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39 DOSSIER CARNES 2 o . TRIMESTRE 2018 Por: Carlos Santos e Cristina Roseiro Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) Unidade de Tecnologia e Inovação Av. da República, Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal Efeito da relação pH/temperatura muscular post‑mortem na qualidade da carne maturada 1. Introdução A gestão da qualidade da carne deverá assentar num sistema integrado de con- trolo, baseado na assumpção de pontos crí- ticos relevantes para a fileira ao nível da produção primária, do maneio animal peri- mortem e processamento post‑mortem (car- caças e sectores a jusante do matadouro). Qualquer falha num ou mais desses pon- tos críticos poderá originar um aumento do risco associado a um padrão inferior na aparência comercial, rendimento e pala- tabilidade percepcionadas pelo consumi- dor. Apesar da multiplicidade de factores de produção reconhecidamente influentes na definição dos pilares centrais da qua- lidade intrínseca da carne, de que se des- tacam os atributos tenrura, capacidade de retenção de água, cor e flavor, os determi- nantes da evolução simultânea post‑mortem dos valores do pH e temperatura muscular, no período imediatamente anterior à insta- lação do “rigor mortis”, são, de longe, aque- les que mais afectarão o respectivo nível de variabilidade, que se deseja seja mínimo. Trabalhos desenvolvidos no domínio da variabilidade verificada na palatabilidade da carne vermelha sublinham a enorme influência do músculo analisado, aproxi- madamente 60 vezes superior à que resulta da variação entre animais para o mesmo músculo. Tal evidência aconselha, por- tanto, a adopção de critérios de proces- samento diferenciados para as diferentes peças açougueiras. A razão para a necessidade da aplica- ção das melhores práticas neste domí- nio técnico tão particular, está associada à ultra-estrutura tridimensional da célula muscular, unidade central deste sistema, extremamente complexo e interativo post‑mortem, de natureza iminentemente proteica. Neste aspecto particular da quí- mica da carne e na sua grande sensibili- dade aos valores do pH e temperatura do meio envolvente, reside toda a dinâmica na formação da arquitetura espacial das suas sub-unidades miofibrilhares e sarcó- meros inclusos, com repercussão nos dife- rentes pilares da qualidade. O presente manuscrito abordará alguns dos factores com maior influência na defi- nição dos principais atributos da qualidade da carne, realçando também quanto cer- tos detalhes desenvolvidos post‑mortem na estrutura muscular as afecta. 2. Transformação do músculo em carne Em função da taxa de glicólise anaeróbica em desenvolvimento, a evolução tempo- ral do pH muscular post‑mortem depende extraordinariamente da espécie e raça do animal, sendo mais rápida nas que apre- sentam maior prevalência de fibras brancas glicolíticas e mais lenta quando predomi- nam as fibras vermelhas oxidativas. Como resultado desta diferença, regista-se “senso lato” a instalação do rigor mortis em ape- nas um par de horas nas aves, levando este processo até cerca de 24 horas nas carca- ças dos grandes ruminantes. Reflexo desta condição, verifica-se um estado generali- zado de contração das células musculares

TA15 Dossier Carne Maturada - INIAV · Figura 2 – Perfil da ternura (força de corte) nos músculos Biceps femoris e Longissimus dorsi de novilhos abatidos nos açores. a evolução

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Dossier carnes

2o. TRIMESTRE 2018

Por: Carlos Santos e Cristina RoseiroInstituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV)Unidade de Tecnologia e Inovação Av. da República, Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal

Efeito da relação pH/temperatura muscular post‑mortem na qualidade

da carne maturada

1. IntroduçãoA gestão da qualidade da carne deverá assentar num sistema integrado de con-trolo, baseado na assumpção de pontos crí-ticos relevantes para a fi leira ao nível da produção primária, do maneio animal peri-mortem e processamento post‑mortem (car-caças e sectores a jusante do matadouro). Qualquer falha num ou mais desses pon-tos críticos poderá originar um aumento do risco associado a um padrão inferior na aparência comercial, rendimento e pala-tabilidade percepcionadas pelo consumi-dor. Apesar da multiplicidade de factores de produção reconhecidamente infl uentes na defi nição dos pilares centrais da qua-lidade intrínseca da carne, de que se des-tacam os atributos tenrura, capacidade de retenção de água, cor e fl avor, os determi-nantes da evolução simultânea post‑mortem dos valores do pH e temperatura muscular, no período imediatamente anterior à insta-lação do “rigor mortis”, são, de longe, aque-les que mais afectarão o respectivo nível de variabilidade, que se deseja seja mínimo. Trabalhos desenvolvidos no domínio da variabilidade verifi cada na palatabilidade da carne vermelha sublinham a enorme infl uência do músculo analisado, aproxi-madamente 60 vezes superior à que resulta da variação entre animais para o mesmo músculo. Tal evidência aconselha, por-tanto, a adopção de critérios de proces-samento diferenciados para as diferentes peças açougueiras.A razão para a necessidade da aplica-ção das melhores práticas neste domí-nio técnico tão particular, está associada à ultra-estrutura tridimensional da célula

muscular, unidade central deste sistema, extremamente complexo e interativo post‑mortem, de natureza iminentemente proteica. Neste aspecto particular da quí-mica da carne e na sua grande sensibili-dade aos valores do pH e temperatura do meio envolvente, reside toda a dinâmica na formação da arquitetura espacial das suas sub-unidades miofi brilhares e sarcó-meros inclusos, com repercussão nos dife-rentes pilares da qualidade.O presente manuscrito abordará alguns dos factores com maior infl uência na defi -nição dos principais atributos da qualidade da carne, realçando também quanto cer-tos detalhes desenvolvidos post‑mortem na estrutura muscular as afecta.

2. Transformação do músculo em carne

Em função da taxa de glicólise anaeróbica em desenvolvimento, a evolução tempo-ral do pH muscular post‑mortem depende extraordinariamente da espécie e raça do animal, sendo mais rápida nas que apre-sentam maior prevalência de fi bras brancas glicolíticas e mais lenta quando predomi-nam as fi bras vermelhas oxidativas. Como resultado desta diferença, regista-se “senso lato” a instalação do rigor mortis em ape-nas um par de horas nas aves, levando este processo até cerca de 24 horas nas carca-ças dos grandes ruminantes. Refl exo desta condição, verifi ca-se um estado generali-zado de contração das células musculares

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muscular (Figura 1). Ambas as alterações originam transferência da água localizada no interior das miofibrilhas para o espaço intermiofibrilhar, passo fundamental no processo de perda por exsudação através dos canais de drenagem formados entre as células e os respectivos fascículos.

Pela especificidade do respectivo metabolismo muscular post‑mortem, já atrás referidas, a espécie e a raça representam factores determinantes no possível desen-volvimento da contração pelo calor. Daí a condução das diferentes fases do maneio peri-mortem e do processo implementado para o abate e preparação das respecti-vas carcaças, nomeadamente a taxa de arrefecimento, deverem ter esta distinta realidade em consideração, por forma a mitigar a frequência com que esta situa-ção gravosa ocorre nas diferentes fileiras. No presente trabalho apenas serão abor-dadas as da carne suína e de pequenos e grandes ruminantes.

A perda para a indústria relacionada com níveis inaceitáveis na capacidade de retenção de água da carne cifra-se em muitos milhões de euros/ano. Qual a inci-dência de carne de qualidade inferior asso-ciada à contração pelo calor nas unidades industriais do nosso pais? Não conhece-mos nenhuma ação de diagnóstico, de fundo, realizada nos diferentes sectores.

que resulta, em condições ideais de pro-cessamento, no encurtamento dos sar-cómeros até cerca de 20-30% do seu tamanho inicial em total estado de rela-xação, com consequências sempre nega-tivas na tenrura e capacidade de retenção de água, que nesta situação ideal serão potencialmente mínimas.

Se esta redução do valor do pH e a consequente instalação do rigor mortis não for acompanhada da diminuição con-comitante dos valores iniciais da tempera-tura muscular/corporal (40-38,5˚C) para justamente 14-15˚C durante as diferen-tes fases do processamento das carcaças, incluindo o arrefecimento/refrigeração, então o nível da interação entre a miosina e a actina (encurtamento dos sarcómeros) e a própria funcionalidade das proteínas estruturais poderão resultar substancial-mente modificadas, podendo dar origem às situações extremas de contração pelo calor e pelo frio.

2.1. Contração pelo calor Quanto mais elevada for a temperatura a que ocorre o quadro evolutivo post‑mortem tanto maior a tendência para se gerarem níveis de contração mais elevados durante a instalação do rigor mortis. Se bem que as perdas na tenrura em resultado dum “defi-cit” de arrefecimento não seja verdadeira-mente o motivo da maior preocupação, o impacto noutros atributos da qualidade, nomeadamente cor e capacidade de reten-ção de água, poderá ser deveras redutor, se na situação coexistirem valores de pH inferiores a 5,8 e valores de temperatura superiores a 35˚C. Neste caso, a desnatu-ração e até coagulação de proteínas miofi-brilhares e sarcoplasmáticas chave poderá resultar em enormes perdas por exsu-dação e cor mais pálida. São por demais conhecidos os casos exuberantes das car-nes pálidas, moles e extremamente exsu-dativas (PSE) na fileira da carne suína e as

carnes de cor considerada aceitavelmente normal mas francamente mais exsudati-vas em todas as restantes fileiras. Estima-se, por exemplo, que cerca de 50% da carne de porco produzida a nível mundial dê origem a níveis inaceitavelmente ele-vados de perdas por exsudação, podendo as perdas de peso oscilar entre 1 e 15%. Durante a instalação do rigor mortis, para além do encurtamento dos sarcómeros, o diâmetro das células musculares também diminui, em resultado da retracção late-ral das miofibrilhas induzida pela evolução do pH. As miofibrilhas estão ligadas entre si e ao sarcolema por diferentes filamentos proteicos e estruturas especializadas (costâ-meros), respectivamente. Se estas ligações se mantêm intactas durante a fase inicial da evolução muscular post‑motem acabam por assegurar que a redução do diâmetro miofibrilhar é transmitida a toda a célula

Proteólise Sem proteólise

Trabalhos desenvolvidos no domínio da variabilidade verificada na palatabilidade da carne vermelha sublinham a enorme influência do músculo analisado, aproximadamente 60 vezes superior à que resulta da variação entre animais para o mesmo músculo.

Figura 1 – representação esquemática das alterações do diâmetro da célula muscular influenciadas pelo desenvolvimento da proteólise durante a evolução post‑mortem (Fonte: Lonergan & Lonergan, 2005).

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Como prognóstico, atrevemo-nos a classifi-car a situação real entre um nível que varia entre o preocupante e o francamente acei-tável, se atentarmos às diferentes condições operativas que se conhecem. Passam-se a descrever as condições consideradas poten-ciadoras da instalação da contração pelo calor nas seguintes fileiras alvo:

Suínos – Se forem eliminados dos efe-tivos para abate os animais portadores de mutação no gene receptor da riano-dina, que se manifesta na incapacidade de regulação do fluxo de cálcio através do canal do retículo sarcoplasmático para o sarcoplasma (gene do halotano), nomeadamente em situações associadas a stress físico/psicológico e na produção de carne PSE numa fase extremamente precoce da evolução post‑mortem (30-45 minutos após o abate), a contração pelo calor acontece neste sector de ati-vidade quando o arrefecimento das car-caças é insuficiente para dissipar o calor latente das mesmas com a celeridade requerida pela rápida queda do pH que caracteriza esta espécie. Por outro lado, a taxa da redução do pH muscular pos‑t‑mortem poderá ainda resultar agravada se as medidas de maneio ante-mortem, nomeadamente as utilizadas na con-dução dos animais da abegoaria para a linha de insensibilização, gerarem ele-vados níveis de stress e se esta última operação for conduzida com recurso a corrente eléctrica. Em situações de ati-vidade muscular intensa ou perante

Forç

a de

cor

te (

kgf)

10

9

8

7

6

5

4

3

2

1

00 5 10 15 20 25

Tempo de maturação (dias)

35 40 4530

Bf

Ld

Figura 2 – Perfil da ternura (força de corte) nos músculos Biceps femoris e Longissimus dorsi de novilhos abatidos nos açores. a evolução dos valores médios obtidos ao longo da maturação no Biceps femoris são claramente indicadores da existência de contração pelo calor, evidenciando uma quase inexistência de tenrificação da carne.

quadros prolongados de stress, o O2 pre-sente na célula muscular pode ser rapida-mente esgotado e, nesta condição o ATP é obtido em anaerobiose, com formação do ácido láctico. Também a passagem da corrente eléctrica através do cérebro do animal desencadeia a contração genera-lizada dos músculos, que por sua vez pro-move uma aceleração do metabolismo e queda do pH (ΔpH 0,6 a 35˚C).

O facto das carcaças manterem, habi-tualmente, o courato também dificulta o arrefecimento e potencia o desenvolvimento do binómio pH/temperatura muscular compatível com a ocorrência da contração pelo calor, agravando-se estas condições se a estiva das carcaças em câmara não propor-cionar uma boa circulação do ar.

Pequenos e grandes ruminantes – Em unidades equipadas com meios de produção de frio minimamente eficazes, a contração pelo calor é praticamente impro-vável nos pequenos ruminantes, atendendo à forma lenta como o pH muscular pos‑t‑mortem evolui e à facilidade com que são arrefecidas as suas carcaças. Já para os

grandes ruminantes, e apesar do perfil metabólico poder ser ainda ligeiramente mais lento, a situação pode afigurar-se muito mais problemática, nomeadamente nas raças dotadas de grande desenvolvi-mento muscular, com particular realce para os músculos da perna com desenvol-vimento em profundidade (Semi-mem-branoso; Bíceps femoris, Gluteus médio e profundo, etc.) que aparecem com 2 tona-lidades distintas. Carece ainda ser equa-cionado neste domínio, o facto de alguns matadouros praticarem a estimulação eléc-trica das carcaças durante a fase da sangria de forma sistemática, e de promoverem a esfola com recurso a métodos eléctricos de imobilização. De acordo com estudos rea-lizados por Hwang e Thompson, (2001), a aplicação precoce destas estimulações eléctricas às carcaças promove uma queda muito rápida e significativa do pH muscu-lar, com consequências negativas na ativi-dade desenvolvida pelo sistema calpaínico (eg. menor atividade da μ-calpaína e maior atividade da calpastatína) e, consequente-mente, perdas na tenrura da carne, mesmo se sujeita a maturação. Se, por acréscimo,

O controlo da temperatura representa o factor central para a salvaguarda da segurança microbiológica na armazenagem, distribuição e comercialização dos alimentos perecíveis, nos quais a carne se inclui.

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a estiva das câmaras for realizada com sobreocupação e deficiente circulação do ar entre as carcaças, a dificuldade no arre-fecimento agrava-se e pode potenciar a ins-talação das condições compatíveis com a contração pelo calor.

Para além dos danos causados na capacidade de retenção de água (Offer & Trinick, 1983; Lonergan & Loner-gan, 2005) e cor (Renerre, 1990; Man-cini & Hunt, 2005), a contração pelo calor poderá ainda provocar uma dinâ-mica deficitária da maturação da carne, daí resultando inferiores e mais erráticos valores de ternura (Figura 2).

Se bem que numa fase inicial deste pro-cesso se possa assistir a uma mais rápida tenrificação da carne, pelo benefício que a temperatura muscular mais elevada tem na atividade das enzimas do sistema cal-paínico responsáveis pela hidrólise seletiva de proteínas estruturais chave (desmina, vinculina), a progressão deste processo de tenrificação ao longo do tempo irá ser irre-mediavelmente comprometido pela ina-tivação destes e outros agentes envolvidos (catepsinas), pela presença simultânea de valores de pH cada vez mais baixos e a persistência de temperaturas ainda consi-deravelmente elevadas. A variabilidade da

tenrura representa um dos factores mais críticos para a melhoria/consolidação do nível de aceitabilidade da carne pelos con-sumidores e o critério que mais influencia o desejo de repetirem a sua aquisição. Uma política sustentável de comercialização de carne maturada não é viável com a per-sistência de fenómenos de contração pelo calor nas unidades de produção/transfor-mação.

2.2. Contração pelo frioO controlo da temperatura representa o factor central para a salvaguarda da segu-rança microbiológica e shelf‑life na arma-zenagem, distribuição e comercialização dos alimentos perecíveis, nos quais a carne se inclui. Assim, nesta perspectiva, justi-fica-se o rápido arrefecimento da carne e a manutenção da cadeia de frio ao longo das diferentes fases da cadeia. Contudo, se conduzido de forma excessiva numa fase precoce da evolução post‑mortem, o arre-fecimento pode acarretar sérios danos na tenrura da carne, nomeadamente quando se atingem valores inferiores a 12-10˚C nos músculos, ainda na presença de ATP disponível para a contração. Esta dupla condição vai gerar níveis significativa-mente acrescidos de encurtamento dos

Figura 3 – Distribuição das relações pH/temperatura nos músculos Longissimus thoracis e Longissimus lumborum de vacas Frísia-Holstein reformadas, agrupadas por diferentes taxas de evolução post‑mortem do pH2 (rápida ●; intermédia ▲; lenta ■). nesta última condição, a instalação da contração pelo frio foi claramente verificada para algumas das carcaças (Fonte: santos et al., 2016).

6,8

6,6

6,4

6,2

6

5,8

5,6

5,4

5,240 35 30 25 20 15 10 5 0

pH

Temperatura (°C)

LTL

sarcómeros antes da instalação da rigidez cadavérica e reduzir consideravelmente a tenrura da carne comercializada após cur-tos períodos de maturação e originar sem-pre maior variabilidade nos valores médios deste importante atributo da qualidade.

Suínos – A rápida evolução natural do pH muscular post‑mortem nesta espécie se associada à implementação da insen-sibilização eléctrica dos animais faz com que a contração pelo frio nesta fileira seja quase tecnicamente impossível. Porém, se implementados regimes drásticos de arrefe-cimento (-30˚C ou mesmo inferior com ven-tilação forçada) com o intuito de minimizar a instalação de contração pelo calor em ani-mais insensibilizados por CO2 e portadores do gene do halotano, o problema da con-tração pelo frio pode colocar-se se não se controlar devidamente o tempo de estacio-namento das carcaças.

Pequenos e grandes ruminantes - Para minimizar esta ocorrência adoptou-se, como regra geral, só arrefecer carne de bovino e ovino abaixo dos 10˚C quando decorridas mais de 10 horas depois do abate. Após este período a possibilidade de persistirem reservas disponíveis de ATP é praticamente inexistente. Em virtude da pobre conformação e por vezes reduzida quantidade de gordura de cobertura das carcaças dos ovinos e das vacas reforma-das da produção de leite, o arrefecimento das respectivas carcaças, sem passar por regimes de produção de frio particular-mente eficientes, pode ser compatível com o desenvolvimento de contração pelo frio (Santos, et al., 2016) (Figura 3).

Em situações de atividade muscular intensa ou perante quadros prolongados de stress, o O2 presente na célula muscular pode ser rapidamente esgotado.

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BiBliograFiaHwang, I. H.; Devine, C.E.; Hopkins, D.L. (2003). The biochemical and physical

effects of electrical stimulation on beef and sheep meat tenderness. Meat Science, 65, 677 - 691.

Hwang, I. H.; Thompson, J. M. (2001). The interaction between pH and tem-perature decline early post mortem on the calpain system and objective tenderness in electrically stimulated beef Longissimus dorsi muscle. Meat Science, 58, 167 - 174.

Lonergan, E. H.; Lonergan, S.M. (2005). Mechanisms of water holding capacity of meat: The role of post-mortem biochemical and structural changes. Meat Science, 71, 194-204.

Mancini, R.A.; Hunt, M.C. (2005). Current research in meat color. Meat Scien-ce, 71, 100-121.

Offer, G.; Trinick, J. (1983) On the mechanism of water holding in meat: The swelling and shrinking of myofibrils. Meat Science, 8(4), 245-281.

Renerre, M. (1990). Factors involved in the discoloration of beef meat. Interna-tional Journal of Food Science and Technology, 25, 613-630.

Santos, C.; Moniz, C.; Roseiro, C.; Tavares, M.; Medeiros, V.; Afonso, I.; Dias, M.A.; da Ponte, D.J.B. (2016). Effects of Early Post-mortem Rate of pH fall and aging on Tenderness and Water Holding Capacity of Meat from Cull Dairy Holstein-Friesian Cows. Journal of Food Research, 5(2).

3. ConclusõesA garantia de um nível consistente de qua-lidade exige a implementação de proce-dimentos técnicos nas diferentes fases da cadeia de produção da carne que propor-cionem um declínio do pH e da tempera-tura muscular dentro dos limites definidos pelo conceito de “Janela da Qualidade”, que estabelece para o momento imediata-mente anterior à instalação do rigor mortis (pH 6,0-5,9) uma temperatura compreen-dida entre 15°C e 35°C. Se tal não aconte-cer por excesso de arrefecimento precoce, a qualidade da carne resultará fortemente prejudicada (contração pelo frio), de tal forma que a mesma é habitualmente con-siderada não edível. No outro extremo, a persistência da temperatura superior a 35˚C resultará em contração pelo calor, com redução da tenrura (em menor grau que a observada na contração pelo frio) mas sobretudo com reduzida capacidade de retenção de água e alteração dos padrões da cor (PSE e dupla tonalidade, pouco atrativas

no mercado retalhista “self-service”) e inca-pacidade para progredir satisfatoriamente durante o processo de maturação (desnatu-ração das proteases).

A utilização programada dos ”in puts” eléctricos na estimulação das carcaças possi-bilita uma certa regulação do declínio do pH muscular e desta forma, praticamente, erra-dicar a contração pelo frio das unidades de produção potencialmente indutoras do fenó-meno (Hwang et al., 2003). Ainda para este propósito de ajustamento da relação pH/temperatura poderá ser considerado atuar no regime de arrefecimento (tempo, tempe-ratura e ventilação) de acordo com o tipo de carcaça a processar (peso e teor de gordura). Faz ainda todo o sentido neste propósito garantir que os animais antes do abate pos-sam apresentar uma reserva energética mus-cular suficiente, através da implementação de boas práticas de maneio ante‑mortem realiza-das em instalações corretamente desenhadas e de meios adequados para a sua mobilidade da abegoaria para a linha de insensibilização.

Urge criar um sistema de acreditação baseado em auditorias técnicas aos requisi-tos acima mencionados que garanta que os matadouros mantêm, tanto quanto possível, as condições ideais de declínio do pH e tem-peratura na fase critica da evolução muscu-lar post‑mortem e uma qualidade optimizada da carne produzida.

helena.buco
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