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T E R M I N A L I D A D E DA V I D A T E R M I N A L I D A D E DA V I D A RAUL MARINO, JR. RAUL MARINO, JR. Professor Titular (Emérito) de NEUROCIRURGIA da Faculdade de Medicina da USP. Departamento de MEDICINA LEGAL da FMUSP - Núcleo de BIOÉTICA.

T E R M I N A L I D A D E DA V I D A - sbmf.org.br · que esquece o conceito de vida em sua concepção físico-bio- lógica como bem fundamental, e não como valor absoluto, sem

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T E R M I N A L I D A D E

DA V I D A

T E R M I N A L I D A D E

DA V I D A

RAUL MARINO, JR.RAUL MARINO, JR.

� Professor Titular (Emérito) de NEUROCIRURGIA da Faculdade de Medicina da USP.

� Departamento de MEDICINA LEGAL da FMUSP - Núcleo de BIOÉTICA.

M O R T EO homem é o único animal que sabe que vai morrer ( tem Consciência da morte).

É o único animal capaz de verter lágrimas, fazer ciência, artee Filosofar.

Ritos e mitos: O Neanderthal já enterrava seus mortos.Os símios e antropóides não reconhecem a morte.

“A morte pertence à vida, como pertence ao nascimento.”( Tagore- Pássaros Errantes.)

QUÊ É MORRER ?

É a separação do organismo de seu princípio vital e Intelectual.O homem morre porque sua alma e seu corpo podem se Separar, porque não estão suficientemente unidos. Se estivessem,O homem não morreria.

Só é mortal aquilo que tem corpo.Mas, há no homem algo imortal: existe um núcleo espiritual que nãoÉ destruído pela morte por serem imateriais.

A morte acaba com a pessoa mas não com o espírito, e por issoDeixa de ser um aniquilamento ( seg. cristianismo): “É bom queTu existas” !...

M O R T E - D e f i n i ç ã o :

-Algo que não pode ser descrito, pensado, nomeado, frente ao qual não se encontram palavras.

-Saímos do aconchegante útero materno rumo ao desconhecido numasituação de total desamparo, semelhante ao que ocorre quando saímosdo útero da VIDA, para cair no desconhecido da morte.-A morte é um espelho no qual o inteiro significado da vida é refletido.

-Nos campos de concentração de Dachau e Maidanek, havia imagensreproduzindo BORBOLETAS nas paredes, como metáforas da vidaapós a morte, como se a vida fosse o casulo onde nos preparamos paraa verdadeira passagem que é a morte.

DEF.- Morte é a cessação do processo vital em um organismovivo. VIDA : É exercício da existência...

A P O P T O S E - ( falling apart)

Quando a isquemia lesa o DNA, tem início a morte celularprogramada das membranas: a célula “DESEJA” morrer.

A MORTE É PROGRAMADA GENÉTICAMENTE:

O ENVELHECIMENTO é uma desprogramação no final dessaprogramação, i. e., uma DESPROGRAMAÇÃO PROGRAMADAe não um processo determinado.

Ele é um sub-produto, algo imposto ao processo biológico ordinário de evolução e desenvolvimento.

A P O P T O S E - ( falling apart)Existe um ENVELHECIMENTO CELULAR, consequente a uma acumulação de mutações ou desordens no interior das células, que finalmente operam a degradação da síntese das proteínas, do sistema imunológico e desequilíbrio qualitativo e quantitativo de seu metabolismo, que têm por origem:

� Radiatividade natural� Radiações ionizantes cósmicas� Radicais livres (oxidantes)� Erros inevitáveis do funcionamento celular� Reações químicas do DNA� Acaso quântico ( acumulação de erros)� Acidentes microfísicos ao acaso.

NOVA BIOLOGIA:

3 Tipos de Morte:

1. Morte específica ou GENÉTICA : desprogramaçãoprogramada.

2. QUÂNTICA (estatística): por acumulação de mutações e erros.( a mutação é a origem da morte).

3. Degradação do CÉREBRO- (Ferramenta).

A morte quântica é extra-biológica, escondida no próprio âmago do fenômeno da vida, cujo funcionamento é essencialmente induzido por elétrons que fazem a morte surgir no mais íntimo da Vida.

MORTE CEREBRAL• A vida do homem não é outra coisa que a vida do seu cérebro.

• Um cérebro vivo dá ao homem sua identidade essencial como pessoa humana, sua personalidade. Um cérebro morto nos deixa frente a um corpo que perdeu sua identidade humana, tornando-se quase que um vegetal, um vestígio de pessoa, tirando do homem sua humanidade.

MORTE CEREBRAL• Vida e morte são dois pólos de um mesmo mundo. A Biologia e a Tanatologia obedecem os mesmos critérios.

• Onde há vida há morte em potencial, e ambas estão ligadas ao funcionamento do cérebro, sem o qual a vida se torna radicalmente impossível.

• É, pois, ao nível do cérebro que se deve situar a morte. O homem despojado da força de seu cérebro torna-se apenas um CADÁVER !

MORTE CEREBRAL

O QUE FAZ O “ HOMO SAPIENS “ É A SUA CONFIGURAÇÃO CEREBRAL .

É nesse íntimo parentesco cerebral que a morte e a vida revelam sua trágica unidade.- A morte do cérebro significa, ao mesmo tempo, a morte do ser humano, seu corpo sendo literalmente abandonado à deriva pelas forças da mente e do espírito, que retiram do corpo suas condições de vida, instalando suas condições de morte.

CONCEITO deMORTE CEREBRAL

“ A MORTE CEREBRAL É EQUIVALENTE À MORTE PROPRIAMENTE DITA, UTILIZANDO-SE CRITÉRIOS CARDIO -PULMONARES. “Lei Modelo sobre Morte CerebralThe Uniform Determination of Death Act (UDDA)

Comissão Presidencial dos Estados Unidos, Assoc. Medica Americana (AMA) e Assoc. Americana de Juristas, 1980

DECLARAÇÃO de MORTE ENCEFÁLICA(Conselho Federal de Medicina, 1997)

I. Critérios Clínicos :

1.O pac. deverá estar num respirador e não mostrar sinais de esforço respiratório.2.Reflexos do tronco encefálico não deverão estar presentes.3.Não se conseguirá obter sinais de abertura ocular, movimento espontâneo ou desencadeado por ruídos ou estímulos dolorosos ao nível da face ou tronco, além de movimentos por reflexos espinais.4.As pupilas estarão em posição mediana, não dilatadas.5.Há ausência de reflexos do tronco encefálico (olhos de boneca), óculo-vestibulares (irrig. com água gelada), corneanos, vomitar ou tosse.

II. OS EXAMESC O N F I R M A T Ó R I O S

1. Medida do FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL

2. ANGIOGRAFIA CEREBRAL CONTRASTADA

3. ANGIOGRAFIA com RADIOISÓTOPOS

4. E E G

5. DOPPLER TRANSCRANIANO

6. POTENCIAIS EVOCADOS

7. Outros exames

SPECT: PERFUSÃO CELULAR ENCEFÁLICA NORMAL

SPECT: AUSÊNCIA DE PERFUSÃO CELULAR ENCEFÁLICA

ESTADO VEGETATIVO PERSISTENTE

(“LOCKED OUT SYNDROME ou P V S” )

- - - O cortex cerebral está desconectado do mundo externo e toda consciência do exterior foi perdida, causada por lesões amplas e bilaterais dos hemisférios, das conexões intra esubcorticais da substância branca e necrose do tálamo.

Kinney, 1994

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E LEGAIS

- - - “ O PRONUNCIAMENTO DA MORTE É DE RESPONSABILIDADE DA M E D I C I N AE NÃO DA I G R E J A - - - “

“ - - - É obrigação do Médico dar uma definição clara e precisa de ‘morte’ e do ‘momento da morte’ de um paciente que expira num estado de inconsciência. Quando a doença atingiu proporções “sem expectativas” a morte não deve ser combatida por “medidas extraordinárias”- - -

Papa PIO XII (Proclamação de 1958 )

EUTANÁSIAPorque abreviar a vida ?

ATIVA – Apressar a morte ( é crime.)

PASSIVA – Deixar de utilizar os meios artificiais e adotar medidas que aliviem a dor e minimizem o sofrimento – é procedimento ético;como também desligar progressivamente todo o maquinário de res-piração artificial; usar os meios artificiais logo após a morte encefá-lica para manter certos órgãos vivos para aproveitamento em transplantes, tb. é procedimento ético.

DEF.- prática, sem amparo legal, que busca abreviar, sem dor esofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável.

ORTOTANÁSIA -

MORTE digna, sem abreviações desnecessárias e sem sofrimentos adicionais (orto = correto). Morte em seu tempo.Compreende o processo de humanização da morte e o alívio das dores, e não incorre em prolongamentos abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que imporiam sofrimentos adicionais.

DISTANÁSIA -Até quando prolongar a vida ?

É morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento, com prolon-gamento exagerado da agonia e da própria morte de umpaciente, usando-se tratamento fútil e inútil, sem defesa dadignidade humana no final da vida.

OBSTINAÇÃO TERAPÊUTICA – Comportamento médico que consiste em utilizar processos terapêuticos cujo efeito émais nocivo do que os efeitos do mal a curar, ou inútil, porquea cura é impossível e o benefício esperado é menor do que osinconvenientes previsíveis.SIN.: Medical futility

Acharnement therapeutique

MISTANÁSIA -É a morte infeliz, a vida abreviada de centenas de pessoas,que esquece o conceito de vida em sua concepção físico-bio-lógica como bem fundamental, e não como valor absoluto, semo sentido da dor e do sofrimento humanos e desproporção no investimento terapêutico.Há exclusão e desigualdade (> na Amer. Latina) e as chances so-ciais de viver com dignidade são reduzidas e o processo de morrer constitui uma abreviação coletiva da vida, tornando amorte algo miserável, fora e antes da hora: um grito pela digni-dade de morrer, sem justiça social equitativa.Aqui, a contribuição da ética teológica e da sabedoria éticacristã, torna-se fundamental para iluminar as sombras, quando se expropria a pessoa de seu direito de viver a própria morte

( Mys = infeliz)

CRIPTOTANÁSIA -

É uma eutanásia na qual não há o pedido dopaciente, e sim uma decisão secreta da equipe médica.

Ex.: - Eutanásia social do nazismo- Eliminação de idosos pobres e doentes mentais- Forma de matar os excluídos que incomodam.

9. CONCLUSÕES III-- CLÍNICAS:CLÍNICAS:1.1 O exame clínico neurológico é soberano na triagem e como primeira determinação do

quadro médico de Morte Encefálica.1.2 Os exames gráficos ou confirmatórios da Morte Encefálica, foram indispensáveis para

comprovar a ausência da função encefálica.1.3 Em nossa experiência, os exames confirmatórios de maior confiabilidade nessa

determinação foram o SPECT, os POTENCIAIS EVOCADOS e o DOPPLER TRASNCRANIANO, respectivamente, sendo o SPECT atualmente preferencial em nosso Serviço como um dos exames de escolha.

1.4 Neste estudo consideramos a Angiografia Cerebral por cateterismo como exame de exceção e o EEG como exame desnecessário.

1.5 O teste de apnéia, no presente estudo, foi criteriosamente estudado e considerado como exame de risco, se não existir uma unidade de proteção sistêmica com intensivistas e enfermagem especializadas, embora a legislação vigente exija sua realização. A parada cardíaca associada a um maior sofrimento cerebral poderão ocorrer numa porcentagem importante de pacientes já vulneráveis; sobretudo se um segundo teste for realizado.

1.6 Torna-se importante, como foi demonstrado, a existência de uma Unidade e Equipe Especializada no estudo, manutenção, normatização e cuidados intensivos e humanos aos pacientes terminais em estado de Morte Encefálica, sejam eles ou não potenciais doadores de órgãos.

9. CONCLUSÕES IIIIII-- NEUROFISIOLÓGICAS:NEUROFISIOLÓGICAS:

2.1 O presente estudo e os demais existentes na literatura mundial vieram demonstrar que em seres humanos, como em outras formas avançadas de vida, o sistema crítico é o ENCÉFALO.

2.2 De acordo com os conceitos atuais de MORTE, ela pode ser formulada como “ a perda irreversível das funções do organismo vivo como um todo, estando esse organismo morto quando seu sistema crítico ( o encéfalo) é destruído, o que propicia as condições necessárias e suficientes para uma definição de morte, sendo esta um limite à atividade de integração, de cognição e de consciência, as quais são encéfalo-dependentes.

2.3 Lesões maciças do córtex cerebral produzidas por traumas ou por anóxia podem não causar inconsciência não pode existir; trata-se do Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA), que faz a sobrevivência do tronco encefálico necessária para a capacidade de gerar a consciência.

2.4 Essa importante função neurofisiológica do SARA nos permite afirmar que o tronco encefálico, e especialmente sua formação reticular, é o sistema crítico do sistema crítico. O primeiro estabelece a morte da pessoa e o segundo estabelece a morte do encéfalo, ou seja, a morte SNC como um todo.

(Cont.)

9. CONCLUSÕES III

(Cont.):2.5 O estabelecimento destes novos critérios veio conferir ao termo morte encefálica um alto grau de precisão, permitindo seu uso pragmático, após a realização do soberano exame neurológico clínico, os exames confirmatórios gráficos e a documentação inflexível doteste de apnéia, todas essas funções pesquisadas, permitindo o diagnóstico do paciente como troncoencefálicamente morto e, demonstrando, assim, que o estar ligado a ventiladores, não implica em que a vida esteja presente.

2.6 O presente estudo, realizado nas condições mais rigorosas da medicina intensiva e de exames clínicos e laboratoriais minuciosos, permite-nos, baseados em nossa estatística, encaminhar as conclusões abaixo enumeradas ao colendo Conselho Federal de Medicina, no sentido de sugerir e recomendar a alteração do próprio texto da lei, sobre tudo em relação à realização de teste de apnéia como consta em seu próprio Art. 2º.§ único: “As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo[...]” (Cont.):

9. CONCLUSÕES IVIIIIII-- ÉTICAS E BIOÉTICAS:ÉTICAS E BIOÉTICAS:

3.1 - Muitas das conclusões anteriormente exposta já têm sido analisadas globalmente em vários paises, transformando-se em LEIS formais em vários deles.

3.2 - Fica também demonstrado que, tanto a ciência médica como a bioética, em especial, têm encontrado sérias dificuldades nas formulações dos critérios de morte, e o presente estudo demonstra que a procura de mais respostas éticas, bioéticas e científicas, ao invés de criar mais dilemas de ordem médica, deverá repousar em mais pesquisas e maior análise dos dados científicos já obtidos, e não no ceticismo e nas tentativas de passar essa responsabilidade para as autoridades de saúde, da jurisprudência e para a previsão social, e, menos ainda, para os religiosos e filósofos de plantão.

3.3 - As instituições sociais, legais, médicas e religiosas sempre exigirão dos bioeticistas melhores definições quanto ao instante exato da morte, as quais só poderão ser determinadas por critérios biológicos, que obrigatoriamente se tornarão estatutários.

3.4 - Esses critérios, como sugere o presente estudo, é o instante em que o sistema crítico-encefálico se torna irreversivelmente não-funcionante, segundo os critérios médicos e neurofisiológicos precisos expostos na presente monografia.

(Cont.)

9. CONCLUSÕES V(Cont.):

3.5 - Descontinuar o tratamento em caso de Morte Encefálica diagnosticada e comprovada pelos métodos citados não mais significa permitir morrer, e sim “permitir morrer de forma mais aceitável e mais digna”. A afirmação “deixar morrer” só teria sentido se fosse possível, em algum estágio das doenças, encontrar outras alternativas para a manutenção da vida.

3.6 - Portanto, desistir quando todos os recursos médicos já foram tentados e esgotados, não deve mais ser interpretado como uma forma familiar de eutanásia passiva, e sim uma humanização de nossos cuidados médicos, em razão do aperfeiçoamento dos meios de diagnóstico da Morte Encefálica, a fim de que sejam adotadas novas condutas para uma verdadeira ORTOTANÀSIA – o término da vida com maior dignidade.

3.7 - Concluímos, finalmente, que a ciência da Bioética vem sofrendo uma ascensão e um novo ressurgimento, num momento em que a Medicina vem desempenhando um papel descomunal em nossa cultura, profundas reflexões se fazendo necessárias para lidar com esse poder, e criando um campo tremendamente fértil para ensinar aos mais jovens essa nova filosofia da vida, estimulando-os a enfrentar matérias tão ricas e tão novas, sobretudo no relacionamento médico-paciente e o significado da moralidade nas instituições de saúde.

FACULDADE DE MEDICINA da USP

Núcleo de BIOÉTICA