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RWJ5 Fernando Tarall0 ' Doutor em sociolingüística peja Universidade da Pens ilvãnl a Professor da Universidade Estadual de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo APE8QUISA -80010- LINGÜÍSTICA 2,' edição

TARALLO, Fernando. A Pesquisa Socio-Lingüística. Editora Ética. p. 16-63

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Qual é a relação existente entre estes três conceitos: teoria, método e objeto? Como as possíveis combinações entre eles podem explicar ou complicar os caminhos aserem trilhados pelo pesquisador-cientista? Como assegurar que eles mantenham uma relação coesa, ordenada e lógica entre si? Embora essas perguntas não sejam fáceisde responder, vale o esforço da tentativa de responder a elas neste início de capítulo.

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  • RWJ5

    Fernando Tarall0 '

    Doutor em sociolingstica peja Universidade da Pensilvnla Professor da Univers idade Estadual de Campinas e da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    APE8QUISA -80010-

    LINGSTICA 2,' edio

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    da lngua, atravs do tempo). Em "Concluses", no cap-tulo 6, retornar a questo maior: a heterogeneidade sis-tematizvel da lngua falacja.

    Apreciaria muito se voc, no percurso da leitu ra deste livro, refletisse sobre a importncia da possibilidade de tal sistematizao, no sentido no somente de encar-Ia como um recurso para a resoluo de problemas de varia-o lingstica mais imediatos, como tambm de avaliar a fora e o peso de tal modelo de investigao para a soluo de questes tericas de maior abrangncia.

    Vamos luta!?

    2 o fato sociolingstico

    Teoria, mtodo e objeto Qual a relao existente entre estes trs conceitos:

    teoria, mtodo e objeto? Como. as possveis combinaes entre eles podem explicar ou complkar os caminhos a serem trilhados pelo pesquisador-cientista? Como assegu-rar que eles mantenham uma relao coesa, ordenada e

    . lgica entre si? Embora essas perguntas no sejam fceis de responder, vale o esforo da tentativa de responder a elas neste incio de captulo. '

    Em primeiro lugar, a relao entre os trs conceitos bvia e imperativa: toda cincia - a lingstica, em nosso caso particular - tem uma teoria prpria, um objeto especfico de estudo e um mtodo que lhe carac-terstico. Mas qual desencadeia o processo da investiga-o cientfica? Qual o, j1onto de partida mais adequado: a teoria, o mtodo ou o objeto? Comecemos a responder a essas perguntas a partir da .disposio linear em que os conceitos foram apresentdos: a teoria. Imagine uma t~oria que determine seu mtodo (algo esperado e desejvel!) e

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    seu objeto, ou seja, imagine uma situao de investigao cientfica em que os pressup!,stos terico-metodolgicos de-terminam o objeto de estudo! A teoria e o mtodo de anlise forosamente devero ter sido elaborados antes mesmo que o objeto tenha sido descrito. Constituir esse objeto de estudo, ento, um venjadeiro e genuno fato? Ou ainda, poder tal modelo terico dar conta de todos os fatos disponveis para anlise? Parece-me que a res-posta negativa! No s tal modelo no conseguir ana-lisar todos os fatos dispqn-veis, como tambm ter mesmo que cri-los artificialmente para se auto-afirmar. Mas nem s de loucura e desatino deve viver o pesquisador que habita em ns!

    Tomemos outro caminho! Uma vez que teoria e m-todo mantm entre si uma relao lgica, partamos do objeto de estudo. l ~partir de sua existncia real, com todas as suas inmeras, infinitas e possveis facetas, que tentaremos construir um modelo terico. Nesse sentido, a teoria, em princpio, dever dar conta de todos os fatos disponveis; pois, em sua constituio, ela no filtrou os fatos: ela os analisou a todos! O mdelo terico-meto-dolgico da sociolingstica parte do objeto bruto, no-po-lido, no-aromatizado artificialmente. Em poucas palavras, dentro do modelo de anlise proposto neste volume, o objeto - o fato ling?stico -:- o ponto de partida e, uma vez mais, um porto ao qual O modelo espera que retornemos, sempre que encontrarmos dificuldades de an-lise. O fato sociolingstico, o dado de anlise, ao mesmo tempo a base para o estudo Jingstico : o acervo de informaes para fins de confirmao ou rejeio de hipteses antigas sobre a lngua e tambm para o levan-tamento e o lanamento de novas hipteses. Mas defina-mos agora o objeto!

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    A lngua falada. O vernculo \ At este momento da exposlao de nossas idias

    vimos nos referindo freqentemente a "lngua falada", mas no a apresentamos ainda 'em sua forma e essncia. Pois bem, aqui est a primeira tentativa de definio: a lngua falada a que nos temos referido o veculol lin-gstico de comunicao usada em situaes naturais de interao social, do tipo comunicao face a face. l a lngua que u.samos em nossos lares ao interagir com os demais membros de nossas famlias. l a lngua usada nos botequins, clubes, parques, lrodas de amigos ; nos corre-dores e ptios das escolas, longe da tutela dos professores. l a lngua falada entre ainigos, inimigos, amantes e apai-xonados.

    Em suma, a lngua falada o vernculo: a enuncia-o e expresso de fatos, proposies, idias (o que) sem a preocupao de como enunci-los. Trata-se, portanto, dos momentos em que o mnimo de ateno prestado lngua, ao como da enunciao. Essas partes do dis-curso falado, caracterizadas aqui como o vernculo, cons-tituem o. material b.slco para a anlise sociolingstica. Evidentemente aquele material que no apresente as carac-tersticas do vernculo poder ser utilizado na anlise sociolingstica, caso o pesquisador saiba caracteriz-lo de-vidamente e desde que ele o aproveite com novas hiptec ses em mente. (Mais' detalhes sobre o aproveitamento ciesse material seguem no captulo' 4.) V-se, por co~seguinte, . que a natureza do objeto de estudo sempre. pre-ceder o levantamento de hipteses de trabalho e, conse-qUentemente, a construo do modelo terico. Como cole-tar, porm, o vernculo 'I

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    o paradoxo do observador

    Para a anlise socioling'stica que segue esse feitio necessria uma enorme quantidade de dados. Como o modelo de natureza quantitativa, a representatividade do corpus (isto , do material selecionado para a anlise) ser sempre avaliada em funo da varivel estudada e com base nos objetivos centrais do estudo em questo. Uma varivel fonolgica, como a perda da pluralidade em por-tugus, recorre mais freqentemente na fala do que uma varivel sinttica, como o uso de oraes relativas ou a alternncia entre a voz tiva e a passiva. Conseqente-mente, para se chegar a resultados quantitativos, estatisti-camente significativos, sobre a varivel sinttica, precisa-se de mais material de anlise. Uma vez que pretendemos estudar a lngua falada em situaes naturais de comuni-cao, como ento coletar uma vasta quantidade de mate-rial, sem que a presena do pesquisador interfira na natu-ralidade da situao de comunicao?

    Uma primeira alternativa seria a de procurar fazer o papel do pesquisador-observador: o pesquisador que no participa diretamente da situao de comunicao. Dessa maneira no ser prejudicada a naturalidade da situao! Os antroplogos - lingistas ou no - muito tm se servido' desse mtodo de coleta de dados. O sociolingista, porm, sentir a necessidade de controlar tpicos de con-versa e de eliciar realizaes da varivel lingstica em que esteja interessado. O pesquisador da rea da sociolings-tica precisa, portanto, participar diretamente da. interao. claro que, sendo especialmente interessado na comuni-dade como um todo, ele tambm se utilizar do mt()do da observap no momento de adentrar a comunidade de falantes. Sua participao direta na interao com 'os membros da comunidade , no entanto, uma necessidade imposta pela prpria orientao terica.

    Como resolver, por conseguinte, o paradoxo do obsr, vador? Isto , de um lado, o pesquisador necessita de,. grande quantidade de dados que somente podem ser cole- . tados atravs de sua participao direta na interao com ' os falantes; de outro, essa participao direta pode per-turbar a naturalidade do evento. Como solucionar este problema?

    o mtodo de entrevista sociolingstica: a coleta de narrativas de experincia pessoal

    I

    O propsito do mtodo de entrevista sociolingstica o de minimizar o efeito negativo causado pela presena do pesquisador na naturalidade da situao de oleta de dados. De gravador em punho, o pesquisador-sociolin-gista, como afirmamos, deve coletar: I. situaes natu-rais de comunicao lingstica e 2. grande quantidade de material, de boa qualidade sonora. .

    O pesquisador, ao' selecionar seus informantes, estar em contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etria, etnia e sexo. Seja qual for a natureza da situao de comunicao, seja qual for o tpico centraI da conversa, seja quem for o informante, o pesquisador dever tentar neutralizar a fora exercida pela presena do gravador e por sua prpria presena como elemento estranho comunidade. '. Tal neutralizaao pode ser alcan-ada no momento em que o pesquisador se decide a repre-sentar O ' papel de aprendiz-interessado na comunidade de falantes e em seus problmas e peculiaridades. Seu bje-tivo central ser, .portanio, aprender tudo sobre a comu-nidade e sobre os informantes que a compem. A palavra "lngua" dever ser evitada a qualquer preo, pois o obje-tivo que o informante no preste ateno a sua prpria maneira de falar. .

  • Para atingir tais propsitos metodolgicos podem-se formular mdulos (ou roteiros) de perguntas: um ques-tionrio-guia de entrevista . .' Esses mdulos tm por obje-tivo homogeneizar os dados de vrios informantes para posterior comparao, controlar os tpicos de conversa-o. e, em especial, provocar narrativas de experincia pessoal. Os estudos de narrativas de experincia pessoal tm dmonstrado que, ao relat-las, o informante est to envolvido emocionalmente com o que relata que pres-ta o mnimo de ateno ao como. E precisamente esta a situao natural de comuniCao almejada pelo pes-quisador-sociolingista.

    Os mdulos cobrem uma srie de tpicos para fins de conversao: dados pessoais do informante (sua his-tria), jogos e brincadeitas de infncia, brigas, ' namoro e. encontros amorosos, casamento, perigo de morte, medo, famlia; religio, amigos, turmas, servios pblicos, o cri-me nas ruas, escola e trabalho, interao com outros mem-bros da comunidade, esportes etc. O sucesso da aplicao dos mdulos poder variar para cada comunidade de fala, para cada grupo de falantes ou mesmo para cada indi-vduo. Cabe, portanto, ao investigador adapt-los a cada grupo estudado!

    A seguir voc ver parte do mdulo "Perigo de mOr-te", qe provou ser o mais eficaz durante a coleta de nar-rativas de adolescentes negros d.o Harlem, gueto de Nova Iorque. O m6dulo, tal como apresentado aqui, foi con-cebido por Labov e seu grupo de pesquisadores com base em in!"eras aplicaes com posteriores aperfeioamentos.

    Mdulo: Perigo de morte Pergunta 1: Voc j esteve alguma vez em uma situao em que estivesse correndo ' srio risco de vida (uma situa-

    . o em que tenha dito a voc mesmo: "Chegou a minha hora!n?

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    Pergunta t : O que aconteceu? \ Pergullta 3: Numa situao dessas algumas pessoas dizem: "Bom, seja o que Deus quiser!". O que voc acha?

    E assim por diante. Esse mdulo tem sido usado com bastante sucesso por sociolingistas brasileiros e, alm da traduo sugerida acima, vrias outras adaptaes podem ser feitas em funo do grupo estudado.

    Passemos agora definio de narrativa segundo 'o modelo proposto por Labov.

    A narrativa

    A narrativa de experincia pessoal a mina de ouro que o pesquisacior-socioling;sta procura..:. Ao narrar suas experincias pessoais mais envolventes, ao coloc-las no gnero narrativa, o informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupao com a form .... A desateno forma, no entanto, vem sempre embutida numa linha de relato, a que chamaremos' "estrutura narrativa".

    Na estrutura narrativa Labov salientou as seguintes partes: resunlO, orientao, complicao da ao, resolu-o da ao, avaliao e coda, definidas a seguir. Cada uma dessas subpartes composta de unidades mnimas de narrao, denominadas "oraes narrativas". Especialmen-te na complicao e na resolo da ao a ordem dessas oraes narrativas no pode ser alterada, pois sua se-qncia que marca a ordenao dos eventos, e no qual-quer trao mor(olgico no verbo. Por exemplo:

    . a. A o Z deu um murro na cara do Tio, b. que caiu no ch~o. c. Ento a mulher do Tio chamou a polcia . d. E .ela chamou mesmo!

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    Nesse exemplo de complicao e de resoluo da ao de uma narrativa, a on:lem das oraes no pode ser alterada, pois o passado' simples perpassa as quatro, isto , a morfologia do verbo por si s no resolveria questes de anterioridade e de posterioridade dos acon-tecimentos narrados. O elemento desencadeado r e compli-cador da ao o fato de Z ter esmurrado a cara de Tio (evento I ), o qual em seguida caiu ao cho (evento 2), tendo sua mulher chamado a polcia (evento 3) , E ela realmente o fez (evento 4), como nos informa O nar-rador. Qualquer alterao feita a essas quatro oraes nar-rativas acarretaria a dissoluo do encadeamento lgico proposto pelo informante.

    N as outras subpartes da narrativa a ordem das ora-es no to rgida, Na orientao, por exemplo, que consiste na introduo das personagens, do local e do tempo de ao, a ordem.. das oraes narrativas pode ser alterada, Assim tambm na avaliao, No resumo e na coda - o primeiro introduzindo as linhas gerais da ao, e a segunda, a marcao final do tempo da narrativa -, comum ser a ordem das o~aes mais fixa .

    A avaliao a parte da narrativa atravs da qual o narrador procura motivar o destinatrio (o ouvinte de seu relato) a valorizar o fato narrado. Ou seja, o narrador pretende com essa parte que o destinatrio, seu, ouvinte, se veja impedido de (e .no se sinta impelido a) fazer a clebre e frustrante pergunta: "E da?", Na verdde, nossa experincia em narrar garante-nos que uma estria "bem contada" sempre recompensada por interjeies ou lo-cues interjetivas de surpresa ou de admirao, do tipo: "Nossa!", "Minha no~sa!", "~ mesmo?", "Que loucura!", "Meu Deus!". A uma estria "mal contada" e de pouco interesse para o ouvinte, o narcador fatalmente receber um desconcertante UE da?" ou um irnico ul! mesmo?!",

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    Cabe, portanto, ao narrador, uma vez iniciado um relt~, evitar que sua narrativa seja mal recebida,

    No h ordem fixa para o aparecimento da avaliao: Em geral, essa parte segue-se complicao e precede a resoluo. Mas tambm muito comum a avaliao se-guir a orientao; antes mesmo da complicao da ao. Esse fato pode ser explicado precisamente pela inteno do falante de motivar seu ouvinte a reagir positivamente sua narrativa, Talvez tambm a ele se prenda a opcio-nalidade de aparecimento do resumo.

    Mas vejamos agora um exemplo de uma narrativa de um adolescente nascido em So Paulo, carregador de pa-cotes em um grande supermercado e morador de uma das favelas da cidade. O mdulo que provocou essa narrativa do informante uma combinao de famlia, interato social com outros membros da comunidade e servios p-blicos.

    a. Nis fic sem liz a, seis meis seIJl liz. b: Tem uns inquilinu l n, ento, . Tudu barracu qui me padastru tinha .alugadu, d . . Ento um cume num pag, atras c'u alugu, e. dipois num pagava liz nem nada, f. A us otru fal!l!u: "S nis qui vai pag, tudu

    mundu usanu!" g. A culilearu a num pag tamm, h. Um pag, u otru num pag, i. A u meu padastru peg i cort. j. Num pag tam\II na liti, k. A cortaru n. I. A ficamu sem liz dipois, n.

    De acordo com o mOdelo de narrativa apresentado nesta seo, pode-se faclln'inte identificar as partes que compem o relato do infoimante adolescente paulistano.

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    O resumo a primeira orao narrativa; as de letra (b) e (c) constituem a orientao; da orao (d) a (f) surge o elemento complicador da.' ao, que se resolve nas ora-es (g) a (k); a coda aparece na orao narrativa (l).

    Para finalizar esta seo do captulo apresentamos 'o diagrama que resume os componentes da narrativa se-gundo o modelo laboviano.

    FIGURA 1 _ Diagrama dos componentes da narrativa

    (LABOV, 1972b, p. 369)

    A comunidade e a sehto de . informantes Que tipo de comunidade estudar? Pequenas ou gran-

    des? Rurais ou urbanas? Industrializadas ou no? Quais informantes selecionar e quantos? C.omo entrar na comu-nidade e fazer os primeiros conta tos com os informantes?

    Essas so algumas das muitas perguntas que voc cer-tamente se far no incio de sua pesquisa. Com o grava-dor a tiracolo, e uma pequena receita em mente de como realizar um projeto de pesquisa, voc, mesmo assim, se sentir perdido e ter a impresso de estar pisando em cascas de ovos. Aqui vo, porm, alguns conselhos de quem j inmeras vezes se sentiu to desamparado quanto voc neste momento. .

    1. Seja qual for a comunidade, seja qual for o g~'po, jamais deixe claro que seu objetivo estudar 'a lngua tal como usada pela comu~idade ou grupo. Se voc inadv-tidamente o fizer, ou, mai~ grave ainda, se o fizer conscien-temente, muito provvel que o comportamento de seus informantes"':'" j prejudicado pelo uso do gravador e por sua presena - se altere ainda mais, e a pesquisa, conse-qentemente, se torne ainda mais' enviesada. Procure, por-tanto, colocar ao informante os objetivos de sua pesquisa fora do campo da linguagem. Lembre-se tambm de que, sendo a lngua propriedade do grupo estudado, seus infor-mantes podero se sentir ameaados e embaraados.

    2. Esclarea sempre ao informante que a fita gra-vada contendo informaes at de natureza pessoal poder ser inutilizada a pedido do entrevistado, na presena ,do mesmo.

    3. Procure acomodar seu comportamento social f lin-gstico ao do grupo ou da comunidade~entrevistada isto , tente minimizar o efeito negativo de sua presena sobre o comportamento sociolingstico natural da comunidade.

    4. Procure entrar na comunidade atravs de tercei-ros, ou seja, de pessoas j devidamente aceitas pela comu-nidade. I

    5. O critrio bsico para a seleo de informantes ser o da amostragem aleatria. Tal critrio dever ser usado especialmente no caso de a comunidade . estudada ser um grande centro urbano. A amostragem aleatria lhe dar a certeza de que voc ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade de serem entr~vistados. A consulta ao censo da comunidade imprescind~ vel, bem como reflexo cuidadosa sobre os critrios de classificao dos informantes em grupos socioeconmicos.

    6. Nos estudos de comunidade estabelea parmetros rgidos para a,~eleo de informantes, como, por exemplo: somente sero entrevistados aqueles indivduos que ou te-

  • nham nascido na comunidade em qlesto ou a ela tenham chegado at os 5 anos de iII ade. Com isso voc evitar que a escolaridade do informante em uma outra comuni-dade, ou sua interao com falantes de outro centro at a fase crtica da adolescncia tenham reflexo sobre a marca sociolingstica do grupo estudado.

    7. O tamanho da amostra depender da natureza lin-gstica da varivel a ser estudada. Uma varivel fonol-gica, por exemplo, bastante recorrente na fala; j uma varivel sinttica ocorre com menosfreqncia, exigindo, portanto, uma amostragem maior, bem como estratgias especiais para faz-Ia ocorrer.

    Mas passemos agora ao nmero de' informantes. Quantos devem ser e como organiz-I~s?

    As clulas sociais Ao se decidir por estudos da lngua falada e pela

    teoria da variao lingstica, voc logo se deslumbrar com a riqueza dos dados. Tudo se toma subitamente to interessante que voc se inclinar a abrir o leque de opes o mximo possvel e a propor projetas de dimenses astro-nmicas. Tome cuidado! .Certas medidas so necessrias para que voc possa, por exemplo, afirmar que uma deter-minada variante uma marca social de um grupo menos privilegiado economicamente.

    Vejamos ento algumas situaes hipotticas. Supo-nha que voc deseje estudar a influncia' de dois grupos socioeconmicos e do sexo sobre o uso de certas variant~s. Nesse caso voc ter duas culas d . varivel grupo socio-econmico e duas da varivel sexo: . . Veja: -

    Grupo socioeconmico: A e B (2 clulas); Sexo: Masculino e Feminino (2 clulas).

    Para tornar sua amostrgem representativa, de quatro combinaes diferentes:

    Masculino A; Masculino B; Feminino A; Feminino B.

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    voc precisar ,

    A seguir, .preveja um outro tipo de fator condicionador ~ faixa etria, por exemplo, - que voc suspeite ser signi-ficativo para ~ anlise da batalha entre as variantes:

    Grupo I: de 15 a 29 anos; Grupo 2: de 30 a 45 anos; Grupo 3: de 46 a 60 anos.

    Acrescentando faixa etria s duas outras clulas sociais, vare ter doze possveis combinaes, a saber:

    1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9.

    10. 11. 12.

    Sexo Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino Masculino Feminil\o Feminino Feminino Feminino Feminino Feminino

    Classe A A A B B B A A A B B B

    Idade 15 a 29 anos 30 a 45 bno's 46 a 60 anos 15 a 29 anos 30 a 45 anos 46 a 60 anos 15 a 29 'anos 30 a 45 anos 46 a 60 anos 15 a 29 anos 30 a 45 anos 46 a 60 anos

    Para cada uma das doze clulas voc. necessitar de um mnimo de 5 informantes de modo a garantir a represen-tatividade da amostra. Se voc incluir somente a varivel

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    grupo socioeconoffilco, ir necessitar de um mnimo de 10 informantes, 5 para cada grupo. Se as duas clulas -grupo socioeconmico e sexo - forem includas como parmetros externos aos dados, sero necessrios ' 20 in-formantes; se voc decidir que tanto grupo socioeconmico quanto idade e sexo forem significativos para a anlise das variantes lingsticas, um mnimo de 60 informantes deve-ro ser entrevistados. Como voc v, '0 trabalho rduo!

    A medida de 5 informantes para cada combinao dos fatores extralingsticos pode ser-lhe muito til no mo-mento de definir e caracterizar o universo de sua amostra. Ligar o gravador muito fcil, mas reflita e pondere muito sobre o tipo e a quantidade de material que voc pre-tende analisar. Como elemento estranho comunidade, no lhe ser muito fcil chegar ' ao vernculo imediata-mente. Afine-se com a comunidade o mximo possvel; acomode-se sociolingistit:amente a ela! Voc somente ter a ganhar em riqueza de dados s

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    muitos. No desanime! Quanto mais tempo voc passar no. campo, coletando dado~; mais criativo voc se tornar em relao s possveis maneiras de minimizar o efeito negativo causado por sua participao direta na interao.

    Nos prximos captulos voc entrar em cantata com resultados de anlises j realizadas sobre o portugus fa-lado no Brasil. Voc ento se convencer de que todo esse trabalho de coleta extremamente til e gratificante, e que a anlise fluir naturalmente dos dados coletados.

    A 3

    variao primeira

    lingstica: instncia

    o envelope de variao

    No h loteria sem apostadores; futebol, sem adver-srios; guerra, sem soldados, nem tampouco "caos" lin-gstico, sem variantes! Em todas essas situaes de com-petio, a presena de um mediador faz-se necessria para que o conflito se resolva. Como pesquisador-sociolingista, sua misso analisar a situao de conflito e; com base em slidos e firmes argumentos,' desmascarar a as~i~tematicidade do "caos".

    Para alcanar esse objetivo necessrio um conheci-mento acurado das adversrias. Enfim, para que voc seja um excelente juiz e mediador dessa batalha, imprescind-vel que, em primeii:o lugar, apresente, defina e caraeterize detalhadamente cada uma dessas concorrentes. ~ somente ii partir do perfil individual das variantes que voc poder explorar as armas de que . ca~a uma dispe, bem como avaliar os contextos mais favorveis derrota de uma e vitria de outra. A essa descrio ' detalhada das va-riantes daremos o nome de envelope de variao. O enve-

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    lape consiste, portanto, no elencamento das adversrias de um campo de batalha.

    Vejamos alguns exemplos de envelopes j definidos em estudos anteriores. No captulo I deste volume foi apresentado o envelope de variao para a marcao do plural no SN no portugus falado do Brasil. Como vimos, varivel de marcao do plural correspondem duas variantes : a presena do segmento ([s]) e sua ausncia ([.p]). Observamos tambm qUe, como em portugus, a

    _marcao do plural varivel no espanhol panamenho e porto-riquenho (entre outros dialetos). A nica diferena apontada para as duas lnguas foi o fato de trs advers-rias se encontrarem no campo de batalha espanhol. Ao [s) e ao [.p) do sistema portugus foi acrescentada a va-riante fricativa aspirada [h).

    Os doiLexemplos acima so casos de variao fono-lgica. Ainda no nvel fonolgico voc poderia acrescentar o estado de variao em que se encontra o I rl em portu-gus, em nomes (posio final de palavra, como em u can-tor", e em posio interna, travando slaba, como em "marcha") e verbos (como. em "quer", "estudar") . A variao encontrada em I rl semelhante da marcao de plural , ou seja, as adversrias confrontam a presena vs. a ausncia do segmento fnico: [r) ou [.p). Similar-mente, voc pode comear a pensar em outros segmentos, em geral em posio final de palavra, que apresentam va-riao, exatamente devido ao potencial enfraquecimento dessa posio. Por exemplo, reflita um pouco sobre a questo da nasalidade em portugus e atente para o fen-meno varivel da desnasalizao : "falaram" ou '~falaru"?

    Todos esses casos de variao fonolgica comearam . a ser estudados a partir dos trabalhos sobre simplificao do grupo consonantal em ingls. A varivel no ingls o

    . < t, d> precedido de consoante, como em: missed (= per-deu, perdido) e kepl (= guardou, guardado) . Nos estu-

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    dos de < I, d > foram includos dois grupos principais de palavras : I. palavras em que o < t, d > carrega uma marca gramatical, como no passado dos verbos; 2. palavras na~ quais o < t, d > no desempenha funo gramatical, como em firsl (= primeiro) ou /is! (= lista). Quando o tiver funo gramatical, a palavra ser denominada bimorfmica ([mis # t]); no caso de nenhuma marca gra-matical ser expressa pelo segmento , a palavra ser monomorfmica ([list]). Pois bem, a funo grama-ticai exercida pelo segmento < t, d > no passado dos verbos deveria, em princpio, retardar o apagamento da varivel. Em contrapartida, a presena do < t, d> em palavras 1)10-nomorfmicas no to necessria C, portanto, sua inci-dncia deve ser menos freqente.

    No caso da . marcao de plural em portugus e em espanhol tambm pode serfeita a diviso das palavras em monomorfmicas e bimorfmicas. (Isto , se o < s > tiver funo gramatical, a palavra ser bimorfmica; caso con-trrio, a palavra ser classificada como monomorfmica.) Assim, em "casas" tem-se o singular "casa" acrescido da marca de plural I s/ ; em "menos" tem-se uma palavra mo--nomorfmica. A mesma hip6tese sobre o apagamento ou reteno do < s> deve ser levantada : monomorfmicas favorecem o pagamento do segmento; bimorfmicas con-dicionam sua reteno.

    Como foi sugerido no captulo I o termo "Sociolin-gstica" soa at redundante, pois implica a possibilidad de uma cincia lingstica que no seja social. Nosso com-promiss? com ci aspecto social da linguagem , no enta'lt.o, Imperattvo. Tal omo proposto por Labov, a concep~o e o alcance do modelo sociolingstico so a um s6 tempo sincrnicas e diacrnicos: tanto a variao (situao lin-gstica em um determinado momento; sincronia) como a mudana (situao lingstica em vrios momentos sincr--nicos, avaliados longitudinalmente; diacronia) lingsticas

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    devem ser estudadas. Ao compararmos, portanto, va-riantes de mesma natureza' em lnguas diferentes, temos um objetivo duplo em mente : I. descrever, analisar e sis-tematizar o envelope de variao em cada uma das ln-guas; 2. comparar os resultados das anlises com vistas projeo de possveis rumos que as variantes tomaro.

    A comparao dos resultados das anlises visa, em especial, a relacionar as armas semelhantes que as varian-tes usam em combate, em cada uma das lnguas. Resta--nos, por conseguinte, comear a especular sobre tais armas; como o pesquisador-detetive que existe em ns desvenda as artimanhas de que dispem as variantes a fim de se implementarem no sistema de lngua falada?

    As armas e as artimanhas das variantes: fatores condicionadores

    A sistematizao do "caos" lingstic demonstra, em seus resultados, que a cada variante correspondem certos contextos que a favorecem. A esses contextos dare-mos o nome de "fatores condicionadores". Um grupo de fatores o conjunto total de possveis armas usadas pelas varntes durante a batalha. Nossas hipteses de trabalho sero dadas pelo levantamento de todos os contextos ou fatores que potencialmente influem na realizao de uma varivel, de uma ou de outra forma. O .detetive que h em v,oc obviamente dispe de farto material para espe-culao : lembre-se de que nesse momento de sua pesquisa voc j ter definido, caracterizado, coletado e. se familia-rizado com seu objeto de estudo. O levantamento com relao posio da palavra no SN: primeira vs. seglmda, seguhda vs. terceira etc.

    A diferena apontada acima pode, conseqentemente, levar voc ao estabelecimento de uma nova hiptese de trabalho relacionada classe das palavras mais atingidas pela regra varivel de apagamento do plural. Assim, quanto posio da palavra no SN voc poder comparar, por exemplo, "as' casas" com "casas pequenas". Em "as casas" o [sI provavelmente ser mais retido em "as" (primeira posio), enquanto "casas" possivelmente reter mais a variante [sI em "casas pequenas", dvido posi-o. Nos dois casos temos um substantivo! "As casas" ter como contrapartida "as casa" e "casas pequenas",' "casas pequena" . Se este grupo de fatores realmente for

    . significativo ao uso das variantes, a primeira posio bo SN deve ser a grande arma da variante [sI e as outras

  • 38

    posies devem ser artimanhas utilizadas pela variante [4>] para se implementar no. sistema lingstico.

    Isso em relao posio da palavra no SN! Se voc especular a hiptese sobre classes de palavras, evidente que os determinantes fortalecero a variante [s], enquanto substantivos e adjetivos daro vida variante [4>]. Essas duas armas de que dispe cada uma das variantes parecem, no entanto, complementares, para no dizer redundantes. Voc poder ento verificar o efeito de cada arma fazendo um cruzamento entre elas. Por exemplo, voc somente poder afirmar que substantivos e adjetivos favorecem o uso de [4>], se freqncia de [4>] em substantivos e adjetivos na segunda (ou terceira) posio do SN corres-ponder uma igual freqncia em posio inicial.

    Temos, portanto, at agora, dois grupos de fatores. O que mais voc poderia estabelecer com base em seus dados? Por se tratar de uma varivel fonolgica pro-vvel que algum tipo de condicionamento fonolgico esteja exercendo influncia no uso -ds variantes. Por exemplo, segue-se varivel em questo uma consoante ou uma vogal? E que motivao teria uma hiptese de tal natu-reza? Suponhamos que um informante seu tenha, ao narrar uma estria, usado os seguintes plurais: "as casas amarela" e "as casa pequena". O ltimo exemplo voc poderia facilmente explicar atravs do grupo de fatores sobre posio no SN: estando -"casa" em seguhda posio, e tendo sido o plural marcado na primeira posio de -determinante, a variante [4>] justificvel em "casa". Mas e o caso de "as casas amarela"? Aqui tambm a palavra "casas" se encontra na posio dois, a qual no favorece a 'reteno do [s]. A explicao simples e objetiva: O sistema silbico do portugus, consoante-vogal (CV) . bin

    _.::.as casas amarelas" o [s] de "casas" seguido 'de uma vogal, o [a] em "amarelas", forynando com ele a estru-

    39 -.

    tura -silbica bsica do portugus: CV. Portanto, apes~i\ de a posio dois do SN favorecer a variante [4>], a va- \ riante [s] recobrar suas foras, caso a posio da vari-vel analisada esteja diante de uma vogal.

    Uma ltima hiptese que voc poderia levantar diz respeito - extenso e dimenso dessa regra varivel : estar O [s] sendo apagado somente enquanto marcador de plural (ou seja, em palavras bimorfmicas, como defi-nido anteriormente), ou o [s] final em palavras mono-morfmicas tambm estar sendo atingido? Por exemplo, ser a reteno do [s] mais ou menos provvel em "casas", quando comparado a _"menos"? A resposta parece bvia: em princpio, o [s] de "casas" funcionalmente mais im-portante e, conseqentemente, deveria ser realizado. Alia-da a essa ltima hiptese encontra-se uma nova possibi-lidade de anlise: a salincia -fnica do plural. O plural "casas" decisivamente mais silBfJles que o plural "ovos" (com metafonia, isto , com a alternncia no timbre da v?g?1 tnica: fechado vs. aberto) ou "hotis". Caso tai~ hlpoteses estejam resolvendo esse caso de variao, sua anlise o levar a -resultados bvios: -o [s] mais fre-~entemente retido em "casa.~n do que em "mens" (isto e, palavras monomorfmicas ' aceleram a implementao da variante [4>]; e plurais com maior salincia fnica ("hotis", "ovos", "coraes") tambm favorecem a for-ma [4>].

    Como trabalhar com essas hipteses?

    A operacionalizao do modelo

    Quatro grupos de fatores foram levantados como pos-sveis armas usadas pelas variantes [s] e [4>] no campo de batalha. Cada fator , por sua vez, constitudo por subfatores. Para cada subfator voc dever atribuir um -

    I

  • 40

    valor representado por letra ou nmero. Isso facilitar a quantificao posterior dos d~dos. Por exemplo:

    Grupo 1: O contexto fonolgico posterior C (= consoante) V (= vogal)

    Grupo 2: A posio da varivel no SN I (= primeira posio) 2 (= segunda posio) 3 (= terceira posio)

    Grupo 3: A c/asse morfolgica da palavra contendo a varivel D (= determinante) N (= nome) A (= adjetivo)

    Grupo 4: O eSTatuto morfolgico da palavra qUI!..-contf!1 a varivel M (;= monomorfmico) B (= bimorfmico)

    Evite a repetio de letras ou nmeros dentro de um mesmo fator. Is.o s vai confundi-lo no momento de quantificar os dados. A esses quatro fatores voc dever acrescentar um ltimo, que deve,na realidade, ser o p-meiro da lista: o grupo da varivel dependente, isto , um valor para [s] e um valor para []. Como a escolha binria, atribua o valor zero variante [s], e o valor I variante []. Dessa maneira voc estar tratando esse caso de variao como um fenmeno de apagamento ou de cancelamento de uma forma subjacente do portugus: a marcao do plural atravs de [s]. Isso significa que a aplicao dessa regra varivel implicar o apagamento da forma-padro de se expressar pluralidade.

    .~ Vejamos como voc dever organizar seu material de,

    anlise para posterior' quari:tificao dos dados. Suponha' mos que a pluralidade esteja sendo analisada a partir do seguinte trecho de um de seus informantes:

    "Eu gosto de casas grande. As casa pequena so como barracos horrvel de favela. Minha mulher gosta de casas mais pequena".

    Analisando: "Casas" (em "casas grande"): CINB

    (ou seja, a regra de apagamento no foi aplicada, da ; C indica que a palavra seguinte se inicia em consoante; 1 significa que a palavra contendo a varivel se encontra na primeira posio do SN; N indica a classe morfolgica: nome; e B define o estatuto morfolgico da palavra e a funo do [s] subjacente palavra: bimorfmico);

    "Grande" (em "casas grande"): 1 Q2AB "As" (em "as. casa pequena"): CIDB "Casa" (em "as casa pequena"): lC2NB "Pequena" (em "s casa pequena"): lC3AB "Barracos" (em "barraCOS horrvel"): V.1NB

    ~'Horrvel" (em "barracos horrvel"): lC2AB "Casas" (em "casas mais pequena"): CINB "Mais" (em "casas mais pequena"): lC2XM "Pequena"

  • 42

    Ao fazer esse tipo de 'anl~se voc estar determinan-do a freqncia e a distribuio das variantes [sI e [4 para cada falante e, conseqentemente, para a comunida-de. Suponha que de 100 posies em que o falante .pode-ria ter usado a variante [sI, isto , marcado morfologica-mente o plural, ele somente o fez 25 vezes. Isso significa que esse falante utiliza muito mais a variante inovadora [4 para a marcao do plural. Essa seria a mdia geral. O passo seguinte na anlise ser determinar quais os gru-pos de fatores que correspondem a cada uma das duas variantes. Desse exame detalhado-voc chegar a resul-tados do tipo: a consoante seguinte favorece a variante [4, e a vogal, em contrapartida, inibe seu uso. Em .ou-tras palavras, a variante [4 tem, em sua luta contra a variante-padro [sI, a presena da consoante seguinte a seu favor.

    o encaixamento lingstco da varivel

    Por encaixamento Iingstico da varivel voc deve entender li motivao das hipteses, dos grupos de fatores. Assim, a hiptese sobre silabao justificad a partir do prprio sistema Iinglistico. Mas vejamos um outro exem-plo de varivel, este de natureza sinttica: os pronomes de terceira pessoa em funo d~ objeto de verbo. per-gunta "Voc conhece aquele homem?", h trs possveis respostas em portugus: I. Eu o conheo; 2. Eu conheo ele; e 3. Eu conheo. Ou seja, nessa batalha sinttica entre pronomes em mno de objeto trs variantes se de-frontam: a padro o (e por extenso, a, os, as) e as dilas formas no-padro, ele (ela, eles, elas) e uma forma zero (doravante denominada "anfora zero") : o verbo no apresenta objeto pronominal expresso.

    43 ',!I'l

    Tal esquema de variao tambm ocorre quando SN referente for inanimado, como em: "Voc comprou .. aquele carro?". A essa pergunta tambm se pode respon-der de trs maneiras diferenles: I. Eu o comprei; 2. Eu comprei ele; e 3. Eu comprei. O sistema gramatical do portugus, 'no entanto, rege o fenmeno da pronominaliza-o atravs de um cruzamento semntico com o trao [+ animado) do SN referente. Em outras palavras, SNs refe-rentes de natureza ' animada favorecem sua posterior pro-nominalizao na fala. Levando-se esse fator em conside-rao, uma primeira hiptese de trabalho levantada: a anfora zero deve estar sendo acelerada quando o SN refe-rente for inanimado. Uma vez que os pronomes-objeto se encontram em fase de extino no portugus falado do Brasil, a luta acaba sendo travada entre as duas formas no-padro. Das duas a anfora zero carrega estigma so-ciolingstico menos acentuado. Portanto podemos partir da seguinte premissa: na substituio de pronomes clticos, a lngua falada favorece a anfora zero, acelerando ainda mais o processo de sua implementao no sistema quando o SN pronominalizvel (isto , aquele j usado anterior-mente e que deveria' retornar como pronome) for inani-mado. .

    Vejamos um outro exemple-de encaixamento Iings-tico, ainda dentro do sistema pronominal. Em linhas ge-I rais, a reteno (o pronome expresso) ou 'apagamento (o pronome no-expresso; a forma zero) de pronomes no fenmeno observvel somente: na funo de objeto. Isso quer dizer que tambm em posio de sujeito h uma alternncia entre sujeito pronominal expresso :e sujeito zero. O mesmo ocorre quando um SN referente reto- ' mado no discurso imediatamente seguinte com funo de objeto indireto: a variao ser tambm entre forma pro-nominal expressa e anfora zero.

  • 44

    Uma vez estabelecido esse fenmeno, voc poder pensar em outra parte da gramtica que processe sistemas referenciais: oraes relativa,s: Essas oraes (na gram-tica tradicional denominadas oraes adjetivas) nada mais so do que modificadores de um SN: dentro da relativa h um SN correferente ao SN presente na orao princI-pal. Outra vez voc se v diante de um fato de prono-minalizao: o SN da principal - na realidade, sintag-ma-ncleo da relativa -, ao seguir a norma-padro, apa-recer na relativa sob forma zero; a forma no-padro surgir conseqentemente, quando uma forma pfGnominal correferente ao SN da principal for usada na relativa. Vejamos alguns exemplos:

    Relativas-padro: 1. sujeito : Eu tenho uma amiga que '" tima. 2. objetodireto: Aquele meu amigo que voc v

    i muito no bar timo. 3. objeto indireto: Aquele amigo de quem voc

    gosta muito timo. Relati'Yas no-padro:

    1. sujeito: Eu tenho uma amiga' que ela tima. 2. objeto direto: Aquele meu amigo que voc v

    ele muito no bar timo. 3. objeto indireto: Aquele amigo que voc gosta

    muito dele timo.

    No se assuste se as relativas no-padro apresenta-das lhe parecerem estranhas. Especialmente a funo de objeto direto lhe soar impossvel! O encaixamento lin-gstico lhe dar, ento, a resposta desejada: exata-mente em objeto direto que a anfora zero mais definiti-vamente vence a forma pronominal no sistema geral de referncia: sobre o cltico o (praticamente inexistente na fala) e forma nominativa ele, a anfora zero assume a

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    liderana absoluta (obviamente no-categrica) . Tamo, bm no mbito da variao em relativas voc encontrar estes resultados: a forma no-padro, expressa por pro-nome, em relativa com correferente objeto direto a menos freqente da escala sinttica.

    Seu convvio com o cotidiano sociolingstico o faz, no entanto, pensar em um t~~ceiro tipo de relativa em que ocorre a funo de Qbjeto' indireto: "Aquele amigo que voc gosta muito timo". Ou seja, dessa relativa todo o sintagma preposicional foi apagado : de/e. Haver para esse tipo de relativa um encaixamento no sistema? ~ claro que sim! Como discutido anteriormente, dentro de oraes declarativas em geral, a alternncia do sistema de referncia oscila entre formas clticas (de pronome-objeto), formas nominativas (de pronome-sujeito) e formas zero. Portanto o apagamento do sintagma preposicional desse terceiro caso de relativa decorre da anfora zero que per-passa a escala sinttica. Temos a, conseqentemente, um exemplo ainda mais significativo de encaixamento lings-tico: uma situao de variao (as relativas) causada

    . por outro sistema de variao ' ( anfora nas oraes de-clarativas) .

    Obviamente o encaixamento de uma varivel no necessariamente o levar de volta ao sistema gramatical padro. O contato com o' dado bruto e sua experincia com o modelo de anlise o ajudaro no estabelecimento de outras e novas hipteses de trabalho. Por exemplo no ser o uso. da forma pronominal no-padro em rela) tivas causado por uma dificuldade no processamento das mesmas? Em outras palavras,. no afetar o uso da forma no-padro a distncia existente entre o SN referente e a relativa? Imagine os dois exemplos seguintes, o primeiro sem distncia, e o segundo com distncia:

    1. "Eu tenho uma amiga que '" tima." ,

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    2. "Eu tenho uma amiga l do interior, sabe, aquela prima do Joo, que ela. adora ficar em casa vendo televiso. "

    Como nova hiptese de trabalho voc poder estabelecer a distncia entre o SN referente (no caso acima, uma amiga) e a relativa como um grupo de fatores com dois subfatores: com e sem distncia. E assim por diante.

    Desenvolva o detetive que h em voc! Use e abuse de suas prprias armas e artimanhas para ' desmascarar cada variante! Na caminhada pelo corpus procure concen-Irar-se mais e mais nas variantes! Respostas chegaro a voc naluralmente e suas atividades de invesligador/ dete-tive lhe parecero, a cada novo fato desvendado, mais esti-mulanles.

    Os fatores extralingsticos

    Tudo aquilo que servir de pretexto e co-texto vari-vel (isto , tudo aquilo que no for estritamente lings-tico) poder ser relevante para a resoluo de seu "caso". A formalidade vs. informalidade do discurso, o nvel socioeconmico do falante, sua escolaridade, faixa etria e

    . sexo podero ser considerados como possveis grupos de fatores condicionadores. Esses parmetros no so, no en-tanto, facilmente operacionalizveis. Estabelea, portanto, critrios rgidos para eles. Como demonstrado no captulo anterior, quanto mais fatores externos sobre os informan-tes voc incluir em sua anlise, maior quantidade de dados

    . ser necessria a fim de garantir a representatividade da amostra.

    O levantamento desses fatores dever partir de sua prpria intuio como falante ou conhecedor da comuni-dade. Mesmo que voc inclua outros fatores, a respeito

    41

    dos quais sua intuio nada de especial lhe diz, voc aca-bar concluindo que .os parmetros externos mais bvios so exalamente aqueles que provam ser significativos em relao varivel. No caso de voc prever um caso de variao que j projete uma mudana dentro do sistema, o falor faixa etria de extrema importncia. Na impossi-bilidade de fazer um estudo longitudmal (um acompanha-mento dos falantes desde a adolescncia at a idade ma-dura) sobre a varivel, a amostragem da comunidade em grupos etrios diferentes lhe .aar a dimenso procurada. Em variveis fonolgicas e' sintticas o fator sexo no tem demonstrado ser muito significativo. A variao encontra-da em formas de tratamento (voc vs. o senhor / a senhora) , na maioria das vezes, afetada pelo sexo do informante. Por dutro lado, em uma sociedade to estratificada como a nossa, fatal set que o nvel socioeconmico e de~colaridade do indivduo tenha direta relevncia sobre seu desempenho lingilstico. Seu primeiro trabalho ser, por-tanto, atravs de sua intuio como membro da comunida-de, sentir e apreciar a rea de atuao das variantes no meio social e organizar os grupos de fatores extralings-ticos.

    No caso de um fator externc, demonstrar ser significa-o tivo, como avaliar sua fora em relao aos fatores inter-nos, os de natureza lingilstica? Suponha, por exemplo, que cinco fatores lingsticos tenham sido comprovados como significativos em relao a determinada varivel. Alm disso, os trs grupos socioeconmicos estudados tambm apresentaram relevncia na utilizao das varian-tes. A que concluso chegar? Haver nessa comunidade trs sistemas diferentes-de fala? Ou ser o caso de hete-rogeneidade da fala dentro de um mesmo sistema que permite aos grupos socioeconmi~os optarem por uma ou outra variante? .

  • 48

    Voltemos questo das relativas: as de forma pro-nominal e as de forma zero. ,Os estudos sobre relativas no portugus falado demonstraram que o grupo social menos privilegiado favorece o uso da forma pronominal no-padro. enquanto os grupos sociais mais privilegiados optam pela forma zero. O condicionamento lingstico desses dois tipos de relativa pode, por outro lado, ser sis-tematizado! A questo para se resolver a seguinte: ser a diferena entre esses grupos causada pelo condicionamento lingstico ou, inversamente, o condicionamento lingstico 'exatamente o mesmo, variando somente a freqncia de uso de cada variante pelos diversos grupos considerados? B evidente que a segunda alternativa verdadeira. Os mesmos fatores lingsticos que condicionam o uso da forma no-padro pelos informantes de nvel social me-nos privilegiado esto presentes no condicionamento da mesma variante, crsada em baixa freqncia pelos falaates mais escolarizado~.

    Enfim, a incluso dos fatores externos possibilitar retratar o campo de batalha de outros ngulos. Qualquer perspectiva nova sobre o "caso" merece ser levada em considerao. Especialmente em relao normalizao e estandardizao Iingsticas, o encaixamento social das variveis de extrema importncia, Esse tpico ser as-sunto de nosso prximo captulo.

    4 variaao lingstica: A

    segunda instncia

    , ,

    A avaliao de variveis sociolingstit:as: o informante

    No captulo an~rior a avaliao de variveis sacio-Iingsticas foi tratada do ponto de vista do pesquisador. Ao montar os grupos de fatores que potencialmente cor-relaCioliam o uso das variantes a parmetros externos (classe socioeconmica, sexo, etnia, faixa eiria etc.), o pesquisador intui, atravs de seu ' profundo conhecimento-da comunidade adquirido durante o processo de coleta do material, o papel atribudo s variantes pela comunidade de falantes. O tratamento estatstico dos dados indicar que certos grupos de fatores so, na realidade, respons-veis pela implementao de uma variante e que outros, ao contrrio, no demonstram qualquer efetividade na aplica-o da regra varivel. Resta, no entanto, saber qual ' o devido valor dado s variantes pelos falantes do grupo.

    Voc chega assim quela etapa da anlise em que uma outra dimenso se faz necessria : de que armas sacio-lingsticas dispe cada variante? Vejamos um exemplo

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    de como atingir essa dimenso na anlise. Em seu estudo sobre .a centralizao dos ditongos em Martha's Vineyard (ver captulo 1 deste volume) Labov entrevistou 69 infor-mantes, classificados segundo distribuio geogrfica na ilha (parte superior, zona rural, vs. inferior, zona urbana), ocupao (pescadores, agricultores etc.) e faixa etria (acima de 60, 46 a 60, 31 a 45, abaixo de 30) . Os resul-tados da anlise demonstraram ' que a zona rural, os pesca-dores, e a faixa etria de 31 a 45 favorecem a centrali-zao do ditongo, ou seja, a forma no-padro. Das reas compreendidas na zona rural - Oak Bluffs, N. Tisbury, West Tisbury, Chilmark e Gay Head -, Chilmark alcan-ou os ndices mais altos de centralizao. Coincidente-mente, Chilmark a nica parte da ilha cuja economia basicamente a pesca. Alm disso, a faixa etria de 31 a 45 representa uma parte da populao que, tendo crescido com um processo de recesso econmica na ilha, ainda assim decidiu permanecer na rea.

    Esses trs resultados parecem estar relacionados entre si. Algum motivo ulterior, mais potente, porm, deve reger tais resultados. Tomou-se claro, durante aS entrevistas, que o significado mais imediato do trao fontico de . cen-tralizao uma marca "vineyardense". Os dados obtidos tambm confirmam essa primeira intuio do pesquisador. So os nativos da ilha, da zona rural, pescadores, e a faixa etria jovem os que mais ardentemente reagem invaso dos veranistas atravs de uma demarcao lingstica. A fim de reforar esses resultados, o pesquisador dever ento incluir uma terceira dimenso na anlise: nesse caso espe-cfico, uma avaliao do meio social da ilha pelo falante.

    Em outras palavras, a julgar os contextos em que ocorrer, o fato de os falantes centralizarem os ditongos / ay / e / aw / parece revelar um sentimento positivo em

    51

    relao ilha. Cada um dos trs fatores acima mencid., nados aponta para estes grpos: zona rural, pescadores e. faixa etria de 31 a 45 anos. Resta saber se o sentimento positivo a tal fora ulterior e nica, responsvel pelos altos ndices de centralizao. Se isso for confirmado; ser conseqentemente demonstrada a interdependncia entre os trs fatores.

    O caminho a trilhar neste momento uma classifi-cao dos informantes segundo a avaliao por eles dada ao meio social: positiva, neutra ou negativa? Explicitando: avaliao positiva significar sentimentos positivos em rela-o ilha; neutra, indiferena ao meio social; e negativa, desejo de viver no continente. Dos 65 falantes entrevista-dos, 40 se expressaram positivamente em relao ilha; 19 assumiram uma atitude I)eutra; e 6 afirmaram que pre-feririam no residir na ilha. Fazendo-se uma mdia dos ndices de centralizao de cada falante, Labov chegou aos seguintes resultados, apresentados na Tabela 1.

    TABELA 1 - Centralizao e sentimento em relao a Martha's 'Vlneyard

    ..

    Falantes Avaliao layl lawl . 40 Positiva 63 62 19 Neutra 32 42 6 Negativa 09 08

    (LABOV, 1972a, p. 39)

    Em suma, os falantes que se expressam positivamente em relao ao meio social centraliiam mais (63 e 62); os de atitude neutra o fazem de uma forma intermediria (32 e 42) ; e os de sentimento negativo rejeitam a norma local (09 e 08).

  • S4

    Alm desses dois parmetros estilsticos, outros podem ser levados em considerao . . Voc poder, por exemplo, submeter seus informantes a uma situao experimental : os testes sociolingsticos. Isto , ao seu estudo, tal como concebido e elaborado at o momento, voc estar acres-centando a terceira dimenso: a avaliao da variante pelos informantes. A situao de testes lhe propiciar um estilo ainda mais elaborado, mais refletido. Resumindo, seu projeto de pesquisa tridimensional: I. seu conheci-mento da comunidade. e seu contata com os informantes o levar, ainda intuitivamente, ao estabelecimento das clu-las externas, dos fatores condicionadores no-lingstico~; 2. a partir da anlise de seu material, do contraste entte vernculo e novernculo gravado em suas fitas, voc che. gar segunda dimenso: a primeira projeo sociolin-gstica das variantes estudadas; 3. ao submeter seus infor-mantes a testes, voc estar definitivamente embutindo as variantes no meio social em que elas coexistem.

    Os testes diferiro segundo a natureza da varivel. Para .os estudos de varivel fonolgica voc poder montar testes de leitura, de pares mnimos, ou mesmo de preenchi-mento de lacunas. Por exemplo, se voc estudar a reduo dos ditongos /ey/ e /owl em portugus (fenmeno usual-mente denominado monotongao) , poder pedir a seus informantes para 'lerem uma lista de palavras em que cons-tem "ameixa", "bes"teira", ' Hcouro", Ue~touro" etc.; ou po_ der estabelecer pares mnimos, como "coro" e "couro", por exemplo; ou ainda criar um texto com lacunas a serem preenchidas por palavras que contenham a varivel estu-dada. Independentemente da forma dos testes, voc dever pensar em mont-los com um duplo objetivo em mente: os testes sero ou de recepo ou de produo. Vejamos o que distingue um do outro!

    Testes de percepo versus testes de produo

    SS

    Como o prpfio nome fndica, no teste de percepo voc solicita~ a seu informante que se manifeste em rela-o aceitabilidade ou no de certas variantes. Exempli-fiquemos esse teste com as relativas! Com base no enve-lope de variao voc criar uma bateria de relativas-pa-dro e no-padro. Ao listar estas sentenas, no siga qualquer ordem: evite que o informante reconhea li orga-nizao do teste . . Misture as variantes entre si! No teste, portanto, voc incluir:

    Relativas-padro Eu tenho uma amiga que 6tima. Eu tenho uma amiga que voc conhece. Eu tenho uma amiga com quem ele se encontrou no Rio. Eu tenho uma amiga Fujo marido se mudou para o Rio.

    Relativas no-padro 1. Pronome-lembrete

    Eu tenho ' uma amiga que el 61ima. Eu tenho uma amiga que voc conhece ela. Eu tenho uma amiga que ele se encontrou com ela no Rio. Eu tenho uma amiga que o marido dela se mu-dou para o Rio.

    2. Cortadora Eu tenho uma amiga que ele se encontrou no Rio.

  • 56

    Eu tenho uma amiga que o marido se mudou para o Rio.

    Para cada tipo de relativa e para cada funo sint-tica desempenhada, voc ter mais de um exemplo em sua bateria. A ordem de apresentao dessas sentenas deve ser a mais variada possvel. At este momento da anlise voc j ter contrastado estilo espontneo com entrevista. Os resul tados demonstraram que a classe mdia levemente favorece o uso de pronomes-lembretes. Na situao de teste voc dever. esperar que a classe alta aceite relativas no-padro menos do que a classe mdia. E os dados apontam exatamente para a direo prevista. De 58 rela-tivas-padro a classe mdia avalia como aceitveis 46 isto , 79,3% , enquanto a classe alta aceita 54 (93,1 %). Con-seqentemente, a classe mdia dever avaliar relativas no--padro positivamente em maior nmero do que a classe alta . De 1l relativas no-padro includas no teste a classe mdia aceita 39 (47,6 % ), e a classe alta some'nte 24, isto , )9,3%.

    A partir desses resultados brutos voc poder ainda . refinar sua anlise, comp3fando, por exemplo, qual das

    duas variantes no-padro a mais estigmatizada. Ou ainda, voc poder avaliar a fora que a funo sinttica tem em relao estigmatizao ou no das variantes. No caso especfico das relativas, possvel que a relativa com cujo seja uma forma de pedantismo, conscientemente evitada pelos informantes. Mas passemos agora ao teste de produo!

    O teste de produo consiste em mecanismos que levem o informa!)te a construir a varivel. Na tentativa de produo da varivel ele optar por uma ou outra variante. };: essa escolha de variante que voc dever com_O parar com os resultados obtidos na anlise anterior : a fase

    57

    que denominamos segunda dimenso. No caso de relativas \ voc poder propor ao informante a seguinte situao : " "Com as duas sentenas abaixo formule somente uma, fazendo as devidas alteraes:

    Aquela menina bonita. Aquela menina de So Paulo."

    Dessa situao de duas sentenas, o informante ter duas opes : "Aquela menina qu~ de So Paulo bonita" vs. "Aquela menina que ela de So Paulo bonita". Ou seja, ou o informante usar a forma-padro ou a oo--padro com pronome-lembrete. Para cada funo sint-tica voc influir duas sentenas . De 36 diferentes situa- ' es sugeridas nesse teste, a classe mdia construiu 27 rela-tivas-padro (75,0%) e a classe alta optou pela forma--padro 34 vezes, isto , 94,4 %, o que confirma nova-mente os resultados obtidos na segunda fase da anlise e nos testes de percepo.

    Uma vez estabelecidos os parmetros de , situaes naturais de comunicao vs. situaes experimentais, voc poderia ainda avaliar qual o tipo de valor atribudo a essas variantes fora de seu material de anlise. Como esse esquema de variao normaliZl!do dentro da comunidade e at que ponto a estandardizao ocorre? Que foras a protegem? Voc poder acrescentar uma quarta dimenso' a sua anlise. Vamos a ela!

    A variao e a normalizao lingsticas Dois pontos principais devem ter se firmado em voc

    at agora : .l. a lngua falada heterognea e varivel; 2: a variabilidade da fala passvel , de sistematizao. A lngua falada , portanto, um sistema varivel de regras. Obviamente, a esse sistema de variao devem correspon-

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    der tentativas de regularizao, de normalizao. Como grande estandarte dessa regularizao surge a lngua escrita tal qual ensinada nas escolas. A lngua portuguesa vei-culada na escola , em princpio, um reflexo da norma--padro do portugus.

    A implantao da norma-padro traz como conse-qncia imediata a unidade da lngua nacional. Nesse sen-tido, voc poder investigar fontes de dados que tenham por objetivo a l!nificao da lngua nacional, por exemplo, os meios de comunicao de massa: a linguagem da media. Ao ouvir um programa de. rdio, ao assistir a um pro-grama de televiso, ou ao ler um jornal, voc observar que, apesar de todos os trs procurarem refletir a norma--padro, a presena de traos variveis da fala se faz sentir. A quarta dimenso em sua anlise consistir, portanto, em verificar at que ponto certos textos de media permitem a infiltrao de variantes no-padro.

    Como material bsico de anlise tome a linguagem dos jornais: texto escrito. Selecione a seguir textos de televiso, como documentrios e mesas-redondas, caracte rizados pela formalidade do. discurso. Ainda da televiso, colete textos mais informais e' simplificados, como trans-misses de eventos esportivos, prognima de auditrio e novelas. Apesar da diversidade do materi1!I, h elementos que os distinguem binariamente. Por exemplo, o texto de jornal e o texto de documentrios e noticirios se dife-renciam por ter sido o primeiro escrito para ser lido, e o segundo, escrito para ser falado. A informalidade do discurso esportivo deve-se, principalmente, simultaneida-de existente entre o acontecimento narrado e o momento da narrao.

    Com esse tipo de preocupao em mente, voc pode-ria observar o comportamento de seu envelope de varia-o dentro desse material. Se nas trs fases iniciais da

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    anlise uma variante tiver demonstrado sua carga estigma-tizada, tambm no texto de media (veiculado pela televi-so, pelo rdio ou pelo jornal), a tendncia maior ser evit-la. No caso das oraes relativas, a variante com pronome-lembrete provou ser a forma estigmatizada pela comunidade. A variante cortadora, por outro lado, de-monstrou gozar do prestgio sociolingstico da comunida-de. O estudo quantitativo do uso das variantes nos diver-sos textos lhe dar o ndice de infiltrao permitido e tolerado pelos rgos normalizadores da fala . . A Tabela 4, a seguir, coloca a percel1tagem de uso de trs variantes relativas (uma padro e duas no-padro) de acordo com o tipo de texto de media.

    A tabela 4 aponta, entre outros resultados, que a lngua escrita dos jornais o texto mais intolerante infiltrao de formas no-padro, tpicas da lngua falada. Os textos de documentrio e mesa-redonda, apesar de re-forarem a variante-padro, admitem, ainda que em escala reduzida, a entrada de variantes no-padro, uma vez que a situao de enunciado de veiculao oral. Mas so exatamente os textos tpicos de discurso mais informal (izante) que permitem a infiltrao das . variantes no. -padro: a transmisso de aontecimentos esportivos, os programas de auditrio e as novelas.

    Um resultado ainda mas importante: das duas for-mas no-padro, a segunda' e a terceira fase da anlise haviam revelado a estigmatizao da relativa com prono-me-lembrete. Dessas duas variantes, natural ' ser que a relativa cortadora seja mais tolerada pelos rgos regula-dores. Observe na Tabela 4 que, mesmo nos textos mais permissivos, a fteqncia de infiltrao da relativa corta-dora mais alta. Na figura 2 voc encontrar as mesmas percentagens da Tabela 4 contrastadas . com o uso da-quelas variantes na lngua falada.

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    veculo de linguagem. A gramtica com esse novo sentido e caracterizao se encontra totalmente disposio do falante! Nesse caso, o estilo parte integrante da gra-mtica.

    Assim tambm a classe social, a etnia, o sexo, a faixa etria do falante. S somente atravs da correlao entre fatores lingsticos e no-lingsticos que voc che-gar a um melhor conhecimento de como a lngua usada e de que constituda. Cada comunidade de fala nica; cad~ falante um caso individual. A partir cio estudo de vrias comunidades, no entanto, voc chegar a um ma-crossistema de variao:' os resultados de vrios estudos comearo a lhe dar pistas para estudos posteriores. Essas pistas sero suas armas para outros combates maiores. O fato de a classe mdia baixa hipercorrigir em direo classe alta um dado j devidamente demonstrado em vrios estudos. A colocao da mulher como propulsora de variantes conservadoras tambm j encontra eco em muitos estudos. Tambm a classificao de variantes em esteretipos, marcadores e indicadores lingsticos j foi demonstrada em vrias comunidades de fala.

    Dos dois exemplos de variao apresentados neste captulo a centralizao dos ditongos em Martha's Vine-yar(! um exemplo de indicador lingstico; as relativas do portugus falado de So Paulo so, por outro lado, um caso de marcador lingstico. As duas variantes no se manifestam a nvel de conscincia na comunidade; a dife-rena entre as duas est no faio de marcadores permitirem variao estilstica. Como exemplo de esteretipo, procure uma variante estigmatizada (ou no) que seja de domnio pblico. Em suma, pense no /r/ caipira do interior do Estado de So Paulo. .

    E agora, para o prximo captulo! Voc presenciou variantes lutando no momento sincrnicQ. Resta investigar o . passado e o possvel futuro dessas adversrias de batalha!

    5 Variao e

    mudana lingsticas

    Contemporizao ou morte?

    Nem tudo o que varia sofre mudana; toda mu-dana lingstica, no entanto, pressupe variao. Varia-o, portanto, no implica mudana; mudana, sim, im-plica sempre variao. Mudana variao! Os resulta-dos de anlises de variantes apontam, de maneira geral, para duas direes distintas: 1. a eslabilidade das adver-srias (situao a que nos . referimos no captulo 1 como "relao de contemporizao" pela subsistncia e/ou co-existncia das variantes); 2. a mudana em progresso (que reflete uma situao de duelo de morte entre as variantes). Nos dois casos h luta: cada variante dispe de certas armas (isto , os grupos de fatores ondicionadores, line gsticos e no-lingsticos) para combater sua(s) ad"er-sria(s).

    Ao nosso modelo de anlise falta . acres~ntar uma ltima dimenso: a histria. Nos dois captulos preceden-tes o foco de anlise foi a variao .sincrrtica. Neste, nossa preocupao dever incidir sobre a idade das va-

    2. O fato sociolingsticoTeoria, mtodo e objetoQualA lngua falada. O vernculoO paradoxo do observadorO mtodo de entrevista sociolingstica: a coleta de narrativas de experincia pessoalA narrativaA comunidade e a seleo de informantesAs clulas sociaisO dado no-naturalA coletade dados: concluso

    3. A variao lingustica: primeira instnciaO envelope de variaoAs armas e as artimanhas das variantes: fatores condicionadoresA operacionalizao do modeloO encaixamento lingstco da varivelOs fatores extralingsticos

    4. A variao lingstica: segunda instncia A avaliao de variveis sociolingsticas: o informanteTestes de percepo versus testes de produoA variao e a normalizao lingsticasGramtica e estilo

    5. Variao e mudana lingsticasContemporizao ou morte?