre o UV e a luz visvel). A quantidade de composto proporcional absoro da amostra e determina-se por espectrofotometria de UV-Visvel. FeCN1 CpFe(CO)2CN FeCN2 CpFe(dppe)CN -CD Ciclodextrina-gama, com oito unidades de glicose Ibu cido isobutilfenilpropinico, vulgarmente conhecido por ibuprofeno IndMo IndMo(3-C3H5)(CO)2 Kapp Constante aparente de incluso KFeCN K+[CpFeCO(CN)2]-

    Me Grupo metilo MTT Mitochondrial dehydrogenase activity test ou seja, teste da actividade da desidrogenase mitocondrial. usado para medir a viabilidade das clulas quando em contacto com um composto citotxico (como o Cp2MoCl2) A viabilidade celular representa mais genuinamente a actividade do composto do que a simples medio de clulas vivas e mortas. De facto, algumas clulas podero ainda estar vivas mas apresentarem profundas alteraes nas suas funes normais, pelo que se dizem no viveis. Ompz 5-metoxi-2-[(4-metoxi-3,5-dimetil-2-piridinil)metil]sulfinil-1H-benzimidazole, vulgarmente conhecido por omeprazole p-HB 4-hidroxibenzaldedo ou para-hidroxibenzaldedo PN1 2-fenoxinitrobenzeno PN2 2-fenoxianilina PN3 2-fenoxi-metanossulfonanilida Ppm Partes por milho PrO1 2-metoxi-2-mercaptobenzimidazole PrO2 5-metoxi-2-[(3,5-dimetil-4-metoxi-2-piridina)metiltio]-1H-benzimidazole RMN Ressonncia magntica nuclear SSN Sal sdico do nimesulide SSP Sal sdico do PN3, ou seja, da 2-fenoxi-metanossulfonanilida TMS Tetrametilsilano UV Ultra-violeta

  • Ciclodextrinas e hspedes

  • A histria das ciclodextrinas apresentada, desde a sua descoberta at ao tempo presente, referindo-se ainda a evoluo do seu custo de produo e o crescente nmero de publicaes sobre estes compostos. A importncia das ciclodextrinas no panorama industrial, cientfico e social da actualidade salientada com base em exemplos das suas inmeras aplicaes. Depois de justificado o interesse das CDs, so apresentados os compostos estudados durante a preparao desta tese de doutoramento, bem como as tcnicas usadas para a sua caracterizao. Finalmente, so mencionadas as publicaes resultantes do trabalho desenvolvido ao longo do doutoramento.

    1. Ciclodextrinas e hspedes 1.1. Uma breve histria das ciclodextrinas 15

    1.2. Formao das ciclodextrinas 16

    1.3. Propriedades das ciclodextrinas nativas 16

    1.4. Formao de complexos de incluso 18

    1.5. Aplicaes das ciclodextrinas 20

    Indstria farmacutica 20

    Cosmtica 21

    Indstria alimentar 21

    Qumica analtica 22

    Indstria txtil 22

    Outras aplicaes 23

    1.6. Perspectiva geral 23

    1.7. Linhas orientadoras do trabalho 24

    O hospedeiro 24

    Os hspedes 24

    Caracterizao dos complexos de incluso 26

    Artigos publicados 28

    Referncias 29

    14

  • 1.1. Uma breve histria das ciclodextrinas A histria destes compostos comeou h mais de um sculo, concretamente em 1891, com a descoberta de um novo derivado do amido por Villiers [1]. Este produto foi obtido por degradao bacteriana do amido e apresentava propriedades semelhantes celulose, pelo que foi chamado celulosina. J nesta altura, foi possvel distinguir entre dois tipos de cristais de celulosina que provavelmente corresponderiam s actuais ciclodextrinas e .

    Doze anos mais tarde, Schardinger [2], ao estudar a digesto bacteriana do amido, identificou dois produtos cristalinos com as mesmas caractersticas que as celulosinas de Villiers. Em estudos posteriores, aperfeioou a obteno destes cristais a que chamou dextrinas e isolou a bactria que as produz, chamando-lhe Bacillus macerans [3, 4]. Recentemente, a classificao taxonmica desta bactria foi revista tendo a sua denominao sido alterada para Bacillus firmus.

    At cerca de 1930, mais autores se debruaram sobre o estudo destes novos compostos, com destaque para Freudenberg e seus colaboradores [5] que, com base nos resultados obtidos e na pouca bibliografia existente, descreveram as dextrinas como anis com vrias unidades de maltose unidas por ligaes glicosdicas do tipo -1,4. Em 1948, estes autores descobriram e realizaram a caracterizao estrutural de mais um destes compostos, a ciclodextrina .

    A partir de 1950, vrios grupos de investigao comearam a competir pela produo intensiva de ciclodextrinas, salientando-se os de French [6] e de Cramer [7]. A primeira patente foi registada por Fraudenberg, Cramer e Plieninger em 1953, referindo-se s aplicaes das ciclodextrinas em formulaes farmacolgicas [8].

    No final dos anos sessenta, j estavam descobertos os mtodos para a sua preparao industrial e descritas as suas caractersticas fisico-qumicas, estruturais e de formao de complexos. Desde ento, o seu preo tem vindo a baixar significativamente, na razo inversa da quantidade produzida. De facto, a produo anual de -CD, que em 1970 foi de cento e quarenta quilos, com um preo por quilo de aproximadamente dois mil euros [9], excede actualmente as mil toneladas, com um custo por quilo de cinquenta a cem euros consoante a pureza do produto.

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    1985 1990 1995 2000

    Ano

    Art

    igos

    pub

    licad

    os

    Figura 1.1. Evoluo do nmero total de artigos sobre ciclodextrinas publicados entre 1985 e 2000 [Cyclodextrin News, 16, n 4 (2002), J. Szejtli Ed., Cyclolab, Budapeste, Hungria]

    15

  • Paralelamente ao desenvolvimento da produo industrial das ciclodextrinas, e como consequncia da sua maior disponibilidade, houve tambm um aumento do nmero de publicaes sobre estes compostos, que se ilustra na figura 1.1. Pode notar-se uma tendncia crescente no nmero de publicaes, mostrando que a investigao nesta rea continua a suscitar muito interesse.

    1.2. Formao das ciclodextrinas Foi j descrito que as ciclodextrinas se formam a partir do amido por digesto

    bacteriana. Esta transformao envolve a enzima ciclodextrinaglicosiltranferase (CGTase) [10] cuja aco resulta na formao de anis de -D-glicose, com seis, sete ou oito unidades, que se denominam de ciclodextrinas alfa, beta e gama (-CD, -CD e -CD), respectivamente. Por ocorrerem espontaneamente na natureza devido presena de bactrias, foram denominadas de ciclodextrinas nativas e constituem as CDs mais bem caracterizadas e mais utilizadas.

    Nos ltimos quinze anos, estudos sobre a aco da CGTase sobre o amido mostraram que tambm so formados, em pequenssimas quantidades, anis com nove (-CD), dez (-CD) ou mais unidades de glicose, denominados ciclodextrinas de anel largo [11]. At ao momento, a maior ciclodextrina conhecida tem 31 unidades de glicose [12], mas pensa-se ser possvel obter anis com mais de 60 unidades, recorrendo a variedades sintticas de amido e reduzindo o tempo de actuao da enzima CGTase [11f]. Tm ainda sido utilizadas enzimas de outras bactrias para obter CDs de anel largo: assim, a -CD pode ser obtida pela CGTase de vrios Bacillus ou de Paenibacillus [13], e a enzima amilomaltase, presente nas bactrias Escherichia coli e Thermus aquaticus d origem a CDs com 17 a 22 glicoses [14].

    1.3. Propriedades das ciclodextrinas nativas O historial de grande sucesso destas molculas junto das comunidades cientfica e

    industrial deve-se, sem dvida, s suas particulares caractersticas estruturais e qumicas. As ciclodextrinas , e so substncias cristalinas, formadas por macrociclos de

    glicose em forma de cone truncado, conforme se mostra na figura 1.2.

    Figura 1.2. Estrutura tridimensional de (a) -CD, (b) -CD e (c) -CD mostrando as suas dimenses aproximadas

    16

  • Os nomes IUPAC das CDs quase nunca so utilizados, o que compreensvel devido sua extenso. Por exemplo, o nome IUPAC da -CD [15]:

    AcDsu

    4CDnupr

    Freco

    gfem

    5, 10, 15, 20, 25, 30, 35-hepta-quis-(hidroximetil)-2, 4, 7, 9, 12, 14, 17, 19, 22, 24, 27, 29, 32, 34-tetradecaoxaoctaciclo[31.2.2.23,6.28,11.213,16.218,21.223,26.228,31]nonatetracontano-36, 37, 38,

    40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49-tetradecol

    ssim, usa-se vulgarmente o nome de ciclodextrinas, uma vez que se trata de compostos clicos constitudos por dextrose. A distino entre CDs com diferentes unidades de -glicose faz-se recorrendo a letras do alfabeto grego: para seis, para sete, e assim cessivamente.

    Todas as unidades de glicose das CDs se apresentam na conformao de cadeira, 1 (ver figura 1.3.), o que resulta em posies muito especficas para os grupos hidroxilo.

    e facto, os hidroxilos secundrios (ligados aos carbonos 2 e 3, ver esquema de merao na figura 1.3.) esto virados para a orla superior da CD e os hidroxilos imrios (carbonos 6) esto virados para a orla inferior.

    igura 1.3. Esquema de numerao dos tomos de carbono e dos grupos hidroxilo das ciclodextrinas e presentao das CDs nativas evidenciando a conformao em cadeira das unidades de glucose que as nstituem.

    O alinhamento dos grupos OH sobre as orlas das CDs torna-as muito solveis em ua. Porm, cada ciclodextrina nativa apresenta um valor de solubilidade diferente, nmeno que tem sido explicado em funo do nmero de pontes de hidrognio intra-oleculares: Na -CD, cada hidroxilo secundrio est envolvido numa ligao de hidrognio com

    o grupo OH seguinte, formando uma cadeia homodrmica (todas as ligaes de hidrognio no mesmo sentido). Havendo menos disponibilidade para formar pontes

    17

  • de H com a prpria gua, esta a menos solvel das ciclodextrinas nativas (ver tabela 1.1.).

    Na -CD a cadeia de ligaes H est incompleta, resultando numa solubilidade muito superior da -CD.

    A -CD apresenta uma estrutura muito flexvel com distoro das orlas, ou seja, os hidroxilos no so coplanares, sendo, portanto, a mais solvel das ciclodextrinas nativas.

    -CD -CD -CD Unidades de glicose 6 7 8 Peso molecular 972 1135 1297 Solubilidade em gua, g / 100mL, temp. ambiente 14.5 1.85 23.2 gua de hidratao, % (m / m) 10.2 13.2 14.5 8.13 17.7 Tabela 1.1. Caractersticas das ciclodextrinas nativas

    Os protes ligados aos carbonos 3 e 5, por seu turno, apresentam-se virados para o interior da cavidade, conferindo-lhe tendncia hidrfoba. Esta disposio permite s CDs acomodarem nas suas cavidades substncias apolares, funcionando como agentes solubilizantes.

    A capacidade de incluir uma molcula hspede na cavidade duma ciclodextrina, formando um complexo de incluso, constitui a sua caracterstica mais importante e explica como, decorridos mais de cem anos desde a sua descoberta, estas molculas continuam a suscitar um interesse crescente em cincia e na indstria.

    1.4. Formao de complexos de incluso As ciclodextrinas formam complexos de incluso com uma grande variedade de

    molculas que, primeira vista, parecem ter de satisfazer apenas uma condio terem dimenses adequadas para encaixar, por inteiro ou em parte, dentro da cavidade da CD.

    Basicamente, o princpio subjacente preparao de complexos de incluso proporcionar o encontro entre a ciclodextrina e o hspede, pois s assim podem interagir ao nvel molecular. Caso o hspede seja solvel em gua, adicionado a uma soluo de ciclodextrina; caso seja insolvel, ter de ser dissolvido num solvente orgnico (ter, diclorometano,...) e depois esta fase agitada com uma soluo aquosa de CD, formando-se o complexo de incluso na interface [16]. A maioria dos processos de obteno dos complexos de incluso so variaes destes dois, que podem ser mais ou menos sofisticadas de acordo com as caractersticas de cada hspede. Contudo, no se trata de mtodos infalveis, pelo que esto a ser investigados novos procedimentos, como o uso de dixido de carbono supercrtico como solvente [17, 18].

    A compreenso dos fenmenos de interaco subjacentes formao de complexos de incluso tem sido alvo de vrios trabalhos e discusses. Em face aos conhecimentos actuais, pode dizer-se que h a aco simultnea de vrias interaces,

    18

  • predominando as interaces hidrofbicas e de Van der Waals e podendo tambm ocorrer pontes de hidrognio com o hspede e com o prprio solvente. Na realidade, a maioria dos complexos de incluso cristalinos so hidratos e as pontes de hidrognio com a gua so vitais para a estabilizao da estrutura cristalina.

    Os complexos de ciclodextrinas apresentam, no geral, uma estrutura cristalina ou micro-cristalina; estudos cristalogrficos efectuados sobre uma srie destes complexos mostram que o empacotamento das CDs pode fazer-se de diferentes formas, conforme o tipo de hspede includo (ver figura 1.4). Quando o hspede suficientemente pequeno para ficar totalmente includo dentro da

    cavidade das CDs, forma-se uma estrutura em gaiola, com empacotamento igual s CDs hidratadas, ou seja, em espinha de peixe (fig. 1.4.a).

    Figura 1.4. Representao esquemtica das diversas estruturas de empacotamento dos complexos de incluso: (a) espinha de arenque, (b) canal cabea-cauda, (c) canal cabea-cabea e (d) camada.

    Com molculas de maiores dimenses as ciclodextrinas empilham-se em canais, virtualmente infinitos, no interior dos quais de aloja o hspede; a estrutura reforada por pontes de hidrognio entre hidroxilos de CDs adjacentes e o empacotamento pode

    19

  • ser cabea com cauda (fig. 1.4.b) ou cabea com cabea, formando-se dmeros com o feitio de barris (fig. 1.4.c).

    Quando o hspede demasiado grande, ficando parcialmente fora da cavidade, as ciclodextrinas adoptam um empacotamento em camada, ficando a parte no includa do hspede no espao entre duas camadas (fig. 1.4.d).

    A participao em complexos de incluso leva, pois, a uma adaptao da ciclodextrina ao hspede, que se reflecte no s na sua rede cristalina, mas tambm permite obter uma srie de novas propriedades:

    Solubilizao de substncias lipfilas Proteco de compostos sensveis oxidao, radiao UV ou ao calor Reteno e diminuio de reactividade de produtos txicos Alterao do espectro de certos pigmentos Fixao de substncias volteis Efeito cataltico Mimetizao da funo enzimtica

    Todas estas propriedades das CDs conferem-lhes um enorme potencial de aplicaes numa grande variedade de indstrias, como se descreve a seguir.

    1.5. Aplicaes das ciclodextrinas

    Indstria farmacutica A modificao das propriedades de frmacos pelas CDs foi a primeira aplicao conhecida para as ciclodextrinas e ainda hoje constitui um campo de interesse crescente. Alm do aumento da solubilidade, pode-se ainda tirar partido de efeitos mais especficos, como a melhoria da absoro ou a reduo de efeitos indesejveis. Nos ltimos quinze anos, foram registadas mais de 500 patentes nesta rea (apresentam-se alguns exemplos na tabela 1.2.), tendendo a surgir muitas mais.

    Composto de incluso utilizado

    Tipo de medicamento

    Aplicao Nome comercial Companhia que registou a patente

    Piroxicam--CD Comprimidos Antiflogstico e analgsico

    Brexin, Brexidol

    Chiesi (Itlia), Pharmcia (Alemanha)

    Benexato--CD Cpsulas Anti-ulceroso

    Ulgut, Lonmiel

    Teikoku (Japo), Shionogo (Japo)

    Cloranfenicol-Me--CD Gotas oculares Antibitico Clorocil Oftalder (Portugal)

    Itroconazole-HP--CD Soluo Infeces fngicas

    Sporanox Janssen-Cilag (Estados Unidos)

    Tabela 1.2. Exemplos de patentes de medicamentos contendo ciclodextrinas [J.-P. Moldenhauer, M. Regiert, H. Reuscher, T. Wimmer, WWW Wacker World Wide, 2/98, 42 (1989)]

    Conforme se mostra na tabela, so utilizadas no s as CDs nativas como tambm ciclodextrinas modificadas quimicamente pela substituio de um ou vrios hidroxilos por

    20

  • outros grupos. As novas CDs assim obtidas podem ser hidrfilas caso das ciclodextrinas metiladas (Me-CDs) e das hidroxipropilciclodextrinas (HP-CDs) ou hidrfobas [19]: As ciclodextrinas hidrfilas so frequentemente utilizadas para aumentar a

    solubilidade de frmacos em gua, sendo particularmente teis na preparao de solues injectveis e colrios. Permitem ainda aumentar a absoro de um frmaco pela pele e mucosas, pois so capazes de interferir com a estrutura da membrana celular, tornando-a mais permevel. Tm tambm um papel importante como agentes estabilizadores, quer de emulses, quer em medicamentos contendo protenas.

    As ciclodextrinas hidrfobas podem incluir frmacos hidrossolveis, sendo depois o complexo de incluso usado em medicamentos de libertao retardada.

    A procura de transportadores de frmacos de escala molecular levou criao de ciclodextrinas ramificadas, contendo como substituinte um conjunto de acares concebido de forma a mimetizar o substrato de um receptor molecular presente num determinado orgo como o fgado, por exemplo. A CD ramificada contendo o acar especfico circula por todo o organismo mas apenas reconhecida pelos receptores do fgado, onde se liga e liberta o frmaco que transporta. Deste modo, consegue administrar-se um frmaco de forma direccionada, surgindo actividade farmacolgica apenas no rgo pretendido.

    Cosmtica O uso de ciclodextrinas na preparao de cosmticos envolve efeitos muito

    variados que vo desde a estabilizao de emulses sua participao como componente activo, por exemplo, em desodorizantes, retendo as molculas com odor desagradvel formadas na pele.

    Uma das funes mais importantes das CDs nesta rea a de agente estabilizante e protector contra o calor e a oxidao. Molculas aromticas, -hidroxicidos (efeito anti-envelhecimento) e vitaminas so includas na cavidade da ciclodextrina, e depois usadas em perfumes para prolongar a sensao de aroma ou em cremes, champs, para alargamento do prazo de validade.

    Indstria alimentar O uso de ciclodextrinas no processamento de alimentos est muito desenvolvido

    no Japo, onde no h restries legais sua presena na alimentao humana como aditivo. De facto, estima-se que, no ano de 2000, 8% do total de CDs consumidas no Japo foram na alimentao. Nos Estados Unidos, as ciclodextrinas s recentemente comearam a ser introduzidas na composio de alimentos (bolachas, cereais, chocolates, caf e ch) e na Europa so usadas como estabilizantes de aroma em alguns pases, como a Hungria, a Frana, e a Espanha, por exemplo.

    As CDs protegem os alimentos da degradao e contribuem para preservar o sabor. Assim, so adicionadas a condimentos como o gengibre e o alho em p ou usadas para extrair aromas de plantas, como o ch verde, muito apreciado pelos japoneses. O

    21

  • complexo formado com este extracto um p solvel, usado para produzir gelado de ch verde ou outros alimentos com este aroma [20].

    O efeito estabilizador de emulses e espumas tambm usado na produo de alimentos. Um exemplo a presena de ciclodextrinas na mistura para capuccino da Nescaf que, depois de preparada, apresenta uma espuma abundante.

    Em certos casos, as ciclodextrinas ajudam no processamento do alimento mas no esto presentes no produto final. Um exemplo a preparao de manteiga sem colesterol por contacto com CDs quimicamente modificadas, desenhadas para reter apenas o colesterol e deixar intactas as restantes gorduras alimentares. No final do processo, a manteiga separada das CDs e fica pronta a ser consumida, sem perigo, por indivduos com problemas de colesterol.

    A indstria de embalagens alimentares tambm recorre s ciclodextrinas para revestir os plsticos que envolvem alimentos, de modo a reter por mais tempo o seu aroma caracterstico. Podem ainda ser usados complexos de incluso contendo extracto de Wasabi (rbano japons), com propriedades anti-bacterianas, no revestimento de tabuleiros para embalar, por exemplo, peas de carne; o composto lentamente libertado pela ciclodextrina, mantendo a frescura da carne por bastante tempo [20].

    Qumica analtica O uso de ciclodextrinas em qumica analtica compreende dois grandes tipos de

    aplicaes: os processos separativos e as tcnicas no-separativas. Dentro dos processos separativos, so maioritariamente utilizadas em cromatografia, em particular nas de camada fina, gasosa, HPLC e electroforese. Uma das particularidades das ciclodextrinas a sua capacidade de distinguir enantimeros, e de os separar durante uma cromatografia; presentemente, est a ser estudado o seu potencial na separao enantiomrica em grande escala [21].

    Em processos analticos no-separativos, as CDs podem ser usadas na preparao de amostras, removendo contaminantes ou extraindo o analito de uma matriz complexa, como uma amostra de sangue. Usam-se ainda na solubilizao ou estabilizao de um substrato para uma reaco enzimtica e na construo de sensores supramoleculares, detectores ou indicadores.

    Indstria txtil As ciclodextrinas so ligadas covalentemente s fibras de tecido para formar um revestimento que no removido durante as lavagens. Os tecidos so depois usados para produzir vesturio desportivo, roupa interior e meias que absorvem os odores corporais indesejveis. Alternativamente, os tecidos revestidos com ciclodextrinas podem ser mergulhados numa soluo contendo um hspede que ficar includo na sua cavidade. Consoante o composto utilizado, obtm-se txteis com diversas aplicaes [20]:

    22

  • A incluso de aromas origina roupas perfumadas, que j se podem encontrar em alguns pases. Aps cerca de vinte lavagens, perde-se o aroma, estando prevista a venda de um sistema de re-introduo do perfume. Para tal, basta colocar a pea de roupa numa caixa hermtica, pulveriz-la com o aroma e deixar em contacto algumas horas.

    Tecidos contendo complexos de incluso com esqualeno (composto hidratante) so usados no fabrico de roupa interior que mantm a pele hidratada.

    A introduo de compostos anti-spticos resulta na criao de vesturio para tratamento de afeces cutneas, como a dermatite atpica. A grande vantagem de colocar os compostos activos na roupa a de se conseguir a libertao permanente e a ritmo constante do medicamento.

    Outras aplicaes A ciclodextrinas surgem hoje em produtos de reas to diversas que seria impossvel falar sobre todos. Referem-se, pois, apenas os mais conhecidos, bem como alguns exemplos mais curiosos [22]:

    O produto Febreeze , para limpar superfcies ou txteis, contm ciclodextrinas, o que lhe permite eliminar no s a sujidade, mas tambm os odores retidos nos materiais.

    s tintas para impressoras so adicionadas CDs para aumentar a sua estabilidade e evitar que a impresso esborrate quando o papel ganha humidade.

    Na indstria madeireira banha as madeiras em solues aquosas de CDs para as proteger contra o envelhecimento.

    Um projecto do exrcito Norte-Americano envolve o estudo de ciclodextrinas quimicamente modificadas na estabilizao de nitraminas, poderosos explosivos utilizados em msseis de longo alcance.

    1.6. Perspectiva geral A anlise das publicaes sobre ciclodextrinas permite obter um panorama da

    distribuio e quantidade dos estudos efectuados em cada rea. Relativamente ao ano de 1996, a rea com maior expresso a nvel de publicaes foi a das Cincias farmacuticas, seguida de perto pela da investigao dos fenmenos qumicos relacionados com a formao de novos complexos.

    Em 2001 (Figura 1.5.), a qumica dos complexos de incluso passou para primeiro lugar, constituindo 24% do total de publicaes [22]. Esta evoluo parece demonstrar que, muito embora o potencial comercial das ciclodextrinas motive a investigao e desenvolvimento na constante busca de novos produtos, a cincia bsica, centrada na preparao e caracterizao fsica e qumica de novos complexos de incluso, continua a ser um dos pilares fundamentais no conhecimento das ciclodextrinas.

    23

  • Qumica Analtica 22%

    Qumica das CDs12%

    Qumica dos Complexos de CDs

    24%

    Indstria Farmacutica

    20%

    Indstrias Alimentar & Cosmtica

    8%

    Indstria Agroqumica

    1%

    Indstria Qumica & Bioqumica

    13%

    Figura 1.5. Distribuio por categorias dos 1651 artigos sobre CDs publicados em 2001 [22]

    1.7. Linhas orientadoras do trabalho O trabalho apresentado nesta tese constitui uma contribuio para conhecimento e

    compreenso dos fenmenos de incluso, centrando-se no estudo das estruturas de complexos formadas com a -CD no estado slido. Sempre que possvel, procura-se comparar resultados obtidos com hspedes semelhantes. Nesse sentido, foram seleccionadas molculas que apresentassem caractersticas em comum ou uma evoluo crescente numa das propriedades (tamanho, polaridade) para sondar as preferncias de incluso da -ciclodextrina.

    O hospedeiro A ciclodextrina escolhida para molcula hospedeira foi a -CD, por reunir um conjunto nico de caractersticas dentro das CDs nativas. De facto, apenas ela apresenta uma cadeia contnua e homodrmica de pontes de hidrognio entre os hidroxilos em C2 e C3, que lhe confere uma maior rigidez e menor solubilidade.

    A baixa solubilidade em gua traz vantagens, tornando-se mais fcil obter cristais. Consequentemente, a ciclodextrina mais simples de purificar, mais abundante no mercado e de mais baixo preo. Adicionalmente, permite a preparao de complexos de incluso na forma cristalina num curto espao de tempo.

    Os hspedes O factor mais importante para garantir o sucesso de uma incluso a seleco de hspedes com um tamanho adequado ao da cavidade da ciclodextrina hospedeira. No caso da -CD, molculas com dimenses que lhes permitem ficar totalmente includas so,

    24

  • por exemplo, benzenos mono-substitudos, como o tolueno, o cido benzico ou o benzaldedo. Molculas de maiores dimenses ficaro com parte fora da cavidade ou levaro a -CD a formar dmeros, geralmente cabea-cabea, resultando numa cavidade em forma de barril com maior volume. Na primeira parte do trabalho, utilizam-se hspedes orgnicos, partindo de molculas mais pequenas e simples para compostos mais volumosos, que possuem caractersticas comuns, destacando-se o formato alongado, com um eixo principal de inrcia contendo um ou mais grupos benznicos. Nos dois primeiros captulos dedicados descrio dos resultados obtidos (captulos 2 e 3), tratada a complexao com o p-hidroxibenzaldedo e o cido isobutilfenilpropinico (ibuprofeno), respectivamente. Ambos so derivados do benzeno por dupla substituo nas posies 1 e 4 pelo que apresentam o tamanho e forma ideais para a encapsulao pela -CD. Adicionalmente, possuem um grupo carbonilo que constitui, em espectroscopia vibracional, uma excelente sonda para determinar a ocorrncia duma verdadeira incluso: este oscilador sensvel aos ambientes apolares, tal como o que ocorre na cavidade da -CD, pelo que ser de esperar um desvio na sua frequncia quando est encapsulado. Note-se tambm que os carbonilos, podendo formar pontes de hidrognio com o hspede, contribuiro para uma maior estabilidade estrutural do complexo. O ibuprofeno tambm um composto de grande interesse farmacolgico, constitundo um dos anti-inflamatrios mais vendidos em todo o mundo. A sua complexao pela -CD aumenta-lhe a solubilidade e a estabilidade qumica. No captulo 4 descreve-se o estudo efectuado com uma srie de compostos que por transformaes sucessivas, originam o nimesulide. Tal como o ibuprofeno, apresenta propriedades anti-inflamatrias. Parte-se do 2-nitrodifenilter, que reduzido a 2-aminodifenilter. Adicionado um grupo metanossulfxido, obtm-se o ltimo intermedirio (2-fenoximetanossulfonanilida). Finalmente, o nimesulide (4-nitro-2-fenoximetanossulfonanilida) preparado por adio dum grupo nitro. Estes compostos apresentam dimenses e complexidade crescentes para investigar as preferncias de encapsulao da -CD. O captulo 5 apresenta uma nova srie de hspedes com um gradiente de complexidade estrutural. Parte-se dum benzimidazole (o 2-metoxi-2-mercaptobenzimidazole) e duma piridina substituda que reagem formando um tioter (5-metoxi-2-[(3,5-dimetil-4-metoxi-2-piridina)metiltio]-1H-benzimidazole). Por oxidao desta ligao formando-se um sulfxido preparado o omeprazole (5-metoxi-2-[(4-metoxi-3,5-dimetil-2-piridinil)metil]sulfinil-1H-benzimidazole). Trata-se dum anti-ulcerativo que inibe a secreo de cido clordrico no estmago. Facilmente degradado pela luz ou pelo calor, torna-se mais estvel quando encapsulado pela -CD.

    25

  • Numa segunda parte do trabalho descrevem-se os resultados da incluso de compostos organometlicos. Estes comportam-se de forma bastante diferente dos compostos orgnicos face ciclodextrina. De facto, a coordenao do substrato orgnico a um centro metlico traduz-se por uma elevada hidrofobicidade e grande afinidade para formar complexos com as ciclodextrinas. Pretende-se, pois, obter novos materiais com propriedades distintas dos seus precursores. O captulo 6 mostra os primeiros estudos efectuados com estes compostos. Seleccionaram-se duas sries de hspedes com base em dois metais de conhecida importncia em funes biolgicas, o ferro e o molibdnio. Dentro de cada srie, as molculas diferem entre si por apresentarem um ligando diferente, mantendo-se constante o resto da estrutura. Deste modo, podem ser estabelecidas comparaes sobre a capacidade de formao de complexos de incluso com a -CD. Para mais facilmente seguir a complexao, deu-se preferncia a molculas contendo grupos carbonilo ou cianeto que constituem, conforme foi descrito, excelentes sondas para a incluso em EIV.

    Finalmente, no captulo 7 so usados os conhecimentos sobre os fenmenos de complexao com organometlicos para incluir na -CD um composto de elevado interesse mdico, o bis-ciclopentadienilodicloreto de molibdnio. Trata-se de um anti-tumoral que facilmente perde um dos cloretos na presena de gua sendo difcil a sua conservao. A sua incluso pela -CD tem um efeito protector e torna-o menos sensvel presena de gua.

    Caracterizao dos complexos de incluso A melhor aproximao determinao da estrutura dum complexo de incluso

    cristalino a difraco de raios X de monocristal, pois consegue-se obter as coordenadas dos vrios tomos no espao tridimensional. Lamentavelmente, nem todos os complexos formam cristais e alguns dos cristais obtidos no apresentam qualidade suficiente para a recolha das difraces. Visto que a incluso acarreta modificao de propriedades quer do hspede, quer da prpria ciclodextrina, pode esperar-se alteraes nos seus espectros vibracionais ou de ressonncia nuclear, nos padres de difraco de ps e mesmo do seu comportamento termogravimtrico. Assim, estas medidas podem ser usadas para sondar as interaces e as alteraes de estrutura resultantes da incluso. A espectroscopia de infravermelho (EIV) permite confirmar a presena duma substncia mista e, por vezes, diferenciar uma verdadeira incluso de uma mera mistura fsica dos componentes. Hspedes com grupos sensveis a mudanas na polaridade do ambiente apresentam um desvio na frequncia vibracional desse grupo aquando da incluso. As bandas caractersticas da -CD praticamente no sofrem alteraes com a formao de complexos de incluso [23].

    26

  • Uma das espectroscopias mais teis para estudar a estrutura dum complexo de incluso a ressonncia magntica nuclear (RMN) de 13C, permitindo determinar o empacotamento das ciclodextrinas e as suas interaces com o hspede. Recorre-se geralmente rotao segundo o ngulo mgico ou MAS (uma inclinao de 54,7 relativamente direco do campo magntico) para eliminar a anisotropia. Adicionalmente, utilizando-se o mtodo de polarizao cruzada (CP) para obter espectros de RMN com melhor relao sinal/rudo. Este tira partido da grande quantidade de tomos de hidrognio apresentada pela -CD, visto tratar-se dum hidrato de carbono. Resumidamente, pode dizer-se que consiste em aplicar um impulso magntico sobre os ncleos de prtio que depois transmitem a sua polarizao para os de carbono 13. Na impossibilidade de obter cristais apropriados para difraco de raios X, esta metodologia pode ser aplicada ao complexo pulverizado. Contudo, a informao obtida difcil de analisar, sendo poucos os casos de sucesso na resoluo da estrutura molecular a partir do difractograma de ps [24]. Os dados recolhidos em difraco de monocristal so coordenadas tridimensionais, enquanto que em DRX de ps os dados esto condensados numa s dimenso. Consequentemente, h uma sobreposio de reflexes que dificulta o tratamento dos dados. Adicionalmente, as ciclodextrinas e seus complexos com os diferentes hspedes formam microcristais com clulas unitrias relativamente grandes e grupos espaciais de baixa simetria, o que contribui para a grande densidade de picos de reflexo no difractograma de ps. Para se poder interpretar o difractograma, recorre-se correntemente comparao. Numa primeira abordagem, o padro do complexo comparado com os da -CD e do hspede, verificando-se quase sempre diferenas nos picos de difraco. Um difractograma novo indica a formao de um verdadeiro complexo de incluso. Seguidamente, so usadas as coordenadas atmicas da estrutura cristalina dum complexo de incluso descrito na bibliografia para simular um difractograma de ps nas mesmas condies experimentais aplicadas aos ps do complexo cuja estrutura se pretende conhecer. Por comparao com o padro simulado, possvel prever que a estrutura em estudo seja idntica do modelo, caso os difractogramas apresentem grande semelhana. A anlise termogravimtrica tambm pode ser usada para distinguir entre um verdadeiro complexo e uma simples mistura fsica, pois os termogramas sero diferentes. Permite ainda determinar o teor de gua do complexo e fornece uma medida indirecta da estabilidade da interaco -CDhspede: em vrios casos verifica-se a volatilizao do hspede complexado a temperaturas superiores do seu ponto de ebulio, como consequncia de uma forte interaco com o hospedeiro.

    27

  • Artigos publicados O trabalho descrito nesta tese permitiu elaborar as seguintes publicaes:

    Susana S. Braga, Isabel S. Gonalves, Andr D. Lopes, Martyn Pillinger, Joo Rocha, Carlos C. Romo e Jos J. C. Teixeira-Dias Encapsulation of half sandwich complexes of molybdenium with -cyclodextrin J. Chem. Soc. Dalton Trans., 2963-2968 (2000)

    Susana S. Braga, Isabel S. Gonalves, Martyn Pillinger, Paulo Ribeiro-Claro e Jos J. C. Teixeira-Dias Experimental and theoretical study of the interaction of molybdenocene dichloride (Cp2MoCl2) with -cyclodextrin J. Organom. Chem., 11-16 (2001)

    Susana S. Braga, Isabel S. Gonalves, Paulo Ribeiro-Claro, Andr D. Lopes, Martyn Pillinger, Jos J. C. Teixeira-Dias, Joo Rocha e Carlos C. Romo Encapsulation of cyano(cyclopentadienyl) complexes of iron with -cyclodextrin Supramol. Chem. 14, 359-366 (2002)

    Susana S. Braga, Thammarat Aree, Kayo Imamura, Pierre Vertut, Isabel Boal-Palheiros, Wolfram Saenger e Jos J. C. Teixeira-Dias Structure of the -Cyclodextrinp-Hydroxybenzaldehyde Inclusion Complex in Aqueous Solution and in the Crystalline State, J. Incl. Phen. 43, 115-125 (2002)

    Susana S. Braga, Isabel S. Gonalves, E. Herdtweck, Jos J. C. Teixeira-Dias Solid State Inclusion Compound of S-Ibuprofen in -Cyclodextrin: Structure and Characterization, New J. Chem. 27, 597-601 (2003)

    Susana S. Braga, Paulo Ribeiro-Claro, Martyn Pillinger, Isabel S. Gonalves, Florbela Pereira, Ana C. Fernandes, Carlos C. Romo, Pedro Brito Correia, Jos J. C. Teixeira-Dias Encapsulation of sodium nimesulide and precursors in -cyclodextrin, Organic Biomol. Chem. 1, 873-878 (2003)

    Susana S. Braga, Paulo Ribeiro-Claro, Martyn Pillinger, Isabel S. Gonalves, Ana C. Fernandes, Florbela Pereira, Carlos C. Romo, Pedro Brito Correia, Jos J. C. Teixeira-Dias Solid state interactions of omeprazole and precursors with -cyclodextrin host molecules J. Incl. Phen., submetido (2003)

    28

  • Referncias 1. A. Villiers, C. R. Acad. Sci., 112 (1891) 2. F. Schardinger, Unters. Nahr. U. Genussm. 6, 865 (1903) 3. F. Schardinger, Wien. Klin. Wochenschr. 17, 207 (1904) 4. F. Schardinger, Zentralbl. Bakteriol. Parasitenk. Abt. 2, 14, 772 (1905) 5. (a) K. Freudenberg, G. Blomquist, Lisa Ewald, K. Soff, Ber. Dtsch. Chem. Ges. 69, 1258

    (1936); (b) K. Freudenberg, W. Rapp, Ber. Dtsch. Chem. Ges. 69, 2041 (1936); (c) K. Freudenberg, H. Boppel, M. Meyer-Delius, Naturwissenschaften 26, 123 (1938); (d) K. Freudenberg, M. Meyer-Delius, Ber. Dtsch. Chem. Ges. 71, 1596 (1938); (e) K. Freudenberg, F. Cramer, Z. Naturforsch. 3b, 464 (1948)

    6. D. French, Adv. Carbohydr. Chem. 12, 189 (1957) 7. F. Cramer, Einschlussverbindungen (Inclusion Compounds), Springer-Verlag, Berlim,

    Alemanha (1954) 8. K. Freudenberg, F. Cramer, H. Plieninger, Ger. Patent, 895-769 (1953) 9. J. Szejtli, Chem. Rev., 98, 1743-1753 (1998) 10. Y. Terada, M. Yanase, H. Takata, S. Okada, J. Biol. Chem., 272, 15729-15733 (1997) 11. H uma srie de trabalhos sobre a obteno e caracterizao das ciclodextrinas de anel

    largo, que se resumem de seguida: (a) Obteno e propriedades fisico-qumicas da -CD (9 glicoses) I. Miyazawa, H. Ueda, H. Nagase, T. Endo, S. Kobayashi, T. Nagai, Eur. J. Pharm. Sci., 3, 153-162 (1995); (b) Nova tcnica para obteno de -CD com elevado rendimento A. Wakamida, T. Endo, H. Nagase, H. Ueda, S. Kobayashi, T. Nagai, Yakuzaigaku, 57(4), 220-223 (1997); (c) Obteno de -CD (12 glicoses) T. Endo, H. Ueda, S. Kobayashi, T. Nagai, Carbohyd. Res., 269, 369-373 (1995); (d) Obteno de , e -CD (10, 11 e 13 glicoses) T. Endo, H. Nagase, H. Ueda, S. Kobayashi, T. Nagai, Chem. Pharm. Bull., 25(3), 532-536 (1997); (e) Estrutura cristalina da -CD determinada por raios XT. Endo, H. Nagase, H. Ueda, S. Kobayashi, M. Shiro, Anal. Sci., 15, 613-614 (1999) e referncias aqui citadas; (e) Obteno de , , e -CD (14, 15, 16 e 17 glicoses) T. Endo, H. Nagase, H. Ueda, A. Shigihara, S. Kobayashi, T. Nagai, Chem. Pharm. Bull., 45(11), 1856-1859 (1997); (f) Estrutura cristalina da -CD determinada por raios XK. Harata, T. Endo, H. Ueda, T. Nagai, Supramol. Chem., 9, 143-150 (1998); (g) Obteno de , , e -CD (18, 19, 20 e 21 glicoses) T. Endo, H. Nagase, H. Ueda, A. Shigihara, S. Kobayashi, T. Nagai, Chem. Pharm. Bull., 46(11), 1840-1843 (1998).

    12. K. Koizumi, H. Sanbe, Y. Kubota, Y. Terada, T. Takaha, J. Chromatogr. A, 852, 407-416

    (1999)

    29

  • 30

    13. (a) K. L. Larsen, H. J. S. Christensen, F. Mathiensen, L. H. Pedersen, W. Zimmermann,

    Appl. Microbiol. Biotechn., 50, 314-317 (1988); (b) K. L. Larsen, L. Duedahl-Olesen, H. J. S. Christensen, F. Mathiensen, L. H. Pedersen, W. Zimmermann, Carbohydr. Res., 310, 211-219 (1988).

    14. T. Takaha, S. M. Smith, Biotech. Gen. Eng. Rev., 16, 257-280 (1999) 15. J. Szejtli, em: Atwood, J. E. D Davies, D. D. MacNicol, F. Vgtle, J.-M. Lehn,J. Szejtli, T.

    Osa (Eds.), Comprehensive Supramolecular Chemistry, vol 3, 5-40, Pergamon, Oxford (1996)

    16. W. Saenger, Angew. Chem. Int. Ed. Engl., 19, 344-362 (1980) 17. S. Junco, T. Casimiro, N. Ribeiro, M. N. Ponte, H. M. C. Marques, J. Incl. Phen., special

    issue: Proceedings of the 11th International Cyclodextrin Symposium, in press (2002) 18. T. Hees, V. Barillaro, G. Piel, P. Bertholet, S. H. Hassonville, B. Evrard, L. Delattre, J.

    Incl. Phen., special issue: Proceedings of the 11th International Cyclodextrin Symposium, in press (2002)

    19. K. Uekama, J. Incl. Phen., special issue: Proceedings of the 11th International Cyclodextrin

    Symposium, in press (2002) 20. H. Hashimoto, J. Incl. Phen., special issue: Proceedings of the 11th International Cyclodextrin

    Symposium, in press (2002) 21. L. Szente, J. Szejtli, J. Incl. Phen., special issue: Proceedings of the 11th International

    Cyclodextrin Symposium, in press (2002) 22. J. Szejtli, J. Incl. Phen., special issue: Proceedings of the 11th International Cyclodextrin

    Symposium, in press (2002) 23. L. Szente, em: Atwood, J. E. D Davies, D. D. MacNicol, F. Vgtle, J.-M. Lehn,J. Szejtli,

    T. Osa (Eds.), Comprehensive Supramolecular Chemistry, vol 3, 253-278, Pergamon, Oxford (1996)

    24. J. Anwar, em: Frank H. Chung, Deane K. Smith (Eds.), Industrial Applications of X-Ray

    Diffraction, cap 22, 539-548, Marcel Dekker, Nova Iorque, EUA (2000)

  • Dmeros dentro de dmeros:

    a estrutura de 2CD 4pHB 9,45H2O

  • 2 2

    2

    2

    2

    R

    A incluso do p-HB na -CD foi estudada em soluo aquosa, tendo-se determinadouma estequiometria de 1:1 e uma constante de associao de 34 102 M-1 que mostracomo este sistema apresenta uma interaco estvel, sendo possvel o seu estudo noestado cristalino. O complexo foi obtido na forma de cristais e estudado porcristalografia, revelando uma estrutura bem diferente daquela que ocorre em soluo.A clula unitria contm 4 p-HB e 2 -CD. As organizao das molculas do hspede semelhante estrutura cristalina do p-HB. As molculas formam dmeros unidos porinteraces - e com alinhamento antiparalelo. Cada um est ligado aos vizinhos porpontes de hidrognio, de modo que formam uma cadeia virtualmente infinita demolculas. Em torno destas cadeias encontram-se as ciclodextrinas. Tal como ohspede, esto agrupadas em dmeros que se empilham uns sobre os outros formandocanais infinitos. Esta estrutura constitui um bom exemplo de como o hspede podedefinir o empacotamento da ciclodextrina hospedeira, obrigando-a a alinhar-se emcanais.

    . Dmeros dentro de dmeros: a estrutura de 2-CD4p-HB9,45H2O

    .1. Introduo 33

    .2. Os cristais de -CD e p-HB 34

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CD4p-HB9,45H2O 34

    Empacotamento do complexo na rede cristalina 37

    .3. Caracterizao do complexo no estado slido 38

    Espectroscopia de RMN de 13C 38

    Espectroscopia vibracional 39

    Termogravimetria 40

    .4. Concluses 41

    eferncias 42

    32

  • 2.1. Introduo A associao entre ciclodextrinas e compostos com um anel benznico e substituintes pouco volumosos tem sido realizada com sucesso numa srie de estudos. Na realidade, molculas deste tipo apresentam as dimenses adequadas para a incluso na cavidade das ciclodextrinas. conhecida a complexao do benzaldedo pela -CD [1] e pela -CD [2]. Este trabalho reveste-se dum interesse particular na medida em que o benzaldedo mostra actividade anti-tumoral contra o adenocarcinoma 755, o carcinoma de Erlich e outros [3, 4] e a sua incluso permite contornar o problema da volatilidade e evitar a degradao oxidativa sem perda de actividade citotxica. Esto tambm descritos complexos entre a -CD e vanilina (3-metoxi-4-hidroxibenzaldedo) [5], o cido e o lcool benzicos [6] e outros.

    Contudo, os mecanismos e geometria de incluso diferem de hspede para hspede e as linhas gerais da selectividade dos processos de incluso ainda no esto totalmente esclarecidos. Adicionalmente, podendo-se considerar uma estequiometria de incluso de 1:1 em soluo quando se escolhe como hspede uma molcula cujo tamanho se ajusta ao da cavidade da ciclodextrina, a mesma previso no pode ser estendida ao estado cristalino, no qual no est garantida, partida, uma simples estequiometria de 1:1.

    Neste captulo descreve-se um estudo dos processos de formao de um complexo de incluso entre a -CD o p-hidroxibenzaldedo (p-HB) [7], representados esquematicamente na figura 2.1.

    Figura 2.1. Representao esquemtica da -ciclodextrina e do p-hidroxibenzaldedo, onde se mostra a numerao adoptada para os carbonos da -CD e do p-HB; os oxignios do p-HB esto igualmente numerados. O esquema da -CD foi adaptado de S. Lima, B. Goodfellow, J. J. C. Teixeira-Dias, (artigo submetido)

    Sendo bem conhecida a formao de um complexo entre a -CD e o benzaldedo, optou-se por um derivado desta molcula. A presena do grupo hidroxilo, que geralmente confere ao hspede caractersticas desfavorveis para a incluso [8], permite explorar um pouco mais as preferncias de incluso da -CD.

    Estudos preliminares realizados em soluo demostraram que a interaco entre a -CD e o p-HB estvel, com uma estequiometria de 1:1 e uma constante de associao de

    33

  • valor Kapp = 34 102 M-1. Com base nestes resultados, partiu-se para a caracterizao do sistema no estado cristalino.

    2.2. Os cristais de -CD e p-HB

    Para a obteno do complexo -CDp-HB na forma de cristais foram testados diferentes solventes, dos quais se elegeu a mistura de gua (75%) e etanol (25%). Aps dissoluo de quantidades estequiomtricas de ciclodextrina e do hspede a 40C, a soluo foi arrefecida muito lentamente (ver detalhes na seco experimental). Decorridos alguns dias, foram obtidos cristais apropriados para anlise por difraco de raios X.

    A recolha dos dados cristalogrficos e a resoluo da estrutura foram feitas pelo Doutor Thammarat Aree com a colaborao de Kayo Immamura que realizava, nessa altura, o doutoramento sob a superviso do Professor Wolfram Saenger.

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CD4p-HB9,45H2O O complexo cristaliza no sistema triclnico, grupo espacial P1, com os seguintes

    parmetros de malha: a = 15,262(2) ; b = 15,728(1) ; c = 16,350(1) ; = 92,67(1); = 96,97(1); = 103,31(1); V = 3780,1(7) 3 (detalhes na seco experimental). Cada unidade assimtrica contm duas molculas de -CD, quatro de p-HB, e 9,45 de gua (figura 2.2).

    Figura 2.2. Representao ORTEP III [9] do complexo 2-CD4p-HB9,45H2O segundo o modelo das elipsides trmicas (30%). As elipsides com e sem octantes sombreados so CCD e OCD, Ogua, respectivamente. As ligaes da -CD so representadas a branco e as do p-HB a preto. As linhas tracejadas indicam possveis pontes de hidrognio OHO.

    34

  • As duas molculas de -CD tm estrutura e conformao semelhantes e podem praticamente ser sobrepostas. As unidades de glicose apresentam uma conformao em cadeira regular 4C1. As conformaes cclicas dos macrociclos da -CD so estabilizadas por pontes de hidrognio intramoleculares sistemticas entre as vrias molculas de glicose a nvel dos tomos O3(n)O2(n + 1), com distncias OO dentro do intervalo 2,762,87 . A rigidez desta estrutura reforada pela quase inexistncia de movimento a nvel dos ngulos de toro do tomo O4 da ligao glicosdica, o que evidenciado pela pequeno intervalo de disperso de valores para os ngulos e (10,6 e 13,9, respectivamente). NOTA: sobre a variao destes valores com a hidratao da -CD isolada, ver L. Cunha-Silva et al [10].

    A orientao dos grupos hidroxilo O6H, definida pelos ngulos de toro C4-C5 C6-O6 e O5-C5 C6-O6, apresenta todos os grupos O6H direccionados para o exterior da cavidade da -CD, na conformao ()gauche. A nica excepo o O61_1H que apresenta desordem, ocupando alternadamente duas posies, A (+)gauche e B ()gauche.

    Nesta estrutura, as molculas de -CD agrupam-se pelas orlas mais largas formando dmeros em forma de barril. Na orla mais estreita (a cauda) os hidroxilos primrios participam em pontes de hidrognio que os ligam aos dmeros adjacentes e a algumas guas para formar canais (figura 2.3.).

    Figura 2.3. Esquema do complexo 2-CD4p-HB9,45H2O evidenciando o alinhamento das ciclodextrinas em canais ligeriamente inclinados, em cujo interior se alojam as molculas de p-HB. Os tomos de oxignio so destacados a vermelho e as posies das molculas de gua so representadas por losangos.

    35

  • As molculas de p-HB formam igualmente dmeros, havendo dois pares por cada clula unitria. O par de p-HB #1 e #2 localiza-se na regio interdimrica (entre dois barris de -CD). O dmero de p-HB #3 e #4 situa-se na rea interior do barril. Os eixos das molculas de p-HB so praticamente paralelos aos das -CDs (figura 2.4.), havendo apenas pequenos desvios do ngulo de 90 formado entre o eixo molecular do p-HB e o plano formado pelos O4 glicosdicos ().

    Figura 2.4. Esquema da geometria de incluso do hspede p-HB no interior das cavidades de -CD. As quatro molculas de p-HB so representados por hexgonos com os seus grupos OH (tringulos) dirigidos para cima em p-HB #1e #3 e para baixo em p-HB #2 e #4 (ver direces das setas). Os quadrados representam os grupos CHO. d corresponde distncia entre os centros de dois anis aromticos adjacentes, ou seja, entre p-HB #1 e #2 ou entre o #3 e o # 4. O ngulo mostra a inclinao entre o eixo das molculas de p-HB e o plano glicosdico O4. As linhas a tracejado indicam pontes de H, assinalando-se com setas as que ocorrem entre molculas de p-HB e a zigue-zague as que ligam grupos OH secundrios da -CD e estabilizam o dmero.

    Em cada dmero de p-HB os hidroxilos tm alinhamento antiparalelo, estando o #1 e o #3 orientados no sentido ascendente e o e #2 e o #4 no descendente. Cada dmero mantm pontes de hidrognio com os que esto acima e abaixo dele, tal como foi observado na estrutura cristalina do p-HB [11]. Os seus grupos OH e CHO formam pontes OHO inter-moleculares (distncias OO na ordem dos 2,652,70 ) originando cadeias antiparalelas infinitas: cadeia 1, OH para cima: O1P#3HO2P#1, O1P#1HO2P#3(x, y, z + 1),

    cadeia 2, OH para baixo: O1P#2HO2P#4, O1P#4HO2P#2(x, y, z 1),

    Os anis aromticos de p-HB distam um do outro pouco mais de 3,5 (d = 3,66 para o dmero p-HB #1, 2 e d = 3,78 para p-HB #3, 4). Tal proximidade mostra que os dmeros so estabilizados por interaces - tal como foi observado na estrutura cristalina do p-HB [11]. A posio das molculas de p-HB no centro do canal mantida apenas por

    36

  • algumas interaces de hidrognio entre o grupo hidroxilo do p-HB e alguns oxignios da ligao glicosdica da -CD.

    As 9,45 molculas de gua encontram-se distribudas por 25 posies nos espaos entre as molculas de -CD. Apresentam-se, pois, altamente desordenadas (com uma ocupao mdia de 0,38) e esto ligadas entre si e aos hidroxilos da -CD por pontes de hidrognio.

    Empacotamento do complexo na rede cristalina As molculas de -CD encontram-se empilhadas ao longo do eixo cristalogrfico c,

    em posies alternadamente cabea-cabea e cauda-cauda, formando um canal [12], estrutura muito frequente nos complexos de -CD (figura 2.5).

    Figura 2.5. Representao MOLSCRIPT [13] do empacotamento em canal do complexo 2-CD4p-HB9,45H2O, estabilizado por pontes de hidrognio O2(m)_1/O3(m)_1O2(n)_2/O3(n)_2(cauda-cauda) e O6(m)_1Ow(n)_1 (cabea-cabea), representadas a tracejado, entre as -CDs #1 e #2. Os O2CD, O3CD O6CD e Ogua so representados por esferas cinzentas e pretas, respectivamente. As molculas de p-HB so pretas. Os hidrognios foram omitidos para tornar o desenho mais ligeiro.

    37

  • Os planos glicosdicos O4 das -CD #1 e #2 so quase paralelos, fazendo entre si um ngulo de 0,8, e esto ligeiramente inclinados relativamente ao plano ab,.

    Cada canal estabilizado por pontes de hidrognio intermoleculares. Na orla mais larga da -CD ocorrem entre hidroxilos secundrios. Na orla mais estreita, as pontes de hidrognio no so formadas directamente entre os grupos O6H de duas CDs adjacentes, envolvendo uma ou duas molculas de gua, com a excepo da ponte O61A_1O67_2(x, y, z + 1). Adicionalmente, existe uma rede de pontes de H OCDOCD, OCDOwOCD, OCDOwOwOCD entre colunas vizinhas de -CD que contribui para estabilizar toda a estrutura cristalina.

    2.3. Caracterizao do complexo no estado slido Por vezes, os complexos de incluso podem no cristalizar de forma homognea,

    co-existindo no material cristais com diferentes propores hspede-hospedeiro ou mesmo diferentes estruturas. Torna-se, pois, importante conduzir uma caracterizao em estado slido recorrendo a espectroscopias como a RMN de 13C e EIV e anlise termogravimtrica. Investiga-se depois a complementaridade dos resultados de modo a garantir que a estrutura determinada por difraco de raios X representativa do material como um todo.

    Espectroscopia de RMN de 13C O espectro de RMN de 13C do complexo 2-CD4p-HB apresenta alteraes

    notveis nas ressonncias da ciclodextrina e do hspede quando comparados com as dos compostos puros ( ver figura 2.6. na pgina seguinte).

    O espectro da -CD ostenta ressonncias mltiplas para cada tipo de tomo de carbono. Para os carbonos C1 e C4 esta facto tem sido relacionado com a grande disperso de valores dos ngulos de torso em torno da ligao (14) (variaes de 17 para e de 25 para ) [14] e para os restantes carbonos com a orientao dos grupos hidroxilo [15]. Os sinais so atribudos a C1 (101104 ppm), C4 (7884 ppm), C2,3,5 (7176 ppm) e C6 (5765 ppm). No espectro do complexo h uma reduo na multiplicidade dos sinais da -CD que se apresentam mais largos e com pouca ou nenhuma estrutura como resultado da reduo do movimento em torno dos ngulos de toro, conforme foi observado na estrutura cristalina. Este fenmeno comum em complexos de incluso com ciclodextrinas. A incluso de um hspede com grupos aromticos tem sido associada a um aumento da simetria da -CD [16] que tambm contribui para a reduo de multiplicidade dos seus sinais de RMN.

    Enquanto no espectro do p-HB se observam singuletos (com Caldedico a 195 ppm, C1P a 165 ppm, C4P a 138 ppm, C2P, 6P a 127 ppm e C3P, 5P a 116 ppm) no espectro do complexo de incluso a regio onde se encontram as ressonncias do hspede exibe multipletos. Este fenmeno o resultado de ambientes distintos em torno das molculas de p-HB encapsuladas. Com efeito, so observados at quatro sinais para cada tomo de

    38

  • carbono, o que se correlaciona perfeitamente com as quatro diferentes posies das molculas de p-HB no cristal. Recorde-se que cada unidade assimtrica apresenta dois pares de p-HB com os anis aromticos em alinhamento anti-paralelo.

    Figura 2.6. Espectros de RMN CP-MAS de 13C da -CD, do p-HB e do complexo 2-CD4p-HB

    Espectroscopia Vibracional A molcula hspede estudada neste captulo apresenta uma caracterstica estrutural com grande interesse na caracterizao vibracional da sua incluso ou de outras possveis interaces com a -CD, a ligao C=O. A frequncia vibracional da elongao do carbonilo sensvel a alteraes na polaridade do meio envolvente, como aquelas que resultam da incluso na cavidade hidrfoba da ciclodextrina [17].

    39

  • O espectro de 2-CD4p-HB foi comparado com o do p-HB e com o da mistura fsica 1:1 (mix) de p-HB e -CD. A tabela 2.1. mostra os valores obtidos para as vibraes mais importantes (elongao das ligaes C=O e COH). Repare-se no aumento de cerca de 20 cm-1 da frequncia da elongao C=O quando o p-HB est complexado com a -CD. Esta alterao resulta da presena de um ambiente menos polar em torno do grupo carbonilo, podendo ser relacionada com o ambiente hidrofbico da cavidade da ciclodextrina.

    Hspede Mistura fsica Complexo IV Raman IV Raman IV Raman

    Elongao COH 1218 1217 1214 Elongao C=O 1667 1646 1666 1687 1663

    Tabela 2.1. Frequncias vibracionais (cm-1) seleccionadas para o p-HB, 4p-HB2-CD e a mistura fsica 2:1

    A influncia de um ambiente menos polar traduz-se no aumento da contribuio relativa da forma cannica I (ver figura 2.7). Adicionalmente, o desvio negativo ( 4 cm-1) na frequncia da elongao COH do p-HB includo na -CD tambm pode ser explicado por um carcter de ligao simples mais acentuado, resultante da maior percentagem relativa da forma I. Este resultado particularmente interessante. De facto, a estrutura cristalina mostra duas molculas de p-HB posicionadas na regio interdimrica e outras duas na zona central do dmero. Mesmo assim, elas sentem o ambiente hidrfobo da cavidade hospedeira. Ento, ao longo de cada canal existe um ambiente predominantemente hidrfobo, como consequncia da quase inexistncia de molculas de gua no interior do canal [18].

    C

    H

    OH

    OH

    C

    O H

    Forma I

    O

    Forma II

    Figura 2.7. Formas cannicas relevantes para o p-HB

    Termogravimetria O termograma de 2-CD4p-HB apresenta uma srie de caractersticas notveis quando comparado com os da -CD e do hspede puro, todos representados na figura 2.8.

    A primeira alterao na massa do complexo de incluso corresponde perda de gua, que ocorre a uma temperatura semelhante registada com a -CD, mas em quantidade inferior. Este fenmeno comum a todos os complexos de CDs, uma vez que a incluso corresponde substituio de algumas molculas de gua de hidratao pela molcula hspede. A partir dos 150C e at aos 280C, h uma perda muito gradual de massa na ordem dos 9% (as setas na figura 2.8. mostram o intervalo aproximado desta decomposio) que foi atribuda sublimao do p-HB. Repare-se que este processo

    40

  • muito mais abrupto e est terminado a temperaturas muito inferiores no p-HB puro. Tal diferena de comportamento termogravimtrico sugere a presena de uma interaco muito forte entre o p-HB e a rede do complexo em que est inserido.

    50 100 150 200 250 300

    20

    40

    60

    80

    100Sublimao do p-HB

    p-HB -CD 2-CD 4p-HB

    % M

    assa

    Temperatura / C

    Figura 2.8. Termogramas de -CD, p-HB e 2-CD4p-HB.

    2.4. Concluses A -CD foi co-cristalizada com o p-HB para obter o complexo 2-CD4p-HB. A sua

    estrutura apresenta canais infinitos formados por dmeros de ciclodextrinas empilhados uns sobre os outros. As molculas hspedes distribuem-se ao longo dos canais. No existem, pois, cavidades individuais de ciclodextrinas, mas antes cavidades tubulares ao longo das quais se faz sentir o ambiente apolar gerado pelos protes H3 e H5 das -CDs. No interior de cada canal, as molculas de p-HB formam dmeros que se organizam em duas cadeias antiparalelas e infinitas pela formao de ligaes de hidrognio. O hspede serve de molde s ciclodextrinas. Para o poderem acomodar no seu interior, so obrigadas a formar canais. A sublimao do hspede a partir desta estrutura lenta e requer elevadas temperaturas, confirmando a estabilidade das interaces entre os elementos que a constituem.

    41

  • 42

    Referncias 1. K. Harata, K. Uekama, M. Otagiri, F. Hirayama, H. Ogino, Bull. Chem. Soc. Jpn. 54, 1954-

    1959 (1981). 2. H.-S. Choi, A. M. Knevel, C. J. Chang, Pharmaceut. Res. 9 , 690-693 (1992). 3. S. Takeuchi, M. Kochi, K. Sakaguchi, K. Nakagawa, T. Mizutani, Agricult. Biol. Chem.

    42, 1449-1451 (1978). 4. M. Kochi, S. Takeuchi, T. Mizutani, K. Mochizuki, Y. Matsumoto, Y. Saito, Cancer

    Treatment Reports 64 , 21-23 (1980). 5. (a) S. Divakar, J. Agricult. Food Chem. 38, 940-944 (1990); (b) S. Divakar, M. M.

    Maheswaran. J. Incl. Phenom. Mol. Recog. Chem. 27, 113-126 (1997). 6. M. V. Rekharsky, Y. Inoue, Chem. Rev, 98, 1875 (1998) e referncias aqui citadas. 7. S. S. Braga, T. Aree, K. Imamura, P. Vertut, I. Boal-Palheiros, W. Saenger, J. J. C.

    Teixeira-Dias, J. Incl. Phen. 43, 115-125 (2002). 8. L. Szente, em: Atwood, J. E. D Davies, D. D. MacNicol, F. Vgtle, J.-M. Lehn,J. Szejtli, T.

    Osa (Eds.), Comprehensive Supramolecular Chemistry, vol 3, 243-252, Pergamon, Oxford (1996).

    9. M. N. Burnett, C. K. Johnson: ORTEPIII, Thermal-Ellipsoid Plot Program for Crystal

    Structure Illustrations, Oak Ridge Natl. Lab., USA (1996). 10. L. Cunha-Silva, J. J. C. Teixeira-Dias, J. Phys. Chem. B 106, 3323-3328 (2002). 11. F. Iwasaki, Acta Crystallogr. B33, 1646 (1977). 12. P. J. Kraulis: J. Appl. Crystallogr. 24, 946 (1991). 13. W. Saenger, Isr. J. Chem. 25, 43 (1985). 14. (a) M. J. Gidley, S. M. Bociek, J. Am. Chem. Soc., 110, 38203829 (1988); (b) S. J. Heyes,

    N. J. Clayden, C. M. Dobson, Carbohydr. Res., 233, 114 (1992). 15. R. P. Veregin, C. A. Fyfe, R. H. Marcessault, M. G. Tayler, Carbohydr. Res., 160, 41

    (1987). 16. J. Li, A. Harada, M. Kamachi, Bull. Chem. Soc. Jpn., 67, 2808 (1994). 17. A. Moreira da Silva, A. Amado, P. Ribeiro-Claro, J. Empis, J. J. C. Teixeira-Dias, J. Carb.

    Chem. 14, 677-684 (1995). 18. S. Makedonopoulou, I. M. Mavridis, Acta Cryst. B56, 322-331 (2000).

  • 2-CDIbu,

    uma estequiometria inesperada

  • 3 3

    3

    3

    3

    R

    Complexos de -CD com cada um dos enantimeros do ibuprofeno foram cristalizados. Com o S-Ibu foram obtidos cristais adequados para estudado por cristalografia, mas no com o R-Ibu. A difraco de raios X do primeiro revelou uma estrutura com estequiometria diferente da esperada. Complexos de -CD com compostos semelhantes apresentam cristais com um dmero de ciclodextrinas por clula unitria e duas molculas de hspede no interior de cada dmero. A presente estrutura composta por dmeros de ciclodextrina com apenas uma molcula de S-Ibu no interior. Fez-se ainda um estudo comparativo dos complexos 2-CDS-Ibu e 2-CDR-Ibu por vrias tcnicas de estado slido. Os resultados de RMN CP-MAS de 13C mostram haver diferenas no comportamento da -CD face aos dois enantimeros. A sua cavidade tem quiralidade R pelo que apresenta maior afinidade para o S-Ibu, sendo mais fraca a interaco com o R-Ibu.

    . -CDIbu, uma estequiometria inesperada

    .1. Introduo 45

    .2. Os cristais de -CD e Ibu 46

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CDS-Ibu12,5H2O 46

    Empacotamento do complexo na rede cristalina 49

    .3. Caracterizao dos complexos no estado slido

    Espectroscopia de RMN de 13C 50

    Espectroscopia vibracional 51

    Termogravimetria 52

    .4. Concluses 53

    eferncias 54

    44

  • 3.1. Introduo O ibuprofeno (cido 2-(p-isobutilfenil)propanico, Ibu) um medicamento com

    actividade analgsica, usado no tratamento da artrite reumatide e de outras doenas inflamatrias. Recentemente, a descoberta de novas propriedades teraputicas suscitou um interesse renovado por este composto. Foi demonstrado in vitro que o ibuprofeno protege os neurnios contra a toxicidade do glutamato [1] implicada na doena de Alzheimer, nos estados Parkinsonianos e noutras doenas neurodegenerativas, pelo que pode tornar-se num prometedor agente protector contra estas maleitas. Outra srie de estudos debruou-se sobre a sua potencial actividade anti-fngica. O ibuprofeno apresentou actividade contra dermatfitos [2] (fungos responsveis por infeces da pele) e contra vrias espcies de Candida, leveduras que infectam as mucosas [3]. Em ambas as situaes, poder tornar-se o medicamento ideal para o tratamento tpico de infeces fngicas combinando as vantagens da sua actividade anti-inflamatria clssica com a recm descoberta actividade anti-fngica.

    Para alm da sua importante actividade farmacolgica, o ibuprofeno apresenta um efeito secundrio indesejvel sobre a mucosa gstrica. Adicionalmente, ela pode sofrer leso directa por contacto com esta molcula. Como cido fraco, o ibuprofeno apresenta-se na forma no-inica a pH gstrico e passa facilmente atravs da membrana lipfila das clulas da mucosa gstrica. No compartimento intracelular o pH mais elevado e f-lo passar forma inica, com baixa taxa de difuso membranar. O resultado deste processo a sua acumulao no interior das clulas.

    A incluso do ibuprofeno na -CD permite reduzir a toxicidade inerente sua acidez e aumentar a sua solubilidade em gua. So conhecidas vrias aplicaes desta associao, tais como solues para administrao oral [4], comprimidos ou cpsulas [5]. Recentemente, mostrou-se que a -CD aumenta a estabilidade do ibuprofeno [6]. Dado o elevado interesse destes complexos, foram estudados outros sistemas contendo anti-inflamatrios. Destaca-se a incluso em -CD do flurbiprofeno [7] e do fenoprofeno [8] e sua caracterizao em estado slido da segundo uma srie de tcnicas, com destaque para a cristalografia de raios X. No presente captulo descreve-se a incluso do ibuprofeno [9], representado esquematicamente na figura 3.1. Note-se que esta molcula apresenta um centro estereognico em C2, pelo que existem dois enantimeros, o R-() e o S-(+)-ibuprofeno. Procurando tirar partido da capacidade de

    Figura 3.1. Representao esquemtica do ibuprofeno, mostrando a numerao adoptada para os tomos de carbono.

    45

  • discriminao quiral da -CD, foram preparados complexos com cada um dos enantimeros, de modo a comparar os resultados obtidos.

    3.2. Os cristais de -CD e Ibu

    Para a obteno dos complexos de -CD com S-Ibu e R-Ibu na forma de cristais, foram preparadas duas solues aquosas da ciclodextrina a 80 C. A cada juntou-se um dos enantimeros em quantidade estequiomtrica. As solues foram arrefecidas lentamente, tendo-se obtido cristais aps alguns dias. Lamentavelmente, apenas os cristais de -CD com S-Ibu se revelaram apropriados para anlise por difraco de raios X. A recolha dos dados cristalogrficos e a resoluo da estrutura foram realizadas pelo Doutor Eberhardt Herdtweck.

    Estrutura molecular do complexo de incluso 2-CDS-Ibu25H2O O complexo cristaliza no sistema monoclnico, grupo espacial C2, com os seguintes parmetros de malha: a = 19,4095(4) ; b = 24,4145(5) ; c = 15,8976(2) ; = 109,026(1); V = 7121,9(2) 3, ver mais detalhes na seco experimental. Cada unidade assimtrica constituda por duas molculas de -CD, uma de S-Ibu e 25 de gua. Esta estequiometria bastante inesperada, pois no tem paralelo com mais nenhum complexo de incluso entre a -CD e compostos anti-inflamatrios derivados do cido arilpropinico. Considerem-se dois destes compostos, de dimenses semelhantes ao Ibu, representados na figura 3.2. O flurbiprofeno [7] e o fenoprofeno [8] formam complexos com a -CD de estequiometria 2:2. Cada unidade assimtrica dos cristais destes complexos contm um dmero de -CD e dois hspedes no interior.

    Figura 3.2. Representao esquemtica de trs anti-inflamatrios derivados do cido arilpropinico

    Fenoprofeno Ibuprofeno Flurbiprofeno

    So ainda conhecidas outros estruturas de complexos de incluso entre a -CD e compostos anti-inflamatrios, como o sal de sdio do diclofenac (2[(2,6-diclorofenil)-amino]-benzenoacetato de sdio) e o piroxicam. Ambos tm estequiometria 1:1 mas a estrutura cristalina diferente. No cristal do complexo -CDdiclofenac sdico, de simetria hexagonal, as molculas hospedeiras esto empilhadas cabea com cauda formando canais helicoidais com seis molculas de -CD por unidade assimtrica [10]. No

    46

  • cristal de -CDpiroxicam sdico, as ciclodextrinas tambm se alinham cabea com cauda, mas esto ligadas entre si pela molcula de hspede, formando um canal inclinado na diagonal [11].

    Foi encontrado um paralelo para a estrutura de 2-CDS-Ibu num estudo efectuado por Kokkinou et al. com cristais de -CD e cido naftiloxiactico [12] (ver esquema na figura 3.3). A estequiometria 2:1 deste sistema revelou-se como uma surpresa para os autores do estudo, uma vez que a dimenso e a estrutura do hspede se adequam a uma estequiometria de 2:2, tal como o Ibu. Pela semelhana apresentada, a estrutura determinada por Kokkinou foi usada como soluo inicial para resolver a de 2-CDS-Ibu. De facto, as conformaes dos macrociclos da -CD so isomrficas. A nica diferena reside na orientao dos hidroxilos primrios que geralmente esto virados para o exterior da -CD. Na estrutura de 2-CDS-Ibu, estes tambm esto virados para o exterior (ver figura 3.4) com excepo dum grupo hidroxilo que apresenta desordem em duas posies, O20(A) e O20(B). A parte menos significativa deste hidroxilo desordenado, O20(B), est virada para dentro (em direco ao centro da cavidade) com o ngulo de toro O5-C5 C6-O6 em conformao (+)gauche. A maior percentagem deste OH desordenado apresenta conformao()gauche, tal como os restantes.

    Figura 3.3. Representao esquemtica do cido naftiloxiactico.

    Figura 3.4. Representao ORTEP do complexo de incluso entre a -CD e o S-Ibu. Apresenta-se apenas uma ciclodextrina do dmero. Pode observar-se a posio dos OH primrios (topo da figura) virados para o exterior (no apresentada a posio de menor percentagem do hidroxilo desordenado). Note-se como o hspede apresenta o grupo propionilo orientado na direco da orla inferior ou seja, do lado dos hidroxilos primrios, e o grupo isobutilo na direco da orla mais larga (hidroxilos secundrios).

    47

  • As ciclodextrinas agrupam-se em dmeros cabea com cabea. Cada -CD do dmero relaciona-se com a outra -CD atravs de um eixo binrio de simetria que atravessa o centro do dmero, paralelo ao plano das orlas dos macrociclos. Na cavidade dimrica encontra-se encapsulada uma molcula de S-Ibu com um dos seus tomos localizado precisamente sobre outro eixo binrio de simetria que atravessa a regio intradimrica. Esta coincidncia de posies causaria uma sobreposio mtua se as cavidades de ambas as ciclodextrinas em cada dmero estivessem ocupadas (figura 3.5). De facto, o refinamento da taxa de ocupao parou muito prximo do valor ideal de 0,5 pelo que foi restrito a este valor durante os refinamentos finais. Deste modo, o complexo de incluso composto por duas molculas de -CD e uma de ibuprofeno. O grupo carboxilo do S-ibuprofeno est orientado na direco da orla mais estreita da -CD. A sua posio estabilizada por uma ponte de hidrognio com um dos grupos hidroxilo primrios do hospedeiro (O114O20B, com uma distncia de contacto de 2,76).

    Figura 3.5. Esquema mostrando a regio interdimrica do complexo de -CD com S-Ibu supondo que ambas as ciclodextrinas (a branco) de cada dmero albergam uma molcula de S-Ibu (a negro). A tracejado destaca-se a unidade de glicose com um oxignio primrio desordenado, estando representadas as duas posies que ele ocupa. Pode ver-se que h uma sobreposio entre o tomo de carbono do grupo metilo (C3) com o mesmo tomo da molcula adjacente de S-Ibu. Deste modo, demonstra-se que no possvel a estequiometria de 2:2 por impedimento espacial.

    Note-se que este modo de incluso o inverso do relatado para a incluso do S-Ibu na ciclodextrina-beta permetilada [13]. Nesta estrutura, o grupo do cido propinico da molcula hspede surge do lado da orla mais larga da ciclodextrina em vez de se direccionar face orla mais estreita. comum observar-se inverso do modo de incluso de hspedes orgnicos quando se comparam complexos tendo por hospedeiro a -CD (nativa) ou a -CD permetilada.

    48

  • Em cada unidade assimtrica encontram-se ainda 25 molculas de gua. Os refinamentos efectuados sobre os locais de cada uma delas no revelaram ocupncias parciais, ou seja, elas no apresentam desordem. A ausncia de desordem das guas de cristalizao deste sistema, em contraste com as de 2-CD4p-HB (cap. 2), resulta provavelmente da temperatura de recolha dos dados cristalogrficos. Neste caso usou-se baixa temperatura, enquanto que no cristal de 2-CD4p-HB se trabalhou temperatura ambiente.

    Empacotamento do complexo na rede cristalina Os dmeros de -CD encontram-se empilhados cauda com cauda ao longo do eixo

    cristalogrfico c, formando um canal ligeiramente inclinado (figura 3.6). Os dois anis de -CD de cada dmero esto unidos por pontes de hidrognio entre os hidroxilos secundrios e relacionam-se entre si por um eixo binrio de simetria perpendicular ao eixo do canal. Os canais adjacentes esto unidos entre si por uma rede infinita de pontes de hidrognio intermoleculares entre os hidroxilos e/ou as molculas de gua.

    Figura 3.6. Representao PLATON do complexo de incluso de S-Ibu na CD, visto atravs do eixo cristalogrfico b (perpendicular ao plano do papel). Os tomos de hidrognio foram omitidos para conferir maior clareza ao esquema. As ligaes entre o C6 e o correspondente hidroxilo desordenado esto representadas a tracejado e mostram-se as duas posies ocupadas por este tomo de oxignio. Os eixos binrios de simetria, paralelos ao eixo b, tm posies definidas em cada um dos cantos da clula unitria, no meio de cada linha de fronteira da clula e no centro da clula; para facilitar a sua visualizao, esto marcados com pequenas elipses.

    49

  • No interior de cada dmero h uma molcula de S-Ibu. Ao longo dum canal (ou seja, ao longo do eixo cristalogrfico c), estas molculas esto todas orientadas na mesma direco para impedir a sobreposio de um dos tomos com o correspondente da molcula vizinha. No foi possvel determinar se entre dois canais adjacentes a orientao dos hspedes feita em alinhamento paralelo (ou seja, com o mesmo sentido) ou em alinhamento anti-paralelo, conforme se representa na figura 3.6.

    3.3. Caracterizao dos complexos no estado slido

    Espectroscopia de RMN de 13C Foram registados os espectros de RMN de 13C dos cristais (pulverizados) de

    2-CDS-Ibu e de 2-CDR-Ibu que notavelmente apresentam diferenas entre si (figura 3.7). Para comparao mostra-se tambm os de -CD e de S- e R-Ibu. Estes mostraram-se idnticos, pelo que se apresenta apenas um, designado por Ibu.

    50

    Figura 3.7. Espectros de RMN CP-MAS de 13 C de -CD, Ibu, 2-CDS-Ibu e 2-CDR-Ibu.

  • Nos espectros de ambos os complexos de incluso, as ressonncias da -CD surgem como sinais largos e com pouca ou nenhuma estrutura, em contraste com as ressonncias mltiplas observadas para a -CD pura. Foi j descrito que este padro pode resultar duma estrutura cristalina em canal. A estrutura de 2-CDS-Ibu contribui para confirmar esta associao e permite supor que o empacotamento molecular em 2-CDR-Ibu ser do mesmo tipo.

    O espectro do Ibu apresenta um sinal para o carbonilo (182 ppm), um conjunto de cinco picos atribudo aos carbonos aromticos (126 142 ppm), C10 a 45 ppm, C11 a 44 ppm, um dupleto para C2 (31,5 e 32,4 ppm), C3 a 14 ppm e C12 e 13 a 21 e 25 ppm.

    No espectro de 2-CDS-Ibu, o sinal atribudo ao carbono cido do hspede apresenta-se ligeiramente deslocado para campo mais alto (175 ppm) como resultado das diferentes pontes de hidrognio formadas. A estrutura do ibuprofeno determinada por difraco de neutres mostra a presena de dmeros ligados entre si por pontes de hidrognio [14]. Quando est inserido na rede do complexo de incluso, as interaces entre molculas adjacentes de S-Ibu so substitudas por ligaes de hidrognio entre o seu grupo carbonilo e um hidroxilo primrio da -CD. Os restantes carbonos do S-Ibu includo apresentam elevada multiplicidade. Por exemplo, observam-se oito sinais para os carbonos aromticos enquanto que no espectro do ibuprofeno apenas se observam cinco. Esta particularidade resulta da restrio dos movimentos rotacionais do S-Ibu no interior da cavidade da -CD, sugerindo uma estreita interaco hspede-hospedeiro.

    No espectro de 2-CDR-Ibu encontra-se um padro de sinais do hspede com aspecto geral muito semelhante ao do Ibu puro e portanto bastante distinto dos sinais registados para o complexo 2-CDS-Ibu. Isto pode ser interpretado como o resultado de um diferente comportamento da -CD em face aos dois enantimeros hspedes. Na realidade, pode-se inferir que a encapsulao do R-Ibu na -CD no to estreita como a do S-Ibu, permitindo-lhe ter alguma liberdade rotacional. A diferena encontrada parece reflectir a discriminao quiral apresentada pela cavidade da -CD. Este hospedeiro tem quiralidade R-() pelo que a sua afinidade ser maior para o S-Ibu.

    Espectroscopia Vibracional Os resultados de RMN e cristalografia apontam para alteraes na rede de pontes de hidrognio quando feita a incluso do ibuprofeno na -CD. Os cristais do hspede puro apresentam as molculas agrupadas em dmeros com duas pontes de hidrognio (formadas entre os grupos carboxlicos) que deixam de existir nos complexos de incluso quer com R-Ibu, quer com o S-Ibu. Nestes sistemas cada molcula hspede est afastada da sua vizinha e apenas capaz de formar ligaes de hidrognio com a -CD hospedeira. As diferentes interaces moleculares estabelecidas pelo grupo carboxilo resultaram em desvios no seu sinal de RMN e espera-se que tambm originem modificaes na frequncia de elongao do oscilador C=O.

    51

  • Comparando os espectro de 2-CDS-Ibu e 2-CDR-Ibu com os de Ibu e da mistura fsica 2:1 (mix) de -CD e Ibu, confirma-se um desvio para o azul de C=O, ver tabela 3.1.

    Hspede Mistura fsica Complexo 2-CDS-Ibu 2-CDR-Ibu

    Elongao C=O 1707 1707 1735 1734 Tabela 3.1. Frequncias vibracionais (cm-1) do C=O em Ibu, 2-CDS-Ibu, 2-CDR-Ibu e a mistura fsica 2:1

    O desvio da frequncia da elongao C=O (27-28 cm-1), observado tanto em 2-CDS-Ibu como em 2-CDR-Ibu, pode ser associado a um aumento da contribuio relativa forma cannica I para a estrutura do S-Ibu includo (ver figura 3.8).

    COH

    CO+H

    O-O

    Forma I Forma II

    Figura 3.8. Formas cannicas relevantes para o carbonilo

    Uma vez que o oscilador C=O est inserido num grupo carboxilo, o seu grau de polarizao interage com o estado de polarizao da ligao CO adjacente (ver tambm figura 3.8). O tomo de oxignio do hidroxilo na forma I pode funcionar como aceitador duma ponte de hidrognio (com um dos pares de electres no ligantes) enquanto na forma II este ser obrigatoriamente um dador para pontes de H. No hspede puro, formam-se duas pontes de hidrognio entre pares de molculas com o hidroxilo a funcionar como grupo dador e o carbonilo como aceitador do hidrognio da molcula vizinha. Estas interaces contribuem preferencialmente para a estabilizao da forma cannica II. No complexo de incluso desaparecem as pontes de hidrognio entre molculas adjacentes de ibuprofeno e passa a formar-se uma s ligao H com o grupo hidroxilo O20(B) como dador e o OH do hspede como aceitador. Deste modo, a forma I passa a ser a mais estabilizada pela nova interaco H formada.

    Termogravimetria Os complexos 2-CDS-Ibu e 2-CDR-Ibu apresentam um comportamento termogravimtrico semelhante, representado na figura 3.9. como 2-CDIbu. Tal como sucedeu com o complexo descrito no captulo 2, h uma perda de massa inicial correspondente desidratao. Segue-se outra mais gradual, atribuda sublimao do hspede. Entre 60C e 224C a perda de massa de 7%, valor que corresponde exactamente a uma molcula de ibuprofeno por cada dmero de -CD. Deste modo, confirma-se a estequiometria observada na estrutura cristalina.

    Duma forma semelhante ao que sucedeu com 2-CD4p-HB no cap. 2, note-se que a sublimao de Ibu no complexo decorre de forma mais lenta e a temperatura mais

    52

  • elevada que no composto puro (ver figura 3.9), mostrando que ele est fortemente retido na rede do complexo em que est inserido.

    0 100 200 300 400 5000

    20

    40

    60

    80

    100

    -CD

    Mix 2:1

    2-CD.Ibu

    Ibu

    % M

    assa

    Temperatura /C

    Figura 3.9. Termogramas de -CD, Ibu , 2-CD Ibu e duma mistura fsica 2:1 de -CD e Ibu

    3.4. Concluses A -CD forma complexos de incluso com o R-() e o S-(+)-Ibu com estequiometria

    de 2:1. Este valor apresenta-se um tanto inesperado por estarem descritos outros complexos com estequiometria 2:2 formados entre a -CD e hspedes de tamanho e estrutura semelhantes ao Ibu. Mesmo assim, foi encontrada na bibliografia outro complexo de incluso com as mesmas caractersticas, que serviu de modelo para resolver a estrutura de 2-CDS-Ibu. Dmeros de ciclodextrinas alojam as molculas de S-Ibu e empilham-se para formar canais infinitos. A estrutura estabilizada por uma rede de pontes de hidrognio envolvendo os hidroxilos da -CD e vrias molculas de gua. Os espectros de RMN de 13C permitiram estudar tambm a estrutura de 2-CDR-Ibu e sugerem que a -CD se empacota de igual forma quer a molcula includa seja o S-Ibu ou o R-Ibu, embora existam diferenas na interaco hspede-hospedeiro. A encapsulao do enantimero S mais estreita e na do enantimero R h maior liberdade. Esta diferena reflecte a discriminao quiral da -CD, com maior afinidade para o S-Ibu.

    53

  • 54

    Referncias 1. D. Casper, U. Yaparpalvi, N. Rempel, P. Werner, Neurosci. Lett.. 289, 201 (2000) e

    referncias nele citadas. 2. A. K. Sanyal, D. Roy, B. Chowdhury, A. B. Banerjee, Lett. Appl. Microbiol. 17 (3), 109

    (1993). 3. C. Pina-Vaz, F. Sans